ALMEIDA, BS - O financiamento do esporte olimpico e suas relacoes com a politica no Brasil.pdf

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  • BRBARA SCHAUSTECK DE ALMEIDA

    O FINANCIAMENTO DO ESPORTE OLMPICO E SUAS RELAES COM A POLTICA NO BRASIL

    Dissertao de Mestrado defendida como pr-requisito para a obteno do ttulo de Mestre em Educao Fsica, no Departamento de Educao Fsica, Setor de Cincias Biolgicas da Universidade Federal do Paran.

    CURITIBA 2010

  • BRBARA SCHAUSTECK DE ALMEIDA

    O FINANCIAMENTO DO ESPORTE OLMPICO E SUAS RELAES COM A POLTICA NO BRASIL

    Dissertao de Mestrado defendida como pr-requisito para a obteno do ttulo de Mestre em Educao Fsica, no Departamento de Educao Fsica, Setor de Cincias Biolgicas da Universidade Federal do Paran.

    Orientador: Prof. Dr. Wanderley Marchi Jnior

  • DEDICATRIA

    Dedico queles que viabilizaram esse sonho:

    A famlia que sempre esteve presente nos meus 23 anos.

    E a famlia qual eu fiz parte nos ltimos 3 anos.

  • AGRADECIMENTOS

    Impossvel no comear agradecendo aquela pessoa sempre presente e

    paciente, que d o melhor e eterno apoio, que abriu mo de muitas coisas pela

    nossa educao: minha me, Mariliz de Ftima Schausteck. Voc dizer que eu sou o

    teu orgulho vale mais que qualquer conquista, te amo. Sinto muito porque ningum

    mais tem a melhor me do mundo como eu.

    E claro, minha irm, Bruna Rodrigues Schausteck de Almeida. Agradeo-te

    tambm pelo apoio alm-mar, cuja distncia trouxe saudade, mas tambm

    proporcionou maturidade para perceber quanto voc importante e como nossos

    laos no se rompero nunca.

    Et merci pour toi aussi, Ronan! Merci pour prendre soin de ma soeur, pour les

    classes de franais, pour maider au Champs Libres, pour le match de foot et tout.

    Aos outros membros da famlia eternamente prximos: titia, Paulo, vov...

    Obrigada pelo amor! Agradeo por poder partilhar minhas duvidas, aspiraes,

    medos, expectativas e planos com todos vocs.

    Agradeo a famlia que eu passei a fazer parte em 2007, quando entrei pela

    primeira vez na sala da Rede Cedes para fazer minha monografia de graduao.

    Desde ento, vocs fazem parte da minha rotina e intervm profundamente em

    quem eu sou. Sei que nunca agradecerei o suficiente, mas continuarei tentando.

    Obrigada Juliana Vlastuin, aproximao que no demorou 5 minutos, minha

    alfabetizadora acadmica, eterna co-orientadora, quem mais me motivou ao

    mestrado, com quem tive muitas parcerias bem sucedidas e a certeza de muitas

    outras no futuro. Relao que virou amizade e companheirismo. Cheers! H*H

    Obrigada Ricardo Joo Sonoda Nunes, pelas conversas valiosssimas, pelas

    oportunidades e experincias proporcionadas, por acreditar no meu potencial e por

    investir nas nossas parcerias. Tropa de elite!

    Obrigada Tatiana Sviesk Moreira por ser o que tem pra hoje, pelas

    toneladas de risada, mas tambm por me surpreender positivamente pela

    maturidade e alegria.

  • Obrigada Saulo Esteves de Camargo Prestes por dividir as conversas sobre

    futebol, as dvidas sobre presente e futuro, alm dos bons momentos nas viagens

    para congressos e pubs pelo mundo.

    Obrigada aos demais membros do grupo por compartilharem informaes nas

    reunies semanais e pelas coerentes sugestes para essa dissertao: Gilmar

    Francisco Afonso, Fernando Augusto Starepravo, Ana Letcia Padeski Ferreira,

    Pedro Bevilaqua Pupo Alves, Juliano de Souza e Bruno Felix Baggio.

    Obrigada aos colegas de mestrado pelas disciplinas, congressos, conversas,

    aprendizados: Aline Tschoke, Aline Barato, Flavia Vieira, Fabio Pellanda, Carlos

    Eduardo Pijak Junior, Bruno Boschilia, Isabel Cristina Martines, Ana Paula Cabral

    Bonin, Leoncio Jos de Almeida Reis e Fernando Borges.

    Obrigada aos professores do departamento de Educao Fsica, tambm

    colegas de CEPELS e ALESDE: Letcia Godoy, Doralice Lange de Souza, Fernando

    Renato Cavichiolli e Katia Bortolotti Marchi (tambm pelos almoos, congressos e

    abraos apertados!). Obrigada aos professores das disciplinas da ps-graduao do departamento

    de Histria, Professor Andre Mendes Capraro e Professor Luiz Carlos Ribeiro; e de

    Sociologia, Professora Miriam Adelman.

    Obrigada aos secretrios dos programas de ps-graduao nos quais cursei

    disciplinas: Daniel Dias, principalmente; Sueli Helena Andolfato de Sales e Maria

    Cristina Parzwski. E s coordenadoras da ps-graduao em Educao Fsica:

    Professora Neiva Leite e Professora Joice Mara Facco Stefanello.

    A los miembros de Latinoamrica de ALESDE, muchas gracias por compartir

    su conocimiento y por el apoyo: Rosa Lpez de D'Amico, Luz Amelia Hoyos Cuartas,

    Miguel Cornejo y Gonzalo Bravo.

    Thanks to NASSS and ISSA members, especially to Steve Jackson, Elizabeth

    Pike and Kimberly Schimmel for sharing knowledge and friendship.

    Obrigada aos colegas que participaram de congressos e deram sugestes e

    apoio ao trabalho durante seu desenvolvimento.

  • Obrigada ao Alberto Murray Neto, pelo envio de uma cpia do estatuto do

    COB e pelas relevantes reflexes sobre o esporte olmpico que auxiliaram na

    abertura dos horizontes dessa dissertao.

    E finalmente aos membros da banca, alguns tambm professores de

    disciplinas da graduao, ps-graduao, do CEPELS, da ALESDE e/ou de eventos

    cientficos: Professora Cristina Carta Cardoso de Medeiros, Professor Otvio

    Guimares Tavares da Silva, Professor Fernando Marinho Mezzadri e Professora

    Ana Luisa Fayet Sallas. Thanks also to Prof. Jay Coakley. You are an example of

    scholar and your attention with my research is very precious to me.

    Ao meu orientador, Wanderley Marchi Jnior, tenho muito mais a agradecer.

    Antes de tudo, obrigada pelo respeito que voc tem com os alunos da graduao.

    Sem isso, hoje eu no estaria aqui. Obrigada por acreditar e investir em mim, dando

    a oportunidade de conviver com todas essas pessoas fantsticas que j foram

    citadas nesse agradecimento. Obrigada por ser um profissional e um cidado

    exemplar. Voc tem o dom do ensino e da liderana. Espero que continuem no

    faltando oportunidades para voc espalhar teu carter e conhecimento pelo mundo.

    Ainda que o mestrado seja muito mais que essa dissertao, obrigada por construir

    comigo essa pesquisa, espero que ela seja motivo de orgulho tambm para voc.

    Enfim, obrigada, gracias, thank you, merci, grazie, danke, arigat... mil vezes!

  • RESUMO

    Esta pesquisa trata essencialmente do financiamento do Comit Olmpico Brasileiro (COB). Sendo uma entidade reconhecida pelo Comit Olmpico Internacional (COI) e pelo governo brasileiro como representante do Movimento Olmpico no pas, o COB se destaca no campo esportivo por garantir a presena dos atletas que representam o pas nos Jogos Olmpicos. Alm disso, essa entidade foi responsvel pela realizao, em 2007, dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, ocasio em que se evidenciou a dependncia governamental para promoo de eventos esportivos, como tambm para a manuteno do prprio COB. A partir de uma srie de inquietaes, chegamos ao seguinte problema de pesquisa: por que o financiamento do COB durante o ciclo olmpico de 2005 a 2008 foi dependente do investimento do governo federal? Assim, buscamos compreender como se d a relao do campo esportivo e poltico, mapeando seus principais agentes e as formas de interao, principalmente quanto ao financiamento da entidade mxima do esporte olmpico no pas. Para isso, utilizamos como referencial a teoria sociolgica de Pierre Bourdieu, principalmente os conceitos relacionados aos campos. Essa opo nos levou a conhecer as aproximaes das leis e do Ministrio do Esporte (ME) com o COB; assim como o campo do esporte olmpico no pas, compreendendo sua principal entidade e suas relaes com outras instituies do campo esportivo. Recuperando todas as formas de recebimento de recursos pblicos, vemos que o COB recebeu, de 2005 a 2008, R$ 389,7 milhes. Pudemos perceber que a relao entre COB e governo federal no se restringe ao primeiro recebendo recursos financeiros do segundo, mas tambm que as aes ligadas ao COB foram os principais alvos de investimento do governo federal em esporte e lazer. Isso nos auxilia a pensar que os recursos majoritariamente estatais, que sustentaram o COB de 2005 a 2008, sejam decorrentes da sua posio como entidade representante do esporte de rendimento no pas. Nesse sentido, nos valemos da contribuio de Pierre Bourdieu, quando afirmou que o esporte um meio potencial de conquista simblica com possibilidade de converso em capital poltico. Somamos a esse fato a estratgia de utilizao do esporte como meio de promover um sistema poltico ou um pas. Vemos que, para que essa exibio seja mundial atravs do esporte, no basta o investimento de impacto no pblico interno, mas existe a necessidade de investir em esporte de rendimento, assim como em sediar megaeventos esportivos. J para o COB, para que suas aes tenham repercusso e ganhem visibilidade, o governo federal fundamental, tanto no critrio financeiro como apoiando seus projetos, como se deu na candidatura Rio 2016. E nesse ponto que salientamos o entendimento dessa relao entre COB e governo federal como de adversrios cmplices: cada um possui interesses especficos, mas um depende do outro para que esses objetivos sejam alcanados. Palavras-chave: Comit Olmpico Brasileiro; Campo esportivo; Campo poltico; Financiamento; Governo.

  • ABSTRACT

    This research is mainly about the Brazilian Olympic Committee (COB) funds. This entity recognized by the International Olympic Committee (IOC) and the Brazilian government representing the Olympic Movement in the country. By a distinctive position in sporting field, it guarantees the Brazilians athletes participation in the Olympic Games. COB was also responsible for promote the Pan-American Games of Rio de Janeiro in 2007, when the government financial dependence to promote Olympic sports and the entity became evident. After many concerns, we propose as guiding question: why COB was financially dependent on Brazilian federal government in 2005 to 2008? In this way, we aim to comprehend how the relationship between sporting and political field is possible by mapping their main agents and how they interact. To do so, our theoretical reference was Pierre Bourdieu, especially his field theory. This option leads us to understand the approach between COB and Sports Ministry enabled by Brazilian laws. Mapping all forms of public resources, COB received R$ 389.7 million since 2005 to 2008. We could note that the relationship between COB and Brazilian government is not restricted to the first receiving sources from the last, but also the COB actions as main investment in Brazilian sport and leisure policies. This situation helps us to think that major public sources that sustained COB during this period were due its position as representative of professional sport in Brazil. In this way, we remember Pierre Bourdieus contribution when he comprehends sport as a potential mean of symbolic power which can be converted in political capital. We add to this fact the strategy of using Sport as a mean to promote a politic system or a country. We understand that to reach this promotion, this exhibition needs to be global through performance sports and by hosting mega events, not only with actions that echo in the domestic population. And COB depends of federal government to reach visibility through their actions and projects, as was possible in Rio 2016 bid. In this way, we understand that COB and federal government are mutual accomplices and adversaries: each one has specific interests, but they need each other to reach it. Key-words: Brazilian Olympic Committee; Sporting field; Political field; Financing; Government.

  • LISTA DE GRFICOS

    GRFICO 1- EVOLUO DOS VALORES ADMINISTRADOS PELO COB

    PROVENIENTES DA LEI AGNELO-PIVA, EM MILHES DE REAIS -

    2002-2008............................................................................................ 47

    GRFICO 2 - DESPESAS DAS CONFEDERAES BRASILEIRAS DE

    MODALIDADES OLMPICAS POR AO 2005-2008..................... 54

    GRFICO 3 - PERCENTUAL DA APLICAO DE RECURSOS DA LEI AGNELO-

    PIVA PELO COB, POR AO 2005-2008....................................... 55

    GRFICO 4 - INVESTIMENTO DO MINISTRIO DO ESPORTE (ME) E OUTROS

    MINISTRIOS (OUTROS) POR PROGRAMAS DE ESPORTE E

    LAZER, EM MILHES DE REAIS 2005-2008.................................. 62

    GRFICO 5 - PERCENTUAL DE INVESTIMENTOS DO GOVERNO FEDERAL EM

    SUAS AES DE GOVERNO EM ESPORTE E LAZER 2005-

    2008..................................................................................................... 64

    GRFICO 6 - PERCENTUAL DA FINALIDADE DOS RECURSOS REPASSADOS

    AOS ESTADOS BRASILEIROS POR PROGRAMA DE ESPORTE E

    LAZER - 2005-2008............................................................................. 65

    GRFICO 7 - INVESTIMENTOS TOTAIS DO MINISTRIO FEDERAL EM

    PROGRAMAS DE ESPORTE E LAZER, CONSIDERANDO GASTOS

    MINISTERIAIS E REPASSES AOS ESTADOS E MUNICIPIOS 2005-

    2008..................................................................................................... 66

  • LISTA DE TABELAS

    TABELA 1 - DEMONSTRAO DA RECEITA E DESPESAS DOS RECURSOS

    PROVENIENTES DA LEI AGNELO-PIVA APRESENTADA PELO

    COB 2008...................................................................................... 50

    TABELA 2 - POSSVEL INCORPORAO DAS AES COM RECURSOS DA

    LEI AGNELO-PIVA CONFORME AS NOMINAES UTILIZADAS

    NA LEI 2008.................................................................................. 51

    TABELA 3 - DEMONSTRAO DAS RECEITAS E DESPESAS DOS

    RECURSOS DA LEI AGNELO-PIVA - 2005-2008........................... 52

    TABELA 4 - REPASSES DE RECURSOS DA LEI AGNELO-PIVA PARA AS

    CONFEDERAES BRASILEIRAS, EM PERCENTUAIS 2005-

    2008.................................................................................................. 81

    TABELA 5 - ESTIMATIVA DE REPASSE S CONFEDERAES BRASILEIRAS

    DOS RECURSOS DA LEI AGNELO-PIVA (VALORES EM MILHES

    DE REAIS) - 2009............................................................................ 83

  • LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 1 - VALORES ARRECADADOS ATRAVS DAS LOTERIAS FEDERAIS

    PELA CAIXA ECONMICA FEDERAL 2003-2008............................ 48

    FIGURA 2 - ORGANOGRAMA INSTITUCIONAL DO MINISTRIO DO

    ESPORTE.............................................................................................. 61

    FIGURA 3 - COMPONENTES DO MOVIMENTO OLMPICO - 2009....................... 69

    FIGURA 4 - OS COMPONENTES DO MOVIMENTO OLMPICO BRASILEIRO

    2009....................................................................................................... 70

    FIGURA 5 - ORGANOGRAMA DO COMIT OLMPICO BRASILEIRO................... 75

  • LISTA DE SIGLAS

    CBAT

    CBB

    CBCA

    CBD

    CBDA

    CBDN

    CBF

    CBG

    CBHB

    CBJ

    CBT

    CBTM

    CBV

    Confederao Brasileira de Atletismo

    Confederao Brasileira de Basketball

    Confederao Brasileira de Canoagem

    Confederao Brasileira de Desporto

    Confederao Brasileira de Desportos Aquticos

    Confederao Brasileira de Desportos na Neve

    Confederao Brasileira de Futebol

    Confederao Brasileira de Ginstica

    Confederao Brasileira de Handebol

    Confederao Brasileira de Jud

    Confederao Brasileira de Tnis

    Confederao Brasileira de Tnis de Mesa

    Confederao Brasileira de Voleibol

    CEF Caixa Econmica Federal

    CNE Conselho Nacional do Esporte

    COB Comit Olmpico Brasileiro

    COI Comit Olmpico Internacional

    COJO Comit Organizador de Jogos Olmpicos

    CONs Comits Olmpicos Nacionais

    Confao Conselho de Clubes Formadores de Atletas Olmpicos

    CO-Rio Comit Organizador dos Jogos Pan-Americanos Rio 2007

    CPB Comit Paraolmpico Brasileiro

    FBS Federao Brasileira de Sports

    FI Federaes Internacionais

    FIFA Fdration International de Football Association

    INDESP Instituto Nacional de Desenvolvimento do Esporte

    ME Ministrio do Esporte

    ODEPA Organizao Desportiva Pan-Americana

    ODESUR Organizao Desportiva Sul-Americana

  • ONU Organizao das Naes Unidas

    PC do B Partido Comunista do Brasil

    PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

    PT Partido dos Trabalhadores

    SNDEL Secretaria Nacional de Esporte e Lazer

    SNEAR Secretaria Nacional de Esporte de Alto Rendimento

    SNEE Secretaria Nacional de Esporte Educacional

    TAD Tribunal Arbitral do Desporto

    TCU Tribunal de Contas da Unio

    TOP The Olympic Partners

    WADA World Anti-Doping Agency

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ....................................................................................................... 13

    1.1 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ............................................................ 19

    2 A TEORIA SOCIOLGICA DE PIERRE BOURDIEU ........................................... 22

    2.1 O RECORTE METODOLGICO PELA TEORIA DOS CAMPOS ....................... 22

    2.2 AS CARACTERSTICAS DOS CAMPOS EM QUESTO ................................... 24

    2.2.1 O Campo Poltico ....................................................................................... 27

    2.2.2 O Campo Econmico ................................................................................. 29

    2.2.3 O Campo Esportivo .................................................................................... 33

    3 O SUBCAMPO DA POLTICA PARA O ESPORTE OLMPICO BRASILEIRO .... 37

    3.1 O ESPORTE NA CONSTITUIO FEDERAL DE 1988 ..................................... 37

    3.2 AS LEIS INFRACONSTITUCIONAIS RELACIONADAS AO ESPORTE OLMPICO ................................................................................................................. 39

    3.2.1 Lei Pel ...................................................................................................... 39

    3.2.2 Lei Agnelo-Piva .......................................................................................... 44

    3.2.3 Bolsa-Atleta ............................................................................................... 56

    3.2.4 Lei de Incentivo ao Esporte ....................................................................... 58

    3.3 A FORMAO E A ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DO MINISTRIO DO ESPORTE ................................................................................................................. 60

    4 O SUBCAMPO DO ESPORTE OLMPICO BRASILEIRO..................................... 69

    4.1 A ENTIDADE COMIT OLMPICO BRASILEIRO ............................................... 71

    4.1.1 Breve histrico ........................................................................................... 71

    4.1.2 Estrutura organizacional e principais aes ............................................... 73

    4.2 OS RELACIONAMENTOS COM OUTRAS ORGANIZAES ESPORTIVAS ... 77

    4.2.1 O Comit Olmpico Internacional (COI) ..................................................... 78

    4.2.2 Federaes Internacionais e Confederaes Brasileiras ........................... 80

    5 DISCUSSO .......................................................................................................... 88

    6 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................. 100

    REFERNCIAS ....................................................................................................... 105

    ANEXOS ................................................................................................................. 115

    APNDICE .............................................................................................................. 116

  • 1 INTRODUO

    Nesse momento, muito provvel que milhes de pessoas no mundo estejam

    envolvidas de alguma forma com o esporte. tambm muito provvel que a maioria

    esteja tendo acesso a ele por alguma forma de mdia, seja assistindo na televiso ou

    lendo notcias em jornais e na internet. H ainda um grande nmero de pessoas que

    nesse momento esto conversando sobre esporte, opinando e comentando fatos

    recentes, histricos ou futuros, nos mais diferentes ambientes sociais e nas mais

    diferentes partes do mundo.

    Tamanha familiaridade potencializa posicionamentos resultantes de leituras

    primrias que visam explicar ou resolver questes cotidianas dessa e de outras

    reas, o que chamamos de senso comum1. Por surgir a partir de uma interpretao

    simplista, esse termo costuma ser, por algumas pessoas, imediatamente aceito e

    incorporado ao seu prprio discurso, porque traz uma soluo imediata aos

    problemas, contradies ou tenses que esto sendo observados ou, por outras

    pessoas, imediatamente refutado, porque uma verdade geral desprovida de um

    carter acadmico ou erudito.

    Em se tratando de esporte, objeto em que a passionalidade costuma muitas

    vezes superar a racionalidade, essas atitudes perante o senso comum no so

    diferentes. Ao mesmo tempo, como propomos aqui uma leitura sociolgica do

    fenmeno esportivo, entendemos que preciso compreender o senso comum como

    um ponto de partida para uma leitura mais acurada da realidade social.

    Entre os inmeros fatos cotidianos existentes no campo esportivo, que

    podemos entender como a matria-prima do artesanato intelectual, escolhemos uma

    pedra bruta a ser lapidada, por razes pessoais e acadmicas, que se misturam com

    o perodo histrico vivido pelo esporte brasileiro.

    No ano de 2007, foi realizado na cidade brasileira do Rio de Janeiro a 15

    edio dos Jogos Pan-Americanos (Rio 2007). Esse evento consistiu em

    competies de 47 modalidades entre 42 pases das Amricas durante 15 dias, com

    a participao de 5662 atletas (COMIT OLMPICO BRASILEIRO, 2009). Realizado

    1 A apresentao do tema, do contexto histrico e da autora da presente pesquisa so aspectos associados. Por isso, optamos por estruturar essa introduo seguindo a sequncia do que fazer sociologia (ORTIZ, 2002; MARCHI JNIOR, 2006) para tratar dessas trs perspectivas.

  • 14

    sob a superviso da Organizao Desportiva Pan-Americana (ODEPA), entidade

    que representa o Comit Olmpico Internacional (COI) nas Amricas, tido como

    uma preparao dos atletas para os Jogos Olmpicos.

    Particularmente, acompanhei a preparao desse evento como espectadora e

    enquanto agente do campo esportivo como estudante de graduao em Educao

    Fsica, fazendo parte de uma massa interessada por esporte que, nos anos

    anteriores da realizao do evento, pode fomentar as expectativas e acompanhar as

    notcias atravs da mdia. Apesar das dificuldades apresentadas para sua

    realizao, desejei o sucesso do Rio 2007 como muitos outros brasileiros que

    esperavam ver o pas mostrando ao mundo sua potencialidade em organizao e

    receptividade dos atletas estrangeiros, assim como acreditei que o evento poderia

    auxiliar no crescimento do esporte e na valorizao da Educao Fsica no pas.

    Essas perspectivas, inicialmente, talvez no se diferenciassem do senso comum.

    No ano de 2006, quando cursei a disciplina de Sociologia do Esporte, tive a

    oportunidade de entender o esporte e os eventos esportivos com posicionamentos

    menos apaixonados e mais afastados, visando uma perspectiva de totalidade2.

    Nesse ponto, decidi estudar os investidores do Rio 2007 e seus interesses,

    entendendo naquele momento que deveria focar nos seus patrocinadores oficiais

    com o auxlio da literatura do marketing esportivo.

    Num interesse acadmico e pessoal, trabalhei nesses jogos como voluntria

    na rea de transportes no Complexo do Maracan, onde foram realizadas as

    cerimnias de abertura e encerramento dos Jogos, assim como as competies de

    futebol, voleibol e plo aqutico. E trabalhei tambm nos Jogos Parapan-

    Americanos, realizados uma semana aps o Pan, na rea de proteo s marcas no

    estdio olmpico Joo Havelange, onde se realizavam as provas do atletismo.

    Nos dois momentos, tive uma relevante amostra do que o esporte e a

    diviso entre paixo e razo. Por um lado, vivi a energia3 e o prazer de estar

    2 A perspectiva de compreenso da totalidade embasada pela discusso trazida por Ortiz (2002) sobre a paradoxal lgica das pesquisas em Cincias Sociais. Desse paradoxo, entendemos como necessria a apropriao das complexidades sociais em seus nveis diversos (poltico, econmico, social e cultural), reforados pelo conceito de fenmeno social total de Marcel Mauss, para alm de uma possvel parcialidade e empobrecimento no entendimento dos fatos. 3 Referncia ao lema (ou slogan) do Rio 2007: Viva essa energia!.

  • 15

    presente em uma competio multiesportiva internacional de alto nvel, convivendo

    com pessoas geograficamente e culturalmente distantes, mas que se encontravam

    para o esporte. E por outro lado, pude observar os Jogos nos bastidores, onde as

    mudanas de procedimentos, principalmente quando se tratava de polticos ou

    importantes figuras do esporte, eram comuns, alm de muitas outras falhas que

    aconteceram e outras piores que poderiam ter acontecido.

    Aps o trmino do evento e do trabalho de monografia, foi possvel perceber

    que os principais financiadores do evento foram as trs instncias de governo

    (prefeitura, governo estadual e governo federal). Isso trouxe, aliado a revises de

    literatura anteriores sobre marketing esportivo, alguns questionamentos, num

    exerccio de abstrao e afastamento da realidade concreta visando compreenso

    dos fatos em perspectivas ampliadas, que sero expostos a seguir como caminhos

    percorridos para chegarmos a nossa questo de pesquisa.

    A terminologia marketing esportivo utilizada, em geral, para toda e qualquer

    forma de satisfao de necessidades e desejos de consumo no esporte

    (CONTURSI, 1996). Dadas as paixes e emoes que o esporte proporciona,

    aliadas s necessidades de inovao nas estratgias de comunicao de todas as

    corporaes, o marketing esportivo supera parte dessas dificuldades e se destaca

    como uma plataforma de marketing diferenciada (MELO NETO, 2000). A literatura e

    as prprias empresas colocam alguns objetivos principais que podem ser atingidos

    pelo marketing esportivo: promoo/fixao da marca; percepo do pblico quanto

    empresa; identificao e envolvimento com determinado pblico ou nicho de

    mercado; vantagens na divulgao na mdia; promoo de vendas e exclusividade

    dentro de um evento especfico (ALMEIDA, 2007; CONTURSI, 1996; MELO NETO,

    2000; TEITELBAUM, 1997). Ento se a literatura do marketing esportivo coloca

    tantos atributos positivos no esporte, colocando-o como uma alternativa rentvel de

    investimento para as empresas, por que as empresas privadas no foram maioria no

    financiamento do evento Rio 2007? Se outros eventos e entidades esportivas

    dependem basicamente do financiamento privado, por que com o Rio 2007 e com o

    COB no foi/ assim?

  • 16

    Desse quadro de pouca representatividade do financiamento privado e

    dependncia do financiamento governamental, observamos e nos questionamos a

    respeito da situao do COB e seus eventos correlatos. Porm, quando pensamos

    nas modalidades esportivas no Brasil, preciso compreender o caso de duas

    excees: o futebol e voleibol.

    A modalidade que paixo nacional no depende do financiamento pblico,

    sendo que sua confederao, a CBF, possui diversos patrocinadores privados,

    assim como as principais equipes de alto nvel do futebol brasileiro. Ainda assim,

    recentemente foi criada uma loteria, a Timemania, voltada para os times de futebol

    sanarem suas dvidas com o governo brasileiro (CAIXA ECONMICA FEDERAL,

    2009a). Essa oportunidade de renegociao no um financiamento direto, mas

    pode ser considerada uma forma de patrocnio quando um montante de 22% da

    arrecadao de uma loteria federal utilizado pelos clubes para pagamento de

    dvidas pr-existentes com a unio. Se pensarmos somente no quesito financeiro, os

    clubes, que no pagam suas dvidas, e o governo, que tem pouqussima esperana

    de receber os valores de impostos, se isentam de prejuzos enquanto os torcedores-

    apostadores suprem o enorme saldo devedor.

    J o voleibol, embora sua confederao (CBV) possua o patrocnio de uma

    empresa com capital pblico, as equipes da liga nacional tem, em sua maioria,

    patrocnios de empresas privadas associadas as prefeituras dos municpios onde

    treinam. Apesar de alguns casos de sucesso, como o caso da equipe feminina

    patrocinada pela empresa Unilever4, esse modelo tem se mostrado relativamente

    instvel, principalmente no ano de 2009, quando quatro equipes com importante

    desempenho nas ligas nacionais perderam seus patrocinadores (Finasa, Unisul,

    4 Essa equipe possui uma histria de 12 anos no voleibol feminino, apesar de mudanas de cidade (de Curitiba para o Rio de Janeiro em 2003) e de nomes (iniciou como Rexona, passou a se chamar Rexona-Ades e, em 2009, Unilever). Sobre a mudana de cidade e os interesses envolvidos, ver VLASTUIN, Juliana. O caso da equipe de voleibol feminino Rexona (1997-2003): um estudo das inter-relaes com a mdia esportiva. 2008. 161 f. Dissertao (Mestrado em Educao Fsica) Departamento de Educao Fsica, Universidade Federal do Paran, Curitiba.

  • 17

    Brasil Telecom e Ulbra) e o tema, inclusive, tornou-se capa de uma revista brasileira

    especializada em marketing esportivo5.

    Excetuando os casos da CBF (com patrocnio privado) e da CBV (com

    patrocnio de empresa com capital pblico e equipes com patrocnios privados) j

    citados, as demais confederaes se dividem em dois grupos.

    No primeiro grupo esto aquelas confederaes que possuem patrocnio de

    empresas com capital pblico e poucos atletas ou equipes conseguem patrocnios

    privados. Das treze confederaes brasileiras com patrocnio em 2008, uma o

    futebol e nove possuem empresas com capital pblico como patrocinadoras:

    atletismo, ginstica e lutas associadas (Caixa Econmica Federal); basquete

    (Eletrobrs); handebol (Petrobras); jud (Infraero); desportos aquticos e tnis

    (Correios); e voleibol (Banco do Brasil). Outras trs (canoagem, desportos na neve e

    tnis de mesa) teriam patrocnio em 2008 de acordo com o relatrio do COB sobre a

    aplicao de recursos da Lei Agnelo-Piva (COMIT OLMPICO BRASILEIRO,

    2008c), mas no pudemos encontrar informaes de quais seriam essas empresas

    patrocinadoras.

    No segundo grupo, esto aquelas confederaes que no possuem nenhum

    patrocinador oficial: badminton, beisebol, boxe, ciclismo, desportos no gelo, esgrima,

    hipismo, hquei sobre a grama, levantamento de peso, pentatlo moderno, remo,

    softbol, taekwondo, tiro esportivo, triathlon e vela. Dessas, apenas pentatlo moderno,

    tiro esportivo e triathlon tiveram patrocnio durante o ciclo olmpico de 2005 a 2008.

    Com um quadro bastante diferente da realidade observada nas

    confederaes brasileiras, em fevereiro de 2009 uma empresa de consultoria

    anunciou que os gastos em patrocnio por companhias norte-americanas em 2008

    foram de US$ 16,61 bilhes, sendo que o esporte representou 68,6% desse valor,

    chegando a US$ 11,4 bilhes (CHIPPS, 2009).

    Outro exemplo vem do prprio COI, que tem uma arrecadao que cresce

    exponencialmente. No quadrinio de 1993 a 1996, a arrecadao foi de US$ 2,6

    bilhes e no quadrinio de 2005 a 2008 cresceu para US$ 4,1 bilhes (IOC

    5 Referimo-nos edio 9 da revista Mquina do Esporte, que trs como capa uma bola de voleibol sob a manchete: Abandono Vlei enfrenta fuga de patrocinadores e debate sobre a influncia da TV na divulgao das marcas; CBV nada faz e ainda diz viver melhor momento da histria.

  • 18

    MARKETING FACT FILE, 2006). Suas principais fontes de renda (venda de direitos

    de transmisso, patrocnios, licenciamento e venda de ingressos para os Jogos)

    possuem equivalncias em nveis nacionais (patrocnios domsticos e demais

    direitos das competies promovidas nacionalmente), mas as cifras brasileiras esto

    muito longe das do COI.

    Essas realidades internacionais nos levaram a questionar: o Comit

    Organizador do Rio 2007 (CO-Rio) e o COB no souberam/sabem agregar valor as

    suas marcas e seus produtos? Como essa questo dificilmente ser respondida,

    pela sua dificuldade de mensurao e pelo risco de uma resposta restrita a um juzo

    de valor, outra indagao se mostrou mais efetiva e que talvez pudesse indicar

    alguma tendncia ou indcio de resposta s anteriores: como o COB financiado?

    Com esse histrico acadmico e pessoal, portando essas inmeras questes,

    iniciei o curso de mestrado. Seguindo com o processo do fazer sociolgico,

    delimitamos nossa pesquisa para compreender quais as fontes de recursos

    financeiros do COB. Como a pesquisa emprica nos mostrou uma majoritria

    dependncia governamental, passamos a tentar compreender o relacionamento

    dessa entidade com o governo federal, culminando no seguinte problema de

    pesquisa: por que o financiamento do Comit Olmpico Brasileiro durante o

    ciclo olmpico de 2005 a 2008 foi dependente do investimento do governo

    federal?

    Dessa maneira, o objetivo dessa pesquisa investigar as principais razes do

    financiamento majoritariamente pblico atual do rgo institucional representativo do

    esporte olmpico nacional, o Comit Olmpico Brasileiro. Para isso, iremos: (1)

    Descrever as formas de financiamento do esporte de nvel olmpico no Brasil,

    explicitando o modelo atual, pelas polticas pblicas governamentais federais e do

    COB; (2) Delinear as possveis disputas que ocorrem no campo esportivo,

    econmico e poltico brasileiros, a respeito do financiamento da entidade promotora

    do esporte olmpico no pas; e (3) Identificar nas disputas do campo em questo as

    principais caractersticas que representem a dependncia do financiamento pblico

    pelo COB.

  • 19

    Compreender os aspectos especficos do relacionamento COB e governo

    federal no limita ou restringe o entendimento para somente esse caso ou perodo

    histrico. Citamos como exemplo uma pesquisa realizada pela empresa Market

    Analysis, quando trs das cinco empresas mais lembradas por consumidores

    brasileiros no esporte so estatais. J no levantamento realizado em todo o mundo,

    as cinco empresas mais lembradas foram multinacionais6.

    Por esses dados, temos dois possveis indcios relevantes: primeiro, a

    lembrana dos consumidores de marcas que possuem um histrico de investimentos

    no esporte e, segundo, a caracterstica diferencial do caso brasileiro em comparao

    pesquisa mundial. Por esse exemplo, vemos a possibilidade de colaborar com

    uma pesquisa cientfica no s para a rea da sociologia do esporte, mas tambm

    para reas correlatas como economia, administrao, histria e polticas pblicas do

    esporte, assim como dos estudos relacionados ao movimento olmpico, ao descrever

    sobre a situao atual do financiamento do esporte olmpico brasileiro.

    O perodo histrico do esporte brasileiro est bastante propcio para anlises

    como a que propomos aqui. O Brasil est em foco no contexto dos megaeventos

    esportivos mundiais, j que no perodo estudado houve a realizao do Rio 2007, as

    candidaturas bem sucedidas sede da Copa do Mundo de futebol masculino em

    2014, que se confirmou em 30 de outubro de 2007, e dos Jogos Olmpicos de 2016

    (Rio 2016), que se confirmou em 02 de outubro de 2009. Esses fatos recentes

    reforam a necessidade de compreender as conjunturas polticas e financeiras para

    o esporte, especificamente para o caso do COB, entidade central na realizao do

    primeiro e terceiro eventos citados.

    1.1 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

    A presente pesquisa caracteriza-se como de cunho qualitativo e exploratrio

    ao pretender iniciar a discusso do financiamento do esporte de nvel olmpico

    6 A pesquisa foi constituda por entrevistas com 809 pessoas em oito capitais do pas em novembro de 2007. Das empresas estatais, destacaram-se: Petrobras (25,01%), Banco do Brasil (12%), e Caixa Econmica Federal (4,5%); e das empresas privadas: Nike (12,04%) e Coca-Cola (6,7%). Estas multinacionais privadas tambm constam na pesquisa mundial, juntamente com Adidas, Heineken e Vodafone (CALIPO, 2008).

  • 20

    brasileiro pela explicao do funcionamento das estruturas sociais (RICHARDSON,

    2008, p. 82). A opo pelo estudo qualitativo tem como vantagens a profundidade

    aos dados, a disperso, a riqueza interpretativa, a contextualizao do ambiente, os

    detalhes e as experincias nicas (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2006, p. 15),

    caractersticas tais que so consideradas fundamentais para o entendimento do

    esporte olmpico brasileiro atual e ainda no foram encontradas em estudos

    anteriores. Por isso, classificamos esta dissertao tambm como exploratria, para

    examinar um tema ou problema de pesquisa pouco estudado, do qual se tem

    muitas dvidas ou no foi abordado antes (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2006, p.

    99).

    Para sua efetivao, optou-se pela busca de dados a partir da coleta de

    informaes de documentos que explicitam as fontes de financiamento do COB nas

    leis federais brasileiras relacionadas ao fomento do esporte, principalmente de nvel

    olmpico. Alm disso, foram consultados os documentos que embasam a atuao do

    COB, como as caractersticas institucionais, modelo de gesto, seus patrocinadores,

    as recomendaes e restries do COI e a carta olmpica, entre outras fontes que

    foram consideradas teis durante a pesquisa no acervo do Centro de Documentao

    e Informao do COB, na cidade do Rio de Janeiro - RJ.

    O referencial terico utilizado foi a teoria sociolgica de Pierre Bourdieu. Este

    referencial foi escolhido a priori, pois reconhecemos que o contexto estudado

    contm as caractersticas complexas de relao e interdependncia de diferentes

    campos (esportivo, poltico e econmico) brasileiros. Reconhecendo a importncia

    deste quadro terico de anlise sociolgica dentro dos estudos da sociologia

    contempornea, busca-se a consonncia com sua rigorosidade terica e ser

    utilizado principalmente dos conceitos de campo, habitus, agentes sociais e capital

    (econmico, social, cultural e simblico). Ao mesmo tempo, no objetivo do

    presente estudo um aprofundamento sobre a gnese, definio ou limites desses

    conceitos, mas sim demonstrar de que forma eles podem ser apropriados no

    contexto em questo.

    Inicialmente houve a proposta de realizao de uma entrevista com os

    responsveis pela rea de recrutamento de patrocinadores do COB, porm, aps

  • 21

    contatos realizados, no houve o interesse em fornecer as informaes solicitadas.

    Apesar dessa restrio, tal fato no impediu a realizao da pesquisa, j que a

    existncia de documentos pblicos e as demais informaes da mdia permitiram a

    anlise da relao COB e governo federal.

    Consideramos a ausncia de retorno s solicitaes de entrevista um dado de

    pesquisa que, somada s inmeras crticas por pessoas do campo esportivo

    (jornalistas e atletas principalmente) rotineiramente observadas na mdia, parecem

    demonstrar um posicionamento defensivo por parte da entidade quando se trata dos

    questionamentos sobre seus recursos financeiros.

    Refletindo nesse ponto, corroboramos com Coakley (2007) que, em sua

    interpretao sobre as controvrsias criadas pela sociologia do esporte, coloca que

    as pesquisas crticas podem expor ao perigo as posies e privilgios de pessoas

    que esto no poder das organizaes esportivas.

    Baseada nessas informaes, a presente dissertao ser dividida em quatro

    captulos. O captulo 1 traz o embasamento terico a ser utilizado no decorrer do

    texto: a teoria sociolgica de Pierre Bourdieu. No captulo 2, incorporando alguns

    conceitos do captulo 1, foram descritos os principais agentes do campo poltico

    brasileiro atual, juntamente com as principais leis relacionadas ao esporte. No

    captulo 3, a discusso foi incorporada com aspectos mais relacionados ao esporte

    brasileiro em suas formas de organizao e financiamento, com nfase no Comit

    Olmpico Brasileiro. O captulo 4 discute os principais aspectos explorados at

    ento, inter-relacionando os campos, conceitos e fatos, para reflexo acerca da

    realidade atual para, nas Consideraes Finais, retomar os objetivos e sintetizar as

    informaes coletadas.

  • 2 A TEORIA SOCIOLGICA DE PIERRE BOURDIEU

    Embora se considere a relevncia da histria de vida de um autor para melhor

    compreenso de sua obra, aqui foi realizada a opo de no retomar o percurso de

    vida de Pierre Bourdieu, visto que o objetivo dessa pesquisa no o

    aprofundamento em uma matriz terica, mas de que forma ela pode nos auxiliar na

    leitura de fenmenos sociais. Para os leitores que pretendem se aprofundar na

    gnese de conceitos e a provvel influncia da histria de vida de Bourdieu na

    constituio de sua teoria, sugerimos a consulta a alguns livros do prprio autor7 e

    de seus comentadores8.

    Outra prtica comum quando essa teoria utilizada para embasar pesquisas

    acadmicas a explicao dos principais conceitos para posterior apropriao na

    temtica estudada. Nesse sentido, foi feita uma opo diferenciada para exposio

    do referencial terico: evidenciar as relaes ocorridas nos campos estudados

    utilizando os conceitos de maneira concomitante. Dessa forma, acredita-se que a

    leitura ser facilitada e a apropriao dos conceitos do autor evidenciada,

    explicitando a compatibilidade entre a teoria e as relaes existentes no recorte

    proposto.

    Inicialmente, faz-se necessrio indicar os principais recortes para

    compreenso da problemtica dentro dos campos poltico, esportivo e econmico

    conforme est sendo proposto. Posteriormente, dentro desse recorte, sero

    caracterizadas as propriedades especficas de cada um dos trs campos.

    2.1 O RECORTE METODOLGICO PELA TEORIA DOS CAMPOS

    7 BOURDIEU, Pierre. Esboo de auto-anlise. Traduo, introduo, cronologia e notas: Srgio Miceli. So Paulo: Companhia das Letras, 2005b. Este livro no se trata de uma auto-biografia de Bourdieu, como ele mesmo afirma, mas fornece informaes interessantes sobre sua vida e at reflexes sobre fatores de influncia no seu trabalho. 8 Sugerimos a leitura das seguintes obras: BONNEWITZ, Patrice. Primeiras lies sobre a Sociologia de Pierre Bourdieu. Trad. Lucy Magalhes. Petrpolis: Vozes, 2003. DISCEPOLO, Thierry; POUPEAU, Franck. Erudio e compromisso: sobre os comprometimentos polticos de Pierre Bourdieu. In: WACQUANT, Loc (org.). O Mistrio do Ministrio. Trad. Paulo Cezar Castanheira. Rio de Janeiro: Revan, 2005. ENCREV, Pierre; LAGRAVE, Rose-Marie (org). Trabalhar com Bourdieu. Trad. Karina Jannini. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2005. WACQUANT, Loc J. D.. O legado sociolgico de Pierre Bourdieu: duas dimenses e uma nota pessoal. Trad. Adriano Nervo Codato e Gustado Biscaia de Lacerda. Revista de Sociologia e Poltica. n. 19. Nov. 2002. p. 95-110.

  • 23

    Apesar da diviso que se utiliza para compreender os diferentes campos,

    sempre importante salientar as inter-relaes que esses campos possuem entre si e

    com outros. Essa conectividade exemplificada pela figura do mbile de Alexander

    Calder, objeto que sustenta diversos corpos por hastes e fios, no qual, por qualquer

    perturbao ocorrida num dos corpos (ou campos), ter efeito em outros corpos

    (ou campos), com maior ou menor intensidade (LOYOLA, 2002). A compreenso

    dessa propriedade inter-relacional existente entre os campos fundamental dentro

    do objeto de estudo que propomos aqui.

    Alm da possibilidade de inter-relao entre os campos, cada um deles

    possui particularidades e complexidades internas que so constitudas pela

    variedade de relaes que se estabelecem.

    Por exemplo, dentro do campo esportivo, podem ser enumeradas algumas

    formas de manifestao do esporte que podem ser entendidas como subcampos

    do campo esportivo as quais possuem suas formas prprias de relaes ao

    mesmo tempo em que esto em interao. Assim, pode-se observar o esporte: (1)

    na escola, (2) como prtica de lazer, (3) como meio de reabilitao, (4) como

    profisso, (5) como sade/qualidade de vida e/ou (6) como rendimento (MARCHI

    JNIOR; AFONSO, 2007). Em cada uma dessas manifestaes, veem-se uma

    diversidade de anlises das complexas relaes entre os agentes que as compem,

    para citar alguns: (1) professores, alunos e diretores; (2) animadores socioculturais,

    diretores de esporte em clubes scio-recreativos e os scios desses clubes; (3)

    educadores fsicos, fisioterapeutas, mdicos e terapeutas ocupacionais; (4) atletas,

    comisso tcnica e patrocinadores; (5) personal trainners, donos de academias,

    instrutores de ginstica e musculao; e (6) praticantes e treinadores.

    Por esse mapeamento superficial dos agentes que compem alguns dos

    subcampos esportivos, j possvel uma viso preliminar da complexidade que

    envolve esse campo devido s relaes que se estabelecem. Quando esto

    envolvidos dois ou mais campos, a complexidade e possibilidade de inter-relao

    crescem exponencialmente.

  • 24

    Porm, tendo um recorte metodolgico, possvel identificar uma maior

    influncia de determinadas relaes sobre outras. No caso do presente estudo,

    atualmente o esporte como meio de reabilitao, por exemplo, no promove/sofre

    tanta influncia no/do campo poltico e econmico brasileiro, quanto o esporte como

    profisso e rendimento. Da mesma forma, as polticas habitacionais no tero tanta

    interferncia dentro do campo esportivo quanto as polticas de incentivo fiscal para

    prticas esportivas e culturais. Por isso, fundamental a observao das relaes

    mais relevantes dentro de um determinado recorte, o que no significa a restrio ou

    limitao do entendimento de um fenmeno social, j que sua observao ser

    realizada dentro de uma perspectiva de totalidade (ORTIZ, 2002).

    Concentrar-se, assim, como recorte metodolgico para esse estudo, a partir

    dos campos esportivo, poltico e econmico, os respectivos subcampos: o esporte

    de nvel olmpico brasileiro; as polticas federais brasileiras relacionadas ao nvel

    olmpico; e o financiamento dessas polticas e do Comit Olmpico Brasileiro.

    Aceitando o relacionamento imbricado que existe entre esses subcampos,

    nesse estudo optou-se pela diviso dos captulos entre o campo da poltica e do

    esporte olmpico, nos quais as discusses do campo econmico, inevitavelmente, os

    permearo.

    Mapeadas as estruturas que sero abordadas no estudo, prope-se a seguir

    uma exposio das caractersticas comuns e particulares dos campos, assim como

    dos agentes que os compem.

    2.2 AS CARACTERSTICAS DOS CAMPOS EM QUESTO

    Para realizar a anlise de um campo, so necessrios trs passos principais

    (BOURDIEU; WACQUANT, 2005, p. 159-160), atravs dos quais sero

    exemplificados os principais conceitos e propriedades dos campos.

    O primeiro passo a anlise da posio do campo frente ao campo do poder.

    O preceito para funcionamento de um campo a existncia de disputas internas e

    tambm externas, visando a ocupao de posies dominantes. Isso significa que,

    ao compreender a posio de um campo em comparao a outros, ser possvel

  • 25

    visualizar os objetivos das aes dos agentes: para conquista de poder ou

    manuteno de determinada posio. As disputas e a busca por posies

    dominantes por parte de agentes dominados constituem um dos aspectos

    fundamentais para a existncia de um campo.

    O segundo passo traar um mapa contendo as estruturas e as relaes dos

    agentes ou instituies. A compreenso dos mecanismos internos pode ser

    visualizada pelo mapeamento dos principais agentes e os capitais que possuem ou

    buscam. Cada campo possui determinados tipos de capital que, em determinadas

    circunstncias, so mais relevantes que outros, como, por exemplo, os capitais

    econmico, social, cultural, simblico, religioso ou cientfico. Sero considerados

    como agentes dominantes aqueles que possurem mais capital, dentre os que so

    mais representativos naquele campo especfico, que os dominados. Com esse

    mapeamento realizado, possvel captar de que forma o campo est estruturado,

    entendendo as posies ocupadas pelos agentes, quais so as suas disposies

    para realizar determinadas aes e como estas podero interferir na configurao do

    campo.

    O terceiro passo a anlise dos diferentes habitus. O habitus funciona como

    uma matriz geradora de percepo, apreciao e ao de cada agente, que foi

    internalizada pelas relaes e estruturas sociais histricas de cada indivduo e tem

    papel fundamental na realizao de suas aes. Esse conceito entendido como

    essencial para utilizao do conceito de campo, j que este no pode ser uma

    estrutura morta e aquele incompleto se no possui uma estrutura que o sustente

    (WACQUANT, 2005a, p. 47-48). O habitus possibilita aos agentes, que possuem

    disposies diversas de acordo com seu histrico de interaes sociais, fazerem

    parte ativamente e modificarem constantemente as configuraes dos campos nos

    quais esto.

    Na formao de sua Teoria dos Campos, Bourdieu compreendeu que as

    relaes sociais so dinmicas, porm possuem algumas peculiaridades que

    garantem a sobrevivncia ou a reproduo de determinadas prticas. Por exemplo,

    algumas caractersticas para constituio de um campo so comuns, como a

    existncia de agentes, indivduos, que, de alguma forma, disputam entre si

  • 26

    determinados tipos de poder ou capital, sejam econmicos, culturais, sociais ou

    simblicos. Mas as formas e interesses pelas quais essas disputas ocorrem so

    particulares de cada campo, assim como as posies e disposies desses agentes

    e seus habitus (BOURDIEU; WACQUANT, 2005, p. 150).

    Alm dessas caractersticas gerais, chamadas de propriedades, Bourdieu

    expe ainda de que forma um campo se constitui, quais so suas fronteiras e quais

    os aspectos que garantem sua existncia. Por isso, essencial o estudo de cada

    universo para compreender sua constituio (ou at que ponto est constitudo),

    onde terminam seus efeitos e quem est inserido, ou no, dentro dele (BOURDIEU;

    WACQUANT, 2005, p. 155). Assim, no possvel uma resposta antecipada do que

    ou no campo: necessria a observao de cada universo especfico para a

    compreenso de seus limites, sendo muitas vezes este aspecto uma das razes de

    lutas dos agentes que o constituem.

    Sobre a possibilidade de extino de determinado campo, Bourdieu v essa

    situao possvel somente quando as resistncias so inexistentes, situao que

    no foi proporcionada nem mesmo pelos regimes mais totalitrios ou instituies que

    almejaram esse fim, j que dificilmente os agentes no estaro envolvidos em

    disputas:

    Un campo puede funcionar slo si encuentra individuos socialmente predispuestos a comportarse como agentes responsables, a arriesgar su dinero, su tiempo, en ocasiones su honor o su vida, para llevar adelante los juegos y obtener los beneficios que propone (BOURDIEU, 1982. In: BOURDIEU; WACQUANT, 2005, p. 157)9

    Neste fragmento, esto evidenciadas as mltiplas predisposies que os

    indivduos possuem para encontrarem-se constantemente em disputas ou lutas, por

    motivos diversos. Essa uma propriedade essencial dos campos.

    Aps a compreenso das propriedades gerais e a conscincia da existncia

    de lgicas especficas dos campos, parte-se para uma compreenso das

    especificidades dos campos poltico, econmico e esportivo.

    9 Um campo pode funcionar somente se encontrar indivduos socialmente predispostos a se comportar como agentes responsveis, a arriscarem seu dinheiro, seu tempo, em algumas ocasies sua honra ou sua vida, para levar a diante os jogos e obter os benefcios que prope. (BOURDIEU, 1982. In: BOURDIEU; WACQUANT, 2005, p. 157, traduo nossa).

  • 27

    2.2.1 O Campo Poltico

    Ao tratar dos campos relacionados ao Estado, h a possibilidade de se

    pensar a constituio de um campo poltico ou burocrtico. A gnese deste campo,

    para Bourdieu, ocorreu na transio do Estado dinstico para o Estado burocrtico.

    No Estado dinstico, h uma grande concentrao de capital simblico na casa do

    rei, que progressivamente vai tendo seu poder descentralizado at tornar-se uma

    oligarquia dinstica. Nesse processo de longa durao, o aumento no nmero de

    agentes, foras e disputas que ocorrem para o monoplio de decises ou para o

    monoplio de manipulao legtima dos bens pblicos (BOURDIEU. In:

    WACQUANT, 2005b, p. 41) compem um crescimento na cadeia de

    interdependncias entre autoridades e responsabilidades, estabelecidas por

    princpios jurdicos, que formam o Estado burocrtico.

    O Estado burocrtico, apesar de sua maior diferenciao, se constitui como

    uma instncia superior a todas as outras por concentrar diferentes espcies de

    capital econmico, militar, cultural, jurdico e simblico. Para essa caracterstica

    diferencial, Bourdieu considera que h a existncia de um capital propriamente

    estatal denominado metacapital, que permite ao Estado um grande poder de

    interveno e influncia sobre os outros campos (BOURDIEU; WACQUANT, 2005).

    Neste aspecto, v-se ainda a possibilidade de pensar o Estado como um

    metacampo, que determina as regras para os outros campos, sendo tambm um

    locus de disputas entre os dominantes desses outros campos (BOURDIEU. In:

    WACQUANT, 2005b).

    Por isso, o Estado ser interpretado como um conjunto de campos

    administrativos ou burocrticos no qual ocorrem lutas entre os agentes que iro

    legislar e regulamentar prticas diversas por meio de normas e polticas, e que

    possuiro, assim, o monoplio da violncia simblica legtima (BOURDIEU;

    WACQUANT, 2005, p. 169).

    Outra caracterstica til para este estudo colocada por Bourdieu a existncia

    da mo esquerda e mo direita do Estado. Esses termos seriam representativos de

    dois conjuntos distintos: a mo esquerda representa os agentes dos ministrios

    relacionados s polticas sociais; enquanto a mo direita representada pelos

  • 28

    ministrios relacionados economia, como os bancos e agentes dos gabinetes

    ministeriais, entre outros burocratas (BOURDIEU, 1998). Essas so as instituies e

    agentes que caracterizam as lutas principais dentro do campo poltico, no qual, sob

    a anlise do capital econmico, a mo direita dominante e a mo esquerda

    dominada, constantemente lutando entre si pela dominncia sob anlise do capital

    simblico.

    Sobre essas terminologias interessante realizar uma abstrao para

    localizar o esporte dentro desse universo.

    Se pensarmos no campo poltico, o esporte um subcampo componente da

    mo esquerda do Estado, tido muitas vezes como meio de resolver as mazelas

    sociais ao impedir a entrada ou retirar os jovens da dependncia qumica ou da

    violncia. Por isso, comum vermos polticas de governo que utilizam deste

    discurso para implantar programas sociais esportivos cujos profissionais devem

    exercer as funes ditas sociais isto , compensar, sem dispor de todos os

    meios necessrios, os efeitos e carncias mais intolerveis da lgica do mercado,

    exatamente como outros agentes da mo esquerda como policiais e magistrados

    subalternos, assistentes sociais, educadores (BOURDIEU, 2003, p. 218). Mesmo o

    esporte de alto rendimento, incluindo a o esporte olmpico, pode ser observado

    como estando na mo esquerda do Estado quando, mesmo sem dispor de todos os

    meios necessrios, as suas conquistas em grandes eventos internacionais so

    acompanhadas de discursos que enaltecem o esforo de cidados de uma nao,

    numa tentativa de resgatar o descrdito e a descrena de uma populao com

    dificuldades mltiplas.

    Porm, se pensarmos especificamente no subcampo poltico do Estado

    brasileiro para o esporte, o esporte profissional (incluindo o olmpico) estaria na mo

    direita enquanto o esporte na escola ou o esporte como prtica de lazer localizam-se

    como a mo esquerda, sob o vis do capital econmico. Essa situao ser melhor

    explorada no decorrer deste trabalho.

    De forma preliminar, v-se que o campo do esporte est numa posio

    dominada perante outros campos dentro do campo poltico. Porm, o esporte

    olmpico, como um dos dominantes no campo esportivo, busca uma posio de

  • 29

    dominncia tambm no metacampo do Estado. Com esse subsdio terico fornecido

    por Pierre Bourdieu, torna-se mais clara as relaes que se estabelecem entre o

    Comit Olmpico e o Governo Federal brasileiros.

    Ainda assim, a compreenso do campo econmico tambm se faz necessria

    para observao de outros aspectos que so capazes de complementar essa

    primeira constatao, conforme ser exposto a seguir.

    2.2.2 O Campo Econmico

    Apesar da tendncia mundial da converso das polticas estatais nacionais a

    alguns fundamentos da poltica neoliberal, Bourdieu ainda considera que o campo

    econmico fortemente influenciado pelo campo burocrtico (BOURDIEU, 2005c).

    As principais formas de influncias seriam pelos:

    [...]efectos estructurales que ejercen las leyes presupuestarias, los gastos de infraestructura, en especial en el mbito de los transportes, la energa, la vivienda, las telecomunicaciones, la (des)fiscalizacin de la inversin, el control de los medios de pago y de crdito, la formacin de la mano de obra y la regulacin de la inmigracin, la definicin y la imposicin de las reglas del juego econmico, como el contrato de trabajo [...] (BOURDIEU, 2005c, p. 26)10

    Por todas essas possibilidades de interferncia, o Estado ainda tem a

    possibilidade de estimular e controlar a macroeconomia.

    Os conceitos de Bourdieu visam a compreenso do campo econmico pela

    observao concomitante de outras dimenses sociais, se diferenciando, assim, do

    olhar mais tradicional que se tem sobre a economia.

    O diferencial do campo econmico perante outros campos se d pela busca

    explcita do aumento do lucro material individual, lgica que erroneamente costuma

    ser transferida para todas as outras esferas sociais. Ao mesmo tempo, a busca pelo

    lucro no suplanta outras lgicas do campo econmico. Este fator pode ser

    exemplificado quando observamos quais so os capitais relevantes para esses

    10 [l]efeitos estruturais que exercem as leis oramentrias, os gastos de infra-estrutura, em especial no mbito dos transportes, energia, habitao, telecomunicaes, a (no) fiscalizao dos investimentos, o controle dos meios de pagamento e crdito, formao de mo de obra e a regulamentao da imigrao, a definio e a imposio de regras do jogo econmico, como o contrato de trabalho [l] (BOURDIEU, 2005c, p. 26, traduo nossa).

  • 30

    agentes: capital financeiro (atual ou potencial), tecnolgico (cientfico e tcnico),

    comercial (marketing), jurdico, organizacional e fortemente o capital simblico (aqui

    demonstrado sob a forma de credibilidade e reconhecimento) (BOURDIEU, 2005d).

    Outro aspecto que caracteriza o campo econmico sua constituio por

    uma srie de subcampos, normalmente denominados setores ou ramos industriais.

    Os agentes que os constituem so, dessa forma, as empresas com as quais os

    consumidores possuem certa interao (Ibidem, p. 24). E a posse maior ou

    menor dos capitais supracitados que determina a posio das empresas e

    consequentemente a estrutura do campo, na qual as aes dos dominantes so

    capazes de alterar regras e limites do jogo.

    Os dominantes, nomeados first movers ou market leaders, costumam agir

    com alterao de preos, lanamento de produtos, promoo, distribuio ou at

    utilizando-se do blefe, como forma de defesa e para que os dominados se

    posicionem tendo-os como parmetro. Dessa maneira, intimidam os concorrentes e

    redobram o poder de seu capital simblico. Aos dominados, os challengers, restam

    alternativas de especializar-se em lacunas de nichos de mercado deixadas pelos

    market leaders. Com a forte tendncia no reforo da posio dos dominantes, as

    mudanas no campo normalmente surgem com redefinies das fronteiras entre os

    campos, como atravs da segmentao de determinado setor ou pela constituio

    de um novo espao, fundido por tecnologias semelhantes (Ibidem, p. 39).

    Existem outros intervenientes que podem afetar a mudanas no campo, como

    descobertas de fontes de abastecimento e mudanas na demanda pelas

    transformaes demogrficas ou dos estilos de vida. Estes so aspectos sociais que

    provocam lacunas favorveis ao dos challengers, que possuem maior

    mobilidade e possibilidade de adaptar-se a novas demandas frente s produes em

    grande escala dos market leaders.

    Porm a inter-relao com o Estado, transcendente ao campo, talvez o mais

    importante fator que pode transformar as foras do campo econmico. As

    intervenes estatais provocam modificaes fundamentais para o jogo, como a

    capacidade de alterar ou construir oferta e demanda, como no caso do mercado de

  • 31

    habitaes estudado por Bourdieu. Essas intervenes normalmente surgem por

    presso dos dominados atravs da utilizao de seu capital social.

    Esses aspectos e possibilidades de mudana no campo so constituintes do

    habitus dos agentes envolvidos no campo econmico, juntamente com as noes

    econmicas construdas historicamente por cada indivduo. Essa noo refuta a

    ideia do homo economicus, conceito que universaliza e explica as aes

    econmicas dos indivduos como simples reao imediata a um estmulo.

    Numa apropriao dessa inter-relao economia e Estado, pensando no

    campo esportivo, temos uma relao histrica do presidente do COB, Carlos Arthur

    Nuzman, e instncias estatais pelas quais, com a influncia de seu capital social, j

    houve interveno para mudanas em leis que favoreceram o patrocnio aos clubes

    de voleibol em 1981 (MARCHI JNIOR, 2001). Talvez, mais recentemente, essa

    representatividade pode ter auxiliado na criao e aprovao de leis como a Agnelo-

    Piva e a lei de incentivo ao esporte, que sero tratadas nos captulos 2 e 3.

    Para a observao da existncia de empresas as quais poderamos

    considerar market leaders ou challengers no campo esportivo, estenderamos a

    discusso por campos que no pretendemos explorar aqui. Porm, podemos

    entender a posio no campo econmico brasileiro e mundial de algumas empresas

    que patrocinaram o Comit Olmpico Brasileiro11 e as estatais patrocinadoras de

    Confederaes Brasileiras. Da realidade atual, as empresas dividem-se em dois

    grupos: empresas com capital majoritariamente estatal e empresas privadas.

    Das seis empresas com capital majoritariamente estatal (Caixa Econmica

    Federal, Eletrobrs, Petrobras, Infraero, Correios e Banco do Brasil), observa-se que

    a maioria busca sua manuteno como market leader em territrio brasileiro, sendo

    que uma (Petrobras) possui capital atual e potencial mais evidente para estender

    sua posio dominante no contexto internacional.

    Utilizamos o termo empresas com capital estatal (ou pblico) como referncia

    tanto s empresas estatais (controladas pelo Estado) como as sociedades de

    11 A compreenso desses posicionamentos facilitada pelo estudo anterior dos objetivos com o patrocnio aos Jogos Pan-Americanos Rio 2007, o qual se estende ao COB para o ciclo olmpico de 2005-2008. ALMEIDA, Brbara Schausteck. O Patrocnio Esportivo nos XV Jogos Pan-Americanos Rio 2007 - um estudo de caso. 2007. 51f. Monografia (Bacharelado em Educao Fsica) - Departamento de Educao Fsica, Universidade Federal do Paran, Curitiba.

  • 32

    economia mista (que tem a concorrncia de capital pblico e privado)12. Dessa

    forma, para compreender a situao de market leader dessas empresas preciso

    diferenciar os casos de monoplio de servios estatais (como Correios, Eletrobrs e

    Infraero) e das empresas que esto em concorrncia de mercado (como Banco do

    Brasil e Caixa Econmica Federal). Nesse ponto, carecem pesquisas acadmicas

    que questionem as reais intenes das empresas detentoras de monoplio de

    servios ao patrocinarem as confederaes brasileiras.

    Das quatro empresas privadas que patrocinaram o COB de 2005 a 2008,

    somente uma, que uma empresa nacional (Sadia), pode ser classificada como

    market leader no territrio brasileiro. Outras duas (Oi e Sol), multinacionais, so

    challengers no mercado nacional, porm esto melhores estabelecidas no mercado

    internacional. A quarta, que tambm empresa nacional (Olympikus), pode ser

    caracterizada como challenger tanto no mercado nacional quanto internacional.

    A nica confederao brasileira (a de futebol) que no patrocinada por

    empresas estatais possui trs patrocinadores oficiais13: uma empresa nacional (Ita)

    que numa recente fuso se tornou market leader no hemisfrio sul; uma empresa

    multinacional (Vivo) que market leader nacional e internacional; e outra empresa

    tambm multinacional (Nike), fornecedora de artigos esportivos, que market leader

    nacional e internacional.

    Aqui pudemos observar as diferentes estratgias que empresas do campo

    econmico utilizam com o patrocnio ao esporte no Brasil. Na modalidade mais

    visvel internacionalmente e que possui como capital simblico a caracterstica de

    melhor do mundo, vrias empresas multinacionais, que tambm so bem

    estabelecidas no mercado internacional, tm interesse no patrocnio. Modalidades

    com menor expresso internacional, porm com importncia dentro do contexto

    brasileiro, tm o apoio de empresas estatais. J para o patrocnio do COB o

    interesse surge de empresas estatais e empresas privadas que buscam se

    estabelecer no mercado nacional.

    12 Essa diferenciao est presente no Decreto-lei n 900 de 29 de setembro de 1969 (BRASIL, 2004a). 13 CBF anuncia contrato de patrocnio com Ita de cerca de R$200 milhes. Folha Online, So Paulo, 20 out. 2008. Disponvel em: . Acesso em: 12 nov. 2008.

  • 33

    Dessa maneira, temos alguns indcios de como se estabelece, sob o ponto de

    vista econmico, algumas disputas do campo esportivo. A seguir, trataremos da

    constituio deste campo tambm sob outros aspectos.

    2.2.3 O Campo Esportivo

    Anteriormente j foram descritas algumas possibilidades de compreenso do

    campo esportivo a partir de seis diferentes subcampos (MARCHI JNIOR;

    AFONSO, 2007). Porm, a delimitao e a composio desses subcampos so

    variveis, tornando seu contorno epistemolgico por si um objeto especfico de

    disputa do campo (problema estendido tambm aos campos da Educao Fsica e

    do Lazer). Apesar das discusses sobre o conceito se encaminharem para um

    entendimento polissmico do termo, no h consenso sobre sua real origem.

    Bourdieu vai compreender a gnese do esporte moderno, a partir da mudana

    de significado e funo dos jogos dentro das escolas de elite da Inglaterra. Essas

    transformaes ocorreram visando a no funcionalidade e a vanglria da distncia

    aos interesses materiais que essas prticas passaram a assumir. Tais

    caractersticas, presentes tambm nas transformaes realizadas por essa classe na

    arte e na msica, so complementadas no esporte com a repercusso de virtudes

    como a coragem e a virilidade dos seus praticantes (BOURDIEU, 1983).

    As virtudes elitistas associadas ao esporte esto diretamente relacionadas

    com a gnese do movimento olmpico. O amadorismo foi zelado por muito tempo

    dentro dos Jogos Olmpicos. Mas percebemos que a competio, o avano dos

    meios de comunicao, os treinamentos e o avano farmacolgico foram

    sobressalentes aos ideais amadores anteriores. Hoje se v a continuidade na

    exaltao das virtudes principalmente fsicas dos atletas, porm bastante

    diferenciadas em decorrncia do profissionalismo que passou a incorporar o campo

    esportivo.

    A passagem do amadorismo para o profissionalismo no Movimento Olmpico,

    que evidenciado hoje dentro do esporte profissional e de rendimento, s foi

    possvel a partir de forte investimento financeiro e o vislumbre de retorno

    proporcional. neste ponto que vemos o desenvolvimento dos meios de

  • 34

    comunicao como essencial para viabilizar retorno financeiro aos investidores e

    possibilitar assim a profissionalizao esportiva. Foi tambm a partir desse processo

    que um grupo diferenciado surgiu: o consumidor de espetculos esportivos.

    Existem aspectos comuns entre o surgimento de um grupo de consumidores

    de espetculos no esporte e em outras reas, como a dana. Observa-se que h um

    processo diferenciando os praticantes em profissionais e amadores, sendo que

    estes, num primeiro momento, so praticantes e apreciadores com certo grau de

    conhecimento prtico; mas, posteriormente, h uma ruptura e esse grupo passa a

    ser composto apenas por espectadores processo especialmente intensificado

    pelas transmisses televisivas. Nesta categoria, muitas vezes o consumo se d

    pelos aspectos extrnsecos, como a plstica dos movimentos ou simplesmente o

    resultado, quando no h uma vivncia e um conhecimento mais aprofundado

    daquela prtica (BOURDIEU, 2004, p. 218).

    Com isso, tm-se o surgimento da indstria do espetculo esportivo com

    intenes lucrativas que so alcanveis com um pessoal tcnico especializado e

    de uma verdadeira gerncia cientfica, capaz de organizar racionalmente o

    treinamento e a manuteno do capital fsico dos profissionais (BOURDIEU, 1983,

    p. 145), pensando no s nos atletas, mas tambm nos profissionais que atuam em

    outros quesitos como a organizao e gesto do esporte.

    A distino social, buscada pelas elites na gnese do esporte moderno,

    continua presente no campo das prticas esportivas e caracteriza, em parte, as

    formas pelas quais se daro as lutas: pela tentativa do monoplio de imposio da

    definio legtima da prtica esportiva e da funo legtima da atividade esportiva

    (BOURDIEU, 1983, p. 142). Observa-se uma disputa entre agentes e instituies

    que tero o poder de classificar quais as prticas podem ser consideradas

    pertencentes ao campo e quais devem ser suas funes, como, por exemplo, acerca

    do amadorismo versus profissionalismo, prtica versus consumo, esporte elitizado

    versus esporte massificado. O COI uma entidade que atualmente se destaca como

    detentor desse monoplio porque, ao ter o poder de gerenciar as modalidades

  • 35

    presentes nos Jogos Olmpicos de vero e inverno, inclui ou exclui determinadas

    prticas do cenrio esportivo mundial14.

    O envolvimento e a mobilizao popular fazem do esporte, desde o sculo

    XIX, um meio potencial de conquista poltica e simblica, principalmente do pblico

    jovem. Porm, a utilizao do esporte como meio de promoo poltica se d de

    forma dissimulada, sendo que o reconhecimento e a ajuda por parte do Estado

    aumentam juntamente com a aparente neutralidade das organizaes esportivas e

    seus responsveis, no qual se busca acmulo ou manuteno de capital simblico

    que possa ser revertido em poder poltico (BOURDIEU, 1983, p. 146-7).

    Aqui temos um importante ponto para reflexo dentro da proposta de

    pesquisa. Se, desde o sculo XIX, o esporte vem sendo utilizado como um meio de

    promoo poltica, hoje, com o aumento da visibilidade e acesso s informaes

    relacionadas ao esporte, essa promoo maximizada. Tal fato relevante tanto

    para os agentes esportivos quanto polticos que, de acordo com seus interesses,

    podem favorecer determinados esportes em detrimento de outros, justamente pela

    quantificao do retorno simblico desse investimento.

    As modalidades includas nos Jogos Olmpicos so aquelas que possuem

    maior visibilidade miditica mundial e grande interesse do pblico, onde o sucesso

    dos atletas quantificado pelas suas conquistas e o sucesso da nao pelo

    posicionamento no ranking de medalhas15. Os dirigentes esportivos e polticos

    ligados ao esporte costumam estar presentes nesses momentos de conquista,

    trazendo para si a boa imagem de responsvel pelo sucesso. Na verdade, a

    conquista de uma medalha em campeonatos mundiais ou em uma edio dos Jogos

    Olmpicos pode no representar um projeto poltico-esportivo bem sucedido. Porm,

    o simbolismo da medalha e o nacionalismo que essa imagem representa so

    suscetveis de converso em capital poltico, numa proporo de alcance nacional e

    14 A incluso de modalidades nos Jogos Olmpicos de Vero e Inverno se d pela proposta do comit executivo do COI. As propostas devem respeitar diversos critrios estabelecidos na carta olmpica, para que sejam escolhidas as modalidades atravs de votao em sesses que incluem tambm as Federaes Internacionais (INTERNATIONAL OLYMPIC COMMITTEE, 2007). 15 Apesar do Comit Olmpico Internacional no considerar essa contagem, a imprensa mundial acompanha durante todos os Jogos Olmpicos o desempenho dos pases e os classifica pela quantidade de medalhas de ouro ou total de medalhas. Aqueles que possuem melhor desempenho so tidos como as potncias olmpicas e seus modelos de gesto esportiva costumam ser referncia para os outros pases.

  • 36

    internacional, diferentemente do investimento em outras manifestaes de esporte

    (escolar, lazer e sade/qualidade de vida), que teriam um alcance local ou regional.

    Bourdieu (1997) indica que esse processo pode ter sido intensificado pelas

    transmisses televisivas, que reafirmam determinadas caractersticas observadas no

    esporte hoje:

    Seria preciso enfim analisar os diferentes efeitos da intensificao da competio entre as naes que a televiso produziu atravs da planetarizao do espetculo olmpico, como o aparecimento de uma poltica esportiva dos Estados orientada para os sucessos internacionais, a explorao simblica e econmica das vitrias e a industrializao da produo esportiva que implica o recurso ao doping e a formas autoritrias de treinamento. (BOURDIEU, 1997, p. 126)

    Sobre esse processo de orientao esportiva para os sucessos internacionais

    e o recolhimento do prestgio advindo de vitrias, parece-nos que o esporte e a

    poltica brasileiros no esto alheios. Essa possibilidade parece ser um importante

    aspecto que nos auxiliar a responder a pergunta problema dessa pesquisa.

    A dificuldade na construo e aplicao de polticas pblicas para a rea est

    diretamente relacionada s suas caractersticas polissmicas, mas principalmente

    visibilidade poltica que determinados esportes proporcionam em detrimento de

    outros. Esses aspectos sero tratados no captulo seguinte, onde se observar que

    a proposta de uma diviso do esporte estanque desde a dcada de 1980,

    juntamente com a manuteno dos interesses dos dominantes do campo esportivo,

    at hoje regem as polticas brasileiras para a rea.

  • 3 O SUBCAMPO DA POLTICA PARA O ESPORTE OLMPICO BRASILEIRO

    O esporte foi constitucionalizado no Brasil pela Constituio Federal de 1988,

    aps a presso de alguns setores esportivos que contriburam para o contedo de

    seu texto (VERONEZ, 2005). Essa primeira iniciativa, ainda em vigor, possui

    normativas amplas, sendo criadas diversas outras leis infraconstitucionais mais

    especficas para regulamentar determinados subcampos esportivos, principalmente

    daqueles cujos dirigentes possuem maior capital poltico.

    Sem desconsiderar a existncia de leis anteriores que regulavam o esporte16,

    o foco aqui ser dado na legislao em vigor atualmente no Brasil que trata o

    financiamento do esporte de alto rendimento. Veremos a seguir os textos da

    Constituio Federal de 1988 e as principais leis relacionadas ao esporte olmpico.

    Na seleo do material a ser analisado, buscamos as leis que esto em vigor no

    pas e que de alguma forma orientam o financiamento ou regulao do esporte

    olmpico17. Atravs da observao da legislao, pretendemos compreender os

    objetivos pelos quais as polticas pblicas foram e esto sendo criadas nesse

    subcampo, percebendo a a posio do esporte olmpico no campo esportivo e a

    influncia de seus dominantes no campo poltico.

    3.1 O ESPORTE NA CONSTITUIO FEDERAL DE 1988

    O esporte abordado no artigo 217 do texto da constituio de 1988, no

    Ttulo VIII DA ORDEM SOCIAL, Captulo III DA EDUCAO, DA CULTURA E

    DO DESPORTO, Seo II DO DESPORTO, com o seguinte texto:

    Art. 217. dever do Estado fomentar prticas desportivas formais e no-formais, como direito de cada um, observados: I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associaes, quanto a sua organizao e funcionamento;

    16 Referimo-nos principalmente aos Decretos-lei da dcada de 1930 (378/37; 1.056/39 e 1.099/39) para administrao de atividades relacionadas Educao Fsica; da dcada de 1940 (3.199/41; 9.267/42; 5.342/43; 7.674/45 e 7.875/46) que regularizavam, principalmente, as aes do Conselho Nacional de Desportos entre outras providncias; e da dcada de 1960 e 1970, que seguiam modelos europeus de massificao para seleo dos melhores. Para maiores detalhes, ver Linhales (1996) e Veronez (2005). 17 O esporte olmpico pode ser entendido como sob a terminologia esporte rendimento dentro da lei n 9615/1998, que interpreta o campo esportivo em mais outras duas manifestaes: esporte participao e esporte escolar.

  • 38

    II - a destinao de recursos pblicos para a promoo prioritria do desporto educacional e, em casos especficos, para a do desporto de alto rendimento; III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o no- profissional; IV - a proteo e o incentivo s manifestaes desportivas de criao nacional. 1 - O Poder Judicirio s admitir aes relativas disciplina e s competies desportivas aps esgotarem-se as instncias da justia desportiva, regulada em lei. 2 - A justia desportiva ter o prazo mximo de sessenta dias, contados da instaurao do processo, para proferir deciso final. 3 - O Poder Pblico incentivar o lazer, como forma de promoo social (BRASIL, 1988).

    Retomando o objetivo principal desse captulo, vemos que a abordagem do

    esporte olmpico se insere mais especificamente no inciso I e II.

    No inciso I, observa-se que as entidades esportivas podem ter sua

    organizao e seu funcionamento de forma autnoma. Assim, v-se que no h uma

    especificao jurdica federal de como essas instituies devem ser gerenciadas.

    Porm, essa liberdade no pode ser confundida com soberania, j que elas tambm

    podem ser controladas e alvo de investigao, principalmente quando recebem

    aporte financeiro pblico ou quando h suspeitas de utilizao para fins ilegais

    (como a corrupo).

    Sobre as questes de financiamento, o inciso II j menciona a obrigao de

    destinao prioritria ao desporto18 educacional, embora possam existir casos

    especficos de destinao ao alto rendimento. Observam-se aqui algumas lacunas,

    como a falta de especificao do que o desporto educacional (por exemplo, uma

    competio, com eliminatrias e finais entre escolares de todo o pas se caracteriza

    como desporto educacional ou alto rendimento?) e quais seriam os casos

    especficos para a destinao de recursos ao desporto de alto rendimento.

    V-se aqui que, apesar da importncia dessa primeira iniciativa de incluso

    do esporte na legislao no pas, ainda muitos pontos ficaram abertos ou pouco

    explorados na Constituio Federal. Por isso, inmeras outras leis foram criadas,

    visando a regulamentao desse campo com abordagens mais especficas. A

    seguir, veremos algumas delas. 18 O termo desporto foi utilizado na Constituio Federal como no portugus de Portugal (VERONEZ, 2005). Aqui, utilizaremos esse e outros termos de acordo com o texto da lei que est sendo observada.

  • 39

    3.2 AS LEIS INFRACONSTITUCIONAIS RELACIONADAS AO ESPORTE

    OLMPICO

    As normativas subsequentes Constituio Federal buscam preencher

    lacunas de necessidades e exigncias de determinados subcampos esportivos que

    visivelmente tm maior poder, como o Comit Olmpico Brasileiro e a modalidade

    futebol, mas que trazem consigo anseios de outras modalidades.

    Nos prximos subitens, ser possvel observar pelo contedo das leis como

    determinados interesses so atendidos, principalmente no que se refere ao

    financiamento do esporte de alto rendimento.

    A seguir, sero apresentadas, em ordem cronolgica de aprovao, quatro

    leis tidas como principais para o assunto aqui discutido: Lei Pel (lei n 9.615/1998),

    Lei Agnelo-Piva (lei n 10.264/2001), Bolsa Atleta (lei n 10.891/2004) e a Lei de

    Incentivo ao Esporte (lei n 11.438/2006).

    3.2.1 Lei Pel

    A lei n 9.615 de 24 de maro de 1998 foi criada durante o governo de

    Fernando Henrique Cardoso e comumente designada como Lei Pel porque o ex-

    jogador de futebol Edson Arantes do Nascimento (Pel) era o ento ministro

    extraordinrio do esporte desde 1995. Tendo como objetivo instituir normas gerais

    sobre desportos e dar outras providncias, essa lei veio em substituio a lei n

    8.672/1993, conhecida como Lei Zico, quando tambm um ex-jogador de futebol,

    neste caso Arthur Antunes Coimbra, estava no cargo de secretrio de esporte no

    governo do ento presidente Fernando Collor de Melo. Apesar de a lei Pel propor a

    substituio lei Zico, Veronez (2005, p. 305) nos chama a ateno sobre as

    poucas mudanas decorrentes.

    Se observarmos com ateno as duas leis que se propuseram a modernizar o esporte no Brasil, vamos perceber que 30 artigos so exatamente iguais ou com diferenas pouco significativas; 13 so semelhantes, mas sua transcrio diferente; 12 so substancialmente diferentes; 18 receberam modificaes pela Cmara Federal em relao ao projeto original.

  • 40

    Acrescente-se a essa conta os 23 artigos referentes ao bingo, no caso da Lei 9.615/1998.

    Dessa maneira, o novo texto, dividido em 11 captulos, normatizou as prticas

    esportivas quanto seus princpios, natureza, finalidades, organizao, jurisdio,

    financiamento, funcionamento de bingos, entre outras disposies gerais. O texto

    atual sofreu inmeras mudanas pelas leis n 10.672/2003, 9.981/2000,

    11.118/2005, e tambm pela lei n 10.264/2001 na qual iremos nos aprofundar no

    prximo subitem.

    A Lei Pel regulamenta a Constituio Federal de 1988 quando esta trata o

    esporte.

    O primeiro captulo j traz a diferenciao, inexistente na Constituio

    Federal, sobre o entendimento das prticas esportivas como atividades formais

    (regradas) e no-formais (ldicas). Quanto compreenso das diferenas entre os

    trs tipos de manifestaes esportivas (educacional, participao e rendimento),

    temos uma classificao no Captulo III Da natureza e das finalidades do

    desporto, Artigo 3:

    I - desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemticas de educao, evitando-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcanar o desenvolvimento integral do indivduo e a sua formao para o exerccio da cidadania e a prtica do lazer; II - desporto de participao, de modo voluntrio, compreendendo as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a integrao dos praticantes na plenitude da vida social, na promoo da sade e educao e na preservao do meio ambiente; III - desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prtica desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do Pas e estas com as de outras naes. Pargrafo nico. O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado: I - de modo profissional, caracterizado pela remunerao pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prtica desportiva; II - de modo no-profissional, identificado pela liberdade de prtica e pela inexistncia de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocnio. (Redao dada pela Lei n 9.981, de 2000) (BRASIL, 1998)

    Essa classificao demonstra a dificuldade de dividir as manifestaes do

    esporte, ao mesmo tempo em que evidencia sua conectividade. Se relembrarmos

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    nosso questionamento anterior sobre se uma competio, com eliminatrias e finais

    entre escolares de todo o pas se caracteriza como desporto educacional ou alto

    rendimento, veremos que no possvel definir a partir do artigo acima, j que,

    utilizando as palavras da prpria lei, apesar da seletividade, a hipercompetitividade

    de seus praticantes, que deve ser evitada no desporto educacional, esse tipo de

    competio uma forma de integrar pessoas e comunidades do Pas de acordo

    com regras de prtica desportiva, nacionais e internacionais, conforme a descrio

    do desporto de rendimento. Por isso, possvel perceber que, embora tenham sido

    alcanados parmetros para comparao, a polissemia do esporte ainda no

    conseguiu ser objetivada nessa lei de uma forma satisfatria para impedir

    compreenses ambguas e atuaes com determinadas intencionalidades.

    Alm de elencar 12 princpios fundamentais do desporto (soberania,

    autonomia, democratizao, liberdade, direito social, diferenciao, identidade

    nacional, educao, qualidade, descentralizao, segurana e eficincia) no captulo

    II Dos princpios fundamentais, houve, pela Lei n 10.672/2003, o acrscimo do

    seguinte pargrafo:

    Pargrafo nico. A explorao e a gesto do desporto profissional constituem exerccio de atividade econmica sujeitando-se, e