ALEXANDER, J. C. – a Importância Dos Clássicos

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ALEXANDER, J. C. – a Importância Dos Clássicos

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  • Revista de Cincias da AdministraoISSN: [email protected] Federal de Santa CatarinaBrasil

    Teixeira, Juliana Cristina; Zanoteli, Eduardo Jos; de Pdua Carrieri, AlexandreA IMPORTNCIA DOS CLSSICOS NA FORMAO DO PESQUISADOR: O QUE NOS DIZ OS

    CONCEITOS DE SOCIALIZAO, IDENTIFICAO E CAMPO INTELECTUAL COMO CAMPO DEPODER

    Revista de Cincias da Administrao, vol. 16, nm. 38, abril-, 2014, pp. 154-171Universidade Federal de Santa Catarina

    Santa Catarina, Brasil

    Disponvel em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=273530344011

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  • Artigo recebido em: 20/12/2012Aceito em: 15/07/2013

    Esta obra est sob uma Licena Creative Commons Atribuio-Uso.

    A IMPORTNCIA DOS CLSSICOS NA FORMAO DO PESQUISADOR: O QUE NOS DIZ OS CONCEITOS DE

    SOCIALIZAO, IDENTIFICAO E CAMPO INTELECTUAL COMO CAMPO DE PODER

    The Importance of Classics in the Formation of the Researcher: what says to us the concept of socialization, identification and

    intellectual field as field of power

    Juliana Cristina TeixeiraDoutoranda em Administrao pelo CEPEAD/UFMG. Professora Assistente. Universidade Federal de So Joo Del-Rei. Belo Horizonte, MG. Brasil. E-mail: [email protected]

    Eduardo Jos Zanoteli Doutorando em Administrao pelo CEPEAD/UFMG. Professor do Departamento de Cincias Contbeis da UFES. Universidade Federal do Esprito Santo. Vitria, ES. Brasil. E-mail: [email protected]

    Alexandre de Pdua Carrieri Professor Titular da Ps-Graduao e da Graduao em Administrao do CEPEAD/UFMG. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG. Brasil. E-mail: [email protected]

    DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-8077.2014v16n38p154

    Resumo

    O objetivo deste ensaio terico defender a importncia da leitura dos clssicos no processo de formao e de constituio do sujeito como pesquisador. Constri-se essa defesa por meio de abordagens tericas relacionadas aos conceitos de socializao; de identificao (que se relaciona ao conceito de identidade); e por meio da noo bourdiesiana de que o campo intelectual um campo de poder. Ao longo da discusso, analisa-se como, por intermdio da socializao, h uma influncia tanto da estrutura quanto do prprio sujeito em sua constituio como pesquisador. Por meio do conceito de identificao, percebe-se a influncia da subjetividade do sujeito pesquisador ao se identificar ou no com os clssicos que l, escolhendo aqueles que sero os seus clssicos. E, por meio da noo de campo intelectual como campo de poder, considera-se a existncia de uma cincia que no desinteressada e defende-se o perigo dos apuds e da leitura de tradues dos clssicos.

    Palavras-chave: Clssicos. Pesquisador. Socializao. Identificao. Campo de Poder.

    ABSTRACT

    The objective of this theoretical article is defend the importance of reading of the classics in the process of formation and constitution of the subject as a researcher. We construct this defense by means of theoretical approaches related to the concepts of socialization, identification (which relates to the concept of identity); and by means of Bourdieusian notion of that intellectual field is a field of power. Throughout the discussion, we analyzed how, by means of socialization, there is an influence of the structure how of the subject itself in their constitution as researcher. By means of the concept of identification, we perceive the influence of the subjectivity of the researcher subject to the identify yourself or not with the classics that reads, choosing those who will be their classics. And, by means of the notion of the intellectual field as a field of power, we consider the existence of a science that is not disinterested and we defend the danger of apuds and reading of translations of the classics.

    Keywords: Classics. Researche. Socialization. Identification. Fiel of Power.

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    A Importncia dos Clssicos na Formao do Pesquisador: o que nos diz os conceitos de socializao, identificao e campo intelectual como campo...

    1 INTRODUO

    O objetivo deste ensaio terico , por meio de uma releitura da obra de talo Calvino1, Por que ler os clssicos, defender a importncia da leitura dos clssicos no processo de formao e de constituio do sujeito como pesquisador. Para tal, foram utilizadas abordagens tericas relacionadas aos conceitos de socializao, identificao (e identidade) e a noo do campo intelectual como um campo de poder. Sendo assim, foram acionados diferentes constructos tericos que auxiliam na discusso da importncia de se ler os clssicos, principalmente em contraposio a leituras orientadas apenas para autores contemporneos ou leitores dos clssicos (tais como os famosos apuds).

    Importante ressaltar tambm a pertinncia de se fazer tal discusso aliada relao que existe entre estrutura e sujeito nas cincias sociais. Cada um dos conceitos aqui trabalhados auxilia a pensar a influncia de ambos na formao do pesquisador, bem como a influncia de jogos de poder existentes no campo intelectual.

    A formao do pesquisador e seu estabelecimen-to no campo esto significativamente relacionados trajetria que acompanha esse pesquisador desde sua insero no campo acadmico (at mesmo ante-riormente), trajetria essa influenciada por processos de socializao e de identificao, em que o sujeito continuamente se constri como pesquisador, modifi-cando-se ao longo do tempo. Em sua interao com os outros (o prprio clssico um desses outros), em seu processo de identificao ou no com esses outros, o pesquisador vai se constituindo. Nesse processo, os clssicos adquirem um papel importante, e por maiores que sejam [...] as leituras de formao de um indiv-duo, resta sempre um nmero enorme de obras que ele no leu. (CALVINO, 1999, p. 9)

    Essa formao tambm influenciada pelos inte-resses e pelas tomadas de posies polticas por parte dos escritores, estudiosos ou pesquisadores no campo intelectual, o que se reverte em um alerta para que no se leia de forma ingnua os clssicos e, principalmente, os leitores desses clssicos. Pois ser pesquisador ser poltico, j que assumir uma posio esttica dentro do campo intelectual implica tambm em assumir uma tomada de posio poltica. (BOURDIEU, 2006)

    Como forma de estruturar as discusses, o ensaio foi organizado em seis sees. Esta que ora se encerra (Seo 1) apresentou o tema proposto e o contextuali-zou aos conceitos que sero discutidos. Na Seo 2, feito um convite leitura dos clssicos a partir da obra de talo Calvino. Nas sees seguintes, discutem-se os conceitos de socializao (Seo 3), identificao e identidade (Seo 4) e campo intelectual como campo de poder (Seo 5), os quais so associados leitura dos clssicos e formao do pesquisador. Por fim, na Seo 6, so apresentadas as consideraes finais, nas quais reafirma-se a defesa pela importncia dos clssicos na constituio do ser-pesquisador.

    2 POR QUE LER OS CLSSICOS, POR TALO CALVINO

    Os pesquisadores poderiam se questionar: por que ler os clssicos se possvel consultar uma litera-tura intermediria e otimizar o tempo, concentrando a leitura em temas atuais e contemporneos? Ou, ainda, por que envidar esforos em desbravar os clssicos se outros j o fizeram? Algumas das possveis respostas se iniciam com outros questionamentos, como por exem-plo: ser que Marx foi adequadamente compreendido e estudado pelos que se dizem marxistas? Ser que no tem mais nada a dizer? Ser que seus seguidores, simpatizantes e crticos conseguiram captar em essncia as suas ideias e pensamentos e exploraram todas as perspectivas possveis? O mesmo se poderia questionar sobre Durkheim, Weber, Kant, Hegel, Freud, Bourdieu, Berger e Luckmann, Foucault, Popper, Markowitz, Modigliane e Miller e tantos outros clssicos. A simples dvida quanto s respostas para essas questes, por si s, j seria um convite leitura dos clssicos, mas muitos outros motivos se somam a estes, os quais sero discutidos neste ensaio.

    Um aspecto para o qual se quer chamar ateno na defesa que se faz em relao leitura dos clssicos que, por haver uma tendncia de que eles sejam con-siderados atemporais, corre-se um risco muito grande de se cair no anacronismo conceitual. Ler os clssicos no deveria ser um simples exerccio de captura de conceitos, de cpia de trechos que possam explicar temas e discusses que se queira hoje realizar, como se fosse possvel acionar atemporalmente. Os clssicos

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    Juliana Cristina Teixeira Eduardo Jos Zanoteli Alexandre de Pdua Carrieri

    e o que eles escrevem podem ser considerados atem-porais no sentido em que suas obras continuam sendo importantes para entender os contextos sobre os quais se debruam teoricamente.

    No entanto, o clssico e sua obra trazem consigo um contexto histrico e social que no pode estar deles desvinculados. Quando isso ocorre e quando, como bem chamam a ateno Matitz e Vizeu (2012), percebe--se a reunio de definies conceituais e de teorias em um nico quadro terico sem que os autores sejam historicamente situados, e sem que o [...] sentido dado por autores de diferentes pocas ou mesmo de variados contextos nacionais [...] (MATITZ; VIZEU, 2012, p. 589) seja considerado, o tratamento do clssico como sendo atemporal traz um efeito que negativo para as prprias reflexes acadmicas que, assim, acabam sendo contaminadas por um excesso de anacronismo que as descaracterizam historicamente.

    Nesse sentido, argumenta-se que muitas vezes os clssicos so considerados atemporais por trazem leitu-ras da sociedade que ainda explicam diversas facetas dos cenrios sociais contemporneos. No entanto, no podem ser desvinculados de suas perspectivas scio--histricas. A defesa para que essas perspectivas sejam consideradas no contexto dos estudos organizacionais realizada por Matitz e Vizeu (2012) quando os autores discutem o problema da definio conceitual nesse campo. Para os autores, o conceito, nesse campo de pesquisas, [...] um fenmeno socialmente referente e historicamente (re)construdo, capaz de revelar di-ferentes estruturas sociais e sua relao com o lxico de significaes que se constitui ao longo do tempo (MATITZ; VIZEU, 2012, p. 577). Sobre esse ponto de vista, considera-se que os clssicos podem ser auxlios importantes para a compreenso dessas reconstrues temporais dos conceitos e teorias.

    Calvino (1999) captura bem a importncia dos clssicos e chama a ateno para o perigo da biblio-grafia subjacente, intermediria, que muitas vezes, com o tempo, se distancia da obra e do pensamento original dos autores, medida que uns vo lendo pelos outros, acrescentando, suprimindo, incorporando, ignorando, confundindo, camuflando. Ele assim alerta:

    Existe uma inverso de valores muito difundida segundo a qual a introduo, o instrumento crtico, a bibliografia so usados como cortina de fumaa para esconder aquilo que o texto tem

    a dizer e que s pode dizer se o deixarmos falar sem intermedirios que pretendam saber mais do que ele. (CALVINO, 1999, p. 12)

    Nesse sentido, afirma que [...] um clssico uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos crticos sobre si, mas continuamente a repele para longe (CALVINO, 1999, p. 12). Repele para lon-ge aquilo e aqueles que se afastam das ideias originais e corrompem a essncia de seus contedos, ou seja, a nuvem que encoberta, que esconde, que obscurece e que, por fim, afasta. Provoca questionamentos to profundos e pertinentes que as crticas se tornam dese-javelmente inevitveis e deliciosamente transformado-ras. Aqui cabe um alerta aos replicantes, so queles que sem um olhar crtico tanto em relao aos textos originais quanto em relao bibliografia posterior, passivamente levam adiante contedos vazios, mo-vidos quase sempre por modismos. O que se acredita ser indesejvel para um pesquisador, para o qual o senso crtico e a reflexo so importantes. Chama-se aqui de replicantes pesquisadores que simplesmente reproduzem teorias advindas de outros autores sem necessariamente considerar sua pertinncia ou adequa-o ao contexto de anlise, ao momento histrico que essa teoria foi construda e est sendo ento aplicada e tambm postura ontolgica e epistemolgica em que foram baseadas.

    No se tratam apenas de estilo literrio as refe-rncias que aqui so feitas Calvino usando os verbos no presente (captura, chama, alerta, afirma, repele, provoca). Trata-se, antes, de uma aluso atualidade que aparece imbricada em seus escritos. Calvino (1999, p. 11) ressalta que [...] um clssico um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer [...], assim, [...] toda releitura de um clssico uma leitura de descoberta como a primeira. Nesse sentido, afirmar que se termina de ler um clssico nem sempre algo possvel, pois sua releitura permite que se aprenda de novo, que se faam novas descobertas, mesmo que para tal seja necessrio desconstruir algumas verdades para em seguida reconstru-las e estabelecer novas (ou as mesmas) vises. Dessa forma, a atualidade do clssico pode permanecer ainda que esse seja, de fato, velho.

    O prprio sujeito que se constri como pesquisa-dor passa por modificaes ao longo de sua trajetria. As modificaes aqui enfatizadas so aquelas oriundas

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    A Importncia dos Clssicos na Formao do Pesquisador: o que nos diz os conceitos de socializao, identificao e campo intelectual como campo...

    dos contatos que o sujeito tem com os clssicos. Por exemplo, depois de ler Berger e Luckmann (1985), possvel vir a admitir, ainda que antes no se tivesse tal viso, que a realidade socialmente construda. Ainda, ao ler Foucault (2006), que o poder relacional, e no algo possudo/detido por um indivduo, e que a sociedade imersa por constantes relaes de vigiar e punir (FOUCAULT, 2005). Ao ler Bourdieu (1998), que todos os campos sociais esto imersos em campos de poder, ou percebe-se as relaes sociais entre os sexos e a dominao masculina como uma construo social. (BOURDIEU, 2007)

    Nesse sentido, os clssicos tm essa capacida-de de acrescentarem algo novo, no s porque ns mudamos, mas porque eles tambm mudam luz de perspectivas histricas diferentes (CALVINO, 1999). Entretanto, no se pode entender que os textos contem-porneos devam ser deixados de lado, ou que os no clssicos no devam ser lidos. Refere-se e ao mesmo tempo questiona-se que os clssicos no podem ser esquecidos ou relegados a leituras superficiais, sendo substitudos por aquilo que se taxa de novo, mo-derno ou ps-moderno, por exemplo.

    Assim, no se pretende defender aqui que no se leia tambm aquilo que no considerado clssico. Calvino (1999, p. 14-15) corrobora dizendo que

    [...] o dia de hoje pode ser banal e mortificante, mas sempre um ponto em que nos situamos para olhar para frente ou para trs. Para poder ler os clssicos, temos de definir de onde eles esto sendo lidos, caso contrrio tanto o livro quanto o leitor se perdem numa nuvem atempo-ral. Assim, o rendimento mximo da leitura dos clssicos advm para aquele que sabe altern-la com a leitura de atualidades numa sbia dosa-gem. E isso no presume necessariamente uma equilibrada calma interior: pode ser tambm o fruto de um nervosismo impaciente, de uma in-satisfao trepidante. Talvez o ideal fosse captar a atualidade como o rumor do lado de fora da janela, que nos adverte dos engarrafamentos do trnsito e das mudanas do tempo, enquanto acompanhamos o discurso dos clssicos, que soa claro e articulado no interior da casa. Mas j suficiente que a maioria perceba a presena dos clssicos como um reboar distante, fora do espao invadido pelas atualidades como pela televiso a todo volume. Acrescentemos ento: clssico aquilo que tende a relegar as atualidades posio de barulho de fundo,

    mas ao mesmo tempo no pode prescindir desse barulho de fundo. clssico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatvel. (CALVINO, 1999, p. 14-15, grifo do autor)

    Sendo assim, segundo Calvino (1999), um cls-sico aquele que possui um efeito de ressonncia, no somente uma obra antiga, como se pode pensar. O adjetivo, segundo o autor, vale tambm para uma obra moderna, desde que ela j tenha um lugar prprio em uma continuidade cultural. Um clssico um livro que vem antes de outros clssicos; mas quem leu antes os outros e depois l aquele, reconhece logo o seu lugar na genealogia. (CALVINO, 1999, p. 14)

    Lendo ou relendo Calvino (1999) (j que este ensaio escrito por mais de um autor), atenta-se no apenas para a importncia dos clssicos em si, mas como essa discusso se relaciona a algumas temticas discutidas em cincias sociais aplicadas, como sociali-zao, identificao (e identidade) e noo de campo intelectual como campo de poder. Nesse sentido, segue-se com a discusso respondendo s questes inicialmente colocadas nesta seo por meio do con-ceito de socializao.

    3 POR QUE LER OS CLSSICOS E A SOCIALIZAO: A ESTRUTURA CONSTITUINDO O SUJEITO QUE TAMBM SE CONSTITUI

    Segundo Berger e Luckmann (1985), a socializa-o primria vivida na infncia e a socializao secun-dria qualquer processo posterior que introduza um indivduo j socializado em novos setores do mundo objetivo de sua sociedade. Nesse sentido, em relao ao pesquisador, possvel afirmar que a escola (aplica--se aqui o termo escola como representativo de todas as instituies de ensino por qual o sujeito passa, seja na educao bsica ou na prpria academia, principal campo para anlise da formao do pesquisador) est para a socializao secundria assim como a famlia est para a socializao primria.

    Enfatizando o carter histrico de contnuas so-cializaes das quais os clssicos fazem parte, pode-se dizer que

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    Juliana Cristina Teixeira Eduardo Jos Zanoteli Alexandre de Pdua Carrieri

    [...] os clssicos so aqueles livros que chegam at ns trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrs de si os traos que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na lingua-gem ou nos costumes). (CALVINO, 1999, p. 10)

    E a escola, nesse aspecto,

    [...] deve fazer com que voc conhea bem ou mal um certo nmero de clssicos dentre os quais (ou em relao aos quais) voc poder depois reconhecer os seus clssicos. A escola obrigada a dar-lhe instrumentos para efetuar uma opo: mas as escolhas que contam so aquelas que ocorrem fora e depois de cada escola. (CALVINO, 1999, p. 13, grifo nosso)

    Observa-se que a escola e os clssicos que ela indica podem representar a ao da estrutura sobre o sujeito que vir a ser pesquisador ou j o . Ou seja, ela tem um papel fundamental na socializao do pesquisador. Contudo, partindo de uma perspectiva na qual se considera a construo social da realidade (BERGER; LUCKMANN, 1985), ressalta-se que o su-jeito no apenas constitudo pelas estruturas sociais, pois ele tambm se constitui enquanto pesquisador. Justamente por esse motivo, Calvino (1999, p. 13) en-fatiza que as escolhas mais importantes so aquelas que ocorrem fora e depois da escola, e que [...] s nas leituras desinteressadas que pode acontecer deparar-se com aquele que se torna o seu livro (ainda que no se concorde com o s em sua frase).

    Nesse sentido, as referncias adquiridas pelo su-jeito nos processos de socializao pelos quais passa orientam suas aes e escolhas, mas h um eu (ou vrios eus) que tambm decide (m) quais so os seus clssicos. Assim, defende-se a formao de um pesquisador que seja sujeito ativo, constitudo e cons-tituinte, e que se utilize da crtica reflexiva para pensar os prprios clssicos, e que no seja simplesmente replicante. Ainda, que pense os clssicos considerando o contexto de anlise utilizado por eles, bem como a adequao ou no ao contexto ao qual se deseja aplicar suas teorias.

    A formao dos sujeitos pesquisadores em fase, diga-se, de socializao ocorre em seu cotidiano e nas diversas relaes que se estabelecem ao longo do processo. No s a leitura dos clssicos, mas tambm o contato com professores, orientadores, colegas de

    estudo, entrevistados, sujeitos (e no objetos) de estu-do contribuem para sua formao. Muitas vezes esta lhes imposta pelo mainstream da rea ou campo de pesquisa ou at mesmo por orientadores e professores, outras vezes trata-se de uma adeso pessoal do pes-quisador a uma determinada corrente ou doutrina de pensamento, tornando-se assim um discpulo de seus mestres (professores, orientadores ou mesmo outros pesquisadores). Todavia, destaca-se a importncia do posicionamento crtico do pesquisador diante de tais situaes, de forma a evitar se tornar um mero replicante.

    Nessa discusso, as relaes entre socializao primria e socializao secundria precisam ser des-tacadas. As noes advindas da socializao primria continuam a exercer seu efeito nas socializaes secun-drias dos indivduos, pois esquemas de referncia so mantidos. Nesse processo, podem ocorrer at certas crises, nas quais os indivduos percebem na socializa-o secundria aspectos que conflitam com as bases de referncia que adquiriram na socializao primria (BERGER; LUCKMANN, 1985). O que pode gerar angstia ou, at mesmo, alteraes nessas referncias primrias, j que as socializaes nem sempre so perfeitas, exatas, precisas.

    Ao se formar como pesquisador, a leitura dos clssicos se torna importante mesmo que seja uma releitura, pois h uma diferena entre as leituras que se faz na maturidade com as leituras que se faz na juventude. Ou seja, ao entrar na academia, impor-tante que eles sejam lidos ou, ainda, relidos.

    [...] ler pela primeira vez um grande livro na idade madura um prazer extraordinrio: dife-rente (mas no se pode dizer maior ou menor) se comparado a uma leitura da juventude. A juventude comunica ao ato de ler como a qualquer outra experincia um sabor e uma importncia particulares; ao passo que na ma-turidade apreciam-se (deveriam ser apreciados) muitos detalhes, nveis e significados a mais. (CALVINO, 1999, p. 10)

    Dessa forma, possvel apreender no que se cha-ma de maturidade detalhes mais especficos e mesmo vises mais abrangentes dos clssicos. Alm disso, a capacidade de compreender as relaes entre o que j diziam os clssicos e os fatos sociais contemporneos pode ser aprimorada.

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    A Importncia dos Clssicos na Formao do Pesquisador: o que nos diz os conceitos de socializao, identificao e campo intelectual como campo...

    Isso vale tanto para os clssicos antigos quanto para os modernos. Se leio a Odisseia, leio o texto de Homero, mas no posso esquecer tudo aquilo que as aventuras de Ulisses passaram a significar durante os sculos e no posso deixar de perguntar-me se tais significados estavam implcitos no texto ou se so incrustaes, deformaes ou dilataes. Lendo Kafka, no posso deixar de comprovar ou de rechaar a legitimidade do adjetivo kafkiano, que costu-mamos ouvir a cada quinze minutos, aplicado dentro e fora de contexto. Se leio Pais e filhos de Turgueniev ou Os possudos de Dostoievski no posso deixar de pensar em como essas personagens continuaram a reencarnar-se at nossos dias. (CALVINO, 1999, p. 11-12, grifo do autor)

    Mas mesmo as leituras da juventude so impor-tantes para a constituio do pesquisador, j que

    [...] podem ser [...] formativas no sentido de que do uma forma s experincias futuras, fornecendo modelos, recipientes, termos de comparao, esquemas de classificao, escalas de valores, paradigmas de beleza: todas, coisas que continuam a valer mesmo que nos recorde-mos pouco ou nada do livro lido na juventude. Relendo o livro na idade madura, acontece um reencontrar com aquelas constantes que j fazem parte de nossos mecanismos interiores e cuja origem havamos esquecido. Existe uma fora particular da obra que consegue fazer-se esquecer enquanto tal, mas que deixa sua se-mente. [...] Os clssicos so livros que exercem uma influncia particular quando se impem como inesquecveis e tambm quando se ocultam nas dobras da memria, mimetizando--se como inconsciente coletivo ou individual. (CALVINO, 1999, p. 10-11)

    Assim, a influncia que a leitura exerce sobre ns nos processos de socializao precisa ser destacada, as-pecto no qual reside a importncia de se ler os clssicos e no apenas os leitores desses clssicos. Pois estes leitores foram tambm socializados e se identificam ou no com os clssicos, de modo que suas percepes sobre eles tero um vis subjetivo. H, pois, que se reconhecer no s a subjetividade do pesquisador que se constri, como tambm a subjetividade dos autores que se l.

    Pode-se ressaltar ainda que nas vrias instn-cias de socializao por qual passa um pesquisador,

    como a graduao, o mestrado, o doutorado e outras formaes complementares, ele pode vir a representar, como diria Raul Seixas (SEIXAS, 1973), uma meta-morfose ambulante. Mas no uma metamorfose no sentido em que se constri e desconstri como pesqui-sador da mesma forma que se troca uma roupa. Uma metamorfose que sugere que a(s) socializao(es) do pesquisador leva a diferentes identificaes do mesmo com autores e clssicos ao longo de sua trajetria. Por isso, ento, se falar de identificao.

    4 POR QUE LER OS CLSSICOS E A IDENTIFICAO: A INFLUNCIA DA SUBJETIVIDADE DO SUJEITO PESQUISADOR

    O conceito de socializao possui relaes com a noo de identificao, a qual julga-se ser tambm importante para pensar a relao entre os clssicos e a formao do pesquisador, noo essa que se relaciona tambm ao conceito de identidade. por meio da socializao que o indivduo constri e reconstri sua identidade (DUBAR, 2005; FERNANDES; MARQUES; CARRIERI, 2010), sendo ela fruto de sucessivas socia-lizaes (PAIVA; MELO, 2010). Alm disso, os estudos sobre socializao se integram a movimentos tericos que se debruaram sobre a construo da identidade, defendendo o papel ativo do indivduo nessa cons-truo. (FERNANDES; MARQUES; CARRIERI, 2010)

    Os processos de construo da identidade podem ocorrer por identificao, o que [...] remete ao alinha-mento do universo simblico do plano individual em relao ao social [...] (PIMENTEL; CARRIERI, 2011, p. 2) e tambm por socializao, [...] que se refere ao processo de transmisso de regras e normas de condu-tas tidas como socialmente aceitas por um dado grupo social a um indivduo. (BERGER; LUCKMANN, 2004 apud PIMENTEL; CARRIERI, 2011, p. 2)

    Alm disso, as relaes entre identificao e socializao com a noo de identidade podem ser encontradas em contribuies de estudos da psicologia e da sociologia, por meio das quais possvel observar

    [...] dois processos complementares de cons-truo de identidade: de um lado, as correntes da psicologia contribuem com a noo de identificao, como um processo eminen-temente subjetivo, que se origina do sujeito

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    Juliana Cristina Teixeira Eduardo Jos Zanoteli Alexandre de Pdua Carrieri

    em relao ao Outro (ou Outros) que lhe so significativos (ERIKSON, 1976); de outro, as diferentes correntes das cincias sociais identi-ficam a existncia de um processo denominado socializao, que faria justamente o caminho inverso da identificao ou seja, ele seria constitudo pela transmisso de determinados tipos de comportamentos, valores e normas so-cialmente aceitas e tidas como corretas por um determinado grupo social para um indivduo ou um grupo (BERGER; LUCKMANN, 2004 apud PIMENTEL; CARRIERI, 2011, p. 8)

    Embora se fale neste trabalho do conceito de identidade, o conceito que se adota como central para a discusso o de identificao (que entendida como um processo contnuo de construo, de acordo com Fernandes, Marques e Carrieri (2010)), pois acredita-se que a identidade no algo acabado, no fixa, ela est sendo continuamente formada. Mesmo entre os autores que no acreditam que a mesma seja fixa, ela pode ser interpretada como mltipla, fluida ou aut-noma (CARRIERI; PAES DE PAULA; DAVEL, 2008). Dessa forma, corrobora-se com Hall (2006) em sua defesa de que ao invs de falar de identidade, dever--se-ia falar de identificao. Assim, se estaria vendo a identidade no como algo acabado, mas sim como algo em processo. Nesse sentido, quando cita-se aqui a identidade, que utilizada no sentido de algo em construo, no sendo fixa e nem acabada.

    A identificao um conceito importante para a reflexo a respeito da importncia de se ler os clssicos porque por meio de um processo de identificao ou no com grupos de autores, escolas tericas, pa-radigmas, ontologias, epistemologias, que o sujeito se constri enquanto pesquisador, que sua identidade construda. A partir de 1979, inicia-se o conceito de teoria social da identidade, sendo que sua concepo bsica a de que [...] todo ser humano faz parte de vrios grupos e se envolve em mltiplas identificaes, possuindo um repertrio de categorias sociais. (FER-NANDES; MARQUES; CARRIERI, 2010, p. 37)

    Nesse sentido, prioriza-se a noo de que a identidade pessoal uma condio que resulta da interao do indivduo com a realidade (ARCHER, 2000). Na temtica aqui discutida, a realidade seria o contato do sujeito com a academia, permeado no s por relaes e interaes sociais, como tambm por

    interaes com os clssicos cujas vozes se cristalizam em obras literrias.

    Identidade uma palavra originria da lgica, lgebra e filosofia clssica, que se estendeu por diferentes campos cientficos e escolas de pensamento, ganhando novos significados. Derivada dos vocbulos latinos idem e identitas, que significam o mesmo, e entitas, que significa entidade (CALDAS; WOOD JR., 1997), [...] a referncia identidade na literatura cercada de vrias conotaes e sinnimos tais como: oneself (si mesmo), self, ego, self-perception (autopercepo), self-definition (autodefinio), self-conception (autoconcepo), autoimagem, autorrepresentao, autoconscincia (HOGG; TERRY, 2000; SILVA, 2002 apud FERNANDES; MARQUES; CARRIERI, 2010, p. 29-30).

    Para Berger e Luckmann (1974, p. 228),

    A identidade [...] um elemento-chave da realidade subjetiva, e tal como toda realidade subjetiva, acha-se em relao dialtica com a sociedade. A identidade formada por pro-cessos sociais. Uma vez cristalizada, mantida, modificada ou mesmo remodelada pelas rela-es sociais. Os processos sociais implicados na formao e conservao da identidade so determinados pela estrutura social. Inversamen-te, as identidades produzidas pela interao do organismo, da conscincia individual e da estrutura social reagem sobre a estrutura social dada, mantendo-a, modificando-a ou mesmo remodelando-a.

    O conceito de identidade mltiplo, e h uma [...] complexidade que se encontra imbricada em suas manifestaes empricas (PIMENTA; LOPES; CORRA, 2010, p. 63). Como ressalta Freitas (2010), a identidade um daqueles temas [...] impossveis de serem debatidos e analisados em toda sua complexi-dade, [...] falar do sentimento de identidade parece ser um caminho mais fcil (FREITAS, 2010). Assim, quando se fala aqui dos processos de identificao dos sujeitos com os clssicos que l, fala-se tambm do sentimento que est relacionado a esse processo de identificao, principalmente relativo ao modo como o indivduo se percebe, e julga tanto como ele e o clssico so percebidos.

    Os estudos dos processos de identificao social podem ser sustentados por meio de teorias como as

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    A Importncia dos Clssicos na Formao do Pesquisador: o que nos diz os conceitos de socializao, identificao e campo intelectual como campo...

    da identidade social e a da categorizao do self (FER-NANDES; MARQUES; CARRIERI, 2009), sendo que a teoria da identidade social contribui para a compreen-so do modo como o indivduo usa categorias sociais para se classificar e classificar os outros. (NKOMO; COX JR., 1999)

    Fernandes, Marques e Carrieri (2009) afirmam que autores da teoria da identidade social e da categori-zao do self consideram trs componentes no processo de identificao do sujeito com as categorias e grupos sociais: os componentes cognitivo, afetivo e valorativo.

    O componente cognitivo diz respeito auto-categorizao e autodefinio do sujeito. Isto , ao estabelecer um senso de pertencimento a determinado grupo ou categoria social, a pessoa pode assumir seus prottipos e esteretipos, os quais expressam padres e atributos que caracterizam e distinguem o grupo dos demais. [...] O componente afetivo, incorporado ao componente cognitivo do processo de identifica-o, retratado pelos sentimentos do sujeito em relao ao fato de pertencer a um determinado grupo social. [...] O componente valorativo vinculado forma como, na percepo da pes-soa, seu grupo social valorizado pelos outros grupos. (FERNANDES; MARQUES; CARRIERI, 2009, p. 689-691)

    Nesse processo, os sujeitos podem se identificar ou no com os clssicos que lem, o que influencia o pesquisador que ser (ou que continuar ou no a ser). Para falar da relao da formao da identificao com a leitura dos clssicos, importante adicionar um pronome possessivo antes do substantivo clssico. H o meu clssico, o seu clssico, o nosso clssico, o cls-sico deles, e da em diante. Considera-se importante enfatizar que no h, necessariamente, clssicos un-nimes para todos os pesquisadores, nem para todas as reas de conhecimento. Os clssicos tendem a ser, na verdade, aqueles que so tratados pela maioria como tal. At porque o indivduo pode manter, relativamente coletividade, uma identidade legitimadora ou uma identidade de resistncia (CASTELLS, 2000), a qual seria sustentada por bases advindas de escritores marginalizados.

    Importante destacar tambm que um autor marginalizado hoje pode ser um clssico em algum contexto amanh, o que aconteceu com vrios autores, dentre os quais possvel citar, no cenrio

    brasileiro das cincias sociais, Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982), cuja noo de racionalidade substantiva (RAMOS, 1989) no era muito aceita em sua poca, sendo atualmente um consagrado socilogo (JUNIOR, 2010), tendo sido, por exemplo, recentemente home-nageado com uma edio especial em um peridico da rea de Organizaes: O&S (Organizaes & Sociedade) (O&S, 2010). Nesse sentido, o clssico para o indivduo pode ser tanto aquele legitimado na sociedade, quanto um autor marginalizado, mas com quem o indivduo se identifica.

    Assim, o sujeito, no exerccio de sua capacidade de ao e de sua subjetividade, pode no se identificar com algum autor ou obra considerados clssicos. Mes-mo esse no se identificar faz parte da construo de sua identidade como pesquisador. A identificao com o clssico estaria ainda relacionada a um sentimento de pertencimento a determinado grupo (TAJFEL, 1978), neste caso, o grupo dos leitores e adeptos das ideias desse clssico.

    Nesse processo, o sujeito pode objetivar saber quem ele enquanto pesquisador. Importa que [...] o seu clssico aquele que no pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a voc prprio em relao e talvez em contraste com ele (CALVINO, 1999, p. 13, grifo do autor). Identifica-se ou no com determinados grupos sociais, sendo que h aqueles grupos que sero chamados de nossos. O pesquisador pode ou no se identificar com os que so chamados de clssicos, com suas bases ontolgicas, epistemolgicas, meto-dolgicas, com os temas que trabalha, e at mesmo com sua prpria forma de escrita. Nesse processo de identificao que, ressalta-se, contnuo, o sujeito vai se construindo como pesquisador.

    Sendo contnuo, o sujeito pode inventar ou rein-ventar o pesquisador que , se identificando e (des)identificando (toda releitura de um clssico uma leitura de descoberta como a primeira (CALVINO, 1999, p. 13, grifo do autor). Ou at mesmo pode no se identificar com nada que seja considerado clssico. Porm, para essa mesma no identificao, preciso, antes, l-los, um ler que implica em conhec-los. Mas no um conhecer absoluto, necessariamente verda-deiro, que corresponda ao modo como a academia considera esse clssico ou prpria descrio que esse clssico faa de si. um conhecer influenciado pela subjetividade desse sujeito leitor, que pesquisador ou futuro pesquisador.

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    Juliana Cristina Teixeira Eduardo Jos Zanoteli Alexandre de Pdua Carrieri

    Nesse contnuo processo, a identidade , portan-to, [...] percebida como um construto [...] passageiro e sujeito s contingncias temporais (SARAIVA et al., 2010, p. 18). Por exemplo, possvel considerar as divises temporais que se faz em relao formao de um pesquisador, como o mestrado e o doutorado, nas quais pode haver um contnuo processo de forma-o da identidade do sujeito-pesquisador. Um clssico com o qual se identifica hoje pode ser um clssico questionado amanh.

    A interao que existe entre identidade e am-biente leva ao prprio processo de construo e reconstruo de identidades (SARAIVA et al., 2010). Sendo assim, a identidade como uma metamorfose, pois os indivduos vo se transformando ao longo de sua trajetria (CIAMPA, 2001), aqui acadmica. O indivduo construdo e se constri como pesquisa-dor no s quando l, mas tambm e significativamente quando interage com os outros sujeitos de seu campo. Pois a categorizao social externa importante na construo da identidade. O indivduo considera o que os outros pensam dele (SARAIVA et al., 2010). A identidade no s para si, tambm uma iden-tidade para o outro (DUBAR, 2005; FERNANDES; MARQUES; CARRIERI, 2010), o que o outro diz a respeito de um clssico com o qual se identifica pode influenciar na prpria percepo que se tem de seu clssico. Pois o indivduo pode concordar ou recusar as identificaes que recebe dos outros indivduos ou grupos. (DUBAR, 2005)

    Um exemplo que se julga importante uma ex-perincia pessoal de dois dos prprios autores deste ensaio terico que, em determinado momento de so-cializao secundria em ps-graduao, observaram seus colegas de curso descrevendo como passam por uma crise de identidade por estarem cursando uma disciplina que questiona muito dos valores acad-micos que at ento preconizavam. O processo de socializao pelo qual passavam questionava e via com certa desconfiana princpios que at ento estavam incorporados por esses indivduos, que se tornaram verdadeiros habits2 desses pesquisadores.

    H uma diferenciao em relao identidade pessoal e identidade social. A pessoal uma espcie de [...] construo individual do conceito de si e a so-cial, o conceito de si a partir da vinculao da pessoa a grupos sociais (MACHADO; KOPITTKE, 2002, p. 2).

    Assim, o clssico para o indivduo pode ser legitimado como tal ou no. A contradio tambm pode estar presente na relao com o clssico, pois mesmo que o indivduo no se identifique com ele, isso no implica necessariamente que ele o descarte. Nesse sentido, Calvino d um exemplo de sua relao com o filsofo e terico poltico Rousseau:

    Tudo aquilo que Jean-Jacques Rousseau pensa e faz me agrada, mas tudo me inspira um irre-sistvel desejo de contradiz-lo, de critic-lo, de brigar com ele. A pesa a sua antipatia particular num plano temperamental, mas por isso seria melhor que o deixasse de lado; contudo no posso deixar de inclu-lo entre os meus autores (CALVINO, 1999, p. 13).

    Pode-se dizer que h uma [...] multiplicidade de identidades que conviveriam simultaneamente, em harmonia ou conflito (FERNANDES; MARQUES; CARRIERI, 2010, grifo dos autores). Calvino admite no concordar com o que Rousseau diz, mas ao mes-mo tempo no deixa de inclu-lo entre seus autores, pois se identifica com o mesmo, ainda que no desejo de contradiz-lo. A prpria identidade um elemento contraditrio se pensar nela de uma forma dialtica, como fazem Pimenta, Lopes e Corra (2010). As au-toras ressaltam que a identidade algo a ser expresso e suprimido ao mesmo tempo, sendo continuamente inventada. Ela simultaneamente o exterior interna-lizado no sujeito e o interior externalizado por meio de suas aes (HALL, 1997). Ora o sujeito pode se identificar, ora no.

    H um interessante exemplo acadmico a ser utilizado para a discusso, que o ensaio terico de Carrieri, Paes de Paula e Davel (2008) a respeito de identidade nas organizaes, intitulado: Identidade nas Organizaes: Mltipla? Fluida? Autnoma?. Pela abordagem que realizam em conjunto sobre identida-de, possvel observar como as prprias identidades dos trs pesquisadores (que so influenciadas pelos processos de identificao com clssicos, por exemplo) os levam a considerar de forma diferenciada o conceito (no se quer aqui estabelecer rtulos a esses pesqui-sadores, mas apenas demonstrar vises diferentes de mundo com os quais se identificam, e que influenciam sua abordagem). A identidade como mltipla viria de uma identificao de Carrieri com uma viso ps--estruturalista de mundo; a identidade como fluida,

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    A Importncia dos Clssicos na Formao do Pesquisador: o que nos diz os conceitos de socializao, identificao e campo intelectual como campo...

    uma identificao de Davel com o ps-modernismo; e a identidade como autnoma, a viso de Paes de Paula, que se identifica com a Escola de Frankfurt. As identifi-caes desses autores, diferenciadas, levam a diferentes adjetivaes ao prprio conceito de identidade.

    Reconhecida a importncia dos clssicos devido aos processos de socializao do ser-pesquisador, ser discutido a seguir o perigo dos apuds para estudar os clssicos. Porque o campo intelectual pode tambm ser visto como um campo de poder. Sendo assim, o pesquisador, no exerccio de sua capacidade de esco-lha, pode tambm relacionar seus escritos a objetivos de lucro simblico no campo em que atuam. Dessa forma, como ler de forma confiada leitores de clssicos? Afinal, eles no so sujeitos desinteressados no campo.

    5 O PERIGO DOS APUDS: POR QUE LER OS CLSSICOS E A ABORDAGEM BOURDIEUSIANA3 DO CAMPO INTELECTUAL O SER PESQUISADOR COMO SER POLTICO

    Nesse momento, parte-se de uma abordagem mais compreensiva acerca da importncia dos cls-sicos por intermdio dos conceitos de socializao e identificao para uma abordagem que revela o carter no desinteressado das aes e das escritas no mbito acadmico, indo ao encontro de uma dimenso mais poltica de anlise da temtica com o auxlio da aborda-gem de Bourdieu (2003; 2004; 2006) sobre os campos intelectual, cientfico e acadmico. Nessa discusso, ser defendida a importncia de se ler diretamente os clssicos, evitando citaes de citaes (a utilizada expresso apud).

    Uma expresso categrica que se pode utilizar para introduzir a discusso que toda posio esttica implica em uma posio poltica, segundo Bourdieu (2006). As prticas cientficas, para Bourdieu (2003, p. 113), no so desinteressadas, apenas o so [...] quando referidas a interesses diferentes, produzidos e exigidos por outros campos. O universo da cincia, para o autor, um campo permeado por relaes de fora, lutas, estratgias e interesses. O poder conferi-do palavra na forma de publicaes cientficas, por exemplo, precisa ser levado em considerao, pois ele

    pode influenciar vrios outros acadmicos iniciantes no campo (no s os iniciantes). A analogia que Bourdieu (2004) faz em relao ao campo de lutas como um jogo refora a intensidade das disputas no campo:

    A diferena maior entre um campo e um jogo [...] que o campo um jogo no qual as regras do jogo esto elas prprias postas em jogo (como se v todas as vezes que uma revoluo simblica [...] vem redefinir as prprias condi-es de acesso ao jogo, isto , as propriedades que a funcionam como capital e do poder sobre o jogo e sobre os outros jogadores). (BOURDIEU, 2004, p. 29)

    Sendo assim, os pesquisadores, conscientes de sua posio poltica e da possvel influncia de suas palavras, sabem que, dependendo de sua posio no campo, podem influenciar a prpria redefinio das regras do jogo. Nesse sentido, importante conside-rar no s o ser poltico que o prprio pesquisador, como tambm os prprios clssicos e aqueles que os estudam. preciso, pois, romper com uma imagem de concorrncia pura e perfeita das ideias no campo intelectual. (BOURDIEU, 2003)

    Os pesquisadores e os escritores so, dessa forma, jogadores no campo, cujos interesses esto na acumu-lao de capitais que nele so importantes. Os prprios temas de pesquisa com que se trabalha so reflexos do ser poltico que o pesquisador ou o intelectual. Pois o que se faz deve ser interessante no s para si mesmo, mas tambm para os outros (BOURDIEU, 2003). Alm disso, h

    [...] efeitos de sistemas de fatores que determi-nam as prticas e as ideologias de todo escritor na medida em que pertence a um campo inte-lectual dotado de uma estrutura determinada, por sua vez includo em um campo do poder dotado de uma estrutura determinada. (BOUR-DIEU, 2006, p. 188)

    Ou seja, para Bourdieu (1998), todo campo so-cial, assim como o intelectual e o cientfico, se insere em um campo de poder. Dessa forma, considera-se a no neutralidade dos autores que se l. Sua posio sobre determinado autor ou obra clssica ser influenciada tambm por sua posio no campo e por seus interesses nele. Sendo assim, ler os clssicos importante, j que cada autor interpreta sob seu ponto de vista e interesse determinado clssico.

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    Estudar um clssico por intermdio de outro leitor , sem dvida, importante. Muitas vezes, interpretaes alheias podem ajudar a compreender aspectos que no haviam recebido ateno ou que nem mesmo foram entendidos. Contudo, a no neutralidade e a subjetivi-dade do que se l influencia no somente na percepo que se tem sobre as ideias e os argumentos do clssico (o que advm do prprio processo de socializao e de identificao), mas tambm nos interesses em jogo na sua escrita.

    Se o prprio clssico possui sua tomada de po-sio poltica ao escrever, o que dizer ento de uma interpretao ou apropriao poltica de um pesqui-sador a respeito do que diz esse clssico? O carter indireto e secundrio da obra do leitor de um clssico nem sempre ir refletir aquilo que o clssico quis (ou no quis) dizer. Pode-se fazer a uma analogia com a brincadeira infantil do telefone sem fio4, pois o vis da interpretao de um clssico triplamente determina-do: pela subjetividade do escritor, pelos habitus que ele incorpora em seus processos de socializao e de construo da identidade, e pelo seu prprio interesse no campo. Como ressalta o prprio Calvino, muitas vezes descobre-se que um clssico muito comentado e famoso totalmente diverso do que se pensava. (CALVINO, 1999)

    A leitura de um clssico deve oferecer-nos alguma surpresa em relao imagem que dele tnhamos. Por isso, nunca ser demais recomendar a leitura direta dos textos originais, evitando o mais possvel bibliografia crtica, comentrios, interpretaes. A escola e a univer-sidade deveriam servir para fazer entender que nenhum livro que fala de outro livro diz mais sobre o livro em questo; mas fazem de tudo para que se acredite no contrrio. Existe uma inverso de valores muito difundida segundo a qual a introduo, o instrumental crtico, a bibliografia so usados como cortina de fumaa para esconder aquilo que o texto tem a dizer e que s pode dizer se o deixarmos falar sem intermedirios que pretendam saber mais do que ele. (CALVINO, 1999, p. 12)

    Nesse sentido, citar sem ler o clssico algo arris-cado, o que muitas vezes ocorre, para o que corrobora Calvino (1999), que afirma que algumas obras so mais citadas do que lidas. Se [...] um clssico um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer

    [...] (CALVINO, 1999, p. 11), como sugere o autor, quantas aberturas ento no se realizam para vrias interpretaes e para aqueles que pretendem dizer o que no foi dito?

    Um interessante exemplo so as interpretaes diversas que se faz da obra de Karl Marx, intelectual alemo que considerado um clssico (ser que o clssico dispensa apresentao? Em tese, dispensaria, mas isso no ocorre, j que nem todos conhecem ainda quais so os clssicos de sua rea, pode-se estar ainda em processo de socializao. Tambm, leitores de dife-rentes reas podem ler o ensaio). Chasin (1995), por exemplo, critica a interpretao que Kautsky5 faz sobre a obra de Marx, o que se observa nos trechos a seguir:

    - por certo, das mais antigas e falsas a verso kautskyana (CHASIN, 1995, p. 340);

    - e que por geraes serviu de referncia ou paradigma (CHASIN, 1995, p. 340-341);

    - em seu explcito naturalismo positivista, a um tempo ingnuo e grosseiro, Kautsky resume o mrito cientfico de Marx em ter... (CHASIN, 1995, p. 341);

    - e sob o contorno desse deplorvel apara-to terico, escandalosamente incompat-vel com o pensamento de Marx... (CHASIN, 1995, p. 341).

    Duas anlises podem ser feitas nesse exemplo. O risco de se ler Kautsky, e tambm o risco de ler Cha-sin (1995), pois ele tambm possui interesses no campo ao criticar Kautsky (no se entrar aqui na discusso se as crticas so ou no plausveis).

    Ler diretamente o clssico tambm importante por descobrir aquele que primeiro formulou deter-minadas ideias e pensou sobre determinadas questes.

    O clssico no necessariamente nos ensina algo que no sabamos; s vezes descobrimos nele algo que sempre soubramos (ou acreditvamos saber), mas desconhecamos que ele o dissera primeiro (ou que de algum modo se liga a ele de maneira particular). E mesmo esta uma surpresa que d muita satisfao, como sempre d a descoberta de uma origem, de uma relao, de uma pertinncia. [...] Os clssicos so livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando so lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inditos. Naturalmente isso ocorre quando um clssico funciona como

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    A Importncia dos Clssicos na Formao do Pesquisador: o que nos diz os conceitos de socializao, identificao e campo intelectual como campo...

    tal, isto , estabelece uma relao pessoal com quem o l (CALVINO, 1999, p. 12)

    Outra questo interessante a ser enfatizada que no basta ler os clssicos, importante tambm que se leiam boas tradues desses clssicos, pois essas so ferramentas passveis de utilizao poltica, podendo ser influenciadas pelos interesses do tradutor e dos outros para quem escreve dentro do campo. Sendo assim, podem se tornar verdadeiras armadilhas para o sujeito que se constri pesquisador.

    possvel analisar aqui o exemplo de tradues da obra tica protestante e o esprito do capitalismo

    de Max Weber, em que obra e autor so considerados clssicos (lembrem-se, no necessariamente, o meu clssico ou o seu clssico). Weber um intelectual ale-mo cuja obra influenciou a Sociologia principalmente, mas tambm a Economia, a Cincia Poltica, o Direito, a Filosofia e a Administrao. Optou-se por demons-trar tradues dessa obra especificamente porque ela foi eleita o mais importante escrito terico publicado no sculo XX por intelectuais convidados pelo jornal brasileiro Folha de So Paulo6.

    possvel observar no Quadro 1 um mesmo trecho deste livro, mas em duas diferentes tradues.

    Quadro 1: Diferentes tradues de trecho da obra tica Protestante e o Esprito do Capitalismo de Max Weber Fonte: Elaborado pelos autores com base em Weber (2004; 2009)

    possvel observar que, nos dois trechos, tradu-es de palavras que podem implicar em interpretaes diferentes do que Weber quis ou no dizer (Quadro 2).

    Observa-se o risco no s de no se ler o clssico, como tambm de se ler tradues que possam estar equivocadas. Mesmo eliminando as possibilidades de interesses do tradutor no campo, sua prpria subjeti-vidade tambm influencia no modo como traduzir o clssico. Ademais, ele possui identidade diferente do outro tradutor e, ainda, passou por processos de socializao diferentes. Mesmo que tivessem estudado na mesma escola, sua histria e socializao primria no foram as mesmas. Recomenda-se ento no s a leitura dos clssicos, mas que se escolham cuidadosa-mente suas tradues.

    Quando se discute o aspecto das tradues, volta--se novamente discusso sobre o risco do anacronis-mo conceitual. Como ressalta Cunha (2013, p. 153),

    [...] por vezes confrangedor ver algumas tra-dues literarizantes de clssicos, que retiram s expresses originais toda a carga original, e as atualizam normalmente, com evidente anacronismo conceitual e institucional.

    Mas como escolher cuidadosamente tradues? No nossa inteno aqui elaborar uma receita, uma prescrio de como se escolher boas tradues. Mas possvel apontar alguns aspectos que merecem ateno. Em primeiro lugar, um resgate histrico sobre o clssico, a obra e seu contexto de produo deveria ser realizado

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    Juliana Cristina Teixeira Eduardo Jos Zanoteli Alexandre de Pdua Carrieri

    previamente leitura seja de um original ou de uma traduo. Munidos de um melhor conhecimento con-textual, ou de um melhor entendimento das condies sociais de produo dos discursos presentes na obra a ser lida, pode-se amenizar as possveis discrepncias relativas tanto ao anacronismo conceitual quanto s prprias caractersticas e interesses dos tradutores.

    Em segundo lugar, a traduo deve ser consi-derada como um [...] processo de criao em que o tradutor um servidor da verdade do autor e suporte da alteridade deste. No se trata, pois, de fidelidade ao texto, mas de lealdade ao homem que se faz presente no texto (PRESTES, 2010, p. 11). Nesse sentido,

    recomenda-se que se pense quem o tradutor, quais so suas qualificaes e experincias, e que se consi-dere seu nvel de conhecimento a respeito do clssico que traduz. Esse aspecto no elimina a subjetividade de sua traduo. No entanto, nos possibilita ter mais acesso referida lealdade.

    O terceiro aspecto importante a ser considerado na escolha da traduo a editora, seu perfil de atu-ao, estilo de traduo e experincia com obras lite-rrias de clssicos. A traduo um processo coletivo que no compete apenas ao tradutor. Como argumenta Prestes (2010, p. 78-79),

    Quadro 2: Comparaes entre duas tradues de trecho da obra tica Protestante e o Esprito do Capi-talismo de Max Weber Fonte: Elaborado pelos autores com base em Weber (2004; 2009)

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    A Importncia dos Clssicos na Formao do Pesquisador: o que nos diz os conceitos de socializao, identificao e campo intelectual como campo...

    s vezes, a deciso por certas opes no do tradutor e sim das editoras. Por mais que o tradutor tome a deciso de respeitar o origi-nal, mesmo que no fique um texto belo, em portugus, as normas de redao das editoras - essa verdadeira camisa-de-fora que no tem outra funo seno a de deixar os textos apa-rentemente mais bonitos falam, na maioria das vezes, mais alto do que a simplicidade do desejo de transcend-las. Por isso, determinadas construes textuais que deformam, de certo modo, o estilo do autor e ignoram sua alteridade podem estar nas tradues, mas no por opo do tradutor. Por mais que o tradutor consiga estabelecer o dialogo genuno com o autor, sem medir esforos para que o autor esteja presente na traduo, algumas editoras, com atitudes

    autoritrias, anulam no s a alteridade do autor, mas tambm a do tradutor.

    Nesse processo de escolha, que envolve ento vrios aspectos, buscar a indicao de estudiosos e pesquisadores de determinados clssicos a respeito das melhores tradues, quando no se tem acesso a mais informaes, pode ser uma boa sada. O ideal ainda que esses estudiosos ouvidos sejam conhecedores da lngua original do clssico, a fim de que tenha pa-rmetros mais consolidados para a indicao de uma boa traduo.

    Por fim, a Figura 1 demonstra uma sntese de algumas das ideias discutidas no ensaio relativamente aos conceitos de socializao, identificao (e identida-de) e campo intelectual como campo de poder.

    Figura 1: Sntese de algumas das ideias do ensaio terico Fonte: Elaborado pelos autores deste artigo

    A sntese presente na Figura 1 permite enfatizar que, ao longo da discusso, analisa-se como, por in-termdio da socializao, a estrutura constitui o sujeito que tambm se constitui (a ele so apresentados alguns clssicos em seu processo de socializao, os quais po-dem ser interpretados de maneiras diversas por meio de sua subjetividade). Pelo conceito de identificao, percebe-se a influncia da subjetividade do sujeito

    pesquisador ao se identificar ou no com os clssicos, escolhendo aqueles que sero os seus clssicos. E, por meio da noo de campo intelectual como campo de poder, defende-se o perigo dos apuds e da leitura de tradues descuidadas ou muito interessadas dos clssicos. Parte-se ento para algumas consideraes finais do ensaio.

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    6 ENFIM, LEIAM OS CLSSICOS

    Neste ensaio, procurou-se extrapolar o simples desenrolar de motivos para que se leiam os clssicos. Pretendeu-se associ-los sua importncia para a formao do pesquisador, cujas pesquisas podem im-pactar no s a teoria de seu campo, como a prpria sociedade. No se teve a pretenso no ensaio, como ressalta Calvino (1999, p. 16), que [...] se pense que os clssicos devem ser lidos porque servem para qualquer coisa. [que] A nica razo que se pode apresentar que ler os clssicos melhor do que no ler os clssicos.

    Uma questo que poderia ser formulada de forma a consolidar alguns dos principais aspectos discutidos ao longo deste ensaio : os clssicos so obras obri-gatrias de outrora ou fundamentais para agora7? Espera-se que a esta altura a resposta parea clara para a maioria de nossos leitores, j que os clssicos so as duas coisas, pois como nunca terminam de dizer o que pretendiam, so to fundamentais agora quanto obrigatrios outrora, especialmente no mbito acadmico, ambiente em que conhecer os clssicos fundamental tanto para a socializao quanto para a legitimao do pesquisador no campo.

    Outro aspecto que deve ser ressaltado o prprio vis dos autores deste ensaio, no sentido em que se tentou estabelecer uma discusso da importncia dos clssicos de modo indistinto para todas as reas do conhecimento (os clssicos so importantes para as diversas reas), mas sem dvida houve influncia da nossa formao. Como nossa socializao secundria est na rea de Cincias Sociais Aplicadas, especifi-camente Administrao, os exemplos que aqui foram utilizados de clssicos possuem o vis de tal formao. Dessa forma, chamou-se novamente ateno para o fato de que, como sujeitos, e no simples marionetes da estrutura, nossa subjetividade se insere na escolha dos clssicos que ocasionalmente foram citados.

    Leiam os clssicos seria a mensagem que se deixaria para os pesquisadores em formao e tambm para aqueles que j se julgam formados. Mas, mesmo depois de nossa discusso,

    [...] se algum objetar que no vale pena tanto esforo (para ler os clssicos), citarei Cioran (no um clssico, pelo menos por enquanto,

    mas um pensador contemporneo que s agora comea a ser traduzido na Itlia): Enquanto era preparada a cicuta, Scrates estava aprendendo uma ria com a flauta. Para que lhe servir?, perguntaram-lhe. Para aprender esta ria antes de morrer. (CALVINO, 1999, p. 16)

    Importante que a ria8 seja apreendida por si mesmo, e no que seja somente ouvida quando os outros a tocam. Aprender a ria pode ser uma interes-sante analogia para se pensar como o sujeito precisa se colocar diante da estrutura. Que os pesquisadores que se atm apenas a ouvir a ria, seja de perto ou de longe, reconheam a importncia de toc-la por si mesmos. Mas no qualquer ria, afinal, ela uma composio musical comumente escrita para um cantor solista (HOLST, 1987). Sendo assim, ela sua, o clssico seu. Ele pode tambm ser nosso. Pois a ria pode tambm ser escrita para mais de um cantor, pode ser um dueto, um terceto, um quarteto, quinteto, sexteto, e assim por diante (HOLST, 1987).

    Os clssicos [...] servem para entender quem somos e aonde chegamos [...] (CALVINO, 1999, p. 16). Quem somos e aonde chegamos traz uma ideia de dinmica e de movimento, e justamente associada a essa ideia que est a nossa defesa de que os clssicos, embora considerados por muitos como sendo atemporais, sejam historicamente considerados. Defende-se o perspectivismo ao se olhar para as obras dos clssicos, pois essas no podem ser consideradas de forma desvinculada de seus contextos histricos e sociais. Os clssicos, embora possam nos trazer refle-xes que soem contemporneas, falaram para uma determinada poca e para determinados contextos, at mesmo geogrficos.

    Considerando essas perspectivas, e tambm a subjetividade que est envolvida nas escolhas pelos clssicos, que se forme, assim, nossa prpria biblioteca de clssicos, como sugere Calvino (1999). E se um dia nos tornarmos um desses clssicos, que se passe a re-conhecer hoje no apenas o aspecto poltico envolvido em nossas teorias, como tambm as prprias relaes de poder que existem entre pesquisador e pesquisado ao fazer pesquisas empricas (WRAY-BLISS, 2003), pois nossos relatos de pesquisa podem se transformar em teorias adotadas por muitos como os seus clssicos.

    Refora-se, assim, a importncia no s de ser ler os clssicos, mas tambm de l-los diretamente e

  • 169Revista de Cincias da Administrao v. 16, n. 38, p. 154-171, abr. 2014

    A Importncia dos Clssicos na Formao do Pesquisador: o que nos diz os conceitos de socializao, identificao e campo intelectual como campo...

    no apenas por intermdio de terceiros, bem como a importncia de se escolher cuidadosamente as tra-dues desse clssico para leitura. Por fim, possvel considerar como possveis desdobramentos desse ensaio, se aceitos forem nossos discursos, se com eles algum se identificar, contribuies para um no eterno replicar no fazer cincia j que h certo colonialismo epistmico na Amrica Latina, como discute Ibarra--Colado (2006). Inicialmente, pode-se pensar que considerar os clssicos seja, ao contrrio, uma forma de se prender ao passado e de ser replicante. Contudo, para que novos caminhos tericos e prticos sejam encontrados no fazer cincia, defende-se exatamente a importncia de se entender os clssicos. Munidos de melhores ferramentas de anlise a partir dessa compre-enso, possvel no s nos conhecer melhor como pesquisadores (a identidade para si), como analisar nossa importncia no campo do conhecimento (a identidade para o outro). Reconhecida, por sua vez, tal importncia, podemos estar mais cientes da responsa-bilidade de se fazer cincia, no nos contentando com o mero replicar.

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    A Importncia dos Clssicos na Formao do Pesquisador: o que nos diz os conceitos de socializao, identificao e campo intelectual como campo...

    NOTAS

    1 talo Calvino, o autor da obra que inspirou este ensaio, foi um jornalista, contista e romancista italiano. De pais

    italianos, nasceu em Cuba em outubro de 1923 e, ainda

    criana, retornou Itlia. Em 1940, e em consequncia

    da deflagrao da Segunda Guerra Mundial, Calvino foi

    recrutado para a Mocidade Fascista, mas desertou pouco

    tempo depois, refugiando-se nas montanhas da Ligria,

    onde se juntou Resistncia Comunista (INFOPEDIA,

    2011). Formou-se no curso de Literatura em 1947, ano

    em que publicou seu primeiro romance, que foi seguido

    por vrias outras obras. Faleceu em 1985, em Siena,

    por causas naturais (INFOPEDIA, 2011). enquadrado

    dentro da tradio literria modernista.

    2 O habitus um sistema de disposies durveis, transferveis e socialmente constitudas que so

    incorporadas aos agentes, orientando e dando significado

    s suas aes e representaes (BOURDIEU, 1998; 2003).

    O habitus constitui a forma com que o indivduo percebe,

    julga e valoriza o mundo. (THIRY-CHERQUES, 2006)

    3 Utilizamos aqui uma abordagem bourdieusiana no que se refere considerao do campo intelectual como

    um campo de poder. No aprofundamos na teoria do

    autor neste ensaio, o que demandaria a abordagem dos

    principais conceitos do autor que, alm de campo, seriam

    capital, habitus, doxa, nomos, illusio e hexis.

    4 Telefone sem fio uma brincadeira popular em que as crianas se colocam em fila, lado a lado. A primeira da fila

    transmite uma mensagem ao aluno seguinte, [...] falando

    baixinho no ouvido at chegar ao ltimo da fila que dir

    para todos a mensagem que recebeu (SILVA; ALMEIDA

    JR.; PAULO, 2009, p. 265). Nesse processo, a mensagem

    pode, ao final, chegar modificada.

    5 Terico poltico alemo, que considerado um fiel intrprete da obra de Marx e Engels. [...] lder e principal

    terico do Partido Social-Democrtico dos Trabalhadores

    Alemes. A influncia de Kautsky foi enorme. Segundo

    o historiador francs Georges Haupt, pela seleo dos

    textos que considerava importantes de Marx e pela

    concatenao de tais textos, foi Kautsky quem criou o

    marxismo (termo que Marx recusava). (KONDER,

    2003, p. 4)

    6 A Folha de So Paulo convidou dez intelectuais para construir uma lista com os cem melhores livros de no

    fico e ensaios publicados no sculo XX, sendo que tica

    Protestante e o Esprito do Capitalismo ficou em primeiro

    lugar. Max Weber, clssico, tambm ocupa a terceira

    posio da lista com a obra Economia e Sociedade.

    (FOLHA DE SO PAULO, 1999)

    7 Esses dois trechos esto destacados entre aspas porque retiramos dos comentrios de um dos avaliadores

    da primeira verso deste ensaio terico, que nos fez

    provocaes a respeito da questo referida.

    8 Composio musical. (HOLST, 1987)