Ana Maris Goulart Silva

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  • 7/25/2019 Ana Maris Goulart Silva

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    UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FACULDADE DE EDUCAO

    ANA MARIS GOULART SILVA

    O sujeito cantante:

    Reflexes sobre o canto coral

    So Paulo2014

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    ANA MARIS GOULART SILVA

    O sujeito cantante:

    Reflexes sobre o canto coral

    Verso revisada

    Dissertao apresentada Faculdade de Educao

    da Universidade de So Paulo, para a obteno do

    ttulo de Mestre em Educao.

    rea de Concentrao: Psicologia e Educao.

    Orientadora: Profa. Dra. Leny Magalhes Mrech.

    So Paulo

    2014

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    Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio

    convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

    Catalogao na PublicaoServio de Biblioteca e Documentao

    Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo

    375.75 Silva, Ana Maris Goulart.S586s O sujeito cantante : reflexes sobre o canto coral / Ana Maris Goulart Silva;

    orientao Leny Magalhes Mrech. So Paulo: s.n., 2014.191 p. il., tabs.

    Dissertao (MestradoPrograma de Ps-Graduao em Educao. reade Concentrao: Psicologia e Educao) Faculdade de Educao daUniversidade de So Paulo).

    . 1. Canto 2. Coral (Msica) 3. Educao musical 4. Psicanlise I.Mrech, Leny Magalhes, orient.

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    FOLHA DE APROVAO

    SILVA, Ana Maris Goulart. O sujeito cantante: Reflexes sobre o canto coral.

    Dissertao apresentada Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo para a

    obteno do ttulo de Mestre em Educao.

    rea de concentrao: Psicologia e Educao.

    Aprovada em:

    Banca examinadora

    Prof. Dr.: ____________________________________ Instituio: _____________________

    Julgamento: _________________________________ Assinatura: ______________________

    Prof. Dr.: ____________________________________ Instituio: _____________________

    Julgamento: _________________________________ Assinatura: ______________________

    Prof. Dr.: ____________________________________ Instituio: _____________________

    Julgamento: _________________________________ Assinatura: ______________________

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    DEDICATRIA

    minha me, Ana Virgnia,de quem herdei o nome e uma vontade imensa de aprender.

    Ao meu pai, Adil,

    que me ensinou que a vida merece ser celebrada com quem amamos, todos os dias.

    s minhas irms, Adilana e Abimara,

    referncias essenciais na construo permanente de quem quero me tornar.

    Regina Kinjo,

    com quem aprendi que o canto coral um pedao de mim.

    A todos os que dedicam parte de suas vidas

    a cantar e encantar alunos, plateias e espritos!

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    AGRADECIMENTOS

    A realizao desta pesquisa s foi possvel graas colaborao direta e indireta de inmeras

    pessoas, com as quais aprendi a cada nova experincia. H tanta gente a quem gostaria de

    expressar minha admirao e gratido, que no h palavras que possam traduzir afinal, a

    linguagem nunca suficiente mesmo! Mas se preciso dizer com palavras, aqui seguem

    algumas tentativas:

    A Deus, que me concedeu tantas oportunidades na vida impossveis de mensurar! Agradeo

    por minha sade, por me apoiar em todos os percalos durante a elaborao desta dissertao

    e por colocar inmeras pessoas talentosas, admirveis e queridas em minha vida,principalmente, minha famlia.

    minha cara orientadora, Profa. Dra. Leny Magalhes Mrech, que me fascinou com sua

    leitura de educao desde a graduao, mostrando que a msica deveria ser parte da formao

    de quaisquer educadores e educandos; pelas aulas na ps-graduao, pela superviso de meus

    estgios em docncia em suas turmas na FEUSP e pela orientao de minhas incurses

    psicanalticas. Muito obrigada!

    Profa. Dra. Neide Esperidio, em quem me espelhei para fazer um trabalho de educao

    musical na rea de Psicologia e Educao, que sempre colaborou com suas ideias nas

    discusses em grupo de estudos e colquios, autora de uma tese de Doutorado que a

    principal referncia para esta pesquisa e que fez uma leitura muito carinhosa de meu trabalho

    para o meu exame de qualificao, acrescentando reflexes de demasiada importncia.

    Obrigada!

    Ao Prof. Dr. Rinaldo Voltolini, pelas contribuies em Psicanlise e Educao,

    principalmente, pela leitura atenta e crtica deste trabalho, suscitando reformulaes e

    reflexes fundamentais. Obrigada!

    Ao CoralUSP, principalmente, ao seus diretores artsticos na poca da pesquisa de campo

    deste trabalho pela ateno, disposio, colaborao e sempre boas conversas. A todos os

    regentes dos grupos do CoralUSP, os quais tive o prazer de conhecer, agradeo tambm pela

    oportunidade de abrirem um espao de seus grupos para minhas observaes e de seu tempo

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    para minhas entrevistas. Aos coralistas de todos os grupos, em especial queles com quem

    tive contato nos ensaios observados e, particularmente, aos que participaram das entrevistas

    desta pesquisa. Todos foram fundamentais para que este trabalho se realizasse.

    Secretaria de Ps-Graduao da FEUSP, de quem tive todo o suporte necessrio durante a

    realizao deste trabalho.

    Aos meus colegas do Ncleo de Pesquisa em Psicanlise e Educao da FEUSP (NUPPE),

    com quem tenho aprendido muito nos ltimos trs anos de pesquisa, por suas constantes

    colaboraes diretas e indiretas em minhas reflexes.

    Aos meus amigos do Madrigal Sempre en Canto, grupo vocal a capella do qual fao parte h

    treze anosespecialmente nossa regente, Regina Kinjo que minha base musical desde

    sempre, pelo crescimento, pela pesquisa e, principalmente, pelo amor msica vocal que to

    alegremente compartilhamos.

    A tantos professores que contribuem para minha formao em educao musical dentro e fora

    da FEUSP, como Teca Alencar de Brito, Enny Parejo, Mara Campos, Jlio Figueiredo,Melina Sanchez, entre outros. Agradeo as valiosas vivncias musicais e contribuies para

    minhas reflexes e prticas.

    Aos colegas do Allegro Coral e Orquestra e do Groove Allegro Renato Misiuk, Vanessa

    Misiuk, Regina Andreola e Cludio Ramiroque acreditaram em meu trabalho e me deram a

    oportunidade de estar frente de trs corais to queridos, dando-me apoio e liberdade de

    atuao.

    Aos colegas e mantenedores do Centro Educacional Objetivo Mau, onde tive minhas

    primeiras experincias no ensino de Canto Coral. Obrigada pelas oportunidades e pela

    compreenso em meu perodo de afastamento para a realizao desta pesquisa,

    principalmente, em sua finalizao.

    Aos meus alunos e ex-alunos do CORALOB Mau, Instituto Educacional Carvalho, Projeto

    Estaleiro Musical Guaruj e Allegro Coral Infantojuvenil, com os quais aprendo a cada ensaio

    e para quem sempre busco me aperfeioar, obrigada pela companhia nesta trajetria!

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    Aos inmeros amigos com quem discuto sobre Educao, Msica e Psicanlise, pessoas com

    as quais tive a adorvel oportunidade de cruzar nos caminhos da vida. So tantos os nomes

    que seria impossvel mencion-los todos! Mas a gratido presente.

    Aos meus admirveis pais, Adil e Ana, pelo apoio em quaisquer fases e circunstncias da

    vida! Pela fora familiar neste perodo marcado por enfermidadeshoje felizmente superadas

    pelo incentivo, valorizao e carinho em toda minha trajetria acadmica, principalmente,

    durante esta dissertao e pelas inmeras demonstraes de amor, apoio e dedicao que eu

    tenho a sorte de ter em casa, muito obrigada!

    s minhas queridas irms, Adilana e Abimara, pela companhia nos caminhos da vida que vou

    traando, pelo carinho, respeito, admirao, amor, parceria, incentivo, apoio e

    companheirismo: gratido sem tamanho!

    Aos meus cunhados, Altivo e Mrcio, pela colaborao na constituio desta famlia to

    admirvel e com os quais sempre tenho algo a aprender.

    Aos meus amados sobrinhos, Ana Catharina, Raul e Alejandro, pela alegria que trazem

    minha vida e pela oportunidade de me relembrarem sempre como bom ver o mundo como

    uma criana! Por toda a luz que carregam em si e espalham ao mundo, obrigada!

    Ao meu noivo, Leonardo Esteves, pela companhia, ateno, carinho e compreenso durante

    toda a pesquisa e, especialmente, pela admirvel dedicao a mim no perodo final desta

    dissertao, agradeo imensamente!

    Dalila Lemos e Alice B. I. Bastos, pelas revises atentas e contributivas, compartilhando

    comigo um pouco desta trajetria de escrita, obrigada!

    E CAPES, pela bolsa de mestrado que muito me auxiliou para a dedicao e

    desenvolvimento desta pesquisa.

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    Seria preciso, alguma vezno sei se jamais terei

    tempo, falar da msica, nas margens.

    Jacques Lacan. O seminrio, Livro 20: Mais, ainda, 1985, p. 158.

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    RESUMO

    SILVA, Ana Maris Goulart. O sujeito cantante: Reflexes sobre o canto coral. 2014,191 f.

    Dissertao (Mestrado) Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo,2014.

    Esta pesquisa busca investigar o sujeito cantante, tecendo reflexes sobre o canto coral emuma abordagem psicanaltica. Para tanto, foram estudados alguns aspectos da msica, daeducao musical, do canto coral e da Psicanlise, relacionando as reas e suas possveisarticulaes. Aps um breve levantamento conceitual e bibliogrfico, foi escolhido o CoralUniversidade de So Paulo (CoralUSP) para a pesquisa de campo, do qual, foramentrevistados cinco de seus regentes e trs cantores. Essa pesquisa abriu reflexes sobre ocanto coral por um vis psicanaltico, depois de acompanhar ensaios de dois dos doze gruposque constituem o CoralUSP e de abrir a discusso sobre a educao musical atual, mediante

    entrevista com uma educadora musical que atua pela via do canto coral. Os motivos queoriginaram o projeto desta dissertao remetem promulgao da Lei Federal n 11.769/08,que institui a obrigatoriedade do ensino de msica nas escolas, embora no em carterexclusivo. Essa nova legislao reacendeu algumas reflexes: por que a msica importante

    para a formao do sujeito? De que maneira ela pode ser trabalhada? Como o canto coralpode se articular s novas prticas? De que forma o canto se inscreve no sujeito? E, por fim,quem o sujeito que canta? A discusso deste estudo voltada tanto para coralistas ou ex-coralistas que compreendem a importncia do canto coral em sua formao, mas quegostariam de se aprofundar nessa investigao sob um enfoque psicanaltico, quanto paraeducadores(formais, informais, polivalentes ou de formao musical especfica), a fim de que

    percebam o impacto das influncias musicais e, mais precisamente, corais no campo da

    educao e da constituio do sujeito. Pedagoga, coralista de longa data e atual professora decanto coral, motivada pela musicalizao da escola e seus impactos, esta autora estabeleceu ocompromisso com sua dissertao e com a pesquisa educacional, aceitando o desafio de umaleitura psicanaltica da educao musical por meio do canto coral. Em suma, o que se pretendecom esse estudo investigar as marcas deixadas pela voz, pelo canto coral, na formao do

    sujeito cantante, o que est menos ligado a mtodos do que s paixes que movem o desejo eque constitui um novosemblantepara o sujeito psicanaltico.

    Palavras-chave:Canto coral; Educao Musical; Psicanlise.

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    ABSTRACT

    SILVA, Ana Maris Goulart. The singing subject: Reflections on choral singing. 2014,191

    f. Dissertao (Mestrado) Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo,2014.

    This research aims to investigate thesinging subject, weaving thoughts on choral singing in apsychoanalytic approach. For this, some aspects of music, musical education, choral singingand psychoanalysis were studied by relating the areas and their possible connections. After a

    brief conceptual and bibliographical survey, the University of So Paulo Choir (CoralUSP)was chosen for the field research, from which five of its regents and three singers wereinterviewed. This research opened reflections on choral singing by a psychoanalytical view, after accompanying rehearsals from two of the twelve groups that constitute the CoralUSPand opening discussion about the current musical education,during an interview with a music

    educator who operates by means of choral singing. The reasons that led to the project of thisdissertation refer to the enactment of Federal Law No. 11,769/08, establishing the compulsoryteaching of music in schools, although not on an exclusive basis. This new legislation hasrekindled some thoughts: why music is important to the formation of the subject? How can it

    be worked on? How the choir can be linked to new practices? How the song fits the subject?And finally, who is the subject who sings? The discussion of this study is turned for bothchoristers or former choristers who understand the importance of choral singing in theirtraining, but would like to go deeper in this research under a psychoanalytic approach, as foreducators (formal, informal, polyvalent or from specific musical training)in order to realizethe impact of musical influences - and, more precisely, choral - in the field of education andformation of the subject. Pedagogue, longtime choir member and current teacher of choral

    singing, motivated by school musicalization and its impacts, this author established thecommitment to her dissertation and to educational research, accepting the challenge of a

    psychoanalytic reading of musical education through choral singing. In short, the intentionwith this study is to investigate the "marks" left by voice, by choral singing, in the formationof the singing subject, which is less connected to methods than to passions that move thedesire and which constitutes a newsemblantto the psychoanalytic subject.

    Keywords:Choral singing; musical education; psychoanalysis.

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Interseco das reas em que se baseia esta pesquisa 23

    Figura 2 Tira de Quino, com sua personagem Mafalda 82

    Figura 3 Os trs registros do inconsciente lacaniano e osinthoma 84

    Figura 4 Esquema lacaniano de operao da fala 96

    Figura 5 Formao do grupoAlfanos ensaios 120

    Figura 6 Formao do grupoBetanos ensaios 121

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    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Levantamento de corais existentes em todas as unidades da USP na 101

    capital e no interior (Exceto grupos do CoralUSP)

    Quadro 2 Anlise dos questionrios dos coralistas interessados em participar 114

    da pesquisa

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    LISTA DE SIGLAS

    ABEMAssociao Brasileira de Educao Musical

    ALIAssociation Lacanienne Internationale

    CAPESCoordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

    CBNCentral Brasileira de Notcias

    CEBIMarCentro de Biologia Marinha

    CENACentro de Energia Nuclear na Agricultura

    CORALUSPCoral Universidade de So Paulo

    EACHEscola de Artes, Cincias e Humanidades

    ECAEscola de Comunicao e Artes

    EEEscola de Enfermagem

    EEFEEscola de Educao Fsica e Esporte

    EEFERPEscola de Educao Fsica e Esporte de Ribeiro Preto

    EELEscola de Engenharia de Lorena

    EERPEscola de Enfermagem de Ribeiro Preto

    EESCEscola de Engenharia de So CarlosEMESPEscola de Msica do Estado de So Paulo

    ESALQEscola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz

    FAUFaculdade de Arquitetura e Urbanismo

    FCFFaculdade de Cincias Farmacuticas

    FCFRPFaculdade de Cincias Farmacuticas de Ribeiro Preto

    FDFaculdade de Direito

    FDRPFaculdade de Direito de Ribeiro PretoFEFaculdade de Educao

    FEAFaculdade de Economia, Administrao e Contabilidade

    FEARPFaculdade de Economia, Administrao e Contabilidade de Ribeiro Preto

    FEUSPFaculdade de Educao da Universidade de So Paulo

    FFCLRPFaculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro Preto

    FFLCHFaculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas

    FMFaculdade de MedicinaFMRPFaculdade de Medicina de Ribeiro Preto

    http://www.usp.br/cbmhttp://www.usp.br/cbmhttp://www.usp.br/cbmhttp://www.eeferp.usp.br/http://www.eerp.usp.br/http://www.eerp.usp.br/http://www.eerp.usp.br/http://www.eesc.usp.br/http://www.eesc.usp.br/http://www.eesc.usp.br/http://www.esalq.usp.br/http://www.esalq.usp.br/http://www.esalq.usp.br/http://www.fcfrp.usp.br/http://www.direitorp.usp.br/http://www.fearp.usp.br/http://www.fm.usp.br/http://www.fmrp.usp.br/http://www.fmrp.usp.br/http://www.fm.usp.br/http://www.fearp.usp.br/http://www.direitorp.usp.br/http://www.fcfrp.usp.br/http://www.esalq.usp.br/http://www.eesc.usp.br/http://www.eerp.usp.br/http://www.eeferp.usp.br/http://www.usp.br/cbm
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    FMVZFaculdade de Medicina Veterinria e Zootecnia

    FOFaculdade de Odontologia

    FOBFaculdade de Odontologia de Bauru

    FORPFaculdade de Odontologia de Ribeiro Preto

    FSPFaculdade de Sade Pblica

    FZEAFaculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos

    IAGInstituto de Astronomia, Geofsica e Cincias Atmosfricas

    IAUInstituto de Arquitetura e Urbanismo

    IBInstituto de Biocincias

    ICBInstituto de Cincias Biomdicas

    ICMCInstituto de Cincias Matemticas e de ComputaoIEEInstituto de Energia e Ambiente

    IEAInstituto de Estudos Avanados

    IEBInstituto de Estudos Brasileiros

    IFInstituto de Fsica

    IFSCInstituto de Fsica de So Carlos

    IGCInstituto de Geocincias

    IMEInstituto de Matemtica e EstatsticaIMTInstituto de Medicina Tropical de So Paulo

    IOInstituto Oceanogrfico

    IPInstituto de Psicologia

    IQInstituto de Qumica

    IQSCInstituto de Qumica de So Carlos

    IRIInstituto de Relaes Internacionais

    LDBLei de Diretrizes e Bases da Educao NacionalNUPENcleo de Pesquisa em Psicanlise e Educao

    OSUSPOrquestra Sinfnica da Universidade de So Paulo

    PCNParmetros Curriculares Nacionais

    POLIEscola Politcnica

    RCNEIReferencial Curricular para a Educao Infantil

    SEMAServio de Educao Musical e Artstica

    ULMUniversidade Livre de Msica

    USPUniversidade de So Paulo

    http://www.fmvz.usp.br/http://www.fo.usp.br/http://www.fo.usp.br/http://www.fo.usp.br/http://www.fob.usp.br/http://www.fob.usp.br/http://www.fob.usp.br/http://www.forp.usp.br/http://www.forp.usp.br/http://www.forp.usp.br/http://www.fsp.usp.br/http://www.iag.usp.br/http://www.iau.usp.br/http://www.iau.usp.br/http://www.iau.usp.br/http://www.ib.usp.br/http://www.icb.usp.br/http://www.icmc.usp.br/http://www.icmc.usp.br/http://www.icmc.usp.br/http://www.iee.usp.br/http://www.iea.usp.br/http://www.iea.usp.br/http://www.ieb.usp.br/http://www.if.usp.br/http://www.ifsc.usp.br/http://www.igc.usp.br/http://www.ime.usp.br/http://www.ime.usp.br/http://www.ime.usp.br/http://www.imt.usp.br/http://www.imt.usp.br/http://www.imt.usp.br/http://www.io.usp.br/http://www.io.usp.br/http://www.io.usp.br/http://www.ip.usp.br/http://www.ip.usp.br/http://www.ip.usp.br/http://www.iq.usp.br/http://www.iq.usp.br/http://www.iq.usp.br/http://www.iqsc.usp.br/http://www.iqsc.usp.br/http://www.iqsc.usp.br/http://www.iri.usp.br/http://www.iri.usp.br/http://www.iri.usp.br/http://www.iri.usp.br/http://www.iqsc.usp.br/http://www.iq.usp.br/http://www.ip.usp.br/http://www.io.usp.br/http://www.imt.usp.br/http://www.ime.usp.br/http://www.igc.usp.br/http://www.ifsc.usp.br/http://www.if.usp.br/http://www.ieb.usp.br/http://www.iea.usp.br/http://www.iee.usp.br/http://www.icmc.usp.br/http://www.icb.usp.br/http://www.ib.usp.br/http://www.iau.usp.br/http://www.iag.usp.br/http://www.fsp.usp.br/http://www.forp.usp.br/http://www.fob.usp.br/http://www.fo.usp.br/http://www.fmvz.usp.br/
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    SUMRIO

    APRESENTAO 18

    INTRODUO 23

    CAPTULO 1A Msica 28

    1.1O que a msica? 28

    1.2Origens e usos pela humanidade 31

    1.3Msica no sculo XXI 35

    CAPTULO 2A Educao Musical 39

    2.1 O que a Educao Musical? 40

    2.2 Origens e atuaes 42

    2.3 Alguns mtodos e teorias 44

    2.4 Cenrio atual da Educao Musical no Brasil 51

    2.4.1 Legislao 53

    2.4.2 Formao do educador musical 542.4.3 Os desafios da educao musical atual: uma discusso aberta 58

    CAPTULO 3O Canto Coral 64

    3.1 Definies e origens 64

    3.2 Histrico do canto coral na educao brasileira 67

    3.3 Canto coral na educao musical 70

    CAPTULO 4A Psicanlise 75

    4.1 Psicanlise e Educao 77

    4.1.1 Algumas reflexes sobre Psicanlise e Educao 77

    4.1.2 Lacan e algumas reflexes sobre a Educao 79

    4.2 Psicanlise e Msica 85

    4.3 Psicanlise e Voz 89

    4.3.1 O objeto avoz 93

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    CAPTULO 5A USP e o canto coral 100

    5.1 Breve histrico do canto coral na USP 100

    5.2 Coral Universidade de So Paulo 104

    5.2.1 Histria do CoralUSP 104

    5.2.2 Caracterizao dos grupos 106

    5.2.3 A Oficina Coral 108

    CAPTULO 6Abordagem metodolgica 110

    6.1 Metodologia utilizada na pesquisa 110

    CAPTULO 7Apresentao e anlise dos dados 114

    7.1 Pesquisa pr-campo: Questionrios aos coralistas 114

    7.2 Observao de ensaios 119

    7.3 Entrevistas com regentes 123

    7.3.1 Caracterizao dos regentes 123

    7.3.2 A voz que ressoa: trechos destacados 124

    7.3.2.1 A escolha profissional pela msica 1257.3.2.2 A escolha pelo canto coral 132

    7.3.2.3 Aspectos relevantes no trabalho com o canto coral 137

    7.4 Entrevistas com coralistas 143

    7.4.1 Caracterizao dos coralistas 143

    7.4.2 A voz que ressoa: trechos destacados 144

    7.4.2.1 O cenrio musical e o canto 145

    7.4.2.2 A relao com a msica 1487.4.2.3 A relao com o canto coral 151

    7.4.2.4 Aspectos relevantes no trabalho com o canto coral 157

    7.5 Co-oral: Uma breve anlise das entrevistas 159

    REFLEXES (IN)CONCLUSIVAS 164

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 170

    ANEXOS 182

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    ANEXO ALei Federal 11.769/08 183

    ANEXO BVeto sobre o artigo 2 da Lei Federal 11.769/08 184

    ANEXO CAprovao pela Comisso de tica em Pesquisa 185

    ANEXO DTermo de Consentimento Livre e Esclarecido 186

    ANEXO EQuestionrio para sondagem de interesse dos cantores do CoralUSP

    para participao na pesquisa (Pr-campo) 187

    ANEXO FRoteiro de entrevista com educadora musical 188

    ANEXO GRoteiro de entrevista com regentes: pesquisa sobre aspectos dos grupos 189

    ANEXO H - Roteiro de entrevista com regentes: pesquisa sobre aspectos pessoais 190

    ANEXO IRoteiro de entrevista com coralistas do CoralUSP 191

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    APRESENTAO

    A temtica central desta pesquisa O sujeito cantante tem sido uma de minhas

    reflexes pessoais e profissionais nos ltimos seis anos. Uma histria da tentativa de

    articulao entre vrias formaes, muitas reflexes e inmeras pesquisas. A msica e a

    Educao que sempre foram mobilizadoras comearam a ter novas perspectivas,

    impulsionadas por leituras psicanalticas. Iniciaram-se, pois, novas reflexes sobre uma

    educao musical que desencadeasse algo no sujeito. A Psicanlise deixou de ser uma

    disciplina do currculo obrigatrio na graduao para ser um estudo, sobretudo, de vida.

    Coralista de longa data, graduada em Pedagogia e ps-graduanda em Educao Musical (alm

    desta a qual me arrisco a mestre em Educao), sempre me interessei por reflexes a respeito

    do canto coral na educao e formao das pessoas, inclusive da minha.

    Meu primeiro contato com coral foi aos cinco anos de idade, na igreja que

    frequentava e, aos seis, fiz minhas primeiras aulas de piano. A relao com a teoria musical

    iniciou-se trs anos mais tarde, ao me transferir da escola regular em que estudava e passar a

    ter Educao Musical como disciplina obrigatria no currculo escolar. Mesmo tendo um

    pouco de dificuldade com os novos contedos didticos, visto que a turma j os cursava desdeo ingresso no ensino fundamental, o assunto era de grande interesse e, logo, passou a ser uma

    das disciplinas mais prazerosas e de melhor desempenho. Concomitantemente, ingressei no

    coral da escola, onde passei cinco anos da minha vida, muitas msicas e incontveis

    aprendizados.

    O interesse pela msica aumentou e, aos doze anos, ingressei na Universidade Livre

    de Msica (ULM), atual Escola de Msica do Estado de So Paulo (EMESP), local onde

    prossegui por seis anos os estudos formais em teoria musical, histria da msica, canto coral etcnica vocal e onde, ainda hoje, ensaio e pesquiso em um madrigal de msica vocal a

    capella, participante h treze anos. Aps muitas apresentaes corais em grandes casas de

    concertos e eventos em So Paulo, tais como: Sala So Paulo, Theatro So Pedro, Memorial

    da Amrica Latina, Credicard Hall etc., comecei a auxiliar a maestrina e professora de coral

    em alguns outros grupos, chegando a assumirjuntamente com a docente musical com quem

    partilho dezoito anos de convivnciao coral de um projeto social, aos dezessete anos de

    idade, no fim do Ensino Mdio.

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    Nesse momento de escolha profissional, havia uma grande questo: que rea seguir? O

    curso de msica parecia bastante interessante, mas no havia o desejo por profundas regras de

    harmonia e contraponto. O que mais me encantava era exatamente a parte educacional, a

    musicalizao, o canto coral como formao inicial. Na mesma medida, a Educao em si

    sempre foi uma rea que me despertava muito interesse. Liderana, bom desempenho e

    mediao de problemas acompanharam minha trajetria escolar, quando passei a gostar de

    questes educacionais e a ansiar por colaborar com o aprendizado dos colegas e com

    melhorias na escola. Surgiu, ento, a opo pela Pedagogia, como um curso que abordaria

    vrias reas de interesse e, independentemente do que me tornaria no fim do curso,

    contemplaria muitas de minhas expectativas.

    Desde o ingresso na graduao em Pedagogia, na Faculdade de Educao daUniversidade de So Paulo (FEUSP), trabalhei em uma escola de Ensino Fundamental II e

    Mdio da rede privada e, paralelamente ao trabalho na rea de Orientao Educacional,

    comecei a organizar eventos e iniciativas culturais, bem como, fundei o coral daquela unidade

    escolar. Fui professora de coral em tal instituio por cinco anos consecutivos, fazendo

    tambm um trabalho de musicalizao, tendo em vista que a maior parte dos alunos coralistas

    no tinha conhecimentos musicais prvios.

    Nessa mesma poca, ministrei aulas de canto coral por dois anos em um projeto socialde Mau, formando dois grupos corais: um infanto-juvenil e um adulto, esse ltimo a pedido

    dos prprios pais e parentes dos alunos coralistas inicialmente convidados para o curso. Foi

    uma fase de grande desenvolvimento para todos os participantes do trabalho.

    No fim da graduao, a disciplina Msica e Formao de Professores, ministrada

    pela professora Dra. Leny Magalhes Mrech, na FEUSP, surgiu para corroborar ainda mais

    minhas reflexes sobre uma Educao Musical para todos: alunos, professores, gestores. A

    msica como parte da formao educacional do sujeito, como um novo contato com a culturae com o legado da humanidade.

    Ainda em dvida quanto a quais rumos profissionais seguir aps a concluso da

    graduao e tendo grande interesse pela rea de Psicologia da Educao, procurei uma

    especializao em Psicopedagogia, na nsia por aprofundar mais alguns temas a respeito do

    cotidiano da coordenao escolar, da qual agora eu fazia parte no colgio em que trabalhava.

    O propsito de um mestrado j existia, mas buscava embasamento terico e preparao

    acadmica para a elaborao do projeto e a realizao do exame.

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    Enfim, no ingresso ao mestrado, surgiu a oportunidade de retomar todas as reas que,

    de certa forma, marcaram minha trajetria pessoal, profissional e educacional. A formao e a

    atuao na rea musical foram destacadas pela banca na fase da entrevista, ressaltando-se a

    perspectiva de uma pedagoga sobre o tema, comumente explorado por msicos. Nesse

    contexto, as leituras psicanalticas vieram a contribuir para novas reflexes e proposies

    acerca das possibilidades de articulao. J nas pesquisas iniciais, ficou evidente que h

    pouqussimo material sobre Educao Musical e Psicanlise, tornando-se praticamente

    inexistente quando o foco o canto coral. Assim, dediquei-me integralmente s pesquisas,

    prosseguindo nas atividades de coralista em dois grupos diferentes, realizando trabalhos em

    projetos, escolas e eventos diversos.

    Em 2008, a Lei Federal 11.769, que dispe sobre a obrigatoriedade do ensino demsica na educao bsica levantou a questo: a msica considerada importante na

    formao dos alunos? Como e quando isso ser realizado? E iniciou-se um longo processo,

    ainda em implantao, por diversos motivos polticos e pedaggicos. Assim que tal lei

    comeou a ser discutida, vrias reflexes comearam a surgir em minha mente: meu processo

    de formao, a nova realidade das escolas, a formao dos professores, a infraestrutura etc.

    Paralelamente, ao me aproximar mais da Psicanlise, comecei a ter novas perspectivas de

    msica, canto, educao, alunos... e a vontade de me enveredar pela pesquisa foi entoaguada: quem o sujeito que canta? O que o atrai para o canto coral? De que forma o canto

    se inscreve no sujeito? O que essa atividade influencia na educao desse sujeito?

    Essas e muitas outras questes surgiram antes e durante a pesquisa, tanto que, ainda

    como bolsista da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES),

    comecei a realizar mais atividades na rea de canto coral, inclusive em projetos sociais no

    Guaruj e na Praia Grande. Nas disciplinas escolhidas por mim durante a ps-graduao,

    tentei traar um trajeto que me permitisse uma formao como acadmica, educadora musicale eterna aprendiz de Psicanlise.

    Do ponto de vista de formao acadmica, a disciplina Professor Universitrio: Vida,

    Perfil e Formao, ministrada pela Profa. Dra. Helena C. Chamliam, na FEUSP, tratou de

    discusses acerca da identidade do docente acadmico e suas (im)possibilidades de

    transformao pessoal e profissional. As aulas transcorreram graas a um procedimento de

    ateli, com produes de um processo de autoformao baseadas em narrativas de natureza

    autobiogrfica, alm das pesquisas e discusses bibliogrficas. Nesse processo de formao

    docente acadmica, tambm incluo meus dois semestres como estagiria do Programa de

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    Aperfeioamento do Ensino, realizados nas disciplinas de Metodologia do Ensino de

    Psicologia I e II, sob a superviso da profa. Dra. Leny Magalhes Mrech, na FEUSP, alm de

    ter cursado a disciplina necessria para a preparao a esses estgios.

    Na disciplina intitulada Vygotsky, Wallon e Lacan O Processo de Constituio do

    Sujeito,ministrada pela profa. Dra. Leny Magalhes Mrech na FEUSP, foram abordadas as

    teorias dos trs grandes expoentes intelectuais supracitados, aprofundando os conhecimentos

    sobre a gnese e o desenvolvimento de suas obras. Embora Vygotsky, Wallon e Lacan tenham

    teorias bastante distintas, h eixos comuns entre suas ideias, como a questo da linguagem, da

    fala, da cultura e da maneira como se lida com elas.

    A teoria de Lev Vygotsky foi apresentada graas importncia da linguagem e da fala;

    e a de Henri Wallon, por causa da emoo, do pensamento, da linguagem e do conhecimento,alm do desenvolvimento da criana e da construo da inteligncia. Em seguida, introduziu-

    se a Psicanlise com a clnica freudiana, passando para o pensamento lacaniano e a construo

    de sua obra. Foram desdobradas as caractersticas das duas clnicas e dos trs ensinos de

    Lacan. Finalmente, o curso problematizou os novos usos da Psicanlise na Educao e na

    Cultura: a alngua e os novos efeitos transferenciais, o gozo, os Nomes do Pai, o fora de

    sentido, o real. Tais debates tiveram grande influncia nas discusses acerca do objeto de

    pesquisa presente nesta pesquisa e continuam em constantes reflexes, principalmente, devidoaos trs anos em que participo do Ncleo de Pesquisa em Psicanlise e Educao (NUPPE) da

    FEUSP, coordenado pela mesma docente, com a qual sempre adquiro novos aprendizados.

    A disciplina cursada no Departamento de Msica da Escola de Educao e Artes

    (ECA), chamada A criana, o sonoro e o musical: Reinventando a msica foi uma

    experincia muito importante para a vivncia musical e acadmica, promovendo discusses

    acerca da educao musical em geral, com abordagens filosficas, polticas, psicolgicas e

    fenomenolgicas da questo, alm de criar um espao para o fazer musical e ocompartilhamento de histrias e prticas musicais. A docente responsvel pelo curso, profa.

    Dra. Maria Teresa Alencar de Brito (Teca), mostrou-se acessvel e reflexiva em todas as

    aulas, trabalhando a msica inclusive na esfera pessoal dos alunos, por meio de atividades

    desenvolvidas ao longo das aulas.

    Esse curso baseou-se, sobretudo, nas ideias de Hans-Joachim Koellreutter, o qual foi,

    inclusive, mentor da prpria docente da disciplina. A discusso a respeito de uma educao

    musical em modo menor resistente, pensante e singularencontrou subsdios na teoria de

    Deleuze (rizomas, multiplicidade de acontecimentos) e nas preocupaes com o fazer criativo,

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    indiferentemente dos resultados, expressas constantemente pela pesquisadora e professora

    ministrante do curso, Teca Brito. Em artigo apresentado docente no fim do curso, relacionei

    o conceito de Conscincia, de Hans J. Koellreutter e a Constituio do Sujeito, de Jacques

    Lacan, em uma abordagem educativo-musical.

    No perodo posterior s disciplinas cursadas na USP, procurei tambm mais respaldo

    acadmico na rea musical em uma ps-graduao lato sensu de Educao Musical na

    Faculdade Cantareira, onde tenho tido a oportunidade de aprender e trabalhar com professores

    reconhecidos no meio educativo-musical como a questionadora profa. Dra. Enny Parejo, a

    mestre em Dana na Educao Musical, profa. Melina Sanchez, uma das mais conhecidas

    regentes corais de So Paulo, profa. Mara Campos, e o arranjador vocal, prof. Jlio

    Figueiredo lidando com questes de didtica da iniciao musical, expresso pelomovimento corporal, regncia e arranjo coral. Muitas das discusses e leituras realizadas

    nesse curso que ainda se encontra em andamento convergem em direo s minhas

    incurses bibliogrficas da presente dissertao.

    Esta dissertao busca relacionar Canto Coral e Psicanlise, em uma perspectiva da

    formao do sujeito que passou pela experincia do canto coral. Como coralista de longa data,

    pedagoga e educadora de canto coral, aps muitas inquietaes, formulaes reflexivas e

    pesquisas bibliogrficas, eu me coloco, tambm, como um objeto de investigao do trabalho.Assim, a presente dissertao encontra-se no entremeio do encontro enigmtico com o

    saber: o saber no totalizado, o desejo de saber e de no saber, a escuta de cada sujeito em sua

    histria de vida, construes de histrias embrulhadas no real e marcadas pelo canto coral, em

    uma leitura psicanaltica dessas relaes na formao e educao do sujeito cantante.

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    INTRODUO

    Falar da msica, nas margens... o que Lacan pretendia, e no teve tempo?

    A msica, via arte, pode ser considerada uma das manifestaes do inconsciente.

    Sendo inconsciente, ela faz parte do no sentido, de algo que escapa, da ordem do real. nas

    margens que os significantes perdem todo o poder do sentido, toda a arbitrariedade. o

    momento em que o sujeito se liberta de si mesmo e, quando o significante se desapropria da

    representao, resta sua materialidade, a voz, o som que se faz carne.

    Pois bem, nesse contexto musical do no sentido, onde se encontra a voz musicada, o

    canto e o sujeito cantante?

    Para iniciar esta incurso, partiremos da premissa de que o sujeito cantante, aqui em

    foco, o que passou pela atividade de canto coletivo que, estruturado pedaggica e

    musicalmente, concebe-se como canto coral. O canto coral, por sua vez, uma prtica

    importante de Educao Musical, a qual pertence ao campo das Cincias da Educao.

    Paralelamente, a Psicanlise possibilita leituras das Cincias da Educao e das Artes,

    constituindo reflexes a respeito da msica e da Educao. Nessa complexa rede de relaes,

    esta pesquisa busca subsdios da Educao, da Msica, da Psicanlise e, por conseguinte, daEducao Musical para discutir o canto coral sob um enfoque psicanaltico, como a Figura 1,

    a seguir ilustra.

    Figura 1Interseco das reas em que se baseia esta pesquisa.

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    Passemos, ento, aos aspectos musicais da questo. Segundo Fonterrada (2005, p. 18),

    a busca de valorizao da msica e da educao musical inicia-se na Antiguidade grega, forte

    referncia para o Ocidente, contexto scio-histrico em que tambm j era possvel observar a

    msica como parte da educao da infncia e da juventude, mais especificamente, sob a forma

    de canto. Na concepo de Plato, como na filosofia grega em geral, a msica assume

    liderana em relao s outras artes, posio fundamentada na possibilidade de estabelecer

    analogias entre os movimentos da alma e as progresses musicais. Tambm Aristteles se

    posiciona a respeito do poder e da necessidade da msica em programas educacionais, embora

    compreenda essa manifestao artstica como imitao das paixes e dos estados da alma

    (LANG, 1941, apudFONTERRADA, 2005, p. 20).1

    Sobre o canto coral, Bellochio (1994) afirma que o termo original de coro vem do

    grego chros e que as indicaes tericas remetem a origem do chros Grcia Antiga

    (ZANDER, 1985, apudBELLOCHIO, 1994, p. 10),2primeira datao documentada do canto

    coletivo de cunho educativo-musical.

    No Brasil, o grande representante da atividade coral foi Heitor Villa-Lobos, graas a

    seu projeto de canto orfenico nas escolas, de 1931, e criao do Servio de Educao

    Musical e Artstica (SEMA), de 1932. De fato, h um consenso acerca da importncia da

    msica na educao desde a Antiguidade grega e romana e da atividade coral como uminstrumento efetivo de musicalizao e formao do indivduo, o que no impediu que a

    educao musical ficasse vulnervel a aspectos polticos, educacionais, sociais e culturais de

    cada momento histrico mundial e nacional.

    O canto coral tem sido pesquisado sob diversos enfoques. Segundo Carvalho (2007),

    destacam-se: Gonzo (1973); Hylton (1983); Anderson (1990); Grant e Norris (1998) e Turcott

    (2002), os quais fizeram relevantes revises das pesquisas realizadas na rea.

    A reviso de Gonzo (1973) foi sobre as pesquisas em canto coral at 1972 e, aps esteautor, cada um dos pesquisadores citados analisou o perodo seguinte, partindo da reviso

    anteriormente realizada. Em cada poca, foram observados os aspectos mais estudados do

    momento e as necessidades de pesquisa na rea.

    1LANG, H. Music in Western civilization. London: J. M. Dent, 1941. In: FONTERRADA, Marisa Trench deOliveira.De tramas e fios: Um ensaio sobre msica e educao.So Paulo: Editora UNESP, 2005.2 ZANDER, Oscar. Regncia coral (2nd ed.). Porto Alegre: Editora Movimento, 1985. In: BELLOCHIO,Claudia Ribeiro. O canto coral como mediao ao desenvolvimento scio-cognitivo da criana em idadeescolar. Santa Maria, 1994. 260 f. Dissertao (Mestrado em educao), Universidade Federal de Santa Maria.

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    A reviso mais recente, de 1996 a 2002, realizada por Turcott (2002, p. 4), observa

    que as pesquisas em canto coral [...] esto mais organizadas e sistematizadas do que no

    passado, porm muitas reas esto ainda inexploradas e muitas questes permanecem no

    respondidas, enfatizando a necessidade de [...] uma maior variedade de mtodos de

    pesquisa, especialmente estudos longitudinais e qualitativos.

    Dentre essas revises, Silvey (2002, p. 21) considera que as principais pesquisas

    realizadas sobre o canto coral podem ser categorizadas em sete grupos:

    1) Estudos histricos da msica coral dentro da escola; 2) aspectospsicolgicos do canto em coral, tcnica vocal e pedagogia; 3)comportamento do professor/regente, tcnicas de ensaio coral; 4) habilidadesmusicais do regente coral e do aluno (incluindo leitura musical); 5)preparao do professor e educao; 6) currculo e materiais didticos; 7)miscelnea.

    Essas categorias demonstram que as pesquisas em canto coral tm se concentrado nas

    habilidades musicais especficas, na didtica do regente, bem como, na discusso de

    repertrio coral. Contudo h poucos estudos voltados para a interao do educando com a

    obra musical (SILVEY, 2002). Silvey aponta para o fato de que apenas na ltima categoria

    miscelneaencontram-se alguns estudos preocupados com o significado das experincias

    vividas por meio do canto coral que tenham como objeto de estudo o sujeito cantante. nessa

    rea especfica que o presente trabalho se encontra, tentando traar interseces do Canto

    Coral com a Psicanlise.

    Partindo-se de uma perspectiva macro, a do Canto Coral como um instrumento de

    Educao Musical, a qual se insere principalmente na Educao, observa-se que, nas

    tentativas de aproximao entre Psicanlise e Educao, h sempre uma lacuna.

    Considerando-se um modelo educacional normativo e prescritivo, Mrech (2005, p. 16) aponta

    que, nesse sentido, pode-se afirmar que Freud e Lacan demonstram que Psicanlise e

    Educao apresentavam caminhos inteiramente opostos, embora a autora, corroborada por

    Forbes, Charlot et al,3 investigue e apresente os impactos da Psicanlise na Educao, os

    quais so perceptveis nos questionamentos atuais dos professores.

    3 MRECH, Leny Magalhes (org.). O impacto da Psicanlise na Educao. So Paulo: Editora Avercamp,2005.

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    Nessa mesma abordagem, Kupfer (2000, p. 19) afirma que, do ponto de vista terico-

    metodolgico, sabe-se que a Pedagogia e a Psicanlise so duas disciplinas estruturalmente

    opostas, remetendo-se a Lajonquire (LAJONQUIRE, 1995, apudKUPFER, 2000),4o qual

    defende que o trabalho em torno da conexo Educao e Psicanlise deve ser feito deixando

    de fora a Pedagogia, que no deve ser confundida com a prpria Educao. Desde o incio de

    suas pesquisas, Kupfer pressentiu que o conceito psicanaltico de sujeito do inconsciente tinha

    grande relao com o trabalho educativo e que a Educao no tem sido pensada para

    sujeitos, mas sim, para objetos (PATTO, 2005, p. 158). A interlocuo realizada por Kupfer

    (2000, p. 144) tambm compara o mal-estar na cultura, conceito desenvolvido por Freud

    (1930),5 com o mal-estar na Educao, sentimento de culpa inescapvel diante de uma

    frustrao cultural, relacionada educao como impossvel, reflexo de Freud, discutida

    e problematizada por Mrech (2005).

    Se existe uma hincia entre Psicanlise e Educao, a aproximao entre Psicanlise e

    Msica tambm possui lacunas. Como uma linguagem artstica no verbal, a msica foi a

    forma de arte menos estudada por Freud. De acordo com Sekeff (2005, p. 1356), Freud no

    se dedicou a investigaes musicais. Alis, ele considerava mesmo no possuir gosto musical,

    como dissera Dra. Jeanne Lampl-de Groot, sua antiga discpula (abril de 1922). Por no se

    tratar da linguagem e produzir emoes incompreensveis, Lopes (2005, p. 73) afirma que amsica constitui-se em uma anttese ao temperamento reservado, metdico e racional de

    Freud.

    Kauffman (1996) j havia discutido a incapacidade confessa de Freud para usufruir da

    msica; o pai da Psicanlise parece lamentar que a inteno artstica musical no possa ser

    traduzida em palavras, como as outras manifestaes da vida psquica. Mas no porque no

    possa compreender a msica que Freud renegue sua importncia:

    [...] embora sem se voltar especificamente para a investigao da msica, ele[Freud]inferiu que movimentos constitutivos do discurso musical vo almdo significante, possibilitando marcas particulares do sujeito, o quesignifica dizer que elas trazem alguma coisa do inconsciente que sepresentifica na obra musical, constituindo o estiloprprio do compositor (es nesse sentido). No que a msica fale alguma coisa. No! Msica s fala

    4LAJONQUIRE, Leandro de. Piaget e Freud: Uma aproximao possvel? Anais da I Jornada de Psicologiada Educao, Pelotas, 1995.

    5FREUD, Sigmund. El malestar en la cultura. (1950 [1929]). op. cit., p. 54. In: PATTO, Maria Helena Souza.Exerccios de indignao: Escritos de Educao e Psicologia. So Paulo: Casa do Psiclogo, 2005.

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    de msica, mas resulta, sim, de um ato criativo, impulsionado entre outrospor pulses (de auto-realizao) e desejo. (SEKEFF, 2005, p. 1358)

    Partindo-se desse pressuposto decorrente da teoria freudiana, investigando-se tambma obra psicanaltica de Lacan e considerando-se o canto coral como uma forma musical

    apoiada, em parte, pela linguagem, pretende-se discutir a relao entre o canto coral e a

    formao do sujeito, sob um enfoque psicanaltico, buscando o sujeito cantante. Para tanto,

    adentrei ao universo do Coral da Universidade de So Paulo e conversei com alguns de seus

    regentes e cantores, trazendo reflexes acerca do canto coral por um vis psicanaltico.

    A discusso desta pesquisa voltada tanto para coralistas ou ex-coralistas, os quais

    compreendem a importncia do canto coral em sua formao, mas que gostariam de se

    aprofundar nessa investigao sob um enfoque psicanaltico, quanto para educadores

    (formais, informais, polivalentes ou de formao musical especfica), a fim de que percebam

    o impacto das influncias musicais e, mais precisamente, coraisno campo da educao e

    da constituio do sujeito.

    Mesmo ainda buscando conhecimento tcnico especfico legitimado na rea musical,

    mas motivada pela afirmao de Fonterrada (2005, p. 255) segundo a qual [...] preciso

    resgatar o professor que, mesmo no sendo msico, goste de msica e a traga para dentro da

    escola, estabeleci o compromisso nesta dissertao com a pesquisa educacional, aceitando o

    desafio de uma leitura psicanaltica do processo musical por intermdio do canto coral. Em

    suma, o que pretendo neste estudo investigar as marcas deixadas pela voz, pelo canto

    coral, na formao do sujeito cantante, o que precisamente est menos ligado a mtodos do

    que s paixes que movem o desejo.

    As portas do coral esto abertas, aproveite!

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    CAPTULO 1A Msica

    Uma das grandes reas de estudo desta pesquisa a Msica. Este captulo tem a difcil

    tarefa de tentar caracteriz-la, o que, certamente, um grande desafio. A msica faz parte das

    linguagens artsticas, mas, sobretudo, remete s mais antigas manifestaes da humanidade.

    Se considerarmos a msica como um produto cultural humano (compreendendo que a

    msica da natureza s entendida como tal se a escuta cultural a concebe assim),

    provavelmente, no conseguiremos caracterizar sua origem antes das primeiras

    documentaes nem das primeiras manifestaes corporais e vocais dos seres humanos, ao

    que Martinho (2012, p. 9) assim aponta como Outra maneira de colocar a questo de

    perguntar o que aparece primeiro, o ovo ou a galinha, a msica ou a palavra?

    Sendo assim, seguem algumas das concepes e reflexes sobre a msica e seus

    significados.

    1.1 O que a msica?

    Ouvimos, fazemos e vivemos a msica todos os dias: a voz que cantarola melodias

    simples ou elaboradas; os instrumentos musicais que vemos pelas ruas, na televiso ou que

    temos a possibilidade de tocar; o som dos rdios, samplerse outros aparelhos de reproduo

    fonogrfica; shows, concertos, apresentaes, saraus ou simplesmente o que chamamos de

    msica ambiente, aquela que atua como plano de fundo para conversas, refeies, compras

    e outras atividades.Se considerarmos ainda que a msica pode ser manifestada de tantas formas quanto a

    criatividade do homem permitir, teremos ento uma incontvel lista de formas de expresso

    musicaiseruditas e populares, como orquestras, quartetos, duetos, corais, bandas de rock,

    pop, reggae, MPB, jazz, sertanejo, grupos de samba, pagode, ax, ciranda, frevo... enfim,

    impossvel mencionar todas as possibilidades de msica(s)!

    Essa apenas uma reflexo para iniciarmos as discusses a respeito do que a msica,

    pois conhecemos suas formas e manifestaes mas, afinal, o que a caracteriza? O quetransforma ondas sonoras no que conhecemos por msica? Como delimitar o seu conceito?

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    Esse assunto, aparentemente simples e comum vida cotidiana, mostra-se cada vez mais

    complexo, se considerarmos suas abrangncias culturais, sociais e at polticas.

    Uma das tentativas de caracterizaoproblematizadora, no delimitadorapode ser

    vista nas discusses de Penna (2008, p. 17):

    Poderamos tentar encerrar a discusso dizendo: a msica uma forma dearte que tem como material bsico o som. Entretanto, na verdade, estaramosapenas abrindo novas questes, pois no explicamos o que arte e, portanto,s deslocamos o problema, que permanece em aberto: afinal, o que arte? Ofato que a concepo de arte vem sendo discutida por filsofos, estetas e osmais estudiosos desde a Antiguidade clssica, variando conforme omomento histrico e a perspectiva de anlise. Sendo assim, no vamospretender resolver a questo, mas apenas tentar esclarecer alguns aspectos.

    Se no conseguimos responder o que arte, tampouco a msica ter uma descrio

    fcil. Sabe-se que, para o senso comum, a msica formada por uma sequncia de sons

    organizados e que fazem sentido. Sobre essa definio, cabe a pergunta: o que exatamente

    significam esses sons organizados? Para quem elesfazem sentido? O conceito organizado

    pode variar muito entre culturas e pessoas distintas e, ento, o que realmente algo

    organizado? Obviamente, na tradio de diversas culturas, a msica segue um esquema

    formal que pode ser considerado um tipo de organizao. Mas o que se pode dizer a respeito

    de obras musicais que no tm sua organizao planejada e apresentam elementos aleatrios

    (vide diversas obras do compositor John Cage) ou obras que tm determinado tipo de

    organizao que, muitas vezes, no conseguimos perceber (ou seja, soam desorganizadas

    para ns, ainda que tenham coerncia formal interna), como a msica de algumas tribos

    indgenas, em que a preciso da coordenao das vozes e instrumentos no faz parte dos

    requisitos da performance e que poderiam soar altamente desorganizadas?

    No pretendo aqui responder a essas perguntas, apenas corroborar com a

    problematizao de uma ideia socialmente aceita pela grande massa. Organizao musical,

    como se v, refere-se a algo que, a princpio, no fundamental para que a msica seja

    possvel, apesar de a maioria dos compositores ocidentais adotarem procedimentos formais

    que contribuem com a ideia de organizao de sua msicao que s funciona de fato em uma

    experincia esttica, se as pessoas percebem essa organizao, ou seja, se for uma concepo

    culturalmente instaurada e aceita.

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    Portanto as discusses quanto ao que msica seguem em vrias direes, objetivas e

    subjetivas, na tentativa de abranger diversas possibilidades de caracterizao do conceito e

    podem ser analisadas dos pontos de vista acstico, estrutural, musical, cultural, social,

    psicolgico, espiritual, entre tantos outros aspectos. E, nessa rede de definies to

    complexas, o compositor Aaron Copland (1974, p. 23) parte para a aconceitualidade da

    msica, admitindo o quo difcil para as massas repensar a msica como uma ideia aberta,

    no delimitada, abstrata:

    A msica tem um significado? Ao que minha resposta seria sim. E depois:voc pode me dizer em um certo nmero de palavras que significado esse?E aqui a minha resposta seria no. A que est a dificuldade. As pessoas denatureza mais simples nunca se contentaro com essa resposta segundapergunta. Elas sempre desejam que a msica tenha um significado, e quantomais concreto, melhor.

    De forma semelhante, um dos grandes pensadores europeus atuais, George Steiner

    (1990, p. 45), tece seus comentrios sobre a msica, suas possibilidades de concepo,

    reflexes e questes sem respostas:

    a melodia o ser da msica, ou o tom, ou o timbre ou as relaes dinmicasentre o som e a pausa? Podemos dizer que o ser da msica consiste nasvibraes transmitidas da corda vibrante ou flauta ao tmpano do ouvido?Deve a sua existncia encontra-se nas notas, mesmo que nunca tocadas? Acincia acstica moderna e os seus sintetizadores eletrnicos so capazes dedecifrar e depois reproduzir qualquer som, ou combinao de sons, com umapreciso total. Pode tal anlise e reproduo equacionar, ou at exaurir, o serda msica? Onde que, no fenmeno msica, localizamos as energias quepodem transmutar a estrutura da conscincia humana em ouvinte eexecutante?A resposta nos escapa. Normalmente, recorremos descrio metafrica.

    Sempre que possvel, consignamos a resposta tanto s complexidadestcnicas como ao limbo do que bvio. Contudo,sabemosque a msica .

    Com essa premissa de que a msica simplesmente , com seus sons, silncios,

    (des)organizaes, dinmicas, interpretaes, intenes, sentimentos, pulses, entre tantas

    outras caractersticas, passemos, ento, sua abordagem histrica e interpretativa.

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    1.2 Origens e usos pela humanidade

    Explicar a origem da msica remeter ao eterno questionamento da criao: o que

    veio primeiro? O som, a voz, a palavra? Enfim, nenhum argumento dar conta de responder a

    essa questo. Pinturas rupestres, fragmentos histricos de egpcios, indgenas e tantos outros

    povos marcam a msica como uma celebrao de natureza humana, da cultura que se constitui

    ao longo do desenvolvimento da humanidade. E, embora no se consiga datar precisamente

    sua origem, podem-se buscar os primeiros relatos ocidentais aos quais temos mais acesso

    do que hoje conhecemos como o conceito de msica.

    A palavra msica vem do grego mousik e abrangia, tambm, a poesia e a dana,

    desde a Grcia antiga. Essas trs artes eram pautadas pelo ritmoseu denominador comum

    e chamadas de artes das musas. Como em outras antigas civilizaes, os gregos atribuam a

    msica aos deuses, definida como criao e expresso do esprito.

    Para os gregos, a msica era uma arte que envolvia maneiras de pensar e agir. O

    msico era considerado um guardio de uma cincia e uma tcnica que colaboravam para a

    ideia de harmonia csmica, particularmente defendida por Pitgoras e Plato, um ideal que

    corresponde ao equilbrio do universo.

    Para Plato, como na filosofia grega de modo geral, a msica ocupa uma posio de

    liderana em relao s outras artes. De acordo com esse grande filsofo, a msica no

    continha s a Harmonia, mas tambm, o Rhytmos e o Logos. A Harmonia era o espao

    organizado e regular entre os tons; o Rhytmos era o tempo musical, que compreendia o

    movimento (a animao pela emoo) e a dana; o Logos ligava o melos (palavra e

    tonalidade) ao sistema de anotaes musicais gregas, segundo ensina Martinho (2012, p. 7).

    Plato foi consideravelmente influenciado pelas ideias de Pitgoras (540 a.C.), que

    pesquisou tambm a relao matemtica entre as notas de uma escala, utilizando-se da msicapara desenvolver o raciocnio matemtico e ampliar as descobertas da acstica sonora.6Para

    Pitgoras, a msica e a matemtica eram parte uma da outra e, nessa relao, o funcionamento

    de todo o universo estaria explicado, de modo que, aos poucos, a mousikpassasse a abranger

    tambm tudo o que concernia ao cultivo da inteligncia.

    6A relao matemtica entre as notas de uma escala musical funda-se no princpio da oitava (descoberto aocortar ao meio a corda de um instrumento), que se expressa na razo 2:1. O intervalo de uma quinta (d-sol no

    piano) expressava-se por 3:2; dando escala a sua dominante, que foi o som predominante dos cantosgregorianos. A nota subdominante era a quarta (d-f no piano), expressa por 4:3.

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    Fonterrada (2005, p. 20) afirma que, entre os gregos, a msica era vista, sobretudo, de

    duas maneiras: uma relacionada s leis matemticas universais e a outra que acredita em seu

    poder de se ligar a sentimentos, o thos.E, para buscar as origens da msica, a autora recorre

    a Murray Schafer, compositor e educador musical canadense e seu livroA afinao do mundo

    (2001), quando lembra que h dois mitos gregos que explicam a origem da msica, cada qual

    a seu modo:

    Num deles, a msica teria surgido quando Hermes, encontrando umacarapaa de tartaruga na praia, estendeu sobre ela cordas de tripa de carneiro,inventando a lira, que deu de presente a Apolo. Na verdade, Hermesdescobrira que a carapaa da tartaruga, utilizada como corpo ressonante,

    podia produzir som. A outra lenda, contada por Pndaro, diz que o aulos foicriado por Palas Athena, quando, aps a Medusa ser decapitada por Perseu,viu, comovida, suas irms lanarem gritos pungentes que carregavamconsigo todo seu sentimento de pesar diante da morte. A partir dessesentimento de extrema dor, ela criou um nomos especial em sua honra;estava criada a msica. O primeiro desses mitos a v em seu aspectoobjetivo, como resultado das propriedades sonoras dos materiais douniverso; o segundo a considera resultado da emoo subjetiva.

    (FONTERRADA, 2005, p. 20-21).

    Tendo em vista essas duas abordagens da msica, desenvolvidas desde suas

    concepes originriasa sonora (objetiva) e a emocional (subjetiva), tomaremos alguns de

    seus usos pela humanidade, principalmente, em seus aspectos subjetivos.

    Segundo Sekeff (2007, p. 99) as primeiras referncias da ao da msica no homem

    remontam aos papiros mdicos egpcios datados de 1500 a.C., descobertos pelo antroplogo

    ingls Flandres Petrie, em Kahum, por volta de 1899, e citados por Frances Paperte, no livro

    Music in Military Medicine, Mental Hygiene (1946), onde h a referncia da msica como

    produtora de encantamentonas mulheres, estimulando sua fertilidade.

    Igualmente, a Bblia possui vrias passagens que se referem msica, inclusive, comconotao de aplicao teraputica, como no livro de Samuel 6,23: David tocava a sua harpa

    para afastar o esprito do mal que se apoderava de Saul que, ento, se acalmava e melhorava.

    Para David, a msica lhe propiciava certo relaxamento, apaziguando suas crises.

    Da mesma forma, inmeros povos e grupos sociais de todos os tempos e lugares da

    humanidade atribuam msica um valor de relao direta com a natureza, com o sagrado e o

    divino. A msica era utilizada para celebrar, pedir, agradecer, lamentar e se conectar com

    foras naturais e seus deuses.

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    Em uma abordagem menos mgica e religiosa, retornamos aos antigos gregos, que

    concebiam a msica como parte do equilbrio e da harmonia do universo, em todos os seus

    aspectos. Plato a recomendava para a sade da mente e do corpo, para a cura de angstias e

    fobias, para o desenvolvimento do carter e da sensibilidade. Pitgoras e seus seguidores

    tambm a concebiam como uma reduo acstica da msica das esferas, caracterizada pelo

    chamado som csmico, o qual possibilitava ao indivduo entrar em sintonia com o ritmo da

    vida e com a harmonia do macrocosmo. A ideia se expandiu tanto que Hipcrates chegou a

    levar alguns de seus doentes mentais ao Templo de Esculpio,para que ouvissem msica

    comovedora e restabelecessem seu equilbrio psquico.

    Mesmo com a queda do Imprio Romano e arruinados alguns de seus ideais

    assimilados dos gregos, a msica como terapia passou por Alexandria e chegou aos rabesque, j no sculo XIII, faziam uso de salas de msica em seus hospitais, a fim de promover a

    sade de seus internos.

    No perodo renascentista, as artes passaram a ser consideradas emoes dos homens

    desvencilhadas das supersties medievais e concebida para recreao, desenvolvimento

    intelectual e cura e, tambm, considerada um recurso de sade, expresso e comunicao. Da

    em diante, h um crescente interesse pela msica como artifcio cientfico e, no sculo XVII,

    a filosofia mecanicista de Descartes (1596-1650) em conjunto com a teoria dos afetosdesenvolvida no barroco, que relacionava a msica reproduo das emoes, fomentou as

    bases de uma nova cincia, a musicoterapia, cujos intervalos musicais [...] podiam expandir

    ou contrair ospiritus animale do corpo e, portanto, influenciar de maneira direta o estado da

    mente. (RUUD, 1990, p. 17).

    Desde ento, a musicoterapia desenvolveu-se e desdobrou-se em vrios tratamentos

    teraputicos com a msicaPinel (1792); Esquirol (1820); Chomet (1875); Pakman e Bender

    (1935); Seymour (1941); Wall e Liepmann (1942) etc. , chegando a influenciar grandeseducadores musicais, como o pedagogo mile Jaques-Dalcroze (1865-1950), que propunha o

    descobrimento e o contato direto com o ritmo do corpo humano e que, por conseguinte, os

    cursos de rtmica advindos de sua teoria foram realizados com crianas deficientes, como

    uma terapia do ritmo. At hoje, h discusses da msica com aes teraputicas e a

    musicoterapia pesquisada e desenvolvida, inclusive com formaes especficas no Ensino

    Superior (SEKEFF, 2007).

    Alm dos aspectos teraputicos da msica, ela foi tambm muito utilizada

    politicamente. Na Grcia antiga, entre outros usos, a msica era utilizada com funo poltica,

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    como em Esparta, onde se acreditava que a prtica da msica provocava notvel devoo aos

    deuses e os tornava obedientes s leis. Em Atenas, o valor da msica era o de desenvolver a

    tica e a integrao do jovem na sociedade, entretanto era vedada aos escravos e destinada

    apenas aos cidados livres: [...] a inteno, nesse tipo de ao, era desenvolver a mente, o

    corpo e a alma: a mente, pela retrica, o corpo, pela ginstica e a alma, pelas artes.

    (FONTERRADA, 2005, p. 19).

    O aspecto poltico da msica esteve presente na humanidade ao longo de todo seu

    desenvolvimento, remetendo-se a hinos e canes polticas de vrias pocas e tempos

    histricos. No Brasil, especificamente, o perodo mais poltico da msica pode ser observado

    entre a Era Vargas (1930-1945) e a Ditadura (1964-1985), quando h movimentos especficos

    da msica brasileira de cunho poltico e suas censuras, como o Tropicalismo.Alm de aspectos teraputicos e polticos e, obviamente, dos sonoros a msica

    tambm se desenvolveu muito como linguagem e como forma de expresso do indivduo.

    Desde a Antiguidade, a msica estava relacionada expressividade e aos sentimentos, com

    inmeros compositores e intrpretes suscitando sensaes das mais variveis por intermdio

    de suas criaes.

    Werkminster, em sua obra Harmonologia musica(1702) explica os eventos musicais

    por sua relao com os sentimentos, a chamada Teoria dos Afetos, que caracteriza osmovimentos sonoros para descrever cada sentimento. Embora essa teoria tenha florescido no

    barroco, muito se deve ao conceito de thos, da antiga Grcia, com Aristteles e Plato,

    continuando a florescer durante a Idade Mdia e a Renascena.

    Tambm dessa poca a Doutrina das Figuras, relacionando a msica retrica, arte

    do bem falar. A ideia era empregar movimentos musicais correspondentes s palavras do

    texto, como onda em movimentos sonoros ondulatrios e cu em um movimento musical

    ascendente.Essa forma da msica como expresso direta da linguagem inclusive verbal

    continua sendo empregada at os dias atuais, talvez, com outras caractersticas similares,

    como pode ser analisado na msica Beatriz, de Chico Buarque e Edu Lobo, onde a nota

    mais aguda da msica corresponde palavra cu e a nota mais grave palavra cho.

    De fato, a msica teve inmeros usos ao longo da Histria: terapia, poltica, expresso

    de sentimentos, linguagem, bem como, o prprio desenvolvimento musical da humanidade

    como evoluo da polifonia, dodecafonia e inmeros outros elementos da Histria da Msica

    e seus perodos, como temos na msica ocidental o Renascimento, Barroco, Clssico,

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    Romntico, Moderno e seus desdobramentos, como o Neoclssico, o Contemporneo e a

    Vanguarda.7

    Este trabalho no pretende dar conta de apresentar um levantamento historiogrfico e

    tcnico da msica, mas se prope a discutir sua subjetividade fora da notao musical e dos

    modelos tonais e atonais existentes, privilegiando os aspectos que, talvez, no possam ser

    facilmente explicados pela cincia objetiva.

    1.3 Msica no sculo XXI

    O sculo XX foi um dos mais revolucionrios da Histria da Msica. A velocidade de

    criaes artsticas, de invenes tecnolgicas de uso fonogrfico, da relao do homem com a

    cultura foi um marco na histria da humanidade. medida que o sculo XX avanou,

    surgiram propostas cada vez mais ousadas, ligadas experimentao dos sons que, por sua

    vez, eram progressivamente tomados como objetos individuais, singularmente explorados,

    utilizados e analisados.

    Durante o sculo XX, os Estados Unidos lideraram muitas das inovaes musicais.

    Dois de seus grandes e criativos compositores tm influncia no desenvolvimento da msica

    atual: Charles Ives e John Cage. Indignado com a subservincia dos msicos eruditos

    americanos, Ives procurava no cotidiano americano ideias para suas composies, fazendo

    orquestras tocarem em afinaes diferentes ou harmonizando cantos religiosos em tonalidades

    distintas. Em suas composies, Ives utilizou clusters (cachos sonoros sem sentido

    harmnico), msicas bitonais, atonais, polirrtmicas, dodecafnicas, metalinguagens, entre

    outros. Sua msica s seria valorizada anos depois, quando o compositor j tinha mudado de

    carreira e se aposentado, embora seja uma referncia para a msica do sculo XXI e a outro

    grande artista, John Cage.Desde os 26 anos de idade, Cage inovava em suas composies, colocando tachinhas,

    borrachas e pinos entre as cordas do piano para obter sonoridades diferentes. De certa forma,

    Cage tentava desmusicalizar a msica, como em sua obra Tacet, em que o pianista

    permanece em silncio, imvel, por quatro minutos e 33 segundos, levando a plateia ao mal-

    estar e a diversas reaes diferentes. Tambm em For toy piano, o compositor inova,

    escrevendo uma pea para ser tocada em um piano de brinquedo.

    7Segundo GAMA, Nelson.Introduo s orquestras e seus instrumentos. So Paulo: Britten, 2005.

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    Essas referncias do sculo XX para a msica erudita atual fizeram a chamada msica

    contempornea angariar cada vez mais interessados, principalmente, entre os estudantes de

    Msica e outras reas da arte. Certamente, h uma explorao da msica como sonoridade e

    expressividade jamais vista anteriormente, concebendo uma nova concepo de artista e

    ouvinte.

    Paralelamente, nos Estados Unidoscom o jazzou em vrios outros lugarescomo

    no Brasil, a msica popular se desenvolveu de forma imensurvel. O que antes era colocado

    margem do sistema musical, apenas apresentado informalmente, ganhou espao e prestgio

    entre a populao. Houve uma crescente criao de movimentos e estilos musicaiscada vez

    mais efmeroso que pode ser observado at e, sobretudo, hoje:

    Estilos em outras pocas duravam centenas de anos. No sculo passado, nochegavam a ultrapassar uma dcada. O custo dessa velocidade de criaopara a relao autor-ouvinte, porm, foi muito alto.[...] Aqui, o alto custo foi para a qualidade musical. Quanto mais sedesenvolveu essa indstria de comunicao e os milhares de equipamentose meios de transmisso sonora, mais medocre se tornou o contedo culturalpor ela propagado e veiculado em todo o mundo. Tendo transformadocultura em mercadoria industrializada, a grande mquina produtiva no quersaber de objetos eternos, como sinfonias de Beethoven. Quer coisasdescartveis. Lamentavelmente, consuma e descarte a filosofia moderna,tambm para a relao produo-consumo em msica.

    (MEDAGLIA, 2008, p. 143-144)

    O compositor, maestro e arranjador Julio Medaglia ressalta a influncia tecnolgica na

    relao de industrializao e consumo da msica, visto que, em grande parte, a disseminao

    e, por conseguinte, o descarte de criaes musicais so influenciados diretamente pela rapidez

    das produes de aparelhos tecnolgicos, como celulares e MP3s, dentre outros. No

    necessrio ir a um concerto ou assistir a um show, tampouco adquirir um LP, fita, CD ou

    DVD: a msica est disponvel na TV, no rdio e na internet, essa ltima tem conquistado um

    espao significativo no meio musical.

    Concomitantemente, a criao de estilos musicais populares crescente e passageira.

    No Brasil, por exemplo, o samba, sertanejo, xote, rock e pop viraram Bossa Nova, Jovem

    Guarda, MPB, forr, entre outros e hoje possuem uma infinidade de variaes que, talvez, eu

    no consiga mensurar: sertanejo e forr universitrio, pagode, funk, funk melody, rap, hip

    hop, tecno, house, tecnobrega... e se segue a lista infindvel do meio musical.

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    Tambm Theodor Adorno, grande filsofo, socilogo, musiclogo e compositor

    alemo, fala sobre a complexa questo da msica na contemporaneidade: (...) uma anlise do

    status atual da msica em si deveria ser to produtivo para um insight filosfico como,

    inversamente, a reflexo filosfica inseparvel da situao contempornea da msica

    (ADORNO, 2002, p. 14)

    Essa questo converge para o conceito de Modernidade Lquida, de Zygmunt

    Bauman,8socilogo polons que discute as grandes modificaes da sociedade atual, como a

    globalizao, as relaes lquidas e a vida de consumo. O autor constatou que estamos em um

    momento da cultura pautado pela liquidificao de valores e ideais, a Civilizao Lquida,

    onde tudo o que slido se desmancha no ar e no permanece por muito tempo na civilizao

    atual. Nessa sociedade contempornea, h grande impacto das mdias eletrnicas e televisivas,

    em uma sociedade do espetculo com nfase no imaginrio, deslocando o poder da palavra e

    dando nfase cultura comercial.

    Admitindo esse estado lquido da cultura na rea musical, passamos, ento, ao

    desafio: se a msica encontra-se em meio a uma sociedade lquida, de valores dissolveis e

    grande influncia comercial da indstria de consumo, como resgatar o interesse em aprender

    sobre diversos estilos, perodos, compositores e obras, conhecer formas musicais diferentes,

    reconhecer grandes criaes da Histria da Msica e ter liberdade e autonomia para criticar,analisar e inovar?

    Certamente, essa difcil tarefa vai colaborar, em grande parte, para a Educao

    Musical. O desafio de se tornar novo e transformar a cultura e a sociedade diferentes do modo

    como esto instauradas um exerccio rduo, constante e permanente que, ainda segundo

    Bauman, faz parte da arte da vida:

    Praticar a arte da vida, fazer de sua existncia uma obra de arte, significa,em nosso mundo lquido-moderno, viver num estado de transformaopermanente, autorredefinir-se perpetuamente tornando-se (ou pelo menostentando se tornar) uma pessoa diferente daquela que se tem sido at ento.Tornar-se outra pessoa significa, contudo, deixar de ser quem se foi atagora, romper e remover a forma que se tinha, tal como uma cobra se livrade sua pele ou uma ostra de sua concha; rejeitar, uma a uma, as personasusadas que o fluxo constante de novas melhores oportunidadesdisponveis revela serem gastas, demasiado estreitas ou apenas no tosatisfatrias quanto foram no passado. Para apresentar em pblico um novoeu e admir-lo no espelho e nos olhos dos outros, preciso tirar o velho das

    8BAUMAN, Zygmunt.Modernidade lquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

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    vistas, nossas e de outras pessoas, e possivelmente tambm da memria,nossa e delas. Ocupados com a autodefinio e a autoafirmao, nspraticamos a destruio criativa diariamente (BAUMAN, 2009, p. 99-100).

    Sair do sistema de destruio criativa e partir para um novo modelo de percepo do

    mundo, explorando a capacidade de criao atravs do engajamento e do desejo proposta da

    Educao Musical que se pretende apresentar neste trabalho e que ser discutida no prximo

    Captulo.

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    CAPTULO 2A Educao Musical

    A Msica possui quatro principais reas de estudo: Prticas Interpretativas

    (performance), Composio (criao), Musicologia (abordagem terica, como Histria da

    Msica etc.) e Educao Musical (questes sobre o ensino da msica). Essa ltima a de

    nosso interesse nesta dissertao, pois se trata da interface da Msica com a Educao. Para

    iniciar a discusso a respeito da Educao Musical, necessrio responder a outras questes:

    de que serve a Educao Musical? Para que pensar acerca desse tema?

    Tendo em vista essa premissa, utilizo-me das palavras de Aronoff (1974, p. 34): [...] a

    msica uma experincia humana. No deriva das propriedades fsicas do som como tais,

    mas sim, da relao do homem com o som.. Em outras palavras, a msica, como som puro,

    no existe, somente a partir das relaes humanas com os sons que surge o que

    consideramos msica, tornando-a essencial e exclusivamente humana.

    Se, para transformar som em msica, preciso que haja uma relao humana, a

    qualidade dessa relao pode interferir diretamente nas concepes musicais. Por essa razo,

    estar exposto msica e se relacionar com ela fundamental. Mas apenas a exposio

    msica atividade comum da cultura atual no suficiente: preciso que hajamusicalizao, ou seja, musicalizar(-se), tornando(-se) sensvel msica, de modo que,

    internamente, a pessoa reaja, mova-se com ela (GAINZA, 1988, p. 101).

    Nesse sentido, a Educao Musical atua na musicalizao do indivduo, tornando-o

    sensvel msica e ao universo da cultura de qual faz parte. A musicalizao no exclusiva

    da Educao Musical, mas potencializa a possibilidade da pessoa compartilhar e usufruir de

    obras, conceitos e sentimentos musicais que ultrapassam a linha superficial da exposio

    msica, a qual pode passar despercebida por ele, quando posto em situao de consumomusical, e no, de prestgio, contemplao, atuao e reinveno dos processos musicais.

    Sabe-se que a msica uma linguagem socialmente construda e que sua construo

    depende da relao do indivduo com ela, assim, a Educao Musical torna-se importante na

    musicalizao e na consequente sensibilizao da pessoa cultura musical. Posto que a

    Educao Musical serve, sobretudo, para tais fins, tornam-se necessrias novas discusses em

    relao Educao Musical atual, com suas prticas e prxis, a fim de que repensemos e

    replanejemosse precisoos caminhos a traar nessa interseo da Msica com a Educao.

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    Os principais referenciais tericos nas discusses atuais quanto Educao Musical

    remetem a Fonterrada (2005), Sekeff (2005, 2006, 2007), Esperidio (2011, 2012) e s

    referncias que essas pesquisadoras utilizaram. Tendo em vista as concepes aprendidas

    nesses autores e respondidas, pois, as questes propostas no incio deste Captulo,

    apresentamos uma breve abordagem conceitual e histrica da Educao Musical no Brasil e

    no mundo.

    2.1 O que a Educao Musical?

    A Educao Musical o campo entre Msica e Educao que versa sobre a formao

    musical do sujeito-aluno. A msica, como exposto no captulo anterior, engloba muitos

    aspectos tcnicos e estticos, mas tambm abrange caractersticas culturais, sociais, histricas,

    emocionais, cognitivas e, por conseguinte, educativas.

    Circunscrita no campo das Cincias da Educao, a Educao Musical tem participado

    de dilogos com a Educao e com outras Cincias Humanas. Neide Esperidio, em sua tese

    Educao musical e formao de professoresSute e variaes sobre o tema, publicada em

    2012, realiza um levantamento bibliogrfico a respeito das Cincias da Educao,

    comparando, sobretudo, o panorama educacional francs e o brasileiro, conforme estudos de

    ric Plaisance e Grard Vergnaud (2003). As questes trabalhadas no texto de Esperidio

    (2012) acompanham os percursos traados desde as primeiras discusses em relao

    instruo pblica francesa (MARC-ANTOINE JULLIEN, 1812) e a Cincia da Educao

    (ALEXANDER BAIN, 1879) at os debates atuais.

    Dentre as muitas interpretaes quanto a Cincia da Educao, Cincias Pedaggicas

    e, por fim, Cincias da Educao, compreendidas, pois, como uma rea complexa,

    diversificada e mltipla, a autora passa pelas discusses propostas por Gastn Mialaret(1976), Viviane Isambert-Jamati (1982), Louis Not (1984), Viviane de Landsheere (1992),

    Jos Carlos Libneo (1996), Develay (2001), Selma Garrido Pimenta (2006) e se baseia,

    enfim, nas proposies de Mrech (2009): a Educao Musical um campo intrnseco s

    chamadas Cincias da Educao, visto que a Educao Musical circunscreve-se ao campo da

    Educao. Assim, necessrio estabelecer laos e dilogos entre os pesquisadores das

    Cincias da Educao e da Educao Musical, para que, conforme Esperidio aponta, essa

    [...]possa se consolidar como um campo cientfico (2012, p.75).

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    Desse modo, compreende-se a Educao Musical como um fenmeno complexo,

    plural, passvel de diferentes olhares e estudos, sobretudo, daqueles advindos das Cincias da

    Educao e de seus diversos aspectos: filosficos, psicolgicos, didticos e sociolgicos,

    dentre outros. Em meio s vrias abordagens possveis da Educao Musical, encontram-se as

    ideias de Gainza (1977, p. 44), o qual afirma que essa [...] consiste em colocar o homem em

    contato com seu ambiente musical e sonoro, descobrir e ampliar os meios de expresso

    musical, em suma, musicaliz-lo de uma forma mais ampla, o que remete a uma fase mais

    iniciante do processo educativo musical, um contato primordial.

    Contudo, Penna (2008) alerta para o fato de que:

    [...] musicalizao e educao musical no se sobrepem simplesmente, umtermo pelo outro. Embora a musicalizao seja uma forma de educaomusical, entendemos que esta ltima mais ampla, podendo atingir etapasde desenvolvimento que ultrapassam a musicalizao.

    (PENNA, 2008, p. 46).

    A distino apresentada por Penna corrobora para a interpretao da musicalizao

    como princpio da educao musical, no sinnimo. Concebendo-se, pois, a Educao

    Musical como uma atividade mais abrangente que a musicalizao.

    Arroyo (2002, p. 18-19), ao falar da abordagem sociocultural da Educao Musical na

    contemporaneidade, afirma:

    O termo "Educao Musical" abrange muito mais do que a iniciao musicalformal, isto , educao musical aquela introduo ao estudo formal damsica e todo o processo acadmico que o segue, incluindo a graduao eps-graduao; educao musical o ensino e aprendizagem instrumental eoutros focos; educao musical o ensino e aprendizagem informal demsica. Desse modo, o termo abrange todas as situaes que envolvam

    ensino e/ou aprendizagem de msica, seja no mbito dos sistemas escolarese acadmicos, seja fora deles.

    Segundo essa perspectiva, a educao musical se configura em tudo o que faz parte do

    processo educativo musical, independentemente do contexto, formal ou informal, iniciante ou

    em nvel de ps-graduao. E, se considerarmos os inmeros aspectos da Msica, da

    Educao, da Filosofia, da Sociologia e da Psicologia, dentre tantos outros, observa-se o quo

    complexa e plural a chamada Educao Musical:

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    [...] a educao musical [...] uma colagem de crenas e prticas. Seu papelna formao e manuteno dos mundos musicais cada qual com seusvalores, normas, crenas e expectativasimplica formas diferentes nas quaisensino e aprendizagem so realizados. Compreender esta variedade sugereque pode haver inmeras maneiras nas quais a educao pode ser conduzidacom integridade. A busca por uma nica teoria e prtica de instruo musicalaceita universalmente, pode levar a uma compreenso limitada.

    (JORGENSEN, 1997, p. 66).

    Destacam-se, pois, os aspectos plurais tanto da msica quanto das questes educativas.

    A Educao Musical, nesse contexto, participa da construo de uma colagem singular de

    cada sujeito diante dessas questes. Dessa maneira, a Educao Musical no pode ser

    concebida de forma limitada, restrita a uma teoria especfica, pois h inmeras maneiras deconceb-la, orient-la e pratic-la, o que Esperidio (2012, p. 80-81) explica com clareza:

    [...] Por que no falarmos, ento, em vrias educaes musicais? Ela seocupa das relaes entre seres humanos e a msica do mundo, bem como detodas as formas de apropriao e transmisso em diferentes contextos.[...] Compreendo, portanto, a Educao Musical como um fenmeno plural ecomplexo que exige mltiplos olhares em seu estudo. um campo cientficoem processo de construo que ainda necessita ser consolidado e firmado,circunscrito s Cincias da Educao.

    Compartilhamos as ideias de Neide Esperidio de que no h uma Educao Musical

    unificada e limitada, mas sim, educaes musicaishaja vista a pluralidade e a complexidade

    do fenmeno educativo-musical, o que exige muitos olharesem seu estudoe acrescentamos

    que, em se tratando de uma educao por via da msica, h necessidade de muitas escutasem

    seu estudo, para dar voz e som a esse processo de formao e educao por meio da

    msica, de seus agentes, de suas questes e consideraes, o que tenta ser realizado, de certa

    forma, neste trabalho.

    2.2 Origens e atuaes

    Buscar as origens da Educao Musical leva-nos a compreender que o valor da msica

    e da educao musical muda de acordo com o perodo histrico vivenciado. Partindo-se da

    Antiguidade Clssica, observa-se que, j em Esparta, Licurgo exigia que a msica fizesse

    parte da educao da infncia e da juventude, atribuindo grande importncia msica,

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    considerada essencial na formao do carter e da cidadania. Do mesmo modo, em Atenas,

    sob as leis de Slon, a Educao Musical era o meio pelo qual se esperava promover a moral e

    a cidadania responsvel, base do bem comum, do poder e da fama do Estado.

    Para os gregos, a educao era concebida como a relao harmoniosa entre corpo e

    mente, preparando cidados para participar e usufruir dos benefcios da sociedade e possua

    uma funo mais espiritual que material. Acompanhando o desenvolvimento desse

    pensamento, a Educao Musical passava a auxiliar no ensino de outras reas das artes, as j

    citadas artes das musas:

    A poesia, o drama, a histria, a oratria, as cincias, e a prpria msica

    estavam includos na extenso do termo msica. Os poemas, compreendidose memorizados, eram entoados com acompanhamento da lira. Portanto, maisimportante do que a destreza tcnica era o saber improvisar umacompanhamento em harmonia com o pensamento expresso no trechorecitativo. Por ser ensinado com msica (o ritmo facilitava a memria), oensino era atraente, agradvel. (BAUAB, 1960, p. 58-59).

    Ainda aqui, no podemos falar efetivamente da Educao Musical como uma estrutura

    curricular, mas, sem dvida, ocorriam escolhas quanto ao que deveria ser privilegiado por

    parte do educador j que os gregos, assim como os egpcios, mantinham o ensino da msicasob a tutela do governo, pois a definia como o conhecimento da ordem de todas as coisas, a

    cincia da relao harmnica do Universo, repousando sob fundamentos imutveis, como

    explica DOlivet(2004).

    Na Idade Mdia, a msica e a liturgia desenvolvem-se concomitantemente e a palavra

    arte no carregava o significado de domnio tcnico, mas sim, de exame filosfico e

    compreenso dos vrios domnios do conhecimento (FONTERRADA, 2005). Nesse perodo,

    o ensino da msica foi direcionado aos estudos musicais como cincia e disciplina cientfica.

    No perodo renascentista, pode-se acentuar um importante marco que refletiu sobre a

    educao religiosa e, por conseguinte, a educao musical: a reforma. Tendo suas causas

    enraizadas na Idade Mdia, o movimento reformista influenciou diretamente na educao,

    provocando a Contrarreforma pedaggica, a renovao do ensino catlico e a fundao de

    ordens religiosas destinadas a fins educacionais (BAUAB, 1960).

    Entre as ordens religiosas que se organizaram para fins educacionais, a que teve maior

    relevncia foi a Companhia de Jesus, fundada por Incio de Loyola, em 15 de agosto de 1534.

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    Os jesutas utilizaram a cultura humanista para fins de evangelizao de vrios povos na

    Europa e no continente americano, inclusive no Brasil, criando colgios e fundaes.

    O ensino da msica no Brasil colonial inicia-se com a chegada das misses jesuticas

    cujo objetivo era a catequizao (TINHORO, 1972). Mas esse ensino foi ampliado quando,

    em 1759, o Marqus de Pombal expulsou os jesutas da colnia e fechou os colgios de suas

    fundaes, mas, em contrapartida, abriu espao para implantao de novas escolas com

    influncias de outras ordens religiosas (BAUAB, 1960).

    A msica foi um dos principais recursos utilizados pelos jesutas no processo de

    escolarizao do Brasil colonial e, tambm, da juventude europeia, com a finalidade de

    formar um bom cristo. Esta tradio foi questionada posteriormente, conforme aponta

    Loureiro (2012, p. 41):

    A viso da msica livre dessa finalidade surge em Pestalozzi e Froebel.Herdeiros de Rousseau, eles defendem uma educao baseada no respeito natureza humana, s suas necessidades e interesses, e enfatizam aimportncia no desenvolvimento da razo.[...] Pestalozzi e Froebel iniciam assim um movimento de oposio tradio secular, dominante no ensino de msica, que se concretiza no sculoXX, com os trabalhos de Orff, Dalcroze, Kodly, Willems, Gainza, Martenote Schafer.

    Aps esta breve introduo histrica e prtica da Educao Musical no Brasil e no

    mundo, apresentamos alguns mtodos e teorias ativos em Educao Musical, conforme

    comentado por Loureiro (2012) e, para tanto utilizamos a periodizao e a conceituao

    elaborada por Fonterrada (2005).

    2.3 Alguns mtodos e teorias

    O sculo XX foi um perodo de grande produo e desenvolvimento do pensamento

    musical por parte de msicos interessados no ensino da msica. Esses podem ser considerados

    os precursores da Educao Musical atual, os quais passamos a apresentar a seguir.

    Considerados daprimeira geraoda Educao Musical, tal como a concebemos hoje,

    cit