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Linguagens, Educação e Desafios das Novas Tecnologias Anais Organizadores Andreia Turolo da Silva Claudiana Alencar Júlio César Araújo FACULDADE INTEGRADA DA GRANDE FORTALEZA 14, 15 e 16 de maio de 2008 Fortaleza, Ceará SILVA, Andreia Turolo da; ALENCAR, Claudiana; ARAÚJO, Júlio César. (Orgs.) Anais do II Seminário Interdisciplinar em Linguística, Literatura e Educação. Fortaleza: FGF, 2009. ISSN: 1984-7173 1. Linguística. 2. Literatura. 3. Educação. CDD – 410

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Linguagens, Educação e Desafios das Novas Tecnologias

Anais

Organizadores Andreia Turolo da Silva

Claudiana Alencar Júlio César Araújo

FACULDADE INTEGRADA DA GRANDE FORTALEZA 14, 15 e 16 de maio de 2008

Fortaleza, Ceará

SILVA, Andreia Turolo da; ALENCAR, Claudiana; ARAÚJO, Júlio César. (Orgs.)

Anais do II Seminário Interdisciplinar em Linguística, Literatura e Educação. Fortaleza: FGF, 2009. ISSN: 1984-7173 1. Linguística. 2. Literatura. 3. Educação.

CDD – 410

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Diretor Geral José Liberato Barrozo

Direção do Núcleo de Educação a Distância (NEAD)

Marina Abifadel Barrozo

Direção Acadêmica Paulo Roberto Melo de Castro Nogueira

Editoração de Texto Andréia Turolo da Silva

Capa

Célio Gomes Vieira

Comissão Organizadora Ana Marilia Marcelino Duarte

Andréia Turolo da Silva Damião Carlos Nobre Jucá

José Rogério Viana Paulo Nogueira Sabrina Pinto

Zeneida Elaine Holanda

Comissão Científica Bernardete Biasi Rodrigues

Claudiana Nogueira de Alencar Julio César Araújo

Realização: Apoio:

GRUPO DE PESQUISA

PPGL/U

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Sumário

Ensino e Formação do Professor 1. O ENSINO-APRENDIZAGEM DO INGLÊS ATRAVÉS DO LÚDICO Benedito Francisco ALVES 2. FORMAÇÃO DE MEDIADORES DE LEITURA E ARGUMENTAÇÃO: O QUE SABEM OS PROFESSORES ? Daliane do Nascimento dos SANTOS Alessandra Cardoso de FREITAS 3. OFICINA DE ESCRITA – NOVAS PRÁTICAS Daniel de França BRASIL-SOARES 4. PENSANDO A FORMAÇÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Eliabe PROCÓPIO 5. OS CONTEÚDOS CULTURAIS NOS MÉTODOS DE E/LE E NOS MANUAIS DE CULTURA E CIVILIZAÇÃO ESPANHOLA Girlene Moreira da SILVA Neyla Denize de SOUSA 6. CUIDAR E EDUCAR, PRA QUÊ?: OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL PARA O PROFESSOR Maria Eliziária Teixeira da SILVA Messias DIEB 7. OS PERCURSOS DO ENSINO DA LÍNGUA INGLESA NO BRASIL Renata Rovaris DIÓRIO

Literatura 8. ANÁLISE LITERÁRIA ROMÂNTICA Cleyane Brilhante MOURA 9. UMA LEITURA SOBRE A OBRA NEO-REALISTA ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA (JOSÈ SARAMAGO) Marília Pereira da COSTA 10. ANÁLISE DO CARÁTER POLÍTICO-IDEOLÓGICO DO DISCURSO FEMININO, A PARTIR DA NARRATIVA DE CARMÉLIA ARAGÃO. Tatyanne Pereira da SILVA

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Lingüística 11. IDENTIDADES, REPRESENTAÇÕES E APROPRIAÇÕES DO COTIDIANO: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE PRAGMÁTICA EM LINGÜÍSTICA INTEGRACIONISTA Claudiana Nogueira de ALENCAR 12. FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO (ACD) E SEUS PRESSUPOSTOS TEÓRICO/METODOLÓGICOS Lissa Mara Saraiva FONTENELE 13. A VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA DOS JOVENS ROQUEIROS EM QUIXADÁ – CE: UMA QUESTÃO DE IDENTIFICAÇÃO LINGÜÍSTICA Marco Antonio Lima do BONFIM

14. POTENCIALIDADE FUNCIONAL DO ADVÉRBIO: UMA ANÁLISE DESCRITIVISTA Reginaldo Cruz de FREITAS

Movimentos sociais, linguagem e novas tecnologias 15. SITE POPULAR: MIDIA EDUCATIVA X MÍDIA COMERCIAL Catarina Tereza Faria de OLIVEIRA

16. ORALIDADE E ESCRITA EM MENSAGENS DE CELULAR Débora HISSA Neyardo ARAÚJO 17. MOVIMENTOS ECOLÓGICOS: USOS EDUCATIVOS DA WEB Zoraia Nunes Dutra FERREIRA

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1. O ENSINO-APRENDIZAGEM DO INGLÊS ATRAVÉS DO LÚDIC O

Benedito Francisco ALVES Universidade Estadual do Ceará Programa de Pós-graduação em Lingüística Aplicada Resumo O principal objetivo deste trabalho é verificar a importância de atividades lúdicas na sala de aula de inglês como língua estrangeira de escolas públicas e privadas dos níveis fundamental e médio da área urbana de Morada Nova − Ceará, enquanto ferramentas que favorecem a construção de um ambiente estimulante para o processo de ensino-aprendizagem. Baseado na revisão da literatura sobre este tema e em observações que fiz ao longo de minha experiência profissional, elaborei um questionário para cinco professores de escolas públicas e privadas e observei meus alunos de uma escola privada de Morada Nova. Todos os cinco entrevistados afirmaram que conhecem e usam alguma forma de atividade lúdica. Suas atividades lúdicas não seguem um critério estabelecido ou um padrão global, pois a aplicação de estratégias e atividades lúdicas ainda não é uma prática sistematizada por suas escolas, por isso nenhum professor citou o trabalho com sucata, mímica, teatro ou atividades que combinem o movimento corporal dos alunos com o aprendizado de inglês. Há uma análise etnográfica do ambiente de sala de aula. Uma característica específica deste trabalho é o aspecto de pesquisação, porque sua origem é a sala de aula deste pesquisador enquanto professor em ação. Ele destaca também a importância do prazer, das emoções e das relações interpessoais, construtivistas e sócio-interacionais presentes na atividade lúdica e cujo sucesso, em qualquer estágio de desenvolvimento humano, dependerá sempre de um gerenciamento pelo professor da atividade através de um planejamento prévio, objetivos claros, respeito às características pessoais de cada aluno e diálogo diário com outras pessoas envolvidas no processo educacional. Palavras-chave: Lúdico, interação e metáfora Introdução

Minha pesquisa foi influenciada pelas teorias mencionadas por Silva e Lautert (2001: p. 7-12) as quais embasam o comportamento lúdico da criança, estimulam os educadores lúdicos a adequarem o lúdico a suas realidades e ajudam a promover posturas que tornam o ambiente escolar mais agradável ao trabalho diário entre professor e aluno, principalmente quando falamos em ensino de língua inglesa numa cidade pequena onde a referência, para muitas crianças e suas famílias, no uso ao vivo e concreto desse idioma, resume-se ao professor em ação na escola.

Defendi o pensamento de que “adquirir as várias linguagens possíveis ao ser humano dotado de múltiplas inteligências é o espaço privilegiado do brincar” (Sílvia e Lautert, 2001: p. 12) e embasei-me também nas idéias de pesquisadores como Antunes (1999, 2003, 2005a, 2005b, 2005c e 2005d) e Fortuna (2003) sobre o potencial pedagógico de atividades lúdicas desenvolvidas criteriosamente por educadores comprometidos com o aprendizado concreto de seus alunos e conscientes de que o jogo é uma metáfora do desenvolvimento humano, pois “apenas o brincar humano permite a

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ascensão à situação imaginária, condição necessária para a criação de cultura” (Sílvia e Lautert: idem, ibidem).

Como educador, cabe a todo professor íntegro procurar diariamente sua fórmula para ensinar, sob pena de não cumprir seu papel e legar à sociedade futura um aluno possivelmente mal preparado para participar de sua construção. Como professores de língua inglesa, devemos tornar o ensino desta língua estrangeira algo sério, mas agradável e mostrar sua importância como veículo de comunicação internacional para que o aluno não o veja como obrigação ou modismo criado pelos EUA, a maior potência mundial do começo do século XXI.

São vários os autores que em países e épocas diferentes pesquisaram sobre a temática do lúdico – classificando-o sobre a ótica de seu uso, benefícios e características – em busca da maneira mais apropriada de aplicar brincadeiras, jogos e dinâmicas em sala de aula com fins educativos de apoio ao processo de ensino-aprendizagem de qualquer disciplina escolar. Entre esses autores, temos Silva e Lautert (2001: p. 11) que, ao esquematizar as idéias de Wallon sobre o lúdico, afirmam que:

O comportamento lúdico provém da imitação que representa uma acomodação ao objeto (aqui à língua inglesa − o grifo é meu). No desenvolvimento psíquico da criança, fatores de ordem biológica e social se enfrentam e se implicam mutuamente, isto é, (...) fusão entre o genótipo (aspectos biológicos) e o fenótipo (aspectos sociais).

1. A Atividade lúdica como metáfora da vida real

Andando pelos corredores da escola em que leciono ou observando a aula de

alguns colegas de trabalho, verifiquei várias vezes alunos tão enleados em suas brincadeiras individuais ou coletivas que me encantei com sua concentração e dedicação. Durante tais momentos, eles agiam como adultos resolvendo alguma questão inadiável de suas vidas. Da mesma forma, considero como minhas melhores aulas aquelas em que houve o momento para as crianças brincarem ou jogarem com o conteúdo a ser aprendido. Foi mais agradável ensinar aos alunos de dez anos de idade o significado de um verbo ou outra palavra inglesa através da mímica do que por meio de uma simples pesquisa em dicionário; foi mais divertido fixar o nome de duas frutas através de um jogo da velha do que repeti-las até a exaustão em português e em inglês de forma pouco construtiva e interativa.

Para Martins (2003: p. 124) o lúdico é “uma forma global de expressão” e uma “vivência estimuladora e motivadora do comportamento grupal”. Percebi que as crianças se sentem bem quando brincam, teatralizam e cantam. É mais agradável pedir sua atenção cantando e brincando com gestos e palavras amistosas do que com palavras e atitudes secas e duras − não que às vezes não seja necessário uma ação de comando mais enérgica por parte do professor − afinal “a atividade lúdica ensina os jogadores a viverem numa ordem social e num mundo culturalmente simbólico” (Fortuna, 2003: p. 16). Por conseguinte, objetivei em minhas aulas, especialmente desde 2004, associar o lúdico ao rigor didático-pedagógico necessário para fazer a ligação entre a fantasia e a realidade material ao redor de mim e de meus alunos de forma divertida e metafórica, já que, segundo Lima (2005: p. 99):

“... a forma como nos expressamos não é arbitrária, mas baseada em metáforas subjacentes, geradas de nossas experiências com nossos corpos e com o

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mundo, que fazem parte de nosso sistema conceitual (...) porque são licenciadas por metáforas conceituais.”

Em seu estudo sobre o uso de metáforas conceituais 1 − baseado na teoria lançada por Lakoff & Johnson em 1980 − Lima (op. cit) ratifica a importância, quando trabalhamos uma outra língua, de estudarmos como expressões estrangeiras aparentemente incoerentes podem ser compreensíveis ao aluno mediante sua compreensão e interpretação do contexto explícito e implícito em que o enunciado lingüístico está inserido.

Antunes (1999), à luz dos “princípios construtivistas” (p. 43) dos PCNs, defende a utilização de “jogos ou brinquedos pedagógicos” (p. 38) em sala de aula para desenvolver as múltiplas inteligências 2 e habilidades operatórias (p. 38-39) humanas, pois a evolução “biológica” (...), “histórico-cultural” (...) e o “desenvolvimento individual” (p. 16) do homem propiciam o trabalho com o jogo que é uma forma de se apropriar do mundo por ser uma leitura da realidade. No caso da minha sala de aula de língua inglesa como língua estrangeira – em virtude do apoio de minhas coordenadoras e da boa aceitação entre os alunos das brincadeiras e dinâmicas que apliquei – acredito que o lúdico possa ajudar no estabelecimento de uma relação entre “significantes (palavras, fotos, desenhos, cores etc.) e seus significados (objetos)” 3 (op. cit: 17).

Trabalho com crianças entre seis e dez anos de idade de uma escola privada de Morada Nova-Ce desde o ano 2000 e percebi como as aulas de língua inglesa ainda são muito presas aos livros didáticos e pouco estimulantes, numa fase em que as crianças gostam de se movimentar e experienciar seu mundo circundante − principalmente numa era digital de blogs, hipertextos e orkuts. Recordo uma aula do início de minha carreira lá em que, influenciado pela conclusão da graduação em Letras (português-inglês) pela Universidade Estadual do Ceará, usei material concreto para ensinar o nome em inglês de alguns cômodos de uma casa através de relações metonímicas, ou seja, entre as partes (objetos) e o todo (cômodos).

O procedimento consistia, por exemplo, em exibir uma colher para o aluno associá-la simbolicamente a uma palavra trabalhada previamente e referente a um cômodo, como, por exemplo, KITCHEN (cozinha). Eu chamava um aluno e ele participava individualmente. Em seguida seus colegas repetiam sua resposta. Acreditei na eficiência da atividade ainda que os alunos estranhassem seu formato e conversassem entre si mais do que eu gostaria ou gracejassem dos objetos que eu lhes apresentava.

A estratégia era válida, pois de acordo com Lopes (2000: p. 16):

Assim como a relação entre o homem e o mundo vem mediatizada pelo pensamento, a relação entre um homem e outro homem dentro de uma sociedade, vem mediatizada pelos signos. Para que o pensamento transite de uma para outra subjetividade, deve ele formalizar-se em signos. Os signos são, por um lado, suportes exteriores e materiais da comunicação entre as pessoas e, por outro lado, são o meio pelo qual se exprime a relação entre o homem e o mundo que o cerca. 4

Minha atitude foi uma tentativa de, literalmente, encantar os alunos e apesar da bagunça gerada pela novidade e minha pouca experiência como professor iniciante, percebi que a sala viveu a diferença entre a aula eminentemente teórica e a aula construída com brincadeiras e material concreto saído de seu cotidiano. Nesta, o aluno poderá desenvolver novas formas de construir relações sociais, cognitivas e afetivas com o mundo e com as pessoas que o rodeiam 5 sempre que estimulado adequadamente

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pelo professor. E antes que um professor possa desanimar diante das adversidades, lembremos agora que “no início é difícil, parece que os alunos não levam a sério, ou vêem como sem sentido as atividades propostas (...) é preciso manter a confiança no potencial pedagógico dos jogos e renunciar ao controle onipresente da turma” (Fortuna, 2003: p. 15).

Como Antunes (2005a: p. 50), não propomos o fim da aula expositiva, mas que ela seja fortalecida por dinâmicas, jogos educativos e brincadeiras, as quais possam desenvolver as várias inteligências, dentre elas, em nosso caso específico, a lingüística ou verbal, caracterizada pela “facilidade em organizar palavras em uma sentença e pelo sentido de verdadeira arquitetura com que poetas e escritores constroem imagens verbais.”.

Daí falarmos em atividade lúdica como metáfora, já que ela também constrói imagens mentais em nossas cabeças quando brincamos com nossos alunos e eles fantasiam situações imaginárias. Na defesa da “prática de novos saberes”, em livro de mesmo nome, Antunes (2005 d: p. 90) enfatiza as vantagens de contarmos histórias de uma maneira didática que permita aos alunos criarem e imaginarem o que se passa na narrativa de maneira co-participativa e interativa (base do sócio-interacionismo de Vygotsky) a fim de apreendê-las da melhor e mais agradável maneira possível.

Kress e Van Leeuwen (apud Rodrigues Jr. e Cavalcante, 2005: p. 52) afirmam que as “crianças têm mais facilidade de construir relações metafóricas através de símbolos” o que facilita o processo educativo e lhes desperta o senso de criatividade e de agência (participação como agentes sociais na produção de significados). No caso da sala de língua inglesa, meus anos de docência provam que a criança deve ser trabalhada paulatinamente com brincadeiras e jogos educativos voltados para o estudo não apenas da gramática inglesa, mas da palavra como objeto, a fim de desenvolver suficientemente suas quatro habilidades comunicativas − ouvir, falar, ler e escrever − até um nível de autonomia que lhe permita entender e ser entendida quando usar o idioma estrangeiro em situações reais de comunicação, tais como falar de seu game ou programa predileto.

Fortuna (2003: 399), falando sobre o caráter imaterial do jogar/brincar, assevera que:

brincamos/jogamos para dominar angústias e controlar impulsos, assimilando emoções e sensações, para tirar as provas do Eu, estabelecer contratos sociais, compreender o meio, satisfazer os desejos, desenvolver habilidades, conhecimentos e criatividade. Experimentamos jogos, brinquedos e brincadeiras tradicionais e/ou antigos porque isto nos dá um senso de continuidade, permanência e pertencimento, mergulhando-nos na História e reportando-nos aos nossos antepassados e sua cultura. Brincamos/jogamos porque estas atividades geram um “espaço para pensar”.

Mais do que se postar ante a lousa dogmaticamente como uma enciclopédia

ambulante, percebi que o professor do século XXI deve, em parceria com a instituição familiar, enredar o aluno e incentivá-lo a sempre participar da construção de seu saber. Se for brincando ou jogando no momento mais adequado, de forma planejada e organizada, melhor ainda, pois, em ambos os casos, o professor pode perceber nessas atividades lúdicas “uma ação livre, improdutiva, imprevisível, simbólica, regulamentada e bem definida em termos de espaço e tempo de realização” (Fortuna, 2003: p. 398).

Além de ensinar os vocábulos ingleses referentes às cores e aos números ou o nome das estações do ano e das partes da casa, por exemplo, o professor de línguas, independente da idade de seus alunos, deve integrar seu conteúdo ao das outras disciplinas para tornar a transmissão de seus conteúdos algo menos vago e avulso e permitir que suas aulas sejam mais agradáveis, mas sem perder o caráter e o rigor

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pedagógico necessário ao desenvolvimento de cada aluno. Em resumo, a rotina docente deve ser uma constante inovação procedimental em prol da aprendizagem discente.

2. O Caráter Operacionalizador do Lúdico em Relação à Aprendizagem

O ato de brincar com música, teatro, sucata ou jogos é uma forma de ajudar o ensino-aprendizagem de uma disciplina, pois é “o mais eficiente meio estimulador das inteligências” (Antunes, 1999: p. 17). Para Martins (2003: p. 124) “o lúdico é um meio de vida facilitador”, pois é “uma característica natural dos animais e do homem” e podemos constatar sua presença em “todas as formas de organização humana e social” – o que fundamenta o lúdico filosoficamente e é comprovado pela busca televisiva que se instalou no Brasil (a partir do começo do século XXI) por reality shows 1.

Na visão de Martins (idem, ibidem) “as características do jogo (forma mais pura do lúdico) favorecem tanto o gesto de criação como o da transmissão cultural pelos elementos e traços que evoca”.

Percebi ao longo da realização deste trabalho que, por ser algo flexível, após um planejamento prévio, o jogo pode ser usado para desenvolver uma habilidade operatória 2 do aluno se respeitar suas necessidades e limites. No caso específico da inteligência lingüística, Antunes (1999) afirma que, em termos de linha de estimulação, o trabalho com jogos pedagógicos deve estimular o vocabulário, a fluência verbal, a gramática, a alfabetização e a memória verbal (p. 47), embora ressalve “que todo jogo pode ser usado para muitas crianças, mas seu efeito sobre a inteligência será sempre pessoal e impossível de ser generalizado” (p. 16).

Quando usado como warm-up (aquecimento), relaxamento ou fechamento de um conteúdo, o brincar pedagógico é significativo, pois reveste o trabalho sério de estudar línguas com um “verniz” de lazer adequado à criança que não é “atraída por forças externas inerentes ao jogo e sim por uma força interna, pela chama acesa de sua evolução” (op. cit: p. 37).

Antunes afirma que jogos ou brinquedos pedagógicos devem explicitamente “provocar uma aprendizagem significativa, estimular a construção de um novo conhecimento e (...) despertar o desenvolvimento de uma habilidade operatória” e precisam (p. 38, 41-42):

• constituir-se em fator de auto-estima para o aluno; • respeitar as condições psicológicas das pessoas e as características do

ambiente em que ocorrerá; • ser passíveis de avaliação pelo coordenador do momento quanto a seus

fundamentos técnicos de execução. Durante a realização das brincadeiras em sala de aula, meus alunos

perceberam uma exigência de interpretação da brincadeira (seus fundamentos, objetivos e resultados) e minha relação com eles, inclusive com os mais arredios, melhorou o que corrobora a idéia de Fortuna (2003: p. 15) de que:

A atividade lúdica na sala de aula apresenta-se como uma alternativa para repensar as relações de ensino-aprendizagem e com os conteúdos escolares, instaurando uma nova ordem pedagógica onde a aprendizagem pelo brincar inclui brincar com os limites que são testados, ultrapassados, estabelecidos e exigidos.

Segundo Fortuna (2003), é “papel epistêmico” (p. 17) do professor o compromisso com a construção e disseminação do conhecimento e o jogo, por seu caráter pedagógico, permite a inversão de papéis entre professor e aluno, uma vez que

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“através do jogo na sala de aula os papéis perdem sua esteriotipia e rigidez, pois o professor, além de ensinar, aprende, e o aluno ensina, além de aprender” (p. 15).

Confirmei essa permuta quando minhas coordenadoras e eu incluímos no calendário letivo da escola onde trabalho uma tarde anual, chamada “Afternoon English”, termo que aportuguesamos numa transgressão típica de criança. Os alunos coordenam brincadeiras nesse evento e apresentam parte do que aprenderam em quatro bimestres escolares para suas famílias e colegas. É um trabalho que consome o segundo semestre das aulas e exibe uma parcela do que trabalhei, em termos teóricos e práticos, no ensino de inglês como língua estrangeira para iniciantes entre seis e dez anos.

E, embora se refiram às vantagens inerentes ao uso do lúdico em ciências, as conclusões de Stefani e Neves (2004: p. 21-22) podem ser generalizadas para outras disciplinas. São elas:

• a não exigência de material sofisticado além da imaginação; • a possibilidade de explorar inúmeras habilidades corporais, sociais e

intelectuais através de atividade recreativas e relaxantes usadas como estratégia educativa;

• o desenvolvimento de atitudes de cooperação, competência, responsabilidade, autonomia e imaginação;

• o estímulo à solução de problemas e produção de respostas plurais e divergentes;

• a construção de um ambiente descontraído, estimulador de melhores relações interpessoais e livre de monotonia e tédio em relação ao trabalho escolar;

• o desenvolvimento de estratégias de pensamento; • a possibilidade de o professor poder utilizá-lo para apresentar,

desenvolver ou concluir um conteúdo e conhecer melhor os alunos; • a possibilidade de o aluno vivenciar situações que desenvolvam seu

caráter cidadão e o levem a progredir no processo de aprendizagem; • o encorajamento à socialização, à satisfação das necessidades afetivas e

à formação da personalidade dos alunos em meio a atividades naturais, espontâneas e prazerosas;

• a boa aceitação entre todas as faixas etárias mediante a adequação de seu nível de dificuldade, propósitos e características ao indivíduo ou grupos que a vivenciarão.

Os jogos educativos podem explorar, de um jeito prazeroso, as inúmeras habilidades psicomotoras e sociais da criança para seu desenvolvimento global desde que sejam usados como estratégia pedagogicamente planejada dentro do processo de ensino-aprendizagem, mas não de forma supervalorizada e em detrimento da transmissão do conteúdo.

Ao seu término, o professor pode, segundo Fortuna (2003: p. 17), estimular no aluno, por meio de relatórios ou avaliações, a abstração refletida (no dizer de Piaget) ou o garimpo 3, (no dizer de Antunes), isto é, “a tomada de consciência das estruturas cognitivas empregadas, estratégias utilizadas e as conseqüências requeridas”. É essa tomada de consciência que todo educador consciente de seu papel formador precisa implementar em sua prática cotidiana com os alunos de línguas e de outras disciplinas para ajudá-los em sua caminhada para a autonomia adulta.

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3. Critérios para usar o jogo em sala

Para Fortuna (2003: p.15), “jogando, alunos e professor são instigados a saber mais, em diferentes áreas e níveis de complexidade devido às exigências do próprio jogo, em um clima de animação que (...) traduz a alegria de saber e de conviver”. Às vezes, confundimos a agitação da sala com bagunça, mas, dentro de certa razoabilidade, isso é natural como adverte previamente Fortuna (idem, ibidem). O que o professor não pode é sempre restringir suas ações pedagógicas apenas à aula expositiva e monologal por medo, despreparo ou conveniência porque “a tarefa educacional não se resume apenas ao mero exercício de ensinar” (Martins, 2003: p. 125).

Para utilizar os jogos, Fortuna (op. cit: p. 16-17) ressalta que “o jogo deve ser proposto de forma que o aluno possa tomar decisões e agir de maneira transformadora sobre conteúdos significativos e acessíveis para ele”. Para ela, o professor deve observar previamente os seguintes critérios para que o potencial lúdico de um jogo ou brincadeira possa ser efetivamente aproveitado por todos os seus participantes de forma equânime:

• Garantia ao aluno de tempo e espaço adequado mediante planejamento prévio.

• Adequação quanto à seleção de atividades para evitar a ociosidade de algum aluno, demonstrar a intencionalidade da atividade e permitir a adaptabilidade da tarefa a alguma situação inesperada.

• Consideração prévia do material a ser utilizado. • Adequação social, cognitiva e psicomotora a cada fase do

desenvolvimento humano. • Igualdade inicial de condições aos jogadores. • Apresentação clara e objetiva das regras básicas do jogo a fim de que

outras possam ser descobertas e compreendidas durante sua execução pela atenção desperta do aluno.

• Apropriação do campo semântico do jogo em seu nível interno (vocabulário) e externo (inferências intertextuais em relação ao conhecimento de outros jogos) pelo aluno.

• Correspondência entre a iniciativa lúdica do aluno e a iniciativa educativa do professor.

• Rotatividade entre professor e aluno na coordenação do jogo para que ambos adquiram uma perspectiva diferente em relação à atividade.

Leif e Brunelle (apud Stefani e Neves, 2004: p. 21) ao sintetizarem algumas das características do jogo mediante a idade de seus usuários e suas intenções e/ou objetivos, afirmam que o jogo para :

• o adulto é descanso, prazer, divertimento e despreocupação, antidever; • o adolescente é prazer versus drama, se estende da zombaria ao

desafio, envolve apostas, o gosto pelo risco, emoção, proeza, destreza, trote, humor e trapaça;

• a criança é exercício, ficção, simbolismo, imitação, integração social, distanciamento da realidade e da regra.

Minha experiência no magistério de língua inglesa para crianças de uma escola privada da zona urbana de Morada Nova – Ceará e as várias leituras sobre a questão do lúdico em sala de aula, demonstram que há momentos para estudar mais compenetradamente o vocabulário, a gramática, a pronúncia, a escrita, a leitura e a

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audição das palavras e frases inglesas e momentos para brincar com intenção pedagógica ou por relaxamento.

Contudo, o ideal é que o professor mescle ambos para alcançar tanto o aluno com maior facilidade em se concentrar quanto o mais agitado sob pena de segregar e/ou não incentivar parcelas de sua sala durante o processo cotidiano de ensino-aprendizagem de inglês como língua estrangeira.

4. Tipologia do jogo

Quando falo sobre lúdico, posso referir-me a um jogo, brincadeira ou

divertimento. Posso enfatizar a fase do desenvolvimento biológico-cognitivo do ser humano que brinca/joga/se diverte, a forma de interação, os objetos utilizados, as regras convencionadas, os objetivos pretendidos ou outros aspectos pertinentes para agrupar e classificar didaticamente os vários tipos de atividades lúdicas que conhecemos.

Stefani e Neves (2004: p. 21) baseiam-se no Novo Aurélio, o dicionário da Língua Portuguesa, para definir:

• Lúdico: é aquilo que tem o “caráter de jogos, brinquedos e divertimento”.

• Jogo: “atividade física ou mental organizada por sistema de regras que defendem a perda ou o ganho”.

• Brincadeira: divertimento, passatempo, entretenimento. • Divertimento: entretenimento e distração.

Antunes (2005a: p. 49), ao separar didaticamente jogos esportivos de jogos educativos, afirma que:

os jogos educativos são atividades ou procedimentos desenvolvidos na escola ou em casa para facilitar a aprendizagem e que integram o ensino com a brincadeira, mas uma brincadeira séria, com um objetivo claramente definido, sempre ligado ao que se deseja que o aluno aprenda (...) intermediada por regras(...).

Fortuna (2003: p. 398-400) analisa como alguns autores classificam e separam os jogos segundo suas características e objetivos. Assim:

• Para Piaget, os jogos se dividem em jogos de exercícios, simbólicos, de regras e de construção (estes presentes ao longo do desenvolvimento). A finalidade dos jogos de exercício é o próprio prazer do funcionamento. Dividem-se em sensórios-motores e de exercício de pensamento. São típicos dos primeiros dezoito meses de vida, mas reaparecem durante toda a infância e em atividades lúdicas adultas. Os jogos simbólicos têm como função a compensação, realização de desejos e liquidação de conflitos e se caracterizam pelo faz-de-conta. Os jogos de regra são aqueles cuja regularidade é imposta pelo grupo e as regras são transmitidas ou espontâneas, passando por uma condição inicial motora e individual, depois egocêntrica, de cooperação até a codificação.

• Caillois (1957) classifica os jogos em de azar (envolvem a idéia de acaso), competição (possui uma situação de igualdade inicial e adversários), vertigem (impõe à consciência um pânico voluptuoso) e simulacro (ou dramático).

• Maudry e Nekula (apud Grüspum, 1985) estipulam os jogos segundo o tipo de interação que oportunizam classificando-os em jogos solitários

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(típicos do primeiro ano de vida), paralelos (próprios do segundo ao terceiro ano de vida, são aqueles em que as crianças brincam lado a lado, não necessariamente de forma colaborativa), de cooperação (envolvem a participação de outras crianças, mas não são estáveis), de grupo (têm objetivos comuns, são mais duradouros e supõem a identificação dos elementos do grupo entre si).

• Margoulis (apud Lebovici e Diaktine, 1985) salienta o aspecto material do brinquedo. Há o brinquedo completamente pronto, simples ou mecânico (carrinho, boneca), o brinquedo feito aos poucos (loteria, quebra-cabeça) e o material de jogo (argila, jogos de encaixe).

• Erikson (1976) vislumbra o espaço e a interação do jogo classificando-o em “autosfera” (jogo em que o participante joga consigo mesmo, no domínio do próprio corpo), microsfera (jogos solitários envolvendo objetos) e macrosfera (jogos que implicam relações interpessoais).

• Kishimoto (1994) diz que a brincadeira é a ação que a criança desempenha ao concretizar as regras do jogo, ao mergulhar na ação lúdica, é o lúdico em ação. O brinquedo é o suporte da brincadeira – e pode ser entendido segundo a dimensão cultural, material ou técnica. O jogo inclui a intenção lúdica do jogador – e caracteriza-se pela não-literalidade, efeito positivo, flexibilidade, prioridade do processo sobre os efeitos, livre escolha e controle interno.

Segundo Wallon (apud Silva e Lautert, 2001: p. 09), “os jogos das crianças dividem-se em” jogos puramente funcionais (porque buscam efeito: mover os dedos, tocar objetos, etc.) – constituem-se em jogos elementares – jogos de ficção (cuja interpretação é mais ampla: jogos de boneca, cavalo-de-pau), jogos de aquisição (que buscam a percepção e a compreensão de algo) e jogos de fabricação (que objetivam criar novos objetos).

Para Vygotsky (apud Silva e Lautert, 2001: p. 11), postulador do sócio-interacionismo, o valor da atividade lúdica reside em seu papel na formação sócio-cultural do indivíduo, na contribuição para a internalização de funções psicológicas (uma atividade social externa que se converte em uma atividade individual interna) e no fomento ao desenvolvimento da zona de desenvolvimento proximal − ZDP (a distância entre o que a criança pode realizar sozinha e o que pode construir com o auxílio de um adulto).

Para quem brinca, pouco importa qualquer outra coisa além do prazer e da satisfação próprias da atividade lúdica individual ou coletiva. A teorização e a intermediação cabem ao coordenador do momento, que em hipótese alguma deve passar a má impressão aos alunos de que o ambiente escolar é um laboratório regido por um “cientista maluco” em constante experimentação com cobaias humanas. Ao aluno cabe o bem-estar em aprender ludicamente, já que de acordo com Antunes (2005 d: p. 74):

sabemos hoje que as inteligências são estimuláveis, as competências passíveis de aprimoramento, as emoções administráveis, as memórias aguçadas, a criatividade expandida e o pensamento educado, mas que nada dessas extraordinárias conquistas se alcança com a excepcionalidade ou eventualidade(...).

Percebi em minhas salas de aula de inglês como língua estrangeira, entre as crianças de seis e dez anos de idade, que usar atividades lúdicas pode ser algo difícil, se

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for encarado como atividade eventual e/ou improvisada, mas possível e viável. “A pouca pressão exercida sobre o brincar permite a livre ação da criança que se torna sujeito da sua ação e autor de suas idéias” (Silva e Lautert, op. cit: p. 12).

Para ajudá-las apropriadamente, todo educador lúdico deve ser sensível, criativo, organizado e perseverante. Do contrário, ele não poderá realizar seu trabalho adequadamente e os comentários das famílias de seus alunos nas reuniões de pais e mestres darão conta de rendimentos díspares e/ou aquém do possível entre os alunos de uma mesma sala, como tantas vezes presenciei na escola em que trabalho.

Não se trata de apontar o professor como culpado, mas de dividir responsabilidades quanto aos resultados dos alunos. O professor deve buscar, na medida do possível, enriquecer o formato de suas aulas com todos os recursos e estratégias, lúdicas ou não, disponíveis. A família deve atuar como parceira da escola e os alunos, no curso de seu desenvolvimento, devem brincar e estudar, não sobrepondo uma atividade a outra.

Considerações Finais

O professor de língua inglesa como língua estrangeira deve aproveitar o lado positivo das inovações lingüísticas atuais que advêm do maior fluxo de informação circulante para poder dinamizar suas aulas. Na medida do possível, ele deve procurar estabelecer uma relação harmoniosa entre sua língua e a língua estrangeira que está sendo ensinada aos alunos, através do respeito à diversidade sócio-histórica e lingüístico-cultural de cada uma. Do contrário, seu trabalho pode alienar o aluno ao invés de integrá-lo à sociedade globalizada.

Sabemos, enquanto professores ou pesquisadores, que muitos são os problemas que atrapalham o ensino ideal de uma língua estrangeira. Ao longo de minha carreira no magistério, comprovei a veracidade das afirmações acima e percebi, primeiro como estudante universitário e depois como profissional, que o ato de brincar ou jogar em sala e o ato de estabelecer uma rotina lúdica, usar gestos caricaturais, mímicas, fantoches, música ou material concreto e sucata podem ajudar os alunos ao:

• cativar seus sentidos para que se concentrem no que estudam, • permitir que aprendam de forma mais sólida e se expressem melhor em

sala, • estabelecer relações sociais e cooperativas entre eles, • desenvolver sua autonomia e criatividade, • favorecer o desenvolvimento e o controle de suas emoções pela

conscientização de conceitos como perder/ganhar, fantasia/realidade. Em nossa pesquisa comprovamos que os professores preferem brincadeiras mais

voltadas para o domínio da palavra, isto é, acúmulo de vocabulário, aprendizado da ortografia e pronúncia de palavras inglesas, tais como cruzadinhas e caça-palavras ou jogos de perguntas e respostas (quiz). Como eles não citaram em suas respostas, fica evidente que eles evitam ou não se sentem aptos a empregar algumas brincadeiras como as representações de personagens infantis, o uso de fantoches e outras brincadeiras do tipo que tantas vezes presenciei em aulas de outras disciplinas na escola privada onde trabalho e realizei esta pesquisa.

A grande quantidade de turmas e alunos que os professores pesquisados necessitam assumir para atender às suas necessidades econômicas, o perfil de seus

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alunos (a maioria é formada por adolescentes) e a influência de suas formações tradicionais limitam ou anulam o uso de atividades lúdicas no cotidiano de sala de aula.

Eu mesmo tive de assumir em 2007 a regência de 25 turmas em escolas da rede pública e privada com mais de 600 alunos entre crianças e adolescentes. Embora minhas turmas estejam todas localizadas na sede de Morada Nova, entre os pesquisados há o caso do professor K que precisa se deslocar, às suas próprias custas, até uma cidade vizinha, distante 40 km de seu município de origem, para complementar sua renda, uma vez que é consenso entre os professores que o magistério é uma profissão muito mal remunerada e mal apoiada pelos administradores públicos.

A partir da observação do atuar lúdico de meus colegas e do paralelo com os ensinamentos desenvolvidos durante as aulas de metodologia do ensino de língua inglesa em minha graduação em Letras pela Universidade Estadual do Ceará, percebi o valor de transformar a aula em algo o mais próximo possível de um “espetáculo” que cative os presentes. Brincadeiras e dinâmicas que permitam a interação entre professor e alunos devem ser integradas à rotina das salas de aula para ajudar na superação de eventuais problemas escolares, tais como a indisciplina e a dispersão, que comprovei existirem ao perceber a atitude de vários alunos durante a resolução de sua atividade na aula do professor K (denominação fictícia) e ao perguntar em vão a um aluno da professora X (idem) qual era o conteúdo que eles estavam trabalhando em sala.

E foi assim que este trabalho começou. Observando a atuação de outros companheiros de magistério e vendo a possibilidade de ensinar inglês e brincar ao mesmo tempo, usando autoridade e não autoritarismo.

Como realizei meu estudo em somente uma escola (privada), muitos podem contestar o valor do que registrei em virtude de ser uma amostra pequena. Todavia devo lembrar que mais importante do que uma escola possuir um parque aquático, uma quadra poliesportiva, um auditório e outros ambientes que a incrementariam é possuir a habilidade de fantasiar e a boa vontade para querer desenvolver atividades ricas em estímulos e com o devido rigor didático-pedagógico para a formação educacional humana.

Entretanto, professor nenhum deve pensar que 100% das crianças em 100% do tempo trabalharão dentro do que é planejado para uma atividade lúdica. Já tive alunos que disseram não gostar mais de atividades de pintura ou colagem. Já tive alunos que não participaram de uma atividade teatralizada ou jogralizada por birra ou timidez. Já tive alunos que ao invés de olharem para o fantoche em minha mão passaram a aula toda tentando comprovar que era a minha voz projetada no boneco e não o próprio boneco que estava falando sobre um dado assunto em inglês.

O professor deve perceber que seu trabalho é traçado sobre um ideal e que sua prática real deve tentar se aproximar dele. O apoio e a presença da família dos alunos em qualquer fase de seu desenvolvimento, o estabelecimento de metas e objetivos exeqüíveis, o constante diálogo com a coordenação da escola, a construção de vínculos de relacionamento éticos e responsáveis dentro da comunidade escolar e a sensibilidade individual de cada docente podem ajudar o professor a implementar atividades lúdicas que levem o aluno a aprender não por uma imposição social alheia, mas por prazer e desejo próprios que o levem a uma maturação social, afetiva e cognitiva.

Nestes anos de docência, meus alunos aprenderam alguns tópicos do inglês, mas, com o tempo, as listas de palavras para tradução e as regras de gramática acabam esquecidas, se não no todo pelo menos em parte. É no mínimo entediante para um aluno

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gastar parte considerável de seus 200 dias letivos sentado a ouvir passivamente os tópicos de uma aula expositiva.

Não que eu pregue o fim da aula em que o professor deve expor o conteúdo, apenas defendo que ela seja enriquecida por todo e qualquer tipo de estratégia lúdica acessível metodológica e materialmente sempre que necessário para ativar as trocas neuroniais de informação, melhorar a memória e a aprendizagem do inglês como uma língua estrangeira e despertar o interesse e a atenção dos alunos pelo que estão estudando.

Bibliografia . ANTUNES, Celso. A prática de novos saberes. Fortaleza: Edições Livro Técnico, 2005d. ANTUNES, Celso. Aprendendo o que jamais se ensina. Fortaleza: Edições Livro técnico, 2005a. ANTUNES, Celso. Jogos para estimulação das múltiplas inteligências. Petrópolis-RJ: Vozes, 1999. ANTUNES, Celso. Relações interpessoais. In Futuro Congressos e Eventos (org). Temas em Educação II – Livro das jornadas 2003. [S.L.]. p. 33 – 37. ANTUNES, Celso. Ser professor hoje. Fortaleza: Edições Livro Técnico, 2005b. ANTUNES, Celso. Transformando informação em conhecimento. In Futuro Congressos Eventos (editor). Temas em Educação II – Livro das jornadas 2003.Ribeirão Preto – SP, PubliCOC, p. 39 – 41. ANTUNES, Celso. Viagens ao redor de uma sala de aula. Fortaleza: Edições Livro Técnico, 2005c. FORTUNA, Tânia R.. Jogo em aula. Revista do Professor. Porto Alegre, CPOEC, n.75, p. 15 – 19, julho/ setembro. 2003. LIMA, Paula L.C. Metáfora e ensino/aprendizagem de língua estrangeira. In Lima, P.L.C. & Araújo Antônia D. (org) Questões de lingüística aplicada: miscelânea. Fortaleza: EdUECE, 2005. p. 97 – 124. LOPES, Edward. Fundamentos de lingüística contemporânea. 17ª ed. São Paulo: Cultrix, 2000. MARTINS, João M. O lúdico e o aprendizado. In Futuro Congressos e Eventos (editor). Temas em educação II – Livro das Jornadas 2003. Ribeirão Preto – SP, p. 123 – 136? RODRIGUES JÚNIOR, Adail S. & CAVALCANTE, Edemar A.. A sala de aula sob o olhar etnográfico. Revista Presença Pedagógica, Belo Horizonte, Dimensão, n. 63, p. 48 – 56, maio/junho. 2005. SILVA,Djalma O. da & LAUTERT, Elin M. L.. Sociointeracionismo. Revista do professor, Porto Alegre, CPOEC, n. 66, p. 7 – 12, abril/junho. 2001. STEFANI, Adria & NEVES, Marta G.. Lúdico em ciências. Revista do Professor, Porto Alegre, CPOEC, n. 79, p. 21 – 27, julho/setembro. 2004.

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2. FORMAÇÃO DE MEDIADORES DE LEITURA E ARGUMENTAÇÃO : O QUE SABEM OS PROFESSORES ?

Daliane do Nascimento dos SANTOS Bolsista PIBIC/UERN/CAWSL Alessandra Cardoso de FREITAS Orientadora/UERN/CAWSL

Resumo Introdução Esse trabalho faz parte da pesquisa em andamento “Processo argumentativo na formação de mediadores de leitura”, desenvolvida na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte em parceria com o grupo de pesquisa “Ensino e Linguagem”, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Objetivo Tem como objetivo investigar os conhecimentos prévios de professoras do ensino fundamental acerca do uso de procedimentos argumentativos na mediação pedagógica em aula de leitura de literatura. Nessa direção, nos fundamentamos em estudos sobre argumentação, leitura, literatura e mediação pedagógica. Metodologia A pesquisa consiste em um estudo colaborativo realizado com três professoras do ensino fundamental, de escola pública de Natal/RN. Para analisar os conhecimentos prévios das professoras sobre a argumentação, realizamos entrevista semi-estruturada, no período de 23 e 30 de outubro de 2007. Cada professora foi entrevistada individualmente na presença da bolsista e da coordenadora da pesquisa. Após as entrevistas, procedemos à transcrição dos dados. Resultados A análise revela que as professoras têm um conhecimento restrito sobre o que é argumentar e como proceder a dinâmica argumentativa, o que dificulta o desempenho das docentes nas aulas de leitura, principalmente quando ocorre divergência de idéias em relação à atribuição de sentidos dos alunos em interação com a literatura. Ressaltamos que a plurissignificação constitui característica fundamental da literatura, desencadeando a diversidade de opiniões em discussões. Observamos, ainda, a dificuldade das professoras na elaboração de perguntas e na abordagem das respostas expressas pelos alunos, inviabilizando a negociação de sentidos. Conclusão Os resultados indicam a necessidade de investirmos na formação do professor mediador de leitura, no sentido desse profissional fazer uso da argumentação na prática pedagógica, instaurando espaço de comunidade de leitores na sala de aula. Palavras chaves: Argumentação; Mediação; Leitura.

Introdução

O presente trabalho é um recorte da primeira etapa (2007-2008) da pesquisa “Processo argumentativo na formação de mediadores de leitura”, desenvolvida pelo Núcleo de Pesquisas em Educação (NUPED) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) em parceria com o grupo Ensino e linguagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). A pesquisa teve como mote o interesse verbalizado por três professoras do ensino fundamental da rede pública de ensino de Natal - RN em continuar participando de estudos desenvolvidos pelo grupo Ensino e

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linguagem (UFRN), haja vista identificarem/reconhecerem fragilidades em suas práticas de ensino de leitura, especialmente após terem participado de investigações anteriores (AMARILHA, 2006; FREITAS, 2006).

Nessas circunstâncias, a pesquisa atual adotou protocolos da investigação colaborativa, assumindo como objetivo geral investigar a aprendizagem das professoras-colaboradoras sobre argumentação e mediação pedagógica na atividade de leitura com foco no texto literário. Na concretização desse objetivo, estruturamos o trabalho de campo em três etapas: entrevista inicial, com vistas à identificação dos conhecimentos prévios das professoras sobre argumentação e mediação pedagógica no ensino da leitura; estudos colaborativos sobre mediação e argumentação no ensino da leitura, sistematizados e implementados com a colaboração delas; e entrevista final, realizada no sentido de obtermos dados sobre a contribuição dos estudos colaborativos à aprendizagem de conhecimentos e procedimentos sobre argumentação e mediação no ensino da leitura. Neste artigo, objetivamos discutir os dados provenientes da etapa de entrevistas iniciais. 1 Metodologia

Conforme mencionamos, a investigação assumiu protocolos da pesquisa

colaborativa no que tange ao desenvolvimento de estudos colaborativos sobre argumentação e mediação pedagógica na aula de leitura de literatura. Nesse tipo de pesquisa, o professor participa na condição de prático ou colaborador, tendo a oportunidade de refletir e avaliar a sua prática em conjunto com os pesquisadores. Assim, o propósito desse tipo de investigação é proporcionar a construção de conhecimentos entre pesquisadores e práticos, bem como a inclusão do prático na atividade de pesquisa, articulando investigação e formação continuada (DESGAGNÉ, 1998).

A fim de iniciarmos a investigação que deu origem a este artigo, procedemos às entrevistas iniciais, de natureza semi-estruturada, no sentido de identificar os conhecimentos prévios que as professoras tinham sobre argumentação e mediação pedagógica. Para o processo de elaboração, implementação e análise das entrevistas, respaldamo-nos na obra “A entrevista na pesquisa em educação: a prática reflexiva”, de Syzmanski e Prandini (2004).

Na obra referida, os autores apresentam uma série de etapas para a efetivação das entrevistas, sendo a primeira a de contato inicial, momento em que o entrevistador se apresenta ao entrevistado, fornecendo-lhe os dados sobre sua pessoa e sua instituição de origem e o tema de sua pesquisa. Em seguida, solicita a sua permissão para a gravação da entrevista e assegura o direito não só ao anonimato como ao acesso a gravações e análises. Essa etapa foi concretizada por meio de contatos, anteriores à entrevista, entre a coordenadora da pesquisa e as professoras-colaboradoras, em encontros em Natal - RN.

Syzmanski e Prandini (2004) também orientam um momento de “aquecimento” entre entrevistador e entrevistado, no início da entrevista, com o objetivo estabelecer um clima mais favorável para que o entrevistador obtenha dados pessoais de seu entrevistado, como sua formação e seu histórico profissional. Em nosso roteiro de entrevista, esse momento foi dedicado à discussão/apresentação, por parte das professoras-colaboradoras, de informações sobre a formação profissional e a atuação pedagógica.

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Os autores supracitados recomendam que, após o momento de aquecimento, sejam introduzidas questões desencadeadoras, as quais partem do objetivo principal da pesquisa e são o ponto de partida para o início e a progressão da fala do entrevistado. Nessa direção, elaboramos perguntas, priorizando os seguintes aspectos: mediação e formação do leitor, discussão de histórias, estratégias argumentativas e perguntas. A partir de tais orientações, estruturamos o roteiro de entrevista:

Roteiro de Entrevista Inicial

1. Formação e área de atuação. Comente um pouco sobre sua formação e os níveis/séries em que atuou como professora. 2. Mediação e formação do leitor. Em sua opinião, que conhecimentos deve ter o(a) professor(a) para mediar a formação de leitores? 3. Discussão de histórias, mediação e argumentação. Que aspectos você considera mais importantes privilegiar ao discutir histórias com os alunos? Como você aborda os aspectos mencionados nas discussões de histórias? A argumentação poderia ser considerada um aspecto importante nessa atividade? Justifique seu pensamento, se possível, exemplificando-o. 4. O professor e as estratégias argumentativas. Que estratégias você utiliza para mediar discussões de histórias? Como você procede quando os alunos divergem entre si sobre dado assunto? E quando as opiniões expressas por eles são contrárias às informações presentes no texto ou ao seu ponto de vista? 5. Perguntas, argumentação e discussão de histórias. Quais perguntas você considera importante numa discussão de histórias? Como você planeja as perguntas? Como aborda (trabalha) as respostas dos alunos às perguntas encaminhadas?

Esse roteiro foi aplicado de forma flexível, as perguntas eram entendidas como orientadoras da expressão de idéias por parte das professoras entrevistadas, de modo que outros questionamentos emergiram no desenvolvimento da entrevista. Esta foi realizada nos dias 23 e 30 de outubro de 2007. com cada professora, individualmente, na presença da bolsista de iniciação científica e da coordenadora da pesquisa. O registro desse processo foi feito por meio de anotações in loco e gravação em áudio. 2 Analisando as respostas das professoras-colaboradoras

Neste artigo, do material de transcrição das entrevistas, selecionamos algumas questões para sistematizar o exercício de análise. Vale salientar que alguns questionamentos selecionados foram suscitados no decorrer das entrevistas, conforme mencionamos anteriormente. Eis as questões:

O que é argumentação? Qual a importância da argumentação em aulas de leitura? Como você procede em situação de divergência de opiniões nas discussões de histórias? Como você planeja as perguntas? Que perguntas você considera importante privilegiar numa discussão de histórias? Como aborda as respostas dos alunos?

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Antes de analisarmos as respostas das professoras-colaboradoras a essas perguntas, consideramos conveniente apresentar dados sobre a formação e a área de atuação das professoras. Na intenção de resguardar a identidade das entrevistadas, utilizamos os pseudônimos Ida, Marina e Lygia.

� Ida: graduada em pedagogia no ano de 2000. Leciona desde os 15 anos de idade, sendo

sua primeira atuação numa escola da zona rural, totalizando 23 anos no magistério. Tem experiência em turmas do 1º ao 5º ano, do ensino fundamental. Trabalha nas redes pública e privada. Na primeira, atua em turma de 5º ano.

� Lígia: graduada em Pedagogia no ano de 1997. Leciona desde 1985 na rede pública de ensino do RN, totalizando 23 anos de atividade no magistério. Tem experiência em turmas de 1º a 5º ano, do ensino fundamental. Atua na rede pública, em turma de 5º ano.

� Marina: graduada em Teologia e Pedagogia no ano de 1999. Possui experiência com turmas de 4° e 5º ano, do ensino fundamental. Atua na rede pública, em turma de 5º ano. Previsão de aposentadoria para o ano de 2008. Tem 23 anos de experiência no magistério.

O que podemos constatar pelas informações expressas pelas entrevistadas é que elas têm um tempo de experiência significativo no ensino, uma delas, inclusive, com expectativa de aposentadoria próxima. Outro dado que podemos inferir é o interesse dessas profissionais pela formação continuada, motivo que as levou, possivelmente, a solicitar a continuidade da pesquisa, principalmente por reconhecerem suas fragilidades no ensino da leitura. Nesse contexto emerge uma questão: por que a escola não tem refletido sobre as práticas docentes, explorando fragilidades e avanços pedagógicos, em específico no ensino da leitura? Essa questão nos leva a considerar a articulação entre a ação e a reflexão, o exercício da práxis escolar. Trata-se, portanto, de uma questão que merece ser aprofundada. Porém, nos limites desta produção, é necessário focalizar nosso objeto de estudo, quais sejam os conhecimentos prévios das professoras-colaboradoras sobre argumentação e mediação pedagógica, partindo das respostas às questões da entrevista.

2.1 O que é argumentar? Qual a sua importância na aula de leitura de literatura?

Com intuito de identificarmos os conhecimentos que as professoras tinham sobre

argumentação e a sua importância durante a discussão de histórias, perguntamos: a argumentação pode ser considerada um aspecto importante na atividade de discussão? Justifique seu pensamento, se possível, exemplificando-o. Em resposta a essa pergunta, obtivemos das professoras-colaboradoras as seguintes respostas:

� Ida: na discussão de história é importante saber elaborar argumentos para cada história.

Na pesquisa passada, eu elaborei as mesmas perguntas para histórias diferentes. Hoje, aprendi que não se faz assim. Quero aprender a elaborar argumentos. Para mim, argumento é fazer pergunta, é criar perguntas que façam o aluno pensar.

� Lígia: [...] é importante argumentar, hoje, eu não tenho mais dúvidas. Eu acredito que

ele [o aluno] terá o melhor conhecimento sobre o texto, e eu tenho que mediar essa argumentação para que eu tenha de volta essa resposta dele [...] Eu acredito que o objetivo da argumentação é levar ele [o aluno] a construir o seu pensamento, porque muitas vezes a gente não deixa ele nem pensar. O questionamento que a gente coloca é tão besta que não leva o aluno a pensar, que ele tome consciência, que ele tenha

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O que podemos perceber é que as professoras-colaboradoras têm conhecimentos restritos sobre argumentação. Estabelecem a articulação entre argumentação e pensamento, porém demonstram dificuldade em expressar como ocorre essa articulação em discussões de histórias. Segundo Perelman e Tyteca (2000), a argumentação implica o processo de interação social em que o locutor pretende obter e intensificar o engajamento cognitivo e afetivo do seu interlocutor na discussão de um ou mais pontos de vista.

O próprio conceito de argumento é frágil no entendimento das professoras-colaboradoras. A professora Ida, por exemplo, confunde argumento com pergunta: “[...] Para mim, argumento é fazer pergunta”. Evidenciamos, portanto, que nem o conceito de argumento se faz claro para a professora. De acordo com Bronckart (2000), argumentos constituem afirmações/dados que orientam para uma possível conclusão, seja para refutar ou negar dada premissa.

Outro dado importante é o fato de as professoras reconhecerem não saber argumentar em aulas de leitura e atribuírem essa fragilidade à dificuldade em elaborar perguntas. Lígia, inclusive, reavaliando a sua prática, afirma que “o questionamento que a gente coloca é tão besta que não leva o aluno a pensar”. Ida, por sua vez, também refletindo sua prática, comentou: “na pesquisa passada, eu elaborei as mesmas perguntas para historias diferentes”. Em suas respostas, Lígia e Ida revelam perceber a importância da pergunta no processo argumentativo, porém faltam-lhes conhecimentos suficientes para elaborar perguntas que provoquem o pensamento por parte do aluno.

As professoras-colaboradoras acrescentam, ainda, a fragilidade em abordar o ponto de vista dos alunos. Exemplificando esse aspecto, há o pronunciamento de Lígia: “acredito que o objetivo da argumentação é levar ele [o aluno] a construir o seu pensamento, porque muitas vezes a gente não deixa ele nem pensar”. Esse dado sugere que uma das condições essenciais para o exercício da argumentação se faz ausente da prática das professoras, a saber o apreço ao ponto de vista do interlocutor (PERELMAN e TYTECA, 2000).

Elas demonstram reconhecer a necessidade da mediação durante a ação argumentativa em discussões de histórias. Lígia, por exemplo, afirmou: “eu acredito que ele [o aluno] terá o melhor conhecimento sobre o texto e eu tenho que mediar essa argumentação para que eu tenha de volta essa resposta dele”. No entanto, expressam ter dificuldades em mediar, em criar possibilidades para o aluno (re)construir seus conhecimentos.

Correlacionando as respostas das professoras, percebemos que Marina apresenta mais fragilidades de conhecimentos. Quando questionada sobre o que é argumentar, ela responde que é “saber como eles [os alunos] organizaram as idéias, como eles ouviram a história, como eles argumentaram na mente deles”. Salientamos o fato de Marina, diferentemente das demais professoras - as quais freqüentemente fazem alusão à pesquisa anterior em suas respostas -, não ter recebido intervenções dos pesquisadores em outra investigação (AMARILHA, 2006; FREITAS, 2006). As alusões de Lígia e Ida à atividade de pesquisa são indicativas da relevância dessa atividade no contexto

conhecimento daquilo. � Marina: acho importante os questionamentos depois da leitura. Saber como eles

organizaram as idéias, como eles ouviram a história, como eles argumentaram na mente deles.

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escolar, pois, como afirmam as professoras, a pesquisa anterior proporcionou o exercício de reflexão sobre determinados aspectos do ensino da leitura, antes desconsiderados por elas, como a importância da elaboração de perguntas e da argumentação em discussões de histórias. 2.2 Como você procede em situação de divergência de opiniões nas discussões de histórias?

A experiência de atribuição de sentido a uma história é de natureza singular,

uma vez que o olhar difere conforme o ponto de vista assumido pelo leitor, sendo influenciado por objetivos, conhecimentos prévios e experiências anteriores de leituras (SMITH, 1991). Sabendo disso, perguntamos: como você procede quando ocorre divergência de opiniões nas discussões de histórias? Colhemos as seguintes respostas:

� Ida: Não acontece divergência, de um discordar do que o outro disse. Naquele

momento, eu vou perguntar e eles vão responder. Pelo fato de eu não saber argumentar, a discussão não prossegue, é estática. Eles respondem e pronto. Morre ali a discussão, não tem continuidade.

� Lígia: Vou dizer a você que eu nunca observei divergência de opiniões entre eles! Nunca!

� Marina: esse momento não acontece. Geralmente, acontece assim: quando um diz, os outros também concordam. Eu não lembro, de fato, que algum tenha discordado do outro. Não! Pode até ter acontecido, mas eu não lembro. Geralmente, quando um diz, o outro fica calado. É assim mesmo.

Observamos, nas repostas das professoras-colaboradoras, que não há divergência

de opiniões nas discussões de histórias. Nesse sentido, convém problematizar: a divergência de opiniões de alunos de fato, não ocorre? Ou será que não é observada/acolhida pelas professoras? Ou ainda: não seria a fragilidade da mediação docente que não provocaria situações desse tipo, que mobilizam o confronto de idéias, característica constitutiva da atividade de discussão?

A ausência de divergência de opiniões nas discussões de histórias realizadas pelas professoras-colaboradoras nos chama a atenção, pois é da natureza do texto literário a diversidade de atribuição de sentidos, que conduz/provoca divergências entre interlocutores, quando problematizada em situações de discussão. Nesse sentido, deve-se questionar se ocorre, de fato, discussão.

Outro dado que merece destaque é o fato de as professoras considerarem como motivo de não haver divergência a falta de habilidade delas em argumentar. Ida, por exemplo, relata que não ocorrer divergências, “pelo fato de não saber argumentar, [pois] a discussão não prossegue, é estática”. Em sua resposta, ela demonstra perceber que é importante que o professor saiba argumentar para conduzir discussões de histórias e, ainda, que dele depende a progressão dessa atividade. A esse respeito, Reboul (2000, p. 97) menciona que a progressão da argumentação depende do orador, em nosso caso o professor, mas, por outro lado, depende também do auditório, o conjunto de alunos, “no sentido de que o orador dispõe seus argumentos segundo as reações, verificadas ou imaginadas, de seus ouvintes”.

Salientamos que a divergência de opiniões é própria do ato de argumentar, desencadeando momentos de reconstrução de idéias em situação de interlocução, em que o princípio da dúvida é valorizado. De acordo com Bernardo (2000), o exercício à dúvida já pressupõe uma divergência de opiniões. Portanto, persistindo a dificuldade em

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argumentar, em aceitar/discutir idéias divergentes, “morre ali a discussão, não tem continuidade”. (Ida)

Conforme dados analisados na pesquisa anterior (AMARILHA, 2006; FREITAS, 2006), um dos aspectos que impediu a divergência nas aulas das professoras-colaboradoras foi a elaboração de perguntas fechadas, das quais a maioria destinou-se à construção de paráfrase das histórias lidas. Inclusive, esse aspecto pode ser verificado na resposta de Marina, quando afirma que “geralmente, acontece assim: quando um diz, os outros também concordam”. Em outras palavras, as perguntas tinham apenas uma resposta, de modo que, quando um aluno respondia, os demais concordavam, não havendo discussão. Essa observação é extensiva à resposta de Ida, principalmente quando declara: “naquele momento, eu vou perguntar e eles vão responder”. Inferimos que o objetivo das perguntas encaminhadas por Ida não era promover a discussão, muito menos a divergência de idéia. A professora Ida é bem clara: “eu pergunto e eles respondem”, ou seja, as crianças respondem, mas não argumentam. 2.3 Quais perguntas você considera importante numa discussão de histórias? Como você planeja as perguntas? Como aborda as respostas dos alunos?

Durante uma discussão, os questionamentos são imprescindíveis de forma a se

instaurar um processo argumentativo. No entanto, para que isso ocorra, é necessário que as perguntas possibilitem análise, reflexão, sistematização de idéias e avaliação de argumentos. Além disso, o cuidado e a atenção não devem ser não apenas às perguntas, mas também às respostas dos interlocutores, que acabam direcionando o rumo de uma discussão. Levando isso em consideração, perguntamos às professoras: quais perguntas você considera importante numa discussão de histórias? Como você planeja as perguntas? Como aborda as respostas dos alunos? A partir desses questionamentos, as professoras-colaboradoras responderam:

� Ida: Uma das perguntas que mais faço é sobre o que ele entendeu do texto, que

mensagem esse texto lhe traz, o que ele aprendeu na leitura do texto. Planejo em casa, leio o texto. Estudo e elaboro as perguntas, colocando-me no lugar da turma. Penso que eles não vão entender e, geralmente, elaboro 5 questões. Na minha concepção, como eles têm dificuldade de aprender, eles não vão saber responder perguntas mais elaboradas, como as que envolvem relações entre a história e a vida deles. [...] Não faço intervenção nas respostas.

� Lígia: Pergunto ‘onde a história está acontecendo?’ É isso mesmo... questão de problemática da história, dos acontecimentos, a situação que está vivendo aqueles personagens no texto. Antes eu não fazia isso. Hoje eu leio o texto e, depois, vou elaborando as questões. Como se eu tivesse assim... Eu quero saber dessa resposta, então eu vou fazendo os questionamentos para mim e levando, assim, para o nível do meu aluno e como ele vai responder. [...] essa questão do argumentar com eles, eu ainda tenho dificuldade. Está entendendo! Eu não sei nem como falar, como me expressar para abordar as respostas deles.

� Marina: [Pergunto] se eles entenderam a história. A história estava falando de quê? Só a parte principal da história, resumindo, fala de que essa história? Para mim é importante perguntar se ele entendeu. [As perguntas] vão surgindo. Primeiro, eu já tenho lido o texto, lógico! [...] eu já elaboro algumas perguntas, mas eu acho que não vai ser necessário aquelas perguntas. Eu vou considerar aquelas que vão surgindo [...] aí vai havendo o questionamento entre eles, e aí a gente vai respondendo. Eu faço algumas perguntas antes. Sim, eu escrevo, eu anoto algumas perguntas que devo fazer.

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Geralmente, não [abordo as respostas dos alunos]. Escuto, concordo e pronto. Realmente é assim. Se eu vejo que não tem sentido, eu digo que nós vamos refletir sobre a resposta. O que ela tem a ver com o que estamos falando. Pronto. Geralmente, fica no caderno mesmo, a não ser que o aluno dê resposta que não tem nada a ver, porque tem aluno que, eu não sei porque ele, ele não entende direito, fica jogando resposta que não tem nada a ver.

Mediante tais respostas, verificamos que os questionamentos eram pouco utilizados nas aulas de leitura pelas professoras-colaboradoras e, quando utilizados, as perguntas tinham como objetivo observar se os alunos entenderam a história. As respostas de Ida e Marina são elucidativas desse aspecto: “uma das perguntas que mais faço é sobre o que ele entendeu do texto, que mensagem esse texto lhe traz, o que ele aprendeu na leitura do texto” (Ida); “[Pergunto] se eles entenderam a história. A história estava falando de quê? Fala de que essa história? Pra mim é importante perguntar se ele entendeu” (Marina).

Observamos, ainda, a preocupação das professoras em encaminhar perguntas sobre o enredo da história, de modo a verificar a atenção e a compreensão do aluno durante a leitura do texto. A esse respeito, cumpre destacar o pensamento de Gallimore e Tharp (1996, p. 177-178):

[...] a maioria dos professores não distingue as perguntas que avaliam daquelas que auxiliam. Resulta daí a crença, assumida pelo professor, de que solicitar informação à criança constitui uma forma de ensino [...] A pergunta que auxilia, por outro lado, coloca um questionamento a fim de produzir uma operação mental que o aluno não pode ou não poderia produzir sozinho. Essa operação mental tem início na assistência oferecida pelo professor.

Considerando o pronunciamento dos autores, afirmamos que as perguntas de recapitulação do enredo são importantes, mas não auxiliam o aluno de modo a conduzi-lo à (re)elaboração de idéias que ultrapassam o texto, já que as informações sobre o enredo fazem parte da superfície textual.

Entretanto, faz-se necessário evidenciar a atenção ao planejamento das perguntas por parte das professoras-colaboradoras. As três mencionaram a preocupação em ler o texto antecipadamente e elaborar perguntas, pensando no “nível” dos alunos. Consideramos que o planejamento das perguntas contribui para o desenvolvimento do processo argumentativo, pois os questionamentos constituem um dos aspectos principais à progressão da argumentação na atividade de discussão de histórias. Todavia, um aspecto problemático no planejamento das perguntas por parte das professoras-colaboradoras é a relação entre os desafios que as perguntas podem desencadear e as capacidades dos alunos, como se todos estivessem num mesmo nível. A atenção a essa relação é ressaltada por Ida, quando afirma:

“[...] penso que eles não vão entender e, geralmente, elaboro 5 questões [...] na minha concepção, como eles têm dificuldade de aprender, eles não vão saber responder perguntas mais elaboradas, como as que envolvem relações entre a história e a vida deles”.

Em seu pronunciamento, podemos inferir que a professora subestima a capacidade dos alunos de responder perguntas que ultrapassam as informações literais

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do texto. Com esse entendimento, ela perde uma oportunidade ímpar para problematizar as aulas de leitura, pois, relacionando a história com as experiências dos alunos, estaria recorrendo à estratégia argumentativa de ativação de conhecimento de mundo/experiência prévia. Esse tipo de estratégia tem como “referente algum elemento do texto e a sua presumível relação com o conhecimento de mundo/experiência prévia das crianças”, colaborando para o exercício de previsão (FREITAS, 2008, p. 122). Acrescentamos, ainda, que o fato de as crianças terem dificuldades de aprendizagem não as impede de argumentar, ao contrário, essa experiência contribui para a sua aprendizagem, pois o professor, ao relacionar o texto à vida, pode provocar no aluno conflitos sócio-cognitivos, que favorecem a aprendizagem e impulsionam o desenvolvimento das funções psicológicas superiores (FREITAS, 2005).

Retomando as respostas das professoras-colaboradoras, verificamos que elas reconhecem suas dificuldades em abordar/expandir as respostas dos alunos, pois, como podemos observar na fala de Ida, “essa questão do argumentar com eles, eu ainda tenho dificuldade. Está entendendo! Eu não sei nem como falar, como me expressar para abordar as respostas deles”. A declaração de Ida nos leva a inferir que a dificuldade de as professoras abordarem as respostas dos alunos está relacionada à falta de aprofundamento teórico e prático sobre argumentação, inclusive à articulação entre esses conhecimentos e o processo de mediação pedagógica. Essa situação nos chama a atenção, especialmente pelo fato de a argumentatividade constituir característica essencial da interação social (KOCH, 2002) nos contextos mais diversos de nossas vidas, informais e/ou formais. Conclusão

A análise dos dados indica a necessidade de investirmos na formação do

professor mediador de leitura, no sentido desse profissional fazer uso da argumentação na prática pedagógica. Percebemos que as professoras, além de terem um conhecimento restrito sobre argumentação, apresentam dificuldades na elaboração de perguntas, na abordagem das respostas dos alunos e na mediação da atividade de discussão, de modo a fazê-la progredir para o exercício de construção de conhecimentos em que a argumentatividade favoreça a negociação de idéias e a emergência de situações de aprendizagem significativas, mobilizando a formação do aluno como leitor de literatura.

Constatamos que as perguntas elaboradas pelas professoras dificultam a ação argumentativa, pois priorizam o enredo da história, ou seja, seu objetivo é saber se a criança entende a seqüência lógica da história, se responde de forma fiel ao que estava escrito no texto, não lhe dando possibilidades de explorá-las e argumentar.

Por fim, retomamos a idéia de se investir na formação das professoras-colaboradoras, haja vista as suas necessidades e as dos alunos. Progredir na leitura não é uma questão só do aluno ou do professor, mas de ambos. Progredir na leitura, defendendo e contra-argumentando é um princípio de formação do leitor crítico. Não é a isso que a escola se propõe?

Referências

AMARILHA, Marly. O ensino de leitura: a contribuição das Histórias em Quadrinhos e da Literatura Infantil na formação do leitor. Relatório final. Natal-RN: UFRN/CNPq. Departamento de Educação, 2006.

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BERNARDO, Gustavo. Educação pelo argumento. Rio de Janeiro: Roxo, 2000. BRONCKART, J. P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. São Paulo; EDUC, 1999. DESGAGNÉ, Serge. Réflexions sur le concept de recherche collaborative. In: Les Journées du CIRADE. Centre Interdisciplinaire de Recherche sur l’Apprentissage et le Développement dans Éducation, Université du Québec à Montreal. Octobre, 1998, pp.31-46. FREITAS, Alessandra Cardozo de. Literatura e educação: ação argumentativa na discussão de histórias. 2005. Tese (Doutorado em Educação) – Centro de Ciências Sociais Aplicadas, UFRN. Natal, 2005. FREITAS, Alessandra Cardozo de. Ensino de leitura e mediação argumentativa na formação do leitor em turmas de ensino fundamental da rede pública do Rio Grande do Norte. Projeto de Pesquisa. Mossoró-RN: UERN/CNPq. Departamento de Educação, 2006-2007. FREITAS, Alessandra Cardozo de. Leitura e argumentação: travessia de sentidos em discussão de histórias. In: FREITAS, Alessandra Cardozo de; RODRIGUES, Lílian de Oliveira; SAMPAIO, Maria Lúcia Pessoa (Orgs.). Linguagem, discurso e cultura: múltiplos objetos e abordagens. Pau dos Ferros: Queima Bucha, 2008, p. 115-133. GALLIMORE, Ronald, THARP, Roland. O pensamento educativo na sociedade: ensino, escolarização e discurso escrito. In: MOLL, Luis C. Vygotsky e a educação: implicações pedagógicas da psicologia sócio-histórica. Tradução de Fani A. Tesseler. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. KOCH, Ingedore. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 1987. PERELMAN, C., OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado de argumentação: a nova retórica. Tradução de M. E. G. G. PEREIRA. São Paulo: Martins Fontes, 2000. REBOUL, O. Introdução à retórica. Tradução de I. C. BENEDETTI. São Paulo: Martins Fontes, 2000. SMITH, Frank. Compreendendo a leitura: uma análise psicolingüística da leitura e do aprender a ler. Tradução de Daise Batista. 3. ed. Porto Alegre. Artes Médicas, 1991. SZYMANSKI, H; ALMEIDA, L. R.; PRADINI, R. C. A. R. A entrevista na pesquisa em educação: a prática reflexiva. Brasília: Líber, 2004. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. Tradução de José Cipolla Neto, Luiz Silveira M. B e Solange C. Afeche. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

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3. OFICINA DE ESCRITA – NOVAS PRÁTICAS 1

Daniel de França BRASIL SOARES 2 Universidade Federal do Ceará

Resumo Este texto apresenta a oficina de escrita – novas práticas, inserida dentro das atividades do módulo XXI do Projeto Alfabetização Solidária, durante o Curso de Formação de Alfabetizadores, no município de Boa Viagem, Ceará. O trabalho justifica-se pela necessidade de que esses docentes têm em se expressar por escrito. Dessa forma, este artigo apresentará o objetivo da oficina, que foi orientar os alfabetizadores quanto à produção textual, tendo como base o aspecto discursivo e formal da língua, através de seu embasamento teórico, seus procedimentos e resultados obtidos. Palavras chaves: Educação – Linguística Aplicada – Formação Docente Introdução Tendo em vista que a maioria dos alfabetizadores do Projeto Alfabetização Solidária (ALFASOL) do Ceará possui apenas o segundo grau completo e que sentem dificuldades relativas ao desenvolvimento de suas práticas docentes e ao conhecimento para tal, desenvolvemos, durante o módulo XXI – 2007 atividades complementares à formação desses professores, para efeito de auxiliá-los em seu desempenho pedagógico. Dessa forma, o presente artigo objetiva apresentar a oficina de escrita – novas práticas, realizada dentro do Curso de Formação de Alfabetizadores, no município de Boa Viagem, Ceará, tratando das referências que nos fundamentaram na formulação e aplicação da Oficina, como Terzi (2001), que trata do letramento docente e Antunes (2003) que trata do ensino de língua materna. Também apresentaremos os procedimentos que empregamos, os resultados que obtivemos, seguido de análise, a fim de que cheguemos a uma conclusão. 1.Fundamentação Teórica Nossos trabalhos e estudos têm sido orientados pelo conceito de letramento docente, visto que o nível de letramento dos professores-alfabetizadores é insatisfatório e que sua preparação “para atuar em sala de aula passa, necessariamente, pelo desenvolvimento de seu letramento” (TERZI, 2001, p.147). Por isso temos acreditado que o Curso de Formação de Alfabetizadores juntamente com suas atividades letram os professores, ou seja, munem o docente com uma bagagem cultural que o enriquece

1 Trabalho apresentado em forma de comunicação oral no II Seminário Interdisciplinar em Linguística, Literatura e Educação de 2008, da Faculdade Grande Fortaleza (FGF). 2 Graduando em Letras-Alemão (UFC), bolsista de extensão do Projeto Alfabetização Solidária (ALFASOL) e membro do Grupo de Estudos em Linguística Aplicada (GESLA), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da UFC.

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enquanto pessoa e o auxilia enquanto educador, a fim de que seu desempenho pedagógico seja reflexo de seu bom nível de letramento. Para ajudar no desenvolvimento do letramento dos docentes, abordamos em uma de nossas oficinas práticas de escrita, pois notamos que eles apresentavam dificuldade em se expressar por essa modalidade formal da língua. Assim, procuramos realizar uma prática de escrita nos moldes de um ensino de língua materna que ampliasse e desenvolvesse os aspectos discursivos e formais da sua produção, dado que o ensino de língua deve primeiramente girar em torno do uso linguístico daquilo que faz sentido e tem função para o aprendiz e suas rotinas e exigências sociais. A delineação teórica de escrita que tomamos foi de uma atividade interativa e funcional (cf. ANTUNES, 2004, p.47). Interativa porque na comunicação há ação mútua, solidariedade entre emissor e receptor e vice-versa. E funcional, pois “cumpre funções comunicativas socialmente específicas e relevantes” em consequência da forma como se realiza o gênero. Dessa forma, para orientar o trabalho de produção textual, deve-se saber que o domínio da ortografia não é tão primordial, pois antes de se chegar a essa instância há uma anterior: o planejamento da produção escrita, ato totalmente subjetivo, mas que pode e deve ser influenciado por fatores objetivos, externos. Daí que o trabalhar por etapas, refaccionando o texto, se mostra mais produtivo do que conceber a primeira versão como produto final. É recomendável que as etapas de produção textual sejam antecedidas por uma sondagem de como está o texto do aluno, verificando os níveis de preparação, produção, revisão e os níveis mais estruturais, como aspectos sintático-discursivos, morfológicos e ortográficos. Tudo isso é relevante para que durante as etapas de refacção, o escritor vá corrigindo-se e colocando-se progressivamente como real autor de sua produção (cf. ibidem e LOPES, 2001). Fato que facilitaria a correção tanto para o professor, que observaria a evolução da escrita, quanto para o aluno, que verificaria mais claramente suas debilidades e habilidades em cada fase do processo. Aqui, falamos não só de debilidade de escrita, mas também de habilidade, porquanto, por mais que o público alvo dessa atitude pedagógica quanto à produção escrita, tenham passado por uma educação defeituosa, como foi nosso caso, alguma habilidade, destreza ou conhecimento, ele adquiriu anteriormente em seus estudos. E é a partir do trabalho de predição e levantadura e verificações feitos em cada etapa, que se consegue resultados satisfatórios à prática e desempenho sociais nos usos da escrita. Por último, como já afirmamos, a função comunicativa do texto está relacionada com a forma de realização, ou seja, o gênero e a modalidade retórica (tipologia). Por conseguinte, isso guiará quanto a escolha temática, estabelecimento genérico e usabilidade real, e outras demarcações construídas na parceria professor e aluno. 2.Metodologia

Quanto aos procedimentos da execução da Oficina, buscamos seguir o embasamento já apresentado de maneira que pudéssemos alcançar nossos objetivos. Assim, primeiramente revisamos a leitura sobre ensino de língua materna e o tratamento da correção textual, que podem ser consultadas em nossas referências.

Depois, durante a oficina, iniciamos fazendo a levantadura de temas, predizendo assuntos que interessassem aos alfabetizadores na produção textual. Dirigimos nossas discussões para o campo social, pois presumíamos que traria maior quantidade de

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temas. E um que mais nos chamou à atenção foi o êxodo rural, realidade próxima e vivenciada por todos os participantes da oficina. Seguidamente, arrolamos no quadro os subtemas relacionados com o tema central êxodo rural, hierarquizando de acordo com a perspectiva de cada um.

Selecionada a temática, buscamos escolher um gênero pelo princípio da funcionalidade, pois assim ficaria mais fácil produzir a partir do que lhe é habitual. Selecionamos a carta. Passando da seleção do gênero, apresentamo-lhes modelos para que apreendessem a estrutura do gênero por meio de comparações e discussões entre si.

A seleção da carta deu-se também pelo fato de que na cidade que aplicamos a oficina não é comum o uso de internet.

Nesse momento, também tratamos sobre adequação linguística e níveis de formalidade, posto que os modelos mostrados apresentavam diferenças nesses aspectos. E isso porque queríamos que eles mesmos notassem as características de cada texto.

Quanto à modalidade retórica, ficou a encargo de cada um que escolhesse o tipo que quisesse, porém assinalamos que tal gênero não aceitaria qualquer modalidade.

Iniciamos a oficina e, durante toda execução, aplicamos o modelo da refacção textual, na qual a cada versão o escritor harmoniza seu texto às indicações do professor ou segue a sua própria visão sobre o tema. Pois queríamos que eles se tornassem autônomos na revisão de seu texto.

E como já, no início do módulo, havíamos notado que uma das principais dificuldades dos alfabetizadores era em relação à gramática, pois apresentavam erros ortográficos, morfológicos e sintáticos, procuramos individualmente assinalá-los, tecendo comentários acerca daqueles mais recorrentes e que nos chamavam à atenção. Também durante a refacção, eles trabalharam em dupla justamente para que um revisasse o escrito do outro.

No término da atividade, avaliamos os textos, discorremos oralmente sobre o desempenho do grupo e previmos que eles enviassem suas cartas aos devidos destinatários, posto que alguns eram reais. 3. Análise e resultados A partir do que executamos na oficina, vimos que as nossas referências nos subsidiaram na delineação e aplicação dela, pois as questões que surgiram durante nossa prática foram previstas e verificadas, uerbia gratia: a visão de ensino que se tem tradicionalmente foi notada nas exigências que nos faziam ao nos apresentar o texto para corrigir, esperando que nós fôssemos direto ao erro, na perspectiva de que logo na primeira versão fosse finalizada a produção textual. Foram proveitosas a levantadura e a predição realizadas antes da produção, na medida em que ativaram o seu conhecimento referente à temática e consequentemente a organização de idéias. E também para seleção de um tema (êxodo rural) que fosse apropriado à escrita. Na seleção do gênero, notamos que, seguindo a noção de função textual da carta, a facilidade de escrita dos alfabetizadores foi mais fácil do que na experiência que tivemos quando da sondagem feita no início do módulo, procuraram adequar à linguagem de sua carta ao seu destinatário.

No trabalho de refacção, notamos que as indicações realizadas por nós foram aceitas pelos alfabetizadores e que eles não se limitaram apenas aos aspectos formais da língua, mas também, e principalmente, aos aspectos discursivos. Fato observado na

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reelaboração das idéias e dos parágrafos da carta, sempre preocupado com a recepção do texto.

Concluída a Oficina, examinamos os textos produzidos tanto nos aspectos formais quanto nos aspectos textuais. Na análise, vimos que houve progresso na produção textual dos alfabetizadores em relação à sondagem feita no início do módulo.

Identificamos, em menor escala, erros ortográficos, como troca de letra e grafação inadequada, que podem ser explicadas pela defeituosa prática de leitura e pela influência da fala na escrita, assim levados a transcrever aquilo que falam. Ainda em relação aos aspectos formais, encontramos significativo avanço na aplicação da gramática, configurando-se somente alguns erros de concordância nominal e verbal e de regência, já que haviam surgidas novas construções sintáticas que não lhes eram tão familiares.

Em relação aos aspectos discursivos, vimos que houve grande avanço não só em relação ao texto em si, mas também em relação aos alfabetizadores, que sempre se mostraram preocupados com a recepção que teria seu texto por nós. Conclusão

A partir do discorrido, vemos que o trabalho com o conceito de letramento é proveitoso, porque direciona as atividades de capacitação à necessidade do alfabetizador. Pois como observamos, sua escrita, antes defeituosa, depois da Oficina, passou a uma melhoria, dado que em nossa análise foi verificado.

Dessa forma, a delineação com o trabalho de escrita deve-se dar dentro de moldes funcionais e que foquem o texto e também seu escritor, para que a textualidade seja construída no processo de escrita. Todavia, um processo em que o escritor se mostre consciente. Referências Bibliográficas ANTUNES, IRANDÉ. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. BENITES, SONIA APARECIDA LOPES. Aulas de língua portuguesa: novos caminhos. In: Boletim da ABRALIM v. 26 – N° especial – II, 2001. CAVALCANTI, IARA FRANCISCA ARAÚJO. Leitura e produção de textos na escola: diferentes gêneros de circulação social. In: Boletim da ABRALIM v. 26 – N° especial – II, 2001. KAUFMAN, ANA MARIA; RODRÍGUES, MARIA ELENA. Escola leitura e produção de textos. Trad. Inajra Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. KLEIMAN, ANGELA. Oficina de leitura: teoria e prática. 6. ed. Campinas, São Paulo: Pontes, 1998. LOPES, ADNA DE ALMEIDA. Singularidades do erro de escrita. In: Boletim da ABRALIM v.26 – N° especial – II, 2001. TERZI, SYLVIA BUENO. A experiência de letramento em Inhapi e Olho D'Água do casado, AL. Revista do Programa Alfabetização Solidária, São Paulo, n. 1, p. 143-153, 2001.

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ANEXO Relatório de Análise Textual Análise do complexo de onze produções textuais e verificação dos aspectos formais (ortográfico e gramatical) e dos aspectos textuais (sintático-discursivos). Produção 01 – informante JCA: Redação composta de 23 linhas. Quantifica-se 24 erros ortográficos, os mais frequentes: troca de letra (aprendei [2x] ao invés de aprendi), difício, “e” ao invés de “i”: assem, encentivá-lo; acentuação e pontuação. Quantifica-se 14 erros gramaticais, os mais frequentes: concordância nominal e omissão de termos oracionais. Quantifica-se 4 erros textuais, a saber: falta do tema no corpo do texto, ambiguidade, quebra de paralelismo verbal e período confuso. Produção 02 – informante MLF Redação composta de 21 linhas. Quantifica-se 11 erros ortográficos, os mais frequentes: pontuação e troca de letra. Quantifica-se 4 erros gramaticais, os mais frequentes: repetição de palavra e concordância nominal. Quantifica-se 2 erros textuais, que são fuga do tema e um período sem conexão com o texto. Pelo fato de haver fugido do tema proposto, pode-se até descartar esse texto. Produção 03 – informante AC Redação composta de 18 linhas. Quantifica-se 28 erros ortográficos, mais frequentes: troca e omissão de letra e pontuação. Quantifica-se 8 erros gramaticais, mais frequentes: omissão de conectivos, quebra de paralelismo entre conectivos, fazendo com que os períodos fiquem confusos. Quantifica-se 3 erros textuais: período imcompleto e deslocado no texto. Produção 04 – informante HFSL Redação composta de 14 linhas. Quantifica-se 13 erros ortográficos, mais frequentes: grafação equivocada (a quela, emfrente), troca de letra e pontuação. Quantifica-se 7 erros gramaticais: mal-emprego de classe de palavra e concordância verbal e nominal. Quantifica-se 3 erros textuais: repetição de idéia, quebra de paralelismo de idéia. Produção 05 – informante C Redação composta de 20 linhas. Quantifica-se 8 erros ortográficos: pontuação. Quantifica-se 6 erros gramaticais: concordância verbal, coordenação nominal e regência prepositiva. Quantifica-se 2 erros textuais: quebra de paralelismo explicativo e uso aquivocado de “passar por repassar”. Produção 06 – informante EA

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Redação composta de 24 linhas. Quantifica-se 8 erros ortográficos: pontuação. Quantifica-se 2 erros gramaticais: concordância verbal. Quantifica-se 2 erros textuais: período incompleto. Produção 07 – informante F Redação composta de 13 linhas. Quantifica-se 13 erros ortográficos: ausência da desinência –r (verbo e nome) e pontuação. Quantifia-se 5 erros gramaticais: troca de tempo verbal, concordância verbal e nominal. Quantifica-se 2 erros textuais: falta de tema no corpo do texto e emprego de uma palavra por outra (“sala de aula” – aulas) Produção 09 - informante MMS Redação composta de 21 linhas. Quantifica-se 9 erros ortográficos: pontuação, troca de letra, acentuação. Quantifica-se 6 erros gramaticais: emprego de preposição, concordância verbal e nominal. Produção 10 – informante MSMM Redação composta de 21 linhas. Quantifica-se 24 erros ortográficos: troca de letra, pontuação, acentuação. Quantifica-se 3 erros gramaticais: regência nominal. Observa-se que essa redação só possui um parágrafo. Produção 11 – informante LFL Redação composta de 18 linhas. Quantifica-se 11 erros ortográficos: letra maiúscula, pontuação, troca de letra. Quantifica-se 2 erros gramaticais: concordância nominal. Quantifica-se 2 erros textuais: troca de categoria gramatical: verbo por nome, período incompleto.

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4. PENSANDO A FORMAÇÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS3

Eliabe PROCÓPIO4 Universidade Federal do Ceará

Resumo Este artigo é fruto dos estudos desenvolvidos dentro do programa nacional Alfabetização Solidária, que funciona desde 1997, e da vivência de seu autor como coordenador do programa e aluno de graduação. Discorreremos sobre a atividade extensiva através do Curso de Capacitação de Alfabetizadores do projeto Alfabetização Solidária (ALFASOL), realizado no ano de 2007 e que tem atendido a modalidade de educação de jovens e adultos na zona rural de Boa Viagem, Ceará. Tendo em vista que muitos na área acadêmicos ignoram o trabalho extensivo e por entendermos que extensão e pesquisa devem seguir em cooperação. Assim, objetivamos com este escrito apresentar à comunidade acadêmica o Curso, as atividades realizadas e seus resultados, e sobre isso refletir a extensão. Para tais metas, realizamos no Curso, além dos encontros pedagógicos, as oficinas de jogos ludopedagógicos e de oficina de escrita, a palestra sobre tabagismo, os círculos de debates e visitas guiadas à biblioteca municipal e rodas de leitura; sempre no intuito de letrar o professor-alfabetizador, conforme afirma Terzi (2001), já que esse foi o principal conceito que orientou nossos estudos e pesquisa e sendo também aplicado às nossas capacitações. Abrangemos no curso a equipe ALFASOL – Boa Viagem, através da parceria ALFASOL/UFC/Prefeitura de Boa Viagem. Como resultado, temos: a capacitação de 10 professores-alfabetizadores, a alfabetização de 35% dos alunos; a continuação dos estudos dos alunos e, principalmente, dos professores; e a experiência fenomenal de estar inserido numa realidade desafiadora, que nos tem levado a uma posição ativa. Palavras-chave: Extensão – educação de jovens e adultos – letramento docente Introdução Este artigo objetiva reflexionar a ação de extensão universitária, através do relato de nossa experiência em realizar o Curso de Capacitação de Alfabetizadores de educação de jovens e adultos (doravante EJA) do programa Alfabetização Solidária (doravante ALFASOL) do município de Boa Viagem, Ceará, durante o ano de 2007. E a partir de nossas observações e vivências, apresentaremos os princípios norteadores do curso de capacitação, as dificuldades enfrentadas, a metodologia do curso, os resultados obtidos a médio e a longo prazo, porquanto este texto é escrito passada cem horas do curso, e as perspectivas e atitudes tomadas em relação à EJA quanto à formação docente do ALFASOL- Boa Viagem.

3 Trabalho apresentado no II Seminário Interdisciplinar de Lingüística, Literatura e Educação de 2008, da Faculdade da Grande Fortaleza. Na forma de comunicação: Educação de Jovens e Adultos no Sertão Central Cearense: Relato de uma Experiência. 4 Graduando em Letras – Espanhol (UFC). Membro do Grupo de Estudos em Lingüística Aplicada, coordenador setorial do Programa Nacional Alfabetização Solidária. Pesquisa: Lingüística Aplicada ao ensino de língua materna e estrangeira, Historiografia gramatical e Educação de jovens e adultos. Acesso curriculum – plataforma Lattes/CNPq: http://lattes.cnpq.br/0792658591244187.

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Para tanto, nos baseiamos em RIBEIRO (1992), SILVA (2001), TERZI (2001) e ZAGOTTIS (s/d). 1 Desenvolvimento A extensão universitária por vezes evitada por quem está diretamente ligado à Academia, e aqui não queremos cair no já conhecido discurso de exaltação da extensão; porém mostrar a urgência de literalmente extender a universidade a quem realmente precisa de uma formação básica e necessária, para que possibilite a educação a quem por direito carece ser induzido e conduzido a um mundo culturalmente alfabetizado e letrado: jovens e adultos, de idade entre 17 e 77 anos, da zona rural de Boa Viagem. E essa necessidade de "extender-se" deve ser posta até mesmo como um mecanismo de escoamento do que se tem pesquisado e aprendido na Universidade, pois "não adianta um país possuir um excelente padrão educacional e excelentes centros de pesquisa científica e tecnológica; se os resultados destes centros não produzirem efeitos no sistema produtivo" (ZAGOTTIS, s/d, p.20) e esse mesmo autor apontou, no Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão, os cursos de educação continuada como um terceiro mecanismo de interação entre a universidade e a sociedade. Dessa forma, o ALFASOL, que desde 1996 tem contribuído para a educação de jovens e adultos em âmbito nacional e internacional, nos tem possibilitado a vivência de uma realidade que nos era estranha: capacitar professores de EJA da zona rural. Realidade essa que até então só conhecida por meio de livros, periódicos e relatos dos coordenadores do ALFASOL, do qual participamos como bolsista de 2005.2 a 2006. Num primeiro momento, a realização de um curso como esse parece fácil, já que, como coordenador setorial, recebemos capacitação para tal atividade; porém, o momento da realização do curso é que mostra a verdadeira capacitação para EJA, baseada não na teoria mas sim na prática. Todavia, numa prática antecedida pela teoria, reflexionada numa metodologia voltada para a atividade pedagógica em sala de aula, como universo do professor, aluno e comunidade. A verdade é que um projeto grande como o ALFASOL, por dar preferência a professores onde a sala de aula será implantada, possui uma escolaridade diversa entre seus professores; sendo isso apenas o reflexo da situação em que se encontra a educação na zona rural. Então daí é que decorre nossa dificuldade e desafio como professor capacitador. Surgindo questões, como: é possível e válido capacitar pessoas de tão baixo nível escolar para que lecionem, vale a pena apresentar teoria a um público como esse. A resposta é sim. Dessas questões é que resulta a especificidade de se trabalhar com EJA, pois "com relação ao papel de agente cultural do alfabetizador", deve-se "extrapolar a prática escolar" (RIBEIRO, 1992, p. 115). Não queríamos passar apenas um discurso engajado ao alfabetizador para que legitimasse sua ação educacional, mas quisemos que o curso de capacitação levasse o alfabetizador a pensar alfabetizacão, no sentido mais amplo da palavra; para que ele em sala de aula não se limitasse a codificação e a decodificação (idem passim). Tendo em conta que a alfabetizacão é um meio, que tem como fim o letramento,conforme Terzi (2001). O desafio foi posto: capacitar dez pessoas da zona rural para atuarem como alfabetizadores; incentivá-los a se valorizarem, pois nota-se que os alfabetizadores,

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assim como os alunos jovens e adultos, precisam considerar a sua diversidade cultural (FÁVERO, apud NUNES & ROLA, 2001); propiciá-lhes um conhecimento básico sobre alfabetizacão, voltada para EJA; muní-los de um conhecimento geral, mas que ao mesmo tempo é específico, porquanto está voltado para sua prática escolar; visto que durante os círculos de debates promovidos no curso, os professores se mostravam tímidos, pela minha presença, e pela fragilidade de suas argumentações. Nesse momento, foi preciso saber além de teoria pedagógica, foi preciso conhecer os alfabetizadores a fim de moldar a programação do curso a realidade e a necessidade dos professores, porquanto:

[...] as atividades promovidas na capacitação e na formação continuada deve residir no investimento de compreender os alfabetizadores como intelectuais tranformadores e facultá-los à aproximação com novas experiências que sejam capazes de instigá-los a pensar, a agir e a contemplar o sonho pela humanização, cuja concretização é sempre processo (grifo nosso), e sempre deve passar pela ruptura de amarras reais, concretas, (...) que nos estão condenando à desumanização. (SILVA, 2001, p.26)

e um dos pontos altos do curso foram os debates que visavam conscientizar os professores da atividade de alfabetizar, visto que ensinar não é um ato neutro (passim FREIRE) e que "toda atividade humana exige algum grau de consciência"(CHAKUR, 1995, p.642). E também junto com os alfabetizadores, discutimos e elaboramos ações educativas para que, ao chegarem à sala de aula, reelaborassem tais ações, só que desta vez em companhia dos alfabetizandos, já que a educação, consoante Freitag (1980), é agente de democratização social. E assim cada professor é orientado para que sempre avalie o processo da alfabetizacão e seus meios in loco, porquanto, e aqui destacamos a isto como um dos fatores principais: a diferença de estrutura entre as salas de aula. Das dez salas, visitamos quatro: três funcionam nos chamados grupos escolares, dos quais só dois possuem boa estrutura , pois o outro está em péssimas condições. E a quarta sala visitada funciona num compartimento de uma casa que não possui energia elétrica, assim que a aula é ministrada à lampião cedido pela prefeitura. Outro fator que tem nos chamado atenção é a evasão escolar, causada principalmente pelo "êxodo rural"; como por exemplo: a sala de aula da localidade de Cachoeira das Almas, que iniciou o módulo com vinte alunos, agora no mês de agosto, fechou por causa de que os alunos em sua maioria agricultores tiveram de buscar emprego no corte de cana em São Paulo. Daí, que capacitar professores num local como esse é difícil, pois eles devem estar preparados para qualquer eventualidade que, muitas das vezes, ultrapassa o plano pedagógico. E aqui confirma-se o que Freitag (idem) assevera: "a escola cumpre sua função de reprodução cultural e social" (p. 26). Sendo que essa afirmação pode ser expandida, visto que a escola reproduz e reflete (grifo nosso) as relações e os fatos socias. 2 Público alvo O público alvo do Curso de Capacitação de Alfabetizadores é formado por 14 pessoas: os 10 alfabetizadores, dos quais dois possuem o Curso Normal e 8 o segundo grau completo, com idades entre 20 e 35 anos, todos moradores da zona rural do município de Boa Viagem, distante 234 kilômetros de Fortaleza. Todos ensinam em

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suas localidades, que distam de 12 a 75 km da sede do município e trabalham como professor primário, dona-de-casa, agricultor, psicultor, vendedor. E completando o público alvo, temos a coordenadora municipal do ALFASOL e 3 integrantes da equipe técnica de EJA do município. 3 Parcerias e financiamentos O Programa Alfabetização Solidária é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos, que se baseia no sistema de parcerias com Instituições de Ensino Superior (IES), iniciativa privada, pessoas físicas e governos municipais, estaduais e federal, através das Secretárias e do Ministério da Educação. No caso de Boa Viagem, o projeto é mantido por convênios entre: o Ministério da Educação (MEC), qual participa com parte do financiando o pagamento de bolsas de ajuda de custo dos professores e dos coordenadores, material didático e de apoio; a Secretária de Educação de Boa Viagem, que contribui com a infra-estrutura (sala de aula, giz, lampião, transporte escolar em algumas das localidades, etc.) e a manutenção direta do programa no município; e a Universidade Federal do Ceará (UFC), como instituições de ensino superior (IES), contribui com a parte pedagógica, oferecendo o curso de capacitação de alfabetizadores e inspecionando o funcionamento do projeto no município. Além desses convênios, até o ano passado, a Secretária de Educação do Ceará (SEDUC) contribuia com a merenda escolar. Porém, neste ano, o convênio não foi renovado por decisão do atual governo. 4 Atividades desenvolvidas Nesta seção, apresentaremos de forma breve as ações do curso e as atividades realizadas e previstas como tentativa de resolver as questões-desafios já citadas. Primeiro, o curso de capacitação que tem duração de 100 horas está dividido em 4 encontros: o primeiro de 40hs e os subseqüentes de 20hs, sendo respectivamente para a capacitação inicial e as capacitações continuadas e as visitas às salas de aula. Na capacitação inicial, (13-17/04/2007), realizamos as atividades previstas, como: apresentação e integração da equipe ALFASOL do município; apresentação do ALFASOL quanto a sua estrutura administrativa e burocrática; conhecimento e debate sobre as características essenciais do educador de jovens e adultos, através da leitura de texto adaptado de Ribeiro (1997); leitura e debate sobre as informações pedagógicas direcionadas ao professor do Guia do Educador, onde há esclarecimentos gerais sobre EJA; apresentação dos instrumentos de trabalho: livro do professor, livro do aluno, fichas de diagnóstico e avaliação e outros; apresentação dos objetivos gerais do ensino de língua portuguesa, matemática e estudos socias e da natureza; e planejamento do primeiro mês de aula. Porém, ao vermos que algumas dessas atividades poderiam ser resumidas ou ser realizadas com outras, procuramos realizar: discussão sobre as características do educador juntamente com dinâmicas que mostravam as possíveis dificuldades do aluno de EJA em sala; atividades de ambientação alfabetizadora da sala de aula; a oficina de jogos ludopedagógicos (roteiro em anexo); e a "palestra" sobre dengue, onde contamos com a presença de uma agente de saúde do município. E ao final da capacitação inicial,

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numa tentativa de aproximação, conversamos individualmente com cada alfabetizador, mostrando-lhe o que havíamos observado de positivo e o que poderia ser melhorado, durante sua prática educacional. Segundo, na primeira capacitação continuada (21-23/06/2007), realizamos dentro da programação de 20 horas: visita a duas salas de aula; abordamos o pensamento freiriano quanto ao ensino de língua portuguesa e planejamento aula, onde procuramos refletir um mês de aula. E havendo lançado propostas de atividades extras para formação do alfabetizador, decidimos por realizar uma oficina de escrita. Terceiro, na segunda capacitação continuada, (13-15/09/2007), foi realizada com sucesso a Oficina de Escrita Novas Práticas, que se desenvolveu por meio de discussão temática, produção e refacção textual e que foi aplicada pelo bolsista do projeto Daniel de França Brasil Soares. O diferencial dessa oficina foi a sua proposta de observar o processo da refacção e da orientação para a outra versão do texto. (roteiro anexo).. Também nessa capacitação, discutimos dúvidas quanto ao ensino de matemática, como por exemplo, por qual motivo o alfabetizando sente dificuldade em expressar cálculos mentais. E concluindo essa capacitação, realizamos o planejamento mensal de aula. Embora, oficialmente, se tenha marcado 20 horas para a capacitação continuada, essa sempre leva mais tempo, pois juntamente com a coordenadora municipal do ALFASOL, procuramos nos reunir a fim de avaliar tanto os conteúdos dados e as freqüências mensais, como também o desenvolvimento dos alunos durante o modulo. A exemplo, nessa capacitação, além de nos reunir para tal, também tivemos de repassar o roteiro da oficina de escrita, enfatizando a parte teórica, já que objetivamos levar o município a auto-sustentabilidade na formação docente. Finalmente, para a terceira e última capacitação, realizada em dezembro, projetamos o encerramento do módulo, no qual foi feita toda a coleta de dados e, finalizando o Curso de Capacitação, que tem primado pela formação do alfabetizador, como agente cultural, foi realizada uma Roda de Leitura , na Biblioteca pública municipal, assim objetivamos cultivar o interesse pela leitura de textos literários. 5 Resultados obtidos Apesar de que o curso de capacitação esteja em conclusão, temos resultados que demonstram o valor da extensão na educação de jovens e adultos. Quanto aos alfabetizadores, vemos que eles, que no início se mostravam estranhos à EJA, pois para eles essa seria uma oportunidade de ter uma renda “fixa” (bolsa), têm se mostrado solidários e comprometidos com a causa alfabetizadora; o interesse deles em continuar os estudos é comprovado pelo fato de quererem participar de outras capacitações realizadas pela prefeitura, sendo que duas alfabetizadoras tem planejado de, no próximo ano, cursarem o Normal superior, que possibilitará o ingresso delas no quadro de professores da rede municipal de ensino; e, por fim, os alfabetizadores têm demonstrado desembaraço e confiança ao expor e discutir tanto os temas propostos como seus argumentos. Quanto aos alfabetizandos, o maior resultado que imputamos é a sua volta à sala de aula, porém, apresentamos dados preliminares que mostram o grande desafio que ainda temos que é o de manter esses alunos em sala, apesar de que a evasão escolar nesta modalidade seja considerada normal. De 155 alunos matriculados, apenas 98 continuam. Destes, conseguimos realmente alfabetizar 37 alunos e os outros

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conseguimos sociabilizá-los com o ambiente letrado. É importante informar que entre esses 98 alunos, o grau escolar é bem variado, indo de analfabeto até aqueles que cursaram a terceira série primária. Outro resultado valioso é que nas comunidades em que funcionam as salas do nosso projeto, no próximo ano, funcionará Fazendo Escola, o projeto de EJA da prefeitura, que propiciará aos alunos do ALFASOL a continuação dos estudos. Ainda em relação aos alunos, destacamos que eles próprios têm-se articulado para promover melhorias nos locais onde funciona sua sala de aula, como por exemplo, na localidade de Galiléia, o ALFASOL funciona num grupo escolar com duas salas de aula, secretaria e cantina e um terreno ao seu entorno. O grupo estava deteriorado e quase que abandonado, pois só funcionava pela manhã com uma turma de educação infantil. Então, os alunos decidiram capinar a escola, solicitaram a prefeitura, por meio da professora, material de pintura, eletricidade e limpeza. Conclusão, o grupo escolar foi reformado pelos alfabetizandos. Isso sim é um resultado social, pois é a própria comunidade se movimentando em busca de suas melhorias. Quanto a nós, o ALFASOL nos tem propiciado vivenciar esta experiência impar que faz com que repensemos o direito a educação; enxergar de perto as dificuldades enfrentadas por alguma das modalidades de ensino, EJA e educação indígena (PROCÓPIO, 2006). Todavia, não apenas vê as dificuldades, mas contorná-las a partir de seu posicionamento como educador, como extensionista universitário. Conclusão Concluimos afirmando que a atuância do ALFASOL no município de Boa Viagem tem sido satisfatoria na medida em que tem alcançado seus objetivos, entretanto é preciso tempo e apoio tanto da Universidade quanto do poder público para que consigamos mudar os índices de analfabetismo desse município, já está mobilizado através de projetos como o nosso, o Brasil Alfabetizado e o Fazendo Escola I e II. Retornamos, ainda, a discussão inicial de extender a universidade para quem dela precisa, visto que ficou comprovado que a educação, seja ela qual for sua modalidade ou instância, precisa de ações diretivas que a possibilitem a todos. E, nós, como universidade, como ponto de produção de conhecimento, devemos cumprir um de nossos papéis: levar à aplicabilidade o que se tem pesquisado e defendido na Academia. E a participação alunos da graduação em projetos de extensão deve ser uma das prioridades do ensino superior, porque leva o aluno a viver e refletir na prática o que tem visto e lido em suas disciplinas. E que estejamos cônscios de que devemos agir em prol de uma educação de qualidade para todos. Referências bibliográficas CHAKUR, Cilene Ribeiro de Sá Leite. Profissionalização Docente: uma Leitura Piagetiana de sua Construção. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Brasília. v. 1, n.1, set./dez., pp.635-644.

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FREITAG, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade. 4ª edição revisada. São Paulo: Moraes, 1980. 142p. MEC/ALFASOL. Alfabetização de jovens e adultos. Diagnosticando necessidades de aprendizagem. Brasília: MEC, 2002. NUNES, Célia & ROLA, Hebe. A formação de educadores de jovens e adultos: uma experiência solidária. In: Revista do Programa Alfabetização Solidária. v. 1, n. 1, jul./dez. 2001. São Paulo: UNIMARCO. pp.135-141. PROCÓPIO, Eliabe dos Santos. Educação indígena no Alto Solimões: relato de uma experiência. Trabalho completo apresentado ao XV Encontro de Extensão, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2006. RIBEIRO, Vera Maria Masagão. Metodologia da alfabetização: pesquisas em educação de jovens e adultos . Campinas SP: Papiros; 1992. Sao Paulo: CEDI, 128p. SILVA, Antônio Carlos da. Narrativas de alfabetizadores: tecendo reflexões entre atalhos e solidariedade. In: Revista do Programa Alfabetização Solidária. v. 1, n. 1, jul./dez. 2001. São Paulo: UNIMARCO. pp.19-27. TERZI, Sylvio Bueno. A experiência em Inhapi e Olho D'Água do Casado, AL. In: Revista do Programa Alfabetização Solidária. v. 1, n. 1, jul./dez. 2001. São Paulo: UNIMARCO. pp.143-153. ZAGOTTIS, Décio Leal de. A Interação entre Universidade e o sistema produtivo. Cadernos de Extensão Universitária do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão. UFC, s/d.

ANEXOS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO COODENADORIA DE INTEGRAÇÃO UNIVERSIDADE MOVIMENTOS SOCIAIS

PROGRAMA ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA – ALFASOL MÓDULO XXI – BOA VIAGEM-CE

Oficina de jogos ludopedagógicos: “Brincando na Boa Viagem de aprender”

1. Justificativa Tem-se observado que os alfabetizadores do ALFASOL, devido a fatores diversos, possuem baixa escolaridade e experiência educacional pouco inovadora e motivadora, e quando a possuem; fazendo com que haja pouca dinamicidade em suas aulas. Então, como o intuito de munir o professor com práticas pedagógicas e não de teorias, tem-se

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procurado inovar o curso de capacitação para alfabetizadores com a inserção de oficinas, mini-cursos e palestras, como a exemplo desta. 2.Objetivo Oferecer aos alfabetizadores atividades pedagógicas, baseadas na ludicidade, a fim de que dinamizar suas aulas, criar ou aumentar o interesse do aluno em assistir aula, diminuir assim a evasão escolar; e também incentivar a interação e o trabalho em grupo na sala de aula. 3.Conteúdo Apresentar não teoria e sim reflexionar sobre o jogo ludopedagógico e a sua presença no ambiente escolar, se ele cumpriria ou não a sua meta: trabalhar o conteúdo estudado ou apresentá-lo de forma menos tradicional, e se o alfabetizando viria aceitar tal atividade. Reflexionar também a confecção e a reprodução dos jogos, atentando a que fim serviria; observando se durante sua aplicação cumpriria seu objetivo. Por fim, discutir o material para confeccioná-lo, pois, deve-se ter em vista os poucos recursos financeiros dos professores e, principalmente, o pouco material disponibilizado pelo ALFASOL, pra que isso não venha prejudicar a apresentação visual do jogo. 4. Metodologia

• apresentação e discussão do jogo ludopedagógico; • divisão dos professores em dupla, de preferência; • preparação de um tipo de jogo por cada dupla (qual deverá ser criado, ou

reproduzido ou adaptado); • orientação para que cada jogo seja confeccionado levando-se em conta: público

alvo, objetivo, exeqüibilidade e aplicabilidade, disponibilidade de tipo de material;

• apresentação e demonstração de cada jogo ao grupo; • avaliação de pelo grupo cada trabalho, obervando os requisitos do jogo

ludopedagógico; • emissão de um juízo de valor, a partir da avaliação; • caso o juízo de valor não seja favorável, refacçaõ e reapresentação do tranbalho

pela dupla. 5. Público alvo A equipe ALFASOL-Boa Viagem: dez professores-alfabetizadores e a coordenadora municipal, juntamente com três membros da equipe técnica de EJA do município. Totalizando 14 pessoas. 6. Avaliação A avaliação dos participantes da oficina deve se dar por meio da observação do processo, para que não se ultravalorize o produto. Claro que os dois são importantes na avaliação. Notando se os participantes entederam o uso de tal prática, sabendo reproduzir ou criar, aplicar e auto-avaliar seu trabalho durante o processo de aplicação no âmbito escolar. 7. Resultados O grupo conseguiu produzir os jogos, quais, durante o módulo, foram aplicados em sala de aula, havendo por parte dos alunos participação e compreensão da proposta dos jogos, e ainda, durante as aulas, os alfabetizadores trocaram os seus trabalhados e suas propostas de jogos. 8. Referências bibliográficas ANTUNES, Celso. Manual de técnicas de dinâmica de grupo de sensibilização de ludopedagogia. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 1997.

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KISHIMOTO, Tizuko Morchida (Org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 1996. On-line NASCIMENTO, Eliene Silva et al.. Projeto Social em Educação: Jogos na Educação de Jovens e Adultos. Trabalho apresentado na IV Semana Acadêmica, Faculdade Social da Bahia, Salvador, 2006. http://www.fsba.edu.br/semanaacademica2006/TEXTOS/ELIENE%20SILVA,%20JACINTO%20GOMES,%20RENATA%20BONFIM,%20ETC.pdf

GRANDO, Regina Célia. O jogo na educação: aspectos didático-metodológicos do jogo na educação matemática. www.cempem.fae.unicamp.br/lapemmec/cursos/el654/2001/jessica_e_paula/JOGO.doc

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5. OS CONTEÚDOS CULTURAIS NOS MÉTODOS DE E/LE E NOS MANUAIS DE CULTURA E CIVILIZAÇÃO ESPANHOLA

Girlene Moreira da SILVA Universidade Estadual do Ceará – UECE Neyla Denize de SOUSA Universidade Estadual do Ceará – UECE

Resumo

Cada vez mais os alunos de língua estrangeira buscam, além do conhecimento

lingüístico, informações sobre a cultura, os hábitos e costumes dos espanhóis. As curiosidades culturais dos aprendizes são das mais diversas, desde aspectos geográficos até festas, crenças etc. Para atender a essa crescente demanda as editoras têm lançado novos materiais sobre cultura e civilização espanhola que nem sempre satisfazem aos anseios dos alunos. Além disso, muitos manuais têm procurado ampliar as secções relacionadas á cultura, também na tentativa de fornecer as informações extralingüísticas demandadas pelos aprendizes. Dentro desse contexto, esse artigo pretende fazer uma breve análise de como a cultura espanhola é tratada nos diversos manuais de ensino de E/LE e em outros tipos de materiais relacionados com a cultura. Além disso, essa pesquisa procura analisar de maneira crítica que material bibliográfico o professor de E/LE pode utilizar para preparar suas aulas sobre cultura espanhola. Para a realização do que foi proposto selecionamos dois manuais de ensino de E/LE (Nuevo Ven e Español en Marcha) e um material específico sobre cultura e civilização espanhola (España, ayer y hoy: intinerario de cultura y civilización). Os manuais foram analisados quantitativa e qualitativamente com relação à presença de informações culturais. Após a análise dos títulos selecionados constatamos que nenhum deles pode ser utilizado isoladamente. Como os manuais selecionados apresentam poucas e insuficientes informações culturais, o professor que deseje preparar uma boa aula de cultura espanhola deverá combinar as informações contidas nas diversas fontes bibliográficas. A constante atualização e a busca de diferentes fontes é a melhor forma de conseguir os resultados pretendidos. Palavras-chave: cultura, manuais de espanhol, sala de aula. Introdução

Cada vez mais os alunos de línguas estrangeiras buscam, além do conhecimento

lingüístico, informações sobre a cultura, os hábitos e costumes dos espanhóis. As curiosidades culturais dos aprendizes são das mais diversas, desde aspectos geográficos até festas, crenças, etc.

Para atender a essa crescente demanda as editoras têm lançado novos materiais sobre cultura e civilização espanhola que nem sempre satisfazem aos anseios dos alunos. Além disso, muitos manuais têm procurado criar seções relacionadas à cultura, também na tentativa de fornecer as informações extralingüísticas demandadas pelos aprendizes.

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A questão de que a cultura deve ser ensinada em sala de aula é uma questão discutida e analisada em diversos encontros, congressos e também vem sendo tema de diversas publicações especializadas na área de ensino de língua estrangeira.

Dentro desse contexto, esse artigo pretende fazer uma breve análise de como a cultura espanhola é tratada nos diversos manuais de ensino de E/LE e em outros tipos de materiais relacionados com a cultura. Além disso, essa pesquisa procura analisar de maneira crítica que material bibliográfico o professor de E/LE pode utilizar para preparar suas aulas sobre cultura espanhola.

1. Escolha dos métodos

Para a realização do que foi proposto selecionamos o primeiro volume de dois

métodos de ensino de E/LE (Nuevo Ven e Español en Marcha) e um material específico sobre cultura e civilização espanhola (España, ayer y hoy: intinerario de cultura y civilización). Os manuais foram analisados quantitativa e qualitativamente com relação à presença de informações culturais.

Poderíamos ter selecionado outros manuais ou analisado uma lista maior, no entanto, a escolha se deu levando em consideração que os dois pertencem a Editoras diferentes e bastante conceituadas na produção de materiais para o ensino de espanhol como língua estrangeira. Outro fator importante na escolha foi o fato de já havermos utilizado esses métodos em nossas aulas de E/LE e, portanto, já conhecermos os seus pontos fracos e fortes, bem como a opinião dos próprios alunos sobre os materiais escolhidos.

Além disso, vale ressaltar que analisamos somente o primeiro volume de cada método para restringir melhor o nosso foco e também porque entendemos que os outros volumes seguem mais ou menos o mesmo padrão do primeiro não só com relação a cultura, mas também com relação a outras seções.

2. A importância da cultura na sala de aula Língua e cultura constituem conjuntamente o núcleo do ensino de uma língua a estudantes não nativos. Muito mais que um elemento importante, a cultura é imprescindível para que a aquisição da língua estrangeira se dê de forma completa. “Por conseguinte, dado que a língua e a cultura vão unidas, posso dizer que é impossível “dominar” uma língua sem “dominar” a cultura, ou seja, o mundo que vai unido a ela.” (BRITO, 2004)

Além de dispor de um conjunto de regras gramaticais, o aluno necessita de uma gama de habilidades extralingüísticas, socioculturais e pragmáticas para enfrentar as distintas situações de comunicação real em diferentes contextos culturais. Dentro da sala de aula a cultura pode facilitar o processo de aquisição e aprendizagem da língua, além de despertar a curiosidade e o respeito do aluno por outras culturas. O reconhecimento do valor de outras culturas é fundamental numa sociedade onde o contato com outra cultura é inevitável.

Os choques entre sistemas culturais não se limitam às relações internacionais, mas sim dentro de um mesmo país, pois convivem uma diversidade de culturas. Nossa sociedade está cada vez mais multicultural por várias razões. O turismo ou questões de trabalho, haja visto que aqui no Brasil o desenvolvimento acentuado em relação à língua espanhola, vem

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incrementando uma sociedade aberta ao intercâmbio comercial internacional, por ser quase inexistentes as fronteiras para este tipo de relação. (Brito, 2004)

3. Análise e resultados No Nuevo Ven, os autores dedicaram a página inicial e final da unidade para

apresentar aspectos culturais da língua espanhola. Convém ressaltar aqui que a primeira página contém apenas uma figura que remete a um tema cultural, ficando a cargo do professor o bom aproveitamento desse recurso visual. Já na última (Descubriendo), os autores exploram textos, figuras e exercícios, facilitando a assimilação do conhecimento. Outro ponto positivo é a variedade de temas culturais que vão desde gastronomia até música, festas etc.

Com relação ao método Español en Marcha – Nivel Básico, os autores disponibilizam apenas uma seção de uma página para falar sobre o aspecto cultural (De acá y de allá), também com a exploração de textos, figuras e exercícios, porém dando prioridade às figuras.

Uma deficiência apresentada por ambos os métodos é a carência de recursos audiovisuais. Não se pode pensar em uma aula de cultura sem o apoio de, pelo menos, um vídeo numa sociedade aonde esse tipo de recurso vem se tornando essencial.

Após a análise dos manuais constatamos que nenhum deles pode ser utilizado isoladamente já que não tratam do tema em sua totalidade e, portanto, manuais específicos de cultura como España, ayer y hoy. Intinerário de cultura y civilización, são de grande importância para a complementação do ensino de cultura espanhola nas aulas de E/LE.

O interessante desse manual é que retrata a cultura com um vocabulário acessível a estudantes de qualquer nível, fazendo um passeio pelos aspectos culturais mais importantes da cultura e civilização espanhola de forma sintética e objetiva.

No entanto, esse livro apresenta algumas deficiências. Ao apresentar o cinema espanhol, por exemplo, não se faz nenhuma referência ao diretor de cinema com maior projeção internacional e, portanto, mais conhecido pelos alunos: Pedro Almodóvar. Além disso, destaca-se a antiguidade das fotos, que muitas vezes não apresentam com fidelidade a realidade.

Considerações Finais

Como os materiais selecionados apresentam poucas e insuficientes informações culturais, o professor que deseja preparar uma boa aula de cultura espanhola não pode se limitar a um único método ou livro específico de cultura, mas sim ampliar as informações básicas contidas no método adotado através da consulta de diversos livros, da utilização de materiais autênticos e de recursos audiovisuais sem esquecer, é claro, de buscar uma constante atualização. Concluímos, portanto que uma boa aula de cultura deve combinar as informações contidas em diversas fontes bibliográficas. Dessa forma o aluno poderá ampliar sua bagagem cultural. Referências Bibliográficas

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BRITO, S. A. O texto literário como componente cultural no ensino de espanhol como língua estrangeira. Cadernos do CNLF, Rio de Janeiro, v. 09, n. 09, p. 122-134, 2004. CASTRO, Francisca, MARÍN, Fernando, MORALES, Reyes & ROSA, Soledad. Nuevo Ven. Volumen 1 – Madrid: Edelsa Grupo Didascalia, S.A., 2005. MORA, Carmen. España, ayer y hoy. Itinerario de cultura y civilización. Madrid: SGEL, 1995. VIUDEZ, Francisca Castro, BALLESTEROS, Pilar Días, DÍEZ, Ignacio Rodero & FRANCO, Carmen Sardinero. Español en marcha – Nível Básico. Madrid: SGEL, 2007.

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6. CUIDAR E EDUCAR, PRA QUÊ?: OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL PARA O PROFESSOR*

Maria Eliziária Teixeira da SILVA (UERN)** Messias DIEB (UERN)*** Resumo: Este trabalho faz parte da pesquisa “O Professor da Educação Infantil e sua Relação com o Saber”, desenvolvida no Núcleo de Pesquisas em Educação (NUPED) da UERN- Campus de Assú. Seu objetivo é compreender os sentidos que o professor da rede pública atribui à Educação Infantil (EI) por meio de situações complexas que ele tem vivenciado com essa atividade. Para o alcance desse objetivo, utilizamos os postulados da Teoria da Relação com o Saber (CHARLOT, 2000), segundo os quais o sentido somente existe para alguém que é um sujeito; por isso, está ligado necessariamente à teia de desejos que o constitui e pode variar, ou deixar de existir, de acordo com as situações que são por ele vivenciadas. O corpus para a pesquisa foi construído a partir de 09 entrevistas semi-estruturadas com professores da EI, pertencentes ao município de Assú - RN. Os dados obtidos revelaram que os sentidos atribuídos à EI se materializam em processos bastante diversificados, os quais sinalizam que a função do professor é compreendida pela maioria dos sujeitos como algo que depende, fundamentalmente, de sua aproximação com a criança, expressa geralmente pela afetividade entre ambos como uma forma de compensar as carências familiares. Para os demais, o cuidar e educar implica paralelamente uma postura ativa do professor na instrução escolar da infância, a sua socialização e preparação para a vida escolar futura, bem como a aprendizagem da autodefesa em situações de perigo e imprevistas da vida fora dos muros da escola. Palavras-chave: criança; sujeito; significado; formação. Introdução

Para introduzirmos uma discussão acerca dos sentidos que o professor de Educação Infantil (EI) atribui a sua atividade, faz-se necessário abordarmos, ainda que superficialmente, alguns aspectos da história dessa atividade. Essa superficialidade, no entanto, não implica em perda para o desenvolvimento das idéias que aqui serão apresentadas, haja vista a atribuição de um sentido para o cuidar e educar estar vinculada, em especial, ao momento e às situações atuais nas quais os professores realizam sua prática. A superficialidade está relacionada, tão somente, ao fato de que o espaço deste trabalho limita a possibilidade de uma historicização mais ampla sobre os primórdios da educação destinada à infância.

Assim sendo, iremos recordar apenas que o atendimento à criança em instituições que foram criadas com finalidades educativas, e não apenas

* Relatório vinculado ao projeto de pesquisa “O Professor da Educação Infantil e sua Relação com o Saber”, desenvolvido no Núcleo de Pesquisas em Educação (NUPED) da UERN (Campus de Assú) sob a orientação do Prof. Dr. Messias DIEB. ** Bolsista PIBIC/CNPq/UERN – Membro do NUPED do Departamento de Educação da UERN (Campus de Assú). E-mail: [email protected] *** Doutor em Educação pela UFC. Prof. Adjunto no Depto. de Educação da UERN (Campus de Assú), onde desenvolve e orienta pesquisas sobre educação infantil no NUPED. E-mail: [email protected]

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assistencialistas, está associado, segundo Cruz (2000, p. 14), a importantes mudanças ocorridas no início do século XX. Essas mudanças dizem respeito, principalmente, a fatores como a crescente urbanização da vida familiar, o aumento no número de mulheres que passaram a trabalhar fora de casa e, em acréscimo, aos conhecimentos científicos que foram sendo construídos acerca da criança naquele período. Contudo, paralelamente a tais aspectos, muitos outros fatores parecem não apontar para uma concepção de educação como direito da criança, do qual ela é signatária e indiscutivelmente merecedora. É, pois, com base nessa “conjuntura” que as instituições brasileiras para criança se configuraram, por muito tempo, como um ambiente de política assistencialista e filantrópica, tendo como objetivo compensar as “faltas” ou carências sociais, econômicas, afetivas e intelectuais, tanto da criança como de seus familiares. Por esta razão, o trabalho com os meninos e meninas, em especial das classes menos favorecidas, limitou-se, em certo período, ao cuidado com sua alimentação e higiene, além do fornecimento de lições que tratavam de ensinar um bom comportamento para a vida em sociedade.

Esse cenário educacional para a infância se altera significativamente, mas ainda não suficientemente, com a promulgação da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB n.º 9.394/96 (cf. BRASIL, 1996), a qual, em seu texto, diz que o Estado passa a ter uma responsabilidade maior com a educação infantil. Assim, passa a ser seu dever o oferecimento gratuito de atendimento a crianças de zero a seis anos em instituições próprias para esse fim. Nessa direção, a referida Lei pressupõe uma nova concepção de professor para atuar nas creches e pré-escolas, já que seu trabalho agora deve ir além do simples cuidar, e do repasse de comportamentos socialmente aceitos, a fim de privilegiar também a educação por meio de mediações e interlocuções com a criança, ouvindo-a e valorizando-a em todos os aspectos que a constituem como sujeito.

Desse modo, a LDB traduz o professor como um importante ator social, apto a assumir uma prática em que o cuidar e o educar estão, indissociavelmente, articulados e as crianças atendidas em creches ou pré-escola como sujeitos de direito que, com o trabalho desse professor, devem ter experiências adequadas a sua faixa etária, usufruindo de todos seus direitos constitucionais. No entanto, como já afirmamos acima, isso não aconteceu plenamente como o previsto pela Lei, pois o Estado não arcou com os recursos necessários para a efetivação das mudanças prescritas na LDB, nem tampouco ofereceu subsídios para o melhoramento do trabalho dos professores junto às crianças. Por esta razão, notou-se uma crescente desvalorização dos profissionais da Educação Infantil, e as mudanças foram recebidas pelos professores como “um peso”, já que as exigências que lhes foram feitas nas creches e pré-escolas não eram compatíveis com os apoios pedagógico, financeiro e de infra-estrutura oferecidos.

Em conseqüência, o professor se deparou com situações complicadas, tais como a cobrança dos pais para que seus filhos aprendessem a ler e escrever mais cedo e a ausência de espaços adequados à atividade de brincar com as crianças, sendo, muitas vezes, esta última causada pela primeira, já que para aprender a ler e escrever bastava a sala de aula. Desse modo, o direito ao brincar passou a ser, praticamente, negado à criança e a ênfase no educar trouxe o oposto do que tínhamos anteriormente em relação ao cuidar. Tais situações se apresentaram ao professor que teve de resolvê-las, praticamente, sozinho. O professor, então, precisou encontrar outros caminhos para “driblar” essas dificuldades e para atribuir novos sentidos a sua atividade.

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Portanto, é a partir desse cenário que o objetivo do presente trabalho se centrou na compreensão dos sentidos que o professor da rede pública de Assú/RN atribui a EI, focalizando as situações complexas que ele tem vivenciado em sua atividade. Para o alcance desse objetivo, trataremos inicialmente das bases teóricas com as quais construímos o entendimento desse processo de significação. Em seguida, falaremos acerca das técnicas utilizadas para a construção e análise dos dados. Por fim, apresentaremos os resultados que a pesquisa nos permitiu encontrar e considerar como elementos relevantes para a reflexão acerca dos processos e relações que se desenvolvem entre o professor de EI e sua prática na escola.

1. Bases teóricas

Estudar os sentidos atribuídos por um sujeito a um determinado saber ou atividade implica, segundo Bernard Charlot (2000), compreender como se constrói a relação com o saber desse sujeito, ou seja, implica estudar o próprio sujeito inserido em uma teia de relações que o constitui. Assim sendo, o estudo, por exemplo, do sentido que os professores da rede pública atribuem à EI nos remete à compreensão de vários elementos fundamentais na relação desses professores com o saber cuidar e educar crianças. Tais elementos dizem respeito, principalmente, à mobilização e aos saberes necessários à realização da função docente, pois um sujeito precisa estar mobilizado para a realização de determinada atividade e é através dessa atividade que ele vai construindo seus saberes, já que ela se evidencia a partir de suas relações.

No que diz respeito à mobilização, faz-se necessário entender, no nosso caso, o que motiva professores da rede pública a permanecer na EI em meio às dificuldades por eles enfrentadas, tais como as concernentes aos baixos salários, a falta de estrutura física e pedagógica e, ainda, a desvalorização social relativa a essa função. Nesse sentido, estar mobilizado significa estar carregado de móbeis, ou seja, de “boas razões” para a realização da atividade docente, as quais precisam ser conhecidas e analisadas. Quanto aos saberes que orientam a atividade docente, o pesquisador canadense Maurice Tardif (2000) afirma que os professores são sujeitos do conhecimento. Desse modo, eles constroem seus saberes nas relações estabelecidas com o outro, com o mundo e consigo mesmo. Ou seja, os saberes dos professores não são apenas adquiridos em cursos de formação, mas na sua prática diária, na sua relação com o ensinar.

Tal prática, segundo esse mesmo autor, configura-se como um espaço de produção, transformação e mobilização de saberes, e não só um âmbito de aplicação de teorias já sistematizadas. Dessa maneira, com base também nas idéias de Charlot (2000) sobre uma sociologia do sujeito, poderíamos dizer que a relação com o saber dos professores está vinculada as suas experiências de vida, assim como a uma atividade intelectual mobilizada a partir de um desejo, de um sentido. Com efeito, o sentido existe para alguém que é um sujeito e está vinculado à teia de desejos que circunda esse sujeito. Segundo Charlot (2000, p. 56), “faz sentido para o indivíduo algo que acontece e que tem relações com outras coisas de sua vida, coisas que já pensou, questões que ele já se propôs”. Dessa maneira, o sentido é produzido por estabelecimento de relações, dentro de um sistema, ou seja, relações com o mundo, com os outros e consigo mesmo.

É preciso, pois, considerar também com Vygotsky (2000) que o sentido se diferencia do significado, já que ele é capaz de se modificar de acordo com o contexto em que está inserido, além de estar vinculado com a história de vida de cada indivíduo. Segundo esse autor russo, “o significado permanece estável ao longo de todas as

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alterações do sentido” (p. 181). Assim, o significado é mais genérico, enquanto o sentido é mais individual e, tal como nos diz Charlot (2000), pode variar ou até mesmo deixar de existir diante das vivências e experiências do sujeito. Portanto, o sentido se configura como um valor que alguém, necessariamente um sujeito, atribui a algo com o qual se relaciona em um dado contexto.

Em nosso caso, o sentido é entendido como a importância ou o valor que os professores da EI conferem à atividade de cuidar e educar crianças menores de seis anos. Isto se justifica porque eles vivenciam, cotidianamente, situações complexas por meio das quais é possível compreender o que os mobiliza a continuarem nessa atividade junto às crianças.

2. Aspectos metodológicos

Tendo nossa pesquisa um caráter etnográfico, focalizamos as experiências dos indivíduos que participam do cotidiano de uma escola de EI. Para a efetivação desse propósito, locamos o nosso estudo no Centro de Educação Infantil de Assú (CEIA)5, situado na cidade do Assú, a 246 km de Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte. Os sujeitos da pesquisa foram as nove professoras de EI que atuam naquele centro e que assumem turmas de crianças com idade entre dois anos e meio e seis anos. Desta maneira, o motivo principal para a escolha desse local foi a concentração de todas essas turmas num mesmo espaço escolar.

Como opção metodológica de construção dos dados foi adotada a técnica da observação participante. Assim, as primeiras visitas ao CEIA foram marcadas por um sentimento de tensão e de ansiedade, tanto por parte da pesquisadora-bolsista como também das professoras-pesquisadas. Afinal, ambas estávamos frente a frente com o novo. Nesse sentido, a fim de ganharmos a confiança das professoras da escola, procuramos explicar a importância da sua participação em nosso estudo, assim como também nos posicionarmos, no primeiro momento, apenas como observadora, tendo como objetivo aprender com elas sobre o trabalho com as crianças e não de julgar suas falhas ou dificuldades no exercício dessa função.

Esse momento foi importante para a pesquisa porque, como André (2002), o contato inicial do pesquisador e dos pesquisados, nessa abordagem metodológica, é direto e prolongado. Portanto, foi necessário que houvesse um clima cooperativo e harmônico entre ambos. Após esse primeiro momento, passamos a visitar constantemente a escola com intuito de observar as relações entre as professoras e as crianças e entre si mesmas. Queríamos nos tornar uma presença confiável para as professoras para que, posteriormente, elas se sentissem à vontade durante a construção dos dados.

Participamos ainda de várias atividades realizadas dentro e fora da sala de aula, tentando sempre desmistificar a visão das professoras em relação a nossa condição de pesquisadora. Em outras palavras, gostaríamos de que elas não pensassem que seríamos alguém que estava ali para apontar seus erros no trabalho com as crianças. Apesar disso, as professoras ainda pareciam um pouco incomodadas com a nossa presença, mas com o passar do tempo essa dificuldade acabou sendo vencida.

No decorrer das observações, e devido a elas, obtivemos uma grande quantidade de dados descritivos, o que nos permitiu, como diz André (2002 p. 38), “estruturar o 5 Nome fictício dado a uma escola que abriga, no mesmo espaço, além do ensino fundamental, do ensino médio e da educação para jovens e adultos, nove turmas de EI.

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quadro configurativo da realidade estudada para que posteriormente [pudéssemos] fazer as análises e interpretações” necessárias. A partir das observações feitas, optamos agora pelos dois instrumentos que foram utilizados para a geração dos dados: o balanço do saber e a entrevista semi-estruturada.

A técnica do balanço do saber consiste em uma produção de texto a ser realizada pelos sujeitos com base em um enunciado que é elaborado pelo próprio pesquisador, de acordo com seu objeto de estudo. Assim, procuramos elaborar uma situação imaginária que fosse instigante para as professoras e que elas respondessem a partir do que aprenderam ou ainda estavam aprendendo no seu cotidiano. Conforme podemos observar subseqüentemente, nosso balanço do saber teve o seguinte enunciado:

Imagine que no seu trabalho, você está recebendo a visita de uma estagiária do curso de Pedagogia. Ela está preste a se formar, mas não se considera preparada para assumir uma sala de aula de crianças de Educação Infantil. O que você diria para ela? O que ela precisa para ser uma professora de Educação Infantil? Como você a ensinaria a ser professora de crianças? O que a motivará a ir todos os dias para a escola? Como ela irá aprender a ser professora da Educação Infantil? Por quê? Como deve cuidar e educar as crianças? Por quê?

O objetivo dessa técnica foi proporcionar uma oportunidade de as professoras pensarem sobre suas práticas, sobre o que seria importante ensinar de sua atividade a uma iniciante na docência de crianças menores de seis anos, ao mesmo tempo em que as faria pensar sobre onde buscar o saber necessário ao desenvolvimento desse trabalho. Alem disso, buscamos entender o quê e o como as professoras da EI devem fazer ao cuidar e educar as crianças, explicitando igualmente o sentido dessas escolhas.

Quanto à entrevista, optamos por ser semi-estruturada, apesar das perguntas terem sido anteriormente organizadas. Elas foram se construindo no decorrer da conversa com as professoras e assim procuramos conhecer, por meio do referido instrumento metodológico, as experiências das professoras. Para isso, tomamos como base a entrada na docência como profissão, a construção dos saberes no enfretamento das dificuldades cotidianas e o sentido que elas davam para tudo isso, conforme podemos observar nas questões abaixo:

Roteiro da Entrevista I – A HISTORIA PROFISSIONAL Como você se tornou professora? O que levou você a escolher essa profissão? Como você se tornou professora da EI? II - MOBILIZAÇÃO PARA CUIDAR E EDUCAR CRIANÇAS Ser professora da EI é muito difícil? Se sim, em sua opinião, por que as pessoas continuam nessa função? O que representa a criança para você? Você tem prazer em cuidar e educar as crianças? O que significa para você ser professora de criança? III – A RELAÇÃO COM O SABER E O APRENDER Como é o seu dia-a-dia na escola? Você tem dificuldade em trabalhar com as crianças? Quais são elas? De que maneira você tem aprendido a superar essas dificuldades? O que é preciso aprender para ser uma boa professora de EI? Como você tem aprendido a ser essa professora?

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Depois da construção dessas perguntas, o desafio era a realização da entrevista devido ao grande volume de trabalho das professoras. Após uma conversa com elas, decidimos realizar as entrevistas em um outro horário que não fosse o seu horário de trabalho na escola. Inicialmente, a conversa corria de modo informal para enfraquecer a tensão provocada pela situação de entrevista. Desse modo, elas iam percebendo que eram questões do seu dia-a-dia e que podiam falar abertamente.

Após as entrevistas, foi solicitado que elas escolhessem um nome de sua preferência para que suas falas fossem identificadas com esse nome, preservando assim o sigilo em relação a sua identidade. Os nomes escolhidos pelos sujeitos foram: Glaucia, Ramira, Luiza, Sabrina, Margarida, Estrela, Isabel, Beatriz e Paula.

A transcrição dessas entrevistas se fez cotidianamente e, posteriormente, foi empreendida uma leitura atenta da fala das professoras já transcritas. Essa atividade foi realizada intercalando-se sempre com a escuta da gravação da entrevista. Passamos, então, a fazer associações das informações obtidas nas entrevistas com o restante do material produzido, através do balanço do saber e das anotações feitas durante as observações.

Assim sendo, as discussões e os resultados que foram obtidos após a análise desse material serão apresentados na próxima seção.

3. Os sentidos da Educação Infantil para as professoras do CEIA

Após um intenso estudo dos dados obtidos por meio das observações, das entrevistas e do balanço do saber, identificamos alguns dos sentidos que as professoras do CEIA nos apresentaram como sendo aqueles que elas atribuem à EI, ou seja, a essa atividade que cotidianamente vivenciam.

Suprimento de carências

Diante de condições desfavoráveis de vida, as crianças que freqüentam o CEIA,

na sua maioria, são carentes e vivem com enormes dificuldades, as quais são desencadeadas, em grande parte, pela escassez de recursos financeiros em suas famílias. Como também convivem em um ambiente familiar por vezes “desestruturado”, e que negligencia muitos de seus deveres, o cuidado com esses meninos e meninas dentro da família torna-se insatisfatório. Em conseqüência, tal situação acarreta uma série de necessidades no que concerne a aspectos sociais, intelectuais e principalmente afetivos. Assim, as professoras acreditam que estar na EI infantil significa para elas um momento de suprir essas carências, principalmente no que diz respeito à afetividade.

Bom, uma professora do ensino infantil ela tem que ser... muito amorosa! Entendeu? Porque se ela não tiver amor, eu... não dá não, viu? Tem que ter muito amor a essas crianças. Tem que ser um outro anjinho, um “guarda-costinha” das crianças. ...tem de cuidar delas, e dar aquele amor que ela está necessitando e que os pais não deram ... porque elas são carentes! (professora Luzia).

Como podemos observar, a fala da professora Luiza é importante para compreendermos a seriedade que essa professora atribui à atividade que desempenha. Nesse sentido, e diante da situação de carência afetiva das crianças, ela acredita que a EI é o espaço adequado para o desenvolvimento de algumas atividades e atitudes que têm como foco minimizar tais carências. Por esta razão, ela é a pessoa capaz de suprir, pelo menos momentaneamente, essas necessidades que são advindas especialmente da falta de carinho dos pais em relação aos filhos.

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Essa idéia é reforçada na fala da professora Gláucia: Em primeiro lugar, a criança tem necessidade de afeto... de carinho... de ser ouvida. Muitas vezes, os pais não ouvem... a mãe diz:- Ah! Não posso agora. Ah! não tenho tempo. Estou vendo novela! (professora Gláucia).

Assim, o trabalho com as crianças, para Gláucia, possui um grande valor, já que ela se sente satisfeita com a oportunidade de amenizar a falta de atenção existente no âmbito familiar. Certamente, o que a motiva a permanecer na EI é o mesmo desejo que move a professora Paula, ou seja, o de fazer a diferença na vida desses meninos e meninas e de sentir prazer com isso.

Nós professores somos mediadores,... né? A gente tá ali pra resolver a vidinha das crianças... A gente precisa dar carinho, porque, às vezes, tem criança carente, e aí elas se apegam! Se for uma professora que goste de dar carinho, elas se apegam! E eu goste dessas coisas, assim: dar carinho, atenção, né? Eles adoram e eu também! (professora Paula).

No entanto, é preciso sempre considerar a relação entre o sentido que as referidas professoras atribuem a EI e as condições em que se encontram as crianças atendidas pelo CEIA.

Se há um contexto de necessidades e carências afetivas, as professoras acreditam que seu trabalho deva primeiramente preencher os vazios deixados pela família no que concerne, principalmente, às necessidades afetivas para depois pensar em alfabetizá-las, por exemplo. Assim, já que o sentido pode variar diante das diversas experiências vividas pelo sujeito, como nos diz Charlot (2000), talvez essas mesmas professoras compreendessem a atividade de cuidar e educar as crianças de uma outra maneira, caso o contexto no qual elas estão inseridas fosse modificado.

Todavia, vale salientar que, como o contexto, enquanto espaço de convivência, não é algo permanente e nem se apresenta para os sujeitos da mesma maneira, podemos perceber outros sentidos que as demais professoras do CEIA constroem em relação à EI.

Preparação para o ensino fundamental

Entre as professoras, há também um outro sentido para a EI que não é somente

um espaço para o suprimento de carências. Algumas delas acreditam que as atividades desempenhadas na instituição devem privilegiar a aprendizagem da leitura e da escrita para que as crianças possam chegar bem preparadas no ensino fundamental.

Os alunos deveriam aprender... assim o básico, né? O básico eu acho assim é conhecer as letras, fazer o NOME. é ... CONTAR, certo? o que a gente faz no planejamento! Porque eu acho que isso serve assim... pra quando eles chegarem no ensino fundamental pelo menos já sabem o início... o básico. E aí, num vão ter muita dificuldade quando eles forem pra primeira série, pro ensino fundamental... num vão ter tanta dificuldade (professora Sabrina).

Isto quer dizer que as crianças precisam estar “bem instruídas” para acompanhar satisfatoriamente essa etapa da educação que se dá subseqüentemente à EI. Assim sendo, a professora nos diz que as crianças precisam estar aptas para o ingresso no ensino fundamental e evidencia o sentido que ela atribui à EI, ou seja, o que a motiva para atuar nessa etapa da educação básica. Em outros termos, ela considera que sua atividade se configura como uma prática por meio da qual ajudará a criança a aprender o básico, isto é, alfabetizá-la.

Alfabetizar vai de acordo com a cabeça de cada criança, porque tem crianças que é mais fácil, “pega” mais fácil! E tem crianças que a gente tem muito trabalho e num consegue

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chegar ao objetivo que a gente quer! Por isso, ... alfabetizar é muito difícil! É muito difícil de entrar as coisas... não sei se é porque ela tem problema em casa, e quando chega na sala de aula ela fica muito agitada, num quer prestar atenção, só quer tá brincando! (professora Beatriz).

Como poderemos inferir, o que motiva essa outra professora a estar na EI é o seu desejo e o desafio de ver suas crianças aprenderem a ler, escrever e contar. Por isso, ela sente que seu trabalho é importante, já que promove as condições necessárias para que as crianças se desenvolvam e, por conseqüência, não encontrem dificuldades no ensino fundamental.

Portanto, o sentido que Sabrina e Beatriz conferem à atividade que desempenham nos remete a uma importante reflexão no que concerne à compreensão acerca do papel das instituições de EI. Em alguns casos, essa compreensão aponta para a creche e principalmente a pré-escola como um espaço de antecipação da vida escolar. Dessa maneira, é preciso considerar que esse entendimento está pressupondo uma idéia de criança moldada e controlada em razão de sua escolarização, o que pode estar evidenciando ainda a negligência das muitas especificidades da infância e o treinamento obsessivo para uma alfabetização precoce.

Formação social e moral da criança

As professoras entendem ainda que a atividade de cuidar e educar crianças tem como objetivo a preparação para a vida em sociedade, ou melhor, para a aprendizagem do como ela deve se comportar em suas relações sociais, de acordo com determinados preceitos morais. É nesse sentido que a professora Margarida nos diz:

Devemos prepará-los pra que eles se tornem pessoas boas dentro da sociedade porque esse mundo velho é muito cheio de desigualdades... discriminação e as mães tão perdendo muitos filhos pras drogas...pra prostituição, pra muitas coisas! E eu penso, assim, ... que elas sejam... através do estudo e da ajuda da mãe e da escola.... pessoas melhores no mundo, no futuro... porque eles são... os futuros profissionais de amanhã.... que eles tenham assim sucesso... encontrem esse sucesso dentro da escola.... na educação (professora Margarida ).

Diante da fala de Margarida, é possível perceber que a EI, para essa professora, é importante, pois oferece à criança a chance de melhorar futuramente sua vida. Nesse sentido, o que a motiva a continuar como professora das crianças é o fato de que ela pode contribuir nessa melhoria. Portanto, o seu desejo é que essas crianças ganhem na EI, e através do seu trabalho, boas condições para vencerem na vida, superando todas as dificuldades que eventualmente se apresente em seu caminho.

A criança vem para a escola quando pequenininha pra ir já conhecendo o ambiente escolar, como ele é, certo? Para aprender a convivência com as outras crianças,... a dividir suas coisas... pra que a criança consiga, realmente, se situar no ambiente escolar. Essa é a minha opinião. (Sabrina).

As professoras parecem influenciadas por uma visão romântica do seu trabalho e da educação, ressaltando a função transformadora da escola. Porém, o que constatamos é que, na maioria das vezes, a educação não tem realizado esse papel, ainda que as professoras se satisfaçam e até sintam prazer com essa tentativa.

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3.4 Preparar a criança para a vida (aprender a defender-se) A EI é entendida, aqui, como um espaço de preparação para vida. Não somente

no sentido de socialização, como vínhamos discutindo, mas também como um lugar onde se orienta as crianças para que essas possam se defender dos perigos presentes na sociedade. Dessa maneira, a professora Isabel nos diz:

A escola deve preparar pra vida, né? Bom, como no caso que houve agora... da morte dessa criança! Do rapaz que matou essa criança! Dois dias antes, eu tinha feito com eles uma leitura sobre... “eu estou sozinho”... um negócio assim! Então, eu li pra eles essa... esse texto. Um texto muito bom que falava de crianças sozinhas, é... que preparava essas crianças pra não... pra que elas não seguissem pessoas estranhas... pra que elas não se sentissem amedrontadas no momento em que estavam em casa, pra que não abrissem a porta pra estranhos... esse tipo de coisa! Então, com dois dias, aconteceu a morte, exatamente, é.. mais ou menos tudo o que eu conversei com eles. E se essa criança tivesse ouvido isso, ele não tinha seguido o rapaz que matou. Eu acho assim! Então, a isso eu chamo preparar pra vida lá fora (professora Isabel).

Por meio dessa fala, a professora Isabel nos diz que a morte de uma criança poderia ter sido evitada se ela tivesse participado de sua aula e escutado suas orientações. Assim sendo, estar na EI, para essa professora, significa muito mais que a aprender a ler, escrever e contar.

Para Isabel, é uma oportunidade que as crianças têm de conhecer e refletir sobre os perigos do mundo e aprender a se defender deles. Diante disso, podemos afirmar que o que motiva a professora em sua atividade é poder desempenhar um importante papel social por meio do qual ela orienta e ajuda a proteger a vida das inocentes crianças no que diz respeito aos perigos existentes do lado de fora da escola.

Considerações Finais

O presente trabalho teve como objetivo compreender os sentidos que o professor da rede pública de Assú/RN atribui a EI, focalizando as situações complexas que ele tem vivenciado em sua atividade. Sua motivação se deu devido ao fato de que a LDB pressupõe um importante papel para os professores de EI, mas não consegue traduzir os sentidos que eles atribuem a essa atividade. Como vimos, o sentido de algo, segundo Charlot (2000), é atribuído por um sujeito em situações que podem fazê-lo variar ou até mesmo deixar de existir em relação a esse algo. Diante do que expusemos e discutimos, acima, vamos agora, então, registrar algumas considerações finais sobre o assunto sem, necessariamente, considerá-las conclusivas.

Os sentidos atribuídos à EI se materializam em processos bastante diversificados, os quais sinalizam que a função do professor é compreendida pela maioria dos sujeitos como algo que depende, fundamentalmente, de sua aproximação com a criança, expressa geralmente pela afetividade entre ambos como uma forma de compensar e suprir as carências familiares. Isto se justifica porque, a grande parte dessas crianças vem de contextos sociais desfavoráveis e vivem precariamente. Portanto, parece-nos que, para as professoras pesquisadas, a principal função da EI é amenizar as necessidades dessas crianças através do afeto e da atenção que o ambiente familiar não proporciona.

Para os demais, o cuidar e educar implica paralelamente uma postura ativa do professor na instrução escolar da infância, a sua socialização e preparação para a vida

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escolar futura, bem como a aprendizagem da autodefesa em situações de perigo e imprevistas da vida fora dos muros da escola. Como se pode notar, a vida da criança dentro e fora da escola absorve a atenção e o objetivo de muitas das atividades das professoras. Isto se justifica porque elas se preocupam com o futuro das crianças e entendem que sua função é proporcionar condições para que esses meninos e meninas possam melhorar de vida. Portanto, concluímos que o sentido que essas professoras atribuem à função que desempenha está ligado às experiências que vivenciam dentro de um determinado contexto social.

Referências ANDRÉ, Marly. Metodologia da pesquisa educacional. – 8. ed. – São Paulo, Cortez, 2002. (Biblioteca da Educação, Série I, Escola; v.11) BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n.º 9.394/96. Brasília: MEC, 20 de dezembro de 1996. CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Trad. de MAGNE, B. Porto Alegre: Artmed, 2000. CRUZ, Silvia Helena Vieira. Infância e educação infantil: resgatando um pouco da historia. Fortaleza: SEDUC - CE, 2000 (Série Ensinando e Aprendendo v. 1). TARDIF, Maurice. Os professores enquanto sujeitos do conhecimento: subjetividade, prática e saberes no magistério. In. CANDAU, Vera Maria. (OORRGG.) Didática, currículo e saberes escolares. 2 ed. Rio de Janeiro: DDPP&& AA, 2002. p. 112-128. VYGOTSKY, Lev S. Pensamento e linguagem. 2.ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000a.

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7. OS PERCURSOS DO ENSINO DA LÍNGUA INGLESA NO BRASIL Renata Rovaris DIÓRIO6 Resumo Nesse artigo abordo como o ensino de inglês foi normatizado no Brasil, através das políticas públicas adotadas desde 1900 até os tempos atuais, enfocando os últimos 40 anos, para compreender a importância da presença dessa disciplina dentro dos currículos escolares, hoje. Trata-se, portanto, de uma revisão bibliográfica abordando esse tema. Nesse sentido, faz-se necessário retroceder na história da educação brasileira, para entender o porquê em alguns momentos da educação escolarizada, essa disciplina teve um caráter optativo, em outros, foi obrigatória, em determinadas situações, foi excluída dos currículos e nos últimos anos deveria ter valor fundamental dentro da escola. Espero que essa retrospectiva histórica visando ao ensino do inglês no Brasil, possa colaborar com algumas reflexões sobre o mesmo, bem como sobre a própria prática do professor de inglês em sala de aula. Espero ainda que essa revisão bibliográfica possa contribuir na construção de alguns “pontos de chegada” sobre o ensino de inglês através das políticas públicas adotadas desde 1900 até os tempos atuais, enfocando os últimos 40 anos, proporcionando a compreensão da importância da presença dessa disciplina, dentro dos currículos escolares, atuais. Palavras-chaves: Ensino. Língua Inglesa. História da Educação.

Abstract This article talks about how the English teaching has been legal in the Brazilian education system through public politics since 1900 until nowadays. It also focus the last 40 years, with the aim to understand the importance of the English language at the curriculum. The bibliographical review is used on this study for showing how the English language has been teaching at school by the teachers along this period of time. It also aims for understanding the why this target language was optional sometimes and it was an obligation at other times and it almost disappeared at curriculum sometimes and it has been essential as a knowledge at school recently for the students's life. I hope that this study may help the English teachers and all others profissionals involved in Education to think about the meaning of this discipline at the Brazilian curriculum nowadays. I also hope that this bibliographical review may help the English teachers to think about their own way to act at the English classroom. Key Words: Teaching. English language. History of Education.

Breve histórico do ensino da língua inglesa no Brasil

Retornando à história dessa disciplina no Brasil, é possível observar que desde

1900, o inglês e o francês eram ensinados no Colégio Dom Pedro II, no Rio de Janeiro. Os conteúdos ministrados em ambas as disciplinas representavam o que devia ser

6 Mestre em Educação pela UFC. Especialista em Métodos e Técnicas de Ensino pela UNIDERP. Graduada em Letras pela UFMS. Graduada em Direito pela FUCMT. Professora do Colégio Militar de Fortaleza. E-mail: [email protected]

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estudado, nesta época, no Brasil. Contudo, somente na década de 1930, houve um impulso no ensino do Inglês no Brasil, devido às tensões políticas no mundo, que culminaram na Segunda Guerra Mundial. Tal fato ocorreu, segundo Celani (1996, p.2), devido aos estudos mais elaborados, de cunho científico, de colaboração internacional, visando ao aprendizado de uma língua estrangeira, objetivando os interesses diplomáticos da guerra. Assim sendo, surgiram muitas publicações sobre o estudo de como aprender uma língua estrangeira foram realizadas nesse período.

Em 1935, houve o primeiro acordo de cooperação entre a Escola Paulista de Letras Inglesas e o Consulado Britânico, dando origem à Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa, precursora da atual cultura inglesa, com vistas à divulgação das tradições e costumes ingleses e facilitando intercâmbios culturais para o aprimoramento do inglês. E essa língua-alvo era também ministrada nessa instituição de ensino por nativos do idioma.

Em 1938, surgiu, em São Paulo, o primeiro instituto binacional com o apoio do consulado norte-americano: o Instituto Universitário Brasil-Estados Unidos, que mais tarde teve o nome alterado para União Cultural Brasil-Estados Unidos da América. O instituto foi criado com o objetivo de divulgar a cultura norte-americana, assim como, difundir o inglês no Brasil e por toda América Latina. Segundo a análise de Rays (1900, p.26),

[...] fica patenteado que a política educacional brasileira, no período de 1930 a 1945, não possuía, de modo algum, um caráter de neutralidade, uma vez que ela sempre espelhou a realidade política daquele momento histórico e teve a finalidade de legitimar os interesses dos grupos dominantes.

A educação, no Brasil, nunca foi neutra e naquele período os interesses norte-americanos eram divulgar a sua cultura, assim como, a sua hegemonia sóciopolítico- econômica na América Latina, visando à supremacia dos interesses dos grupos dominantes. Nesta linha de raciocínio, Dalacorte (2000, p.16) afirma que o inglês emergiu no cenário brasileiro, como

[...] uma língua estrangeira muito importante, devido a dois fatores: a Revolução Industrial na Inglaterra e o seu colonialismo em vários países e o prestígio dos Estados Unidos da América, como potência política e econômica, após a II Guerra Mundial.

Mas somente a partir de 1960 os pesquisadores franceses, norte-americanos e russos começaram a inovar a forma de entender o ensino de uma língua-alvo, uma vez que, até este período, predominava a abordagem behaviorista de ensino. Além do que predominava, também, a concepção estrutural da linguagem, na época: tanto o inglês quanto a língua portuguesa eram ensinados através do método gramática-tradução, enfatizando a gramática normativa.

Somente após a década de 1960, mudanças significativas ocorreram na metodologia do ensino da língua inglesa. Isto devido à liderança dos Estados Unidos da América, visto que o dólar tornou-se o padrão monetário internacional e o inglês, consequentemente, uma espécie de língua franca entre os povos nas suas relações de mercado e produção.

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Em 1964, no Brasil, conforme Rays (1990, p.131), “[...] a burguesia industrial e comercial exige profissionais liberais, operários especializados, treinamentos, cursos rápidos.” E a partir daí, surge há necessidade de elaborar diretrizes para a educação nacional, baseando-se numa educação liberal, para as diferentes classes sociais e privilegiar as novas exigências do mercado de trabalho com mão-de-obra técnica e especializada.

Nesse contexto histórico, para Suassuna (2003,p.66), havia uma predominância e supervalorização da gramática, como única forma de saber ler e escrever bem, devido à abordagem tradicional de ensino, subsidiada nos princípios do positivismo e na concepção estrutural da linguagem. O aluno era visto como agente passivo no processo de ensino e de aprendizagem da língua-alvo, porque apenas copiava e traduzia o inglês, muitas vezes sem compreender o sentido, de acordo com a língua padrão da época.

Os professores apoiavam-se na concepção estrutural da linguagem, defendendo a idéia de que ao dominar o código gramatical, os alunos saberiam ler e escrever bem. A ênfase, nessa forma de ensinar, teve origem no estruturalismo da linguagem, que, desde Saussure, no princípio do século XX, estabeleceu uma distinção entre língua e fala, em que a primeira, “[...] correspondia a um sistema abstrato, homogêneo, rígido, social e a fala consistia na realização concreta e individual da língua.” (DALACORTE, 2000, p.17). A língua era vista como um sistema de signos, em que estes tinham os seus significantes e significados correspondentes, de forma convencional, ou seja, pelo código linguístico definido e apropriado pelos gramáticos. Esta concepção estruturalista da linguagem determinou como ensinar o Inglês, até meados de 1970, nas instituições de ensino do país.

Paralelamente, dois métodos desenvolveram-se entre as décadas de 1940 e 1970: o método áudio-lingual, derivado de uma abordagem estrutural desenvolvida por Charles Fries (1945) na Universidade de Michigan e o ensino de línguas com uma abordagem situacional, representada nos cursos audiovisuais franceses, como: “[...] o Voix et Images de France (1961) e Bonjour Line (1963). A Inglaterra seguiu também os mesmos princípios, produzindo a série em Avant” (CELANI, 1996, p.3), para o ensino do Francês e outros idiomas.

Nesse período, em que predominavam as idéias de Saussure, outros estudiosos da linguagem, como Bloomfield, desenvolveram estudos sobre a mesma, o que resultou em novas formas de entender e ensinar uma língua-alvo. Tal fato possibilitou que o estruturalismo fosse desmembrado em tendências: americana e européia. Suassuna (2003, p.67), analisando o estudo de Bloomfield, enfatiza que “[...] a gramática tradicional e o estudo do certo e o errado da linguagem deviam ser substituídos por uma análise objetiva e restrita de uma língua, sem a orientação normativa que deve ser apreciada como um mecanismo social de diferenciação de classes.”

O estudo da gramática deveria ser, portanto, por uma análise objetiva, sem muita ênfase normativa na linguagem e dado somente, quando o aluno tivesse a necessidade de entendê-lo. Nesse momento, a linguagem passava a ser entendida, como uma perspectiva prática-social.

Na corrente européia havia Sapir (início do século XIX), que afirmava que a língua era um fenômeno cultural e não inato do ser humano. Já os estudiosos russos ficaram à margem do debate, em virtude da Revolução Russa de 1917. Porém, Marr afirma que “[...] a organização sócio- política e as relações de produção de uma comunidade refletem na língua desta.” (apud SUASSUNA, 2003, p.69). Isso corresponde à teoria linguística marxista, que rompeu com os parâmetros tradicionais da língua, porque

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preconizava que as relações de produção, baseadas no capitalismo, influenciavam, por meio da ideologia das classes dominantes, a produção da linguagem.

Mas, com relação à corrente estruturalista da linguagem, Suassuna (2003, p.69-70) destaca ainda alguns pontos positivos:

a) reconhecimento da existência de variantes linguisticas; b) concepção de língua, como sistema, cujas partes se opõem; c) caráter formal da análise linguística; d) primazia de estudos sincrônicos; e) tratamento não-formativo dos fatos da língua; f) estudo de relações sintagmáticas e paradigmáticas entre as unidades do

sistema; g) visão da língua como instituição social; h) descrição da língua efetivamente usada por uma comunidade; i) indicação do aspecto interdisciplinar da linguística.

Esses aspectos positivos do estruturalismo representaram um avanço nos estudos

sobre a língua, uma vez que a língua passava a ser reconhecida como algo social, produzida por uma comunidade específica, Assim, a influência do estruturalismo norte-americano foi benéfica ao ensino das línguas estrangeiras, por desvincular a língua de seu caráter normativo, o que na época, era valorizado em demasia.

Ainda dentro da tendência estruturalista européia, surgiu o funcionalismo, que se preocupou com a função da linguagem na comunidade, isto é, estudava a linguagem dentro das funções que esta possuía, nas situações de uso. Segundo Suassuna (2003, p.70), o seu principal expoente foi Halliday porque ele afirmava que a linguagem tinha inúmeras funções: “[...] ideacional, interpessoal e textual. ”

Na função ideacional a linguagem servia para expressar experiências de como ver as coisas, na função interpessoal, a linguagem era um veículo que servia para instaurar relações sociais e na função textual, a linguagem era um meio para construir textos adequados aos usos do cotidiano.

Entretanto, Jakobson, expoente da escola de Praga, afirma que as funções da linguagem são diferentes das citadas acima:

“[...] emotiva (do locutor), conativa (de quem ouve), fática (da relação de contato entre ambos), poética (da mensagem transmitida), referencial (do contexto) e metalinguística (do código da língua em si mesmo).” (JAKOBSON, apud SUASSUNA, 2003, p.73).

Para Jakobson, a intencionalidade do autor e o contexto em que a mensagem é enviada constituem elementos necessários para o estudo da linguagem. Concordo com o autor e acrescento que, sem o estudo das funções da linguagem e do contexto na qual ela é realizada, o seu processo de aquisição fica sem sentido. Entender a linguagem como produto sóciohistórico é vital para a compreensão do contexto em que é produzida, assim como, a própria compreensão do significado da mesma.

Ressalto ainda que na década de 1950, o linguista norte-americano, Noam Chomsky criou a gramática gerativo-transformacional, na qual afirmava que a linguagem deveria ser o estudo das análises sintáticas. O mesmo autor dizia que o mecanismo cognitivo da mente humana dava-se através do estudo da linguagem (CHOMSKY, apud SUASSUNA, 2003) e o que havia de criativo na língua era o

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sintático. No entanto, em 1965, Chomsky reformulou o seu modelo teórico de 1957, acrescentando o componente semântico da gramática.

Nesse sentido, as escolas no Brasil, receberam muita influência do modelo norte-americano de Chomsky, que enfatizava em sua abordagem de ensinar qualquer língua-alvo, os componentes linguísticos: o sintático, o semântico e o fonológico, sendo dos três componentes, o sintático, o mais valorizado, porque trabalhava com regras gramaticais. Já o campo semântico, utilizava os diferentes significados da palavra e o fonológico compreendia o estudo da pronúncia das palavras.

Após 1965, houve uma proliferação de cursos comerciais, no Brasil, operando em redes de franquias. Nesse período, a política pública adotada para o ensino de língua estrangeira normatizou o ensino da mesma, como optativa, podendo ser ministrado tanto o Inglês, quanto o Francês, nas escolas, por determinação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 4024/61.

Isso ocorreu em uma época de tensão, pois o mundo estava dividido em dois blocos que consolidavam a Guerra Fria: de um lado, os Estados Unidos da América, com a defesa do capitalismo neoliberal, e de outro, a União Soviética que representava o comunismo. Os blocos disputavam a extensão de suas hegemonias político-econômicas e ideológicas no mundo.

Nesse contexto, a partir da década de 1970, a língua estrangeira, segundo Kleiman, configurou-se também, na necessidade de aprender o inglês, instalando-se uma: “[...] competitividade dos jovens profissionais do terceiro mundo, com o mundo anglofalante, [...]” (KLEIMAN apud SIGNORINI, 1998, p.58). Havia uma exigência implícita no aprendizado do inglês, porque este era vital para que o cidadão do terceiro mundo pudesse competir com o resto do mundo, uma vez que essa língua-alvo já era vista como internacional.

Com a lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 5692/71, o idioma francês não aparece mais como disciplina optativa na área de comunicação e expressão. E o inglês aparece, juntamente, com a disciplina educação artística, desde que o estabelecimento de ensino tivesse condições de ministrá-los com eficiência. Em 1976, com a resolução federal nº 58, surge a denominação: Língua Estrangeira Moderna (LEM), passando a ser obrigatório o aprendizado do inglês no 2º Grau.

Em 1982, a lei federal nº 7044/82, que normatizou o ensino do 2º Grau, naquela ocasião, determinou que a Língua Estrangeira Moderna (LEM), tivesse um caráter optativo, ao invés de caráter obrigatório, como tinha em 1976, no currículo escolar. Com tal determinação, o conhecimento e o domínio dessa língua-alvo enfraqueceu, pois o aluno terminava o 1º Grau e muitas vezes não tinha condições de continuar seus estudos, por essa ser uma disciplina de caráter optativo e a escola não ter docentes suficientes para ministrar aulas de inglês, entre outros fatores.

Ressalto que nessa oportunidade o Fundo Monetário Internacional (FMI) influenciava, demasiadamente, as decisões sócio-econômicas-políticas no Brasil, bem como, sugeria o quê devia ser “ensinado” e como as diversas áreas do conhecimento deveriam ser abordadas na escola. Nesse sentido, foi incentivado o ensino técnico nas escolas, desprivilegiando o ensino universitário. O aluno do 2º Grau deveria ter em mãos, ao término deste, um passaporte para o trabalho técnico e específico, pois as indústrias necessitavam de mão de obra especializada e barata. Assim, o ensino universitário continuava sendo um privilégio de poucos e o mesmo era destinado à classe dominante, por isso, o FMI influenciou as políticas públicas educacionais durante esse período.

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O início da globalização trouxe inúmeras consequências à educação e ao ensino de língua inglesa, as quais corresponderam inúmeros fatores, dentre eles: os países foram internacionalizados, isto é, deveriam atender as exigências da economia internacional, concordando com os planos econômicos, adotados pelo Fundo Monetário Internacional – FMI.

As reformas de ensino, nesse período, assim como nos demais, serviram para controlar a sociedade, através da instituição social escola. A educação continuava sendo vista por alguns pedagogos e filósofos da educação, principalmente, pelos franceses, Michael Focault, Bordieu e Passeron, como sistema de controle e reprodução social, isto porque a escola, sempre foi controlada pelo poder dominante, por grupos da elite que visavam os seus próprios interesses e os da classe social a que pertenciam, a fim de manter o status quo. O estado neoliberal se omitia das suas responsabilidades, não as encarando como um problema sóciopolíticoeconômico e havia, por conseguinte, um descaso, uma “[...] desvalorização da profissão docente,” segundo Libâneo (2005, p.196).

O currículo é entendido como um acervo de conteúdos a serem ministrados aos alunos, sendo controlado e não tendo o professor autonomia para trabalhar em sala de aula. Mas, isto é intencional na política educacional brasileira, porque de acordo com Luckesi (2005, p.123)

“[...] na medida em que a sociedade se estruturou em segmento dominante e dominado, o saber significativo passou a ser propriedade e segredo do segmento dominante.”

Isso porque ter conhecimento científico, oriundo das conquistas e das construções históricas da humanidade significa ter poder. Por isso, popularizar o conhecimento seria dividir também o poder da classe dominante, o que não era objetivo da mesma.

Nesse sentido, a história da humanidade é marcada por uma organização sócio-política de grupos dominantes e dominados. E, portanto, o educador não é o único responsável por situações históricas conflitantes que perpassam também por sua própria desqualificação profissional. Nessa linha de raciocínio, de nada adianta culpar as escolas e os professores por erros e inadequações em suas práticas pedagógicas, no ensino do inglês, se as políticas públicas educacionais não contribuíram, também, para o ensino da língua estrangeira, uma vez que não havia incentivo à participação em cursos de qualificação profissional que promovessem renovações na prática do professor de inglês.

Com a homologação da Lei nº 9.394/96, definindo as Diretrizes e Bases da Educação Nacional Brasileira, a Língua Estrangeira Moderna (LEM) ganhou espaço dentro do Art. 26, parágrafo 5º, o qual determina:

5º. Na parte diversificada do currículo, será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição (BRASIL, 1996, p.13-14).

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A Língua Estrangeira Moderna (LEM) torna-se obrigatória, tanto no ensino fundamental (3º e 4º ciclos), quanto no ensino médio, com isso, a disciplina de língua inglesa recuperou a importância no contexto escolar.

A Lei nº 9394/96 permitiu uma nova compreensão sobre a Língua estrangeira moderna (LEM) no currículo escolar e, também, normatizou as disposições básicas sobre o mesmo, estabelecendo o núcleo obrigatório, no qual o inglês é inserido em âmbito nacional para o ensino fundamental e médio. Manteve uma parte diversificada, a fim de contemplar as peculiaridades locais e a especificidade dos planos dos estabelecimentos de ensino. Já aos estados coube à construção de propostas curriculares, conforme o texto original, que serviram de base às escolas estaduais, municipais e particulares dos sistema de ensino.

Após a promulgação da Lei nº9.394/96, os parâmetros curriculares nacionais (1997), foram elaborados, em âmbito federal, por um grupo de estudiosos da educação, normatizando o trabalho pedagógico nas diversas áreas do conhecimento. A justificativa oficial dos parâmetros curriculares nacionais fundamentou-se no diagnóstico do alto índice de repetência escolar e evasão, durante as décadas de 1970 e 1980, culpando a escola e o professor pelo trabalho não realizado.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) têm como objetivos:

[...] orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente, daqueles que se encontram mais isolados, com menor contato com a produção pedagógica atual. (BRASIL, 1998, p.23).

A justificativa para os “PCNs” foi construir um consenso, entre os debates e

reflexões, em todas as regiões brasileiras numa tentativa de homogeneizar a educação Brasileira, apesar das diferenças regionais. E segundo Prado (2003, p.72), “[...] nos PCNs foram definidas as concepções sócio-cognitivas que favoreciam uma nova visão do ensino a aprendizagem da LE.” Isto porque permitia a cada instituição de ensino decidir qual idioma optar para ensinar aos alunos de acordo com a sua realidade e necessidades específicas.

Portanto, o mundo mudou ao longo do século XX – o capitalismo ficou mais forte; novos modos de pensar e ser foram adquiridos, apesar de serem contraditórios e desiguais e a escola também precisava adaptar-se com essas mudanças. Porém, a mundialização cultural, caracterizada por uma cultura de massa, foi intensificada pela mídia e combinada com o marketing que difundiu valores e padrões culturais, determinados pela ideologia dominante, bem como, a necessidade de aprender o inglês. Dessa forma, essa língua-alvo transformou-se em:

[...] língua universal, uma espécie de língua franca, por meio da qual, se articulam e expressam indivíduos, grupos e classes com países dominantes e dependentes centrais e periféricos, tribais e oligárquicos e democráticos, capitalistas e socialistas, em suas relações políticas, econômicas e culturais (IANNI, 2001, p.08).

A língua inglesa é língua franca entre os povos, assim, é também um

instrumento ideológico. Por isso, a sua aquisição, de uma maneira crítica-reflexiva, é essencial ao aluno, porque objetiva a comunicação oral e escrita com o mundo global,

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além de permitir ao aluno conhecer a sua própria cultura fazendo analogias com outras realidades.

Conclusão

Na verdade, espero que essa retrospectiva histórica visando ao ensino do inglês no Brasil, tenha colaborado com algumas reflexões sobre o mesmo, bem como sobre a própria prática do professor de inglês em sala de aula.

Espero ainda que essa revisão bibliográfica tenha contribuído na construção de alguns “pontos de chegada” sobre o ensino de inglês através das políticas públicas adotadas desde 1900 até os tempos atuais, enfocando os últimos 40 anos, proporcionando a compreensão da importância da presença dessa disciplina, dentro dos currículos escolares, atuais.

Referências

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8. ANÁLISE LITERÁRIA ROMÂNTICA

Cleyane Brilhante MOURA Faculdade Integrada da Grande Fortaleza - FGF Resumo

O Romantismo Brasileiro considerado por vários historiadores como o verdadeiro início de uma literatura nacional, está intimamente ligado a todo o processo de independência política. A partir desse momento, o romantismo foi reconhecido por três gerações românticas que são divididas em fases chamadas: Geração Nacionalista, Geração do mal-do-século e a Geração Condoreira. O trabalho enfocará apenas a terceira fase com o objetivo de aprofundarmos a expressão da poesia de Castro Alves. É uma análise literária que pretendemos chegar á conclusão em que o poema nos revela a nossa cultura. Assim o lirismo romântico contribuirá positivamente para a caracterização romântica do poema, expressando, retratando o interior do ser humano e seus sentimentos de uma forma mais bela. A hipótese que o trabalho sugere é que a discussão da moderna historiografia se baseie em maior ou menor grau na noção do nacional como forma de definir e ao mesmo tempo de valorizar a natureza literária, estabelecendo-se, no caso de abordamos como modo de compreensão de nossa poesia finissecular. A noção de nacional pode se revestir de perspectivas teóricas, literárias e políticas as mais diversas e conflitantes muitas vezes na obra mencionada, mas será ela que explicita ou implicitamente norteará a abordagem de boa parte dos autores e encaminhará, num certo sentido, o lugar da poesia romântica em nosso contexto histórico. Por fim, concluiremos apresentando as presentes características do poeta dentro dos traços da literatura romântica e apreciaremos a sua visão realista diante dos acontecimentos que surgiam naquela época. Palavras-chave: Análise literária, Romantismo Brasileiro, Geração Condoreira. Introdução O trabalho consistirá de uma Webquest, no qual, analisamos a poesia Tragédia no lar referente ao poeta dos escravos. Castro Alves, considerado um homem que tinha o desejo de lutar contra a escravidão do Brasil, pois, o poeta pensava a frente da sua época e a sua visão realista tinha sede pelo amor de liberdade e o anseio da justiça social. Segundo Faraco (1985), as poesias de Castro Alves eram apresentadas com sentimento patriótico, os temas sociais, em especial a abolição, marcavam a poesia do século XIX e tinha uma produção literária cheia de luz e otimismo, cujos autores escolhiam o condor como símbolo libertário. Esta obra que estudamos apresenta uma narração sobre como os escravos tinham uma vida de maus tratos através de seus senhores. O Romantismo apresenta-se como a escola literária nas letras universais a partir dos últimos 25 anos do século XVIII. A segunda metade daquele século, com a industrialização modificando as antigas relações econômicas, leva a Europa a uma nova

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composição do quadro político e social, que tanto influenciaria os tempos modernos. O grande marco dessas mudanças á Revolução Francesa, tão exaltada por Gonçalves de Magalhães. O poeta comentou os abalos sofridos pela velha estrutura monárquica em toda a Europa, particularmente o caso de Portugal agravado com a invasão deste país pelas tropas napoleônicas em 1808, e suas conseqüências para o Brasil. Em seu "Discurso sobre a história da literatura do Brasil", ele diz: “... Eis aqui como o Brasil deixou de ser colônia e foi depois elevado à categoria de Reino Unido. Sem a Revolução Francesa, que tanto esclareceu os povos, esse passo tão cedo se não daria...".

O Romantismo foi uma escola burguesa de caráter ideológico, a favor da classe dominante. Daí porque o nacionalismo, o sentimentalismo, o subjetivismo e o irracionalismo - características marcantes do Romantismo inicial - não podem ser analisados isoladamente, sem se fazer menção à sua carga ideológica.

Nesse clima, Gonçalves de Magalhães dá início ao Romantismo brasileiro com Suspiros Poéticos e Saudades, em 1836. No mesmo ano, junto com ele, Torres Homem e Porto Alegre haviam lançado na França a revista Niterói.

As gerações românticas são divididas em três fases que são: Geração Nacionalista ou indianista, Geração do mal-do-século e a Geração Condoreira.

A primeira geração é marcada pela exaltação da natureza, a volta do passado

histórico, o medievalismo e a criação do herói nacional na figura do índio. O sentimentalismo e a religiosidade são outras características presentes, como por exemplo, a saudade da infância. O maior representante desta fase foi Gonçalves Dias apresentando poesias saudosistas. A primeira poesia famosa chama-se Canção do Exílio.

A segunda geração é fortemente influenciada pela poesia de Lord Byron e de Musset que é chamada de geração byroniana. Esta fase traz várias características do ultra-romantismo, como o egocentrismo, negativismo, pessimismo, dúvida, desilusão adolescente e tédio constante devido á época ser tão voltada para as frustrações da realidade do poeta. Desta fase o poeta era o Álvares de Azevedo.

A terceira geração é caracterizada pela poesia social e libertária refletindo as lutas internas da segunda metade do reinado de D.Pedro II. O termo condoreirismo é conseqüência do símbolo de liberdade adotado pelos jovens românticos. O poeta que será como pesquisa neste projeto e melhor representa esta fase é Castro Alves.

Castro Alves representante da terceira fase do Romantismo será aprofundada sua poesia social através de uma analise literária neste trabalho, realizado na disciplina de Literatura Brasileira I na Faculdade Integrada da Grande Fortaleza no período de 2008.1. 2. Desenvolvimento

2.1. Abordagem Histórica de Castro Alves

Antônio Frederico de Castro Alves foi um poeta da terceira geração romântica.

Ele foi considerado o poeta dos escravos porque ele defendia a luta contra a escravidão e pela liberdade de todos os homens uma razão de existência para o poeta.

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Segundo Faraco (1985), o poeta era engajado nas lutas do momento, incluindo o fim do Império, muitas vezes declamou seus próprios poemas em teatros e praças públicas, empolgando platéias de Recife, Salvador, São Paulo e Rio.

Na poesia social ele é sensível às inspirações revolucionárias e liberais do século XIX. Castro Alves ressalta a figura do bardo que fulmina a escravidão e a injustiça. Ele aborda as tendências messiânicas do Romantismo e a utopia libertária do século. O negro escravizado misturado à vida cotidiana em posição de inferioridade, não se podia elevar a objeto estético. Apenas Castro Alves estenderia sobre o negro o manto redentor da poesia, tratando-o como herói, como ser integralmente humano. Sua poesia é caracterizada como aspecto de forma com alguns exageros nas metáforas, comparações grandiosas, antíteses e hipérboles, tipos do condoreirismo. Podemos exemplificar esta afirmação com os versos: República!... Vôo ousado Do homem feito condor! Raio de aurora inda oculta, Que beija a fronte ao Tabor! (Castro Alves) Castro Alves enquanto poeta social, extremamente sensível às inspirações revolucionárias e liberais do século XIX. Ele viveu com intensidade os grandes episódios históricos do seu tempo e foi, no Brasil, o anunciador da Abolição e da República, devotando-se apaixonadamente à causa abolicionista, o que lhe valeu a antonomásia de “Cantor dos escravos”. A sua poesia se aproxima da retórica, incorporando a ênfase oratória à sua magia. No seu tempo, mais do que hoje, o orador exprimia o gosto ambiente, cujas necessidades estéticas e espirituais se encontram na eloqüência dos poetas. Em Castro Alves, a embriaguez verbal encontra o apogeu, dando à sua poesia poder excepcional de comunicabilidade. Podemos citar esta afirmação com os versos da poesia O povo ao poder: A praça! A praça é do Povo Como o céu é do Condor. É o antro onde a liberdade Cria águia ao seu calor! (Castro Alves) 2.2. Análise literária de ‘’Tragédia no Lar’’

A análise literária da terceira fase romântica será apresentada pelo poeta que mais representou esta fase conhecido como ‘’Castro Alves’’ e o poema que será analisado será ‘’ Tragédia no Lar’’ identificando as características presentes dentro de sua obra e os traços da literatura romântica.

Castro Alves era dedicado como óbvio dizer, à denúncia da escravidão, o poeta faz diferentes enfoques quanto ao tema. Ora é a descrição de uma senzala úmida e estreita (Tragédia no Lar), ora é o diálogo com um pequeno cativo (A criança), ou então a memória dolente de sua infância, passada em inocentes lazeres junto às crianças escravas.

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No título, ‘’Tragédia no Lar’’, ou seja, de acordo com á época que ele está inserido o poeta transmite para o leitor a visão do Brasil referindo-se a lar e a escravidão que era vivida dentro do Brasil identificando-se a tragédia, ou seja, ele tem o objetivo de mostrar para o leitor a visão realista de como os escravos eram tratados no Brasil.

O poeta associa este tema porque como ele morava na Bahia próximo as senzalas dos escravos. E esta visão lhe sensibilizava desde a infância com a escravidão. Com isso, o poeta adulto decide lutar pelo abolicionismo, com a arma que domina com maestria: a poesia.

O poema é uma narrativa de como os escravos eram abordados diante dos seus senhores naquela época. O poeta apresenta este poema com um aspecto de suspense deixando o leitor ter o prazer de aprofundar sobre os seus questionamentos diante de tantos sofrimentos que eram vistos pelos escravos. Esta narrativa pode-se dividir-se em três partes como introdução, desenvolvimento e conclusão (ou clímax).

Na introdução desta poesia podemos identificar a questão da senzala em que os escravos eram obrigados a permanecer depois de terem feitos todos os afazeres que eram mandados por seus senhores. Daí Castro Alves faz questão de descrever como eram as senzalas mostrando ao leitor uma contradição de lar como aspecto harmônico, aconchegante e tragédia apresentando o lado em que apesar de eles viverem nesta senzala, elas traziam desconforto e da frieza que os senhores abordavam eles. Podemos verificar isto nestes versos:

Na senzala úmida, estreita Brilha a chama da candeia (...). ........................................... (...) Por que tremes mulher? Que estranho crime, Que remorso cruel assim te oprime E te curva à cerviz? É um roubo talvez que aí sepultas? É seu filho... Infeliz!... Castro Alves transmite para o leitor os infinitos questionamentos que com os

aspectos de frieza, os senhores conversavam com as mulheres escravas, com o intuito de levar os filhos delas para vender sem o mínimo de sentimento, pois, para eles elas não eram seres humanos, mas eram vistos como objetos insignificantes. Esta afirmação foi vista na estrofe citada acima.

No desenvolvimento, é visto todos os elementos descritivos em que acontece a chegada dos senhores até a senzala, a piedade em que as mulheres escravas demonstravam para não deixar levar seus filhos serem vendidos. Podemos ver isto nos seguintes versos:

Escrava, dá-me teu filho!(...) (...) Assim dizia o fazendeiro , rindo E agitava o chicote...

............................................................ Senhor, por piedade, não Por piedade matai-me! Oh! É impossível Que me roubem da vida o único bem!

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Castro Alves apresenta para o leitor o desesepero de uma mãe ao ter que ficar

longe de seu filho e pedir por piedade que matassem a ela, mas, não levassem o filho para longe de seu colo. É visto a realidade em que o poeta tentava passar para o leitor o quadro de sofrimentos constantes em que os escravos eram vivenciados de uma forma tão cruel açoitados por seus senhores.

O poeta apresenta passagens em que à escrava chega a um ponto a não identificar-se nem como ser humano e tão pouco como animal, pois para ela a vida que os animais tinham era de liberdade e harmonia. E a que ela vivia era de prisioneira, escuridão, dor e sofrimentos. Podemos ver esta comparação diante dos seguintes versos:

‘’Eu sou a garça triste Que mora á beira do rio Ás orvalhadas da noite Me fazem tremer de frio’’

(...) Todas têm os seus amores Eu não tenho mãe nem filhos, Nem irmão, nem lar, nem flores’’. Na conclusão ou clímax desta poesia, o poeta apresenta para o leitor um

quadro de sofrimento entre a mãe escrava e o seu filho, onde aconteciam as brigas entre os negros possantes e os senhores para tentar impedir que os senhores retirem os filhos das mães escrava para ser vendidas, mas eles acabam vencendo a batalha e levando a criança dos braços da mãe.

A mãe estando na fazenda é acoitada por vários golpes, mas com um aspecto de dor ela mesmo sendo maltratada questiona que não há dor maior de ter a perda de um filho, ou seja, Castro Alves transmite para o leitor que apesar de os escravos serem vistos pela sociedade como objetos insignificantes ele com sua visão realista mostraram através da atitude da escrava que elas tinham sentimos como os demais seres humanos.

Podemos verificar isto nos seguintes versos: ‘’’(..) Entram três negros possantes, Brilham punhais traiçoeiros... ’’ ‘’ (...) Um momento depois da cavalgada. Levava a trote largo pela estrada.(..)’’ ‘’ (.) Na fazenda o azorrague então se ouvia E aos golpes – uma doida respondia Com frio gargalhar....’’ Os escravos no Brasil passavam as noites nas senzalas (galpões escuros,

úmidos e com pouca higiene) acorrentadas para evitar fugas. Eram constantemente castigados fisicamente, sendo que o açoite era a punição mais comum no Brasil Colônia.

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Conclui-se que Castro Alves tinha o desejo de transmitir para o leitor a

realidade que ele tinha de sua infância passada em inocentes lazeres junto a crianças escravas fazendo aumentar a vontade de defender a luta abolucionsta, devido ele ter vistos tantos maus tratos que ele presenciava dos escravos na época em que estava inserido em seu momento histórico.

Conclusão

De acordo com esse projeto, conclui-se que o poeta apresentava suas poesias de

forma social no Romantismo caracterizada como pré - realista. Podemos chegar à conclusão de que na terceira fase referente à geração do

poeta Castro Alves, os grupos de jovens com ânsia de liberdade e o desejo de transformar aquelas transformações sociais era a forma de modificar a situação de todas aquelas tristezas e frustrações que nas fases anteriores não percebiam esta sede de enfrentar com unhas e dentes determinados situações que precisavam ser vistos de uma forma realista e não ficar somente idealizado no mundo interior do poeta.

Castro Alves descreve o testemunho dos negros na forma de poesia. Ele tinha uma descrição egocêntrica, ou seja, o egocentrismo foi muito marcado em suas poesias, frutos de uma visão egocêntrica e de um universo limitado pelo eu. Este egocentrismo é o surgimento de um choque entre a realidade objetiva e o mundo interior do poeta.

Pretendeu-se neste trabalho proporcionar, de forma muito sintética, mas objetiva e estruturante, uma familiarização com os principais cuidados a ter na escrita de um artigo científico. Para satisfazer este objetivo de mostrar como poeta transmite seus desejos e suas frustrações diante da época que estava inserido, optou-se por uma descrição seqüencial dos componentes típicos de um documento desta natureza.

O Trabalho também constituirá um auxiliar útil, de referência freqüente para que o leitor pretenda construir a sua competência na escrita de artigos científicos.

Referências Bibliográficas NICOLA DE, José. Literatura Brasileira das origens aos nossos dias. Edição ampliada. Editora Scipione. São Paulo. MOISES, Massaud. A Literatura Brasileira através dos textos. 23ª ed. Editora Cultrix. www.revista.agulha.nom.br/calves.html -14k - Em cache – Páginas Semelhantes. Acesso em 13 de abril de 2008. www.brasilescola.com/literatura/romantismo-no-brasil.htm - 38k - Em cache – Páginas Semelhantes. Acesso em 12 de abril de 2008. http://www.revista.agulha.nom.br/calves10.htm#tragédia. Acesso em 30/04/2008. Pt. Wikipédia.org/wiki/Castro_alves – 52K – Em cache – Paginas Semelhantes, Acesso em 12 de abril de 2008. FARACO, Carlos & Moura, Francisco; Língua e Literatura 2.º Grau 4.ª edição: São Paulo: Ática, 1985. SÃ ROSA, Maria da Glória & NOGUEIRA, Albana Xavier; Cultura Literatura e Língua Nacional 2.º Grau Volume III: Editora do Brasil.

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9. UMA LEITURA SOBRE A OBRA NEO-REALISTA ENSAIO SOB RE A CEGUEIRA (JOSÈ SARAMAGO)

Marília Pereira da COSTA* Estudante (IC) Universidade Federal do Ceará (UFC) Resumo É de fundamental importância o estudo da obra: O ensaio sobre a cegueira, de José Saramago. Far-se-á um breve comentário sobre contextualização, período que a obra em questão esta inserida; elementos formais, quanto à estrutura, uso da pontuação frases fragmentada, dentre outros; temática, a cegueira humana de teor universal, a desumanização e interpretação da obra vista. Com base nos textos dos Professores: Roberto Pontes, Linhares Filho e Massaud Moisés, realizar-se-á uma abordagem da obra de Saramago quanto às características Neo - Realista e Pós – Modernista. Ensaio sobre a cegueira é um romance Pós-Modernista Português por apresentar elementos de um mundo caótico e características Históricas deste período. É interessante salientar que, na obra em questão, Saramago apresenta características Neo – Realista por apresentar uma arte engajada; a dúvida quanto à lógica da sociedade Contemporânea, a história dos anônimos é também Neo-Naturalista por apresentar causas objetivas, ter influência filosófica (Marxistas, dentre outras).

Palavras-chave: Neo-Realismo; Pós-Modernidade; Desumanização; Alienação. Introdução

É de fundamental importância o estudo da obra: O ensaio sobre a cegueira, de José Saramago. Far-se-á um breve comentário sobre contextualização, período que a obra em questão esta inserida; elementos formais, quanto à estrutura, uso da pontuação frases fragmentada, dentre outros; temática, a cegueira humana de teor universal, a desumanização e interpretação da obra vista. Com base nos textos dos Professores: Roberto Pontes, Linhares Filho e Massaud Moisés, realizar-se-á uma abordagem da obra de Saramago quanto às características Neo - Realista e Pós – Modernista. Ensaio sobre a cegueira é um romance Pós-Modernista Português por apresentar elementos de um mundo caótico e características Históricas deste período. É interessante salientar que, na obra em questão, Saramago apresenta características Neo – Realista por apresentar uma arte engajada; a dúvida quanto à lógica da sociedade Contemporânea, a história dos anônimos é também Neo-Naturalista por apresentar causas objetivas, ter influência filosófica (Marxistas, dentre outras).

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Metodologia Fazendo um estudo comparativo entre o contexto histórico-cultural; utilizando textos dos Professores Doutores Roberto Pontes, Linhares Filho, dentre outros; Tomando como base os textos do filósofo Karl Max e pensadores como Foucault se comprovará a idealização de uma sociedade, no que diz respeito ao aspecto econômico e social que são abordados pelo autor Português Saramago. Os resultados das análises sugerem haver semelhanças tanto entre os conteúdos citados, quanto na forma pela qual se apresentam. O corpus principal sem dúvida é o livro em questão: Ensaio sobre a cegueira. Resultados e discursões

Ensaio sobre a cegueira é um romance Pós-Modernista português por apresentar elementos de um mundo caótico e características Históricas deste período, como: “recuperação de um projeto social e cultural, renovação quanto às formas e quanto aos seus objetivos”. 7

É interessante salientar que, na obra em questão, Saramago apresenta características Neo – Realista por apresentar uma arte engajada; a dúvida quanto à lógica da sociedade Contemporânea, a história dos anônimos é também Neo-Naturalista por apresentar causas objetivas, ter influência filosófica (Marxistas, dentre outras) e estética quanto à recuperação do realismo de 1870. 8

A cegueira apresenta-se na obra como em forma de alegoria, o autor configura o estado de crise por que passam as sociedades capitalistas do século XX, nas quais, freqüentemente, os limites entre civilização e barbárie são rompidos.

Tomando por base a obra O Mal-Estar na Civilização, de Freud entende-se que a evolução das sociedades humanas não é nada mais do que a representação do conflito entre os instintos de vida e de destruição presentes no homem. Há uma progressão: O fato de que se combinem indivíduos isolados, depois famílias, raças e povos numa grande unidade representam segundo Freud (2002), um grande esforço da humanidade, pois, em nome da conjunção, da civilização, ela tem de reprimir seu instinto latente de destruição.

No Ensaio sobre a Cegueira, vemos situações que revelam claramente uma ruptura no limite entre os instintos de civilização e de autodestruição apresentados por Freud. A cegueira branca, que acomete os personagens da narrativa, serve como estopim para que o horror tome conta da cidade fictícia. Tal situação é agravada pela desintegração da vida humana articulada e, conseqüentemente, pelo estabelecimento da alienação entre os indivíduos. Dessa forma, a cegueira apresentada por Saramago pode ser encarada como um sintoma da alienação do homem em relação a ele próprio.

Essa interpretação para a cegueira pode ser analisada sob a perspectiva de Marx9, na medida em que for encarada como um resultado do avanço enfreado do

7 SUBRATS, Eduardo. Da vanguarda ao Pós-modernismo. P.121. 3ªed. São Paulo: Nobel 1987. 8 PONTES, Roberto. Realismo de 70 e Neo-Realismo Português. Revista de Letras. N°27 vol.1/2 – Jan./Dez.2005. 9 MARX, Karl. Manuscritos Econômico- Filosóficos. Lisboa: Edições 70, 1963.

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capitalismo, que faz que os homens percam a consciência de si, se deforme, se massifiquem e se barbarizem, tornando-se semelhante a uma mercadoria. Com isso, nas palavras de Marx, com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. 10

Seguindo o conceito de alienação pode-se citar desumanizarão, é possível dizer que a alienação é freqüente em sociedades marcadas pela imposição de hierarquias e pela dominação através do poder. Entenda-se poder segundo a definição de Foucault, ou seja, como uma rede produtiva, que para ser mantida conta com mecanismos de força aceitos pela sociedade (FOUCAULT, 2001).

Quanto às características Neo-Realistas, pode-se considerar a situação em que se encontra a sociedade atual; o enredo proporciona uma reflexão sobre atitudes do homem em seu cotidiano e que comumente fecham-se os olhos para uma situação caótica. Observa-se também por apresentar uma descrição realista dos acontecimentos, na pagina 33, pode-se considerar uma descrições voltada para o naturalismo:

“Saíram dois hóspedes, um casal

idoso, ela passou para dentro”, premiu o botão de o terceiro andar, trezentos e doze era o número que a esperava, é aqui, bateu discretamente à porta, nutos depois estava nua, aos quinze gemia, aos dezoito sussurrava palavras de amor que já não tinha a necessidade de fingir, aos vinte e um sentiu o cor pó se lhe despedaçava de prazer, aos vinte e dois gritou, Agora, agora, e quando recuperou a consciência disse, exausta e feliz, Ainda vejo tudo branco”.

Na obra em questão, pode-se observar a ausência de nomes, o enredo é

compreendido através das atitudes das personagens e seus cargos ocupados na sociedade. Pode-se observar na citação:

“O homem com quem ia estar era já seu conhecimento, ao se tinha importado quando ela avisou que não poderia tirar os óculos, ordem, aliás, que o médico ainda não dera, e até lhe achou graça, era uma novidade.”

Para prosseguir a discursão, podemos expor as citações:

“Com o tempo e a intimidade, as mulheres dos médicos acabam” também por entender algo de Medicina, e esta, em tudo tão próxima do mundo, aprendera o bastante para saber que a cegueira não se

10 IDEM

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pega só por olhar um cego alguém que o não é, a cegueira é uma questão privada entre a pessoa e os olhos com que nasceu. Em todo o caso, um médico tem a obrigação de saber o que diz para isso está a faculdade, e se este aqui, além de ser declarado cego, admite abertamente ter sido contagiado, quem é agora a mulher para duvidar, por muito de médico que fosse.”

(José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira, pp.38-39)

“Ora, é dos livros, mas muito mais da experiência vivida, que” quem madruga por necessidade teve de madrugar, tolera mal que outros, na sua presença, continem a dormir à perna solta, e com dobrada razão, porque há uma grande diferença entre um cego que esteja a dormir e um cego a quem não serviu de nada ter aberto os olhos.”

(Idem, p.99.) “Os homens são todos iguais,

pensam que basta ter nascido de uma barriga de mulher para saber tudo de mulheres.”

(Idem, p.290)

Observa-se quanto à forma o jogo de idéias, a linguagem rebuscada, artifício usado no período Barroco. Na passagem: “... continuem a dormir à perna solta, e com dobrada razão.” O autor falou: “com a dobrada razão”, como se a razão pudesse dobrar como uma perna, mas, compreende-se que o indivíduo que dorme tem razão em estar com a perna dobrada. Não deixa de ser um traço barroco, contraditório, afirmar que Saramago, usou de uma linguagem e exposição de seus pensamentos de uma maneira sofisticada, refinada e ao mesmo tempo de uma forma simples.

O uso de uma linguagem simples, coloquial, pode ser observado na seguinte passagem: “... porque há uma grande diferença entre um cego que esteja a dormir e um cego a que não serviu de nada ter aberto os olhos...”. Os ditados populares também fazem parte da obra de Saramago. Esta modificação nos lembra: “o pior cego é aquele que não quer ver”. E mais: “... lembrem-se do que dizia o outro, quem não arrisca não petisca...”.

Na obra há uma descrição minuciosa dos fatos; as atitudes humanas são detalhadas e faz com que a obra ganhe maior verossimilhança. No exemplo a seguir pode-se notar:

“Tenho de abrir os olhos, pensou a mulher do médico. Através das pálpebras

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fechadas, quando por várias vezes acordou durante a noite, percebera a mortiça claridade das lâmpadas que mal iluminavam a camarata, mas agora lhe parecia notar uma outra presença luminosa, poderia ser feito do primeiro lusco-fusco da madrugada, poderia ser já o mar de leite a afogar-lhe os olhos.”

Saramago abusa da criatividade no estilo da linguagem compondo, assim, uma

situação fantástica. Em todo texto o leitor depara-se com situações inusitadas; pois, não é comum ter uma epidemia de cegueira.

A obra em questão, dentre as características Pós – Moderna, apresenta uma pontuação peculiar, o autor modifica a escrita com a utilização livre do ponto final, vírgulas, dentre outros.

Com uma narrativa (em alguns momentos) solta, fragmentada, faz com que Ensaio Sobre a Cegueira seja mencionada como uma obra Contemporânea.

Saramago utiliza excelentemente as palavras, escreve de uma forma singular; apresenta um tom poético, irônico, humorístico, levando o leitor a ser objeto do seu jogo com as palavras fazendo que em alguns momentos o leitor esqueça e passe a acreditar nos fatos. Nestas ocasiões é que se percebe a função lúdica da literatura.

Na voz do narrador há certa introspecção, como na passagem: “... a cegueira é uma questão privada a pessoa e os olhos com que nasceu.” O narrador ganha vida; sem fazer distinção entre os personagens.

Ensaio sobre a cegueira é uma história na qual, repentinamente, o homem se vê cego. A partir desse fato várias cegueiras se proliferam. Alguns cegos vão para o manicômio. Somente uma pessoa continua com a visão: a esposa do oftalmologista. Ela fica encarregada de conduzir os cegos. Os cegos são submetidos à violência, racionamento de comida, violência sexual, dentre outros. A mulher do médico põe fogo em uma parte do manicômio, na tentativa de eliminar a cegueira, depois percebe que não só eles estão cegos. A partir daí, quando voltam para casa, o primeiro cego recupera a visão; posteriormente os outros, mas continuam em suas mentes os sofrimentos vividos.

Tal manicômio pode ser visto como um espaço de poder da narrativa, na medida em que ele é utilizado como controlador e regulador do comportamento dos cegos. Os que foram enviados ao manicômio são postos ao esquecimento, sendo, vez ou outra, interrompidos pelo som de um alto-falante instalado no manicômio, que ditava as ordens do Governo, o que nos revela como, em estados de crise, sempre andam juntos a violência e o esquecimento. Nesse sentido, o vínculo entre verdade e poder, tal como apresentado neste trabalho, é capaz de gerar cegueira social, na medida em que os indivíduos não promovem contestações a respeito desse vínculo. Dessa maneira, a narrativa em questão gera reflexões a respeito da falta de consciência humana em relação à ligação entre a verdade e os mecanismos de poder. Em vista disso, as regras do que é humano são quebradas, em nome do abuso da força pelo mais forte, fazendo com que o instinto de sobrevivência tome conta do próprio homem.

Conclusão

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Observa-se que Ensaio sobre a cegueira é uma parábola dos dias atuais. O livro não deixa de ser uma alegoria, uma representação fantasiosa do cotidiano. É uma metáfora da falta de razão dos homens e da perda da sensibilidade dos valores humanos, que é vista de um modo perverso no livro. A obra é uma crítica a humanidade que está “no mundo das idéias, em que na sua maioria, não enxerga”.

No trecho: “... quem é agora a mulher para duvidar...” observa-se que há certo conformismo, acredita-se em tudo que “alguém” diz. No texto a figura do médico, que pode representar um cargo de prestígio na sociedade, é incontestável. No cotidiano será que não existem situações semelhantes? Saramago questiona o leitor através da sua obra, faz da ironia veículo de protesto.

Não se pode deixar de fazer algumas observações quanto à intertextualidade existente na obra em questão com as obras O alienista, de Machado de Assis, Noite, de Érico Veríssimo; Húmus, de Raul Brandão e o Mito da Caverna, de Platão. Não pode esquecer da semelhança do texto de Saramago com o da escritura Clarice Lispector. Referências LINHARES FILHO, José. Uma leitura de ensaios sobre a Cegueira, de José Saramago. MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. São Paulo: Cultrix, 2004. _______ . Massaud. Dicionário de termos Literários. 7 ed. São Paulo: Cultrix, 1995. PLATÃO. A República. São Paulo: Martin Claret, 2002. SARAIVA, Antônio José. História da Literatura Portuguesa. Porto: Cit. Editora Porto; 1979. MARX, Karl. Manuscritos Econômico- Filosóficos. Lisboa: Edições 70, 1963. SARAMAGO, José. Ensaio Sobre a Cegueira. 22 ed. São Paulo:Companhia das Letras, 2002. VANDERLEI, Kalina. Dicionário de Conceitos Históricos. São Paulo: Editora Contexto; 2005.

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10. ANÁLISE DO CARÁTER POLÍTICO-IDEOLÓGICO DO DISCU RSO FEMININO, A PARTIR DA NARRATIVA DE CARMÉLIA ARAGÃO.

SILVA, Tatyanne Pereira da.11 (FECLESC-UECE) Resumo

O presente trabalho seguirá a linha de pesquisa literatura e gênero e para tal se deterá na análise dos elementos recorrentes na produção literária de algumas escritoras brasileiras, focalizando principalmente as marcas ideológicas presentes no discurso feminino. Visamos analisar narrativas que tenham como temática central a relação das mulheres com a instituição familiar, levando-se em consideração o momento histórico, as conquistas e os papéis sociais por elas desempenhados. Situo as escritoras em suas respectivas gerações literárias, evidenciando semelhanças e diferenças, com especial destaque para a estreante cearense Carmélia Aragão, que, com seu livro Eu Vou Esquecer Você em Paris nos dá oportunidade de verificar, através de sua escrita pós-moderna, um olhar surpreendente. Analisarei o conto que nomeia a coletânea, comparando sua abordagem com a de outras escritoras, destacando o caráter político-ideológico do comportamento feminino no seio familiar e, sempre que possível, marcas formais que possam nos ajudar a perceber as especificidades que permeiam o universo da escrita feminina. Estabeleço as ligações entre escritoras consagradas como Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles e a estreante Carmélia Aragão, perfazendo este trabalho de literatura comparada usando como base de apoio teórico para minha análise as reflexões feministas de Simone de Beauvoir, Constância Lima Duarte e Luiza Lobo com o intuito de buscar nos questionamentos filosóficos a justificativa para a presença da abordagem de gênero em literatura. Vale ressaltar ainda o caráter involuntário dessas peculiaridades de gênero como forte marca do processo de construção do condicionamento feminino que durante muito tempo ficou restrito aos espaços domésticos e que hoje se manifestam graças à liberdade conquistada pelas mulheres, fazendo parte de sua essência e sendo transportadas para diversas formas de comunicações artísticas encontrando grandes representantes na atividade literária. Palavras-chave: marcas ideológicas, reflexões feministas, literatura e gênero. Introdução Todo o processo de luta feminina por um espaço de atuação na sociedade foi resultado do movimento feminista, o grande responsável pela nossa liberdade de expressão. Até o século XIX, os homens falaram e escreveram por nós e consequentemente construíram os mais diversos tipos de mulheres, mas todos sob um mesmo prisma: o de subordinação e inferioridade. As diferenças sempre pendiam para uma mulher diminuída, como se isso fosse uma conseqüência natural, quando na verdade era conseqüência de uma construção sociocultural, pois como dizia Simone de

11 Aluna do curso de Letras.

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Bevoir não se nasce mulher, mas sim se torna uma. No princípio, as mulheres lutaram pelos direitos básicos de cidadania, como educação, ensino superior, divórcio, trabalho remunerado e o direito ao voto. Com todos esses protestos, o até então “Segundo Sexo” foi ganhando representatividade na imprensa com a produção de periódicos, como jornais e revistas, de feição nitidamente feminista. Aos poucos, as mulheres foram ampliando seu espaço, quebrando tabus, desenvolvendo uma participação mais ativa nos meios comunicativos e adentrando-se nos meios literários. A crescente conscientização de seus papéis e direitos sociais fez com que a produção literária feminina apresentasse características de uma arte mais engajada socialmente. O fato é que a cada conquista social e política, as mulheres adquiriam força e maior participação nas várias esferas da sociedade, transmitindo, direta ou indiretamente, para suas obras esses novos comportamentos, a partir de constantes questionamentos sobre os valores de uma sociedade extremamente machista. De acordo com Constância Lima Duarte, o feminismo no Brasil passou por quatro grandes momentos, que ela denomina de ondas, cada uma com sua marca principal: a primeira onda, que tem como característica a luta pelas primeiras letras; a segunda onda, com destaque para a luta pelo voto e tida também como jornalísticas pelo espantoso número de jornais e revistas; a terceira onda, na qual as mulheres caminham rumo à cidadania e a quarta onda, a da revolução sexual e literária, “a mais exuberante, a que foi capaz de alterar radicalmente os costumes e tornar as reivindicações mais ousadas em algo normal”. A liberdade conquistada pelas mulheres propiciou uma produção tão diversificada que atualmente elas povoam os campos temáticos mais surpreendentes e mesmo quando trabalham com situações já muito discutidas, se encarregam de utilizar a criatividade de maneira bastante inusitada. É inegável que essa classe tenha desenvolvido uma arte literária com marcas e características bem peculiares, que gradativamente ampliava-se do tipicamente feminino para uma postura mais feminista, ou seja, de cunho político mais abrangente, pois como ressalta Luiza Lobo:

“A literatura de autoria feminina (...) se exerce como tomada de consciência de seu papel social”. E diz ainda que essa literatura “(...) precisa criar, politicamente, um espaço próprio dentro do universo da literatura mundial mais ampla, em que a mulher expresse a sua sensibilidade a partir de um ponto de vista e de um sujeito de representação próprios, que sempre constituem um olhar da diferença”.

Com isso, torna-se imprescindível reconhecer e compreender como as manifestações ideológicas se apresentam no discurso das escritoras, seja pela voz do narrador, seja pela de uma personagem. E é importante perceber que esse reconhecimento não se pretende como negativo ou reducionista, pelo contrário, é uma forma de avaliar criticamente até que ponto os valores sociais interferem em nossa linguagem e mostrar também sob diferentes ângulos, a representação das verdades. Desenvolvimento Em meio a essa ‘novíssima geração de contistas’, parafraseando Pedro Salgueiro, surge Carmélia Aragão, jovem escritora cearense que estréia no espaço literário com uma coletânea de contos de muita qualidade denominada ‘ Eu vou Esquecer Você em Paris’. Carmélia nos apresenta uma galeria de personagens eminentemente femininos e urbanos, em constante conflito com seu lado pessoal e o mundo. Com um título bastante sugestivo, encontramos aí as mais diversas situações

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temáticas, com especial destaque para o conto-título do livro que trabalha com um ambiente marcadamente feminino: o seio familiar. Se em um primeiro momento, o título joga com a imaginação e pode induzir para uma temática amorosa, aguçando especialmente a imaginação dos românticos, ao lermos o conto, vai-se nos configurando uma situação surpreendente. Logo no início da narrativa, a narradora que aparece em primeira pessoa, explana todo um drama sentimental e cria uma expectativa negativa para sua figura e afirma na sua crise de consciência: “eu sei que isso não se faz, (...) que é de cortar coração, que eu planejei tudo”(p. 69). Em seguida, cita lugares famosos da França, e mais adiante anula qualquer expectativa relacionada a drama amoroso, quando num quase desabafo conduz a narrativa pra seu núcleo familiar e explica: “(...)mas meu irmão não presta, ele jogou a mamãe pra cima de mim, tudo porque sou a mais nova, a única filha mulher, porque as mulheres se entendem melhor e blábláblá”(p. 69). Percebemos aí uma denúncia da autora, que nos remete a idéia de que a mulher está sempre condicionada a assumir funções que estejam ligadas ao ambiente doméstico.

Encontramos uma situação parecida no conto ‘Feliz Aniversário’, de Clarice Lispector, escritora que fez parte da geração modernista e que trouxe uma contribuição valiosíssima para o jogo ficcional com suas narrativas interiorizadas, na dimensão de dramas psicológicos, onde durante a comemoração do aniversário de uma senhora de 89 anos, os filhos bestializam a presença da velha, escancarando a superficialidade do tratamento fraternal de uma família que mantém laços apenas de aparência. Neste, temos a personagem Zilda que é apresentada da seguinte forma: “(...) a única mulher entre os seis irmãos homens e a única que, estava decidido já havia anos, tinha espaço e tempo para alojar a aniversariante”(p. 55). É interessante notar que estes contos trabalham duas marcas, ironia e ambigüidade, bastante fortes tanto pelo título como pelo desenrolar dos fatos, embora no texto de Carmélia, que é mais conciso, uma das marcas da modernidade, esses aspectos sejam explorados com mais intensidade e em Clarice com maior densidade. ‘Eu vou Esquecer Você em Paris’ traz também um assunto que é primordial para o conflito do enredo: o aspecto financeiro. A irmã tinha por função diminuir as despesas do irmão para evitar gastos extras, por isso ela havia cuidado da mãe e dos sobrinhos: “Imagine! Tudo pra economizar. Economizar pra quem? Pra ele, o tempo dele, o dinheiro dele”(p. 69), afirma. É perceptível que o narrador sendo mulher questiona não só o espírito capitalista, individualista e extremamente egoísta do homem, personificado na figura do irmão, como também a desvantagem de uma mulher depender economicamente de um homem. A irmã limitava sua vida em função dos interesses do irmão. Aliás, essa limitação veio chegando aos poucos para mãe e filha, ele foi diminuindo suas despesas ate eliminá-las completamente, como mostra a seguinte passagem: “(...) o pior foi quando a feira não veio mais, foi a gota”(p. 70). E mais uma vez a irmã desabafa: “meu irmão não presta! Peguei mamãe, as malas, as coisas de valor escondidas. Eu sei que esse tempo inteiro ele procurava por elas. Sabe, um par de abotoadoras de ouro, um colar de brilhantes e uns anéis”(p. 70). Aqui, assim como no já citado conto de Clarice, vemos que os personagens, principalmente os masculinos, não demonstram qualquer laço sentimental para com a mãe. Então a irmã, como protesto a sua condição de mulher submissa ao oportunismo do irmão, planeja uma viagem para conquistar o que a muito não tinha e faz questão de destacar: “MINHA LIBERDADE”. E aí, ela se utiliza de Paris, a cidade luz, para desfrutar inicialmente dessa liberdade e para realizar o ato que significaria muito para sua vida, como ela explica:

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“E me vinguei. Sim, a vingança foi ESQUECÊ-LA em Paris. (...) Primeiro foi no metrô e um francês veio devolvê-la, depois foi no aeroporto, não tive pena, ela lá, pobrezinha... Chorei... Chorei... Eu olhava da janela e ela lá, a mala com as jóias dentro. Foi como se eu me livrasse dele, do meu irmão, como se eu o deixasse sozinho, ainda criança, numa rua deserta e desconhecida, como se eu o esquecesse para sempre em Paris” (p. 70).

De forma simbólica, essa mulher eliminou os elementos concretos que a fazia

lembrar do irmão. Esse foi o preço de sua liberdade. Mas ao contrário de outras mulheres que poderiam se conformar com a situação, a irmã teve atitude e coragem pra reverter situação, e mesmo agindo de forma perversa, deixou a mãe em um país onde seria bem mais acolhida do que no Brasil, deixando também jóias preciosas como recompensa. É interessante perceber como as mulheres estão constantemente sendo colocadas em conflitos sentimentais que jogam com dois núcleos: o familiar e o pessoal. Em Lygia Fagundes Telles, escritora que, assim como Clarice, também fez parte do movimento modernista e que explora em suas obras as relações e a relativização dos valores humanos, por exemplo, temos uma situação dessa natureza no conto ‘Antes do Baile Verde’, que se trata de uma jovem que está se arrumando para participar de um baile de carnaval, enquanto seu pai agoniza em um quarto sozinho. Ao mesmo tempo em que enfeita sua fantasia com a ajuda de uma empregada, vai tentando se convencer de que o pai não está morrendo, mas apenas dormindo. E vai justificando sua atitude mediante a impossibilidade de tomar uma providência decisiva que revertesse o estado do pai. Basta refletir um pouco para percebermos que não é a toa que as personagens centrais desses dramas são predominantemente mulheres. É exatamente pelo fato de sempre atribuir-lhes o caráter de predisposição para o acolhimento, o amor e o carinho. E isso tão forte no imaginário coletivo, que acaba manifestando-se involuntariamente na obra de grande parte de escritoras. Esses três contos ainda trabalham com mais um aspecto da existência humana: a velhice. Em nenhum momento essa velhice é apresentada positivamente, pelo contrário, é tida como um empecilho que bloqueia a vida dos que estão convivendo com ela. É negativa pra quem está passando pela experiência, pela insegurança em meio às limitações, já para os outros é um incômodo que vive atrapalhando. Clarice, Lygia e Carmélia são alguns exemplos de como o discurso ideológico das escritoras apresentam marcas que vão se revelando na construção do texto, na relação e no comportamento de narradores e personagens. Considerações finais O conhecimento do universo lingüístico nos proporciona uma complexidade que revela o quanto é inevitável sua relação com o mundo social. Se compreendermos que nenhum discurso é neutro, como ignorar que homens e mulheres escrevam de forma diferente? Ainda mais se considerarmos que toda a construção histórica da formação feminina apresenta marcas de domínio e discriminação pelos valores de uma sociedade que ainda é muito machista... É claro que bons escritores independem do sexo, mas a discussão nesse caso nos levaria a estabelecer valores, quando o objetivo aqui é analisar marcas ideológicas que possam ser representativas para a compreensão de um olhar fundamentado na ótica feminista. É interessante observar que escritoras jovens e atuais como Carmélia, mantém uma certa tradição literária, inicialmente perceptível com

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relação a temática, mas que se encarregam ao mesmo tempo de acrescentar novos elementos conferindo a escrita seu ar de contemporaneidade. Referências Bibliográficas: ARAGÃO, Carmélia. Eu Vou Esquecer Você em Paris. Fortaleza, Imprece, 2006. BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980. JÚNIOR, R. Magalhães. A Arte do Conto. Edições Beloch, [s.d] LISPECTOR, Clarice. Laços de Família. Rio de Janeiro, Rocco, 1998. TELLES, Lygia Fagundes. Venha ver o pôr-do-sol e outros contos. 15. ed. São Paulo, Atica, 1998. http://members.tripod.com/~lfilipe/LLobo.html http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142003000300010

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11. IDENTIDADES, REPRESENTAÇÕES E APROPRIAÇÕES DO COTIDIANO: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE PRAGMÁTICA EM

LINGÜÍSTICA INTEGRACIONISTA .

Claudiana Nogueira de ALENCAR Universidade Estadual do Ceará

Resumo: Este trabalho apresenta a estrutura retórica dos discursos teóricos

sobre a linguagem para refletir sobre a prática discursiva na produção do conhecimento lingüístico com o objetivo de aprofundar a discussão sobre a(s) teorias(s) das Representações, a partir da leitura de Austin, Wittgenstein, Habermas, Bourdieu e Certeau. A análise sobre a questão da representação é elaborada a partir de dois eixos: o filosófico e o discursivo. As discussões teórico-metodológicas são orientadas pela perspectiva integracionista dos estudos lingüísticos (HARRIS, 1981, 1998), cuja concepção de linguagem, de inspiração wittgensteiniana, permite questionar os mitos da lingüística e valorizar as ações integralizadoras na situação comunicacional . Partindo da idéia de que a reformulação teórica de Austin por Habermas, Bourdieu e Certeau trazem resquícios do mito da linguagem, analisei os processos de produção, interpretação e distribuição do texto de Austin. Percebi que as concepções tradicionais de representação, bem como a sua retórica da formalização, configuram - se numa ordem do discurso específica aos estudos da linguagem que denomino medo da morte. Desse modo, elaborei, através deste estudo, uma proposta de análise retórica através de uma abordagem crítico-discursiva (FAIRCLOUGH, 2001) condizente com o programa integracionista, que inclui em seus objetivos uma tomada de consciência do caráter integral de nossas ações como lingüistas e acadêmicos, originadas da natureza política, interativa, e social de nossa experiência lingüística.

Introdução Este trabalho faz parte de um projeto de pesquisa mais amplo intitulado “A

estrutura retórica dos discursos teóricos sobre a linguagem: uma abordagem em Lingüística Integracionista”. Incluo este projeto na seqüência dos trabalhos integracionistas que analisam a retórica dos discursos intelectuais que constituem o pensamento ocidental moderno sobre a linguagem (TAYLOR, 1992, 1997; DAVIS, 1999; RAJAGOPALAN, 2000...). Meu intuito foi analisar as configurações das diversas práticas discursivas na produção de um saber sobre a linguagem, procurando entender as repercussões do mito da linguagem e do mito da representação na interpretação da teoria dos atos de fala. A lingüística integracionista foi utilizada como aparato teórico e um discurso problematizador, pois sua uma concepção de linguagem, de inspiração wittgensteiniana (WITTGENSTEIN, 1989) possibilita o questionar dos saberes lingüísticos, da nossa relação interpessoal e interativa com tais saberes, o examinar das repercussões dos pressupostos escolhidos para fundamentar a pesquisa lingüística, a escolha daquilo que estabelecemos como analisável, e a própria mediação entre o teórico e sua teoria na constituição de nossas identificações enquanto teóricos da linguagem.

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1. O mito da linguagem e o mito da representação

Wittgenstein (1989) questiona o estatuto da terminologia metalingüística em cujas teias os teóricos da linguagem têm-se enredado. Ao invés de clarificar ou ordenar a prática lingüística, a terminologia metalingüística nos distrai e nos distancia dela. Tal questionamento da lingüística e da Filosofia tem inspirado e guiado a crítica integracionista à lingüística ortodoxa. Tal inspiração provém do questionamento de abordagens da linguagem comprometidas com a tradição gramatical e com o pensamento filosófico ocidental.

Desse modo, a importância do trabalho de Wittgenstein para o integracionismo é a de apontar um dos melhores caminhos para mudar a poderosa tradição: voltar-se para o uso e para prática lingüística. Contudo, é importante para o integracionismo não apenas enfatizar o uso lingüístico, mas a concepção de linguagem em seu contexto cultural. Tal concepção modela nosso comportamento lingüístico e constrói nosso entendimento sobre linguagem como lingüistas e como usuários – construtores da linguagem.

Roy Harris usa o trabalho de Wittgenstein na sua discussão sobre o conhecimento lingüístico versus não-lingüístico, no capítulo final do The Language Myth (HARRIS, 1981). Nessa obra, Harris segue dois projetos. Primeiro, investiga as conseqüências das concepções culturais de linguagem nas várias tradições (filosóficas, retóricas e gramaticais) da Europa ocidental em definir linguagem como um objeto de estudo científico. Depois propõe uma alternativa: a lingüística integracionista. A linha argumentativa do último Wittgenstein é seguida nesses dois projetos (cf. Davis, 1999: 65).

De acordo com Roy Harris (1998: 32), um dos principais teóricos do integracionismo, o mito da linguagem tem raízes profundas na cultura européia, e está baseado em duas antigas teses sobre comunicação. Embora essas duas teses sejam independentes, uma fornece suporte para outra.

A primeira tese a que vamos nos referir é a de que a fala é uma forma de telementação, conduzindo pensamentos da mente de uma pessoa para outra. Por esta tese, a linguagem seria basicamente a relação entre palavras (símbolos verbais) e idéias. A outra tese, a da determinação diz que toda forma de comunicação requer um código fixado. A determinação seria o mecanismo de funcionamento da telementação, ou seja, um conjunto de regras, a formalização de processos que permitiriam que as palavras e as idéias fossem compartilhadas por todos.

Harris explica a independência das duas teses no sentido de que se nós concordamos que a fala é um condutor de pensamentos de uma mente para outra, não significa que isto tenha que ser feito adotando um código fixado. Também se concordamos que a comunicação requer o uso de um código fixado, nós não precisamos acreditar que a fala é uma telementação. Porém, as duas teses sustentam uma a outra na medida em que a telementação providencia uma explanação de como os códigos fixados funcionam. Enquanto os códigos fixados providenciam, por sua vez, uma explicação de como a telementação é possível.

Apesar de Harris perceber uma versão do mito da linguagem construída pelo filósofo John Locke, ele a identifica como sendo bem mais antiga, remetendo tal mito a Aristóteles. Segundo ele, o código fixado é um requerimento básico da lógica aristotélica: se palavras podem mudar seus sentidos de modos imprevistos, ou tem

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sentidos não regulados por um código, o silogismo aristotélico perde a sua validade (Harris, 1998: 34).

Harris reconhece o mito da linguagem como requisito básico para estabelecer uma língua nacional, pois sem um consenso a respeito das formas corretas a serem usadas, a comunidade não terá o desejado entendimento comum. O que é perigoso é que este mito pode conduzir aos nacionalismos extremados a serviço de dominadores. Nesse sentido, Roy Harris identifica o mito em sua forma moderna como um produto cultural da pós-renascença européia. Ele diz que “‘uma Pátria, uma língua’ foi o ideal para o qual todas as maiores monarquias centralizadas aspiravam. Compilar dicionários e gramáticas de uma língua materna tornou-se um empreendimento patriótico” (Harris, 1998: 34).

Harris (1981) também faz, através do mito da linguagem, uma excelente crítica ao legado saussuriano que transborda para outros tantos modelos estruturalistas. Um código fixado é o pressuposto básico do circuito da fala de Saussure. Pois se A e B não dividem um código associando o mesmo conceito com o mesmo som, segue que a mensagem eventualmente decodificada por B, necessariamente não corresponderá a que foi transmitida por A.

Para mim, essa conceituação tradicional de linguagem é a chave para entender o caminho utilizado por Searle para ler e reconstruir Austin. Minha hipótese é a de que a reformulação teórica de Austin por Searle, sua aceitação e repercussões na lingüística e na filosofia são frutos do mito da linguagem.

Outro mito que podemos identificar nos estudos da linguagem é o Mito da Representação que vê a linguagem como um meio, um meio quer de representação quer de expressão. Esse mito está baseado na imagem do núcleo essencial do “eu” num dos lados, a consciência (mais tarde substituída pela linguagem) como uma estrutura de crenças e desejo, e a realidade do outro lado. Tal mito nos faz indagar as seguintes questões:

• O médium entre o eu e a realidade é algo que os une ou os separa? • Deveríamos considerá-lo em primeiro lugar como um meio de expressão

_ um meio de articular o que há de profundo no eu_ ou deveríamos vê-lo em primeiro lugar como um meio de representação _ um meio de mostrar ao eu o que se encontra fora deste?

As teorias idealistas do conhecimento e as noções românticas de imaginação, infelizmente, podem com facilidade ser transpostas do jargão da “consciência” para o da “linguagem”. As reações realistas e moralistas a tais teorias podem ser transpostas com igual facilidade. Assim, as batalhas cíclicas entre romantismo e moralismo, e idealismo e realismo, continuarão enquanto se pensar haver a esperança de dar sentido à questão de saber se uma dada linguagem é “adequada” a uma função: a função de exprimir adequadamente a natureza da espécie humana ou a função de representar adequadamente a estrutura da realidade não humana. (RORTY, 1994: 32-36).

A partir dessa perspectiva, podemos supor que o mito da linguagem e o mito da representação são elementos de uma ordem discursiva comum aos estudos da linguagem que se caracteriza como a busca de regularidades, de abstração, de idealização dos recortes epistemológicos, o desejo “sensato” por eliminar toda inexatidão e toda a imprevisibilidade do objeto “linguagem”.

Desse modo, até mesmo a concepção de ato de fala que nasceu no discurso de John Austin (1969)como uma ruptura e como uma resposta ao discurso da tradição

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formalista é deslocado em diversos discursos teóricos sobre a linguagem para uma concepção “formal”, de modo a reintegrá-la ao reducionismo e formalismo da tradição analítica.

2. O ato de fala para Searle

Se observarmos o repertório de argumentos fundamentais utilizados por Searle no seu Speech Acts (1981) para conceitualizar os atos de fala, veremos que estes argumentos se contrapõem justamente aos de Austin, referentes ao mesmo tópico. Vejamos:

Austin, como o segundo Wittgenstein, contrapõe-se à concepção tradicional de linguagem como a representação da realidade, quando através de sua concepção de ato de fala, a linguagem passa a ser entendida como uma forma de ação (cf. Austin, 1962: 5).

Searle, (1981: 34) contra Austin, destaca as noções de referir e predicar da noção de ato de fala completo como asseverar, perguntar, ordenar, etc. Para ele, a mesma referência e a mesma predicação podem ocorrer na realização de atos diferentes; uma vez que:...enunciando qualquer um deles o falante refere-se a, menciona ou designa um certo objeto [...] e predica a propósito deste objeto... (Searle, ibidem).

Desta forma, o destaque de Searle para a referência e a predicação que se relacionam aos objetos independente das circunstâncias e do contexto, situa sua argumentação na direção da noção designativa da linguagem,fruto dos mitos da linguagem e da representação, a mesma que Austin procurou, veementemente, combater.

Searle retoma a noção de proposição do discurso dos formalistas para integrá-la na sua concepção de ato de fala. Com esta noção, Searle pretende resgatar outra dicotomia que Austin aboliu ao mostrar a insustentabilidade da distinção entre performativo/constativo, tal foi a dicotomia verdade/falsidade que norteou por muito tempo os estudos tradicionais de filosofia da linguagem. A dimensão veritativa – o inquérito da verdade das proposições – é retomada por John Searle na visão de que o cerne de um ato de fala é seu conteúdo proposicional, que é neutro com relação à força ilocucionária.

Situado numa formação discursiva representacionista, Searle diz que “todo ato de linguagem como um conteúdo proposicional é em certo sentido representação” (Searle, 1979: VIII, nota 1). Para Searle, os atos ilocucionários representam estados de coisas, num retorno aos atomistas lógicos, como o primeiro Wittgenstein, para o qual a linguagem (em Searle, os atos ilocucionais) representaria estados de coisas que apresentam uma forma lógica. Graças ao conteúdo proposicional, que seria neutro e invariável, Searle oferece uma forma lógica geral dos atos ilocucionários: F(p): em que “F” representa uma variável e “p” o conteúdo proposicional.

3. A Pragmática formal de Habermas

Habermas faz uma leitura de Speech Acts adequando o texto de Searle a sua teoria, na consideração dos atos ilocucionários como a unidade elementar do discurso.Desse modo, Habermas interpreta os atos de fala a partir da interpretação de Searle, em consonância com o discurso formalista da análise clássica da filosofia analítica. Como conseqüência, o “conteúdo proposicional” que Searle coloca no cerne

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do ato de fala passa a ser uma peça fundamental para a teoria comunicativa de Habermas. Assim, a cláusula com conteúdo proposicional usada em proferimentos para comunicar sobre objetos ou estados de coisas é considerada por Habermas como a fundação da reflexividade inerente das línguas naturais (cf. 1979/2001: 5).

Na mesma direção argumentativa de Searle, Habermas representa a estrutura dos atos ilocucionários como “MP” −em que M representa o modo de comunicação (a cláusula principal usada em um proferimento para estabelecer uma relação intersubjetiva entre falantes e ouvintes) e “p” o conteúdo proposicional (a cláusula diferente para referir-se a objetos e estados de coisas).

Para estabelecer a competência comunicativa a partir desse conceito de dupla estrutura cognitivo-comunicativa do discurso, Habermas retoma a distinção constativo/performativo que foi elaborada e rechaçada por Austin. Vale lembrar que Austin rejeitou essa distinção justamente pela ênfase que ela oferecia à visão monológica de linguagem como designação, defendida pela análise clássica formalista da filosofia analítica e duramente criticada por Austin.

A teoria griceana (1975), assim como a interpretação dos atos de fala de Searle idealiza os participantes e o processo conversacional. Os princípios griceanos exigem um maior “trabalho de cálculo por parte do ouvinte e por isso são menos acessíveis para aqueles que são leigos em matéria de lógica”. Estes princípios são por demais genéricos e generosos, tendo orientação argumentativa: a “primazia da forma” (RAJAGOPALAN, 2002).

4. Bourdieu e Certeau

Bourdieu retoma a antiga classificação de Austin constativo/perfomativo: enunciações servem para descrever estados de coisas e para executar uma ação e retoma a idéia de representação da tradição filosófica clássica. Há para Bourdieu dois tipos de representação:

• representações mentais (atos de percepção e de apreciação). • representações objetais (coisas ou atos, estratégias interessadas de manipulação

simbólica que tendem a determinar as representações mentais) Apesar de investigar as apropriações do cotidiano através das “artes de fazer”,

conceito retirado dos atos de fala de Austin, Certeau vai se basear nas “ lógicas pesadas formalizadas e sua extensão aos domínios da ação”.

Considerações finais

Esperamos ter alcançado o nosso intuito de problematizar as práticas da produção discursiva do saber sobre a linguagem. Percebemos que, como um exemplo de prática discursiva, o discurso de Searle deixa ecoar as vozes de toda uma tradição de discursos sobre a linguagem. Nesta tradição “a linguagem cotidiana é tida como imperfeita para a ‘descrição da realidade’ de acordo ainda as regularidades que cumpre a nossa razão descobrir, e um instrumental lingüístico quase matemático, lógico é criado para cumprir essa função” (Magro, 1999: 197).

A persistência do mito da linguagem e da representação nas práticas discursivas que procuram teorizá-la – seja na filosofia, seja na lingüística – permite a identificação desses mitos como elementos que constituem uma ordem específica de discurso nos estudos da linguagem.

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12. FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA ANÁLISE CRÍTICA DO

DISCURSO (ACD) E SEUS PRESSUPOSTOS TEÓRICO/METODOLÓGICOS

FONTENELE, Lissa Mara Saraiva Colégio Militar de Fortaleza

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo fazer um breve retrospecto das principais bases teóricas que norteiam a corrente da Análise Crítica do Discurso (ACD), enfatizando conceitos como o de poder, discurso, hegemonia e ideologia. Na segunda parte deste artigo serão delineados os aspectos teórico/metodológicos da ACD, com destaque para seu expoente Norman Fairclough em conjunto com uma análise de seu quadro teórico/metodológico.

Palavras-Chave: Discurso, Hegemonia, Ideologia.

Abstract

This work aims to make a brief retrospect of the main theoretical bases that guide the current of Critical Discourse Analysis (CDA) stressing concepts as power, discourse, hegemony and ideology. In the second part of this article will be outlined theoretical / methodological aspects of the CDA, with emphasis on its exponent Norman Fairclough together with an analysis of his theoretical/methodological framework. Key Words: Discourse, Hegemony, Ideology.

O marxismo foi o responsável, em grande parte, por muitos conceitos básicos da

Análise do Discurso quando ela, principalmente em sua corrente ocidental, com destaque aqui para a Análise Crítica do Discurso (ACD), enfatizou as dimensões culturais das sociedades, afirmando que as relações sociais capitalistas eram reproduzidas também pela cultura, e não somente pela economia (FAIRCLOUGH / WODAK, 1997, p. 260).

Para explicar essa influência do capitalismo através da cultura, dois termos se fazem centrais: Hegemonia (GRAMSCI, 1971 apud FAIRCLOUGH, 2000, p. 122-126) e Ideologia (ALTHUSSER, 1971 apud FAIRCLOUGH, 2000, p. 117-122). Gramsci e Althusser, afirmavam que era possível à classe capitalista perpetuar-se no poder, ou seja, manter sua hegemonia por disseminar uma ideologia que legitimasse o status quo, no caso aqui, o sistema capitalista. É possível perceber assim que Hegemonia e Ideologia são conceitos interligados, pois, para se exercer um domínio – ou hegemonia – sobre, por exemplo, determinada sociedade, há de se fazer uso de ideologias que perpassem os diversos âmbitos de uma sociedade: o político, o econômico, o cultural e assim por diante.

Esse poder, no entanto, nem sempre é exercido de forma explícita – na maioria das vezes ele é bem mais sutil. Para exercê-lo, essa classe dominante faz “acordos” com

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as classes dominadas “mediante concessões ou meios ideológicos para ganhar seu consentimento” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 122). É como se fosse uma luta velada da classe dominante para se manter no poder e continuar sobrepujando as classes em desvantagem. E essa “luta” tem lugar nas mais diversas instituições da sociedade civil: educação, saúde, sindicatos, famílias, religião e mídia. E é reconhecendo isso que Althusser chama essas instituições de “aparelhos ideológicos de Estado” (ALTHUSSER, 1971 apud FAIRCLOUGH, 2000, p. 117), porque é o Estado, representando a classe dominante, que tem interesse em manter o status quo e que usa essas instituições presentes no dia-a-dia das pessoas a fim de realizar tal estratégia. Usa-se a palavra ‘velada’ porque a eficácia dessa estratégia está diretamente ligada à naturalização das ideologias ou, como Gramsci escreveu, ao senso comum. Na verdade, quanto mais essas ideologias estiverem introjetadas na vida das pessoas e em suas relações, maior poder elas exercerão, pois nesse contexto a tendência é haver menos contestações. Não podemos, no entanto, imaginar que essas relações aqui colocadas sejam estáticas – dominados sendo sumariamente subjugados – o que acontece é um jogo dinâmico de forças que são articuladas, desarticuladas e rearticuladas de forma contínua.

Outro teórico que também exerceu grande influência com suas idéias e conceitos para o desenvolvimento da Análise do Discurso foi Foucault (1996, 1998). Fairclough (2001, p. 63), destaca como importantes para a teoria da ACD duas fases de seus trabalhos, cada uma focando em diferentes direções: Trabalhos Arqueológicos e Trabalhos Genealógicos.

Nos Trabalhos Arqueológicos (com destaque para a “Arqueologia do Saber” - 1972): o destaque vai para os tipos de discurso e sua relação com o conhecimento. Foucault define ‘discurso’ como sendo “um conjunto de enunciados que tem seus princípios de regularidade em uma mesma formação discursiva” (BRANDÃO, 2002, p. 28). Assim, para Foucault, a análise de uma formação discursiva consiste na descrição dos enunciados que a compõem. Sendo ‘enunciado’, por sua vez, entendido como a unidade básica que forma o discurso. Dessa forma, o discurso poderia ser entendido como uma família de enunciados que pertencem a uma mesma formação discursiva. (As formações discursivas são conjuntos de enunciados marcados pelas mesmas regularidades, ou seja, que remetem a uma mesma formação ideológica. São, portanto, responsáveis pela formação de certos discursos que se localizam em lugares sócio-históricos variáveis; quer dizer que, em diferentes épocas, lugares e localizações institucionais, certos enunciados se farão presentes em lugares de outros). Assim, os enunciados não podem ser entendidos de forma isolada, mas sim em grupo, e isso tem implicações muito importantes no entendimento da dimensão dos discursos:

Todo enunciado se encontra assim especificado: não existe enunciado em geral, enunciado livre, neutro ou independente; mas, sempre um enunciado fazendo parte de uma série ou de um conjunto, desempenhando um papel no meio dos outros, apoiando-se neles e se distinguindo deles ... (FOUCAULT, 1969: 124 apud BRANDÃO, 2002: 30).

Com base nessas definições é possível perceber que o discurso não é algo neutro e descompromissado como uma análise lingüística de frases, mas que é sim “como jogo estratégico de ação e reação, de pergunta e de resposta” (BRANDÃO, 2002, p. 31), de dominação e de dominados. É, portanto, um espaço de luta, onde quem detém o poder detém também determinado discurso que tende a ser colocado como verdade, a fim de

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se perpetuar. Foucault (1996, p. 10) coloca isso de forma contundente quando afirma que:

Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder. Nisto não há nada de espantoso, visto que o discurso – como a psicanálise nos mostrou – não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo; e visto que – isto a história não cessa de nos ensinar – o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar.

Nos Trabalhos Genealógicos (com destaque para a “Disciplina e Poder” - 1979) ganham relevo as relações entre conhecimento e poder. Foucault coloca o poder permeando as práticas sociais do nosso dia-a-dia em suas várias instâncias – como na família, na escola e na religião – e é pelo discurso que esse poder é efetivamente exercido. É interessante perceber que o poder, como já foi mostrado no início, em grande parte não é exercido de forma impositiva – ele está entranhado nas práticas sociais de indivíduos e de grupos. Esse jogo é tão complexo e enganador que é difícil perceber também quem o exerce. Em uma conversa com o filósofo Gilles Deleuze, em março de 1972, Foucault reconheceu isso ao afirmar que: “Onde há poder, ele se exerce. Ninguém é, propriamente falando, seu titular; e, no entanto, ele sempre se exerce em determinada direção, com uns de um lado e outros do outro; não se sabe ao certo quem o detém; mas se sabe quem não o possui.” (1998, p. 75)

Apesar do grande mérito que os trabalhos de Foucault possuem, uma crítica que lhe é comumente dirigida é a forma de como ele lidou com as resistências e lutas dos dominados. Fairclough comenta esse aspecto falho do trabalho do teórico:

Na totalidade de seu trabalho e nas análises principais, a impressão dominante é a das pessoas desamparadamente assujeitadas a sistemas móveis de poder. Foucault certamente insiste que o poder necessariamente acarreta resistência, mas ele dá a impressão de que a resistência é geralmente contida pelo poder e não representa ameaça. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 83).

Essa fragilidade na teoria de Foucault pode ter sido ocasionada por uma lacuna

em suas análises, a saber: “a ausência de um conceito de prática abrangendo a ausência do texto e da análise textual” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 83). Em outras palavras, Foucault se apegou tanto às estruturas que se esqueceu de observá-las na prática, no concreto – por meio de exemplos de indivíduos e grupos inseridos nas práticas sociais. No entanto, a Análise do Discurso enxergou esses dois pontos falhos de Foucault e foi adiante.

Outro importante expoente da ACD foi Mikhail Bakhtin (1995, 2000), que desenvolveu a primeira teoria lingüística da ideologia. Para ele, os signos lingüísticos – palavras e expressões maiores – são permeados de ideologias e, por conseqüência, a linguagem também o é. Dessa forma, a linguagem se torna uma arena de luta de classe, pelo sentido das palavras (BAKHTIN, 1995). Bakhtin (2000) também fala da intertextualidade como sendo inerente a todos os textos, em outras palavras, todo texto está ligado a um texto anterior e a um que se seguirá e assim por diante, um influenciando e transformando o outro no processo.

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Bakhtin (2000, p. 279) desenvolveu ainda uma teoria sociointeracionista da

linguagem, que inclui o estudo de gênero (gênero científico, jornalístico, romance, por exemplo), mostrando que os gêneros são usados e aceitos dentro dos diferentes contextos sócio-históricos. Bakhtin (ibid) define gênero como a utilização da língua (oral ou escrita) nas diversas esferas da atividade humana onde:

O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais –, mas, também, e sobretudo, por sua construção composicional. Estes três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especialidade de uma esfera de comunicação (grifo do autor).

Os gêneros determinam não só modelos para que os textos se organizem (uma carta para alguém da família, por exemplo, começa com a data, saudações, perguntas sobre como estão de saúde e assim por diante. Eles fixam também seus diferentes processos de produção, de distribuição e de consumo. Os gêneros apresentam-se sob formas bem variadas e são ilimitados em número, podendo constituir desde uma história em quadrinhos até uma tese de doutorado. Também é possível encontrar-se, com freqüência, gêneros híbridos, ou seja, mistura de dois ou mais gêneros, como uma carta-convite, por exemplo.

A importância da teoria dos gêneros discursivos, desenvolvida por Bakhtin, passa pela grande importância que ele deu ao dialogismo como perpassando todo o processo comunicativo, como se pode perceber na afirmação abaixo:

... as formulações sobre os gêneros discursivos distanciam-se do universo teórico da teoria clássica criando um lugar para manifestações discursivas de heteroglossia, isto é, das diversas codificações não restritas à palavra. Graças a essa abertura conceitual é possível considerar as formações discursivas do amplo campo da comunicação mediada, seja aquela processada pelos meios de comunicação de massas ou das modernas mídias digitais, sobre o qual, evidentemente, Bakhtin nada disse mas para a qual suas formulações convergem (MACHADO, 2005, p. 152).

Assim, Gramsci, Althusser, Foucault e Bahktin são quatro dos teóricos que constituem a base principal da Análise Crítica do Discurso. A Análise Crítica do Discurso, além da influência dos teóricos já mencionados, tem em seu termo crítica uma grande influência da Escola de Filosofia de Frankfurt – que acredita que os produtos sociais são bem mais que “frutos” da economia, constituindo “expressões relativamente autônomas das contradições do todo social” e estando em constante negação do status quo (FAIRCLOUGH / WODAK, 1997, p. 261).

A Análise Crítica do Discurso (ACD), na perspectiva de Norman Fairclough (1989, 1993, 1997, 2001ab, 2002, 2003) concebe o discurso como sendo uma das molas-mestras das transformações sociais. Isso porque, para a ACD, o discurso exerce um forte efeito na construção das identidades sociais, nas relações sociais e nos sistemas de conhecimento e crença de determinada comunidade, incluindo aí seus valores implícitos e explícitos, normas, regras e leis que perpassam todas as instâncias da atividade humana, ou seja, a econômica, a social, a educacional, a política e a cultural (MEY, 1993, 187 apud MEY, 2001, 165). Assim, é impossível ver um discurso de forma isolada, pois ele sempre estará ligado a um certo contexto social. Indo além,

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pode-se afirmar que o discurso "... é socialmente constitutivo e socialmente formado” (FAIRCLOUGH e WODAK, 1997, p. 258). É socialmente formado porque permeia situações, objetos de conhecimento, identidades sociais e até relações entre as pessoas e suas respectivas classes sociais. Ao mesmo tempo, ele tem um papel socialmente constitutivo "... tanto no sentido de que ajuda a manter e reproduzir o status quo como também no sentido de que contribui para transformá-lo” (ibid). Daí a importância de as pessoas serem capazes de entender e analisar os discursos presentes nas várias esferas do social, a fim de se tornarem mais críticas frente às imposições, muitas vezes colocadas de forma bem sutil, encontradas nessas esferas. A fim de dar conta de todos esses processos é que a ACD faz uso apropriado das categorias de poder (FOUCAULT, 1996, 1998) hegemonia (GRAMSCI, 1971), ideologia e senso comum (ALTHUSSER, 2001), gênero e intertextualidade (BAKHTIN, 1995, 2000) categorias essas já comentadas anteriormente.

Tendo como base essas categorias principais, Fairclough vem desenvolvendo em seus estudos teorias que tentam dar conta do atual e complexo quadro sócio-histórico. Ele pensou o discurso como sendo composto de três dimensões: a primeira composta por um texto – oral ou escrito, a segunda, composta por uma instância de prática discursiva envolvendo a produção e a interpretação de um texto, sendo que essas duas fazem parte da terceira dimensão – a prática social. “Essas são as três perspectivas que podem ser levadas em conta, três maneiras complementares de leitura, num evento social complexo" (FAIRCLOUGH, 2001b, p. 35).

Não há hierarquia em nenhuma dessas três dimensões do discurso, pois elas estão colocadas num quadro tridimensional (vide folha seguinte). Sendo assim, é mais fácil para o pesquisador perceber os diversos pontos de articulação desses processos entre si. Por exemplo, é possível fazer uma avaliação das relações entre a mudança discursiva e a mudança social, tendo-se em mente que as propriedades dos textos e as propriedades sociais de eventos discursivos constituem instâncias da prática social. Como conseqüência, é possível ver a prática discursiva como capaz de exercer uma grande influência nas crenças e no senso comum das pessoas, assim como nas relações sociais e nas identidades sociais.

PRÁTICA SOCIAL

VOCABULÁRIO GRAMÁTICA

TEXTO

ESTRUTURA TEXTUAL COESÃO

ESTRUTURA TEXTUAL COESÃO

ENUNCIADOS INTERTEXTUALIDADE PRÁTICA DISCURSIVA

VOCABULÁRIO COESÃO TEXTO

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A tridimensionalidade desse quadro de análise facilita ao pesquisador perceber

mais claramente a complexidade de determinado evento discursivo, levando em conta questões como a hegemonia (GRAMSCI, 1971) e a intertextualidade (BAHKTIN, 2000), aspectos componentes da prática discursiva. Essa prática, por sua vez, está mediando a conexão entre o texto e a prática social da seguinte forma: por um lado, os processos de produção e interpretação são formados e ajudam a formar a prática social; por outro, o processo de produção forma e deixa "vestígios" no texto, assim como o processo interpretativo age sobre "pistas" no texto (FAIRCLOUGH, 2001b, p. 36).

Além de esse quadro multidimensional ajudar a dar conta dessa realidade, Fairclough ainda conta com o apoio da teoria sistêmica da linguagem de Halliday (1985) "... que considera a linguagem como multifuncional e considera que os textos simultaneamente representam a realidade, ordenam as relações sociais e estabelecem identidades" (FAIRCLOUGH, 2001b, p. 27).

Analisar-se-ão agora as três categorias componentes do quadro teórico/metodológico de Fairclough, a saber: o Texto, a Prática Discursiva e a Prática Social.

Texto

Na perspectiva de Fairclough (2001a), o termo texto tem um caráter bem amplo que abrange tanto textos falados como escritos, desde cartas, listas de compras, artigos de jornais e transcrições das mais variadas interações conversacionais, como também programas de televisão e páginas na internet. Essa noção de texto também pode incluir imagens e sons, como programas de televisão, de rádio assim como também propagandas tanto televisivas quanto aquelas encontradas em revistas (FAIRCLOUGH, 2003, P. 03).

Para uma análise completa dos textos, é importante ir além da análise lingüística. Isso porque quem escreve o faz de um determinado lugar social e carrega consigo muitas noções, posicionamentos, conceitos e pré-conceitos que são, mesmo inconscientemente, passados nos textos. Daí ser coerente atrelar à análise de textos questões sócio-teóricas sobre os discursos que estão sendo produzidos ali. Analisar os textos da forma descrita acima é vê-los em seu caráter intertextual10, ou seja, encarar a dimensão histórica que está presente nos textos. Isso porque cada texto carrega textos do passado, que podem aparecer claramente através de citações explícitas ou de forma quase imperceptível através de concepções que são defendidas ou execradas pelo autor do texto que está sendo lido ou estudado. Para Fairclough, encarar os textos dessa forma significa vê-los em termos de diferentes discursos, gêneros e estilos e observar a forma como esses três aspectos são articulados nos textos. Com esse ponto de vista em mente, fica mais fácil visualizar o texto como uma das três dimensões do discurso, já que ele também, como já se viu, tem um caráter eminentemente social por ser produzido por sujeitos sociais posicionados em determinados lugares sociais.

Segundo Fairclough (2001a, p. 122-126), quatro itens dão suporte à análise de textos com o direcionamento da ACD:

10 Ver descrição detalhada deste conceito na página 09.

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- Vocabulário: trata principalmente das palavras individuais – escolhas lexicais, sinônimos, antônimos, hipônimos, repetições, eufemismos, metáforas, uso de palavras formais ou informais etc. No entanto, é importante perceber neste contexto de análise discursivamente crítica que vocabulário é um termo muito mais amplo do que os significados encontrados em um dicionário. A fim de se conseguir chegar aos significados dos léxicos dos textos dos livros didáticos analisados, deve-se levar em conta o provável peso ideológico que podem possuir, não deixando de considerar que esses significados tendem a se alterar dependendo do contexto histórico e da ordem discursiva na qual eles estão sendo usados.

- Gramática: a gramática é tratada através das combinações das palavras em

orações e frases: modalidades, estruturas sintáticas, nominalizações, agentes, tipos de verbos, orações no imperativo e na voz passiva. Analisa também se as orações ou frases são positivas ou negativas e como então são usados os pronomes "nós" e "você (s)" etc.

- Coesão: trata da ligação entre orações e frases, sendo que essa ligação pode

ocorrer de várias maneiras: mecanismos de referência e substituição (pronomes, artigos definidos, demonstrativos, elipses de palavras repetidas etc), mediante conjunções e marcadores discursivos (as orações subordinadas e coordenadas).

- Estrutura Textual : "Diz respeito à arquitetura dos textos e, especificamente, a

aspectos superiores de planejamento de diferentes tipos de textos" (Fairclough, 2001a, p. 106). Exemplos: a ordem dos elementos ou dos episódios (como estes são trabalhados e organizados) em uma reportagem policial num jornal ou em uma entrevista de emprego. Isso é importante porque "... tais convenções de estruturação podem ampliar a percepção dos sistemas de conhecimento e crença e dos pressupostos sobre as relações sociais e as identidades sociais que estão embutidas nas convenções dos tipos de texto" (ibid). Assim, o interesse desta pesquisa recai sobre os monólogos e diálogos, sendo que nesses diálogos também são examinados os sistemas de tomada de turno e as convenções de organização para abrir e fechar entrevistas e conversas.

Prática Discursiva

Esta dimensão dá conta dos processos de produção, distribuição e consumo de

textos, ou seja, analisa como e por que determinados textos, e outros não, são produzidos, como são distribuídos (qual público-alvo é desejável) e como são consumidos por esse público previamente escolhido, levando em conta nessa análise que os textos terão consumos diferenciados de acordo com os contextos sociais nos quais são divulgados e estão inseridos.

Dentro do quadro tridimensional aqui analisado, a prática discursiva manifesta-se na forma lingüística e em textos tanto orais como escritos. Contudo, não se deve imaginá-la em oposição à prática social, pelo contrário, pode-se afirmar que a primeira se constitui em um aspecto desta última. Isso porque não se pode separar os aspectos lingüísticos dos sociais, visto estarem interligados e ocorrerem concomitantemente, por exemplo, os aspectos econômicos, políticos, sociais e os processos de produção, distribuição e consumo que tanto compõem a prática social quanto estão envolvidos na produção de textos. Essa relação do texto com os aspectos sociais passa, principalmente, pelo autor e pelo leitor (intérprete) de determinado texto. Tanto quem escreve quanto

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quem lê carrega consigo muitos conhecimentos lingüísticos prévios, valores, crenças e pressuposições construídas ao longo de sua existência, sendo ativados no momento da escrita e da leitura de um texto. Fairclough nomeou essa característica intrínseca tanto dos leitores como dos escritores de Members Resources (FAIRCLOUGH, 1989, p. 14, 24, 25).

Frente a essas características, a Prática Discursiva, mantém com a sociedade uma relação por um lado "convencional" e por outro lado "criativa". No primeiro caso, ela contribui para reproduzir a sociedade (sua identidade, suas relações, costumes e crenças), já que, conforme delineado acima, "... a constituição discursiva da sociedade não emana de um livre jogo de idéias nas cabeças das pessoas, mas de uma prática social que está firmemente enraizada em estruturas sociais materiais, concretas, orientando-se para elas" (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 93). No segundo, também considerada dialética, contribui para mudar ou quebrar hierarquias em relações normalmente hierarquizadas, como médico/paciente, professor/aluno, político/cidadão comum, policial/cidadão comum.

A seguir são apresentados os aspectos considerados por Fairclough (2001a, p. 106-116) fundamentais na análise da dimensão da Prática Discursiva.

- A “força” dos enunciados: é a força que as partes de um texto possuem, a

ação social que realizam, o(s) "ato(s) de fala" que desempenha(m). Exemplos: dar ordem, fazer uma pergunta, ameaçar, prometer etc.

- Coerência: é considerada uma propriedade das interpretações, isso porque um texto, para fazer sentido como um todo – mesmo havendo pouca coesão explícita, ou seja, ausência de marcadores formais, tem que fazer sentido para quem o está lendo, isto é, quem o lê tem que ser capaz de interpretá-lo. É importante perceber nesse processo que "... princípios interpretativos particulares associam-se de maneira naturalizada a tipos de discursos particulares" (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 113). Isso significa que certos tipos de interpretação terão associação com certos tipos naturalizados de discurso visto que os textos estabelecem posições para os sujeitos-intérpretes, “capazes” de compreendê-los e “capazes” de fazer conexões e inferências de acordo e tais conexões e inferências podem apoiar-se em pressupostos de tipo ideológico. Exemplo: "Ela pede demissão do emprego na próxima quarta. Ela está grávida". Nessa idéia está implícito o pressuposto de que as mulheres param de trabalhar quando têm filhos. À medida que os intérpretes/leitores tomam essa posição, automaticamente fazendo essas conexões, eles vão sendo assujeitados pelo texto, sendo essa uma parte importante do “trabalho” ideológico dos textos e do discurso na “interpelação” dos sujeitos. Entretanto, existe a possibilidade não apenas de questionamento quanto às diferentes leituras dos textos, mas também quanto à resistência às posições neles estabelecidas (ibid).

- Intertextualidade: é a característica própria dos textos de serem constituídos

por fragmentos de outros, podendo estar, por exemplo, corroborando-os, contradizendo-os ou ironizando-os. O importante é perceber que a posição assumida pelo texto, nesse momento, pode ter um caráter ideológico ao defender determinado ponto de vista em detrimento de outro. Essa questão pode ser remetida diretamente para o conceito de hegemonia, visto que esses textos (termo escolhido por Fairclough para se referir a qualquer produção da comunicação humana, como diálogos, contos e tratados) são constituídos e reconstituídos ao longo da história, contribuindo assim para processos de mudança nos textos subseqüentes que acabam por exercer um importante papel nas

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mudanças sociais e culturais que constantemente se sucedem na sociedade. Contudo, as mudanças que prevalecem e que ocasionarão ainda outras não são exercidas por qualquer pessoa ou grupo de pessoas, e o conceito de hegemonia nos ajuda a entender melhor como se processam essas articulações intertextuais. Quando se trabalha com essa teoria de relações e como elas moldam as estruturas e as práticas sociais, não só é possível:

... mapear as possibilidades e limitações para os processos intertextuais dentro de hegemonias particulares e estados de luta hegemônica, mas também conceituar processos intertextuais e processos de contestação e reestruturação de ordens de discurso como processos de luta hegemônica na esfera do discurso, que têm efeito sobre a luta hegemônica, assim como são afetados por ela no sentido mais amplo (FAIRCLOUGH, 2001, p. 135).

Fairclough faz uso de dois tipos de intertextualidade: Intertextualidade

Manifesta, ou seja, quando há referências claras de outros textos, como com o uso de aspas; e Intertextualidade Constitutiva, isto é, quando o recurso a outros textos por parte do autor é bem sutil ou até mesmo imperceptível para o leitor. Fairclough (2001a, p. 136,137) informa que usará Intertextualidade quando falar de forma geral desses dois tipos, e usará Interdiscursividade para referir-se à Intertextualidade Constitutiva – sendo esta a maior preocupação em suas pesquisas de análise de discurso, visto que sua ênfase tem como foco as convenções discursivas que estão presentes no texto dando a impressão de este ser uno. Ou seja, este modo de analisar a Intertextualidade Constitutiva é mais produtivo para o autor do que a análise dos textos explícitos no texto analisado (ibid).

Prática Social

Visto englobar os mais diversos elementos sociais, esta terceira dimensão do

quadro teórico de Fairclough investiga como se relacionam as categorias de hegemonia, ideologia e poder, onde "... o discurso é visto numa perspectiva de poder como hegemonia e de evolução das relações de poder como luta hegemônica" (Fairclough, 2001a, p. 116). É de grande valia o conceito de hegemonia (emprestado de Gramsci, 1971) para facilitar a análise do discurso presente na prática social no que diz respeito ao poder, como este (ou vários destes) se reproduz(em), muda(m) ou desafia(m) as hegemonias existentes em determinadas épocas e lugares. O conceito de ideologia (emprestado de Althusser, 2001), por sua vez, ajuda a perceber como se configuram e se estruturam os elementos que proporcionam a determinada hegemonia continuar existindo ou não em determinado contexto sócio-histórico.

Com base nas teorias já apresentadas, a ACD tem vínculo estreito com a Lingüística Aplicada e constitui uma área multidisciplinar de estudos da linguagem que investiga “como determinadas visões da realidade preponderam em detrimento de outras. O uso da linguagem relaciona-se estreitamente com fenômenos sociais, pois as pessoas falam, escrevem, ouvem e lêem de maneira socialmente determinada, como membros de determinadas categorias sociais, grupos específicos, profissões, organizações, comunidades, sociedades ou culturas” (VAN DIJK, 1998; FAIRCLOUGH, 1989; KRESS, 1989 apud HEBERLE 2000, p. 300). Fairclough analisa questões de linguagem e poder, de discurso e transformação social, envolvendo o estudo crítico, histórico e social do uso da linguagem. Sua teoria social do discurso

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engloba aspectos funcionais da linguagem através de estudos de textos e ocorrências lingüísticas, como também nas perspectivas sociais e históricas. A proposta de Fairclough é que se examine o discurso como reflexo, reprodução e perpetuação de relações sociais existentes. Ao mesmo tempo, o discurso também funciona como transformador dessas relações, contribuindo dessa forma para a construção de identidades sociais, de relacionamentos entre as pessoas e, mais amplamente, de nossos sistemas de valores e crenças.

Podem ser encontrados centros de pesquisa na área da Análise Crítica do Discurso (ACD) em diversos países da Europa, Ásia e América do Sul; sendo que no Brasil temos grupos em Minas Gerais, Brasília e Santa Catarina, dentre outros. Alguns de seus expoentes são: Ruth Wodak, Viviane Heberle (2000, 2001), Célia Magalhães (2001), Isabel Magalhães (2005ab), Van Dijk (1996), Günter Kress (1979, 1989) e Norman Fairclough (1989, 1993, 1997, 2001ab, 2002, 2003). Alguns exemplos de pesquisas desenvolvidas por esses analistas giram em torno de questões ligadas ao racismo, sexismo, política, alfabetização e imigração – questões essas presentes em jornais (ou na mídia em geral), discursos políticos, revistas femininas, dentre outras fontes. Para que se entenda esse processo de análise é necessário que se proceda à desconstrução ideológica dos textos por meio do estabelecimento das relações complexas entre textos, conversas, cognição social, poder, sociedade e cultura; indo-se dessa forma além da descrição e explicação dos elementos lingüísticos, já que, como vimos, o discurso não é neutro, e sim está a serviço de determinada classe, de determinados interesses.

Em linhas gerais, foi mostrado aqui as principais bases teóricas que norteiam a Análise Crítica do Discurso (ACD) e também foram analisados os principais suportes teórico/metodológicos desta corrente de análise de acordo com Norman Fairclough (1989, 1993, 1997, 2001ab, 2002, 2003). E por último foram mencionados alguns dos importantes pesquisadores nessa área assim como alguns exemplos de pesquisas desenvolvidas por eles.

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13. A VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA DOS JOVENS ROQUEIROS EM QUIXADÁ – CE: UMA QUESTÃO DE IDENTIFICAÇÃO LINGÜÍSTICA

Marco Antonio Lima do BONFIM Universidade Estadual do Ceará Resumo

Este trabalho pretende investigar a variação lingüística presente nas músicas (re) interpretadas pela banda de rock “Bifurcação” em Quixadá – Ce. De forma mais específica, investigamos a realização dos estados fonológicos (operiente e aperiente) na linguagem dos jovens roqueiros do Sertão Central cearense, com o intuito de compreender através da relação entre linguagem e identidade, a inserção desses falantes na estrutura social. Para tanto, refletimos em termos de fundamentação teórica, nos estudos de Tarallo (1997), Alkmim e Camacho (2003), Bortoni-Ricardo (2004), referentes à abordagem sociolingüística da linguagem, bem como na literatura de Macambira (1997) concernente aos estudos fonológicos da língua portuguesa e também nas teorias sobre as políticas de identidade, conforme o estudo de Hall (1997). Percebi que há uma influência muito grande do estado fonológico operiente sobre o aperiente na formação das identificações lingüísticas apresentadas na linguagem da banda de rock “Bifurcação”. E essa “interferência” influencia a construção identitária do grupo em Quixadá. Palavras-chave: Identificações – Variação lingüística - Rock Introdução

Ao estudar qualquer comunidade lingüística, a constatação mais imediata é a

existência de diversidade ou da variação, isto é, toda comunidade se caracteriza pelo emprego de diferentes modos de falar. A essas diferentes maneiras de falar, a Sociolingüística reserva o nome de “variedades lingüísticas”. Portanto, qualquer língua falada por qualquer comunidade exibe sempre variações e não “erros”. Nesse sentido, destaco, neste trabalho, as variações que ocorrem no âmbito da pronúncia – como o fenômeno dos estados fonológicos – como nosso objeto de estudo. Tal fenômeno é corrente no vocabulário da banda de rock “Bifurcação”, situada em Quixadá no Sertão Central cearense, contribuindo na construção identitária do referido grupo no município de Quixadá.

Uma vez que a identidade social “é definida historicamente, e não biologicamente” (HALL, 1997, p.13), podemos perceber a construção identitária como um processo histórico-discursivo envolvendo mecanismos sociolingüísticos que atuam na constituição de identidades sociais (neste caso, da banda de rock investigada).

1. Os estados fonológicos (aperiente e operiente) na língua portuguesa

A noção dos estados fonológicos (aperiente e operiente) é discutida em Macambira (1997) como um procedimento de análise fonológica usado para sistematizar o estudo das variações regionais, mais especificamente na região nordeste, por exemplo, no Ceará, onde a força do estado aperiente da sílaba pretônica é muito

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acentuda. De acordo com Macambira (Ibidem, p.226) “no estado aperiente, todo e e o pretônico ou pré-final se abrem para /ε/ e /θ/”. Isto é, todo e e o pretônico ou postônico são pronunciados abertos. Por exemplo: C[ó]ração, R[ó]berto, F[ó]rtaleza, R[é]cife. Por outro lado, “no estado fonológico operiente, toda vogal média, pretônica ou pré-final, se pronuncia fechada” (Idem, p. 219). Como em: C[ô]ração, R[ô]berto, F[ô]taleza, R[ê]cife. Para o autor, este é o estado fonológico que caracteriza a região Centro-sul do país.

O fenômeno dos estados fonológicos é um caso de variação fonológica estudado pela Sociolingüística, pois é através da relação linguagem e sociedade que podemos perceber a diversidade lingüística e cultural presente em nosso país. Tal relação é atravessada pela discussão acerca da construção da identidade, entendida como um construto que é formado e ressignificado de acordo com as nossas necessidades sociais. Sobre esta relação entre linguagem e identidade, Bortoni-Ricardo (2004, p.33) afirma:

Toda variedade regional ou falar é, antes de tudo um instrumento identitário, isto é, um recurso que confere identidade a um grupo social. Ser nordestino, ser mineiro ser carioca etc. é um motivo de orgulho para quem o é, e a forma de alimentar esse orgulho é usar o linguajar de sua região e praticar seus hábitos culturais.

Então, se as nossas identificações são construídas na e pela linguagem e as

variedades lingüísticas podem ser consideradas como recursos identitários, podemos dizer que a manifestação dos estados fonológicos (aperiente e operiente) na linguagem dos jovens que compõem a banda “Bifurcação”, pode ser considerada como um “instrumento identitário” que contribui para a formação das identidades sociais atribuídas ao grupo de rock quixadaense. Nesse sentido, vale ressaltar a influência do estado fonológico operiente presente nas músicas da banda “Legião urbana” (proveniente do centro-sul), reinterpretada pelos falantes roqueiros quixadaenses. Diante deste fato, questiono a possibilidade da predominância do estado fonológico operiente sobre o aperiente na linguagem da banda “Bifurcação”. Pois, acredito que exista uma identificação do grupo com o estado operiente, a fim de consolidar e preservar a variação lingüística proveniente das influências sofridas pelo grupo, construindo uma representação identitária da banda quixadaense a partir de uma “política de identidade”.

2. Identificações lingüísticas e as variedades de prestígio

Fiz menção à questão da política identitária, isto é, do mecanismo que usamos

para construir nossas identificações diante do “Outro”. Dessa forma, chamo a atenção para uma questão em particular: existe a possibilidade de algum estado fonológico intervir na constituição identitária da banda “Bifurcação”?

Partindo do pressuposto de que as identidades sociais são construções discursivas, levanto a hipótese de que os jovens integrantes do grupo de rock se identificam com a linguagem no estado operiente devido alguma relação com algum tipo de condicionamento fonológico. Sobre essa questão Tarallo (1997, p.38) declara que “por se tratar de uma variável fonológica é provável que algum tipo de condicionamento fonológico esteja exercendo influência no uso das variantes”. Sendo assim, aponto a influência dos estados fonológicos como um dos fatores estruturantes do processo de construção identitária da banda de rock quixadaense.

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Alkmim (2003, p.43) afirma que “a motivação para falar um outro modo de falar é sempre social e isso pode ser produzido pela escola, ou pela experiência social”. Nessa perspectiva, considero que a “experiência social” acumulada pelos jovens integrantes da banda “Bifurcação” através do convívio com as músicas interpretadas pela banda “Legião urbana”, exerce influência na constituição do “repertório verbal”12dos mesmos, corroborando na formação das identidades sociais atribuídas ao grupo quixadaense.

Neste contexto, é importante ressaltar a participação das “variantes de prestígio”13que alimentam a crença a respeito da predominância de uma variedade ou falar sobre os demais, obtendo como conseqüência, a eleição de certas formas de falar como sendo as mais “bonitas”e até mais “corretas”. A esse respeito, Bortoni-Ricardo (2004, p.34) comenta:

O prestígio que adquirem é mero resultado de fatores políticos e econômicos. O dialeto (ou variedade regional) falado em uma região pobre pode vir a ser considerado um dialeto “ruim”, enquanto o dialeto falado em uma região rica e poderosa passa a ser visto como um “bom” dialeto.

No que diz respeito a essa questão Camacho (2003, p. 59) compreende que “as formas em variação adquirem valores em função do poder e da autoridade que os falantes detêm nas relações econômicas e culturais”. Nesses termos, podemos considerar uma variante fonológica proveniente da região centro-sul do país, como uma “variante de prestígio”, pois ela advém de um dos centros mais economicamente ricos do Brasil. Assim, identificamos que um dos condicionantes lingüísticos influentes no processo de identificação dos jovens da banda de rock cearense com o estado fonológico operiente, é o fato de estes jovens perceberem (in) conscientes a pronúncia da vogal na forma fechada como um indicador de status, levando-os a se diferenciarem de outros grupos musicais situados em Quixadá.

Considero, então, que à medida que os jovens integrantes da banda “Bifurcação” se diferenciam de outras bandas através do contato com o estado fonológico operiente, constroem uma identificação para a banda da qual fazem parte.

3. Procedimentos de análise

(1º) Foram realizadas gravações em Cd das músicas reinterpretadas e de autoria própria da banda de rock “Bifurcação”, situada no município de Quixadá.

(2º) Conforme os pressupostos teóricos da Sociolingüística, observei se as

variedades lingüísticas usadas por esses jovens (mais especificamente a pronúncia do /e/ e /o/ pretônicos), correspondem à pronúncia de status (operiente), próprio do centro-sul.

Vejamos as letras das canções a seguir:

12 O termo repertório verbal indica um conjunto de variedades lingüísticas utilizado por uma comunidade. (CAMACHO, 2003, p. 59). 13 Uma variante em geral adquire prestígio, se for associada a um falante ou grupo social de status considerado superior. (MONTEIRO, 2000, p. 64).

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Música Dezesseis (Legião urbana) reinterpretada pela banda “Bifurcação”. João Roberto era o maioral O nosso Johnny era um cara l[ê]gal14 Ele tinha um [ô]pala m[ê]tálico azul Era o rei dos pegas na Asa Sul E em todo lugar Quando ele p[ê]gava no violão Conquistava as meninas E quem mais quisesse ver Sabia tudo da Janis Do Led Zeppelin, dos Beatles e dos Rolling Stones Mas de uns tempos prá cá Meio sem querer Alguma coisa aconteceu Johnny andava meio quieto demais Só que quase ninguém percebeu Johnny estava com um sorriso estranho Quando marcou um super pega no fim de semana Não vai ser no CASEB Nem no Lago Norte, nem na UnB As máquinas prontas Um ronco de motor A cidade inteira se movimentou E Johnny disse: "- Eu vou prá curva do Diabo em Sobradinho e vocês ?" E os motores sairam ligados a mil Prá estrada da morte o maior pega que existiu Só deu para ouvir, foi aquela explosão E os p[ê]daços do Opala azul de Johnny pelo chão No dia seguinte, falou o diretor: "- O aluno João Roberto não está mais entre nós Ele só tinha dezesseis. Que isso sirva de aviso prá vocês". E na saída da aula, foi estranho e bonito Todo o mundo cantando baixinho: Strawberry Fields Forever Strawberry Fields Forever E até hoje, quem se lembra Diz que: "Não foi o caminhão" Nem a curva fatal E nem a explosão Johnny era fera demais

14 Os grifos nas músicas são meus.

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Prá vacilar assim E o que dizem é que foi tudo Por causa de um c[ô]ração partido Um coração Bye, bye Johnny Johnny, bye, bye Bye, bye Johnny. Música: Caminho pra lua (“Bifurcação”). Eu olho pra lua Tentando encontrar Caminhos distantes Uma vida em outro lugar Eu vejo na lua O que não encontro aqui A paz que eu pr[ô]curo O que lá deva existir Eu sei que é só ilusão Mas sinto no meu c[ô]ração Não sei onde posso ir Com tudo que vejo aqui Pr[ê]firo ter a ilusão De um mundo que não posso ver Mas sinto De um mundo.

4. Análise e apresentação dos resultados Comparando as falas dos integrantes da banda de rock “Bifurcação” com as falas

da banda Legião urbana, constatei que há uma influência muito grande do estado fonológico operiente sobre o aperiente (que segundo Macambira, caracteriza o linguajar cearense), tanto que este último nem aparece na versão da música “Dezesseis” reinterpretada pela banda de rock quixadaense. Como podemos perceber na letra da música em questão, as palavras em posição pretônica realizam o estado fonológico operiente (“l[ê]gal”, “[ô]pala”, “m[ê]tálico”, p[ê]gava”). O mesmo fenômeno também ocorre em músicas de autoria própria da banda “Bifurcação”, como vimos na música “Caminho pra lua” (“pr[ô]curo”, “c[ô]ração” e “pr[ê]firo”). Diante disso, percebi que a inserção do grupo quixadaense na estrutura social se dá por meio do poder e da autoridade que a linguagem do mesmo representa na sociedade por intermédio das relações sócio-culturais. No tocante ao nosso estudo, essa representatividade lingüística é expressa pelo estado fonológico operiente, que é considerado pelos sociolingüístas como uma variante detentora de prestígio social entre os membros de uma comunidade. Camacho (2003, p.59), esclarece que “o mecanismo é simples: como os detentores da variedade de prestígio controlam o poder político das instituições que emana das

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relações sociais, são também detentores da autoridade de vincular a língua à variedade que empregam”. Portanto, como a variação fonológica no estado operiente caracteriza os falantes do centro-sul do país, concebemos que os integrantes da banda “Bifurcação” se identificam com a variedade empregada pela banda “Legião urbana” com o intuito de construir e fortalecer as identificações do grupo em Quixadá. Considerações finais

Ao estudar o fenômeno dos estados fonológicos na linguagem dos integrantes da

banda “Bifurcação”, percebi que o “repertório verbal” destes jovens é afetado, em grande medida, pela variante lingüística atribuída a região economicamente mais rica do país, na medida em que o grupo de rock quixadaense mantém contato com a variação no estado fonológico operiente, próprio da banda Legião urbana, advinda da região centro-sul. Constatei ainda que essa “interferência” lingüística contribui para a predominância do estado fonológico operiente sobre o aperiente na linguagem do grupo investigado, corroborando na construção identitária do mesmo através de uma política identitária, na qual o grupo busca se diferenciar de outras bandas situadas em Quixadá.

Enfim, este estudo vem mostrar como a linguagem constrói identidades sociais através de variáveis fonológicas, ressaltando a importância de se perceber a linguagem de forma heterogênea e dinâmica, desconstruindo posições que (por ventura, ainda) defendem a unidade lingüística nos estudos lingüísticos.

Referências bibliográficas ALKMIM, Tânia. Sociolingüística. In: MUSSALIM, Fernanda e BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. Parte I, V.1.3ª ed. São Paulo: Cortez, 2003. BORTONI-RICARDO, Stela. Educação em língua materna: A sociolingüística na sala de aula. São Paulo: Cortez, 2003. CAMACHO, Roberto. Sociolingüística. In: MUSSALIM, Fernanda e BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. Parte II, V.1.3ª ed. São Paulo: Cortez, 2003. HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade. DP&A Editora, Rio de Janeiro, 1997. MACAMBIRA, José. Fonologia do português. 2ª ed. Fortaleza: Imprensa universitária, 1997. MONTEIRO, José. Para compreender Labov. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000. TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolingüística. 5ª ed. Editora Àtica, 1997.

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14. POTENCIALIDADE FUNCIONAL DO ADVÉRBIO UMA ANÁLISE DESCRITIVISTA

Reginaldo Cruz de FREITAS Faculdade Integrada da Grande Fortaleza – FGF

Resumo

Este trabalho se propõe ao estudo dos advérbios com o propósito de mostrar suas potencialidades dentro de uma frase e com isso entender o porquê de os gramáticos não conseguirem defini-lo de maneira satisfatória. No decorrer de nossos estudos nos deparamos com a grande divergência existente entre os gramáticos no que diz respeito à conceitualização dos advérbios e com a grande potencialidade existente nessa classe gramatical. Por isso nosso estudo vem abordar esse assunto de maneira a demonstrar tais discordâncias e chegar à causa delas. Usamos o método comparativo para contrastar as definições existentes nas gramáticas, desde as mais tradicionais - Ali (1966), Pereira (1909) e Góes & Palhano (1961) -, passando pelas contemporâneas - Sacconi (2001), Cegalla (2002) e Bechara (2000), até chegar nas descritivistas - Perini (2001) e Neves (2000). Para isso faremos uma análise descritivista com o intuito de observar as várias funcionalidades que um advérbio pode vir a assumir em uma frase e constatar que, devido a isso, é que os estudiosos da língua ainda não conseguem obter êxito em sua conceituação que abranja todas as suas potencialidades. Palavras-chaves: advérbio, gramáticas prescritiva e descritiva, potencial funcional.

Introdução

Os advérbios pertencem a uma classe de palavra cujo estudo apresenta limites

imprecisos, pois os critérios de análise das gramáticas escolares, principalmente, as prescritivistas se limitam a defini-lo como modificador – de verbos, adjetivos, ou outros advérbios – restringindo-se ao escopo da frase e esquecendo-se das suas potencialidades funcionais, inclusive, na classificação dos diversos tipos de advérbios.

Vocábulos como inclusive, só, até, apenas, dentre outros – considerados, hoje em dia, de grande importância, por exemplo, para a Macrossintaxe Argumentativa (Ducrot e outros autores) – não são “listados” nessas séries de advérbios, aparecendo, via de regra, em notas de rodapé e denominados como palavras denotativas. . (Azeredo, 2000)

Nosso trabalho apresentará a dificuldade que os gramáticos encontram para classificar de maneira satisfatória a classe gramatical dos advérbios, enquadrando-os apenas como uma categoria de palavras invariáveis e excluindo o seu potencial funcional dentro da frase, para tanto mostraremos as definições existentes nas gramáticas tradicionais, nas contemporâneas e nas descritivas e analisaremos algumas frases procurando enquadrá-las dentro do critério classificatório de Perini (2001) que considera os aspectos funcionais desta classe de palavra.

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Nas gramáticas tradicionais foram escolhidas as dos autores Ali (1966), Pereira (1909) e Góes & Palhano (1961). Nas contemporâneas, as de Sacconi (2001), Cegalla (2002) e Bechara (2000). E por fim, na descritiva a de Perini (2001) que embasa nosso trabalho.

Perini (2001) apresenta as várias potencialidades funcionais que um advérbio pode assumir dentro de uma frase. Em nossos estudos constatamos que os advérbios possuem um grande potencial funcional que não vem sendo estudado de maneira satisfatória e por isso deixa em aberto o seguinte questionamento: existe a classe dos advérbios? A definição dessa classe existente nas gramáticas condiz realmente com a realidade dela? Isso tentaremos responder com nosso trabalho.

A categoria tradicional dos “advérbios”, assim como a dos “pronomes”, encobre uma série de classes, ás vezes de comportamento sintático radicalmente diferente. Ao contrário dos “pronomes”, porém, os “advérbios” do português estão muito pouco estudados em seu conjunto; temos apenas estudos parciais. A situação é tal que não parece possível dar uma visão abrangente das diversas classes, nem mesmo uma lista completa delas. (PERINI, 2000).

Nosso trabalho está estruturado da seguinte forma. Em um primeiro momento, apresentaremos uma definição mais abrangente e geral de advérbio. Em seguida, partiremos para definições mais centradas nos autores que estão sendo tomados como exemplificação para nosso estudo, culminando na análise das potencialidades funcionais da classe gramatical que é o ponto central de nosso trabalho. E com isso tentaremos expor que tais definições não satisfazem à realidade funcional dos advérbios. 2 – Fundamentação Teórica 2.1 Advérbio – a guisa de conceituação e classificação

Nosso estudo tem como objetivo, nesse primeiro momento, fazer uma

conceituação do advérbio. Para tanto, extraímos os pontos em comum, no que tange a sua conceituação, das gramáticas que trataram e tratam do assunto. Mas antes faremos um breve estudo de sua origem.

Os advérbios derivam-se do latim cujos vocábulos eram formados por simples palavras, tais como, male> mal, semper> sempre, saepe> muitas vezes, cras> amanhã, quo> aonde, nunc> agora, totus> todo ou por locuções, como ab ante> avante, ad trans> atrás, ad sic> assim. Seu caráter invariável foi conservado na evolução da língua, pois estes vocábulos não eram declinados como os substantivos. Segundo os latinistas Almendra e Figueiredo (1977, p. 135): Em latim, como em português, o advérbio é uma palavra invariável, que serve para modificar a significação de um verbo, de um adjectivo ou de outro advérbio.

Em nossas pesquisas constatamos que o conceito mais comum encontrados nas gramáticas prescritivas (Sacconi, 2001 e Cegalla, 2002) advérbios são palavras que modificam um verbo ou um adjetivo ou um outro advérbio ou toda uma frase; podem expressar uma circunstância (modo, lugar, tempo etc); e são invariáveis, ou seja, não se flexionam em gênero, número, porém em alguns casos (de quantidade, de lugar e de modo) se flexionam em grau. Notemos a circularidade do advérbio em torno das outras categorias de palavras como adjetivo, verbo e o próprio advérbio e a ênfase na sua invariabilidade. Apesar de citar que pode alterar também toda a frase, esta mudança não

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fica explicitada se é de caráter morfológico, sintático ou semântico. Para Pottier (1976), o conceito de advérbio é mal definido nas gramáticas, já que “praticamente toda palavra invariável que qualifica o processo recebe o nome de advérbio”.

Fica dessa forma complicado definir o que seja esta classe de palavra, pois os conceitos nos levam a fazer as seguintes relações: (advérbio está para o verbo) e (substantivo para adjetivo), então o que dizer da afirmação de Macambira (1997, p. 44-45) baseado em Nesfield (1962, apud Macambira, 1997) que também o advérbio modifica substantivos, preposições, conjunções etc. Nos próximos tópicos discutiremos o problema e faremos um estudo da classificação do advérbio nas gramáticas tradicionais, contemporâneas e descritivas. 2.2. Gramáticas tradicionais

Apresentaremos a visão do assunto à luz das gramáticas tradicionais, tais como

as Ali (1966), Góes & Palhano (1961) e Pereira (1909), por exemplo. Na primeira, entendia-se que o advérbio serve para denotar uma circunstância de lugar, tempo, modo, grau ou intensidade, negação, dúvida, etc., e também como determinante do verbo, do adjetivo ou de outro advérbio. Sendo expresso por uma palavra invariável ou por uma locução equivalente (quando/em que tempo, onde/em que lugar etc).

Vejamos os exemplos que se seguem: Lugar: ele trabalha aqui, em São Paulo; Tempo: ele trabalha hoje, todos os dias; Modo: ele trabalha aplicadamente, com aplicação; Intensidade: vejo-te tão alegre; fiquei muito triste; chegaste mais tarde. Na segunda, ele também é uma palavra que exprime circunstância de tempo,

lugar, negação, afirmação, dúvida, etc. e serve de elemento modificador do verbo, do adjetivo ou de outro advérbio. Atentemos para a semelhança existente entre esta definição e aquela de Ali (1966, p. 97) principalmente nos aspectos morfológicos e sintáticos, mas não podemos deixar de notar que esse autor não fala em sua definição da invariabilidade do mesmo, característica da lingua latina: “Em latim, como em português, o advérbio é uma palavra invariável, que serve para modificar a significação de um verbo, de um adjetivo ou de outro advérbio”. (ALMENDRA e FIGUEIREDO, 1977)

E na terceira e última, diz que ele tem uma função sintática de exprimir certas circunstâncias que modificam a significação do adjetivo, do verbo e do próprio advérbio. E no decorrer, diz que embora posto entre as palavras inflexivas, muitos dos advérbios são passíveis de sofrer grau de significação e se flexionam em grau e, até, em gênero. Apesar de ser a mais antiga das três, essa tenta ser mais completa dos que as demais, visto que aborda a questão da flexão e do aspecto semântico. 2.3. Gramáticas contemporâneas

Nesse momento, apreciaremos as definições das gramáticas contemporâneas.

Mas antes disso, vale ressaltar que a conceituação do advérbio existente nas primeiras gramáticas que estudamos e nessas que iremos estudar, em um paralelo, pode-se constatar que não há uma grande diferença entre elas, salvo a de Bechara (2000) como veremos a seguir.

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Agora tomemos as definições de Sacconi (2001), Cegalla (2002) e Bechara (2000). No primeiro, advérbio é uma palavra invariável que modifica essencialmente o verbo, exprimindo uma circunstância (tempo, modo, lugar, etc) (Sacconi, 2001, p.296). E que, segundo ele, os chamados advérbios de intensidade nada mais são que morfemas de grau, pois eles não indicam uma circunstância (entendo-a como toda particularidade que vem esclarecer ou modificar um fato) e sim o grau da palavra (verbo, adjetivo, advérbio) a qual está se referindo.

Então tomemos os exemplos: Choveu muito; Muito bom; Muito mal. Se assim for, não podemos entender que muito está indicando uma circunstância

no momento em que modifica a idéia de mal (não só dele como também de bom e choveu), ou seja, reforça seu sentindo? Tal assunto será discutido mais à frente. No segundo, é uma palavra que modifica o sentido do verbo, do adjetivo e do próprio advérbio (CEGALLA, 2002, p.243). Afirma que em sua maioria os advérbios modificam os verbos, aos quais adicionam uma circunstância, e que só os de intensidade podem também modificar adjetivos e advérbios. Há aí uma divergência entre o primeiro e o segundo autor, no que diz respeito ao advérbio de intensidade, pois um não o reconhece como tal e o segundo, muito pelo contrário, dá-lhe uma grande carga de significação. Mas devemos evidenciar que ele não é o único que pode exercer tal função.

Por fim, Bechara (2000) o vê como sendo uma expressão modificadora que por si só denota uma circunstância (de lugar, de tempo, de modo etc.) e desempenha na oração a função de adjunto adverbial. Formado por uma palavra de natureza nominal ou pronominal, podendo se referir a um verbo, a um adjetivo, a um advérbio e a uma frase inteira. E possuindo uma grande maleabilidade, uma vez que, num momento pode estar preso ao núcleo verbal e noutro, a elementos ligados ao núcleo verbal. O que impede ao analista uma classificação que satisfaça todos os casos possíveis.

Constituído o advérbio de uma classe de palavra muito heterogênea, torna-se difícil atribuir-lhe uma classificação uniforme e coerente. Em geral seu papel na oração se prende não apenas a um núcleo (verbo), mas se amplia na extensão em que se espraia o conteúdo manifestado no predicado. Isto lhe permite, em primeiro lugar, certa flexibilidade de posição não só no espaço em que se prolonga o predicado (com seu núcleo verbal), mas se estende aos domínios do sujeito, podendo antecedê-lo ou vir-lhe posposto. (BECHARA, 2000, pág. 290).

Até o presente momento o que vimos foi uma grande gama de definições, todas

sem sucesso, em se falando de atribuir uma classificação uniforme, funcional e coerente ao advérbio. Entretanto, Bechara (2000), em seus estudos lingüísticos, é o único dos três que reconhece tal dificuldade de conceituação e classificação, porque tem consciência da heterogeneidade e flexibilidade do mesmo.

Assim, há advérbios de papel semântico-sintático mais internamente ligados ao núcleo verbal (e estes não gozam das flexibilidades de posição e entoação atrás referidas), e há os advérbios mais externamente ligados ao núcleo verbal. Daí escapar ao analista uma classificação unitária que abarque todos os casos possíveis. (IDEM)

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2. 4. Gramáticas descritivas

Nas gramáticas de cunho descritivistas, podemos outros aspectos na conceituação e classificação do advérbio. Tomamos como exemplo Perini (2001) que já ciente da problemática de encontrar uma definição para a classe gramatical em estudo, inicia seu trabalho com a interrogativa Existe uma classe dos “advérbios”? E o termina dizendo que para se chegar a uma definição de advérbio é preciso fazê-la a partir do ponto de vista funcional do mesmo. Perini (20001) faz uma pequena comparação entre os advérbios e os pronomes, pois ambos encobrem uma série de classes. Todavia, o faz só para explicitar que, ao contrário do segundo, o primeiro é uma classe muito pouco estudada em seu conjunto e que os estudos existentes são apenas parciais. E devido isso ainda não se é possível ter uma visão mais abrangente do assunto. Alguns estudos mais recentes ligados à pragmática e a análise do discurso procuram mostrar que os advérbios são uma categoria gramatical especial, como mostra o trabalho de Santos (2002):

Os advérbios de lugar constituem uma categoria gramatical especial, uma vez que se incluem numa categoria lingüística maior, a dos chamados dêiticos, palavras com capacidade intrínseca de situar os elementos presentes no discurso e de fazer referência à situação na qual o enunciado é produzido. Os dêiticos representam os elementos indiciais da linguagem e atuam, portanto, como situadores no campo mostrativo da linguagem.

Já quando parte para a questão da classificação do mesmo, diz que a definição

tradicional fala da propriedade de “modificar” itens de outras classes – ou mesmo de “modificar o próprio advérbio” o que introduz na definição um elemento de circularidade que a inviabiliza (PERINI, 2001, pág. 338). Pois, segundo o autor, para se definir uma classe deve-se fazê-la em termos de seu potencial funcional – o que não ocorre com os advérbios, daí toda essa problemática para se chegar há uma definição que possa satisfazer aos seus potenciais.

Por ora, portanto, tendo a afirmar que não existe uma classe que compreenda, mesmo aproximadamente, os itens tradicionalmente chamados de “advérbios”. As diferenças sintáticas entre os “advérbios” são muito profundas, em parte comuns a palavras de outras classes tradicionais, e não autorizam a postulação de uma classe única. Temos aqui, na verdade, diversas classes, que podem sem dúvida agrupar-se, mas dificilmente de maneira análoga à proposta pela análise tradicional (PERINI, 2001, pág. 340).

Neves (2000) o vê como sendo, do ponto de vista morfológico, uma palavra invariável e, do ponto de vista sintático, uma palavra periférica, ou seja, funcionando como satélite de um núcleo. E em seu trabalho mostra as suas funcionalidades dentro de um contexto e isso nos chamou atenção para elaboração do nosso trabalho.

4. Análise Vamos primeiro ver a classificação dos advérbios provavelmente e corretamente

nas gramáticas normativas: ambos estão inseridos na subclasse dos advérbios de modo. Mas atentemos para os exemplos:

Provavelmente você não gostará da resposta; Três dias depois do veto de Bush, o Departamento de Estado americano lançou

seu relatório anual sobre a situação dos direitos humanos no mundo em 2007.

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Corretamente, acusa o Brasil pelas torturas e mortes provocadas pelas polícias nos estados, atrocidades em que o caso de Carlos Rodrigues Júnior é lapidar. O adolescente de 15 anos morreu depois de ser torturado com choques elétricos por policiais dentro de sua própria casa, em Bauru, no interior de São Paulo. Corretamente, também denuncia o caso da menina que dividiu cela com homens numa prisão do interior do Pará.(VEJA, 2008).

Em ambos os casos, eles estão incidindo sobre a oração e aumentam a idéia que o locutor quer passar para o leitor. No primeiro, o advérbio serve para enfatizar a idéia que a resposta não será boa e no segundo, servi para aumentar a idéia da concordância com as ações feitas pelo outro país.

Agora vejamos mais esses outros exemplos: E por isso mesmo tão cansados e não querem saber de arriscar o emprego; E quem sabe se de tudo que pudesse fazer, se entre todas as reações possíveis,

não era justamente isto – ceder, pagar. O que podemos observar nesses exemplos são advérbios que estão incidindo

sobre pronomes. Porém isso não é citado na definição deles pelas gramáticas, ou seja, já podemos observar que sua definição começa a ser falha.

O mesmo ocorre com o advérbio do exemplo abaixo, só que em vez de incidir sobre um pronome, incidi sobre uma conjunção. E isso também não falado pelas gramáticas prescritivas:

Alguns inquéritos solicitados pelo Saps à polícia arrastam-se morosamente sem chegar à apuração policial dos crimes, muito embora as autoridades da mais alta hierarquia se empenhem nisso.

Agora, tomemos como exemplo o advérbio bem que comumente é usado como advérbio de modo, todavia pode também ser empregado como de intensidade. Exemplos:

O sujeito perde o emprego, se oferece um outro, mas o cara não aceita porque ganha menos ou porque não quer viver fora do bem bom a que está acostumado;

Já bebi demais, bem mais do que posso... e vou parar. Podemos ver também advérbios que atuam como indicadores de estado de

espírito do falante. Isso, pois, é uma amostra de que sua carga semântica está muito além da concepção gramatical. E torna-se passível de observação nos exemplos que se seguem:

Infelizmente não podemos nos divertir na cidade em que moramos; Francamente, comissário, o senhor me deixa confusa. Nessa mesma linha de raciocínio é possível se observar advérbios como

delimitadores de uma afirmação, ou seja, delimitam o ponto de vista sob o qual uma asserção pode ser considerada verdadeira (NEVES, 2000). Vejamos os exemplos:

Pelas tradições que historicamente o vinculam ao Ocidente, o Canadá se encontra, estou certo, associado, em espírito, à unanimidade ora constituída em nome dos mais legítimos interesses dos povos americanos.

Múltipla pela pluralidade de seus objetos e pela diversidade de seus métodos, a ciência é, pelo menos teoricamente, uma pelo sujeito que a concebe e a produz.

Agora temos à análise advérbios que apresentam como obrigação uma necessidade:

Trem parador, desses que devem parar obrigatoriamente em todas as estações. Tinham necessariamente de estar exaustos, sedentos de sono e descanso, depois

de tantos dias de provação.

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Não pense em evitar a conversa que, necessariamente, tenho de ter com ele. Temos ainda advérbios que não exercem influência sobre o significado do

elemento que incidem, ou seja, não modificam o seu significado. E essa não-modificação de um advérbio sobre um elemento qualquer não é citada nas gramáticas que tratam do assunto, muito pelo contrário, elas salientam a idéia de poder modificação que o advérbio tem. Podendo ser visto nas frases onde o mesmo opera sobre o valor de verdade da oração.

Aquele rapaz do retrato apareceu sim no posto dizendo que acabara a gasolina do seu carro ali perto, se não podia vender um galão.

Sozinho, você não descobriria nada. Não faltam crianças, adolescentes e até adultos incapazes de aceitarem

situações de colaboração. Nos últimos tempos eu passava raramente junto ao mar, e creio que nem o

olhava. E também em frases em que não operam sobre o valor de verdade da oração. Havia uma densa penumbra lá dentro. O que antes não era problema, e em certos casos foi até motivo de orgulho,

passa agora a ser obstáculo à superação do subdesenvolvimento e do atraso. Eu mesmo não sei por que não acabo logo de uma vez com essa bobagem! E por fim vejamos palavras que dependendo da oração podem mudar de

subclasse. Atentemo-nos para o pronome relativo onde e para a conjunção quando que também têm a possibilidade de funcionarem como advérbio de interrogação (nas formas diretas e indiretas). Já essa maleabilidade de algumas palavras não é citada pelas gramáticas prescritivas em suas definições. A exemplo do que foi dito acima:

Onde está o Eduardo? Quis saber onde se encontrava o camarada. E então? Quando é que embarca? Leia e depois me diga quando pode sair na gazeta. Como podemos constatar, baseados em nossa análise, os advérbios estão além

do conceito que reina nas gramáticas prescritivistas. Conceito, esse, que vem se perpetuando e se grassando pelas gramáticas desde muito tempo e que limita o campo de atuação deles. Então, para que essa situação mude de contexto, só com um estudo mais aprofundado sobre o assunto é que chegaremos a um conceito que compreenda o advérbio em sua totalidade.

Conclusão

Nosso trabalho fez um estudo sobre a definição do advérbio, desde sua origem, no Latim, até os dias atuais. E isso, através de um estudo pelas gramáticas tradicionais, contemporâneas (de cunho prescritivo) até chegar à gramática descritivista que foi o alicerce do nosso trabalho. Escolhemos esses três tipos de gramáticas por entendermos que elas eram suficientes para embasar nosso estudo, visto que nos propusemos apenas a descrever o valor funcional do advérbio e demonstrar que os seus conceitos não abarcam todo o seu potencial.

Depois disso, iniciamos a nossa análise para evidenciar que tal classe é um tanto quanto negligenciada pelas gramáticas prescritivas que não trazem em suas definições a verdadeira potencialidade da classe em estudo. Por outro lado, podemos constatar que

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ao longo dos anos foram poucas as mudanças nas definições das gramáticas que abordam o assunto. O que podemos ver foi apenas uma repetição de definições que pouco se diferenciavam umas das outras. E quando há uma pequena mudança no conceito, observamos que é só para satisfazer o ponto de vista do gramático que a faz (como, por exemplo, em Sacconi (2001) que desconsidera os advérbios de intensidade, mas sua definição continua sendo igual a dos outros gramáticos prescritivos e em nada inova na conceitualização deles), pois não há uma mudança real que faça justiça à classe gramatical que estudamos. Salvo, a de Bechara (2001) que faz um estudo mais aprofundado e mais detalhado do tema e que propicia uma melhor visão do assunto em questão.

Consideramos a visão de Perini (2001) e Neves (2000) quando põem em questão a existência da classe gramatical dos advérbios. Pois foi constatado em nossa pesquisa que a definição que impera nas gramáticas de cunho prescritivo não condiz com sua efetiva potencialidade. Como foi demonstrada em nossa análise e apresentado que não há uma congruência entre a definição gramatical de advérbio e o seu efetivo potencial funcional, devido as suas várias possibilidades de atuação em um contexto, tanto sobre o ponto de vista sintático, como o semântico e, também, o pragmático.

Então podemos concluir que muito ainda se precisa estudar e se pesquisar para se chegar a uma definição coerente dessa classe e suas possíveis funções. Ela que, como já salientamos no decorrer de nosso trabalho, é portadora de um potencial funcional que vai além da mera modificação de classes de palavras que a circundam. Abordando não só aspectos morfológicos, sintáticos ou semânticos, mas também pragmáticos poderemos chegar a uma concepção melhor do assunto e devolver ao advérbio a devida importância que ele merece no uso da língua. Referências Bibliográficas ALI, M. Said. Gramática Secundária da Língua Portuguesa. 7ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1966. ALMENDRA, M. A; FIGUEIREDO, J. N de. Compêndio de gramática latina. Lisboa: Editora Porto, 1977. AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos de gramática do português. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lucerna, 2000. CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua portuguesa. 45ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2002. GOES, Carlos; PALHANO, Herbert. Gramática da Língua Portuguesa. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paulob de Azevedo, 1961. MACAMBIRA, J. R. A estrutura morfo-sintática do português. 8ª. Ed. São Paulo, Pioneira, 1977. NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do português. São Paulo: Editora UNESP, 2000. PEREIRA, Eduardo Carlos. Grammatica Expositiva – Curso Superior. 2ª ed. São Paulo: Duprat & Comp.,1909. PERINI, Mário A. Gramática descritiva do português. 4ª ed. São Paulo: Ática, 2001. POTTIER, Bernard. Problemas relativos a los adverbios em –mente. In: Lingüística moderna y filología hispánica. Madrid: Gredos, 1976.

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SACCONI, Luiz Antonio. Nossa Gramática – Teoria e prática. 27ª ed. São Paulo: Atual, 2001. SANTOS, Antonia Vieira. Breves considerações sobre o uso dos advérbios de lugar nas Cantigas de Santa Maria (séc. XIII), disponível no site: http://www.inventario.ufba.br/03/d03/03asantos.htm.

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15. SITE POPULAR: MIDIA EDUCATIVA X MÍDIA COMERCIAL

CATARINA TEREZA FARIA DE OLIVEIRA (FGF/UECE)

Catarina Tereza farias de OLIVEIRA UECE´/UFC//FGF Resumo : A pesquisa enfoca, a partir de reflexões teóricas e pesquisa de campo, como um site popular articula-se para construir a auto-imagem de seu público alvo, os moradores de um bairro da periferia de Fortaleza. Discute-se, neste artigo, quais os interlocutores que o site elegeu para esse debate sobre auto-imagem. Constata-se que esse é um processo comunicativo que revela um diálogo paralelo entre mídia comercial e mídia popular. A metodologia da pesquisa utilizou a técnica de entrevistas e aplicação de questionários como estratégias para revelar o lugar do objeto pesquisado. O site do Bairro Ellery já descobriu a necessidade de falar para a mídia comercial, ele também se comunicar com os moradores do bairro atingidos por essa mídia que nega existir no contexto da periferia valores culturais. Porém, o site não faz uma interlocução particular ou distinta para os moradores, considerando a divisão social do bairro identificada na pesquisa como a separação entre lado calmo e o lado violento, favela ou lugar dos miseráveis. Essa mídia popular nega essa divisão e tem a utopia de reconstruir uma imagem mais integrada do bairro com uma convivência comunitária. Concluímos ainda que se o movimento popular precisa reconstruir a auto-imagem de seu público alvo, o que está em destaque não é apenas o sucesso da construção dessa auto-imagem, mas a denúncia de uma mídia aliada à lógica hegemônica do discurso burguês que desde o século XIX apresenta as classes populares como despossuídas de valor segmentos selvagens, contra o progresso, animais loucos e perigosos. Será com esse discurso histórico e com uma perspectiva utópica de união que o site dialoga afinal. Palavras-chave: Site popular, comunicação, educação, movimentos sociais. .

1. Retomando o fio da rede

A pesquisa Movimentos sociais na rede iniciada em 2006 sobre o uso que os movimentos sociais populares fazem da internet tomou a princípio o site organizado por um grupo de pessoas do Bairro Ellery, localizado na zona noroeste de Fortaleza (www.bairroellery.com.br) e tinha como objetivo compreender como os movimentos sociais estavam construindo uma relação com essa cultura digital.

As primeiras reflexões teóricas da pesquisa revelaram a priori um ponto que consideramos a abertura dessa questão, afirmando que os movimentos sociais usariam a internet como espaço de difusão de suas idéias e de suas mobilizações. Se a princípio essa relação ampliava a percepção de que a internet era apenas: um instrumento de trabalho ou de pesquisa, ou um palco para o público jovem se “encontrar” virtualmente, as reflexões teóricas revelam que os movimentos sociais usavam a internet para tornar visíveis suas ações. De início, essa questão nos leva a idéia de que os movimentos sociais populares estão construindo uma auto-imagem de suas mobilizações para

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atraírem participantes ou destacar suas ações para uma visibilidade local e mais ampla. Essa pode, inclusive, ter sido a significação dos primeiros jornais comunitários desenvolvidos por movimentos sociais populares na década de 80, porém uma afirmação mais categórica nesse sentido precisaria se deter a uma pesquisa desses instrumentos. Coloco aqui apenas a hipótese de que os jornais comunitários, comuns ao movimento popular dos anos 80, divulgavam as ações das associações de moradores e difundiam assim essencialmente a auto-imagem dessas entidades. Porém, na análise do espaço virtual utilizado pelo Bairro Ellery, veremos que embora esse propósito mais interno ao movimento permaneça, encontramos a apresentação da auto-imagem do bairro como contra-discurso à imagem negativa construída, principalmente pela mídia comercial. Entretanto, a questão da auto-imagem não era tema da pesquisa, tínhamos como foco maior à discussão sobre exclusão digital que será abordado em outro artigo, porém ao analisar o site e a produção de noticia elaborada sobre o bairro, percebemos que a positividade das noticias apresentava não somente as atividades do movimento, mas também sujeitos individuais do bairro. Constatamos, inclusive, que os movimentos sociais saíam de uma atenção mais especial a atividades mais específicas do movimento popular e passavam a difundir sujeitos particulares com o fim último de destacar positivamente grupos do bairro. Em outras palavras, se a matéria fazia referência a um jovem atleta, morador do Bairro Ellery, campeão em alguma modalidade no país ou no estado, percebemos que o fim maior era valorizar o grupo mais coletivo de jovens que moram no bairro, elevando a imagem dessa categoria. (OLIVEIRA & FERREIRA, 2007). Prosseguimos com a discussão nesse artigo para verificar os interlocutores que o site elegeu para esse debate sobre auto-imagem. Afinal para que o site fala? 2. Auto-imagem na trajetória dos movimentos sociais populares: uma teoria em construção.

Uma dimensão importante da auto-imagem que estamos retomando nesse trabalho foi problematizada a partir de Castels (1999), Sorj (2003) e Norbert Elias (2000). Um primeiro olhar para o sentido de auto-imagem está associado à busca que os movimentos sociais populares têm em difundir uma imagem positiva de suas lutas para valorizar suas ações para um setor externo. Em Castels (1999) a retomada da ação dos Zapatistas, analisando o uso da Internet por esses atores sociais, revela que a construção da auto-imagem é essencialmente para ressaltar o movimento e confirmar nossa hipótese de que, num determinando contexto, os movimentos sociais usam a internet para difundir uma auto-imagem, essencialmente de suas ações enquanto movimento. Castels (1999) toca nessa questão quando historiciza a atuação dos zapatistas no México. O autor não minimiza a utilização da comunicação feita pelo movimento ao uso da internet. Ele elabora essa discussão como uma percepção mais ampla desse movimento inserir a relação com a mídia em sua organização.

Nesse artigo estamos procurando ressaltar, que Castels (1999) evidencia a importância dessa rede alternativa na construção da auto-imagem desses movimentos para a sociedade que os percebe. Porém a pesquisa que realizamos no site do Bairro Ellery veio demonstrar que a expressão da auto-imagem é retomada em outros sentidos e desse modo, precisamos ampliar essa representação apontada por Castels (1999), pois embora os movimentos sociais populares permaneçam difundindo sua imagem positiva em particular, esses temas ganhará gradativamente outros enfoques.

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No livro [email protected], Bernardo Sorj (2003) traz uma outra representação do uso da auto-imagem mais próxima as nossas discussões. Esse autor também nos apresenta que ao criar o site “vivafavela.com”, o Movimento Viva Rio tinha como objetivo central, divulgar o contexto das favelas através da difusão de notícias que mostrassem sua riqueza humana e cultural, no lugar de divulgar apenas os acontecimentos sensacionalistas relativos à violência que envolvesse os moradores da favela. Esse tema é discutido no livro com o subtítulo de: “Dignidade pela auto-imagem”. Sorj (2003) relaciona como o Movimento Viva Rio passou a usar o site “Vivafavela. com” na construção da auto-imagem das favelas cariocas. Para tanto, foram criados diversos projetos que envolviam o site e o movimento. O projeto “favela tem memória”, que objetiva “divulgar e promover histórias e imagens que resgatem a identidade social e cultural das comunidades” é um dos exemplos. (SORJ, 2003, p. 118).

Nessa ação do movimento Viva Rio, o sentido da construção da auto-imagem se aproxima pelo ângulo mais amplo em que uma organização ou mobilização social não objetiva apenas se projetar para uma comunidade, mas tem como alvo de ação expressar o valor de seguimentos populares, identificados essencialmente como violentos ou nocivos à sociedade.

A análise do site do Bairro Ellery revelará duas dimensões da construção da auto-imagem, uma primeira mais próxima da ação dos zapatistas e uma segunda mais identificada com a atuação do movimento Viva Rio.

Após verificarmos que esse espaço virtual era um instrumento essencial na construção da auto-imagem do Bairro Ellery, percebemos que podíamos aprofundar essa análise a partir de alguns pontos estudando: como os produtores do site percebem a contribuição desse veículo na elevação da imagem dessa comunidade e posteriormente, verificando que imagem a comunidade tem de si mesma.

O passo que nos levou a temática da auto-imagem foi à investigação da produção de matérias para o site. A análise da estrutura desse espaço eletrônico nos apresentou alguns links em particular como: notícias do bairro, hoje modificado para o link notícias, álbum de fotos, votações e conheça o bairro. O olhar desses pontos nos encaminhou a percepção de como os movimentos sociais estão usando a Internet na construção de sua auto-imagem, dentro do contexto de uma sociedade de consumo capitalista, que historicamente desde o século XIX, denomina as multidões e as classes populares de perigosas e incivilizadas. Na pesquisa de campo constatamos a representação positiva sobre o cotidiano da comunidade.

O trabalho revelou que a matéria produzida pelos repórteres da comunidade não tem o foco na cobertura de crimes ou conflitos que ocorrem no bairro. Esses fatos aparecem no site no link, “Bairro Ellery na Mídia”, no qual são apresentadas as notícias fruto da cobertura da mídia comercial. Ao bairro cabe a cobertura dos acontecimentos culturais, festividades, memória do bairro, pessoas em destaque na comunidade, dentre outros acontecimentos que ressaltam a imagem dos moradores (...) A fotografia é outro recurso fundamental na construção do site e na expressão dessa auto-imagem. Ela aparece na ilustração das matérias dando ênfase a descrição dos acontecimentos que envolvem grupos e pessoas. Fotografias de passeatas, pessoas em ação nas reuniões, moradores em destaque legitimam e concretizam a imagem informada no texto das matérias. (OLIVEIRA & FERREIRA, 2007).

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Surge a partir daí a compreensão dos dois focos de expressão da auto-imagem, aquele ligado ao movimento popular difundindo suas ações mais coletivas e destacando até mesmo dentro dessas atividades categorias em particular como: jovens, mulheres e idosos que fazem a luta do bairro e aquelas matérias que tomam sujeitos individuais, apresentados como vencedores em alguma área para valorizar seguimentos do bairro. Essas são encontradas em menor quantidade, porque ainda é apenas uma estratégia recente do site. Porém, conforme discutimos em pesquisa anterior, o foco da construção da auto-imagem em qualquer grupo de matérias é a elevação positiva do bairro e de seus moradores. (OLIVEIRA & FERREIRA, 2007).

No segundo momento dessa pesquisa, a questão da auto-imagem traz algumas reflexões: a primeira compreensão gradativa da percepção daqueles que elaboram o site de perceberem que fazem a construção de uma imagem positiva, necessária à realidade do bairro. Uma segunda compreensão desses atores, que afirmam poderem pautar a mídia comercial e uma terceira necessidade de conhecermos, qual é a imagem que os moradores do bairro têm de si. Com essas questões cremos abranger, não essa temática como um todo, mas seus focos mais centrais nesse universo do site e do bairro.

A construção da auto-imagem a princípio não é percebida por todos os comunicadores. Uma colaboradora do site, numa primeira entrevista, não consegue expressar que percebe essa proposta, embora concorde que o site deve mostrar coisas positivas da localidade.

Eu acho que a gente deve mostrar coisas boas, por exemplo, um festival de quadrilhas que é uma coisa linda das crianças são campeãs estaduais. Por exemplo, aquela jovem que ta na universidade e tem acesso a inúmeras boates. Não vai sair de sua casa pra vir na praça do bairro Ellery pra ver quadrilhas. Ai agente entrega o nosso espaço, ai a gente e que contribui pra criminalidade. O individualismo contribui pra que a gente de ocupe os espaços por medo. E ai a gente vai ter mais medo. (colaboradora do site, entrevista, 2008).

Embora a comunicadora popular destaque que é importante divulgar eventos positivos, aos quais ela denomina de coisas boas, quando indagada sobre a ação do bairro construir uma auto-imagem dos moradores, ela ressalta que o site não faz só isso, mas traz também noticias negativas. Percebemos que ela não tem uma opinião definida e clara sobre essa ação dessa mídia eletrônica. Entrevistada novamente em 2008, a mesma colaboradora apresenta uma opinião mais clara e afirma que:

O site é uma mídia alternativa que tenta mostrar o que as mídias comerciais consideram não vendável. Ele prioriza histórias de vidas de pessoas, a mobilização popular visando sempre uma melhoria da qualidade de vida dos moradores do bairro. (, produtora do site, entrevista, 2008).

Durante a pesquisa, vai surgindo a relação de que o site atua na construção da

auto-imagem em contraposição a apresentação que a mídia comercial faz das imagens das classes populares. Uma liderança do bairro, que aparece apenas como usuário desse espaço virtual, dada a exclusão digital comum as classes populares, percebe que o veículo eletrônico elabora a auto-imagem do bairro e acredita que essa é uma ação importante. O exemplo relatado pelo entrevistado ocorre, quando comenta uma notícia que o site divulga sobre um para-atleta famoso e morador do bairro.

No site saiu em primeira mão mostrando ele como grande nome do atletismo para-olimpíadas. Inclusive eu teci comentários sobre essa matéria que é muito importante para o Bairro Ellery, porque o camarada é do bairro e tem uma proximidade com a associação, já

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foi diretor da associação e é muito gratificante esse tipo de matéria porque eleva o nome do bairro. Inclusive eu tenho tecido alguns comentários em cada vez a gente procurar mais notícias localizadas no próprio bairro que a gente possa conhecer melhor o bairro Ellery. (com Liderança do bairro Ellery, entrevista, 2008).

A liderança acredita, inclusive, que o site está colaborando para que a mídia comercial aborde, não somente os momentos de violência vividos no bairro, mas também os eventos culturais, religiosos e de mobilização que a comunidade desenvolve.

O papel do site é muito importante nesse contexto, desse link com a mídia tradicional, porque eles têm acesso, eles olham e tal, e quando tem uma matéria que eles julgam ser interessante, eles ligam para o pessoal do site. Eu mesmo já recebi telefonema da mídia e pergunto: como vocês estão sabendo disso? Eles dizem tá no site de vocês. (Liderança do bairro Ellery, entrevista, 2008).

A afirmação do entrevistado pode ser checada no próprio site, quando

encontramos na mídia comercial, matérias que divulgam esse espaço virtual do Bairro Ellery. Uma das matérias da mídia comercial que divulga o site do bairro Ellery como referência de noticia foi publicada em um dos maiores jornais do Ceará, o jornal Diário do Nordeste.

ZONA CYBER - Bairros e vizinhos na web (Diário do Nordeste) No turbilhão de sites de relacionamento com milhões de usuários e acessos diários, como é o Orkut, outros se dedicam ao regional, à identidade nutrida pelos vizinhos de bairro. Em Fortaleza, três deles são bem servidos de informação, serviço e lazer por portais locais. Residentes do Conjunto Ceará, Bairro Ellery e Antônio Bezerra encontram na internet desde recados dos moradores, catálogos dos comércios da região a como fazer reivindicações a órgãos públicos. (Diário do Nordeste, (01/04/2007)).

Outra matéria que divulga o site tem como manchete: “Bairro Ellery e outras

comunidades de Fortaleza criam portais próprios e descobrem a internet como importante veículo de integração entre moradores”. (Folha do Ceará, 22/06/2007). Essa segunda matéria foi elaborada com a solicitação de um dos produtores do site, embora não demonstre a percepção que a mídia comercial tem desse veículo eletrônico, demonstra por sua vez, a compreensão que os movimentos sociais têm de usar a mídia comercial para construir uma imagem positiva da periferia urbana. Essa leitura é relevante porque comprova que os atores que constituem o movimento popular, embora criem seus meios de comunicação e saibam da importância desses, reconhecem que é a mídia comercial que tem maior visibilidade social. Essa compreensão comprova que os movimentos populares que criam mídias populares, não se fecham nesses canais, pois procuram dialogar constantemente com a mídia comercial, interlocutor hegemônico Dessa forma, justifica-se novamente, a ação da mídia popular em procurar pautar a mídia comercial que parece chegar mais próxima do seu público alvo. Para consolidar essa discussão, em que o site passa a divulgar uma imagem para a mídia comercial e chega a pautá-la, juntamente com a ação de divulgação elaborada pelas lideranças comunitárias, tomamos a notícia colocada no site sobre a realização da Paixão de Cristo no bairro. A matéria, elaborada por um grupo da igreja do Bairro Ellery, foi publicada em (19/03/2008) com a manchete: “Paixão de Cristo será encenada no bairro Ellery pela décima vez”. No dia do evento um dos jornais mais conhecidos da cidade faz a cobertura da encenação e divulgou: “Paixão de Cristo no bairro Ellery, apresentação feita por crianças comoveu” (Diário do Nordeste, 22/03/2006). O outro

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jornal mais reconhecido do estado, Jornal O Povo, chegou, inclusive, a entrar em contato através do e-maial do site, solicitando informações sobre o evento. Além da cobertura jornalística, a encenação foi a divulgada pela TV Jangadeiro e TV Diário, duas redes de televisão local que apresentam programas policiais em que a imagem da periferia é referida como cenas de violência. Percebemos uma mudança na pauta desses canais.

È importante ressaltar, que não estamos afirmando que essa pauta vai transformar a lógica da mídia comercial, mas destacando que a mídia popular se arma de todos os elementos, desde a utilização de meios de comunicação popular, até uma interlocução mais direta para tentar atingir a cobertura da mídia comercial e, conseqüentemente, chegar até seu alvo, os moradores da periferia.

Observamos que os produtores do site do bairro Ellery não têm definido uma ação para construir a auto-imagem do bairro, portanto, essa não é uma característica que nasceu com esse veículo, mas que faz parte da lógica dos movimentos sociais populares, e que por esse motivo, está aparecendo no site. Porém, a novidade é que não se constrói mais apenas a imagem elevada dos espaços organizados. Na verdade, por que isso ocorre? Uma parte da resposta está na realidade social dos bairros, na qual os movimentos atuam hoje. Essa realidade não reflete mais o contexto de pequenos focos de violência presente nos anos 70 e 80, a qual o movimento popular não tinha como demanda relevante. Atualmente, a urbanização acelerou os problemas sociais. Desse modo, não é mais válido para o movimento popular, procurar projetar unicamente sua própria imagem, mas a demanda maior é também, trabalhar com a construção da auto-imagem dos cenários e dos sujeitos no qual atua, pois essa imagem é cotidianamente desvalorizada por grande parte da mídia comercial, quando esta enfoca a violência ocorrida nas periferias, criando programas específicos para essa temática. 3. Diferentes olhares - o bairro olha para o bairro.

No tópico que discute a imagem que a comunidade tem de si mesma, tomamos os teóricos Elias e Scotison (2000) para iniciar nossa reflexão. Os dois são fundamentais para a base teórica dessa reflexão. Eles destacam que numa comunidade da periferia urbana, mais precisamente no povoado de Winston Parva, dois grupos de trabalhadores, com perfis socioeconômicos idênticos se opõem. De um lado, um grupo se apresenta como estabelecido e superior e do outro lado, se encontram os outsiders, inferiorizados e descriminados. Os estabelecidos se nomeiam o representante das tradições, em contraposição aqueles que chegaram depois os outsiders. Aqui a representação econômica não é a definidora do conflito. A oposição se constrói a partir da posse da tradição No entanto, na pesquisa que realizamos no Bairro Ellery, a oposição entre o lado identificado como tranqüilo e mais calmo do bairro, se oporá ao lado nomeado como mais carente, a favela, localizada, geograficamente, como a parte do canal.

Na representação dessa reflexão, sobre auto-imagem no Bairro Ellery, as questões econômicas permeiem a imagem construída sobre os atores sociais, identificados como excluídos e os aproximam da imagem negativa do bairro, também construída pela mídia comercial. A estratégia metodológica que estamos usando para verificar a imagem que o bairro tem de si, enquanto: cenário calmo ou violento, identificação da imagem do bairro na mídia comercial, desejos e sonhos que os moradores têm de imagens positivas para o bairro e finalmente, que local a comunidade identifica como violento, foi inicialmente realizada com uma amostra de 30

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questionários, que procurou ouvir uma variedade de moradores dos diferentes espaços sociais do bairro.Na pesquisa que estamos iniciando com os moradores, para descobrir a imagem que têm da comunidade, constatamos uma cisão clara entre o bairro mais estruturado financeiramente e calmo e o lado do bairro identificado como favela, carente e perigoso.

Dos 30 questionários aplicados, 15 nomearam o bairro de violento e calmo, 12 o identificaram como apenas violento e três como um lugar calmo. Porém, os lugares do bairro mais identificados como focos da violência foram o canal ou favela e a praça da igreja. As respostas que apresentam a praça da igreja como o lugar da violência foram dadas por respondentes jovens. Dos 30 questionários aplicados, 11 mencionaram a praça, entre os respondentes estavam pessoas ente 13 e 19 anos. Esse local foi identificado como lugar de encontro de jovens: “onde tem pessoas envolvidas nas drogas”, “onde os jovens se reúnem”, “Onde tem muitas brigas”. “15 questionários relataram que o canal é a parte mais violenta do bairro e justificaram que isso ocorre porque” é o lugar mais carente “, “por conta do desemprego, falta de oportunidade, pobreza”, “brigas de gangues”,” moram os menos esclarecidos, parte social sem cultura”. Entre os respondentes que apontaram o canal ou favela como local mais violento do Bairro Ellery, localizamos um público de maior idade, o mais novo contava com 24 anos e os mais velhos apresentavam uma média de idade entre 40 e 77 anos. Em nossa concepção, a referência a praça não afasta a questão da violência do outro contexto mais citado, o canal ou favela, pois esta se localiza muito próxima a essa região do bairro, mas concentra a identificação da violência aos jovens de forma mais direta. Entre as duas respostas, constatamos que a identificação da praça como o lugar da violência, relaciona esta temática como problemas das drogas, enquanto a identificação da violência com a favela associa esse lugar a problemas socioeconômicos (desemprego, carências sociais, educacionais, alcoolismo, drogas etc.). Nesse caso, essa identificação apresenta uma contextualização mais ampla para a problemática da violência.

Embora, a parte do canal seja menos tradicional no bairro, o que a torna identificada com uma imagem negativa, será sua posição de pobreza e relação com o local onde acontecem os conflitos sociais do bairro. Uma questão a se pensar é se a intenção de construção de uma auto-imagem do bairro, realizada pelo site, trabalha essencialmente a imagem positiva desse local ou generaliza essa questão para todo o bairro? Afinal esse espaço virtual fala diretamente com esses interlocutores ou não? E se fala como se dirige a esse público?

Entre as respostas que afirmam como gostaria que seu bairro aparecesse na televisão ou nos jornais impressos, a grande maioria menciona que desejaria uma imagem positiva de seu bairro: 23 questionários responderam que gostariam que o bairro aparecesse na mídia através da cobertura de festas religiosas e culturais, três disseram que gostariam que a mídia divulgasse as mobilizações e quatro questionários afirmaram que gostariam que a mídia divulgasse os problemas sociais que o bairro mais enfrenta. Essa última resposta identifica na mídia um espaço de reivindicação para as carências do bairro, mas também revela a vontade dos moradores de resolver esses problemas e tornar o espaço mais aceitável. Nesse mesmo sentido, 26 dos questionários deixaram claro que as pessoas preferem que a mídia desempenhe um papel positivo na construção da imagem do Bairro Ellery. Esse desejo, em construir uma imagem positiva para o bairro, se encontra com a ação desenvolvida pelo site, mas não necessariamente a reconhece ou a conhece.

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Quando observamos que o site procura apresentar uma imagem positiva do bairro, não constatamos logo de início a importância de compreendermos, como o bairro percebia a si próprio e a partir de que mecanismo construía essa visão que terá de si. No entanto, a aplicação dos questionários revela a comunidade assuma, na maioria das vezes, que a mídia divulga a imagem negativa do bairro: 20 questionários afirmaram que a mídia veicula notícias negativas sobre o bairro e apenas nove respostas disseram que a mídia difunde uma imagem positiva. Sempre que responderam a essa questão da imagem positiva, os moradores se referiram a cobertura de uma matéria ocorrida na Semana Santa, quando os jornais e a televisão fizeram a cobertura da Paixão de Cristo, encenada por crianças da comunidade. Desse modo, esse acontecimento teve uma certa influência sobre as respostas, pois a 15 dias da aplicação dos questionários, os veículos de comunicação comerciais, tinham realizado uma cobertura positiva desse evento.

Uma relação importante, para ser pensada, que aparece nos questionários, é quando um jovem de 15 anos responde que no bairro não há nada positivo a ser divulgado pela mídia. Essa resposta reflete a influência que a construção de uma imagem negativa ou sem destaque algum pode ter sobre o reconhecimento de si e do espaço. Se na mídia comercial não se tem a valorização das riquezas culturais da periferia, o resultado pode ser a desvalorização de si ou do lugar onde habita ou o não reconhecimento de qualidades nesse contexto.

À vontade que a comunidade tem de comunidade uma divulgação positiva do bairro, justifica mais ainda a proposta do espaço eletrônico e a descoberta de procurar atuar, tanto através dos meios de comunicação popular, quanto buscar pautar a mídia comercial que, possivelmente, chega mais próxima da totalidade de moradores do bairro.

Para a questão que indaga, se o site fala e como fala para os interlocutores que residem ou se encontram nos locais citados como focos de violência no bairro, destacamos que essa mídia popular não prioriza esses interlocutores em particular. Na verdade, a auto-imagem do bairro é trabalhada de forma genérica para todos os moradores como se todos tivessem as mesmas vivências sociais e culturais. Da mesma forma que o site não se dirige particularmente ao morador mais afetado pela desigualdade social, ele também não se comunica diretamente com os moradores de maior poder aquisitivo. Na verdade, a interlocução desse veículo eletrônico com os moradores, é concretizada a partir de argumentos que priorizam chamai-los de uma forma mais geral a valorizarem seu contexto social e cultural e a viverem de uma forma mais coletiva e integrada o cotidiano social do bairro. Não é intenção nem do movimento popular, nem do site trabalhar a partir da divisão social do bairro, mas se mobilizar para que essa divisão seja minimizada numa convivência mais conjunta. Essa é a proposta do movimento popular e desse espaço eletrônico. Como destaca José Aguinaldo Aguiar: "o site pode ficar provocando alguma coisa na sociedade porque a sociedade está abandonada” (Entrevista, 2006). Desse modo, essa mesma liderança e organizador do site destaca o objetivo do movimento popular e dessa mídia virtual em desenvolver uma interação mais coletiva na comunidade. A fala de Aguinaldo Aguiar reforça nossa hipótese de que o propósito do site é estimular uma convivência socialmente coletiva.

Ai depois teve a copa, nós fizemos uma campanha grande onde nós chamamos, Minha Rua é mais Brasil, uma disputa sadia entre as ruas pra vê qual a rua que se animava mais, não só nessa perspectiva de se animar, de se enfeitar, mas de aproveitar e integrar a comunidade. Eu acho que nesses momentos você tem que usar esses recursos assim pra estimular alguns

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comportamentos na questão ambiental, na convivência comunitária, algumas coisas positivas, porque as pessoas estão se fechando, ninguém conversa mais, ninguém vai pra calçada. Então essas coisas que bota o povo junto, que você mistura classe média e pobre. O bloco faz isso, o bloco ele pega o mais rico do bairro e bota junto com o ladrão, o cara que, com o ladrão do bairro. Então integrar na minha opinião é positivo. Tem algumas coisas que são invisíveis pra mídia, mas também pra sociedade. Há uma produção muito grande na sociedade, só que ela é ofuscada. (José aguinalkdo, entrevista, 2006).

Considerações finais

O site do Bairro Ellery já descobriu a necessidade de falar para a mídia comercial. Ele também se comunica com os moradores do bairro. Porém, o espaço virtual não faz uma interlocução particular ou distinta para os moradores a partir da divisão social do bairro, identificada na pesquisa como a separação entre lado calmo e o lado violento, favela ou lugar dos miseráveis. Essa mídia popular nega essa divisão e tem a utopia de reconstruir uma imagem mais integrada do bairro com uma convivência comunitária.

Concluímos ainda que se o movimento popular precisa reconstruir a auto-imagem de seu público alvo, o que está em destaque não é apenas o sucesso da construção dessa auto-imagem, mas a denúncia de uma mídia aliada à lógica hegemônica do discurso burguês, que desde o século XIX, apresenta as classes populares como despossuídas de valor seguimentos selvagens, contra o progresso, animais loucos e perigosos. Será com esse discurso histórico e com uma perspectiva utópica de união que o site dialoga afinal. Referencias bibliográfica CASTELS, MANOEL, A Sociedade em Rede (A era da Informação, economia, sociedade e cultura, vol. 1). São Paulo, Paz e Terra, 1999. . ELIAS, Norbert & SCOTSON, John L. Os Estabelecidos e os Outisiders .Editora Jorge Zahar, 2000 NUNES, Márcia Vidal. Novas tecnologias e cidadania: a internet como fator de politização ou de adequação das comunidades excluídas ao sistema produtivo? Universidade Federal do Ceará (memeo), 2006. OLIVEIRA, Catarina Tereza Farias de Oliveira. Escuta Sonora: recepção e cultura popular nas ondas das rádios comunitárias. Rio de Janeiro, editora E-papers, 2007. OLIVEIRA, Catarina Tereza Farias de & FERREIRA, Zoaria Nunes Dutra. Os Movimentos Sociais na Rede: Usos e Estratégias Comunicativas. Disponível em: http://www.comunicacaoempresarial.com.br/revista/05/artigos.asp OLIVEIRA, Catarina Tereza farias de & FERREIRA, Zoraia Nunes Dutra. Os Movimentos Sociais na Rede: Produção de Notícia e Valorização de Sujeitos. Disponível em: http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/artigos9_b.htm SORJ, Bernardo. [email protected], a luta contra a desigualdade na sociedade da informação. Rio de janeiro, Jorge Zahar, 2003. http://www.bairroellery.com.br

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16. ORALIDADE E ESCRITA EM MENSAGENS DE CELULAR

Débora HISSA e Neyardo ARAÚJO Universidade Estadual do Ceará – UECE Resumo

A partir da concepção de língua defendida por Marcuschi (2001) como fenômeno heterogêneo (com muitas formas de interpretação), variável, histórico e social, indeterminado sob o ponto de vista semântico e sintático (submetido às condições de produção) e que se manifesta em situações de uso concretas como texto e discurso, analisamos seqüências de mensagens de celular, a fim de confirmar a teoria de que as diferenças entre fala e escrita se dão dentro de um contínuo tipológico das práticas sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois pólos opostos. Baseados na perspectiva sociointeracionista defendida pelo autor, examinamos um corpus construído pelos alunos do Mestrado Acadêmico em Lingüística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará durante a disciplina Oralidade e Escrita, no semestre 2007.1, sob a orientação da Profa. Dra. Iúta Lerche Vieira, quanto às estratégias de formulação que determinam um contínuo de sobrepostos (oral e escrito), no qual observamos as semelhanças e diferenças que marcam as modalidades de fala e de escrita. Nosso ponto de análise foi o emprego do ponto final entre períodos e sua omissão no fim das mensagens. Além disso, foi observada a inconstância no uso de letra maiúscula após a pontuação no desfecho dos períodos. Partimos da hipótese de que o ponto final é utilizado sem levar em conta sua função determinada pela regra gramatical vigente, sendo usado apenas para indicar o término de um pensamento entre períodos, semelhantemente às pausas na fala, pois muitas vezes o seu uso não é observado no final das mensagens. Além disso, não há uma constância no emprego de letra maiúscula após a pontuação que finaliza o período. Após a análise dos dados, pôde-se observar realmente um grande número de ocorrências no que diz respeito à inconstância no uso de letra maiúscula depois da pontuação que finaliza o período e uma considerável inocorrência de pontuação no final das mensagens, o que pode sugerir que os usuários do gênero em questão não se prendem à norma gramatical com relação ao uso desses itens; apresentando, assim, esse gênero marcas de escrita e de oralidade. Palavras-chave: oralidade, escrita, contínuo dos sobrepostos.

Introdução Com o advento da internet e dos novos meios eletrônicos, criou-se um espaço

interativo que propiciou o aparecimento dos chamados gêneros digitais, desenvolvidos em um contexto de novas atividades lingüístico-cognitivas dos usuários das inovações tecnológicas. Entendemos que esses novos gêneros oferecem a possibilidade de rever conceitos tradicionais, principalmente no tocante à oralidade e à escrita.

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Na esfera digital, pode-se observar que há novas formas de escrita, as quais reproduzem estratégias da língua falada. Nesse âmbito, muito se falou sobre gêneros que envolvem a escrita eletrônica e suas marcas de oralidade, como os chats, os e-mails, os blogs, ou seja, aqueles que têm a internet como suporte essencial de interação discursiva, porém há poucos estudos que tratam de um novo gênero digital: as mensagens de celular.

Esse gênero, que tem como suporte o visor do aparelho celular com todos os seus parâmetros de formatação que lhes são peculiares, também apresenta algumas similaridades das características orais, embora seja desenvolvido na modalidade escrita.

Observamos nesse gênero digital uma forte tendência à utilização da linguagem informal, revelada pelo uso coloquial das formas e estruturas sintáticas, pela pouca preocupação com aspectos gramaticais, em termos de pontuação, ortografia, além de características particulares: uso de uma ortografia própria, com a criação de siglas, abreviaturas, estruturas frasais, além de uma re-significação dos sinais ortográficos da pontuação, nosso ponto de reflexão neste trabalho.

1. A pontuação e a argumentatividade textual

Os sinais de pontuação evoluíram ao longo da história do código escrito, quer no âmbito da sua apresentação gráfica, quer em relação às funções que lhes são atribuídas ou à sua utilização prática.

Considerando-se que a oralidade permeia toda a história do texto escrito, é possível apontar, nos critérios utilizados para o emprego da pontuação, uma relevante influência do critério prosódico.

Percebe-se que a prosódia tem também um papel de assegurar o sentido do texto, portanto os critérios prosódicos e sintáticos devem está em consonância com essa função, trabalhando como âncoras da construção da argumentatividade textual.

Assim, as pausas, as entonações (critério prosódico) e a segmentação da oração (critério sintático) concorrem para um objetivo maior: assegurar o sentido do texto. Em outras palavras, as pausas e as entonações possuem significado e a sua presença no texto indica o leitor para uma ou outra leitura, emergindo daí toda sua força argumentativa.

Considerando-se que os sinais de pontuação têm acompanhado o desenvolvimento da escrita, mudando através dos tempos, tanto na sua forma gráfica quanto na sua função e utilização, é possível estabelecer uma relação entre ambos, mesmo porque tais sinais são uma característica do texto escrito.

Entendemos que pausas e entonações são fortes marcadores da argumentatividade no texto, uma vez que auxiliam na construção dos sentidos textuais. Assim, segundo afirma Costa (1994, p. 24): “a pontuação tem-se desenvolvido no sentido de tornar a escrita mais representativa de fenômenos orais, enriquecendo a escrita em diversificação”.

2. Objetivo do trabalho

A partir da concepção de língua defendida por Marcuschi (2001) como fenômeno heterogêneo (com muitas formas de interpretação), variável, histórico e social, indeterminado sob o ponto de vista semântico e sintático (submetido às condições de produção) e que se manifesta em situações de uso concretas como texto e discurso, analisamos seqüências de mensagens de celular, a fim de confirmar a teoria de

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que as diferenças entre fala e escrita se dão dentro de um contínuo tipológico das práticas sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois pólos opostos.

Nosso ponto de análise foi o emprego do ponto final entre períodos e sua omissão no fim das mensagens. Além disso, foi observada a inconstância no uso de letra maiúscula após a pontuação no desfecho dos períodos.

3. Hipótese

Partimos da hipótese de que o ponto final é utilizado sem levar em conta sua função determinada pela regra gramatical vigente, sendo usado apenas para indicar o término de um pensamento entre períodos, semelhantemente às pausas na fala, pois muitas vezes o seu uso não é observado no final das mensagens. Além disso, não há uma constância no emprego de letra maiúscula após a pontuação que finaliza o período. 4. Metodologia

Baseados na perspectiva sociointeracionista defendida pelo autor, examinamos um corpus construído pelos alunos do Mestrado Acadêmico em Lingüística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará durante a disciplina Oralidade e Escrita, no semestre 2007.1, sob a orientação da Profa. Dra. Iúta Lerche Vieira, quanto às estratégias de formulação que determinam um contínuo de sobrepostos (oral e escrito), no qual observamos as semelhanças e diferenças que marcam as modalidades de fala e de escrita. Em nosso trabalho, analisamos um total de 55 seqüências, acervo reunido pelos alunos da disciplina Oralidade e Escrita do Mestrado Acadêmico em Lingüística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará e enviado para o e-mail [email protected]. Para facilitar a análise das mensagens, criamos uma nomenclatura específica com sua respectiva numeração e descrição:

(1) Inconstância na ocorrência de letra maiúscula após a pontuação que finaliza o período.

(2) Uso do ponto de exclamação no final de período. (3) Maior ocorrência de pontuação no final dos períodos e menor ocorrência no final

das mensagens. (4) Uso das reticências no final de período. (5) Início do texto com letra minúscula. (6) Pontuação correspondente ao uso na escrita padrão no final da seqüência. (7) Tentativa de expressar marca da oralidade pelo excesso de pontos de

exclamação.

5. Análise das Mensagens

A seguir, serão expostos alguns exemplos de seqüências comunicativas, nas quais foram observados os tipos e a freqüência das pontuações utilizadas. Ao final de cada seqüência, haverá a numeração correspondente no tocante à observação das marcas de pontuação.

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TAREFA APLICATIVA (I): ANÁLISE DE MENSAGENS DE CELU LAR

TURNO I Mensagens trocadas entre colegas de trabalho; informante feminina, por volta de 34 anos. Contexto: eleições na URCA.

REC.: 25/05/07, 11:59 Plácido é reitor (3) ENV.: 25/05/07, 12:08 Hehe ainda bem! E o governador vai acatar esse resultado? bjim e parabens!!! (1) (7) REC.: 25/05/07, 13:56 Reitor eleito reitor empossado. O governador esta com plácido.(6) ENV.: 25/05/07, 14:02 De quem e esse numero? Pensei q fosse do edson! Hehehe diz ai quem e tu. bjim (1)(3) REC.: 25/05/07, 14:13 E sandra espinola. Achei q tinha te dado meu novo numero. Um cheiro (3) ENV.: 25/05/07, 14:15 Ah não tinha naum! parabens sandrinha! Infelizmente nao pude ir votar pq tive aula ontem a tarde. um abraço p vcs todos! (1)

TURNO II Mensagens trocadas entre amigas que perderam um pouco o contato; informante feminina, por volta de 23 anos. Contexto: notícias informais.

REC.: 24/05/07, 20:08 Um amigo é um presente precioso, um ser incrivel com quem se partilha silencios, alegrias e a propria existencia. Podem passar os anos podem surgir distancias mas as marcas de uma amizade ficam para sempre no coração. Como vai nos estudos? Ta gostando de Fortaleza? Tou p enlouquecer com tanta coisa p fazer, mas tou gostando. E as novidades? Beijos!! (7) ENV.(1): 24/05/07, 20:44 Adorei a msg mas nao identifiquei o numero! Tb to p enlokecer com tanta coisa p estudar e artigo p escrever! Desculpa mas quem e vc? bjim (1)(3)

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ENV.(2): 24/05/07, 20:45 Ja sei, lidiane. acertei? (1) REC.: 24/05/07, 20:47 Sim sou eu mesma. Tbem ta uma loucura so, hj fiz uma prova daquelas. Tou usando um chip do Pernambuco q e 8196970724, mas cm tenho o chip d Ceara as vezes uso p nao perde o numero. Vai ao Crato qdo? Eu so em julho, mas nem vou demorar muito, pq vou começar a parte de campo em julho. Bjs. (6) ENV.: 24/05/07, 21:02 Axo q vou p crato em junho p uns 2 dias. Hj houve eleicao p reitor la: ze nilton e placido. my sobrinha e linda! Hehe entra em meu orkut e veja. bjim e boa sort (1)(3) REC.: 24/05/07, 21:04 ok, no fim d semana vou da uma olhadinha, nas fotos. Boa noite. Bjs. (5)(6)

TOTAL DE TURNOS: 12

(1) Inconstância na ocorrência de letra maiúscula posterior à pontuação que finaliza

o período. (6 turnos) (2) O ponto de exclamação desempenhando a função do ponto final. (nenhum turno) (3) Existe maior ocorrência de pontuação no final dos períodos, mas há menor

ocorrência no final das mensagens. (5 turnos) (4) Reticências desempenhando a função de ponto final. (nenhum turno) (5) Início do texto com letra minúscula. (1 turno) (6) Pontuação correspondente ao uso na escrita padrão no final do turno. (3 turnos) (7) Tentativa de expressar marca da oralidade pelo excesso de pontos de

exclamação (2 turnos)

TAREFA APLICATIVA (II): ANÁLISE DE MENSAGENS DE CEL ULAR

TURNO I Mensagens trocadas entre amigas; informante feminina, 24 anos. Contexto informal. REC.: 13/05/07, 17:57 (1) Oi amiga, como foi o jogo? ja ta sabendo da programação da expo Crato? ta mto boa. Eu to ansiosa pra chegar logo. um bjim. O CHITAO vai ser dia 7. (1) (6) ENV.: 13/05/07, 18:11 (2) O jogo foi td de bom. sim a expo vai ser 10! vou p sp amanha passar uma semana la, so passeio msm. Bjim (1) (2) (3) REC.: 13/05/07, 18:28

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(3) Amiga Nao humilha ta. brincadeira, uma otima viagem pra vc. e traz presente. rsrs. boa viagem. aproveita. (1) (6) ENV.: 13/05/07, 18:29 (4) O q vc ker? uma garoa? kkk obrigada, amiga. bjos pra vc. (1) (6)

TURNO II Mensagens trocadas entre amigos; informante masculino, 39 anos. Contexto informal. REC.: 15/05/07, 18:09 (5) Amiga, to mto inseguro e cheio de preocupacoes c família. Nao sei como sera amanha. E sem vc aki... Motivacao ZERO. Buaaa ( mais um ícone chorando) (3) (4) ENV.: 15/05/07, 18:10 (6) Ai diz isso nao! q houve com tua familia? xx (1) REC.:15/05/07, 18:14 (7) Minha tia avo morreu. So tem minha avo viva dos 7 irmaos. E ela não ta bem. Amanha nao sei o q vai ser... (4) ENV.: 15/05/07, 18:15 (8) Ai q ruim amigo! sinto mto: essa situation e mto complicada msm. Mas procure forcas e va fz o concurso pq assim vc se sentira melhor. boa sorte, torso p vc! xx (1)

TURNO III Mensagens trocadas entre irmãs; informante feminina, 26 anos. Contexto informal. ENV.: 23?05/07, 21:11

(9) Ze d alberto morreu? julio me mandou um scrap mas nao disse a causa. qd foi? e d q? tu ta melhor d dor no braco? Bjim (1) (3) REC.: 24/05/07, 12:01 (10) Foi d coracao. Eu to boa. Luis Pereira irmao de Dede de Joanide faleceu hj de parada cardiaca. Tu vem quando? (6) ENV.: (1) 24?05/07, 12:13 (11) Axo q so vou na prox 5a mesmo pq vou ter a 1a week d junho d folga.ai p eu ir nesse e no outro sai caro. levo os lencinhos d Lele, ta? to morrendo d saudad dela. (1) (6) ENV.: (2) 24?05/07, 12:15 (12) Aki ta xovendo desde a madrugada, e agora tem xuva e sol. Morte rapid d ze, ne? os lencinhos tem perfume diferents? dan já voltou d crato? bjim a todos. (1) (6)

REC.: 24/05/07, 12:16

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(13) Dan so vem amanha. Aki forma o tempo e nada de chuva. Eu volto a trabalhar na segunda. (6) ENV.: 24?05/07, 12:22 (14) Ja deve ta com saudades d Lele, ne? hehe eu tb ficaria. ve se tu consegue registra-la. Keria q vcs viessem passar uns dias aki em julho, mas ela prec de registro. (1) (6)

TURNO IV Mensagens trocadas entre amigas; informante feminina, 28 anos. Contexto informal. REC.: 25/05/07, 09:49 (15) Buabua ja acordei to na faxina.. mt frio gata. q ta fznd? miss u.x (1) (3) (4) ENV.: 25?05/07, 09:52 (16) Hehe to na faxina tb! pensei q vc ainda tava dormindo. hj ta um lindo dia de sol, bom p praia. Hehe bjim e bom dia, linda (1) (2) (3) ENV.: 25?05/07, 12:10 (17) Ta na faxina ainda? a minha terminei faz tempo. ja fui a academia. Vou tomar banho, vou ao banco e a tard vou p uma defesa na uece. bjim,saudades. (1) (6) REC.: 25/05/07, 12:12 (18) Acabei, to fznd o speech p tel, a tard v na minha amiga, fofokar um pokim, mt frio aki gata. Saudades (3)

TOTAL DE TURNOS: 18

(1) Inconstância na ocorrência de letra maiúscula posterior à pontuação que finaliza

o período. (13 turnos) (2) O ponto de exclamação desempenhando a função do ponto final. (2 turnos) (3) Existe maior ocorrência de pontuação no final dos períodos, mas há menor

ocorrência no final das mensagens. (6 turnos) (4) Reticências desempenhando a função de ponto final. (3 turnos) (5) Início do texto com letra minúscula. (nenhum turno) (6) Pontuação correspondente ao uso na escrita padrão no final do turno. (9 turnos)

(7) Tentativa de expressar marca da oralidade pelo excesso de pontos de exclamação (nenhum turno) TOTAL DE TURNOS ANALISADOS NO TRABALHO: 55

(1) Inconstância na ocorrência de letra maiúscula posterior à pontuação que finaliza o período. (25 turnos)

(2) O ponto de exclamação desempenhando a função do ponto final. (4 turnos) (3) Existe maior ocorrência de pontuação no final dos períodos, mas há menor

ocorrência no final das mensagens. (17 turnos) (4) Reticências desempenhando a função de ponto final. (7 turnos)

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(5) Início do texto com letra minúscula. (7 turnos) (6) Pontuação correspondente ao uso na escrita padrão no final do turno. (24 turnos)

(7) Tentativa de expressar marca da oralidade pelo excesso de pontos de exclamação (5 turnos)

Considerações Finais

Após a análise dos dados, pôde-se observar realmente um grande número de ocorrências no que diz respeito à inconstância no uso de letra maiúscula depois da pontuação que finaliza o período e uma considerável inocorrência de pontuação no final das mensagens, o que pode sugerir que os usuários do gênero em questão não se prendem à norma gramatical com relação ao uso desses itens; apresentando, assim, esse gênero marcas de escrita e de oralidade.

Conforme Perera (1984), essas formas gramaticais são próprias do texto escrito, sem correspondência na fala. Entretanto, dentro da idéia de contínuos sobrepostos entre fala e escrita, proposta por Marcuschi (2000), a comunicação através do gênero mensagem de celular, à semelhança do que ocorre na fala em termos de velocidade, também requer rapidez, que possivelmente se manifeste por meio dessa não utilização de letra maiúscula em início de frases e falta de pontuação para indicar o término da mensagem. Vale considerar, ainda, que há aparelhos de celular programados para usar a letra maiúscula no início de períodos, o que pode implicar que a presença de letra maiúscula nos demais turnos se deva a tal mecanismo. Nos turnos analisados, percebemos que o ponto final de várias mensagens foi negligenciado ou substituído por reticências ou pontos de exclamação. Em nossas discussões, observamos que a negligencia do ponto ao final em algumas mensagens se dá pela rapidez deste novo modo de enunciação, subtendendo-se que a mensagem foi concluída não necessitando de mais artifícios ortográficos para delimitar o fim do assunto. Após a análise do Corpus, percebeu-se uma atitude pessoal quanto ao uso da pontuação, possivelmente usada como meio de efeitos expressivos característicos da fala, como entonação e valorização das idéias. Ao optar pelo uso ou não da pontuação, o usuário das mensagens parece estar mais atento às idéias do que às regras prescritivas de bom uso da pontuação. Trata-se de um gênero digital flexível para ser usado com liberdade lingüística e com pouca preocupação às prescrições gramaticais, no qual se utilizam as regras necessárias para permitir a interação interpessoal satisfatória com os demais participantes da enunciação. Em se tratando de gêneros digitais, um dos aspectos bastante salientados pelos estudiosos é o que diz respeito à nova relação com a escrita que eles propiciam, pois em tudo leva a crer que está se construindo um novo formato de escrita com uma relação mais interligada com a oralidade, o que vem a mudar conceitos no que toca aspectos sistêmicos como a fonologia, a morfologia e a sintaxe. Como professores e pesquisadores, devemos ter consciência dessas novas mudanças no trabalho com a linguagem e dos novos letramentos que surgem a partir da interação sociocultural a que estamos inseridos no dia-a-dia para podermos realizar nossas atividades como lingüistas dentro do processo de formação escrita e leitora de nossos alunos. Bibliografia

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COSTA, M. R. A Pontuação. Porto: Porto Editora, 1994. GURPILHARES, M. S. S. A influência do oral na pontuação. In: CASTRO, S. T. R. de. (org.) Pesquisas em Lingüística Aplicada: Novas Contribuições.Taubaté, SP: Cabra1 Editora e Livraria Universitária, 2003. p. 225-241. MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001. PERERA, K. Children´s writing and reading. New York: Brasil, Blackwell, 1984.

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17. MOVIMENTOS ECOLÓGICOS: USOS EDUCATIVOS DA WEB

Zoraia Nunes Dutra FERREIRA Faculdade Evolutivo (FACE) Resumo

Os movimentos sociais, ao longo do tempo, têm ampliado o seu foco de

interesse migrando da análise de questões mais imediatas do cotidiano para questões mais gerais como memória, cultura e ecologia. Neste contexto, os movimentos ecológicos surgem com grande força e permitem a expressão de novos atores sociais, novos diálogos com a sociedade e a possibilidade de mudanças culturais e de modos de vida. Para divulgar suas idéias, fazem uso das mais diferentes interfaces comunicativas, apropriam-se das facilidades oferecidas pela tecnologia e ainda criam novas formas de passar a mensagem. Este trabalho tem profundas relações com pesquisa15 iniciada em 2006 tendo como objeto de estudo o Site do Bairro Ellery (www.bairroellery.com.br), localizado na Zona Norte de Fortaleza. Em um primeiro momento procurou-se entender os usos que os movimentos sociais e organizações não-governamentais, ONG´s, estão fazendo da WEB 16. Em um segundo momento da pesquisa, uma profunda análise das notícias veiculadas no Site foi realizada e a forma como estas atuavam na construção de uma auto-imagem positiva, tanto coletiva como individualmente. No presente trabalho, nos deteremos à questão da ecologia, analisando o Movimento de Revitalização do Pólo de Lazer da Sargento Hermínio e o Movimento de Urbanização do açude João Lopes, ambos no Bairro Ellery e verificando como o Movimento e o Site se interrelacionam. Confirmamos neste trabalho o que já havíamos percebido em pesquisa anterior que é o importantíssimo papel do Site do Bairro Ellery como elemento aglutinador e disseminador de toda essa efervescência que há no Bairro. A metodologia da pesquisa optou por fazer uma análise temática das notícias relativas às manifestações ecológicas. Palavras-Chave: Movimentos Sociais; Movimentos Ecológicos; Sociedade; WEB

Introdução

Este trabalho tem como objeto de estudo um movimento ambiental que atua na periferia de Fortaleza e que se chama Movimento pela Revitalização do Pólo de Lazer da Sargento Hermínio. Este tem como objetivo principal a proteção e revitalização de uma das últimas áreas verdes da Zona Oeste da cidade, o Pólo de Lazer da Av. Sargento Hermínio. Nasceu em um bairro profundamente marcado pelas lutas sociais e também com larga experiência comunicativa, o Bairro Ellery. Nosso olhar para o Movimento está voltado principalmente para as estratégias comunicativas que este tem criado a fim de estabelecer um diálogo com a comunidade, com a mídia comercial e com o poder público e que suportes tem tido ao longo deste processo.

15 Pesquisa ainda em processo de realização pela Profª Doutora Catarina Tereza Oliveira Farias e por Zoraia Nunes D. Ferreira. 16 Mais sobre o assunto em http://www.comunicacaoempresarial.com.br/revista/05/artigos.asp

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Em um primeiro momento, faremos uma análise da trajetória dos movimentos sociais urbanos em Fortaleza para que possamos perceber como estes foram migrando de questões mais imediatas para questões mais gerais. É justamente nesse processo de mudança de foco que surge a questão ecológica.

Abordaremos também a trajetória do movimento ambiental e ecológico no Brasil e no mundo, que surgiu como um contraponto à lógica do capital e do consumo e ao processo desenfreado de globalização. Falaremos sobre a mais nova experiência comunicativa vivenciada pelos moradores do Bairro Ellery, que é o site www.bairroellery.com.br. O site surge como uma alternativa para continuar a discussão sobre os problemas do Bairro, suas conquistas e anseios. Esta mídia tem estreita ligação com o Movimento pela Revitalização do Pólo e perceberemos como acontece esta interrelação.

O site será nossa porta de entrada para o Bairro. Faremos um passeio por ele com os olhos voltados para os problemas ambientais que enfrenta e como tem se mobilizado para a solução destas questões.

1.0 Movimentos Sociais Urbanos – Quebrando o Silêncio

Os Movimentos Sociais Urbanos surgem na cena brasileira em pleno período de redemocratização. Segundo Claudette Pagotto (2006) ganharam reconhecimento de sua legitimidade e de suas reivindicações nas décadas de 70 e 80, estabelecendo com isso a necessidade de diálogo político. Irlys Barreira (1992) coloca que esses movimentos são “signatários de uma certa utopia da gestão igualitária” e que “recolocaram o dilema das metrópoles em seu crescimento desordenado.”(BARREIRA, 1992, p.11)

Paulo Afonso Barbosa de Brito, consultor da série “Salto para o Futuro” da TVE Brasil, define esses movimentos como sendo:

Agrupamento de pessoas, geralmente das classes populares ou de grupos minoritários (no sentido de serem destituídos de poder) e discriminados, que agem coletivamente, com algum método, realizam parcerias e alianças, abrem diálogos e negociações com interlocutores, como processos articulados para conquistas de direitos e exercício de cidadania. (http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2005/ems/meio.htm)

Os Movimentos Sociais Urbanos foram responsáveis por garantir melhorias na

qualidade de vida dos indivíduos vítimas dos problemas típicos da expansão das metrópoles e devido a isso empurrados para as zonas periféricas. Eder Sader (1988), coloca que esses movimentos “irrompiam na cena pública reivindicando seus direitos, a começar pelo primeiro, pelo direito de reivindicar direitos” (SADER, 1988, p.26) Segundo Barreira (1992) este é o momento em que pessoas comuns como donas de casa e moradores de favelas saíram às ruas para reclamar melhores condições de vida e moradia.

Apesar do protagonismo nestes momentos, não foi sempre que esses atores sociais ocuparam o palco de forma tão significativa e com tanta força. As mobilizações no período de 1960-1964 em Fortaleza apareciam principalmente através do movimento sindical focado na luta pelos direitos trabalhistas, reflexo do que ocorria nacionalmente. Devido a essa força do Movimento Sindical, o movimento de bairro, embora existisse, não era tão visto. Sobre isso Barreira (1992) diz que:

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O período 60-64 caracterizou-se por fazer convergir os movimentos na esfera sindical, numa ressonância do quadro genérico de mobilizações ocorrentes no país, com o caráter peculiar de formação da classe operária local em luta por direitos trabalhistas que regulamentavam o processo de compra e venda da força de trabalho ao lado de greves de caráter político. (BARREIRA, 1992, p.21)

Com a repressão dos anos de chumbo, parte da História recente de nosso país, as

organizações sindicais foram perseguidas e desarticuladas e os protestos deram lugar ao silêncio. É neste contexto que começam a haver mudanças em um cotidiano aparentemente dominado pelo autoritarismo e pelas forças elitistas. Novos atores rompem este silêncio e ocupam seu lugar na cena pública. Segundo Barreira (1992), o movimento de bairro configura-se a partir deste momento como uma “reorganização de espaços de lutas desarticulados face ao regime autoritário” (BARREIRA, 1992, p.23)

A periferia passa a ser vista como evidenciadora das desigualdades, da pobreza e da dignidade desrespeitada em nome do desenvolvimento urbano e da modernidade. A cena cotidiana passa a ter importância, e este cotidiano, segundo Sader (1988) passa a ser visto como “lugar de resistência, base de onde surge um projeto autônomo das classes subalternas” (SADER, 1988, p.141). Para o autor esse projeto se faz livre dos discursos elitistas. Essa noção de autonomia apresentada por Sader (1988) será revista posteriormente em momentos em que os movimentos sociais passam a dialogar mais de perto com o Estado. É desta forma que o silêncio, imposto pela repressão, é quebrado e novas formas de sociabilidade cotidianas são descobertas. Uma suposta fragilidade da sociedade civil começa a ser questionada e os caminhos em busca da democracia são revitalizados. 2.0 Novos Horizontes de Lutas

É comum ouvirmos hoje que há uma crise nos movimentos populares e que estes foram tomados por uma apatia. Fala-se em uma descrença por parte da população que não mais se mobilizaria na luta por causas coletivas. A vez agora seria do individualismo. Mas será que é isso mesmo que ocorre, ou melhor, será que é só isso que ocorre?

Os anos 70 e 80 foram de grandes mobilizações e através delas grandes conquistas se verificaram. Era um momento de total efervescência. Maria da Glória Gohn (1994) diz que a grande conquista deste momento histórico foi a instauração de uma “nova racionalidade no social” (GOHN, 1994, p.98), onde pessoas comuns passaram a participar da discussão de questões que lhes diziam respeito. Passaram a ter voz e assumiram uma nova postura na sociedade.

Essa conquista principal não é algo material, logo não é perecível. Essa nova racionalidade, essa nova mentalidade e forma de pensar o social e do próprio indivíduo se ver, continua viva permeando outros tipo de ações. Surgiu àquela época um poder transformador que não se extinguiu, apenas mudou sua forma de apresentação. As idéias continuam a persistir embora as práticas possam ter mudado. No campo da comunicação popular, as radiadoras, jornais comunitários e depois rádios e TV´s comunitárias se tornam exemplos dessa nova expressão. Na periferia de Fortaleza isso se torna visível através da criação de núcleos de defesa da mulher, de centros culturais como o Espaço Cultural Frei Tito de Alencar (Escuta) e de ONG´s como o Movimento

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de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim (MSMCBJ), o Centro de Defesa da Vida Herbert Viana (CDVHS) e do Banco Palmas, isso só para citar alguns.

Não podemos negar um certo grau de apatia e desmobilização dos movimentos. Gohn (1994) vê uma crise parcial e diz que esta crise “está instalada em certos ramos dos movimentos, mais precisamente nos de ordem popular” e que isto não é motivo de admiração já que “uma das características básicas de todo movimento social, quer popular ou não, é seu fluxo e refluxo” (GOHN, 1994,p.101)

Como nova forma de apresentação do poder transformador do qual falamos, temos também os movimentos ecológicos, herdeiros do legado deixado pelos movimentos sociais urbanos das décadas de 70 e 80. Sobre os movimentos ecológicos, Gohn (1994) diz que estes não estão em crise e sim em ascensão e que “são, certamente, uma das grandes frentes de mobilização no século XXI” (idem)

Veremos através do Site do Bairro Ellery esse processo de migração de interesses por parte dos movimentos sociais urbanos e as novas estratégias utilizadas para que os objetivos sejam alcançados. O Site em si já é fruto destas mudanças dentro dos movimentos. Estes não ficam mais a mercê apenas dos olhares da grande mídia, muitas vezes norteada por pré-conceitos. Tomando posse dos avanços tecnológicos, como fizeram com o rádio e os impressos, eles comprovam mais uma vez que são capazes de criar sua própria mídia que propicia sua expressão sem distorções. Aliás, como veremos mais adiante, as experiências comunicativas tem permeado essa comunidade. 3.0 A Questão Ecológica – O Despertar do Mundo

A espécie humana parece não fazer jus à descrição de ser a mais desenvolvida de todas quando a questão é cuidar de sua própria casa, de seu próprio habitat. Nossa intervenção no meio ambiente, com o intuito de tornar nossas vidas mais confortáveis, terminam por causar verdadeiras catástrofes com dimensões ainda não totalmente conhecidas. Terminamos nos tornando vítimas de nós mesmos.

O desenvolvimento tecnológico tem sido um dos principais vilões das agressões à natureza. Sobre isso Samuel Murgel Branco diz que:

À medida que a espécie humana foi desenvolvendo novas tecnologias e ampliando seu domínio sobre os elementos e a natureza em geral, os impactos ambientais foram se ampliando em intensidade e extensão. (BRANCO, 1997, p.20)

As ações humanas de degradação do meio ambiente levaram alguns grupos a uma reação contrária, a um despertar do que hoje chamamos de consciência ecológica.

O movimento ecológico se inicia no mundo na década de 60 em um contexto de surgimento de vários outros movimentos sociais protagonizados por minorias, como mulheres e negros. Era o momento também em que, segundo Carlos Walter Porto Gonçalves (2000, p.10), “o movimento operário constituía o eixo em torno do qual se fazia a crítica teórica e prática da ordem instituída e o capitalismo aparecia como a causa de todos os males com que os homens se defrontavam”. A grande novidade que esses movimentos trouxeram foi o fato de criticar não só o modo de produção, mas o modo de vida, as questões presentes e a inserir as ações do cotidiano como centro de questionamentos.

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Gonçalves (2000) afirma ainda que “é como se observássemos um deslocamento do plano temporal (história,futuro) para o espacial (o quadro de vida, o aqui e o agora)” e que “talvez nenhum outro movimento social tenha levado tão a fundo essa idéia, na verdade essa prática, de questionamento das condições presentes de vida”. (Gonçalves,2000,p.12)

3.1 A Hora do Brasil Acordar

O Brasil é o país da América Latina onde os movimentos ecológicos nascem mais cedo. Segundo Gonçalves (2000) o movimento ecológico emerge no Brasil na década de 70 em um contexto ditatorial que se abateu sobre o movimento sindical e estudantil. A exemplo do que vimos que ocorreu com o movimento de bairros, quando algumas portas se fecham, parece que novos focos se abrem.

O contexto histórico, em termos bem gerais, era o da esquerda lutando contra o imperialismo e o considerando responsável pelo nosso subdesenvolvimento e da direita abrindo as portas do país para o capital estrangeiro, considerando que este seria o grande passo para nosso desenvolvimento. O país estava dominado pelas elites e segundo Gonçalves (2000, p.14), “as elites dominantes em nosso país não tinham tradição de respeito seja pela natureza, seja pelos que trabalham”.

Como vimos anteriormente, a preocupação ecológica já se alastrava no mundo causando uma pressão a nível internacional. Isso fez com que o Brasil se apressasse para criar instituições voltadas para o meio ambiente. Gonçalves (2000), coloca que o interesse do Estado era tão somente em garantir os investimentos estrangeiros que só chegariam caso essas medidas ambientais fossem tomadas, ou seja, não existia realmente uma consciência de cuidado com o meio ambiente.

Em artigo do site da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo de Campinas, (http://www.fec.unicamp.br/~bdta/premissas/historico.htm), vemos algumas dessas medidas legalistas como a realização em 1934 da primeira conferência brasileira de proteção à natureza que deu surgimento ao primeiro documento legal ambiental brasileiro, o Código das Águas. Ainda na década de 30, ocorre a criação do Parque Nacional de Itatiaia (RJ) e o decreto lei de nº 25 de 30 de Novembro organizando o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Em 1940 é a vez do Código das Minas, de acordo com o qual, o proprietário tinha o dever de evitar a poluição e conservar o meio. O Estatuto da Terra data de 1964 e define a função social da terra. Em 1965 surgiu Código Florestal e através dele vem o reconhecimento de que as florestas e demais formas de vegetação são bens de interesse comum a todos os cidadãos brasileiros. A luta ecológica verdadeiramente movida por idéias de mudanças profundas no modo de vida e na cultura de nossa sociedade teve grande impulso somente com a Anistia. Gonçalves (2000) coloca que o retorno ao Brasil de exilados políticos que vivenciaram os movimentos ambientalistas europeus trouxe grande enriquecimento aos que aqui estavam.

De lá para cá o interesse por essas questões tem sido crescente. Partidos políticos “verdes” tem surgido, a sociedade civil tem se mobilizado e as empresas têm realizado diversas estratégias de marketing e publicidade a fim de ligar suas marcas à responsabilidade sócio-ambiental.

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O grande desafio parece ser o de dar continuidade ao processo de desenvolvimento a fim de suprir as necessidades desta geração sem comprometer a capacidade das gerações seguintes de também suprir as suas.

É interessante refletirmos sobre o que Branco (1997) coloca a respeito da palavra desenvolver. Ele diz que: “A palavra “desenvolver”, na sua origem, tem o sentido de “desembrulhar”, “desenrolar”, “libertar” ou “expandir uma coisa que estava embrulhada ou envolvida” (BRANCO, 1997, p.88). Talvez precisemos dar uma parada neste “desembrulhar” e procurar formas mais humanas de fazê-lo. O nosso habitat agora precisa ser novamente envolvido de cuidados e atenção para que pare de agonizar. Pode ser justamente este o sentimento das pessoas quando estas envolvem árvores, praças ou bosques com seus abraços.

4.0 O Site do Bairro Ellery

O Bairro Ellery faz parte da periferia de Fortaleza, localizando-se na Zona Norte da cidade e tem sua história, de mais de meio século, marcada pelas lutas sociais e pelas dificuldades comuns à periferia.17

A comunicação também é parte desta história. As experiências comunicativas vividas pelo bairro não foram poucas.

No Bairro Ellery, a utilização de meios de comunicação seguiu a trajetória dos movimentos sociais urbanos emergentes na segunda metade dos anos 70 e início da década de 80. Esse foi um período no qual as manifestações populares editaram seus jornais comunitários e criaram suas radiadoras. Na década de 90 muitas das experiências com as radiadoras se transformaram em rádios comunitárias FM’s, entretanto, com o fechamento da maioria delas, têm surgido novas experiências comunicativas. A utilização da internet e a criação de site é uma dessas novidades. (OLIVEIRA & FERREIRA, 2007 )

Criado há dois anos, o Site do Bairro Ellery pode ser visto como uma ação que dá seqüência a essa vocação comunicativa do Bairro. Decididamente estas pessoas não estão dispostas a deixar de expressar suas idéias e lançam mão de novas estratégias para isso. O Site, “é um campo rico com as mais diversas atrações e expressões do movimento popular do bairro e das atividades cotidianas vividas por muitos de seus moradores” (OLIVEIRA & FERREIRA, 2007).

Esse movimento popular, como dissemos anteriormente, modificou-se e essas mudanças são perceptíveis através do Site. Aguinaldo Aguiar, um dos produtores do Site e seu principal articulador deixa claro em sua fala essa mudança de foco dos movimentos sociais ao longo do tempo:

As associações, não apenas essas contribuíram pra isso, pro desenvolvimento do bairro, melhorou o padrão arquitetônico e as pessoas passaram, eu acho que a viver melhor, nesses aspectos das condições do bairro, o problema do desemprego, a violência tudo isso continua. Aí quando o povo conseguiu isso, as associações e o movimento comunitário não percebeu havia novas lutas, o meio ambiente, o problema cultural. O bloco, o site, são esforços do movimento comunitário não se acabar, são novas formas

17 Mais sobre este assunto no livro: Escuta Sonora – Recepção e Cultura Popular nas Ondas das Rádios Comunitárias de Catarina Oliveira.

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de atuação. Há uma tentativa de buscar novas formas de luta, na área da cultura, na área da comunicação. O bairro não comporta mais aquela associação que ocupa terra, porque nem há mais isso aqui. (Aguinaldo Aguiar, líder comunitário, entrevista, 2006).

Alguns links demonstram as novas áreas de atuação do movimento popular:

mobilizações de valorização da mulher, aproximação do movimento popular com grupos de expressão cultural, movimentos ecológicos, dentre outros. Neste trabalho dois nos interessam diretamente: “Urbanização do Açude João Lopes” e “Revitalização do Pólo de Lazer”. Ambos estão diretamente relacionados com a temática ecológica que parece recente no âmbito dos movimentos sociais localizados na periferia.

Vemos também que o Site não é apenas palco de discussão dos problemas do Bairro ou de reivindicação, há também a atenção com relação a contribuir para o processo de informação, formação, educação e cidadania da comunidade. No momento em que esta mídia abre espaço para o registro da história do Bairro Ellery, para o registro da história dos nomes de suas ruas, para colocar quais são os equipamentos disponíveis à população, está garantido o espaço para a educação de uma forma ampla. É esta a educação que é levada para a vida cotidiana e se torna instrumento para a transformação social através da transformação individual.

A oportunidade de discutir e visualizar o seu próprio local de convivência é ímpar para estas pessoas. É através deste processo que vem a valorização de si e do seu lugar, do seu bairro, da sua comunidade. Os movimentos sociais tem tido papel de grande relevância com relação a essa questão e não se pode desvinculá-los de um papel educativo também.

4.1 O Açude João Lopes

O açude João Lopes faz parte da história do Bairro Ellery e é um de seus principais marcos. Percebemos isso claramente nesta parte do texto contido no link “Conheça o Bairro Ellery”.

Nesta década, e em outras depois, o açude “serviu de lazer para as pessoas da região, para banhos, pescaria em anzol e landuá, e para as lavagens de roupa realizadas pelas “lavadeiras das cacimbas do João Lopes”, que deixavam as roupas estendidas às margens do açude, sem preocupação de que fossem roubadas, a água do açude era límpida servindo para o consumo das pessoas.” (http://www.bairroellery.com.br/ellery/modules/xt_conteudo/index.php?id=2)

Na década de 50, os terrenos próximos ao açude começaram a ser loteados sem nenhum planejamento adequado. A seqüência de descasos causou uma verdadeira catástrofe ecológica. O que era fonte de lazer transformou-se em uma grande piscina de água podre.

A poluição do açude era causada pelos próprios moradores que depositavam o lixo domiciliar, além do despejo de esgoto industrial e hospitalar. O sofrimento da população com esta situação e com o descaso por parte das autoridades federais, estaduais e municipais, fez com que lideranças e moradores do Bairro Ellery e bairros vizinhos como São Gerardo, Monte Castelo e Antônio Bezerra, se mobilizassem a fim de realizar um levantamento da real situação do açude. Este levantamento, realizado em 2003, contou com a colaboração do departamento de geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), além de advogados e engenheiros.

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Ressaltamos o fato da mobilização não ter ocorrido apenas no Bairro Ellery, mas nos bairros vizinhos também. A partir da verificação dessa articulação entre os bairros, interessa- nos saber se este fato ocorreu somente devido à grande extensão da área do açude que vai além das fronteiras do Bairro Ellery ou se essa população tinha em mente a universalidade da questão ecológica. O certo é que a mobilização tornou-se bastante significativa no contexto das lutas ambientais na região.

Como resultado do levantamento teve-se a comprovação do que estava estampado à vista de todos: quase toda a área de proteção e preservação do açude João Lopes está afetada por ocupações irregulares, deposição de lixo comercial e domiciliar e despejo de esgoto industrial, hospitalar e domiciliar. O meio biótico encontra-se comprometido como também a qualidade ambiental.

A partir disto foi criado projeto de urbanização do açude que contempla também a remoção das famílias que habitam as áreas próximas. O projeto foi aprovado no Orçamento Participativo18 de 2005 e as obras estão previstas para começar em Abril de 2008.

Ao manter um link abordando esta questão, onde encontramos notícias produzidas pelos colaboradores e também pela grande mídia, o Site reafirma o compromisso de dar voz à população do Bairro e de dar visibilidade aos problemas de seu cotidiano. São os movimentos sociais urbanos fazendo uso de novos palcos para continuar mostrando sua força transformadora.

Colocamos anteriormente que a proposta do movimento ecológico é muito profunda, já que sugere uma mudança cultural e de modo de vida. Isso não é fácil de ser absorvido e tornado prático. Perguntamos-nos o quanto essas pessoas envolvidas na luta pela urbanização do açude João Lopes estão verdadeiramente movidas pela essência do movimento ecológico ou apenas procuram garantir melhorias de vida para si e suas famílias. O que move esses atores? Esperamos, com a pesquisa de campo, ter respostas para esses questionamentos.

4.2 O Pólo de Lazer

O Pólo de Lazer da Sargento Hermínio se localiza nas proximidades de uma das

avenidas mais movimentadas da cidade, a Av. Sargento Hermínio e é hoje, uma das últimas áreas verdes da Região Oeste de Fortaleza. O Pólo é espaço para a prática de caminhada, lazer e descanso da população. Os adeptos dos esportes radicais como o le parkour, skate e bicicross também estão entre seus freqüentadores. Com o tempo este espaço multifuncional e crucial para a respiração da cidade foi sendo negligenciado, repetindo o que ocorre com a grande maioria dos espaços públicos de Fortaleza. Matéria publicada no jornal Diário do Nordeste deixa clara essa situação de abandono: “Uma das queixas mais comuns foi para o fato de que o espaço está servindo de “depósito” de animais, principalmente gatos, que vivem à mingua até morreram de fome, sede ou doença. (http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=436888)

Outros problemas são a ocupação do local por um grupo de sem teto da região e a violência crescente que termina por afastar os freqüentadores. 18 Orçamento Participativo é um mecanismo criado em 2005 na gestão da Prefeita de Fortaleza Luizianne Lins visando fortalecer a participação da população nas discussões a respeito de que obras são mais importantes para os bairros.

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Toda essa situação ainda pode ser mais agravada devido a um projeto da Prefeitura de Fortaleza que visa a construção de um ginásio poliesportivo e um anfiteatro dentro do Pólo de Lazer, o que seria um verdadeiro crime ambiental. O que gera discussão é o fato de que essas obras são demandas oriundas do Orçamento Participativo de 2005, ou seja, refletem desejos da população do Bairro Ellery e bairros vizinhos e tiveram a participação desta no seu processo de formulação. Ocorre, porém, que naquele momento de discussão não estava previsto o local para execução. Tiago Farias Lopes, arquiteto e urbanista, refere-se a esta situação:

Acontece que, uma das propostas para a região, escolhida por meio do Orçamento Participativo foi a construção de um ginásio na Avenida Sargento Hermínio. O passo seguinte, coordenado pela Secretaria Executiva Regional I (SER I), foi a elaboração do projeto e escolha do terreno para o ginásio, dessa vez, sem uma eficiente consulta popular, muito embora representantes de entidades comunitárias tenham tentado estabelecer comunicação com a Regional I, porém sem retorno. (www.bairroellery.com.br)

Uma parcela da população juntamente com as lideranças e entidades resolveram se contrapor à Prefeitura e em Maio de 2007 criaram o Movimento pela Revitalização do Pólo de Lazer da Av. Sargento Hermínio. A estes atores uniram-se intelectuais, ambientalistas, arquitetos, urbanistas e estudantes das mais diversas áreas da cidade. O Movimento realizou levantamento geográfico, ambiental e social na área e chegou à conclusão de que o projeto da Prefeitura irá sacrificar aproximadamente 30 árvores centenárias, impermeabilizará o solo inviabilizando, em médio prazo, o funcionamento do chafariz existente no local, causará distorção na identidade visual e ainda levará riscos à nascente do rio Alagadiço que se localiza no interior do Pólo. Estas justificativas e outras mais compuseram o relatório intitulado “Vida para o Pólo” que foi apresentado à Prefeitura. Além do relatório, outro documento foi criado indicando sugestões para a revitalização do Pólo. A base deste documento veio da realização de uma consulta popular realizada através de enquete disponível no Site e também realizada no próprio Pólo. As sugestões mais votadas foram: maior segurança, limpeza permanente e construção de pista para caminhadas e colocação de equipamentos de ginástica. O Movimento tem sido bastante criativo em suas ações. Além da consulta popular, tem sido realizadas exibição de filmes com temática ambiental, evento de comemoração do Dia da Árvore com crianças dos colégios do bairro, onde cada criança plantava uma árvore e até um programa de rádio realizado ao vivo nem pleno Pólo.

Talvez a maior diversificação tenha sido o uso do próprio bloco de carnaval do bairro, o “Sai na Marra”, como mídia de divulgação. O tema do Bloco no carnaval de 2008 foi: “A mata não é mais virgem. O vento não é mais fresco. Mas o bloco é ecológico”. Usa-se dessa forma uma festa popular e extremamente atrativa para trabalhar mudanças de valores e conceitos e principalmente para fazer pensar.

Percebemos que o Movimento utiliza um processo dialógico com os usuários do Pólo, encontrando-se com o Site no sentido de tornar pública a questão ambiental, ouvir a população e fazer com que ela seja ouvida. A comunicação não se prende apenas ao Site, novas formas vão sendo criadas para falar com a cidade. O projeto que visa revitalização do Pólo fez parte do orçamento participativo de 2007, o que prova o engajamento da população e a importância que tem dado à questão. Nos perguntamos se em decorrência de toda essa movimentação uma nova cultura tem sido criada, se as pessoas estão repensando suas ações cotidianas e tendo a percepção de

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que estas têm uma influência global. Será que os participantes destes movimentos se consideram também responsáveis por essa situação ambiental ou apenas culpam os poderes públicos? E ainda, o fato de estarem envolvidos nessas questões muda de alguma forma sua relação com o Bairro e com a cidade? Esperamos obter, na pesquisa de campo, respostas para esses questionamentos. A atuação do Site aqui também é de vital importância. No link “Revitalização do Pólo de Lazer” estão todas as notícias veiculadas na grande mídia sobre a questão do Pólo, além de ser espaço garantido para expressão dos participantes do Movimento e para comentários dos internautas. Como o bloco “Sai na Marra” também tem seu espaço no Site, a luta pela revitalização Pólo ganhou ainda mais visibilidade este ano. Na análise das notícias, tanto no link relativo ao Pólo de Lazer como ao açude João Lopes, percebemos um comportamento positivo da grande mídia com relação ao Bairro. Parece nessa situação não estar sendo guiada pelo estigma que sabemos ter os bairros pobres de periferia. O Bairro parece assumir, aos olhos dessa mídia, uma nova cara. Os jornais se tornam aliados nas lutas ambientais travadas pela população e entidades. Porque isso ocorre quando o foco é a luta ambiental? Que diferenças essa questão apresenta com relação às outras questões com as quais os movimentos sociais se envolveram? Considerações Gerais

Percebemos claramente através dos movimentos que estão ocorrendo hoje no Bairro Ellery, a variedade de focos de ação que os movimentos sociais tem tido. O ideário que moveu o surgimento desses movimentos no século passado sem dúvida está vivo e resistindo às mudanças sociais, políticas e econômicas. Foram justamente estas mudanças que trouxeram novas demandas e a necessidade de novas lutas. Direitos a condições básicas de sobrevivência foram conquistados, mas com o passar do tempo e com a própria ação humana fomos perdendo alguns direitos que tínhamos e que hoje precisam urgentemente ser reconquistados, como o direito a respirar ar puro e de ter áreas verdes no espaço urbano.

Nesse contexto, novas lideranças vão surgindo. Jovens que davam seus primeiros passos no mundo quando os movimentos sociais urbanos estavam em seu auge se unem a quem já tem muita estrada e que já fez muita história.

A população tem respondido a essas novas demandas de luta e ao chamado das lideranças e entidades. Apesar de todas as situações inerentes à vida moderna, que vão fazendo com que o indivíduo se volte cada vez mais para si mesmo, essas pessoas mostram que o coletivo ainda tem vez. Se estão realmente imbuídos da essência de uma consciência ecológica, não estamos certos, mas de qualquer forma temos como ponto relevante a integração de jovens estudantes, intelectuais e profissionais liberais ao movimento.

A causa ecológica se mostra com grande força, penetrando em diversas classes sociais e permitindo a união de indivíduos em prol dos mesmos objetivos. Vemos isso entre os participantes do Movimento pela Revitalização do Pólo de Lazer da Av. Sargento Hermínio. O caráter universalizante da questão ecológica faz com que a luta do Pólo não seja só dos moradores da área, mas que inclua indivíduos que habitam outras áreas da cidade. Não temos dúvida que uma relação mais harmônica do homem

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com a natureza passa pela necessidade de uma relação mais harmônica dos homens entre si.

Confirmamos neste trabalho o que já havíamos percebido em pesquisa anterior que é o importantíssimo papel do Site do Bairro Ellery como elemento aglutinador e disseminador de toda essa efervescência que há no Bairro. Um verdadeiro banquete de informações e discussões que dão margem às mais diversificadas reflexões.

O aprofundamento deste trabalho com a pesquisa de campo a ser realizada certamente nos trará outras revelações a respeito destes assuntos e abrirá horizontes para outras reflexões. Referências bibliográficas BARREIRA, Irlys Alencar Firmo. O Reverso das Vitrines: Conflitos urbanos e Cultura Política em Construção. Rio de Janeiro: Rio Fundo,1992. BRANCO, Samuel Murgel. O Meio ambiente em Debate. 26.ed. São Paulo: Moderna, 1997. BRITO, Paulo Afonso Barbosa. Educação e Movimentos Sociais. Disponível em: http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2005/ems/meio.htm GOHN, Maria da Glória. Movimentos Sociais e Educação. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1994 GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (Des)Caminhos do Meio Ambiente. 7.ed. São Paulo: Contexto, 2000 OLIVEIRA, Catarina e FERREIRA, Zoraia. Os Movimentos Sociais na Rede: Usos e Estratégias Comunicativas. Disponível em: http://www.comunicacaoempresarial.com.br/revista/05/artigos.asp OLIVEIRA, Catarina e FERREIRA, Zoraia. Os Movimentos Sociais na Rede: Produção de Notícia e Valorização de Sujeitos. Disponível em: http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/artigos9_b.htm PAGOTTO, Claudete. Movimentos e Práticas Sociais no Jogo das Transformações Político-Econômicas. Revista Espaço Acadêmico, Maringá/PR, v. 1, p. 1-3, 2006. Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/cuba/if/marx/documentos/22/Movimentos%20e%20pr%E1ticas%20sociais....pdf SADER, Eder. Quando Novos Personagens Entraram em Cena. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. Histórico dos Movimentos Ambientais no Brasil e no Mundo. Disponível em:http://www.fec.unicamp.br/~bdta/premissas/historico.htm www.bairroellery.com.