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ALCOÓLATRA E O FATOR HIPNOSE (*) Dra. Juana M. de Lopes** Relegar a segundo plano o problema do alcoolismo constitui crime de lesa-humanidade. É a hipnose a mais poderosa arma de que dispõem o clínico e o higienista no combate a esse terrível flagelo. É quase uma temeridade defrontar-se com tão ilustres cientistas do mundo inteiro para entrar num setor muito sério da medicina curativa — o da hipnose. Digo que é quase uma temeridade e justi- fico assim: embora formada há 40 anos, agora, por ocasião de uma eventualidade muito pouco co- mum, dirigi a minha limitada capacidade nessa direção. Explico melhor, caso alguém esteja pensando que melhor faria eu, aposentada do Ministério da Saúde, em ficar em casa lendo alguma coisa ou cuidando dos netinhos. Há algo que me absorve ainda, me estimula, me arranca do lar e de algum quiçá merecido repouso. Esse algo é um acendrado amor "irreversível", para usar um termo bastante "Daviniano", a uma causa que, isso sim, não é muito Da viniano, a causa do anti-alcoolismo. E não é de agora essa quase mística dedicação. Fazem 36 anos que eia me preocupa, tendo até, faz pouco, 6 anos apenas, dirigido minhas atividades para o ensino es- pecialmente nas escolas, do anti-alcoolismo, como Vice-Presidente da União Brasileira Pró-Temperan- ça. De 1955 para cá, com a minha eleição para Presidente da citada Sociedade (esta é a mencionada eventualidade), comecei a olhar o assunto pelo lado também médico. Resolvi abrir um ambulatório em que pudesse tratar e curar, se possível, os alcoólatras. O tamanho da empresa era descomunal, porém encontrei um colega tão abstênio e dedicado quanto eu, que se prontificou a emprestar as suas luzes e a sua ciência ao ambulatório. Este distinto colega é o Dr. Sylvio Aranha de Moura. E mãos à obra. Em 1955, 11 de maio, inauguramos, quase so- lenemente, com a presença do representante do Prefeito, nosso modesto, porém, bem intencionado ambulatório. Trabalhamos sem uma interrupção, com o coração nas mãos, tendo muitas vezes tido o auxílio de outros, também, distintos colaboradores como o Dr. Menandro T. Whately, que fazia e faz, sempre que solicitamos, o eletrocardiograma dos alcoólatras consulentes, como muitas vezes de seus familiares e especialmente por ser pediatra, dos filhos dos alcoólatras. Contamos tamde"m, para os ele- troencefalogramas, com o competente técnico Dr. Aureliano Tavares Bastos. * Trabalho apresentado durante os l?s Congressos, Brasileiro e Pan-Americano de Hipnoiogia. ** Nota do editor: A Dra. Juana M. de Lopes sempre se destacou na Sociedade Brasileira de Hipnose Médica, dentro da Diretoria ou fora dela, pela sua marcante individualidade, seus conceitos próprios e até mesmo por que não dizer? — por sua mordaz irreverência. . . Uma das mais queridas companheiras, foi a criadora do Boletim da S.B.H.M. 30

ALCOÓLATRA E O FATOR HIPNOSE (*) · ALCOÓLATRA E O FATOR HIPNOSE (*) Dra. Juana M. de Lopes** Relegar a segundo plano o problema do alcoolismo constitui crime de lesa-humanidade

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ALCOÓLATRA E O FATOR HIPNOSE (*)

Dra. Juana M. de Lopes**

Relegar a segundo plano o problema do alcoolismo constitui crime de lesa-humanidade.

É a hipnose a mais poderosa arma de que dispõem o clínico e o higienista no

combate a esse terrível flagelo.

É quase uma temeridade defrontar-se com tão ilustres cientistas do mundo inteiro para entrar num setor muito sério da medicina curativa — o da hipnose. Digo que é quase uma temeridade e justi­f ico assim: embora formada há 40 anos, só agora, por ocasião de uma eventualidade muito pouco co­mum, dirigi a minha limitada capacidade nessa direção.

Explico melhor, caso alguém esteja pensando que melhor faria eu, aposentada do Ministério da Saúde, em ficar em casa lendo alguma coisa ou cuidando dos netinhos. Há algo que me absorve ainda, me estimula, me arranca do lar e de algum quiçá merecido repouso. Esse algo é um acendrado amor "irreversível", para usar um termo bastante "Daviniano", a uma causa que, isso sim, não é muito Da viniano, a causa do anti-alcoolismo. E não é de agora essa quase mística dedicação. Fazem 36 anos que eia me preocupa, tendo até, faz pouco, 6 anos apenas, dirigido minhas atividades para o ensino es­pecialmente nas escolas, do anti-alcoolismo, como Vice-Presidente da União Brasileira Pró-Temperan-ça. De 1955 para cá, com a minha eleição para Presidente da citada Sociedade (esta é a mencionada eventualidade), comecei a olhar o assunto pelo lado também médico. Resolvi abrir um ambulatório em que pudesse tratar e curar, se possível, os alcoólatras.

O tamanho da empresa era descomunal, porém encontrei um colega tão abstênio e dedicado quanto eu, que se pronti f icou a emprestar as suas luzes e a sua ciência ao ambulatório. Este distinto colega é o Dr. Sylvio Aranha de Moura. E mãos à obra. Em 1955, 11 de maio, inauguramos, quase so­lenemente, com a presença do representante do Prefeito, nosso modesto, porém, bem intencionado ambulatório. Trabalhamos sem uma interrupção, com o coração nas mãos, tendo muitas vezes t ido o auxíl io de outros, também, distintos colaboradores como o Dr. Menandro T. Whately, que fazia e faz, sempre que solicitamos, o eletrocardiograma dos alcoólatras consulentes, como muitas vezes de seus familiares e especialmente por ser pediatra, dos filhos dos alcoólatras. Contamos tamde"m, para os ele-troencefalogramas, com o competente técnico Dr. Aureliano Tavares Bastos.

* Trabalho apresentado durante os l?s Congressos, Brasileiro e Pan-Americano de Hipnoiogia. * * Nota do editor: A Dra. Juana M. de Lopes sempre se destacou na Sociedade Brasileira de Hipnose Médica, dentro da Diretoria ou fora dela, pela sua marcante individualidade, seus conceitos próprios e até mesmo — por que não dizer? — por sua mordaz irreverência. . . Uma das mais queridas companheiras, foi a criadora do Boletim da S.B.H.M.

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Bem, no que se refere ao alcoolismo propriamente d i to, muitos e muitos têm sido atendidos em nosso serviço. Alguns curados e muitos melhorados. Ao dizer curados ou melhorados, quero dizer que as lesões orgânicas retrocederam ou desapareceram, o que demonstra bem a eficiência do tratamento usado. O tempo, entretanto, decorrendo, vem mostrar-nos algo que logicamente devia suceder. Melho­rados ou curados, graças à competência do distinto colega e à boa vontade nossa, muitos deles volta­vam por terem recaído ou porque não retrocedia o mal, como esperávamos. Isto fazia com que mais de uma vez trocássemos ideias com meu colega, deixando ver, mutuamente, alguma desilusão nos re­sultados. . . Não podia deixar de ser, pois a fogueira sempre alimentada, o incêndio sempre con­tinuava.

Se eu parasse por aqui, advinhariam o que vou dizer, é claro. Porém deixem-me dizê-lo. O mal produzido pela continuidade do uso do álcool pelo doente corria mais depressa do que as melhoras que se conseguiam com toda nossa boa intenção. Logo a lógica se impôs.

Se não fosse algo estranho dar a este item uma feição matemática teríamos as seguintes "pseu-do-equações":

1) Alcoólatra + ingestão de álcool — tratamento = péssimo. 2) Alcoólatra — ingestão de álcool — tratamento = Melhoria até certo ponto. 3) Alcoólatra + ingestão de álcool + tratamento = Demora indefinida na cura. 4) Alcoólatra — ingestão de álcool + tratamento = Cura, embora demorada. Deve o alcoólatra deixar de beber para obter uma cura consolidada das deficiências ou desvios

orgânicos ocasionados pelo álcool.

Eis aqui o " q u i d " da questão: deixar de beber. Até onde nos foi possível mobilizamos algum(a) assistente social para enfrentar morros, favelas, lugares ermos, distâncias, e t c , à procura do nosso cliente que deixou de comparecer. Encontramo-lo cheio de problemas que determinaram a queda para o álcool. Deveríamos movimentar um exército de visitadores(as) mas não o possuíamos.

Foi uma inspiração, certamente, que me levou a procurar o Prof. Dr. David Akstein, quem me deu depoimento animador sobre a conveniência da hipnose em casos de alcoolismo. Da mesma opi­nião foi o Prof. Dr. Miguel Callile Júnior que já possui numerosos casos de cura em alcoólatras. De­pois. . . aulas, correrias, cursos e coragem para começar.

Acabado este intrói to, realmente longo, que mais poderia dizer? Porém, desejo ainda dizer algu­mas palavras que melhor justif iquem o t í t u lo que dei a este despretensioso trabalhinho.

Que rapidamente me adaptei à aplicação da hipnose nos alcoólatras. Que eles também se subme­tem de bom grado. Que o número de doentes que até o início do tratamento pela hipnose era de pou­co mais de 100, vem aumentando cada dia. Que os resultados ultrapassaram nossa expectativa.

Talvez não realize esta hipnose com a perfeita técnica dos mestres, mas mesmo assim, ela cura, e o fator hipnose age como um brinde mútuo entre os doentes que se aglutinam, vivendo as mesmas angústias, as mesmas melhorias, e as mesmas alegrias finais, tornando-se amigos entre si e amigos nos­sos e da causa.

Que uns, aconselham aos outros e outros a outros, e nosso ambulatório nos dará grandes " lu ­cros" espirituais.

Dir-se-ia que, o que alguma vez ouvi de um cliente menos letrado — "O Laboratório" (quis di­zer Ambulatório) é realmente um lugar onde uma retorta imaginária, l impa, purifica e "abstenisa" quem ali entra como alcoólatra".

Conclusão: Com o tratamento médico clássico fazemos retroceder as lesões, e com a hipnose fir­mamos a cura, pela persuasão, não de Dubois, não de Coué, nem do nosso saudoso Austrégilo, evitan­do a contra-marcha da abstenção que neles se instala, creio definitivamente. Espero, com o correr do tempo, firmar ainda mais minha opinião sobre a cura definitiva sem retrocessos.

Se algum descrente nos disser que pode curar e ficar bom por um ano, dois anos, três anos, e depois por uma circunstância qualquer volta o copo aos lábios, responderemos: — E se nessa ocasião voltarmos a aplicar a mesma medicina, que acontecerá de mal? Repitam-se as hipnoses quantas sejam necessárias. Acaso um diabético se considera perdido porque às vezes precisa recorrer à insulina?

Ainda mais. Não é raro que só uma aplicação resolve os casos de urgência. Grandes, espantosa­mente grandes alcoólatras, como por um milagre, param verticalmente de beber. É claro que de nossa parte consolidamos esta cura "sensacional", prolongando o tratamento, até que o doente não sinta

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mais desejos de beber. (Este critério é pessoal). Não entrarei em estudos nem em teorias dos múltiplos fatores que determinam o alcoolismo.

Não se enquadrariam dentro deste pequeno trabalho.

Modestamente fazemos tudo o que for possível para remover as pedras do caminhante alcoóla­tra. E com muito amor e muita confiança na hipnose vamos fazendo um pouquinho do muito que ca­da um de nós deveria fazer para os outros (cada um em seu setor), dentro da verdadeira concepção da filosofia cristã.

Resumo: — A autora, que tem 6 anos de experiência no tratamento, mostra-se pouco satisfeita com a terapêutica clássica para alcoólatras. Lançando mão da hipnose, se declara verdadeiramente en­tusiasmada, mais que tudo pela rapidez com que tem conseguido curar seus pacientes. Sem abando­nar a terapêutica medicamentosa, usa o hipnotismo para consolidar a cura.

Diz também, que o que ela denomina " fator hipnose" contribui para um maior entendimento entre os clientes, que se tornam amigos entre si e nossos, e que recuperados retomam seus trabalhos, voltam à família e readquirem sua felicidade.