73
ALAN GRUBA BARBOSA AMAR COMO DEUS QUER: AS PRÁTICAS DE PERDÃO EM CURITIBA NO SÉCULO XVIII. CURITIBA 2008

AMAR COMO DEUS QUER AS PRÁTICAS DE PERDÃO EM C … · Na segunda parte, tem-se um levantamento, ainda que berve e resumidamente, da história do perdão no ocidente, pautado na

Embed Size (px)

Citation preview

ALAN GRUBA BARBOSA

AMAR COMO DEUS QUER: AS PRÁTICAS DE PERDÃO EM CURITIBA NO SÉCULO XVIII.

CURITIBA 2008

ALAN GRUBA BARBOSA

AMAR COMO DEUS QUER: AS PRÁTICAS DE PERDÃO EM CURITIBA NO SÉCULO XVIII.

Trabalho de conclusão de curso apresentado a disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica, ofertada pelo Departamento de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Sob a orientação da professora Doutora Maria Luiza Andreazza.

CURITIBA 2008

Agradeço em especial à Irene, minha mãe, por tudo que tem feito por mim, à Maria Luiza, minha professora, pela orientação e pela paciência,

e a todos aqueles que, de alguma forma, tornaram isso possível.

SUMÁRIO

Intodução...............................................................................................................................

Capítulo I...............................................................................................................................

Capítulo II..............................................................................................................................

Capítulo III............................................................................................................................

Conclusão..............................................................................................................................

Referências Bibliográficas....................................................................................................

Anexos...................................................................................................................................

INTRODUÇÃO

Ainda não me lembro muito bem, estava no começo do meu terceiro semestre

no decorrido curso de história quando resolvi enfrentar uma disciplina intitulada “Tópicos

Especiais de História Social”1.

Não fosse pela minha imaturidade acadêmica e pela falta de reflexões construtivas

e coerentes talvez pelo meu espírito e estado de aparência puramente perdido nas aulas e

no curso, principalmente e não somente, a professora que regia tal disciplina ofertou-me a

participar de um grupo de pesquisa no Centro de Documentação e Pesquisa de História dos

Domínios Portugueses - CEDOPE, um laboratório de pesquisa dentro do Departamento de

História da Universidade Federal do Paraná.

Era a oportunidade de me tornar realmente um cientista e por em prática

algumas teorias e métodos aprendidos até então nas reflexões em sala de aula e nas

discussões e debates teóricos e metodológicos.

Logo após um período inical de aprendizado de leitura de registros manuscritos

do século XVIII, focalizei, por intermédio da mesma professora da disciplina de tópicos e

minha tutora no CEDOPE, sendo patrocinado por uma bolsa CNPq/PIBIC2, uma temática:

estudar as relações sociais por meio de transições de terras na Freguesia de Santo Antonio

da Lapa setecentista.

Em decorrência desta pesquisa e da oportunidade de participar de um grupo

integrado do CEDOPE, participei do grupo encarregado de digitalizar os 40 primeiros

livros de registros do 1.º Tabelionato de Notas de Curitiba3.

Ainda me lembro bem, era uma quinta-feira, o trabalho pela manhã daquele dia

estava próximo ao seu término, o cheiro exalado pela costela assada do ‘Restaurante do

Gaúcho’, na praça XV de Novembro, já pairava pelas ventas; e entre uma

folheada/foto/folheada/ e outra, deparo-me com um documento denominado: “Escriptura

publica de amor e perdam em graça”. Superada a curiosidade de saber do que se tratava tal

1 Ofertada pela DEHIS/UFPr; no 1.º semestre de 2003. Sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Luiza Andreazza. 2 Bolsa iniciada em novembro de 2003 e terminada em agosto de 2004 Junto ao CNPq -Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – e PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica. 3 Grupo responsável pela digitalização: Adriano Lima, Alan Gruba, Bruno Zorek, Fernando Kowalski e Milton Stanczski; com a orientação dos professores cedopianos: Antonio César de Almeida Santos, Magnus Roberto de Mello Pereira, Maria Luiza Andreazza, Sergio Odilon Nadalin e Jose Roberto de Braga Portella. Parceria entre CEDOPE – DEHIS/UFPr e 1.ª Tabelionato de Notas de Curitiba Giovanetti. Material atualmente disponível em mídia digital no CEDOPE.

escrito, as linhas e folhas que se seguiam explicavam do que aquilo se tratava. Porque uma

pessoa teria o trabalho de ir a um cartório e registrar por escrito seu perdão e amor para

com seu próximo e o que isso significaria na Curitiba setecentista.

Depois de uma rápida busca entre as folhas do mesmo livro, encontrei mais três

escrituras de amor e perdão. Com uma bravia empolgação, tentei transcrever as páginas

dessas escrituras para melhor saciar minha curiosidade. A princípio, não passei disso e

voltei aos meus estudos de sociabilidade lapiana e deixei de lado as histórias dos perdões,

como “algo engraçado que achei”.

Encerrada a pesquisa na bolsa e em tempos depois, vi-me diante uma disciplina

denominada “Metodologia da História II”4, cujo desfecho tratar-se-ia de um projeto para

uma monografia. Idéias não me faltavam mas eu precisava escolher uma fonte que

escapasse das minhas limitações e conseguisse exercitar reflexões, pensamentos, tempo e

palavras com o intuito de escrever uma monografia.

Com uma releitura com pouco mais de atenção das escrituras de perdão, minha

professora orientadora e eu nos deparamos com um tipo muito incomum de fonte na

história, bem como para a historiografia brasileira. Dando com meus botões perguntei-me:

porque não contar essas desculpas históricas na conclusão do curso de graduação.

Pois bem, as curiosidades e indaganções levantadas da leitura das escrituras de

amor e perdão transformaram-se na primeiras problemáticas da pesquisa:

− Qual era a estrutura jurídico-administrativa no Reino de Portugal na primeira

metade do século XVIII;

− Quem fabricava uma escritura pública;

− Qual era a função de um tabelião na estrutura administrativa;

− Que importância havia um documento lavrado e registrado por um tabelião;

− Porque as pessoas se prestavam a tornar suas desculpas públicas;

− O que elas estariam perdoando;

− Quem estava envolvido nessas histórias;

− O que era entendido o mundo social das escrituras de perdão; e

− outros apontamentos que passaram e passam ao longo do trabalho.

Em torno da bibliografia pertinente, procurei não seguir apenas uma conrrente

ou escola historiográfica. As diversas referências sobre a temática aparecem conforme as

necessidades de abordagens. No que se refere as possibilidades de abordagem que

4 Ofertada pela DEHIS/UFPr; no 2.º semestre de 2005. Sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Luiza Andreazza.

acompanha a temática - do perdão público como instrumento de interferência e resolução

de casos conflituosos de relações sociais e do funcionamento da máquina administrativa do

reino, tanto julgadora quanto punitiva ou branda – a contribuição da formação do Reino de

Portugal, o trabalho fora dividido em três capítulo para uma melhor compreensão do tema.

Num primeiro momento busquei exibir a estrutura jurídico-administrativa de

Portugal no Antigo Regima, ou como se dava a representatividade régia nos domínios

ultramarinos, ora pela imposição da justiça ora pela extensa burocracia do Estado

Moderno. O rei como representante mázimo de justiça e honra era o único capaz de

legitimar as arbitrariedades existentes nas diversas esferas sociais, designando assim,

agentes que o representariam nas mais distantes terras do Império lusitano. Para fina da

pesqeuisa, destacou-se o ofício do tabelião de notas, o qual tinha a função de registrar os

contratos particulares, concedendo-lhes fé pública, ou seja, legitimando os contratos

particulares.

Na segunda parte, tem-se um levantamento, ainda que berve e resumidamente,

da história do perdão no ocidente, pautado na idéia da construção do conceito de

misericórdia dentro de uma sociedade cristã. No sentido religioso, o perdão não era visto

como uma opção, mas sim como um imperativo, dada a associação da clemência superior,

seja relacionada ao rei ou a um perdão por um igual, pelo amor ao próximo, do tipo

propagado por Jesus Cristo.. Transplantado à esfera jurídica e social, tornou-se um recurso

hábil, pois poderia salvar a pele de um condenado. Bem como as sociedades européias

modernas incorporaram essa prática de perdão civil.

O terceiro capítulo é composto, basicamente, das fontes: 20 escrituras públicas

de amor e perdão encontradas nos 20 primeiros livros de notas, compando assim, o recorte

cronológico de 1721 a 1752 da pesquisa e inserindo questões como a questão da honra e

das querelas pessoais. Dando suporte para a questão da justiça pessoal em relação a justiça

régia, oficial.

Sendo assim, coloca-se o dito trabalho sobre o perdão em Curitiba na primeira

metade do século XVIII.

CAPÍTULO I

Sou legal eu sei,

agora só falta convencer a lei,

Sou real eu sei,

agora só falta, convencer o rei5.

Na Europa da Era Moderna, a concepção de gubernare

6 supera uma estrutura

feudal medieval, modificando as mentalidades, em especial a idéia do indivíduo e de seu

papel na vida dentro da sociedade, em decorrência, entre outros, dos fatores propostos por

Philippe Áries7:

− o papel do Estado e sua justiça;

− o desenvolvimento da alfabetização e a difusão da leitura; e

− as novas formas de religião.

Atentemos precisamente para um desses preceitos: o novo papel do Estado e

sua justiça, o que Ariès denominou o “ponto que não parou de se impor sob modos e meios

diferentes”8.

A partir das ações exemplificadas e analisadas por novas teorias renascentistas,

foram dados novos entendimento no quesito de se governar, e ainda, de ser governando.

Aquilo que, para Michel Foucault, desenvolveu uma série de tratados que se apresentam

não mais como conselhos aos príncipes, nem ainda como ciência política, mas como uma

arte de governar; sucedeu entre o século XVI até o final do século XVIII e influenciou o

mundo ocidental como um todo9.

A arte de governar deu nova forma ao Estado, bem como as instituições que o

cercaram e legitimaram, pois passaram a interferir ativamento no âmbito social.

Desvinculou-se de um modelo clássico renascentista de governar10 e levando em conta as

5 BLINDAGEM. Blindagem. Trecho da música “Sou legal, eu sei”. Composição de Ivo Rodrigues e Paulo Leminski. LP lançado pela Gravadora Continental em 1981, e em CD pela Gravadora Warner/WEA em 1999. 6 Sobre a semântica de governar, apresentam-se os principais significados: regular, dirigir, administrar, reger, ter grande influência, encaminhar-se, ter mando ou poder de administrar e dispor, exercer autoridade, saber o que faz, entre outros. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3.ª Ed. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1999. Pág. 1000. 7 ARIÈS, Philippe. Por uma história da vida privada. IN: ARIÈS, P. & DUBY, G. História da Vida Privada. Vol. 3, Da Renascença ao século das Luzes. São Paulo : Companhia das Letras, 1991. Pp. 7-19. 8 Idem, p. 10. 9 FOUCAULT, Michel. Governabilidade. IN: FOUCAULT, Michel, Microfísica do poder. Rio de Janeiro : Graal, 1979. Págs. 277 – 295. 10 Leviatã e O Príncipe, respectivamente escritos de Thomas Hobbes e Nicole Maquiavel, ostentaram o desejo de uma unificação nacional para o bem estar e prosperidade social. Descrevendo que o objetivo do exercício do poder era manter, reforçar e proteger o principado, entendido não apenas como um

causas, geração e definição de um governo como sendo uma organização administrativa

hierárquica, tutora, que visava acabar com as pugnas e as desordens. O Estado poderia ser

entendido como fonte de resolução das desarmonias entre os seus pupilos, mandadora da

soberania na esfera interna e responsável pela paz e prosperidade, ou ainda quando a

guerra faz-se justa, sempre em prol da vida comunitária.

O sistema administrativo desse Estado era composto por um corpo de

instituições, públicas e privadas, responsáveis capazes de ofertar sustentabilidade a

determinados serviços essenciais. As instituições políticas seriam as instituições criadas

pelo poder soberano do Estado, sendo assim, todos eles teriam natureza legítima. Já as

privadas seriam constituídas pelos próprios súditos entre si ou pela autoridade de um

estrangeiro. Entre essas instituições privadas, haviam os sistemas legítimos e os

ilegítimos. Legítimos eram ditos os permitidos pelo Estado e ilegítimos todos os outros

considerados clandestinos.

No caso do Estado moderno lusitano, a autoridade real era a base legitimadora

na representação de autoridade legal. Desde a precoce formação com a revolução de 1383-

85, quando surge a dinastia de Avis (1385-1580); até suas reafirmações perante as

reformas e as retomadas do trono com o fim da União Ibérica,. o assentamento da coroa

passou por inúmeros obstáculos que transformaram em arcabouço para sua

sustentabilidade: as guerras com os Reinos de Castela e Aragão, a conquista de Ceuta dos

mouros e as fronteiras do além-mar, tornaram desafio e fortalecimento do povo, da Coroa e

de um Estado como todo. O sentimentalismo de ‘nação portuguesa’ era ainda

demasiadamente vulnerável frente aos desafios das conquistas extra- territoriais, dado um

momento de transformação da monarquia agrária local para um vasto império moderno. O

Estado moderno aflorara num mundo ainda feudal, arcaico, onde cidade e campo eram

polarizados pela propriedade territorial e corporativa e se identificavam numa ordem

patriarcal e moralista. O Estado ganhara substâncias setoriais, atuando sobre a esfera das

liberdades públicas, das liberdades, do livre contrato, da livre concorrência, da livre

profissão, opostos, todas, aos monopólios e concessões reais. Seria o Estado Moderno que

visa suprir as chamadas super-estruturas – aflorações sociais, jurídicas e administrativas –

e a incapacidade da própria infra-estrutura11.

conjunto constituído por súditos e territórios. Um principado objetivo teria uma relação do príncipe com o que ele possui, ou seja, a arte de governar era a arte de manipular as relações de força que permitiram ao príncipe fazer com que seu principado, com relação intrínseca de súditos e territórios, possa ser protegido para o bem comum. 11 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São

Neste caso, parte-se da premissa que o Estado era uma empresa de titularidade

Rex, ou seja, o rei intervém licitamente na forma direta ou indireta em tudo que for ou

estiver em seus domínios, como um pai que cuida da família. Ainda lembrando Maquiavel,

o príncipe seria aquele que dirige o Estado, num sistema patrimonial de direito, privilégios

e obrigações que prendiam os servidores numa rede patriarcal, na qual eles representavam

a extensão da casa do soberano12.

A precoce formação nacional, a centralização do poder real e o desafio da

exploração de terras no além-mar criaram na sociedade portuguesa peculiaridades, as quais

caracterizaram, em sua forma de viver e de sentir a vida13, a organização dos domínios

sobre territórios em um exemplo de concomitância de legalidade e burocracia. no século

XVIII.

Teoricamente, nada poderia escapar dos olhos vigilantes do rei. Olhos atentos

aos seus negócios, mantendo rédeas curtas e focalizadas em seu interesse. As garras reais,

ou seus tentáculos, tentavam abraçar as várias facetas do Império.

O Estado patrimonial de estamento14, que se projeta de cima para baixo,

pretendia acabar, ou reduzir substancialmente, os métodos e práticas de poderes paralelos,

delimitando em 'raias permitidas', esferas de atuação e respeitando os campos do controle

real, dever-se-iam obedecer às regras fixadas pela leis do reino, havendo assim, uma

tendência à burocracia com uma reorganização administrativa, política e social. Assim

sendo, legitimar o Estado e suas instituições que o cercavam era levá-las aos domínios dos

interesses reais, seja impondo-se pela justiça, pelo poder militar ou pela regulamentação

das atividades econômicas.

No topo da sociedade hierarquizada, o rei era o chefe de guerra, juiz supremo e

escolhido por Deus para o cargo. Era dele a última palavra nas decisões e quem moldava as

relações políticas e jurídicas.

Essa configuração encontrava paralelo no corpo humano, pois conforme os

teóricos da época, a posição dos orgãos e as suas funções estavam definidas por natureza

social, como um corpo que para seu perfeito funcionamento, necessita de todas as partes

em harmonia. Assim, nessa sociedade corporativa, era da natureza das coisas que os

Paulo : 2001. 12 MAQUIAVEL, Nicolae. O Príncipe. São Paulo : Abril Cultural, 1973. 13 Parafraseando HESPANHA, Antonio Manuel. As Estruturas políticas em Portugal em Época Moderna. IN: TENGARRINHA, José (Org.). História de Portugal. São Paulo: Edusc, 2002. Pág. 117 e seguintes. 14 Estado patrimonial de estamento é um conceito analisado profundamente por FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo : 2001.

súditos seguissem os ditames dos governantes, que estes tivessem que governar em vista

do bem comum, modelando as relações sociais e políticas de acordo com os impulsos de

suas vontades como um elemento autodeterminado e dinâmico. As instituições legitimadas

pelo rei eram como um braço desse corpo, com muitas armas e músculos, que coibiam e

regulavam as infrações nanas suas colônias. O centro supremo das decisões, das ações

temerárias, cujo êxito gerariam e comandariam um reino era o cérebro e o coração da

sociedade corporativa: o rei. Pois “entre o rei e os súditos não há intermediários: um

comanda e todos obedecem”15. A rebeldia contra a palavra derradeira era considera traição

ou qualquer ato contrário era dito ilegítimo, ilícito e anti natural.

Analogicamente, a moeda, padrão de todas as coisas, medida de todos os

valores, poder sobre os poderes, torna a América aberta ao progresso do comércio, com a

renovação das bases de estrutura social, política e econômica. Comparando com a

estabilidade das leis escritas, a intenção era a mesma: para um peso, uma medida. Assim

como a moeda visava padronizar um valor econômico aos produtos, as leis tornavam iguais

os súditos do rei16.

O aparelho público da fazenda, justiça, o militar e a administração eram

preferencialmente, destinados à aristocracia. Cargos de alferes-mor, mordomo-mor perdem

relevo nos registros onde se lavraram e registraram ditos régios por um pessoal cada vez

mais numeroso de: clérigos, notários, tabeliães de corte, escrivães e escribas. As decisões

do rei faziam fé só depois de redigidas e o direito, promulgado pelo mesmo, torna-se

direito escrito, anulando o direito costumeiro medieval17. O acréscimo da idéia de regular

as relações jurídicas por meio de normas fixas gerais e não regras maleáveis caso a caso,

coincidem com o aumento da autoridade absoluta. O soberano passa da função de árbitro

dos dissídios, de fonte das decisões para o papel de chefe de governo e chefe de Estado18:

diante dele não há pessoas mais qualificadas pela tradição, pelos títulos, apenas súditos

abstratos e cobertos pela competência jurídica.

Na arquitetura administrativa baseada na decadência do poder local e no

progressivo desenvolvimento da autoridade do rei, deixa de prescindir dos recursos

privados, em diversos níveis e instâncias, considerados os parceiros da empresa 15 FOUCAULT, Michel. Governabilidade. IN: FOUCAULT, Michel, Microfísica do poder. Rio de Janeiro : Graal, 1979. p. 288. 16 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo : 2001. 17 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo : 2001. 18 MONTESQUIEU, Charles de Secondat. Do Espírito das Leis. São Paulo : Abril Cultural, 1985.

colonizadora19. Não importasse a distância entre essas terras longíquas e o centro do

grande Império, o que interessava para a coroa era a fidelidade para com o rei e a

submissão perante suas mandamentos, que podem ser entenditas também como ordens,

leis, decretos, etc.

Na verdade, as leis fundamentais (a “constituição”) de uma sociedade (de um reino) dependeriam tão pouco da vontade como fisiologia do corpo humano ou a ordem da natureza. Não era, de fato, a vontade humana – nem dos governantes, nem a dos governados – que definia o que era justo ou injusto, o que era lícito ou ilícito, o que era politicamente possível ou impossível estavam definidos numa ordem do mundo anterior e superior à vontade dos homens, mesmo dos monarcas. O indivíduo não estava, assim, na origem da constituição política ou da organização social; era esta, pelo contrário, que lhe atribuía um determinado papel social ou um certo conjunto de direitos e deveres.

20

A corte real se comunica com seus súditos por meio de regulamentos. O direito

articula-se no Estado de estamento cimentando interesses, expressando sua doutrina prática

e sua ideologia.

Abrangentemente, a idéia da promulgação de leis era manter um ‘padrão’, uma

ordem lógica dentro de uma estrutura determinada social. A noção de um Estado mais

atuante, mediador das relações entre os indivíduos, modernizante, sistematizado, ganha

cada vez mais significância depois da mudança das mentalidades, provocadas,

principalmente com a inserção da escrita.

Sendo assim, fazia-se necessário a divulgação das leis

(...) a publicação das leis eram feitas na chancelaria da Corte, em Portugal; quando se tratasse de resoluções havidas em Cortes era também freqüente pedirem os procuradores dos conselhos treslado ou cópia daquelas que lhe interessassem; enfim, no desejo de garantir um mais efetivo conhecimento das leis, no Reino, ordenava-se que os tabeliões as deviam registrar nos seus livros e lê-las, no tribunal do conselho, geralmente uma vez por semana, durante período, em muitos casos, era de um ano.

21

A criação e proliferação de uma variedade muito grande de leis durante os

séculos XIII e XIV fez com que no início do século XV torna-se útil uma legislação que

sistematizasse as diversas leis existentes. Na necessidade que foi, de certa forma,

premeditada com a criação de um novo conjunto de leis, associando ao crescente domínio

do mundo letrado, visto então como algo superior.

Dom Afonso V promulga, em 1446 ou 1447, não se sabe ao certo, as

19 VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil colonial (1500 – 1808). Rio de Janeiro : Objetiva, 2001. 20 HESPANHA, Antônio Manuel. As estruturas políticas em Portugal na Época Moderna. IN: TENGARRINHA, José (org.). História de Portugal. São Paulo : Edusc, 2002. Pág. 118. 21 MARQUES, Mário. História do direito português: medieval e moderno. Lisboa : Almedina, 2002. Pág. 171 e 173.

Ordenações Afonsinas, constituíndo o mais antigo código europeu. Depois, em 1521, por

ordem de Dom Manuel I, foram publicadas as Ordenações Manuelinas e em seguida as

Ordenações Filipinas22 que passou a entrar em vigor no ano de 1603, durante a união das

Coroas Ibéricas (1580 - 1640). Essas últimas ordenações tentavam diminuir os artifícios

que as leis facultavam, regulamentando as taxas, prescrevendo penalidades por má conduta

e malversação e além disso controlando, em amplos aspectos, a vida cotidiana.

A legislação era necessária para estabelecer os ordamentos capazes da

efetivação do domínio régio, o que garantiria a ordem social. O estatuto da organização

político-administrativa do reino, com a especificação das atribuições dos delegados do rei,

não estava apenas voltada a aqueles devotados à justiça, senão dos ligados à corte e à

estrutura local. As ordenações não regulavam e não disciplinavam as relações jurídicas

individuais, apenas levava em conta a harmonia dos interesses em conflito.

As ordenações preocupam-se também com as atribuições dos cargos públicos,

inclusive os militares e municipais, os bens e privilégios da Igreja, os direitos do rei e da

administração fiscal, a jurisdição dos donatários e as prerrogativas dos fidalgos.

Em se tratando da colônia brasileira, a constante disputa com os espanhóis e

outros povos que habitavam ou tentavam explorar os domínios no Novo Mundo, fez com

que a constante guerra e a cada conquista o alargamento do território constituíssem a base

real, física e tangível sobre o que assentou o poder da Coroa23. A primeira responsabilidade

do rei para com seus súditos, tanto das colônias quanto da metrópole, era a justa promoção

da lei. Estatutos individuais e/ou regionais podiam ser injustos, mas a lei, base mesma da

sociedade, era, por definição, boa e única legítima.

Em lugar do ajustamento, em troca de concessões, o soberano corrigia as

distorções com a espada, a sentença e a punição. O Novo Mundo, descoberto no outro lado

do Atlântico, seria um território a moldar na forma dos padrões ultramarinos e não um

mundo novo a criar por si só. “A característica jurídica do primitivo sistema colonial

brasileiro decorre, portanto, da sua própria natureza de instituição anacrônica, imperfeita e

22 As Ordenações Filipinas consistem em cinco livros. O Livro Primeiro definia as atribuições, direitos e deveres dos magistrados e funcionários do Judiciário. O Livro Segundo enfeixa as normas regulando as relações entre Igreja e Estado, as atribuições do fisco e os privilégios da nobreza. O Livro Terceiro refere-se ao processo civil e criminal, movimentado tão-somente pelo impulso das partes, baseado no princípio dispositivo, com procedimento em forma escrita, desenvolvendo-se em fases rigidamente distintas. O Livro Quarto trata do direito de família, direito das coisas, das obrigações e das sucessões. O Livro Quinto restringe-se especificamente à matéria penal. 23 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo : 2001.

artificialmente implantada em terras do novo mundo”24.

O feixe do direito público de qualquer espécie podia ser revogado, sem quebra

da fé ou da palavra régia, dado que o direito português também entendia ser privativo do

rei o poder de gerir a administração e a justiça.:

Se por um lado teríamos a figura do Rei como símbolo principal de justiça e sombriedade, não é estranho notar algumas dissipâncias entre suas instituições de controle. Orgãos que seriam criados com a finalidade de ajudar na fiscalização e regência podiam desempenhar papel dissonante na administração. Tanto na parte de juristas e letrados as Ordenações deviam valer para todos igualmente, das cortes ou de qualquer cargo, tanto como para cidadãos comuns.

25

A delegação de poderes era o método mais apropriado, dito pelo poder central,

para o domínio do Novo Mundo. Para os negócios da fazenda e da justiça, com regimentos

particulares, o rei criou o ouvidor-mor e o provedor-mor, com atribuições específicas, não

subordinadas ao governador.

Durante as rápidas transformações americanas e conduzindo o reino para se

ajustar à realidade metropolitana, destacam-se os cargos legítimos, assim esboçados num

organograma da administração portuguesa no século XVIII26:

24 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo : 2001. 25 Título homônimo de HESPANHA, Antônio Manuel. As estruturas políticas em Portugal na Época Moderna. IN: TENGARRINHA, José (org.). História de Portugal. São Paulo : Edusc, 2002. Pág. 117-181. 26 FERREIRA, João Paulo Hidalgo. Nova História integrada. Campinas : Companhia da Escola, 2005. p. 198.

FONTE: SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1985. Depois da restauração da coroa portuguesa, em 1640, e o ciclo do ouro nas

regiões centrais da colônia brasileira, no fim do século XVII, emergem as medidas

centralizadoras e controladoras de Portugal. As minas aceleraram a economia americana e

um desafio às rédeas do soberano, rédeas ainda mais firmes e curtas. O Estado estava

fascinado pela arrecadação dos tributos e quintos, a sua sagrada parte nos metais. As casas

de fundição funcionavam como mecanismos fiscalizadores da produção do ouro, mas,

concomitantemente, a indisciplina e fraude da atividade exploradora das minas colocava,

por vezes, em xeque a capacidade da administração metropolitana portuguesa.27

Os paulistas eram animosos, mas peça de exploração fundamental no Brasil

meridional. O rei queria súditos e não senhores; soldados e não caudilhos. Com isso, temos

na figura dos bravos e aventureiros bandeirantes paulistas, misturados aos indígenas, aos

escravos africanos e aos menos numerosos ainda portugueses que por aqui estiveram,

virem a formar a sociedade dos trópicos as pessoas a serem moldados, quem deveriam

respeitar e reconhecer o poder superior metropolitano. 27 BICALHO, M.; FRAGOSO, J.; GOUVEIA, M. de F. (Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa. Século XVI – XVIII. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001.

Municípios e vilas demonstravam-se de grande valia para a propagação do

poder real, uma vez que a metrópole entendia as dificuldades de impor sua justiça assim

como crescimento demográfico e econômico da colônia brasileira. Os termos e comarcas

se dividem para otimizar a propagação das ordens régia e sua justiça. Por várias vertentes

da colônia descem as garras da administração colonial, cortadas nos conselhos do reino,

sem respeito pelas peculiaridades que as terras tropicais exigiam. A ordem pública

portuguesa mantinha-se nos alvarás, regimentos e ordenações, pois estes representavam o

único poder legal, relativo ao rei28.

Depois do vice-rei e do capitão-general e governador, o município torna-se o

terceiro elo da administração colonial regulada pelas Ordenações. O que se buscava era

uma subordinação, por meio de compromisso dos municípios, sobre influência

administrativa da centralização monárquica.

Os perigos oferecidos nos primeiros séculos de colonização, da natureza e dos

índios, fizeram o povoamento do sertão uma ramificação moral, política, econômica e

teológica. Por muito tempo foram os jesuítas considerados os promotores da lei. Ora como

agente mediador da luta entre índios e brancos ora como pregador da palavra de Deus e do

rei.

O sentido de justiça divina, tanto eclesiástica quanto civil29 estava de certa

forma presente desde os escritos bíblicos, na origem, onde Deus teria ordenado o rei para

conservar a ordem existente:

...e assim, era da natureza das coisas que os súditos seguissem os ditames dos governantes, que estes tivessem que governar em vista do bem comum, que a mulher obedecesse ao marido, que o casamento fosse monogânico e indissolúvel, que os poderosos protegessem os mais fracos, que o amigo ou parentes se favorecessem mutuamente. Os juristas - que, então, eram aqueles que pensavam a organização política – identificavam a justiça com o respeito por estes equilíbrios sociais.

30 A coroa estabelecia-se nos conceitos de divindade provindos da mentalidade

medieval. Era sua obrigação a regularização sistemática do reino e seus reinados. Fato este

modificado devido: as expansões marítimas a partir do século XV; a conquista de novos

domínios extra territoriais e o contato com outos povos.

28 MELLO, Magno Antonio Correia de. Burocracia, modernidade e reforma administrativa. Brasília : Brasília Jurídica, 1996. 29 OLIVEIRA E SILVA, Ana Luiza de. Acusações de feitiçaria em processos dos tribunais da Inquisição. Portugal, 1680-1740. Monografia de conclusão do curso de História, apresentada à Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2004. Pág. 1. 30 HESPANHA, Antônio Manuel. As estruturas políticas em Portugal na Época Moderna. IN: TENGARRINHA, José (org.). História de Portugal. São Paulo : Edusc, 2002. Pág. 118.

Em suma, as leis fundamentais (a “constituição”) de uma sociedade (de um

reino) dependeriam tampouco da vontade como fisiologia do corpo humano ou a ordem da

natureza. Não era, de fato, a vontade humana – nem dos governantes, nem a dos

governados – que definia o que era justo ou injusto, o que era lícito ou ilícito, o que era

politicamente possível ou impossível: estavam definidos numa ordem do mundo anterior e

superior à vontade dos homens, mesmo dos monarcas. O indivíduo não estava, assim, na

origem da constituição política ou da organização social; era esta, pelo contrário, que lhe

atribuía um determinado papel social ou um certo conjunto de direitos e deveres.31

Em todo caso, todas as Ordenações do Reino foram concebidas a partir do

Direito Romano, do Direito Canônico, de concordatas celebradas entre representantes da

Igreja Católica e reis de Portugal, das Sete Partidas, de costumes antigos da Península

Ibérica e dos foros locais32.Caberia ao rei a funcionalidade de um árbitro de justiça, entre

as várias fontes de direito, assim como criador do Direito, pois tende a moldar seu poder à

sua imagem e semelhança e conseqüentemente corrigir maus costumes ou considerados

menos convenientes, substituindo-os por instituições legítimas de dirieto comum. O poder

da Igreja passa a ser contrastado e não raro são os choques com as Justiças do Rei. A

política oficial do rei continua sendo a do reconhecimento do direito canônico, mas na

prática, tende a afastá-lo33.

Essas modifiações no direito nunca tiveram a intenção de rompimento dos

laços já bem estabelecidos entre a coroa e o papado de Roma. Pelo contrário, nitidamente

percebe-se o apoio de uma instituição em outra. Segundo Oliveira e Silva34,

Portugal abrigou diversos tipos de instituições e instâncias de poder. A mais óbvia e primeira a saltar aos olhos é a monarquia absoluta, (...), mas o fato de haver um poder central e ‘absoluto’ não impedia que houvesse outras instituições que também exercessem o poder. Dada a existência de outras esferas de atuação, tais como as finanças, o âmbito militar e a administração da justiça, outras instituições foram criadas e passaram a desempenhar seus papéis. Contudo, pode-se dizer que tais órgãos eram “braços” do poder centralizado, o que reitera a amplitude do poder real.

O fato é que as leis escritas e a designação do rei eram árbitros supremos e

31 HESPANHA, Antônio Manuel. As estruturas políticas em Portugal na Época Moderna. IN: TENGARRINHA, José (org.). História de Portugal. São Paulo : Edusc, 2002. Pág. 119. 32 Portugal. Ordenações Filipinas. Código Filipino, ou, Ordenações e Leis do Reino de Portugal : recopiladas por mandado d’el-Rei D. Filipe I. Ed. fac-similar da 14ª. ed., segundo a primeira, de 1603, e a nona, de Coimbra de 1821 / por Cândido Mendes de Almeida. - - Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2004. Introdução. Pág. XVII. 33 MARQUES, Mário. História do direito português: medieval e moderno. Lisboa : Almedina, 2002. Págs. 171 e 172. 34 OLIVEIRA E SILVA, Ana Luiza de. Acusações de feitiçaria em processos dos tribunais da Inquisição. Portugal, 1680-1740. Monografia de conclusão do curso de História, apresentada à Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2004. Pág. 6.

excluvisos de justiça. Os duelos e justiças particulares, por exemplo, já estavam abolidas e

eram vistos como retrógrados e atrasados, Portugal manteve-se preocupado com relação a

esse tipo de prática social nas suas colonias. A ação da justiça das terras longínquas, mais

especificamente no território meridional da colônia brasileira35, era um desafio para a

sustentação hegemonica da coroa.

As condições e funções tradicionais do Tribunal em Portugal, e posteriormente

a Relação da Bahia, se concentraram como dever principal no seu papel de impor as leis e

de tribunal de justiça. Embora o tribunal fosse uma pessoa jurídica, muitas de suas

transações eram efetuadas por seus membros individualmente. O ouvidor geral, o provedor

dos defuntos e o juiz para os interesses da Coroa tinham as competências próprias ao cargo

acrescida da competência de recurso e podiam decidir causas sem a ajuda de outros

magistrados da corte. Dado o caso que o ouvidor tinha por dever suprimir e instaurar

processos contra o crime.

Os homens que preenchiam os cargos governamentais no império português

tinham experiências sociais e ocupacionais muito variadas. Nobres, clérigos, contadores,

todos tinha cargos administrativos e todos poderiam ser chamados de burocratas,

considerando a coroa única fonte legitimadora. A burocracia judicial tinha como

organização de cargos ocupados por magistrados cujas vidas, status e planos estavam

ligados ao governo. A natureza dessa burocracia e a ascensão dos magistrados como poder

político continuaram as mesmas com a reforma na estrutura judicial portuguesa na União

Ibérica em 1580, durante a qual foi criada a primeira Relação da Bahia (1609-1626), e as

funções, procedimentos, ações e impacto reais sobre condições locais. Logo após sua

abolição temporária, a Relação ressurge e serve como exemplo de um dos mais altos níveis

de burocracia profissional36.

Na utilização do modelo de desenvolvimento rígido e sua aplicação no

contexto do império colonial, a administração passa por mudanças constantes e grande

flexibilidade, principalmente nos aspectos racionais e das relações pessoais. A Relação da

Bahia participava da administração política da colônia desde quando a tradição quanto às

circunstancias que a permitiam atuação, ganhando importância no aspecto de Tribunal.

35 NADALIN, Sérgio Odilon. Paraná: ocupação do território, população e migrações. Curitiba : SEED, 2001. Principalmente ao tratarmos da questão da importância do espírito aventureiro dos bandeirantes paulistas em relação a abrir caminhos, povoar novas terras, migrar, enfim, tornar útil grande parte das terras coloniais. 36 O estudo de Schwartz teça um panorama significativo sobre este abrangente tema. SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial: a suprema corte da Bahia e seus juízes . 1609 - 1751. São Paulo : Ed. Perspectiva, 1979.

A história do impacto da burocracia sobre o Brasil colonial é uma história dos

objetivos múltiplos e muitas vezes divergentes do governo metropolitano, dos interesses

coloniais e dos próprios funcionários régios como indivíduos ou grupo. Cada repartição

burocrática procurava tomar conta e posse de recursos ou vantagens para si,.passadas por

seus próprios sucessos e fracassos.

A lista de banimentos republicada por Charles Boxer37, indica o predomínio de

negros e mulatos entre os acusados sentenciados pelo tribunal colonial, homens

marginalizados pela sociedade e forçados pelas várias formas de discriminação e pressão

social a um comportamento fora dos limites aceitáveis. Muitas vezes escravos eram usados

para praticar as vinganças de seus donos e quando pegos, tinham que agüentar o peso da

culpa. Poucas vezes os donos dos escravos ou administrados intercediam por seus

subordinados. A impressão gerada de uma sociedade atacada pela praga da violência e um

semi-mundo de ladrões, batedores de carteiras e assassinos. O costume de andar armado,

próprio das regiões de fronteira e a natureza dos colonizadores complicavam ainda mais

esse quadro, além dos problemas habituais da justiça. A lâmina afiada geralmente acertava

as diferenças38. Os crimes passionais e de violência originados por defesa à honra eram

freqüentes. O ‘desejo da mulher do próximo’, pecados da avareza e da inveja, citado no

decálogo, podia ser uma afronta gigantesca e era subentendido como um convite à guerra.

Ao se misturar com outros mandamentos, a destruição da honra – herdados dos pais –

deixava as atitudes protetoras dos portugueses para com suas mulheres quase legendárias,

visto que mulheres européias eram figuras raras nas terras do além-mar.

A Coroa colocava como primeiro dever do Tribunal a proteção legal dos

interesses reais e a imposição das leis39. Quando a situação ou evento era esperado, era

fácil para os desembargadores fazerem com que as leis fossem obedecidas, protegerem os

interesses reais e concordarem com as instruções. Acontecimentos extraordinários

deixavam a maioria dos órgãos administrativos do governo colonial temporariamente

paralisado devido a sua inflexibilidade e falta de habilidade para improvisar. A situação

difusa entre as funções administrativas e judiciais contribuía para o agravamento dos

serviços reais. A Coroa considerava os magistrados funcionários leais e dignos de

confiança, além de uma fonte de informações cuja opinião em assuntos locais sempre

37 BOXER, Charles. Portuguese Society in the tropics: the Municipal councits of Goa, Macao, Bahia and Luanda. 1510 - 1800. Madison : Milwaukee; Univ. of Wisconsin, 1965. Pp. 197 – 208. 38 ANASTASIA, Carla Maria Junho. A Geografia do crime: violência nas Minas setecentistas. Belo Horizonte : Editora UFMG, 2005. 39 SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial: a suprema corte da Bahia e seus juízes. 1609 - 1751. São Paulo : Ed. Perspectiva, 1979. Pp. 123 – 125.

levaria em consideração os interesses em questão. Havia solidariedade entre

desembargadores e as elites colonias, muito deles, veiculavam com eficiência os interesses

dos poderosos locais, no julgamento de questões estratégicas como a interpretação de

cartas de doação, a revogação de sesmarias, a instituição, sucessão ou desmembramento de

proprieade vinculada - morgados e capelas.

Como a Coroa já previamente sabia, as pressões sociais e econômicas sobre

seus representantes e as ligações com a sociedade criavam ou distorciam os objetivos

específicos dos sancionados pelas normas burocráticas. Para e por isso, as legislações

referentes à magistratura profissional foi projetada para organizar o comportamento desses

dentro de padrões que seriam úteis para alcançar os fins administrativos propostos pelo rei.

O alto escalão esperava que a vida de um funcionário real fosse marcada por grande

sobriedade, e adjetivos como “sério, grave, capaz e prudente”40. Os esforços eram

múltiplos para assegurar a lealdade, imparcialidade e a eficiência administrativa,

principalmente nos cargos de relevância que representavam a autoridade do rei, como por

exemplo: juízes, desembargadores e demais cargos do judiciário41. A meta era evitar aquilo

que Stuart Schwartz chamou de ‘abrasileiramento da burocracia’.42

A administração se caracterizou pela delegação dos poderes: político-militar,

fiscal e judicial. Embora em muitos casos, cada um possuía sua organização, funcionários,

regulamentos e padrões, as relações, tensas por vezes, entre as autoridades eram descritas

nas Ordenações43. Segundo Schwartz “os padrões e objetivos conflitantes em um só ou

entre os diferentes órgãos administrativos resultavam na constante consulta a Lisboa e aos

desejos do rei expressos através de seus conselhos. Este sistema causava demora

burocrática e acirrava a competição administrativa, mas também conservava as rédeas do

governo colonial nas mãos do rei e de seus conselheiros metropolitanos”.44Na colônia, o

governador-geral era o representante direto da coroa e o comandante supremo da colônia.

Ele reunia o comando administrativo e militar dentro da colônia junto com a Relação.

Tendo em vista sua posição de poder, prestígio e o lugar na hierarquia governamental,

40 SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial: a suprema corte da Bahia e seus juízes. 1609 - 1751. São Paulo : Ed. Perspectiva, 1979. Pág. 138. 41 Ficava claro quanto as intenções da Coroa ao conceder muitos favores e recompensas a obediência às normas burocráticas estabelecidas. 42 SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial: a suprema corte da Bahia e seus juízes. 1609 - 1751. São Paulo : Ed. Perspectiva, 1979. Pp. 251-286 43 Como por exemplo a competência e as relações entre autoridade civil e eclesiástica que estavam definidas no Livro II das Ordenações Filipinas. 44 SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial: a suprema corte da Bahia e seus juízes. 1609 - 1751. São Paulo : Ed. Perspectiva, 1979. Pág. 154.

mantinha os olhos atentos à sempre presente ameaça estrangeira e interessava-se na

conquista das terras, deixando a justiça e outros direitos civis de lado.

A hierarquia da justiça real no império português, moldado ainda em 1580,

abrangia em todo o seu território ultramarino45: Na primeira instância, em solo brasileiro,

os ouvidores de cada capitania; depois como segunda instância o ouvidor geral e a

Relação. Já em terras européias, a Casa da Suplicação e o Desembargo do Paço eram os

últimos degraus antes da intervenção, dificilmente requisitada ou mesma atendida pelo rei.

Com a restauração terminada em 1668, Portugal tem seu reconhecimento

independente da Espanha e volta a controlar por inteiro e com autonomia seus domínios.

Com isso, dava-se o ressurgimento da Relação, para fazer imperar de uma vez a lei e

ordem colonial. Durante o período da Restauração, foi criado um órgão para assumir os

controles civis e militares coloniais: o Conselho Ultramarino46.

“Ser governado era ser cada vez mais operado, notado, registrado, recenseado, tarifado, selado, medido, cotado, avaliado, patenteado, autorizado, rotulado”. O texto original diz: “(...) Ser governado era ser guardado à vista, inspecionado, espionado, dirigido, legislado, regulamentado, identificado, doutrinado, aconselhado, controlado, avaliado, pesado, censurado, comandado(...)”.47

Entendendo por burocracia o modo de administração em que os assuntos são

resolvidos por um conjunto de funcionários sujeitos a uma hierarquia e regulamento

rígidos, desempenhando tarefas administrativas e organizativas e também pela tendência

rotineira da centralização do poder decisivo; sendo composto por classes de funcionários

públicos e privados legítimos e, em especial, os funcionários do Estado48. No Antigo

Regime português, essa burocracia caracterizou, assim, por ter influências passionais.

A fonte dessa burocracia era o Estado que se tornou possível o controle e

administração de um número cada vez maior de setores da vida social, aumentando o seu

aparato pessoal e as suas funções e regulamentações dentro das relações pessoais. Na

sociedade corporativa da colônia dos trópicos, a população mesclou as relações pessoais e

a burocracia.

Os letrados e a magistratura colonial continuavam sob controle do Desembargo

45 SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial: a suprema corte da Bahia e seus juízes . 1609 - 1751. São Paulo : Ed. Perspectiva, 1979. 46 “Estabelecido em 1642, o Conselho Ultramarino continuou como importante órgão do

governo até o século XIX”. SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial: a suprema corte da Bahia e seus juízes. 1609 - 1751. São Paulo : Ed. Perspectiva, 1979. Pág. 192. 47 Fernando Pinéccio em KAFKA, Franz. O Processo. São Paulo : Hemus, 1969. Em que seu personagem, K., acaba pela burocracia que envolve o processo, ainda que relacionado a representação de justiça e todo o aparato que lhe cerca. 48 http://www.achegas.net/numero/vinteeoito/trotta_28.htm. Visitado em 24 de abril de 2008.

do Paço. As despesas de seu incipiente burocrático tendo todos incipientes funcionários

públicos proviam a casa real das arrecadações nos mais distantes lugarejos. Os impostos

locais estabelecidos, as multas na quantidade dos delitos passíveis dessa pena, constituíam

receita considerável. Era um modo del' Rei, ou pelo menos seus representantes, estarem

presente nas diversas e mais distantes regiões do vasto império portugues. Desde o começo

da colonização brasileira, a Igreja católica tomara grande parte dessa responsabilidade de

registros e reguladora moral da sociedade. Com a signitiva relevância que as terras no

Brasil passam a ganhar com a descobertas de ricas jazidas de ouros nas minas gerais, a

colonia brasileira, bem como todo o império, estariam sujeitos a receber algumas

transformações na estrutura político-administrativa. O comando da economia e da

administração deveria concentrar-se nas zelosas e ciumentas mãos ávidas de lucros e de

pensões do estamento burocrático. Para conservar o já tradicional edifício do governo

português, o cordão umbilical da metrópole com a colônia e combater o contrabando,

fraude, sonegação de imposto e especulação, exigiam providencias. Muitas dessas

desagradam muita gente, mas em contrapartida, num quadro geral, ajudou a colônia.

As vilas que modelaram a organização jurídica no Brasil possuíam dentro delas

os capitães-mor e governadores cujos cargos eram relativos nas terras que descobrissem,

bem como para criar e nomear tabeliães e mais oficiais de justiça necessários, atuando

como célula irradiadora49 que pertence a um corpo, determina suas funções em prol de algo

único, maior e insolúvel, Portugal não buscava o reflexo de suas instituições na América

como uma suposição nova de um reino velho, mas sim um prolongamento das suas

instituições, armadas de poderes para transpor, do alto, por obra da moldura jurídica, a vida

política e social. Para isso, as obras da lei e o dogma punitivo faziam-se necessários para o

desenvolvimento da governabilidade já previamente definido.

O pelourinho50 simbolizava o núcleo legal: instrumento e símbolo da

autoridade, coluna de pedra ou de madeira que servia para atar os desobedientes e

criminosos, para o açoite ou o enforcamento. Com o pelourinho se instalava a alfândega e

a igreja, que indicavam a superioridade do rei, cobrador de impostos, ao lado do padre,

vigiando as consciências. Com as vilas se instaurava, no litoral e no sertão, a palavra

49 MACHADO, Brasil P. Esboço de uma sinopse da história regional do Paraná. História: Questões e Debates, 8. (14/15): 177 – 205. Jul – Dez. 1987. 50 A ausência do pelourinho no Brasil evidenciava o desrespeito pela lei e a desordem que continuavam a caracterizar a sociedade brasileira. Para tantos, os crimes cometidos por funcionários avarentos, caçadores de fortunas, aventureiros, marginais e demais criminosos em Portugal levavam ao exílio no Brasil.

rígida, inviolável e hierática das Ordenações51. A colonização e a conquista do território

avançam pela vontade da burocracia, expressa na atividade legislativa e regulamentar.

A fundação da vila servia para lembrar a autoridade da Coroa, empenhada em

substituir a força dos patriarcas pela justiça régia. As câmaras se converteram em órgãos

auxiliares de administração e departamentos executivos da rede burocrática que envolvia o

império. O ouvidor-mor cuidaria da justiça, com alçada sujeita aos recursos de Lisboa.

Contemplava-se a obra de incorporação e absorção dos assuntos públicos da colônia a

autoridade real, por meio de seus agentes diretos. As distâncias grandes e as comunicações

difíceis deixavam, nas dobras do manto de governo, muitas energias soltas, que a Coroa,

em certos momentos, reprimirá drasticamente, e, em outros, controlará pela

contemporização. A rede oficial não cobrirá todo o mundo social, inaugurando um

dualismo de forças entre o Estado e a vida civil. Por essa via, a sua moldura, ora rígida ora

flutuante, a Coroa dominou, controlou e governou suas conquistas através de seus agentes.

As atribuições públicas dos capitães se incorporam no sistema do governo-

geral, fiscalizados por um poder mais alto, em assuntos militares, da fazenda e da justiça.

A instituição, no seu lado particular, prolongou-se até o século XVIII, quando o fracasso

das capitanias. O instrumental de controle, de comando e de governo devia ser

reformulado, guardado o objeto que inspiraram o plano ineficaz, ferido na turbulência, na

inaptidão de consolidar a segurança interna e externa.

O capitão-geral podia criar vilas, nomear ouvidores, dar tabelionatos tanto de

notas como judiciais de atribuições amplas, ele agia em nome do rei, sujeito

implicitamente aos seus ditames, como de depreende ao limitar os negócios do rei dos

seus, quer na justiça, no comércio e no regime fiscal. É o contexto geral da estrutura de

governo, plantada, desenvolvida e fixada desde a dinastia de Avis. As fundações de vilas

agregavam em um núcleo a vigilância das atividades comercias e estruturavam o interesse

fiscal. Somando-se a isso a preocupação com a defesa e o reflexo da organização

administrativa que precedia ao fluxo das populações52.

O impulso português de legalizar todas as ações refletiu possivelmente na

importância dos cargos de registros. Na categoria dos intermediários entre magistrados e as

partes em litígio, os escrivães tinham uma função de tomar decisões, com o poder de

apressar ou retardar o litígio, sendo assim, muito mais que simples anotadores de

51 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo : 2001. 52 NADALIN, Sérgio O. Paraná: ocupação do território, população e migrações. Curitiba : SEED, 2001.

documentos legais. A dependência de declarações, testemunhos, questionários e

depoimentos escritos emprestaram grande importância ao cargo de escrivão. A venda ou

concessão de tais cargos não era de forma alguma diferente da tendência geral

administrativa européia.

Os tabeliães eram designados pela Coroa e o número de cargos limitado. O

desejo de formalizar e legitimar todos os tipos de ações públicas particulares cevou a uma

grande procura de escriturários legais licenciados. À medida que aumentava o número de

processos, aumentava também a necessidade de tabeliães. Muitos desses escriturários não

tinham a mínima competência, constantemente agüentavam o peso das reclamações

coloniais.

O legalismo formalístico, a constante necessidade de documentos reconhecidos

e a onipresença do tabelião e do administrador do governo tinham sido usados para

caracterizar a presente forma de governo no Brasil como sendo um estado cartorial.

Tabeliães vinham praticando suas profissões desde antes da chegada da Relação, mas a

presença desta criou novas oportunidades para o grupo.

Desde o início do século XVIII que a propriedade de todos os ofícios de justiça

(notários e escrivães, nomeadamente) estava à disposição das elites econômicas das

colônias Os cargos régios eram apenas uma das vias que as elites locais usavam para

colonizar a administração Uma maneira singular da população brasileira, residente

enraizada e socialmente bem estruturada, combinar interesses sociais e poderes

administrativos. Em contrapartida, a criação do conselho ultramarino visava um maior

controle dos assuntos colonias de natureza civil e militar, gerando, na medida do possível,

um processo normatizador.

Em cada povoação, os tabeliães pagavam, pelo exercício do cargo, uma

anuidade53. Pensões dos tabelionatos, da justiça civil, juntamente com as dízimas

eclesiásticas e os impostos sobre movimentação comercial eram as principais rendas

colhidas para o tesouro da coroa. A criação de rendas de seus bens, envolvia o patrimônio

particular, manipulava o comércio para sustentar o séqüito e garantia a segurança de seu

predomínio54.

A responsabilidade do notário ou registrador era o pilar do sistema registral,

53 Destas semelhanças são as disposições no estatuto da Covilha, segundo o qual se cobrava das mulheres mundanas em soldo cada mês, pelo direito de exercerem a profissão. FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo : 2001. 54 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo : 2001.

cabendo ser responsável direto por todos os atos praticados no cartório. Quando se

reconhece uma firma, autentica-se um documento, lavra-se uma escritura, registra-se um

imóvel, notifica-se uma pessoa, protesta-se um título, outorga-se uma procuração pública,

em todos estes atos, muito além do carimbo do cartório, agrega-se a este documento uma

espécie de seguro, baseado na responsabilidade e fé pública do Tabelião...

“e essa responsabilidade, que garante efetivamente a segurança jurídica e econômica dos atos praticados em cartório, é decorrência direta e imediata da autonomia e independência dos notários e registradores, que exercem a atividade em caráter privado por delegação do poder do rei”,

Posto que garantia eficiência dos serviços e efetividade da responsabilidade do

Tabelionato. Além do mais, asseguram ao Estado a mais eficiente e segura estrutura de

fiscalização dos contratos particulares.

Nessa cultura político-administrativa, os documentos escritos eram decisivos

para certificar matérias, desde o estatuto pessoal aos direitos e deveres patrimonias; como:

cartas régias de doação ou de foral, as concessões de sesmarias, a constituiçção e tombo

dos morgados, as vendas e partilhas de propriedades, requerimentos de graça régias, a

concessão de mercês, autorização diversas, processos e decisões judiciais. Tudo isso devia

constar de documento escrito, arquivado em cartórios que se tornavam nos repositórios da

memória jurídica, social e política da colônia

As funções públicas se diferenciam por competências, fundadas na distinção

básica da administração pública. A supremacia encarrega, sob a presidência do soberano,

de administrar, distribuir justiça e definir as leis. Sendo que Deus teria depositado na figura

do Rei a representação máxima de justiça e honra55, e somente da linhagem institucional

derivada dele era legítimo atuar. Pensando nisso, o tabelião de notas estaria investido numa

atribuição homogênica isto é, o cargo e função dos notários, ou qualquer dentro da

administração, eram também, de certa forma, os do Rei. Estado de oferta assim: unidade,

alma e energia ao Império Português, o funcionário era o outro eu do rei, um outro eu

muitas vezes extraviado da fonte de seu poder.

A investidura em muitas funções públicas tinha como condição essencial que o

candidato fosse “homem fidalgo, de “sangue limpo” ou de “boa linhagem”.O aparelho

administrativo era muito, em alguns aspectos, débil. A esta fragilidade estava relacionada

com a falta de recursos financeiros e humanos da coroa, o deficiente conhecimento

55 Idéia provida do Direito Divino e a herança dos tronos pela linhagem familiar. MARQUES, Mário. História do direito português: medieval e moderno. Lisboa : Almedina, 2002. Em especial os capítulos intitulados: “Período de influência do direito divino” e “Período de influência do direito comum”.

territorial e as demoradas comunicações internas – más estradas e deficiente serviço de

correios - não era bastante suficiente para melhorar o aparelho burocrático.

Para Schwartz, o governo e a sociedade no Brasil colonial estruturaram-se a

partir de duas premissas básicas interligadas entre si: a administração controlada e dirigida

pela metrópole, caracterizada pelas normas burocráticas e relações impessoais, amarrando

os indivíduos e os grupos às instituições políticas do governo formal; e por outro lado, o

fenômeno descrito do “abrasileiramento da burocracia”, onde existia uma teia de relações

interpessoais baseadas no interesse, parentesco ou objetivos comuns, que não menos

formal, mas não detinha o reconhecimento oficial.

O caminho da administração e da política estaria esboçado se um soberano

pudesse conduzi-la livremente, embora a “justiça não tivesse senhores” e o monarca

reservasse para si “a maior justiça”. Pensando nisso, remito-me a questão da arte de

governar, da mudança de visão dos governantes para com seus governados56, onde se

encontraria a necessidade de conhecer o que, aquilo ou quem se estava governando. Além

da tentativa de tornar presente o poder real em todas as terras, pessoas e coisas. Aliada a

isso, a estrutura hierárquica e a noção de sociedade corporativa contribuem para

entendermos as tensões existentes entre o que era a prática corriqueira ou apenas um

discurso normativo teórico.Do senhor virtual do território eleva-se o Estado, em nome do

Pai, Filho, Espírito Santo, e, por que não, do Rei.

Amém.

56 Ver FOUCAULT, Michel. Governabilidade. IN: FOUCAULT, Michel, Microfísica do poder. Rio de Janeiro : Graal, 1979. Págs. 277 – 295.

CAPÍTULO II

... Perdoai-nos as nossas ofensas

Assim como nós perdoamos

a quem nos tem ofendido.

Como mostrado no capítulo anterior, o sistema jurídico-administrativo do

Império Portugês passava a transitar pelo decurso da sua burocratização de forma passional

e legal durante o Antigo Regime. Posto que a transferência da responsabilidade de poder

era derivada exclusivamente do rei, seus agentes, direta ou indiretamente, faziam-se valer

da justiça régia e oficial como instrumento de controle social. Sendo assim, o entendimento

do conceito de perdão no mundo ocidental e de questões mais pontuais, como costume da

violência e justiça, formam o foco deste capítulo, dada ainda a monopolização da resolução

das querelas pessoais, dos processos judiciais e a relação do perdão e a justiça secular nas

sociedades do Antigo Regime.

Desde o mundo antigo, a vingança era vista como uma virtude e o perdão como

um sinal de fraqueza. A maneira habitual de proceder diante uma querela pessoal era a

prática do costume do “olho por olho, dente por dente”, da defesa da honra só poderia ser

lavada com o sangue daquele que a difamou. Durante os duelos particulares, a demostração

de vocação para a contenda tinha o propósito de demonstração de força e respeito,

habilidade com as armas e destreza diante do inimigo simbolizavam astúcia pessoal e

significavam de grande valia social. O que estava em jogo era o poder de manter-se

respeitado perante sua sociedade e pelos seus antagonistas.

Entretanto, com o cristianismo enraizado na Idade Média exaltam-se as

faculdades da misericórdia e do amor ao próximo. A pregação do amor por Jesus Cristo

contestava, em vários momentos, a lei do talião:

“vocês ouviram o que foi dito aos antigos: 'não mate! Quem matar será condenado pelo tribunal'. Eu, porém, lhes digo: todo aquele que fica com raiva do seu irmão, se torna réu perante o tribunal. Quem diz ao seu irmão: 'imbecil', se torna réu, quem o chama de 'idiota', merece o fogo do inferno. Portanto, se você for até o altar para levar sua oferta, e aí se lembrar de que o seu irmão tem alguma coisa contra você, deixe a oferta aí diante do altar, e vá primeiro fazer as pazes com seu irmão; depois volte para apresentar sua oferta. Se alguém fez alguma acusação contra você, procure logo entrar em acordo com ele, enquanto estão a caminho do tribunal; senão o acusador entregará você ao juiz, o juiz entregará ao guarda, e você irá para a prisão.”

57

Mesmo ofendido e inocente, um discípulo de Jesus deveria ter a coragem de

dar o primeiro passo para a reconciliação, pois havendo um simples ofensa, havia uma

57 Como descrita na passagem do Primeiro Livrinho: Justiça do reino, em Mateus 5:21-25. In: Bíblia Sagrada. Edição Pastoral. São Paulo : Paulus, 1996. Pág. 1243

culpa e um julgamento. Os ensinamentos descritos pelos apóstolos podem ilustrar a idéia

de justiça e perdão que permeiam a fé cristã58. A finalidade era demonstrar um conceito

inovado e vigorado pelo catolicismo no sentido de buscar uma reconciliação dos atos

humanos perante Deus, propagando a libertação, e não o conformismo, a alienação e a

vingança.

“Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. Felizes os aflitos, porque possuirão a terra. Felizes os os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Felizes os que são misericordiosos, porque encontrarão misericórdia. Felizes os puros de coração, porque verão a Deus. Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”

59

Não é a toa que temos na figura de Jesus de Nazaré o descobridor do papel do

perdão na esfera dos negócios humanos60. Foi sua pregação de reciprocidade ao outro que

podemos associar com a idéia de amor perante ao seu semelhante, “eu vos deixo apenas um

mandamento: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”61, ao seu próximo; cuja

conseqüência levaria a conquista da graça e misericórdia divina e a absolvição dos atos e

pecados carnais, possibilitando aos homens acalçarem o Reino de Deus, o paraíso, após a

reconciliação de seus pecados. Superando a vingança ou até mesmo uma “justa” punição

com uma atitude nova, o perdão, eliminando o círculo eterno e infernal da violência.

“Vocês ouviram o que foi dito: 'olho por olho e dente por dente!' Eu, porém, lhes digo: não se vinguem de quem fez o mal a vocês. Pelo contrário: se alguém lhe dá um tapa na face direita, ofereça também a esquerda! Se alguém fa zum processo para tomar de você a túnica, deixe também o manto! Se alguém obriga você a andar um quilômetro, caminhe dois quilômetros com ele”

62.

O espírito caridoso era dito, segundo Santo Agostinho: “a graça e confissão

para com Deus são devidas ao perdão das ações más e indginas dos humanos”63. Se o

modelo a ser seguido era Jesus Cristo e amar o próximo era perdoá-lo, falar era bem mais

fácil que praticar, ainda mais quando nos casos envolvidos estavam circunstâncias sócio-

familiares. Nada no mundo obrigava as pessoas a amar seus semelhantes, que não existia

58 Dita como tal segundo Lucas XI, versículos 1-4 e Mateus VI, versículos 7-15. Bíblia Sagrada. Edição Pastoral. São Paulo : Paulus, 1996. Págs. 1328 e 1245. Assim como nas orações “Credo”, “Ave Maria” e “Salve Rainha” também remetem a idéia submissão dos pecadores diante um Ser superior. 59 Mateus 5: 3-8. Bíblia Sagrada. Edição Pastoral. São Paulo : Paulus, 1996. p. 1242. 60 ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Lisboa : Forense, 1983. Pág. 250. Sobre a Irreversibilidade e o Poder de Perdoar, assim como a Imprevisibilidade e o Poder de Prometer. 61 O propósito do novo mandamento era gerar uma comunidade que oferecesse uma alternativa de vida digna e liberdade perante a morte e a vingança. João 13:34-35. Bíblia Sagrada. Edição Pastoral. São Paulo : Paulus, 1996. Págs. 1375. 62 Mateus 5:38-41. Bíblia Sagrada. Edição Pastoral. São Paulo : Paulus, 1996. Pág. 1244. 63 Santo Agostinho. Confissões. São Paulo : Nova Cultural, 2000. Livro II – Sobre os pecados da infância. Capítulo 7, O perdão. Págs. 72-73.

nenhuma lei natural ordenando ao homem que amasse a humanidade, que se o amor havia

reinado sobre a terra, era devido não a lei natural, mas unicamente a crença das pessoas na

sua imortalidade. O perdão relacionava-se com o divino, e do ponto de vista humano, era

quase impossível.

No decorrer da Idade Média européia, a Igreja Romana, na figura do Papa64,

vê-se na função de desempenhar esse papel de intermediária na relação de Deus com a

sociedade, tornando-se legitimadora do perdão divino e espiritual,

[...] acredito que sejam boas, porque, se Deus pôs um homem em seu lugar, que é o papa, e mandou perdoar, isto é bom, porque é como se recebêssemos de Deus, já que são dadas por seu representante

65.

Pois se a essencia da religião cristã consiste em perdoar o próximo para ser

perdoado por Deus, então a “lei do pedrão” era assim discutida por um pobre moleiro no

século XVI:

‘ Lei do perdão’,(...). A uma certa altura, porém, não se escondia que a ‘lei do perdão’ podia ser interpretada de maneira exclusivamente humana, colocando, portanto, ‘em perigo’ o culto a Deus: ‘O perdoar é um remédio tão grande e poderoso que Deus, ao fazer essa lei, pôs em perigo toda a fé que a ele se deve e até mesmo parece uma lei feita pelos homens, em nomes de todos os homens, através da qual se diz abertamente que Deus não considera as injúrias que lhe fazemos, ainda que sejam tantas, desde que entre nós nos amemos e perdoemos. E de fato, se essa lei não desse a quem perdoa a graça de sair dos pecados e de ser homem de bem, poderia julgar-se que essa lei não fosse lei de Deus para governar os homens, e sim, unicamente, lei dos homens que, para viver em paz, não se preocupam com delitos ou pecados que são cometidos em segredo, de acordo ou de modo que não disturbem a paz e o viver do mundo. Mas, vendo que quem pela honra de Deus perdoa obtém o que deseja de Deus e que é de Deus o favorito, tornando-se apto só para as obras boas, fugindo das ruins, as pessoas confirmam e reconhecem a bondade de Deus conosco’. Portanto, apenas a intervenção sobrenatural da graça divina impede que se assuma o núcleo da mensagem de Cristo (a ‘lei do perdão’) como vínculo puramente humano, político66.

Em se tratando da mentalidade de um leigo, acusado de heresia e blasfêmia

pela inquisição, era a noção que uma sociedade construída com fortes conceitos católicos

que se permeava a idéia do perdão:

Eu peço em nome da paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, que não se declare a minha sentença com ira e injustiça, mas com amor, caridade e misericórdia. Os senhores sabem que Nosso Senhor Jesus Crsito foi misericordioso e perdoou e perdoará sempre: perdoou Maria Madalena, que foi pecadora, perdoou São Pedro, que o negou, perdoou o ladrão, que

64 Por ter dado tal poder de perdoar e a justiça e misericórdia do Reino era inseparável da misericórdia, a apresentação do poder de perdoar foi entregue à comunidade da Igreja. Mateus 9: versículos 1-13. Bíblia Sagrada. Edição Pastoral. São Paulo : Paulus, 1996. Pág. 1249. Ainda sobre a justiça na bíblia, ver Provérbios, II. O caminho da justiça: o justo e o injusto. Capítulos. 10-22. Idem. p. 841-850. 65 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo : Companhia das Letras, 1987. Pág. 76. 66 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo : Companhia das Letras, 1987. Pág. 99 – 101.

tinha roubado, perdoou os judeus, que o cricificaram, perdoou São Tomé, que duvidou do que viu e quis tocar. Dessa forma eu acredito firmemente que ele me perdoará e terá misericórdia de mim

67.

O que Domenico Scandella, o Menocchio estudado por Ginzburg, foi forçado a

entender a Igreja Romana uma intituição legítima para consentir o perdão na Península

Itálica do século XVI, a Europa Moderna, a partir de então, passava a presenciar as tensões

entre católicos e protestantes, e os verdadeiros cristãos deveriam seguiam o padrão dos Dez

Mandamentos e dos Sete Pecados Capitais como verdadeiras vontades de Deus.

Apesar das diferenças religiosas e sociais com a Europa, o conceito de perdão

cristão foi o mesmo transplantado à América colonizada, visto a transposição de valores

europeus na colônia brasileira. Por um lado, a Igreja detinha o papel de conceder a

misericórdia divina pelos pecados da alma e o perdão não era uma opção mas um

imperativo; do outro lado, rei toma para si a incumbêmcia de gozar das prerrogativas do

perdão secular, considerando ele como referência da justiça para todos os reforços da

soberania68. Permitido pela lei civil e natural, apenas Sua Majestade detinha o poder de

remissão dos crimes mundanos.

Sendo assim, a prática da justiça particular perdia notoriedade com a

intervenção da justiça régia. Os códigos penais surgidos na Europa ocidental davam um

panorama das transformações punitivas ocorridas na Idade Moderna, coincidindo com os

“novos projetos para a justiça tradicional, reformas, novas teorias da lei e do crime, nova

jurisdição moral e política, supressão dos costumes e redação de códigos modernos”69.

A nova era para a justiça penal estaria voltada para as mãos dos soberanos.

Justiça essa que assumia a parte da violência que estava ligada ao seu exercício e/ou ao seu

poder de reconciliação. O julgamento do que era passível de ser punido ou absolvido

transbordava as questões pessoais. A estabilidade das leis escritas descrevia os crimes e

delitos e suas respectivas punições, bem como suas prerrogativas de anistia, graça ou

indulto. O objetivo era alterar as noções e práticas das justiças particulares, colocava-se

então vinculada a imagem de um criminoso como sendo em um ser capaz de viver

respeitando a legislação régia, seja pela força da uma condenação, seja pela concessão e

reconhecimento do perdão a seu(s) crime(s).

67 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo : Companhia das Letras, 1987. Pág. 173. 68 DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. p. 19. 69 Nessa época que foi distribuída na Europa e na América a economia do castigo. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, 1987. Pág. 11.

A transformação nos métodos e modos de punir passa pelo entendimento da

compreensão da alma do criminoso70. O perdão como instrumento, ou melhor, recurso

jurídico como veremos adiante, remota muito antes dessas modificações penais do século

XVIII. Desde o século XIV têm-se registrado a graça régia como um meio de comutação

de penas, do perdão para determinados delitos sendo possível na medida em que o monarca

era o juíz supremo do reino.

Para o Império Português, ao conceder o perdão, o monarca estaria fazendo

justiça ou corringindo uma injustiça caso fosse necessária sua intervenção, conforme as

leis cristãs. As cartas de perdão surgidas, talvez durante o reinado de D. Pedro I71, foram

vulgarizando-se lentamente. A corriqueira reintegração de delinguentes deixa de ser

exceção e passa a ser regra dos menos afortunados da sociedade corporativa hierarquizada,

normalmente os camponeses lusitanos, que chegam a pedir clemência por crimes

cometidos e monopolizam alguns livros da chancelaria, durante os reinados de D. Afonso

V e D. João II72. De acordo com os interesses régios e variando de monarca para monarca,

por vezes o perdão tornou-se uma prática rotineira, eliminando o caráter excepcional. Com

o pedido aceito, o rei dirige uma carta constituída da titulatura e saudações habituais,

depois resume a história de um ou vários delitos que teve conhecimento através de uma

súplica feita pela pessoa acusada. Segundo Luís Miguel Duarte, as cartas de perdão

retomam quase ipsis verbis o texto das súplicas. Então, pode-se prever que os relatos dos

fatos criminosos espostos nas cartas de perdão eram o mesmo dos pedidos endereçados ao

rei73.

Com os apontamentos de Duarte sobre a atuação das várias justiças dentro da

metrópole portuguesa na segunda metade do século XV, pode-se constatar que desde o

referido perídodo as tradições das agressividades diretas entre as pessoas já ganhavam

intensa solidariedade e respostas das justiças do rei, seja na intervenção justa da

suplicação, seja num ato punito exemplar. O autor analisou ainda um dado interessante, o

que o mesmo denominou lei térmica da criminalidade de Portugal: nas regiões do sul

dominavam os crimes contra as pessoas nas estações de maior calor, enquanto ao norte, na

70 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, 1987. p. 18-9. 71 DUARTE, L. DUARTE, Luís Miguel. História de morte e vida há quinhentos anos. http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4262.pdf. Em 01 de novembro de 2008. p. 89. 72 DUARTE, Luís Miguel. Justiça e Criminalidade no Portugal Medievo (1459 – 1481). Vol. I,. Porto, 1993. 73 DUARTE, Luís Miguel. História de morte e vida há quinhentos anos. http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4262.pdf. Em 01 de novembro de 2008.

estação fria, dominavam os crimes contra a propriedade74.

No 'calor' das histórias, Natalie Davis dedica um capítulo inteiro de sua

brilhante obra sobre o perdão na justiça francesa do século XVI75, onde a raiva e a legítima

defesa serviriam de atenuantes para os crimes cometidos pela 'bílis quente'.

As exploões de raiva não eram suficiente para o perdão, mas sua solicitação era

mais plausível. Na Inglaterra do século XIII, os perdões eram concedidos de duas formas:

“perdões de graça”, outorgados a critérios do rei e quase sempre mediante um pagamento

ou em consideração por serviços militares prestados ou futuros, e os “perdões de fato”,

dado a pedido de um indivíduo epor recomendação de um júri, quando o homicídio era

legalmente desculpável76.

Agir de forma legalmente desculpável era quando o crime fosse decorrente de

um ato de legítima defesa ou acidental, sendo coibido as ações premeditadas e dolosas.

Surgia então a distinção dos crimes doloros e culposos, onde, por via de regra, só os

culposos poderiam ser extendidos a análise das chancelarias e as cortes supremas.

O rei poderia compreender a morte de uma pessoa na seqüência de uma

discussão mais do que um roubo de gado ou um fogo posto, dado que o criminoso deveria

argumentar que fora dominado mais pela raiva do que pela razão, sendo assim, o rei podia

considerar os crimes mais perigosos para a estabelidade social.

O perdão das partes significava o perdão das vítimas ou dos familiares de até

qaurto grau77. Eram nessas declarações públicas que se registrava qualquer tipo de

condição para o perdão. Como muitas das agressões e pancadarias terminavam com

ferimentos no corpo e na reputação, caberiam aos menbros familiares decidirem qual seria

uma condição, ainda que mínima, para a realização do perdão. Nos casos dos camponeses

interioranos de Portugal, muitos deles tratavam de questões de honra, de precedência, de

virtude das murelhes de família ou da afirmação da virilidade própria,

“pois esta gente nervosa, amendrontada, profundamente insegura, reagia demasiado

74 DUARTE, Luís Miguel. Crimes na Serra. In: Jornadas Históricas do Concelho de Gouveia. Gouveia, 22-24 de março de 2001. p. 81-2. 75 DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. Em especial o capítulo 2, intitulado: A raiva e a legítima defesa. 76 DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. Apud: BEATTIE, M. Crime and the courts em England 1660 – 1800. Princeton : New Jersey, 1986. Ainda sobre o perdão na corte inglesa, destacam-se os estudos de HAY, Douglas. Property, authority, and the criminal law. In: _. Albion's fatal tree: crime and society em Eighteenth-Century England. Nova York, 1975; e LANGBEIN, John H. Albion's fatal flaw. Past and Presente, 98 (fev. 1983): 96-120. 77 DUARTE, Luís Miguel. Crimes na Serra. In: Jornadas Históricas do Concelho de Gouveia. Gouveia, 22-24 de março de 2001.p. 81-102.

depressa e quase sempre por excesso; à rápida tempestade seguia-se uma não menos rápida bonança, mas muitas vezes o mal estava feito”

78.

As explosões de raiva e crimes cometidos no 'calor das emoções' não eram

restritivas aos casos popularescos, haviam os famosos da literatura, como por exemplo os

ódios antigos, que por vezes explodiam em violência, entre jovens de Verona do conto

Romeu e Julieta de William Shakespeare79. Em ambos casos de violência, histórias

camponesas ou conto de famílias nobres e até mesma literárias80, conservaram certas

ligações com tradições de honra familiar, com um mundo tempestuoso que girava ao redor

das pessoas imprevisíveis na passagem da mentalidade medieval para a moderna.

A prórpia confusão entre o amor e o ódio variava de formas, dimensões e

manifestações nas sociedades do Antigo Regime. O perdão praticado entre uma pessoa

próxima ou ainda por um parente era fruto das intensas relações de sentimentos que

estavam expostos os indivíduos. Como Duarte demostra nas situações bárbaras e cômicas

que ocorriam nos açougues medievais onde ocorriam discussões e pendêmcias sociais. Em

quando a alusão ao rei não era apenas nos casos de justiça social particular,

“as ordenações do reino eram taxativas: quem precisava de ajuda gritava Aqui d'El Rei, pois chamava por outro e significava reconhecer que, neste local e nessa data, o rei e os seus homens podiam salvá-lo, ou simplesmente os populares de bem que aos gritos deviam sair de casa e acudir a quem assim chamava”

81.

Uma forma ou de outra, a esfera de poder régio pode ser encontrada em

qualquer forma de solução de querelas, seja na prevenção da violência ou na remissão de

um crime.

Nas súplicas endereçadas ao rei pode-se conjecturar a interferência de uma

pessoa entre a relação do suplicante e o suplicador. Esse intermediário, normalmente um

tabelião, advogado ou procurador, dominavam como se deveria compor uma carta de

perdão endereçada ao rei, seu teor, como tratar o soberano, como expor o caso, que provas

juntar, que formulários seguir82.

Logo após resumido a história de quem pede, o pedido de perdão desenrolan-se

78 DUARTE, Luís Miguel. Crimes na Serra. In: Jornadas Históricas do Concelho de Gouveia. Gouveia, 22-24 de março de 2001. p. 85. 79 Exemplificado como tal por DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. p. 108-115. 80 DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. 81 DUARTE, Luís Miguel. Crimes na Serra. In: Jornadas Históricas do Concelho de Gouveia. Gouveia, 22-24 de março de 2001. p. 98. 82 DUARTE, Luís Miguel. História de morte e vida há quinhentos anos. http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4262.pdf. Em 01 de novembro de 2008. p. 89.

segundo um estrutura-tipo, com partes diversas, cada qual com propriedades que exigem

uma interpretação particular.

Tanto as cartas de perdão francesas analisadas por Davis e as portuguesas

analisadas por Duarte, trazem, de certa forma, marcas gerais sobre o perdão como

dispositivo judírico na Europa tardo-medieva e moderna: redigidas na voz passiva, trazem

a noção que ninguém rouba, ataca ou mata as pessoas, elas que faziam-se roubadas,

atacadas ou mortas; havia ainda a desqualificação da vítima e a segregação do réu de suas

faculdades mentais, da sua razão; junto com o reconhecimento da autoridade da coroa, a

legitimação e o respeito peranto o soberano; e para finalizar, a menção do pedido “à honra

da morte e paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo”.Tudo isso era para criar uma contexto

difuso em que o crime aconteceu e ainda para tentar diluir a gravidade das ofensas.

Na Europa do séculos XV até o XVIII, a disputa dentre dos corpos sociais

eram praticamente constantes. Na medida em que aproximamos reflexões para o foco da

pesquisa, visualiza-se um Reino Portugês moldado pela violência e pela misericórdia,

constituía o cenário de sociabilidades, promovia laços fraternais e estreitava as relações

entre seus membros e entre estes e a comunidade83.

Dentre das histórias de violência no mundo ocidental, as cartas de perdão tem

sido valiosas fontes históricas. Prova disto são os inúmeros estudos84 que delas partem para

ilustrar o quadro de violência que permeava as sociedades do Antigo Regime. Para o caso

português, as práticas do perdão civil também contribuem de grande valor para as pesquisa

sobre violência, justiça e configurações sociais85.

83 ARAÚJO, M. M. L.de. “As misericórdias portuguesas enquanto palcos de sociabilidades no século XVIII”. In: História: Questões & Debates, Curitiba , nº. 45, 2006. p. 155-176. 84 DELUMEAU, Jean. A confisão e o perdão. São Paulo : Companhia das Letras, 1991; e para citar alguns mencionados por Paulo Drumond Braga: MUCHEMBLED, Robert. Le temps des Supplices. De l' Obéissance ous les Rois Absolus. XV – XVIII Sièle. Paris : Armand Colin, 1992; GAUVARD, Claude, De Grace Especial. Crime, ètat et Societé em France à la Fin du Moyen Âge. Vol. I. Paris : Sorbornne, 1991; CASTAN, Nicole, “La justice expéditive”. In: Annales, Économies, Sociétés, Civilisations, 31º. ano, nº. 2. Paris :Armand Colin, 1976; FARGE, Arlette e ZYSBERG, André. “Les théâtres de la violence à Paris ae XVIII sièle”. In: Annales, Économies, Sociétés, Civilisations, 31º ano, nº. 2. Paris :Armand Colin, 1976; FURET, Claude, “Douais au XVI sièle: une sociabilité de l' agression”. In: Revue d' Historie Moderna e Contemporaine. Tomo 21, fasc. 3. Paris, 1974; MUNOZ, Isabel Perez. Pecar, Delinquir y Castigar. El Tribunal Eclesiastico de Coria em los Siglos XVI y XVII (Cáceres). Institución Cultural El Brocense, Deputación Provincial de Cáceres, 1992; RUBLACK, Ulinka. The Crimes of Women in Early Modern Germany. Oxford : Clarendon Press, 2001; GARNOT, Benoît. Justice et Societé em France aux XVI, XVII et XVIII siècles. Paris : Ophrys, 200; BEATTIE, J. M. Policing and Punishing in London. 1660-1750. Urban Crime and the Limits os Terror. Oxford : Oxford University Press, 2001. 85 Os clássicos: DUARTE, Luís Miguel. Justiça e Criminalidade no Portugal Medievo (1459-1481). Lisboa : Fundação Caloustre Gulbenkian, Fundação para a Ciência e Tecnologia, 1999; e HESPANHA, Antonio Manuel. “A punição e a graça”. In: MATOSO, José (dir.) & HESPANHA, Antonio Manuel (coord.).História de Portugal, vol IV (O Antigo Regime). Lisboa : Estampa, 1993. Os mais específicos: DRUMOND BRAGA, Isabel M. R. “A criminalidade em Portalegre no reinado de D. João III:

A ligação entre os portugueses e a instituição real investia-se pelas diversas

esferas do poder, e talvez a mais siginificativa dava-se pela justiça. Tanto o poder de punir

como a oportunidade do perdão, traziam a exclusividade da justiça ao patrono português.

Seja na perspectiva da metrópole ou em realidades mais distantes, como os povoamentos

em áreas afastadas do centro do poder na África, Ásia e Brasil, o rei fazia-se representado

nas obras e ações de seus agentes. O perdão de um juiz ordinário, juiz de paz, de um

ouvidor ou capitão-mor poderia ser entendido como um desdobramento da vontade régia.

Ainda que,

“se, ao ameaçar punir (mas punindo efetivamente, muito pouco), o rei, se afirmava como justiceiro, dando realização a m tópico ideológico essencial no sistema medieval e moderno de legitimação do poder, ao perdoar, ele cumpria um outro traço da sua imagem – desta vez como pastor e como pai – essencial também à legitimação. A mesma mão que ameaçava com castigos impiedosos, prodigalizava, chegado o momento, as medidas de graça. Por esta dialética do terror e da clemência, o rei constituía-se, ao mesmo tempo, em senhor da Justiça e mediador da graça. Se investia no temor, não investia menos no amor. Tal como Deus, ele desdobrava-se na figura do Pai justiceiro e do Filho doce e amável”

86.

O poder real lusitano sobre as redes de sociabilidades assemelhavam-se ao

controle de um pai sobre família87. Assim como era dever de um chefe familiar coibir atos

que pudessem desonrar o nome da família e educar seus descendentes dando-lhes o

exemplo a ser seguido; o rei passa a ser referência à norma do grande império com um

todo, sendo coercitivo e/ou misericordioso quando proveitoso.

Por parte dos 'filhos do rei', a clemência significava a exclusão da punibilidade

delitos e perdões”. In: A Cidade, nova série, nº. 8. Portalegre, 1993; Id. “Os estrangeiros e a justiça portuguesa durante o século XVI (1521-1578)”. In: Arquivos do Centro Cultural Caloustre Gulbekian, vol. XXXVII. Lisboa-Paris, Fundação Caloustre Gulbekian, 1998; Id. Um espaço, duas Monarquias (Interrelações na Península Ibérica no Tempo de Carlos V). Lisboa : Hugin Editores, Universidade Nova de Lisboa, Centro de Estudos Históricos, 2001; DRUMOND BRAGA, Paulo. “Perdões concedidos a moradores em Évora no reinado de D. João IV”. In: Congresso de História no IV Centenário do Seminário de Évora. Actas, vol. I. Évora : Instituto Superior de Teologia, Seminário Maior de Évora, 1994; Id. “Perdões concedidos a moradores em Setúbal no reinado de D. João IV”. In; Homenaje al Professor Carlos Posac Mon, tomo II. Ceuta : Instituto de Estudios Ceutíes, 1998; Id. “Os perdões de D. Antonio, Prior do Crato”. Brigantia, vol. XIX, nº. 3-4. Bragança : Assembleia Distrital, Julho-Dezembro de 1999; Id. “A madeira e o perdão régio (1642-1704)”. In: Islenha, nº. 28. Funchal : Direcção Regional dos Assuntos Culturais, Janeiro-Junho de 2001; Id. Do crime ao perdão régio (Açores, séculos XVI-XVIII). Ponta Delgada : Instituto Cultural de Ponta Delgada, 2003; AMADO, Janaína. “Crimes domésticos. Criminalidade e degredo feminino em Portugal no século XVIII”. In: Mare Liberum, nº. 17. Lisboa : Comissão Nacional para as comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Junho de 1999; CARDIM, Pedro António Almeida. O poder dos afectos. Ordem amorosa e dinâmica política no Portugal do Antigo Regime. Dissertação apresentada à Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Lisboa, 2000; DUARTE ALVES, Dina Catarina. Violência e perdão em óbitos (1595-1680). Dissertação de Mestrado em História Moderna apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Coimbra, 2003. 86 HESPANHA, Antonio Manuel. “A punição e a graça”. In: MATOSO, José (dir.) & HESPANHA, Antonio Manuel (coord.).História de Portugal, vol IV (O Antigo Regime). Lisboa : Estampa, 1993. p. 248. 87 FOUCAULT, Michel. Governabilidade. IN: FOUCAULT, Michel, Microfísica do poder. Rio de Janeiro : Graal, 1979. p. 277 – 295.

dos crimes cometidos. A fuga dos suplícios repousava na idéia da salvação de uma pena

corporal, quase sempre, dolorosa e cruel. Visto que a cadeia, ou melhor, a restrição da

liberdade individual, era considerada apenas uma condição transitória, temporária entre o

momento da denúncia e a apuração do julgamento, as sentenças em si beiravam entre o

ressarcimento dos danos, os banimentos e as penas físicas – da morte, galerias, açoite,

confissão pública – tudo variava de acordo com os costumes, da natureza dos crimes, dos

status dos condenados88.

Para o Império Português, as condutas ilegais deveriam ganhar aspectos

imorais, dada a divulgação das novas normas de conduta, dos novos códigos de honra, das

diretrizes marcada no Concílio de Trento, tentavam confinar e pacificar populações que

estavam no limiar da violência89.

As relações sociais portuguesas, baseadas na honra e na força, mostravam

características que tendiam a ser violentas e passionais. Essas características eram

expressadas pelas 'armas' que se poderia utilizar contra o inimigo, que vão desde uma arma

de fogo até uma agressão verbal. Após a imposição das intituições e leis régias, essas

armas ganhariam novas formas de ataque e defesa, como por exemplo as armas jurídicas.

O refúgio do perdão pode ser entendido como uma dessas novas armas criadas a partir de

aparatos legais que serviam como opção aos delinqüentes receosos do poder punitivo do

soberano. Assim, no final das contas, as armas gerais que deveriam prevalecer nos trâmites

eram as armas do mando del' Rei.

Ao conceder o perdão a um indivíduo, o rei nunca deveria ir contra os

interesses dos que haviam sido vitimados pela ação criminosa, sendo assim, só poderia

perdoar se o réu tivesse previamente obtido o perdão da parte ofendida. Pois então, antes

da clemência do rei, os agressores da lei deveriam desculpar-se perante as vítimias ou

parentes delas.

No vasto território do Império lusitano, para o perdão particular ganhar

legitimação era obrigado o registro por escrito e dotado de fé pública, para isso, utilizaram-

se os tabelionatos de notas para publicar esses contratos particulares de concessão do

perdão. Sendo assim, deveriam passar por todos os requisitos necessários para a

investidura do tabelião e/ou escrivão para serem registrados nos livros de notas.

88 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópólis : Vozes, 1987. p. 30. 89 BRAGA, Paulo Drumond. “Mulheres violentas e mulheres vítimas de violência (Portugal, séculos XVI e

XVII)”. Texto apresentado ao Seminário Fazendo Gênero 8 – Corpo, Violência e Poder. Florianópolis, agosto de 2008. Seminário Temático 60, disponível em http://www.fazendogenero8.ufsc.br/sts/ST60/Paulo_Drumond_Braga_60.pdf.

Para a colônia brasileira colocavam-se as regras do perdão civil dentro das

escrituras públicas de amor e perdão, ou seja, dentro da ordem hierárquica, burocrática e

institucional da administração do Reino de Portugal. Nessas circunstâncias, a

institucionalização do perdão registrou casos onde as justiças régias ganhavam armas

legais diante das querelas pessoais, moldando assim um quadro da representatividade da

justiça e honra real dentro das sociabilidades locais, bem como a atuação dos atores

sociais, suas particularidaes e suas naturezas. Sendo asim, a 'regra do perdão' era a mesma

tanto na metrópole quanto na colônia.

CAPÍTULO III

Essa família é muito unida,

e também muito ouriçada,

brigam por qualquer razão,

mas acabam pedindo perdão90

.

Desde o reinado de D. Pedro I, nas chancelarias régias da Baixa Idade Média

portuguesa há muitas cartas de perdão, algumas delas lotam livros de registro já nos

reinados de D. Afonso V e de D. João II91. Por meio de uma carta de remissão, ratificada

por uma corte legal, o predão real impedia que a pessoa fosse executada, recebesse as

penalidades e também impedia ou limitava o confisco real de bens que aompanhavam a

pena, “além de perdoar o ato [...], e cancelava toda penalidade, multa, e prejuízo corporal,

criminal ou civil que pudesse dela resultar [...], e restaurava ao requerente sua boa

reputação e seus bens”92. As cartas analisadas por Natalie Davis geralmente eram redigidas

por causa de uma morte, não premeditados, não intencionais, em legítima defesa, ou de

alguma forma justificáveis ou desculpáveis pela lei, mas ainda encontram-se falso

testemunho, roubos, receptação de bens roubados, defloração de virgens, participação em

tumultos contra impostos, resistência a funcionários reais e heresia, entre outros. Os casos

deviam ser adequados ao perdão, fazer-se por merecer a misericórdia real a qualquer crime

cometido, desde que fosse solicitada e se mostrassem envergonhados, arrependidos quando

buscada por seus pecados.

As histórias a serem perdoadas eram contadas a um notário real e a seus

funcionários, a fim de se tornarem legais, ainda deveriam ser lidas na presença das partes

envolvidas e caso fosse, de um chanceler ou de um de seus representantes, como o

mantedor dos selos da coroa, que no caso das escrituras públicas, de um ouvidor.

Informações gerais sobre os caminhos legais para o perdão parecem ter sido

amplamente difundidas entre os aldeões europeus dada sua proximidade com os reis. Os

detalhes das leis e os princípios da moralidade organizavam, ainda que de forma nebulosa,

os acontecimentos relatatos nas escrituras de perdão, pode-se até deduzir uma pintura de

um quadro geral do estado da justiça criminal. O 'pedir misericórdia' era algo de legítimo

direito do camponês, mas não só a esse setor social se restringia, em todos os estratos

90 NOBRE, Dudu. A Grande Família. Trecho da música “A Grande Família”. Composição de Dudu Nobre. CD 'Moleque Dudu' lançado pela BMG Brasil em 2001. 91 DUARTE, Luís Miguel. Justiça e Criminalidade no Portugal Medievo (1459 – 1481). Vol. I,. Porto, 1993. p. 33 e seguintes. 92 DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. p. 21.

sociais o perdão tinha o poder de desfigurar uma situação trágica e embora a posição era

levada a crer nas questões de honra pessoal, qualquer um poderia exibir ao notário, ao rei e

ao juiz um ato perdoável.

Dentro do processo do perdão, as exigencias do que era desculpável passa por

parcialidades e incertezas morais. Apesar de todas as leis do reino, muitas vezes a obtenção

da graça era visto como um mero favor do rei e não era levado em conto o seu poder

vinculado e discricionário, outras vezes os perdões eram concedidos sem justiça.

A tragicomédia do perdão e da reconciliação pacífica podia prometer o rei e

seus Estados no uso da misericórdia “na justa ocasião e da acordo com a ele, seja ele

perdoado de crimes graves não premeditados ou em legítima defesa.

Acerca dos mitos populares europeus, a Legenda Dourada era a mais

respeitada nas execuções. O assassinato premediatado era um crime capital e dado sua

punição, se o condenado sobrevivesse à execução, todos consideravam como perdão de

Deus para o crime ou como revelação divina acerca da inocência do acusado, a decisão do

Senhor sobrepunha sobre à do rei e o propósito era que quando Deus ouvia, Ele sabia o

momento certo de perdoar.93

Nas histórias dos casos de perdão contadas ao secretário, ao escrevente, ao

chefe de petições, ao chanceler, ao rei, ao conselho secreto, ao juiz e ao carcereiro;

repetidos, questionadas e reafirmados em diferentes jurisdições, circulando e sendo

avaliados no meio social dos requerentes e das vítimas, os relatos faziam parte de um

manancial de onde as pessoas podiam derivar, como desejassem, um sermão, uma lição de

moral. Nem toda a gratidão de um requerente e a misericórdia do rei garantiam um final

convicente, mas eram indícios obrigatórios para se chegar a um. A autodefesa ou a desefa

da honra poderia exigir uma caracterização digna de um conto literário ou policial e tudo

isso era visto com muita peculiaridade por um bom juiz, cuja perplexidade da função

aumentava com as leis contraditórias e o jogo ambíguo dos advogados. Apesar da

subjetividade que o conceito era entendido no mundo moderno ocidental, a honra era

ligada a consciência do indivíduo, a fama perante a sociedade e sua infâmia poderia ser

percebido como uma morte social. Nesse sentido, a briga social e moral pela honra

dependia da capacidade de calar, geralmente pela força, aqueles que poderiam causar a

desonra94. As desculpas quando apresentadas em nome da honra, tomam a forma de uma

93 DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. p. 98-9 94 PERISTIANY, J. G. Honra e Vergonha: valores das sociedades mediterrâneas. Lisboa :

negação da intenção de ofender. A falta dessa intenção reduzia a gravidade do insulto,

facilitando as desculpas e reduzindo a humilhação.

Temendo o rigor da justiça, pedem perdão, afim de obter a graça e a

misericórdia reais, em vez do rigor da justiça, visto que o caso ocorreu numa explosão de

raiva súdita e violenta, literalmente a “bílis quente”. Só o perdão real permite, que depois

da morte da vítima, a história termine em paz.95

Os procedimentos de ratificação em uma corte regional transcorriam muitas

vezes em presença de parentes do falecido; quando os procedimentos ocorriam em um

tribunal parlamentar de uma cidade distante do local do crime, uma cópia da carta de

remissão era encaminhada aos parentes, e mandava-se buscar suas respostas e as respostas

das testemunhas.

Além disso, através das cartas pessoais endereçadas ao rei, o dircurso era

intencional para justificar ou dar coerências às ações das histórias nelas contidas. A

desordem ou a violência era situações clássicas em que se podia requerer um pedido de

perdão, que era concedido por um homicídio não intencional, durante um jogo ou em um

ambiente festivo, por exemplo96.

Para Natalie Davis,

O mundo das cartas de remissão é um mundo de raiva, um mundo do inesperado. Um mundo onde o rei, não o Senhor, é quem perdoa, e, embora o príncipe sejo um servo de Deus, as fontes da ação nem sempre eram interpretadas de maneira estritamente cristã. As ações repentinas de um requerente nunca eram obra da providência ou d e pecados que ele cometera, mas eram sempre errôneas, não merecidas ou acidentais. E os estados de espírito atribuídos a si mesmo por aquele que busca o perdão podiam ser avaliado de diferentes formas [...]. Tanto pela lei divina com pela lei civil, proteger a própria vida ou a de um vizinho constituía uma exceção legítima ao mandamento divino de não matar, embora a lei canônica recomendasse a fuga quando possível [...]. No entanto, segundo os ensinamentos católicos a ira, fosse gradual ou repentina, era um dos Sete Pecados Capitais, e a vingança e o homicídio eram seus frutos característicos97.

Essa súbita explosão de raiva era avaliada suas cistuntâncias e podia permitir

que o rei cedesse clemência, no âmbito religioso, era apenas mais um pecado que tinha de

ser perdoado. Muitas das histórias contadas nas cartas e nas escrituras de perdão tentavam

passar a fama de boa reputação e honesta conversação do réu, nenhum requerente atribuiria

a si mesmo um temperamento colérico, pois isso sugeriria que ele teria dado início à Fundação Calouste Gulbenkian, 1988. 95 DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. p. 54. 96 DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. p. 57-8. 97 DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. p. 62-3.

violência.

Entre as obrigações e deveres dos funcionários notarias, descritas e reguladas

pelas Ordenações Filipinas e pelo regimento próprio dos tabeliães, constava-se: “a todolos

Taballiaães e Escripvães em todolos contrautos e escripturas, que fezerem, ponham Anno

do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo, as si como ante soyam a poer Era de

Cesar, e esto lhes manda que façam as si, sob pena de privaçom dos Officio”98. Com

quanto deveriam colocar, nos instrumentos, o dia, a hora e o lugar em que tivessem sido

feitos, os nomes das pessoas que neles intervieram e o objeto de que tratavam, tudo isso

por extenso, e não abreviamente, sem entrelinhas nem raspaduras.

Passando por uma gradativa evolução das Ordenações Afonsinas e Manuelinas,

a disciplina dos requisitos da escrituração pública se fazia pelas Ordenações Filipinas era.

derivada do ramo do direito cujo âmbito se baseava no direito civil, no direito processual

civil e dentro da organização judiciária. No direito civil português, das Ordenações

Filipinas, continha dois elementos básicos: a legislação nacional, fruto das idéias, opiniões

e costumes da população em diferentes épocas99; e a Romana, considerada o Direito

Comum100. O Direito civil, comercial e o penal eram muito mais evidente que o direito

administrativo. Sendo assim, sobre as escrituras públicas recaiam o ofício dos tabeliães,

que teriam que trazer para a sua esfera de competência a regulamentação dos negócios

jurídicos de que participassem os titulares. Das queixas que se faziam contra os tabeliães

por não cumprirem muitos dos preceitos que lhes disciplinam o ofício, “determinou-lhes

jurassem cumprir os deveres do cargo, que declarou quais fossem e a pena para as

transgressões de suas normas era a de morte”101.

Era uma disciplina estruturada com o ofício e de formalidades essenciais, como

por exemplo as escrituras: “que forem no Reyno [...], registrem nas em papel e leam sse

ante perdante as testemunhas ante que essas escripturas seiam fectas e assinaadas em guisa

que sabham hi a verdade as testemunhas quando comprir”.

Logo, para a uma escritura ser considerada verdadeira e válida era preciso que

98 RIBEIRO, João Pedro. Dissertações Cronológicas e Críticas sobre a História e Jurisprudência Eclesiástica e Civil de Portugal. Vol. II. Lisboa. pp. 2, 23-6. 99 As Ordenações como fonte de estudo e organização do Código Civil. PIERANGELI, José Henrique (org.). Códigos penais do Brasil: evolução histórica. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2001. Não é estranho encontrar referência a elas no vigente Código Civil Brasileiro, conforme a lei N.º 10.406 de 11 de janeiro de 2002. 100 MARQUES, Mário. História do direito português: medieval e moderno. Lisboa : Almedina, 2002. Em especial o capítulo intitulado “Período de influência do direito comum”. Pp. 113-8. 101 TELLES, José Homem Correa. Manual do Tabelião ou Ensaio de Jurisprudência Euremática. Lisboa : Impressão Régia, 1823. As Ordenações Filipinas tambám trazem consigo algumas penas “Dos que fazem Scripturas falsas, ou usão dellas”. Título LIII.

esteja revestida das solenidades que a lei ordenava, tais eram102:

− conter o dia, mês e ano;

− declaração da cidade, vila ou lugar e casa;

− declaração se conhecem as partes ou se conhecidas as testemunhas do contrato ou

de outras, que devem ser dignas de fé, e assinadas as escrituras;

− cópia de procuração ou procurações, se o contrato for tratado entre pessoas que se

diziam ser procuradores de outros;

− declaração de ter sida lida o contrato depois de escrito perante as partes e duas

testemunhas;

− ressalvada das emendas, entre linhas, ou palavras riscadas antes das assinadas;

− assinadas das partes outorgantes ou de uma pessoa a seu rogo, e de duas

testemunhas pelo menos; e

− que a escritura se faça nas notas, e não em papel avulso.

Era essa a disciplina dos requisitos das escrituras públicas brasileiras no

período em que foi colônia portuguesa. O conteúdo era expressado pelo tabelião conforme

suas disposições. Em qualquer cidade, vila ou lugar onde houvesse um Tabelião de Notas,

faziam-se valer suaa funções propriamente ditas: o tabelião deveria ficar disponível pela

manhã e pela tarde, guardar bem os livros de notas, firmar contratos entre particulares,

fazer testamentos, registrar vendas, escambos, aforamentos, obrigações, arrendamentos,

entre outros, dotando-os de sua fé pública103. Nos contratos particulares firmavam a

composição das escrituras de perdão, que continham um esquema já previamente

estabelecido e deveria ser seguido rigorosamente pelo tabelião ou por seu escrivão:

Saibão quantos esta virem, etc.E por elle dito F. perante mim e testemunhas abaixo

assignadas foi dito que de sua propria e livre vontade e por amor de Deos perdoa a N. a

injuria que este lhe fez espancando-o e ferindo-o, e por esta céde e desiste da accusação

intentada, e de todo o direito e acção de lhe pedir indemnização das perdas, damnos, e

dores que lhe causou; e ha por bem que S. Magestade lhe perdoe também a pena publica,

que pelas Leis lhe possa ser imposta. De tudo mandou fazer esta escritura; que depois de

por mim lhe ser lida e por elle outorgada, eu Tabellião a estipulei e aceitei em nome do

dito N. por estar absente. Testemunhas presentes F. e F. Etc.104

Nas terras da Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, desde a 102 ALVES, José Carlos Moreira. Os requisitos da escritura pública no direito brasileiro.

www.presidencia.gov.br/ccivil_033/revista/rev_48/pantea.htm. 103 Dos Tabeliães das Notas. Título LXXVIII das Ordenações Filipinas. In: Portugal. Ordenações Filipinas. Código Filipino, ou, Ordenações e Leis do Reino de Portugal : recopiladas por mandado d’el-Rei D. Filipe I. Ed. fac-similar da 14ª. ed., segundo a primeira, de 1603, e a nona, de Coimbra de 1821 / por Cândido Mendes de Almeida. - - Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2004. 104 Minuta e apontamentos sobre as escrituras de perdão retirados de TELLES, José Homem Correa. Manual do Tabelião ou Ensaio de Jurisprudência Euremática. Lisboa : Impressão Régia, 1823.

década de 1690, a instituição para oferecer serviços notariais estava a disposição da

população105. Com isso, inúmeros casos de prestação de serviço deveria ser de

responsabilidade do tabelião, ou escrivão oficial, designado o agente legítimo para aquele

ofício.

Essas escrituras poderiam corresponder as ditas súplicas, que como igualmente

ocorria na metrópole, tinha o intuito de tornar pública as desculpas apresentadas entre

pessoas que por algum motivo tinham violados regras morais de sociabilidades.

As vinte escrituras públicas de amor e perdão utilizadas na presente pesquisa,

mostram a relação dos moradores de Curitiba e região da primeira metada do século XVIII

às questões de violência social e as justiças régias. Seguem os casos que aparecem nos

livros de notas entre os anos de 1721 e 1752.

A primeira escritura tem data de 07 de agosto de 1721 e tem a função de

registrar o perdão que Vicência de Veras e sua filha Ana de Veras davam a Joaão do

Couto. “em casa e moradas de Vicência de Veras”, o tabelião reconhecidas as duas

outorgantes por serem moradoras conhecidas na Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais

de Curitiba e que “por elas ambas juntas, e cada uma em solidão” prestavam perdão a

João doCouto, por terem “ciência certa que João do Couto não fez nem concorreu no

morte de sua filha e irmã Domingas de Veras”. faziam isso “por livres vontades e sem

constrangimento de pessoa alguma”. O que cabe ressaltar desta escritura, é um trecho que

coloca uma certa dúvida quanto relação a responsabilidade da morte de Domingas Veras,

mesmo assim, pois Vicência e Ana “perdoam de hoje para todo sempre toda a culpa que

dá tal morte lhe resultou tanto corporal como pecuniária, como com efeito logo

perdoarão, e se todavia pelo mesmo Rigor de justiça, ou por outra qualquer razão se

provasse, ou mostrasse concorrer por modo algum o dito João do Couto na dita morte

[Domingas de Veras] também lhe perdoavam como com efeito logo perdoarão toda a

culpa que dá tal morte lhe resultasse, o que faziam tanto pela certa ciência que do caso

tinham como pelo amor de Deus”. Sendo assim, a escritura segue com sua estrutura típica

de encerramento, convocando um pedido “às Justiças de Sua Majestade que Deus Guarde

que também perdoassem toda a culpa que dá dita lhe resultasse ao dito João, e em fé

assim o disseram e outorgaram”.

Algumas páginas depóis do mesmo livro de notas, mas quase seis anos mais

tarde, na data de 07 de agosto de ano de 1726, Miguel Fernanders de Siqueira, Salvador de

105 Visitado em 10 de novembro de 2008, o sítio http://www.1tabelionato.com.br.

Freitas, Vitória de Siqueira e Joana Gonçalves, perdoam Salvador de Melo do caso que

havia sucedido a Simão Fernandes. Porque Salvador de Melo “se queria por em livramento

(...) da sua vontade que se mostrasse livre”, o pai e irmãos de Simão deixam expressados a

“não vontade de acusar” e ainda que “perdoavam quando muito culpado estivesse pelo

amor de Deus e que prometiam em tempo algum de não ir contra este perdão que davam a

Salvador de Melo”.

Em ambos registros, citados acima, mostram uma situação peculiar: entre os

outorgantes das escrituras encontram-se mulheres que “não sabem ler nem escrever”,

sendo assim, fazia-se necessário o requerimento de uma assinatura de outrem conhecido e

de confiança que fizesse o rogo por elas.

A terceira escritura resgistra o perdão de Baltazar Carrasco do Reis, como pai,

e João Correa e José Correa, irmãos da defunta Maria Carrasco, para Nastácio Alves,

marido que foi da sua filha e irmã, e à Maria Pedrosa, por “não querer lhes acusar as

Justiças de Sua Majestade que Deus Guarde”, colocando a “condição que para efeito de

lhe valer este perdão seriam obrigados a pagar vinte e quatro mil reis a saber doze para

os Santos Lugares e doze para as almas cujo dinheiro constando estar pago sem quitação

(...) entregue ao tesoureiro desta Freguesia de Nossa Senhora da Luz de Curitiba”. No

momento da fabrização da escritura, Nastácio Alves e Maria Pedrosa encontravam-se

presos na cadeia da vila de Paranaguá e eram considerados os culpados da morte de Maria

Carasco dos Reis. Essa escritura datada em janeiro de 1727, não teve efeito, dada a

comprovação do não pagamento dos valores estipulados na escritura, porque qualquer

outro fator não seri, uma vez que as partes deixaram explícito no contrato: “em razão desta

escritura e suas livres vontades e sem constrangimento de pessoa alguma lhe faria bom o

dito perdão por suas pessoas e mais e mais herdeiros ascendentes e descendentes que após

eles vierem e não revogarem em tempo algum posto que sejam mortos eles outorgantes em

tempo algum e outro sim disseram que se porá a validade desta escritura”.

No próximo registro de perdão, somente com a vinda do ouvidor a Curitiba que

esclareceu quem foi o culpado da morte do defunto João Monteiro em julho de 1726. sendo

assim, Izabel da Veiga Leme, viúva de João, perdoa o forro Manoel Alvez, somente em

agosto de 1727, por somente agora ela saber que “trabalhou fatalmente na defesa do dito

seu marido e este não ficara culpado da dita devassa por se saber era sujeito muito amigo

e amigo de paz do dito defunto”, e que ela estava “certificada que o dito Manoel Alves não

foi o que fez a dita morte nem para ela concorreu em coisa alguma”, pois “todos sabem

que Francisco de Campos foi o agressor e culpado na causa da morte”. Para corrigir uma

injustiça Izabel da Veiga Leme pedia “às Justiças de Sua Majestade que Deus Guarde que

perdoe e neste caso a Real Justiça como também lhe perdôo todo o direito e ações que

contra ele e seus bens tinha e podia ter”, e denunciava e responsabilizava assim,

totalmente Francisco de Campos da condição que ficou viúva. Tendo um carácter

reparador, a escritura serviu como um remédio jurídico para a condenação penal descrita

no Livro V das Ordenações, com quanto Manoel Alves, um simples forro, poderia ter sido

sentenciado a ter as mãos decepadas e a morrer natural na forca106.

Num outro caso, José do Souto, morador da Vila de Nossa Senhora da Luz dos

Pinhais de Curitiba, perdoa seu filho Teodozio do Souto, também morador da vila, pelas

feridas causadas com uma faca de ponta e que por essas foi preso pela Ouvidoria Geral por

causa da referida agressão. Ao longo da escritura, o tablelião descreve a vontade de José de

expressar o “amor que tem pelo seu filho” e por ele não querer ser parte em coisa alguma

pois Deus Nosso Senhor o havia livrado das feridas da dita facada e estava são”. Neste

específico caso, pode-se pressumir que o pai não queria apenas livrar seu filho das

imputações penais descritas no Título XLI das Ordenações107, mas também restituir o

nome da família que foi manchado pelo caso perante a sociedade curitibana.

Há ainda o caso de Francisco Cubas que perdoa sua sogra Ana da Cunha de

Abreu pela ferida mortal de um tiro de espingarda que lhe fez na Vila de Jacareí, sendo que

a dita sogra estava “inocente no caso”, pois as “testemunhas serem poucos tementes a

Deus e não deporem seus juramentos com a ciência [?] devida”, e como foi divulgado

“não ser ela a que lhe mandou fazer tal delito pois sempre lhe quis muito amando-o como

seu próprio filho como é público e notório”. Tendo inocentado Ana da Cunha, Francisco

Cuba fez a escritura de perdão para que “as Justiças de Sua Majestade que Deus Guarde

lhe dê toda a liberdade”, ou seja, por em liberdade a dita sua sogra. A escritura ainda deixa

claro que ”do caso e somente é culpado Julio Cezar”.

Já Miguel Alz' de Farias perdoa seu irmão João Alz' Farias pelas pancadas e

feridas que lhe fez, de que em outro tempo tinha querelado, em janeiro de 1735, o

outrgante deixa expresso “o efeito do perdão para hoje e todo o sempre, para não acusar

mais em tempo nenhum; e a razão de lhe dar perdão por ser verdadeiro cristão temente a

106 Portugal. Ordenações Filipinas. Código Filipino, ou, Ordenações e Leis do Reino de Portugal : recopiladas por mandado d’el-Rei D. Filipe I. Ed. fac-similar da 14ª. ed., segundo a primeira, de 1603, e a nona, de Coimbra de 1821 / por Cândido Mendes de Almeida. - - Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2004. Título XLI. “Do scravo, ou filho, que arrancar arma contra seu senhor, ou pai”. p. 1190. 107 Portugal. Ordenações Filipinas. Código Filipino, ou, Ordenações e Leis do Reino de Portugal : recopiladas por mandado d’el-Rei D. Filipe I. Ed. fac-similar da 14ª. ed., segundo a primeira, de 1603, e a nona, de Coimbra de 1821 / por Cândido Mendes de Almeida. - - Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2004. Título XLI. “Do scravo, ou filho, que arrancar arma contra seu senhor, ou pai”. p. 1191.

Deus e às Justiças de Sua Majestade de que Deus Guarde”.

Na próxima escritura de perdão datada em novembro de 1735, foi registrado o

perdão de João da Silva Pinheiro e sua mulher Ignácia Gonçalvez de Aguiar a Salvador

Pais. Salvador que tinha “dado uma cutilada uma noite” em João da Silva, tinha sido

querelado e denunciado perante a Justiça de Sua Majestade, e o perdão serviria como um

contra-peso da querela registrada, caso o processo fosse posto em andamento.

Em outro registro de perdão, Francisca Leme, mulher bastarda, perdoa o

Capítão Amador Bueno da Rocha “por este ter dado umas pancadas e que por desencargo

de sua consciência declarava ela dita Francisca que das ditas pancadas não movera nem

andava pejada, e que somente levada da paixão o publicou afim de fazer agravante mais o

caso, o que por desencargo de sua consciência declarava ser falso”. Isso aos dezessete

dias do mês de junho de mil setecentos e quarenta anos do nascimento de Nosso Senhor

Jesus Cristo.

A escritura pública outorgada por Manoel da Costa Ferreira, visa o perdão a

Francisco da Silva, no último mês de 1740, pois Manoel “tinha querelado e denunciado

Francisco da Silva com o fundamento de que este não só lhe tinha dado umas cutiladas

mas também potenciosamente lhe tomara um pouco de gado vacum e cavalgaduras”.

Manoel da Costa Ferreira fora fazendeiro do Capitão Mor José de Góis e Morais e tinha

ficado com uma cabeças da sua partilha, já Francisco da Silva era o presente feitor das

fazendas e procurador bastante do capitão e não tinha conhecimento que Manoel tinha

ordem para levar gado e cavalos da fazendo do dito capitão-mor. Da querela, Manoel da

Costa Ferreira abriu denúncia contra Francisco da Silva, mas agora revogava a denúncia e

“rogava às Justiças de Sua Majestade que Deus Guarde não contendessem com o dito

Francisco, pois em sua consciência achava que a dita querela e denúncia fora dada mais

com paixão do que outra coisa, o qual Francisco aceitou o dito perdão ficando amigos

como de sempre foram”.

Um caso peculiar é a escritura feita por Feliciano, um natural do gentio da terra

da administração que foi de Amador Bueno da Rocha, do perdão a Amador da Veiga pelas

feridas que lhe tinha feito em uma noite no sítio de seu pai Antonio da Veiga Bueno,

partindo de sua “desencargo de sua consciência e amor de Deus”, Feliciano concedia o

perdão a Amador da Veiga porque da ferida não ficara com alguma lesão e por não ser

coisa de consideração nem perigo nem estivera doente da tal ferida e que fora

casualmente feita havendo umas razões (...), cuja ferida fora feita com uma faca de mesa”.

Amador Bueno da Rocha e Amador da Veiga eram irmão, e a querela ocorreu na fazendo

de Antonio Bueno da Rocha, pai de ambos. Visto isto e tomando os outros exemplos de

caso de perdão, pode-se perceber a proximidade entre as partes, muitas das escrituras de

perdão giram em torno de disputas sociais muito próximas, por vezes em ambientes

familiares.

A escritura outorgada por Brás Domingues Veloso e Manoel Borges visava o

perdão a Francisco Álvares Xavier das devassas levantadas por furtos que ele praticou na

vila, em meados do ano de 1747. francisco fora responsabilizado pelos crimes e somente

no ano seguinte lavrou-se o perdão, dada a comprovação que os objetos dos furtos, dois

cavalos no caso, foram devolvidos aos seus respectivos donos.

Em 1750, Manoel Correia de Castro e José Ribeiro da Cunha, presos na cadeia

da vila de Paranaguá, foram perdoados por João Simões da Silva e sua mulher Inácia

Correia de Castro, o perdão se deu para Manoel, sogro e pai dos outorgantes, por este “já

estava vivendo com eles em boa paz e sossego como Deus quer”, e para José com a

“condição de nunca mais assitir nem aparecer nesta Vila de Curitiba”, impostas as

prerrogativas, ressalvam a condição de paz que se estabelicia com o perdão:“para que

também se pusessem os sobreditos em paz com as justiças e fossem livres das culpas que

lhe tinham argüido”

Na escritura de perdão de João Simões da Costa a Pedro da Cruz Pereira, a

devassa ex ofício tinha se dado pela morte feita a um seu escravo, por nome de Manoel,

em a qual ficara culpado Pedro, “contudo, por ele outorgante vir no conhecimento da

verdade e saber que o sobredito Pedro da Cruz Pereira o matara em sua defesa natural

por saber ele outorgante de certo que o dito defunto seu escravo fizera toda a diligência

para o primeiro matar e a não lhe atirar e matar primeiro”. A defesa natural colocava o

atenuante necessário para a desistência de uma denúncia a para a concessão do perdão.

Algumas páginas adiante, no mesmo livro que a escritura referida acima,

encontramos o registro de perdão, amor e graça de Francisco da Silva a Manoel da Costa

Ferreira., isto porque havia uma querela entre as partes, por o dito Manoel ser acusado de

furtar uns animais e ter atirado em Francisco, este que vinha da fazenda chamanda São

Bento com sua família e criações de mudança para a fazenda chamada Cambejú. Então,

Francisco da Silva ”com falsas informações saiu ao encontro com os negros que tinha,

cego de paixão sem atender mais a coisa alguma tratou de impedir a jornada e com uma

espada larga lhe tirou bastantes golpes”. A disputa armada segue descrita na escritura

como uma querela antiga que as partes tinham “pelas cutiladas e feridas que Manoel da

Costa havia lhe dado”. Possibilitando o entendimento desta escritura de perdão como uma

apaziguamento da querela antiga entre Francisco da Silva e Manoel da Costa.

Outra função importante das escrituras de perdão era a possibilidade de

relaxamento de uma prisão, como no caso do Capitão Antonio da Silva Leme que foi

perdoado pelo Capitão João Carvalho de Assunção. Como o outorgante João percebe que

não foi Antonio o respónsável pela morte de seu filho, Manoel Carvalho da Luz, e sim os

seus administrados, conhecidos como Zidoro e Lauriano, se dispôs a registrar o perdão em

casas e moradas do tabelião, presente as testemunhas e legitimando a soltura do Capitão

Antonio da Silva Leme da cadeia da Vila de Curitiba.. A escritura que segue, tem a

'cláusula' ao Capitão Antonio de “pagar todas as custas assim presentes como futuras que

sobre a dita morte se tem feito e se fizerem, e outro sim de que havendo notícias certas que

os seus administrados malfeitores se acham pelo distrito desta comarca de ser obrigado a

entregá-los a Justiça de Sua Majestade”.

Algumas expressões utilizadas pelo tabelião de notas deixa claro a não

intenção do assassinato, da situação em que, de modo justificado e compreensível, o

requerente de inflamava e se enfurecia com a querela e no calor da disputa cometera o

crime. Foi o que aconteceu com João Carvalho Pinto, que cometeu a morte de João

Machado Fagundes . Sobre o caso, a mãe do defunto, Ana Maria de Siqueira, que foi pedir

às justiças de sua Majestade para não proceder contra João Carvalho Pinto. Nos registros é

encontrado nos seguintes termos: “no escritório de mim tabelião (...) apareceu presente

Ana Maria de Siqueira (...) e por ela me foi dito que ela estava inteirada de que o dito

João Carvalho Pinto quando fizera a morte do seu filho não fora por sua vontade, e só sim

levado de uma paixão (...), que o dito seu filho vinha a esta vila querelar (...) por motivo

com falsas informações”.

Ainda sobre o mesmo caso, Domingas Fernandes, viúva que ficou do defunto

João Machado Fagundes, concede o perdão ao mesmo João Carvalho Pinto, alegando os

mesmos argumentos prestados pela sua sogra.

Como o crime passível a ser atenuado era o mesmo da escritura anterior, a

distinção entre elas restringe-se apenas dos nomes das outorgantes. Além da mesma data e

local, 13 de junho de 1751 na Vila de Nossa Senhora dos Pinhais de Curitiba, percebe-se a

mesma pessoa, o licenciado Paulo da Rocha Dantas, assinando pelo rogo das duas, as

mesmas testemunhas, Capitão Antonio da Silva Leme e Manoel Vaz Torres e o igual

tabelião nas escrituras. Ana Maria de Siqueira e Domingas Fernandes, pedem ao rei, um

efeito de anulação de qualquer pena que possa ser posta ao assassino de seu ente querido:

“e pedem às Justiças de Sua Majestade que Deus Guarde que pela referida culpa não

procedam contra João Carvalho Pinto”.

As relações de parentesco dos outorgantes com a vítma eram fundamentais na

hora de registrar o perdão. Assim, em setembro de 1751, Matias Leite perdoa Antonio

Rodrigues das Santos pela morte feita a Domingos Leite Soares, primo por

consangüinidade do outorgante. Sendo assim, o tabelião descreveu na escritura: “Antonio

Rodrigues dos Santos tinha morto a Domingues Leite Soares a facadas uma noite estando

jogando ambos; e como este falecido era primo por consangüinidade dele outorgante, e o

caso foi sucedido acidentalmente e não caso pensado, da parte dele outorgante dava

perdão a Antonio por livre vontade sem constrangimento de pessoa alguma e sem mais

interesse só pelo amor de Deus”.

O último perdão levantado para a pesquisa é o registro que deu Antonio

Fernandes Nogueira a Paulo da Rocha Dantas, com data de 11 de julho de 1752, Antonio

alega “não querer acusar nem ser parte a Paulo da Rocha Dantas no livramento do crime

que lhe resultou por uma devassa que tirou o doutor ouvidor geral desta comarca da

fazenda que lhe faltou da sua loja, e por saber que o dito Paulo não tirara nada da

fazenda e a falta que achou ser de pouco valor lhe dava perdão”.

Apesar do conteúdo e vocabulário livres' em algumas partes, as escrituras de

amor e perdão detinham os requisitos formais de uma escritura pública. Disciplinada pelas

ditas Ordenações Filipinas e mesmo a prova pré-constituída – ad probationem tantum –

não se destina exclusivamente a existência do negócio jurídico no processo judicial, mas

em relação à escritura pública era mais vezes utilizadda como validação de um negócio

jurídico solene - ad solemnitatem – acentuando seu caráter de instituto de direito

material108.

Quando os outorgantes da escritura fossem desconhecidos do tabelião, este

deveria exigir que eles apresentassem testemunhas que lhes atestassem a identidade, e “os

instrumentos hão de ser feitos pelas notas lançadas nos livros, as quais devem ser lidas às

partes e confirmadas por elas”109.

Nos registros notoriais, o discurso era primeira pessoa do tabelião ou do

escrivão descrevia os personagens quanto sua origem e/ou filiação. Por conseguinte,

quando escrita por um outro autor que não o próprio requerente, não torna os personagens

secundários, pois o desejo e esperança do alcance da extinção, comutação ou redução da

108 ALVES, José Carlos Moreira. Os requisitos da escritura pública no direito brasileiro. ww.presidencia.gov.br/ccivil_033/revista/rev_48/pantea.htm. 109 TELLES, José Homem Correa. Manual do Tabelião ou Ensaio de Jurisprudência Euremática. Lisboa : Impressão Régia, 1823.

pena era a mesma.Para além da justiça, também a graça constituía um atributo real, que

permitia agir contra o direito. (dispensar a lei) em atenção a uma justiça superior e acima

daquela que estava contida no rigor do direito.A vice-realeza na colônia ganhou poderes

quase que reais: exercícios de atos de graça, concessão de mercês, dada de ofícios, outorga

de rendas, ou ainda perdão de crimes quando a jurisprudência permitia.

CONCLUSÃO

Que o perdão seja sagrado,

que a fé seja infinita,

Que o homem seja livre,

que a justiça sobreviva110

.

Com a pesquisa que se encerra com essas considerações, percebeu-se a

interferência do Estado e sua justiça no mundo social moderno. As demonstrações de uma

sociedade curitibana da primeira metade do século XVIII que procurava resolver tudo pela

força, mas que, estrategicamente, recorriam aos recursos legais para se livrar das

conseqüências de seus atos ou para preservar a honorabilidade familiar.

Em suma, as fontes utilizadas no trabalho permitiram demonstrar as histórias

de perdão, junto com as Ordenações Filipinas sugerem esclarecer como se davam os

recursos jurídico-administrativos do Estado Moderno português, bem como a atuação da

justiça régia e sua relação com o mundo social. Demonstrando assim, uma sociedade que

faziam seus casos de querelas perdoadas que chegaram aos olhos do rei, através das mãos e

ouvidos dos tabeliães, para terem reconhecimento legal de seus perdões.

Isto posto, as escrituras de perdão fazem pensar que a honra familiar estava

ligada a consciência do indivíduo, sua fama perante a sociedade e o seu descrédito poderia

ser percebido como uma morte social, nesse sentido, a briga social e moral pela honra

dependia da capacidade de calar, geralmente pela força, aqueles que poderiam causar a

desonra. O costume primitivo do “olho por olho, dente por dente” era levado em conta na

hora de resolver as querelas pessoais, mas quase sempre realizadas pelo calor das emoções,

por sentimentos e impulsos ou ainda em defesa da vida, as querelas resultariam em uma

agressão ou uma morte e um processo, visto assim, o perdão poderia ser encarado como

remédio restaurador da anormalidade da violência no âmito social.

Com as escrituras de amor e perdão, pode-se acentuar o 'bom cristão

curitibano', que sabe perdoar e ser justo, e ainda supor uma realidade entre a justiça local111

e a justiça central, onde o analfabetismo não impedia a familiarização com as formalidades

legais, nem fazia-se distinção entre ricos e pobres, apenas colocava em jogo a honra

pessoal e familiar e sua representação na sociedade e na justiça oficial do rei.

110 REIS, Sérgio. Bandeira do Divino Trecho da música “Bandeira do Divino”. Composição de Vitor Martins e Ivan Lins. CD lançado pela Gravadora Som Livre em 2003. 111 Nesse sentido, o trabalho de BORGES, Joacir Navarro. A justiça local - a ação judiciária da Câmara de Curitiba no século XVIII (1731-1752). Curitiba : Departamento de História da Universidade Federal do Paraná. Tese de doutorado, 2008; esclarece a nebulosa história da justiça curitibana setecentista.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANASTASIA, Carla Maria Junho. A geografia do crime: violência nas Minas setecentista. Belo Horizonte : Editora UFMG, 2005. ARIÈS, P. & DUBY, G. (Orgs.). História da vida privada, vol. 3, da Renascença ao século das luzes. São Paulo : Companhia das Letras, 1991. BICALHO, M.; FRAGOSO, J.; GOUVEIA, M. de F. (Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa. Século XVI – XVIII. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001. BOXER, Charles. A idade do ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo : Cia Editora Nacional, 1963. __________. Portuguese society in the tropics: the municipal councits of Goa, Macao, Bahia and Luanda. 1500 – 1800. Madison : Milwaukee; University of Wisconsin, 1965. COSTA, Moacyr Lobo da. Confissão e reconhecimento do pedido. São Paulo : Saraiva, 1983. DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo : Companhia das Letras, 2001. DUARTE, Luís Miguel. Justiça e criminalidade no Portugal Medievo (1459 – 1481). Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. DELUMEAU, Jean. A confissão e o perdão. São Paulo : Companhia das Letras, 1991. FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo : , 2001 FERREIRA, W. História do direito brasileiro. São Paulo : Max Limonad, 1954. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro : Graal, 1979. __________. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis : Vozes, 1987. FRAGOSO, J.; BICALHO, M.; GOUVEIA, M. de F. (orgs.) O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa. Séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2001. HESPANHA, Antonio Manuel. Às vésperas do Leviatã. Instituições e poder político Portugal, século XVIII. Coimbra : Almedina, 1994. HOBBES, Thomas. Leviatã: ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. São Paulo : Martin Claret, 2005. HOLANDA, Sérgio Buarque de (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo : Difusão Européia do Livro, 1965.

LARA, Sílvia. Ordenações Filipinas. São Paulo : Cia das Letras, 1999. __________. Campos de violência: escravos e senhores da Capitania do Rio de Janeiro: 1750 – 1808. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1988. MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo : Abril Cultural, 1973. MAXWELL, K. Chocolate, piratas e outros malandros. Ensaios tropicais. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1999. MELLO, Magno Antonio Correia de. Burocracia, modernidade e reforma administrativa. Brasília : Brasília Jurídica, 1996. PERISTIANY, J. G. Honra e Vergonha: valores da sociedade mediterrânea. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1965. PORTUGAL. Ordenações Filipinas. Código Filipino, ou, Ordenações e Leis do Reino de Portugal: recopiladas por mandado d’el-rei D. Filipe I. - Ed. Fac-similar da 14.ª ed., segundo a primeira, de 1603, e a nona, de Coimbra, de 1821 / por Cândido Mendes de Almeida – Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2004. POTHIER, Robert Joseph. Tratado das obrigações pessoes e recíprocas: nos pactos, contractos, convenções, etc. Lisboa : Imprensa Nevesiana, 1835. ROTTERDAM, Erasmo. Elogio da Loucura. São Paulo : Martin Claret, 2002. SALGADO, Graça. Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1985. SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial : a suprema corte da Bahia e seus juízes. 1609 – 1751. São Paulo : Ed. Perspectiva, 1979. TELLES, José Homem Correa. Formulário dos contractos, testamentos e de outros actos do tabellionato. Rio de Janeiro : B. L. Garnier, 1881. __________. Manual do Tabelião ou Ensaio de Jurisprudência Euremática. Lisboa : Impressão Régia, 1823. TENGARRINHA, José (Org.) História de Portugal. São Paulo : Edusc. 2002. VAINFAS, Ronaldo (Org.) Dicionário do Brasil colonial (1500 – 1800). Rio de Janeiro : Objetiva, 2001. WEHLING, Arno. Formação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2002. WICACKER, Franz. História do direito privado moderno. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.

ANEXOS

As escrituras públicas de amor e perdão, sua localização conforme os livros de

notas, transcritas e revisadas112 que foram utilizadas na presente pesquisa:

Livro 03 - folhas 61, 61v e 62

Escritura de perdão que faz Vicência de Veras e sua filha Ana de Veras a João do

Couto

Saibam quantos este público instrumento de escritura de poder digo escritura

de perdão virem que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e

setecentos e vinte e um anos, aos sete dias do mês de agosto do dito ano nesta Vila de

Nossa Senhora da Luz dos Pinhais em casas de moradas de Vicência de Veras aonde eu

tabelião adiante nomeado fui sendo chamado e sendo aí achei presentes a dita Vicência de

Veras, e sua filha Ana de Veras, pessoas de mim reconhecidas serem as próprias e

moradoras nesta vila e por elas ambas juntas, e cada uma em Solidum me foi dito em

presença das testemunhas adiante nomeadas e assinadas, que elas de suas livres vontades,

sem constrangimento de pessoa alguma, e por ter ciência certa que João do Couto não fez

nem concorreu na morte de sua filha; e irmã Domingas de Veras, sem embargo de o

haverem culpado nela, o que seria por pessoas que lhe fossem mal afeitas, ou mal

informadas, e se por rigor de justiça ficou pronunciado na devassa que do caso se tirou lhe

perdoavam de hoje para todo sempre toda a culpa que dá tal morte lhe resultou tanto

corporal como pecuniária, como com efeito logo perdoarão, e se todavia pelo mesmo Rigor

de justiça, ou por outra qualquer razão se provasse, ou mostrasse concorrer por modo

algum o dito João do Couto na dita morte também lhe perdoavam como com efeito logo

perdoarão toda a culpa que dá tal morte lhe resultasse, o que faziam tanto pela certa ciência

que do caso tinham como pelo amor de Deus, somente, sem constrangimento de pessoa

alguma, mas sim de suas livres vontades. E pediam as Justiças de Sua Majestade que Deus

Guarde que também perdoassem toda a culpa que dá dita morte lhe resultasse ao dito João

do Couto: e em fé de que assim o disseram e outorgaram, mandaram ser feita esta escritura

nesta nota para dela se darem os traslados necessários, a qual escritura eu tabelião como

pessoa pública aceitei, e estipulei em nome dos ausentes a quem tocar possa sendo a tudo

112 As fontes encontram-se entre os vários documentos dos 20 primeiros livros de notas do 1.º Tabelionato de Notas de Curitiba – Giovanetti. Os livros ficam sob o poder e responsabilidade do tabelião, por meio do CEDOPE e do DEHIS/ UFPr, foi realizada a digitalização dos 40 primeiros livros de registro As 20 escrituras de amor e perdão que propõe o trabalho foram totalmente transcritas por mim e revisadas por Rosângela Ferreira dos Santos, CEDOPE-DEHIS/UFPR.

presentes por testemunhas João Rodrigues Teixeira, José de Paiva pessoas de mim

reconhecidas serem as próprias aqui assinadas, pelas outorgantes dizerem não sabiam

escrever rogaram ao Capitão José Nicolau Lisboa que presente estava por elas assinasse

que também assinou, e eu Gonçalo Soares Pais tabelião que a escrevi.

Assino a rogo das outorgantes Vicência de Veras e Ana de Veras: Jozeph Nicolao Lx.a

João Rois' Teix.ra

Jozeph de Paýva

Livro 03 - folhas 125v, 126 e 126v Escritura de perdão que faz Miguel Fernandes de Siqueira Salvador de Freitas

Vitória de Siqueira Joana Gonçalves a Salvador de Melo

Saibam quantos este público instrumento de escritura de perdão ou como em

direito mais lugar haja e melhor se possa chamar virem que no ano do nascimento de

Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e vinte e seis aos vinte e dois dias do mês de

abril nesta Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba em as casas e moradas de

Miguel Fernandes de Siqueira, aonde eu tabelião adiante nomeado fui sendo chamado e

sendo lá achei presentes o dito Miguel Fernandes de Siqueira Salvador de Freitas Vitória

de Siqueira Joana Gonçalves pessoas de mim reconhecidas serem as próprias e moradores

nesta dita vila e por eles juntos e cada um em Solidum em presença das testemunhas

adiante nomeadas e assinadas me foi dito que eles todos de suas livres vontades sem

constrangimento de pessoa alguma davam perdão a Salvador de Melo que também estava

presente do caso que havia sucedido a seu filho e Irmão Simão Fernandes e porque o dito

Salvador de Melo se queria por em livramento disseram que essa era sua vontade a que se

mostrasse livre e que eles o não queiram acusar nem essa fora nunca sua intenção porque

lhe perdoava quando muito culpado estivesse pelo amor de Deus e que prometiam em

tempo algum de não ir contra este perdão que davam a Salvador de Melo, e outro sim

disseram que querendo fazer não queriam ser ouvidos em juízo a tal acusação sobre

obrigação de suas pessoas e bens a fazer este dito perdão valido e valioso porque era assim

suas vontades próprias na forma sobreditas e dato caso que nesta escritura lhe falta alguma

solenidade para o dito efeito disseram que aqui as aviam por expressa e declaradas e

pediam as Justiças de Sua Majestade que Deus Guarde que também perdoassem toda a

culpa que a dita morte lhe resultaram ao dito Salvador de Melo: e em fé de que assim o

disseram e outorgaram mandaram ser feita esta escritura nesta nota para darem delas os

traslados necessários a qual escritura eu sobredito tabelião como pessoa pública aceitei

passar, a tudo estando presente por testemunha Sebastião Gonçalves Lopes Manoel da

Rocha pessoas de mim reconhecidas serem as próprias aqui assinadas que assinarão com

outorgante Miguel Fernandes de Siqueira e Salvador de Freitas e pelas outorgantes não

saberem ler nem escrever rogaram a Manoel Rodrigues da Mota que também presente

estava por elas assinasse que também assinou e eu Domingos Gonçalves Padilha tabelião

que a escrevi.

Miguel frz' de Seq.ra

Salvador de freitas

Assino a rogo das outorgantes; Vitória de Siqueira e Joana Gonçalves = Manoel Roiz' Da

Motta

Mano.el da Rocha

Livro 03 - folhas 154, 154v e 155

Escritura de perdão que dão os irmãos e pai da defunta Maria Carrasco a Nastácio

Alves e a Maria Pedrosa

Não teve efeito

Pacheco

Saibam quantos esta pública escritura de perdão virem que no ano do

nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e vinte e sete anos aos dois

dias do mês de janeiro do dito ano nesta Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de

Curitiba em pousadas de mim escrivão adiante nomeado apareceu presente João digo

presente Baltazar Carrasco dos Reis pai da defunta Maria Carrasco dos Reis e bem assim

João Correa e José Correa Irmãos da dita defunta todos pessoas moradoras desta vila e

pessoas reconhecidas de mim tabelião e por eles me foi dito em presença das testemunhas

adiante nomeadas e assinadas que eles todos de sua livre vontade sem ser por

constrangimento de pessoa alguma davam perdão a Nastácio Alves marido que foi da dita

defunta e a Maria Pedrosa ambos presos na cadeia da vila de Paranaguá e culpados na dita

morte por lhes não querer acusar as Justiças de Sua Majestade que Deus guarde com

condição que para efeito de lhe valer este perdão seriam obrigados a pagar vinte e quatro

mil reis a saber doze para os Santos Lugares e doze para as almas cujo dinheiro constando

estar pago sem quitação dos tesoureiros para esse efeito e deputados[?] se lhe valer o dito

perdão alias não constando estar satisfeito lhe não será de utilidade alguma a dita escritura

porque só por esse meio lhes perdoaria do dito delito pelo amor de Deus e prometiam-me

em nenhum tempo ir contra esta escritura e perdão feita por suas livres vontades sem a

condição acima declarada com declaração que os doze mil reis para as almas será entregue

ao tesoureiro delas desta Freguesia de Nossa Senhora da Luz de Curitiba e que desde agora

em razão desta escritura e suas vontades lhe faria bom o dito perdão por suas pessoas e

mais e mais herdeiros ascendentes e descendentes que após eles vierem e não revogarem

em tempo algum posto que sejam mortos eles outorgantes em tempo algum e outro sim

disseram que se porá a validade desta escritura faltasse algum ponto de direito[?] que aqui

os havia por postos e declarados em que pediam as Justiças de Sua Majestade lhe desse

todo inteiro cumprimento assim e da maneira que nela se contem de que de tudo mandaram

fazer esta escritura em que assinaram estando por testemunhas presentes José de Paiva e

José da Silva pessoas reconhecidas de mim tabelião Tomé Pacheco Abreu escrivão o

escrevi.

João Corea

Jozeph da Silva Neves

Jozeph de Pajva

Livro 03 – folhas 185v, 186 e 186v Escritura de perdão que dá Izabel da Veiga Leme: mulher que ficou do defunto João

Monteiro

Saibam quantos esta escritura de perdão virem que no ano do nascimento de

Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e vinte e sete aos oito dias do mês de Agosto

do dito ano nesta Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba em pousadas do

Capitão Manoel Picão de Carvalho onde eu tabelião fui e sendo aí achei presente Izabel da

Veiga Leme mulher que ficou de João Monteiro o qual Deus haja em glória e por ela me

foi dito em presença das testemunhas adiante nomeadas e assinadas que o ano passado a

tantos do mês de julho houve com o dito seu marido certos ressentimentos com Francisco

de Campos de que procedera haverem algumas facadas e de certas feridas que o dito seu

marido teve viera a morrer e tirando devassa do caso saiu o dito Francisco de Campos

culpado por ser o próprio ofensor e ocasião[?] da morte do dito seu marido e em se achar

presente Manoel Alves forro[?] que trabalhou fatalmente na defesa do dito meu marido

este não ficara culpado na dita devassa por se saber era sujeito muito amigo do dito defunto

e amigo da paz de que de tudo sou sabedora e todo este penou[?] e somente com a vinda do

ouvidor em correição nesta vila culpara ao dito Manoel Alves na dita morte sendo que

como dito tinha sabem todos que o dito Francisco de Campos foi o agressor e culpado na

causa de sua morte portanto por esta presente escritura e melhor via forma que posso

perdôo ao dito Manoel Alves a morte que maliciosamente se lhe argüiu que havia feito ao

dito meu marido João Monteiro e toda qualquer culpa que por respeito dela lhe podia e

pode ser dada pois estou certificada que o dito Manoel não foi o que fez a dita morte nem

para ela concorreu em coisa alguma mais antes se não fora ele que atalhara seria o dito

defunto morto logo em continente pelo que lhe estou muito agradecida e peço às Justiças

de Sua Majestade que Deus guarde que lhe perdoe e neste caso sua Real Justiça como

também lhe perdôo todo o direito e ações que contra ele e seus bens tinha e podia ter por

razão da dita causa de ficar culpado na dita devassa injustamente e por esta escritura me

obrigo a não ir contra este perdão em coisa alguma e somente denunciaria contra o dito

Francisco de Campos para que totalmente foi o que matou ao dito meu marido em

testemunho da verdade assim outorgou a dita escritura e me pediu a mim tabelião lhe

fizesse este instrumento por não se saber assinar a seu rogo assinou Euzébio Simões da

Cunha e por testemunhas que se acharam presentes o Capitão Manoel Ribeiro[?] de

Carvalho o Alferes Gaspar Carrasco dos Reis e André Ribeiro e eu Tomé Pacheco Abreu

escrivão o escrevi.

Assino a rogo da outorgante Izabel da Veiga Leme Euzébio Simoins e Cunha

Gaspar carrasco Dos Reis

Livro 03 – folhas 235 e 235v

Escritura de perdão que dá José do Souto a seu filho Teodozio do Souto a cerca de

um ferimento que o dito seu filho lhe fez com uma faca de ponta o qual foi remetido

preso para a Ouvidoria Geral desta comarca.

Saibam quantos este público instrumento de poderes e procuração digo esta

pública escritura de perdão de hoje para todo o sempre virem que no ano do nascimento de

Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e vinte e nove anos aos vinte e cinco dias do

mês de abril do dito ano nesta Vila de nossa Senhora da Luz de Curitiba em casas e

morados de mim tabelião adiante nomeado apareceu presente José do Souto morador desta

vila pessoa reconhecida de mim tabelião e por ele me foi dito em presença das testemunhas

adiante nomeadas e assinadas que ele por esta pública escritura, e de hoje e para todo o

sempre, perdoava de toda a sua livre vontade e sem constrangimento algum a seu filho

Teodozio do Souto pelo ferimento que o dito seu filho lhe havia feito com uma faca de

ponta da qual esteve em perigo de morte e como seu pai que era levado de amor que lhe

tem como filho não queria ser parte em coisa nenhuma pois Deus Nosso Senhor o havia

livrado da dita facada e estava são dela e com efeito pedia às Justiças de Sua Majestade

que Deus guarde em tudo houvesse por firme e valiosa e desse[?] vigor a este seu perdão

pelo qual espera de Deus Nosso o mesmo em suas culpas que contra [ileg.] tem

concorrido[?] e de como o disse e outorgou mandou fazer esta escritura nesta nota que

assinou com as testemunhas presentes Agostinho Correa Monteiro e José Fernandes da

Costa pessoas reconhecidas de mim tabelião Tome Pacheco Abreu que a escrevi.

Jozeph do Soutto

Agustinho Corea Montr.o

Jozeph frz’ da Costa

Livro 04 – folhas 27, 27v e 28 Escritura de perdão que dá Francisco Cubas a sua Sogra Ana da Cunha de Abreu

pelo ferido que lhe fez na vila de Jacareí

Saibam quantos esta pública escritura de perdão deste dia para todo sempre

virem que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e trinta

anos aos dezessete dias do mês de outubro de mil setecentos e trinta anos em casas e

moradas de mim tabelião adiante nomeado apareceu presente Francisco Cubas Furtado

morador na vila de Jacareí e ora instante nesta vila pessoa reconhecida de mim tabelião e

por ele me foi dito em presença das testemunhas adiante nomeadas e assinadas que ele

sendo ferido mortalmente de um tiro de espingarda na vila de Jacareí tirando-se devassa do

caso ex ofício da Justiça saiu pronunciada sua sogra Ana da Cunha de Abreu pelas

testemunhas serem pouco tementes a Deus e não deporem seus juramentos com ciência[?]

devida e porque está ele outorgante informado da verdade em como a dita sua sogra está

inocente de caso e somente é o culpado Julio Cezar e sem embargo do que havia ele

outorgante trazido uma precatória geral do Doutor Ouvidor Geral da Cidade de São Paulo

para serem presos os tais delinqüentes e com efeito está na cadeia a dita sua sogra. E

porque se divulgou não ser ela a que lhe mandou fazer o tal delito pois sempre lhe quis

muito amando-o como seu próprio filho como é público e notório e porque Deus não

prometa que estando ela inocente do caso venha a ter alguma moléstia com as Justiças de

Sua Majestade que Deus guarde ficando na consciência dele outorgante mal para com

Deus Nosso Senhor e temendo o castigo do céu que pela tal ocasião vinha a perecer a dita

sua sogra em seu credito e pessoa ele dito outorgante por esta pública escritura desiste da

acusação que por ele podia ter. E lhe não ser parte em coisa alguma mas antes às Justiças

de Sua Majestade que Deus guarde lhe dê toda a liberdade em razão de que não concorreu

para o tal malefício nem menos deu ajuda nem favor algum para tal se fazer. E só é

culpado o dito Julio Cesar por seu adversário e pouco temente a Deus. E outro sim disse

que se porá[?] até[?] a cidade desta dita escritura lhe faltasse algum ponto de direito que

aqui os há por posto e declarado e pede às Justiças de Sua Majestade que Deus guarde o

faça cumprir na forma que dito é e de como assim outorgou me pediu lhe fizesse esta

escritura estando por testemunhas presentes o Capitão Manoel da Rocha Carvalhais

Euzébio Simões e Cunha pessoas reconhecidas de mim tabelião Tomé Pacheco e Abreu

escrivão o escrevi.

Fran.co Cubas Furtado

Manoel da Rocha

Euzebio Simõins e Cunha

Não tem vigor algum esta escritura

por se ter desfeito o trato.

Pac.co

Livro 06 - folhas 96v e 97 Escritura de perdão que dá Miguel Alves/Álvares de Farias a seu Irmão João

Alves/Álvares de Farias das pancadas e feridas que lhe fez nele dito Miguel de Farias

Saibam quantos este público instrumento de escritura de perdão virem que

sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e trinta e

cinco anos aos treze dias do mês de janeiro do dito ano nesta Vila de Nossa Senhora da

Luz dos Pinhais de Curitiba em casas, e moradas de mim tabelião adiante nomeado

apareceu presente Miguel Alves/Álvares de Farias morador desta dita vila pessoa

reconhecida de mim tabelião e por ele me foi dito em presença das testemunhas adiante

nomeadas e assinadas que ele vinha a passar esta pública escritura de perdão que dava a

seu irmão João Alves/Álvares de Farias pelas pancadas, e ferimento que lhe fez, de que em

outro tempo tinha querelado, e como com efeito deu perdão de hoje para todo sempre; para

o não acusar mais em nenhum tempo; e a razão de lhe dar perdão era por ser verdadeiro

cristão temente a Deus e às Justiças de Sua Majestade de que Deus guarde, e disse mais

que nem ele nem seus herdeiros seriam ouvidos em juízo nem fora dele quando tornassem

por algum acidente quererem acusar ao dito seu irmão João Alves/Álvares de Farias pelas

ditas pancadas e ferimentos; pois se achava ele outorgante compreendido de o ter acusado

à justiça, e disse mais que se nesta escritura faltasse algum ponto por onde ficasse invalida,

aqui o havia por posto e declarado e de como assim o ter[?] por ser sua ultima vontade

pediu a mim tabelião lhe fizesse esta escritura nesta nota que aceitou em que se assinou

sendo presentes por testemunhas Guilherme Nogueira Passos e João da Silva Guimarães

pessoas reconhecidas de mim tabelião Antonio Alves/Álvares Freire escrivão o escrevi.

Miguel Alz de Farias

João da Silva guimarais

Guilherme Nogr.a

Livro 08 – folhas 133 e 133v Escritura pública que faz digo de perdão que dá João da Silva Pinheiro e sua mulher

Ignácia Gonçalves de Aguiar a Salvador Pais filho de Sebastião Pais de Almeida da

cutilada que lhe havia dado uma noite

Saibam quantos este público instrumento de escritura de perdão virem que no

ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e trinta e cinco anos

aos vinte e oito dias do mês de novembro do dito ano nesta Vila de Nossa Senhora da Luz

dos Pinhais de Curitiba em casas e moradas de João da Silva Pinheiro onde eu escrivão

adiante nomeado fui vindo e sendo aí achei presente ao dito João da Silva Pinheiro e bem

assim sua mulher Ignácia Gonçalves de Aguiar e pelo dito João da Silva e dita sua mulher

me foi dito perante as testemunhas adiante nomeadas e assinadas, que ele dito João da

Silva Pinheiro dava perdão de hoje para todo sempre a Salvador Pais filho de Sebastião

Pais de Almeida da cutilada que lhe havia dado da qual tinha denunciado e querelado

perante a Justiça de Sua Majestade que Deus guarde e de hoje para todo sempre lhe dava

perdão o dito João da Silva Pinheiro e a dita sua mulher Ignácia Gonçalves de Aguiar para

nunca mais acusarem, nem denunciarem do dito Salvador Pais pela dita cutilada, e assim o

dito João da Silva como sua mulher lhe davam esse perdão de sua livre vontade sem

constrangimento algum só sim por amor de Deus por serem verdadeiros cristãos, e

disseram mais que se nesta escritura faltasse algum ponto por onde ficasse inválida [ileg.]

o havia por posto e declarado; e de como assim disseram e outorgaram me pediram lhe

fizesse esta escritura de perdão nesta nota que aceitaram em que se assinou o dito João da

Silva Pinheiro e por sua mulher se não saber assinar se assinou a seu rogo seu pai Diogo

Dias de Moura sendo presentes por testemunhas Antonio de Souza, e João Luiz de Siqueira

pessoas reconhecidas de mim tabelião Antonio Alves/Álvares Freire escrivão que a

escrevi.

João da Silva

Di.go dias de Moura

João Luis de Siq.ra

Antonio de Souza B.a

Livro 08 – folhas 45v e 46

Escritura pública de perdão que dá Francisca Leme mulher bastarda ao Capitão

Amador Bueno da Rocha

Saibam quantos este público instrumento de escritura pública virem que no ano

do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e quarenta anos aos

dezessete dias do mês de Junho do dito ano nesta Vila de Nossa Senhora da Luz dos

Pinhais de Curitiba em casas e moradas de mim tabelião adiante nomeado apareceu

presente Francisca Leme mulher bastarda moradora desta vila e pessoa reconhecida de

mim tabelião pela própria aqui nomeada e por ela me foi dito em presença das testemunhas

adiante nomeadas e assinadas que por este instrumento de escritura pública dava de sua

livre vontade sem constrangimento de pessoa alguma perdão pelo amor de Deus ao

Capitão Amador Bueno da Rocha; por lhe ter este dado umas pancadas e que por

desencargo de sua consciência declarava ela dita Francisca Leme que das ditas pancadas

não movera nem andava pejada, e que somente levada da paixão o publicou afim de fazer

agravante mais o caso, o que por desencargo de sua consciência declarava ser falso, e que

assim para que Nosso Senhor lhe perdoasse os seus pecados perdoara ela dita Francisca

Leme ao dito Capitão Amador Bueno da Rocha, o que [ileg.] assim disse e de hoje em

diante dava todo o perdão de sua livre vontade só por amor de Deus, e de hoje em diante

não queria mais ser parte na dita causa o que tudo assim o disse que posto por fé e disse

mais que se nesta escritura faltasse algum ponto por onde ficasse inválida aqui o havia por

posto e declarado em fé de que assim o disse e outorgou me pediu lhe fizesse esta escritura

nesta nota que aceitou em que por não saber ler nem escrever rogou ao Licenciado

Alexandre Alves/Álvares de Araújo por ela assinasse sendo presentes por testemunhas

Luis Cardoso de Santiago e Domingos Gonçalves Padilha pessoas reconhecidas de mim

tabelião Antonio Alves/Álvares Freire escrivão que a escrevi.

Assino a rogo da outorgante Francisca Leme Alexandre Alz’ de Araújo

D.os Glz’ Padilha

Luis Cardozo S’tiago

Livro 08 – folhas 94, 94v e 95 Escritura de perdão que dá Manoel da Costa Ferreira a Francisco da Silva

Saibam quantos este público instrumento de escritura pública de perdão virem

que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e quarenta

anos aos catorze dias do mês de dezembro do dito ano nesta Vila de Nossa Senhora da Luz

dos Pinhais de Curitiba em casas e moradas de mim tabelião adiante nomeado apareceu

presente Manoel da Costa Ferreira morador dos Campos Gerais distrito desta vila e pessoa

reconhecida de mim tabelião pelo próprio aqui nomeado e por ele me foi dito na presença

das testemunhas adiante nomeadas e assinadas que ele tinha querelado e denunciado de

Francisco da Silva com o fundamento de que este não só lhe tinha dado umas cutiladas mas

também potenciosamente lhe tomara um pouco de gado vacum e cavalgaduras que ele dito

outorgante Manoel da Costa Ferreira conduzia das fazendas do Capitão Mor José de Góis e

Morais de quem tinha sido fazendeiro e lhe ficavam de sua partilha e que sendo-lhe ao

encontro o dito Francisco da Silva de presente feitor das fazendas do dito Capitão Mor e

seu procurador bastante e supondo, que ele dito Manoel da Costa Ferreira lhe levava o dito

gado e cavalos sem ordem ou autoridade alguma e por ele dito Francisco da Silva lhe não

ter dado como procurador que era do dito Capitão Mor nem lhe constar que este lhe tivesse

dado se travaram de razões das quais resultaram o dito ferimento porem que conhecendo

ele dito outorgante a razão que o dito Francisco da Silva tinha para aquela desconfiança e

excesso de sua muito própria e livre vontade sem constrangimento de pessoa alguma e só

pelo amor de Deus lhe dava como logo deu perdão de hoje para todo sempre e que do dito

Francisco da Silva não queria coisa alguma antes rogava às Justiças de Sua Majestade que

Deus guarde não contendessem com o dito Francisco da Silva pois em sua consciência

achava que a dita querela e denuncia fora dada mais com paixão do que outra coisa que

tivesse e nesta forma em atenção de tudo lhe dava perdão de hoje para todo sempre o qual

Francisco da Silva aceitou o dito perdão ficando amigos como de sempre foram e como

assim o disse de tudo dou minha fé e me pediu lhe fizesse esta escritura pública nesta nota

que aceitou em que assinou sendo presentes por testemunhas o Capitão João de Araújo

Cavalheiro e Manoel Vaz Torres e Salvador Fernandes de Siqueira todos pessoas

reconhecidas de mim tabelião Antonio Alves/Álvares Freire escrivão que escrevi.

Manoel vas Torres

Manoel da Costa Ferr.a

João de Ar.o Cavalhr.o

Salvador Frz.’ de Siq.ra

Livro 12 - folhas 39v, 40, 40v e 41

Escritura de perdão que dá o administrado que foi de Amador Bueno da Rocha;

Amador da Veiga da ferida que este lhe fez

Saibam quantos este público instrumento de escritura de perdão que dá

Feliciano administrado digo da administração que foi de Amador Bueno da Rocha Amador

da Veiga virem que sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e

setecentos e quarenta e seis anos aos trinta dias do mês de abril do dito ano nesta Vila de

Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba em casas da morada de mim escrivão

adiante nomeado apareceu presente Feliciano que foi da administração de Amador Bueno

da Rocha e por ele me foi dito em presença das testemunhas adiante nomeadas e assinadas

apareceu presente o dito Feliciano natural do gentio da terra da administração que foi de

[ileg.] Amador Bueno da Rocha pessoa reconhecida de mim tabelião ser o mesmo e por ele

me foi dito em presença das mesmas testemunhas adiante nomeadas e assinadas que ele

vinha dar perdão a Amador da Veiga Bueno de umas feridas que ele lhe tinha feito em uma

noite deu tudo no sítio de seu pai Antonio da Veiga Bueno e que muito de sua livre

vontade sem constrangimento de pessoa alguma dava o dito perdão só sim por desencargo

de sua consciência e amor de Deus porque ele dito Feliciano não tinha recebido dano

algum nem ficara com alguma lesão da tal ferida por não ser coisa de consideração nem

perigo nem estivera doente da tal ferida e que fora casualmente feita havendo umas razões

com ele dito Amador da Veiga [ileg.] repreensão que este lhe dera como administrado do

dito seu pai e seu irmão Amador Bueno da Rocha cuja ferida fora feita com uma faca de

mesa em que ele dito Feliciano mesmo se embaraçara que casualmente ficara ferido sem

que o dito Amador da Veiga lhe quisesse dar e porque esta era a mesma verdade e que para

se desencarregar lhe dava o dito perdão para que pudesse tratar de seu livramento de que

lhe não queria ser parte e de como assim o disse e outorgou pediu a mim tabelião lhe

fizesse esta escritura de perdão assinou e por não saber ler nem escrever pediu a Paulo da

Rocha Dantas que a seu rogo assinou em presença das testemunhas Joaquim Cardoso de

Leão e Domingos Cardoso de Leão e eu João de Barros da Rocha escrivão que a escrevi.

Assino a rogo do outorgante Feliciano Paulo da Rocha

Como testemunha Joachim Cardoso de Leão

Domingos Cardozo Leão

Livro 13 – folhas 33v, 34 e 34v Escritura pública de perdão que dá o Tenente Coronel Brás Domingues Veloso e

Manoel Borges de Sampaio a Francisco Álvares Xavier pelo crime que lhe resultou na

devassa que se tirou por furtos que faziam nesta vila

Saibam quantos este público instrumento de escritura pública de perdão virem

que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e quarenta e

oito anos aos vinte e um dias do mês de junho do dito ano nesta Vila de Nossa Senhora da

Luz dos Pinhais de Curitiba em casas e moradas de mim tabelião adiante nomeado aí

perante mim apareceram presentes o Tenente Coronel Brás Domingues Veloso e Manoel

Borges de Sampaio ambos moradores desta mesma vila e pessoas reconhecidas de mim

tabelião pelas próprias aqui nomeadas e por eles me foi dito em presença das testemunhas

adiante nomeadas e assinadas que à sua notícia viera que neste Juiz ordinário se tirara uma

devassa ex oficio o ano passado de mil e setecentos e quarenta e sete a respeito dos furtos

que se faziam nesta dita vila e que nela saíra culpado Francisco Álvares Xavier homem

solteiro e filho legitimo do defunto João Álvares de Crasto por ter furtado um cavalo do

dito Tenente Coronel Brás Domingues Veloso e outro cavalo ao dito Manoel Borges de

Sampaio e como assim o dito Tenente Coronel Brás Domingues Veloso como o dito

Manoel Borges de Sampaio tornarem a haver assim os ditos cavalos por razão de que

disseram eles outorgantes ambos juntos e cada um de per si que de hoje em diante para

todo o sempre perdoavam e com efeito deram perdão pelo amor de Deus sem mais

interesse algum ao dito Francisco Álvares Xavier assim eles outorgantes como seus

herdeiros ascendentes e descendentes e que não queriam ser partes ao dito Francisco

Álvares Xavier em coisa alguma e nem menos acusarem-no as Justiças de Sua Majestade

que Deus guarde por lhe terem perdoado pelo amor de Deus e de amor em graça e de como

assim disseram e outorgaram me pediram a mim tabelião lhe fizesse esta escritura de

perdão nesta nota que depois de por mim lhe ser lida aceitaram e disseram estava a seu

contento em que assinaram sendo presentes por testemunhas Antonio Álvares Freire e

Miguel Gonçalves Lima ambos moradores nesta mesma vila de Curitiba e pessoas

reconhecidas de mim tabelião João de Bastos Coimbra escrivão que a escrevi.

Bras Domingues vellozo

Manoel Borges de S. Paýo

Miguel Glz’ Lima

An.to Alvres F.e

Livro 14 - folhas 42v, 43, 43v e 44

Escritura de perdão que dá João Simões da Silva e sua mulher Inácia Correia de

Crasto e a seu sogro pai da dita sua mulher Manoel Correia de Crasto e a José

Ribeiro da Cunha preso na cadeia da vila de Paranaguá

Saibam quantos este público instrumento de escritura de perdão virem que

sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e cinqüenta

anos aos doze dias do mês de Janeiro do dito ano nesta Vila de Nossa Senhora da Luz dos

Pinhais de Curitiba no escritório de mim tabelião adiante nomeado aí perante mim

apareceu presente João Simões da Silva morador desta mesma vila pessoa reconhecida de

mim tabelião pelo próprio aqui nomeado de que dou minha fé e por ele me foi dito em

presença das testemunhas adiante nomeadas e assinadas que ele tinha querelado e

denunciado no Juízo da Ouvidoria Geral desta Comarca de Paranaguá do seu sogro Manoel

Correa de Crasto e de sua filha Ignácia Correa de Crasto mulher dele dito João Simões e de

José Ribeiro da Cunha dizendo que uns e outros o queriam matar ou mandavam matar e

outras mais circunstancias que constam da mesma querela e denuncia que deles deu cuja

intentou e deu por informações que lhe davam algumas pessoas e porque hoje estava no

conhecimento de que tudo o que se lhe tinha dito e ele declarou na querela que tinha dado

contra os sobreditos conhecendo que sim dá este perdão pela falsidade com que foi argüida

a culpa lhe não pede a Deus perdoar e que tão informado estava de que tudo era falso o que

se lhe tinha dito contra a dita sua mulher e filhas digo sogro que já estava vivendo com eles

em boa paz e sossego como Deus quer e para que também se pusessem os sobreditos em

paz com as justiças e fossem livres das culpas que lhe tinha argüido sem constrangimento

de pessoa alguma lhe perdoava pelo amor de Deus e só afim de que Deus também lhe

perdoasse por também ser parte em acreditar tão levemente o que se lhe tinha dito com

declaração que o dito José Ribeiro da Cunha perdoava com condição de nunca mais assistir

nem aparecer nesta Vila de Curitiba e seu termo e de outra sorte havia por não dado o dito

perdão porque assim julgava e ser conveniente ao serviço de Deus e salvação das almas e

pedia às Justiças de Sua Majestade que Deus guarde assim o determinem com

cominação[?] de que obrando o dito o contrario por esse mesmo fato e motivo fique outra

vez incurso no mesmo crime e cumprindo a ação pedia as ditas justiças que dá sua parte

lhe perdoassem atendendo a falsidade da culpa e disse mais que se nesta escritura faltou

algum ponto ou cláusula de direito por onde ela ficasse inválida a que o houve por posto

expresso e declarado como já[?] deles fizesse expressa e declarada menção e de como ação

o dele e outorgou em fé e testemunho de tudo me pediu a mim tabelião lhe fizesse esta

escritura pública nesta nota que depois de por mim tabelião lhe ser lida o aceitou e disse

estava a seu contento que assinou com as testemunhas que presentes estavam Paulo da

Rocha Dantas e Antonio Álvares Freire ambos moradores nesta mesma vila e pessoas

reconhecidas de mim tabelião João de Bastos Coimbra escrivão que a escrevi.

Paulo da Rocha Dantas

João Simõens da S.a

An.to Alvres Freyre

Livro 14 – folhas 44v, 45 e 45v

Escritura de perdão que dá João Simões da Costa a Pedro da Cruz Pereira na forma

abaixo declarada

Saibam quantos este público instrumento de escritura de perdão virem que

sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e cinqüenta

anos aos dezesseis dias do mês de Janeiro do dito ano nesta Vila Nossa Senhora da Luz dos

Pinhais de Curitiba no escritório de mim escrivão e tabelião adiante nomeado aí perante

mim apareceu presente João Simões da Costa morador no bairro de São José termo desta

mesma vila e pessoa reconhecida de mim tabelião pelo próprio aqui nomeado de que dou

minha fé e por ele me foi dito em presença das testemunhas adiante nomeadas e assinadas

que sem embargo que por parte da justiça se tirara devassa ex ofício pela morte feita a um

seu escravo por nome Manoel em a qual ficara culpado Pedro da Cruz Pereira contudo por

ele outorgante vir no conhecimento da verdade e saber que o sobredito Pedro da Cruz

Pereira o matara em sua defesa natural por saber ele outorgante de certo que o dito defunto

seu escravo fizera toda a diligencia para primeiro o matar e a não lhe atirar e matar

primeiro o dito Pedro Pereira sem duvida o matava lhe perdoa como com efeito por este

público instrumento de escritura de perdão lhe perdoava a dita morte sem interesse nem

constrangimento de pessoa alguma mas sim movido do amor de Deus e para que o dito

Pedro da Cruz Pereira se pusesse em paz com as Justiças de Sua Majestade que Deus

guarde e se livrasse da dita culpa pedia às mesmas justiças da sua parte lhe perdoassem

também por saber de certo como já disse que o dito Pedro da Cruz Pereira fizera a dita

morte em sua defesa natural e disse mais que para toda a validasse a dita escritura se nela

[ileg.] algum ponto ou cláusula de direito por onde ela ficasse inválida aqui o havia por

posto expresso e declarado como se dele fizesse expressa e declarada menção e em fé e

testemunho da verdade de que assim o disse e outorgou me pediu a mim tabelião lhe

fizesse esta escritura de perdão nesta nota e que depois de por mim tabelião lhe ser lida a

aceitou e disse estava a seu contento que assinou sendo a tudo presentes por testemunhas

Antonio Álvares Freire morador nesta mesma vila e o Sargento Mor Patrício da Silva

Chaves morador na vila de Paranaguá e de presente assistente nesta mesma Vila de

Curitiba e ambos pessoas reconhecidas de mim tabelião João de Bastos Coimbra escrivão

que a escrevi.

Joao’ Simois da Costa

An.to Alvres Freyre

Patr.o da S.a chaves

Livro 14 - folhas 53, 53v e 54 Escritura de perdão, e amor em graça que dá Francisco da Silva morador desta vila a

Manoel da Costa Ferreira morador no distrito da mesma

Saibam quantos este público instrumento de escritura de perdão e amor em

graça virem que sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e

setecentos e cinqüenta anos ao primeiro dia do mês de março do dito ano nesta vila de

Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba no escritório de mim tabelião adiante

nomeado apareceram presentes Francisco da Silva morador desta mesma vila pessoa

reconhecida de mim tabelião pelo próprio aqui nomeado, e bem assim Manoel da Costa

Ferreira morador nos Campos Gerais distrito desta mesma vila e também pessoa

reconhecida de mim tabelião, e pelo dito Francisco da Silva foi dito em presença das

testemunhas adiante nomeadas, e assinadas que ele vinha dar perdão de sua livre vontade, e

amor em graça sem constrangimento de pessoa alguma senão por desencargo de sua

consciência cujo perdão desde logo dava como com efeito deu da querela que contra o dito

Manoel da Costa Ferreira tinha dado do furto de uns animais, e um tiro por quanto o dito

Manoel da Costa Ferreira não tinha furtado animais algum nem atirado tiro algum por sua

vontade nem dera causa para que entre eles houvesse desinsoins[?] algumas, por quanto

vindo do dito Manoel da Costa Ferreira da fazenda chamada São Bento com sua família e

criações de mudança para a fazenda chamada Cambejú, ele dito Francisco da Silva com

falsas informações lhe saiu ao encontro com os negros que tinha, e cego de paixão sem

atender mais a coisa alguma tratou de impedir a jornada, e com uma espada larga lhe atirou

bastantes golpes, e ferio ao dito Manoel da Costa na testa, e em uma mão, e sem duvida se

não atalhara e desviara, e rebatera os golpes com uma espingarda que trazia o acabaria de

matar, e andando nesta forma no dar de um golpe disparou a dita espingarda que lhe não

ofendeu o dito tiro, e claramente conheceu que o dito Manoel da Costa não concorreu para

o dito tiro com intenção senão ela por si se disparara porque se o dito tivesse vontade de o

matar o fizera por estarem perto um do outro, e assim também declarou o dito Francisco da

Silva que ele querelara do dito Manoel da Costa só afim de este lhe dar perdão da querela

que contra ele havia dado pelas feridas e cutiladas que lhe havia dado, e assim o declarava

por desencargo de sua consciência, e pedia às Justiças de Sua Majestade que Deus guarde

que pela referida culpa não procedam contra o dito porque de tudo está em inocente como

declarado tinha, e de como assim o disse me pediu a mim tabelião lhe fizesse esta escritura

pública de perdão nesta nota que depois de ser lida por mim tabelião disse que assim era

quanto nela se continha e assinou, sendo a tudo presentes por testemunhas Alexandre

Álvares/Alves de Araújo, e João de Araújo Cavaleiro todos moradores desta mesma vila e

pessoas reconhecidas de mim tabelião Manoel Borges de Sampaio que a escrevi.

Fran.co da Sylva

Allexandre Alz.’ de Ar.o

João de Ar.o Cavallr.o

Livro 14 - folhas 54 e 54v

Escritura pública de perdão e amor em graça que dá o Capitão João Carvalho da

Assunção ao Capitão Antonio da Silva Leme preso na cadeia desta vila

Saibam quantos este público instrumento de escritura pública de perdão, e

amor em graça virem que sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de

mil e setecentos e cinqüenta anos aos cinco dias do mês de março do dito ano nesta vila de

Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba em o escritório de mim tabelião adiante

nomeado apareceu presente o Capitão João Carvalho da Assunção morador no distrito

desta mesma vila, e pessoa reconhecida de mim tabelião pelo próprio aqui nomeado, e por

ele me foi dito em presença das testemunhas adiante nomeadas, e assinadas que ele de sua

livre vontade, e sem constrangimento de pessoa alguma vinha dar perdão como com efeito

logo o deu ao Capitão Antonio da Silva Leme de hoje para todo o sempre de lhe ser parte

na morte que um seu administrado por nome Zidorio junto com um seu parceiro por nome

Lauriano fizeram a seu filho falecido Manoel Carvalho da Luz por estar inteirado que o

dito Capitão Antonio da Silva Leme não concorrera para ela, e só sim os ditos

administrados tinham feito a dita morte por sua vontade, e que para ela não concorreu o

dito Capitão Antonio da Silva, e pedia às Justiças de Sua Majestade que Deus guarde que

pela referida culpa não procedessem contra o dito Capitão Antonio da Silva Leme, com a

condição, e ajuste que será obrigado o dito Capitão Antonio da Silva Leme a pagar todas as

custas assim presentes como futuras que sobre a dita morte se tem feito e se fizerem, e

outro sim de que havendo noticias certas que os ditos seus administrados malfeitores se

acham pelo distrito desta comarca de ser obrigado a entregá-los a Justiça de Sua Majestade

que Deus guarde, que de outra sorte constando que os oculta ou lhe da algum favor lhe não

valerá este perdão mas antes lhe tornarei a ser parte, e de como assim o disse me pediu a

mim tabelião lhe fizesse esta escritura pública de perdão que depois de lhe ser lida por mim

tabelião disse assim era o conteúdo nela, e assinou sendo a tudo presente por testemunhas

Alexandre Álvares/Alves de Araújo, morador desta mesma vila, e José Jacome de Azevedo

morador no distrito da Vila de Paranaguá, e de presente nesta vila de Curitiba, todas

pessoas reconhecidas de mim tabelião Manoel Borges de Sampaio que a escrevi.

João Carv.o da SsupSsão

Jozeph jacome de Azevedo

Alexandre Alz’ de Ar.o

Livro 15 - folhas 18v, 19 e 19v

Escritura de perdão e amor em graça que dá Ana Maria de Siqueira Dona viúva a

João Carvalho Pinto morador desta vila de Curitiba

Saibam quantos este público instrumento de escritura pública de perdão e amor

em graça virem que sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e

setecentos e cinqüenta e um anos aos treze dias do mês de junho do dito ano nesta Vila de

Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba no escritório de mim tabelião adiante

nomeado apareceu presente Ana Maria de Siqueira Dona viúva de presente assistente nesta

dita Vila de Curitiba mãe do defunto João Machado Fagundes pessoa reconhecida de mim

tabelião pela própria aqui nomeada de quem eu sobredito tabelião tomei outorga de que

dou minha e por ela dita Ana Maria de Siqueira me foi dito em presença das testemunhas

adiante nomeadas e assinadas que ela da sua parte vinha dar perdão de amor em graça de

sua livre vontade sem constrangimento de pessoa alguma senão por desencargo de sua

consciência cujo perdão desde logo dava como com efeito deu a João Carvalho Pinto

natural desta Vila de Curitiba filho de João Martins Leme e de sua mulher Catarina

Rodrigues Pinto da morte que o dito fez a seu filho João Machado Fagundes pela razão de

que ela dita Ana Maria de Siqueira estava inteirada de que o dito João Carvalho Pinto

quando fizera a dita morte ao dito seu filho não fora por sua vontade, e só sim levado de

uma paixão por ser lhe ter dito que o dito seu filho falecido João Machado Fagundes vinha

a esta vila querelar do dito João Pinto digo João Carvalho Pinto por cujo motivo com falsas

informações, e levado da sua paixão fizera a dita morte por cuja razão ela dita Ana Maria

de Siqueira disse que por desencargo de sua consciência lhe dava o dito perdão de amor em

graça, e pedia às Justiças de Sua Majestade que Deus guarde que pela referida culpa não

procedesse contra o dito João Carvalho Pinto, e de como assim o disse me pediu a mim

tabelião lhe fizesse esta escritura pública de perdão nesta nota que depois de lhe ser lida

por mim tabelião disse que assim era quanto nela se continha, e por ser mulher e não saber

ler nem escrever pediu que por ela a seu rogo assinasse o Licenciado Paulo da Rocha

Dantas sendo a tudo presentes por testemunhas o Capitão Antonio da Silva Leme, e

Manoel Vaz Torres todos moradores desta Vila de Curitiba e pessoas reconhecidas de mim

tabelião Manoel Borges de Sampaio escrivão que a escrevi.

Assino a rogo da outorgante Ana Maria Paulo da Rocha dantas

Manoel vas Torres

An.to da Silva Leme

Livro 15 – Folha 20, 20v e 21

Escritura pública de perdão e amor em graça que dá Domingas Fernandes viúva que

ficou do defunto João Machado Fagundes a João Carvalho Pinto todos moradores

desta Vila de Curitiba

Saibam quantos este público instrumento de escritura pública de perdão e amor

em graça virem que sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e

setecentos e cinqüenta e um anos aos treze dias do mês de junho do dito ano nesta Vila de

Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba em o escritório de mim tabelião adiante

nomeado apareceu presente Domingas Fernandes viúva que ficou do defunto João

Machado Fagundes moradora desta Vila de Curitiba e pessoa reconhecida de mim tabelião

pela própria aqui nomeada de quem eu sobredito tabelião tomei outorga de que dou minha

fé, e por ela dita Domingas Fernandes me foi dito em presença das testemunhas adiante

nomeadas e assinadas que ela da sua parte vinha dar perdão de amor em graça, e de sua

livre vontade sem constrangimento de pessoa alguma senão por desencargo de sua

consciência, cujo perdão desde logo dava como com efeito deu a João Carvalho Pinto

natural desta Vila de Curitiba moço solteiro filho de João Martins Leme e de sua mulher

Catarina Rodrigues Pinta da morte que o dito fez a seu marido João Machado Fagundes

pela razão de que ela dita Domingas Fernandes estava inteirada de que o dito João

Carvalho Pinto quando fizera a dita morte ao dito seu marido não fora por sua vontade, e

só sim levado de uma paixão, por se lhe ter dito que o dito seu marido falecido vinha a esta

vila querelar do dito João Carvalho Pinto, por cujo motivo com falsas informações, e

levado de sua paixão fizera a dita morte, por cuja razão ela dita Domingas Fernandes disse

que por desencargo de sua consciência dava o dito perdão de amor em graça, e pedia às

Justiças de Sua Majestade que Deus guarde que pela referida culpa não procedam contra o

dito João Carvalho Pinto, e de como assim o disse me pediu a mim tabelião lhe fizesse esta

escritura pública de perdão e amor e graça nesta nota que depois de lhe ser lida por mim

tabelião disse que assim era o conteúdo nela, e por ser mulher, e não saber ler nem escrever

pediu que por ela a seu rogo assinasse sendo a tudo digo a seu rogo assinasse o Licenciado

Paulo da Rocha Dantas sendo a tudo presentes por testemunhas o Capitão Antonio da Silva

Leme e Manoel Vaz Torres todos moradores desta Vila de Curitiba e pessoas reconhecidas

de mim tabelião Manoel Borges de Sampaio escrivão que a escrevi.

Assino a rogo da outorgante Domingas Fernandes Paulo da Rocha dantas

Manoel vas Torres

An.to Da Silva Leme

Livro 15 - folhas 44v e 45

Escritura pública de perdão que faz Matias Leite a Antonio Rodrigues dos Santos

pela morte feita a Domingos Leite Soares primo por consangüinidade do outorgante

Saibam quantos este público instrumento de escritura pública de perdão de

amor em graça virem que sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de

mil e setecentos e cinqüenta e um anos aos dezoito dias do mês de setembro do dito ano

nesta Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba em o escritório de mim

tabelião adiante nomeado aí apareceu presente Matias Leite morador desta mesma Vila de

Curitiba pessoa reconhecida de mim tabelião pelo próprio aqui nomeado, e por ele me foi

dito em presença das testemunhas adiante nomeados e assinadas, que por quanto Antonio

Rodrigues dos Santos tinha morto a Domingos Leite Soares a facadas uma noite estando

jogando ambos; e como este falecido era primo por consangüinidade dele outorgante, e o

caso foi sucedido acidentalmente, e não caso pensado, por cuja causa ele outorgante de sua

própria e livre vontade sem constrangimento de pessoa alguma, e sem mais interesse só

pelo amor de Deus dava perdão ao dito Antonio Rodrigues dos Santos, e com efeito deu o

dito perdão de hoje para todo o sempre para o não acusar em tempo algum, e nem lhe ser

parte pelo tal delito, e caso sucedido; e disse também que se nesta escritura de perdão

houvesse alguma clausula ou ponto de direito por onde ficasse invalida aqui o havia por

posto expresso e declarado, pois a sua vontade e só dar este perdão na forma atrás

declarada. E de como assim o disse e outorgou me pediu a mim tabelião lhe fizesse esta

escritura pública de perdão nesta nota que depois de por mim tabelião lhe ser lida aceitou,

e disse que estava a seu contento e por tal assinou sendo a tudo presentes por testemunhas

o Tenente Antonio de Oliveira de Assunção e o Alferes João Baptista Dinis todos

moradores desta Vila de Curitiba e pessoas reconhecidas de mim tabelião Manoel Borges

de Sampaio escrivão que a escrevi.

Mathias Leite Soares

An.to da Silva d'Ssumpção

João Bap.ta Diniz

Livro 15 - folhas 136, 136v e 137

Escritura pública de perdão que dá Antonio Fernandes Nogueira a Paulo da Rocha

Dantas

Saibam quantos este público instrumento de escritura de perdão virem que

sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e cinqüenta e

dois anos aos onze dias do mês de julho do dito ano nesta Vila de Nossa Senhora da Luz

dos Pinhais de Curitiba no escritório de mim escrivão e tabelião adiante nomeado aí

perante mim apareceu presente Antonio Fernandes Nogueira morador nesta mesma vila e

pessoa reconhecida por mim tabelião digo de mim tabelião pelo próprio aqui nomeado e

por ele me foi dito em presença das testemunhas adiante nomeadas e assinadas que ele de

sua própria e livre vontade sem constrangimento pessoa alguma não queria acusar nem ser

parte a Paulo da Rocha Dantas no livramento do crime que lhe resultou por uma devassa

que a seu requerimento digo por uma devassa que tirou o doutor ouvidor geral desta

comarca da fazenda que lhe faltou da sua loja e por saber que o dito Paulo da Rocha lhe

não tirara nada da dita fazenda e a falta que achou ser de pouco valor lhe dava perdão

como com efeito lhe perdoava e perdoado tinha de hoje para todo o sempre o que fazia

para desencargo de sua consciência de amor em graça e pelo amor de Deus pedia às

Justiças de Sua Majestade que Deus guarde lhe perdoasse e a esta dessem inteiro

cumprimento na forma que nela se declara para que Deus também lhe perdoe tudo o que

entreveio[?] para o dito crime e de como assim o disse e outorgou[?] me pediu a mim

tabelião lhe fizesse esta escritura de perdão nesta nota que depois de por mim tabelião lhe

ser lida a aceitou e disse que estava a seu contento por muito bem a perceber a qual assinou

com as testemunhas que presentes estavam Amaro Fernandes da Costa e Manoel Borges de

Sampaio ambos moradores nesta mesma vila e pessoas reconhecidas de mim tabelião João

de Bastos Coimbra escrivão que a escrevi.

An.to Frz’ Nogr.a

Amaro frz’ da Costa

Manoel Borges de S. Paýo