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ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAO JOO DE DEUS
Mestrado em Cincias da Educao Superviso Pedaggica
ADAPTAO DA CRIANA ESCOLA.
Estratgias e desafios na Educao-Pr Escolar
ANA RITA RODRIGUES DA COSTA
Julho 2011
ii
ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAO JOO DE DEUS
Mestrado em Cincias da Educao Superviso Pedaggica
ADAPTAO DA CRIANA ESCOLA.
Estratgias e desafios na Educao-Pr Escolar
ANA RITA RODRIGUES DA COSTA
Relatrio apresentado Escola Superior de Educao Joo de Deus, para a obteno do Grau
de Mestre em Cincias da Educao, na Especialidade de Superviso Pedaggica, sob a
Orientao do Professor Doutor Jos Maria de Almeida
Julho 2011
iii
RESUMO
O tema do nosso trabalho de investigao surgiu devido nossa necessidade de
compreender como que as crianas do nosso contexto profissional se adaptam escola de
forma a pudermos minimizar impactos negativos desta fase da vida da criana e dos seus Pais.
Trata-se, pois, de um tema actual que suscita grandes preocupaes nos Pais e Encarregados
de Educao.
Estamos certos que a escola e o educador tm um papel fundamental nesta etapa. Temos
conscincia que o sucesso da adaptao da criana, passa por um bom planeamento e
organizao por parte da escola.
Neste estudo contextualizamos o tema fazendo um breve resumo da evoluo da
educao de infncia em Portugal, passando pelo desenvolvimento da criana e, por fim, uma
abordagem sobre a importncia da relao famlia e escola nesta fase.
Este estudo apresenta uma abordagem metodolgica qualitativa, cuja pesquisa se
caracteriza por um estudo de caso, com as seguintes questes: (i) o que sente a criana quando
se separa pela primeira vez da famlia? (ii) o que sentem os Pais com esta separao? (iii)
como preparam escola e famlia a entrada da criana na escola?
Para a concretizao de trabalho foi necessrio recorrer a diferentes instrumentos de
recolha de dados: observao naturalista, entrevistas e inquritos por questionrio, que nos
forneceram dados importantes que aps terem sido tratados, analisados e interpretados, nos
permitiram chegar discusso dos resultados e s concluses.
Deste modo, este estudo destina-se a compreender a adaptao das crianas escola e
desenvolver estratgias que permitam ajudar os pais nesta nova fase das suas vidas, assim
como tambm propor novos desafios para que essa fase seja encarada de uma forma positiva.
Palavras-chave: educao de infncia, desenvolvimento da criana, importncia da
relao escola e famlia, acolhimento.
iv
ABSTRACT
The topic of research derived from our need to understand how the children present on
our professional environment adapt to school so we can minimize negative impacts on these
childrens life phase and their parents.
This is a high profile issue which is of major concern for parents and respective
guardians.
We know for sure that the school and teacher have a crucial role in this step. We are also
aware that a successful child adaptation goes through good planning and organization
provided by the school.
In this study we approach the topic with a brief summary of evolution on early childhood
education in Portugal, passing throughout childs development stages and ending with further
enlightments about the family and school relationships importance during this phase.
This study presents a qualitative approach whose research is characterized by a case
study, which has the following main structure: (i) how the child feels when separated from the
family for the first time? (ii) how do parents or guardians feel now, farther from their child?
(iii) how do family and school prepare children to ingress at school?
For this task we have used different tools to collect all sort of relevant data: naturalistic
observation, interviews and questionnaire surveys have provided us with important data. After
being processed, analyzed and interpreted they have allowed us to get in the discussion of
results and conclusions.
In this sequence, we seek out a valid and factual based background, allowing us all to
debate this topic. Looking at the overall structure, we retain that school and parents can
further develop strategies which can be applied at this stage in order to achieve a successful
and seamingless adaption of children to this new positive environment.
Keywords: childhood education, child development, school and family relationship
importance, foster.
v
AGRADECIMENTOS
Para que este trabalho tivesse sido realizado contei com a amizade e apoio de muitas
pessoas.
Agradeo ao meu orientador, Professor Doutor Jos Maria de Almeida, ter partilhado o
seu saber cientfico, ter tido pacincia nas horas mais difceis, pela sua amizade, ateno e
palavras de conforto e confiana para seguir em frente.
Aos professores do Mestrado pela transmisso de conhecimentos, apoio e empenho.
s minhas colegas que me acompanharam nesta caminhada, em especial Susana
Pires, pela sua amizade e companheirismo, Susana Garcia, Ana Paula Coelho e minha
amiga Teca e companheira em tantas horas de trabalho e estudo.
Aos meus amigos de toda a vida, Filipa Costa, Joana Gomes, Dra. Lara Pessoa por
nunca me terem deixado desistir.
Ao Hugo Pires pela pacincia, ajuda e amizade.
Sofia Falco por toda ajuda em procurar referncias bibliogrficas fundamentais ao
meu estudo.
s educadoras pela colaborao na recolha de dados.
minha me e ao meu pai (em memria) por terem feito sempre tudo por mim.
vi
NDICE GERAL
ndice de Quadros viii
ndice de Figuras ix
INTRODUO 1
1. Apresentao da Situao 1
2. Objectivos do Estudo 1
3. Importncia do Estudo 2
4. Identificao do Estudo 4
5. Apresentao do Estudo 6
CAPTULO 1 REVISO DE LITERATURA 8
1. A EDUCAO PR-ESCOLAR 8
1.1.1. Breve resumo da evoluo histrica da educao de infncia em Portugal 8
1.1.2. Objectivos e Finalidades da Educao Pr-Escolar 11
1.1.3. Organizao do Ambiente Educativo (Grupo, Espao, Tempo) 14
1.2. PSICOLOGIA INFANTIL 15
1.2.1. Desenvolvimento da criana 15
1.2.2. Gardner e a Teoria das Mltiplas Inteligncias 28
1.2.3. Inteligncia Emocional: a perspectiva de Daniel Goleman 30
1.2.4. Inteligncia Social: a perspectiva de Daniel Goleman 38
1.3. RELAO ESCOLA FAMLIA 39
1.3.1. Importncia da Relao Famlia e Escola na fase de adaptao 39
vii
CAPTULO 2 METODOLOGIA 49
2.1. Fontes de dados 51
2.2. Tcnicas e Critrios de Recolha de Dados 53
2.3. Entrevista 54
2.4. Inqurito por Questionrio 55
2.5. Observao 56
2.6. Recolha de dados 57
CAPTULO 3 MBITO DA PESQUISA 61
3.1. Caracterizao do campo 61
3.2. Participantes do estudo 63
CAPTULO 4 ANLISE E APRESENTAO DE DADOS 64
4.1. Observao Narrativa temporal 65
4.2. Dados do inqurito por questionrio 69
4.3. Categoria Procedimentos utilizados pelos pais para a integrao da criana na
escola 72
4.4. Categoria Procedimentos utilizados pela escola para integrao da criana 76
4.5. Categoria Importncia da primeira reunio antes da entrada na escola 79
4.6. Categoria Comportamentos e atitudes da criana em relao escola 83
4.7. Categoria Objecto transicional/ Referncia 88
CONCLUSES E DISCUSSO DE RESULTADOS 90
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 99
ANEXOS 105
viii
NDICE DE QUADROS
Quadro 1 Resumo referente s competncias da inteligncia emocional 37
Quadro 2 Designao dos cdigos atribudos aos dados recolhidos e tratados 59
Quadro 3 Categorizao das entrevistadas 59
Quadro 4 Categorias e subcategorias de significao 60
Quadro 5 Distribuio do grupo de estudo por gnero 63
Quadro 6 Distribuio do grupo de estudo por idades. 63
Quadro 7 Caractersticas das entrevistadas 64
Quadro 8 Categorizao das respostas abertas questo n.5 do inqurito por questionrio
Procedimentos utilizados pelos pais para a integrao da criana na escola 73
Quadro 9 Categorizao das respostas das entrevistas Participao da famlia na
preparao da criana para a escola 75
Quadro 10 Categorizao das respostas abertas questo n.9 do inqurito por questionrio
Procedimentos utilizados pela escola para a integrao da criana 77
Quadro 11 Categorizao das respostas abertas questo n.8 do inqurito por questionrio
Importncia de uma reunio antes da entrada na escola 80
Quadro 12 Categorizao das respostas das entrevistas Primeira reunio antes da entrada
na escola 82
Quadro 13 Categorizao das respostas abertas questo n.6 dos inquritos por
questionrio Comportamentos e atitudes da criana em relao escola 84
ix
NDICE DE FIGURAS
Figura 1 Crianas que frequentam o Jardim-Escola pela primeira vez. 69
Figura 2 Quem fica com a criana antes da entrada na escola. 70
Figura 3 Idade das crianas quando entraram na escola pela primeira vez. 70
Figura 4 Crianas com e sem irmos. 71
Figura 5 Quem levou a criana no 1. dia escola. 71
Figura 6 Crianas que tiveram preparao antes da entrada na escola. 72
Figura 7 Opinio dos inquiridos sobre os procedimentos utilizados pela escola no
acolhimento criana. 76
Figura 8 Importncia da reunio antes do primeiro dia de escola 79
Figura 9 Como os pais consideraram a adaptao dos seus filhos escola 83
Figura 10 Crianas que levam objectos para a escola na fase de adaptao. 88
1
INTRODUO
1. Apresentao da Situao
Actualmente existe uma maior necessidade das crianas entrarem para a escola cada vez
mais cedo. O facto de a criana ser forada a ir para a escola deve-se ao facto das mes
trabalharem e muitas vezes tambm os avs. Esta situao levanta muitas dvidas para os pais
e para a prpria escola que as recebe.
As principais questes que os pais levantam quando tm de tomar a deciso, so muitas
vezes, e como refere Brazelton (2005), as seguintes: Ser esta a escola adequada? A criana
estar preparada? J ser capaz de se separar de casa? Conseguir o nosso filho estar com as
outras crianas? Ir haver uma interferncia de problemas de comportamento? (p. 401)
A adaptao da criana ser influenciada positiva ou negativamente conforme a reaco
dos pais separao dos filhos. A ansiedade natural que surja devido s suas inmeras
preocupaes. No que refere Brazelton (2005), esta ansiedade est relacionada com os receios
de separao e com a inevitvel competio entre pais e professores. Muitos pais vm a
entrada do filho na escola, como o comeo do fim da sua relao ntima com a criana. Os
pais tm de enfrentar os seus prprios problemas relacionados com a separao antes de poder
ajudar o filho a enfrentar as dele.
Tendo em conta os aspectos em cima referidos, este estudo ir centrar-se na criana, e na
criao e implementao de estratgias que ajudem no s as crianas, mas tambm os pais, a
colaborarem com a escola nesta nova fase das suas vidas.
Atravs dos contributos de vrios autores, este estudo ir realizar uma anlise do conceito
de adaptao assumindo que compreenso da criana no seu todo um factor determinante.
2. Objectivos do Estudo
Este estudo ter como objectivo a adaptao da criana escola destacando algumas
estratgias e lanando alguns desafios para que essa adaptao seja feita da melhor forma. A
anlise do tema em estudo suscita, partida, a reflexo sobre o desenvolvimento da criana, a
relao da famlia com a escola e com as prprias crianas. Importa questionar a opinio da
famlia sobre como os seus filhos se adaptaram escola, (especificamente sala dos trs anos
da escola onde foi realizado o estudo), e, por outro lado, questionar as educadoras de infncia
sobre como preparada a entrada das crianas na escola pela primeira vez.
2
Algumas questes surgem volta deste tema: Como que as crianas se adaptam
escola na educao pr-escolar? Como que as famlias e a escola as preparam para a vida
escolar? O que sente a criana quando se separa pela primeira vez da famlia? O que podem
sentir os pais com essa separao?
Em todas estas situaes se considera a existncia de ansiedade em todas as partes (pais,
criana, escola). Reconhecemos aqui que ser muito importante o dilogo entre todos os
intervenientes, pois, como nos diz Brazelton (2008), o perodo de adaptao escola pode
ser tormentoso. Os pais preocupam-se com o facto de um mau comportamento do filho poder
impressionar negativamente a professora (p. 407).
Balaban (1988), no seu estudo, refere o facto de muitos pais terem o sentimento de perda
e tristeza por a criana estar a crescer e a separar-se da sua familia. Por outro lado, a mesma
autora refere que as crianas podero sentir-se abandonadas, deixadas de lado ou ento agirem
como se a escola fizesse parte da sua vida h muito tempo, esconderem os seus sentimentos e
quando menos se espera mudam totalmente de atitude, deixando os professores surpreendidos.
Neste sentido, Brazelton (2008) refere que a criana aps ter feito a adaptao inicial, poder
apresentar comportamentos regressivos, como chuchar o dedo, urinar na cama, voltar a ser
dependente de bibero e por vezes ter dificuldades em adormecer.
Balaban (1988) diz que para os professores os primeiros dias de escola dos seus alunos
tambm so sinnimo de ansiedade. Por um lado vo conhecer um novo grupo, e por outro
lado novos pais. O facto de as crianas chorarem quando estes se vo embora, faz com que o
professor por vezes tenha dificuldade em controlar as suas emoes.
Com este estudo procuramos, como j foi referido, ajudar a criana e os pais atravs de
estratgias facilitadoras.
3. Importncia do Estudo
Actualmente, a escola assume um papel bastante relevante no desenvolvimento da
criana, uma vez que um lugar onde a criana passa grande parte do seu dia e
consequentemente grande parte do seu tempo.
Pinto (1997, p.45), citado por Vasconcelos (2009), refere que num estudo feito h mais
de dez anos sobre a infncia como construo social, aborda a questo da socializao das
crianas, enquanto processo atravs do qual os indivduos apreendem, elaboram e assumem
normas e valores da sociedade em que vivem, mediante a interaco com o seu meio mais
3
prximo e, em especial, a sua famlia de origem, e se tornam deste modo, membros da
referida sociedade (p. 25).
Muitas crianas iniciam a sua vida escolar muito cedo, s vezes com poucos meses de
vida, conforme a necessidade da me trabalhar. Ao se separarem dos pais e ficarem na escola,
as crianas receiam que os seus pais no voltem e de certa forma sentem-se abandonadas.
importante que os pais vivenciem com naturalidade esta nova etapa na vida dos filhos,
mostrando interesse pela nova situao encorajando-as, reforando a auto-estima, diminuindo-
lhe a ansiedade e mostrando-lhe as vantagens da escola. fundamental que transmitam
criana tranquilidade e segurana. A criana precisa sentir que os pais confiam na escola e na
educadora. Como refere Balaban (1988), a auto-confiana surge de separaes bem
conduzidas (p. 32). A autora afirma ainda que necessrio tempo para a criana assimilar a
nova fase que est a viver. Ela precisa aprender a conviver com a nova organizao do tempo,
do espao e com o adulto de referncia. Podemos destacar as novas vivncias da criana
como: a separao das crianas dos pais, o novo adulto de referncia fora do ambiente
familiar (a educadora) e o contacto com outras crianas que para ela so estranhas.
Com a realizao de um estudo de investigao de natureza qualitativa, no mbito das
Cincias da Educao, seleccionmos para campo de pesquisa, um jardim-escola (IPSS),
situado em Lisboa. Este campo foi tambm objecto de escolha devido ao facto de ser o local
onde a investigadora exerce funes enquanto educadora de infncia e onde realizou o estgio
profissional.
Tendo em conta o elevado nmero de alunos nas salas dos trs anos, escolhemos como
alvo uma amostra de vinte e oito alunos. Verificamos que a fase de adaptao um motivo de
angstia e ansiedade por parte dos pais e crianas. Constatamos a necessidade de criar
estratgias que minimizem os aspectos mais negativos que esta fase possa causar. preciso
minimizar o impacto negativo deste momento particular da vida da criana e da sua famlia
tornando a escola um ambiente mais saudvel e confiante.
Cabe escola planear/preparar todo o processo de adaptao da criana. Na escola em
causa existe uma reunio antes do inicio do ano lectivo com os pais dos novos alunos, onde
explicada algumas situaes que possam surgir no perodo de adaptao, dado a conhecer o
regulamento interno da escola e os pais podero colocar as questes que entenderem. No
entanto, reconhecemos que enquanto escola podemos fazer muito mais, por vezes h pais que
podero sentir alguma inibio para expor as suas dvidas perante outros pais.
Constatamos que os pais que apresentam mais dvidas so pais que tm pela primeira vez
os filhos na escola.
4
Analisando estes aspectos, consideramos importante estudar esta temtica, clarificando
conceitos que advm do tema como: educao pr-escolar, o desenvolvimento da criana e a
relao famlia/escola.
4. Identificao do Estudo
O estudo obedece a um paradigma qualitativo e assume caractersticas interpretativas e
explicativas da aco das crianas face ao perodo de adaptao escola.
A investigao qualitativa apresenta cinco caractersticas, segundo Bogdan e Biklen
(1994):
(i) O ambiente natural a fonte directa dos dados e o investigador o
instrumento principal sendo a sua grande preocupao o contexto, pois o
comportamento humano varivel consoante a aco onde ocorre;
(ii) Trata-se de uma investigao descritiva, os dados recolhidos so palavras ou
imagens e no nmeros. Os dados recolhidos incluem transcries de entrevistas,
notas de canto, fotografias, vdeos, documentos pessoais, memorandos e outros
registos oficiais;
(iii) Os investigadores interessam-se mais pelo processo do que pelos resultados
ou produtos;
(iv) Os investigadores tendem a analisar os seus dados de forma indutiva, no
para confirmar ou deduzir hipteses construdas previamente, mas as abstraces vo
sendo construdas medida que os dados recolhidos se vo agrupando;
(v) O significado tem importncia vital. Ao apreender as perspectivas dos
participantes, a dinmica interna das situaes ser frisada, o que se perdia em caso de
observao exterior. A preocupao com os participantes da investigao contnua
para entenderem o que experimentam, como interpretam e como estruturam o mundo
social onde vivem (pp.47-51).
A investigao qualitativa, de uma forma genrica, engloba vrias estratgias de
investigao que partilham algumas caractersticas. Os dados designados por qualitativos,
contm pontos descritivos acerca de locais, pessoas ou acontecimentos, so tratados de forma
estatstica.
Bogdan e Biklen (1994) referem a investigao qualitativa ao enfatizar a, descrio,
induo, a teoria fundamentada e o estudo das percepes pessoais, permite-nos investigar um
5
fenmeno em toda a sua complexidade e em contexto natural, com o objectivo de conhecer os
pontos de vista e o comportamento dos protagonistas do estudo, a partir da sua prpria
perspectiva. (p. 11)
De acordo com Bell (1997), investigadores que adoptam uma pesquisa qualitativa esto
mais interessados em compreender as percepes individuais. (p. 20)
O estudo do campo e do alvo foi realizado segundo o modelo de investigao qualitativo
devido ao facto de neste tipo de investigao: a fonte directa de dados ser o ambiente natural
do qual o investigador considerado como instrumento principal; a investigao ser
descritiva; de ser dado maior nfase ao processo do que aos resultados; os factos ser
analisados de forma indutiva. (Bogdan e Biklen, 1994, pp. 47-51)
O nosso estudo remete-nos para o estudo de caso. Bell (1989) considera que tal como em
outra investigao, os dados so recolhidos sistematicamente, estuda-se a relao entre as
variveis e planeia-se o estudo de forma metdica. Neste tipo de estudo utilizam-se mais
frequentemente os mtodos da entrevista e da observao, embora nenhum mtodo seja
excludo e se considere que as tcnicas da recolha de dados a utilizar so as que mais se
adequarem ao estudo em causa.
A justificao para a opo desta metodologia prende-se com vrias razes, a primeira e
possivelmente a mais importante, diz respeito ao que defendido por Denzin e Lincoln
(1994):
a investigao qualitativa utiliza uma multiplicidade de mtodos para abordar uma problemtica de forma naturalista e interpretativa, ou seja, estuda-se o problema em ambiente natural, procurando interpretar os fenmenos em termos do que eles significam para os sujeitos () utiliza uma variedade de materiais empricos estudo de caso, experincia pessoal, entrevista, histria de visa, introspeco que descrevem rotinas e significados nas vidas dos sujeitos. (p. 205)
No caso deste estudo, depois de identificada a problemtica a estudar como se adapta a
criana escola, e encontrado um contexto Jardim-Escola, interessa assim compreender a
criana no seu todo, desenvolvimento psicolgico, contexto familiar e escolar, de forma a
conseguir concentrar-se na resoluo de problemas que surgem nesta fase.
Desta forma, as tcnicas a serem utilizadas (entrevistas, inquritos, observaes e anlise
de documentos) deram a conhecer as vises dos vrios intervenientes sobre a temtica em
estudo. Para o desenvolvimento desta investigao a recolha de dados foi realizada no
ambiente natural do Jardim-Escola, participando como observadora a investigadora.
6
Procuramos recolher dados sobre o historial escolar e alguns dados pessoais da criana e da
famlia de forma a promover estratgias que ajudem a criana neste perodo da sua vida.
Com a realizao deste estudo pretendemos elaborar um relatrio cientfico que Erickson,
citado em Lessard-Hbert et al., (2008) defende que no possui exclusivamente uma funo
de exposio mas tambm possui uma funo argumentativa, no sentido em que o autor do
relatrio deve levar o leitor a desempenhar um papel de co-analista do seu processo de
investigao e dos seus resultados. (p. 131)
No que ao presente estudo diz respeito, o investigador vai tentar identificar os seus
prprios valores e a possvel influncia destes sobre a orientao da investigao (Lessard-
Hbert et al., 2008, p.131), com o objectivo deste relatrio no tomar a forma de um simples
texto narrativo. Pretendemos ir mais longe atravs da consulta bibliogrfica e da recolha de
dados para atingirmos o nosso objectivo.
5. Apresentao do Estudo
Este estudo encontra-se dividido por Introduo, Reviso da Literatura, Metodologia,
mbito da Pesquisa (Retrato), Anlise e Interpretao de Dados, Concluses, Referncias
Bibliogrficas e Anexos. Na Introduo procura-se dar a conhecer a situao que foi estudada,
tendo em conta os objectivos, a importncia e identificao do estudo, as limitaes e a
apresentao. No primeiro captulo, Reviso da Literatura, enquadra-se o fenmeno de estudo
e aclara-se os conceitos que derivam do mesmo, ou seja, so explicitados os conceitos que
emergem da finalidade do estudo: A Adaptao da Criana Escola Estratgias e Desafios.
No segundo captulo, apresentada a metodologia utilizada, explicitando as fontes de dados
utilizadas, tcnicas e critrios de recolha de dados, instrumentos de recolha de dados e so
apresentados os resultados do estudo, explicitando os critrios de tratamento de dados
recolhidos. O terceiro captulo descreve o mbito da pesquisa, tendo em conta as suas
caractersticas e particularidades, revelando a coerncia da utilizao de uma abordagem de
ndole qualitativa. No quarto captulo, realiza-se a apresentao e interpretao de dados,
apresentando os dados por categorias e realizando a sua anlise baseada nos conceitos
aclarados e fundamentados no captulo da Reviso da Literatura. O quinto captulo apresenta
as concluses do estudo, de forma a satisfazer os objectivos do estudo, a produo da
concluso fez-se atravs da anlise de dados e da relao estabelecida com a reviso da
literatura, para alm de sugerir formas de interveno sobre a realidade. Este estudo foi
realizado segundo as orientaes metodolgicas do livro de Mrio e Azevedo, Teses
7
Relatrios e Trabalhos Escolares (2006), de acordo com as normas APA. Atravs deste livro,
adquirimos, para a realizao do trabalho, um conjunto de vrias orientaes prticas que me
possibilitaram a organizao de toda a construo do trabalho de investigao, ao qual nos
propusemos a realizar.
8
CAPTULO 1 REVISO DE LITERATURA
1. A EDUCAO PR-ESCOLAR
1.1.1. Breve resumo da evoluo histrica da educao de infncia em Portugal
Se pesquisarmos sobre a histria da educao em Portugal, teremos que recuar at antes
do sculo XVII em que a instruo oficial das primeiras letras era praticamente inexistente. S
com Marqus de Pombal surge a primeira legislao que tentar extinguir a exclusividade dos
Jesutas no domnio da Educao.
S a partir da segunda metade do sculo XIX, comeam a aparecer diplomas legais
direccionados s crianas do pr-escolar.
Cinco grandes perodos marcaram significativamente a evoluo Histrica da Educao
de Infncia em Portugal (Vasconcelos, 2009): o perodo final da Monarquia (1834-1909); a
Primeira Repblica (1910-1926): o perodo da ditadura de Salazar (1926-1974); a refundao
da Democracia (1975-1995); a fase do alargamento e expanso o Projecto de Cidadania
(1996-2000).
Devido grande abrangncia dos pontos referidos atrs, vamos apenas evidenciar alguns
marcos importantes da evoluo histrica.
Podemos destacar a inaugurao do primeiro jardim-de-infncia Froebel em 1882, no
jardim da Estrela em Lisboa.
de salientar tambm a criao dos Jardins-Escola Joo de Deus Ramos, um modelo
portugus de escola infantil, segundo o esprito e a doutrina da Cartilha Maternal, para
crianas de quatro a oito anos de idade (Jardins-Escola Joo de Deus, 1956). O primeiro foi
criado em Coimbra, em 1911, logo aps a implantao da Repblica. Consideramos relevante
desenvolver este marco to importante na histria da educao de infncia em Portugal, uma
vez que o campo de pesquisa desta dissertao ser um dos Jardins- Escolas Joo de Deus.
Acerca de Joo de Deus, podemos afirmar que foi um homem preocupado com os
problemas socioculturais e econmicos da poca, principalmente com as crianas. No foi um
seguidor dos pensadores do seu tempo, dedicando-se com determinao cultura do povo e
sua alfabetizao. Prestigiado poeta e pedagogo, nasceu em 1830, em S.Bartolomeu de
Messines e morreu em 1896 em Lisboa. A sua obra conta com livros de poesia publicados e
com o que o mais notabilizou a Cartilha Maternal. A Cartilha surge devido ao seu enorme
gosto pela lngua portuguesa, e pelo desejo de servir o povo do seu pas, sobretudo os
9
analfabetos, com o objectivo de lhes ensinar as primeiras letras. Joo de Deus (1877) refere
que a Cartilha Maternal, publicada no ms de Maro () j tem proslitos e admiradores em
todos os ngulos do pas; e por toda a parte se esto abrindo escolas pelo mtodo Joo de
Deus. (p. 3) Contudo, o seu sucesso e determinao criaram algumas polmicas na
sociedade, uns defendiam o seu mtodo, outros criticavam e desacreditavam a sua obra.
atravs da palavra que Joo de Deus reage aos seus crticos, publicando artigos nos prprios
jornais que o criticavam. Joo de Deus (1881), no seu livro polmico sobre o seu mtodo, diz
aos seus leitores:
() desde as mais notveis pessoas de cincia, e das letras, da imprensa e da poltica, at ao meio selvagem que adquiria a Cartilha Maternal, como houve muitos, sem saber ler nem ter quem lhe ensinasse, mas s para oferecer ou possuir, tudo foram bnos, saudaes e aplausos e ensoberbecer a quem a frieza dos anos, seno mais desenganos, consentisse algum entusiasmo. S uma dzia de professores pblicos de Lisboa, capitaneados pelo respectivo comissrio dos estudos, planeou maduramente a difamao do autor e da obra; e se na vitria se haviam de gloriar da emboscada, desde o principio da luta e da derrota disfaram e vergonha acusando-nos de toda a agresso ()Aqui tem o leitor escrupulosamente arquivado todos os insultos e alegaes desses jurados contraditores duma verdade reconhecida, onde ver quem agrediu, e o desvio sistemtico de toda a questo literria da parte deles, do seu precursor e alguns sequazes. Da nossa, achar sempre as afirmaes claras e a certeza dos factos e da doutrina. (pp.29-42)
No entanto, apesar das crticas e insultos de que foi alvo, Joo de Deus continuou a sua
misso alfabetizadora at ao fim da sua vida, sendo nomeado em 1888 Comissrio Geral do
seu mtodo e a Cartilha Maternal considerado mtodo nacional.
Joo de Deus Ramos, filho de Joo de Deus, nasceu em 1878, continuou o caminho de
seu pai. Aplicou a Cartilha Maternal e fundou os Jardins-Escolas Joo de Deus (1911), o
Bairro Escolar do Estoril (1928) e os Cursos de Didctica Pr-Primria Joo de Deus (1943).
Tal como seu pai acreditava que atravs da educao era possvel transformar a cultura, a
sociedade a poltica, a arte e a economia do pas.
Em 1926, com a ditadura militar e o fascismo, a Educao sofreu um retrocesso, as
reformas da Repblica foram extintas. O Estado Novo entendia que ao povo portugus
bastava saber ler, escrever e contar. As poucas escolas infantis oficiais foram fechadas o
crucifixo tornou-se obrigatrio nas paredes de todas as escolas, o nacionalismo mais
chauvinista invadiu os programas escolares. Contudo, os Jardins-Escolas mantiveram-se em
funcionamento, pois pertenciam ao ensino particular. Durante este perodo o Estado no
assumia a responsabilidade pela rea da educao.
10
Somente a partir dos anos 60 do sculo XX, e apesar da ideologia que se fazia ainda
sentir no governo salazarista que depreciava a modernizao do pas, a industrializao que se
fazia sentir h muito noutros pases acaba por influenciar a sociedade portuguesa, levando as
mulheres a entrarem no mercado de trabalho, assim como o surgimento de uma nova
mentalidade que considera a educao institucional favorvel para o desenvolvimento das
crianas.
O desinteresse por esta rea era evidente, em 1968, a responsabilidade de fiscalizar e
conceder licenas de funcionamento s instituies privadas ficou a cargo dos servios do
Ministrio da Sade e de Assistncia.
A importncia da educao pr-escolar comea a ser relevante com o Ministro Veiga
Simo que tinha como preocupao a construo de novas estruturas para a educao
nacional. O aumento da rede pblica de jardins-de-infncia era eminente assim como a
preparao profissional de educadores.
No seguimento deste perodo, Bastos (2007) na sua investigao sobre a criana de
transio refere a Lei n.5/73 como a definio da nova estrutura do sistema educativo
portugus. Relativamente educao pr-escolar a lei reintegra a educao infantil no sistema
educativo (Base IV), define os seus objectivos (Base V) e cria as escolas de educadores de
infncia (Base XX, 1 e Base XXI). No seu captulo II, Seco 1., Base IV a Lei refere: A
educao pr-escolar tem por finalidade o desenvolvimento espiritual, afectivo e fsico da
criana, sem a sujeitar disciplina e deveres prprios de uma aprendizagem escolar. (Idem,
pp.717-736) o que vem acentuar a especificidade e a autonomia da educao pr-escolar
relativamente educao pr-escolar.
Em 1971 a Comisso de Coordenao da instalao de Infantrios e Jardins-de-Infncia
defende a importncia do Estado se responsabilizar pela abertura de um maior nmero de
instituies, devendo a iniciativa privada apenas desempenhar um papel complementar.
(Cardona, 1998)
O esforo educativo deste perodo marcado por contextos polticos bem diferenciados.
Consequentemente, as reformas e contra-reformas educativas que fizeram antes da primeira
Repblica, durante e depois, eram propostas educativas inadequadas, incertas e pouco
consistentes.
No perodo ps-25 de Abril de 1974, os currculos so alterados, os objectivos da
educao definidos, adaptados aos ideais que dirigiam a Revoluo de Abril. A Escola deixa
de estar isolada e insere-se na comunidade.
11
A nova perspectiva de uma sociedade democrtica, fez com que fosse criado um sistema
pblico da Educao Pr-Escolar, Vilarinho (2000), atravs () da Lei n. 5/77 de 1 de
Fevereiro que inaugura um novo ciclo na Educao Pr-escolar que procurou dar corpo aos
ideais da democratizao do ensino, do princpio da igualdade em educao e ao direito das
crianas usufrurem de uma educao laica e gratuita. (p. 136)
Com este novo ciclo o termo Educao Infantil deixa de ser utilizado para ser empregue o
termo Educao Pr-Escolar.
Em 1979 surge a publicao do Estatuto dos Jardins-de-Infncia (Decreto-Lei n. 542/79,
de 31 de Dezembro), http://agjsaraiva.ccems.pt/Leg.%20escolar/PRE/Dec-Lei%20542-
79%20.Estatuto%20JI.pdf, retirado em 21 de Abril de 2010, que estabelece as normas e regras
de funcionamento destas instituies pblicas com o objectivo de apoiar as famlias e
construir alicerces para o sucesso escolar das crianas. Neste documento predomina a
valorizao da especificidade da Educao Pr-escolar atravs dos objectivos centrados na
criana ao preconizar (art.28., n.1) que () as actividades dos jardins-de-infncia centrar-
se-o na criao de condies que permitam criana, individualmente e em grupo, realizar
experincias adaptadas expresso das suas necessidades biolgicas, emocionais, intelectuais
e sociais.
A especificidade da Educao Pr-Escolar que marcou quase toda a evoluo histrica da
educao de infncia continuou a fazer-se sentir com a reforma do sistema educativo, ocorrida
na parte final do sculo XX, e decorrente da aprovoo, em 1986, da Lei de Bases do Sistema
Educativo.
A educao est e continua a estar na ordem do dia. Verificamos que uma constante na
evoluo do ensino em Portugal avanos e recuos devido s polticas educativas que se
modificam consoante os Governos.
1.1.2. Objectivos e Finalidades da Educao Pr-Escolar
Com a Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada em 1986, a Educao Pr-Escolar
passa definitivamente a fazer parte do sistema educativo, conforme se deduz do artigo 4. O
sistema educativo compreende a educao pr-escolar, a educao escolar e a educao extra-
escolar.Contudo, a educao pr-escolar ainda se encontra afastada dos restantes nveis de
ensino. Neste sentido, Bairro (1997) comenta:
A anlise das finalidades que a Lei de Bases atribui ao sistema pr-escolar permite depreender que se valoriza essencialmente a promoo de um desenvolvimento global e harmonioso da criana no sendo salientados os contributos para o sucesso educacional das crianas. Isto equivale a dizer
12
que a dimenso de preparao para a escola no considerada como uma funo a desempenhar pelo sistema de educao pr-escolar. (p. 31)
A Educao Pr-Escolar tem caractersticas prprias que a distingue dos outros nveis de
ensino. Para os nveis etrios que fazem parte deste nvel de ensino, no existem contedos
programticos, nem currculo prprio, mas sim, a construo de um currculo adequado, de
acordo com as Orientaes Curriculares, tendo em conta as reas de contedo, face situao
especfica de cada turma.
A Educao Pr-Escolar contribui de forma evidente para o processo de socializao da
criana, neste sentido Bairro (1997) afirma que, as vantagens da Educao Pr-Escolar so,
no entanto, muitas (). Seguramente vai preparar as crianas para a Escola, no s em termos
de pr-requisitos mas, sobretudo, em termos de socializao. (p. 42)
Sendo a Educao Pr-Escolar determinante no desenvolviento global da criana,
analisaremos os objectivos fundamentais dos jardins-de-infncia, citados no Dirio da
Repblica n. 542/1984, verificamos um acentuar da igualdade de oportunidades, um colmatar
de deficincias sociais e uma preocupao em porpocionar o desenvolvimento individual e
social.Vejamos os objectivos a menciondos:
(i) Propocionar s crianas condies de desenvolvimento individual e social no
possveis no meio familiar;
(ii) colaborar com a famlia na proteco sade e educao dos filhos,
nomeadamente em situaes de risco ou carncia social;
(iii) permitir uma igualdade de oportunidades a todas as crianas
independentemente da debilidade scio-econmica do respectivo agregado
familiar;
(iv) compensar handicaps fsicos, sociais ou culturais bem como o despiste
precoce de inadaptao ou deficincias.
Podemos considerar que o ano de 1997 foi um momento importante na Educao Pr-
Escolar em Portugal. Criou-se uma rede nacional de estabelecimentos de Educao Pr-
Escolar e so publicadas pelo Departamento de Educao Bsica do Ministrio da Educao
as Orientaes Curriculares. Estas Orientaes constituem um conjunto de princpios para
apoiar o educador nas decises sobre a sua prtica, ou seja, para conduzir o processo
educativo a desenvolver com as crianas (Ministrio da Educao, 1997, p.13). O Currculo
13
ir assentar em quatro fundamentos: o desenvolvimento e aprendizagem como vertentes
indissociveis; o reconhecimento da criana como sujeito do processo educativo; a construo
articulada do saber e a exigncia de dar resposta a todas as crianas (Ministrio da Educao,
1997, p.14). Defende-se, portanto, que o desenvolvimento curricular, cujo principal actor o
educador, deve ter em considerao os objectivos gerais da educao, a organizao do
ambiente educativo, a continuidade e a intencionalidades educativas, bem como as reas de
contedo. (Ministrio da Educao, 1997, p.14)
Portanto, a Educao Pr-Escolar ganhar o estatuto de uma educao de qualidade,
propiciadora da igualdade, devendo garantir as condies para que a criana aprenda a
aprender, com vista a contribuir para a igualdade de oportunidades no acesso escola e para
o sucesso das aprendizagens (Ministrio da Educao 1997, p.15). Deste modo depreende-se
que as crianas de meios sociais menos favorecidos nem sempre tm acesso Educao Pr-
Escolar. Aqui salienta-se o objectivo geral da Lei-Quadro da Educao Pr-Escolar, uma vez
que ela a primeira etapa da Educao Bsica no processo de educao ao longo da vida.
De acordo com o Decreto-Lei n. 241/01, de 30 de Agosto, no seu anexo n. 1, ponto II,
est definido a forma como o educador de infncia concebe e desenvolve o respectivo
currculo, atravs de planificao, organizao e avaliao do ambiente educativo. Assim ele
organiza o espao e os materiais, concebendo-os como recursos para o desenvolvimento
curricular, de modo a proporcionar s crianas experincias educativas diversificadas;
disponibiliza e utiliza materiais estimulantes.
As reas de contedo, constituem as referncias gerais a considerar no planeamento e
avaliao das situaes e oportunidades de aprendizagem. Distinguem-se trs reas de
contedo: a comunidade educativa, como processo que parte do que as crianas j sabem e
aprenderam, criando condies para o sucesso das aprendizagens seguintes; a
intencionalidade educativa, que decorre do processo reflexivo de observao planeamento e,
aco e avaliao desenvolvido pelo educador, de forma a adequar a sua prtica s
necessidades das crianas. Vasconcelos (2009) diz-nos que as crianas no so seres
isolados, esto inseridas em contextos humanos, sociais, culturais e histricos (p. 53), como
tal o desempenho do educador fulcral na educao dos primeiros anos da criana. Neste
sentido, Vasconcelos (2009) cita a proposta para uma educao de Oliveira-Formosinho
(2001):
A integrao de servios uma caracterstica desejvel da educao nos primeiros anos e requer que o educador desempenhe funes complexas e mltiplas, com um amplo entendimento e um mundo de interaces extenso e completo. (...) Podemos ento dizer que a natureza profissional do
14
educador de infncia est localizada num mundo de interaces e ela/ele desenvolve papis, funes e actividades baseados neste mundo. (p. 53)
Em Portugal a Educao Pr-Escolar est a cargo de dois Minitrios, o Ministrio do
Trabalho e Segurana Social e o Ministrio da Educao. Do primeiro dependem os Jardins-
de-infncia ligados a diversas instituies, tais como: Instituies Privadas de Solidariedade
Social (IPSS), Estabelecimentos Oficiais ligados directamente aos Centros Regionais de
Segurana Social de cada destrito, Equipamentos de Aco Social ligados s Autarquias,
Cooperativas, Estabelecimentos com fins lucrativos, Estabelecimentos pertencentes a
Empresas, do segundo Ministrio dependem apenas jardins-de-infncia, oficiais e
particulares. Vasconcelos (2009), citando Bairro (2005), aproveita para chamar a ateno de
que em Portugal prevalecem estruturas paralelas, educao segregada (com prioridade ao
vector assistencial) para os grupos desfavorecidos, e estruturas educativas para os mais
favorecidos. (p. 9) A autora defende ainda que as crianas mais desfavorecidas devem ter
perioridade sobre as mais favoracidas e assim se respeitar os prncipios de equidade social.
No seu estudo, Vasconcelos (2009) prope reflectir sobre a educao de infncia no
cruzamento de fronteiras e trazer algumas propostas que sirvam de janelas de soluo a estas
dificuldades e problemas. (p. 24)
Porm, todos os aspectos abordados, continuam a ser temas actuais que exigem a ateno
dos polticos, formadores e profissionais de educao.
1.1.3. Organizao do Ambiente Educativo (Grupo, Espao, Tempo)
As Orientaes Curriculares para a Educao Pr-Escolar (1997) passam a ser a principal
referncia de apoio prtica do educador de infncia, a sua organizao deve ser estruturada a
partir de princpios que promovam a aprendizagem da criana num ambiente propcio, visto
que a Educao Pr-Escolar deve tambm favorecer a formao e o desenvolvimento
equilibrado da criana (p. 18), e neste estudo pretendemos conhecer a criana no seu todo,
para que os educadores, pais e toda a comunidade educativa possam em conjunto ajudar a
criana na fase da adaptao escola.
No estabelecimento de ensino do grupo do estudo h crianas dos trs aos dez anos, num
total de vinte e cinco (aproximadamente) crianas por sala. Esta formao do grupo depende
das condies do jardim-escola, existncia de salas, caractersticas demogrficas e critrios de
prioridade. Segundo as Orientaes Curriculares para a Educao Pr-Escolar, (1997), o
grupo proporciona o contexto imediato de interaco social e de relao entre adultos e entre
15
crianas que constitui a base do processo educativo. (p. 34) De acordo com as Orientaes
Curriculares para a Educao Pr-Escolar (1997), temos tambm a organizao do tempo,
onde existe uma rotina diria que acabada por ser educativa, pois delineada pelo educador e
conhecida pelas crianas, onde as propostas do quotidiano podem ser alteradas. As referncias
temporais so importantes para as crianas, onde podemos mencionar: passado, presente e
futuro, bem como o contexto dirio, semanal, mensal e anual. Segundo estas Orientaes
Curriculares (1997), o tempo educativo contempla de forma equilibrada diversos ritmos e
tipos de actividades, em diferentes situaes individual, com outra criana, com um
pequeno grupo e em grande grupo e permite oportunidades de aprendizagem diversificadas,
tendo em conta as diferentes reas de contedo. (p. 40) As reas de contedo designam-se,
por Formao Pessoal e Social, Expresso e Comunicao e Conhecimento do Mundo. O
jardim-de-infncia um marco essencial na vida das crianas. A partir dos dois, trs anos de
idade fundamental para o desenvolvimento da criana que esta ingresse num espao
educativo, no qual poder continuar a desenvolver as suas inmeras capacidades atravs de
experincias diferentes das que vive em casa. Para crescer harmoniosamente criana, precisa
de outras crianas e de um espao capaz de lhe proporcionar experincias gratificantes e
enriquecedoras a nvel do seu prprio desenvolvimento.
Em sntese, dos objectivos gerais pedaggicos definidos para a Educao Pr-Escolar, nas
Orientaes Curriculares para a Educao Pr-Escolar (1997), destacamos, por terem sido
enfatizados neste projecto, os seguintes:
Estimular o desenvolvimento global de cada criana, no respeito pelas suas
caractersticas individuais, incutindo comportamentos que favoream aprendizagens
significativas e diversificadas;
Desenvolver a expresso e a comunicao atravs da utilizao de linguagens mltiplas
como meios de relao, de informao, de sensibilizao esttica e de compreenso do
mundo. (p. 15)
1.2. PSICOLOGIA INFANTIL
1.2.1. Desenvolvimento da criana
O olhar sobre a infncia ao longo dos tempos tem vindo a modificar-se, colocando-a no
centro das discusses pedaggicas que tambm tem sofrido influncias de vrias cincias para
melhorar a educao das crianas. Por conseguinte, a aco pedaggica tem estado
16
estritamente ligada aos contributos tericos da psicologia como descreve Spodek e Brown
(1998):
A psicologia do desenvolvimento da criana tem sido a rea disciplinar com maior influncia nos currculos para a primeira infncia no sculo XX. A formulao de novas teorias sobre o desenvolvimento da criana influenciou a forma como os educadores para a primeira infncia recebiam programas do ponto de vista desenvolvimental.(pp.23-25)
Portanto, um estudo onde se fala de crianas e de escola tem necessariamente abordar o
tema da psicologia do desenvolvimento e aprofundar algumas das contribuies tericas
dadas a esta cincia.
Para que se possa entender melhor o tema da adaptao da criana escola, entendemos
que primeiramente devemos tratar a psicologia do desenvolvimento infantil, especialmente
alguns modelos que consideramos mais representativos desta matria. E que podem auxiliar
os educadores, no sentido, de caracterizar as vrias capacidades, limitaes de cada faixa
etria aos vrios aspectos da personalidade. No abordaremos todos eles, visto no ser o
objectivo do nosso estudo, mas sim traar alguns dos principais pressupostos dos estudiosos
do psiquismo infantil essenciais na compreenso do tema proposto.
A psicologia do desenvolvimento pretende explicar de que maneiras importantes as
crianas mudam no decorrer do tempo e como essas mudanas podem ser descritas e
compreendidas. (Rappaprot, 1981, p.1).
Piaget (1976), ao realizar uma nova abordagem sobre o pensamento e a aco da criana,
contrape a psicologia tradicional que olhava a criana como um pequeno adulto com
estruturas intelectuais idnticas ao adulto e, portanto o trabalho que que era exigido no tinha
em conta as suas prprias necessidades infantis.
Neste sentido o psiclogo afirma:
As estruturas intelectuais e morais da criana no so as nossas; alis, os novos mtodos de educao se esforam para apresentar s crianas de diferentes idades as matrias de ensino sob formas assimilveis sua estrutura e aos diferentes estgios do seu desenvolvimento. Mas, quanto relao funcional, a criana idntica ao adulto; como este ltimo um ser activo cuja aco, regida pela lei do interesse ou da necessidade, s poder dar seu pleno rendimento se se fizer um apelo aos mveis autnomos dessa actividade. (p. 156)
O modelo de Piaget centra-se particularmente no estudo da natureza do desenvolvimento
do conhecimento, como tambm e principalmente no desenvolvimento intelectual da criana.
Passou grande parte da sua carreira a observar crianas de forma a estudar o processo de
17
raciocnio. Piaget considerava que ao observar a forma como o conhecimento evolui nas
crianas, podemos entender melhor a natureza do conhecimento humano.
Rappaport (1981) refere que Piaget apresentou uma viso integracionista. Mostrou a
criana e o homem num processo activo de contnua interaco, procurando entender quais os
mecanismos mentais que o sujeito usa nas diferentes etapas da vida para poder entender o
mundo. (p. 51). Como bilogo, defendia que a inteligncia precede o pensamento,
desenvolvendo-se por etapas progressivas que exigem processos de adaptao ao meio. Como
epistemlogo caracteriza, em termos lgicos, a sua estrutura.
Para o terico, o desenvolvimento mental da criana como o desenvolvimento fsico.
Assim como os rgos do corpo tendem a um estado de maturidade, tambm a vida mental
evolui na procura de um estado de equilbrio. Para Piaget, (citado por Rappaport et. al, 1981)
o indivduo herda uma srie de estruturas biolgicas (sensoriais e neurolgicas) que
predispem ao surgimento de certas estruturas mentais. (p. 55)
A partir de um equipamento biolgico hereditrio, a criana ir elaborar estruturas
mentais, com a finalidade de elaborar sensaes e estados emocionais. Rappaport (1981),
refere que esta organizao mental (equilbrio) ser modificada medida que o indivduo
conseguir atingir novas formas de compreender a realidade e de actuar sobre ela. (p. 62)
Partindo deste processo, Piaget definiu quatro estdios do desenvolvimento da
inteligncia. Em cada um dos estdios h uma forma especfica de conhecimento e raciocnio.
O primeiro estdio (sensrio-motor) vai do nascimento at aos dois anos, caracteriza-se
pela interaco da criana com o meio atravs dos sentidos. A ausncia de linguagem faz com
a criana se limite s suas aces. Rappaport et al. (1981) referem que a criana no tem
conscincia do seu mundo exterior e interior, sendo que uma das funes da inteligncia ser,
portanto, a diferenciao entre os objectos externos e o prprio corpo. Este estgio representa
a conquista, atravs da percepo e dos movimentos, de todo universo prtico que cerca a
criana; a formao dos esquemas sensoriais-motores ir permitir ao beb a organizao
inicial dos estmulos ambientais, permitindo que, ao final do perodo, ele tenha condies de
lidar, embora de modo rudimentar, com a maioria das situaes que lhe so apresentadas (p.
66)
O segundo estdio surge por volta dos dois anos at aos sete, denomina-se de estdio pr-
operatrio. neste estdio que surge a linguagem. Nesta fase a criana j estabelece um
dilogo com uma inteno apesar de ainda serem egocntricas e considerarem que o mundo
surge em funo delas. A verbalizao que acompanha as diversas aces da criana pode ser
entendida, para Rappaport (1981) como um treino dos esquemas verbais recm-adquiridos e
18
como uma passagem gradual do pensamento explcito, para o pensamento interiorizado. (p.
71)
A criana desenvolve a capacidade simblica, transforma o real em funo dos seus
desejos. Segundo Rappaport (1981), a criana no concebe um mundo, uma situao da qual
no faa parte, confunde-se com objectos e pessoas, no sentido de atribuir a eles os seus
prprios pensamentos, sentimentos, etc. (p. 68)
Como referem, Tavares e Alarco (2005):
neste nvel o processo de interiorizao dos esquemas, atravs dos mecanismos da assimilao/acomodao/ equilibrao, passa pelos seguintes momentos:
- Equilibrao entre a assimilao e a acomodao (comportamentos adaptados da inteligncia sensrio-motora);
- Subordinao da acomodao assimilao (comportamentos ldicos, relativos ao jogo);
- Subordinao da assimilao acomodao (comportamentos de imitao. (p. 65)
Esta influncia do pensamento egocntrico, que assenta na predominncia da assimilao
sobre a acomodao, estender-se- at ao aparecimento das operaes concretas, por volta dos
6 ou 7 anos. Para Piaget, so evidentes as mudanas ocorridas neste perodo. Este corresponde
praticamente idade da entrada da criana no ensino escolar obrigatrio. uma fase marcada
pela diminuio do egocentrismo e um crescimento do desenvolvimento do pensamento
lgico. A estrutura mental e afectiva continua em constante mudana, observa-se a um
declnio do egocentrismo intelectual e um crescente aumento do pensamento lgico. Assim,
Rappaport (1981) refere que a tendncia ldica do pensamento, tpica da idade anterior,
quando o real e o fantstico se misturavam nas explicaes fornecidas pela criana, ser
substituda por uma atitude crtica. (p. 72)
Consegue distinguir o seu ponto de vista em relao a outros. Rappaport (1981), a
criana j ter a capacidade para perceber que as outras pessoas tem pensamentos,
sentimentos e necessidades diferentes das suas, desenvolvendo interaces sociais mais
genunas e efectivas. (p. 72) Comea o processo de reflexo, pensar e depois agir.
Adquirem-se as noes de tempo, peso, volume, comprimento, onde a criana passa do
pensamento intuitivo construo de raciocnios lgicos.
Ao nvel afectivo, a criana tem um maior controlo sobre o seu egocentrismo e a sua
vontade. Quanto ao aspecto social, assiste-se como caracterstica marcante, o incio do
afastamento da famlia em contraste com a aproximao do contacto com crianas da mesma
idade.
19
Por ltimo, Piaget definiu o estdio das operaes formais, que corresponde fase da
adolescncia, ocorrendo a partir dos 12 anos.
Na adolescncia, o pensamento formal pera sobre o pensamento simblico, sobre a
linguagem ou o simbolismo matemtico. Passa-se, portanto, do pensamento concreto ao
abstracto. O adolescente relaciona-se com o mundo, constri a sua prpria teoria partindo da
sua experincia concreta.
Inicia-se com este estgio a busca da identidade e da autonomia pessoal, sendo que para
Piaget, referido por Rappaport (1981) que o indivduo atingiu a sua forma final de
equilbrio (p. 75).
Na mesma linha cognitivo-desenvolvimental de Piaget, destacamos outro nome
importante, Lev Vygotsky (1896-1934). Este psiclogo nasceu na Rssia e o seu trabalho foi
fortemente influenciado pelo Marxismo. Desenvolveu a Teoria Histrica-Cultural, juntamente
com Luria e Leontiev. Com esta Teoria pretendiam compreender as relaes entre o ser
humano e seu meio fsico, assim como compreender o desenvolvimento da linguagem.
Como nos refere Rego (1997), Vygotsky defendia a tese de que o biolgico e o social no
de encontram separados no ser humano (interaces: o homem transforma e transformado
pelo meio).
Vygotsky pretendia com o seu interesse pelo desenvolvimento infantil explicar como este
desenvolvimento socialmente constitudo. Para ele os factores biolgicos s tm influncia
na fase inicial da vida. Depois so os factores externos (grupos sociais e cultura) que iro
promover o desenvolvimento mental e gerir o comportamento.
Um aspecto importante do trabalho de Vygotsky, e que se contrape postura de Piaget,
a rejeio dos comportamentos universais e a definio de comportamentos por faixa
etria.
De acordo com Rego (1995), apresentaremos sinteticamente de seguida as ideias
principais de Vygotsky:
Relao indivduo-sociedade: caractersticas tipicamente humanas resultam das interaces dialcticas do homem e seu meio scio-cultural. O homem transforma o meio e transforma-se a si mesmo.
Origem cultural das funes psquicas: o desenvolvimento mental no imutvel e universal, passivo ou independente do desenvolvimento histrico. A cultura parte construtiva da natureza humana. Por exemplo, o homem capaz de abster-se de comportamentos biolgicos em funo de uma ideia ou crena, partes da sua cultura, diferentemente do animal.
20
Mediao presente em toda a actividade humana: a relao do homem com o mundo e outros homens mediada por meios os instrumentos tcnicos e os sistemas de signos constitudos historicamente. Os instrumentos foram criados pelo homem para realizao do trabalho, guardados para uso posterior, e depois aperfeioados. Regulam a aco do homem sobre o meio. J os signos regulam as aces sobre o psiquismo, pois auxiliam o homem nas suas actividades psquicas.
Destaca-se a linguagem. um signo mediador que carrega os conceitos universais elaborados pela cultura humana.
Processos psicolgicos complexos: diferenciam-se dos mecanismos mais elementares. Desenvolvem-se num processo histrico e podem ser analisados e descritos. As mudanas mentais so vistas a partir de um contexto social. (p. 53)
A linguagem um sistema simblico fundamental, como nos diz Bee (1977), citando
Vygotsky (1962):
() quando a fala comea a servir o intelecto e os pensamentos comeam a ser falados, indicado por dois sintomas objectivos inconfundveis: a repentina curiosidade activa da criana no que diz respeito s palavras, suas perguntas sobre todas as coisas novas, e o rpido aumentoresultante no seu vocabulrio. (p. 43)
O psiclogo destaca a aquisio da linguagem como um momento marcante no
desenvolvimento da criana, pois habilita-a a imaginar solues, a controlar o seu prprio
comportamento, alm de ser um meio de contacto com os outros. A linguagem no s
expressa o pensamento da criana como tambm o organiza. O desenvolvimento da
linguagem impulsionado pela necessidade de comunicao e marca uma passagem na vida
da criana. A evoluo passa da fase dos sons atravs da voz, que tem inteno de comunicar
mas ainda no especfica, para posteriormente passar fase da linguagem propriamente dita,
que utilizada como instrumento do pensamento e meio de comunicao. Pensamento e
linguagem associam-se, o pensamento torna-se verbal e a linguagem racional.
Assim, para Rego (1997), o domnio da linguagem promove mudanas radicais na
criana, principalmente no seu modo de se relacionar com o meio, pois possibilita novas
formas de comunicao com os indivduos e de organizao de seu modo de agir e pensar.
(p. 32)
A linguagem funciona como um elemento mediador, permitindo a comunicao entre as
pessoas e a ligao cultura. Podemos ento concluir que, se Piaget encara as crianas como
21
sujeitos activos da sua aprendizagem, com Vygotsky o professor tem um papel activo e
determinante, uma vez que a criana s aprender se tiver a participao do adulto.
Sigmund Freud foi outro precursor do desenvolvimento infantil, como nos dizem Alarco
e Tavares (2005), criou uma Cincia Nova, a psicanlise que tem como objecto de estudo a
anlise do inconsciente. Assim como Piaget na perspectiva cognitiva, tambm Freud
considera que a compreenso do comportamento exige uma anlise dos fenmenos psquicos.
Toda a teoria de Freud desenvolve-se volta do conceito de energia psicossexual ou libido,
que segundo o prprio esta energia resulta de processos metablicos. Como nos refere
Sprinthall (1990), Freud ao estabelecer o decurso do crescimento emocional, nomeou
diferentes estdios de desenvolvimento: oral, anal, flico, de latncia e genital que abrangem a
faixa etria que vai dos 0 aos 15 ou 16 anos.
A 1. fase descrita por Freud (citando Harr, 1987), a fase oral, caracteriza-se pela suco
como fonte de prazer do beb; a boca torna-se uma zona ergena- o acto que consiste em
chupar o seio materno torna-se o ponto de partida de toda a vida sexual. (p. 54). Segundo
Haar (1987), o seio materno constitui o primeiro obejcto de instinto sexual. Para Freud, como
o seio da me no est sempre presente, a criana substitui-o por certas partes do seu corpo
(), a criana experimenta uma satisfao sexual com o seu prprio corpo atitude auto-
ertica. (p. 54).
Para Erik Erikson ( citando Rappaport ), a criana ama com a boca e a me ama com o
seio. ( p. 32).
A mesma autora refere que por volta dos trs de anos de idade, a lbido direccionada
para os genitais, tornando-se a masturbao frequente e normal. (p. 41) Freud designa esta
fase de flica, onde tambm ocorre o Complexo Nuclear do modelo psicanaltico o
complexo de dipo a criana configura o desejo de eliminar aquele que lhe impede o acesso
me. ( p. 44)
Para Rappaport (1981), com a represso do dipo, a energia da libido fica
temporariamente deslocada dos seus objectivos sexuais (p. 44) A partir daqui a energia no
pode ser reprimida ou eliminida, sendo transposta para o desenvolvimento intelectual e social
da criana. Rappaport considera que este processo de canalizar uma energia inicialmente
sexual em uma energia mobilizadora chama de realizaes socialmente produtivas de
sublimao. Enquanto a sexualidade permanente adormecida, as grandes conquistas desta
etapa situam-se nas realizaes intelectuais e na socializao.
Para Feud esta fase a aquela em que o jovem adulto capaz de progressivamente
elaborar o mundo e vai atingir o pleno desenvolvimento do adulto normal.
22
No entanto, tudo muda com a puberdade. A adolescncia vai reactivar uma sexualidade
que esteve como que adormecida durante o perodo de latncia. Assim, retomam-se algumas
problemticas da fase flica, como o complexo de dipo. Nesta fase prevalece a sexualidade
genital. Gleitman (1986) refere que aumentam os nveis hormonais, os orgos sexuais
amadurecem rapidamente e os impulsos sexuais reprimidos deixam de poder ser negados.
Para Freud, esta uma das razes por que a adolescncia muitas vezes um perodo de
profunda turbulncia emocional. (p. 54)
Deste modo, a criana atravessa uma srie de estdios, cada um dos quais se associa a
sensaes de prazer ligadas a uma zona ergena especfica. Freud defendia que a sequncia
das transformaes emocionais que ocorrem nestes estdios marcam de forma permanente a
personalidade na vida adulta.
A partir das pesquisas de Freud, surgiram outros estudiosos interessados nos assuntos do
desenvolvimento infantil, pois da sua compreenso dependia o futuro do ser humano, para
sempre ligado s suas razes primitivas. Na dcada de 40, os grandes expoentes que se
destacaram foram Ren Spitz, John Bowlby, Melanie Klein, Anna Freud e Donald Winnicott.
J nos anos 50 destacamos Erik Erikson, que partiu do aprofundamento da teoria
psicossexual de Freud e respectivos estdios, mas rejeitou que a personalidade se explique
apenas com base na sexualidade. A sua perspectiva caracteriza-se pela nfase dos aspectos
psicossociais.
A Teoria Psicossocial do Desenvolvimento considera o ser humano como um ser social,
que vive em grupo e que sofre presso e influncia deste. Assim como Freud, Piaget, entre
outros psiclogos da poca, Erikson dividiu o desenvolvimento humano em oito estdios, a
que chamou de psicossociais. Os primeiros quatro estdios decorrem no perodo de bb at
infncia, e os trs ltimos durante a idade adulta e a velhice. Hall et al. (2000) referem que
Erikson deu um grande contributo psicanlise. A sua teoria trabalha o ciclo vital como uma
continudade, onde cada estdio influncia o seguinte.
Erikson nos seus estdios decreve algumas crises pelas quais o ego passa, ao longo da
vida. Passamos a identificar os estdios psicossociais segundo Erikson.
O primeiro estdio denominna-se de Confiana Bsica /Desconfiana Bsica. Este estdio
corresponde ao estdio oral de Freud. A criana foca a sua ateno na pessoa que satisfaz as
suas necessidades, a me. Estabelece-se a primeira relao social. Quando a me se ausenta a
criana vai aprender a esperar, ou seja comea a preceber que o foco da sua ateno poder
desaparecer temporariamente do seu campo de viso.Quando a criana vivencia esta
experincia positivamente vai surgir a confiana bsica. Ao invs desta situao vai surgir a
23
desconfiana bsica. A importncia da confiana bsica surge devido, segundo Erikson (1987)
ao facto de implicar a ideia de que a criana no s aprendeu a confiar na uniformidade e na
continuidade dos provedores externos, mas tambm em si prprio e na capacidade dos
prprios rgos para fazer frente aos seus impulsos e anseios. (p. 102).
O segundo estdio denomina-se de autonomia/vergonha e dvida e corresponde ao
estdio anal de Freud. Nesta fase a criana j tem uma certa autonomia muscular, j controla
os seus movimentos. J tem capacidade para realizar certas aces de forma independente. No
entanto, importante que o adulto no exija demasiado da criana, pois ele poder no
corresponder s expectativas e assim baixar a sua auto-estima gerando vergonha. Por outro
lado, o adulto tambm no deve deixar a criana livremente, pois esta pode considerar que a
abandonaram, no havendo preocupao para com ela. Tambm no a pode amparar
demasiado para que no se torne frgil e indsegura. Estamos perate um estdio bastante
delicado. necessrio um equilbrio entre todas estas situaes. O adulto deve estimular a
criana a ser autnoma, mas estar sempre por perto de forma a ajud-la no que for necessrio.
O terceiro estdio iniciativa/culpa corresponde fase flica de Freud, ganhou confiana
com a me, e a autonomia com atravs da sua movimentao. Agora a criana ir associar
autonomia e confiana, a iniciativa pela expanso intelectual. Nesta fase a criana sente-se
de tal forma independente que quando no consegue atingir o seu objectivo sente -se culpada.
Erikson (1987) diz que o despertar de um sentimento de culpa, na mente da criana, poder
ficar atrelado sensao de fracasso, o que gera uma ansiedade em torno de atitudes futuras.
(p. 119)
O quarto estdio designa-se de diligncia / inferioridade, corresponde fase de latncia.
Esta fase corresponde a um perodo marcado pelo controle da actividade, fsica e intelectual,
no sentido de equilibr-la s regras do meio, uma vez que o principal contacto social na
escola. Com a educao que vai recebendo a criana aprende o que valorizado no mundo
dos adultos e por isso tenta adaptar-se a ele. Surge o interesse pelo trabalho, a criana comea
a dizer o que quer ser quando for grande.
O quinto estdio corresponde fase da adolescncia e denomina-se de indentidade /
confuso de identidade. O autor dedicou grande parte da sua obra a esta fase. Ele defende que
o adolescente precisa de segurana para superar todas as transformaes fsicas e psicolgicas
que caracterizam este perodo.
O sexto estdio, intimidade/ isolamento. nesta fase que o indivduo est pronto para
uma unio com o outro. Para que essa unio seja positiva fundamental que o indivduo tenha
24
construdo ao longo dos ciclos um ego forte, caso contrrio ir preferir o isolamento unio,
pois atravs do isolamento que ir proteger o seu ego frgil.
Stimo estdio, generatividade / estagnao, caracteriza-se pela preocupao do indivduo
por tudo o que pode ser gerado. Dedica-se aos filhos e transmisso de valores sociais. No
entanto, tambm possvel expressar a sua generatividade atravs de outras situaes, que
no a familiar. O autor chama de estagnao.
Por ltimo o estdio da integridade / desespero, a fase de reflexo sobre a vida. O
indivduo pode sentir-se bem com a sensao de dever cumprido ou ento desesperar e
considerar que a morte est prxima e que ser o fim de tudo. Erikson (1987), faz uma
ressalva acerca das crises e das consequncias na construo da personalidade. Nas suas
palavras:
Uma personalidade saudvel domina activamente o seu meio, demonstra possuir uma certa unidade de personalidade ().De facto, podemos dizer que a infncia se define pela ausncia inicial desses critrios e do seu desenvolvimento gradual em passos complexos de crescente diferenciao. Como , pois, que uma personalidade vital cresce ou, por assim dizer, advm das fases sucessivas da crescente capacidade de adaptao s necessidades da vida com alguma sobra de entusiasmo vital? (p. 91)
Consideramos tambm importante fazer uma breve abordagem aos contributos da
Sociologia da Infncia para o estudo do desenvolvimento da Criana. Vasconcelos (2009) cita
Sarmento (2005) referindo que :
A sociologia da infncia prope-se interrogar a sociedade a partir de um ponto de vista que toma as crianas como objecto de investigao sociolgica por direito prprio, fazendo acrescer o conhecimento no apenas sobre a infncia, mas sobre o conjunto da sociedade globalmente considerada. A infncia concebida como uma categoria social de tipo geracional por meio da qual se revelam as possibilidades e os constrangimentos da estrutura social. (p. 25)
O pioneiro da investigao sistemtica sobre as crianas no domnio da Sociologia da
Infncia, foi Jens Qvortrup que contribuiu para a formulao de teorias acerca da infncia
enquanto categoria estrutural, ou seja, enquanto categoria social como os grupos etrios, as
classes sociais ou os gneros sexuais, constituindo-se perante a sociedade enquanto categoria
estrutural permanente, ainda que os seus membros se alterem continuamente. Ou seja, as
crianas so consideradas membros da infncia, ainda que esta represente apenas um perodo
temporrio do seu percurso de vida e ainda que os seus membros se alterem continuamente.
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No entanto, Pinto (2007) considera que o conceito de infncia est longe de
corresponder a uma categoria universal, natural, homognea, e de significado bvio (p. 63).
Segundo este autor:
Quer do ponto de vista dos sujeitos e das suas competncias e capacidades, quer do ponto de vista da sociedade em que eles se inserem e das respectivas exigncias e expectativas, razovel considerar no ser indiferente, por exemplo, pertencer ao sexo masculino ou feminino, ter trs, sete, ou doze anos, tal como no a mesma coisa nascer num bairro de lata ou num bero de oiro, crescer numa sociedade desenvolvida ou num pas do terceiro mundo, num meio urbano ou suburbano ou numa zona recndida da montanha, numa famlia alargada ou numa famlia monoparental, ser filho nico ou ter mais irmos, etc. (p. 63)
Ao considerar as culturas e as relaes sociais das crianas como dignas de serem
estudadas em si mesmas e, independentemente das perspectivas dos adultos, significa o
entendimento da criana como actores sociais competentes, ou seja, com poder de iniciativa e
de autonomia, conferindo-lhes, por isso, um estatuto social semelhante ao do adulto j que
participam e interpretam as realidades por elas vividas.
Prout e James (1990) defendem que esta nova abordagem deve assentar nos seguintes
pressupostos:
1. A infncia deve ser entendida enquanto uma contruo social, ou seja, a infncia,
distinta da imaturidade biolgica, no nem uma caracterstica natural nem uma caracterstica
universal dos grupos humanos, mas sim um componente estrutural e cultural de muitas
sociedades.
2. A infncia uma varivel susceptvel de anlise social. Nunca pode ser inteiramente
separada das outras variveis sociais como classe, gnero ou etnia, o que origina no uma mas
uma grande variedade de infncias.
3. As relaes sociais das crianas e as suas culturas so dignas de estudo por si mesmas,
independentemente das perspectivas e interesses dos adultos.
4. As crianas so e devem ser vistas como seres activos na construo e determinao
das suas prprias vidas, das vidas dos que as rodeiam e da sociedade em que vivem.
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5. O envolvimento na construo de um novo paradigma de sociologia da infncia
tambm, luz da dupla hermanutica das cincias sociais, o envolvimento no processo de
reconstruo da infncia na sociedade. (pp.8-9)
Deste modo, o campo de estudos, emergentes sobre as crianas focaliza-se a partir das
crianas para o estudo das realidades de infncia(Sarmento e Pinto, 1997, p.24) o que no
significa o seu isolamento como objecto de estudo mas, pelo contrrio, sustenta-se na
interdisciplinaridade (como as reas da histria, da antropologia, da sociologia, da psicologia,
entre outras) que possibilita a compreenso e a interpretao da multivariabilidade de factores
que constroem a infncia.
Corsaro (1997) defende que de uma perspectiva sociolgica, a socializao no apenas
uma questo de adaptao ou interiorizao mas tambm um processo de apropriao,
reinveno e reproduo. (p. 18) Segundo este auor, a maior parte das teorias sobre
desenvolvimento infantil basearam-se na criana individual, tomando uma perspectiva linear
do processo de desenvolvimento, que assume que a criana deve passar por um perodo
preparatrio na infncia antes de se poder tornar num adulto socialmente competente. Nesta
perspectiva, o perodo de infncia consiste numa srie de estdios hierrquicos de
desenvolvimento nos quais competncias, emoes e conhecimento vo sendo adquiridos em
preparao da vida de adulto.
Durkheim (1975) diz-nos que o homem um produto da sociedade, isto , a sociedade
pesa sobre o indivduo, transformando-o num sujeito disciplinado, abnegado e autonomo. (p.
223) Desta forma, a educao torna-se um bem social caracterizado pela capacidade de
transmitir as regras sociais, compreendidas por uma cultura, levando a que uma vez definidos
os seus princpios a educao tratar de diminuir as capacidades individuais em benefcio do
colectivo. Para o fundador da sociologia, a educao deve dar-se de forma normativa, da
velha para a jovem gerao, uma vez que para o autor, a criana nada mais que uma tbua
rasa, reafirma deste modo, a autoridade do professor, o adulto, para com o aluno, a criana.
Para Durkheim uma das principais funes sociais da educao moralizar.
Autores como Piaget e Kohlberg debruaram-se sobre o desenvolvimento moral da
criana.
Piaget (1994) diz-nos que o desenvolvimento moral da criana abrange trs fases:
- anomia (crianas at aos 5 anos): geralmente a moral no se coloca, com as normas de conduta sendo determinadas pelas necessidades bsicas. Porm, quando as regras so obedecidas, so seguidas pelo hbito e no por uma conscincia do que se certo ou errado.
27
- heteronomia (crianas at 9/10 anos de idade: o certo o cumprimento da regra e qualquer interpretao diferente desta no corresponde a uma atitude correcta.
- autonomia: legitimao das regras. O respeito pelas regras produto de acordos mtuos. a ltima fase do desenvolvimento moral. (p. 13)
Piaget concluiu que diferentes crianas assimilavam as regras do jogo de formas diversas,
por isso teriam de saber lidar com a situao. Portanto considerou que as divergncias
existentes so um factor crucial no desenvolvimento moral das crianas.
Outra teoria importante sobre este tema a de Kohlberg. O autor investigou o
desenvolvimento do raciocnio moral, com base em conflitos. Com base nesta questo,
distinguiu trs nveis de racocinio moral, cada um deles subdivididos em dois estdios,
perfazendo um total de seis estdios.
Papalia e Feldman (1999) referem os trs nveis descritos por Kohlberg. O nvel 1 refere-
se Moralidade Pr Convencional (3/5 anos). Aqui o indivduo raciocina em relao a si
mesmo e ainda no compreendeu ou integrou totalmente as regras e expectativas socias. O 1.
estdio deste nvel o do castigo e da obedincia. A criana age conforme o castigo ou
recompensa do exterior. No age por ela prpria.
O 2. estdio refere-se ao objectivo instrumental individual e da troca (5/7 anos).
caracterizado pelo individualismo, a criana age para refelctir consequncias positivas.
O nvel 2 define-se como moralidade convencional, ou seja a criana respeita as regras,
as expectativas e as convenes da sociedade. O 3. estdio (8/11 anos) diz respeito s
expectativas interpessoais mtuas, dos relacionamentos e da conformidade. A aco da
criana baseia-se em agradar o outro. O 4. estdio (11/14 anos) o da preservao do sistema
social e da conscincia. Neste estdio as aces j so aceites pela criana, j distingue o bom
do mau.
Por ltimo o nvel 3 que corresponde Moralidade Ps-Convencional. Neste nvel a
criana j compreende e aceita as regras da sociedade. O 5. estdio ( acima dos 15 anos)
refere-se aos direitos originrios, do contrato social ou da utilidade. Aqui o indivduo tem
conscincia de que existem pessoas que defendem outros valores e opinies. No entanto,
vivem numa mesma sociedade. O 6. estdio o dos princpios ticos universais. O
indivduou segue princpios universais de justia, igualdade dos direitos humanos e igualdade
do ser humano enquanto indivduo.
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Em concluso, o desenvolvimento da moralidade fundamental para que se consiga viver
em sociedade. Este desenvolvimento fruto da educao que o indivduo recebe ao longo da
vida.
1.2.2. Gardner e a Teoria das Mltiplas Inteligncias
Queremos salientar que o nosso interesse neste estudo no defender alguma linha da
psicologia, mas enriquecer a nossa viso sobre a criana, de forma a tentar compreend- la na
fase de adaptao escola.
No incio do sc. xx, Alfred Binet, pedagogo e psiclogo francs, ficou conhecido pela
sua contribuio na rea da psicometria. Foi o inventor do primeiro teste de inteligncia sendo
a sua medida o QI. (redepsicologia.com, consultado em 16/2/2011) Os testes de inteligncia
tiveram um enorme impacto na poca, isto porque era possvel testar a habilidade das crianas
nas reas verbal e lgica. No entanto, o autor e os seus colegas concluram que um nico
nmero no poderia representar a inteligncia humana.
Howard Gardner e os seus colegas da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos da
Amrica, basearam-se nas anteriores pesquisas e desenvolveram a sua teoria questionando o
conceito tradicional de inteligncia. Esta teoria veio revolucionar o campo da psicologia
cognitiva ao ampliar a noo comum de inteligncia.
O que nos interessou mais neste pesquisador em particular, alm da sua Teoria das
Mltiplas Inteligncias, foi a sua ateno particular criana pr-escolar e o seu interesse pela
escola e pela educao. Gardner (1995) sugere a introduo de um novo conceito de escola,
centrda no indivduo e que considere a viso multifacetada da inteligncia.
O modelo de escola apresentado pelo autor baseia-se :()em parte, nos achados
cientficos que ainda no existiam no tempo de Binet: a cincia cognitiva (o estudo da mente)
e a neurocincia (o estudo do crebro). uma abordagem assim que chamei minha teoria das
inteligncias mltiplas. (p. 13)
A escola definida por Gardner (1994) como uma instituio na qual um grupo de
pessoas jovens, raramente relacionadas pelo sangue, mas geralmente pertencendo ao mesmo
grupo social, renem-se com frequncia regular na companhia de um indivduo mais velho,
com o propsito explcito de adquirir uma ou mais habilidades valorizadas pela comunidade.
(p. 113)
Em suma, Gardner defende uma escola que respeite o facto dos individuos no possuirem
todos os mesmos interesses e de no aprenderem tudo o que lhes apresentado.
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Gardner (1995) define inteligncia como uma capacidade de resolver problemas ou
elaborar produtos que so importantes num determinado ambiente ou comunidade cultural
(p. 21). A noo de cultura bsica para a Teoria das Inteligncias Mltiplas, isto porque h
determinadas aptides que s so desenvolvidas devido ao ambiente scio-cultural onde esto
inseridas.
O autor identificou sete inteligncias: a inteligncia lingustica, a inteligncia musical, a
inteligncia lgico-matemtica, a inteligncia espacial, a inteligncia cinestsica, inteligncia
interpessoal e intrapessoal. A identificao destas inteligncias reforada por Gardner
(1994) ao afirmar que:
todos os seres humanos so capazes de, pelo menos, sete diferentes modos de conhecer o mundo modos que eu defini como as sete inteligncias humanas. De aodo com esta anlise, todos ns estamos aptos a conhecer o mundo atravs da linguagem, da anlise lgico-matemtica, da representao espacial, do pensamento musical, do uso do corpo para resolver problemas ou para fazer coisas, de uma compreenso de ns mesmos. (p. 14)
Passamos agora a descrever as diferentes inteligncias segundo Gardner (1995):
a) Inteligncia lingustica: a capacidade de usar as palavras de forma efectiva, quer oralmente, quer a escrever.
b) Inteligncia musical: a capacidade de perceber (por exemplo, como um aficionado por msica), discriminar (como um crtico de msica), transforma (como compositor) e expressar (como um msico) formas musicais. Esta inteligncia inclui sensibilidade ao ritmo, tom ou melodia e timbre de uma pea musical. Podemos ter um entendimento figural ou geral da msica (global, intuitivo), um entendimento formal ou detalhado (analtico, tcnico), ou ambos.
c) Inteligncia lgico matemtica: a capacidade lgica e matemtica, assim como a capacidade cientfica.
d) Inteligncia espacial: a capacidade de perceber com preciso o mundo visuo-espacial (por exemplo, como o caador, o escuteiro ou guia) e de realizar transformaes sobre essas percepes (por exemplo, como um decorador de interiores, arquitecto, artista ou inventor). Esta inteligncia envolve sensibilidade cor, linha, forma, configurao e espao. Inclui tambm, a capacidade de visualizar, de representar graficamente ideias visuais e de orientar-se apropriadamente numa matriz espacial
e) Inteligncia corporal-cinestsica : percia no uso do corpo todo para expressar ideias e sentimentos (por exemplo, como um actor, mmico, atleta ou danarino) e facilidade no uso das mos para produzir ou transformar coisas (por exemplo, como arteso, escultor, mecnico ou cirurgio). Esta inteligncia inclui habilidades fsicas especficas, tais como coordenao, equilbrio, destreza, fora, flexibilidade e velocidade, assim como capacidades proprioceptivas, tcteis e apuradas
f) Inteligncia interpessoal: a capacidade de perceber e fazer distines no humor, intenes, motivaes e sentimentos de outras pessoas.
30
g) Inteligncia intrapessoal: o autoconhecimento e a capacidade de agir adaptativamente com base neste conhecimento. (p. 15)
Mais recentemente Gardner junta a estas sete inteligncias, a inteligncia naturalista e a
existencial. A primeira consiste na sensibilidade para compreender e organizar os objectos,
fenmenos e padres da natureza, por outro lado a existencial, corresponde capacidade de
reflectir e ponderar sobre questes fundamentais da existncia.
Antunes (2005) acrescenta no seu livro sobre as inteligncias mltiplas e os seus
estimulos que, em 1996, Nilson Machado, doutor em educao pela Universidade, viria a
juntar s inteligncias identificadas por Gardner a inteligncia pictrica. Esta no foi
reconhecida por Gardner. Para ele o fluxo das inteligncias espacial, cinestsica corporal e
interpessoal que actuam em simultneo.
Antunes (2005) refere ainda que a percepo da inteligncia pictrica identificada pela
capacidade de expresso por meio do trao, pela sensibilidade para dar movimento, beleza e
expresso a desenhos e pinturas, pela autonomia para apanhar as cores da natureza e traduzi-
las numa apresentao, seja pela pintura clssica, seja pelo desenho publicitrio. (p. 34)
Seguidamente passaremos a reflectir um pouco sobre o conceito de inteligngia
emocional que surgiu em 1995 com Daniel Goleman.
1.2.3. Inteligncia Emocional: a perspectiva de Daniel Goleman
As descries da Inteligncia Emocional so to antigas como os relatos do
comportamento humano. Desde os testamentos da Bblia aos filsofos gregos, desde
Shakespeare, moderna Psicologia, o aspecto emocional da razo tem sido discutido como
um elemento fundamental da natureza humana.
A questo das emoes remonta a Aristteles. Este defendia a moderao nas emoes a
Ccero dissertou sobre os aspectos benficos deles como garantia de uma vida equilibrada,
segundo o ideal aristotlico. As nossas emoes, afirmam os estudiosos, guiam-nos quando
temos de enfrentar situaes e tarefas demasiado importantes para serem deixadas apenas a
cargo do intelecto.
Todas as emoes so essencialmente impulsos para agir, planos de instncia para
enfrentar a vida. Cada emoo representa uma diferente predisposio para a aco.
Os nossos sentimentos mais profundos, as nossas paixes e desejos, so guias essenciais e
a nossa espcie deve uma grande parte da sua existncia ao poder desses sentimentos,
paixes, desejos nos assuntos humanos.
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Desde os tempos mais longnquos que se comearam a formular ideias acerca das
emoes e o seu funcionamento. Os quatro Humores de Hipcrates so uma tentativa
importante de explicar este fenmeno.
Wager (Columbia University New York) referido por Goleman (1996), verificou que a
vivncia das emoes um dos aspectos fundamentais da identidade de cada indivduo. A
maioria dos neurocientistas reconhece a existncia de seis emoes bsicas: Ira, alegria,
medo, repugnncia, surpresa e tristeza.
Em meados dos anos 90, Goleman (2007) popularizou a investigao levada a cabo
tambm por muitos neurocientistas e psiclogos, mostrando que a inteligncia emocional -
que se designa por Q.E (Quociente Emocional), se revela assim muito importante, visto que
gerir emoes com a autenticidade agir de acordo com valores e sentimentos. (p. 72)
Desde o tempo de Descartes que se afirma que a Emoo e Razo eram autnomos,
sendo que este privilegiava a Razo: Penso, logo existo. Descartes considerava o
mecanismo da alma e do corpo no apenas em termos metafsico-ontolgicos, mas tambm
numa perspectiva psicossomtica sugerindo a existncia de um ponto fsico de contacto entre
ambos: a glndula pineal (sede da alma).
Para o neurologista Antnio Damsio (2000), a emoo e o sentimento so indispensveis
para a racionalidade, por isso a frase de Decartes, "penso, logo existo", um erro porque a
ausncia de emoo pode destruir a racionalidade. Emoo e razo complementam-se.