Alguns_conceitos - Paulo Celso

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/24/2019 Alguns_conceitos - Paulo Celso

    1/3

    Os verbetes foram retirados de:Teixeira Coelho. Dicionrio Crtico de Poltica Cultural. So Paulo: Iluminuras / Fapesp, 2004.

    Exceto:o verbete Descolecionamento, retirado de: Canclini, Nstor Garcia. Culturas Hbridas. SoPaulo: EdUsp, 1997 (pp.302-305); j o verbete Fragmentao resulta em texto que fiz a partirde leituras desses dois autores.

    Capital culturalNum sentido estrito, capital cultural aponta para o conjunto dos instrumentos de

    apropriao dos bens simblicos. Sob este aspecto, considerando-se a questo do ponto devista do consumo cultural - um dos modos de apropriao dos bens simblicos - aalfabetizao integra o capital cultural ou capital simblico de um indivduo tanto quanto suaeducao em geral e seu treinamento para apreciar a msica, a pintura, o cinema ou qualqueroutra modalidade cultural. Num sentido mais amplo, constituem o capital cultural de umindivduo ou comunidade a soma de todos esses instrumentos que permitem o consumo e aproduo dos bens simblicos (bem como sua distribuio e troca) e o conjunto dos prpriosbens simblicos produzidos, como as colees nas bibliotecas, pinacotecas, museus,galerias, cinematecas, videotecas, o assim por diante.

    Culturas hbridasExpresso que surge recentemente para designar o cenrio cultural contemporneo

    caracterizado no mais por nveis ou compartimentos estanques que separam a culturaerudita da popular e de massa, a cientfica da literria, a artesanal da industrial, a tnicaarcaica da tecnolgica de ponta, a indentitria da globalizada. A hibridizao refere-se aomodo pelo qual modos culturais ou partes desses modos se separam de seus contextos deorigem e se recombinam com outros modos ou partes de modos de outra origem,

    configurando, no processo, novas prticas. O fenmeno da hibridizao por vezesdesignado como de sincretismo ou mestiagem. Se exemplos do modo cultural hbrido podemser identificados com clareza (a produo musical dos Beatles; o casamento entre o cinemade Richard Lester e os prprios Beatles, nos filmes A Hard Day's Night e Help!, nos anos 60,que marcaram o primeiro momento dessa hibridizao em grande escala, com o trao dequalidade necessrio para falar-se efetivamente numa cultura), no certo que esse modotenha se tornado uma constante ou uma tendncia inevitvel. O processo cultural no semanifesta na forma de uma linha progressiva; sua figura seria, antes, aquela fornecida por umsismgrafo, cheia de altos e baixos, de interrupes e retomadas. Assim, depois dos anos 60fenmenos culturais compsitos continuam ocorrendo (a pera Carmina Burana encenada emestdio de futebol, misto de circo e cultura erudita, como os espetculos do Cirque du Soleil) -mas no de modo predominante e apontando, quase sempre, para uma combinao onde o

    popular (e, sobretudo o popularesco) sobressai.

    DescolecionamentoA formao de colees especializadas de arte culta e folclore foi na Europa moderna,

    e mais tarde na Amrica Latina, um dispositivo para organizar os bens simblicos em gruposseparados e hierarquizados. Aos que eram cultos pertenciam certo tipo de quadros, demsicas e de livros, mesmo que no os tivessem , mesmo que fosse mediante o acesso amuseus, salas de concerto e bibliotecas. Conhecer sua organizao j era uma forma depossu-los, que sitinguia daqueles que no sabiam relacionar-se com ela. A histria da arte eda literatura formou-se com base nas colees que os museus e as bibliotecas alojavam. Deoutro lado, havia um repertrio do folclore, dos objetos de povos ou classes que tinham outroscostumes e por isso outras colees. O folclore nasceu do colecionismo, foi se formandoquando os colecionadores e folcloristas pesquisavam e preservavam as vasilhas usadas nasrefeies, os vestidos e as mscaras com que se danava nos rituais e os reunia em seguidanos museus.

  • 7/24/2019 Alguns_conceitos - Paulo Celso

    2/3

    A agonia das colees o sintoma mais claro de como se desvanecem asclassificaes que distinguiam o culto do popular e ambos do massivo. As culturas j no seagrupam em grupos fixos e estveis e portanto desaparece a possibilidade de ser cultoconhecendo o repertrio das grandes obras, ou ser popular porque se domina o sentido dosobjetos e mensagens produzidos por uma comunidade mais ou menos fechada. Agora essascolees renovam sua composio e hierarquia com as modas, entrecruzem-se o tempo todo,e, ainda por cima, cada usurio pode fazer sua prpria coleo. As tecnologias de reproduo

    permitem a cada um montar em casa um repertrio que combina o culto com o popular,multiplicando as possibilidades de acesso mas ao mesmo tempo enfraquecendo asreferncias que por tanto tempo se mantiveram pelas tradies.

    Desterritorializao culturalNo estgio atual da indstria cultural, no interior do processo de globalizao cada vez

    mais intensa de todo tipo de troca, modos culturais se separam de seus territrios de origem,eventualmente despem todo trao distintivo ligado a um territrio particular, e investem outrosterritrios do qual se propem como representaes adequadas (ou que assim soconsideradas). Nessa operao, se diz desterritorializado tanto o modo cultural que investeum territrio de aportao quanto o modo cultural original assim deslocado.

    Espao CulturalA expresso "espao cultural" usada, de modo genrico, para designar qualquer

    lugar destinado promoo da cultura e sob este aspecto que se destaca, pela forasugestiva, seu carter de contraposio s noes de territrio e territorialidade da cultura. a partir desta noo de territrio que se observa um outro uso para a expresso espaocultural, da qual se vem lanando mo para designar a rea de influncia ou de presena deuma cultura ou modo cultural, independentemente de seu stio de origem. Neste sentido quese fala no espao cultural do cinema americano ou da msica popular brasileira, etc.; nestescasos, o territrio um, menor, e o espao cultural, outro, bem mais amplo. Novamente aqui,

    o conceito de espao faz abstrao de toda contextualizao especfica e particular.

    FragmentaoProcesso pelo qual as colees, referncias e identidades perdem seu carter unitrio

    para assumir diversas formas, simultneas. Com a crescente facilidade de transmisso deinformaes, dados e contedos culturais, nos alinhamos a diversos grupos, com interessesdistintos e tambm distintos graus de aproximao. Com isso a noo tradicional deidentidade (vide verbete abaixo) sofre tambm transformaes no nos vemos mais comoum bloco nico, com uma nica caracterstica; ao mesmo tempo nos reconhecemos emdiversos grupos.

    Por outro lado, a avalanche de informaes que nos atinge tem tambm outra

    consequncia: a noo da passagem do tempo se altera, pois temos que dar conta de mais emais coisas no mesmo espao de tempo. Assim, temos a tendncia a nos aprofundar menosem tudo que fazemos: nosso objetivo gastar o menor tempo possvel para realizar o quequer que seja. Utilizamos blocos cada vez menores de informao para tentar entender o quenos chega, e assim temos uma viso apenas superficial e cada vez mais incompleta domundo ao nosso redor

    Identidade culturalO conceito de identidade cultural, noo-chave em muitas polticas culturais, aponta

    para um sistema de representao (elementos de simbolizao e procedimentos deencenao desses elementos) das relaes entre os indivduos e os grupos e entre estes eseu territrio de reproduo e produo, seu meio, seu espao e seu tempo. No ncleo duroda identidade cultural - aquele que menos se desbasta atravs dos tempos, mesmo nassituaes de distanciamento do territrio original - aparecem a tradio oral (lngua, lnguasagrada, lngua sagrada secreta, narrativas, canes), a religio (mitos e ritos coletivos, de

  • 7/24/2019 Alguns_conceitos - Paulo Celso

    3/3

    que so exemplos as peregrinaes ou a absoro de drogas sagradas) e comportamentoscoletivos formalizados. Como extenses desse ncleo duro, surgem os ritos profanos(carnaval, manifestaes folclricas diversas), comportamentos informalmente ritualizados (ir praia, freqentar espetculos esportivos) e as diversas manifestaes artsticas.

    Nas ltimas dcadas essa noo tem se transformado em virtude das grandesmudanas scio-culturais pelos quais a sociedade moderna tem passado: velocidades cadavez maiores de informao circulante permitem o acesso e a aproximao a manifestaes

    culturais diversas e distintas; o consumo de bens simblicos representativos no de nossaprpria tradio mas de outras, completamente diferentes entre si. Dessa forma, asidentidades tradicionais se fragmentam em outras, instveis e mutantes.

    Patrimnio cultural"Patrimnio [cultural] o conjunto de bens mveis e imveis existentes no pas cuja

    conservao seja de interesse pblico quer por sua vinculao a fatos memorveis quer peloseu excepcional valor arqueolgico ou etnogrfico, bibliogrfico ou artstico." Esta adefinio dada a patrimnio pelo Decreto-lei n. 25 promulgado durante o Estado Novo noBrasil.

    A Carta do Mxico em Defesa do Patrimnio Cultural apresenta o patrimnio culturalde um pas como "o conjunto dos produtos artsticos, artesanais e tcnicos, das expressesliterrias, lingsticas e musicais, dos usos e costumes de todos os povos e grupos tnicos,do passado e do presente".

    TerritrioUm dos determinantes essenciais da identidade cultural, ao lado da constituio e

    preservao de colees. no pas, no estado, na cidade, no bairro, numa rea no interior dobairro (como o quartier francs) que se pem em cena e se teatralizam as linhas bsicas doroteiro da identidade. Aquilo que, sob o ngulo da poltica cultural, define o territrio como tal,e o distingue por exemplo do espao cultural, um efeito de mundo gerado pela insero

    fsica direta, no mediada por uma representao elaborada, do indivduo ou grupo nessarea fsica especfica; em outras palavras, o fato de ter o indivduo nascido nessa rea ounela estar morando h algum tempo de modo a ter j estabelecido alguma convivncia com area e seus ocupantes. Esse efeito de mundo produz a sensao de uma relao natural como territrio da qual decorre a identidade, mediante a elaborao lingstica, o comportamentocotidiano e as obras de cultura propriamente dita.