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Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática ISSN: 2236-4102

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

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Page 1: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Anais do XII Seminário Nacional de História da

Matemática

ISSN: 2236-4102

Page 2: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Diretoria SBHMat (2015-2019)

Presidente: Iran Abreu Mendes

Vice-Presidente: Marcos Vieira Teixeira

Secretário Geral: Carlos Roberto Moraes

1º. Secretário: Ligia Arantes Sad

Tesoureiro: Mariana Feiteiro Cavalari

Conselheiros: Wagner Rodrigues Valente e Maria Célia Leme da Silva

Conselho Fiscal: Ana Carolina Costa Pereira, Miguel Chaquiam e Moysés Gonçalves

Siqueira

Page 3: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Comissões

Comissão científica

Ana Carolina da Costa Pereira – UECE/CE

Antonio Vicente Garnica – UNESP/Bauru

Carlos Roberto de Moraes – UNIARARAS/ Araras - SP

Fabio Maia Bertato - UNICAMP

Fumikkazu Saito – PUC/São Paulo

Iran Abreu Mendes - UFRN

Lígia Arantes Sad – IFES/Vitória

Marcos Lubeck – UNIOESTE/ Foz do Iguaçú

Marcos Vieira Teixeira – UNESP/Rio Claro (Coordenador Científico)

Maria Célia Leme da Silva – UNIFESP/SP

Mariana Feiteiro Cavalari - UNIFEI

Miguel Chaquiam -UEPA/PA

Moysés Gonçalves Siqueira Filho - UFES

Sabrina Helena Bonfim – UFMS/Paranaíba-MS

Sergio Roberto Nobre – UNESP/Rio Claro

Tatiana Roque - UFRJ

Wagner Rodrigues Valente – UNIFESP/SP

Comissão local

Agenor Pina da Silva

Camila Cardoso Moreira

Eliane Matesco Cristóvão

Hévilla Nobre Cézar

João Ricardo Neves da Silva

Luciano Fernandes Silva

Mariana Feiteiro Cavalari (Coordenadora Local)

Thiago Costa Caetano

Page 4: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Apoio Científico/Institucional

Instituto de Matemática e Computação (UNIFEI)

Instituto de Física e Química (UNIFEI)

Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências (UNIFEI)

SBHMat

Apoio Financeiro

CNPq

Capes

UNIFEI

Livraria da Física

Page 5: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .......................................................................................................................................................1

CONFERÊNCIAS ........................................................................................................................................................5

O INÍCIO DA HISTORIOGRAFIA EM RUSSO SOBRE A MATEMÁTICA ISLÂMICA..........................................6

O USO DO REPOSITÓRIO DE CONTEÚDO DIGITAL NAS PESQUISAS EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

MATEMÁTICA............................................................................................................................................................16

A MATEMÁTICA NO PARMÊNIDES DE PLATÃO: UM EXEMPLO DE COMO A FILOSOFIA PODE

AUXILIAR A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA ANTIGA..........................................................................................22

TESE APRESENTADA EM CONCURSO DA CÁTEDRA DE GEOMETRIA PRELIMINAR E

TRIGONOMETRIA RECTILÍNEA, PERANTE O GYMNASIO ESPIRITO-SANTENSE 1918...............................34

CARTAS DE MATEMÁTICOS ESTRANGEIROS SOBRE A ATMOSFERA BRASILEIRA NO INÍCIO DA

DÉCADA DE 1970....................................................................................................................................... ................36

HISTÓRIA DAS ENCICLOPÉDIAS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A HISTORIOGRAFIA DA

MATEMÁTICA................................................................................................................................. ...........................40

DISCUSSÕES TEMÁTICAS ....................................................................................................................................41

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: PASSADO, PRESENTE E

FUTURO.................................................................................................................................................... ...................42

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA PARA A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA................................................................44

PESQUISA EM HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: PROBLEMAS E CONCEITOS DE MATEMÁTICA.................46

MESAS REDONDAS.................................................................................................................................................56

A INTERNACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E HISTÓRIA DA

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA.....................................................................................................................................57

CAMINHOS PARA A UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO

MATEMÁTICA............................................................................................................................................................59

COMUNICAÇÕES ORAIS ......................................................................................................................................61

HISTÓRIA E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: UMA EXPERIÊNCIA COM O MÉTODO DA FALSA

POSIÇÃO......................................................................................................................................................................62

Page 6: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

EXPERIÊNCIAS COM HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA..............................................71

ENSINO DE SISTEMAS DE NUMERAÇÃO BASEADO EM INFORMAÇÕES HISTÓRICAS: UM ESTUDO NOS

ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL......................................................................................................80

NOTICIÁRIO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MATEMÁTICA.......................................................................89

CADERNOS ESCOLARES COMO FONTES DE ESTUDO PARA A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA DO

BRASIL: PRIMEIRAS PERCEPÇÕES................................................................................................ ........................97

A TRAJETÓRIA DE UM ACERVO DE LIVROS ANTIGOS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A SUA

CONSTITUIÇÃO.......................................................................................................................................................105

GUILHERME DE LA PENHA EM ITAJUBÁ (MG).................................................................................................112

GUILHERME DE LA PENHA E O COMETA HALLEY: ASTRONÔMIA, FÍSICA E MATEMÁTICA

DESFAZENDO MITOS E CRENDICES...................................................................................................................118

REFLEXÕES ACERCA DO POSITIVISMO NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX: UM ESTUDO SOBRE

OS LIVROS DIDÁTICOS DE ANDRÉ PEREZ Y MARIN.......................................................................................128

REVISTA EDUCAÇÃO (1929): INFLUÊNCIA DA PROPOSTA CENTROS DE INTERESSE NO ENSINO DE

MATEMÁTICA DO ENSINO PRIMÁRIO...............................................................................................................135

A PRÁTICA DA MATEMÁTICA SOB UMA DITADURA: A VINDA DE MAURICE FRÉCHET A PORTUGAL

EM 1942............................................................................................................................. .........................................136

HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA MATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES.....................................137

LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA MODERNA: UM ESTUDO DO INTERIOR PAULISTA, A PARTIR

DE DEPOIMENTOS DE PROFESSORES QUE ENSINARAM MATEMÁTICA...................................................138

ARTE E MATEMÁTICA NOS MÓDULOS DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA DO PROJETO

LOGOS II....................................................................................................................................................................148

LIBELLUS DE QUINQUE CORPORIBUS REGULARIBUS: UMA ANÁLISE GEOMÉTRICA DE PIERO DELLA

FRANCESCA.............................................................................................................................................................157

JEAN-VICTOR PONCELET E AS (RE)EDIÇÕES DE SUAS OBRAS....................................................................158

UM PROJETO DE EXTENSÃO ENVOLVENDO HISTÓRIA DA MATEMÁTICA, LABORATÓRIO DE ENSINO

E FORMAÇÃO DE PROFESSORES.........................................................................................................................165

A GEOMETRIA PARA ENSINAR EM TEMPOS INTUITIVOS (1890-1900).........................................................173

Page 7: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

O USO DE EPISÓDIOS DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA EM UMA TAREFA DIDÁTICA VISANDO A

PRODUÇÃO DE SIGNIFICADO..............................................................................................................................181

A HISTÓRIA DA EQUAÇÃO DE SEGUNDO GRAU: O QUE PENSAM OS ALUNOS OS ALUNOS DO ENSINO

MÉDIO........................................................................................................................................................................182

A MATEMÁTICA ISLÂMICA NA IDADE MÉDIA: A ÁLGEBRA DE SHARAF AL-DīN AL-TūSī....................191

UMA VISÃO DOS LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA ACERCA DA BALESTILHA COMO RECURSO

DIDÁTICO PARA O ESTUDO DE CONCEITOS GEOMÉTRICOS E TRIGONOMÉTRICOS.............................197

CONTADORES E SEUS LIVROS DE MATEMÁTICA COMERCIAL E FINANCEIRA NO BRASIL DO INÍCIO

DO SÉCULO XX........................................................................................................................................................206

NOÇÕES DE ARITMÉTICA EM MANUAIS PEDAGÓGICOS: ORIENTAÇÕES AO PROFESSORADO (1880-

1910)............................................................................................................................. ..............................................215

HISTÓRIA EM SALA DE AULA: RESOLUÇÃO DE EQUAÇÃO DE PRIMEIRO GRAU....................................216

APONTAMENTOS INICIAIS SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DE EUGÊNIO DE BARROS RAJA GABAGLIA

PARA A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NO BRASIL...........................................................................................217

ESTUDANDO O CONCEITO PIRÂMIDES A PARTIR DO PROBLEMA 56 DO PAPIRO DE RHIND: UM

RELATO DE EXPERIÊNCIA DO USO DE FONTES PARA INSERIR ASPECTOS HISTÓRICOS EM SALA DE

AULA..........................................................................................................................................................................224

BUSCANDO IDEIAS GEOMÉTRICAS NA REVISTA AL-KARISMI (1946-1951): UM LEVANTAMENTO

HISTÓRICO NO DISCURSO DE MALBA TAHAN................................................................................................232

A HISTÓRIA DAS MATRIZES AOS TEMPOS DE SUA CRIAÇÃO COMO ESTRUTURAS ALGÉBRICAS.....241

UM HISTÓRICO EPISTEMOLÓGICO DAS MATRIZES.......................................................................................248

SOBRE O CHRISTOPHORI CLAVII EPITOME ARITHMETICAE PRACTICAE (1614).....................................249

MEDIDAS LINEARES NA HISTÓRIA, MEDIDAS LINEARES NOS LIVROS DA ARITMÉTICA ESCOLAR NO

BRASIL......................................................................................................................................................................250

DESAFIOS E CONTROVÉRSIAS MATEMÁTICAS ENTRE ADRIAAN VAN ROOMEN E FRANÇOIS

VIÈTE.........................................................................................................................................................................258

SUPERFÍCIES ORTOGONAIS: O CASO DE UMA PRÁTICA COMUM FRANCESA DO SÉCULO XIX..........259

SUPERFÍCIES MÍNIMAS: DE DIDO ÀS PESQUISAS NO BRASIL......................................................................264

Page 8: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

ALGUMAS BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TRATADOS DE GEOMETRIA PRÁTICA PUBLICADOS

NO CONTEXTO DO “SABER-FAZER” MATEMÁTICO QUINHENTISTA.........................................................271

ESCOLA KERALA DE MATEMÁTICA E ASTRONOMIA: CONTRIBUIÇÕES AO DESENVOLVIMENTO DO

CÁLCULO..................................................................................................................................................................278

AS REDUÇÕES AO IMPOSSÍVEL NOS ELEMENTOS DE EUCLIDES: CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS,

TEXTUAIS E EPISTEMOLÓGICAS........................................................................................................................285

A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA COMO FONTE DE SENTIDOS.......................................................................286

O SEGUNDO DOUTOR EM CIÊNCIAS MATEMÁTICAS NO BRASIL: JOÃO BAPTISTA DE CASTRO

MORAES ANTAS......................................................................................................................................................287

O MANUSCRITO SOBRE GEOMETRIA DIFERENCIAL LOCALIZADO NA BIBLIOTECA DA SOCIEDADE

LITERÁRIA E BENEFICENTE 5 DE AGOSTO NO MUNICÍPIO DE VIGIA (PA)................................................395

TEOREMA DE TALES EM SALA DE AULA: UMA PROPOSTA APOIADA NA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

E EM ATIVIDADES INVESTIGATÓRIAS..............................................................................................................303

AS MATEMÁTICAS NA ENCYCLOPÉDIE E O CASO DA MÚSICA...................................................................309

UMA HISTÓRIA DOS NÚMEROS COMPLEXOS: DE NICOLAS CHUQUET A CARL FRIEDRICH

GAUSS........................................................................................................................................................................310

INTERCÂMBIOS DE ESTUDANTES E PROFESSORES: RELAÇÕES MATEMÁTICAS ENTRE BRASIL E A

UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA – BERKELEY...............................................................................................319

COMPREENSÕES HISTÓRICAS SOBRE A INSERÇÃO DA ÁLGEBRA LINEAR COMO DISCIPLINA NA

FORMAÇÃO SUPERIOR EM MATEMÁTICA NO ESPÍRITO SANTO................................................................324

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E ENSINO DE MATRIZES NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: REFLEXÕES

SOBRE REGRAS METADISCURSIVAS RELACIONADAS A MATRIZES E

DETERMINANTES...................................................................................................................................................333

O CURSO DE MATEMÁTICA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ SOB A PERSPECTIVA DE

UM DE SEUS PRECURSORES.................................................................................................................................341

POR QUE UTILIZAR A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NO ENSINO DE MATEMÁTICA? CONCEPÇÕES DE

PROFESSORES DE MATEMÁTICA DO ENSINO MÉDIO DO MUNICÍPIO DE ITAJUBÁ-MG........................348

PROGRAMAÇÃO ...................................................................................................................................................355

Page 9: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

1 Anais do XII SNHM -2017

APRESENTAÇÃO

A realização do Seminário Nacional de História da Matemática (SNHM) é resultante da dinâmica acadêmica

e científica, originada há duas décadas por um grupo de pesquisadores que já desenvolviam seus estudos em História

da Matemática. O SNHM tornou-se o momento maior, em nível nacional, para a congregação desses interessados que

passaram a poder discutir e divulgar para a comunidade as distintas investigações científicas inerentes à História da

Matemática.

Em virtude da intensificação do movimento em torno dessa área de pesquisa, em 1999 foi criada a Sociedade

Brasileira de História da Matemática- SBHMat, durante a realização da quarta edição do Seminário. A partir de então,

a organização dos SNHM passou a ser de responsabilidade da Sociedade, assim como as publicações “Revista

Brasileira de História da Matemática”, “Revista de História da Matemática para Professores" e recentemente a

“Revista de História da Educação Matemática”.

O SNHM é, portanto, um evento que prioriza a divulgação de estudos e pesquisas sobre História da

Matemática a professores dos vários níveis educacionais, alunos de graduação e pós-graduação, bem como a todos os

interessados nessa temática.

O SNHM é realizado em anos ímpares, de domingo de Ramos a quarta-feira da Semana Santa. Caracteriza-

se por uma vasta programação de cunho científico e pedagógico no qual são apresentadas as novas produções do

conhecimento na área, debatem-se grandes temas, são expostos problemas em busca de soluções, divulgam-se

experiências, realizam-se minicursos e apresentam-se bibliografias e materiais instrucionais, com o objetivo de

promover o desenvolvimento e a difusão das experiências, estudos e reflexões na área da História da Matemática.

A primeira edição deste evento foi realizada em 1995 em Recife (PE), o II SNHM ocorreu em 1997 em Águas

de São Pedro (SP), o III SNHM foi realizado no ano 1999 em Vitória (ES), o IV SNHM aconteceu em 2001 em Natal

(RN), o V SNHM foi realizado em 2003 em Rio Claro (SP), o VI SNHM ocorreu em 2005 em Brasília (DF), o VII

SNHM foi organizado em Guarapuava (PR) em 2007, o VIII SNHM foi realizado em Belém (PA) em 2009, o IX

SNHM ocorreu em 2011 em Aracaju (SE), o X SNHM foi organizado em Campinas (SP) em 2013 e o XI SNHM foi

realizado em Natal (RN) em 2015. Já este XII SNHM foi realizado na Universidade Federal de Itajubá, campus Itajubá,

no período de 09 a 12 de abril de 2017.

Foram quatro as categorias de atividades realizadas: Conferências; Mesas Redondas; Discussões Temáticas;

Minicursos, Comunicações Orais e Pôsteres.

Conferências – Houve seis conferências proferidas por especialistas convidados, dois dos quais são jovens

pesquisadores, abordando temas relativos à História da Matemática e da Educação Matemática, Filosofia da

Matemática e Historiografia da Matemática. As conferências de abertura e encerramento foram plenárias e as outras

quatro foram conferências paralelas. Foram as seguintes as conferências apresentadas:

Page 10: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

2 Anais do XII SNHM -2017

1. O Início da Historiografia em Russo sobre a Matemática Islâmica (conferência de abertura).

Profa. Dra. Bernadete Morey (UFRN)

2. O Uso do Repositório de Conteúdo Digital nas Pesquisas em História da Educação Matemática.

Prof. Dr. David Costa (UFSC)

3. A Matemática no Parmênides de Platão: Um Exemplo de como a Filosofia pode auxiliar a História da

Matemática Antiga.

Prof. Dr. Gustavo Barbosa (UNESP).

4. Tese Apresentada em Concurso da Cátedra de Geometria Preliminar e Trigonometria Rectilínea, perante o

Gymnasio Espirito-Santense 1918.

Prof. Dr. Moysés Gonçalves Siqueira Filho (UFES).

5. Cartas de Matemáticos Estrangeiros Sobre a Atmosfera Brasileira no Início da Década de 1970.

Profa. Dra. Lucieli Maria Trivizoli (UEM).

6. História das Enciclopédias e suas contribuições para a Historiografia da Matemática (conferência de

encerramento).

Prof. Dr. Sergio Roberto Nobre (UNESP).

Mesas Redondas – Duas foram as mesas redondas realizadas durante o XII SNHM.

1. A Internacionalização da Pesquisa em História da Matemática e História da Educação Matemática.

Wagner Rodrigues Valente (UNIFESP) (organizador), Luis Manuel R. Saraiva (Faculdade de Ciências de

Lisboa), Barbara Diesel Novaes (UFTPR).

2. Caminhos para a Utilização da História da Matemática na Educação Matemática.

Iran Abreu Mendes (Organizador), Fumikazu Saito (PUC-SP), Miguel Chaquiam (UFPA).

Discussões Temáticas – As discussões temáticas diferem-se das mesas redondas por terem uma maior interatividade

com o público presente. Inicialmente os membros da mesa fazem uma breve apresentação a respeito do tema e então

se passa a uma discussão com o público presente.

1. História da Educação Matemática e Formação de Professores: passado, presente e futuro.

Maria Célia Leme da Silva (UNIFESP – Diadema) (organizadora), Maria Ednéia Martins

Salandim (UNESP – Bauru), Carlos Miguel Silva Ribeiro (UNICAMP – Campinas)

Page 11: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

3 Anais do XII SNHM -2017

2. História da Matemática para a Educação Matemática.

Iran Abreu Mendes (UFRN – Natal) – (Organizador), Cristiane Borges Ângelo (UFPB), Edilene Simões

Costa (UFMS).

3. Pesquisa em História da Matemática: Problemas e Conceitos de Matemática.

Gérard Émile Grimberg (UFRJ) (Organizador), Marcos Vieira Teixeira (UNESP ), Manoel de Campos

Almeida (Emérito PUC-PR e UFPR).

Minicursos – Das diversas atividades que ocorreram nos SNHM realizados até agora, os minicursos sempre foram de

grande importância, pois permitem aos professores em geral e aos alunos de graduação e pós-graduação o contato com

materiais que contém conteúdos de história da matemática, especialmente desenhados para uso em sala de aula dos

diversos níveis de ensino. São ministrados por pessoas intimamente ligadas à pesquisa em história da matemática,

sejam como docentes pesquisadores ou como pesquisadores em formação pelos programas de pós-graduação. Os

professores ministrantes escrevem o texto de seus minicursos, os quais são impressos e entregue a cada um dos alunos

do respectivo minicurso. Esses textos são publicados na Coleção História da Matemática para Professores. Os

minicursos apresentados foram os seguintes:

1. O Cálculo Diferencial e Integral de Newton e Leibniz : aproximações e distanciamentos na descoberta.

Angélica Raiz Calabria (UNIARARAS) e Sabrina Helena Bonfim (UFMS)

2. História da Matemática na Formação de Professores: Sistemas de Numeração Antigos. Bernadete Barbosa

Morey (UFRN) e Gesivaldo dos Santos Silva (IFPI).

3. Uma História da Integral: de Arquimedes a Lebesgue. João Cláudio Brandemberg (UFPA)

(cancelado por motivo de saúde do proponente)

4. O Ensino de Aritmética por Meio de Instrumentos: Uma Abordagem utilizando a obra Rabdologiae, seu

numerationis per virgula. Ana Carolina Costa Pereira (UECE), Eugeniano Brito Martins (IFCE - Campus

Jaguaribe)

5. Pesos e Medidas do Brasil Colonial, Tradição e Cultura nos dias atuais: um novo tema para as aulas de

matemática no ensino básico. Elenice de Souza Lodron Zuin (PUC Minas) e Nádia Aparecida dos Santos

Sant’Ana (PUC Minas)

6. História da Matemática em livros didáticos de Matemática do Ensino Médio. Mariana Feiteiro Cavalari

(UNIFEI)

7. Construções da Geometria do Compasso de Lorenzo Macheroni (1750-1800) em atividades com software de

matemática dinâmica. José Damião Souza de Oliveira (UFRN) e Giselle Costa de Sousa (UFRN)

Page 12: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

4 Anais do XII SNHM -2017

8. A Regressão Linear de Francis Galton (1822-1911) sendo reconstruída por meio das TIC para estudar Função

Afim de padrões de medidas. Juliana M. Schivani Alves (UFRN) e Giselle Costa de Sousa (UFRN)

9. Boole, Cayley e Sylvester: o uso de seus métodos para o cálculo de Invariantes de polinômios homogêneos.

Kleyton Vinicyus Godoy – Doutorando do PPEM da UNESP-Rio Claro e Douglas Gonçalves Leite

(mestrando do PPGEMda UNESP-Rio Claro).

10. A Matemática a Ensinar e a Matemática para Ensinar: novos estudos sobre a formação de professores.

Luciane de Fatima Bertini e Wagner Rodrigues Valente – (UNIFESP)

Comunicações Orais – As comunicações orais apresentadas, num total de 49, estão distribuídas em duas modalidades

Relatos de Experiências e Resultado de Pesquisa Científica.

O XII SNHM teve 139 participantes inscritos, subdivididos nas seguintes categorias: 38 alunos de graduação,

28 alunos de pós-graduação, 16 docentes do Ensino Básico e 57 Professores do Ensino Superior.

Alguns trabalhos apresentados não tiveram seu texto completo enviados, pelos autores, para a publicação

nestes anais, para esses encontrarão, aqui, apenas o resumo inicialmente enviado para o caderno de resumos. Os

pôsteres também não estão publicados nestes anais.

Embora seja da responsabilidade de cada autor a elaboração, a apresentação e a revisão de cada texto, gostaria

de agradecer ao professores Sérgio Candido de Gouveia Neto e Maria Maroni Lopes pela revisão feita em cada uma

das comunicações aqui publicada. Agradeço também ao Prof. Kleyton Vinicyus Godoy pela editoração gráfica deste

livro.

A diretoria da SBHat decidiu que o XIII SNHM será sediado pela Universidade Estadual do Ceará – UECE,

terá a Profa. Dra. Ana Carolina Costa Pereira como coordenadora local e o Prof. Dr. Miguel Chaquiam (UEPA) como

coordenador científico.

Marcos Vieira Teixeira – Coordenador Científico do XII SNHM

Mariana Feiteiro Cavalari – Coordenadora Local do XII SNHM

Page 13: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

5 Anais do XII SNHM -2017

CONFERÊNCIAS

Page 14: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

6 Anais do XII SNHM -2017

O INÍCIO DA HISTORIOGRAFIA EM RUSSO SOBRE A MATEMÁTICA ISLÂMICA

Bernadete Morey

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Brasil

Resumo

O trabalho constitui-se num relato de como a descoberta de novos documentos originais no Observatório de Ulugh

Beg no Uzbequistão veio preencher uma lacuna na historiografia matemática medieval. O objetivo do artigo é

familiarizar o leitor com as publicações, fontes e autores da historiografia sobre o período islâmica veiculada em

língua russa.

Palavras-chave: Matemática, História, Historiografia, Matemática islâmica medieval.

The Russian Historiography on Islamic Mathematics

Abstract

The paper is an account of how the discovery of new original documents at the Ulugh Beg Observatory in Uzbekistan

has filled a gap in medieval mathematical historiography. The aim of the article is to familiarize the reader with the

publications, sources and authors of historiography about the Islamic period written in Russian.

Keywords: Mathematics, History, Historiography, Medieval Islamic Mathematics.

Introdução

Alguns períodos da História da Matemática não são muito bem historiados devido à escassez de documentos. É o

caso, por exemplo, da história da matemática medieval no Oriente Próximo e no Médio. Para desenvolver alguns

aspectos desta questão partiremos de duas notas de rodapé escritas por Dirk Struik em A Concise History of

Mathematics referentes à matemática do período islâmico. A primeira nota, na edição de 1954 diz que:

Todos os textos sobre a matemática “árabe” são tediosas repetições de relatos de segunda e terceira

mão, uma vez que apenas algumas obras, como as de Al-Khwarizmi e Khayyam estão disponíveis

em tradução. Uma história da matemática “árabe” escrita por um acadêmico competente ainda

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 15: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Bernadete Morey.

7 Anais do XII SNHM -2017

não existe. O livro de Suter foi uma mera introdução1. (STRUIK, 1954, p. 89, tradução nossa).

O livro a que Struik (1954) se refere, pelo que pudemos averiguar, é o Die Mathematiker und Astronomie

der Araber und ihre Werke, de autoria de Heinrich Suter, publicado em Leipzig em 1900 e Nachträge em 1902. No

entanto, em 1987, na quarta edição revisada do livro de Struik acima citado, a nota de rodapé sofre uma alteração. Ela

nos informa que:

Ao tomar conhecimento das discrepâncias nas notas de rodapé acima citadas, fomos movidos pela curiosidade

e supusemos que algo acontecera entre 1954 e 1987 na historiografia da matemática. Todavia, as ideias permaneceram

latentes e, finalmente, quando surgiu oportunidade de examinar a questão, a busca por respostas nos levou a caminhos

previamente desconhecidos e resultados apenas parciais. O presente artigo é um relato no qual pretendemos dividir

com o leitor o que até agora encontramos relativo à historiografia da matemática islâmica no período em questão.

O objetivo principal do artigo é familiarizar o leitor com os elementos e os atores da historiografia da

matemática islâmica medieval veiculada em língua russa: os eventos que levaram ao seu surgimento, os pesquisadores

que atuam neste campo, as obras que publicaram e até mesmo repercussão dessas publicações no Ocidente.

O artigo está divido em cinco partes excluindo a presente introdução e as considerações finais. Na primeira

parte, num esforço para situar o leitor geograficamente, exploramos a região de Khorezm e seus arredores na Ásia

Central, palco de nossa narrativa. A segunda seção denominada Timur, Ulugh Beg e seu observatório é dedicada a um

relato histórico e político da região, procurando apresentar ao leitor a figura de Ulugh Beg, responsável pela criação e

manutenção do observatório astronômico em Samarkanda. A terceira parte Arqueologia e publicações em russo no

século XX fala sobre a descoberta das ruínas do observatório e as primeiras publicações decorrentes dos documentos

originais encontrados. Na quarta parte Matemáticos islâmicos medievais e seus historiadores no século XX

procuramos caracterizar melhor o campo de pesquisa descrevendo as publicações (livros e revistas) mais relevantes,

os historiadores e também autores islâmicos, cuja vida e obra foram objeto de estudo e publicações. Discorremos

também sobre quais autores russos (ou melhor, soviéticos) tiveram papel fundamental na historiografia em questão.

Na finalização do artigo damos destaque a Adolf Pavlovitch Yushkiévitch, figura central na organização e incentivo

da comunidade de pesquisadores soviéticos na temática em questão e autor de História da Matemática na Idade

Média, obra que reúne os avanços alcançados pela historiografia islâmica medieval.

1 Khorezm

Urguêntch é uma pequena cidade localizada logo ao sul do Mar de Aral (ou do que resta dele) e a leste do Mar Cáspio.

Essa cidade, situada no sudoeste da República do Uzbequistão, tem uma população em torno de 150.000 habitantes e

fica às margens do Rio Amu Darya como é conhecido regionalmente o Rio Oxus, nome dado pelos romanos na

Antiguidade. A ligação de Urguêntch com nosso tema é fato de ela ser a capital da região de Khorezm que a literatura

ocidental se acostumou a grafar como Khwarizm.

Examinando o mapa do Uzbequistão, a região de Khorezm é a curvatura convexa que se vê na fronteira entre

Uzbequistão e o Turquemenistão. E, se olharmos o Google Earth2, veremos que a região é praticamente um oásis em

meio a regiões áridas.

2 Timur, Ulugh Beg e seu observatório

Deixemos, por enquanto, Urguêntch para focar nossa atenção em outra cidade do Uzbequistão: Samarkanda. Ela foi

a capital da República Soviética do Uzbequistão de 1925 a 1930. Situada no sudeste do país, perto da fronteira com o

Tadjiquistão, Samarkanda3 é uma cidade muito antiga, fundada no século VIII a. C. e foi, por muito tempo, um ponto

1 All accounts of “Arabic” mathematics must remain tedious repetition of second hand and third hand information as long as only some works such

as Al-Khwarizmi and Khayyam are available in translation. A history of “Arabic” mathematics by a competent “Arabic” scholar does not exist.

Suter’s book was a mere beginning. (STRUIK, 1954, p. 89) 2 Urguênch: 41.539999°N, 60.635110°E 3 Samarkanda: 39.6270° N, 66.9750° E.

Page 16: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

A historiografia em russo sobre a matemática islâmica

8 Anais do XII SNHM -2017

chave na Rota da Seda entre a China e a Europa.

Como era de se esperar, uma cidade tão antiga e tão estrategicamente localizada não poderia ter tido uma

existência tranquila. Para citar apenas os fatos mais relevantes, diremos que em 712 foi conquistada pelos árabes.

Experimentou conquistas, mudanças políticas e conheceu períodos de esplendor e declínio. Fez parte de distintos

impérios. Em 1220 foi pilhada e quase destruída por Gêngis Khan. Porém, o período que mais nos interessa de

Samarkanda é o período dos Timuridas (1370-1499), dinastia iniciada com o conquistador Timur também conhecido

como Tamerlão. De fato, o ponto de nosso interesse aqui é o observatório criado e mantido por Ulugh Beg, astrônomo,

matemático, neto de Timur e governante de Samarkanda. No entanto, a história do observatório está entrelaçada com

o desenrolar dos eventos conturbados da época e da região e, portanto, convém determo-nos num relato histórico mais

minucioso.

Timur (ou Tamerlão), líder de tribos turco-mongóis unificadas, conquistou, com seu exército de arqueiros

montados, uma grande área agora ocupada hoje pelo Irã, Iraque e Turquia oriental. O próprio Timur era da tribo dos

Barlas, que era uma tribo mongol que habitavam a Transoxiana, região situada entre os rios Amu Darya e Sri Darya4.

Timur fez de Samarkanda a capital de seu império e com isto a cidade viveu seu momento de esplendor.

Pouco depois do nascimento de seu neto Ulugh Beg, Timur invadiu a Índia e, em 1399, assumiu o controle

de Délhi. Até o ano de 1402 continuou suas conquistas expandindo seu império na direção oeste obtendo, com isto,

vitórias sobre os mamelucos egípcios na Síria e os otomanos perto de Ancara. Timur morreu em 1405 em uma

campanha em que conduzia seus exércitos para a China.

Após a morte de Timur, seu império foi disputado entre seus filhos. O pai de Ulugh Beg, Shah Rukh, quarto

filho de Timur obteve, em 1407, o controle geral da maior parte do império, o que incluía o Irã e o Turquemenistão;

ganhou assim o controle de Samarkanda. Quando Timur não estava em uma de suas campanhas militares, ele se

mudava com seu exército de um lugar para outro e sua corte, incluindo seu neto, Ulugh Beg, viajava com ele. Deste

modo, mesmo sendo Samarkanda a capital imperial de Timur, Ulugh Beg raramente estava ali.

Em 1409 (passados 4 anos da morte de Timur), Shah Rukh decidiu fazer de Herat em Khoraçan (hoje no

oeste do Afeganistão), sua nova capital, transformando-a, durante seu governo, em um grande centro cultural e

comercial. Fundou uma biblioteca e tornou-se um patrono das artes.

Shah Rukh entregou a administração de Samarkanda a seu filho Ulugh Beg, que estava mais interessado em

transformar a cidade num centro cultural do que estava em política ou conquista militar. Embora Ulugh Beg tivesse

apenas dezesseis anos quando seu pai o colocou no controle de Samarkanda, ele se tornou seu representante e

governante da região da Transoxiana (ou Mawaraunnahr).

Ulugh Beg era principalmente um estudioso, e em particular, um matemático e astrônomo. Apreciava também

as artes, escrevendo poesia, história e estudando o Corão. Em 1417, para avançar o estudo da astronomia, começou a

construir uma madraça (Ver a Figura 4), um centro de educação superior. A madraça, que se encontrava na Praça

Registan em Samarkanda, foi concluída em 1420 e Ulugh Beg então começou a nomear para ensinar na madraça os

melhores cientistas que conseguia encontrar. Foi nesse processo que ele convidou Al-Kashi (1380-1429) para se juntar

à sua madraça em Samarkanda, bem como cerca de sessenta outros cientistas, incluindo Qadi Zada (1364-1436). Não

há dúvida de que, além de Ulugh Beg, Al-Kashi foi o principal astrônomo e matemático de Samarkanda. Testemunhos

importantes da vida científica em Samarkanda são as cartas de Al-Kashi a seu pai que, felizmente, sobreviveram.

Além da madraça, Ulugh Beg construiu um observatório em Samarkanda. Iniciado em 1428, ele tinha forma

circular, possuía três níveis, mais de 50 metros de diâmetro e 35 metros de altura. Al-Kashi e outros matemáticos e

astrônomos nomeados para a madraça também trabalharam nesse observatório. Depois da morte de Ulugh Beg em

1449, o observatório entrou em seu ocaso e no século XVI já estava em ruínas. Apenas em 1908 o arqueólogo uzbeco-

russo V. L. Vyatkin5 encontrou as ruínas do observatório a partir de um documento do século XVII que dava

indicações sobre a localização dele. (KARI-NIYÁZOV, 1950).

Alguns países prestaram sua homenagem a Ulugh Beg na forma de emissão de selos postais. Um destes países

foi a União Soviética em 1987 como mostra a figura 1. No selo, além da figura de Ulugh Beg, traz também um

4 A área foi conhecida pelos romanos como Transoxiana (Terra além do Oxus) e pelos árabes como Mawarannahr (Terra além do rio). 5 As fontes até agora consultadas fornecem apenas as iniciais de seu nome.

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Bernadete Morey.

9 Anais do XII SNHM -2017

esquema do observatório astronômico.

Figura 1. Selo com a imagem de Ulugh Beg e o observatório astronômico

Fonte: Jeff Miller Web Pages, s/d.

3 Arqueologia e publicações em russo no século XX

Sirajdínov e Matviévskaya (1976) nos contam que os estudos em história das ciências exatas se iniciaram no

Uzbequistão ainda antes da II Guerra (anos – início e fim) quando arqueólogos e astrônomos que investigavam as

ruínas do observatório de Ulugh Beg em Samarkanda se puseram a estudar os trabalhos científicos do citado

observatório.

Entre os membros desta expedição às ruínas do observatório estava Kari-Nyázov (1950) que publicou a monografia

A escola astronômica de Ulugh Beg. Nesta obra, que se tornou referência no tema, o autor fez uma análise das tabelas

astronômicas de Ulugh Beg, além de dar as características dos astrônomos e matemáticos que trabalharam no círculo

próximo deste sábio do século XV.

A partir de então figuras importantes como Adolph Pavlovich Yushkiévitch (1906-1993) e Boris

Abramovitch Rosenfeld (1917-2008) se envolveram nos trabalhos não apenas escrevendo e publicando, mas também

traduzindo documentos originais e organizando e incentivando a comunidade de pesquisadores soviéticos. Em

decorrência disso, a partir da década de cinquenta do séc. XX vem à luz uma série de publicações cujo foco são as

obras dos matemáticos e astrônomos da Ásia Central. Vários trabalhos fundamentais tomam corpo, e entres eles, o

livro de Yushkiévitch em Matemática na Idade Média (YUSHKIÉVITCH, 1961) do qual falaremos mais tarde neste

artigo.

No que se refere aos estudos no Uzbequistão propriamente dito, os estudos se intensificaram só a partir de

1960. Um relato dos trabalhos desenvolvidos no decorrer de 15 anos no Instituto de Matemática Romanovsky da

Academia de Ciências da República Soviética do Uzbequistão é dado por Sirajdínov e Matviévskaya (1976). Ali

ficamos sabendo que foi elaborado o projeto História da Matemática no Oriente Próximo e Médio na Idade Média, a

ser realizado em duas etapas. A primeira etapa consistia no estudo preliminar da bibliografia publicada sobre o tema

(dentro e fora da União Soviética), sua organização cronológica e conceitual. A descrição da literatura em história da

matemática na Ásia Central em russo e em outras línguas permitiria “generalizar” fatos já conhecidos e determinar

quais questões eram as menos esclarecidas e exigiam atenção imediata. A segunda planejada previa a resolução de um

problema mais árduo: a escolha, tradução, estudo e publicação dos textos matemáticos até então desconhecidos ou

pouco estudados. A partir daí o artigo continua e termina com uma breve exposição dos resultados, ou seja, estudos

publicados no decorrer de 15 anos (o artigo é de 1976).

Na seção seguinte do presente artigo voltaremos a discutir as publicações na temática em pauta. No entanto,

antes de seguir adiante, exporemos um ponto que nos parece relevante e que pode ser colocado em forma de perguntas:

O que tem a Rússia a ver com tudo isto? A língua falada no Uzbequistão é o russo? Porque estamos falando de uma

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A historiografia em russo sobre a matemática islâmica

10 Anais do XII SNHM -2017

historiografia em russo se os eventos que fala o artigo se passaram no Uzbequistão?

Não podemos perder de vista que no decorrer de quase todo o século XX o país denominado União Soviética6

era constituído por 15 repúblicas7 federativas sendo o Uzbequistão uma delas. Moscou era ao mesmo tempo, capital

do país União Soviética e capital da República Federativa da Rússia. Sendo assim, os estudos e pesquisas, mesmo que

localizados numa dada república, era de interesse nacional e veiculados, antes de mais nada, na linguagem acadêmica

da comunidade de pesquisadores do país, ou seja, em russo. Um dos primeiros artigos publicados em russo sobre a

matemática islâmica foi o intitulado O matemátike naródov Srédnei Ázii v IX-XV viéka (Sobre a matemática dos povos

da Ásia Central nos séculos IX-XV) de autoria de Adolf Pavlovitch Yushkiévitch (1951). Depois de uma introdução

na qual o autor contradiz a posição até então dominante que atribuía à ciência islâmica o papel secundário no

desenvolvimento da ciência ocidental, o autor faz uma convocação à comunidade acadêmica de seu país para se

engajar no estudo da matemática islâmica medieval apoiando-se no seguinte argumento:

Apesar da língua árabe ter se tornado (e permanecido por muito tempo) a língua oficial da ciência,

o papel dos próprios árabes no progresso da ciência em geral e da matemática em particular foi

insignificante. Ao se deparar com a cultura mais desenvolvida de um país conquistado, os árabes

participavam de alguma maneira em seu desenvolvimento posterior – particularmente nos estados

mauritanos da península dos Pirineus. No entanto, a eles nunca coube a liderança neste sentido. Os

dados históricos mostram que no período que vai do século IX ao XV o papel de líder na produção

de ciências e matemática coube aos sábios da Ásia Central e Transcaucásia – sábios de Khorezm,

Tadjiquistão, Uzbequistão, Azerbaidjão e outros. A chamada matemática árabe foi desenvolvida

antes de mais nada e mais que tudo pelos povos da Ásia Central e da Transcaucásia: khorezmianos,

tadjiques, uzbecos, azerbaidjanos e outros8 (YUSHKIÉVITCH, 1951, Tradução nossa)

Para sustentar seu argumento, Yushkiévitch (1951) faz uma lista com os nomes dos matemáticos originários

na Ásia Central no período em questão (séc. IX-XV), anos em que viveram e lugares de origem ou atuação:

Mohammed ben Musa Al-Khorezmi (c. 830), de Khorezm; Al-Khodjendi (? – c. 1000) de Khodjenta; Abul-Wafa (940

– c. 997) do Kukhistão ao sul de Nishapur; Al-Kukhi (c. 990) do Tabaristão, sudoeste do Mar Cáspio; Al-Biruni (973

– 1048) de Khorezm; Al-Karkhi ou Al-Karagui (? – c. 1025) de um lugarejo cerca de Bagdá; An-Naçavi (c. 1030) de

Khoraçan; Omar al-Khayyam (c. 1048 – c.1122) de Khoraçan; Guiacendi Djemshid (c. 1427) de Kashan, entre

Teheran e Isfahan; Ulugh Beg (1434 – 1449); Nacireddin al-Tusi (1201 – 1274) de Khoraçan era advindo do

Azerbaidjão.

Yushkiévitch (1951) diz ainda que na listagem fornecida faltam apenas dois ou três dos grandes matemáticos,

como, por exemplo, o sírio Al-Haitan (c. 965 - 1039) e que os matemáticos da Península dos Pirineus foram muito

menos significantes para a matemática. Yushkiévitch conclui de forma bastante relevante para nosso tema:

Os alcances dos matemáticos da Ásia Central nos séculos IX-XV, portanto, pertencem, em sua maior

parte ao nosso país e por isto devem chamar a atenção dos historiadores da ciência soviética. Uma

avaliação justa (dos alcances matemáticos) é nossa obrigação direta. Mesmo porque, como foi dito

6 Nome completo: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas 7 As 15 repúblicas eram: Rússia, Ucrânia, Bielorrússia, Estônia, Lituânia, Letônia, Moldávia, Geórgia, Armênia, Azerbaidjão, Kazaquistão,

Turkmenistão, Kirguízia, Tadjiquistão e Uzbequistão 8 Но, между тем как арабский язык стал и долго оставался официальным языком науки, роль самих арабов в прогрессе науки вообще, и,

в частности, математики, была весьма незначительной. Приобщаясь к более высокой культуре завоеванных стран, арабы приняли участие

в ее дальнейшем развитии, - особенно в мавританских государствах Пиренейского полуострова. Ведущая роль в этом отношении им,

однако, никогда ни предлежала. Неоспоримые исторические данные показывают, что первое место в продвижении математики и других

наук на протяжении более чем полутысячелетия с IX по XV в. неизменно занимали ученые народов Средней Азии и Закавказья –

хорезмийцы, таджики, узбеки, азербайджанцы и др. (YUSHKIÉVITCH, 1951)

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Bernadete Morey.

11 Anais do XII SNHM -2017

acima, a visão até agora dominante sobre tais alcances é radicalmente equivocada9.

(YUSHKIÉVITCH, 1951, tradução nossa)

Em seu artigo acima comentado, Yushkiévitch caracteriza os estudos no Uzbequistão como sendo de interesse

de toda a comunidade científica nacional. Sendo ele um acadêmico influente, de grande projeção nacional e

internacional e seu chamado à comunidade acadêmica feita no artigo de 1951 não ficou sem resposta, a julgar pelo

grande número de publicações a partir de então.

Resta observar, porém, que o Uzbequistão mesmo sendo parte da União Soviética conservava e conserva sua

língua e identidade nacional. Assim, a bibliografia destinada à comunidade científica nacional, era veiculada em russo;

já as publicações destinadas ao ensino e aos leitores da região, estas sim, eram em uzbeco.

Do que foi exposto até aqui vimos que na primeira metade do século XX, durante a escavação das ruínas do

Observatório de Ulugh Beg em Samarkanda, República do Uzbequistão na Ásia Central, uma equipe de arqueólogos

se deparou com manuscritos medievais em línguas orientais árabe e farsi (persa). Em vista disso, Yushkiévitch,

historiador das ciências e matemática de renome, chama a atenção dos pesquisadores de seu país, a União Soviética,

para a importância das pesquisas dos documentos encontrados. Nos anos a seguir deu-se início aos trabalhos no acervo

de manuscritos que consistia da catalogação, descrição e estudo dos documentos e sua tradução para línguas moderna

(russo, na maioria dos documentos), iniciando-se uma nova fase na historiografia da ciência islâmica. Na seção

seguinte vamos nos deter nos detalhes que podem dar uma ideia mais clara sobre os estudos e as pesquisas realizadas.

4 Matemáticos islâmicos medievais e seus historiadores no século XX

A partir dos anos cinquenta do século XX, surgiu um grande número de publicações em russo sobre a matemática

islâmica em formato de livros, de monografias e de artigos. Aqui vamos listar apenas algumas delas, aquelas

publicadas no periódico Istóriko-Matematítcheskie Issledovâniya (Investigações Histórico-Matemáticas) que é o

periódico de referência em língua russa em História da Matemática. A revista é publicada uma vez por ano desde

1948. Em 2011 saiu um número especial cuja finalidade era catalogar os artigos publicados nos números anteriores e

teve como editor responsável Vitcheslav Evguenievitch Pyrkov. Uma busca neste número especial nos diz que até

2011 foram publicados 84 artigos sobre a matemática islâmica medieval, sendo que os trabalhos de 27 autores

islâmicos medievais foram retratados nestes artigos. Além disso, o periódico publicou neste mesmo período três

artigos de interesse geral (historiografia) e 14 artigos de conteúdo diversificado. (PYRKOV, 2011).

Os matemáticos islâmicos cuja obra foi objeto de publicação foram:

1. Abu Abd Allah Muhammad ibn Muadh (Al-Jayyani)

2. Abu Abdallah Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi al-Madjuci

3. Abu Ali al-Hasan ibn al-Haytham, (Lat. Alhazem)

4. Abu Ali al-Hassan ibn Ali ibn Omar al-Marakich

5. Abu Ali al-Hussein ibn Abdalla ibn Sina

6. Abu Kamil Shuja ibn Muhammad al-Hacib al-Misri

7. Abu Nacir Samawal ibn Yahia ibn Abbas al-Magribi

8. Abu Rayhan Muhammad ibn Ahmad al-Biruni

9. Abū Sahl Wayjan ibn Rustam al-Qūhī conferido

10. Abu Said Ahmad ibn Muhammad ibn Abd al-Jalil al-Sijzi

11. Abu Zakariya Muhammad ibn Abdalla al-Khassar

12. Abu-al-Fath Abd ar-Rahman al-Khazini al-Marwazi

13. Abu-l-Abbas Ahmed ibn Muhammad ibn al-Bana al-Marrakichi

14. Abu-l-Abbas al-Fadl ibn Hatim an-Nairizi

9 Достижения среднеазиатских математиков IX-XV вв. принадлежат, таким образом, в подавляющей своей части народам нашей страны

и поэтому должны привлечь особое внимание советских историков науки. Правильная их оценка – прямая наша обязанность. Между тем, как было сказано, прежняя концепция среднеазиатской математики являлась в корне ошибочной. (YUSHKIÉVITCH, 1951)

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A historiografia em russo sobre a matemática islâmica

12 Anais do XII SNHM -2017

15. Abu-l-Hassan Ali ibn Ahmad an-Nasavi

16. Abu-l-Hassan Ali ibn Mahammad al-Kalassadi

17. Abu-l-Hassan Thabit ibn Qurra ac-Sabi al-Harrani

18. Abu-l-Wafa Muhammad ibn Muhammad al-Buzjani

19. Ghiyath al-Din Abu'l-Fath Umar ibn Ibrahim Al-Nisaburi al-Khayyami (Omar Khayyam)

20. Ghiyath al-Din Jamshid Mas'ud al-Kashi

21. Hussan ad-Din as-Salar Ali ibn Fadlallah

22. Ibrahim ibn Sinan ibn Thabit ibn Qurra

23. Kutb ad-Din ash-Shirazi

24. Muhammad ibn Muhammad ibn al-Hasan al-Tusi

25. Muhammad, al-Hassan, Ahmad Banu Musa ibn Shakir

26. Salah ad-Din Musa ibn Muhammad Kazi-zade al-Rumi

27. Shams al-Din ibn Ashraf Al-Samarqandi

Sabemos das dificuldades da grafia dos nomes quando se passa para um alfabeto distinto. No caso da lista

acima, fiz uma transliteração do russo e a seguir comparei com os nomes que aparecem no MacTutor for History of

Mathematics10 na tentativa de manter os nomes numa grafia familiar ao leitor. No entanto, alguns nomes que aparecem

na lista não foram encontrados no MacTutor, talvez por não ser de matemáticos islâmicos dos mais conhecidos. Espero

que isto não cause maiores dificuldades futuras na identificação dos matemáticos islâmicos.

Dentre os nomes que mais frequentemente aparecem ligados à produção historiográfica, encontramos os de

Tashmuhammed Kari-Niyázov, Galina Matviévskaya, Mariam Rojanskaya, Boris Rosenfeld, Izabela Bashmakova,

Sagdy Sirajdínov, e, obviamente, Adolf Yushkiévitch. Seguem algumas de suas publicações, ressaltando que os

trabalhos aqui listados de modo algum esgotam a totalidade do que foi publicado por estes autores.

Kari-Niyázov produziu a monografia A escola astronômica de Ulugh Beg (KARI-NIYÁZOV, 1950) que se

tornou referência no assunto. Além disso, publicou ainda mais dois trabalhos sobre Ulugh Beg: Ulugh Beg – Grande

astrônomo do século XV (KARI-NIYÁZOV, 1965) e mais tarde, Ulugh Beg e Savay Djay Singh (KARI-NIYÁZOV,

1966).

As publicações de Matviévskaya, seja como único autor, seja em parceria, relatam o andamento e os

resultados das pesquisas efetuadas no Uzbequistão. Mencionaremos aqui três dos trabalhos: Sobre os manuscritos

matemáticos da coleção do Instituto Oriental da AN UzSSR (MATVIÉVSKAYA, 1965); Manuscritos matemáticos

e astronômicos do Instituto Oriental da AN UzSSR (MATVIÉVSKAYA. 1972); e Sobre o estudo da história da

matemática na Ásia Central (Ob izutchênii istórii matemátiki v Srédnei Ázii) (SIRAJDÍNOV; MATVIÉVSKAYA,

1976)

Mas o historiador que se destaca é Youshkiévitch. São de sua autoria os estudos

1. O tratado aritmético de Mohammed ben Musa Al-Khorezmi (Al-Khwarizmi), publicado na coletânea Trudi

Instituta istorii iestestveznania e tekhniki Akademii Nauk URSS em 1954; e

2. Omar Kayyam e sua álgebra. In: Trudi Instituta istorii iestestveznania e tekhniki Akademii Nauk URSS, v. 2,

Moscou, 1948

3. Sobre a quadratura da parábola de Thabit ibn Qurra. In: Istoria i metodológuia iestiéstvennikh Naúk. n. 5.

Moscou: MGU, 1965, p.118-125.

Em co-autoria com Rosenfeld ele publicou:

1. ROSENFELD, B. A.; YUSHKIÉVITCH, A. P. Omar Kayyam. Moscou: Naúka,1965.

2. YUSHKIÉVITCH, A. P.; ROSENFELD, B. A. Djemshid Guiyacendi Al-Kashi. Chave para a Aritmética.

Tratado sobre o círculo. Trad. B. A. Rozenfeld. Moscou: Gostekhisdat,1956.

10O arquivo MacTutor História da Matemática é um website dedicado à história da matemática. A iniciativa foi concebida e promovida por seus

curadores, John J. O'Connor e Edmund F. Robertson. O conteúdo da Website é hospedado pela Universidade de St. Andrews, perto de Dundee, na Escócia. Ele recebe as contribuições editoriais de vários historiadores da matemática em diferentes países. (O'CONNOR; ROBERTSON, s/d)

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Bernadete Morey.

13 Anais do XII SNHM -2017

3. ROSENFELD, B. A.; YUSHKIÉVITCH, A. P. Sobre o tratado de Nasir al-Din al-Tusi sobre as linhas

paralelas. Istóriko-matematítcheskie Issledoványa, n. 13, 1960, p. 475-482.

4. ROSENFELD, B. A.; YUSHKIÉVITCH, A. P. Sobre o tratado de Qadi Zada al-Rumi sobre a determinação

do seno de um grau. Istóriko-matematítcheskie Issledoványa, N. 13, 1960, p. 533-538.

O trabalho de Youshkiévitch, foi fundamental em uma outra direção: juntamente com Arnost Kolman (1892-

1979) ele produziu a obra História da Matemática até o Renascimento em dois volumes, escrita para ser um manual

em História da Matemática. O primeiro volume, dedicado à matemática na Antiguidade, é de autoria de Kolman. O

segundo volume da obra, intitulado História da Matemática na Idade Média (Ver figura 2), é de autoria de

Yushkiévitch e tem quatro capítulos: 1. Matemática na China; 2. Matemática na Índia; 3. Matemática dos Países do

Islã; 4. Matemática na Europa Medieval.

O foco de nosso interesse é o terceiro capítulo. Nele, em 146 páginas de texto denso, o autor incorpora os

resultados de pesquisas recentes referente à história da matemática no Islã, que não apenas expõe novos fatos, mas

também leva a uma nova concepção da história da matemática no Oriente Médio e Próximo Medieval. Yushkiévitch

adotou uma abordagem temática ao assunto que o permitiu discorrer sobre unidades conceituais completas.

Inicialmente faz um breve apanhado histórico e logo a seguir se debruça em cada um dos tópicos dedicando uma seção

a cada um deles: sistema decimal posicional; frações; álgebra, (de al-Kwarizmi, al-Karaji, Abu Kamil e Omar

Khayyam); teoria dos números; frações decimais; álgebra geométrica; fundamentos da geometria e o postulado das

paralelas; matemática infinitesimal; trigonometria; técnicas computacionais aplicadas às tabelas trigonométricas;

cálculo de irracionais como π. Fecha o capítulo com uma seção sobre a influência da matemática islâmica no Ocidente

Medieval.

Figura 2. Página de rosto do segundo volume da

História da Matemática até o Renascimento

Fonte: (Yushkiévitch, 1961)

Este terceiro capítulo foi traduzido para o alemão e publicado como livro independente Leipzig em 1964. A

segunda edição alemã serviu de base para a tradução francesa publicada em Paris em 1976. Foram publicadas duas

resenhas sobre a tradução francesa: uma por Hugonnard-Roche na Revue D’Histoire des Sciences (HUGONNARD-

ROCHE, 1977) e outra por George Saliba no periódico Historia Mathematica em 1979 (SALIBA, 1979). Ambas as

resenhas são positivas em saudar o aparecimento da obra, porém, vamos nos deter em trechos da resenha de Saliba,

pois, sua análise tem ligação mais direta com o tema do presente artigo.

Saliba começa o texto de uma página de resenha dizendo que “esta é uma das raras ocasiões na qual o único

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A historiografia em russo sobre a matemática islâmica

14 Anais do XII SNHM -2017

livro existente é também um livro excelente.”11 (SALIBA, 1979). Outra fala do autor na resenha diz que “não há

dúvidas sobre que este livro permanecerá a única referência em matemática árabe por um longo tempo vindouro.”12

(SALIBA, 1979). Teremos de concordar com a avaliação de Saliba se levarmos em consideração que a obra de

Yushkiévitch sobre a matemática islâmica é resultante de fatores combinados: a) a localização das ruínas do

Observatório de Ulugh Beg, até há pouco tempo perdidas; b) a descoberta, nestas ruínas, de boa quantidade de

documentos originais; c) a existência, naquele momento, de um historiador e medievalista de peso, como

Yushkiévitch, capaz de mobilizar uma comunidade de pesquisadores em torno de uma tarefa complexa; d) a

combinação de fatores políticos e ideológicos que levaram o Estado Soviético a custear os recursos humanos e

financeiros necessários para o desenvolvimento das pesquisas; e) a presença de um medievalista competente (outra

vez Yushkiévitch) capaz de reunir os resultados recentemente obtidos e incorporá-los em um único relato

histórico/capítulo de livro de 146 páginas (em russo). Se pensarmos em tudo isto, de fato, este livro provavelmente

será a referência por um bom tempo.

Convém notarmos ainda outra observação do resenhista: ele diz que “deve-se notar com pesar que este livro

não foi ainda traduzido para o inglês.”13 (SALIBA, 1979). De fato, uma tradução para o inglês não existia em 1979,

ano em que Saliba escreveu sua resenha. Porém, já se passaram 38 anos e o fluxo de informações entre a Rússia e o

Ocidente aumentou. Minhas buscas até agora resultaram infrutíferas e inconclusivas. Nada posso afirmar sobre a

existência ou não de uma tradução da obra em questão para o inglês.

Considerações finais

De fato, pelo que vimos até agora, as primeiras publicações impulsionadas pelos resultados da expedição arqueológica

ao recentemente encontrado observatório de Ulugh Beg vieram à luz não muito antes de 1950. Por exemplo, o trabalho

monográfico e fundamental de Kari-Niyázov sobre a escola astronômica de Ulugh Beg foi publicado em 1950 (KARI-

NIYÁZOV, 1950). O artigo de Yushkiévitch no qual ele chama os pesquisadores para se debruçarem sobre os textos

encontrados no observatório é de 1951 (YUSHKIÉVITCH, 1951). Daí em diante as publicações sobre o tema (em

russo) foram se avolumando e em 1961 Yushkiévitch publica o seu livro História da Matemática na Idade Média em

quatro capítulos, sendo o terceiro capítulo dedicado à matemática islâmica (YUSHKIÉVITCH, 1961). Esse capítulo

foi traduzido primeiramente para o alemão e publicada como um livro independente em Leipzig em 1964. A edição

alemã serviu para a tradução francesa que foi publicada em 1976. Creio não ser exagero ou otimismo demasiado dizer

que temos, sim, usando as palavras de Struik (1954, p. 89) uma história da matemática “árabe” escrita por um

acadêmico competente.

Bibliografia

HOGONNARD-ROCHE, H. 1977. Adolf P. Youschkevitch, Les mathématiques arabes (VIIIe- XVe siècles), trad.

franc. de M. Gazenave et K. Jaouiche, préface de R. Taton, Paris, Vrin, 1976. In: Revue d'histoire des sciences, tome

30, n. 4, p. 371-373.

JEFF MILLES PAGES. (s/d) Images of Mathematicians on Postage Stamps. Images of Mathematicians on Postage

Stamps. http://jeff560.tripod.com/images/ulugh.jpg. Acesso em 15/06/2017.

KARI-NIYÁZOV T. N. 1950. Astronomítcheskaya Shkola Ulugh Beka. Moscou: Izdátelstvo Akademya Naúk URSS,

1950. (Em russo)

KARI-NIYÁZOV, T. N. 1965. Ulug Bek – Velíkiy astronom XV viéka. In: Iz istorii epokhi Ulug Beka. Tashkent.

(Em russo)

KARI-NIYÁZOV, T. N. 1966. Ulug Bek y Savay Djay Singh. In: Físiko-matematítcheskie naúki v stranakh

Vostoka. Moscou: Naúka. p. 247-255. (Em russo)

11 This is one of the rare instance where the only book on a subject is also an excellent book. (SALIBA, 1979) 12 There is no doubt that this book will remain the only reference to Arabic mathematics for a long time to come. (SALIBA, 1979) 13 Finally, one should note with regret that this book has not yet been translated into English. (SALIBA, 1979)

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Bernadete Morey.

15 Anais do XII SNHM -2017

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Goçudárstvennoie Izdátelstvo Físiko-matematítcheskoy Literatúri. Moskvá. (Em russo)

Bernadete Morey

Departamento de Matemática – UFRN – campus de

Natal - Brasil

E-mail: [email protected]

Page 24: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

16 Anais do XII SNHM -2017

DO REPOSITÓRIO DE CONTEÚDO DIGITAL NAS PESQUISAS EM HISTÓRIA DA

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

David Antonio da Costa

Universidade Federal de Santa Catarinas – UFSC – Brasil

Resumo

A constituição e o uso do Repositório de Conteúdo Digital utilizado pelo GHEMAT - Grupo de Pesquisa de História

da Educação Matemática para o desenvolvimento de projetos temáticos é o tema desta conferência paralela. Acolhido

nos servidores da Universidade Federal de Santa Catarina, este espaço virtual se estrutura em forma de pastas: textos

normativos, impressos pedagógicos, livros didáticos e manuais pedagógicos e, mais recentemente cadernos escolares,

compõem parte do acervo digitalizad. Estes documentos procedentes de diversas localidades são caracterizados por

metadados e inseridos no Repositório (https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1769) com acesso aberto à

comunidade para desenvolvimento das pesquisas em História da Educação Matemática.

Palavras-chave: Matemática, História, Repositório de Conteúdo Digital, GHEMAT.

USING DIGITAL CONTENT REPOSITORY IN RESEARCH OF THE HISTORY OF MATHEMATICAL

EDUCATION

Abstract

The constitution and use of the Digital Content Repository used by the GHEMAT - Mathematical Education History

Research Group for the development of thematic projects is the theme of this parallel conference. Accepted in the

servers of the Federal University of Santa Catarina, this virtual space is structured in the form of folders: normative

texts, pedagogical forms, textbooks and pedagogical manuals and, more recently, school notebooks, compose part of

the digitized collection. These documents from several localities are characterized by metadata and inserted in the

Repository (https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1769) with open access to the community for the

development of research in History of Mathematics Education.

Keywords: Mathematics, History, Digital Content Repository, GHEMAT.

Introdução

O Repositório constitui-se de um espaço virtual no qual têm sido alocadas as fontes digitalizadas dos projetos coletivos

de pesquisa do GHEMAT. Dessa forma o Repositório assume como objetivo, por exemplo, a disponibilização das

imagens digitalizadas de fontes primárias para a comunidade científica. É “uma forma de armazenamento de objetos

digitais que tem a capacidade de manter e gerenciar material por longos períodos de tempo e prover o acesso

apropriado” (VIANA et al, 2005).

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 25: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

David Antonio da Costa

17 Anais do XII SNHM -2017

Os repositórios digitais se filiam a uma área na qual se aplicam as tradicionais expertises da biblioteconomia

em uma ambiência virtual. Fundamentalmente, o trabalho é semelhante aquele realizado numa biblioteca: catalogar,

aspectos da curadoria, disseminação e preservação da informação. Mas na prática, o trabalho cotidiano é muito

diferente, com implicações tanto nos recursos materiais quanto nos recursos humanos. Isso será melhor detalhado

posteriormente.

O Repositório que acolhe as fontes digitalizadas para pesquisas em História da Educação da Educação

Matemática encontra-se “fisicamente” sediado na Universidade Federal de Santa Catarina1, uma das diversas

instituições de ensino e pesquisa na qual alguns membros do GHEMAT filiam-se. Baseado na estrutura do DSpace2 ,

com arquitetura simples e eficiente, o Repositório utiliza-se de tecnologia de ponta e está direcionado ao acesso aberto,

intencionalmente criado para esta finalidade.

A estrutura do Repositório constitui-se na forma de subunidades naturais e “comunidades” onde cada

comunidade tem suas “coleções” que, por sua vez, contém “itens” que representam os conteúdos digitais. Todas estas

informações são alimentadas por metadados que têm como finalidade facilitar a localização e recuperação das

informações. Ou seja, todos os registros podem ser acessados por palavras-chave ou qualquer outro sistema de busca

mais avançado (CAFÉ et al., 2003).

A pesquisa histórica – uma operação

Toda a pesquisa em história se articula a partir de um lugar. Para aqueles que desejam transitar em pesquisas na área

da história, este é um dos ensinamentos de Michel de Certeau. O lugar de onde o pesquisador fala é onde ele se

encontra, de onde partem suas ideias, seus argumentos. Não há pesquisador que esteja isento das questões de sua área

de pesquisa ou neutro quanto às suas experiências com o conhecimento e com a vida.

Sendo assim, toda interpretação histórica depende de um sistema de referência que dará sentido a um

determinado documento, que estando a parte deste sistema não ganha significado relevante (CERTEAU, 2013).

O lugar do pesquisador não é um lugar qualquer, é um lugar social ao qual o pesquisador pertence e

compartilha das mesmas referências. Assim, há uma estreita ligação entre a instituição social vivenciada pelo

pesquisador e a definição do saber, sendo que tal saber é tido como “a lei de um grupo e a lei de uma pesquisa

científica” e seria impossível analisar o discurso histórico independentemente da instituição em função do qual ele se

organiza (CERTEAU, 2013).

Para Certeau (2013), uma obra de valor em história é,

“(...) aquela que é reconhecida como tal pelos seus pares. Aquela que pode ser situada num conjunto

operatório. Aquela que representa um progresso com relação ao estatuto atual dos “objetos” e dos

métodos históricos e, que, ligada ao meio no qual se elabora, torna possível, por sua vez, novas

pesquisas. (...) é, ao mesmo tempo, resultado e um sintoma do grupo que funciona como um

laboratório” (CERTEAU, 2013, p. 57).

A palavra “operação” é bastante propícia para identificar o trabalho de construção do objeto histórico, pois é

assim que os pesquisadores do GHEMAT compreendem uma pesquisa histórica: como uma produção. A história como

uma produção, concebida por Michel de Certeau (2013, p. 64), aponta a construção do objeto por meio de uma

operação. Nota-se que o uso de palavras como “operação” e “construção” demanda um sentido de ação, especificando

que “fazer história é uma prática”.

E “operar” para que se constitua em história, requer uma prática científica. Com relação a uma operação

específica de um objeto histórico, Certeau (2013, p. 65) argumenta que “a história é mediatizada pela técnica”. Sendo

1 Tal atividade é coordenada pelo Prof. Dr. David Antonio da Costa, professor credenciado do Programa de Pós Graduação em Educação Científica

e Tecnológica da UFSC. 2 DSpace é um software livre desenvolvido em parceria com MIT – Massachusetts Institute of Technology e a Hewlett Packard Corporation. Para maiores detalhes ver: Costa, D.A.; Arruda, J.P. (2012)

Page 26: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

O uso do Repositório de Conteúdo Digital nas pesquisas em história da educação matemática

18 Anais do XII SNHM -2017

assim, ao operar com o objeto histórico há todo um trabalho “sobre um material para transformá-lo em história”. Mas,

pode-se perguntar: que material?

Certeau (2013, p. 67) responde a pergunta apontando que o pesquisador “trabalha, de acordo com os seus

métodos, os objetos físicos (papéis, pedras, imagens, sons, etc.)”, que se fizeram perceber como pertinentes a seus

questionamentos, sua problematização. Esses objetos, considerados como fontes de pesquisa pelo pesquisador,

necessitam ser separados e redistribuídos conforme o sistema de referência que acompanha a pesquisa.

Para Certeau (2013, p. 69):

“Em história, tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar em ‘documentos’

certos objetos distribuídos de outra maneira. Esta nova distribuição cultural é o primeiro trabalho.

Na realidade ela consiste em produzir tais documentos, pelo simples fato de recopiar, transcrever

ou fotografar estes objetos mudando ao mesmo tempo o seu lugar e o seu estatuto”. (CERTEAU,

2013, p. 69)

Essa transformação que o pesquisador realiza com os documentos transforma-o na condição de um ator na

“cadeia de uma história por fazer (ou por refazer)”. O trabalho dos pesquisadores do GHEMAT ao garimpar, analisar

suas respectivas fontes e inseri-las no Repositório, constroem coletivamente uma coleção. “Dessa maneira, a coleção,

produzindo uma transformação dos instrumentos de trabalho, redistribui as coisas, redefine unidades de saber, instaura

um lugar de recomeço (...)” (CERTEAU, 2013, p.71).

Estes documentos assumem o estatuto de fontes de pesquisa, a partir das problematizações dos pesquisadores,

motivados pelas temáticas dos projetos coletivos. O estabelecimento das fontes a partir de novos aparatos tecnológicos

proporcionados pelo uso do Repositório, principia “uma redistribuição epistemológica dos momentos da pesquisa

científica (CERTEAU, 2013, p.75). Ir aos arquivos ganha gradualmente outros significados uma vez que a instituição

técnica organiza o lugar onde circula a pesquisa científica.

A pesquisa histórica ao lançar mão de ferramentas computacionais, segundo Certeau (2013) leva o historiador

a separar aquilo que esteve ligado ao seu trabalho até hoje: a construção de objetos de pesquisa e das unidades de

compreensão; a acumulação dos dados e sua arrumação/deslocamentos para classificação; e a exploração viabilizada

por estas operações precedentes. Pela possibilidade do uso computacional, o trabalho teórico se desempenha na relação

entre os polos extremos da operação inteira: a construção dos modelos e a atribuição de uma significabilidade aos

resultados obtidos ao final de combinações informáticas.

O Repositório em ação

Os primeiros documentos inseridos no Repositório foram os itens que compunham o conteúdo do DVD “A Educação

Matemática na Escola de Primeiras Letras 1850-1960: um inventário de fontes” (2010). Esta mídia foi um dos produtos

técnicos do projeto de mesmo nome, organizado pelo Prof. Wagner Rodrigues Valente. Na ocasião trabalharam seis

pesquisadores do GHEMAT que digitalizaram um conjunto de documentos utilizados nas suas respectivas pesquisas:

revistas pedagógicas, livros didáticos, manuais de ensino, provas de alunos e legislação escolar. Um dos aspectos

coletivos do trabalho do GHEMAT diz respeito à elaboração de bancos de dados que venham a constituir fontes para

os projetos em desenvolvimento e interessados em investigar a história da educação matemática no Brasil.

A potencialidade do uso do Repositório para as pesquisas em história da educação matemática tem se

demonstrado muito fértil. E esta afirmação é resultado da possibilidade da estruturação do seu espaço virtual,

dimensionado nas comunidades e coleções, em direta correlação com os tipos de fontes que se deseja arquivar. Isto é,

para inserir os documentos digitalizados que estavam no DVD mencionado, estruturaram-se as coleções do

Repositório em pastas e subpastas cujos nomes seguiam a natureza das fontes. As primeiras pastas nominadas no

Repositório foram: LEGISLAÇÃO ESCOLAR, LIVROS DIDÁTICOS E MANUAIS PEDAGÓGICOS, REVISTAS

PEDAGÓGICAS.

Este movimento da criação, desenvolvimento da estrutura do Repositório e das inserções dos documentos

Page 27: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

David Antonio da Costa

19 Anais do XII SNHM -2017

(chamados de itens) cresceu demasiadamente motivado por um dos projetos temáticos, de âmbito nacional, de grande

envergadura empreendido pelo GHEMAT: A constituição dos saberes elementares matemáticos: a Aritmética, a

Geometria e o Desenho no curso primário em perspectiva histórico-comparativa, 1890-19703. Acompanhando o

desenvolvimento do projeto, foram criadas pastas no Repositório que receberam documentos procedentes de todos os

pesquisadores dos mais diferentes estados da federação.

Muitas ações foram criadas e desenvolvidas especialmente para atender as necessidades das inserções das

digitalizações das fontes. Trânsito de arquivos entre os pesquisadores de outros estados com o coordenador do

Repositório em Florianópolis, normatização de dados suficientemente claros e precisos para a categorização das

fontes, são alguns dos exemplos dos desafios que pouco a pouco foram vencidos.

Fig. 1 – Tela do Repositório

Fonte: < https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1769>. Acesso em 01 abr. 2017.

Atualmente temos pastas de documentos digitalizados dos estados Alagoas, Amazonas, Bahia, Distrito

Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Paraná,

Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe e São Paulo. Em síntese,

dezenove estados brasileiros mais o Distrito Federal constituem coleções do Repositório.

A concepção do projeto financiado pelo CNPq permitiu a coordenação dos trabalhos nos diversos estados

graças a sua realização em etapas, levando-se em conta a especificidade das fontes a serem utilizadas. Assim, no

primeiro ano de realização do projeto foram privilegiados os documentos oficiais para o ensino de matemática. Em

fase posterior foram os impressos pedagógicos, seguidos pelos livros e manuais pedagógicos. Contemporaneamente

os cadernos escolares passaram a receber a atenção dos pesquisadores do grupo.

Livros didáticos e manuais escolares4 compõe uma das coleções do Repositório com mais de quatro centenas

3 Projeto com auxílio a pesquisa, Edital Universal Faixa C. Processo CNPq 470400/2012-9 4 Para maiores detalhes ver em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1772>. Acesso em: 01 abr. 2017.

Page 28: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

O uso do Repositório de Conteúdo Digital nas pesquisas em história da educação matemática

20 Anais do XII SNHM -2017

de títulos. Os cadernos escolares5 também estão presentes e são as fontes privilegiadas nos diversos subprojetos

desenvolvidos nos estados no primeiro semestre de 2017. Vale ainda considerar a importância da realização dos

Seminários Temáticos no âmbito do projeto nacional, espaço no qual para além da troca e debate das pesquisas em

desenvolvimento, tem permitido a capacitação de novos alunos e professores para digitalização e divulgação dos

documentos nos diferentes estados, a partir da realização de oficinas de digitalização coordenada pela equipe de São

Paulo, ocorrida durante o XIV e no próximo XV seminários6.

Como apresentado no início deste texto, os itens inseridos no Repositório estão disponíveis por acesso aberto

a qualquer usuário da internet. E é por meio desse acesso, pela internet, que todas as ações de inserção/manutenção

do Repositório são realizadas. A coordenação está presente na UFSC – Campus Florianópolis, mas por meio de

diferentes níveis de acesso, são estabelecidas e delegadas tarefas aos usuários intitulados como administradores locais.

Nos estados onde há um número maior de pesquisadores, foram nomeados administradores locais que organizam e

gerenciam diretamente as inserções nas respectivas pastas. Cabe, desta forma, ao coordenador geral a moderação

destas ações, assim como a determinação das normativas, como a criação de tutoriais que visam o aprimoramento e

adequações dos processos envolvidos com as inserções das fontes.

São Paulo e Rio Grande do Sul são exemplos de estados que possuem administradores locais do Repositório,

isto é, desde as instituições de pesquisas paulistas e gaúchas são realizadas diretamente inserções dos documentos.

Este procedimento garante agilidade e precisão dos dados que se desdobra na maior quantidade de documentos

inseridos procedentes destes estados. Mestrandos e doutorandos participam e colaboram nos trabalhos técnicos de

preparação das fontes: digitalização, catalogação e descrição dos chamados metadados. Estas são algumas das tarefas

coordenadas diretamente nestas localidades.

Na medida que em São Paulo e Rio Grande do Sul se delegam tarefas mais complexas com o Repositório,

potencializa-se a formação dos pesquisadores em novas dimensões. A preparação dos itens para serem inseridos no

Repositório passa por uma reflexão crítica para a boa caracterização das fontes. Será por meio desta caracterização,

pela construção dos metadados, que as ferramentas computacionais identificarão no banco de dados estes itens a partir

dos mecanismos de busca.

Compreende-se que a elaboração dos metadados a partir das fontes permitem um olhar mais crítico para a

própria fonte. Ou seja, o procedimento descrito acima revela um salto qualitativo no paradigma do fazer pesquisa em

história da educação matemática com uso do Repositório em pelo menos dois pontos: para inserir um item, este deve

ser exaustivamente estudado e categorizado – o que implica um trabalho intenso de análise sobre a fonte de pesquisa,

deixando um grande legado de conhecimento acerca deste item para quem as depositou. Por outro lado, por meio da

boa caracterização, o documento passa a ser acessado facilmente por outros pesquisadores que se apropriam do item

contextualizado pelos seus respectivos metadados.

Pesquisadores de outros estados que não possuem administradores locais encaminham arquivos da

digitalização dos documentos por meio eletrônico, seja email, compartilhamento por drives em nuvem, etc, para o

coordenador na UFSC. Todos os processos de inserção para os demais pesquisadores do GHEMAT não vinculados a

SP ou RS são realizados em Florianópolis.

Como dito, o esforço coletivo dos diferentes estados, com situações diferenciadas,

permitiu chegarmos o número total de mais de 3400 documentos digitalizados no Repositório.

Bibliografia

CAFÉ, L. et al. 2003. Repositórios institucionais: nova estratégia para publicação científica na Rede Anais do 26

Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Belo Horizonte.

CERTEAU, Michel de. 2013 (3ª Ed.). A escrita da história. Tradução de Maria de Lourdes Menezes, Rio de Janeiro:

Forense Universitária.

5 Para maiores detalhes ver em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/160300>. Acesso em: 01 abr. 2017. 6 Para maiores detalhes, seguem os sitios dos seminários temáticos em suas versões XIV e XV ocorrido em Natal/RN e brevemente em Pelotas/RS,

respectivamente. Ver em: <http://xivseminariotematico.paginas.ufsc.br/>. Acesso em 01 abr. 2017 e <http://xvseminariotematico.paginas.ufsc.br/>. Acesso em 01 abr. 2017.

Page 29: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

David Antonio da Costa

21 Anais do XII SNHM -2017

COSTA, David Antonio da. ARRUDA, Joseane Pinto de. 2012. Repositório institucional de fontes para a história da

educação matemática na Universidade Federal de Santa Catarina. Anais do 1 Encontro Nacional de Pesquisa em

História da Educação Matemática. Vitória da Conquista.

VIANA, Cassandra Lúcia de Maya; MÁRDERO ARELLANO, Miguel Ángel; SHINTAKU, Milton. 2005.

Repositórios institucionais em ciência e tecnologia: uma experiência de customização do DSpace. Anais do 3º

Simposio Internacional de Bibliotecas Digitais. São Paulo.

David Antonio da Costa

Departamento de Metodologia de Ensino –

MEN/CED/UFSC – campus de Florianópolis - Brasil

E-mail: [email protected]

Page 30: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

22 Anais do XII SNHM -2017

A MATEMÁTICA NO PARMÊNIDES DE PLATÃO: UM EXEMPLO DE COMO A FILOSOFIA

PODE AUXILIAR A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA ANTIGA*.

Gustavo Barbosa

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Brasil

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo analisar o diálogo Parmênides de Platão sob a ótica da História e da Filosofia

da Matemática. A questão diz respeito às contribuições de obras de filosofia e outras manifestações culturais, como a

medicina e a história, à contextualização da matemática na Grécia no período pré-euclidiano. A natureza bibliográfica

da pesquisa tem como fonte primária diversas traduções do texto de Platão, em línguas diferentes. Os comentários e

edições críticas auxiliam na compreensão das possibilidades hermenêuticas do Parmênides, bem como do fundo

conceitual sobre o qual a matemática é projetada. Do mesmo modo, são considerados elementos filológicos do

desenvolvimento científico na Grécia antiga.

Palavras-chave: Matemática, História, Platão, Parmênides.

THE MATHEMATICS IN THE PLATO’S PARMENIDES: AN EXAMPLE OF HOW PHILOSOPHY CAN HELP THE HISTORY OF

MATHEMATICS

Abstract

The present paper aims to analyze the dialog Parmenides of Plato from the point of view of the History and Philosophy

of Mathematics. The issue concerns the contributions of works of philosophy and other cultural manifestations, such

as medicine and history, to the contextualization of mathematics in Greece in the pre-Euclidean period. The

bibliographical nature of the research has as its primary source several translations of Plato's text, in different

languages. The commentaries and critical editions assist us to understand the hermeneutic possibilities of the

Parmenides, as well as the conceptual background upon which mathematics is projected. In the same way, philological

elements of scientific development in ancient Greece are considered.

Keywords: Mathematics, History, Plato, Parmenides.

Uma breve observação hermenêutica

Iniciamos essa apresentação com uma breve observação a respeito das dificuldades hermenêuticas que o

Parmênides de Platão apresenta. Se há um único ponto de concordância na longa tradição hermenêutica deste diálogo,

é que não há concordância unânime com relação à sua interpretação.

Não é o nosso propósito fazer um estudo da multitude de interpretações da obra de Platão, embora precisamos

estar atentos a elas quando cotejamos o Parmênides com a sua literatura crítica. As tendências hermenêuticas tornam-

se terreno de interesse para a História da Matemática se consideramos o modo como a matemática aparece em cada

uma de suas possibilidades. Por exemplo, para aqueles que consideram o Parmênides como uma espécie de exercício

lógico-crítico, a matemática que aparece diversas vezes no texto deve contribuir para esta perspectiva, isto é,

*Este trabalho apresenta resultados parciais de dois estágios de pós-doutoramento subsidiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de

São Paulo (FAPESP - Processo nº 2014/05437-0, e Processo BEPE nº 2016/26690-6).

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 31: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Gustavo Barbosa

23 Anais do XII SNHM -2017

manifestando-se mais como um jogo e afastando-se, portanto, da metafísica. Por outro lado, os que nele veem uma

mensagem metafísico-positiva, ou seja, uma renovação do pensamento de Platão, a matemática torna-se carregada de

significados, e tem um valor maior na doutrina de Platão. Em ambos os casos, a matemática que encontramos no

diálogo remete, ora a antigas doutrinas, como o Pitagorismo, ora a novos campos de investigação.

No Parmênides, Platão incorpora as ciências matemáticas aos problemas filosóficos, assim como o faz também

em outros diálogos, como o Mênon, A República, o Teeteto, o Filebo e o Timeu, por exemplo. Aos números, formas

geométricas e movimentos (astronomia e harmonia) recai um importante papel epistemológico. Além disso, Platão

recorre a um conjunto de ciências bem conhecidas e consolidadas em sua época, concomitante a métodos que poderiam

estar em fase de ajustes, e por isso, discutidos e praticados na Academia. O texto homogeneíza descobertas que

remetem ao Pitagorismo com a pesquisa das proporções, de Eudoxo, por exemplo. Nosso propósito é esboçar, de

forma tão precisa quanto possível, um quadro desta matemática que vem chamada em causa no Parmênides.

Acerca do molde dramático

A tradição considera uma divisão do diálogo em duas partes. A primeira, a saber, que vai de 127a até 137c1,

apresenta-nos o argumento de Zenão de Eléia contra a multiplicidade, seguido pela introdução da doutrina das Ideias,

por Sócrates, e pelas observações de Parmênides quanto a esta. Na segunda parte, entre 137c e 166c, encontramos

uma exibição do método hipotético-dedutivo, que Parmênides recomenda a Sócrates se exercitar. Tomando como

interlocutor um jovem chamado Aristóteles – “pois é quem menos ergueria dificuldades, e o que mais responderia

aquilo que pensa” (PLATÃO, 2005, p. 53) –, Parmênides disseca um conjunto de hipóteses relativas ao ser.

Sobre Parmênides é dito que ele “já era bem idoso, de cabelos bastante grisalhos, mas de nobre e bela

aparência, de idade por volta de sessenta e cinco anos”2. A respeito de Zenão, é dito que “estava perto de seus quarenta

anos, de belo porte e de aspecto agradável”3. E de Sócrates, por fim, que “era nessa época bastante jovem”4. Os eleatas

Parmênides e Zenão encontravam-se em Atenas em virtude das Grandes Panatenéias, festividades que mobilizavam

visitantes de todas as partes da Grécia. Zenão havia trazido consigo os seus escritos e estava fazendo a leitura deles

na casa de Pitodoro, que por sua vez estava do lado de fora do recinto, junto com Parmênides e o jovem Aristóteles.

Pitodoro é o narrador, que nos conta que ele e seus companheiros adentraram no local quando Zenão estava no final

de seu texto, e por isso o leitor do Parmênides fica sem saber o seu conteúdo.

A estrutura dos argumentos de Zenão

Terminada a leitura do escrito de Zenão, Sócrates pede-lhe que leia novamente a primeira hipótese do

primeiro argumento (127d). Uma hipótese (hypothesis) tem o significado de base, fundamento, literalmente o que está

por baixo, tendo sido assimilada pelo vocabulário científico para indicar o ponto de partida, o princípio (arche) de

uma pesquisa. A hipótese é, portanto, uma afirmação sem valor conclusivo imediato, cuja verdade ou falsidade

dependerá das consequências que dela derivam e da força dessas conexões. Após tê-la ouvido, Sócrates questiona:

“Que queres dizer com isso, Zenão? Que, se os seres são múltiplos, então é preciso que eles sejam

tanto semelhantes quanto dessemelhantes, mas que isso é impossível, pois nem as coisas

dessemelhantes podem ser semelhantes nem as semelhantes, dessemelhantes. [...] Então, se é

impossível as coisas dessemelhantes serem semelhantes e as semelhantes, dessemelhantes, é

1 Ao longo deste trabalho, utilizaremos por vezes a numeração das páginas das obras de Platão segundo a fundamental edição de Henry Estienne,

também conhecido por Stephanus. Esse sistema é composto por um número que corresponde a uma página, e por uma letra, que corresponde a um

parágrafo. Pode-se eventualmente acrescentar um número, que indica a linha em questão. Essa numeração consta em todas as edições em formato bilíngue, e, portanto, não se restringe a um exemplar em particular. 2 Ibid., p. 23. 3 Ibid., p. 23. 4 Ibid., p. 23.

Page 32: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

A matemática no Parmênides de Platão ...

24 Anais do XII SNHM -2017

também impossível haver múltiplas coisas, não é? Pois, se houvesse múltiplas coisas, seriam

afetadas pelo que é impossível”. (PLATÃO, 2005, p. 25)

Um esquema dessa argumentação pode ser feito da seguinte forma:

Segundo Proclus, em seu comentário ao Parmênides (1987, p. 72), os argumentos de Zenão eram quarenta

ao todo. Alguns deles chegaram a nós por meio de Aristóteles em sua Física, outro por Simplício no seu comentário

à mesma obra. Pode-se afirmar que, apesar de diferirem quanto às premissas, os argumentos de Zenão tinham todos

uma mesma estrutura paradoxal que resultava na impossibilidade da multiplicidade.

O cerne da argumentação de Zenão são as consequências conflitantes obtidas de uma hipótese formulada a

partir dados empíricos. O procedimento empregado é a refutação (elenchos), cuja origem encontra-se no poema de

seu mestre Parmênides, Da Natureza (2002). Nesta obra, a deusa adverte o poeta a tomar decisões mediante a razão,

ao argumento (logos), à faculdade racional; em oposição aos costumes, aos sentidos, à opinião (doxa). Ainda sobre a

representação feita acima do argumento de Zenão, destacam-se dois princípios lógico-argumentativos que

conhecemos como princípio de não contradição e princípio do terceiro excluído.

No caldo cultural da Grécia dos séculos VI a III a.C, o elenchos se alastra e é absorvido por outros saberes,

como a medicina e as ciências matemáticas. O método de demonstração indireta por antonomásia na matemática é a

redução ao absurdo, técnica esta que se encontra bem consolidada nos Elementos de Euclides, e que tem se mostrado

indispensável para a prática da matemática desde então.

Duas naturezas de demonstração

Sócrates questiona Zenão a respeito de seus argumentos:

“Crês ser prova [tekmerion] para ti cada um dos argumentos [logoi], de sorte que também acreditas

apresentar tantas provas [tekmeria] de que não há múltiplas coisas quantos argumentos

escrevestes?”. (PLATÃO, 2005, p. 25)

Depois da confirmação de Zenão, Sócrates se dirige a Parmênides e lhe diz que as provas de Zenão não

afirmam outra coisa senão o mesmo que sua tese em seu poema:

“Pois tu, em teus versos, afirmas o todo ser um, e disso apresenta belas e boas provas [tekmeria].

Ele, por sua vez, afirma não ser múltiplas coisas, e também ele apresenta provas [tekmeria]

numerosas e de muito peso”. (PLATÃO, 2005, p. 25)

Como destacado nas passagens, o termo empregado por Platão para se referir às provas eleáticas é o

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25 Anais do XII SNHM -2017

substantivo tekmerion, derivado de tekmar, que Homero utiliza como sinal, emblema, para designar um prenúncio dos

deuses. O tekmerion possui a acepção geral de símbolo, característica, evidência, algo possível de ser determinado5.

Os rastros do uso desta palavra nos mostram como ela se tornou terminus technicus no âmbito da história e da medicina

antiga.

Dois dos maiores historiadores da Antiguidade, Heródoto (484 – 407 aprox.) e Tucídides (460/455 – 404

aprox.), recorreram a tekmerion em suas obras como fundamento para os seus discursos. Quanto ao primeiro, há três

ocorrências significativas de tekmerion em sua História (2.13.1, 3.38.10 e 7.238.4). Em todos os casos a acepção geral

é de evidência, testemunho, algo verificável de acordo com os relatos ou sentidos. Com relação ao segundo, há também

três empregos de tekmerion em sua Guerra do Peloponeso (1.1.3, 2.39.2 e 3.104.6). Neles, consta o mesmo significado

empírico, factual e verificável6. Os relatos se constituem como fatos apresentados sob forma de provas retóricas, a

fim de persuadir os seus leitores e ouvintes, e versam sobre descrições de batalhas, testemunhos de acontecimentos,

detalhamentos geográficos. Servindo de fundamentação à credibilidade do historiador.

Na segunda metade do século V a. C., o mundo grego testemunhou o surgimento de obras que definiram os

preceitos de variadas disciplinas, ofícios ou artes – todas elas englobadas pela denominação mais geral, technai. Os

textos que delineiam a techne médica como um âmbito profissional bem definido competem a Hipócrates de Cós (460

aprox. – 370 aprox.), considerado o médico mais famoso de sua época. O seu estilo é crítico e rigoroso, com uma

cuidadosa descrição de enfermidades e sintomas, associando a eles os devidos tratamentos. Na escrita de Hipócrates

encontramos o tekmerion utilizado como sinal, indicando um sintoma decorrente de um comportamento ou

anormalidade, e também como evidência que comprova ou reforça alguma afirmação do médico7. O termo serve tanto

para auxiliar a determinação de um diagnóstico, quanto para legitimar a eficácia de um tratamento.

Os textos de Hipócrates contribuíram ainda para a consolidação de uma epistemologia, dado que em muitos

deles verifica-se um debate contra possíveis detratores da ciência médica. A afirmação da medicina ocorre, portanto,

seja pelos exemplos – as provas, evidências, indícios, pela identificação das causas dos males e seus respectivos

tratamentos –, como pela refutação teórica de seus adversários. Uma comparação entre Hipócrates e Zenão de Eléia

não seria descabida, no sentido da diligência de um espírito polêmico que almeja legitimar a sua doutrina, tornando

evidente o quão absurdas seriam as consequências de sua negação. A defesa hipocrática de sua techne mediante o

elenchos é, por isso, um exemplo significativo de como a metodologia eleática desloca-se da esfera da filosofia para

outras áreas do saber.

O léxico de Platão8 aponta setenta e duas ocorrências de tekmerion ao longo de todo o seu corpus. Mesmo

considerando-se que Platão evita fixações terminológicas, a aplicação que ele faz de tekmerion não se desvencilha de

um significado geral de evidência, ou prova argumentativa, isto é, como conformação do que está sendo falado com

os fatos que se apresentam. Portanto, ao designar as provas eleáticas por tekmerion, Platão enfatiza com este termo

os aspectos empíricos desta doutrina. De fato, os paradoxos lógicos de Parmênides e Zenão decorrem de situações do

mundo sensível. Para Sócrates, nada há de espantoso (thaumastos) em ver que as coisas sensíveis participam tanto da

semelhança quanto da dessemelhança (129b1). Um homem, por exemplo, é semelhante a si mesmo, entretanto, o seu

lado esquerdo é dessemelhante do direito, assim como sua parte da frente é dessemelhante da de trás, e do mesmo

modo com relação à parte inferior e posterior.

“Mas se aquilo que é realmente um, alguém demonstrar [apodeixei] que isso mesmo é múltiplas coisas, e, de

outra parte, que o múltiplo é um, já disso me espantarei” (PLATÃO, 2005, p. 29)9, afirma Sócrates. Ele está se

referindo às Ideias (eidos) mesmas em si mesmas, ou seja, à própria semelhança e dessemelhança, e todos os outros

contrários, como a grandeza e a pequenez, o repouso e o movimento, etc. Nesse contexto, ao longo de todo o trecho

em que trata da filosofia platônica, Sócrates se refere à demonstração por meio do substantivo apodeixis e do verbo

apodeiknymi. É significativo que o vocabulário do filósofo mude conforme ele se afasta de um referencial sensível

5 Segundo o dicionário de Liddell-Scott-Jones, cuja versão online pode ser acessada em:

http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=tekmh%2Frion&la=greek&can=tekmh%2Frion0&prior=soi&d=Perseus:text:1999.01.0173:text=P

arm.:section=127e&i=1#lexicon. 6 Cf. FELDHERR; HARDY, 2011. 7 Cf. JOUANNA, 1999. 8 RADICE, 2003, versão digital sem paginação. 9 Os grifos em um são do autor; em demonstrar, nosso.

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A matemática no Parmênides de Platão ...

26 Anais do XII SNHM -2017

como recurso para compreender a realidade.

A atividade filosófica no pensamento de Platão trata de coisas superiores às do mundo em que vivemos. O

seu objeto são as coisas apreendidas pelo pensamento em detrimento dos sentidos, dedicando-se às causas de as coisas

sensíveis serem como são, contraditórias. Desse modo, a superioridade da proposta ontológica de Platão corresponde

ainda ao âmbito epistemológico10, o que se pode depreender da fala de Sócrates a Zenão:

“Quanto àquelas coisas [i. e., as coisas sensíveis], acredito terem sido tratadas por ti com muita

coragem. Entretanto, eu, como digo, me encantaria muito mais se alguém pudesse, essa mesma

aporia, da maneira como a expuseste no caso das coisas que se vêem, exibi-la, dessa mesma

maneira, também no caso das coisas apreendidas pelo raciocínio, entrelaçada de todos os modos

nas formas mesmas”. (PLATÃO, 2005, p. 31)11

Quanto ao uso da apodeixis na tradição antiga, encontramo-la em um famoso fragmento atribuído a Árquitas

de Tarento (DK 47 B 4)12, em que ele defende a superioridade da ciência do cálculo (logistikos) e da geometria sobre

as outras artes (technai), quando tratando-se de questões de sabedoria (sophia). Para Arquitas: “onde a geometria se

dá por vencida, a ciência do cálculo lhe fornece a demonstração [apodeixias]” (REALE, 2012, p. 890-891)13. Segundo

Mugler (1958, p. 74), a apodeixis foi posteriormente consolidada como sinônimo de demonstração matemática por

Arquimedes, Apolônio de Perga, Pappus e Proclus. Assim, já no tempo de Platão, pode-se afirmar que os termos

tekmerion e apodeixis não eram exatamente sinônimos, pois mesmo referindo-se a uma evidência, o segundo sugeria

algo mais do que uma apreensão sensitiva, uma compreensão. O exame das propriedades de uma figura geométrica

exige competências distintas daquelas usadas para confirmar uma experiência, sem, contudo, renunciar a elas.

A matemática nas hipóteses – uma visão geral

A consequência que decorre da primeira hipótese de Parmênides é que o um não seria múltiplas coisas, pois

se o fosse, a sua multiplicidade indicaria partes de um todo. Ao mesmo tempo, se o um fosse uma totalidade, seria

uma soma de partes. A dicotomia todo-partes leva à próxima consequência, a saber, a de que o um não tem forma

geométrica. Escrita de maneira concisa, a sequência argumentativa de Parmênides é a seguinte:

i. “Se não tem nenhuma parte, não teria nem princípio, nem fim nem meio” (PLATÃO, 2005, p. 53)14;

ii. o princípio e o fim são limites (peras) de cada coisa;

iii. e o um será ilimitado (apeiron);

iv. logo, sem forma/figura (schema);

v. e, portanto, não participa nem do redondo (strongylos) nem do reto (euthys);

vi. “redondo é, penso, aquilo cujas extremidades, em todos os pontos, distem igualmente do meio”15,

“e reto, por sua vez, aquilo cujo meio está entre ambas as extremidades”16.

A concepção de figura (i) para os gregos antigos não se tratava de uma simples representação geométrica de

um determinado objeto. Mais do que isso, as figuras traziam em si todas as possibilidades de divisões e intervenções,

pois era por meio delas que se efetuavam as demonstrações. Do mesmo modo como um escultor vê a estátua de um

deus em um bloco de mármore, um geômetra via a demonstração em uma figura. O trabalho de ambos era transformar

10 Tanto o mito da caverna quanto a metáfora da linha dividida, ambos na República, são representados por uma linguagem que indica uma

verticalidade, uma ascensão, uma dinâmica das sombras à luz, da noite ao dia, da ignorância ao conhecimento gradual das sombras, passando depois

para os objetos sensíveis, até transcende-los, por intermédio do conhecimento matemático, para então chegar às Ideias. 11 Tradução com modificações. 12 Utilizamos aqui a referência padrão da coletânea de fragmentos e testemunhos dos pré-socráticos feita por Herman Diels e Walther Kranz. O

texto consultado é a versão italiana, de Giovanni Reale, cuja referência completa encontra-se na bibliografia. 13 Tradução nossa. 14 Grifo nosso. 15 Ibid., p. 55. 16 Ibid., p. 55, tradução com modificações, grifo nosso.

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27 Anais do XII SNHM -2017

aquela potência em ato. O papel das figuras na geometria grega era o de possibilitar a realização de operações gráficas,

de onde se obtinha novas propriedades mediante as relações estabelecidas. Por isso, figuras eram consideradas um

todo formado por partes.

A noção metafísica de figura, que Platão herda e transmite, considera os limites como sendo mais do que uma

mera restrição espacial que constitui identidade. Nas Leis (IV, 715e-716a), o Ateniense diz que “como ensina uma

antiga doutrina”, o deus determina o princípio, o meio e o fim de todos os seres (REALE, 2010, p 1535)17. Quanto a

estes três elementos, Aristóteles declara no De Caelo (I 1, 268a) que: “como dizem os Pitagóricos, o universo e tudo

o que há nele é determinado pelo número três, uma vez que o início e o meio e o fim dão o número do universo, e este

número é a tríade” (BARNES, 1995, p. 911)18. Uma conjectura é que a tríade guardaria o segredo da geração de

triângulos retos por meio dos números inteiros básicos (3, 4 e 5) codificados na tetraktys19.

“Parece haver certa indicação disso na designação pitagórica do número 5 como

“casamento”, o qual é explicado como a união que liga o número 3 (que é ímpar,

portanto, macho) ao número 4 (que é par e, portanto, fêmea). Dessa maneira, pode-se

considerar que a fórmula numérica mais simples para o triângulo reto (32 + 42 = 52)

significa uma combinação harmoniosa (“casamento” dos princípios básicos do cosmos,

o Limitante (ímpar) e o Ilimitado (par)”. (KAHN, 2007, p. 53)

Três eram também os acordes musicais fundamentais, representados pelos elementos da tetraktys: a oitava

(que corresponde à razão 2 : 1); a quinta (que corresponde à razão 3 : 2); e a quarta (que corresponde à razão 4 : 3).

Ainda sobre a tetraktys, Kahn (2007 p. 50-55) explica que o número quatro representa os três lados de um

triângulo equilátero, onde cada linha representa um de seus elementos, 1, 2, 3 e 4.

Todas as três razões musicais formam pares sucessivos de linhas que começam em qualquer vértice:

17 Tradução nossa. 18 Tradução nossa. 19 A unidade (1) – que não era considerada pelos gregos um número – e os três primeiros números (2, 3 e 4), que somados resultam no número 10,

segundo Aristóteles (Metafísica, A 5, 986a23-b12), o dez representava a perfeição para os “assim chamados pitagóricos”, e compreendia toda a realidade dos números.

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A matemática no Parmênides de Platão ...

28 Anais do XII SNHM -2017

O redondo e o reto (vi) aparecem no Parmênides como paradigmas de figura (iv). Em outro diálogo, o Mênon,

estas duas mesmas formas compõem a dupla de contrários do gênero figura: “o redondo não é absolutamente mais

figura que o reto, nem este mais figura que aquele”, é o que diz Sócrates (PLATÃO, 2009, p. 31).

Por um lado, a definição da forma redondo como “aquilo cujas extremidades, em todos os pontos, distem

igualmente do meio” (PLATÃO, 2005, p. 55) assemelha-se àquela que Euclides dá de círculo em I.15:

“uma figura plana contida por uma linha [que é chamada circunferência], em relação à qual todas

as retas que a encontram [até a circunferência do círculo], a partir de um ponto dos postos no

interior da figura, são iguais entre si”. (EUCLIDES, 2009, p. 97)

Por outro lado, dificuldades se manifestam quando se tenta encontrar correspondente semelhança a partir da

definição platônica de reto. De fato, “aquilo cujo meio está entre ambas as extremidades” (PLATÃO, 2005, p. 55)20,

não se coaduna com as figuras fechadas descritas por Euclides.

A definição de reto encontrada no Parmênides é tão pouco perspícua quanto à de linha reta fornecida por

Euclides como “a que está posta por igual com os pontos sobre si mesma” (EUCLIDES, 2009, p. 97). Contudo, o que

mostraremos a seguir é que uma análise etimológica da primeira leva à compreensão de ambas.

Na definição platônica de reto, traduzimos o advérbio epiprosthen (137e4), relacionado ao substantivo mesos

(meio), como “está entre”. Uma vez que o termo prosthe(n), que entra na sua composição, indica uma posição anterior

a outra no espaço ou no tempo21, como em adiante, à/em frente ou antes de, o significado de epiprosthen então tem a

ver com ofuscar, obscurecer, cobrir de sombra22. O seu uso remete à astronomia antiga, para indicar a passagem de

um corpo celeste por sobre outro no céu, ou a projeção de sua sombra sobre outro. De modo geral, o epiprosthein diz

de algo que intercepta a linha de visão. Assim concebido, o meio é o que é obstruído pelos extremos. Ora, em um

eclipse solar, por exemplo, o termo viria utilizado para descrever como a Lua se interpõe entre a Terra e o Sol, de

modo que um observador os vê sobrepostos. Quando se encontram perfeitamente alinhados os corpos em um eclipse,

a linha reta em que estão dispostos é vista como um ponto. Disso deriva a definição pré-euclidiana de linha reta. Nota-

se que a sua representação em uma superfície plana é incompatível com a definição. Melhor seria, para representar o

reto que Platão descreve, uma perspectiva de profundidade.

O mesmo se pode afirmar com relação à linha reta definida por Euclides. Uma pessoa que traça uma linha

em uma folha de papel, utilizando um lápis e uma régua, deverá experimentar alguma suspeita quanto à

compatibilidade do objeto representado e a sua definição. Novamente, se escolhemos um referencial que não é

longitudinal para caracterizar a reta, mas que, ao invés disso, considera a perspectiva de profundidade, a definição se

esclarece. Imaginando a linha reta de Euclides, do mesmo modo como fizemos na interpretação do reto no

Parmênides, torna-se compreensível o que o geômetra determinou.

20 Tradução com modificações. 21 Cf. BEEKES, 2010, p. 1239; CHANTRAINE, 1999, p. 941. 22 Cf. MUGLER, 1948, p. 194-195.

A oitava (2 : 1)

na representação

da tetraktys

como um número

figurado

A quinta (3 : 2)

na representação

da tetraktys

como um número

figurado

A quarta (4 : 3)

na representação

da tetraktys

como um número

figurado

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29 Anais do XII SNHM -2017

Outra consequência da ausência de forma a ser examinada no Parmênides é que o um não pode ser

semelhante, nem dessemelhante; não pode ser igual nem desigual, seja em relação a si mesmo, como em relação aos

outros. Aqui entram em cena conceitos que serão aprimorados por Euclides – o que leva a crer tratar-se de uma teoria

das proporções23. O igual vem definido como o que tem “mesmas medidas [ton auton metron]” (PLATÃO, 2005, p.

61). O que possui conotação ampla, servindo tanto para números quanto para magnitudes, mas sem mencionar os

primeiros, como no Livro V dos Elementos24. Outro ponto importante da terminologia é a distinção entre comensurável

(symmetros, 140c1) e incomensurável (me symmetros, 140c3). “Mas, sendo maior ou menor terá, com relação às

coisas com as quais for comensurável, mais medida que as menores, e menos que as maiores”25. E sobre os

incomensuráveis, Parmênides diz que “é impossível que aquilo que não participa do mesmo tenha mesma medida, ou

tenha outras mesmas coisas qualquer”26. Ou seja, o que não participa da comensurabilidade não pode ter mesma

medida, uma medida comum.

As traduções do Parmênides, tanto em Língua Portuguesa, quanto as estrangeiras, em geral, interpolam a

expressão “unidade de” quando Platão escreve simplesmente medida (metron), e com isso, a nosso ver, tornam o texto

redundante justamente quando deveríamos admirá-lo pela concisão. Para os antigos gregos, ser comensurável

implicava ter mesma medida, era implícito para eles que a expressão significa ter uma medida comum, não havia

necessidade de se referir a um terceiro (a “unidade de”). Portanto, devemos entender a noção de comensurável como

o que é medido pelo mesmo, e não que magnitudes, quaisquer que sejam, medem o mesmo. Podemos contemplar esse

cuidado refletido na linguagem concisa de Euclides, na primeira definição do Livro X dos Elementos: “Magnitudes

são ditas comensuráveis as que são medidas pela mesma medida, e incomensuráveis, aquelas das quais nenhuma

medida comum é possível produzir-se” (EUCLIDES, 2009, p. 353).

Em virtude de não participar da essência (ousia), o um não pode ser cognoscível, e dele não há nome (onoma),

definição/enunciado (logos), ciência/conhecimento (episteme), percepção/sensação (aisthesis) e opinião (doxa).

Temos aqui um paralelo com uma famosa passagem da Carta VII (342a7-343b6), onde Platão aborda os estágios do

conhecimento, e dá como exemplo o círculo:

“o círculo [kyklos] é o que é dito, que tem esse mesmo nome que agora enunciamos; a sua definição

é o segundo elemento, composta de nomes e de verbos: aquilo que mantém das extremidades ao

meio igual distância em toda parte. A definição valeria para o mesmo que tenha esse nome “redondo

e circular e círculo”. Terceiro é o que é desenhado e o que é apagado, o que é torneado e o que se

perde. Mas o círculo em si, o mesmo em relação com tudo isso, em nada é afetado, porque é diferente

deles. O quarto é o saber, a inteligência e opinião verdadeira sobre ele”. (PLATÃO, 2008. p. 90-

93)

Passando à segunda hipótese, a de que o um é um todo, Parmênides deduz que ele deve ter infinitas partes, é

“ilimitado em quantidade” ou tem “multiplicidade ilimitada” (apeiron plethos, 143a2). Para exemplificar o que está

sendo dito, Parmênides recorre à geração da série infinita dos números a partir da divisão fundamental entre pares e

ímpares. Uma vez definidos, “haveria pares vezes pares, e ímpares vezes ímpares, e pares vezes ímpares, e ímpares

vezes pares” (PLATÃO, 2005, p. 71). Contemplando toda a série dos números: “se então as coisas se passam assim,

crês sobrar algum número que não seja de modo necessário?”27, questiona Parmênides “De maneira alguma”,

reconhece o jovem Aristóteles. De uma perspectiva estritamente aritmética a resposta não é correta, uma vez que o

procedimento platônico de geração da série numérica pela multiplicação entre pares e ímpares não abrange os

chamados números primos. Por outro lado, pode-se traçar um paralelo entre a geração dos números no Parmênides

com algumas definições do Livro VII dos Elementos, a saber:

23 Cf. PLATONE, 2005, p. 254-255, n. 104; SAYRE, 1996, p. 149-153. 24 E ainda levantando a suspeita de que no fundo as palavras de Platão ressoam uma doutrina aritmo-geométrica de matriz pitagórica. Cf. MIGLIORI, 2000, p. 210-211. 25 Ibid., grifo nosso, com modificações. 26 Ibid. 27 Ibid.

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A matemática no Parmênides de Platão ...

30 Anais do XII SNHM -2017

“6. Um número par é o que é dividido em dois.

7. E um número ímpar é o que não é dividido em dois, ou [o] que difere de um número par por uma

unidade.

8. Um número de par, um número par de vezes, é o medido por um número par, segundo um número

par.

9. E um número ímpar, um número par de vezes, é o medido por um número par, segundo um número

ímpar.

[10. Um par, um número ímpar de vezes, é o medido por um número ímpar, segundo um número

par].

11. E um número ímpar, um número ímpar de vezes, é o medido por um número ímpar, segundo um

número ímpar.” (EUCLIDES, 2009, p. 269).

Pode-se interpretar a ausência dos números primos no texto de Platão como uma preocupação na geração das

qualidades dos números, e não de todas as quantidades28. O par e ímpar têm significados específicos no interior do

pitagorismo antigo, e é este o fator a se ponderar quando contemplamos a aritmética geratriz no Parmênides. É o que

se deve ponderar no lugar de uma restrição a uma aritmética vazia de conteúdos metafísicos, que muito pouco teria a

ver com aquela praticada em período anterior a Euclides.

Julgamos válido esclarecer que o modo como os gregos se referiam aos números indica mais do que a

sequência cardinal 1, 2, 3, .... Concomitante a este uso, os números representavam sequências como: dueto, trio,

quarteto, ... ou ainda, uma vez, duas vezes, três vezes, ... ou ainda, simples, duplo, triplo, quadruplo, e assim por

diante29. Nenhum número é jamais citado nos “livros aritméticos” de Euclides, nem mesmo a título de exemplo30, mas

são usados para representar quantidades de partes ou uma multiplicação como uma soma (Livro VII, Def. 16).

Ainda sobre a sequência numérica apreciada no Parmênides, há estudos que refletem sobre a possibilidade

do diálogo conter o que se poderia chamar de uma “proto indução completa”31. É óbvio que não se deve procurar no

texto de Platão a formalidade do princípio matemático da indução, como estabelecido desde a sua enunciação por

Blaise Pascal (1623–1662), em seu Traité du triangle arithmétique – escrito em 1653, mas publicado apenas em 1665.

A sequência do Parmênides que inspira a conjectura da “proto indução” é a seguinte:

1. “Logo, é preciso que haja no mínimo dois se deve haver contato”;

2. “Mas, se aos dois termos em seguida se acrescentar um terceiro, eles mesmos serão três, mas os

contatos, dois”;

3. “E assim, sempre que se acrescenta um termo, também se acrescenta um contato, ...”

4. “... e resulta serem os contatos um a menos que a quantidade numérica de termos”;

5. “Pois, em quanto os dois primeiros termos excederem os contatos, para serem mais numerosos que

os contatos, ...”

6. “... nesse igual tanto também todo número subsequente de termos excede o total de contatos”;

7. “Pois, daí em diante, simultaneamente um termo se acrescenta ao número de termos, e um contato

aos contatos”;

8. “Logo, quanto sejam os seres, em número, sempre os contatos serão um a menos que eles”

(PLATÃO, 2005, p. 85).

Nota-se ainda que a relação entre elementos e contatos determina a ocorrência regular da dupla par-ímpar:

quando houver elementos em quantidade ímpar, os contatos entre eles serão em número par; e, inversamente, quando

a quantidade de elementos for par, os contatos entre eles serão ímpares. E, novamente, toda a série numérica pode ser

expressa mediante essa dicotomia.

Quando considera a ação do tempo sobre as coisas, Parmênides emprega ora um vocabulário associado às

28 Cf. HÖSLE, 1994, p. 55-58. 29 Cf. FOWLER, 1987, p. 14-16. 30 Cf. NETZ, 2001. 31 Esta é a tese de ACERBI, 2000.

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31 Anais do XII SNHM -2017

ciências dos números, ora à geometria. O tempo é univocamente ordenado, “pois, [...] em avançando do outrora em

direção ao depois, não poderá passar por cima do agora”32. Com efeito, a constância dessa ação resulta na efemeridade

do presente, “pois, progredindo, jamais será apanhado pelo agora”33. Oprimido entre o antes e o depois, um momento

nunca será desconexo destes, “pois aquilo que progride comporta-se de modo a tocar ambos, [...] estando a tornar-se

no intervalo entre ambos”34. Para Parmênides: “ainda que uma coisa seja mais velha que outra, não poderá tornar-se

ainda mais velha que o quanto diferia em idade no começo, no momento preciso em que veio a ser” (154b2-4). O mais

velho e o mais novo o são em relação recíproca por uma quantidade determinada de tempo. Dito de outra forma, a

diferença de idade do mais velho para o mais novo é a mesma do que a do mais novo para o mais velho. A passagem

do tempo é a mesma para todas as coisas que por ele avançam, e por isso a diferença de idade entre eles permanece

constante.

“Pois iguais, sendo acrescentados a desiguais, tanto com respeito ao tempo, quanto a qualquer

outra coisa, fazem com que os desiguais continuem a diferir por um tanto igual àquele pelo qual

precisamente diferiam no começo”. (PLATÃO, 2005, p. 97-99)

O que Platão transmite nesta passagem, porém de modo diverso, é o mesmo que a quarta Noção Comum de

Euclides I: “E caso iguais sejam adicionados a desiguais, os todos são desiguais” (EUCLIDES, 2009, p. 99).

Em termos matemáticos temos o seguinte:

Se a > b, então a + m > b + m, e (a + m) – (b + m) = a – b, onde a e b são idades e m é um período de tempo

qualquer35.

Contudo, Platão introduz uma outra interpretação da passagem do tempo. Quando Parmênides diz que “se a

um tempo maior ou a um tempo menor acrescentarmos um tempo igual, o maior diferirá do menor por uma fração de

tempo igual ou por uma menor”, a interpretação que se dá nesse caso não deve ser a mesma de anteriormente. A

relação agora admitida compara a diferença de idades com o passar do tempo, tratando-se de uma progressão

geométrica36, como segue:

Considerando-se duas pessoas com diferença de idade de 10 anos, por exemplo, quando a mais velha tiver

30 anos, a mais nova terá 20. Assim, a proporção entre as idades será de 3 para 2, (3 : 2). Quando a pessoa mais velha

tiver 50 anos, a mais nova terá 40, e a proporção entre as idades passa a ser de 5 para 4, (5 : 4). Por fim, quando a mais

velha estiver nos seus 70, a mais nova estará com 60, e a proporção será de 7 para 6, (7 : 6). Como (7 : 6) é menor que

(5 : 4), que, por sua vez é menor que (3 : 2), tem-se que com o passar do tempo a proporção entre as idades diminui,

aproximando-se cada vez mais da unidade. A progressão pode ser formalizada da seguinte forma:

Se a > b, então (a + m) : (b + m) < (a : b), onde a e b são idades e m é um período de tempo arbitrário. A

relação entre as idades aproxima-se da unidade com o passar do tempo.

Assim sendo, “por sempre diferirem uma da outra por uma quantidade numérica igual” (PLATÃO, 2005, p.

101), nenhuma coisa pode ser tornar mais velha do que outra mais nova, nem a mais nova pode se tornar ainda mais

jovem que a mais velha. Ao mesmo tempo, é necessário que as coisas difiram “por uma fração diferente”37 conforme

o passar do tempo. O tempo, enquanto grandeza contínua, não apenas é “aritmetizado”, mas é também fracionado.

32 Ibid., p. 93. 33 Ibid., p. 93. 34 Ibid., p. 93. 35 Cf. PLATO, 1997, p. 303-304. 36 SAYRE, 1996, p. 234-235; MIGLIORI, 1990, p. 284-285; PLATONE, 2015, p. 313-315; PLATON, 2011, p. 199, 273; PLATO, 1997, 304-

305; PLATO, 2003, p. 131. 37 Ibid.

Page 40: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

A matemática no Parmênides de Platão ...

32 Anais do XII SNHM -2017

Conclusão

Até o final do diálogo, verificam-se outros usos de argumentos matemáticos como recurso explicativo para a

teoria eleata, segundo a exposição que Platão faz dela. Chamamos “passagens matemáticas” ou “argumentos

matemáticos”, os trechos do Parmênides que remetem ou aos métodos, ou aos atributos dos objetos dessa família de

ciências. Seja de maneira direta, como indireta. Em ambos os casos, a literatura crítica é de enorme valia para expandir

e aprofundar as ramificações contextuais. Por diversas vezes, Platão recorre à matemática como metáfora no

tratamento preciso e rigoroso da natureza, como na busca por uma definição de episteme, no Teeteto, que seja precisa

como a divisão dos números em duas categorias, apresentada pelo jovem matemático. Em outras ocasiões Platão

enfatiza nos aspectos epistemológicos da matemática, como no Mênon, em favor de sua teoria da anamnese. No Timeu,

ordem e beleza unem-se, explicando em linguagem matemática a constituição do universo. Na República,

encontramos as “ciências irmãs” como parte de um currículo de saberes superiores, essenciais aos futuros filósofos

governantes. Neste mesmo diálogo, Platão adverte os matemáticos quanto ao cuidado com a linguagem, uma vez que

eles fazem suas operações sobre objetos sensíveis, ao mesmo tempo em que falam de objetos inteligíveis. Por isso,

reforçamos a importância de uma análise etimológica como instrumento para iluminar essa parte da História da

Matemática. Uma filologia matemática que conecta as práticas científicas com a literatura, com as techne, com os

mitos e até com a organização política, nos parece indispensável se desejamos compreender melhor o que distinguiu

os Gregos dos outros povos, em observância à matemática. Por fim, manifestamos o nosso agradecimento para com

os questionamentos e comentários feitos ao final dessa conferência, na ocasião de sua apresentação, o que nos

possibilitou melhorar a versão final do texto.

Bibliografia

ACERBI, Fabio. 2000. Plato: Parmenides 149a7-c3. A Proof by Complete Induction? In: Archives of History of the

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Page 41: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Gustavo Barbosa

33 Anais do XII SNHM -2017

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University of Notre Dame Press.

Gustavo Barbosa

Departamento de Educação Matemática – IGCE –

campus de Rio Claro - Brasil

E-mail: [email protected]

Page 42: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

34 Anais do XII SNHM -2017

THESE APRESENTADA EM CONCURSO DA CÁTEDRA DE GEOMETRIA PRELIMINAR E

TRIGONOMETRIA RECTILÍNEA, PERANTE O GYMNASIO ESPÍRITO-SANTENSE -1918.

Prof. Dr. Moysés Gonçalves Siqueira Filho (UFES)

Em 24 de outubro de 1906, por meio da Lei estadual N. 460, fora criado um instituto de ensino equiparado ao

Gymnasio Nacional, com a denominação de Gymnasio Espirito-Santense, no governo de Henrique da Silva Coutinho

(1904-1908). Em seu Art. 5º, todos os professores da Escola Normal integrariam o corpo docente da instituição e por

meio de concurso, aconteceria o provimento das demais cátedras (ESPÍRITO SANTO, 1906, p. 44). E, para atender

as exigências dos editais, de diferentes anos, os candidatos deveriam elaborar um “trabalho original de valor”

(ALMEIDA, 1918, p. 57) com um tema de sua livre escolha. Dentre as quatro Theses[1] que, até o momento, tive

acesso - Minimo Mutiplo Commum pelo Maximo Commum Divisor e Logarithmos additivos (1917, 31 páginas), de

Francisco Clímaco Feu Rosa, à Cathedra de Arithmetica e Álgebra; O ponto, a linha e as superfícies. Taxonomia

geométrica. Medida da recta, da circumferencia e do circulo (1918, 58 páginas), de Ceciliano Abel de Almeida, à

Cadeira de Geometria Preliminar e Trigonometria Rectilinea; Estudo Elementar dos Graphicos (1930, 15 páginas),

de Lauro G. Paiva, para a Cathedra de Mathematica Elementar (todas essas para o concurso do Gymnasio); Potencias

e Raizes (1923, 81 páginas), de Eduardo d’Andrade e Silva, para a Cadeira de Mathematica Elementar (para o concurso

da Escola Normal) - destacarei, para esse momento, a de Almeida (1918), cujo sumário segue, acrescido de uma

conclusão, o título de seu trabalho.A justificativa para tal escolha recai na trajetória por ele desempenhada em terras

capixabas, ao longo dos seus 86 anos. Ceciliano Abel de Almeida, filho do casal de lavradores José Abel de Almeida

e Deolinda Francisca Medeiros de Almeida, nasceu no dia 25 de novembro de 1878, no município de São Mateus,

norte do Espírito Santo, local em que fez o curso primário e, posteriormente, em Petrópolis, Rio de Janeiro, o ensino

secundário e, em seguida, o curso de Engenharia, na Escola Central (Politécnica). Exerceu a função de Prefeito de

Vitória por dois mandatos (09.02.1909 a 01.09.1909; 01.04.1947 a 12.10.1948); ingressou como professor,

concursado, de Trigonometria no Gymnasio Espírito-Santense, atualmente, Colégio Estadual do Espírito Santo

(1919); assumiu o cargo de reitor da Universidade do Espírito Santo, em 1954, ano de sua criação, a convite do, então,

governador Jones dos Santos Neves (GURGEL, 2005). Retomando a These apresentada, nota-se uma grande pesquisa

de cunho histórico para conceituar, definir e demonstrar os conhecimentos do domínio matemático, não sendo raro,

em sua exposição, dialogar com Euclides, Clairaut, Descartes ou mesmo narrar fatos referentes às civilizações

egípcias, chinesas, babilônicas, por exemplo. Com relação ao processo ensino-aprendizagem, cria que, em um ensino

moderno, o professor deveria tornar acessível à inteligência de todos os seus alunos, bem como enfatizava que “O

professor de Geometria Preliminar percebe continuamente que, em geral, os seus alumnos estudam as diversas theorias

dessa sciencia sem meditarem sobre a dependência e ligação íntima de todas as suas partes” (ALMEIDA, 1988, p.19),

e para contrapor esse obstáculo, incluiu em seu texto alguns quadros com esquemas que denotam o encadeamento

natural da matéria ministrada, os quais, para ele, não eram privilegiados em livros disponíveis à época. Considerando

os contextos político e educacional entre às décadas de 1910 e 1920, terei por objetivos discutir acerca das concepções

e métodos colocados por Almeida em sua These e identificar a aderência do tema proposto com o Programa atribuído

à cátedra a que se dispusera concorrer no Gymnasio Espirito-Santense.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Ceciliano Abel de. O ponto, a linha e as superfícies. Taxonomia geométrica. Medida da recta, da

circumferencia e do circulo. These apresentada em concurso da cadeira de Geometria Preliminar e Trigonometria

Rectilinea, perante o Gymnasio Espirito-Santense. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1918. ESPÍRITO

SANTO. Lei nº. 460, de 24 de outubro de 1906. Leis do Congresso Legislativo do Estado do Espírito Santo votadas

nas sessões ordinárias de 1906. Victória: Papelaria e Typographia Nelson Costa & C., 1907.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 43: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

35 Anais do XII SNHM -2017

GURGEL, Antonio de Pádua. Biografia de Ceciliano Abel de Almeida. Coleção de livros “Grandes Nomes do

Espírito Santo”. Vitória: Contexto Jornalismo & Assessoria Ltda/Núcleo de Projetos Culturais e Ecológicos, 2005.

Page 44: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

36 Anais do XII SNHM -2017

CARTAS DE MATEMÁTICOS ESTRANGEIROS SOBRE A ATMOSFERA BRASILEIRA NO

INÍCIO DA DÉCADA DE 1970.

Lucieli M. Trivizoli

Universidade Estadual de Maringá – UEM – Brasil

Resumo

Em 1971, foi realizado o Simpósio Internacional de Sistemas Dinâmicos em Salvador, com a participação de

matemáticos brasileiros e estrangeiros. Steve Smale, renomado matemático e ganhador da Medalha Fields, foi um dos

palestrantes destacado no evento. Neste texto são apresentadas descrições sobre a carta que Paul Koosis escreveu a

Steve Smale criticando sua ida ao Brasil naquele momento político, a carta de Smale com sua resposta justificando a

sua participação no evento e a carta em que Mike Shub descreve suas impressões sobre a atmosfera no Brasil durante

o regime militar. Todas as cartas foram divulgadas no boletim informativo Mother Functor, no Departamento de

Matemática da UC-Berkeley. A partir das cartas, são levantados aspectos dos contextos político e social do

desenvolvimento científico matemático no Brasil em meados das décadas de 1960 e 1970.

Palavras-chave: História da Matemática no Brasil, Regime Militar, Desenvolvimento Científico.

LETTERS OF FOREIGN MATHEMATICIANS ABOUT THE BRAZILIAN ATMOSPHERE AT THE BEGINNING OF THE

1970S

Abstract

The International Symposium on Dynamical Systems was held in Salvador in 1971 with the participation of Brazilian

and foreign mathematicians. Steve Smale, renowned mathematician and winner of the Fields Medal, was one of the

highlighted speakers at the event. In this paper, there will be given descriptions of the letter that Paul Koosis wrote to

Steve Smale criticizing his trip to Brazil at that political moment, the military regime Smale's letter with his answer

justifying his participation in the event and the letter Mike Shub in which he describes his impressions about the

atmosphere in Brazil during that period. All letters were published in the Mother Functor newsletter at UC-Berkeley's

Department of Mathematics. In the end, aspects of the political and social contexts of mathematical scientific

development in Brazil in the mid-1960s and 1970s are raised from the letters.

Keywords: History of Mathematics in Brazil, Military Regime, Scientific Development.

Apresentação

Atualmente pesquisas e estudos históricos têm sido publicados no sentido de rememorar e avaliar o conjunto de fatos

e circunstâncias que impactaram a vida nacional durante o período da ditadura, instalada com o golpe de 1964 no

Brasil. Alguns desses trabalhos buscam verificar como o Brasil incorporou o fomento e o desenvolvimento de medidas

voltadas para o progresso tecnológico e científico no país durante o Regime Civil-Militar (1964-1985). Outros

trabalhos buscam a identificação de pesquisadores e professores universitários que tiveram suas carreiras e vidas

afetadas pela ditadura militar, outros ainda trazem uma compreensão do alcance e letalidade da política repressiva no

cenário científico brasileiro daquele período.

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ISSN 2236-4102

Page 45: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Lucieli M. Trivizoli

37 Anais do XII SNHM -2017

Este texto busca recuperar algumas informações no sentido de propiciar um contexto mais amplo das relações

da comunidade científica com o regime implantado em 1964, olhando em particular essas relações no âmbito da (ainda

pequena) comunidade Matemática brasileira no início da década de 1970.

A informações apresentadas aqui vem basicamente da exposição de três cartas de matemáticos estrangeiros

sobre a atmosferas política, científica e social daquele momento no Brasil.

Em 1971 foi realizado o Simpósio Internacional de Sistemas Dinâmicos em Salvador, com a participação de

matemáticos brasileiros e estrangeiros. Steve Smale, renomado matemático e ganhador da Medalha Fields, foi um dos

palestrantes destacado no evento. Os documentos destacados são: a carta que Paul Koosis escreveu a Steve Smale

criticando sua ida ao Brasil naquele momento político, a carta de Smale com sua resposta justificando a sua

participação no evento e a carta em que Mike Shub descreve suas impressões sobre a atmosfera no Brasil durante sua

visita ao país. A partir das cartas, pretende-se levantar aspectos dos contextos político e social do desenvolvimento

científico matemático no Brasil em meados das décadas de 1960 e 1970.

Alguns contextos a mencionar

Todas as cartas que descrevemos aqui foram divulgadas no boletim informativo Mother Functor, no Departamento de

Matemática da UC-Berkeley. Berkeley surgiu pela primeira vez entre um dos mais importantes Departamentos de

Matemática nos EUA na década de 1950, ao lado de Harvard, Princeton e Chicago. No período de 1960 o

Departamento de Matemática cresceu rapidamente, mas também foi um período com mudanças, com marcadas

atuações políticas e turbulência social na universidade, como os movimentos que defendiam o free-speech, direitos

civis, representação de mulheres e minorias no corpo discente, docente e na faculdade, atos contra a participação dos

Estados Unidos na Guerra do Vietnã, e vários outros protestos estudantis.

No contexto do movimento de liberdade de expressão, foi criado um o boletim Mother Functor, publicado

no Departamento de Matemática e Steve Smale era um dos editores, juntamente com outros colegas e alunos. O

boletim Mother Functor teve apenas nove números publicados nos anos 1971-1972, teve como objetivo organizar os

cientistas que se envolviam politicamente nos movimentos daquele período e a desafiar as autoridades da universidade.

Esses movimentos não eram específicos de Berkeley: nesse período há várias discussões internacionais contra

a guerra do Vietnã, movimentos pela paz e discussões sobre a ligação entre ciência e exército, e discussões que

levantavam questões sobre a responsabilidade dos cientistas naqueles contextos.

No Brasil, tivemos o Conselho Nacional de Pesquisas criado em 1951, um órgão que ajudou a criação de

vários institutos de pesquisa e fomentou as investigações científicas fora do eixo Rio de Janeiro e São Paulo,

expandindo as pesquisas pelo país. O Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) foi um deles. As atividades do

IMPA começaram em 1953.

Segundo Silva (2004), o fomento ao IMPA, que inicialmente provinha praticamente só do CNPq, mudou nas

décadas de 1960 e 1970. Nesse período O IMPA passou a receber recursos financeiros não apenas de instituições

governamentais brasileiras, como o CNPq, mas também de fundações estrangeiras que colocavam recursos para

viabilizar a presença de um número significativo de matemáticos estrangeiros no Instituto. É possível verificar que,

nessa década de 1960, o número de professores estrangeiros visitantes do IMPA cresceu visivelmente.

Foi nesse ambiente efervescente do IMPA que o instituto organizou e preparou um congresso internacional

de Sistemas Dinâmicos que se realizou em Salvador Bahia em julho de 1971, com a participação de sessenta

matemáticos nacionais e quarenta estrangeiros. O evento foi coordenado por Elon Lima, Jacob Palis e Maurício

Peixoto.

As Cartas

A primeira carta a ser comentada é a carta de Steve Smale com sua justificativa sobre sua ida ao Brasil para o

Simpósio. Em seguida a carta de Paul Koosis que critica a sua ida e então, por último, a carta de Mike Shub com suas

impressões sobre o país, depois de sua visita ao IMPA e participação no Simpósio.

Page 46: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Cartas de Matemáticos Estrangeiros sobre a Atmosfera Brasileira...

38 Anais do XII SNHM -2017

Steve Smale justifica sua ida principalmente pela sua proximidade com os professores e pesquisadores

brasileiros, além dos atrativos turísticos (como as praias do Rio e de Salvador). Ele enfatiza, ainda, que suas decisões

não eram baseadas apenas em suas consequências políticas. Entretanto, ele relata que buscou saber sobre a situação

no Brasil. De fato, ele não seguiria as indicações de Koosis de não participar do evento, por considerar que isso seria

de certa forma hipócrita pois, ele era norte-americano, vivendo nos EUA em um momento que os EUA estavam

cometendo as mais terríveis atrocidades na Indochina (e aqui é uma referencia às guerras que os EUA estavam

envolvidos e que eram foco de críticas de Smale em suas atuações em Berkeley).

Ele diz que, enquanto alguns americanos e europeus sugeriram que ele recusasse a participar do evento,

nenhum brasileiro sugeriu. Ele diz ter perguntado a pelo menos algumas dúzias de brasileiros que estavam dentro e

fora do Brasil, de diferentes pontos de vista políticos, especialmente da esquerda. Ele ainda indica que ninguém deveria

ignorar as torturas de qualquer lugar. Relata que enquanto estavam no Brasil muitos dos matemáticos estrangeiros

iniciaram algumas ações de apoio a duas vítimas da repressão.

Para Smale, a agitação dessas ações desenvolveu significativamente a consciência sobre a realidade do Brasil,

não somente entre os estrangeiros, mas também entre os estudantes e professores matemáticos brasileiros que

participaram do Simpósio. Ele ainda arrisca a dizer que a sua ausência teria causado muito menos efeitos nesse caso.

A carta de Paul Koosis é mais longa, enfática e detalhada em suas justificativas. Logo no início ele declara

que considera a participação de Smale numa conferência no Brasil, naquele momento, politicamente incorreta. Ele

elenca seus argumentos em torno de duas ideias centrais: 1º) a participação de Smale em uma conferência era um ato

político, com certeza, um importante ato político. E 2º) este ato político era perigoso.

A primeira ideia é relacionada a três pontos:

a)a situação no país

b)fortalecimento do regime brasileiro

c)como ele via essas conferências (eventos como o Simpósio) como um movimento político para

fortalecer o regime brasileiro.

Em sua carta, Koosis foi bastante incisivo: alguém que ajudava o programa daquele regime (especialmente

naquele momento que era um começo de uma etapa), estava ajudando para que fosse consolidado o regime fascista

no Brasil. Se alguém quisesse a derrota daquele sistema, teria que boicotar.

A última carta é a de Mike Shub que descreve suas impressões de sua visita ao Brasil (para o IMPA e para o

Simpósio). Ele inicia descrevendo a conjuntura do país com uma palavra: “desenvolvimento”, com a frequente

possibilidade de ver cartazes pelas ruas com os dizeres “Ontem, hoje, amanhã, Brasil”, “Brasil – ame-o ou deixe-o” e

“Brasil – ninguém pode parar esse país”, sempre na tentativa de conectar o nacionalismo ao desenvolvimento do país.

Shub entendia que o principal fato que dava legitimidade ao governo brasileiro era o relativo rápido crescimento que

a economia havia atingido naqueles últimos anos.

Em outro trecho, ele descreve a paisagem da cidade do Rio como “ainda bonita, mesmo com a fumaça em suas

ruas”. Para ele havia um clima de medo, mas que as pessoas não admitiam. Os jornais censurados nunca publicavam

uma palavra sobre as torturas ou prisioneiros políticos. Ele percebia que nenhuma instituição, família ou indivíduo

estava isento de destruição arbitrária que vinha sendo praticada pelos atos administrativos, pela polícia militar ou

mesmo pelo esquadrão da morte. Shub, então, dá alguns exemplos como as pessoas eram conscientes ou

inconscientemente cautelosas e cooperativas em suas políticas, segundo sua perspectiva.

Considerações

O conjunto dessas cartas, dos contextos e de possíveis outros depoimentos mostram que a comunidade científica

também foi um dos setores atingidos pelo regime militar. E no caso da comunidade matemática não foi diferente. A

ciência e a tecnologia passaram a ter vínculo com o nacionalismo. Ou seja, os militares manifestavam em ações o

entendimento de que a autonomia tecnológica e científica tinha também uma dimensão estratégica dentro do regime.

Page 47: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Lucieli M. Trivizoli

39 Anais do XII SNHM -2017

Essa dimensão foi percebida, inclusive, nas falas de Koosis.

Essa ‘política’ de valorização da ciência acabou beneficiando também a área de pesquisa em matemática no

Brasil. Esse contexto permitiu que algumas áreas se articulassem para aproveitar a grande disponibilidade de recursos

financeiros daquele período. E esse foi o caso da própria área de Sistemas Dinâmicos que aproveitou a chance para a

realização de um Simpósio Internacional.

Outro aspecto deve-se destacar é que há também um paradoxo: enquanto o regime repassava recursos para o

desenvolvimento da ciência e apoiava a pesquisa em uma escala nunca vista no país, havia perseguições violentas a

cientistas, professores e estudantes. Muitos foram cassados, aposentados compulsoriamente, presos ou mortos pelo

regime.

Bibliografia

MOORE, Calvin C. 2007. Mathematics at Berkeley: A history. A K Peters: CRC Press.

SILVA, Circe Mary Silva. 2004. A Construção de um instituto de pesquisas matemáticas nos trópicos: o Impa. Revista

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MOTHER FUNCTOR – UC Mathematics Dept Newsletter.1972. Vol. 1, Nº 7, February 1.

Lucieli M. Trivizoli

Departamento de Matemática – UEM – campus de

Maringá - Brasil

E-mail: [email protected]

Page 48: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

40 Anais do XII SNHM -2017

HISTÓRIA DAS ENCICLOPÉDIAS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A HISTORIOGRAFIA

DA MATEMÁTICA

Prof. Dr. Sergio Roberto Nobre (UNESP – Rio Claro)

Nesta apresentação será apresentado um resumo histórico a partir do surgimento das primeiras Enciclopédias até o

século XVIII, quando foi publicada na França a Encyclopédie, ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des

métiers, organizada por Jean le Rond d'Alembert e Denis Diderot, considerada uma das principais obras enciclopédicas

de todos os tempos. Será ressaltado também a importância destas obras por apresentarem elementos sobre a História

Científica, sendo que, alguns desses elementos ‘desaparecem’, com o passar dos tempos, do ambiente historiográfico.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

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Page 49: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

41 Anais do XII SNHM -2017

Discussões Temáticas

Page 50: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

42 Anais do XII SNHM -2017

Discussão Temática 1: HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E FORMAÇÃO DE

PROFESSORES: PASSADO, PRESENTE E FUTURO.

Maria Célia Leme da Silva (UNIFESP – Diadema) - Organizadora

Maria Ednéia Martins Salandim (UNESP – Bauru)

Carlos Miguel Silva Ribeiro (UNICAMP – Campinas)

OS SABERES DE REFERÊNCIA E A HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES QUE

ENSINAM MATEMÁTICA.

Maria Célia Leme da Silva (UNIFESP - Diadema) - [email protected]

Há pelo menos duas décadas, observa-se no Brasil, um movimento de pesquisadores que se debruçam sobre a história

da educação matemática, num processo de constituição de um campo disciplinar. Paralelamente, discute-se como os

saberes sistematizados pela história da educação matemática podem contribuir na formação de futuros professores,

assim como nos profissionais em exercício. A partir de alguns exemplos, toma-se os conceitos de saberes a ensinar e

saberes para ensinar (Hofstetter e Schneuwly, 2009) e problematiza-se a diferenciação entre as formações do

professor primário e do professor de matemática historicamente, tendo em vista as ciências de referência que

certificam os saberes em seus campos disciplinares. A discussão tem por objetivo instigar aproximações entre a

história da educação matemática e a formação de professores.

HISTÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA NO BRASIL

Maria Ednéia Martins Salandim (UNESP – BAURU) - [email protected]

Tomando como referência pesquisas desenvolvidas junto a um amplo projeto do GHOEM – Grupo História Oral e

Educação Matemática – que trata de um mapeamento da formação de professores de Matemática no Brasil – e outras

pesquisas que tematizam essa formação por uma perspectiva historiográfica, nosso objetivo é debater como pesquisas

em História da Educação Matemática têm contribuído para compreensões sobre este processo de formação.

Destacamos que esta formação tem se dado de forma diversificada ao longo do tempo e nos diferentes espaços

geográficos do país, seja via cursos de formação aligeirados para certificação de profissionais em exercício e/ou para

ingresso na carreira seja em cursos de graduação específicos como as Licenciaturas. Estas Licenciaturas foram

institucionalizadas como modalidade de formação específica no início da década de 1960, no entanto, muitas regiões

só implantaram seus primeiros cursos 40 anos depois. Mesmo contando com esta instância de formação profissional

nem sempre ela é assumida efetivamente, revelando-se ora como decorrência de uma formação em nível superior, ora

como apêndice do bacharelado, ora como mero resultado de uma série de experiências práticas do cotidiano. Nascidas

sem estrutura própria, vitimadas por legislações que nunca tiveram como central a necessidade de atender

adequadamente a demanda da escola, as licenciaturas vão se constituindo nos desvãos das práticas, das teorias, das

legislações, dos interesses políticos e econômicos. Na história da formação de professores no Brasil os verbos

“graduar”, “certificar” e “formar” são frequentemente mobilizados, o que no mínimo denota a flexibilidade que

caracteriza essa formação e a inexistência de uma identidade mais estável dos cursos de Licenciatura (MARTINS-

SALANDIM, 2012).

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43 Anais do XII SNHM -2017

HISTÓRIA DA (EDUCAÇÃO) MATEMÁTICA E CONHECIMENTO ESPECIALIZADO DO

PROFESSOR QUE ENSINA(RÁ) MATEMÁTICA - NECESSIDADES E POTENCIALIDADES

DE UM DESENVOLVIMENTO

Miguel Ribeiro (Faculdade de Educação da UNICAMP) - [email protected]

A busca por a melhoria da prática do professor passa (não só, mas também) pela melhoria da formação facultada e,

nesse sentido, o saber/conhecer de onde vimos permitir-nos-á perspectivar (de modo informado) para onde vamos ou

poderíamos/deveríamos ir. Ainda que seja uma preocupação relativamente recente (em termos das especificidades do

conhecimento do professor que ensina(rá) matemática), efetivar essa melhoria da formação e da prática requererá do

professor também um conhecimento matemático especializado de diversas dimensões da História da Matemática, da

História da Educação Matemática, da Matemática em si bem como associado a tarefas que permitam articular todas

essas dimensões. Este conhecimento matemático especializado contempla, aqui, aspetos do conhecimento matemático

bem como do conhecimento didático-pedagógico, expandindo e concretizando a noção “ainda comum” de

especialização associada à componente pedagógica. Nesta mesa pretendo contribuir para promover uma discussão

provocativa centrada na necessidade e potencialidade de desenvolver o conhecimento matemático especializado do

professor que ensina(rá) matemática (em particular no que denominamos de conhecimento interpretativo) para a

melhoria da prática, onde as Histórias da (Educação) Matemática correspondem ao ambiente em que esse

desenvolvimento ocorre – sendo consideradas, portanto, simultaneamente uma ferramenta e um contexto.

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44 Anais do XII SNHM -2017

Discussão Temática 2: HISTÓRIA DA MATEMÁTICA PARA A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

Iran Abreu Mendes (UFRN – Natal) – Organizador.

Cristiane Borges Ângelo (UFPB)

Edilene Simões Costa (UFMS)

PESQUISA EM HISTÓRIA PARA O ENSINO DA MATEMÁTICA: O QUE EMERGE NAS

DISSERTAÇÕES E TESES DEFENDIDAS NO BRASIL ENTRE 1990-2015.

Iran Abreu Mendes (UFRN – Natal) – Organizador.

A partir de uma pesquisa intitulada Cartografias da produção em História da Matemática no Brasil: um estudo

centrado nas dissertações e teses defendidas entre 1990-2010, financiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa –

CNPq, na modalidade produtividade em pesquisa, desenvolvida no período de 2011 a 2013, ampliamos o estudos

sobre o tema por mais dois anos com a intenção de catalogar a produção científica na área de História para o ensino

da Matemática nos programas de pós-graduação stricto sensu do país, das áreas de Educação, Educação Matemática,

Ensino de Ciências Naturais e Matemática e áreas afins, e traçar uma cartografia desses estudos no Brasil entre 1990

e 2015. Nesta sessão de discussão temática, apresento as principais informações acerca de uma pesquisa sobre a

produção científica nos estudos relacionados à História no Ensino da Matemática nos programas de pós-graduação

stricto sensu do país, das áreas de Educação, Educação Matemática, Ensino de Ciências Naturais e Matemática e áreas

afins, com vistas a lançar elementos para uma discussão ampliada sobre essa temática da pesquisa em História da

Matemática no Brasil, nos últimos 20 anos. O foco central da apresentação será nos estudos e pesquisas em História

para o ensino da Matemática abordados nas dissertações e teses investigadas, de modo a descrever o cenário da

pesquisa nesta área no país. A apresentação tem como base uma pesquisa financiada pelo CNPq, realizada entre 2011

e 2015, operacionalizada por meio de uma investigação documental em arquivos da CAPES e dos programas de Pós-

graduação existentes no país, que focam seus estudos no tema objeto desta pesquisa, e complementada pelas

informações encontradas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (www.bdtd.ibict.br). Para

caracterizar o objeto de estudo da pesquisa, destaco os conteúdos focalizados, os fundamentos teóricos e

metodológicos sustentadores nas pesquisas, bem como as tendências da pesquisa em história no ensino da Matemática,

que nos levaram a classificar as dissertações e teses pesquisadas visando estabelecer possíveis relações e implicações

existentes entre essas pesquisas e suas contribuições para o Ensino de Matemática no Brasil.

Palavras-chave: História no ensino da Matemática; Ensino de Matemática; Educação Matemática.

ANÁLISE REFLEXIVA DAS TESES E DISSERTAÇÕES EM HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

NO ENSINO DE MATEMÁTICA PRODUZIDAS NO PERÍODO DE 1990 A 2010.

Cristiane Borges Ângelo (UFPB)

No intuito de somar às discussões no grupo de trabalho responsável pela temática História na Educação Matemática,

iremos apresentar algumas reflexões acerca de nossa pesquisa de doutorado, que teve como objetivo analisar

reflexivamente a produção acadêmica gerada nos programas de pós-graduação stricto sensu do país, produzidos no

período de 1990 a 2010, no campo da História da Matemática, especificamente os trabalhos que versam sobre História

da Matemática no ensino de Matemática e que apresentam propostas didáticas de uso da História da Matemática.

Nosso interesse em debruçarmo-nos no tema supracitado deveu-se ao fato de que importantes mudanças vêm

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45 Anais do XII SNHM -2017

ocorrendo na área da História da Matemática, especialmente nas últimas duas décadas e que têm contribuído,

sobremodo, para o aumento da produção acadêmica nessa área. Esse tipo de estudo, de caráter analítico, se reveste de

singular importância, na medida em que tenta capturar os progressos e as lacunas que porventura possam se apresentar

em uma determinada área do conhecimento, sinalizando os rumos que a investigação científica tem seguido em

determinada área. Nossa escolha por refletir sobre as pesquisas inseridas na tendência História da Matemática no

ensino da Matemática baseia-se na relevância que essa tendência de pesquisa possui ao servir de parâmetro para a

possível utilização da história da matemática em sala de aula e pela contribuição que esse tipo de pesquisa pretende

dar às práticas realizadas no âmbito educacional. São pesquisas que, além de ter como princípios a reflexão sobre o

processo educacional, trazem elementos que coadunam para um aprofundamento do conteúdo histórico da

matemática. Entendemos que se tornam cada vez mais necessárias análises de cunho epistemológico da pesquisa

produzida no âmbito da História da Matemática no ensino de Matemática, tendo em vista que é uma área em constante

expansão.

Palavras-chave: História na Educação Matemática; Análise epistemológica; Produção acadêmica.

A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA COMO INSTRUMENTO DIDÁTICO

Edilene Simões Costa (UFMS)

Queremos refletir, dentre as potencialidades da história da matemática na Educação Matemática, a de elemento

norteador de decisão quanto aos procedimentos pedagógicos a serem utilizados na construção do conceito pelo aluno,

um instrumento que permeia todo o processo de ensino e de aprendizagem de determinado conteúdo. Tivemos uma

experiência com essa questão na nossa tese de doutorado, na qual trabalhamos a construção de conceito de área no

quinto ano do ensino fundamental. Utilizamos a história da matemática para problematização de situações que

permitissem aos alunos apropriação significativa das ideias matemáticas. Verificamos que a utilização da história da

matemática representa possibilidades para a elaboração de condições que favoreçam a aprendizagem de conteúdos

matemáticos, que atividades didáticas elaboradas a partir de textos da história da matemática, transformam as aulas

em um espaço gerador de inquietação, curiosidade, criatividade, e de construção e apropriação de conceitos

matemáticos, especificamente, de área e sua medida. Percebemos que a história da matemática pode ser um espaço no

qual o aluno conhece, aplica, analisa, julga, constrói e ressignifica o conhecimento; estabelece relações com outros

conhecimentos promovendo, assim, aprendizagens. Após esse trabalho muitas questões surgiram, como: (1) Quem,

no Brasil, está se dedicando a estudar o uso da história da matemática em sala de aula? Não defendendo

potencialidades, mas elaborando material, ou viabilizando de outra forma esse uso para professores do ensino

fundamental e médio. (2) O uso da história como instrumento pedagógico, realmente, acontece no dia a dia escolar ou

ainda está em termos de pesquisas? (3) Quem é o professor que trabalha com a história da matemática na educação

básica, principalmente nos anos finais do ensino fundamental? (4) Como esse professor trabalha? (5) Que material ele

utiliza? (6) Quais são suas concepções a respeito da história da matemática como instrumento pedagógico? (7) Nas

pesquisas, a história da matemática como instrumento metodológico tem sido vinculada a teorias relacionadas à

construção de conceitos matemáticos? Quais? De que maneira? Penso que o estudo dessa vinculação é importante,

uma vez que historiador, a partir de um conjunto de fontes primárias, elabora uma história. A depender de seu interesse

o professor faz uso dessa história para tomar decisões pedagógicas relativas ao ensino de determinado conteúdo.

Ainda, não temos respostas a todas essas inquietações, e as que temos não são definitivas, por enquanto ou talvez nem

sejam, mas são pontos que considero importantes e que merecem atenção.

Palavras-chave: História da matemática; Instrumento metodológico; Ensino e aprendizagem.

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46 Anais do XII SNHM -2017

Discussão Temática 3: PESQUISA EM HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: PROBLEMAS E

CONCEITOS DE MATEMÁTICA.

Gérard Émile Grimberg (UFRJ) – Organizador.

Marcos Vieira Teixeira (UNESP – Rio Claro)

Manoel de Campos Almeida (Emérito PUC-PR e UFPR)

GEOMETRIA, ÁLGEBRA E ANÁLISE, TRÊS EXEMPLOS DAS NOVAS RELAÇÕES ENTRE

ESSES DOMÍNIOS NO SÉCULO XIX.

Gérard Emile Grimberg (IM-UFRJ)

Pesquisa em história da matemática em qualquer época requer num primeiro momento uma visão global do período

que será abordado por ela e, num segundo momento um quadro específico que permita desenvolver a pesquisa,

destacando alguns aspectos locais desta visão global. A elaboração das geometrias euclidianas e não euclidianas

seguem dois processos paralelos no decorrer do século XIX. O primeiro é a lenta elaboração de uma axiomática que

torna explícita a noção de ordem sobre a reta e sobre plano, a distinção entre as propriedades de incidência e as

propriedades métricas, que aparecem também através das propriedades projetivas. O segundo processo é a construção

de diferentes modelos analíticos das diferentes geometrias, em particular, o modelo do plano projetivo em

coordenadas homogêneas, assim como versões analíticas dos planos hiperbólico, elíptico, e euclidiano. Neste último

processo, a visualização geométrica dos conceitos algébricos e analíticos desempenham um papel crucial. Queremos

analisar tal papel através de três exemplos, o conceito de ponto imaginário em Poncelet, os quatérnios de Hamilton, e

o surgimento das álgebras de Clifford.

A PESQUISA EM HISTÓRIA DE PROBLEMAS E CONCEITOS DE MATEMÁTICA.

Marcos Vieira Teixeira - UNESP

A partir da questão “Por quais razões o Brasil possui muito pouco pesquisadores no tema História de Problemas e

Conceitos de Matemática?”, discutirei as dificuldades encontradas na pesquisa e na formação de pesquisadores em

História de Problemas e Conceitos, dando ênfase na necessidade da formação de novos pesquisadores nesse tema e

no perfil daqueles que se aventuram a realizar esse tipo de pesquisa.

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47 Anais do XII SNHM -2017

PESQUISAS EM PRÉ-HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: NOVAS VISÕES E NOVOS RUMOS.

Manoel de Campos Almeida

PUCPR - UFPR (Emérito)

Resumo

São apresentadas e discutidas novas visões, rumos e conselhos para pesquisas em Pré-história e História da

Matemática. É defendida uma visão holística, sistêmica, histórica, a qual permitiria uma melhor compreensão das

origens e das naturezas das ciências. É introduzida uma nova visão para orientar pesquisas, que conjuga a

Weltanschauung, a concepção de mundo dos matemáticos, com uma Uranschauung, a visão das origens, dos

primórdios da Matemática. Exemplos de pesquisas, atuais e futuras, tanto em História como em pré-história da

Matemática são discutidos.

Palavras-chave: História da Matemática; Historia da Ciência; Etnomatemática.

Abstract

Are presented and discussed new visions, directions and advices for researches in Prehistory and History of

mathematics. Is advocated a holistic, systemic, historic, which would allow a better understanding of the origins and

the nature of science. Is introduced a new vision to guide researches, which combines the Weltanschauung, designing

world of mathematicians, with a Uranschauung, the vision of the origins of Mathematics. Examples of current and

future researches, both in History as in Prehistory of Mathematics are discussed.

Keywords: History of Mathematics; History of Science; Etnomathematics

Pesquisa em História da Matemática: Problemas e Conceitos de Matemática

Inicialmente, quero agradecer ao honroso e gentil convite para participar da discussão sobre Pesquisa em

História da Matemática: Problemas e Conceitos de Matemática, no XII Seminário Nacional de História da Matemática.

Vou me limitar ao que venho desenvolvendo há décadas, ou seja, ao estudo das Origens da Matemática, à sua Pré-

história. As origens das coisas, das ciências, como surgiram, em que contexto despontaram e como evoluiram, sempre

me intrigaram. Pretendia preencher uma importante lacuna nos textos tradicionais sobre História da Matemática, os

quais, em sua imensa maioria, dedicavam apenas alguns meros parágrafos sobre as origens desta ciência, isso quando

eventualmente o faziam. O nome, Pré-história da Matemática, para meus estudos, me foi sugerido pelo insigne Dr.

Ubiratan D’Ambrosio, pois até então esse caudal era inominado.

É costume estabelecer a distinção entre História e Pré-história, encarando-se a história como a descrição dos

fatos ocorridos após a invenção da escrita e mediante esta. Fatos históricos seriam, portanto, fatos registrados por

escrito. Este modo de se estabelecer a dicotomia História / Pré-história, embora tradicional, encerra deficiências, que

geram mal-entendidos. Um dos problemas é que não estabelece linha divisória temporal. A descoberta da escrita,

segundo opinião amplamente aceita pela comunidade erudita, foi obra dos sumérios, pouco antes de 3000 a.C.. Por

exemplo, se definirmos como 3000 a.C. essa fronteira no tempo, válida em todo o globo, fatos ocorridos antes desta

data seriam pré-históricos; depois históricos. Como essa divisória não existe na realidade, embora vivamos hoje em

plena era da informatização, das missões espaciais, dos engenhos nucleares, portanto na era histórica, coexistimos

com povos pré-históricos, como os silvícolas da floresta amazônica, os aborígines da Austrália e Nova-Zelândia, entre

outros. Logo, História e Pré-história, nesta acepção, podem ser contemporâneas e mesmo hoje é possível fazer

pesquisas sobre a Pré-história, particularmente da Matemática, no Brasil. Daí o título da minha participação nesta

discussão: novas visões e novos rumos para pesquisas em Pré-história da Matemática.

A espécie humana começou a se preocupar com formas e números, elementos fundamentais da geometria e

da aritmética, provavelmente no Paleolítico. Isso suscita uma série de questões, às quais denomino de ur-questões,

interrogações sobre as origens das coisas.

Entre essas ur-questões seleciono inicialmente algumas, que nortearam meu trabalho. Quando o homem

começou a pensar simbolicamente? E a se interessar pelas formas? E pelos números? Ou, em outras palavras, quando

surgiu a geometria? E a aritmética? Quem surgiu primeiro? Quando? Por quê? Como surgiu e se desenvolveu o

raciocínio lógico? Quais os fatores condicionantes que influíram em suas concepções? Foram unicamente biológicos,

produto da evolução da espécie? Fatores culturais também contribuíram? Quais? E inúmeras outras.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

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Manoel de Campos Almeida

48 Anais do XII SNHM -2017

Sempre entendi em que somente um tratamento sistêmico, holístico e histórico nos propiciaria os meios para

compreender suas origens, provido de um sustentáculo pandisciplinar proporcionado por diversas ciências, tais como

a arqueologia, a genética, a antropologia, a neurofisiologia, a linguística, a climatologia, a filosofia, a epistemologia,

a paleantropologia, a psicologia do desenvolvimento, a demografia, a odontologia e inúmeras mais.

A neurofisiologia moderna vem mostrando que conceitos matemáticos são parcialmente estruturantes do

cérebro humano. Tenho a convicção de que somente com a compreensão desses mecanismos cognitivos biológicos,

associada ao estudo da evolução histórica dessa ciência, bem como a análise do contexto que possibilitou aos seus

artífices, os matemáticos, sobreviver e transcender, é que seria possível principiar a compreender o que é a Matemática,

suas origens, seu desenvolvimento, sua estupenda capacidade descritiva, explanatória, heurística e criadora.

Antes de mais nada, cumpre notar que a Matemática, em suas origens, abrangia um conceito muito mais

amplo do que como ela é entendida no presente. Inicialmente, debruçar-me-ei sobre a etimologia do substantivo

“Matemática” (singular). Surgiu nos fins do século XIV, sendo substituído nos princípios do XVII por

“Matemáticas” (plural). Proveio, por meio do latim mathematica (plural), originalmente do grego mathema, que

significava algo como: ciência, conhecimento, uma lição, algo que é aprendido; literalmente era entendido como:

“aquilo que é aprendido” (cf. Onlyne Etymology Dictionary). “Mathematike tekhne ", significava ciência/técnica

Matemática, e era empregada como a forma feminina de mathematikos (adjetivo) que, por sua vez, significava: algo

relativo à Matemática, à Astronomia, disposto a aprender.

Essas formas estavam relacionadas com o grego manthanein, “aprender”, que tem suas raízes primitivas no

proto-indoeuropeu *mendh, “aprender”, o qual foi fonte do grego menthere, “cuidar”; do lituano mandras, “estar

inteiramente acordado”; do Eslavo Antigo da Igreja madru, “sábio”; do Gótico mundonensis, “olhar para”; do Alemão

munter, “acordado”.

Portanto, mesmo em suas raízes mais remotas, o vocábulo Matemática estava correlacionado com: aprender,

estar acordado para algo. É interessante notar que a Matemática, em suas mais remotas origens do vocábulo, merecia

uma conotação muito mais abrangente do que hoje é entendida, um mero jogo simbólico formalizado, disciplinado

por regras lógicas. Ela estava aberta a aprender, a estar acordado a aprender qualquer tipo de coisa, arte, matéria ou

mesmo religião. Modernamente, o Programa Etnomatemática, criado por Ubiratan D´Ambrosio, em 1.985, é o

movimento que mais se assemelha a essa interpretação.

D’Ambrosio, denomina de “Etnomatemática” à matemática a qual é praticada por grupos culturais

identificáveis”. Propõe um amplo entendimento do conceito de ethnos, de modo a incluir os jargões, códigos,

símbolos, mitos e mesmo modos específicos de raciocínios e inferências desses grupos no estudo de sua

etnomatemática. Abrange, portanto, um conceito ampliado da matemática, de modo a incluir processos como

contagem, localização geográfica (mapas), medições, jogos, explicações etno-racionais, ou mesmo processos

divinatórios. Etnomatemáticos chamam a atenção para que a Matemática, com suas técnicas e verdades, é um produto

cultural, desse modo todo povo, toda cultura ou sub-cultura, desenvolve sua própria Matemática.

No primeiro volume da minha obra Origens da Matemática, questionei: “O que é Matemática ?”. Embora

seja a ciência das definições exatas, não há uma definição cabal, precisa, satisfatória do que seja. Esse é um exemplo

do que denominaria de uma meta-questão. Para respondê-la teria de me colocar externamente à essa ciência e

empregar termos extra-(ou meta)-matemáticos, além de seus próprios termos. Toda a ciência tem suas metas-questões.

“O que é Realidade?”, é a meta-questão primordial da física. “O que é Vida?”, a da biologia.

Para compreender melhor esses meandros farei uso da “metáfora da gaiola”, elaborada por D’Ambrosio.

Toda a ciência pode ser comparada individualmente a uma gaiola, onde seus cientistas habitam, convivem e fazem

suas descobertas empregando linguagem e conceitos próprios. Essas gaiolas têm suas paredes espelhadas, com

espelhos que permitem quem está fora ver para dentro, mas não a quem está dentro olhar para fora.

Para responder a meta-questões como, por exemplo, “O que é Matemática ?”, o seus cientistas procuram

argumentos na linguagem convencionada da gaiola. Mas isso por si só não é suficiente para compreendermos a

essência dessa ciência. Os matemáticos, por exemplo, quando não sabem algo, costumam encobri-lo sob o guarda-

chuva de “conceito primitivo”, ou “axioma” aceito sem demonstração. Não só eles, mas os físicos empregam o mesmo

ardil para conceitos como “tempo, massa, força, gravidade, etc.”

Como muito bem observa D’Ambrosio, as ciências individuais ficaram tão “engaioladas”,

compartimentalizadas em suas epistemologias e métodos, que nem se permitem saber de que cores essas gaiolas são

pintadas por fora. Além dessas meta-questões há também toda a classe de ur-questões, para as quais o pesquisador em

busca de conhecimento atenta.

Bastante conhecido é o conceito de Weltanschauung, que significa visão do mundo, cosmovisão. É o olhar

com que um determinado grupo social encara sua realidade. Anschauung, em alemão, tem o sentido de contemplação,

visão, concepção, experiência própria, Welt significa mundo. Permitir-me-ei propor outro neologismo: o de

Uranschauung, ou seja, visão das origens, dos primórdios, do nascimento das coisas.

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PESQUISAS EM PRÉ-HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: NOVAS VISÕES E NOVOS RUMOS.

49 Anais do XII SNHM -2017

A Weltanschauung de um matemático seria a contemplação de sua ciência de dentro de sua gaiola, já a

Uranschauung seria a compreensão de como a gaiola e seu conteúdo foi erigida, o que exige uma postura externa à

mesma. Como Saramago apontou “é necessário sair da ilha para ver a ilha” (Conto da ilha desconhecida). As duas

visões se complementam, questionando-se mutuamente. Essa conjunção propicia uma visão holística, sistêmica,

histórica, que permitiria, na minha opinião, uma melhor compreensão das origens e da natureza das ciências, sendo

esta a nova visão que propugno para as pesquisas tanto em História como na Pré-história da Matemática.

Mencionarei agora alguns novos rumos que podem direcionar futuras pesquisas, tanto em História como em

Pré-história da Matemática. Toda pesquisa de ponta na atualidade deve primordialmente ser interdisciplinar e recorrer

às melhores e mais atuais tecnologias disponíveis. Entre inúmeras possibilidades pinçarei apenas alguns exemplos de

como temas de pesquisas nesses campos podem ser estudados, principalmente no Brasil. Nosso país, por conviver

tanto com a História como com a Pré-história, apresenta notáveis oportunidades para estudos originais nesses campos.

Nossos silvícolas são talvez os melhores exemplos globalmente disponíveis para estudos da Pré-história das Ciências,

seja tanto da Matemática como de outras Ciências, dentro da visão holística aqui propugnada.

Uma das chaves para a escolha de projetos de pesquisa realmente originais está no conselho de Alexander

Graham Bell, multiplamente citado por eminentes pesquisadores, do calibre de um Einstein: “Nunca ande pelo

caminho já trilhado, pois ele conduz somente até onde os outros foram". Do mesmo modo, vertentes de pesquisa

absolutamente originais somente podem ser descobertas seguindo a recomendação de Isaac Newton: “Nenhuma

grande descoberta foi feita jamais sem um palpite ousado”. Igualmente importante é o ensinamento de Linus Pauling:

“The best way to have a good idea is to have lots of ideas”.

Paralelamente, becos sem saída, obstáculos aparentemente incontornáveis, proliferam na pesquisa científica.

Não devem ser desestimulantes, mas sim desafiadores. Já foi dito que, quando encontramos um paradoxo, devemos

nos rejubilar, pois aí então temos uma verdadeira oportunidade de ver a Matemática progredir. Recordemo-nos da

declaração de Thomas Alva Edison, acerca do seu extenuante esforço dispendido na procura de um filamento para a

lâmpada elétrica: “I have not failed, I’ve just found 10.000 ways that doesn’t work”, à qual acrescentava: “ The fastest

way to suceed is to double your failure rate”.

Tecnologias recentes, como a aerofotogrametria e a fotografia por satélite, associadas a ciências auxiliares,

tais como a arqueologia e a etnologia, podem impulsionar estudos originais sobre a Pré-história da Matemática no

Brasil, com verei no exemplo a seguir.

Com a devastação da floresta amazônica, amplas áreas ficaram sem sua cobertura florestal, permitindo assim

que voos a baixa altitude identificassem estruturas antes desconhecidas, posteriormente mapeadas por meio de

satélites, ou de aplicativos facilmente disponíveis como o Google Earth. Hoje mais de 490 dessas estruturas,

conhecidas como geoglifos, foram reconhecidas, suspeita-se que este número é apenas uma pequena fração das

mesmas. Na realidade são verdadeiros henges megalíticos, por serem lugares de encontro circundados por valas e

paredes de terra. Henges como Stonehenge ou Woodhenge são mundialmente famosos, mas os nossos geoglifos são

praticamente desconhecidos.

Foram descobertas em uma área que se estende do norte da Bolívia ao sul do Estado do Amazonas,

compreendendo a parte oriental do Estado do Acre. Esses henges são círculos perfeitos, quadrados, retângulos, ovais,

poligonais ou figuras compostas inscritas e circunscritas, escavadas no solo amazônico, parecendo ser estruturas

defensivas ou enclaves cerimoniais. Seus diâmetros variam entre 90 a 300m.

Sua função permanece um mistério. São formados em geral por valas com 1 a 5 m de profundidade, com

bancos de terra adjacentes de 0,5 a 1m de altura. Em geral situam-se a 2/5 km de rios permanentes, mas a maioria tem

fontes de água perto.

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Manoel de Campos Almeida

50 Anais do XII SNHM -2017

Podemos facilmente reconhecer as várias formas geométricas empregadas na edificação desses henges

(Fig.1), contudo, praticamente nada se sabe sobre os conhecimentos geométricos subjacentes, ou sobre as técnicas

construtivas empregadas, ou sobre a função dessas construções, ou sobre os povos que as executaram. Vêm atraindo

a atenção de pesquisadores de outros países, mas esta geometria pré-histórica dos nossos silvícolas pouco vem sendo

pesquisada pelos nossos historiadores/pré-historiadores da Matemática.

Outro exemplo de pesquisa fundamental em Pré-história da Matemática, dentro da visão holística,

multidisciplinar, que defendo, diz respeito a uma importante sugestão feita a mim pelo eminente lógico brasileiro

Newton Carneiro Affonso da Costa. Ele me sugeriu o estudo da Etnológica dos nossos índios, sua lógica intrínseca,

seu modo de resolver problemas, não somente numéricos ou geométricos, mas sua heurística em geral. Seria ela

bivalente ou multivalente? Sua Weltanschauung seria paraconsistente? Praticamente nada foi investigado sobre isso.

Em virtude da infortunada velocidade de extinção desses povos, da sua aculturação infelizmente acelerada, esta é uma

herança cultural extremamente rica, que gradualmente perdemos sem ao menos registrá-la, um tesouro desperdiçado.

O exemplo que selecionei a seguir mostra a tendência atual, o rumo moderno das pesquisas em História/Pré-

história da Matemática. Um recente artigo publicado em novembro de 2016, por Andreas Nieder, ilustra como as

modernas investigações sobre conceitos como o do “zero matemático” associam ciências tais como neurofisiologia e

a psicologia desenvolvimentista com a História da Matemática.

O “zero” é entendido usualmente como o “vazio” ou o “nada”, mesmo assim é considerado como um das

maiores conquistas da humanidade. Antes de tudo, devo recordar que o zero indo-arábico “0” é um numeral, ou seja,

Fig. 1 Formas geométricas dos geoglifos: na sequência, da esquerda para a direita: círculo perfeito; círculos

inscritos e circunscrito, levemente achatados; poligonal; quadrados inscrito e circunscrito; quadrado com

círculo inscrito; ovóide tipo II (?); ovóide tipo I (?); poligonal irregular. Fotos diversas. Fonte: Almeida,

2017.

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PESQUISAS EM PRÉ-HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: NOVAS VISÕES E NOVOS RUMOS.

51 Anais do XII SNHM -2017

um signo que representa um número, o qual corresponde a uma abstração de uma quantidade que, no caso, é uma

quantidade nula. Na aritmética moderna, dotada do sistema numérico indo-arábico, o zero desempenha um papel

posicional, conforme esteja em posições intermediárias, como 103, 203049, ou terminal, como 10, 16400. Em posições

iniciais geralmente é descartado, exceto quando desempenha um papel posicional, por exemplo, para demarcar

posições em números de contas bancárias: 0000234056, as quais, por eventuais necessidades operacionais, devem ter

dez dígitos. O primeiro papel histórico do zero foi de representar um espaço vazio, posteriormente evoluiu para o seu

significado verdadeiramente numérico, significando uma quantidade nula. Já na moderna teoria dos conjuntos um

conjunto que não contém algum elemento é denominado de conjunto vazio e denotado por ϕ. O número cardinal de

um conjunto denota o número de elementos que ele contém. O zero matemático corresponde ao número cardinal do

conjunto vazio.

O conceito de “zero” na realidade incorpora várias instâncias, segundo Nieder: 1) na representação perceptiva,

sensorial, zero corresponde a uma ausência de estímulos; 2) na representação categórica, zero manifesta a oposição

entre “nada” (zero) e “alguma coisa”; 3) na representação quantitativa, zero corresponde a uma quantidade nula; 4) na

matemática moderna, zero é um número abstrato, seja ele solução de uma equação ou número cardinal de um conjunto.

Na Idade da Pedra, partir de quando um hominídeo dispusesse de palavras para números, ele não teria

necessidade de empregar o “zero” em processos de contagem, pois nenhum deles contaria: “zero” lobos, um lobo,

dois lobos,... Nessa era apenas entalhes ou calculi eram empregados como registros de contagens, e ninguém

executaria “zero” entalhes, ou separaria “zero” calculi, para registrar quantidades nulas. Se entendermos como

números naturais os números empregados em processos de contagem, então historicamente o zero não é um número

natural. Contudo, modernamente, a partir de quando o emprego de números negativos se tornou costumeiro,

convencionou-se, por conveniência, como um número natural, o único que não é nem negativo nem positivo. Vou

esquematizar a evolução histórica desse conceito.

Os mesopotâmios não tinham um símbolo especial para o zero. Isso ocasionava problemas, pois deixavam um

espaço em branco para indicar uma posição vazia, o que implica em que muitas vezes o valor do número deve ser

adivinhado pelo contexto do problema. Somente no período selêucida, apenas em textos astronômicos e nunca em

posição terminal ou inicial, empregavam um símbolo (duas cunhas inclinadas) para denotar uma posição vazia. A

notação posicional foi inventada na terceira dinastia de Ur, c. 2500 a.C., provavelmente inspirada no uso do ábaco em

contas. As colunas do ábaco correspondem às potências da base empregada; deixar uma coluna em branco significaria

um “zero” nesta posição. Desse modo, o primeiro papel histórico do “zero” foi de representar um espaço vazio.

Os maias conheciam a numeração com valor posicional e o conceito de zero. O símbolo para o zero era uma

concha.

Os gregos, no século VI a.C., desenvolveram um sistema de numeração empregando letras alfabéticas,

conhecido como sistema ático, baseado no princípio acrofônico, segundo o qual a letra inicial da palavra para o número

era seu numeral. Para as potências positivas da base dez, empregava as letras iniciais das palavras correspondentes:

Δ, para deka, dez; H, para hekaton, cem; X, para khilioi, mil; M, para myrioi, dez, mil. Dessa forma, podiam

desenvolver sua matemática sem um símbolo para o zero. Outros povos, como os egípcios, os hebreus, os romanos e

os chineses também dispensavam um símbolo especial para o zero em suas matemáticas. Isso significa que suas

etnomatemáticas foram desenvolvidas mediante sistemas de numeração que prescindiam de símbolos para o zero.

Os hindus foram os primeiros a entenderem o conceito do zero, devido a possuírem avançadas noções

filosóficas acerca de “vacuidade”, nihilismo, nulidade, não-ser, ausência e insignificância, provavelmente concebidas

no princípio da era cristã. O shûnyatâ era o principal conceito da shûnyatâvadâ, a filosofia da vacuidade, que pregava

que tudo feito coisa (samskrita) é vazio, impessoal, e sem natureza original.

Esta visão não distingue entre a realidade e a não-realidade das coisas, reduz todas as coisas à total

insubstancialidade. Em sânscrito a designação do zero é shûnya, vazio. Esta filosofia pode ser resumida na seguinte

resposta que, acredita-se, Buda deu ao seu discípulo Shariputra, o qual erradamente confundiu o vazio (shûnya) com

forma (rûpa):

Isto não é certo”, disse Buda, “no shûnya não há forma (rûpa), nem sensação, não há idéias, nem

volições, e nem consciência. No shûnya não há orelhas, narizes, língua, corpo ou mente. No shûnya

não há cor, barulhos, cheiros, gostos, 51éfiro51s ou elementos. No shûnya não há ignorância, nem

conhecimento, ou mesmo o fim da ignorância. No shûnya não há envelhecimento ou morte. No

shûnya não há conhecimento, ou mesmo a aquisição de conhecimento (cf. Ifrah, 2000, p.425).

Esta filosofia chega a distinguir vinte e cinco tipos de shûnya, expressando nuances como: o vazio da não

existência, do não-ser, do não-nascido, do não-criado ou não presente, o vazio da não-substância, do não-pensado, da

imaterialidade ou insubstancialidade, o vazio do não-valor, do ausente, do nada, etc. Outro termo do sânscrito para o

Page 60: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Manoel de Campos Almeida

52 Anais do XII SNHM -2017

zero é bindu, que significa “ponto”, e é a figura geométrica mais elementar que há, constituindo-se de um círculo

reduzido ao seu centro.

Para os hindus bindu simboliza o universo em sua forma não manifesta, antes de sua transformação no mundo

das aparências. Este universo não-criado é dotado de uma energia criativa capaz de engendrar tudo. Assim surge a

associação natural destas ideias com a figura geométrica do ponto, a mais básica de todas, mas que é capaz de gerar

todas as linhas e formas possíveis. É o símbolo perfeito para o zero, a mais negligenciável quantidade que há, embora

o conceito mais básico de toda matemática abstrata.

As regras que regem o uso do zero aparecem pela primeira vez no livro de Brahmagupta (598 – 670), o

Brahmasputha Siddhanta (A Abertura do Universo), escrito em 628. Ali Brahmagupta considera não somente o zero,

mas números negativos e as regras algébricas para as operações aritméticas elementares com esses números.

O primeiro europeu a advogar o uso do zero na Europa foi Abraham bem Meir ibn Ezra (1092-1167), que

escreveu Sfer H Mispar (O Livro do Número), no qual usou o círculo para representar o zero. Preferiu empregar as

primeiras nove letras do alfabeto hebreu ao invés dos nove algarismos indo-arábicos. Denominou o zero de Galgal

(hebreu para roda) ou Sifra (apud o árabe Sifr, certamente). Também mudou o antigo sistema de numeração alfabética

hebraico para um sistema decimal como o nosso.

Quando os árabes adotaram os numerais hindus e o zero, denominaram o último de sifr, tradução literal do

sânscrito shûnya, vazio. Quando o conceito do zero chegou na Europa, sifr foi traduzida pela palavra quase homófona

em latim zephyrus, que significava “vento oeste”, uma leve brisa, quase nada. No seu Liber Abaci, Fibonacci

(Leonardo de Pisa) usou o termo zephirum, e este termo continuou em uso nesta forma até o século XV. Foi o termo

zephirum de Fibonacci que deu origem ao nome moderno de zero, através do italiano zéfiro. Zero é apenas uma

contração de zéfiro, do dialeto vêneto.

É importante notar que o “zero matemático” não tem a mesma conotação do “zero físico”, o nada, associado

ao vácuo. Mesmo admitindo-se que o vácuo interestelar não contenha nenhuma partícula material, radiação ou

qualquer forma de energia, ele contém ao menos uma coisa: o espaço, ou melhor, o contínuo espaço-tempo, se

quisermos empregar a nomenclatura da teoria da relatividade geral de Einstein. Atuais teorias da física propõem que

o Universo foi criado a partir da polarização do vácuo (físico), por meio de um processo denominado de inflação. O

“zero físico” tem, portanto, substancialidade.

O “zero matemático” moderno, de certa forma, reassume as suas concepções originais provenientes da filosofia

hindu, contudo esta era muito mais abrangente em sua concepção do shûnya. Ela associava a não existência, a não

substancialidade, à doutrina do shûnya, algo extremamente difícil para a mentalidade moderna contemplar.

A representação categórica do “zero”, quando manifesta a oposição entre o “nada” (zero) e “alguma coisa”, é

talvez a mais difícil questão filosófica para a mentalidade moderna, quando esta procura entender a shûnyatâvadâ, a

filosofia hindu da vacuidade.

Até recentemente, as origens biológicas que fundamentam o conceito do zero eram desconhecidas. Somente

com a disponibilização de tecnologias modernas de neuroimagens, encontradiças em qualquer hospital atual decente,

é possível investigar como o cérebro humano realmente opera conceitos como o do “zero matemático”. O cérebro

deixa de ser uma “caixa preta” inescrutável.

Segundo Nieder (2016), estudos atuais sobre psicologia desenvolvimentista, cognição animal e neurofisiologia,

associados a estudos da História da Matemática, permitem admitir que a emergência do zero matemático passa por

quatro estágios. No primeiro, a ausência de estímulos (nada) corresponde a um mental/neural estado de repouso, no

qual faltam assinaturas especificas. No segundo estágio, a ausência de estímulos é reconhecida como uma categoria

comportamental específica, mas sua representação é ainda vazia de relevância quantitativa. No terceiro estágio o nada

adquire um significado quantitativo e é representado como um conjunto vazio no extremo inferior de um contínuum

numérico, ou linha dos números. Finalmente, a representação do conjunto vazio é estendida para se torna o zero

matemático. Para Nieder, esses diferentes estágios do conceito de zero refletem progressivos níveis de abstração

mental.

Verei agora como conceitos semelhantes ao do zero se desenvolvem em crianças. Crianças com cinco meses

já tem a capacidade de apreciar o número de itens em um conjunto; podem mesmo efetuar operações básicas de adição

e subtração, quando objetos aparecem ou desaparecem, como em um teatro de marionetes. De um modo surpreendente,

crianças com oito meses não diferenciam operações de 1 – 1 = 1 ou 0 + 1 =1, o que tem sido interpretado como a

inabilidade de crianças com esta idade entenderem uma quantidade nula, embora possam já representar um pequeno

número de itens.

Crianças com 3 a 4 anos começam a entender que, quando um último objeto é retirado de um cenário, a

condição que subsiste é chamada de “nada” e pode ser denominada com o nome especial de “zero”, este então assume

como um indicador de “ausência”. Contudo, ela ainda não integrou esse “zero” com o conhecimento quantitativo de

outros pequenos números inteiros; por exemplo, quando perguntada “o que é menor, zero ou um?”, ela muitas vezes

Page 61: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

PESQUISAS EM PRÉ-HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: NOVAS VISÕES E NOVOS RUMOS.

53 Anais do XII SNHM -2017

insiste que “um” é menor. Ao redor dos quatro anos a criança começa a incluir, de modo ainda não quantitativo, a

representação do “nada” como um conjunto vazio em sua linha numérica mental.

O próximo estágio de seu desenvolvimento é quando ela compreende que zero é uma quantidade e coloca-o

em um continuum numérico, junto com outros números. Isso ocorre aproximadamente aos seis anos, quando lhe são

apresentadas notações simbólicas do zero e dos números inteiros, sejam elas palavras para números ou numerais. A

partir dos sete anos, crianças tipicamente compreendem operações elementares com o zero, tais como 0 < n, n + 0 =

n, n – 0 = n.

Mesmo entre adultos a representação do zero tem um status diferenciado dos outros números inteiros. Estudos

psico-físicos mostram que, quando adultos ocidentais leem números em linha, o tempo que leva o zero em sua leitura

é consistentemente maior que o esperado, o que sugere que ele não deve ser considerado como parte natural da linha

mental dos números.

Vários estudos com animais, tais como chimpanzés, papagaios, etc., mostraram que a sua capacidade de

entender as várias facetas do zero é muito limitada. Aparentemente, não pode ser excluído que animais associem o

signo “0” com nada mais que a ausência, o nada, ao invés da quantidade nula. Para animais transcenderem da

representação do conjunto vazio para uma representação do número zero, que satisfaça a teoria dos números, teriam

que compreender todo um sistema simbólico, o que, aparentemente, está além do seu alcance.

Para o cérebro humano, a representação do zero, seja como representando o nada, ou conjuntos vazios, ou

mesmo números abstratos, é um desafio, como acertadamente afirma Nieder. Seus neurônios sensórios se

desenvolveram para representar “alguma coisa”, na ausência de estímulos perceptuais os neurônios estão inativos,

gerando apenas sinais potenciais de atividade como assinaturas de estado de repouso ou default.

Para animais simples, com limitado repertório comportamental, uma representação ativa do “nada” está fora

de seu alcance. Contudo, para animais cognitivamente mais avançados, a ausência de estímulos pode se tornar uma

categoria comportamental relevante e consequentemente ser codificada por neurônios.

Passarei agora a mostrar como o cérebro opera as diversas instâncias do zero, conforme descrito por Nieder

(op. cit.). Para que se tenha uma representação quantitativa, espera-se que os neurônios não somente denotem a

ausência de estímulos como também sejam capazes de colocar conjuntos vazios no extremo inferior de um continuum

numérico. Para uma ordenação sistemática de magnitudes, a distância entre os números que as representam é

fundamental. Neurônios numéricos encontrados na rede parieto-frontal de primatas são sintonizados para

numerosidades escolhidas, onde apresentam atividade máxima, quanto mais distantes eles estão da numerosidade alvo

escolhida, menor a sua atividade neuronal, devido ao efeito distância. Quando há um input na rede neuronal, neurônios

na área ventral intraparietal (AVI) não exibem um forte efeito distância, contudo codificam conjuntos vazios como

uma categoria distinta das outras numerosidades, a o status de presença versus ausência de itens. Dessa forma, os

neurônios da área ventral intraparietal são capazes de denotar, de uma forma não numérica, o zero mediante uma

representação categórica.

Fig.2 Áreas codificadoras do zero. Adaptado pelo autor, ap. Nieder 2016.

Fonte: Almeida, 2017.

Page 62: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Manoel de Campos Almeida

54 Anais do XII SNHM -2017

Já os neurônios do córtex pré-frontal representam conjuntos vazios abstratamente. Esses resultados sugerem

que há uma hierarquia no processamento pelo cérebro de conjuntos vazios, da área ventral intraparietal para o córtex

pré-frontal lateral (CPL), ao longo da qual conjuntos vazios são gradualmente destacados de suas propriedade visuais

e colocados em um contínuo numérico. Desse modo, o cérebro transforma a ausência de itens contábeis (nada),

representada no cérebro pelas categorias mais baixas na hierarquia, como na AVI, em uma categoria quantitativamente

abstrata (zero) nas áreas mais altas dessa hierarquia, como no CPL. Como o CPL está também engajado na

representação de regras quantitativas básicas, ele provavelmente fornece a base para o raciocínio simbólico em

crianças.

No primeiro estágio de Nieder a ausência de estímulos (nada) corresponde a um mental/neural estado de

repouso, no qual faltam assinaturas especificas. Esse estágio equivale ao do coma profundo, onde o cérebro está em

estado vegetativo, anestesiado. Não há percepções, nenhum contato sensorial com o mundo exterior persiste, a caverna

de Platão está escura, nenhuma sombra tremula. Ele apenas vive. Nesse estágio não há o que se convencionou chamar

de consciência, assim não há Matemática, ou qualquer outra coisa que seja produto da mente. Os animais, humanos

inclusive, nesse estágio não se diferenciam dos vegetais.

No seu segundo estágio, a ausência de estímulos é reconhecida como uma categoria comportamental específica,

mas sua representação é ainda vazia de relevância quantitativa. Nesse estágio surge a consciência, a mente consegue

reconhecer a ausência de estímulos; o homem se diferencia dos vegetais. Corresponde ao estágio onde numerosidades

são reconhecidas, mas ainda não há percepção ou hierarquização do conceito do zero. Como Nieder observou, a

evolução das representações da ausência de estímulos para a de conjuntos vazios requer a transformação de um evento

não sensorialmente reconhecido para uma atividade cerebral gerada categoricamente. Isso exige que a consciência

desencadeie redes neurais capazes de executar essas tarefas, contudo, os mecanismos fisiológicos envolvidos ainda

permanecem desconhecidos.

No seu terceiro estágio, afirma, o nada adquire um significado quantitativo e é representado como um

conjunto vazio no extremo inferior de um contínuum numérico, ou linha dos números. A ausência de itens contábeis

(nada) é representada no cérebro na área ventral intraparietal.

No quarto e último estágio de Nieder a representação do conjunto vazio é estendida para se tornar o zero

matemático. O cérebro então transforma a ausência de itens contábeis (nada), representada no cérebro pelas categorias

mais baixas na hierarquia numérica neuronal, na AVI, em uma categoria quantitativamente abstrata (zero) nas áreas

mais altas da hierarquia, no CPL.

Para Nieder, esses diferentes estágios do conceito de zero refletem progressivos níveis de abstração mental.

Observa então, magistralmente, que a sequência desse processo cerebral espelha a linha do tempo dos avanços

culturais e ontogenéticos da evolução do conceito do zero.

Isso fundamenta a importância do estudo tanto da Pré-história como da História da Matemática, da visão de

suas origens, dos seus primórdios, da sua evolução, ou seja, de suas Uranschauung e Weltanschaauung. A Matemática,

como a conhecemos modernamente, é um produto cultural, historicamente construído, enraizado na neurofisiologia

do cérebro humano.

O “zero matemático” é um mentefacto, para empregar um termo introduzido pelo biólogo Julian Huxley (1887-

1975) como base de sua teoria da cultura. Os mentefactos incluem os símbolos e códigos de uma cultura. Dessa forma,

cultura mental pode ser entendida como um conjunto de símbolos e códigos. Ele somente adquiriu sua importância

com os hindus, principalmente pela obra de Brahmagupta (598 – 670), cuja aritmética sistematizou o emprego do zero

e dos números negativos. Povos antigos, como os egípcios, os gregos, os mesopotâmios não necessitavam de um

símbolo para o zero matemático no desenvolvimento de sua etnomatemática.

A codificação da ausência de estímulos e da quantidade nula requer treinamento específico, observa Nieder,

aparentemente não é uma propriedade inata, transmitida geneticamente. As representações equivalentes ao zero,

consideradas como categorias comportamentais relevantes, se desenvolvem ao longo do tempo, como resultados de

tentativas e erros, e necessitam de reforço de aprendizado. Quando um sujeito aprende a responder apropriadamente

a ausência de estímulos ou a conjuntos vazios recebe uma recompensa, este mecanismo é suficiente para tornar

neurônios sintonizados, alterando assim o seu estado inicial de repouso, default, ou seja, de não sintonizados, gerando

uma rede neural adequada ao tratamento dessa questão.

As capacidades cognitivas da mente humana se originam do trabalho de neurônios, de sua organização em

redes neuronais. A luta histórica e ontogenética da humanidade para chegar ao conceito do zero matemático, pode, ao

menos parcialmente, ser um reflexo desse desafio neurobiológico, e talvez vice-versa.

Esse exemplo, adicionado aos demais, mostra como os rumos atuais de pesquisas, interdisciplinares

necessariamente, abrangendo várias ciências e empregando tecnologias modernas, se alinham com a visão para novas

pesquisas em História e Pré-história da Matemática que defendo.

Page 63: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

PESQUISAS EM PRÉ-HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: NOVAS VISÕES E NOVOS RUMOS.

55 Anais do XII SNHM -2017

Bibliografia

ALMEIDA, Manoel de Campos. Origens da Matemática – A Pré-História da Matemática. Vol. I – A Matemática

Paleolítica. Curitiba: Progressiva, 2009. 306p.

ALMEIDA, Manoel de Campos. Origens da Matemática – A Pré-História da Matemática. Vol. II – O Neolítico e o

Alvorecer da História. Curitiba: Progressiva, 2011. 366 p.

ALMEIDA, Manoel de Campos. O Nascimento da Matemática – A neurofisiologia e a pré-história da Matemática.

São Paulo: Editora Livraria da Física. (2013). 291 p.

ALMEIDA, Manoel de Campos. A Matemática na Idade da Pedra: Filosofia, Epistemologia, Neurofisiologia e Pré-

história da Matemática. São Paulo: Livraria da Física, 2017. 641 p.

D’AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática. São Paulo: Ática, 1993. 88p.

D’AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática – Elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica,

2002. 110p.

D’AMBROSIO, Ubiratan; ALMEIDA, Manoel de Campos. Etnomathematics and the emergence of mathematics. In:

The Nature and Development of Mathematics. Oxford: Routledge, 2017. 244 p.

IFRAH, Georges. Histoire universelle des chiffres. Paris, Seghers, 1981.567 p.

IFRAH, Georges. The Universal History of Numbers. New York, John Wiley & Sons, 2000. 633 p.

NIEDER, Andreas. Representing Something Out of Nothing: The Dawning of Zero. In: Trends in Cognitive Sciences,

November 2016, Vol. 20, No. 11 http://dx.doi.org/10.1016/j.tics.2016.08.008

Mesas Redondas

Manoel de Campos Almeida

Departamento de Matemática – PUCPR-UFPR

Emeritus

Curitiba-Paraná

Brasil

[email protected]

E-mail: autor@domínio.com

Page 64: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

56 Anais do XII SNHM -2017

MESAS REDONDAS

Page 65: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

57 Anais do XII SNHM -2017

Mesa Redonda 1 (Auditório da Elétrica): A INTERNACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA EM

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA.

Wagner Rodrigues Valente (UNIFESP) (organizador)

Luis Manuel R. Saraiva (CIUHCT e Faculdade de Ciências de Lisboa)

Barbara Diesel Novaes (UFTPR)

A INTERNACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

MATEMÁTICA: MOVIMENTOS DE CRIAÇÃO DE UM NOVO CAMPO DISCIPLINAR

Wagner Rodrigues Valente (GHEMAT- UNIFESP) - [email protected]

O tema da internacionalização da pesquisa em história da educação matemática remete ao próprio processo de

constituição do campo de pesquisa História da Educação Matemática. E, para tal discussão, os últimos anos revelam

um movimento acelerado de organização dessa nova seara de produção de conhecimentos. Assim sendo, este texto

intenta explicitar o processo de criação de um novo campo de pesquisa e o papel desempenhado pela

internacionalização nesse processo. Em seguida, analisa a possibilidade de existência do campo História da Educação

Matemática. Segue-se na análise, as discussões sobre modelos de internacionalização das pesquisas. A partir desses

objetivos iniciais, aponta o que poderia ser considerado como um modelo de cooperação para a produção de

conhecimentos, forma mais avançada da internacionalização da pesquisa. Tal modelo implica na busca de temáticas

de pesquisa comuns a grupos de diferentes países. Com elas, a articulação de projetos coletivos de investigação que

permitam a participação o mais simétrica possível entre equipes do Brasil e aquelas de outros países.

A INTERNACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA MATEMÁTICA EM

PORTUGAL

Luis Saraiva (CMAFCIO, Universidade de Lisboa) - [email protected]

A internacionalização na pesquisa em matemática só verdadeiramente se institucionalizou em Portugal a partir da

década de 70 do século XX, antes apenas houve períodos breves em que as ligações internacionais funcionaram com

alguma vitalidade. No período 1850-1970 foi relevante principalmente a acção de dois matemáticos: Primeiro a

actividade de Francisco Gomes Teixeira (1851-1933), o matemático português de maior prestígio de fins de século

XIX e início do século XX. Com o objectivo de integração da comunidade matemática portuguesa na rede

internacional de matemáticos, criou o Jornal de Sciencias Mathemáticas e Astronómicas (1877-1905), seguido pelos

Annaes Scientificos da Academia Polytecnica do Porto (1905-1915), mais tarde renomeados Anais da Faculdade de

Sciências do Porto (1927- ), primeiros jornais matemáticos onde se promoveu a participação regular de matemáticos

de outros países. Não tendo desaparecido a componente internacional, com a morte do seu promotor ela foi

esmorecendo no século XX. Igualmente com o objectivo de integração na comunidade científica internacional, Gomes

Teixeira foi um dos principais promotores da realização dos Congressos Luso-Espanhóis das Associações Portuguesa

e Espanhola para o Progresso das Ciências, iniciados com o Congresso do Porto em 1921 e continuados depois com

alguma periodicidade até ao fim dos anos 70. O outro matemático relevante nesta internacionalização foi António

Aniceto Monteiro (1907-1980), elemento da chamada geração matemática de 40, que fundou a Portugaliae

Mathematica em 1937, igualmente com o intuito de criação de um fórum internacional de pesquisa matemática. Com

a repressão da ditadura, a saída de Monteiro de Portugal em 1945, bem como a expulsão da Universidade Portuguesa

da maioria dos elementos dessa geração matemática em 1946/47, o movimento, não deixando de existir, perdeu a

vitalidade com que tinha começado. Na história da matemática não houve nada de comparável a nível institucional,

apenas a actuação um pouco isolada de figuras como Gomes Teixeira, Rodolfo Guimarães (1866-1918), Pedro José

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 66: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

58 Anais do XII SNHM -2017

da Cunha (1867-1945) e José Vicente Gonçalves (1896-1985). Na nossa exposição falaremos dos desenvolvimentos

recentes, essencialmente através da acção do Seminário Nacional de História da Matemática, fundado em 1988 e com

acção constante até à actualidade, indo ter o seu 30º Encontro Nacional no fim de Junho deste ano. Falaremos dos

Encontros Luso-Brasileiros, iniciados em 1993, dos Encontros Ibéricos, iniciados em 2013, e ainda da série de

Encontros “História das Ciências Matemáticas: Portugal e o Oriente”, iniciados em 1995.

EXPERIÊNCIAS DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

Barbara Winiarski Diesel Novaes (UTFPR – Câmpus Toledo) – [email protected]

Experiências de Internacionalização fazem parte da vida acadêmica desde a criação das primeiras universidades

europeias que contavam “com professores e estudantes de diferentes regiões e países, apresentando, em sua

constituição, comunidades internacionais que se reuniam em busca de um objetivo comum: o conhecimento”

(STALLIVIERI, 2004, p.15). Recentemente, nas recomendações do Plano Nacional de Pós-Graduação (2011 – 2020),

a internacionalização aparece no sentido da busca da excelência, de conhecimentos novos e para evitar a endogenia.

Uma recomendação do documento é: “dar incentivos ao estabelecimento de acordos de duplo-diploma e de cooperação

de largo escopo e longo prazo em projetos internacionais de pesquisa” (BRASIL, 2010, p.28). Dentre as modalidades

de cooperação acadêmica internacional, pretendemos relatar experiências de Internalização da Pesquisa em História

da Educação Matemática ocorridas durante o período de doutoramento sanduíche em Portugal na Universidade Nova

de Lisboa e vinculado ao projeto de cooperação internacional CAPES-GRICES (Brasil-Portugal) (2006-2009) “A

Matemática Moderna nas Escolas do Brasil e de Portugal: estudos históricos comparativos”, coordenados pelos

professores Wagner Rodrigues Valente e José Manuel Matos. Como observou Matos (2007, p.17): “Na

impossibilidade de cada indivíduo se tornar especialista em múltiplas áreas do saber, é fundamental a constituição de

equipes fortes, contando com múltiplas competências, e com programas de investigação bem determinados”. Conhecer

os efeitos do MMM em outros contextos permitiu que pudéssemos viver a experiência dos estudos comparativos e

constatar que compreendendo o outro, estamos mais capacitados a enxergar a nossa realidade de forma mais crítica e

fundamentada. Valente (2013) afirma que os estudos históricos comparativos colocam a questão do trânsito entre

países, entre culturas, permitindo que determinados problemas sejam compreendidos para além do que poderiam ser

os seus determinantes regionais. Permitem a compreensão da reorganização do espaço mundial e a compreensão

histórica de problemas presentes em âmbito transnacional, sempre articulando os trabalhos locais com a global para

que haja contribuições para a história da educação matemática. Conectadas aos acontecimentos internacionais, essas

histórias também têm dado visibilidade do sentido que representantes de diferentes países deram às suas ações ao

investirem esforços em busca de uma educação matemática de melhor qualidade. Ainda segundo Valente (2013) os

recentes projetos de cooperação internacional têm possibilitado abertura de fronteiras, destacando espaços dinâmicos

de circulação de ideias marcados por diferenças e convergências entre a educação local e transnacional.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Plano

Nacional de Pós-Graduação – PNPG 2011-2020. Brasília: CAPES, 2010.

MATOS, José Manuel. História do Ensino da Matemática em Portugal – A constituição de um campo de

investigação. In: VALENTE, Wagner Rodrigues; MATOS, José Manuel. A Matemática Moderna do Brasil e de

Portugal: Primeiros Estudos. São Paulo: Da Vinci, 2007, p. 8-20.

STALLIVIERI, Luciane. Estratégias de internacionalização das universidades brasileiras. Caxias do Sul: Educs,

2004. 143p.

VALENTE, Wagner Rodrigues. Oito temas sobre história da educação matemática. Rematec, ano 8, n.12, jan-jun,

2013.

Page 67: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

59 Anais do XII SNHM -2017

Mesa Redonda 2: CAMINHOS PARA A UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NA

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA.

Lígia Arantes Sad (IFES) (organizadora)

Fumikazu Saito (PUC-SP).

Miguel Chaquiam (UFPA).

IDEIAS MATEMÁTICAS HISTÓRICAS EM CAMINHOS DE EXPLORAÇÃO CRIATIVA, NA

VIA DE RECURSOS DIDÁTICOS COLETIVOS OU NO ÂMBITO DA

INTERDISCIPLINARIDADE

Lígia Arantes Sad (IFES) (organizadora)

As mudanças e transformações nesta era de abundantes informações e tecnologias causam impactos crescentes para a

educação. Nesse meio, novas possibilidades e desafios podem ser agregados aos caminhos para a utilização da história

da matemática na educação matemática. Portanto, embora existam variadas discussões já realizadas entre

pesquisadores e educadores sobre caminhos da História da Matemática na Educação Matemática, em diversos âmbitos

e níveis, outras articulações pesquisadas e trabalhadas são passíveis de serem apresentadas e apreciadas em termos

educacionais. O educador, ao se colocar em diálogo com o contexto cultural escolar e científico, incorpora formas de

comunicação ao seu modo de inserir e escolher caminhos para a utilização da história da matemática no ensino e

aprendizagem da matemática. Sob essas considerações, elegemos a exploração criativa como uma escolha a ser

destacada em nosso trabalho com professores-pesquisadores e seus alunos da educação básica. Entendemos

exploração criativa como ação múltipla que propicia em determinado contexto uma atitude e atividade que permite a

interação do estudante ou grupo de estudantes e professor na elaboração de um produto ou processo que traz

relacionamentos novos e úteis entre a história da matemática e o ensino e aprendizagem da matemática. Neste sentido,

apresentamos para reflexão e discussão dois procedimentos de exploração criativa de elementos da história da

matemática, sendo um via recurso didático coletivo pela utilização do software geogebra e, outro, via

interdisciplinaridade em um caso de ensino e aprendizagem de matemática a um aluno de atendimento educacional

especializado. Observamos que a constituição e utilização da história da matemática pela via potencial da exploração

criativa prescreve a necessidade de instituição teórica relacionando seus passos constituintes, com bases na análise do

contexto educacional (pessoas envolvidas e recursos didáticos), investigação histórica, procedimentos e/ou recursos

motivadores.

Palavras-chave: História da Matemática; Educação Matemática; Exploração criativa.

A INCORPORAÇÃO DE QUESTÕES HISTÓRICAS NAS DISCUSSÕES SOBRE O ENSINO DE

MATEMÁTICA POR MEIO DE ANTIGOS INSTRUMENTOS MATEMÁTICOS

Fumikazu Saito (PUC-SP).

Diferentes propostas que procuram articular história da matemática e ensino de matemática têm sido apresentadas e

apreciadas, já há algum tempo, por educadores não só brasileiros, mas também estrangeiros. Muitas dessas propostas

têm fornecido subsídios para a compreensão do papel da história no ensino e pontuado diferentes vertentes didáticas

(e também pedagógicas) com o objetivo de propor novos caminhos de abordagem para o ensino e a aprendizagem de

matemática. Embora a história da matemática tenha se demonstrado bastante promissora a esse respeito, a articulação

entre história e ensino carece ainda de bases teóricas mais sólidas, visto que os estudos com intuito de avaliar e trazer

novas contribuições ao ensino e à aprendizagem de matemática resumem-se em sua maior parte apenas a ensaios e

relatos de aplicação. Tendo isso em vista, procuramos apresentar neste trabalho algumas reflexões e iniciativas do

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 68: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

60 Anais do XII SNHM -2017

grupo HEEMa/PUCSP (História e Epistemologia na Educação Matemática) nessa direção, com vistas a repensar sobre

o papel da história da matemática no ensino de matemática. Diferentemente de uma abordagem centrada somente em

conteúdos e resultados matemáticos, o grupo tem investido nos processos que conduzem à elaboração das condições

que conduziram à construção e ao desenvolvimento desses mesmos conteúdos e resultados. Sem a pretensão de indicar

“o que” e “como” ensinar matemática por meio da história da matemática, este trabalho procura tecer algumas

considerações de ordem teórica com o objetivo de delinear algumas condições que contribuam para a incorporação de

questões de ordem histórica (aquelas que emergem da malha histórica, tais como questões de ordem epistemológica,

axiológica, ontológica e estética) nas discussões sobre o ensino de matemática. Para tanto, delimitaremos a nossa

apresentação a uma única via de análise, dando especial ênfase a um conjunto de estudos e de reflexões que estão na

base de uma proposta que busca explorar antigos “instrumentos matemáticos”. Os diferentes aparatos, máquinas,

instrumentos e outros recursos manipulativos, que se encontravam bastante disseminados nas origens da ciência e da

matemática modernas, têm se demonstrado muito rico do ponto de vista epistemológico e matemático, uma vez que

sua construção e uso requer a articulação de procedimentos racionais e mecânicos. A exploração de antigos artefatos,

devidamente contextualizados na malha histórica, dá acesso ao “saber-fazer” matemático de uma época e, dessa

maneira, abre novas vias de investigação que podem contribuir para fundamentar teoricamente a articulação entre

história e ensino de matemática.

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NAS AULAS DE MATEMÁTICA: UMA PROPOSTA PARA

PROFESSORES

Miguel Chaquiam (UFPA).

Este artigo foi escrito com o objetivo de fomentar os debates e proposições em torno de uma das mesas do XII SNHM,

intitulada Caminhos para utilização da História da Matemática na Educação Matemática. Início com ponderações

a respeito dos desafios relacionados à Educação e, em particular, os desafios que enfrentamos na escolha dos conteúdos

matemáticos curriculares e métodos de ensino, perpassando pela formação inicial dos professores e discutindo as

interrelações entre passado e presente. A partir das considerações sobre os desafios da formação de professores de

matemática, traço observações a respeito do que se espera de um curso de história da matemática num curso de

licenciatura, tendo em vista os questionamentos Para quem? e Para que serve?, provenientes de professores e alunos

das licenciaturas. As ponderações apresentadas nessa primeira parte estão fundamentadas nos trabalhos de Bicudo &

Borba (2004); Campos (2005); D’Ambrosio (2011, 2012, 2013); Gómez (1994); Le Goff (1990); Pecharromán (2012)

e Valente (2008, 2013). A seguir, enveredo por caminhos que entrelaçam a história da matemática e os processos de

ensino e de aprendizagem da matemática, apontando encontros e desencontros quanto à participação da história nesses

processos e possíveis potencialidades quanto ao uso da história da matemática na formação de professSESSores de

matemática, tomando por base os trabalhos de Anacona (2003); Barbosa & Silva (2013); Baroni, Teixeira & Nobre

(2011); D”ambrósio (2006); D’Ambrosio (1999); Dinnikov & Sad (2005); Mendes (2013, 2015); Miguel & Brito

(1996); Miguel (1997); Miguel & Miorin (2004); Rodriguez & Vásquez (2012) e Vianna (2010). Por fim,

considerando as proposições constantes em Chaquiam (2015) e Mendes & Chaquiam (2016), proponho como um dos

caminhos a elaboração de textos envolvendo história da matemática e conteúdos matemáticos para uso em sala de

aula, preferencialmente na Educação Básica, a partir de um diagrama metodológico, onde é possível observar, de certa

forma, a evolução de um dado conteúdo matemático, bem como, uma melhor caracterização em relação a tempo e

espaço com a associação de fatos socioculturais e técnico-científicos e, como exemplo, apresento um diagrama que

reflete uma história do desenvolvimento dos números complexos.

Palavras-chave: Matemática; História da Matemática; Educação Matemática.

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61 Anais do XII SNHM -2017

COMUNICAÇÕES ORAIS

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62 Anais do XII SNHM -2017

HISTÓRIA E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: Uma experiência com o método da falsa posição

Daniele Aparecida de Oliveira

Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI – Brasil

Edilson Expedito da Silva Lima

Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI – Brasil

Eliane Matesco Cristovão

Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI – Brasil

Karine Reis Pereira

Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI – Brasil

Resumo

Este trabalho tem como objetivo relatar a experiência de um grupo de alunos do curso de Licenciatura em Matemática

da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), vivenciada a partir da proposta da disciplina de Prática de Ensino de

Matemática V de elaborar e aplicar uma sequência de atividades voltada para alguma série da Educação Básica. O

tema escolhido por nós baseia-se em uma articulação entre o conteúdo de equações do 1º grau e uma fase histórica do

desenvolvimento desse conceito, já que a Matemática geralmente é apresentada de forma historicamente

descontextualizada e caracterizada apenas como um conjunto de fórmulas raramente justificadas e cálculos maçantes,

além de se distanciar da concepção de que ela é uma construção humana. Assim, com este trabalho visamos possibilitar

aos alunos a exploração de outra forma de resolução de equações, buscando mostrar o caráter humano e mutável da

Matemática. O processo de aplicação da sequência se deu por meio da apresentação de um minicurso aos alunos dos

cursos de graduação em Matemática da própria universidade, com o propósito de não somente executar o plano de

aula como simulação de uma aplicação na Educação Básica, mas sim trocar ideias e experiências, bem como apontar

possíveis dificuldades e falhas da sequência elaborada, possibilitando que posteriormente fizéssemos uma reflexão

sobre a nossa própria prática. A abordagem histórica explorada baseia-se no método da falsa posição, utilizado para

resolver problemas que podem ser traduzidos hoje pelo que chamamos de equação de 1º grau, e que consiste em um

processo de tentativa e erro, seguido de um ajuste para chegar à resposta correta por meio de proporção. Assim, além

da possibilidade de aprender um novo método para resolver tais equações, conceitos de proporção e regra de três

também são retomados, favorecendo a compreensão da importância de se possibilitar a interconexão entre diferentes

conceitos matemáticos. Constatamos que mesmo sendo alunos de cursos de graduação em matemática, os participantes

apresentaram dificuldades em estabelecer estas interconexões, mas todos foram capazes de utilizar o método da falsa

posição e, inclusive, apreciá-lo. Ministrantes e participantes, juntos, vivenciaram um momento rico de aprendizagem

e reflexão sobre a prática docente.

Palavras-chave: História da Matemática, Equações do 1º grau, Método da Falsa Posição.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

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Daniele Aparecida de Oliveira & Edilson Expedito da Silva Lima & Eliane Matesco Cristovão & Karine Reis Pereira

63 Anais do XII SNHM -2017

HISTORY AND MATHEMATICAL EDUCATION: An experiment with the false position method

Abstract

This work aims to report the experience of a group of students of the Mathematics Degree course of the Universidade

Federal de Itajubá (UNIFEI), experienced from the proposal of the Mathematics Teaching Practice V discipline to

elaborate and apply a sequence of activities aimed at some series of Basic Education. The theme chosen by us is based

on an articulation between the content of first-degree equations and a historical phase of the development of this

concept, since mathematics is usually presented in a historically decontextualized way and characterized only as a set

of formulas rarely justified and tiresome calculations, in addition to distancing itself from the conception that it is a

human construction. Thus, with this work we aim to enable students to explore another way of solving equations,

seeking to show the changing and human character of Mathematics. The process of applying the sequence was done

through the presentation of a mini-course to the students of the undergraduate courses in Mathematics of the university

itself, with the purpose of not only executing the lesson plan as a simulation of an application in Basic Education, but

to exchange ideas and experiences, as well as pointing out possible difficulties and failures on the elaborated sequence,

enabling us to later reflect on our own practice. The historical approach explored is based on the false position method,

used to solve problems that can be translated today by what we call a 1st degree equation, which consists of a process

of trial and error, followed by an adjustment to arrive at the correct answer by using proportion. Thus, in addition to

the possibility of learning a new method to solve such equations, concepts of proportion and rule of three are also

taken up, favoring the understanding of the importance of making possible the interconnection between different

mathematical concepts. We found that even though they were undergraduates in mathematics, the participants

presented difficulties in establishing these interconnections, but all were able to use the false position method and

even to appreciate it. Ministers and participants, together, experienced a rich moment of learning and reflection on

teaching practice.

Keywords: History of Mathematics, First Grade Equations, False Position Method.

INTRODUÇÃO

Sabendo que normalmente ensina-se a resolver equações de 1º grau pelo método da inversa ou da balança,

surgiu em uma das práticas de ensino do curso de Licenciatura em Matemática a oportunidade da elaboração de uma

sequência de atividades que relacionasse esse conteúdo ao seu contexto histórico. Ministrada pela professora Dr.ª

Eliane Matesco Cristovão, a disciplina de Prática de Ensino de Matemática V teve o propósito de ilustrar para nós,

futuros licenciados, como o professor pode se desenvolver profissionalmente a partir da pesquisa de sua própria

prática, abordagem que tem ganhado força no campo da Educação Matemática. Nesse sentido, a proposta da disciplina

era totalmente diferente das práticas de ensino anteriores e consistia na elaboração e aplicação de uma sequência

didática e essa experiência seria utilizada como base para o desenvolvimento de um relato de experiência ou narrativa.

Desse modo, a disciplina foi programada de forma que permitisse o encadeamento lógico de uma possível

forma de desenvolver esse tipo de pesquisa. Inicialmente foram trabalhadas comparações entre propostas curriculares

dos estados de São Paulo e Minas Gerais, a fim de que pudéssemos conhecer os dois materiais e o que eles indicam

que deve ser feito em cada nível escolar. Este seria o primeiro recurso utilizado na elaboração da nossa sequência. É

importante mencionar que no contexto desse trabalho, consideramos que uma sequência didática constitui um grupo

de atividades guiadas por um tema, um objetivo geral ou uma produção de texto final e que, consequentemente, gere

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HISTÓRIA E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: Uma experiência com o método da falsa posição

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construção de determinado conceito pelos alunos (MACHADO; CRISTOVÃO, 2006).

Outros materiais que tivemos contato nessa disciplina foram artigos e livros do campo da Educação

Matemática sugeridos pela professora e que foram escritos por autores conhecidos dessa área como Ubiratan e Beatriz

D’Ambrósio. Além disso, após a escolha do conteúdo e da abordagem a serem utilizados, fizemos uma pesquisa com

obras nessa mesma perspectiva ou similares. Esse contato nos possibilitou referenciar o nosso trabalho em teorias e

estudos de pessoas com conhecimento mais amplo, tornando-o mais rico teoricamente.

O próximo passo da disciplina foi a escolha do conteúdo especifico e da série que trabalharíamos a nossa

sequência didática. Assim, com base no que apresentam as propostas curriculares, foi escolhido o conteúdo de equação

do 1º grau, destinado aos alunos do 7º ano do Ensino Fundamental II, e a partir do nosso interesse e das leituras feitas,

definimos que abordaríamos historicamente este conteúdo.

PESQUISA E ELABORAÇÃO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA

Em nossos estágios temos observado que, comumente, a Matemática é ensinada de forma historicamente

descontextualizada e, portanto, nos pareceu uma boa ideia utilizar de uma versão histórica de resolução de equações

do 1º grau com a finalidade de que os alunos, além de conhecerem outra forma de resolução de tais equações, pudessem

ter uma visão da Matemática que vai além das fórmulas comumente decoradas e dos cálculos maçantes apresentados

em sala de aula. Assim, a proposta visava apresentar o desenvolvimento histórico do conteúdo para que os alunos

percebessem as condições que possibilitaram esse desenvolvimento e as relacionassem à visão da matemática como

uma construção humana, bem como desconstruíssem a ideia de que ela é simplesmente criada por “grandes gênios”

(D’AMBRÓSIO, 1989).

A versão histórica de um método de resolução de equação de 1º grau escolhida para essa sequência didática

foi o método da falsa posição, cujas origens remontam ao Antigo Egito e a primórdios de algumas civilizações chinesas

(MEDEIROS, C.; MEDEIROS A., 2004). Esse método consiste em um processo de tentativa e erro, seguido de um

ajuste para obtenção do resultado correto (KATZ, 2009). Inicialmente supõe-se um valor falso para a incógnita e a

equação é resolvida em termos desse valor. O resultado verdadeiro é obtido por meio de uma proporção entre os dados

da equação inicial e o valor resultante da equação para o valor falso. Nessa perspectiva, percebe-se que além de ser

outra forma que os alunos podem utilizar para resolver equações, o método da falsa posição também pode auxiliar a

ressignificação do conteúdo de proporção e regra de três.

A sequência elaborada divide-se em três momentos principais. No primeiro deles nos preocupamos em

elaborar alguns exercícios que retomassem conceitos de proporção direta e indireta. Inicialmente, sugerimos que sejam

feitas indagações aos alunos sobre as recordações e compreensões que eles têm sobre esse conteúdo, e só em seguida

esses exercícios deveriam ser resolvidos e discutidos. Um exemplo de atividade está representado a seguir.

Atividade 1: Em uma casa com 4 pessoas gasta-se 800 reais por mês com compras no supermercado. Em outra casa

com 7 pessoas gasta-se 1400 reais por mês também com compras no supermercado. Existe algum tipo de proporção

entre os gastos dessas famílias?

O segundo momento consiste na recordação do conteúdo de regra de três simples. A ideia é utilizar da

recordação sobre proporção e retomar o teorema fundamental da proporcionalidade, que justifica os procedimentos

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Daniele Aparecida de Oliveira & Edilson Expedito da Silva Lima & Eliane Matesco Cristovão & Karine Reis Pereira

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da regra de três. Desse modo, um exemplo de atividade está descrito abaixo.

Atividade 2: A) Para se construir um muro de 17m² são necessários 3 trabalhadores. Quantos trabalhadores serão

necessários para construir um muro de 51m²?

B) Inês trabalhou 40 dias para receber R$ 20 000,00. Quantos dias ela terá de trabalhar para receber R$ 15 000,00?

Por fim, o momento mais importante da sequência que nós elaboramos é sobre o método da falsa posição.

Dessa forma, após a contextualização histórica, procedeu-se com alguns exercícios, dentre eles os problemas 24 e 26

do papiro Rhind, para serem resolvidos usando tal método. Além desses dois problemas, também são propostos

exercícios que envolvem situações do cotidiano dos alunos. Um exemplo de atividade está apresentado a seguir.

Atividade 3: Uma caixa de água estava totalmente cheia. Inicialmente, esvaziou-se a metade da capacidade dessa

caixa e, em seguida, foi acrescentado um quinto do volume total da caixa, totalizando 700 litros. Quantos litros de

água cabem nessa caixa?

Com a sequência didática elaborada, procedemos com a sua aplicação realizada por meio de um minicurso.

Essa experiência é o tema da próxima seção.

EXPERIÊNCIA VIVIDA NO MINICURSO

Como os quatro autores desse trabalho são de diferentes cidades, foi inviável a aplicação da sequência em

uma escola com alunos do 7º ano da Educação Básica. Assim, uma alternativa proposta pela professora Eliane foi a

elaboração de um minicurso que pudesse ser apresentado aos colegas de outra turma de prática de ensino. Como na

disciplina de Prática de Ensino de Matemática III trabalha-se a articulação entre História da Matemática e Ensino de

Matemática, convidamos os alunos que estavam cursando esse componente curricular para participar do minicurso, já

que seria uma boa oportunidade para que eles vissem de forma prática os conhecimentos teóricos da disciplina. Outros

colegas também foram convidados, entre eles ingressantes do curso de licenciatura e até mesmo colegas do curso de

bacharelado, ambos em Matemática.

Estávamos animados com essa experiência nova, então preparamos uma apresentação para o minicurso,

imprimimos roteiros de atividades e reservamos o espaço do Laboratório de Ensino de Matemática (LEM) para uma

terça-feira à tarde. No entanto, um dia antes fomos verificar a disponibilidade de carteiras do laboratório e ao

chegarmos lá nos deparamos com o piso recém-pintado e, dessa forma, não poderíamos usá-lo no dia seguinte.

Sabendo da necessidade que as reservas de ambientes da universidade sejam previamente agendadas, um leve

desespero tomou conta de nós. Ao contatar a professora sobre a impossibilidade de utilizar o LEM, ela nos reservou

outro laboratório, o Laboratório de Formação Docente (LABFOR).

Na terça-feira da apresentação, alguns minutos antes da hora marcada, tivemos a infeliz notícia da queda de

energia no campus. Apesar do contratempo, dispusemos de um computador em uma mesa à frente dos alunos e demos

início à apresentação. Embora tivéssemos levado as atividades impressas em folhas individuais, gostaríamos de ter

projetado a apresentação que preparamos, visto que os alunos presentes tinham dificuldade de enxergar os slides

apenas no notebook.

Nossa apresentação do minicurso foi estruturada de modo que contextualizasse a todos os presentes a ideia

principal do nosso trabalho. Devido à heterogeneidade de turmas e de cursos, notamos que era necessária uma breve

descrição do que se tratava uma sequência didática, o que era um plano de aula e quais seus elementos, para

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HISTÓRIA E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: Uma experiência com o método da falsa posição

66 Anais do XII SNHM -2017

posteriormente apresentar a sequência que nós elaboramos.

Não era nossa intenção oferecer aos colegas de curso, ali presentes, a simulação de uma aula do 7º ano, pois

pouco ganharíamos com essa experiência. O objetivo principal era ouvir opiniões, sugestões, dificuldades e não

entendimentos de alunos do curso de Matemática. Assim, poderíamos projetar as possíveis dificuldades que os alunos

da Educação Básica teriam. Nesse sentido, podemos dizer que estávamos mais interessados em uma experiência de

professor-professor do que professor-aluno.

Após a apresentação dos tópicos do plano de aula, foram mostrados alguns conteúdos que nós consideramos

importantes para a compreensão do método da falsa posição pelo aluno. Desse modo, elaboramos algumas atividades

de recordação sobre os conteúdos de proporção e regra de três, e apresentamos a seguir algumas delas, bem como as

respostas dadas pelos participantes do minicurso.

Atividade 4: Se 5 operários levantam um muro em 10 dias, quantos operários serão necessários para levantar o mesmo

muro em 2 dias?

Ao analisar as respostas dos alunos, verificamos que além de misturar as grandezas envolvidas no problema

(operários e dias), alguns deles não conseguiram perceber a necessidade de inversão de uma das frações.

Como exemplo, um aluno escreveu a proporção da seguinte maneira:

Nesse caso, os alunos apontaram que a resposta correta seria 1, o que além de não condizer com o contexto

do problema, denota uma falta de senso crítico em relação a uma estimativa de resultado e, ao mesmo tempo, falta de

familiaridade com o processo de resolução desse tipo de problema. Por meio da socialização das soluções,

conversamos com a turma até chegarmos em 25, que era o valor esperado, e aproveitamos para discutir também o

quanto este tipo de erro é bastante comum em sala de aula, explicitando a importância de se revisar de forma a

ressignificar a aprendizagem deste conteúdo. É interessante notar que um dos alunos recordou a maneira como sua

professora resolvia este tipo de exercício, a qual elaborava uma tabela de grandezas com os dados coletados, e alertava

sobre a importância de separar as grandezas nesse processo.

Quando revisamos o conteúdo de regra de três simples, os alunos não apresentaram dúvidas sobre como

resolver os problemas. Um dos exercícios aplicado está apresentado a seguir.

Atividade 2: Para se construir um muro de 17m² são necessários 3 trabalhadores. Quantos trabalhadores serão

necessários para construir um muro de 51m²?

Assim, os alunos obtiveram 9 trabalhadores como resposta, o que corresponde ao valor correto. Ao

realizarmos essas recordações na nossa sequência didática deveríamos ter trabalhado dentro do conteúdo de proporção

o Teorema Fundamental da Proporcionalidade, que justifica os passos da regra de três. Achávamos que isto não seria

necessário, pois essas atividades são apenas para recordação de conteúdos que os alunos estudaram nesse mesmo ano

escolar, porém, durante a apresentação do minicurso notamos a importância de retomar tal propriedade, pois essa seria

uma ótima chance para os alunos que ainda não tinham compreendido esse conceito, tivessem uma nova oportunidade

para entendê-lo.

Após essas recordações, iniciamos a explicação acerca do método da falsa posição. Para tal, iniciamos com

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Daniele Aparecida de Oliveira & Edilson Expedito da Silva Lima & Eliane Matesco Cristovão & Karine Reis Pereira

67 Anais do XII SNHM -2017

algumas indagações remetendo ao contexto histórico do desenvolvimento desse método, e também sobre a forma de

registro da matemática da época, com certa ênfase no papiro Rhind, já que trabalharíamos com alguns problemas

representados nele. Após esse momento de contextualização, apresentamos o passo a passo de como proceder para se

resolver uma equação do 1º grau. O primeiro exercício que foi dado para ser resolvido usando o referido método

consiste no problema 26 do papiro Rhind1.

Atividade 5: Aha e seu quarto totalizam 15. Qual é o valor de aha?

Nesse momento, a maioria dos alunos não conseguiu entender imediatamente como deveriam resolver a

equação pelo método proposto, visto que os passos descritos nos slides não puderam ser projetados devido à queda de

energia e, portanto, alguns alunos começaram a resolver o exercício pelo método tradicional. Ao checarmos a

resolução de cada um deles, conseguimos perceber quais eram suas dificuldades e fomos capazes de ajudá-los a

resolver a equação pelo Método da Falsa Posição. Dessa forma, é importante se atentar para tal situação em sala de

aula.

Conforme os alunos foram resolvendo os exemplos, demonstraram satisfação por tal forma de resolução, e

um deles até exclamou “Nossa! Funciona mesmo! É quase melhor que o nosso!”, fazendo referência aos métodos

usuais utilizados para resolução de equações. Nesse momento ficamos muito felizes com tais comentários, uma vez

que percebemos que sequência atingiu um dos seus objetivos, que era mostrar aos alunos que é possível resolver

equações sem estarmos presos aos métodos tradicionais.

Um fato interessante observado nas resoluções dos alunos foi o “desapego” em relação à simbolização.

Alguns deles mantiveram a expressão “aha” para denotar o valor desconhecido, principalmente na resolução dos

problemas do papiro Rhind. Enquanto isso, a maioria dos alunos utilizava o nome das grandezas mencionadas nos

problemas, como “figurinhas”, “caixa” ou ainda, símbolos como um quadrado. Isso mostra outro aspecto que pode

ser explorado com os alunos da Educação Básica, já que muitas vezes eles se prendem a notação frequentemente

utilizada, na qual a letra “x” sempre representa uma incógnita, e que quando essa letra é mudada em um exercício os

alunos acham que não aprenderam a resolver tal atividade.

Por fim, começamos a explicar geometricamente o porquê de tal método funcionar. Iniciamos essa etapa

indagando os alunos de que forma eram as equações que eles tinham resolvido, bem como a generalidade da resolução.

Inicialmente, esperávamos que eles conseguissem responder a tais indagações pontuando que apenas as equações da

forma ax = b possuíam solução, contudo, não conseguimos realizar tal discussão e, portanto, oferecemos uma equação

que não possuía resposta pelo método da falsa posição. É importante notar que nosso plano já previa tal situação, uma

vez que ele foi elaborado visando a compreensão e as respostas dos alunos. É necessário dizer que como todos os

alunos presentes eram graduandos, esperávamos que eles nos oferecessem algum comentário acerca da linearidade

existente por trás desse método.

Tendo em vista que alguns alunos já estavam nos questionando se o método possuía alguma relação com

semelhança de triângulos (nesse momento os alunos falavam sobre as propriedades e faziam gestos com as mãos, mas

não se lembravam do termo em si), então nós construímos um eixo coordenado e marcamos quatro pontos na lousa.

1 Problema 26 do Papiro Rhind. Retirado de MARTINS (2015).

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HISTÓRIA E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: Uma experiência com o método da falsa posição

68 Anais do XII SNHM -2017

Assim, explicamos que o método da falsa posição funciona porque existe proporção entre os lados dos triângulos

formados pela origem e pelos pontos sobre os eixos coordenados, ou seja, ocorre uma semelhança de triângulos. Tal

interpretação teve ajuda da professora Eliane, uma vez que iniciamos o desenho com uma reta que não partia da

origem, o que gerou algumas dúvidas. Após a dica da professora, redesenhamos os triângulos da maneira correta e os

alunos disseram que haviam entendido a explicação.

Após esta etapa, entregamos um questionário de avaliação a respeito do minicurso e da sequência didática

desenvolvida. Explicamos que eles poderiam opinar sobre as dificuldades encontradas nas atividades, o que poderia

ser modificado no plano e também se eles utilizariam nossa proposta com suas turmas. Posteriormente, quando

analisamos as respostas, obtivemos algumas muito favoráveis à aplicação da nossa sequência didática em sala de aula.

Dentre os argumentos apresentados foram citados, por exemplo, que esta sequência “é um método muito dinâmico e

divertido, mostra qual era a utilização das equações do primeiro grau, dando um sentido geométrico, além de mostrar

que foi uma invenção humana, não surgiu do nada”. Outro aluno respondeu essa mesma questão da seguinte forma:

“Alunos do 7º ano teriam uma noção melhor da proporcionalidade e um conhecimento da história”.

Entretanto, como já havíamos considerado, não foi possível agradar a todos. Isso pode ser evidenciado em

um argumento dado por um terceiro aluno na sua resposta ao dizer que não utilizaria essa sequência didática em suas

aulas porque há “[...] muita bagunça e desinteresse nessa faixa etária para dar algo com tanta interpretação.” Ao

lermos este comentário, sabendo que ele veio de um futuro professor, pudemos notar a necessidade de refletir, na

prática, sobre a variedade de metodologias e recursos que são trabalhados durante a graduação em licenciatura, para

que estas sejam incorporadas ao processo de ensino-aprendizagem.

Apesar de todo estudo e preparação, não estávamos isentos do risco de uma grande rejeição por parte dos

alunos do minicurso, por conta do plano articular um conteúdo de matemática com o contexto histórico, visto que nem

todos gostam de história. Entretanto, ficamos surpreendidos com o envolvimento e a participação dos que estavam

presentes.

Ainda falando sobre as respostas dos alunos ao questionário, foi citado por grande parte dos presentes que

uma possível dificuldade dos alunos do 7º ano seria a interpretação dos passos do método da falsa posição. Já com

relação às vantagens dessa sequência didática foram apresentados comentários como: “auxilia no desenvolvimento da

percepção geométrica e algébrica dos alunos” e também “facilita o entendimento da matéria, de modo divertido e

dinâmico”. Ainda, ao pedirmos para que eles relatassem possíveis desvantagens, eles apontaram que a utilização da

História da Matemática poderia fazer com que alguns alunos perdessem o interesse logo de início.

Após responderem ao questionário, os alunos foram indagados pela professora Eliane sobre a importância e

a validade dessa experiência, já que o minicurso foi realizado fora do horário de aula dos cursos noturnos. Para nossa

satisfação, as respostas foram positivas e a professora comentou que seria uma boa ideia dispor dessa experiência em

outras práticas de ensino.

SOCIALIZAÇÃO COM OS COLEGAS DE PRÁTICA V

Na mesma semana da apresentação do minicurso mostramos aos colegas da disciplina de Prática de Ensino

de Matemática V a sequência didática desenvolvida, bem como algumas considerações sobre o desenvolvimento do

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minicurso. Para essa socialização levamos os materiais que nós elaboramos e também os que foram produzidos pelos

graduandos, ainda sem tratamento analítico.

Como nós já tínhamos feito uma apresentação que trazia a explicação do que é o método da falsa posição

com os colegas de Prática V, achamos que seria desinteressante trazê-los novamente para discussão. Desse modo, o

enfoque foi dado às atividades de recordação sobre o conteúdo de proporção que mais geraram discussão durante o

minicurso. É interessante pontuar que a mesma atividade de proporção, que foi discutida na seção anterior, em um

primeiro momento gerou dúvidas em uma colega que também respondeu erroneamente, porém, ela logo percebeu que

sua resposta não fazia sentido no contexto do problema.

Além disso, os colegas de Prática V sugeriram que a proposta fosse realizada em menor tempo, visto que os

alunos já viram esses conceitos anteriormente. Outro ponto levantado foi o método de avaliação sugerido no plano de

aula, que não deixava muito claro como os alunos seriam avaliados mediante a sua participação na realização das

atividades em sala de aula.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do nosso envolvimento em outras disciplinas, nós sempre acreditamos que a História da Matemática

pode fornecer interessantes discussões que podem ser utilizadas tanto para a construção do conhecimento matemático,

quanto para torná-lo significativo. Nesse contexto, ao utilizarmos o método da falsa posição, acreditamos que os alunos

poderiam desenvolver outras habilidades na resolução de equações do 1º grau e, além disso, desenvolveriam uma

concepção da Matemática como construção humana, que surge mediante necessidades e problemas de determinadas

civilizações. Estas expectativas se confirmaram neste trabalho, agora de forma mais prática.

Nesse sentido, desenvolvemos uma sequência didática que buscava atender as necessidades dos alunos e, ao

apresentá-la no minicurso, notamos que alguns tópicos devem ser analisados antes de levarmos tal plano para o 7º

ano. Isto é importante, visto que os alunos poderiam se confundir durante a resolução do método e, portanto, a proposta

de consolidar o aprendizado acerca das equações de 1º grau não seria cumprida.

Além disso, acreditamos que a sequência didática elaborada pode contribuir para que os alunos tenham

contato com outras maneiras de pensar e desenvolvam novas percepções acerca de tal conhecimento matemático,

compreendendo os porquês de sua utilização nas civilizações egípcias antigas e como poderiam utilizar esse novo

método para resolver alguns tipos de equações.

De maneira geral, podemos aperfeiçoar as etapas de recordação e a transição para a explicação geométrica e,

nesse contexto, acreditamos que aplicar nossa proposta com alunos do Ensino Superior nos ajudou muito, visto que

pudemos verificar quais partes de nossa sequência eram deficientes, quais foram exitosas e, consequentemente,

podemos projetar novos estudos para que nossas aulas possam melhorar.

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HISTÓRIA E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: Uma experiência com o método da falsa posição

70 Anais do XII SNHM -2017

REFERÊNCIAS

D’AMBROSIO, Beatriz S. Como ensinar matemática hoje? Temas e Debates. Sociedade Brasileira de Educação

Matemática (SBEM). Ano II. n.2. Brasilia. 1989. P. 15-19.

KATZ, V.. J. A History of Mathematics: an Introduction. 3 rd Ed. Columbia, USA: Editora Pearson Education,

Inc., 2009.

MACHADO, A. R.; CRISTOVÃO, V. L. L. A construção de modelos didáticos de gênero: aportes e

questionamentos para o ensino de gêneros. Revista Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubarão, v. 6, n. 3, p. 547-

573, set./dez. 2006

MARTINS, J. O livro que divulgou o Papiro Rhind no Brasil. 2015. 146 f. Dissertação (Mestrado em Educação

Matemática). Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” - UNESP, Rio Claro, 2015.

MEDEIROS, C. F; MEDEIROS, A. O método da falsa posição na história e na educação matemática. Ciência &

Educação, Bauru, v. 10, n. 3, p. 545-557, 2004.

Daniele Aparecida de Oliveira

Instituto de Matemática e Computação – IMC –

campus de Itajubá - Brasil

E-mail: [email protected]

Edilson Expedito da Silva Lima

Instituto de Matemática e Computação – IMC –

campus de Itajubá - Brasil

E-mail: [email protected]

Eliane Matesco Cristovão

Instituto de Matemática e Computação – IMC –

campus de Itajubá - Brasil

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Karine Reis Pereira

Instituto de Matemática e Computação – IMC –

campus de Itajubá - Brasil

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Page 79: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

71 Anais do XII SNHM -2017

EXPERIÊNCIAS COM HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Claudia A. C. de Araujo Lorenzoni

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo – Ifes – Brasil

Resumo

Este texto é produto de reflexões de uma mesa-redonda na V Semat-Ifes que teve como tema A escola como espaço

de transformação social. Se a Matemática é vista como uma ciência para poucos, perfeitamente encadeada, pronta e

acabada, então a matemática escolar tem somente um papel contemplativo e de repetição frente a um saber já

estabelecido e legitimado e, consequentemente, o tema proposto para a ocasião não procede. Entretanto, se tomamos

diante da Matemática a segunda das duas atitudes em face da Ciência apontada por Bento Caraça (1901-1948), qual

seja, a de tentar compreender a forma como vem sendo elaborada, conhecendo hesitações, dúvidas e contradições na

construção e no desenvolvimento de suas ideias e problemas, então a matemática escolar se aproxima de um “fazer

matemática” no sentido de resolver problemas, de construir indagações e tentar respondê-las. O que vai ao encontro

da ideia de escola como espaço de transformação social. Com o presente artigo, propõe-se que, por meio de atividades

de pesquisa em História da Matemática já na Educação Básica, seja possível explorar a Matemática na segunda

perspectiva sinalizada por Caraça, tendo, assim, professor e estudantes atuantes como sujeitos no processo de

construção de conhecimento. Ao longo do texto, apresentam-se três experiências em que a pesquisa em história esteve

associada à matemática escolar. As atividades relatadas são categorizadas como possibilidades de se “perguntar à

história”, “construir a partir da história” e “contar sua história”. A primeira experiência trata de uma atividade

extracurricular a respeito de números reais a partir da Espiral de Teodoro (c. 425 a.C.) com uma turma de 1º ano de

Ensino Médio para apresentação em uma Feira de Matemática; a segunda, também desenvolvida com estudantes de

1º ano de Ensino Médio, é uma proposta de introdução do conceito de logaritmo a partir de uma tabela de logaritmos

atribuída a Henry Briggs (1561-1631) e a última é o resultado de um trabalho de pesquisa desenvolvido por professores

e estudantes de 1° o 5° ano do Ensino Fundamental numa comunidade guarani no Espírito Santo. Com as experiências

relatadas, foi possível a realização de atividades de aprendizagem dentro e fora da escola; o desenvolvimento de

pesquisas sob a orientação de um professor e o aprendizado de estudantes e professor em diferentes ambientes. Tais

aspectos podem ser identificados com um “fazer matemática”, uma vez que proporcionam uma relação com a

Matemática para além de uma lista de conteúdos.

Palavras-chave: Matemática, História, Espiral de Teodoro, Logaritmo, Povo Guarani.

EXPERIENCES WITH HISTORY OF MATHEMATICS IN BASIC EDUCATION

Abstract

This paper is the product of reflections of a round table held at the V Semat-Ifes (Week of mathematics at the Federal

Institute of Education, Science and Technology of Espírito Santo - Ifes) whose object of discussion was the school as

a social transformation space. If mathematics is seen as a science for few people, perfectly linked, ready and

terminated, then school mathematics has only a contemplative and repetitive role in the face of an already established

and legitimized knowledge and, thus, would turn the theme into a fruitless discussion for the occasion. However, if

we see mathematics under the second of the two perspectives to science pointed out by Bento Caraça (1901-1948),

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

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Claudia A. C. de Araujo Lorenzoni

72 Anais do XII SNHM -2017

that is, to try to understand the way in which it has been elaborated, to know the hesitations, doubts and contradictions

in the construction and development of its ideas and problems, then school mathematics approaches a perspective of

"doing maths" in order to solve problems, inquiries, and try to answer them, which then meets the idea of school as a

social transformation space. The present article suggests, through research activities in the History of mathematics

and starting from Basic Education, that mathematics be explored under the second perspective signaled by Caraça,

having teacher and students acting as subjects in the knowledge construction process. The paper presents three

experiences in which the research in history is associated with school mathematics. These activities are categorized as

possibilities of "asking history," "building from history," and "telling their story." The first experience is an

extracurricular activity for first-year-students of High School involving real numbers from the Spiral of Theodorus

(c.425 B.C.) for a presentation at a Mathematics Fair; the second, also developed with first year students of High

School, is a proposal to introduce the concept of logarithm from a logarithmic table attributed to Henry Briggs (1561-

1631) and the last one is the result of a research work developed by teachers and 1st to 5th year students of Elementary

school in a Guarani community in Espírito Santo state, Brazil. The experiences confirm that it is possible to carry out

learning activities inside and outside the school, and the development of research under a teacher’s guidance and the

learning of students and teachers in different environments. Such aspects match with the perspective of “doing maths"

as they provide a relationship with maths which goes beyond a mere list of contents.

Key words: Mathematics, History, Spiral of Theodorus, Logarithm, Guarani people.

1. História da Matemática por um “fazer matemática” na escola

Em 2016, a V Semana de Matemática do Ifes (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito

Santo) teve como eixo temático a Matemática e transformações sociais. Trago neste texto reflexões a partir da minha

participação em uma das mesas-redondas do evento, intitulada A escola como espaço de transformação social. A

escolha do tema para a mesa pressupõe uma visão da Matemática não como uma ciência perfeitamente encadeada,

pronta e acabada, mas sim, como uma criação humana. A Matemática, vista dessa forma, está sujeita a influências do

meio em que se desenvolve e, reciprocamente, é capaz de formar pessoas que interagem, questionam e contribuem

com seu contexto social, histórico, cultural, etc. Para Bento de Jesus Caraça (1901-1948), a Ciência pode ser encarada

de duas formas diferentes: ou se olha para ela como um todo harmonioso, de capítulos que se encadeiam em ordem,

sem contradições, ou

“(...) se procura acompanhá-la no seu desenvolvimento progressivo, assistir à maneira como foi

sendo elaborada, e o aspecto é totalmente diferente – descobrem-se hesitações, dúvidas,

contradições, que só um longo trabalho de reflexão e apuramento consegue eliminar, para que logo

surjam outras hesitações, outras dúvidas, outras contradições”. (CARAÇA, 1951, p.XIII)

Portanto, tomando diante da Matemática a segunda das duas atitudes apontadas pelo autor, a escola, sendo

espaço de formação, pode ser entendida também como espaço de transformação social. Ao reconhecer hesitações,

dúvidas e contradições ao longo da História da Matemática, a matemática escolar toma o sentido de construir

indagações e tentar respondê-las. O presente artigo propõe que, por meio de atividades com História da Matemática

na Educação Básica, seja possível explorar a Matemática na segunda perspectiva sinalizada por Caraça, tendo, assim,

professor e estudantes atuantes no processo de construção de conhecimento.

Arcavi e Isoda (2007) apontam contribuições do trabalho com História da Matemática na formação do

professor de matemática. Eles se fundamentam, entre outros aspectos, no fato de que a História da Matemática

pode apresentar soluções de problemas de uma forma diferente da usualmente adotada; além disso, o contato

com uma fonte histórica inicialmente obscura requer que se desenvolvam ferramentas para dar sentido a ela e o

ato de decifrá-la pode apoiar tanto o desenvolvimento do hábito de não descartar soluções diferentes da esperada

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Experiências com história da matemática na educação básica

73 Anais do XII SNHM -2017

quanto o de buscar compreender uma abordagem matemática característica. Para os auto res, a vivência de tais

experiências com a História da Matemática por parte do professor estimula sua habilidade de escuta com relação

aos estudantes, no sentido de dar atenção ao que eles dizem, tentar entender o que fazem e criar oportunidades

para que expressem livremente suas ideias matemáticas, na sua perspectiva.

Os mesmos fundamentos de Arcavi e Isoda podem ser considerados na formação do estudante. A

História da Matemática favorece uma relação dinâmica com a Matemática na medida que demanda formular e

testar hipóteses para interpretar documentos, fatos e resultados, construídos, muitas vezes, sob um outro ponto

de vista.

2. Três experiências com história da matemática

A experiência com o saber matemático, com sua linguagem, suas motivações, seus problemas, passa pela

investigação em História da Matemática. O recurso à história deve fazer parte, na verdade, de uma rotina na educação

escolar, quer seja para conhecer problemas geradores de um campo da matemática ou para justificar a escolha de

denominações, notações, despertar curiosidade, estimular novas perguntas, novos problemas, entre outras

possibilidades.

A seguir, apresento algumas experiências que tenho vivenciado com a História da Matemática na minha

prática de professora de Matemática da Educação Básica. Com o primeiro exemplo, quero ilustrar como é possível

“perguntar à história”. O relato trata de uma atividade a respeito de números reais a partir da Espiral de Teodoro (c.

425 a.C.) em que a História serviu como fonte de curiosidade e aprofundamento de questões para além da sala aula.

A segunda atividade buscou “construir a partir da história”, introduzindo o conceito de logaritmo tomando como

referência uma tabela de logaritmos atribuída a Henry Briggs (1561-1631). A terceira atividade é o resultado de um

trabalho de pesquisa desenvolvido por uma comunidade guarani no Espírito Santo em que a Matemática ajuda a

“contar a própria história”.

2.1. Perguntar à história

Ao trabalhar o tema de conjuntos numéricos numa turma de 1º ano de Ensino Médio, propus aos alunos a

construção da Espiral de Teodoro de Cirene (c.425 a.C.) (Figura 1), com o objetivo de ilustrar a construção de

segmentos com medida irracional.

Figura 1 - Espiral de Teodoro. Fonte: A autora.

A espiral, também conhecida como Espiral Pitagórica, é uma figura obtida de uma sequência de triângulos

retângulos com um vértice comum, em que o primeiro é isósceles de catetos unitários e em cada triângulo retângulo

sucessivo um cateto é a hipotenusa do triângulo anterior e o outro cateto (oposto ao vértice comum) tem comprimento

unitário (EVES, 1997, p.126). Teodoro fez 16 iterações na construção da espiral, mas o processo pode se estender

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Claudia A. C. de Araujo Lorenzoni

74 Anais do XII SNHM -2017

indefinidamente.

O objetivo da atividade proposta foi alcançado em duas aulas geminadas. Cada aluno desenhou a espiral e,

juntos, avaliamos a medida dos segmentos da espiral de modo aproximado (por meio do uso de régua) e de modo

exato (com a aplicação do Teorema de Pitágoras). De fato, medindo-se um comprimento com auxílio de uma régua

graduada não é provável encontrar como medida um número como 2 . Experimentos como o uso da régua podem

dar a impressão de que não é possível se obter um segmento cuja medida seja um número irracional. Junte-se a isso o

fato de que na sua forma decimal, um número irracional possui infinitas casas decimais não-periódicas. Assim, da

aplicação do Teorema de Pitágoras, concluímos que, com a espiral, partindo da construção da 2 , é possível obter

segmentos de comprimento 3 , 4 , 5 , e assim sucessivamente, obtendo-se a construção de segmentos de

comprimento n , para qualquer n natural maior que 1.

A experiência em sala serviu de estímulo para que um grupo de cinco alunos seguisse num pequeno trabalho

de pesquisa sob minha orientação com duração de um mês a fim de expor na Feira de Matemática da V Semat - Ifes

(LORENZONI et al., 2016). Como meio de pesquisa e socialização dos resultados, foram realizados encontros

presenciais e discussões num grupo de WhatsApp. Os estudos partiram da Espiral de Teodoro, observando-se que

entre os números 2 , 3 , 4 , 5 ,..., 17 existem números inteiros (raízes quadradas de números quadrados

perfeitos) e números irracionais (os demais). Com base na demonstração da irracionalidade de 2 referida a

Aristóteles (Quadro 1), foi feita uma generalização para o caso da irracionalidade da raiz quadrada de qualquer número

primo, como mostra o comentário de um dos alunos (Quadro 1).

Irracionalidade da raiz quadrada de números primos

Sobre a irracionalidade de 2 Sobre a irracionalidade da raiz quadrada

de números primos

Suponha que 2 é racional.

Então,

2q

p para p e q primos entre si.

Elevando os membros ao quadrado, temos:

.2

2

q

p

Então, p² = 2q².

Assim, p² é par e então, p também é par.

Logo, p = 2k para algum inteiro k.

Substituindo p = 2k em p² = 2q², vem que:

( 2k )² = 2q².

Ou seja, 4k² = 2q² e então em 2k² = q²,

mostrando que q² é par e

consequentemente q também é par.

Mas isso é uma contradição, pois, por

hipótese, p e q são primos entre si, mas

possuem o 2 como fator comum.

Concluímos, portanto, que 2 é irracional.

Fonte: A autora.

Ah, professora, sobre a demonstração da

irracionalidade das raízes de números

primos, no final a contradição é que, com

os testes, é visto que p e q são múltiplos

daquele número primo, contradizendo a

afirmação de que a fração p/q seria

irredutível, certo?

Como com a raiz de 2 que p e q são

múltiplos/divisíveis por 2.

Testando outros primos vai dar sempre que

p e q são divisíveis pelo número primo

testado, não sendo a fração p/q irredutível.

Fonte: A autora.

Quadro 1

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Experiências com história da matemática na educação básica

75 Anais do XII SNHM -2017

De fato, supondo-se n racional para n primo, chega-se à contradição de que existem dois números primos

entre si p e q que possuem n como fator comum.

Mais ainda, “a raiz quadrada do número natural n, n , é um número natural se e somente se n é um quadrado. Em

todos os outros casos, n é um número irracional” (CARVALHO, 2010), resultado que foi também explorado pelo

grupo, embora de forma intuitiva, em função do tempo.

Os trabalhos do grupo tiveram também um viés experimental. Inspirados pelos origamis de Tomoko Fuse1,

a cujos diagramas não tivemos acesso, criamos uma Fita de Teodoro, a versão da Espiral em forma de dobradura, que

se tornou um elemento de destaque na exposição do grupo durante a Feira de Matemática (Figura 2).

Figura 2 - Fita de Teodoro. Fonte: A autora.

A confecção da Fita parte de uma tira retangular de papel sobre a qual se dobra um quadrado em uma de suas

extremidades. A partir do passo 5, ilustrado no diagrama (Figura 3), a tira de papel deve ser dobrada de modo que um

dos vértices na linha de dobra deve tocar o lado oposto da tira, determinando um novo ponto sobre o qual a tira deve

ser dobrada a 90°. O processo pode ser repetido indefinidamente.

Figura 3 - Confecção da Espiral de Teodoro por dobradura. Fonte: A autora.

A dobradura da Fita por si já leva à pergunta:

1 Disponível em: http://www.happyfolding.com/gallery-pythagorean_spiral. Acesso em: 09 mai., 2017.

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Claudia A. C. de Araujo Lorenzoni

76 Anais do XII SNHM -2017

Para uma tira de 1cm de largura, por exemplo, qual deve ser seu comprimento a fim de se obter uma Espiral como a

de Teodoro de Cirene?

A resposta é 17...76543212 . Ou seja, construímos um segmento de reta

com medida igual a um número irracional e que é a soma de números racionais e irracionais.

Com essa experiência com a Espiral de Teodoro, quis mostrar como o trabalho por meio da história da

matemática pode integrar de modo dinâmico perguntas de naturezas tão distintas, no caso, a irracionalidade da raiz de

um número natural e técnicas de Origami.

2.2. Construir a partir da história

Muitos exemplos poderiam ser citados sobre o uso da História da Matemática na introdução de um novo

conceito. Ilustro aqui com um conjunto simples de atividades sobre a ideia de logaritmo, elaboradas a partir de uma

tabela de logaritmos atribuída a Henry Briggs (1561-1631) (Figura 4). O objetivo delas foi colocar o aluno na posição

de um decifrador, tentando extrair informações dos dados registrados.

Figura 4 - Trecho de página da obra Logarithmorum Chilias Prima (1617)2 de Henry Briggs.

Inicialmente, por meio da observação, e pelo título da tabela, pode-se supor que o logaritmo de 1 é 0 e o

logaritmo de 10 é 1. Com alguns cálculos é possível ainda fazer outras inferências, por exemplo, que o logaritmo de

4 é o dobro (aproximado) do logaritmo de 2 e que o logaritmo de 50 é a soma dos logaritmos de 5 e de 10.

De fato, dada a definição de logaritmo de a na base b ( ablog ), como

x

b baxa log , para 1 e 0 ,0 bba ,

2 Disponível em:

http://www.cbi.umn.edu/hostedpublications/Tomash/Images%20web%20site/Image%20files/B%20Images/pages/Briggs.first%20chilliad%20of%20logarithms.1626.table%20page.htm. Acesso em: 25 mai., 2017.

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Experiências com história da matemática na educação básica

77 Anais do XII SNHM -2017

uma nova consulta à tabela permite concluir que a base dos logaritmos em questão é 10, pois 1100 . Do que se

constata que a tabela é uma tábua de logaritmos de base 10. Mais ainda, com o auxílio de uma calculadora, pode-se

verificar que uma das subdivisões das colunas separa a parte inteira da parte fracionária dos logaritmos, já que 63983010299956,0102 , 19664771212547,0103 e, assim, sucessivamente. Briggs publicou na obra citada os logaritmos

de base 10 de 1 a 1000 com 14 casas decimais!

Por fim, pode-se dizer que o logaritmo de 1 na base 10 é 0, o logaritmo de 10 na base 10 é 1, o logaritmo de

4 na base 10 é o dobro (aproximado) do logaritmo de 2 na base 10 e o logaritmo de 50 na base 10 é a soma dos

logaritmos de 5 e de 10 na base 10, o que se escreve como 01log10 , 110log10 , 2log24log 1010 e

10log5log50log 101010 .

Com esse pequeno extrato do trabalho de Briggs é possível explorar também as propriedades de logaritmos,

como tentei sinalizar com alguns exemplos acima. Com o auxílio da tabela, os alunos podem testar e encontrar

subsídios para uma justificativa mais formal, por exemplo, das propriedades relativas ao produto de dois números e à

mudança de base.

Na minha experiência com o material, busquei explorar com os alunos o significado da tabela, a descoberta

da base adotada por Briggs, a obtenção do logaritmo de números fracionários ou múltiplos dos fornecidos pela tabela,

a obtenção do logaritmo de números da tabela porém em outra base, a identificação de limitações da tabela (por

exemplo, não determina o logaritmo de números cuja fatoração dependa de algum número primo não contemplado na

tabela), chegando até a representação dos dados por meio de um gráfico no plano cartesiano para a construção da ideia

de função logarítmica. Os alunos foram receptivos ao material, mostrando mais segurança no uso da definição de

logaritmo na sua relação com a função exponencial e interagindo por meio de perguntas.

2.3. Contar sua história

Em 2015, professores e alunos guarani de 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental iniciaram uma pesquisa sobre

o Guatá, a caminhada desse povo em busca da “Terra que nunca acaba”, como uma das atividades da Ação Saberes

Indígenas na Escola, do Ministério da Educação e Cultura (MEC)3, na qual atuo como formadora. Parte da pesquisa,

abordando o cultivo da terra, foi registrada num vídeo de cerca de 30 minutos, intitulado de Ma’etỹ regwa4, que é

acompanhado de um caderno de atividades, ambos em via de publicação. O Quadro 2 é um extrato do material e

descreve a organização de uma roça de milho.

3 Instituída pela Portaria Nº 1.061, de 30 de outubro de 2013 do MEC. 4 EDUCADORES INDÍGENAS DOS POVOS TUPINIQUIM E GUARANI (Ed.). Ma’etỹ Regwa. MEC, UFES. (mimeo).

Page 86: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Claudia A. C. de Araujo Lorenzoni

78 Anais do XII SNHM -2017

Como fazer sua própria roça de milho

Como fazer sua própria roça de milho

1. Prepare a terra durante o Ara ymã

2. Faça a coivara para assegurar que a

terra estará limpa antes de plantar

3. Espere o tempo de Djatxy pytũ para

plantar

4. Use uma vara pontiaguda de madeira

para cavar a terra a fim de plantar as

sementes. Nesse caso costumam-se

colocar 3 ou 4 sementes em cada

cova.

5. Passada uma lua, quando as mudas já

tiverem brotado e estiverem

crescidinhas, é preciso fazer uma

limpeza da roça.

6. Quando já for quase tempo de

colheita é preciso limpar a roça

novamente.

7. Lembre-se que toda colheita é feita

sempre antes da chuva.

8. Uma vez que já se tiver colhido todos

os novos milhos de sua roça, é tempo

de levá-los até a casa de reza para o

Nhemongarai.

Quadro 2 – Atividade proposta no caderno Ma’etỹ regwa.

Foto: Maynon Cunha da Silva.

Em Lorenzoni (2016), são apontadas experiências de medida do tempo pelos Guarani que são retomados aqui

para ilustrar as contribuições da matemática escolar na construção de uma história contada pelos próprios Guarani.

Segundo o calendário guarani, o ano é dividido em “tempo novo” (ara pyau, em guarani), que corresponde

às estações de primavera e verão do calendário cristão, e “tempo velho” (ara ymã) que corresponde às estações de

outono e inverno. O tempo novo se inicia quando “tudo na natureza começa a se renovar, como os plantios, o

florescimento das árvores, os animais das matas acasalam, os passarinhos botam seus ovinhos, e o sol aparece mais

cedo” e, no tempo velho, “a mãe natureza descansa, adormece” (RODRIGUES, 2016, p.554). Assim, o cultivo da

terra mantém estreita relação com a observação da natureza e a medida do tempo. Os Guarani realizam essa medida

ao longo do dia ou do ano, em função do movimento do Sol ou do movimento da Lua. No texto do Quadro 2, unidades

de tempo como o Ara ymã, “uma lua” e Djatxy pytũ (Lua escura) se misturam a outros elementos, por exemplo, rituais,

como o batismo das crianças, celebrado no nhemongarai.

Essas e outras informações a cerca da medida do tempo, quando exploradas em atividades pedagógicas

(realização e registro de pesquisas sobre formas de medir o tempo, confecção de calendário, preparo coletivo de roça

na escola, etc.), destacam os saberes tradicionais como fonte de conhecimento e de pesquisa, contando e fortalecendo

a história local.

Essa capacidade que a matemática escolar tem de contar e construir uma história da comunidade não se

restringe ao universo guarani. Os saberes tradicionais de um grupo respondem a seus desejos e necessidades e, de

maneira própria, são produzidos, aplicados, organizados, formalizados e transmitidos, conforme a compreensão que

se tem do seu meio. De uma forma geral, a Educação Matemática pode reforçar esse processo.

3 Considerações finais

Experiências com História da Matemática na Educação Básica podem estimular, já nesse período escolar,

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Experiências com história da matemática na educação básica

79 Anais do XII SNHM -2017

uma relação investigativa com a Matemática para além de uma lista de conteúdos. O trabalho com a História da

Matemática proporciona o desenvolvimento de pesquisas (orientadas ou não por um professor) e situações de

aprendizagem para estudantes e professor em diferentes ambientes, dentro e fora da escola. Tais aspectos podem ser

identificados com um “fazer matemática”, uma vez que promovem professor e estudantes como sujeitos atuantes no

processo de construção de conhecimento. Essa pode ser uma das grandes contribuições da História da Matemática na

educação escolar: conhecer diferentes ângulos da Matemática e, consequentemente, da Ciência, e construir outros

olhares sobre elas.

Bibliografia

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Educational Studies in Mathematics. n. 66. p. 111-129. 2007.

CARAÇA, Bento de Jesus. Conceitos Fundamentais da Matemática. Lisboa: Tipografia Matemática, 1951.

CARVALHO, João Bosco Pitombeira de. A raiz quadrada ao longo dos séculos. In: BIENAL DA SBM, 5., 2010,

João Pessoa. João Pessoa: UFPB, 2010. v. 1. p. 1-44.

EDUCADORES INDÍGENAS DOS POVOS TUPINIQUIM E GUARANI (Ed.). Ma’etỹ Regwa. MEC, UFES.

(mimeo).

EVES, Howard. Introdução à História da Matemática. Campinas: Editora da Unicamp, 1997.

LORENZONI, Claudia A. C. de Araujo. Educação Matemática e o cultivo da terra pelos Guarani no Espírito Santo

– Brasil. In: ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 12., 2016, São Paulo. Anais... São

Paulo: SBEM, 2016.

LORENZONI, Claudia Araujo. et al. Números racionais e irracionais construtíveis na Espiral de Teodoro. In:

SEMANA DA MATEMÁTICA DO IFES, 5., 2016, Vitória. Caderno de resumos... Vitória: Ifes-Vitória, 2016. p.

81-82.

RODRIGUES, Nilza Maria. Nhaderé kó há: Calendário do tempo. In: ENCONTRO DE DIÁLOGOS

LITERÁRIOS, 2., 2013, Campo Mourão. Anais... Campo Mourão: UNESPAR, 2013. p. 554-562. Acesso em: 22

mar. 2016.

Claudia A. C. de Araujo Lorenzoni

Coordenadoria de Matemática – Ifes – campus

Vitória - Brasil

E-mail: [email protected]

Page 88: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

80 Anais do XII SNHM -2017

ENSINO DE SISTEMAS DE NUMERAÇÃO BASEADO EM INFORMAÇÕES HISTÓRICAS:

UM ESTUDO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Eliane Siviero da Silva

Colégio Integrado de Campo Mourão – Brasil

Lucieli Maria Trivizoli

Universidade Estadual de Maringá – UEM - Brasil

Resumo

O trabalho trata-se de um relato de experiência da aplicação de uma atividade sobre sistemas de numeração

desenvolvida para constituição da dissertação de mestrado que se encontra em processo de conclusão. A pesquisa de

mestrado teve como problemática: Que contribuições a História da Matemática pode trazer ao processo de ensino e

aprendizagem do sistema de numeração decimal nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental? Para responder à questão

proposta buscamos investigar as potencialidades da História da Matemática para os Anos Iniciais do Ensino

Fundamental a partir de uma proposta de ensino de sistemas de numeração fundamentada nos aspectos da História da

Matemática. Para isso, foi elaborada uma atividade envolvendo propriedades dos sistemas de numeração maia, chinês

e o indo-arábico que foi implementada com alunos do 4º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública localizada

no município de Moreira Sales – Paraná. Os alunos trabalharam com as características de cada um dos sistemas por

meio de materiais manipuláveis: para o sistema maia foram utilizados gravetos, pedras e conchinhas, para o sistema

chinês foram utilizados palitos de sorvetes e botões e para o sistema indo-arábico foi utilizado o material dourado. Por

meio dessa aplicação buscamos identificar quais potencialidades pedagógicas da História da Matemática apresentadas

por Miguel e Miorim (2011) no livro “História na Educação Matemática: propostas e desafios”, se evidenciaram na

realização da atividade, para isso, foram criadas três categorias de análises relacionadas ao potencial do material

aplicado em sala de aula para o professor, para o aluno e para o processo de ensino e aprendizagem da Matemática.

Neste trabalho indicamos a análise das potencialidades identificadas com relação ao potencial do material para o

professor, que foi constituída a partir da junção das seguintes potencialidades: a história como fonte de seleção e

constituição de sequências adequadas de tópicos de ensino; fonte de seleção de métodos adequados de ensino para

diferentes tópicos da Matemática escolar; fonte de seleção de objetivos adequados para o ensino-aprendizagem da

Matemática escolar; fonte de identificação de obstáculos epistemológicos de origem epistemológica para se enfrentar

certas dificuldades que se manifestam entre os estudantes no processo de ensino-aprendizagem da Matemática escolar;

fonte de identificação de mecanismos operatórios cognitivos de passagem a serem levados em consideração nos

processos de investigação em Educação Matemática e no processo de ensino-aprendizagem da Matemática escolar.

Palavras-chave: Matemática, História, Anos Iniciais, Sistema de Numeração Decimal.

TEACHING OF NUMBERING SYSTEMS BASED ON HISTORICAL INFORMATION: A STUDY IN THE

INITIAL YEARS OF FUNDAMENTAL EDUCATION

Abstract

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 89: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Eliane Siviero da Silva & Lucieli M. Trivizoli

81 Anais do XII SNHM -2017

The paper is an experience report of the application of an activity on numbering systems developed for the composition

of the master's thesis that is in the process of completion. The master's research had as problematic: What contributions

to the History of Mathematics can bring to the process of teaching and learning the system of decimal numbering in

the Early Years of Elementary School? To answer the proposed question we seek to investigate the potentialities of

the History of Mathematics for the Initial Years of Elementary Education from a proposal of teaching of numbering

systems based on aspects of the History of Mathematics. For this, an activity involving the properties of the Maya,

Chinese and Indo-Arabic numeration systems was elaborated, which was implemented with students of the 4th year

of elementary school in a public school located in the municipality of Moreira Sales - Paraná. The students worked

with the characteristics of each of the systems by means of manipulable materials: for the Mayan system were used

twigs, stones and shells, for the Chinese system ice cream sticks and buttons were used and for the arabic system was

used the Golden material. Through this application we seek to identify which pedagogical potentialities of the History

of Mathematics presented by Miguel and Miorim (2011) in the book "History in Mathematical Education: proposals

and challenges", were evidenced in the accomplishment of the activity, for that, three categories of analysis were

created Related to the potential of the material applied in the classroom for the teacher, for the student and for the

teaching and learning process of Mathematics. In this work we indicate the analysis of the potentialities identified in

relation to the potential of the material for the teacher, which was constituted from the junction of the following

potentialities: history as source of selection and constitution of appropriate sequences of teaching topics; Source of

selection of appropriate teaching methods for different topics in school mathematics; Source of selection of suitable

objectives for the teaching-learning of school mathematics; Source of identification of epistemological obstacles of

epistemological origin to face certain difficulties that are manifested among students in the teaching-learning process

of school mathematics; Source of identification of cognitive operative mechanisms of passage to be taken into account

in the processes of investigation in Mathematical Education and in the teaching-learning process of school

mathematics.

Keywords: Mathematics, History, Keyword1, Keyword2.

Introdução

O presente trabalho trata-se de um relato de experiência da aplicação de uma atividade sobre sistemas de

numeração realizada para a constituição da dissertação de mestrado que se encontra em processo de conclusão no

âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e a Matemática, da Universidade Estadual de

Maringá.

Decidimos abordar a temática sobre o sistema de numeração decimal por ser um conteúdo de grande

importância nos Anos Iniciais e por se tratar de um tema que os alunos do nível especificado ainda apresentam

dificuldades de compreensão (BRASIL, 1997).

Essas dificuldades estão relacionadas às características que compõem o sistema indo-arábico e que são

essenciais para que as crianças realizem a leitura e escritas dos números, a saber: o agrupamento de 10, a troca entre

ordens, a dupla função do zero (indicar a ausência de unidade de uma determinada ordem, unidade, dezena, centena,

etc., e “guardar a posição” de uma ordem vazia, por exemplo, na escrita do número 103) e o valor posicional

(MORETTI; SOUZA 2015).

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) o recurso à história da numeração pode

contribuir para um trabalho interessante com o sistema de numeração. Dessa forma, pensando numa atividade voltada

para o trabalho com as características do sistema de numeração decimal optamos por incorporar à nossa proposta de

ensino os sistemas de numeração maia, chinês e indo-arábico.

A escolha desses sistemas de numeração se deu por conta de suas características: os três sistemas são

posicionais; apenas o sistema chinês não possui uma representação para o zero, o que nos permitiu mostrar a

importância do zero no nosso sistema; o sistema chinês e o indo-arábico empregam a base dez e o sistema maia a base

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ENSINO DE SISTEMAS DE NUMERAÇÃO BASEADO EM INFORMAÇÕES HISTÓRICAS...

82 Anais do XII SNHM -2017

vinte, o que nos possibilitou mostrar aos alunos que existem outras bases utilizadas por outros sistemas e também

possibilitou aos alunos trabalharem com outras formas de agrupamentos sem ser de dez em dez.

A atividade foi implementada com uma turma do 4º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública

localizada no município de Moreira Sales-Paraná.

Por meio dessa aplicação buscamos identificar quais potencialidades pedagógicas da História da Matemática

apresentadas por Miguel e Miorim (2011) no livro “História na Educação Matemática: propostas e desafios”, se

evidenciaram na realização da atividade, para isso, foram criadas três categorias de análises relacionadas ao potencial

do material aplicado em sala de aula para o professor, para o aluno e para o processo de ensino e aprendizagem da

Matemática.

História na Educação Matemática

Atualmente diversos estudiosos vêm se dedicando a construir argumentos e a propor ações sobre a utilização

da História da Matemática no ensino de Matemática, dentre eles Mendes (2009), Miguel (1997), Miguel e Miorim

(2011); (2002), Miguel et al (2009).

Segundo Miguel e Miorim (2011) as preocupações em torno das questões históricas relativas ao ensino e a

aprendizagem da Matemática, ganharam força na década de 80, no plano internacional, por meio da criação do

International Study Goup on the Relations between the History and Pegagogy of Mathematics (HPM), grupo filiado

à Comissão Internacional de Ensino de Matemática (ICMI). No Brasil foi em 1999 que o movimento em torno da

História da Matemática se intensificou visivelmente, especialmente a partir da criação da Sociedade Brasileira de

História da Matemática (SBHMat) no III Seminário Nacional de História da Matemática, ocorrido na cidade de Vitória

(ES).

Segundo esses autores o movimento em torno da História da Matemática já é tão amplo e diversificado que

podemos distinguir diferentes campos de pesquisas autônomos que constituem a própria História da Matemática, em

suas palavras

“[...] o movimento em torno da História da Matemática já é tão amplo e diversificado que

poderíamos acusar a constituição, em seu interior, de vários campos de pesquisa autônomos, que,

no entanto, mantêm, em comum, a preocupação de natureza histórica incidindo em uma das

múltiplas relações que poderiam ser estabelecidas entre a História, a Matemática, a Educação.

Dentre tais campos de investigação, três deles se destacam: o da História da Matemática

propriamente dito, o da História da Educação Matemática e o da História na Educação

Matemática” (MIGUEL; MIORIM, 2011, p. 11).

Nosso trabalho se insere neste último campo, o da História na Educação Matemática, que inclui todos os

estudos que tomam como objeto de investigação “os problemas relativos às inserções efetivas da história na formação

inicial ou continuada de professores de Matemática; na formação matemática de estudantes de quaisquer níveis”

(MIGUEL; MIORIM, 2011, p. 11) no nosso caso nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, além desses também são

considerados os estudos “em livros de Matemática destinados ao ensino em qualquer nível e época; em programas ou

propostas curriculares oficiais de ensino da Matemática; na investigação em Educação Matemática, etc” (idem, p. 11).

Miguel e Miorim (2011) realizaram uma análise acerca da participação do discurso histórico em produções

brasileiras destinadas à Matemática escolar e de diferentes pontos de vista de autores que põem em destaque e/ ou

operacionalizam formas de participação da história no âmbito da educação matemática, e identificaram os seguintes

argumentos utilizados para justificar a participação da História da Matemática no processo de ensino e aprendizagem

da Matemática:

fonte de seleção e constituição de sequências adequadas de tópicos de ensino;

fonte de seleção de métodos adequados de ensino para diferentes tópicos da Matemática

escolar;

Page 91: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Eliane Siviero da Silva & Lucieli M. Trivizoli

83 Anais do XII SNHM -2017

fonte de seleção de objetivos adequados para o ensino aprendizagem da Matemática

escolar;

fonte de seleção de tópicos, problemas ou episódios considerados motivadores da

aprendizagem da Matemática escolar;

fonte de busca de compreensão e de significados para o ensino-aprendizagem da

Matemática escolar na atualidade;

fonte de identificação de obstáculos epistemológicos de origem epistemológica para se

enfrentar certas dificuldades que se manifestam entre os estudantes no processo de ensino-

aprendizagem da Matemática escolar;

fonte de identificação de mecanismos operatórios cognitivos de passagem a serem levados

em consideração nos processos de investigação em Educação Matemática e no processo de ensino-

aprendizagem da Matemática escolar;

fonte que possibilita um trabalho pedagógico no sentido de uma tomada de consciência da

unidade da Matemática;

fonte para a compreensão da natureza e das características distintivas e específicas do

pensamento matemático em relação a outros tipos de conhecimento;

fonte que possibilita a desmistificação da Matemática e a desalienação do seu ensino;

fonte que possibilita a construção de atitudes academicamente valorizadas;

fonte que possibilita uma conscientização epistemológica;

fonte que possibilita um trabalho pedagógico no sentido da conquista da autonomia

intelectual;

fonte que possibilita o desenvolvimento de um pensamento crítico, de uma qualificação

como cidadão e de uma tomada de consciência e de avaliação de diferentes usos sociais da

Matemática;

fonte que possibilita uma apreciação da beleza da Matemática e da estética inerente a seus

métodos de produção e validação do conhecimento;

fonte que possibilita a promoção da inclusão social, via resgate da identidade cultural de

grupos sociais discriminados no (ou excluídos do) contexto escolar (MIGUEL; MIORIM, 2011, p.

61-62).

Em nossa pesquisa buscamos investigar quais destes argumentos reforçadores do uso pedagógico da História

da Matemática se evidenciaram na aplicação da atividade.

Aspectos metodológicos da pesquisa

A pesquisa teve uma abordagem qualitativa, que segundo D’Ambrosio (2013) “[...] tem como foco entender

e interpretar dados e discursos” (p. 12).

Como instrumentos de coleta de dados utilizamos a observação participante, o diário de campo, as gravações

em áudio, os registros escritos dos alunos e uma entrevista semiestruturada realizada com a professora da turma.

Para realizar as análises construímos três categorias relacionadas às potencialidades de Miguel e Miorim

(2011). Essa construção das categorias se deu por conta de que algumas das potencialidades possuem características

semelhantes quanto aos seus argumentos, sendo que uma complementa a outra, dessa forma em uma mesma situação

poderiam aparecer mais de uma potencialidade. Assim, com o intuito de facilitar nossas análises optamos por construir

categorias de análises mais gerais. Para construir essas categorias agrupamos as potencialidades de acordo com suas

referências: uma com as potencialidades que se referem ao professor, outra com as potencialidades que se referem ao

aluno e outra com as potencialidades que se referem ao processo de ensino e aprendizagem da Matemática, sendo que

os critérios utilizados para esses agrupamentos foram nosso entendimento sobre essas potencialidades.

Page 92: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

ENSINO DE SISTEMAS DE NUMERAÇÃO BASEADO EM INFORMAÇÕES HISTÓRICAS...

84 Anais do XII SNHM -2017

Aplicação da atividade

Elaboramos uma atividade envolvendo os sistemas de numeração maia, chinês e indo-arábico. Decidimos

por utilizar alguns materiais manipuláveis para representar cada um dos sistemas.

O sistema maia era representado por pontos que valiam uma unidade, traços que valiam cinco unidades e

uma concha que representava o zero.

Figura 1: Sistema de numeração maia.

Fonte: EVES, 2011, p. 37.

Para nossa atividade utilizamos pedras para representar as unidades, os gravetos para representar cinco

unidades e conchinhas para representar o zero.

Figura 25: Materiais utilizados para a representação do sistema maia.

Já o sistema chinês era representado por traços verticais e horizontais.

Figura 3: Números Chineses.

Fonte: IFRAH, 1989, p. 244-245.

Para nossa atividade utilizamos palitinhos de sorvetes cortados ao meio e optamos por utilizar uma

representação para o zero que nesse caso foi por meio de botões.

Page 93: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Eliane Siviero da Silva & Lucieli M. Trivizoli

85 Anais do XII SNHM -2017

Figura 4: Materiais utilizados para representar o sistema chinês.

E para representar o sistema indo-arábico utilizamos o material dourado.

Figura 5: Material Dourado

Também confeccionamos um suporte de isopor no qual pudéssemos trabalhar com os sistemas por meio de

materiais manipuláveis. De um lado do suporte fizemos uma divisão para a numeração maia e do outro uma divisão

para o sistema chinês e o indo-arábico.

Para o sistema maia decidimos trabalhar com três ordens, as das unidades simples, as das vintenas e a terceira

ordem optamos por trabalhar com as quatro centenas ao contrário da terceira ordem utilizada no sistema maia

correspondente a 360.

Figura 6: Base de isopor confeccionada para trabalhar com os sistemas.

O trabalho foi desenvolvido com uma turma do 4º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública

localizada no município de Moreira Sales – Paraná, no período matutino, contando com a participação de 14 alunos

com a faixa etária de 9 a 10 anos.

A realização da atividade ocorreu no período normal de aula com um total de quatro horas-aula, sendo

trabalhadas duas horas-aula por dia em dois dias de aplicação.

O encaminhamento em sala de aula se deu da seguinte forma: primeiramente dividimos os alunos em duplas.

Começamos a falar sobre uma das primeiras formas de contagem que era a correspondência um a um feita, por

exemplo, pelo pastor de ovelhas que representava cada ovelha por uma pedra. Para cada um dos sistemas apresentamos

seu nome e suas características no quadro para depois distribuirmos os materiais. Cada dupla além de receber os

materiais para representar os sistemas também recebeu uma folha contendo algumas explicações e outra folha para

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ENSINO DE SISTEMAS DE NUMERAÇÃO BASEADO EM INFORMAÇÕES HISTÓRICAS...

86 Anais do XII SNHM -2017

fazerem anotações. Foi passado um envelope contendo alguns valores, cada dupla deveria retirar um valor por vez e

representá-lo na base de isopor, além de representar eles também tiveram que conferir os valores representados pelos

colegas. Depois de retirarem dois valores eles realizaram a soma e representaram novamente. Ao trabalhar cada um

dos sistemas era questionado aos alunos o que eles acharam daquele sistema, se era difícil ou fácil de compreender e

relembrávamos as suas características e as comparávamos com o nosso sistema decimal. Ao fim da aplicação os alunos

foram questionados sobre quem eles achavam que produzia e praticava a Matemática, em quais lugares eles utilizam

a Matemática e se esse conhecimento sempre foi da forma como conhecemos hoje.

Algumas potencialidades identificadas

A partir da aplicação da atividade procuramos identificar as potencialidades da História da Matemática

elencadas por Miguel e Miorim (2011) que se evidenciaram na aplicação da atividade. Para isso, na dissertação

construímos três categorias de análise: uma relacionada ao professor, outra relacionada ao aluno e outra relacionada

ao processo de ensino e aprendizagem. A construção dessas categorias se deu por meio de agrupamentos das

potencialidades que consideramos ser relacionadas a cada um dos objetos mencionados. Neste trabalho, apresentamos

as potencialidades relacionadas ao professor.

Potencialidades relacionadas ao professor.

Nessa categoria incluem-se as potencialidades de História da Matemática que auxiliam o professor em sala

de aula tanto na preparação da aula quanto na identificação das dificuldades que os alunos apresentam, são elas: fonte

de seleção e constituição de sequências adequadas de tópicos de ensino; fonte de seleção de métodos adequados de

ensino para diferentes tópicos da Matemática escolar; fonte de seleção de objetivos adequados para o ensino-

aprendizagem da Matemática escolar; fonte de identificação de obstáculos epistemológicos de origem epistemológica

para se enfrentar certas dificuldades que se manifestam entre os estudantes no processo de ensino-aprendizagem da

Matemática escolar; fonte de identificação de mecanismos operatórios cognitivos de passagem a serem levados em

consideração nos processos de investigação em Educação Matemática e no processo de ensino-aprendizagem da

Matemática escolar.

Os defensores da história como fonte de seleção de métodos adequados de ensino para diferentes tópicos da

Matemática escolar acreditam que podemos buscar apoio na História da Matemática para escolhermos métodos

pedagogicamente adequados e interessantes para a abordagem de tópicos matemáticos (MIGUEL; MIORIM, 2011).

Em nossa aplicação consideramos que a atividade elaborada utilizando aspectos históricos dos sistemas de

numeração se constitui de uma sequência adequada para se trabalhar com as características dos sistemas de numeração,

uma vez que os alunos tiveram a oportunidade de conhecer outros sistemas além do SND e trabalhar com suas

características por meio dos materiais manipuláveis (base de isopor, pedras, gravetos, conchas, botões, palitos de

sorvete e material dourado) que proporcionou aos alunos realizar e visualizar os agrupamentos e as trocas entre esses

objetos.

A utilização de aspectos históricos na pesquisa Pedroso (2008) também se mostrou como um método

adequado para abordagem em sala de aula. Em sua pesquisa foram trabalhados com os alunos alguns métodos

históricos de multiplicação.

Na pesquisa de Leite (2014) é orientado que seja realizado um trabalho com os agrupamentos em outras bases

numéricas e análise de outros sistemas numéricos diferentes do nosso.

Dessa forma, acreditamos que a atividade realizada é uma possibilidade adequada de trabalho a ser realizado

pelo professor em sala de aula.

Também por meio da atividade foi possível identificar algumas dificuldades apresentadas pelos alunos, como

na hora de realizar os agrupamentos e as trocas entre ordens.

No caso do sistema maia como os gravetos podiam ser utilizados até três vezes, na hora de realizar a troca

entre ordens os alunos não estavam realizando o agrupamento de forma correta, ao invés de agrupar quatro gravetos

que estaria equivalendo a 20 unidades e substituir por uma vintena os alunos estavam deixando a quantidade máxima

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Eliane Siviero da Silva & Lucieli M. Trivizoli

87 Anais do XII SNHM -2017

de gravetos que era três e representando o restante por uma vintena. No exemplo abaixo a dupla havia cometido esse

equívoco.

Pesquisadora: Vamos juntar todas as pedrinhas e todos os gravetos. As pedrinhas podem ser utilizadas até

quantas vezes?

Dupla 1: Quatro.

Pesquisadora: Quantas pedrinhas temos aqui?

Dupla 1: Uma.

Pesquisadora: Preciso fazer alguma troca?

Dupla 1: Não.

Pesquisadora: E os gravetos até quantas vezes podemos utilizar?

Dupla 1: Três.

Pesquisadora: Até três vezes né!

Pesquisadora: Então vamos somar os gravetos. Nós temos um, dois, três, quatro, cinco gravetos. Então como

passou de quatro gravetos nós vamos retirar quantos?

Dupla 1: Dois.

Pesquisadora: Mas se eu retirar dois gravetos não tem outra forma de representá-los a não ser por dois

gravetos mesmo. Não é porque eles podem ser utilizados até três vezes que eu tenho que deixar sempre três e retirar

todos os outros. Se eu retirar dois gravetos e representar com uma pedra na casa seguinte eu vou estar retirando dez

e representando por vinte. O que temos que fazer é um agrupamento e representá-lo de outra forma, mas sem alterar

o seu valor, a sua quantidade.

A própria professora da turma relatou durante a realização da entrevista algumas das dificuldades

apresentadas pelos alunos, como é possível observar em sua fala:

Professora: Eu não sei se não foi bem trabalhado no primeiro ano ou se já vem com a dificuldade porque

não tem ajuda em casa mesmo, mas essa turma tem muita dificuldade ainda, em Matemática inclusive. O maior

problema é com a interpretação, é interpretar uma situação problema, eles também têm dificuldades na adição,

mesmo na adição simples na subtração, na hora de emprestar meu Deus.

Portanto, a partir da atividade foi possível identificar a dificuldade dos alunos em realizarem os agrupamentos

e as troca entre ordens.

Bibliografia

BRASIL, Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Curriculares Nacionais. Matemática. Brasília: MEC; SEB,

1997.

D’Ambrosio. Ubiratan. Prefácio. In: BORBA, Marcelo de Carvalho; ARAÚJO, Jussara de Loiola (Orgs.). Pesquisa

Qualitativa em Educação Matemática. 5. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.

EVES, Howard. Introdução à História da Matemática. Campinas: Editora da Unicamp, 2011.

IFRAH, Georges. Os números: a história de uma grande invenção. 3. ed. São Paulo: Globo, 1989.

LEITE, Claudécio Gonçalvez. A Construção Histórica dos Sistemas de Numeração como recurso didático para o

Ensino Fundamental I. 2014. 52 f. Dissertação (Mestrado)-Programa de Pós-Graduação em Matemática em Rede

Nacional, Universidade Federal do Ceará, Juazeiro do Norte, 2014.

MENDES, Iran Abreu. Matemática e investigação em sala de aula: tecendo redes cognitivas na aprendizagem. São

Paulo: Editora Livraria da Física, 2009.

MIGUEL, Antonio. As potencialidades pedagógicas da história da matemática em questão: argumentos reforçadores

e questionadores. Zetetiké – Cempem – Fe/Unicamp, v. 5, n. 8, p.73-105, 1997.

MIGUEL, Antonio; MIORIM, Maria Ângela. História da Matemática: uma prática social de investigação em

construção. Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 36, dez. 2002.

MIGUEL, Antonio et al. História da Matemática em atividades didáticas. 2. ed. São Paulo: Editora Livraria da Física,

2009.

MIGUEL, Antônio; MIORIM, Maria Ângela. História na Educação Matemática: propostas e desafios. 2 ed. Belo

Page 96: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

ENSINO DE SISTEMAS DE NUMERAÇÃO BASEADO EM INFORMAÇÕES HISTÓRICAS...

88 Anais do XII SNHM -2017

Horizonte: Autêntica Editora, 2011.

MORETTI, Vanessa Dias.; SOUZA, Neusa Maria Marques. Educação matemática nos anos iniciais do Ensino

Fundamental Princípios e práticas pedagógicas. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2015.

PEDROSO, André Pereira. Os algoritmos no contexto da História: uma experiência na formação de professores

pedagogos. 2008. 174 f. Dissertação (Mestrado)-Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica,

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008.

Eliane Siviero da Silva

Colégio Integrado – Campo Mourão - Brasil

E-mail: [email protected]

Lucieli M. Trivizoli

Universidade Estadual de Maringá – UEM – Maringá –

Brasil

E-mail: [email protected]

Page 97: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

89 Anais do XII SNHM -2017

NOTICIÁRIO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MATEMÁTICA

Viviane de Oliveira Santos

Universidade Federal de Alagoas – UFAL – Brasil

Resumo

Durante o 7º Colóquio Brasileiro de Matemática, realizado em julho de 1969, em Poços de Caldas, Minas Gerais, foi

fundada a Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) como uma entidade civil, de caráter cultural e sem fins

lucrativos, voltada principalmente a estimular o desenvolvimento da pesquisa e do ensino da Matemática no Brasil.

Os periódicos da SBM tiveram grande impacto para a literatura de matemática brasileira. Vamos ressaltar aqui o

periódico “Noticiário da Sociedade Brasileira de Matemática”, o qual funcionou muito bem com informações

relevantes durante as primeiras atividades da SBM. O mesmo divulgava notícias que pudessem interessar à

comunidade matemática e foi uma continuação de um noticiário que o Instituto de Matemática Pura e Aplicada

(IMPA) publicava, chamado “Noticiário Brasileiro de Matemática”. O Noticiário Brasileiro de Matemática existiu

entre 1959 e 1968, publicado pelo IMPA, depois a direção do IMPA concluiu que uma publicação deste tipo deveria

continuar e consultou a SBM para saber se a mesma poderia assumir esta publicação. A diretoria da SBM aceitou o

encargo, em junho de 1972 foi autorizado a indicação de um responsável pela publicação do Noticiário da SBM, em

setembro de 1975 foi constituída a Comissão Editorial do Noticiário da SBM e a primeira publicação do Noticiário da

Sociedade Brasileira de Matemática foi de julho de 1976. Inicialmente, no Noticiário da SBM apresentavam as seções

“Debate”, “Congressos e Reuniões”, informações sobre o prêmio Moinho Santista em Matemática, Reunião Regional,

Colóquio Brasileiro de Matemática, Mestrados nas Universidades Brasileiras, Aviso, Notas Pessoais, Professores

visitantes nas Universidades Brasileiras, Cursos de Verão etc. Depois foram incluídos artigos, seção de resenhas, seção

de problemas e assim por diante. Este texto apresenta informações parciais da tese de doutorado da autora, intitulada

Uma história da Sociedade Brasileira de Matemática durante o período de 1969 a 1989: criação e desenvolvimento,

realizada sob a orientação do Professor Sergio Roberto Nobre, na Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus

Rio Claro/SP.

Palavras-chave: Noticiário, Periódicos, Sociedade Brasileira de Matemática.

THE NEWSCAST OF BRAZILIAN SOCIETY OF MATHEMATICS

Abstract

During the 7th Brazilian Colloquium on Mathematics, held in July 1969 in Poços de Caldas, Minas Gerais, the

Brazilian Society of Mathematics (SBM) was founded as a civil, non-profit cultural entity, aimed mainly at stimulating

the development of research and of mathematics teaching in Brazil. The periodicals of SBM had a great impact on

Brazilian mathematical literature. We will highlight here the newscast of Brazilian Society of Mathematics, which

worked very well with relevant information during SBM's first activities. The same one published news that could

interest to the mathematical community and was a continuation of a newscast that the Institute of Pure and Applied

Mathematics (IMPA) published, called newscast Brazilian of Mathematics. The newscast Brazilian of Mathematics

existed between 1959 and 1968, published by IMPA, and then IMPA's management concluded that a publication of

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 98: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Viviane de Oliveira Santos

90 Anais do XII SNHM -2017

this type should continue and consulted the SBM to see if it could take over this publication. The directorship of SBM

accepted the responsibility, in June 1972 it was authorized the appointment of a person responsible for the publication

of the newscast, in September 1975 the Editorial Committee of the newscast was formed and the first publication of

the newscast of SBM was in July 1976. Initially, the newscast presented the sections “Debate”, “Congresses and

Meetings”, information about the Moinho Santista in Mathematics, Regional Meeting, Brazilian Colloquium on

Mathematics, Masters in Brazilian Universities, Personal notes, Visiting Professors in Brazilian Universities, Courses

of Summer etc. Then included articles, reviews section, problems section, and so on. This text presents partial

information of the author’s doctoral thesis entitled “A history of the Brazilian Society of Mathematics during the

period from 1969 to 1989: creation and development”, carried out under the guidance of Professor Sergio Roberto

Nobre, at the State University of São Paulo (UNESP), Campus Rio Claro / SP.

Keywords: Newscast, Periodicals, Brazilian Society of Mathematics.

O Noticiário

A primeira publicação do Noticiário da Sociedade Brasileira de Matemática é de julho de 1976. Este periódico iniciou

com a finalidade de “estabelecer um maior contato com seus associados e de divulgar notícias que possam interessar

aos membros da comunidade matemática brasileira” (NOTICIÁRIO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE

MATEMÁTICA, Julho de 1976, p. 1).

Na Apresentação do Noticiário da Sociedade Brasileira de Matemática (Julho de 1976, pp. 1-2), o professor

Lindolpho de Carvalho Dias, editor do antigo Noticiário Brasileiro de Matemática, escreveu informações sobre o

Noticiário Brasileiro de Matemática, publicação esta iniciada em 1959 e finalizada em 1968 pelo Instituto de

Matemática Pura e Aplicada, “cuja característica básica era de ser um periódico informativo capaz de levar às

instituições brasileiras de Matemática dados sobre os trabalhos de pesquisa e ensino que estavam desenvolvendo”.

Além desse caráter informativo, pretendia-se também que “pudesse servir de orientação aos professores localizados

em centros menores”, contendo também “resenhas de livros, artigos de caráter geral, etc.” Inicialmente foi organizado

pelos professores Chaim Samuel Hönig, Elon Lages Lima e Paulo Ribenboim. A Direção do IMPA concluiu que uma

publicação deste tipo deveria continuar e consultou a Sociedade Brasileira de Matemática para saber se a mesma

poderia assumir esta publicação.

A diretoria da SBM aceitou o encargo, decidindo imediatamente reiniciar a publicação do

periódico, agora com o título de Noticiário da Sociedade Brasileira de Matemática. Assim é que,

com este número, se inicia a publicação do Noticiário da SBM, revivendo ao mesmo tempo o antigo

Noticiário, que tão bons serviços prestou, no sentido de ampliar a comunicação entre os membros

da comunidade matemática brasileira.

(NOTICIÁRIO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MATEMÁTICA, Julho de 1976, p. 2)

Apesar do primeiro do Noticiário ter sido publicado em 1976, em junho de 1972 já foi autorizado ao

Presidente da SBM, pelo seu Conselho Diretor, a indicação de um responsável pela publicação do Noticiário da

Sociedade Brasileira de Matemática. Mas somente em setembro de 1975 foram sugeridos e aprovados os nomes de

Flávio Wagner Rodrigues, Lindolpho de Carvalho Dias e Geraldo Severo de Souza Ávila para constituir a Comissão

Editorial do Noticiário da SBM.

No primeiro número do Noticiário da SBM, apresentavam as seções “DEBATE” e “CONGRESSOS E

REUNIÕES”. Já no segundo número, foram incluídas também informações sobre o Prêmio Moinho Santista em

Matemática, Reunião Regional, Colóquio Brasileiro de Matemática, Mestrados nas Universidades Brasileiras (relação

parcial), Aviso, Notas Pessoais, Professores visitantes nas Universidades Brasileiras e Cursos de Verão. Os dois

primeiros números foram enviados a todos os sócios, independente do pagamento da anuidade

Page 99: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Noticiário da Sociedade Brasileira de Matemática

91 Anais do XII SNHM -2017

Figura 1: Noticiários – Ano de 1976

Fonte: Autora, 2015

Em julho de 1977, o Presidente da SBM, professor Djairo Guedes de Figueiredo, mencionou em reunião do

Conselho Diretor que no Noticiário poderia conter listas de publicações e artigos sobre o ensino em vários níveis.

Neste mesmo mês, decidiu-se que a publicação do Noticiário da Sociedade Brasileira de Matemática ficaria a cargo

da Diretoria, e nele seriam incluídos resumos das atas das reuniões do Conselho Diretor.

A própria Diretoria da SBM vai agir como Comitê Editorial do Noticiário, e é para ela que os

senhores sócios devem encaminhar suas sugestões sobre assuntos que poderiam ser apresentados

nesta publicação. Na preparação do presente número contamos com informações que solicitamos -

e agradecemos a presteza com que fomos atendidos - de várias Instituições de Ensino Superior.

Gostaríamos de salientar que o Noticiário está aberto a notícias provenientes de outras Instituições

além das apresentadas no presente número. Esperamos portanto receber a colaboração de todos os

interessados em aumentar o grau de informação do Noticiário.

(NOTICIÁRIO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MATEMÁTICA, Outubro de 1977,

Apresentação).

Page 100: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Viviane de Oliveira Santos

92 Anais do XII SNHM -2017

Figura 2: Noticiário – Ano de 1977

Fonte: Autora, 2015

Em novembro de 1977, o Conselho Diretor achou interessante a ideia da inclusão de um Seção que contivesse

artigos escritos por alguns professores. Os nomes sugeridos durante a reunião e que seriam oportunamente

consultados, foram: J. C. Portinari, A. Gonçalves e O. Gandulfo. Com relação aos artigos do Noticiário, estes deverão

ser artigos de divulgação.

Figura 3: Noticiário – Maio de 1978

Fonte: Autora, 2015

Page 101: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Noticiário da Sociedade Brasileira de Matemática

93 Anais do XII SNHM -2017

No mês de setembro de 1979, em reunião do Conselho Diretor ficou decidido que a parte da redação e

recolhimento de informações referentes ao Noticiário ficariam a cargo do Secretário-Geral, professor Paul Schweitzer.

Quanto as modificações a serem introduzidas nesse manual de informações, o professor Elon Lages Lima opinou que

deveria conter crítica a livros. Essa crítica deveria ser feita dirigindo-se cartas a diversos professores solicitando-se

críticas e sugestões sobre livros publicados. Decidiu-se também que tal matéria poderia vir a ser incluída, porém, no

próximo ano. Foi solicitado um artigo ao professor Sotomayor. O Noticiário deveria também conter um relatório

completo sobre as Olimpíadas.

Figura 4: Noticiário – Outubro de 1979

Fonte: Autora, 2015

Em agosto de 1981, decidiu-se que o Noticiário teria uma Seção de Resenhas de livros, cuja coordenação

ficaria a cargo do professor Chaim Samuel Hönig. Seriam feitos esforços no sentido de organizar uma Seção de

Problemas no Noticiário, na qual seriam publicados também as melhores soluções recebidas para os problemas

propostos. Em seguida foi aprovado o nome do Antonio Conde para coordenar a publicação do Noticiário até julho

de 1983.

Page 102: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Viviane de Oliveira Santos

94 Anais do XII SNHM -2017

Figura 5: Noticiário – Outubro de 1981

Fonte: Autora, 2015

Em janeiro de 1986, em reunião, levantou-se a questão de aprovar despesas administrativas. Houve cortes no

Noticiário, Reuniões de Diretoria e despesas de Secretaria. Entretanto, quando foi para Departamento conclui-se destes

cortes o Noticiário foi o mais prejudicado, dada a penetração desta publicação, e então foi novamente levado o Projeto

à FINEP sob a ressalva que embora negado deveria ser mais uma vez analisado.

Tivemos publicações dos Noticiários em abril e outubro de 1986, sendo o último número publicado referente

ao ano de 1987. Neste Noticiário de 1987 contém informações sobre as atividades de pós-graduação em Matemática

no Brasil referente ao período de outubro de 1986 a setembro de 1987.

Page 103: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Noticiário da Sociedade Brasileira de Matemática

95 Anais do XII SNHM -2017

Figura 6: Noticiário – Ano de 1987

Fonte: Autora, 2015

O prof. César Leopoldo Camacho Manco1 afirma que

[...] a partir de um certo momento notamos que o Noticiário dava uma trabalheira infernal e era

um público muito limitado, então ele morreu de morte natural, foi sendo ressuscitado várias vezes

ao longo dos anos, agora com as vias eletrônicas ele fica mais sustentável, ele fica mais natural,

mas naquela época o Noticiário ia pelos Correios, então você tinha que pagar o Correio, então não

era fácil sustentar isso e tinha que editar, era como fazer um paper, então era mais complicado.

(Informação verbal).

Considerações Finais

O Noticiário foi extremamente importante no sentido de disponibilizar informações sobre o que estava acontecendo

em relação à Matemática, ainda mais em uma época em que não havia meios mais rápidos para se ter conhecimento

sobre eventos, oportunidades, bolsas, doutorados, mestrados etc. Vale ressaltar que nos dias atuais temos o Noticiário

Eletrônico da Sociedade Brasileira de Matemática, o qual é enviado por e-mail aos membros da SBM.

1 Em entrevista concedida a nós em 2012.

Page 104: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Viviane de Oliveira Santos

96 Anais do XII SNHM -2017

Bibliografia

ATAS DO CONSELHO DIRETOR DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MATEMÁTICA. 1969 – 1989.

MANCO, C. L. C. 2012. Entrevista realizada por Viviane de Oliveira Santos no IMPA em 21 de agosto de 2012.

Duração aproximada de 44 minutos.

NOTICIÁRIO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MATEMÁTICA. 1976-1987.

SANTOS, V. de O. 2016. Uma história da Sociedade Brasileira de Matemática durante o período de 1969 a 1989:

criação e desenvolvimento. Tese de doutorado. UNESP – Rio Claro.

Viviane de Oliveira Santos

Instituto de Matemática – IM – Campus A. C.

Simões – Maceió – AL – Brasil

E-mail: [email protected]

Page 105: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

97 Anais do XII SNHM -2017

CADERNOS ESCOLARES COMO FONTES DE ESTUDO PARA A HISTÓRIA DA

MATEMÁTICA DO BRASIL: PRIMEIRAS PERCEPÇÕES

Bruna Lima Ramos

Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – Brasil

Resumo

Esse trabalho é uma primeira interlocução entre o projeto de pesquisa de doutorado e algumas análises iniciais com a

fonte a ser estudada: os cadernos escolares. Considerando que sejam documentos raros, a partir de uma busca nacional,

o GHEMAT tem digitalizado e inserido cadernos escolares antigos de alunos ou professores, em uma base de dados

que vem sendo muito utilizada: o Repositório de Conteúdo Digital da História da Educação Matemática, que já possui

cerca de 240 cadernos datados entre 1915 e 1992. O problema de pesquisa proposto, a princípio, é: Como os

professores se relacionam com a matemática a ensinar nos primeiros anos escolares? Para responder a essa questão,

analisaremos cadernos escolares de alunos do ensino primário e de professores que atuaram nesses anos iniciais, entre

1920 e 1970, relacionando os conteúdos ali abordados com o que estava sendo proposto em cursos de formação. A

referência bibliográfica gira em torno das noções da História Cultural. Neste trabalho em questão, tem-se uma análise

inicial de três cadernos escolares de alunos do ensino primário de décadas distintas: um de 1937, outro de 1953 e mais

um de 1964. Os três cadernos pertenciam a alunos dos primeiros anos iniciais escolares, porém permeiam entre a saída

do método intuitivo, o movimento da Escola Nova e a entrada do Movimento da Matemática Moderna. Olhando para

esses cadernos, pretende-se identificar diferenças e/ou semelhanças na estruturação (ou ensino) dos conteúdos que

envolvam os saberes matemáticos. Ao final, é possível perceber que os saberes matemáticos nos três cadernos estão

apresentados em forma de rudimentos, ou seja, visam um ensino prático-utilitário.

Palavras-chave: Cadernos escolares, Saberes elementares matemáticos, Ensino primário.

SCHOOL NOTEBOOKS AS SOURCES OF STUDY FOR THE HISTORY OF MATHEMATICS OF BRAZIL: FIRST

PERCEPTIONS

Abstract

This work is a first interlocution between the project of doctoral research and some initial analyzes with the source to

be studied: the school notebooks. Considering that they are rare documents, from a national search, the GHEMAT has

digitized and inserted old school notebooks of students or teachers, in a database that has being very used: the Digital

Content Repository of the History of Mathematics Education, that Already has about 240 notebooks dating from 1915

to 1992. The proposed research problem at first is: How do teachers relate to mathematics to teach in the early school?

To answer this question, we will analyze school notebooks of primary school students and teachers who worked in

those initial years, between 1920 and 1970, relating the content addressed there with what was being proposed in

training courses. The bibliographical reference revolves around the notions of Cultural History. In this paper, we

present an initial analysis of three school notebooks of primary school students from different decades: one from 1937,

one from 1953 and one from 1964. The three notebooks belonged to students from the primary school, Permeate

between the exit of the Intuitive Method, the movement of the New School and the entrance of the Movement of

Modern Mathematics. Looking at these notebooks, it is intended to identify differences and / or similarities in the

structuring (or teaching) of contents involving mathematical knowledge. In the end, it is possible to perceive that the

mathematical knowledge in the three notebooks is presented in the form of rudiments, that is, they aim at a practical-

utilitarian teaching.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 106: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Bruna Lima Ramos

98 Anais do XII SNHM -2017

Keywords: School notebook, Mathematical Elementary Knowledge, Elementary school.

Introdução

O presente trabalho incorpora um projeto inicial de doutorado que pertence às pesquisas do Grupo de História

de Educação Matemática do Brasil (GHEMAT), cujas análises têm foco nos saberes elementares matemáticos em

fontes históricas. O projeto de doutorado em questão visa privilegiar cadernos escolares datados entre as décadas de

1920 e 1970, pois acredita-se que esses cadernos sejam documentos férteis, porém raros, para o estudo dos saberes

matemáticos presentes no ensino primário ao longo do século XX. Para isso contamos com uma base de dados muito

utilizada por pesquisadores da história da educação matemática, que possui a capacidade de armazenamento e de

consulta de documentos/materiais relevantes para quem pesquisa nessa área: o Repositório de Conteúdo Digital da

História da Educação Matemáticai . A busca por cadernos escolares é constante e feita através de trabalho coletivo,

por isso em poucos meses já foram inseridos aproximadamente cerca de duzentos e quarentaii cadernos nessa base de

dados, entre os anos de 1915 e 1992.

Em busca das primeiras análises para o projeto formulamos a seguinte questão: Como os professores se

relacionam com a matemática a ensinar nos primeiros anos escolares? Pois, os cadernos escolares poderão permitir

reflexões sobre o meio escolar e a relação com o saber matemático do professor. Para isso, além da análise em cadernos

de alunos, será necessário considerar cadernos de professores em formação, os manuais utilizados e também

programas de ensino propostos ao período.

Como afirmou Viñao (2008, p.16), os cadernos escolares podem proporcionar “pistas” de quais manuais eram

utilizados na sala de aula, tanto pelo professor como pelo aluno. Dessa forma, esse trabalho apresenta uma análise

inicial com três cadernos escolares de alunos do ensino primário, de época diferentes, visando observar os saberes

matemáticos.

Cadernos: produto da cultura escolar

Os cadernos começam a fazer parte do universo das escolas no século XX, substituindo a ardósia, ou lousa,

que foi usada por muitos anos (BARRA, 2013). Segundo Fernandes (2008), a ardósia tinha a vantagem de ser

econômica e possuir duração infinita, porém logo se apagava e perdia o que havia escrito, enquanto que os cadernos

podiam preservar registros feitos na escola e em casa.

Segundo Viñao (2008), não se deve dizer que os cadernos escolares nos últimos anos vêm sendo apenas uma

fonte especial para estudos da história da educação. Vai além, pois, os historiadores acreditam ter encontrado

“vantagens indubitáveis frente ao livro de texto (...) para conhecer e estudar essa “caixa preta” da história da

educação – que eram, e seguem em boa parte sendo, a realidade e as práticas escolares, a vida cotidiana nas salas

de aula e nas instituições educativas” (idem, p.16). Ou seja, os cadernos, então, não são somente um produto do que

é realizado em sala de aula e da cultura escolar, são uma importante fonte que podem fornecer informações da realidade

da escola e do que acontece ou se faz nela (VIÑAO, 2008, p.16).

Há algum tempo os cadernos escolares têm sido objeto de estudo de pesquisadores e historiadores exatamente

por serem ricos nessas informações. A partir de cruzamento de fontes (cadernos de alunos e/ou professores, livros e

manuais didáticos, programas de ensino, entre outros) tornar-se-á possível abrir caminhos para a compreensão da

cultura escolar da época pretendida. Essa pesquisa tem um aporte teórico baseado na História Cultural, ou seja, ao

longo do doutorado será necessário articular conceitos como cultura escolar, apropriação, história das disciplinas

escolares, finalidades, estratégias, táticas etc – alguns desses conceitos serão tratados no item a seguir.

Muitos autores já possuem pesquisas que articulem com os cadernos escolares, tem-se por exemplo, o livro

organizado por Ana Chrystina Venancio Mignot, “Cadernos à vista: escola, memória e cultura escrita”, publicado em

2008, que reúne uma série de pesquisas, históricas ou não, que falam sobre os cadernos escolares ou que os utilizam

na análise. Nesse livro que se insere o texto de Viñao (2008), o qual ainda nos faz lembrar que os cadernos não refletem

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CADERNOS ESCOLARES COMO FONTES DE ESTUDO PARA A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA DO BRASIL...

99 Anais do XII SNHM -2017

toda a atividade escolar de forma fiel.

“Nem tudo está nos cadernos. Eles silenciam, não dizem nada sobre as intervenções orais ou

gestuais do professor e dos alunos, sobre seu peso e o modo como ocorrem e se manifestam, sobre

o ambiente ou clima da sala de aula, sobre as atividades que não deixam pistas escritas ou de outro

tipo, como os exercícios de leitura (a leitura em voz alta, por exemplo) e todo o mundo oral”.

(VIÑAO, 2008, p.25)

Esse autor ainda nos chama a atenção para recordar que normalmente os cadernos guardados são aqueles que

foram passados a limpo, ou seja, que possuem uma perfeita organização, sem nos mostrar o caminho que foi trilhado

pelo aluno até chegar ao acerto (idem, p.26). Por isso é cabível afirmar que após os cadernos adentrarem nas escolas,

há uma mudança no conceito da cultura escolar, já que muda a dinâmica da sala de aula e da posição do professor e

do próprio aluno. Mas os cadernos são fontes, e não a exatidão dos fatos.

Referencial teórico para discussão

Como já foi mencionado no item acima, os cadernos podem ser considerados produto de uma nova cultura

escolar. Baseando-se nos conceitos da História Cultural, a noção de cultura escolar é importante e relevante para se

compreender o contexto escolar instituído em cada período, no século XX. Definida como “normas e práticas

coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas”, sejam elas religiosas, sociopolíticas ou de

socialização, conforme Julia (2001, p.10, grifos meus), a cultura escolar nos ajudará a permear e compreender os

saberes matemáticos em cada movimento pedagógico, pois ela vai se modificando ao longo dessas décadas.

Como afirma Valente (2016a, p.278), “a pesquisa histórica dos saberes matemáticos nos primeiros aos

escolares precisa considerar, a cada tempo, como estão postas as finalidades da escola”, e segundo Chervel (1990) o

estudo das finalidades do ensino escolar depende da história das disciplinas. Acreditamos que a história das disciplinas

escolares se faz relevante para ser aprofundada, pois Chervel (1990) define que a pedagogia não é apenas um

“lubrificante” sobre os ensinos e que os métodos pedagógicos influenciam diretamente na forma de ensinar. Como

afirmou Valente (2016b), esses métodos e movimentos pedagógicos interferem nos próprios saberes elementares

(matemáticos ou não), ou seja, nos conteúdos de ensino que se alteram conforme o tempo. A nós cabe compreender a

possibilidade desses métodos impactar nos conteúdos escolares, sobretudo naqueles que envolvem os saberes

elementares matemáticos.

Para analisar os cadernos escolares ainda é preciso compreender algumas noções já definidas por Chartier

(2002). Segundo esse autor, as representações são construídas pelo mundo social e sempre são determinadas pelos

interesses dos grupos que as produzem. Não podemos considerar as percepções do social como discursos neutros, pois

estas produzem estratégias e táticas, sejam elas sociais, escolares ou políticas (CHARTIER, 2002, p.17, grifos meus).

Essas percepções são criadas com base no mais forte sobre o mais fraco, como por exemplo as leis que deveriam ser

adotadas e colocadas em prática versus o ensino nas escolas que sempre está em mudança e adaptação.

Definidas pelo historiador Michel de Certeau (2014, p.93), a estratégia seria a “manipulação das relações de

força” e a tática uma “ação calculada que é determinada pela ausência de um próprio”, ou seja, “a arte do fraco” (DE

CERTEAU, 2014, p.94-95). Tem-se também as apropriações, que segundo Chartier (2002, p.26), “tem por objetivo

uma história social das interpretações, remetida para as suas determinações fundamentais e inscritas nas práticas

específicas que as produzem”. Ou seja, pretende-se mobilizar esses conceitos com as práticas pedagógicas utilizadas

ao longo do século XX e articular com o que poderá ser visto nos cadernos escolares.

Há algum tempo o GHEMAT vem se aproximando de alguns conceitos trabalhados por um grupo de pesquisa

suíço – ERHISEiii. Hofstetter e Schneuwly (2009)iv tratam de uma teoria que se refere aos saberes envolvidos na

formação de professores, como os saberes a ensinar e os saberes para ensinar, que serão conceitos também utilizados

nesse estudo.

Em artigo recente, Valente (2016b, p.7) se preocupa em tratar de um tema que norteia suas investigações:

“Que matemática para a formação do professor que ensina matemática?”. Note que aqui não estamos nos referindo

ao professor de matemática em si, e sim de um professor multifuncional, que atua em diversas matérias, pois trata-se

do professor que atua no ensino primário, hoje conhecido como ensino fundamental I.

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Bruna Lima Ramos

100 Anais do XII SNHM -2017

Motivado a articular essa teoria com os saberes matemáticos, Valente (2016b, p.11) definiu a matemática a

ensinar e a matemática para ensinar como saberes objetivados da formação do professor que ensina matemática.

Segundo Valente (2016b) a matemática a ensinar tem por referência a própria matemática como campo disciplinar e

é vista com um objeto de ensino; a matemática para ensinar foi constituída em articulação com o campo disciplinar

matemático, mas deve muito às ciências da educação e é considerada uma ferramenta para o ensino.

“A matemática, a matemática a ensinar, neste caso pode ser tratada como um saber de cultura geral.

Todas as profissões dela têm necessidade e, de modo o mais variado, incluem a “sua” matemática

a ensinar nos processos de formação profissional. No entanto, especificamente para o ofício do

ensino, cabe a capacitação do futuro professor dada pela matemática para ensinar, atributo da

profissão docente. Esse saber, distintivo do ensinar, vem sendo construído e institucionalizado, ao

longo do tempo, a partir da criação de escolas normais. A matemática para ensinar, bem como

demais saberes para ensinar, foram sendo elaborados a partir dessas escolas que, ao início, pouco

ou quase nada se distinguiam dos cursos secundários. Assim, a princípio, a formação de professores

e a formação do professor que ensina matemática ficou dada tão somente pela matemática do curso

secundário, sem qualquer preocupação com o ofício docente, com a tarefa de ensinar”.

(VALENTE, 2016b, p.11, grifos no original)

Esse autor ainda afirma que a especialidade do professor dos primeiros anos escolares, ou seja, do professor

primário, refere-se diretamente aos saberes para ensinar. No caso desse professor que ensina matemática, sua

expertisev se dá pela “posse de um saber para ensinar cálculo e as demais matérias para as crianças” (2016b, p.13).

Tendo isso em vista, será a partir desses conceitos e noções que pretendemos basear nossas análises e buscar

nos cadernos rubricas referentes aos saberes matemáticos, tanto nesse trabalho, quanto no projeto de doutoramento.

Caberá, ainda, estudar como a transformação da cultura escolar, entre 1920 a 1970, esteve sedimentada nas práticas

pedagógicas dos professores primários, bem como compreender as mudanças no ensino dos saberes matemáticos nesse

período, a partir da análise dos cadernos escolares.

Análise inicial com os cadernos escolares

Para esse trabalho, escolhemos analisar três cadernos de alunos dos anos iniciais do ensino primário, entre o

período proposto pelo projeto, 1920 a 1970, que envolvessem aritmética e problemas, sendo cada um de uma década

diferente, conforme quadro a seguir.

Quadro 1 – Cadernos em análise inicial

AUTOR ANO NÍVEL Caderno de Localidade

José Antunes Vieira 1937 3º ano do primário Problemas Sorocaba, SP

Geraldo Fernandes

Moraes

1953 Primário Aritmética São Paulo

Gisela Hornburg 1964 3º ano do primário Matemática Rio da Luz, SC

Fonte: elaborado pela autora

Esses três cadernos estão disponíveis no Repositório de Conteúdo Digital de História em Educação

Matemática. Ao observar para o quadro 1, podemos notar que cada caderno está inserido em um contexto pedagógico

diferente. Pois, em 1937 está no auge o movimento escolanovista, porém há resquícios do método intuitivo nas práticas

pedagógicas. Em 1953, a Escola Nova já não tem tanta força e é um período de transformações. Em 1960 surge o

Movimento da Matemática Moderna, e com isso o caderno de 1964 provavelmente seria baseado nos programas deste

período pedagógico.

No caderno de aritmética de Geraldo Moraes encontram-se muitos exercícios de divisão e de tabuada. Quanto à

tabuada, observemos a figura a seguir:

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CADERNOS ESCOLARES COMO FONTES DE ESTUDO PARA A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA DO BRASIL...

101 Anais do XII SNHM -2017

Figura 1 – Tabuadas no caderno do aluno

Fonte: MORAES (1953)

No lado esquerdo da figura acima, podemos ver que aluno repete incansavelmente a tabuada do 9, como se

tivesse o objetivo de decorar os resultados. Ao lado direito da figura, temos as tabuadas do 8 e do 9, repetidas duas

vezes cada. Porém, notamos que ela não é feita em ordem crescente, o que pode representar que o aluno já saiba os

resultados mentalmente.

Neste caderno de aluno paulista, além de atividade de matemática, havia também atividades de português,

com histórias que possuíam alguma lição de moral no final. Também algumas atividades para passar palavras para

aumentativo, diminutivo, feminino, plural etc. Porém encontra-se apenas as respostas, o que pode representar que a

professora falava as palavras em classe e depois corrigia os cadernos. Não foi possível saber qual ano do ensino

primário o caderno do aluno pertencia.

Os outros dois cadernos são de épocas diferentes (1937 e 1964), porém ambos são alunos do 3º ano do ensino

primário. O caderno de problemas do aluno José Antunes de Vieira, de 1937, possuía folhas datadas e assinadas em

cada aula. Pode-se perceber que o aluno tinha aula relacionada a problemas matemáticos uma vez na semana, sendo

feito em torno de três problemas por aula.

Os problemas matemáticos do caderno de Vieira (1937) eram no formato de perguntas e respostas e

envolviam as quatro operações básicas, tabuada, transformações etc.

Figura 2 – Problema a ser resolvido

Fonte: VIEIRA (1937)

O problema acima diz: Um cento de ovos custa 8$500, quanto uma doceira deveria pagar por 6 dúzias e 9?

O aluno monta a conta: 8500÷100×81 e depois arma a conta de multiplicação 85×81=6885. Porém, não há em nenhum

local como o aluno descobriu que seis dúzias mais nove era 81, também não tem a divisão de 8500 por 100.

Esse é um exemplo do que ocorre repetidamente no caderno de Vieira (1937), em várias resoluções dos

problemas este aluno monta a conta que o problema sugere, e alguns cálculos são desprezados. Algumas das possíveis

respostas para isso é que o aluno deveria possuir um caderno de rascunho para fazer essas contas, ou que os cálculos

eram feitos junto com a professora ou em classe.

Já no caderno de matemática de Gisela Hornburg (1964), notamos que os conteúdos abordados são: números

primos de 0 a 100, problemas aritméticos que envolvem as quatro operações básicas, problemas com frações, escrever

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Bruna Lima Ramos

102 Anais do XII SNHM -2017

algarismos de dois em dois. Quando usado frações ou números com vírgula, também se faz contas de divisão ou

multiplicação, ainda não se trabalha com as propriedades de frações, como no exemplo a seguir.

Figura 3 – Problemas com fração

Fonte: HORNBURG (1964)

Notamos que a aluna multiplica 78,50 por 8 e em seguida multiplica o resultado obtido aos 2,90 para descobrir

quanto custa essa quantidade de seda. Porém, observe que é o mesmo que fazer uma regra de três simples: “⅛ está

para 7,85, assim como 1 está para x”. O resultado disso é: ⅛ × x = 78,50, logo, x = 78,50 ÷ ⅛, que é o mesmo que

78,50 vezes oito, resultando em 628, que equivale ao valor de um metro de seda. Ao que nos parece, a aluna não

chegou a essa compreensão. Isso se repete em vários outros problemas. A montagem da conta fica subentendida ou a

aluna vai direto na multiplicação com o denominador da fração.

Para nós, seria relevante para a criança compreender como achar o valor de um metro de seda, para depois

calcular qualquer quantidade, neste caso, 290 metros de seda. Ainda não foi possível encontrar algum programa após

1950 de Santa Catarina que se referisse ao ensino primário, em tempos do Movimento da Matemática Moderna, para

comparar o que devia ser dado aos alunos.

Considerações finais

Em Valente (2016b, p.8), o autor possui como um dos objetivos “destacar a importância do uso de cadernos

com aulas de matemática como documentos para as pesquisas que intentam relacionar os saberes de formação de

professores que ensinam matemática e a docência em matemática nos primeiros anos escolares”. As análises, como

se disse, são iniciais e ainda precisam ser melhor exploradas.

Neste trabalho optou por apresentar o projeto inicial do doutorado e trazer breves considerações de três

cadernos de décadas diferentes, 1937, 1953 e 1964. Ainda não foi possível articular os cadernos de alunos com as

propostas dos programas do ensino primário de cada época. Sabe-se que há três movimentos que permeiam nesses

cadernos: método intuitivo, movimento da Escola Nova e o Movimento da Matemática Moderna.

Quais as diferenças e semelhanças nesses três cadernos de décadas diferentes? Foi possível ver semelhanças

na forma de resolver alguns problemas matemáticos entre os cadernos de 1937 e 1964. Fica claro, nestes três cadernos,

a importância do cálculo mental rápido e o “decorar”. Decorar tanto a tabuada como alguns processos para resolver

exercícios. Percebe-se muitos problemas que tratam da vida prática, que envolvem vendas, dinheiro, metro de tecido

etc, ou seja, contextos e problemas que utilizam as quatros operações básicas.

O ensino não tem interesse na sua continuidade, é um ensino prático-utilitarista (VALENTE, 2016a). Então

podemos afirmar que nos exemplos dados acima, a princípio, os saberes matemáticos apresentados estão na forma de

rudimentos, conforme Valente (2016a). Para próximos estudos pretende-se apresentar análises mais aprofundadas,

confrontando os cadernos com outras fontes, principalmente cadernos de professor e programas de ensino.

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CADERNOS ESCOLARES COMO FONTES DE ESTUDO PARA A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA DO BRASIL...

103 Anais do XII SNHM -2017

Bibliografia

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CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, n. 2,

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VIEIRA, J. A. Caderno de Problemas – 3º ano. Sorocaba, SP, 1937. Disponível em:

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C. V. Cadernos à vista: Escola, memória e cultura escrita. Rio de Janeiro: EdUERJ, p.15-33, 2008.

_________________________________________

1 Criado no ano de 2012, junto com o projeto nacional financiado pelo CNPq “A constituição dos saberes elementares

matemáticos: a Aritmética, a Geometria e o Desenho no curso primário em perspectiva histórico-comparativa, 1890-

1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Wagner Rodrigues Valente, este Repositório está alocado no sítio do Repositório da

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e está sob a coordenação do Prof. Dr. David Antonio da Costa,

docente da UFSC. O Repositório de Conteúdo Digital da História da Educação Matemática possui objetivo de

solidificar a perspectiva de pesquisas de trabalho coletivo, em nível nacional, através de inserções contínuas dos

pesquisadores do GHEMAT, porém possui acesso livre para qualquer pesquisador que se interesse por essa área de

conhecimento. Nele podemos encontrar documentos como: programas de ensino, leis e decretos voltados para

educação primária; impressos pedagógicos para professores, revistas com orientações didáticas para o ensino, livros

e manuais didáticos matemáticos, fotografias, relatórios de instrução pública, cadernos de alunos, anais de alguns

eventos, teses, dissertações, além de alguns artigos de referências históricas (RAMOS, FRIZZARINI, TRINDADE,

Bruna Lima Ramos

Doutoranda no programa de Educação e

Saúde na Infância e Adolescência –

UNIFESP – campus de Guarulhos – Brasil

E-mail: [email protected]

Page 112: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Bruna Lima Ramos

104 Anais do XII SNHM -2017

2016). Pode ser acessado em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1769>. 2 Dados referente à consulta feita em junho de 2017. 3 A ERHISE – Equipe de Pesquisa em História das Ciências da Educação – é um grupo de pesquisa vinculado à

Universidade de Genebra, Suíça, o qual é coordenado pela profa. Rita Hofstetter. Outras informações em

<https://www.unige.ch/fapse/recherche/groupes/ssed/culture-organisation/erhise/>. 4 Esse texto possui uma tradução para o português no prelo feita por Viviane Barros Maciel e Wagner Rodrigues

Valente. 5 Termo usado pelo autor, mas que se referencia ao capítulo escrito por Rita Hofstetter, Bernard Schneuwly, Matilde

de Freymond e François Bos do livro intitulado “La Fabrique des savoirs – figures et pratiques d’experts” publicado

em 2013 por Éditions Médicine et Hygiène – Georg, Suíça. O texto original – “Pénétrer dans la vérité de l’école pour

la juger pièces en main” – L’irrésistible institutionnalisation de l’expertise dans le champ pédagogique (XIXe. – XX

siècles) – possui uma tradução para o português no prelo feita por Marcos Denilson Guimarães e Wagner Rodrigues

Valente.

Page 113: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

105 Anais do XII SNHM -2017

A TRAJETÓRIA DE UM ACERVO DE LIVROS ANTIGOS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

SOBRE A SUA CONSTITUIÇÃO

Dulcyene Maria Ribeiro

Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste - Brasil

Jean Sebastian Toillier

Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste – Brasil

Resumo

Esse texto tem por objetivo apresentar o início da trajetória da composição e alguns dos processos que têm sido

realizados com os livros didáticos antigos de Matemática existentes no Laboratório de Ensino de Matemática (LEM),

do curso de Matemática do campus de Cascavel. O acervo de livros antigos do LEM é constituído por obras que já

existiam nesse local, como por outras recebidas de doações da biblioteca do campus de Cascavel, de professores da

Universidade e de colégios da cidade. Nesse texto são mencionados o processo de higienização dos livros, algumas

formas utilizadas para o reparo dos exemplares que apresentam problemas nas capas ou miolo, bem como o modo

como foram catalogados e classificados, de acordo com os níveis e séries de ensino, com os conteúdos abordados,

com as diferentes épocas e denominações do ensino brasileiro, entre outros aspectos julgados importantes para essa

classificação. O acervo é formado por 474 obras que, em sua grande maioria, tratam de Matemática, além de livros

didáticos de outras disciplinas e outros livros relacionados ou não com temáticas de educação. Dessa forma, buscamos

ressaltar o papel do livro para compreender aspectos relativos à História da Educação e História da Educação

Matemática, tomando-o como uma forma simbólica (OLIVEIRA, 2008), carregado de significações e que pode nos

ajudar entender alguns movimentos relacionados à educação na região Oeste paranaense, uma vez que a maioria das

obras são oriundas dessa região. Por fim são apresentadas algumas perspectivas para os trabalhos futuros com os

materiais do acervo, bem como algumas análises prévias, por exemplo, o fato de várias obras do acervo serem

publicadas entre 1970 e 1990, o que nos mostra como a educação foi tardia na região se comparada com outros lugares

do país, uma vez que a criação de Cascavel é na década de 1950 e a grande maioria das obras é oriunda de escolas da

cidade e da Biblioteca da Unioeste do campus de Cascavel.

Palavras-chave: História do livro didático; Levantamento e classificação de livros; História da Educação

Matemática.

THE TRAJECTORY OF A HERITAGE OF ANTIQUE BOOKS: SOME CONSIDERATIONS ABOUT ITS

COMPOSITION

Abstract

This paper aims to study the beginning of the trajectory of the book heritage of the Laboratory of Mathematics

Teaching – Laboratório de Ensino de Matemática (LEM) – Course of Mathematics at the campus of the city of

Cascavel, state of Paraná, Brazil, by presenting the composition of its heritage and some of the procedures developed

at the laboratory for the maintenance of antique didactic books about Mathematics. LEM’s heritage is mainly formed

by donations from the library of the campus of Cascavel, or donations given by professors from the University and

teachers from schools of the city. This study explains the procedures for cleaning the books and repairing damaged

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 114: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Dulcyene Maria Ribeiro; Jean Sebastian Toillier

106 Anais do XII SNHM -2017

copies; also, the procedures for cataloging and classifying them, according to their teaching levels and target grades,

their contents, and the different stages and denominations of Brazilian teaching nomenclature, as well as other aspects

considered relevant. This book heritage is composed by 474 titles. Most of them are related to Mathematics, but there

are also didactic books about other subjects and copies related or not to educational topics. Thus, we aim to highlight

books as a symbol for understanding aspects related to the History of Education and the History of Mathematic

Education (OLIVEIRA, 2008) and their role as tools that help us learn some movements related to education in the

west region of the state of Paraná, once most copies come from the region. Finally, we present some perspectives

about papers to be developed by using data about this heritage and some prior analyses. For example, several of its

titles were published from 1970 to 1990, showing the educational development of the region – led by the foundation

of the city of Cascavel in the 1950s – was tardy if compared to other Brazilian regions, once most of the titles of the

heritage come from schools of the city and from Unioeste’s Library of Campus Cascavel.

Keywords: History of didactic book; Investigation and classification of books, History of Mathematic Education.

Introdução

Ao longo dos anos de 2015 e 2016 desenvolvemos a ideia da criação de um acervo de livros antigos junto ao

Laboratório do Ensino de Matemática (LEM) do curso de Matemática da Universidade Estadual do Oeste do Paraná

(Unioeste), campus de Cascavel.

O LEM possui uma grande quantidade de livros que estão relacionados a várias áreas do conhecimento e que

são constantemente utilizados pelos acadêmicos do curso de Matemática. Essas obras abrangem desde livros de

literatura relacionados à Matemática, livros de temas diversos de Educação Matemática e de Matemática e livros

didáticos os quais percorrem os diferentes níveis de ensino (ensino fundamental, ensino médio e ensino superior) e de

diferentes disciplinas, porém em sua grande maioria livros didáticos de Matemática.

De todas essas obras um grupo em especial nos chamava atenção: eram algumas pequenas caixas que

continham um papel colado junto a elas que dizia “livros antigos”. Esses livros, a maioria didáticos, eram produções

anteriores à década de 1990 e que, naquele momento, nos motivaram a pensar em futuras pesquisas e que poderíamos

tecer considerações acerca da História da Educação Matemática brasileira.

A criação do acervo de livros antigos do Laboratório de Ensino de Matemática (LEM)

Começamos a dar os primeiros passos para a criação do acervo de livros didáticos do LEM em 2015 com o

início de um projeto de iniciação científica no qual tínhamos como intenção catalogar as obras que possuímos no LEM

e conhecer o acervo da Biblioteca da Unioeste do campus de Cascavel. Porém o projeto ganhou proporções maiores

e a busca foi expandida para a região de Cascavel, estendendo-se para as regiões Oeste e Sudoeste do Paraná1, além

de e-mails nas listas de docentes da Unioeste e uma chamada na página da instituição.

Como resultado, foi recebido um total de 367 livros, vindos do Colégio Estadual Wilson Joffre e do Colégio

Estadual Padre Pedro Canísio Henz, ambos de Cascavel, da Biblioteca Central da Unioeste, campus Cascavel e, de

doações de professores do curso de Matemática da Unioeste. Esses livros e os 76 livros antigos pré-existentes no

LEM compõem o acervo atual. Além desse momento inicial, outras doações foram feitas a partir de pesquisas em

sebos e em bibliotecas pessoais, totalizando 474 obras até o momento.

Os livros recebidos precisavam passar por um processo de higienização, para isso, fomos instruídos pelo

pessoal do departamento de Restauração na biblioteca da Unioeste sobre como manusear os livros corretamente, como

higienizá-los e os materiais necessários para tal.

1 Essa disseminação se deu por meio dos Núcleos Regionais de Educação de Cascavel, Assis Chateubriand, Foz do Iguaçu e Toledo os

quais foram contatados via e-mail e pedido para divulgar o projeto a todas as escolas da região.

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A TRAJETÓRIA DE UM ACERVO DE LIVROS ANTIGOS...

107 Anais do XII SNHM -2017

Concluída a fase de limpeza dos livros, as obras com mais de um exemplar foram destinadas à doação para

o uso dos alunos do curso de Matemática e as que se estavam em estado mais delicado foram separados para reparação.

Após a etapa de higienização, iniciamos o processo de reparação dos livros que apresentavam algum dano,

que, possivelmente, foram causados por estocagem ou manuseio inadequado. Além disso, a ação do tempo, também,

fragiliza a estrutura do livro e pode levar à necessidade de recuperação2.

O objetivo de reparar um livro é prolongar a sua vida útil. Nesse contexto, busca-se conservar as condições

de uso do exemplar, assim pode-se dizer que o processo de reparação é um

“(...) conjunto de medidas destinadas à correção de danos causados às obras. Na Biblioteca

Nacional, a conservação é entendida como um conjunto de procedimentos que tem por objetivo

melhorar o estado físico do suporte, aumentar sua permanência e prolongar-lhe a vida útil,

possibilitando, desta forma, o seu acesso por parte das futuras gerações” (ANTUNES, 2010, p. 16).

Ainda sobre o significado de reparar um livro, segundo Milevsky (2001, p. 45) reparar é uma maneira de

remediar dano feito a um item, normalmente acrescentando novo material para substituir o material estragado ou

deteriorado.

Assim, conclui-se que o processo de reparação visa manter o máximo possível da originalidade do livro,

permitindo a substituição de algumas de suas partes, como a lombada e as folhas de guardas, por novos materiais,

preservando a obra e possibilitando seu manuseio. Esse processo é recomendado para livros que serão manuseados

com alguma frequência.

Já o processo de restauração é muito mais complexo, pois necessita de um especialista em restauração de

papel e exige tempo superior ao procedimento anterior e, além disso, é mais custoso. Esse procedimento é

recomendado para obras raras com valor histórico insubstituível. As obras que passam por processos de restauração

devem ser armazenadas em locais específicos e o manuseio deve ser controlado. Nesse sentido, Antunes (2010, p.16)

afirma que restauração é o conjunto de intervenções, em obras que sofreram danos, para recuperar seu estado original,

o máximo possível.

O trabalho envolvendo reparação de livros exige inicialmente a seleção dos exemplares a serem consertados,

sendo possível a partir de então organizar as obras de acordo com os processos que serão realizados posteriormente,

visto que, há livros apenas com as capas danificadas e outros exemplares com a capa e o corpo com algum dano.

Após a classificação dos livros a serem reparados, por ordem de complexidade do trabalho a ser efetuado, foi

iniciado o processo de reparação. Para esse processo são utilizados diferentes tipos de ferramentas, como estilete,

bisturi e pincéis, bem como diferentes tipos de materiais, como variados tipos de cola e de papeis.

No processo de reparação, primeiramente são desmontados os livros, utilizando estilete e bisturi, para separar

a capa e contracapa do corpo do livro. Assim é possível verificar se o lombo/dorso do livro está em boas condições

para ser reutilizado, visto que em alguns livros devido ao estado de conservação não foi possível reutilizar. Contudo

as capas e contracapas foram reutilizadas com o intuito de manter o máximo possível a originalidade do livro.

De modo geral, os passos descritos anteriormente são utilizados para a todos os livros que foram, estão sendo

ou serão reparados, uma vez que durante a separação dos exemplares, a serem consertados, busca-se não desmontar

livros com poucos danos. Para essas obras menos danificadas, muitas vezes, basta apenas o procedimento de colagem

de algumas de suas partes. Um livro só deve passar pelo processo de reparação, ou em caso extremo, de restauração,

se esse for o último caso, ou seja, não tiver outra solução.

Outro processo utilizado para a constituição do acervo de livros antigos foi a catalogação dessas obras. Para

isso, o trabalho de Hirata (2009) Catalogação de Livros Antigos: Um Exercício em Educação Matemática foi no qual

nos baseamos para adotarmos os princípios de catalogação. Segundo Hirata, o acervo do Grupo de História Oral e

2 Essa etapa do processo foi conduzida pelo acadêmico Edevaldo das Neves Marques, a partir dos seus conhecimentos e experiências

anteriores com reparação e restauração de livros. Mais informações sobre esse processo e outros relativos à recuperação de livros podem ser vistos em Machado, Nascimento e Neves (2016).

Page 116: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Dulcyene Maria Ribeiro; Jean Sebastian Toillier

108 Anais do XII SNHM -2017

Educação Matemática (GHOEM3) se baseou no método Classificação Decimal de Dewel (CDD), o qual associa os

livros às categorias de acordo com os conteúdos neles abordados. Mas eles não adotaram esse método em sua forma

original, o qual foi adequado de acordo com as necessidades do material que o grupo tinha na época. Logo, partimos

do modelo desenvolvido pelo GHOEM e acrescentamos categorias que consideramos pertinentes, por causa de

quantidade de livros que tínhamos dessas áreas que não apareciam na classificação do GHOEM. As categorias

acrescentadas são: Trigonometria, Matemática Financeira, Estatística e a subcategoria “Outros” dentro dos

“Diversos”.

Portanto, os livros foram separados por área, sendo elas: Conteúdo Matemático (contempla mais de um

conteúdo, por exemplo: álgebra e geometria, geometria e aritmética, etc.); Teoria dos Conjuntos e Lógica; Álgebra;

Aritmética; Topologia; Análise; Geometria; Probabilidade; Trigonometria; Matemática Financeira; Estatística;

Diversos (que contempla Anais, Atas e Relatórios, Curiosidades, Paradidáticos e de Apoio Pedagógico, História da

Matemática, Dicionários, Exemplares “para o ensino”, Preparatórios e Outros); Didáticos de outras Disciplinas e

Literatura de Referência.

Levando em consideração essas áreas, foi elaborado um formulário online para possibilitar a catalogação dos

livros. Tal formulário especifica o assunto abordado pelo livro (categoria da obra de acordo com a classificação acima),

o nível de destinação da obra (que contempla o ginasial; colegial; técnico; normal; Primeiro Grau; Segundo Grau;

Ensino Fundamental; Ensino Médio e Ensino Superior); Numeração da obra (de acordo com o método de catalogação

adotado); Numeração do autor (de acordo com a tabela P.H.A); Tombo (Sequênciação do acervo); Autor(es) da obra;

Título da obra; Edição do exemplar; Local da edição; Editora da obra; Local de impressão; Impressor da obra; Tradutor

da obra; Número de páginas; Volume do exemplar; Observações (exemplos: dedicatórias, anotações, local da doação);

Ex-libris; Coleção a qual a obra pertence; Idioma da obra; Gênero (exemplos: livro do professor, manual); e Preço do

exemplar.

Alguns dados sobre o acervo

A catalogação foi concluída e obtivemos 201 exemplares (42,4%) pertencentes à categoria de Conteúdo

Matemático, 60 exemplares (12,7%) pertencentes aos Diversos, 53 exemplares (11,2%) pertencentes à Análise, 40

exemplares (8,4%) pertencentes à Álgebra, 33 exemplares (7%) pertencentes à Geometria, 23 exemplares (4,9%)

pertencentes à Matemática Financeira, 15 exemplares (3,2%) à Estatística, 19 exemplares (4%) pertencentes à

Didáticos de Outras Disciplinas, 9 exemplares (1,9%) pertencentes à Aritmética, 7 exemplares (1,5%) pertencentes à

Trigonometria, 7 exemplares (1,5%) pertencentes à Literatura de Referência, 3 exemplares (0,6%) pertencentes à

Topologia, 2 exemplares (0,4%) pertencentes à Teoria dos Conjuntos e Lógica e 2 exemplar (0,4%) pertencente à

Probabilidade. Então geramos uma etiqueta para cada exemplar.

Para as categorias “Conteúdo Matemático”, “Álgebra”, “Aritmética” e “Geometria” organizou-se uma

subcategoria chamada “Nível de destinação da obra”. Dessa categoria, 11 exemplares (3,9%) são pertencentes ao

Ensino Primário, 56 exemplares (19,8%) ao Ensino Secundário, 79 exemplares (27,9%) ao Primeiro Grau, 57

exemplares (20,1%) ao Segundo Grau, 19 exemplares (6,7%) ao Ensino Fundamental, 5 exemplares (1,8%) ao Ensino

Médio e 56 exemplares (19,8%) ao Ensino Superior. Dos exemplares que entraram em ensino secundário obtivemos

o “Subnível de destinação da obra” no qual 6 exemplares (10,7%) pertencem ao Secundário (contemplam conteúdos

matemáticos tanto para os cursos ginasiais quanto para os cursos colegiais), 33 exemplares (58,9%) ao Ginasial, 14

exemplares (25%) ao Colegial, nenhum exemplar (0%) pertence ao Técnico e 3 exemplares (5,4%) pertencem ao

Normal.

Podemos observar que a maior parte dos livros do acervo foram publicados entre os anos de 1970 e 1990.

Dos 234 livros com essa característica, 103 se enquadram nas categorias “Conteúdo Matemático”, “Álgebra”,

“Aritmética” e “Geometria”, com sua subcategoria entre ensino primário, ensino secundário, primeiro e segundo

3 O Grupo “História Oral e Educação Matemática” – GHOEM foi criado no ano de 2002. Sua intenção inicial foi reunir pesquisadores

em Educação Matemática interessados na possibilidade de usar a História Oral como recurso metodológico. Desde então, essa configuração foi

alterada, ampliando-se, de modo a incorporar discussões sobre outros temas e outras abordagens teórico-metodológicas. Pode-se dizer, hoje, que o interesse central do grupo é o estudo da cultura escolar e o papel da Educação Matemática nessa cultura.

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A TRAJETÓRIA DE UM ACERVO DE LIVROS ANTIGOS...

109 Anais do XII SNHM -2017

graus.

Incluídos na categoria “Diversos” há 4 exemplares (6,7%) pertencentes à subcategoria Anais, Atas e

Relatórios; 20 exemplares (33,3%) à Curiosidades, Paradidáticos e de Apoio Pedagógico; 4 exemplares (6,7%) à

História da Matemática; 2 exemplares (3,3%) à Dicionários; 15 exemplares (25%) à Exemplares “para o ensino”; 9

exemplares (15%) à Preparatórios (Admissão); e 6 exemplares (10%) à Outros.

Muitos exemplares não possuíam respostas para todas as perguntas do formulário. Dos livros que têm data

de publicação o mais antigo é Díe Turnftunde ín der Rnabenfchule, de Dr. Edmund Neuendorff, publicado em 1927.

Os livros didáticos como objeto de pesquisa

Com a intenção de constituir um acervo de livros que seja representativo da História da Educação Matemática

do oeste paranaense, buscamos apoio em leituras que consideram que os livros carregam em si muito mais do que

apenas o conteúdo didático.

Entendemos que os livros trazem aspectos que nos ajudam a estudar e compreender sobre a história do

período de sua publicação, seu autor, editora, além de fazer parte e contribuir para a história do próprio local onde se

encontravam. Dessa forma, alinha-se com Carvalho:

“O livro-texto tem história e o papel que desempenha e sua influência estão sempre ligados à

sociedade de sua época, talvez até para tentar modificar alguns de seus aspectos, à maneira como

essa sociedade, e não somente o autor do livro, vê a ciência, a cultura e o ensino” (CARVALHO,

2003, p. 1-2).

Sob a mesma óptica temos a interpretação de Oliveira:

“Concebemos, portanto, o livro didático de matemática como uma forma simbólica que exerce

grande influência nas salas de aula de matemática, mas, como toda forma simbólica, se abre a uma

pluralidade incontrolável de interpretações e possibilidades de usos, conforme nossas próprias

concepções de Educação Matemática Escolar, o que nos orienta, por exemplo, na análise dessas

obras, a verificar, na medida do possível, alguns desses usos” (OLIVEIRA, 2008, p. 60).

O livro didático pode ser carregado de significados, produzidos tanto pelo seu autor como para o seu leitor.

Dessa forma, é possível classificá-lo como uma forma simbólica.

As formas simbólicas são construções humanas intencionais. Veja o exemplo:

“(...) uma obra de arte ou um poema podem ser considerados como formas simbólicas, visto que

ambas as “representações” possuem uma determinada e particular intenção, se inserem em um

determinado contexto social, foram construídas por um produtor que, ao construí-las, teve como

objetivo transmitir uma mensagem para um sujeito ou conjunto de sujeitos receptor, que, por sua

vez, apropriando-se de tal “mensagem”, pode lhe atribuir um determinado significado, ou vários,

numa trama interpretativa” (ANDRADE, 2012, p. 29).

A partir destas ideias acerca das formas simbólicas, Andrade (2012) caracteriza que qualquer livro didático

é uma forma simbólica, uma vez que se trata de uma produção humana carregada de intenções, com uma determinada

estrutura específica, que segue determinadas convenções e refere-se ao seu objeto por meio de uma maneira

contextualizada, perpassando por diversas cercanias, no caso dos livros didáticos de Matemática pela Educação, pelo

ensino e aprendizagem de Matemática, pelas políticas e períodos educacionais entre outros.

Uma vez que as formas simbólicas têm esse caráter elas se tornam passíveis de interpretação. Com isso,

almejamos com a constituição de um acervo de livros um exercício de atribuição de alguns dos possíveis significados

plausíveis aos livros didáticos antigos de Matemática que compõe o nosso acervo, uma vez que os livros didáticos são

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Dulcyene Maria Ribeiro; Jean Sebastian Toillier

110 Anais do XII SNHM -2017

detentores de muita informação acerca do ensino de Matemática de uma determinada época.

Além disso, essa interpretação possível não é a única:

“Concebemos, portanto, o livro didático de matemática como uma forma simbólica que exerce

grande influência nas salas de aula de matemática, mas, como toda forma simbólica, se abre a uma

pluralidade incontrolável de interpretações e possibilidades de usos, conforme nossas próprias

concepções de Educação Matemática Escolar, o que nos orienta, por exemplo, na análise dessas

obras, a verificar, na medida do possível, alguns desses usos” (OLIVEIRA, 2008, p. 60).

Conforme ressaltado por Antonio Vicente Marafioti Garnica em uma entrevista que compõe o trabalho de

Hirata (2009), esse olhar para os livros didáticos é um dos elementos que compõe uma forma de se escrever a História

da Educação Matemática no Brasil. Assim, não apenas a formação do professor, as políticas educacionais, o

comportamento dos alunos, a origem das famílias e a infraestrutura da escola servem como elementos de elaboração

dessa história possível.

Considerações finais

Ao longo do período de constituição do acervo do LEM podemos compreender vários aspectos relacionados

ao tratamento que podemos dar a um livro e as suas possibilidades para estudos futuros.

Estamos no momento final de composição do acervo com todas as obras que possuímos cadastradas,

embora esperamos que o recebimento de outras obras seja um processo contínuo. Várias das obras do acervo

necessitam de reparos e este processo está em fase de desenvolvimento, assim estamos conhecendo as obras do acervo

aos poucos, especialmente as que são reparadas, o que não deixa de ser um movimento prévio de pesquisa, uma vez

que podemos já conhecer algumas características de coleções, nomenclaturas e metodologias utilizadas. Trata-se de

um conhecimento superficial sobre as obras e que caracterizam descobertas por parte dos acadêmicos vinculados aos

três projetos de iniciação científica que estão sendo desenvolvidos com os materiais do acervo.

Além de revelarem parte da história do ensino de Matemática, os livros ainda nos contam a história de seus

antigos donos pelas observações e Ex-libris encontrados. É surpreendente o que se pode encontrar dentro de livros

antigos, como convites, poemas, declarações amorosas, fotos, desenhos, cartas, recibos, avaliações escolares, cartões,

entre outros”. Esse tipo de comentário revelam as surpresas e aprendizados dos envolvidos nos projetos.

As pesquisas decorrentes das obras que compõe o acervo estão em fase inicial de desenvolvimento. Estamos

conhecendo os livros que temos4 e analisando o potencial das pesquisas decorrentes do acervo.

Buscamos elaborar considerações acerca de um pouco da História da Educação (Matemática) na região

Oeste paranaense e acreditamos que os livros didáticos do nosso acervo possam a nos ajudar a entender um pouco

sobre isso. A grande quantidade de obras com anos de publicação entre 1970 e 1990 já nos apontam que é a partir

desse momento que a educação se desenvolveu em Cascavel, uma vez que a cidade é criada em 1951 e a partir da

década de 1970 o ensino superior se desenvolve com a criação da Faculdade de Educação, Ciências e Letras de

Cascavel – Fecivel.

Outra categoria de obras que destacamos é a de Matemática Financeira, uma vez que boa parte dos

exemplares que fazem parte do acervo são oriundos de colégios estaduais ou da Biblioteca da Unioeste – campus

Cascavel – uma vez que havia uma grande quantidade de cursos técnicos em contabilidade em Cascavel ou eram obras

utilizadas no ensino superior em cursos de graduação.

Com isso desejamos obter mais considerações sobre os aspectos da História da Educação Matemática e

acreditamos que olhar para os livros do nosso acervo pode ser uma boa maneira para tecer interpretações sobre esses

momentos. Assim, acreditamos que novas pesquisas poderão ter como base esse acervo.

4 Com o projeto de iniciação científica voluntária da acadêmica Jaqueline do Nascimento buscamos conhecer mais sobre as obras que,

segundo nossos critérios, julgamos mais notáveis do nosso acervo.

Page 119: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

A TRAJETÓRIA DE UM ACERVO DE LIVROS ANTIGOS...

111 Anais do XII SNHM -2017

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Dulcyene Maria Ribeiro

Colegiado de Matemática – Unioeste – campus de

Cascavel - Brasil

E-mail: [email protected]

Jean Sebastian Toillier

Colegiado de Matemática – Unioeste – campus de

Cascavel - Brasil

E-mail: [email protected]

Page 120: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

112 Anais do XII SNHM -2017

GUILHERME DE LA PENHA EM ITAJUBÁ (MG)

Miguel Chaquiam

Universidade do Estado do Pará – UEPA – Brasil

Resumo

Esse texto é resultado de recortes da tese de doutorado, defendida em 2012, acrescido de fatos decorrentes da releitura

de artigos e entrevistas e de novas pesquisas que estão em desenvolvimento com objetivo de caracterizar o trabalho

do cientista paraense Guilherme de La Penha, com destaque para o trabalho apresentado em Itajubá (MG) em 1960.

Objetivamente, neste trabalho apresento traços biográficos de Guilherme de La Penha e discuto o artigo As Escolas

de Engenharia para o Desenvolvimento Industrial (1960) apresentado por ele durante um evento científico realizado

em Itajubá (MG). Apresento por primeiro traços biográficos de Guilherme de La Penha com o intuito de construir

suscintamente um perfil acadêmico e desenhar os caminhos percorridos por ele em sua trajetória como gestor

acadêmico e administrador público. Apresento o artigo As Escolas de Engenharia para o Desenvolvimento Industrial

que considero como o primeiro ensaio elaborado por Guilherme de La Penha que apresenta cunho científico-

tecnológico e que estabelece relações entre ciência e técnica, apoiado em fundamentos filosóficos e matemáticos que

visam apontar suas ponderações com relação à contribuição da ciência para a formação técnica voltada à indústria.

Finalizo traçando considerações gerais sobre La Penha e assegurando que sua formação não foi trivial, foi composta

por uma multiplicidade extrema de conexões entre as áreas de conhecimento nas quais transitou e buscou

embasamento para explicar os fenômenos que investigou, além de ter um domínio amplo de sua área de estudos,

discute e conecta suas ideias específicas com as de outras áreas, de modo a dar sentido à multiplicidade do

conhecimento, fato muito bem estabelecido em suas obras, com indícios no artigo abordado neste trabalho.

Palavras-chave: Matemática, História, Cientista Paraense, Guilherme de La Penha.

[GUILHERME DE LA PENHA IN ITAJUBÁ (MG)]

Abstract

This text is a result of cuts in the doctoral thesis defended in 2012, plus facts resulting from the re-reading of articles

and interviews and new researches that are under development with the goal of characterizing the work of the scientist

from Guilherme de La Penha, The work presented in Itajubá (MG) in 1960. Objectively, in this paper I present

biographical features of Guilherme de La Penha and discuss the article The Schools of Engineering for Industrial

Development (1960) presented by him during a scientific event held in Itajubá (MG ). I present for the first

biographical traits of Guilherme de La Penha in order to build an academic profile and draw the paths he has taken in

his career as an academic manager and public administrator. I present the article The Schools of Engineering for

Industrial Development, which I consider to be the first essay elaborated by Guilherme de La Penha, which presents

a scientific-technological framework and establishes relations between science and technology, supported by

philosophical and mathematical foundations that aim to connect the contribution of science to the technical training

aimed at industry. I conclude by outlining general considerations about La Penha and assuring that his formation was

not trivial, it was composed of an extreme multiplicity of connections between the areas of knowledge in which he

traveled and sought basis to explain the phenomenon he investigated, besides having a broad domain of his area of

studies, discusses and connects his specific ideas with those of other areas, in order to give meaning to the multiplicity

of knowledge, a fact very well established in his works, with indications in the article addressed in this work.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 121: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Miguel Chaquiam

113 Anais do XII SNHM -2017

Keywords: Mathematics, History, Keyword1, Keyword2.

Introdução

Esse texto é resultado de recortes da tese de doutorado, defendida em 2012, acrescido de fatos decorrentes da releitura

de artigos e entrevistas e de novas pesquisas que estão em desenvolvimento com objetivo de caracterizar o trabalho

do cientista paraense Guilherme de La Penha, com destaque para o trabalho apresentado em Itajubá (MG) em 1960.

Como surgiu Guilherme de La Penha? É importante ressaltar que o interesse pelos trabalhos desenvolvidos

por Guilherme Maurício Souza Marcos de La Penha, ou simplesmente Guilherme de La Penha, decorreu da leitura

dos trabalhos direcionados à história da ciência e da tecnologia no Pará de autoria do físico e historiador das ciências

José Maria Filardo Bassalo, aonde destaca aspectos intelectuais e culturais de Guilherme de La Penha.

Decidi revisitar os trabalhos de Guilherme de La Penha após a Diretoria da Sociedade Brasileira de História

da Matemática (SBHMat) informar ao final do XI Seminário Nacional de História da Matemática (XI SNHM), em

2015, que o XII SNHM seria realizado em Itajubá (MG), em 2017. Além disso, a releitura do artigo de Bassalo (1997)

proporcionou novas reflexões a respeito da produção acadêmica deste matemático-físico, membro de diversas

sociedades científicas, principalmente no que tange sua dedicação, seriedade e visão de futuro como educador.

Objetivamente, neste trabalho apresento traços biográficos de Guilherme de La Penha e discuto o artigo As

Escolas de Engenharia para o Desenvolvimento Industrial (1960) apresentado por ele durante um evento científico

realizado em Itajubá (MG).

Traços Biográficos

Guilherme de La Penha cursou o primário no extinto Instituto Suíço Brasileiro no período de 1949 a 1952. Ao final

de 1952 ingressou no Colégio Nossa Senhora de Nazaré onde cursou o 1º Ciclo Secundário, e o Curso Ginasial, no

período de 1953 a 1956.

No período de 1957 a 1959 fez o curso de Agrimensura na extinta Escola Técnica de Agrimensura do Pará.

Durante esse período de formação técnica em nível de ensino secundário, foi instrutor da Escola de Agrimensura do

Pará e da Escola de Agronomia da Amazônia, além disso, segundo depoimento1 dos professores José Maria Filardo

Bassalo e Rui dos Santos Barbosa, La Penha mantinha correspondência com Elon Lages Lima à respeito de questões

envolvendo cálculo e análise matemática.

No início do ano de 1960 prestou vestibular e foi aprovado para o Curso de Engenharia Mecânica da

Universidade do Estado do Pará (UFPA). Neste mesmo ano solicita transferência para a Pontifícia Universidade

Católica do Rio de Janeiro, atual PUC-Rio, vindo a concluí-lo em 1964. Durante a realização do curso de graduação,

no período de 1961 a 1963, também fez o curso de Aperfeiçoamento em Matemática no Instituto de Matemática Pura

e Aplicada (IMPA).

De 1964 a 1965 fez mestrado em Engenharia Mecânica na EPUC / PUC-Rio na área de Mecânica Aplicada,

obtendo o primeiro diploma de Mestre em Ciências outorgado por aquele curso de Engenharia Mecânica com a

dissertação Exact Solution for Reynold’s Equation in the Hidrodynamical Theory of Berings of Finite Width (Solução

Exata para Equação de Reynold na Teoria Hidrodinâmica de Berings sobre a largura finita). No período de 1965 à

1966 concluiu um novo curso, tornando-se agora Bachelor of Arts (B. A.) em Matemática Aplicada e Mecânica dos

Sólidos pelo Department of Applied Mathematics and Theoretical Physics da Universidade de Cambridge, na

Inglaterra.

Este Cursou doutorado na Universidade de Houston no período de 1966 a 1968, na área de Matemática

Aplicada e Mecânica dos Sólidos, defendeu a tese The end problem for a Torsionless Hollow Circular Elastic Cylinder

(O problema final para pequena torção do cilindro oco circular elástico) e obteve o título de Doctor of Philosophy.

Após a conclusão do doutorado iniciou o pós-doutoramento em Matemática Aplicada na University Carnegie-

1 Entrevista concedida ao autor entre os meses de maio e junho de 2009.

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Guilherme de La Penha em Itajubá (MG)

114 Anais do XII SNHM -2017

Mellon, no período de 1968 a 1969, e cursos em Mecânica do Contínuo na Brows University e Virgínia Polytechnic

Institute, em 1967, e, na Johns Hopkins University, em 1969, além disso, foi professor nessas duas instituiçõesRetorna

ao Brasil em 1969 e passa a ocupar diversos cargos na gestão acadêmica e pública, conforme exposto no quadro a

seguir.

Quadro I: Atividades desenvolvidas por La Penha – 1969 a 1996.

PERÍODO ATIVIDADE

1969 – 1977 Ingressou na UFRJ e foi Diretor do IM da UFRJ

1977 – 1978 Diretor de Desenvolvimento Científico da FINEP

1979 – 1980 Secretário de Educação Superior do MEC

1980 – 1982 Vice-Presidente do CNPq – Gestão de Lynaldo Cavalcanti

1983 Assessor Especial do CNPq para Assuntos da Amazônia (MPEG)

1984 – 1985 Assistente Especial do Departamento de Ciência e Tecnologia da OEA

(EUA)

1985 – 1986 Consultor do BID (EUA), Diretor do MPEG e Secretário de Estado

Cultura

1987 – 1991 Diretor do MPEG e Secretário de Ciência e Tecnologia e Meio

Ambiente

1991 – 1994 Diretor do MPEG e Secretário de Estado de Cultura

1995 – 1996 Diretor de Programas Espaciais da Secretária de Assuntos Estratégicos

da Agência Espacial Brasileira

Fonte: Elaborado pelo autor

Bassalo (BASSALO, 1996, p. 4) entende que, quando La Penha mudou para Brasília (DF) e passou a ocupar

o cargo de Diretor de Programas Espaciais da Agência Espacial Brasileira, foi “uma espécie de exílio político, visto

que o maniqueísmo político de então, não percebeu que o Pará estava deixando escapar uma de suas figuras intelectuais

mais brilhantes”.

Guilherme de La Penha faleceu no dia 6 de fevereiro de 1996, terça-feira, em Brasília (DF), antes de

completar 54 anos de idade, tornando-se uma grande perda para a vida acadêmica e para a administração da ciência

no Brasil.

As Escolas de Engenharia para o Desenvolvimento Industrial (1960)

Considero este trabalho como o primeiro ensaio elaborado por Guilherme de La Penha que apresenta cunho científico-

tecnológico e que estabelece relações entre ciência e técnica, apoiado em fundamentos filosóficos e matemáticos que

visam apontar suas ponderações com relação à contribuição da ciência para a formação técnica voltada à indústria.

Esta publicação é datada no ano de 1960, tem como título As Escolas de Engenharia para o Desenvolvimento

Industrial.

Trata-se de um trabalho datilografado, em oito páginas, que constituem o ensaio apresentado no Congresso

Nacional de Estudantes de Engenharia (CNEE), realizado no município de Itajubá (MG), no período de 9 a 16 de

outubro de 1960.

La Penha demonstra preocupação em mencionar as características da ciência e de um trabalho científico logo

na introdução, embora estivesse ainda no início de sua carreira acadêmica em nível de curso superior. Tudo indica que

sua intenção era enfatizar os tipos de conhecimentos e como se caracteriza o conhecimento dito “científico”. Em

seguida comenta sobre as características e relações entre ciência e técnica e sobre a fronteira de distinção entre a

técnica científica e as artes e ofícios tradicionais.

Page 123: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Miguel Chaquiam

115 Anais do XII SNHM -2017

Figura 1: Primeiro trabalho científico de Guilherme de La Penha, 1960.

Fonte: Acervo pessoal do autor

Toma os aspectos discutidos inicialmente para incluir no artigo uma conotação filosófica sobre as visões

platônica e aristotélica de conhecimento e as relações políticas advindas dessas visões filosóficas da ciência e suas

implicações para uma educação que visa formar a mente e treinar o cidadão. Daí em diante inclui a discussão na

direção das práticas relacionadas à engenharia e a técnica científica, que para ele não se deve descuidar da formação

prática nas ciências.

Todavia, antes de enunciar o objetivo do ensaio, La Penha (1960, p. 2) questiona sobre a ilusão da igualdade,

argumentando que “não há maior absurdo do que pretender a igualdade entre os homens, posto que a natureza os fez

desiguais e toda a concepção democrática que tenta iguala-las, resulta pois, num esforço que retarda o progresso”.

Tudo indica que a igualdade a qual La Penha se refere diz respeito ao fato de que nem todas as pessoas se dispõem ou

mesmo conseguem efetuar as mesmas atividades.

Para ele, após a segunda metade do século XX a ciência havia assumido uma responsabilidade da liderança

na indústria mais do que a própria indústria. Isto porque, segundo ele, a indústria dependia da ciência pura e aplicada

para a continuação do seu avanço e prosperidade, uma vez que naquela época, quase todos os problemas de

administração e fomento envolviam fatores científicos, o que na atualidade não é diferente.

Sob as condições da atualidade, portanto, exige-se mais dos trabalhadores a serviço da ciência do

que o mero alargamento das fronteiras dos conhecimentos. Os trabalhadores de ciência deverão

aceitar a responsabilidade de controle das forças libertas, em consequência de seus trabalhos. Na

realidade, os trabalhadores científicos, ocupam uma posição privilegiada na sociedade, da mesma

maneira que na indústria e há sinais promissores de que este ato seja agora reconhecido por

todos”. (LA PENHA, 1960, p. 3)

La Penha, em 1960, argumentava que tanto ao engenheiro quanto ao cientista eram dadas as

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Guilherme de La Penha em Itajubá (MG)

116 Anais do XII SNHM -2017

responsabilidades pela geração e administração do conhecimento produzido pela sociedade e que se tornava cada vez

mais difícil comandar e controlar cientificamente a falha dos nossos sistemas educacionais. Além disso, apontava que

os cursos nas Escolas de Engenharia eram quase essencialmente teóricos, com um déficit de exercícios práticos sobre

problemas de administração, comércio, finanças, seguro ou contabilidade. Por outro lado, argumenta ainda que a

cultura geral pouco importava, assim como as qualidades físicas e morais dos indivíduos que eram formados pelas

escolas de engenharia. Esses pontos discutidos no artigo também foram debatidos no CNEE.

Figura 2: Declaração de participação no CNEE, 1960.

Fonte: Acervo Guilherme de La Penha – MPEG

Na segunda parte do ensaio, La Penha (1960, p. 3) aborda as influências das matemáticas nas engenharias,

assegurando que a Matemática tem lugar preponderante em Engenharia em relação às outras disciplinas e talvez por

isso também que ao longo dos anos as escolas não tenham priorizado “a saúde, o vigor físico, a iniciativa, a energia,

a coragem das responsabilidades, o sentimento do dever como qualidades importantes necessárias aos engenheiros

e chefes de indústria”.

Observa-se que Guilherme de La Penha assegurava que naquela época a cultura geral não era mais bem

cuidada em nossas Escolas de Engenharia, assim como a cultura física e moral e que toda a atenção dada aos alunos

estava relacionada diretamente às questões essencialmente técnicas. Cabe-nos uma questão: Após meio século, quais

as alterações nesse modelo de ensino técnico dado aos alunos das engenharias? La Penha não considerou menos

importante a instrução técnica, mas reiterou que o ensino praticado nas escolas de engenharia da época abusava das

matemáticas na suposição de que, quanto maior fosse o conhecimento na matéria, maior seria a aptidão para o governo

das indústrias e que seu estudo, mais que qualquer outro, desenvolveria e ratificaria o julgamento.

Considerações Finais

Apoiado nos resultados da tese, na releitura dos dados anteriores e no exposto neste trabalho é possível concluir que

Guilherme de La Penha foi um homem meticuloso, exigente, responsável, amigo e, acima de tudo, um excelente

gestor, preocupado com a organização, atualização e consolidação das instituições, tanto do ponto de vista da ciência,

quanto da tecnologia.

La Penha finaliza este ensaio afirmando que o ensino técnico superior poderia ser dirigido de maneira muito

mais útil às necessidades da indústria e que se deveria dar maior projeção as cadeiras de Administração, Teoria das

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Miguel Chaquiam

117 Anais do XII SNHM -2017

Indústrias e Organização Científica do Trabalho e que é uma falha indesculpável, visto que a maior parte das Escolas

de Engenharia de nosso país ainda não as possua. Salienta que a cultura excessiva de uma ciência, é nociva ao

equilíbrio físico e ao intelecto.

É possível assegurar também que sua formação não foi trivial e que foi composta por uma multiplicidade

extrema de conexões entre as áreas de conhecimento nas quais transitou e buscou embasamento para explicar os

fenômenos que investigou, uma vez que seus trabalhos mostram que ele, além de ter um domínio amplo de sua área

de estudos, discute e conecta suas ideias específicas com as de outras áreas, de modo a dar sentido à multiplicidade

do conhecimento, fato muito bem estabelecido em suas obras

A retomada da pesquisa me fez perceber e constatar conclusivamente que La Penha, muitas vezes considerado

um visionário, um poeta, detentor de uma das mentes mais brilhantes, principalmente pelos artigos publicados nas

mais diversas áreas do conhecimento, incluindo-se aí os artigos publicados sobre poesias e músicas clássicas, é um

cientista múltiplo.

Bibliografia

BASSALO, José Maria Filardo. La Penha: Gerador e Gerenciador da Ciência. Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas.

Revista Ciência e Sociedade. V. 14. Rio de Janeiro, 1997.

CHAQUIAM, M. e SILVA, E. O. C. Alguns passos de Guilherme de La Penha no Brasil e no exterior. Anais do VIII

Seminário Nacional de História da Matemática. SBHMat: Belém, 2009.

CHAQUIAM, M. e MENDES, I. A. A face acadêmica de Guilherme de La Penha. Anais IV Congresso Internacional

de Pesquisa (Auto)biográfica. São Paulo (SP): USP, 2010.

CHAQUIAM, M. e MENDES, I. A. Produção Intelectual de Guilherme de La Penha. Anais do Seminário Nacional

de História da Matemática. Campinas (SP), SBHMat, 2013.

LA PENHA, G. M. S. M. As Escolas de Engenharia para o Desenvolvimento Industrial. Anais do Congresso Nacional

de Estudantes de Engenharia. Itajubá (MG), 1960.

LA PENHA, G. M. S. M. Exact Solution for Reynold’s Equation in the Hydrodynamical Theory for Bearings of Finite

Width. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: PUC-RIO, 1965.

LA PENHA, G. M. S. M. The end Problem for a Torsionless Hollow Circular Elastic Cylinder. Tese de Doutorado.

Houston (EUA): University of Houston, 1968.

LA PENHA, G. M. S. M. As bases culturais e sociais para o desenvolvimento autossustentável da Amazônia. Boletim

do Museu Paraense Emílio Goeldi – Antropologia, 14. Belém: MPEG, 1998.

LA PENHA, G. M. S. M. “Com cérebro tudo é possível: sobre o Museu Emílio Goeldi”. In Faulhaber, P. & Toledo,

P. M. (Ed) Conhecimento e Fronteira: História da Ciência na Amazônia. Belém: MPEG, 2001.

Miguel Chaquiam

Departamento de Matemática, Estatística e

Informática – DMEI – campus de Belém – Brasil

E-mail: [email protected]

Page 126: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

118 Anais do XII SNHM -2017

GUILHERME DE LA PENHA E O COMETA HALLEY: ASTRONOMIA, FÍSICA E

MATEMÁTICA DESFAZENDO MITOS E CRENDICES

Alailson Silva de Lira

Universidade do Estado do Pará – UEPA – Brasil

Miguel Chaquiam

Universidade do Estado do Pará – UEPA – Brasil

Resumo

Neste trabalho apresentamos os artigos publicados por Guilherme Mauricio de Souza Marco de La Penha, ou

simplesmente, La Penha, como era conhecido no meio acadêmico, a respeito do cometa de Harlley. La Penha escreveu

em dois anos seis artigos relacionados ao cometa de Harlley sob o título central Esperando o cometa. Observa-se que

nesses artigos La Penha teve a preocupação em desmistificar crendices e o imaginário relacionado ao cometa Halley,

cujos detalhes são apresentados ao longo deste trabalho. La Penha procurou implementar nos artigos uma linguagem

que atende ao mesmo tempo um leitor de cultura mais simples, que busca informações cotidianas, quanto um leitor

com conhecimentos científicos mais apurados, que pode aprofundar seus conhecimentos a partir do exposto. Os sete

artigos identificados, escritos sob o rema central “Esperando o Cometa”, em 1985 e 1986, observado que Halley

passaria próximo a terra em 1986, foram: Esperando o cometa I: O mais importante de todos; Esperando o cometa II:

Um pouco de verdade nas crendices; Esperando o cometa III: Pendor infalível para o dramático; Esperando o cometa

IV: O terror Laputano em Swift; Esperando o cometa V: A cauda venenosa de Halley; Esperando o cometa VI:

Poluição luminosa contra o Halley e finaliza com Newton os “Principia” e Halley. Embora o artigo Newton os

“Principia” e Halley não faça parte da série Esperando o cometa, serviu para que os leitores do jornal após a passagem

de Halley tivessem uma percepção histórica de quem foi Isaac Newton e Edmond Halley e suas contribuições. Ao

longo dos os artigos, La Penha nos mostra a riqueza da matemática mesclada aos outros campos das ciências, neste

sentido, entendemos que La Penha cumpriu seu objetivo em quebrar as crendices em relação a um cometa e informar

sobre o espetáculo celestial, fazendo com que todos os seus possíveis leitores esperassem Halley com tranquilidade,

desbastados de crendices ou mitos.

Palavras-chave: Matemática, História, Guilherme de La Penha, Cometa de Halley.

[GUILHERME DE LA PENHA AND COMETA HALLEY: ASTRONOMY, PHYSICS AND MATHEMATICS

UNDOING MYTHS AND BELIEFS]

Abstract

In this paper we present the articles published by Guilherme Mauricio de Souza Marco de La Penha, or simply La

Penha, as he was known in the academic world, about Harlley's comet. La Penha wrote in two years six articles related

to Halley's comet under the central title Waiting for the comet. It is observed that in these articles La Penha had the

preoccupation to demystify popular beliefs and the imaginary related to the comet Halley, whose details are presented

throughout this work. La Penha tried to implement in the articles a language that serves at the same time a simple

reader, who seeks daily information, as a reader with more accurate scientific knowledge, that can deepen their

knowledge from the foregoing. The seven identified articles, written under the central thriller "Waiting for the Comet"

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 127: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Alailson Silva de Lira & Miguel Chaquiam

119 Anais do XII SNHM -2017

in 1985 and 1986, noted that Halley would pass close to Earth in 1986, were: Waiting for Comet I: The Most Important

of All; Waiting for comet II: A little truth in the creeds; Waiting for Comet III: Infallible Pendant for Dramatic;

Waiting for Comet IV: The Laputan Terror in Swift; Waiting for the comet V: Halley's poisonous tail; Waiting for

comet VI: Light pollution against Halley and ends with Newton The "Principia" and Halley. Although the Newton

article "The Principia" and Halley are not part of the series Waiting for the Comet, it served to have readers of the

newspaper after the passage of Halley had a historical perception of who was Isaac Newton and Edmond Halley and

their contributions. Throughout the articles, La Penha shows us the richness of mathematics blended with other fields

of science, in this sense, we understand that La Penha fulfilled his objective in breaking the beliefs about a comet and

informing about the celestial spectacle, All of his prospective readers would have waited for Halley calmly, crushed

by beliefs or myths.

Keywords: Mathematics, History, Guilherme de La Penha, Halley's Comet.

Introdução

O universo é cercado de vários mistérios intrigantes e argumentos para cientistas, físicos e matemáticos de diversas

partes do mundo. De certo que há muitos “objetos” incompreensíveis e inimagináveis que despertam a curiosidade de

estudiosos e leigos, uma delas é em relação aos cometas. De acordo com Foschini (1986).

Os cometas, a mais modesta entidade do sistema solar, associam a uma imagem fulgurante de luz

uma tal rapidez de movimento através da abóbada celeste, que causam sempre espanto e fascínios

cometas, desde os tempos mais remotos, por possuírem essas características especiais, foram

considerados entre os mais belos ornamentos celestes e, ao mesmo tempo, frequentemente temidos

por sua reputação de premonitores de fatos desagradáveis que coincidiram com fatos

extraordinário”. (FOSCHINI, 1986)

Em vários momentos da história, foram temidos pelo povo e admirados por estudiosos. Embora no decorrer

do tempo todas as superstições e crendices que os cercavam tenham sido derrubadas, de forma alguma o interesse por

eles diminuíram. Um dos cometas mais famosos que percorre o universo e gerou no âmago do ser humano todo o tipo

de terror, foi o cometa de Halley, nome do astrônomo e matemático britânico1 que determinou sua periodicidade.

Uma forma de difundir o cometa de Halley, mais especificamente na região Norte, foi empregada pelo

cientista paraense Guilherme Mauricio de Souza Marco de La Penha, quando apresenta no ano de 1985 diversos

artigos em um jornal de grande circulação no estado do Pará e Amazônia. Nesse sentido, estabelecemos que o objetivo

deste trabalho é revelar alguns aspectos dos artigos publicados sobre o cometa por Guilherme de La Penha, ou

simplesmente La Penha, e relacioná-los à matemática. Entretanto, antes de dar prosseguimento com o tema em tela,

entendemos que é necessário apresentar traços biográficos e discorrer sobre a formação acadêmica desse cientista

paraense.

La Penha, como era conhecido no meio acadêmico, formou-se em Agrimensura em 1959 pela Escola Técnica

de Agrimensura do Pará; em Engenharia Mecânica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio); se aperfeiçoou

em Matemática no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA); na PUC-Rio foi o primeiro a obter o título de

mestre em Engenharia Mecânica, na área de Mecânica Aplicada; tornou-se também mestre em Matemática Aplicada

e Mecânica dos Sólidos pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra; tornou-se Doutor na área de Matemática

Aplicada e Mecânica dos Sólidos pela Universidade de Huston, nos Estados Unidos (EUA); fez cursos na área da

Mecânica do Contínuo nas Universidades de Brown, Instituto Virgínia Polytechnic e na Universidade de Johns

1 Edmond Halley (1656-1742) foi o primeiro astrônomo a teorizar que os cometas seriam objetos periódicos e previu que no ano de 1758

um cometa cruzaria o Sistema Solar. Logo cedo apresentou aptidão para as ciências e matemáticas e grande descobridor e estudioso na área da astronomia e meteorologia, fiel amigo de Isaac Newton.

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GUILHERME DE LA PENHA E O COMETA HALLEY...

120 Anais do XII SNHM -2017

Hopkins e fez pós-doutorado em Matemática Aplicada na universidade de Carnegie Mellon, Pittsburgh, EUA.

Observa-se que sua formação estava centrada tanto em Matemática quanto na Mecânica Clássica, formação

que corroborou para a apresentação de mais de 75 trabalhos em revistas nacionais e internacionais nessas duas áreas

e também em Históri da Matemática e História das Ciências. Alguns deles podem ser encontrados em Chaquiam

(2012) e também no trabalho de Lira (2013), além dos doze artigos relacionados ao matemático suíço Leonhard Euler,

escritos no durante as comemorações do bicentenário de sua morte e quatro deles encaminhados a embaixada da Suíça

no Brasil.

Reconhecido internacionalmente, embora seja ainda um quase desconhecido no Brasil, trabalhou na área

acadêmica e de gestão pública, produziu e publicou artigos da mais alta relevância sobre Mecânica dos Meios

Contínuos, Matemática, História da Matemática e parte da Física Matemática que procurou desenvolver ao retornar

ao Brasil, em 1969, como professor da COPPE, com os maiores expoentes do momento Truesdell e Gurtin.

Os textos de cunho matemático variavam de acordo com o público ao qual eram destinados, abordava

questões relativas a números e conjuntos sem se preocupar com o grau de formalismo, por outro lado, apresentava

textos com alto rigor matemático em seus artigos científicos destinados as comunidades acadêmicas e científicas as

quais fazia parte. Durante o período que foi diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi publicou diversos artigos

voltados para história das ciências e matemática, em destaque, os artigos sobre as viagens de Charles Marie de La

Condamine (1701-1774) na América do Sul, em especial, na Amazônia.

Retomando ao nosso tema em questão, a partir de 1985 o cientista paraense publica uma série de artigos no

jornal O Liberal, em Belém (PA), retratando o cometa de Halley de diversas formas e mostra sua importância para o

desenvolvimento da ciência. Os sete artigos identificados, discorrem sob o tema central “Esperando o Cometa”,

observado que Halley passaria próximo a terra no ano seguinte. Os artigos estavam organizados em:

• Esperando o cometa I: O mais importante de todos;

• Esperando o cometa II: Um pouco de verdade nas crendices;

• Esperando o cometa III: Pendor infalível para o dramático;

• Esperando o cometa IV: O terror Laputano em Swift;

• Esperando o cometa V: A cauda venenosa de Halley;

• Esperando o cometa VI: Poluição luminosa contra o Halley e, finaliza com,

• Newton os “Principia” e Halley.

Esperando o Cometa: Preâmbulo

La Penha apresenta em cada um dos artigos dados históricos, matemáticos e científicos, com o objetivo de informar,

desfazer mitos e crendices enraizados na população brasileira e na literatura de diversos países, direcionando para a

visão apropriada para Halley.

Observamos no decorrer dos textos que os contextos históricos de algumas épocas são fortemente

evidenciados como forma de relacioná-los ao cometa. A seguir, faremos breves descrições dos conteúdos de cada

artigo e em seguida daremos destaques aos valores matemáticos presentes.

Esperando o cometa I: O mais importante de todos

Nesse artigo é destacado o surgimento do cometa em um momento propício ao desenvolvimento cientifico, visto que:

“Era a época de Isaac Newton, cuja percepção revolucionaria sobre a natureza da gravidade viria

brevemente a ser publicada, com o encorajamento e assistência de Halley. Era o tempo de Robert

Boyle, o pai da química moderna, cujas pesquisas destruíram a veneranda concepção de Aristóteles,

de que toda a matéria pode ser separada em quatro categorias: terra, ar, fogo e água. Era o tempo

da poesia de John Milton, da filosofia de John Locke, das ricas harmonias apimentadas por

dissonâncias na música de Henry Purcell e, também, das maravilhosas igrejas de Christopher Wren.

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Alailson Silva de Lira & Miguel Chaquiam

121 Anais do XII SNHM -2017

Era, enfim, a Inglaterra sem fanfarras precedendo o iluminismo do Continente, a quem passou o

cetro nas artes e ciências no século seguinte”. (LA PENHA, 1985a).

Em relação ao campo da astronomia são citados vários astrônomos, dentre eles, Copérnico, Tycho Brahe,

Kepler e Galileu que fizeram ou confirmaram descobertas e teorias a respeito do universo, destacando mais a frente

Isaac Newton e Edmond Halley quando decidem enveredar seus estudos para o campo dos cometas.

Embora Edmond Halley não tenha sido o primeiro a ter observado o cometa, mas como foi o primeiro a fazer

previsões futuras para a data provável de seu reaparecimento, o cometo foi “batizado” com seu nome, cometa de

Harlley. Tal fato foi corroborado em 1758 por Johan Palizsch, agricultor alemão e astrônomo amador, confirmando

assim, o que Edmond Harlley havia previsto, ou seja:

“Hoje muitas coisas me levam a acreditar que o cometa do ano de 1531 observado por Apian, é o

mesmo que o do ano 1607, descrito por Kepler e Longomontamus, e que eu mesmo observei quando

de seu retorno em 1682B”E após elaborar considerações sobre possíveis variações devidas as

causas físicas responsáveis por perturbações nos cálculos, conclui.... Por conseguinte, posso, com

confiança predizer seu retorno no ano de 1758. “Se tal predição se confirmar, não há razão para

dúvidas de que outros cometas retornarão”. (LA PENHA, 1985a)

O cometa Halley não só se tornou importante por ter contribuído significativamente para o desenvolvimento

da astronomia, da física e da matemática, mas também por ter sido favorecido por diversos aspectos históricos, por

exemplo, o seu aparecimento em 1682 no auge do desenvolvimento de Londres e, em 1910, próximo ao início da

primeira guerra mundial.

Esperando o cometa II: Um pouco de verdade nas crendices

Neste artigo é feito uma reapresentação do artigo anterior, dando importância ao cometa e a seu descobridor, em

seguida, mostra as prováveis passagens do cometa Halley na era medieval, além de rumores que rondavam o

imaginário da população ou:

“Talvez o mito mais importante acerca do cometa fosse o de que ele teria o poder de precipitar

grandes e frequentemente terríveis ventos. Pestes, pragas, famas, sorte, fraudes, a cólera dos

deuses, a raiva dos papas, o medo dos reis, o choro e o lamento dos povos desde as estepes da

Rússia até as ruas de Nova York, tudo tem sido associado ao Cometa de Halley”. (LA PENHA,

1985b).

Sem a explicação cientifica sobre esses “vultos” luminosos que passavam pelos céus, houve a influência

religiosa como forma de lembrar a existência de forças afora e associar o surgimento de algo que poderia ser

prenuncias teológicas de notícias não tão agradáveis. Além disso, de acordo com o artigo, alguns astrônomos

calculavam as possíveis aparições de Halley segundo o constante na Bíblia no livro de Crônicas I, capítulo 21,

versículo 16. Este fato levou ao imperador da Alemanha, Luis I, cercado de medo e temor, a construir várias igrejas e

mosteiros nos domínios de seu reino.

A aparição do cometa sempre foi cercada de crendices e medos, mas também, quando registrada na arte,

possuía significados simbólicos, ligados aos rígidos cânones tradicionais da cultura sacra medieval. De acordo com

Foschini (1986):

“O brilho do cometa, no dia 23 de março de 1066, é recordado no bordado de uma tapeçaria

conservada no Município de Bayeux, na Normandia. Esse trabalho, composto entre os anos de 1073

e 1083, foi encomendado pela Rainha Matilde para lembrar a vitória do marido, Guilherme, o

Conquistador, na Batalha de Hasting, em 14 de outubro de 1066. Numa das muitas cenas da

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GUILHERME DE LA PENHA E O COMETA HALLEY...

122 Anais do XII SNHM -2017

tapeçaria, nota-se uma multidão que, maravilhada, aponta a espetacular passagem do cometa”.

(FOSCHINI, 1986)

Num afresco da escola bizantina estão representados personagens do texto sagrado e também, em primeiro

plano, um cometa. Terminado em 1250, é provável que este seja a representação de Halley quando passou em 1222,

visivelmente na Ásia e na Europa.

A Epifania de Giotto na Capela Defli Scrovengni, em Pádua, na Itália, representa a adoração dos Reis Magos.

Nesse afresco, o cometa foi pintado sobre um fundo céu azul dinamicamente arrojado. Para La Penh (1985b), Giotto

muito provavelmente observou Halley em 1301 e, assim foi influenciado. Como diria T.S. Eliot:

“(...) o tempo futuro contém o tempo passado. O cometa é um dos mais perfeitos elos de ligação

entre esses tempos: A beleza, o mistério e o assombro que desperta. Combinados na profunda

experiência pessoal, religiosa e mística de alguns têm sido por si suficientes para sustentar o cometa

nos ecos da memória”. (LA PENHA, 1985b)

Esperando o cometa III: Pendor infalível para o dramático

A cada 76 anos aproximadamente, o cometa Halley aparece nos céus da terra e em cada passagem, fatos importantes

tomavam conta de várias localidades. Neste artigo são apresentados fatos importantes que ocorreram durante algumas

passagens de Halley e aborda as crendices de grandes cientistas, além de mostrar a influência do cometa em algumas

obras literárias.

De acordo com La Penha (1985c), o cometa Halley foi considerado “culpado”, embora sem base científica

de seu aparecimento, pela destruição de Jerusalém no ano de 66; pelo ataque aos Ostrogodos pelos Hunos; pela invasão

de Gália, por Atila, em 373 e pela colonização da América do Norte pelos ingleses, em 451.

Halley colaborou ainda pelo massacre de milhões de pessoas nas cidades de Herat e Samarkand pelos mongóis em

1222, pois, Gengis Khan considerava o cometa como sua estrela especial. Além disso,

“O cometa com seu pendor infalível para o dramático apareceu, também, no ano que é conhecido

por qualquer criança de língua inglesa, 1066, o ano da conquista normanda, naquele ano, o cometa

de Halley foi tomado pelos saxões. Por um lado, apontado como símbolo de derrota, por outro,

Guilherme, o Conquistador, como um “maravilhoso sinal dos céus”. O rei apontava ao cometa em

suas aparições noturnas como se fora um sinal místico que incentivava suas tropas, levando os

soldados normandos à vitória. Assim, da mesma forma que a psicologia de massa afeta os desígnios

de guerra de um povo, o cometa desempenhou um papel importante no resultado dessa guerra e,

através dela, no curso da história política”. (LA PENHA, 1985c)

Observa-se que a ciência até esse momento não havia se libertado das superstições e, os cometas, estavam

envolvidos em todas essas histórias. Na Europa medieval quando este aparecia, reis e servos se dirigiam aos astrólogos

locais para verificar suas prenuncias e como poderiam se proteger de suas causas. Kepler, que avançou no

desenvolvimento das leis do movimento planetário, leis que mais tarde vão ajudar Edmond Halley a fazer suas

predições, embora sendo um cientista, também possuía superstições, uma delas é que os cometas era presságio do mal.

Galileu também compartilhara desta superstição.

Observa-se que Kepler e Galileu não estavam sozinhos nas superstições, de acordo com La Penha (1985c),

o escritor Mark Twain2, que nasceu em 1835, mais um ano com o aparecimento do cometa Halley, disse que seu

desejo era de poder ir embora junto com o cometa em 1910. De acordo com o biógrafo Albert Pain, esse desejo foi

realizado. O cometa apareceu em 20 de abril de 1910 e o escritor morreu no dia seguinte.

Na literatura, Halley se encontra nas poesias de Paraíso Perdido3. O autor o associa a um satã enraivecido

2 Escritor Norte Americano que escreveu as aventuras de Tom Soyer. 3 Escrito por John Milton, o poema narra a rebelião de Satã contra Deus, a Criação do Mundo e a Queda do Homem pela desobediência

de Adão e Eva no Jardim do Éden.

Page 131: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Alailson Silva de Lira & Miguel Chaquiam

123 Anais do XII SNHM -2017

que despejava a peste e a guerra, provavelmente estaria rememorando o aparecimento do cometa da sua juventude de

1618. De acordo com La Penha (1985c), Julio Cesar de Shakespeare vê um lado mais exuberante quando afirma

“Quando mendigos morrem não se veem cometas. Os céus se iluminam na morte de príncipes”.

Finalizando esse artigo, La Penha (1985c) desmistifica o cometa com as afirmações de Edmond Halley sobre

os cometas quando afirma:

“(...) em sua ode dedicatória para Newton no Principia, expressou-se então com excessivo

otimismo, “... Agora que conhecemos os rumos...os cometas, outrora uma fonte de tremores, não

mais trememos diante da aparição de astros cabeludos’’, incorrendo em lamentável engano de

conceito ou “astros””. (LA PENHA, 1985c).

Esperando o cometa IV: O terror Laputano em Swift

La Penha foi por muitos um visionário, um poeta, detentor de uma das mentes mais brilhantes, principalmente pelos

artigos publicados nas mais diversas áreas do conhecimento, incluindo-se aí, os artigos publicados sobre poesias,

músicas clássicas, etc. Em algum de seus trabalhos, percebe-se que o cientista paraense aborda três literaturas de

grande significado pessoal: Dom Quixote de La Mancha; Alice no País das Maravilhas e As viagens de Gulliver. Em

relação a este último, La penha faz referência ao cometa Halley em “o terror Laputano de Swift4”.

Neste apresenta Gulliver em uma ilha chamada Laputa, aonde os cidadãos possuíam grande interesse pela

matemática e música, mas não possuíam apreço pelas aplicações de ambas. Além disso, os Laputanos possuíam temor

do Sol e de um cometa, isto é:

“Ao que parece os Laputanos eram pessimistas incorrigíveis e o temor do Sol não era tudo; ainda

maior era o temor de cometas e de um cometa em particular, pois lembravam ainda “que a Terra

escapou, por um triz, de ser abalroada pela cauda do último cometa, o que a teria infalivelmente

reduzido a cinzas” conforme Gulliver aprendeu em Laputa. Não era, entretanto, o “último cometa”

que aterrorizava os Laputanos, mas sim aquele que estava por vir e que “provavelmente venha a

destruir-nos” [...] tal referência como qualquer leitor da época deve haver percebido — não visava

meramente um cometa, mas sim o “cometa de Halley” - o primeiro cometa cujo retorno havia sido

definitivamente predito, gerando grande excitamento tanto na imaginação literária quanto

científica”. (LA PENHA, 1985d).

A influência literária sofrida em Swift se deve ao fato de Edmond Halley escrever um artigo em que se

verificou o cometa bem próximo das órbitas de Vênus e Mercúrio gerando temor e misticismo. Assim, os Laputanos,

de acordo com o texto, fizeram várias observações e indagações a respeito do cometa, ao ponto de afirmar que:

“(...) se chegar em seu periélio a uma certa distância do Sol... receberá um grau de calor dez mil

vezes mais intenso que o do ferro incandescente; e, ao distanciar-se do Sol, carregará urna cauda

flamejante de 1 milhão e 14 milhas de comprimento, na qual, ainda que passe a unia distância de 1

milhão de milhas do núcleo, ou corpo principal do cometa, há de a terra inflamar-se ao atravessá-

la, convertendo- se um cinzas”. (LA PENHA, 1985d).

Observa-se neste trecho, que os Laputanos possuíam certos exageros, pois estavam certados por diversos

temores. De certa forma, tal fato era reflexo da realidade do autor e, a seguir, apresentamos alguns fatos evidenciados

da realidade de uma época não muito distante.

4 Jonathan Swift foi o escritor de As viagens de Gulliver.

Page 132: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

GUILHERME DE LA PENHA E O COMETA HALLEY...

124 Anais do XII SNHM -2017

Esperando o cometa V: A cauda venenosa de Halley

As notícias veiculadas em jornais impressos possuem diversos tons, o de informar, influenciar e até mesmo atemorizar.

Esse modelo tendencioso de informações existia há muito tempo, e tomou força no ano de 1910, desde quando o

cometa de Halley atingiria a posição mais próxima da terra.

Durante esse ano, diversos relatórios científicos e rumores circulavam pelo mundo afirmando que a cauda do

cometa Halley possuiria gás de cianogênio com efeitos mortais. Tais “informações” foram veiculadas na imprensa e

divulgadas em diversos jornais, incluindo o “The New York Times”. No Brasil, mais especificamente no Rio de

Janeiro, o jornal Gazeta de Notícias veiculou a seguinte informação.

Figura 1: Noticia sobre o cometa Halley

Fonte: Gazeta de Noticias

Nesse artigo são apresentados diversos temores que a população do globo manifestava, começando por:

“(...) Chicago, para não mencionar Paris, Bermuda, Johannesburg, Rio de Janeiro e muito do resto

do mundo, se preocupava. De fato, o New York “Times informava que Chicago estava aterrorizada,

especialmente a população feminina. A edição de 18 de maio dizia: O terror ocasionado pela

próxima aproximação do cometa de Halley tomou conta de grande parte da população de Chicago.

[...] Todo o resto é esquecido. Cometas, suas maneiras e hábitos têm sido o principal tópico

discutido nas ruas, nos bondes e elevadores nos dias de hoje... O medo principal é de que o cometa

atingirá a Terra, mas de que o gás que supostamente constitui sua cauda ceifará qualquer vida...

Os médicos declaram que têm tido inúmeras chamadas hoje para atendimento de mulheres atacadas

de histeria”. (LA PENHA, 1985e).

Todo esse alvoroço foi ocasionado pelo observatório de Yerkes que fez as previsões a respeito da cauda de

Halley. Além disso, um respeitado cientista chamado Camilie Flammarion corroborou com essa afirmação, levando

ao desespero o mundo.

De acordo com La Penha (1985e), o cientista Flammarion possuía vertentes voltadas para o sensacionalismo,

fato que o aproximava perfeitamente com as mídias. Embora este fosse uma das pessoas que se propunha a veicular

desastrosas, a imprensa não se preocupou em buscar opiniões fundadas nas bases das conclusões dos cientistas.

Mais tarde alguns jornais tiveram que se retratar, incluindo-se o próprio cientista que alardeou o mundo com

bases infundadas. Com o objetivo de tranquilizar os leitores do jornal, La penha apresenta a seguinte conclusão:

“Este é o ponto de vista aceito geralmente hoje em dia entre os cientistas: O cometa de Halley

contem cianogênio, dentre outros gases, em quantidade inacreditavelmente pequena. Em outras

palavras suas partículas são a tal ponto difusas que o gás cianogênio praticamente inexiste e, por

conseguinte, não oferece qualquer perigo ao homem ou planeta que o atravesse”. (LA PENHA,

1985e).

Page 133: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Alailson Silva de Lira & Miguel Chaquiam

125 Anais do XII SNHM -2017

Esperando o cometa VI: Poluição luminosa contra o Halley

Para finalizar a série de artigos relacionados ao cometa Halley, La Penha (1985f) discorre sobre as dificuldades e

detalhes de visualização do comenta que qualquer observador poderá ter ao tentar apreciar o cometa marcado para

aparecer no ano seguinte, ou seja.

“A poluição luminosa será um grande inimigo do cometa de Halley desta vez. No Brasil, o cinturão

brilhante das capitais do litoral e as pérolas isoladas das grandes cidades do oeste devem ser

evitados. Não se trata apenas de iluminação local, mas também de reflexos no horizonte Por

exemplo, a luminosidade de Belém afeta o horizonte de Icoaraci e o da Vila em Mosqueiro. Já que

a época melhor de visibilidade coincide com as férias escolares, assim, a Baía do Sol (com as luzes

das ruas desligadas), no Mosqueiro, e o extremo da praia do Atalaia, em Salinas, devem ser pontos

privilegiados de observação para quem não tiver acesso a fazendas no interior e Marajó”. (LA

PENHA, 1985f).

A partir dessas observações, La Penha (1985f) tece comentário a respeito do brilho de uma estrela e de um

cometa, pois esses detalhes poderiam afetar as observações, visto que:

“O brilho aparente se distingue do absoluto, ou intrínseco, que permanece o mesmo qualquer que

seja a posição do cometa. A escala de grandeza é inversamente proporcional ao brilho — quanto

menor o número, maior o brilho (basta lembrar o dito “Uma estrela de 1ª grandeza”). Uma estrela

de grandeza 5 é duas vezes e meia mais brilhante que uma de grandeza 6, e uma de grandeza 7 é

2,5 vezes menor brilhante que uma grandeza 6. Trata-se de uma escala logarítmica em que

diferenças de magnitude expressam quocientes entre energias. No caso de cometas, a energia que

eles irradiam é diluída pelo efeito da distância ao Sol”. (LA PENHA, 1985f).

Finaliza esse artigo com a apresentação de um calendário do cometa Halley, incluso o ano de 1986, ano de

sua nova aparição.

Newton os “Principia” e Halley

Este artigo, embora não faça parte da série sobre os cometas, serviu para que os leitores do jornal após a passagem de

Halley tivessem uma percepção histórica de quem foi Isaac Newton e Edmond Halley e suas contribuições. Além de

fazer um resgate histórico desses dois cientistas, La Penha (1986) envereda por discussões que possibilitaram

“desvendar” alguns mistérios sobre os cometas.

Os Artigos e a Matemática

Observa-se em cada um dos artigos que La Penha procurou enveredar, sem grandes pretensões, apresentar abordagens

históricas, físicas e matemáticas, de certa forma, imbricadas uma as outras. Questões como movimento planetário,

trajetórias elípticas, distância e grandezas entre estrelas foram focos físicos associados a diversos objetos matemáticos

em diversos campos, tais como, geometria analítica, geometria espacial, grandezas inversamente proporcionais,

funções logarítmicas e funções parabólicas.

Por exemplo, no artigo Esperando o cometa VI, La Penha (1985f) apresenta um quadro de Azimute em que

mostra a posição do cometa Halley projetada no céu para um observador situado no equador no período de fevereiro

a abril de 1986.

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GUILHERME DE LA PENHA E O COMETA HALLEY...

126 Anais do XII SNHM -2017

Figura2: – Azimute x Posição do Cometa de Harlley em 1986.

Fonte: La Penha 1985f

Considerações Finais

Observa-se nos artigos identificados de La Penha a preocupação do autor em desmistificar as crendices e o imaginário

relacionados ao cometa Halley, evidenciados ao longo deste trabalho. A linguagem utilizada nos artigos visa atender

ao mesmo tempo um leitor de cultura mais simples que busca informações cotidianas, quanto um leitor com

conhecimentos científicos mais apurados.

A riqueza de detalhes no âmbito histórico, literário, científico e matemático novos anseios sobre cometas,

principalmente quem se debruçar sobre esses artigos, e mais, aflorar a aspiração na busca de mais informações a

respeito dos astros celestiais.

Ao longo dos os artigos, La Penha nos mostra a riqueza da matemática mesclada aos outros campos das

ciências, neste sentido, entendemos que La Penha cumpriu seu objetivo de quebrar as crendices em relação ao cometa

e informar sobre o espetáculo celestial, fazendo com que todos os seus possíveis leitores esperassem Halley com

tranquilidade, desbastados de crendices ou mitos.

Bibliografia

CHAQUIAM, Miguel. Guilherme Maurício Souza Marcos de La Penha: uma história de seu itinerário intelectual em

três dimensões. 2012. 284f. Tese (Doutorado em Educação). Centro de Educação, Universidade Federal do Rio Grande

do Norte. Natal (RN), 2012.

FOSCHINI, Ilio. Halley 1986. Revista Marítima Brasileira, 1º Trimestre, 1986.

LA PENHA, Guilherme Mauricio de Souza Marco de. Esperando o cometa I: O mais Importante de todos. Jornal O

Liberal, Belém, 1985a.

LA PENHA, Guilherme Mauricio de Souza Marco de. Esperando o cometa II: um pouco de verdade nas crendices.

Jornal O Liberal, Belém, 1985b.

LA PENHA, Guilherme Mauricio de Souza Marco de. Esperando o cometa III: Pendor Infalível para o dramático.

Jornal O Liberal, Belém, 1985c.

LA PENHA, Guilherme Mauricio de Souza Marco de. Esperando o cometa IV: O terror Laputano de SWIFT, Belém,

1985d.

LA PENHA, Guilherme Mauricio de Souza Marco de. Esperando o cometa V: A cauda venenosa do Halley. Jornal O

Liberal, Belém, 1985e.

LA PENHA, Guilherme Mauricio de Souza Marco de. Esperando o cometa VI: Poluição luminosa contra o Halley.

Jornal O Liberal, Belém, 1985f.

LA PENHA, Guilherme Mauricio de Souza Marco de. Newton, os “Principia” e Halley. Jornal O Liberal, Belém,

1986.

Page 135: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Alailson Silva de Lira & Miguel Chaquiam

127 Anais do XII SNHM -2017

LIRA, Alailson Silva de. A evolução do conceito de função Segundo Guilherme de La Penha. 2013. 89f. Monografia

(Licenciatura em Matemática). Centro de Ciências Sociais e Educação, Universidade do Estado do Pará, Belém (PA),

2013.

Jornal Gazeta. O cometa de Halley: há perigo para a terra? Noticias de 20 de janeiro de 1910. Rio de Janeiro, 1910.

Disponível em:

<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=103730_04&PagFis=22073&Pesq=cometa%20halley>

Acesso em 22 de Novembro de 2016.

Alailson Silva de Lira

Departamento de Matemática, Estatística e

Informática – DMEI – campus de Belém – Brasil

E-mail: [email protected]

Miguel Chaquiam

Departamento de Matemática, Estatística e

Informática – DMEI – campus de Belém – Brasil

E-mail: [email protected]

Page 136: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

128 Anais do XII SNHM -2017

REFLEXÕES ACERCA DO POSITIVISMO NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX: UM

ESTUDO SOBRE OS LIVROS DIDÁTICOS DE ANDRÉ PEREZ Y MARIN

Adriana de Bortoli

Faculdade de Tecnologia de Lins-Prof. Antonio Seabra – FATEC – Brasil

Marta Figueredo dos Anjos

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Brasil

Resumo

Este artigo apresenta parte dos resultados de uma pesquisa que buscou entender convergências e/ou divergências das

ideias positivistas nos Livros Didáticos de André Perez y Marin, escritos em um período assumido pela literatura como

hegemonicamente positivista. Assim, nossas investigações intentam respondem à seguinte questão: André Perez y

Marin escreveu seus livros didáticos de matemática sob a ótica positivista? A fim de responder tal questão, usamos o

ferramental teórico-metodológico, vindo da história cultural que considera o livro didático como um objeto cultural e,

por essa razão estudamos também o momento político em que as obras foram produzidas. Buscamos os livros do

referido autor, dentre eles: Aritmética Teórico Prática, Elementos de Álgebra e Elementos de Geometria e, também,

a literatura que discorre sobre a influência do positivismo na História da Educação Matemática no Brasil. A análise

deu-se pela verificação da forma de organização do conhecimento empreendida nas obras. Assim, consideramos que

André Perez y Marin, em seus livros didáticos não apresentou o tratamento filosófico com o qual se preocupou Comte.

Iniciamos pela Aritmética definida por Perez y Marin como uma ciência que estuda as propriedades dos números e as

operações relativas á sua composição e decomposição. Diferentemente da acepção de Comte, não subordina esse ramo

à Álgebra. Além disso, Comte indicava a Aritmética de Condorcet obra na qual o autor eliminou elementos de

memorização das fórmulas e tabuadas de suas explicações sobre as operações fundamentais da Aritmética. Em

contrapartida, no texto referente a essa parte da Matemática, escrito por Perez y Marin, notamos algumas passagens e

trechos que remetem o leitor à necessidade de memorizar. O texto é repleto de regras e definições. Sobre o livro

Elementos de Álgebra, temos que Perez y Marin percebia esse ramo como uma generalização das operações

aritméticas, acepção essa coincidente com o que era mencionado por Comte. De qualquer forma, isso era comum à

época. Quanto à Geometria, apesar de Perez y Marin apresentá-la como a ciência de medição de extensão, conforme

a concebia Comte, verificamos no texto escrito por Perez y Marin que sua forma de abordagem não foi empírica,

diferente da postura assumida por Comte. Além disso, os ideais de Comte para o ensino de Geometria tinham uma

despreocupação com rigor ou formalismo matemático. E isso não foi observado na obra Elementos de Geometria do

autor analisado que, inclusive, era repleta de regras e de formalismo matemático.

Palavras-chave: Matemática Escolar Positivista, André Perez Marin, Ensino de Matemática.

REFLECTIONS ON POSITIVISM IN BRAZIL OF THE BEGINNING OF THE TWENTIETH CENTURY:

A STUDY ON THE ANDRÉ PEREZ Y MARIN TEXTBOOKS

Abstract

This article presents part of a research results that sought to understand convergences and/or divergences of positivist

ideas on André Perez y Marin textbooks, written on a period assumed by literature as hegemonically positivist.

Therefore, our investigations attempt to answer the following question: André Perez y Marin wrote his mathematics

textbooks under the positivist view? In order to answer it we use the theoretical-methodological tools, originated by

cultural history - that consider the didactic book as a cultural object - and leading us to study also the political moment

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 137: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Adriana de Bortoli &Marta Figueredo dos Anjos

129 Anais do XII SNHM -2017

in which those books were authored. We reference the own author's books, like Aritmética Teórico Prática

(Theoretical-Practical Arithmetic), Elementos de Álgebra (Algebra Elements) e Elementos de Geometria (Geometry

Elements) and, also, specific literature about influences of Positivism along the History of Mathematical Education in

Brazil. The analysis follows a verification about the form of organization of knowledge structured on works of Perez

y Marin. Thus, we consider that André Perez y Marin, in his textbooks, did not present the philosophical treatment

which Comte concerned about. We have started with Arithmetic, defined by Perez y Marin as a science of number

properties and the operations relative to its composition and decomposition, but, unlike Comte's sense, not

subordinated to Algebra. In addition, Comte recommended the Arithmetic of Condorcet, in which work the author

suppresses elements of memorization of formulas and tables from his explanations about fundamental operations of

Arithmetic. On the other hand, in the text referring to this part of Mathematic, written by Perez y Marin, we note some

passages and excerpts leading the reader to memorizing practices. The text is filled with rules and definitions. About

the book Elementos de Álgebra, is notable the Perez y Marin perception of this branch as an generalization of

arithmetical operations, concomitant to Comte's meaning. Anyway, that was a common sense at the time. Concerning

Geometry, although Perez y Marin presents it as the science of measurement of extension, consenting Comte's

conceptions, we verify in text written by Perez y Marin a way that not follows the empirical approach suggested by

Comte. In addition, the comtian ideals for Geometry teaching are unconcerned about rigor and mathematical

formalism, unlike what was observed in the work Elementos de Geometria, from the studied author, full of rules and

mathematical formalism.

Keywords: Positivist School Mathematics, André Perez y Marin, Mathematics Teaching.

Considerações iniciais

O presente texto visa apresentar uma reflexão acerca do positivismo no Brasil do início do século XX, no que tange

ao ensino de Matemática e, para tanto, empreendemos uma investigação, usando como estudo de caso os livros de

André Perez y Marin. O referido estudo relata parte dos resultados da tese de doutorado intitulada “Uma Análise Dos

Livros De André Perez y Marin: Um Momento Da História Da Matemática Escolar Brasileira No Início Do Século

XX”, bem como de algumas investigações, em andamento sobre a constituição da comunidade de matemática aplicada

no Brasil.

Ambos os estudos apoiam-se sobre um referencial teórico que propõe uma revisão acerca do impacto do

positivismo nas atividades científicas e educacionais brasileiras. Dentre esses referencias, autores como Siqueira

(2011) e Ferreira (2007) afirmam que a historiografia disponível sobre o positivismo no Brasil, em sua grande parte,

construiu uma visão de que, até 1930, não havia um desenvolvimento da atividade científica, causada pelo

“conservadorismo das ações do positivismo”, o que poderia ter retardado o desenvolvimento dos modernos métodos

matemáticos no Brasil (CASTRO, 1955; HÖNIG & GOMIDE, 1979).

Dessa maneira, Siqueira (2011) ao reavaliar as discussões ocorridas em torno do positivismo no Brasil traz a

reflexão sobre os embates internos e os diferentes meios científicos e políticos que determinam a constituição de um

campo científico.

Corroborando as ideias defendidas pelo referido autor, consideramos, por meio do exercício investigativo

proposto nesta comunicação evidenciar as particularidades e regularidades constitutivas do positivismo na escrita dos

livros didáticos de André Perez y Marin (1858- 1928), próprias do movimento de constituição do campo científico

brasileiro.

Faz-se necessário pontuar que o momento que envolve a vida do autor e a publicação dos livros, por nós

escolhidos, foi marcado por mudanças que, para muitos estudiosos da história da ciência no Brasil, como Stepan

(1976), consideram um divisor de águas da ciência brasileira e da pesquisa tecnológica no país.

O período da República Velha (1889 - 1930), caracterizou-se pela substituição do poder monárquico pelo

Page 138: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

REFLEXÕES ACERCA DO POSITIVISMO NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX...

130 Anais do XII SNHM -2017

poder republicano. Esse movimento político foi composto por muitas influências, dentre elas, os ideários do

positivismo e do liberalismo absorvidos e moldados pelos intelectuais e militares brasileiros (CASTRO, 1995).

Diante disso, o cenário educacional esteve fortemente envolvido com referido projeto sob a égide da filosofia

positivista. Assim, suspeitávamos que a publicação das obras de Perez y Marin tivesse ocorrido sob forte influência

do positivismo que, inclusive, recomendava a Matemática como um dos pilares da educação. Dessa maneira, temos

uma interrogação diante desse tema de pesquisa: André Perez y Marin teria escrito seus livros didáticos de matemática

sob a ótica positivista?

Sobre Perez y Marin e o positivismo

André Perez y Marin foi um professor de matemática espanhol que exerceu a docência por 52 anos, 35 deles em terra

brasileira. Desses, ressalta-se quase a totalidade dedicada ao Ginásio De Campinas (1901-1928), atual Escola Estadual

Culto à Ciência, em Campinas (SP).

Na elaboração da Tese de doutorado, intitulada “Uma Análise Dos Livros Didáticos De André Perez y Marin:

Um Momento Da História Da Matemática Escolar Brasileira No Início Do Século XX”, da primeira autora deste

artigo, foi realizada uma pesquisa biográfica do autor, e verificamos indícios de proximidades ideológicas para com a

filosofia positivista, que serão descritos a seguir, entretanto, tais características não foram suficientes para afirmar que

a matemática produzidas nessas obras possa ser considerada positivista, nos moldes proposto por Comte.

Em um manuscrito de discurso proferido pelo autor que, possivelmente, tenha sido pronunciado no Colégio

Culto à Ciência, localizado no município de Campinas, onde lecionou por cerca de 27 anos, selecionamos:

“Não se pode desconhecer que existiam épocas em que, a partir de um fato facilmente descoberto,

se realizam em série, como por geração espontânea, grandioso progressos científicos. Tal

aconteceu durante a renascença quando Descartes, Pascal, Galileu, Newton, etc. puseram em

evidência os erros dos antigos”. (ANDRÉ PEREZ Y MARIN, discurso não datado, p.4).

De fato, a defesa e a visão diante do progresso característico e molar na filosofia positivista evidenciam uma

proximidade do referido autor com a referida filosofia que tinha como lema “Ordem e Progresso” além disso, a

Matemática, na ordenação de ciências criada por Comte era considerada como ponto de partida para a educação

científica. (MOTTA; BROLEZZI, 2008).

Ademais, apresentamos outro extrato que pode ser relacionado com as intenções de Comte, cuja filosofia

tinha a crença de que a verdadeira renovação deveria ser primeiramente teórica para depois ser transformada em ações

práticas (COMTE, 1983). “A união entre a teoria e a prática seria muito mais íntima no estado positivo do que nos

anteriores [...]” (COMTE, 1983, p. XI, XII). Em um discurso de Marin, não datado, podemos verificar essa concepção.

Conforme o trecho abaixo:

“[...] Basta um pouco de critério para observar que, ali onde os princípios ou os fatos são

descobertos, brotam também depois as aplicações. Na Alemanha, na França, na Inglaterra, a

fábrica vive em íntima comunhão com o laboratório, [...] semelhantes alianças tornam-se patentes

nessas grandes fábricas de cores de anilina, que constituem um dos filões mais prósperos da

indústria francesa, suíça e particularmente alemã [...]” (ANDRÉ PEREZ Y MARIN, discurso não

datado, p.6).

Constatamos, também, que além de algumas convicções do autor, possivelmente estejam ancoradas no

Positivismo, temos que ele trabalhou em uma instituição de ensino secundário, o Colégio Culto à Ciência, cuja

fundação ocorreu na passagem Império-República, mediante os ideários republicanos.

Diante desses indícios, buscamos nas obras de Perez y Marin as possíveis relações entre o Positivismo e a

Matemática proposta em seus livros, inclusive algumas semelhanças entre os livros didáticos de Matemática que foram

recomendados por Comte.

Page 139: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Adriana de Bortoli &Marta Figueredo dos Anjos

131 Anais do XII SNHM -2017

Sobre os livros didáticos de Matemática de Perez y Marin

Iniciamos pela Aritmética. Perez y Marin definiu esse ramo como ciência que estuda as propriedades dos números e

as operações relativas à sua composição e decomposição. Diferentemente da acepção de Comte, não subordinou esse

ramo à Álgebra. Comte (1970, p.544) apud Rocha (2006, p.170) afirmou ser Aritmética: “a ciência que tem por

objetivo determinar o valor particular de uma função explícita dada, conhecendo-se os valores particulares das

quantidades que as compõem”.

Também sabemos que Comte indicava a Aritmética de Condorcet que segundo Valente (2000), aquele autor

eliminara de suas explicações sobre as operações fundamentais da Aritmética elementos de memorização, de fórmulas

e de tabuadas. Dessa maneira, no texto de Aritmética escrito por Perez y Marin notamos algumas passagens e trechos

que remetem o leitor à necessidade de memorizar. O texto é repleto de regras e definições. Além disso, também

constato várias sequências de exercícios. Percebemos, inclusive, que há uma crença na necessidade de repetição como

método de aprendizado que não ocorre no livro de Condorcet em que, ainda segundo Valente (2000), não há exercícios

propostos.

No texto de Álgebra de André Perez y Marin a definição desse ramo, elencada pelo autor, coincide com o

que era mencionado por Comte, a saber:

“Outra grande vantagem da notação algebrica é a de podermos descobrir, com seu emprego,

principios, que nos seria difficil e mesmo impossível descobrir por meio de algarismos. Não

devemos entender, porém, que a algebra consiste unicamente no emprego das letras, assim como a

arithmetica não consiste no emprego dos algarismos. A arithmetica calcula os valores e a algebra

as funcções, quer essas relações sejam representadas por números, quer por letras”. (PEREZ Y

MARIN, 1909, p.20).

Com essa citação de Perez y Marin podemos verificar que ele percebia a Álgebra como uma generalização

das operações aritméticas. De qualquer forma, isso era comum à época, conforme mencionaram Fiorentini, Miguel e

Miorim, ao analisar diversos livros do período:

“Mas, embora a Álgebra e a Aritmética tivessem a mesma abordagem, existia, entre elas, uma

relação de complementaridade uma vez que a primeira, devido ao seu poder de generalização, era

encarada como uma ferramenta mais potente que a segunda, pois ampliava as possibilidades desta

última, especialmente no que se refere a resolução de problemas” (FIORENTINI, MIGUEL,

MIORIM, 1992, p.42-3).

Por fim, tecemos consideração quanto à Geometria. Apesar de Perez y Marin apresentá-la como a ciência de

medição de extensão, conforme a concebia Comte, verificamos no texto de Geometria de Perez y Marin que sua forma

de abordagem não foi empírica de acordo com o que sugeria Comte.

Valente (2000), ao analisar a obra de Clairaut (que foi o texto de Geometria direcionado à Matemática

elementar, indicado por Comte), mencionou que Clairaut encarnou os ideais de Comte para o ensino das matemáticas

elementares, em especial, na Geometria, pois desenvolveu sua Geometria a partir da necessidade prática de medir

terrenos. Dessa maneira, tratou a Geometria sem qualquer preocupação com rigor ou formalismo matemático.

Diferentemente, analisamos no texto de Geometria uma abordagem que não tem características empiristas,

conforme já podemos constatar desde o prefácio da obra em que Perez y Marin juntamente de Carlos Francisco de

Paula afirmou que a geometria é uma ciência de método rigoroso, baseada num pequeno número de axiomas. De outra

parte, Comte apud Rocha (2006, p.201) “A Geometria não deixa de ser uma ciência empírica, pois a ideias iniciais

vem da experiência, embora o seu desenvolvimento e a concepção de novas figuras e suas propriedades são atingidos

por meio de abstração”.

Page 140: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

REFLEXÕES ACERCA DO POSITIVISMO NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX...

132 Anais do XII SNHM -2017

Considerações finais

Diante do exercício investigativo empreendido neste estudo, compreendemos que as sugestivas defesas de

pressupostos ideológicos da filosofia positivistas apresentadas nos discursos proferidos por Perez y Marin não

asseguraram a produção de uma matemática positivista nos seus livros didáticos.

Tal prerrogativa corrobora as ideias defendidas por Valente que afirma:

“A análise dos objetos culturais como o livro didático revela uma autonomia relativa da

constituição da matemática escolar diante das transformações políticas ocorridas com a República.

A marcha da constituição da disciplina matemática teve suas determinações mais diretamente

ligadas aos padrões internacionais que às ingerências e turbulências da política brasileira. [...] a

matemática escolar no Brasil parece ter permanecido imune às tentativas de sua reestruturação

positivista, levando a concluir que não houve uma matemática escolar positivista, propriamente

dita.” (VALENTE, 2000, p.210).

Corroborando essas ideias, temos a fala de José Lourenço da Rocha que, em sua Tese de doutorado intitulada

“A Educação Matemática Na Visão De Augusto Comte” terminou assim o capítulo de apontamento da concepção de

Matemática na obra de Comte:

“[...] fica claro que o conteúdo matemático na obra de Comte não traz nada de novo e, o que é mais

significativo, todo o desenvolvimento da matemática do século XIX, seguiu um percurso totalmente

diverso do previsto por ele. Isso implica dizer que o filósofo de Montpellier não teve qualquer

influência no desenvolvimento dessa ciência básica. Pelo contrário, sua visão de fim da história

[...], fez com que sua obra em relação à Matemática já nascesse, em boa parte ultrapassada. Como

a história demonstrou, ele estava absolutamente equivocado. Considerando os trabalhos de Comte

pode-se afirmar, de maneira peremptória, que nunca existiu uma Matemática Positivista!”

(ROCHA, 2006, p. 284).

Dessa maneira, percebemos que alguns Educadores Matemáticos têm apontado para novas reflexões acerca

da hegemonia positivista que outrora foi assumida para o período estudado, mas podemos verificar várias divergências

no que diz respeito á discussão acerca da existência de uma Matemática escolar positivista.

A seguir elencamos outros textos que compõem essa literatura: “A Matemática Positivista e sua difusão no

Brasil” de Circe Mary Silva da Silva (1999), “Positivismo e Matemática Escolar nos Livros Didáticos no Advento da

República” de Wagner Rodrigues Valente (2000), “História na Educação Matemática: propostas e desafios” de

Antonio Miguel e Maria Ângela Miorin de 2004, “A Educação Matemática Na Visão De Augusto Comte” de José

Lourenço da Rocha (2006) e “A Influência Do Positivismo Na História Da Educação Matemática No Brasil” de

Cristina Dalva Van Berghem Motta e Antonio Carlos Brolezzi (2008).

Ressaltamos que, mesmo com concepções divergentes, foram textos que nos forneceram elementos

importantes para a identificação dos conceitos matemáticos propostos por Comte, de sua filosofia e de seu

entendimento diante da Matemática para que pudéssemos perceber tais elementos nas obras de Perez y Marin.

Diante de tais considerações, podemos concluir que os livros didáticos de Perez y Marin não possuem o

tratamento filosófico da proposta de Comte para a Matemática. Assim, este estudo indica a necessidade de releitura

da produção da Matemática escolar brasileira, especialmente, para o período republicano, pois traz à reflexão as

particularidades imersas no processo de constituição da Matemática escolar brasileira em meio a um movimento

filosófico positivista que predominou no ideário político da República.

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REFLEXÕES ACERCA DO POSITIVISMO NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX...

134 Anais do XII SNHM -2017

Adriana de Bortoli

Faculdade de Tecnologia de Lins-Prof. Antonio

Seabra – FATEC – campus de Cidade - Brasil

E-mail: [email protected]

Marta Figueredo dos Anjos

Universidade Federal do Rio Grande do Norte –

UFRN – Natal – Brasil.

E-mail: [email protected]

Page 143: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

135 Anais do XII SNHM -2017

REVISTA EDUCAÇÃO (1929): INFLUÊNCIA DA PROPOSTA CENTROS DE INTERESSE NO

ENSINO DE MATEMÁTICA DO ENSINO PRIMÁRIO

Juliana Chiarini Balbino Fernandes (UNIFESP/ UNIVÁS) – [email protected].

Este artigo teve como objetivo analisar a proposta pedagógica Centros de Interesse presente no ensino primário, bem

como investigar como o ensino de matemática permeia essa proposta pedagógica. Esse estudo é parte do projeto maior

intitulado “Pensamento pedagógico, formação de professores e práticas do ensino de matemática nos primeiros anos

escolares, 1890‐1970: aspectos da constituição dos saberes a ensinar e para ensinar matemática”, coordenado pelo

Professor Dr. Wagner Rodrigues Valente. Esse projeto maior, analisa em um período de oitenta anos, as

transformações do ensino de matemática nos primeiros anos escolares. O marco temporal desta investigação será

1929, período que estava vigente no Brasil o movimento de renovação educacional, conhecido como Escola Nova.

Esse movimento de renovação educacional considerou a educação como o eixo da questão pedagógica do intelecto

para o sentimento, do lógico para o psicológico, da cognição para os processos pedagógicos, do esforço para o

interesse, da disciplina para a espontaneidade, da quantidade para a qualidade. Como fonte para esse estudo, foi tomada

a “Revista Educação”, volume VI, nº 3, publicada em 1929 pela Diretoria Geral de Instrução Pública e Sociedade de

Educação de São Paulo, em específico o capítulo “Prática da Escola Ativa: Ensino Primário”: Aplicação do Método

Decroly. Este capítulo foi escrito pela professora Odette Bittencourt e apresenta uma atividade prática que teve como

centro de interesse: A cidade. O estudo aqui proposto será realizado pela lente da história cultural e pela história das

apropriações. Os centros de interesse, segundo Decroly, deveriam responder as inquietações e atender as motivações

dos alunos, pois a partir da observação e associação das ideias abstratas e concretas (no espaço e no tempo) seria

possível organizar as informações em conjuntos de conhecimentos. Observou-se que a “Revista Educação” de 1929,

apresenta as três fases proposta por Decroly e o ensino de matemática está configurado nos exercícios de expressão,

responsável por possibilitar a manifestação do pensamento de modo compreensível. A palavra, a escrita, a aritmética

e o concreto podem ser consideradas formas de expressão quando estão conectados a uma ideia. Esta relação é

indispensável, pois a narração oral, escrita ou desenho são formas espontâneas de demonstrar o quanto contribuem

para a construção do pensamento.

Palavras-chave: Centros de Interesse; Revista Educação; Ensino Primário.

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136 Anais do XII SNHM -2017

A PRÁTICA DA MATEMÁTICA SOB UMA DITADURA: A VINDA DE MAURICE FRÉCHET

A PORTUGAL EM 1942

Luis Manuel Ribeiro Saraiva (CMAF/CIUHCT/Universidade de Lisboa) - [email protected]

A Sociedade Portuguesa de Matemática foi fundada em Dezembro de 1940, no contexto de um país submetido a uma

ditadura de características fascistas, e no segundo ano da segunda guerra mundial. Dois grandes objectivos a

orientaram: trazer para Portugal as novas e importantes áreas de investigação matemática e revitalizar a Matemática

Portuguesa captando o interesse da juventude universitária e pré-universitária. Pretendia igualmente que a

Universidade deixasse de ser um espaço exclusivamente destinado a formar quadros quer para o aparelho de estado

quer para o ensino, e passasse a ter uma importante componente de abertura para a investigação. Maurice Fréchet

(1878-1973) foi um importante matemático do século XX que orientou o doutorado em Paris de António Aniceto

Monteiro (1907-1980), o mais importante matemático português deste período, e o grande dinamizador da matemática

portuguesa na fase inicial da Sociedade Portuguesa de Matemática. Trazer Fréchet a Portugal seria ir na direcção da

realização dos objectivos da SPM de contactar directamente um dos matemáticos importantes da sua época e contribuir

para a dinamização e divulgação da matemática em Portugal. Apesar da neutralidade de Portugal na 2ª Guerra

mundial, e das simpatias do governo português com os regimes nazi e fascista italiano, o processo da saída de um

matemático de França não poderia ser simples naquela época, uma vez que o país estava ocupado militarmente pela

Alemanha.Daremos conta do modo como o processo da vinda de Fréchet a Portugal (e a Espanha) se processou, por

meio da análise da correspondência trocada não só entre Monteiro e Fréchet, mas igualmente com outras figuras

importantes em Portugal e em França, dando conta das várias dificuldades que se depararam devido à especificidade

da situação política em Portugal e em França. Descreveremos as actividades de Fréchet em Portugal e os seus contactos

com os matemáticos portugueses, bem como o modo como a imprensa estatal da época noticiou a passagem deste

matemático por Portugal. Referiremos igualmente algumas consequências deste seu contacto com os matemáticos

portugueses, neste episódio tão singular da história matemática portuguesa.

Palavras chave: Fréchet; Monteiro; Matemática e ditadura.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

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137 Anais do XII SNHM -2017

HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA MATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Romélia Mara Alves Souto (UFSJ) - [email protected]

Relatamos neste trabalho uma experiência de ensino de História da Ciência e da Matemática para professoras da rede

de educação básica, no âmbito de um Programa de Mestrado em Educação. Ministramos uma disciplina de trinta horas

para uma turma de alunas/professoras egressas de cursos de licenciatura em química, física, matemática, ciências

biológicas além de filosofia e pedagogia. A ementa da disciplina e a metodologia de trabalho foram pensadas levando-

se em conta essa diversidade de áreas de formação e atuação. No curso, foi dada ênfase ao movimento que se

convencionou chamar “Revolução Científica”, ocorrido no Ocidente, entre os séculos XVI e XVIII, procurando

mostrar que, naquela época, originou-se uma forma de conhecimento com características estruturalmente diferentes

das outras formas até então disseminadas, com suas próprias instituições e linguagens específicas. Procuramos também

apresentar a História da Ciência e da Matemática não como uma sequência de acontecimentos, mas como um

complexo percurso da razão. A dinâmica das aulas pautou-se no estudo de textos, filmes e documentários,

apresentação de seminários e debates. Ao final do curso, as alunas avaliaram a contribuição da História da Ciência e

da Matemática para o seu aprimoramento profissional como algo positivo por vários motivos, destacando-se entre

eles: a mudança na sua maneira de perceber a ciência; a percepção da ciência como produto social e como herança

cultural; a compreensão sobre a natureza da ciência e seu percurso histórico; a possibilidade de compreender melhor

o presente a partir do conhecimento do passado e a descoberta de que as ciências que nos parecem hoje desconectadas,

eram interligadas na sua origem. Acreditamos que o aspecto mais interessante dessa experiência foi a possibilidade

de discutir e refletir sobre algumas questões importantes no fazer da ciência com pedagogas e professoras de várias

áreas disciplinares. Essa diversidade de áreas de interesse e de formação das alunas/professoras favoreceu o

aprofundamento da compreensão de questões que dizem respeito à produção de todas as ciências e da matemática,

criando um ambiente de maior intercâmbio de percepções e conhecimentos. As discussões ocorridas em sala de aula

permitiram uma visão mais abrangente dos processos de produção e difusão dos conhecimentos, desvelando com

maior riqueza de detalhes as múltiplas relações ali implicadas.

Palavras-chave: História da Ciência; História da Matemática; Formação de professores.

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138 Anais do XII SNHM -2017

LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA MODERNA: UM ESTUDO DO INTERIOR

PAULISTA, A PARTIR DE DEPOIMENTOS DE PROFESSORES QUE ENSINARAM

MATEMÁTICA

Zionice Garbelini Martos Rodrigues - IFSP - Brasil

Resumo

Esse artigo tem como objetivo apresentar um recorte da tese de doutorado, intitulada “O Movimento da Matemática

Moderna na Região de Ribeirão Preto: Uma Paisagem”, apresentada no ano de 2010, na Universidade Estadual de

Campinas. Busca-se discorrer sobre um grupo de professores de Matemática que fizeram parte do Movimento da

Matemática Moderna nas décadas de 1960, 1970 e 1980. Esses documentos foram complementados por outros tipos

de fontes escritas. No diálogo com as fontes, diversas facetas da Matemática escolar em tempos de Matemática

Moderna se destacaram. Uma dessas facetas – os Livros Didáticos de Matemática Moderna são discutidos neste

trabalho. Desde o processo de realização e textualização das entrevistas e, ao longo de toda a investigação, estabeleceu-

se um diálogo constante entre os relatos orais dos professores e os textos de diferentes autores que discorrem sobre

aspectos mencionados pelos entrevistados. Nesse diálogo, os ricos relatos dos mesmos, permeados pela emoção de

relembrar práticas, experiências, lugares, companheiros de trabalho, apontaram diversificadas temáticas, algumas

delas ainda pouco exploradas pela literatura da área. Os Congressos Nacionais de Ensino de Matemática, ocorridos

no Brasil na década de 1950, foram os primeiros fóruns privilegiados de discussões sobre a Matemática escolar

brasileira. No primeiro desses congressos, realizado em 1955 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Bahia,

na cidade de Salvador, contou com a presença de 115 professores de sete estados brasileiros, a saber: Bahia, Distrito

Federal, São Paulo, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Pernambuco e Rio Grande do Norte. A professora Marta Maria

Souza Dantas, em seu discurso de abertura, no referido Congresso, manifesta uma posição cautelosa com relação à

introdução de “transformações radicais” no ensino de Matemática. À luz dos depoimentos percebe-se uma motivação

para o movimento da Matemática Moderna e alguns dos depoimentos apontaram que o uso do livro didático foi

significativo para que o processo de mudanças efetivamente pudesse ocorrer. Embora muitos artigos escritos sobre o

movimento mencionem que a motivação inicial do Movimento da Matemática Moderna era a preocupação com a

preparação matemática dos jovens que chegavam à universidade. Academicamente, intenciona-se que este artigo

possa oferecer contribuições para a valorização do Ensino da Matemática e também colaborar no desencadeamento

de novas pesquisas.

Palavras-chave: História; Matemática Moderna; Livro Didático.

MODERN MATHEMATICAL BOOKS: A STUDY OF THE PAULISTA INTERIOR FROM

TESTIMONIES OF TEACHERS WHO TEACHED MATHEMATICS.

Abstract

This article aims to present a cut of the doctoral thesis, entitled "The Modern Mathematics Movement in the Ribeirão

Preto Region: A Landscape", presented at the State University of Campinas, in 2010. It is sought to discuss a group

of Mathematics teachers who were part of the Modern Mathematics Movement in the 1960s, 1970s and 1980s. These

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

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Zionice Garbelini Martos Rodrigues

139 Anais do XII SNHM -2017

documents were complemented by other types of written sources. In the dialogue with sources, several facets of

school mathematics in Modern Mathematics have stood out. One of these facets - the Didactic Books of Modern

Mathematics are discussed in this paper. From the process of realization and textualization of the interviews and,

throughout the investigation, a constant dialogue was established between the oral reports of the teachers and the texts

of different authors that talk about aspects mentioned by the interviewees. In this dialogue, the rich reports of the

same, permeated by the emotion of remembering practices, experiences, places, work associates, pointed out diverse

themes, some of them still little explored in the literature of the area. The National Mathematics Teaching Congresses,

held in Brazil in the 1950s, were the first privileged forums for discussions on Brazilian school mathematics. The first

of these congresses, held in 1955 at the Faculty of Philosophy, Sciences and Letters of Bahia, in the city of Salvador,

was attended by 115 professors from seven Brazilian states: Bahia, Federal District, São Paulo, Rio Grande do Sul

South, Espírito Santo, Pernambuco and Rio Grande do Norte. Professor Marta Maria Souza Dantas, in her opening

address at the aforementioned Congress, expresses a cautious position regarding the introduction of "radical

transformations" in the teaching of Mathematics. In the light of the testimonies one can see a motivation for the

Modern Mathematics movement and some of the statements pointed out that the use of the didactic book was

significant so that the change process could effectively take place. Although many articles written about the movement

mention that the initial motivation of the Modern Mathematics Movement was concern for the mathematical

preparation of the young people who arrived at the university. Academically, it is intended that this article can offer

contributions for the valorization of Mathematics Teaching and also collaborate in the triggering of new researches.

Keywords: History; Modern Mathematics; Textbook

1. Introdução

Neste estudo investiga-se o momento histórico vivenciado por um grupo de professores de Matemática, num período

compreendido entre 1960 e 1980, tendo como elemento de referência o Movimento da Matemática Moderna (MMM).

Com o depoimento destes professores torna-se possível esboçar uma compreensão das relações entre eles e o MMM

na região da cidade de Ribeirão Preto, no interior paulista.

Neste contexto foi elaborada a questão problema, que é parte integrante da tese de doutoramento “O

Movimento da Matemática Moderna na Região de Ribeirão Preto: Uma Paisagem”, desta autora, defendida no ano de

2010, com vistas a compreender: como se deu o processo de apropriação de propostas do Movimento da Matemática

Moderna na região de Ribeirão Preto?

A escolha do tema, do período e da região são decorrentes de circunstâncias de vida desta

autora/pesquisadora o que, de certa forma, busca-se mostrar na sequência.

2. A Criação do Grupo de Estudos do Ensino de Matemática (GEEM).

A tese do professor Osvaldo Sangiorgi, no Segundo Congresso Nacional de Ensino de Matemática, já em

seu título, anunciava as discussões sobre o ensino de Matemática que estariam em pauta nas décadas seguintes:

“Matemática clássica ou Matemática moderna, na elaboração dos programas do ensino secundário?”.

Dois anos após a realização do Segundo Congresso, sob a direção de Osvaldo Sangiorgi, é criado o Grupo

de Estudos do Ensino de Matemática (GEEM). Foi feita ao professor Sangiorgi a seguinte pergunta: “Que é o G.E.E.M.

Page 148: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA MODERNA...

140 Anais do XII SNHM -2017

de São Paulo?”. E este respondeu em sua publicação “A Matemática no Ensino Secundário. Atualidades Pedagógicas”

(1962):

Trata-se do Grupo de Estudos do Ensino da Matemática que, em cooperação direta com

a Secretaria da Educação de São Paulo, objetiva principalmente coordenar e divulgar a

introdução da Matemática Moderna na Escola Secundária (SANGIORGI, 1962, p.10).

Contemplando em “seus quadros professores universitários e secundários de Matemática”, o grupo

realizava, “em convênio com os Governos Federal e Estadual, Cursos de Aperfeiçoamento (que variavam desde uma

quinzena de duração) destinados a professores secundários e que objetivavam a introdução dos novos conceitos e da

renovação da linguagem matemática” (SANGIORGI, 1962, p.12).

No primeiro ano de funcionamento, do GEEM em 1961, foram realizados cursos “nas cidades de Santos e

de Itapetininga”, que tinham em seu programa as seguintes disciplinas: “Lógica Matemática, Álgebra Moderna e

Seminários sobre tópicos de assuntos de um moderno programa de Matemática para a Escola Secundária”.

(SANGIORGI, 1962, p.12).

Desde 1962, aconteciam reuniões mensais do grupo, “destinadas a professores secundários, de trabalhos

experimentais que cerca de nove professores vêm realizando com uso de linguagem moderna em suas aulas”

(SANGIORGI, 1962, p.12).

Nos anos seguintes, os cursos oferecidos pelo GEEM foram sendo reorganizados, dando origem a três

estágios, com dois grupos distintos de disciplinas: “teóricas” e “práticas”.

No Programa para os três estágios de cursos oferecidos pelo GEEM em 1965, por exemplo, encontram-se

disciplinas de “Tópicos Matemáticos” (Teoria dos Conjuntos, Lógica Matemática, Álgebra Moderna 1 e 2, Cálculo

Infinitesimal, Vetores e Geometria Analítica Probabilidades, Topologia e Programação Linear” e “Pedagógicas”

(Seminários de Ensino, Práticas Moderna e Sessões de Estudo – Curso Normal) (LIMA, 2006).

A distinção entre os dois grupos de disciplinas, no entanto, nem sempre era perceptível. Algumas disciplinas

que pertenciam à parte pedagógica nem sempre problematizavam questões do ensino fundamental ou médio.

Em entrevista a Flainer Rosa de Lima, o professor Irineu Bicudo, responsável pela disciplina Seminários

de Ensino, afirma que esta disciplina era direcionada à “formação matemática do professor” e não tinha a intenção de

“aplicar de imediato aquilo que estava sendo ensinado”. O professor pondera que “faltava essa bagagem matemática

que pudesse servir de fundamento para ele por a prática dele sobre. E os cursos que ministrei sempre foram nesse

sentido. Não esperava que fossem aplicados em sala de aula” (LIMA, 2006, p. 67).

Ao contrário do que afirma o professor Irineu Bicudo, alguns dos entrevistados consideram que nem sempre

conteúdos matemáticos disponibilizados em cursos de Matemática Moderna foram importantes para a fundamentação

da prática escolar.

3. Cursos e Livros sobre Matemática Moderna

A professora Mirthes M. B. Alexandre, aluna do Curso de Especialização sobre Álgebra de Boole, oferecido

pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras “Barão de Mauá” e ministrado por Osvaldo Sangiorgi, manifesta essa

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Zionice Garbelini Martos Rodrigues

141 Anais do XII SNHM -2017

posição. Embora afirme ter gostado muito do curso, ela considera que, no início, achou meio complicada essa “Álgebra

de Boole”. Pondera que “foi um curso muito bom, uma aula diferente, com uma pessoa que admira demais” e que

gostou “da parte de socialização e do conteúdo que ele ministrou”. Entretanto, a professora Mirthes conclui afirmando

que “não foi possível aproveitar muito do que aprendi em sala de aula” (BORTOLIN ALEXANDRE, Depoente 2006

apud MARTOS RODRIGUES, 2010, p.100).

Para a mesma professora, o conteúdo matemático central do curso, Álgebra de Boole, não auxiliou na sua

prática docente. A professora Maria Aparecida Coelho, que frequentou o mesmo curso que Mirthes, ou seja, o de

Especialização sobre Álgebra de Boole e, assim como ela, era formada em Licenciatura em Matemática, manifesta

uma posição semelhante ao afirmar que:

[...] embora o curso tenha sido sobre Álgebra de Boole e aplicações, o forte da aula do

Sangiorgi eram histórias de contextos escolares que ele compartilhava com os alunos. As

aulas eram muito ricas nesse sentido, não no conteúdo da Álgebra de Boole, mas, no

sentido da experiência dele como professor e das experiências dele nas salas de aula

(COELHO, 2006, depoente apud MARTOS RODRIGUES, 2010, p. 86).

A dificuldade de muitos professores na apropriação dos novos conteúdos da Matemática Moderna em suas

aulas, mesmo após a participação em cursos, palestras e outras atividades propostas pelo GEEM ou por outros grupos

a ele filiados, como o Centro Regional de Aperfeiçoamento e Ensino da Matemática (CRAEM) e o GEEM, muitas

vezes, levou à adoção de livros didáticos, “usados como uma bíblia”. E a bíblia era o livro de Osvaldo Sangiorgi para

o Curso Ginasial.

Usávamos os livros didáticos como uma bíblia; basicamente eu usei os livros do

Sangiorgi, mesmo porque eu fiz um curso de especialização com ele e o conhecia

pessoalmente. Usava os livros do Sangiorgi do começo ao fim, tudo o que estava proposto

ali, com poucas alterações (COELHO, 2006, depoente apud MARTOS RODRIGUES,

2010, p. 86).

“Nós adotamos os livros do Sangiorgi na escola municipal São Luiz. Adotávamos os livros dele porque

achávamos que eram os melhores” (BORTOLIN ALEXANDRE, 2006, depoente apud MARTOS RODRIGUES,

2010, p. 86).

Os livros do professor Sangiorgi, como várias investigações já apontaram, foram os maiores orientadores

da introdução da Matemática Moderna nas séries finais do Ensino Fundamental das escolas brasileiras. A grande

vendagem desses livros transformou a coleção em um recordista de vendas no período. A tiragem dos livros da Coleção

Matemática Moderna “chegou à casa dos quatro milhões, com exatamente 4.332.702 exemplares de 1964 a 1972”

(LAVORENTE, 2008, p.233).

4. A Matemática Moderna e a PREM Ribeirão Preto-SP

Nos depoimentos concedidos por professores de Matemática que lecionaram à luz da Matemática Moderna,

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LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA MODERNA...

142 Anais do XII SNHM -2017

em Ribeirão Preto-SP, em vários momentos, há ênfase na importância dos livros para a formação do professor na nova

proposta.

O professor Antonio Santilli, por exemplo, afirma que a “Matemática Moderna foi introduzida em Ribeirão

Preto, com a prática dos professores”, na qual o livro didático desempenhou um papel fundamental.

[...] Não tivemos uma introdução, um preparo inicial. Baseávamos nos ensinamentos dos

livros didáticos, em especial, os livros do matemático Osvaldo Sangiorgi. Após um inicio

titubeante e pouco promissor, graças ao esforço dos professores, a troca de ideias e

algumas palestras do Sangiorgi, a Matemática Moderna teve uma aceitação muito boa e

sua aplicação ao educando foi evoluindo muito bem, em todos os níveis, especialmente

nas primeiras séries ginasiais, hoje 5ªs e 6ªs séries do Ensino Fundamental (SANTILLI,

2006, depoente apud MARTOS RODRIGUES, 2010, p. 51).

Para a professora Maria Aparecida, os livros, naquela época, eram os principais referenciais para o trabalho

pedagógico.

[...] Não me lembro de livros paradidáticos ou de materiais. O livro didático era o único

material utilizado. A gente só trabalhava mesmo com livros didáticos; Matemática formal

e livro didático. Agora, não sei se lhe interessa diretamente este fato, mas o que veio

romper um pouco com esse formalismo foi quando tomei conhecimento do livro do

‘Polya’ (COELHO, 2006, depoente apud MARTOS RODRIGUES, 2010, p.67).

A Coleção Matemática Moderna de Osvaldo Sangiorgi já contempla algumas das características dos livros

didáticos que surgem com as inovações do setor editorial brasileiro, dentre as quais a introdução de cores, mudanças

de dimensões, introdução de notas, lembretes, amigos, entre outros. O volume 1 da coleção é o primeiro livro

brasileiro para o ensino ginasial, de autoria de Osvaldo Sangiorgi, já com a utilização de um título com o termo

moderno, publicado pela Companhia Editora Nacional, em 1963 (MIORIM, 2005).

Durante o período em que o Movimento da Matemática Moderna foi implantado em escolas brasileiras, a

produção de livros didáticos começou a ser efetuada de uma maneira diferente de outros momentos históricos. Neste

período, muitas obras foram escritas a partir de experiências inovadoras realizadas em diferentes tipos de escolas.

Muitos desses livros eram escritos em parceria por professores que compartilhavam experiências semelhantes ou eram

parceiros em grupos de estudo.

O professor Ruy Madsen Barbosa, membro atuante do GEEM e do CRAEM, escreveu diversos livros

didáticos de Matemática Moderna. Alguns deles relacionados a disciplinas que ministrava em cursos de

aperfeiçoamento de professores e outros para o Ensino Fundamental e Ensino Médio.

Talvez o primeiro texto didático do professor Ruy Madsen Barbosa tenha sido o volume 5 da Série

Professor do GEEM, intitulado “Combinatória e Probabilidades”. Este tema era desenvolvido pelo professor Ruy em

cursos e palestras de Matemática Moderna promovidas pelo GEEM.

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Zionice Garbelini Martos Rodrigues

143 Anais do XII SNHM -2017

Figura 1 – Combinatória e Probabilidades

Fonte: Martos Rodrigues (2010, p.143)

Outro livro do professor Ruy Madsen Barbosa, que se relaciona diretamente às disciplinas dos cursos

oferecidos pelo GEEM é o livro “Elementos de Lógica aplicada ao ensino secundário”, publicado em 1968, pela

Editora Nobel.

Figura 2 – Elementos de Lógica aplicada ao ensino secundário

Fonte: Martos Rodrigues (2010, p.144)

A coleção de livros didáticos de Matemática Moderna para o Ensino Médio, então denominado Colegial,

foi escrita por Ruy Madsen Barbosa e Luiz Mauro Rocha, junto com os companheiros do GEEM.

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LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA MODERNA...

144 Anais do XII SNHM -2017

Figura 3 – Curso Colegial Moderno – 3º Volume

Fonte: Martos Rodrigues (2010, p.145)

Outro entrevistado, Armando Righetto, professor universitário, escreveu livros de Matemática Moderna

para o Ensino Superior. Com relação ao livro “Vetores e Geometria Analítica”, publicado em 1988, pelo Instituto

Brasileiro do Livro Cientifico (IBCL), no decorrer da entrevista, o professor folheava o livro e tecia os seguintes

comentários:

É um livro bem extenso, tem exercícios propostos e exercícios resolvidos; geralmente os

exercícios resolvidos são os exercícios mais difíceis, mas têm muitos exercícios. O

primeiro capitulo é o de Vetores, depois é que vem a Analítica e eu chego até lá nas

quádricas; todo o livro é assim e tem de cálculo também.

Figura 4 – Vetores e Geometria Analítica

Fonte: Martos Rodrigues (2010, p.145)

O professor Righetto também escreveu livros de Cálculo, um deles em parceria com o professor Antonio

Sergio Ferraudo.

Page 153: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Zionice Garbelini Martos Rodrigues

145 Anais do XII SNHM -2017

Figura 5 – Cálculo Diferencial e Integral

Fonte: Martos Rodrigues (2010, p.146)

Os entrevistados levantaram diferentes aspectos com relação aos livros didáticos de Matemática Moderna.

Para o professor Marcio de La Corte esses livros não apresentam uma Nova Matemática, mas, sim, uma nova

abordagem da matemática.

Estes livros didáticos apresentaram aos estudantes e professores não uma moderna

Matemática, mas uma nova abordagem da matéria, como Teoria dos Conjuntos,

Estruturas Algébricas Elementares e Estruturas de Ordem. Antigamente e, por muito

tempo, no ensino da Matemática foi feito na base de muitos cálculos, muita conta e com

ênfase na decoração, os livros quase não mudavam e passavam de uma geração para

outras (DE LA CORTE, 2005, depoente apud MARTOS RODRIGUES, 2010, p.146).

O professor Santilli considera que o trabalho com a teoria dos conjuntos associado a uma simbologia mais

adequada possibilitou uma articulação entre conceitos, até então trabalhados isoladamente, e uma maior compreensão

da Matemática.

Já conhecíamos a teoria dos conjuntos, porém, o enfoque dado a essa teoria pela

Matemática Moderna foi altamente positivo. A abrangência da teoria dos conjuntos nos

vários conceitos, em todos os campos da Matemática, nos trouxe uma compreensão muito

maior da cada assunto. O realce do conjunto, aliado a riqueza da simbologia, tornou

mais clara a compreensão e muito mais compreensível para o educando. Em classe, a

Matemática ficou mais fácil, ganhou mais vida e tornou-se se agradável. A Matemática,

como eu falei, foi introduzida aqui em Ribeirão Preto, mais no sentido prático, dentro das

salas de aulas, pelos próprios professores, com as matérias iniciais fornecidas por

Osvaldo Sangiorgi e sua coleção de livros. No mais, eram estudos feitos pelos próprios

professores que aplicavam; aqueles que enfim, se dedicavam. Nós trocávamos ideias, e

íamos aplicando, nós não tivemos uma orientação mais segura, vinda de fora, a não ser

a de Osvaldo Sangiorgi (DE LA CORTE, 2005, depoente apud MARTOS RODRIGUES,

2010, p.147).

O professor Ruy Madsen Barbosa também fez uma crítica aos livros didáticos de Matemática Moderna. Em

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LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA MODERNA...

146 Anais do XII SNHM -2017

certo momento de sua entrevista ele disse: “foi uma pena que naquela época houve uma corrida para redigir textos,

livros...”. Solicitado a explicar melhor a sua afirmação, o professor Ruy faz uma avaliação pessoal sobre as produções

didáticas daquele período. Ele concorda que “os livros estavam, de certa forma, desatualizados”, mas considera que

“surgiram coisas que prejudicaram o Movimento de Modernização da Matemática, o que me parece aconteceu

também no exterior” (MADSEN BARBOSA, 2005, depoente apud MARTOS RODRIGUES, 2010, p.147).

Relembra nesse momento o livro “O Fracasso da Matemática Moderna” de Morris Kline. Entretanto, ele

afirma não concordar com essa leitura. Para ele, o problema estava relacionado ao mercado editorial, à corrida pela

publicação de livros novos, pioneiros, o que levou ao “surgimento de textos escritos por pessoas não preparadas”.

Erros, falta de exatidão...

Livros, por exemplo, para a escola primária com gravíssimos erros e, naquela ânsia de

se fazer talvez uma coisa nova, a própria teoria dos conjuntos foi empregada em várias

séries, desde o primário até o colegial. Alguns se desculpavam por ter feito isso porque

eles precisavam dessa linguagem subjacente que eram os conjuntos, ou a lógica. A lógica,

no ensino colegial ficou, nos primeiros anos, somente em termos das tabelas verdade e

não houve desenvolvimento. Então, você veja que vários desses textos que foram

preparados, obviamente não podiam ter exatidão em tudo. Os antigos autores tinham que

se reformular ou mesmo aprender. A teoria dos conjuntos e estruturas algébricas eram

dadas nas faculdades nessa época, mas sobre outro ponto de vista. (...). Essa é a grande

verdade (MADSEN BARBOSA, 2006, depoente apud MARTOS RODRIGUES, 2010,

p.148).

A partir de uma leitura atenta às entrevistas, percebeu-se que a ênfase aos livros didáticos fora dada pelos

depoentes que se escolheu para este artigo, assim sendo, destacamos as falas mais significativas no que se refere a esta

temática.

5. Considerações Finais

Assim, buscamos neste trabalho uma interlocução com os depoentes para comprovarmos nossa intenção.

O processo de apropriação do conjunto de ideias relativas ao Movimento da Matemática Moderna por dez

professores que lecionaram na região de Ribeirão Preto representou um grande desafio que à medida que ocorriam as

entrevistas e aprofundava as temáticas sorteadas novos conhecimentos foram examinados, reformulados, ampliados,

revalorizados e transformados.

À luz dos depoimentos percebemos uma motivação para o movimento da matemática moderna, alguns dos

depoimentos apontam que o uso do livro didático foi significativo para que o processo de mudanças efetivamente

pudesse ocorrer.

Bibliografia

ALEXANDRE, Mirthes Maria Bortolini. Entrevista. Concedida à Zionice Garbeline Martos, em 09 de Agosto de

2006. Local: Bonfim Paulista – SP.

BARBOSA, Ruy Madsen. Entrevista. Concedida à Zionice Garbeline Martos, em 23 de Maio de 2006. Local: Cidade

Page 155: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Zionice Garbelini Martos Rodrigues

147 Anais do XII SNHM -2017

de Campinas – SP.

COELHO, Maria Aparecida V. M. P. Entrevista. Concedida à Zionice Garbeline Martos, em 09 de Novembro de

2006. Local: Cidade de Campinas – SP.

LA CORTE, Marcio de. Entrevista. Concedida à Zionice Garbeline Martos, em 28 de Novembro de 2005. Local:

Cidade de Ribeirão Preto – SP.

LAVORENTE, Carolina R. A Matemática Moderna nos livros de Osvaldo Sangiorgi. Dissertação (Mestrado em

Educação Matemática). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: PUCSP, 2008

LIMA, F. R. Grupo de estudos do ensino da matemática e a formação de professores durante o Movimento da

Matemática Moderna no Brasil – GEEM. 2006. 131 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática). Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.

MARTOS RODRIGUES, Zionice G. O Movimento da Matemática Moderna: Uma Paisagem. Tese (Doutorado em

Educação Matemática) Faculdade de Educação. Universidade Estadual de Campinas. Campinas: UNICAMP, 2010.

MIORIM, M. A. Livros didáticos de matemática do período de implantação do Movimento da Matemática Moderna

no Brasil. In: V Congresso ibero-americano de educação matemática, V CIBEM. Porto, 2005.

RIGHETTO, Armando. Entrevista. Concedida à Zionice Garbeline Martos, em 26 de setembro de 2005. Local: Cidade

de Patos de Minas – MG.

SANGIORGI, O. Introdução da Matemática Moderna no Ensino Secundário. Matemática Moderna para professores

do ensino secundário. São Paulo: GEEM, 1962.

SANTILLI, Antônio. Entrevista. Concedida à Zionice Garbeline Martos, em 26 de Novembro de 2006. Local: Cidade

de Ribeirão Preto – SP.

Profa Dra Zionice Garbelini Martos

Rodrigues

Departamento de Matemática – IFSP – campus de

Birigui - Brasil

E-mail: [email protected]

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148 Anais do XII SNHM -2017

ARTE E MATEMÁTICA NOS MÓDULOS DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA DO

PROJETO LOGOS II

CRISTIANE TALITA GROMANN DE GOUVEIA

Universidade Estadual Paulista – UNESP – Brasil

SÉRGIO CANDIDO DE GOUVEIA NETO

Universidade Federal de Rondônia/Universidade Estadual Paulista – UNIR/UNESP – Brasil

Resumo

Na década de 1970, o Governo Militar criou o Projeto Logos II, que tinha como objetivo a habilitação de professores,

conhecidos na época como “professores leigos”, para atuarem em sala de aula. O curso, em nível de segundo grau,

habilitava para o exercício do magistério nos quatro primeiros anos da escolaridade. A grade curricular do Logos II

era composta por 28 disciplinas (3.480h), divididas em duas categorias (Geral e Especial). A primeira parte era voltada

para a formação de 5.ª a 8.ª série do 1.º Grau e 2.º Grau, ao passo que a segunda (especial) era responsável pela

formação do Magistério. O material didático utilizado nas disciplinas eram livros em formato de brochuras, chamados

de “módulos”. A disciplina de Educação Artística tinha oito módulos e fazia parte do rol de Formação Geral Projeto

Logos. Em tempos de ditadura civil-militar, contudo, é legítima a indagação de como a arte seria ensinada aos

professores do Logos II. Como o projeto era pautado no modelo fordista-taylorista (tecnicismo), a arte era tratada

como um elemento que poderia ser produzido em massa e, desse modo, a matemática tinha um papel preponderante.

Os módulos de Educação Artística do Projeto Logos II continham muitos indícios de elementos geométricos,

principalmente linhas, pontos, retas, círculos, triângulos e quadrados. Semelhantemente, foi observada também a

presença de noções de simetria e assimetria no trabalho artístico. De uma maneira geral, foi notado que não era

ensinada uma arte-libertadora ou mesmo uma arte-protesto, mas, antes de tudo, uma arte voltada para a produção, em

sintonia com as caraceterísticas da educação da época. Resultados semelhantes foram observados por Campos e

Zanlorenzi (2009), que analisaram um livro de Educação Artística do início da década de 80. Como considerações

finais, ressaltamos que uma das consequências do tecnicismo para o ensino da arte foi a sua redução apenas ao ensino

de desenho e pintura, como se essas fossem as únicas modalidades artísticas existentes.

Palavras-chave: História, Magistério, Regime Militar.

ART AND MATHEMATICS IN THE MODULES OF THE ARTISTIC EDUCATION SUBJECT OF THE

LOGOS II PROJECT

Abstract

In the 1970s, the Military Government created the Logos II Project, which aimed at enabling teachers, known at the

time as “lay teachers”, to work in the classroom. The course, of a second level, enabled the practice of teaching in the

first four years of schooling. The curriculum of the Logos II was composed of 28 subjects (3,480 hours), divided into

two categories (General and Special). The first part focused on the 5th to 8th grades of the primary and secondary levels,

while the second (special) was responsible for teachers’ formation. The didactic material used in the subjects consisted

of books in the format of brochures, called “modules”. The subject of Artistic Education had eight modules and was

part of the roll of the Logos Project General Training. In those times of civil-military dictatorship, however, it is

legitimate to ask how Art would be taught to the teachers of the Logos II. As the project was based on the Fordist-

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 157: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Cristiane Talita Gromann de Gouveia, Sérgio Candido de Gouveia Neto.

149 Anais do XII SNHM -2017

Taylorist model (technicism), Art was treated as an element that could be mass produced and, therefore, Mathematics

played a leading role. The Logos II Art Education modules contained many indications of geometric elements,

especially lines, dots, straight lines, circles, triangles, and squares. Likewise, the presence of notions of symmetry and

asymmetry in artistic works was also observed. In general, it was noted that notions of Art as liberation or even of Art

as a form of protest were not taught; it was, above all, a production-oriented Art that was taught, in tune with the

characteristics of the education of the time. Similar results were observed by Campos and Zanlorenzi (2009), who

analyzed an Art Education book of the early 1980s. As final considerations, we emphasize that one of the

consequences of the technicalism of the teaching of Art was its reduction only to the teaching of drawing and painting,

as if these were the only existing artistic forms.

Keywords: History, Teaching, Military Regime.

1. Introdução

Arquitetura da Destruição é um documentário de 1989, produzido e dirigido pelo cineasta sueco Peter Cohen, que

mostra como a arte foi usada como “pano de fundo” pelos nazistas, desde a estética das cidades passando pela busca

de um ideal de beleza e de homem perfeito, até chegar à justificativa para uma limpeza étnica. Para Cohen, Hitler vai

buscar na arte da Antiguidade Clássica, o ideal de homem e de beleza, em oposição à arte moderna, que os nazistas

consideravam degenerada e relacionada ao Bolchevismo e aos Judeus.

Para os nazistas, a arte moderna representava os problemas genéticos existentes na sociedade e para tanto,

em oposição a essa “arte degenerada”, era preciso uma “arte sadia”, de acordo com os ideais estéticos da raça ariana.

Além disso, o ideal de beleza representava a saúde, e assim era necessário eliminar as doenças, que poderia contaminar

o corpo social. A limpeza de todos os espaços – casas, locais de trabalho, etc. –, justificava o processo de purificação,

da raça e de toda cultura.

Mas, em tempos de crises, a arte pode usada como um meio de resistência. Como forma de resistência ao

regime nazista, em 1937, Pablo Picasso pinta “Guernica”, um quadro que tratava do bombardeio nazista na cidade

espanhola de Guernica. Pintado em preto, azul e branco e no estilo cubista, a obra demonstrava o repúdio do artista

ao horror nazista. Conta-se que numa exposição, foi perguntado a Picasso qual o papel da arte, ao que ele teria dito:

“Não, a pintura não está feita para decorar apartamentos. Ela é uma arma de ataque e defesa contra o inimigo”.

No Brasil, em tempos de ditadura civil-militar, a arte também foi um instrumento de luta. Já nos primeiros

anos, artistas de diversos campos da arte, da música, do teatro, das artes plásticas e outros; empunhavam suas armas

– canetas, barros, vozes, pincéis – para lutar contra o regime instalado. A música, por exemplo, foi um importante

instrumento de comunicação e luta. Além de servir como um meio para registrar os acontecimentos do período

(PINHEIRO, 2010), as músicas estimularam de alguma forma, discussões sobre o regime militar, mesmo que algumas

canções não fossem criadas com objetivo de protesto, como a música “Pra não dizer que não falei das flores” de

Geraldo Vandré.

Se por um lado, artistas estavam usando as diversas linguagens da arte como forma de protesto, por outro, o

regime militar tinha seus meios para alcançar a população, como uma arte que eles consideram adequada. Os projetos

educacionais, como forma de divulgação de uma cultura dominante, constituíam um importante meio para cumprir as

demandas do regime.

Dentre os diversos projetos educacionais instituídos pelos militares, estava o Logos II, que foi um programa

de educação a distância, criado em 1975 e implantado em 1976, pelo Governo Federal, por meio do MEC (BRASIL,

1975; CETEB, 1984). Foi planejado na esfera Federal, mas foi dada aos Estados e aos Territórios Federais, autonomia

para que “elaborassem seus próprios planos de habilitação dos professores não titulados” (AMARAL, 1991, p.63). O

programa foi implantado inicialmente nos Estados da Paraíba, Piauí e no Território de Rondônia. “O critério de escolha

dessas unidades deveu-se ao alto índice de professores leigos existentes nesses locais em face das dificuldades de

comunicação, acesso à infraestrutura, o que se prestava mais propriamente para o experimento, pelas dificuldades”

(BRASIL, 1975, p.7). Posteriormente, juntaram-se ao projeto-piloto, os estados do Paraná e Rio Grande do Norte.

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ARTE E MATEMÁTICA NOS MÓDULOS DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA DO PROJETO LOGOS II

150 Anais do XII SNHM -2017

Quando o projeto foi encerrado, já abrangia um total 19 Estados da federação, sendo esses, além dos cinco já citados,

os Estados do Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do

Sul, Minas Gerais, Pará, Santa Catarina, Sergipe e Território Federal Roraima (CETEB, 1984).

O programa seguia o propósito de capacitar, em regime emergencial, os professores que eram leigos e, dessa

forma, o docente-cursista, ao concluir seus estudos, estava habilitado em nível de segundo grau para exercício do

magistério nas quatro primeiras séries do 1º Grau. O Logos II adotava os moldes do Ensino Supletivo, ou seja,

educação a distância no sistema modular, ficando, então, o Departamento de Ensino Supletivo (DSU) responsável por

sua execução. O material didático e outras responsabilidades ficaram aos cuidados do Centro de Ensino Técnico de

Brasília (CETEB).

A grade curricular do programa era composta por 28 disciplinas (3.480 h), sendo divididas em duas categorias

(Geral e Especial) mais 2.000 horas de estágio que, inicialmente, era supervisionado. A Educação geral baseava-se na

“legislação pertinente aos conteúdos relativos ao ensino de 1º e 2º graus e foi subdividido em 12 disciplinas e 106

módulos” (CETEB, 1984, p. 16), classificado em nível crescente de dificuldade. Já a parte de Educação Específica

continha “18 disciplinas, que eram estudadas em 99 módulos, igualmente sequenciados dos assuntos mais simples

para os mais complexos” (CETEB, 1984, p. 16). No total, foram elaborados “205 módulos além de uma série

introdutória denominada ‘preparação do cursista’, da qual constam as informações básicas do Projeto, sua

operacionalização e as responsabilidades do aluno participante” (CETEB, 1984, p. 16). Os módulos eram livros

em formato de brochuras, entregues aos professores-cursistas no início do curso. Eram, senão a única, uma das

principais fontes que os cursistas tinham para estudar. No rol das disciplinas da categoria geral do Logos II, figurava

a Educação Artística, com oito (8) módulos (Figura 1). Mas, em tempos de ditadura civil-militar, como e que arte era

ensinada aos professores?

Figura 1 - Capas de alguns módulos da disciplina “Educação Artística”

Fonte: Acervo pessoal dos autores.

Para tentar responder essas perguntas, este artigo visa elaborar um estudo histórico, mostrando como e que

tipo de arte era ensinado aos professores-cursistas do Logos II, que estudavam por meio dos módulos da disciplina de

“Educação Artística”.

Tal estudo justifica-se pela dimensão e importância que o Projeto Logos II adquiriu, ao longo dos anos,

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Cristiane Talita Gromann de Gouveia, Sérgio Candido de Gouveia Neto.

151 Anais do XII SNHM -2017

cobrindo diversos Estados da Federação, conforme discutido antes. Foi ainda, um projeto político-pedagógico

importante, que pode ter impactado diretamente a educação do país, uma vez que muitos professores foram formados

neste projeto.

Além dessa introdução, que tratou de um panorama educacional nos tempos do Projeto Logos II, o artigo está dividido

em fundamentos teórico-metodológicos e na discussão dos resultados. A primeira parte dos resultados e discussões

trata sobre o que se pretendia ensinar em termos de arte aos professores-cursistas. Já a segunda parte abordará as

relações entre matemática e arte, percebidos nos módulos da disciplina de Educação Artística. Por fim, serão feitas

algumas considerações e apontadas sugestões de pesquisas futuras.

2. Referencial Teórico-Metodológico

Foi utilizado como método de análise o Método Indiciário (GINZBURG, 1989). Segundo Ginzburg (2007), entre

1874 e 1876, Giovanni Morelli, sob o pseudônimo de Ivan Lermolieff, publicou uma série de artigos sobre a pintura

italiana, em que propôs um método de atribuição de autoria dos quadros antigos. Para Morelli, atribuir cada quadro

ao seu verdadeiro autor era um problema difícil: obras não assinada, repintadas ou em mau estado de conservação

complicavam ainda mais a situação. Morelli apresentou uma solução para o problema, propondo que era preciso não

se basear nas características mais vistosas, mas examinar os pormenores, aqueles pontos anteriormente negligenciados.

Associado ao método de Ginzburg, utilizamos a crítica ao documento de Marc Bloch, pois segundo esse

autor, é necessário ter um olhar mais crítico em relação ao documento e também procurar confrontar as fontes, pois

um documento é muito mais do que diz ser (BLOCH, 2001). Desse modo, teremos como fontes históricas as

legislações e módulos referente ao Projeto Logos II. Foram consideradas também artigos, dissertações e teses,

relacionados ao referido projeto e a história da arte, sendo que, nos trabalhos analisados sobre a arte, a qual era vista

como forma de arte-protesto.

Para estabelecer o processo de criticidade, conforme sugerido por Bloch, aliamos ainda a triangulação de

dados como colocada por Sandra Mathison (1988), em que utiliza-se diversas fontes de dados que são confrontadas

com o intuito de verificar se há incoerência entre os dados. O valor da triangulação está na possibilidade que o

investigador tem de construir explicações sobre os fenômenos sociais a partir do qual eles surgem. Desse modo,

utilizam-se, não apenas dos resultados convergentes, mas também de resultados inconsistentes e contraditórios

(MATHISON, 1988).

Utilizando-se do paradigma indiciário, a crítica ao documento e a triangulação de dados, a análise dos

módulos de Educação Artística do Projeto Logos II partiu de uma leitura abrangente dos módulos (fontes),

considerando os elementos presentes nos textos e imagens. A observação estendeu-se para elementos externos aos

módulos, tomando as legislações, outros textos, filmes, obras de arte, ou seja, os contextos espaço-temporais em que

se inseriam e em outros espaços-tempos. Portanto, a ideia era colocar em evidência aqueles elementos menores, os

resíduos, e a partir daí construir uma história.

3. Resultados e Discussões

3.1. As diversas linguagens artísticas presente nos módulos de Educação Artística do Projeto Logos II

A história da arte está muito presente nos módulos da disciplina de Educação Artística do Projeto Logos II (Quadro

1), desde a pré-história, passando pela arte no Egito Antigo, Grécia e chegando aos movimentos da pintura, isto nos

séculos XIX e XX. Essas diversas formas de expressão humana ao longo do tempo, denominamos de linguagens

artísticas. De um modo geral, esses são meios de expressar ideias, sentimentos, emoções, crenças ou apenas formas

de perceber e ver o mundo, com objetivo estético ou comunicativo.

Nos módulos, percebemos também uma tentativa de ligação ou a criação de paralelos entre diversos lugares

e momentos diferentes ao longo do tempo. Por exemplo, no módulo 01, ao tratar da escultura, os autores fazem um

passeio pelos modelos de esculturas da pré-história, do Egito Antigo e do nordeste brasileiro.

Conforme as informações do Quadro 1, notamos que, apesar da diversidade de linguagens artísticas nos

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ARTE E MATEMÁTICA NOS MÓDULOS DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA DO PROJETO LOGOS II

152 Anais do XII SNHM -2017

módulos, com uma abordagem histórica, não se tratou da música, do teatro, do cinema, da fotografia e outras formas

de expressão da arte. Tivemos em consideração que havia disciplinas específicas no curso, como por exemplo, a

literatura, que talvez tenha levado os elaboradores dos módulos à opção de não colocar tais linguagens no rol de

conteúdos de Educação Artística.

Quadro 1 - Conteúdos dos módulos de Educação Artística do Logos II

Módulos Conteúdos

Módulo 01 - Arte na pré-história (esculturas, pinturas rupestres);

- Diferença entre arte (estética) e artesanato (ligada a uma função);

- Arquitetura rupestre (Stonehenge);

- Arte no Egito Antigo (arte de túmulos e templos, esculturas, pinturas,

cadeiras e camas egípcias); Grécia (a.C.) (templos, esculturas, vasos) e

Roma (arcos romanos, templos, esculturas);

- Arte do povo (ligado a crenças) (esculturas em madeiras da Oceania,

Pinturas em madeiras para espantar o mal, cavaleiros africanos em

madeira, ex-votos de São Francisco do Canindé – Ceará, Vasos, Urnas

funerárias, Vasos de Cerâmica – Mato Grosso, Bahia, Pará-, Cerâmicas,

Arte indígenas);

Módulo 02 - Capacidade de criação;

- Exercícios sensoriais (tato, olfato, paladar, audição, visão);

- Exercícios motores;

Módulo 03 - Arte Lúdica (fazer arte brincando);

- Organização das formas (simetria e assimetria) (natureza, nas letras, etc.);

Módulo 04 - Linguagem verbal e não verbal;

- Arte figurativa (conteúdo expresso por meio de figuras) e Arte abstrata

(conteúdo expresso por meio da utilização de volumes e vazios);

- Arte figurativa sobre o plano [pinturas Românticas, Pintura Realista,

Impressionismo, Expressionismo (Van Gogh, Picasso), Pós-

impressionismo (Paul Cézanne), Cubismo, Futurismo, Surrealismo

(Salvador Dali, Marc Chagall, Jerome Bosch – colocado como surrealista,

Joan Miró); Arte Ingênua (Da Silva, Djanira)];

- Sua forma de expressão.

Módulo 05 - Arte não figurativa ou abstrata;

- Tendências da arte abstrata [Pintura geométrica (Piet Mondrian),

Informal (Wassily Kandinsky, Victor Vasarely)];

- O processo de impressão – reprodução da imagem (matrizes

improvisadas, matrizes montadas e talhadas), decalque;

- Xilogravura como forma de expressão [xilogravuras do Nordeste,

gravuras em outros estados do Brasil (Osvaldo Goeldi, Lazar Segal,

Calazans, Maria de Lourdes Mader Pereira, José Altino, Lívio Abramo,

Maria Bonomi)];

- Xilogravuras em várias partes do mundo [Munaka (japonês) e Wolf

(alemão)];

Módulo 06 - Atuando sobre o meio ambiente que nos cerca (retalhos, sementes, linhas,

contas, casca de ovo);

- Atuando sobre os meios de comunicação (atuação sobre jornal e revistas);

- Atuando sobre a natureza [terra seca, barro, cerâmica dos índios Carajás,

figuras de presépio do Vale do Paraíba, Cerâmica de Caruaru, Forma

Page 161: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Cristiane Talita Gromann de Gouveia, Sérgio Candido de Gouveia Neto.

153 Anais do XII SNHM -2017

funcional da cerâmica (vasos), fibras vegetais (linho e juta – confecção de

bolsas, toalhas, sacos e redes), vime (móveis e cestas), palha (bolsas,

cestas, sacolas, chapéus, tapetes), cestas (para carregar milho, etc.)];

Módulo 07 - Criação no espaço com materiais diversos (Madeira, Metal, Plástico,

Papelão) (Alexander Calder – esculturas de arame);

- Formas com módulos (caixa de fósforos, etc.);

- A criação artística no espaço [esculturas, escultura barrocas e modernas

(Aleijadinho, Alexander Calder – esculturas de arame, móbiles)];

- Arquitetura [arquitetura através dos tempos, arquitetura indígena,

construções religiosas e militares, arquitetura para fins diversos,

arquitetura barroca, arquitetura moderna (Oscar Niemayer, Lúcio Costa,

Reidy, Sérgio Bernardes)].

Módulo 08 - A variedade de formas na natureza;

- A circunferência e o círculo; a espiral; o cone, a pirâmide, o triângulo,

cubos e prismas e, a radial;

- Observando semelhanças e diferenças da mesma espécie (as flores, os

cristais, os insetos, os caramujos, e a árvore);

- Observando semelhanças e diferenças em espécies diferentes;

- O processo de criação (a reprodução dos vegetais, a reprodução do

homem, o ato criador do homem a partir da natureza).

Fonte: Elaborado pelos autores por meio dos módulos de Educação Artística do Projeto Logos II.

A partir desse quadro geral e seguindo o paradigma indiciário, buscamos elementos que não estavam tão

evidentes, ou seja, os sinais, os pormenores. Nesse sentido, quase imperceptível em alguns pontos, notamos a presença

de elementos matemáticos em quase todos os módulos. No próximo tópico iremos ressaltar esses pontos, colocando-

os em evidência e contrastando-os com as ideias pedagógicas da época.

3.1. Redução da arte à técnica: a presença de elementos matemáticos nos módulos de Educação Artística do

Projeto Logos II

Ao longo dos módulos da disciplina de Educação Artística do Projeto Logos II, notamos indícios de elementos da

matemática, presente desde o módulo 01 de Educação Artística do Projeto Logos II, ao tratar das pirâmides egípcias.

A existência de outros elementos geométricos, principalmente linhas, pontos, retas, círculos, triângulos, quadrados,

etc., tornam-se mais intensa nos outros módulos (Figura 2). A partir dessas noções básicas, era ensinada a combinação

desses elementos.

Foi observada a presença de noções de simetria e assimetria no módulo 03 e como estes conceitos poderiam

ser usados na composição de desenhos. Da mesma forma, foram notadas noções sobre sólidos de revolução e figuras

geométricas, tais como cubos, prismas, pirâmides e formas radiais. Qual seria a função da matemática nestes módulos

de Educação Artística? Conjecturamos que esses elementos matemáticos davam um formato técnico à arte. Nessa

época, o ensino tinha uma orientação tecnicista.

O tecnicismo foi uma tendência pedagógica existente nos anos de 1960 a 1980, inspirada na teoria

behavioristas da aprendizagem (estimulo-resposta) e no modelo Taylorista/Fordista (KUENZER & MACHADO,

1982). No Brasil, o tecnicismo foi introduzido na década de 1960, durante o regime civil-militar, por meio dos

programas de desenvolvimento social e econômico “Aliança para o Progresso” ou mesmo, por meio do Programa do

Brasileiro-americano de Auxílio ao Ensino Elementar (PABAEE) (BORBA, 2003). O marco de implantação do

modelo tecnicista deu-se com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1971 (BRASIL, 1971).

Page 162: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

ARTE E MATEMÁTICA NOS MÓDULOS DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA DO PROJETO LOGOS II

154 Anais do XII SNHM -2017

Figura 2 - Elementos geométricos presentes nos módulos

Fonte: Acervo pessoal dos autores.

Segundo Campos e Zanlorenzi (2009), que analisaram um livro de Educação Artística do início da década de

80, também observaram que,

[...] As primeiras páginas mostram somente os materiais como: régua, esquadro,

transferidor, compasso. Percebe-se, então, que a educação artística nada tem de

humanista, mas sim como disciplina mecanizada e adestradora e muito mais alienadora

(CAMPOS, ZANLORENZI, 2009).

A presença das concepções tecnicistas fica mais clara no módulo 01 da disciplina de “Didática da Educação

Artística” (voltada para a formação específica):

[...] A Educação Artística não visa à formação do artista, visa à formação do homem, pois

é um elemento de auto-realização. Ela ajuda a preparar o homem para a vida útil,

produtiva, criadora. Nos módulos seguintes, você vai ver como desenvolver as

potencialidades de seus alunos através da arte (CETEB, s.d.).

Como tendência pedagógica em sala de aula, o tecnicismo valorizava as informações científicas, o uso de

manuais técnicos e de instrução. Para Luckesi (1994), a escola atua no aperfeiçoamento da ordem vigente (sistema

capitalista), articulada ao sistema produtivo. E assim, uma de suas concepções era a formação do indivíduo para o

mercado de trabalho (CAMPOS, ZANLORENZI, 2009).

Nesse caso, os conteúdos de ensino eram baseados em informações, princípios científicos, leis; estabelecidos

numa sequencia lógica. Nesse caso, a matemática cumpria esse papel, ao estabelecer as sequencias lógicas necessárias.

Além disso, a matemática dava a ideia de ciência objetiva, de arte objetiva, ao tentar eliminar a subjetividade

(LUCKESI, 1994).

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Cristiane Talita Gromann de Gouveia, Sérgio Candido de Gouveia Neto.

155 Anais do XII SNHM -2017

A função da escola na época tinha como objetivo a formação de indivíduos para o mercado de trabalho, e isto

era reforçada na LDB de 19711 (BRASIL, 1971), que em seu artigo 1º, estipulava: [...] O ensino de 1º e 2º graus tem

por objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como

elemento de auto-realização, qualificação para o trabalho e exercício consciente da cidadania (BRASIL, 1971).

Essa ligação com o sistema produtivo foi percebida também na arte como produção em larga-escala. Por

exemplo, ao abordar o processo de impressão (reprodução da imagem), que se recomenda a utilização de uma matriz,

que “pode permitir dezenas ou mesmo milhares de reproduções idênticas” (CETEB, 1981).

4. Considerações Finais

Notamos que durante a ditadura civil-militar, a arte presente nos módulos de Educação Artística do Projeto Logos II

foi utilizada na preparação dos indivíduos para o sistema produtivo. Nessas condições, a matemática dá à arte um

sentido técnico. Conforme observado por Campos e Zanlorenzi (2009), uma das consequências do tecnicismo para o

ensino da arte, foi a redução apenas ao ensino de desenho e pintura, como se essas fossem as únicas modalidades

artísticas existentes. Essa ideia está de acordo com o que observamos no item 2 em relação aos módulos da disciplina

de Educação Artística. Não há indícios sobre as outras modalidades artísticas nos módulos da disciplina de Educação

Artística do Projeto Logos II, ou mesmo referências ao que estava se produzindo em termos de arte-protesto, seja na

música, no cinema e no teatro. O método indiciário nos permitiu destacar a matemática, usada como pano de fundo

na concepção de uma arte que valorizava a técnica.

Cumpre destacar que o estudo aqui em tela apresenta limitações. Primeiro, tratou apenas da disciplina de

Educação Artística, que tinha como objetivo a formação geral do professor-cursista e não de toda a formação de artes

desse profissional que estava em sala de aula. A disciplina de “Didática de Educação Artística” poderá nos dar outras

possibilidades de discussões sobre a relação entre matemática e arte, bem como seus impactos na formação do

professor em nível de magistério nas décadas de 1970 a 1990.

Como possibilidades de estudos, indicamos a necessidade de entender a relação entre matemática e arte, ou

mesmo, o papel da arte em outros cursos de formação de professores.

5. Agradecimentos

Agradecemos à FAPESP pela bolsa de doutorado concedida à primeira autora. Processo nº 2016/00850-2, Fundação

de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Agradecemos à CAPES/PNPD pela bolsa de pós-doutorado

concedido ao primeiro autor.

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ARQUITETURA da destruição. Direção: Peter Cohen. Roteiro e Produção: Peter Cohen. Suécia. 1989 [lançamento].

Documentário, 119 min. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IBqGThx2Mas. Acesso em: 05 jul.2016.

BORBA, S. PABAEE (1956-1964): a americanização do ensino elementar? Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro , n. 24,

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BLOCH, M. Apologia da história ou o ofício do Historiador. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

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providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5692.htm>. Acesso em: 10 de julho de

2016.

CAMPOS, C., ZANLORENZI, C. M. P. A tendência tecnicista e o ensino da arte. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE

1 A disciplina de Educação Artística do Primeiro Grau foi introduzida na LDB de 1971 (Lei nº 5.692 de 1971).

Page 164: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

ARTE E MATEMÁTICA NOS MÓDULOS DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA DO PROJETO LOGOS II

156 Anais do XII SNHM -2017

ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”, 8., 2009, Campinas. História,

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http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario8/_files/HGqmRDqk.pdf. Acesso em: 09 jul.

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GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. Trad. Federico Carotti. São Paulo: Companhia das

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KUENZER, A. Z. & MACHADO, L. R. S. A pedagogia tecnicista. In: MELLO, G. N. (org.) Escola nova, tecnicismo

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MATHISON, S. Why Triangulate? Educational Researcher, v.17, n.2, p. 13-17, mar. 1988.

PINHEIRO, M. Cale-se: a MPB e a Ditadura Militar. Rio de Janeiro: Editora Livros ilimitados, 2010.

Sérgio Candido de Gouveia

Neto

Departamento de Ciências Contábeis –

UNIR – campus de Vilhena – Brasil

E-mail: [email protected]

Cristiane Talita Gromann de

Gouveia

Departamento de Educação – UNESP –

campus de Rio Claro – Brasil

E-mail: [email protected]

Page 165: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

157 Anais do XII SNHM -2017

LIBELLUS DE QUINQUE CORPORIBUS REGULARIBUS: UMA ANÁLISE GEOMÉTRICA

DE PIERO DELLA FRANCESCA

Vagner Moraes (PUCSP) - [email protected]

Maria Helena Roxo Beltran (PUCSP) - [email protected]

O estudo sobre as formas geométricas regulares que aparecem em diversos quadros de Piero della Francesca, pintados

durante o século XV na região da península itálica, trouxe a necessidade de realizar-se uma análisemais profunda

sobre as influências de fontes euclidianas na composição do tratado Libellus de Quinque Corporibus Regularibus.

Piero della Francesca foi pintor e destacou-se também como teórico da arte. Além de revolucionar quanto aos

princípios estéticos, realizou investigações sobre questões pictóricas, geométricas e arquitetônicas. Dos tratados que

escreveu, conservaram-se apenas três, sobre perspectiva (De prospectiva pingendi), geometria (Libellus de quinque

corporibus regularibus) e aritmética (Trattado d’abaco). O Tratado d’Abaco descreve cálculos que deveriam ser

aprendidos pelos mercadores, ou seja, ele traz noções de aritmética comercial e mercantil, alguns comentários sobre

álgebra e ao final, também, sobre geometria. Este último tema aparecerá mais profundamente no tratado Libellus de

Quinque Corporibus Regullaribus. Disso, supõe-se que aquele tratado tenha sido escrito antes desse e que tenha sido

o primeiro deles, já que os registros de seus estudos aparecem nos primeiros anos em que esteve na Escola do Ábaco.

O tratado De Prospectiva Pingendi foi escrito entre o Trattado d’Abaco e o Libellus de Quinque Corporibus

Regullaribus e nele se encontra um estudo sobre a perspectiva e de que forma o pintor poderia usá-la para realizar

seu trabalho; este tratado foi concluído antes de 1482, já que foi dado de presente ao duque de Urbino, Federigo da

Montefeltro (1422 – 1482), para que este o colocasse em sua biblioteca. O último tratado que temos conhecimento

atualmente é o Libellus de Quinque Corporibus Regullaribus, sobre corpos geométricos regulares e irregulares, que

traz uma relação com os estudos iniciais de geometria presentes no Trattado d’Abaco, mas com maior profundidade

nos argumentos sobre suas afirmações. Para alcançar tais respostas serão usados como documentos o tratado Libellus

de Quinque Corporibus Regularibus, do autor citado, e, como bibliografia secundária, livros e artigos sobre a

sociedade na qual os tratados foram realizados, sobre os escritos euclidianos desenvolvidos e estudados no século

XV.

Palavras-chave: Renascimento; Perspectiva; Piero della Francesca.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 166: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

158 Anais do XII SNHM -2017

JEAN-VICTOR PONCELET E AS (RE)EDIÇÕES DE SUAS OBRAS

Jansley Alves Chaves

Universidade Federal do Rio de Janeiro –UFRJ – Brasil

Gérard Emile Grimberg

Universidade Federal do Rio de Janeiro –UFRJ – Brasil

Resumo

Pretendemos abordar um período que compreende desde a direção da École Polytechnique (1848) até seus últimos

anos de vida (Poncelet, 1788-1867). Ao fim de sua carreira, Poncelet, um matemático octogenário, decide reunir em

uma coleção única todas as suas publicações relacionadas à descoberta principal de sua vida: A GEOMETRIA

PROJETIVA. Neste projeto, dois personagens são fundamentais: V. Mannheim e T. Moutard, que foram ex-alunos

da École Polytechnique e que organizaram, revisaram e corrigiram os cálculos e desenhos desta grande empreitada,

que demandou grande esforço, sobretudo quanto a reunir trabalhos como os cadernos de Saratoff, que haviam sido

escritos há mais de meio século e que não tinham sido publicados. Esta reunião dos trabalhos de Poncelet foi dividida

em quatro publicações: Applications d’Analyse et de Géométrie I (1862), Applications d’Analyse et de Géométrie II

(1864), Traité des Proprietés Projective des Figures T.I (1865) e Traité des Proprietés Projective des Figures T.II

(1866). Além disso, Mannheim e Moutard têm seus trabalhos incluídos em Applications d’Analyse et de Géométrie I

(Souvenirs, Notes et Additions, pp. 499-560) e Applications d’Analyse et de Géométrie II (Mannheim, deuxième

cahier, p.142(161)-166, Moutard, quatrième cahier, p.296(336)-364). Por esta empreitada, Mannheim e Moutard

receberam o prêmio Poncelet. Curiosamente, na publicação do Applications d’Analyse et de Géométrie II, Poncelet

incluiu um exame crítico sobre o relatório de M. Cauchy (1820): Examen critique des opinions et du jugement émis

par M. Cauchy dans son Rapport sur le Mémoire inséré au Vº Cahier (p. 553-569), onde ratifica suas ideias, quase 50

anos após o relatório de Cauchy. Aqui ficam alguns questionamentos: por que a publicação das obras após quase 50

anos? Por que os cadernos de Saratoff são publicados 50 anos depois de escritos? Qual o interesse e a necessidade de

tal publicação, após 50 anos, mesmo com todo o desenvolvimento da Geometria sintética e da analítica? Acreditamos

que ao estudarmos os auxiliares de Poncelet nesta empreitada, em particular, M.M. Mannheim, Moutard e os Editores

Mallet-Bachelier, Gauthier-Villars, teremos uma melhor clareza dos seus objetivos, que nos parecem muito simplórios

na citação do próprio Poncelet: “[...] reivindicar os pontos de doutrina ou de teoria expostas em 1822, no Tratado das

Propriedades Projetivas das Figuras, e que se habituou, a partir de uma época posterior, a atribuir a outros [...]”

[PONCELET, 1862, xij]

Palavras-chave: Jean-Victor Poncelet; Victor Amédée Mannheim; Theodore Moutard, Mallet-Bachelier, Gauthier-

Villars.

JEAN-VICTOR PONCELET AND THE EDITION OF HIS WORKS (1862 – 1866)

Abstract

This work intend to approach a period ranging from the École Polytechnique (1848) management until his last years

of life (Poncelet, 1788-1867). By the end of his career, Pocelet, an octogenarian mathematician, decides to gather in

an unique collection all his publication related to his life major dicovery: THE PROJECTIVE GEOMETRY. In this

Project, there are two central characters: V. Mannheim e T. Moutard, who were École Polytechnique former students,

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 167: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Jansley Alves Chaves & Gérard Emile Grimberg

159 Anais do XII SNHM -2017

and the ones that organized, reviewed and corrected bones calculations and drawings of this great undertaking, which

demanded great effort, especially to gather work as the Saratoff books, wich had been written half a century ago and

had not been published. This compilation of all Poncelet’s work was divided into four publications: Applications

d’Analyse et de Géométrie I (1862), Applications d’Analyse et de Géométrie II (1864), Traité des Proprietés Projective

des Figures T.I (1865) e Traité des Proprietés Projective des Figures T.II (1866). In addition, Mannheim and Moutard

have their work included in Applications d’Analyse et de Géométrie I (Souvenirs, Notes et Additions, pp. 499-560)

and Applications d’Analyse et de Géométrie II (Mannheim, deuxième cahier, p.142(161)-166, Moutard, quatrième

cahier, p.296(336)-364). For this endeavor, Mannheim and Moutard received the Poncelet Prize. Interestingly, at

Applications d’Analyse et de Géométrie II publication, Poncelet included a critical examination on the M. Cauchy

(1820): Examen critique des opinions et du jugement émis par M. Cauchy dans son Rapport sur le Mémoire inséré au

Vº Cahier (p. 553-569), where he ratifies his ideas, almost 50 years after the Cauchy report. Here are some questions:

Why has the work publication after almost 50 years? Why have the Saratoff notebooks been published 50 years after

the writing? What are the interesting and the need of such publication after 50 years, even with all the development

of synthetic geometry and analytics? We believe that studying Pncelet’s auxiliaries in this particular endeavor, M.M

Mannheim, Moutard and Mallet-Bachelier editors, Gauthier-Villars, we will have a better clarity of their goals, that

seem simple in Poncelet own quotation: "[...] claim the doctrine points or from exposed theories on 1822 at the Figures

Projective Properties Pact, and habituated, from a time after, has to attribute to others "[PONCELET, in 1862, xij].

Keywords: Jean-Victor Poncelet; Victor Amédée Mannheim; Theodore Moutard, Mallet-Bachelier, Gauthier-Villars.

Introdução

Muito já foi escrito sobre o nosso personagem – Jean-Victor Poncelet - e sobre suas obras. Procuramos aqui mostrar,

principalmente através de quatro personagens, Victor Amédée Mannheim, Theodore Moutard, Mallet-Bachelier,

Gauthier-Villars, os trabalhos de Poncelet editados nos últimos cinco anos de sua vida (1862-1867).

Nos anos de 1813 e 1814, Poncelet escreveu sete cadernos sobre geometria sintética, o que mais tarde ficou conhecido

como os cadernos de Saratoff - nome dado em razão da cidade na qual foi cativo após a fracassada campanha

napoleônica da Rússia. Os manuscritos de Saratoff só foram publicados em 1862, quase meio século após serem

redigidos, com o título: Applications d’Analyse et géométrie I. Nesta publicação há adições de seus colaboradores:

Mannheim e Moutard.

Retornando à França após a notificação da paz geral, concluída em Paris em 30 de maio de 1814, Poncelet

começa a restabelecer contatos com as publicações sobre o assunto do seu manuscrito de Saratoff, principalmente

através do que se é publicado nos Analles de mathématique pures et apliquées, mais conhecido como Annales de

Page 168: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

JEAN-VICTOR PONCELET E AS (RE)EDIÇÕES DE SUAS OBRAS

160 Anais do XII SNHM -2017

Gergonne, seu editor. Neste período e até 1822, Poncelet publica diversos artigos que serão consolidados em sua

publicação de 1864 com o título: Applications d’Analyse et géométrie II. Diferentemente do tomo I de 1862, no qual

o material é inédito, no tomo II, Poncelet faz uma consolidação dos seus trabalhos publicados no período entre 1814

e 1822, ou seja, época de sua chegada à Paris e antes da publicação da sua principal obra: Traité des Proprietés

Projective des Figures.

Em 1865, Poncelet reedita sua maior obra: Traité des Proprietés Projective des Figures TOMO I e faz nesta

2ª edição alguns acréscimos de notas de rodapé e anotações:

O interessante é que, após quase meio século com todo avanço que sofreu a geometria e a análise neste período,

Poncelet não modifica em nada o seu Tratado de 1822 ao reeditá-lo em 1865.

Por fim, em 1866 publica o tomo II, consolidando todos os artigos após o seu Tratado de 1822.

1. Jean-Victor Poncelet

Jean-Victor Poncelet nasceu em Metz em 1º de julho de 1788 e foi admitido na École polytechnique, em novembro

de 1807. Verifica-se a predileção que Poncelet demonstra pela a geometria quando em 1809 apresenta um manuscrito

sobre "problemas relativos de tangentes a três outros círculos em um plano, e esfera tangente a quatro esferas no

espaço". Estas soluções serão impressas na correspondance.1 Quando egresso da École polytechnique, Poncelet é

nomeado à École d’application du génie de Metz.

Em 17 de junho de 1812, ele recebe ordens para ingressar a Grande Armée e juntar-se em Vitebsk. Durante

os meses de agosto, setembro e outubro de 1812, com exceção de um reconhecimento das muralhas de Smolensk sob

o fogo inimigo, ele foi o principal responsável pela construção de obras de defesa, fortes e pontes.

Poncelet não está envolvido na terrível batalha de Borodino e não vai para Moscou. Quando o exército deixou

a cidade, está em Smolensk, onde Napoleão ficou de 9 a 14 de novembro. Ele é incorporado na retaguarda, composta

por 7.000 homens comandados pelo marechal Ney. Em 18 de novembro, na cidade de Krasnoi à beira de um pequeno

rio que deságua no Dnieper duas léguas ao norte, vão enfrentar a barragem de artilharia cuidadosamente instalada pelo

general Miloradovitch. Depois de um bombardeio mortífero, o marechal Ney, graças ao nevoeiro, à neve e ao

anoitecer, consegue cruzar o Dnieper no gelo mal consolidado. No dia 20 de novembro, ele irá se juntar ao exército

1 Periódico da École polytechnique. As soluções aparecem no volume 2, 3º caderno de 1811.

Page 169: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Jansley Alves Chaves & Gérard Emile Grimberg

161 Anais do XII SNHM -2017

em Orsha acompanhado por 1.200 sobreviventes.

Mas o tenente Poncelet pertence ao batalhão de sapadores que tenta desesperadamente neutralizar a artilharia

russa. Após várias tentativas infrutíferas, os sobreviventes encontram-se isolados e capturados no final do dia 18 de

novembro.

Poncelet é levado para o cativeiro em Saratoff, às margens do Volga, onde chegou em março 1813, permanecendo até

a notificação da paz geral, concluída em Paris em 30 de maio de 1814.

Após seu retorno à França, em setembro de 1814, só começará a publicar em 1817. Ele publica vários artigos

sobre geometria. Em 1820, submete à Académie des Science de Paris uma memória sobre as propriedades projetivas

das seções cônicas.

Em 1825, por pressão amigável de François Arago, o examinador na École d'Application de Metz, Poncelet

aceita ser professor nesta escola sobre a ciência das máquinas. Ele leva essa responsabilidade a sério e dedica-se à

preparação de suas aulas.

Desde 1827 e durante vários invernos, ele fornece, sob os auspícios da Sociedade Acadêmica de Metz, um

curso de mecânica para os trabalhadores e "artistas" desta cidade.

Em 1834, a Académie des Science de Paris o recebe na seção de mecânica.

Em 1837 foi nomeado professor de física experimental e mecânica na Faculdade de Ciências de Paris, onde

lecionou até 1848.

Em 1848, após a queda da Monarquia, os eleitores de Moselle, espontaneamente, o elegem um membro da

Assembleia Constituinte, provavelmente por causa de sua reputação de imparcialidade e competência nos domínios

da indústria e da economia local. Enquanto isso, François Arago, o ministro do governo provisório, o promove a

general de brigada e comandante da École Polytechnique, função que ocupou até sua aposentadoria em outubro de

1850.

Em 1852, como membro do júri internacional para a Exposição Universal em Londres, ele foi eleito, por seus

pares, presidente do júri encarregado das máquinas. Ele, então, passou seis anos na investigação preparatória e

escreveu um relatório extenso sobre máquinas e ferramentas utilizadas na fabricação. Para cada tipo de máquina ele

retorna o contexto histórico, descreve os processos e equipamentos e procura determinar, com o máximo rigor, a

origem exata das invenções.

Nos últimos anos de sua vida, quando sua saúde se deteriorou, ele começou a recolher e publicar o seu

trabalho, ajudado por alguns de seus ex-alunos, entre eles Mannheim e Moutard. Ele morreu em dezembro 1867, sem

ser capaz de completar esta tarefa que foi concluída por seus colaboradores.

Os livros que foram publicados ou impressos após a sua morte, graças às iniciativas de sua esposa e alguns

de seus seguidores, formam um grupo de cerca de 4000 páginas, onde encontramos demonstrações geométricas,

cálculos, reflexões sobre a natureza, o valor das provas em geometria e os comentários/críticas, que ele, Poncelet,

considerava polêmicos. É no campo da mecânica, que escreve as apresentações mais completas por causa de suas

obrigações acadêmicas.

2. Victor Mayer Amédée Mannheim

Nascido em 1831, filho de Sigismond Mannheim e Marianne Speyer; eles de descendência judaica. Desde jovem,

Amédée apresenta uma tendência à ciência exata. Apesar de ser o mais novo em sua classe, era o único que resolvia

problemas de geometria com um grau de dificuldade proposto por seu professor. Após concluir o curso no Instituto

Martelet, foi admitido, com 16 anos, na École centrale. Teve como professor no Collège de Charlemagne, Eugène

Catalan, que se mostrou importante na carreira matemática de Mannheim. Durante seus anos como estudante do

Collège de Charlemagne, iniciou suas publicações em geometria.

Em 1848, entre completar seus estudos no Collège de Charlemage e entrar na École Polytechnique, vivenciou

um período de revolução em Paris, o que, provavelmente, deve ter sido extremamente difícil para o jovem estudante

Mannheim, sobretudo porque seu professor Catalan esteve envolvido na revolução.

Mannheim iniciou a École Polytechnique em 1848 com 17 anos. Dois anos mais tarde apresentou-se à École

d’Application de Metz. Durante este período publicou texto sobre: théorème sur les axes de l’ellipse et de l’hyperbole

Page 170: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

JEAN-VICTOR PONCELET E AS (RE)EDIÇÕES DE SUAS OBRAS

162 Anais do XII SNHM -2017

e Solution géométrique du problème sur l’axe radical.

Ao publicar nos Nouvelles Annales de mathématiques sobre a obra de Mannheim, R. Bricard diz:

Com a morte de Amédée Mannheim simplesmente desapareceu um dos matemáticos mais notáveis

que a França produziu no séc. XIX. Seu talento, profundamente original, fê-lo em um lugar na

Geometria pura.[...] ( BRICARD, 1907, p. 97-11, tradução nossa)2

Mannheim conciliava várias pesquisas, deixando momentaneamente de lado determinado assunto para revê-

lo mais tarde. A obra principal de Mannheim pode ser repartida em três grupos:

- Os trabalhos em Geometria cinemática;

- Os trabalhos de teoria das superfícies; e

- Os trabalhos sobre superfície de onda.

Mannheim faz uma modificação na régua de cálculo que permite uma maior precisão de medida, contribuindo

para o estudo dos fenômenos de interferência durante o eclipse de 1860. Estes trabalhos do início de sua carreira

testemunham um espírito inventivo e original. O primeiro trabalho geométrico de Mannheim é datado de 1851 (aos

20 anos): é relativo à transformação por polares recíprocas e a aplicação desta transformação às propriedades métricas.

Vários dos resultados obtidos ao curso de suas primeiras pesquisas foram reunidos em uma nota, que Poncelet juntou

ao deuxième cahier de ses Applications d’Analyse et de Géométrie (1864).

Uma de suas pesquisas trata um problema já resolvido por Darboux: Determinar o movimento mais geral de

uma figura de grandeza invariável cujos pontos descrevem curvas planas; cita ainda seu estudo sintético da

hipérbolóide articulada de M. Greenhill, e sua demonstração do teorema conhecido: A hiperbolóide de Poinsont não

tem pontos de inflexão.

O método cinemático conduziu Mannheim a considerar a teoria das superfícies sob novos pontos de vista.

Um primeiro trabalho concerne na generalização do teorema de Meusnier. Este teorema é relativo aos contatos de

curvas de segunda ordem. O teorema por Mannheim fica assim descrito:

Quando as curvas traçadas sobre uma superfície tem entre elas um contato da n-ésima ordem, seus

(n-1)-ésimos polos tem por eixos de curvas retas passando por um mesmo ponto. (BRICARD apud

MANNHEIM,1907, p. 97, tradução nossa)3

Este método é aplicado com pleno sucesso e o permite demonstrar facilmente os teoremas devido à Beltrami,

à Ribaucour, à Laguerre e outros e o conduz à muitas proposições novas. Como por exemplo:

Os centros de curvatura desenvolvido em todas as secções feitas numa superfície por planos que

passam através da mesma tangente a essa superfície, e que correspondem ao ponto de contato da

tangente, estão em uma cónica. (BRICARD apud MANNHEIM, 1907 p. 97, tradução nossa)4

3. Théodore Florentin Moutard

Ex-aluno da École Polytechnique (classe de 1844), e a École des Mines de Paris do Corpo de mineração.

Nascido em Soultz (Haut-Rhin) em 27 de julho de 1827. Filho de Florentin MOUTARD e Elisabeth Bernon.

Casaou em 12 de agosto de 1868. Pai de dois filhos e duas filhas.

Professor na École des Mines de Paris (1875-1887: cursos preparatórios de análise e mecânica; 1887-1900:

mecânica de curso preparatório). Examinador na École Polytechnique. Sua severidade lhe rendeu o apelido de

"Moutardus ferox". Joseph Bertrand disse deste agrimensor: "ele conseguiu em poucas páginas merecer toda a estima

2 Avec Amédée Mannheim vient de disparaître um des mathématiciens les plus remarquables que la France ait produits au XIXº siècle. Son

talento, profondément original, lui fait une place à part dans la Géométrie pure. 3 Lorsque des coubes tracées sur une surfasse ont entre eles um contact du n-ième ordre, leurs(n-1)ièmes polaires ont pour axes de coubure des

droites passant par um même point. 4 les centres de courbure développées de toutes les sections faites dans une surface par des plans passant par une même tangente à cette surface, et qui correspondent au point de contact de cette tangente, sont sur une conique.

Page 171: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Jansley Alves Chaves & Gérard Emile Grimberg

163 Anais do XII SNHM -2017

dos inspectores [...]."

Iniciou sua carreira tarde: segundo engenheiro de classe em 1852, tornou-se engenheiro-chefe em 1878 e

Cavaleiro da Legião de Honra do mesmo ano. Inspector Geral das minas de 2ª classe em 1886, 1ª classe em 1890.

Solicitou e recebeu permissão para se aposentar em 28 de julho de 1897, mas foi mantido no cargo.

Comandante da Legião de Honra (13 de julho 1899).

4. Gauthier-Villars e Mallet-Bachelier

Gauthier-Villars é uma editora francesa que remonta a 1790, que desempenhou um papel importante na publicação

científica e no desenvolvimento da ciência no século XIX e na primeira metade do século XX. Foi, particularmente

em vários períodos, a editora nomeada do Bureau des Longitudes, da Escola Politécnica e da Academia de Ciências.

A Editora já não existe como tal, após a recomposição do mercado editorial, mas o fundo ainda é operado

por várias editoras, tanto em livros como em revistas. Além disso, a empresa também realizou as atividades de

impressora e livreiro.

Em 1790, Jean-Marie Courcier fundou uma das primeiras editoras francesas, logo chamada de "biblioteca de

matemática, física, química, artesanato e ciências que dependem dela"; esta Editora é a Bachelier depois Mallet-

Bachelier.

Jean-Albert Gauthier-Villars (1828-1898), um ex-aluno da École Polytechnique a adquire em 1864 e dá seu

nome à editora, que passa a se chamar Gauthier-Villars, que publica, na sua maioria, revistas (esta foi a era emergente)

e livros científicos. Seu filho Albert Paul Gauthier-Villars (1861-1918), um ex-aluno da École Polytechnique, também

irá sucedê-lo.

Entre os autores (matemáticos e físicos), publica alguns livros ou manuais de Augustin-Louis Cauchy,

Evariste Galois (reedição) Henri Poincaré, Paulo Levy, Émile Borel, Emile Picard, Michel Chasles, Louis Bachelier,

Charles Fabry, Marcellin Berthelot ... Albert Einstein.

CONCLUSÃO

Jean-Albert Gauthier-Villars, ao adquirir a propriedade editorial, faz lançamentos de coletâneas importantes e dá

sequência a outras, dentre elas, a coleção completa e exclusiva de Poncelet. Embora a aquisição remonte a 1864 e as

publicações das obras completas iniciam-se em 1862, sua continuidade, ou seja, as publicações de 1864, 1865 e 1866

demonstram, no nosso entendimento, que havia um interesse de Gauthier-Villars em manter tais publicações. Isto nos

remete às nossas questões iniciais: por que a publicação das obras após quase 50 anos? Por que os cadernos de Saratoff

são publicados 50 anos depois de escritos? Qual o interesse e a necessidade de tal publicação, após 50 anos, mesmo

com todo o desenvolvimento da Geometria sintética e da analítica?

Mannheim e Moutard são ex-alunos da École Polytechnique, onde tiveram contato direto com Poncelet; foram

alunos de Chasles e seguramente tiveram em suas aulas contato com o Traité des Proprietés Projective des Figures.

O primeiro trabalho de Mannheim é sobre as polares recíprocas, o que conduz a um interesse próximo ao trabalho de

Poncelet. É interessante relatar que Poncelet, durante o período de estudante de Mannheim, foi comandante da École

Polytechnique. Estes fatos talvez nos respondam questionamentos sobre a colaboração de Mannheim e Moutard nas

publicações de Poncelet e desta forma explicam, em parte, a publicação das obras completas, incluindo os cadernos

de Saratoff.

Page 172: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

JEAN-VICTOR PONCELET E AS (RE)EDIÇÕES DE SUAS OBRAS

164 Anais do XII SNHM -2017

Bibliografia

BRICARD, R. L’oeuvre d’Amédée Mannheim. Nouvelles analles de mathématiques, 4ª série, tome 7, 1907, p.97-

111.

CAUCHY, A.L. Rapport à l’académie royale des sciences. Annales de mathématiques pures et appliquées. Paris,

tomo 11, p. 69-83, 1820-1821.

CHASLES, M. Aperçu historique sur l’origine et le développement des Méthodes en géométrie. 1837, 3ª Ed.

Paris, Gauthier-Villares, 1889.

CHASLES, M. Rapport sur les progrès de la géométrie. Paris, 1870.

FRIEDELMEYER, J.P. L’impulsion originalle de Poncelet dans l’invention de la géométrie projective. In : GREEN,

J.B. et al. Eléments d’une biographie de l’espace projectif. Nancy : Presses Universitaires de Nancy, 2010. p. 55-

158.

PONCELET, J.V. Application d’analyse et de géométrie, tome I. Paris: Mallet-Bachellier, 1862.

PONCELET, J.V. Application d’analyse et de géométrie, tome II. Paris: Gauthier-Villares, 1864.

PONCELET, J.V. Considérations philosophiques et techniques sur le principe de continuité dans les lois

géométriques. In :______. Application d’analyse et géométrie, tome II. Paris : Gauthier-Villares, 1864. p. 296-364.

PONCELET, J.V. Essai sur les propriétés projectives des sections coniques. In :______. Application d’analyse et

géométrie, tome II. Paris : Gauthier-Villares, 1864. p. 365-454.

PONCELET, J.V. Sur la lei des signes de position en géométrie, le loi et le principe de continuité. In :______.

Application d’analyse et géométrie, tome II. Paris : Gauthier-Villares, 1864. p. 167-295.

Jansley Alves Chaves , Gérard Emile Grimberg

Programa de Pós-graduação em Ensino de Matemática – UFRJ-

PEMAT – campus Rio de Janeiro, Ilha do Governador – Brasil

E-mail: [email protected] , [email protected]

[email protected]

Page 173: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

165 Anais do XII SNHM -2017

UM PROJETO DE EXTENSÃO ENVOLVENDO HISTÓRIA DA MATEMÁTICA,

LABORATÓRIO DE ENSINO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Severino Barros de Melo

Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE – Brasil

Robertto Brasilino Silva de Oliveira

Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE – Brasil

Resumo

O presente relato tem por objetivo socializar uma experiência vivenciada durante os anos de 2015 e 2016, por ocasião

da execução de um projeto de extensão intitulado História da Matemática em Laboratórios de Ensino, no Laboratório

Científico de Aprendizagem, Pesquisa e Ensino (LACAPE), vinculado ao departamento de Educação da Universidade

Federal Rural de Pernambuco. Tal projeto foi executado em duas linhas de ação: elaboração de materiais didáticos

fortemente relacionados com a História e oferta de minicursos para professores da educação básica e alunos de

licenciatura e pedagogia. No que concerne à primeira linha, através do estudo, confecção, aquisição e sistematização

de materiais didáticos, o projeto propiciou uma ampliação do acervo do LACAPE. Com relação à segunda linha, os

minicursos foram estruturados de modo a utilizar os materiais incorporados ao acervo do laboratório. Elegemos como

marco teórico estudos de pesquisadores que, de diversas maneiras, advogam o uso da História como recurso didático

e a adoção de laboratórios de ensino como componente da prática docente. Em 2016 foi dado continuidade ao projeto

com uma menor carga horária em função do corte de verbas para bolsistas de extensão. O ano em curso foi

caracterizado por ações que visavam ajustes e complementos de atividades iniciadas na primeira etapa do projeto.

Como conclusão vimos que o projeto foi bem avaliado pelos participantes, foi ao encontro da carência de História da

Matemática na formação dos professores, e sublinhou a importância da extensão, que dentre os três pilares que

constituem a vida da universidade, é o mais desvalorizado.

Palavras-chave: Matemática, História, História da Matemática. Laboratórios de ensino. Recursos didáticos.

AN EXTENSION PROJECT INVOLVING HISTORY OF MATHEMATICS, TEACHING AND TEACHING

TRAINING LABORATORY

Abstract

The present report aims to socialize an experience between the years of 2015 and 2016, by ocasion of the

implementation of an extension project entitled History of Mathematics in Research Laboratories, in the Scientific

Laboratory of Learning, Research and Teaching (LACAPE), of the Federal Rural University of Pernambuco Education

Department. The project was executed by means of two lines of action: elaboration of teaching materials related to

History and the offer of workshops to the teachers of the basic education and students of teaching courses and

pedagogy. In what concern to the first line, through the study, confection and systematization of teachging materials,

the project led to an expansion of the archive of the laboratory. We choose as a theoretical framework studies from

reseachers that, in many ways, defend the use of History as a teaching resourse and the laboratories as a part of the

teachging practice. In 2016, the project was continued withg a lower workload due to the cut of funds for extension

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 174: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Severino Barros de Melo; Robertto Brasilino Silva de Oliveira

166 Anais do XII SNHM -2017

scholarship. The current year was characterized by actions aimed at adjustments and complements of activities

initiated in the first stage of the project. In conclusion, we saw that the project was well evaluated by the participants,

is connected to the need of History of Matematics in the teacher's education, and reaffirmed the importance of

extension, that among the three pillars that constitute the life of the university, is the most devalued.

Keywords: Mathematics, History, History of Mathematics, Educational laboratories, Didactic resources.

1. Introdução

O presente relato tem por objetivo socializar uma experiência vivenciada durante os anos de 2015 e 2016, por ocasião

da execução de um projeto de extensão intitulado História da Matemática em Laboratórios de Ensino, no Laboratório

Científico de Aprendizagem, Pesquisa e Ensino (LACAPE), vinculado ao departamento de Educação da Universidade

Federal Rural de Pernambuco. Tal projeto foi executado com a participação de dois alunos (um em cada ano) em duas

linhas de ação: elaboração de materiais didáticos fortemente relacionados com a História e oferta de minicursos para

professores da educação básica e alunos de licenciatura em Matemática, Física e Pedagogia.

No que concerne à primeira linha, através do estudo, confecção, aquisição e sistematização de materiais

didáticos, o projeto propiciou uma ampliação do acervo do LACAPE. Com relação à segunda linha, os minicursos

foram estruturados de modo a utilizar os materiais incorporados ao acervo do laboratório. Elegemos como marco

teórico estudos de pesquisadores que, de diversas maneiras, advogam o uso da História como recurso didático e a

adoção de laboratórios de ensino como componente da prática docente. Em 2016 foi dado continuidade ao projeto

com uma menor carga horária em função do corte de verbas para bolsistas de extensão. O ano em curso foi

caracterizado por ações que visavam ajustes e complementos de atividades iniciadas na primeira etapa do projeto.

As motivações para a elaboração do projeto foi amadurecendo nas reuniões periódicas com a equipe de

professores de Matemática da área de métodos e técnicas de ensino, do Departamento de Educação da UFRPE,

considerando o momento crítico do ensino em nosso país. De fato, o Brasil ocupa o quinquagésimo sétimo lugar em

Matemática segundo recente avaliação do PISA e as avaliações internas como os SAEB confirmam os resultados

internacionais.

Com o objetivo de oferecer alternativas para a dura realidade do ensino, em particular na rede pública, durante

o ano de 2015, além do presente projeto, dois outros foram executados no LACAPE. Um voltado para o uso de

materiais clássicos de manipulação, outro envolvendo ensino de Matemática em ambientes computacionais. Em

ambos, foram ofertados cursos para professores e estudantes de diversas licenciaturas. A sinergia entre os três projetos

e a integração dos bolsistas em atividades periódicas tornaram a experiência ainda mais rica.

2. Relato de experiência

2.1. Marco Teórico

Nas últimas décadas um grande número de pesquisas vem sendo feitas no Brasil e no exterior com o intuito

de entender e propor alternativas para a superação dos problemas ligados ao ensino e aprendizagem em Matemática.

Page 175: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

UM PROJETO DE EXTENSÃO ENVOLVENDO HISTÓRIA DA MATEMÁTICA, LABORATÓRIO DE ENSINO...

167 Anais do XII SNHM -2017

Trabalhos como os de Dienes (1973), Kline (1976), Fischbein (1995) e dos IREM, na França apontam para abordagens

alternativas no que concerne ao ensino desta disciplina. Estudos de Psicologia Cognitiva tendo como pilares Piaget

(DOLLE, 1981) e Vygotsky (OLIVEIRA, 1993) levaram a uma melhor compreensão sobre o como se aprende. Em

particular estudos sobre fenômenos didáticos como em Brousseau (1983), Vergnaud (1990), dentre outros, trouxeram

novas contribuições para a Educação Matemática.

A resolução de problemas enquanto eixo norteador para o ensino de Matemática foi estudado sob diversos

pontos de vista por Polya (1978), Guzmán (1991), Arcavi e Schoenfeld (2010), dentre outros, lançando luzes sobre

diversos problemas enfrentados no âmbito do ensino de Matemática.

Nesse cenário, surge com grande força outro enfoque: a Matemática vista na sua perspectiva histórica. É

preciso considerar tal perspectiva ao se discutir sobre todas as possibilidades de contribuição para a melhoria do

ensino. Pesquisadores como Struik (1985), Matthews (1995), D’Ambrósio (1996), Fossa (1998), Lorenzato (2006),

Morais (2013) e Mendes & Machado (2013), dentre outros, advogam de diversas maneiras o uso da História como

recurso didático compondo uma variedade de visões que se complementam. Tais pesquisadores ajudaram a construir

um marco teórico importante para a fundamentação do projeto ora relatado. Esta posição favorável ao uso da história

da ciência em geral, e da Matemática em particular, na pratica docente não conta com a unanimidade da comunidade

científica. Como exemplos, Klein (1972) expos a história à forte ataque e Viana (1995) apresenta um rol de motivos

pelos quais professores ou especialistas em Matemática são contra o uso didático da história. Entretanto é necessário

se recorrer à história, como via não única, mas insubstituível, se quisermos atacar em várias frentes os problemas

atuais do ensino de Matemática.

No que concerne aos laboratórios de ensino Fiorentini e Lorenzatto (2006) apontam vias para a incorporação

deste equipamento nas escolas, algumas delas atuadas por Freitas e Nascimento (2007), Melo (2013) e Oliveira (2014).

2.2. Objetivos

Como objetivo geral o projeto se propôs a oportunizar para os alunos da UFRPE, em particular dos cursos

de licenciatura em Matemática, Física, Pedagogia e para os professores da rede de ensino pública e particular um

contato com a História da Matemática voltada à educação básica.

Como objetivo específico o projeto se propôs a:

(1) Estudar uma parte das “ideias-força” apresentadas por pesquisadores da Educação Matemática e

matemáticos que advogam a inserção da História no ensino de Matemática;

(2). Revisitar os conteúdos de ensino fundamental e médio que melhor se adaptam a uma abordagem

histórica;

(3). Elaborar, adquirir e sistematizar material voltado para laboratórios de ensino que de alguma maneira

remeta à relação História da Matemática e prática docente;

(4). Ofertar minicursos com carga horária de 4 horas, para um mesmo grupo de professores, das redes pública

e particular, alunos de licenciatura e pedagogia, em quatro módulos distintos, envolvendo tópicos de Matemática da

educação básica, utilizando o acervo estruturado na vigência do projeto.

Page 176: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Severino Barros de Melo; Robertto Brasilino Silva de Oliveira

168 Anais do XII SNHM -2017

(5). Avaliar as potencialidades e limitações com relação ao uso da História da Matemática na pratica docente

no que concerne aos conteúdos programáticos escolhidos.

(6). Sistematizar o material elaborado visando à produção de um livro.

2.3. Atividades Desenvolvidas

No que concerne ao desenvolvimento do projeto, foi possível executar os objetivos específicos (1), (2), (3)

(Quadro-1). Nesta etapa foi de grande valia a consulta a Bezerra (1970), Boyer (2001), Brasil (1997), Iezzi (2005),

Pappas (1995), Snijders (1993). De fato, estas obras ou apresentam de forma multifacetada possibilidades de uso da

História da Matemática na prática docente, ou servem de inspiração para a elaboração de atividades didáticas com tal

finalidade.

O objetivo específico (4) sofreu alteração. Não foi possível manter um grupo fixo de professores e alunos;

consequentemente só foi possível aprofundar um tópico de Matemática da educação básica na perspectiva da história

e prática docente. O único tema apresentado em cinco minicursos ofertados para diferentes públicos foi A longa

caminhada do um ao zero, abordando a história do ato de contar, desde as primeiras manifestações até o aparecimento

do ábaco e sua aplicação como recurso didático.

O objetivo (5) foi sendo atingido de modo informal durante a exposição dialogada por ocasião dos minicursos,

bem como nas reuniões semanais de avaliação e planejamento com o coordenador do projeto e o aluno bolsista.

O objetivo (6) não foi atingido, continua a ser trabalhado em 2016 numa continuação do projeto, desta feita

com aluno voluntário, pois o contingenciamento de verbas da universidade cortou partes das bolsas de extensão.

Todos os materiais apresentados no Quadro-1 foram estudados quanto à origem, potencial histórico e

possibilidade de uso em laboratórios de ensino. O jogo de pega-varetas, o ábaco e as barras de Cuisenaire não foram

produzidos durante a vigência do projeto, pois são encontrados com facilidade no comércio. No ano de 2016 as

atividades se concentraram na reprodução dos materiais construídos de modo a ter um número suficiente para

minicursos com trinta participantes, e sistematização de novos textos visando a elaboração de um livro com as

experiências vivenciadas no LACAPE.

Os minicursos foram oferecidos sem ônus e ofereceu certificado ao público alvo. Quanto à participação

(Quadro-2), ficou abaixo de nossas expectativas, levando-nos a reavaliar a respeito da divulgação, do período, do

local, etc.

MATERIAL PRODUZIDO OU

ADQUIRIDO

UTILIZAÇÃO DIDÁTICA

Jogo de pega-varetas Método de multiplicação dos Maias

Quadro-1. Materiais didáticos produzidos ou adquiridos

Page 177: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

UM PROJETO DE EXTENSÃO ENVOLVENDO HISTÓRIA DA MATEMÁTICA, LABORATÓRIO DE ENSINO...

169 Anais do XII SNHM -2017

Quadro-2. Número de participantes do minicurso.

Tabela com duas colunas Método de multiplicação dos Egípcios

Ábaco Compreensão do sistema Hindu-

Arábico

Discos de madeira Verificação de π (pi) por processo

experimental

Base em madeira e quadrados e retângulos de

emborrachado

Resolução geométrica da equação do 2º

grau e

Verificação geométrica do quadrado da

soma

Base em madeira e barras de Cuisenaire Verificação experimental do Teorema

de Pitágoras

Figuras geométricas produzidas com

emborrachado Verificação de um Teorema de Hilbert

Tabela com os cem primeiros números naturais Identificação dos números primos pelo

Crivo de Erastóstenes

Transferidor fixado em base de madeira com

regulagem de ângulo e auxilio de lanterna a

laser.

Medição de altura inacessível por meio

da trigonometria.

Público alvo

Ano

Número de

Participantes

Alunos do curso de Matemática da UFRPE

2015 9

Professores do ensino fundamental da Escola

Santa Maria (Igarassu)

2015 19

Alunos do curso de Pedagogia da UFRPE

2015 13

Professores da rede estadual de Pernambuco

(GRE-Norte)

2015 30

Participantes da XII SEMAT

(Semana de Matemática da UFRPE)

2015 23

Page 178: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Severino Barros de Melo; Robertto Brasilino Silva de Oliveira

170 Anais do XII SNHM -2017

2.4. Vivências dos alunos bolsista e voluntário

Do ponto de vista da participação dos alunos como auxiliares na execução, em 2015 contamos com um aluno

bolsista e em 2016 um aluno voluntário (com carga horária revertida para atividades complementares). Num excerto

de uma página escrita por cada um, avaliando suas participações no projeto, lemos os seguintes depoimentos:

Bolsista: “durante os estudos e a confecção dos materiais pude aprender com mais profundidade conceitos que estavam

intimamente ligados à História (...) ao anexar a cada material produzido um relato histórico de como os povos antigos

desenvolviam cada método, percebia o devido sentido do projeto”.

Voluntário: “Alguns dos pontos mais relevantes foi um aprofundamento em alguns livros que dialogavam com a

História da Matemática e a Educação Matemática (...) O encontro com os professores (nos minicursos) foi bastante

enriquecedor. Pude dialogar com os professores que estão na ativa e perceber suas perspectivas em Educação

Matemática”.

3. Considerações finais

O projeto deve ser avaliado sob três aspectos: formação dos alunos colaboradores na execução, dinamização do

laboratório da UFRPE e formação dos professores e alunos por meio dos minicursos ofertados.

No que concerne à formação dos alunos colaboradores (um bolsista em 2015 e um voluntário em 2016), o

projeto propiciou um amadurecimento em relação à Educação Matemática e a História da Matemática na Prática

docente. O aluno bolsista teve a oportunidade de participar do seminário Nacional de História da Matemática em Natal

(2015) apresentando uma comunicação e o aluno voluntário auxiliou em diversos aspectos práticos dos minicursos.

Quanto à confecção dos materiais didáticos, o projeto propiciou uma ampliação do acervo do LACAPE,

abrindo um espaço voltado também para a História da Matemática.

Quanto aos minicursos ficou evidente a carência dos professores e alunos quanto ao conhecimento da História

da Matemática e seu uso como recurso didático. Chegamos a esta constatação pela análise de uma avaliação inicial

sobre conceitos prévios relativos à história da Matemática, centrada em assuntos ministrados na educação básica. Por

esta razão houve uma boa receptividade e desejo de participar de outros eventos similares.

Uma dificuldade observada foi quanto ao compromisso em participar dos minicursos. Em que pese uma boa

divulgação e um processo de inscrição, disponibilizando 40 vagas por minicurso, a participação se revelou aquém da

expectativa.

Vale destacar o apoio da Pró-Reitoria de extensão da UFRPE, pois a bolsa disponibilizada e a verba de custeio

(mesmo pouca) permitiram um trabalho regular por parte do aluno participante do projeto durante o ano de 2015,

contribuindo para a execução e êxito do mesmo. Em 2016 o corte de verbas não permitiu a renovação da bolsa.

Professores da rede estadual de Pernambuco

(GRE-Norte)

2016 49

Total

143

Page 179: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

UM PROJETO DE EXTENSÃO ENVOLVENDO HISTÓRIA DA MATEMÁTICA, LABORATÓRIO DE ENSINO...

171 Anais do XII SNHM -2017

Ademais, o projeto sublinhou a importância da extensão, que dentre os três pilares que constituem a vida da

universidade, é o mais desvalorizado.

4. Bibliografia

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Page 180: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Severino Barros de Melo; Robertto Brasilino Silva de Oliveira

172 Anais do XII SNHM -2017

VIANNA, C. R. Matemática e História: algumas relações e implicações pedagógicas. Dissertação de Mestrado,

Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 1995.

Severino Barros de Melo

Departamento de Matemática – DM – Recife -

Brasil

E-mail: [email protected]

Robertto Brasilino Silva de Oliveira

Departamento de Matemática – DM – campus de

Recife - Brasil

E-mail: [email protected]

Page 181: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

173 Anais do XII SNHM -2017

A GEOMETRIA PARA ENSINAR EM TEMPOS INTUITIVOS (1890-1900)

Gabriel Luís da Conceição (Universidade Federal de São Paulo)

Resumo

Nesta comunicação buscamos analisar nas revistas pedagógicas brasileiras que circularam no final do século XIX, que

geometria estava proposta “para ensinar” em tempos de trânsito da vaga pedagógica intuitiva em três estados

brasileiros, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. A pesquisa é construída segundo os fundamentos teóricos e

metodológicos da História Cultural. As fontes estão disponíveis no Repositório Digital da Universidade Federal de

Santa Catarina (UFSC). Para este texto analisamos artigos publicados em dois periódicos, a saber: Revista do Ensino

Primário (Bahia) e Revista Pedagógica (Rio de Janeiro) e comparamos com estudos já realizados na Revista A Eschola

Publica (São Paulo). Concluímos que as revistas estavam comprometidas em defender a proposta de ensino intuitiva,

movimento pedagógico em voga nos finais do século XIX e inicio do século XX, no entanto observamos diferentes

formas de apropriações, no sentido defendido por Chartier (1990), da mesma vaga pedagógica.

Palavras-chave: História da educação matemática. Saberes Geométricos. Revistas Pedagógicas.

.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 182: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Gabriel Luís da Conceição

174 Anais do XII SNHM -2017

Introdução:

Esta comunicação científica objetiva analisar de que maneira a geometria estava sendo proposta “para

ensinar”1 nas revistas pedagógicas brasileiras em um momento de circulação da vaga pedagógica intuitiva2 no Brasil.

Segundo Valdemarim (2004), o método intuitivo, objetivava três acontecimentos: levar o aluno a

compreender o abstrato, por meio do concreto; utilizar os cinco sentidos no processo de ensino e de aprendizagem;

utilizar a indústria e a natureza para mostrar o conhecimento na prática. A historiadora da educação ainda afirma que

o método intuitivo se caracterizou por ser um movimento de renovação do ensino e da formação de professores,

valorizando, entre outros aspectos a intuição. Neste contexto, buscamos responder: quais eram os discursos das

revistas pedagógicas brasileiras no que tange a geometria para ensinar no curso primário?

Para as nossas análises, tomamos como referência dois artigos publicados recentemente por historiadores da

educação matemática que discutem as transformações da matemática em tempos intuitivos. Esses pesquisadores

debruçam-se em uma perspectiva ainda pouco explorada por outros historiadores da educação matemática, que

originalmente atrelam o período intuitivo aos métodos analíticos e sintéticos para o ensino de aritmética3 e dos saberes

geométricos

A investigação ampara-se nos pressupostos da História Cultural como teoria, que considera as representações

de determinada cultura em dado lugar e período, ou seja, “História Cultural é aquele campo do saber historiográfico

atravessado pela noção de cultura” (BARROS, 2003, p. 145) e “tem por principal objetivo identificar o modo como

em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é pensada e dada a ler” (CHARTIER, 1990, p.

16-17). Considera-se ainda que nossa base teórica já traz consigo a metodologia, conforme a argumentação defendida

por VALENTE (2007), no qual o pesquisador fundamenta-se em Antoine Prost.

Conectando as suas ideias com as de Prost o pesquisador nos leva a entender a “história como uma produção”

(VALENTE, 2007, p. 34), de forma que devemos construir no “lugar de uma produção didática da história, uma

história da educação matemática fabricada historicamente” (Ibidem, p. 37). E o exercício desta construção abarcará a

“reflexão sobre o tempo, sobre como caracterizamos a sua cronologia e sobre como pensamos em mudanças” (Ibidem,

p. 39).

A partir deste entendimento, de História Cultural como teoria e metodologia, construímos o nosso ferramental

teórico-metodológico, a fim de apresentar as primeiras análises, que são resultados parciais da pesquisa de doutorado4

em andamento do autor, sobre os saberes5 para ensinar geometria no primário brasileiro no período de 1890-1900.

1 Utilizamos o termo “geometria para ensinar”, tomando como base os estudos de Hofstetter e Scheneuly (2009) que exploram, dentre outras coisas,

os “saberes para ensinar”, ou, os saberes que são ferramentas para ensinar um determinado conteúdo, no nosso caso os saberes geométricos. Enfim

os saberes que qualificam o professor para ensinar. (HOFSTETTER; SCHENEUWLY, 2009, p. 17-18) 2 Tratou-se de um movimento pedagógico que foi difundido na Alemanha e preconizado por Pestalozzi nos Estados Unidos e na Europa no século XIX. Em nosso país, teve como um dos seus principais defensores Rui Barbosa, no final do século XIX e início do século XX (VALDEMARIN,

2004) 3 VALENTE, W. R. Como ensinar matemática no curso primário? Uma questão de conteúdos e métodos, 1890-1930. Perspectivas da Educação Matemática. Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), vol. 8,

n.7, 2015b. 4 A Geometria para ensinar proposta nas revistas pedagógicas brasileiras (1890-1970), sob orientação da Profa. Dra. Maria Célia Leme da Silva (UNIFESP). 5 LEME DA SILVA, M. C. Saberes Geométricos e o método analítico no final do século XIX. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v.16, n.48,

p. 301-319, maio/ago, 2016. Entendemos por saberes geométricos “o conjunto de conceitos, definições, temas, propriedades e práticas pedagógicas relacionadas a geometria que estejam presentes na cultura escolar primária”. (LEME DA SILVA, 2015).

Page 183: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

A GEOMETRIA PARA ENSINAR EM TEMPOS INTUITIVOS (1890-1900)

175 Anais do XII SNHM -2017

As Fontes Históricas da Pesquisa

Compreendemos, corroborando com Miguel (2010) que os estudos históricos buscam analisar fontes de

pesquisas, de forma que elas são pontos fortes da investigação, dessa forma, um dos momentos cruciais da atividade

de investigação do historiador é o levantamento das fontes documentais.

Nosso desafio nesta pesquisa é “ler” os nossos levantamentos documentais sob a ótica da História Cultural.

Para este estudo tomamos como fonte histórica prioritária as revistas pedagógicas, que são publicações

educacionais que fazem circular uma “sinopse” dos discursos pedagógicos de um tempo, ou seja, elas representam

importantes fontes para a construção de uma história cultural.

As revistas especializadas em educação, no Brasil e em outros países, de modo geral,

constituem uma instância privilegiada para a apreensão dos modos de funcionamento do

campo educacional enquanto fazem circular informações sobre o trabalho pedagógico e

o aperfeiçoamento das práticas docentes, o ensino específico das disciplinas e a

organização dos sistemas [...] (CATANI, 1996, p.03).

Ainda podemos dizer que as revistas pedagógicas representam “fontes informativas específicas para

construção de explicações acerca da história do campo educacional, das práticas escolares, dos saberes pedagógicos,

do movimento e da luta dos professores” (CATANI, 1996, p. 116).

Além disso, elas possuem um aspecto único e insubstituível, que talvez outras fontes não possuam. Com as

revistas pedagógicas “estamos, na maior parte das vezes, perante reflexões muito próximas dos acontecimentos”

(NÓVOA, 1997, p.12). Sendo assim, elas nos permitem uma compreensão do que estava circulando no meio

educacional de seu tempo em momentos próximos as suas publicações.

Tomando as revistas pedagógicas como fonte de um estudo histórico, temos, segundo Bastos (2007) um

observatório excelente, de forma que,

é um guia prático do cotidiano educacional e escolar, permitindo ao pesquisador estudar

o pensamento pedagógico de um determinado setor ou de um grupo social a partir da

análise do discurso veiculado e da ressonância dos temas debatidos, dentro e fora do

universo escolar (BASTOS, 2007, p. 01)

Entretanto, sabemos que além das potencialidades descritas acima, e corroborando com Rezende (2005), as

revistas pedagógicas não representam em sua totalidade algo neutro e homogêneo, dessa forma, o pesquisador, deve

atentar-se para o “fato de que a imprensa está muito longe de ser homogênea. Cada veículo selecionado como

documento deve ser analisado segundo suas características específicas” (REZENDE, 2005, p. 93).

Neste estudo analisamos cinco artigos publicados nas revistas: Pedagogica6, do Rio de Janeiro, que no final

6 A revista Pedagogica, criada em 1890, trata-se do primeiro periódico editado e financiado pelo poder republicano e circulou até 1896. Tratava-se

de um importante meio de comunicação educacional, onde seu principal dinamizador, editor e por muitas vezes autor foi o professor Joaquim José

Menezes Vieira, diretamente ligado ao Museu Pedagogium, e importante figura de seu tempo. Constitui-se em nosso país a partir do Projeto de Educação Nacional colocado em prática a partir da República, por intermédio de Benjamin Constant, reformando o ensino primário e secundário

do Distrito Federal. (FERNANDES, 2013). Tal reforma, tinha como principais princípios “a liberdade de ensino, a laicidade, a gratuidade do ensino

primário e a ciência como fundamento da organização curricular e do ensino propriamente dito” (GONDRA, 1997, p. 376).

Page 184: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Gabriel Luís da Conceição

176 Anais do XII SNHM -2017

do século XIX ainda se tratava do distrito federal brasileiro e na Revista do Ensino Primário7, da Bahia. Ainda fizemos

comparações com os estudos realizados por Leme da Silva (2016) em oito artigos publicados na Revista A Eschola

Publica8, de São Paulo, e assinados por Oscar Thompson e Gomes Cardim9, com intensões similares a deste texto, de

forma que assim abarcamos no estudo três importantes estados brasileiros que, cada um a sua forma, destacava-se no

cenário educacional nacional.

Vale ressaltar que todas as fontes utilizadas neste estudo estão disponíveis na íntegra para acesso publico e

gratuito no Repositório10 de Conteúdo Digital da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), espaço de

socialização de obras raras inventariadas pelo Grupo de Pesquisas em História da Educação Matemática no Brasil

(GHEMAT), com a participação de pesquisadores de 18 estados brasileiros.

A seguir construímos um quadro com uma síntese dos artigos que compõem a pesquisa.

Quadro 1 – Artigos analisados

Fonte: O autor

A Geometria para ensinar no final do século XIX: analítica ou sintética?

As pesquisas de Valente (2015) e Leme da Silva (2016) exploram, dentre outras coisas, os métodos de ensino

analítico e sintético para o ensino dos saberes elementares aritméticos e geométricos, respectivamente. Os

pesquisadores fundamentam-se nos estudos de Mortatti (2000) e Trouvé (2008).

Segundo os pesquisadores, o método analítico é difundido no final do século XIX, dando sequência no início

do próximo século. Este método fundamenta-se em um ensino “do todo para as partes”. Diferente do método de ensino

sintético, que propaga um ensino que parta “das partes para o todo”. Em geometria, podemos exemplificar o método

7 Periódico de publicação mensal, mantida por assinaturas semestral e anual. A revista estava empenhada na causa do professorado, da criança e do

ensino primário. Tinha como redatores os professores Leopoldo dos Reis, Luis Leal e Theotimo de Almeida. Iniciou as publicações em 1891, não

havendo informações sobre a sua extinção. (SANTANA, 2009). Segundo Assis (1923, p. 308) a revista possuía papel ativo entre os professores da

Bahia. 8 Trata-se de uma revista pedagógica que circulou em São Paulo entre 1893 e 1894, Segundo CATANI (1996, p. 125) “foi editada por iniciativa de um grupo de professores, sofre várias interrupções e em alguns momentos conta com o apoio do Estado”. Ainda segundo a pesquisadora, o periódico

foi um marco em São Paulo. “O papel pioneiro desempenhado por este periódico e seu lugar na conjuntura do campo educacional pode ser avaliado

pelo exame da atuação dos produtores e colaboradores do mesmo. [...] Professores que desde aquele momento militam pela melhoria da qualidade do ensino, explicitam seus discursos e articulam suas recomendações, fazendo-as circular mediante as revistas” (p. 125). A revista ainda serviu de

modelo para outras publicações pedagógicas em São Paulo. (MAGNANI, 1997) 9 “Os dois autores foram formados pela escola Normal de São Paulo, Thompson na turma de 1891, e Gomes Cardim na de 1894[...] Para a historiadora Mortatti (2000), os dois personagens [...] integram a geração de normalistas, que após a Proclamação da República ocupam cargos na

administração educacional, lideram movimentos associativos do magistério, assessoram autoridades educacionais [..]” (LEME DA SILVA, 2016

apud MORTATTI, 2000) 10 https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1769

REVISTA/ESTADO TÍTULO DO ARTIGO AUTOR ANO

Revista do Ensino

Primário / Bahia

Sem Título – Trata-se de uma crítica do autor

publicada na revista.

A. Cavalcante 1892

Revista Pedagogica /

Rio de Janeiro

Curso graduado de instruccão e manual de

methodos para uso dos mestres por H. Kiddle T.

Harrison e N. A. Calkins

Não Informado 1891

Revista Pedagogica /

Rio de Janeiro

Razão de ser do ensino manual publico Mr. Salicis 1891

Revista Pedagogica /

Rio de Janeiro

Manual de Methodos por Kidle, Haririson e

Calkins

F. Nicolax 1893

Revista Pedagogica /

Rio de Janeiro

Trabalhos Manuaes – Curso Elementar – 1 Classe

– Modelo de uma lição de dobrado.

Olavo Freire 1891

Page 185: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

A GEOMETRIA PARA ENSINAR EM TEMPOS INTUITIVOS (1890-1900)

177 Anais do XII SNHM -2017

de ensino analítico, como um ensino que parta do espaço para o plano, depois para a reta e termine no ponto, enquanto

que no sintético, inicia-se no ponto, passa pela reta e finaliza no espaço. Mas de que forma estava sendo proposta aos

professores uma geometria para ensinar em tempos intuitivos?

Analisando oito artigos dispostos nos exemplares da revista A Eschola Publica, Leme da Silva destaca que,

“a sequencia de atividades propostas indica a todo tempo, que as crianças toquem os modelos, construam com argila

ou barro as formas em estudo, como esferas, cubos. A observação e o desenho acompanham a exploração dos

modelos”. (2016, p.313). Percebemos que as propostas intuitivas vão aparecendo. Além disso, a autora entende

posicionamentos distintos entre os dois autores do texto – Oscar Thompson e Gomes Cardim – de modo que o primeiro

destaca em seus escritos o método analítico enquanto que o segundo indica o método sintético.

De que forma visualizamos as propostas para ensinar na Bahia e no Rio de Janeiro?

Na Revista do Ensino Primário, em um artigo publicado em 1892, há uma longa crítica de A. Cavalcante

sobre a distribuição de 3000 exemplares do livro “Desenho Linear” de Maia Bittencourt. O autor classifica a obra

distribuída como “Desenho Linear não apropriado as Escholas Primarias” (1892, p. 23), ele entende que este livro não

possui uma proposta intuitiva, conforme proposto pelo regimento interno das escolas públicas baianas: “Desculpem-

nos, este livreto não deve transpor os umbrais da eschola primaria: ele não se amolda ao que prescreve o art. 1 do

regimento interno das mesmas” (1892, p. 23).

Cavalcante faz duras críticas a proposta do livro, que ele afirma ser meramente “decorativa”, onde o aluno

deve decorar as técnicas de construção, começando pelos desenhos mais simples, até conseguir realizar construções

mais avançadas. Após a crítica ele propõe aos professores uma outra forma de ensinar desenho

Lindas e variadas são as madeiras de nosso Estado; temos artistas intelligentes e peritos,

porque não mandão fazer collecções de solidos, de diversas madeiras do Estado, para

fornecer-se as escholas? Com esta indicação que fazemos duas serão as vantagens para

as crianças 1. Aprender o desenho por um modo pratico, observativo e racional de acordo

com a pedagogia e a methodologia modernas. 2. ter ao mesmo tempo conhecimento das

madeiras de seu Estado e das diversas aplicações que ellas se pode dar (CAVALCANTE,

A. 1891, p. 25)

Com as falas do professor percebemos a defesa do docente por uma apropriação do método intuitivo de

maneira analítica nas escolas primárias da Bahia, condenando a utilização de um livro de proposta sintética. No entanto

a distribuição de 3000 livros também nos conta algo. Diferentes apropriações de um mesmo movimento pedagógico

em voga, tal como foi verificado com Oscar Thompson e Gomes Cardim. Mesmo momento, e apropriações diferentes

da mesma proposta de ensino.

Agora, como foram as coisas no Rio de Janeiro?

Em 1891, no artigo intitulado “Curso graduado de instruccão e manual de methodos para uso dos mestres por

H. Kiddle T. Harrison e N. A. Calkins” há recomendações aos professores de como ensinar cada matéria escolar,

quanto ao desenho a proposta é a repetição de figuras do simples para o complexo, objetivando a construção de formas

frequentes no dia a dia do aluno, “Desenho e escripta – Nas ardósias [...] sob ditado” e ainda “Desenho de figuras

conhecidas – No papel” (REVISTA PEDAGOGICA, 1891, p. 39).

Olavo Freire, em um artigo escrito em 1891, com orientações aos professores sobre a condução em uma aula

Page 186: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Gabriel Luís da Conceição

178 Anais do XII SNHM -2017

de trabalhos manuais, expressa a importância da observação pelos alunos da construção feita pelo mestre, primeiro

com as atividades mais fáceis, “a lição será dada no quadro preto e o mestre executará o exercício ao mesmo tempo

que seus discípulos, os quaes mais facilmente comprehenderão as explicações”. (REVISTA PEDAGOGICA, 1891,

p. 45)

A mesma proposta é feita em outro artigo, assinado por Mr. Salicis e intitulado de “Razão de ser do ensino

manual publico”, nele o autor propõe que em níveis, ou aos poucos, o aluno vá se aperfeiçoando até chegar a perfeição

em suas construções manuais, a fim de aplicar as técnicas aprendidas na futura prática profissional.

Deve procurar especialmente que os alunos sahiando da escola primaria [...] tenham em

seu espirito uma bagagem technica elementar aplicável a qualquer officio, um certo grau

de precisão no olhar ao mesmo tempo que em suas mãos a pratica inicial dos instrumentos

ou utensílios fundamentaes. (REVISTA PEDAGOGICA, 1891, p. 117)

O autor ainda responsabiliza os professores, pelo sucesso ou fracasso de seus alunos, pois a intenção é que a

cada trabalho manual construído, o próximo seja melhor que o anterior. “Deve nascer uma habilidade precoce

indispensável para a excellencia das execuções ulteriores [...] e ao professor que está confiada esta tarefa de preparar

desde a infância as gerações que devem responder a estes intuitos [...] torna-se pois responsável” (REVISTA

PEDAGOGICA, 1891, p. 116)

Na mesma revista, em um artigo assinado por F. Nicolax, em 1893, o autor destaca mais uma vez, assim

como os demais, orientações para que o professor parta das “partes para o todo” com seus alunos, sempre começando

com estimativas, para então chegar-se a exatidão,

As crianças obterão percepções claras sobre o tamanho e o comprimento si pedirmos que

julguem por si o tamanho e a largura de objetos determinados, postos ao alcance de sua

vista e meção depois esses objetos para certificarem-se da exactidão ou inexactidão de

seus juízos. Desenhar linhas de determinado comprimento no quadro negro, fazel-as

medir pelos alunos é um meio excelente para adextral-os em calcular á simples vista o

tamanho e o comprimento dos objetos. (REVISTA PEDAGOGICA, 1893, p. 102)

Com as análises dos artigos, identificamos no então distrito federal, uma inclinação para os métodos de ensino

sintéticos, nos mostrando diferentes apropriações, reconhecendo que a extração cultural é sempre dinâmica, implica

variadas formas de recepção e interpretação (CHARTIER, 1990), neste caso, do método de ensino intuitivo. Na Bahia,

no Rio de Janeiro e em São Paulo, as revistas analisadas eram lugares privilegiados de difusão da proposta intuitiva,

no entanto com diferentes recomendações aos professores.

Algumas Considerações

A construção desta pesquisa vislumbra contribuições para a Historia da educação matemática, mesmo que

de forma parcial, tomando pesquisas com temáticas próximas, de forma a reforçar a ideia de que nada é por completo

a reprodução de um método de ensino. A escola e o meio educacional são lugares dinâmicos e com influências sociais,

políticas, econômicas e etc, que uma investigação por meio da História Cultural nos permite evidenciar. Dessa forma

existem diferentes apropriações de uma mesma metodologia de ensino, e assim entendemos que nossas fontes de

pesquisa possibilitam a manifestação de rastros do que vinha acontecendo nas salas de aula do final do século XIX, e

ainda o que os professores eram orientados a fazer. Diferentes formas de ensinar e aprender geometria de forma

Page 187: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

A GEOMETRIA PARA ENSINAR EM TEMPOS INTUITIVOS (1890-1900)

179 Anais do XII SNHM -2017

intuitiva, ora de maneira analítica e ora de maneira sintética.

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Page 189: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

181 Anais do XII SNHM -2017

O USO DE EPISÓDIOS DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA EM UMA TAREFA DIDÁTICA

VISANDO A PRODUÇÃO DE SIGNIFICADO

Benjamim Cardoso da Silva Neto (IFMA) – [email protected]

Fabiana Leal Nascimento (IFMA) – [email protected]

O presente trabalho remete a uma abordagem qualitativa e por meio de uma pesquisa de campo realizada com dois

alunos do 2º ano do Ensino Médio para os quais foi aplicada uma tarefa didática com uso de episódios de história da

matemática para o estudo do Teorema de Tales. Os episódios de história da matemática podem ser construídos pelo

professor e pelos alunos, deve possuir um contexto de alguma passagem histórica que evidencie problemas antigos de

matemática, e pode ser histórias ou estórias e reais ou fantasiosas. Objetivamos analisar a produção de significado sob

o aporte do Modelo dos Campos Semânticos, adotado como referencial epistemológico na pesquisa. Construímos um

episódio em relato tradicional sobre a estruturação do Teorema de Tales a partir do problema do cálculo da altura da

pirâmide por Tales de Mileto no Egito Antigo unindo-o a uma tarefa didática. A história da matemática enquanto

recurso metodológico é a substância que dá corpo à tarefa construída e proposta. Analisamos os registros escritos dos

alunos, as falas transcritas, e gestos evidenciando uma leitura sobre a produção de significado matemático pelos

alunos. As produções dos alunos caminharam na direção que era objetivado, ocorrendo produção de significado

matemático para a tarefa submetida à aplicação, pudemos identificar a direção em que o aluno falava, baseado em que

falava e porque falava, levando-o a conhecer novas direções. A produção de significado segundo o referencial

epistemológico adotado pode ser percebida por meio de gestos, falas, desenhos, ou seja, é tudo aquilo que alguém

pode representar sobre algo. A tarefa elaborada, para os autores, é capaz de se tornar um instrumento que se incorpore

às estratégias adotadas por professores de Matemática no uso da história da matemática na sala de aula possibilitando

a aproximação entre aluno e professor e entre aluno e aluno, uma vez que o MCS permite e vislumbra essa

aproximação entre os indivíduos.

Palavras-chave: Tarefa didática; Episódio de história da matemática;Modelo dos Campos Semânticos.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

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182 Anais do XII SNHM -2017

A HISTÓRIA DA EQUAÇÃO DE SEGUNDO GRAU: O QUE PENSAM OS ALUNOS OS

ALUNOS DO ENSINO MÉDIO

Júlio César Cabral

Colégio Águia de Prata – CAP – Brasil

Alexandre Mendes Muchon

Colégio Águia de Prata – CAP – Brasil

Alan Augusto Silva Souza

Colégio Águia de Prata – CAP – Brasil

Resumo

Neste trabalho será apresentada, de forma resumida, a história do desenvolvimento da matemática e dos conceitos de

função, em especial as quadráticas. Desde a antiguidade, o homem utiliza a matemática para facilitar a vida e organizar

a sociedade. O uso dos conceitos matemáticos hoje conhecidos derivou da necessidade dos povos em evoluir

socialmente, partindo de problemas reais. Como ciência, o desenvolvimento da matemática motivou os pensadores de

suas épocas a desenvolverem métodos e técnicas que fossem possíveis para aplicar, explicar ou organizar, desde

tarefas simples até as mais complexas, como construções. A matemática ainda continua atuando como “ferramenta”

em diversos setores da sociedade contemporânea, no entanto, muitos ainda não reconhecem essa dependência. Dos

Egípcios aos Hindus, percebe-se que a equação quadrática esteve presente nas mais diversas situações e que o objetivo

era sempre o de resolver tais equações. No desenrolar da história, vários métodos foram desenvolvidos no intuito de

aprimorar as técnicas já existentes. Atualmente, no ensino médio, o que se observa em termos dessa forma de equação

é a aplicação da fórmula resolutiva de equações do segundo grau; com isso, outros métodos que serviram de alicerce

para o que hoje conhecemos, são deixados de lado. Desta forma, a história que desencadeou a formulação matemática

é também esquecida, prejudicando o desenvolvimento matemático dos estudantes em geral. A falta de uma sequência

de fatos que mostre o crescimento da matemática como ciência torna a aprendizagem do aluno limitada, pois não

disponibiliza meios para que eles percebam a beleza algébrica e geométrica contida nos outros métodos. Por meio de

um questionário, aplicado a alunos das escolas públicas e particulares da cidade de Lagoa da Prata/MG, foi possível

traçar um panorama de como a história da matemática e os vários métodos desenvolvidos ao longo dos séculos são

vistos por eles. Através deste questionário, fica evidente que apenas um método é utilizado pelos estudantes na

resolução das equações de segundo grau. Também, que a grande maioria não conhece a história da matemática, no

entanto, manifestam interesse em conhecê-la. Finalmente, o presente trabalho ainda foi utilizado como forma de

introduzir alunos do ensino médio a uma alfabetização cientifica.

Palavras-chave: Equação de segundo grau; História da matemática; Fórmula geral.

[THE STORY OF THE SECOND GRADE EQUATION: WHAT DO STUDENTS THINK OF HIGH SCHOOL STUDENTS]

Abstract

In this paper, the history of the development of mathematics and the concepts of function, in particular the quadratics

will be presented in a summarized way. From ancient times man has used mathematics to make life easier and to

organize society. The use of today's mathematical concepts derived from the need of people to evolve socially, starting

from real problems. As a science, the development of mathematics motivated thinkers of their time to develop methods

and techniques that could be applied, explained, or organized, from simple to complex tasks such as constructions.

Mathematics still continues to act as a "tool" in various sectors of contemporary society, yet many still do not recognize

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

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Júlio César Cabral, Alexandre Mendes Muchon, Alan Augusto Silva Souza

183 Anais do XII SNHM -2017

this dependence. From the Egyptians to the Hindus, it can be seen that the quadratic equation was present in the most

diverse situations and that the objective was always to solve such equations. In the course of history, several methods

have been developed in order to improve existing techniques. Nowadays, in high school, what is observed in terms of

this form of the equation is the application of the resolutive formula of equations of the second degree; with this, other

methods that served as a foundation for what we know today are left out. In this way, the history that triggered the

mathematical formulation is also forgotten, hampering the mathematical development of students in general. The lack

of a sequence of facts that shows the growth of mathematics as science makes student learning limited because it does

not provide the means for them to perceive the algebraic and geometric beauty contained in other methods. Through

a questionnaire, applied to students of public and private schools in the city of Lagoa da Prata / MG, it was possible

to outline how the history of mathematics and the various methods developed over the centuries are seen by them.

Through this questionnaire, it is evident that only one method is used by students in solving the second-degree

equations. Also, that the great majority does not know the history of mathematics, nevertheless, they manifest interest

in knowing it. Finally, the present work was still used as a way to introduce high school students to a scientific literacy.

Keywords: Second-degree equation; History of Mathematics; General formula.

Introdução

Para muitos estudantes do ensino médio e fundamental, quando se fala em matemática, logo vem à mente um

amontado de contas, símbolos e gráficos que, para eles, em diversas situações, não tem fundamento algum. Diversas

são as situações em que o ensino de matemática é proposto sem a ligação dos conceitos estudados com o cotidiano

mais imediato do aluno.

No contexto do aluno, não se faz necessário saber ler e interpretar um gráfico, tabela ou relacionar uma

determinada grandeza com outra, pois não ocorre uma transposição dos conteúdos vistos em sala de aula para a sua

vivência diária. Na visão do professor, a matemática deve ser ensinada da forma que os livros didáticos trazem. O que

não se percebe é que a matemática está relacionada com fatos ou acontecimentos diários de uma grande parcela da

população ou ainda ligada a fenômenos naturais. Para Rodrigues (2004) exemplos que fariam a transposição entre o

conteúdo e cotidiano são comumente encontrados em jornais ou notícias envolvendo linguagem matemática, tais como

gráficos, tabelas, taxas de financiamento, pesquisas e tantas outras.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) do 5º ao 8º ano, a matemática é importante na

construção da cidadania, pois

a sobrevivência na sociedade depende cada vez mais de conhecimento, pois diante da complexidade

da organização social, a falta de recursos para obter e interpretar informações, impede a

participação efetiva e a tomada de decisões em relação aos problemas sociais. Impede, ainda, o

acesso ao conhecimento mais elaborado e dificulta o acesso às posições de trabalho (BRASIL,

1988, p. 26).

Desse modo, a matemática ensinada na escola de nível médio, deve ser tal que possibilite ao aluno transcender

a um modo de vida ativo em seu meio social e ainda proporcione uma transformação do seu ambiente social.

Contudo, o processo de ensino e aprendizagem da matemática deve valorizar o saber matemático cultural e

aproximá-lo do saber escolar em que o aluno está inserido (BRASIL, 1998. p.32) na tentativa de promover o estudante

como um cidadão atuante e solidário dentro e fora do contexto escolar.

Materiais e Métodos

O intuito deste trabalho é verificar qualitativamente como os alunos encaram a função de segundo grau, quais são os

métodos conhecidos por eles e se a história da matemática é importante no que se refere à aprendizagem deste tópico.

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A história da equação de segundo grau: o que pensam os alunos do ensino médio

184 Anais do XII SNHM -2017

A verificação dar-se-á por meio de um questionário, que será respondido por alunos dos segundos e terceiros

anos do ensino médio da rede pública e particular da cidade de Lagoa da Prata, Minas Gerais.

O desenvolvimento deste trabalho visa ainda inserir alunos do ensino médio no campo da pesquisa, como

forma de iniciar uma alfabetização científica no âmbito desse nível de ensino.

Embora seja objetivo deste trabalho inserir os alunos ao mundo da pesquisa, não discutiremos os pormenores

da alfabetização científica, no entanto acreditamos que esta metodologia pode

ser considerada como uma das dimensões para potencializar alternativas que privilegiam uma

educação mais comprometida. É recomendável enfatizar que essa deve ser uma preocupação muito

significativa no ensino fundamental, mesmo que se advogue a necessidade de atenções quase

idênticas também para o ensino médio (CHASSOT, 2006).

A seguir apresentaremos uma breve revisão histórica do desenvolvimento da matemática e também do

conceito de função, os resultados obtidos e as considerações finais do trabalho.

O desenvolvimento histórico da matemática

O termo “Matemática” deriva da palavra grega “Matemathike”, que pode ser dividida em duas partes: “Mathema” que

significa compreensão, explicação, ciência, conhecimento ou aprendizagem; e “thike” relacionada à arte. Assim, pode-

se dizer que Matemática é a arte ou técnica de explicar, conhecer ou entender os números ou formas geométricas.

O que sabemos atualmente consiste de um agregado de conhecimentos e técnicas desenvolvidas ao longo do

tempo. Os Egípcios (4000 a.C. – 30 a.C.) usavam o método da falsa posição para resolver equações de primeiro grau

e, possivelmente, de segundo grau. No Papiro de Kahun foram encontrados exercícios envolvendo a expressão x2+y2

= k, onde k era um número positivo. Os Babilônicos (2000 a.C.) tinham conhecimentos bem desenvolvidos de álgebra

e resolviam equações de segundo grau por meio de uma sequência de passos ou “receita matemática” ou ainda pelo

método de completar quadrados. Os Gregos (350 a.C. – 250 a.C.) utilizavam construções geométricas para o estudo

de equações e ainda conceitos de proporções. Na obra “Os Elementos”, de Euclides, é possível ter uma ideia de como

os gregos resolviam problemas envolvendo equações quadráticas. Os Árabes (825 d.C.) resolveram as equações

quadráticas por meio da álgebra (babilônicos) e da geometria (gregos). Pode-se destacar o trabalho de Al-Khowarizmi

onde é apresentada a equação polinomial e sua resolução e a comprovação geométrica do método de completar

quadrados. Para os Hindus (1000 d.C. – 1200 d.C.) a matemática era composta por problemas reais. Estes exerceram

um papel fundamental na resolução de equações quadráticas. Entre os matemáticos hindus pode-se citar Bhaskara,

que complementou os trabalhos de seus antecessores encontrando soluções gerais para algumas equações, em especial

a equação do segundo grau (fórmula Bhaskara no Brasil).

A matemática é a ciência dos números e dos cálculos. Desde a antiguidade, o homem utiliza a matemática

para facilitar a vida e organizar a sociedade. A matemática foi usada pelos egípcios na construção de pirâmides, diques,

canais de irrigação e estudos de astronomia. Os gregos antigos também desenvolveram vários conceitos matemáticos.

Atualmente, esta ciência está presente em várias áreas da sociedade como, por exemplo, arquitetura, informática,

medicina, física, química etc. Podemos dizer que em tudo que olhamos existe a matemática.

O desenvolvimento da matemática não está restrito somente aos citados anteriormente, porém o foco do

trabalho são as equações de segundo grau. Aos olhos de da grande maioria dos alunos, tais equações são vistas apenas

como algo aprendido na escola para que seja cobrado em provas e, sendo assim, nunca mais visto. Ainda, quando em

sua aplicação, se faz necessário obter as suas raízes, o método ensinado é sempre o mesmo, por meio da fórmula

resolutiva de equações do segundo grau. Dessa forma, o desenvolvimento matemático dos estudantes em geral fica

limitado, pois não percebem a beleza algébrica e geométrica contida em outros métodos.

Métodos para resolver uma equação quadrática

Quando se pensa em resolver uma equação do segundo grau, logo vem à mente a famosa fórmula Bhaskara, ou fórmula

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Júlio César Cabral, Alexandre Mendes Muchon, Alan Augusto Silva Souza

185 Anais do XII SNHM -2017

resolutiva de equações do segundo grau: a

acbbx

2

42 . No entanto, devemos saber que tal método é

conhecido somente no Brasil. Para Quaranta (2014) a fórmula geral tem caráter totalmente abrangente, por isso achou-

se adequado abandonar as outras formas de se apresentar e de se resolver equações do segundo grau, resumindo o

ensino atual com enfoque exclusivamente algébrico. Além da fórmula geral podem ser destacadas outras formas de

soluções, tais como: i) método geométrico; ii) complemento dos quadrados; iii) soma e produto; iv) fatoração.

A seguir será apresentado um exemplo de solução de uma equação de segundo grau.

Solução de uma equação quadrática por Viète

Somente no início da idade moderna que é introduzido o simbolismo algébrico, forma pela qual reconhecemos

atualmente as equações do segundo grau, proposta pelo francês Viète. O exemplo apresentado a seguir pode ser

utilizado como forma de solução de uma equação de segundo grau no intuito de que os alunos reconheçam elementos

já conhecidos da fórmula geral.

Dada a equação 0432 xx o valor das raízes será x’ = -4 e x’’ = 1 quando utilizada a fórmula geral

1.2

)4.(1.433 2 x . Aplicando o método de Viète, onde o objetivo é fazer uma substituição de variáveis.

Para obter as raízes seguimos os seguintes passos:

1. Fazendo vux

2. Substituindo em 0432 xx , temos: 04)(3)( 2 vuvu

3. Resolvendo e organizando a equação, fica

04332 22 vuvuvu

0433222 vuuvvu 4. Isolando u na expressão, temos

043)32(22 vvuvu

5. Fazendo 032 v temos que 2

3v

6. Substituindo na expressão do item 4, o termo )32( vu torna-se nulo restando então

042

9

4

92 u

4

252 u

2

5u

7. Finalmente substituindo os valores de u e v no item 1, chegamos aos valores

1

4

2

3

2

5

x

x

x

Utilizando-se desse processo, os alunos podem resolver com tranquilidade outras equações de segundo grau.

Daí para chegar à fórmula geral basta aplicar o método considerando uma equação 02 cbxax .

O método de Viète possibilita uma demonstração da fórmula resolutiva de equações do segundo grau, de fácil

compreensão e sem grandes artifícios. Com a aplicação de tal método, pode-se ainda chegar à solução de uma equação

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A história da equação de segundo grau: o que pensam os alunos do ensino médio

186 Anais do XII SNHM -2017

completa do 2º grau sem que seja necessário utilizarem a fórmula de maneira decorada como tantas vezes acontece.

Solução de uma equação quadrática pelo método geométrico de Descartes

Para resolver equações quadráticas, René Descartes desenvolveu um método geométrico para obtenção da raiz

positiva. Descartes consideravam três possibilidades: a) 22 cbxx ; b) bxcx 22 ; c) 22 cbxx .

Considerando a equação 0432 xx percebemos que a mesma se enquadra no item a, pois 22 23 xx , onde

3b e 2c .

Aplicando o método de geométrico de Descartes, para obter a raiz positiva seguimos os passos:

1) Trace um segmento de reta MN, na horizontal, cujo tamanho será o valor de c.

2) A partir de M, trace um segmento de reta MP perpendicular a MN de comprimento 2

b.

3) Com centro em P, construa um círculo de raio MP.

Figura 1: Passos 1 e 2 do método de Descartes.

Fonte: Autor

Figura 2: Passo 3 do método de Descartes.

Fonte: Autor

4) Trace uma reta unido os ponto N e P.

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Júlio César Cabral, Alexandre Mendes Muchon, Alan Augusto Silva Souza

187 Anais do XII SNHM -2017

Figura 3: Passo 4 do método de Descartes.

Fonte: Autor

O segmento RN é a solução positiva da equação, enquanto –SN a raiz negativa.

5) Na figura 3, do triângulo retângulo MNP, conclui-se que;

222 )()()( MNMPPN

22 )()( MNMPPN

6) Fazendo 2

bMP , cMN e xRN . De acordo com a figura 3, PRMP pois são raios da circunferência,

logo:

PNPRRN

PNMPRN

PNb

x 2

7) Substituindo na equação do item 5, temos;

2

2

22c

bbx

2

2

22c

bbx

8) Lembrando que b = 3 e c = 2, temos:

44

9

2

32

2

3

2

3 2

2

x

2

5

2

3

4

25

2

3x

4x ou 1x

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A história da equação de segundo grau: o que pensam os alunos do ensino médio

188 Anais do XII SNHM -2017

Por meio do método de Descartes, o aluno pode com certa facilidade relacionar os conceitos da geometria

para determinar o valor da raiz de uma equação quadrática.

O método de Descartes pode ser utilizado tanto por alunos do ensino fundamental quanto do ensino médio

fazendo uso, por exemplo, do software Geogebra na obtenção das raízes.

Figura 4: Método geométrico de Descartes, desenvolvido no Geogebra.

Fonte: Autor

Resultados

Para o desenvolvimento deste trabalho, um grupo de alunos de escolas públicas e particulares foi consultado por meio

de um questionário em que o intuito era verificar o que sabem e pensam a respeito da equação do segundo grau. O

público de pesquisados consiste de alunos do ensino médio.

Deste grupo, 61,1% são alunos da rede pública e 38,9% estudam em escola particular; 21,6% dos alunos

cursam o primeiro ano; 27,0% estão no terceiro ano, enquanto 51,4% dos estudantes estão matriculados no segundo

ano. O estudo da equação de segundo grau, seja nos livros didáticos ou apostilas adotadas pelas escolas particulares,

é componente curricular para a primeira série do ensino médio. Todos os alunos consultados afirmam já terem

estudado algo sobre o tema. Mas quando questionados sobre quais foram os métodos explicados, todos afirmaram

entre os quatro disponíveis no questionário (Bhaskara, Viète, Complementos dos quadrados e Geométrico) que 100%

estudaram a resolução por Bhaskara, 18,4% afirmaram conhecer o método de Viète e 10,8% conhecem o método de

complemento de quadrados. O quadro que se observa é o mesmo discutido anteriormente, por conveniência ou talvez

por simplicidade em se chegar às raízes da equação, os livros didáticos/professores preferem o uso da fórmula geral.

Nenhum aluno conhece o método geométrico. No entanto, 78,4% dos alunos gostariam de saber mais sobre os métodos

não conhecidos. Mesmo que outros métodos não sejam contemplados nos materiais didáticos, cabe aos professores

analisar a importância desses outros métodos e explicá-los aos alunos, uma vez que tais métodos correspondem ao

desenvolvimento da matemática.

Almeida (2006) afirma que as dificuldades de aprendizagem em Matemática podem ocorrer por diversos

fatores, sejam eles afetivos, cognitivos ou mesmo físicos. No entanto, devemos pensar na situação em que o aprendiz

não sabe de onde vêm aqueles conceitos e muito menos verificam uma relação deles para com o seu dia a dia, fato

que pode ser observado neste trabalho: apenas 29,7% dos alunos conhecem outros métodos de solução da equação de

segundo grau. Tal fato pode ser ainda comprovado quando os alunos são questionados sobre a história da matemática:

83,8% dos alunos não conhecem a história da matemática, porém 81,1% afirmam ter interesse em saber mais sobre o

seu desenvolvimento desde os primórdios até os dias atuais.

Na tentativa de minimizar tais dificuldades, iniciar os estudos propondo para os alunos por que um dado

conteúdo foi desenvolvido, por que está sendo estudado, para que serve e qual é a relação dele com o seu cotidiano,

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Júlio César Cabral, Alexandre Mendes Muchon, Alan Augusto Silva Souza

189 Anais do XII SNHM -2017

além de motivar, pode ainda despertar o interesse dos alunos em aprender. E uma forma de se fazer isso é começar

pela história ou por fatos de maior relevância que justifiquem o seu uso e desenvolvimento. Nesse sentido, os alunos,

quando perguntados sobre a relação da equação de segundo grau com seu cotidiano, 67,6% deles não a relacionam

com nada do seu dia a dia, como se verifica em uma das respostas “No meu dia a dia, são raras as vezes que eu uso a

matemática pra alguma coisa! Mais a matéria em si é bem complexa!”. O aluno em questão ainda não descobriu que

a matemática é uma ferramenta para a vida e que por mais complexa que seja, está presente em tudo o que o cerca.

Para outro aluno a matemática se concentra apenas nas operações básicas “Não percebo uso profundo da matemática

aprofundada no dia a dia, somente matemática básica (adição, subtração, multiplicação e divisão)”.

Para um grupo pequeno de alunos, a matemática não é necessária e não tem sentido em suas vidas. Outros

atribuem a falta de afinidade com a disciplina pelo fato de não entenderem as aulas do professor, ou ainda estudam

somente para fazer prova mesmo não gostando.

No entanto, alguns alunos consideram a matemática como fundamental e presente no seu dia a dia, como pode ser

percebido na seguinte resposta “A matemática hoje em dia está em tudo, precisamos dela na maioria das coisas que

fazemos no dia a dia, como comprar algo, em toda questão da vida se utiliza a matemática, ela é uma das matérias

fundamentais!”.

Na visão de outro aluno “O estudo da matemática é fundamental para vivermos na sociedade. Para realizar

desde os cálculos mais simples e cotidianos, como calcular o valor dos itens que for comprar, até os cálculos mais

complexos de alguma faculdade de engenharia. [...] A matemática está em todo lugar, para vê-la, basta deixar de

lado os pensamentos negativos sobre ela e adentrar neste mundo”.

Considerações Finais

O presente trabalho apresentou uma revisão sobre a história do desenvolvimento da matemática e também dos

conceitos de função, que, atualmente, são amplamente utilizados nos mais diversos setores da sociedade.

A história da matemática nos mostra que o que hoje conhecemos não está pronto e muito menos finalizado,

pois a necessidade é fator motivacional para novos descobrimentos e aperfeiçoamento das técnicas já existentes, como

a história nos mostra.

No ensino médio, as equações quadráticas são geralmente estudadas de forma desconectada da realidade dos

alunos e sem levar em consideração o seu desenvolvimento histórico, e estes, por vez, não conseguem ver relação

delas com aplicações práticas.

Fica evidente, de acordo com nossa pesquisa, que o método mais utilizado pelos alunos é a fórmula geral

(Bhaskara) em que os demais métodos que serviram de base para o desenvolvimento da matemática são deixados de

lado. Ficam claras as dificuldades dos alunos, quando se introduz outro método, após ter visto o método de Bhaskara,

que eles não conseguem pensar a não ser com base na facilidade gerada pela fórmula geral.

Apesar do ensino de matemática, em muitos casos, “esquecer” a história da matemática, devemos lembrar

que a mesma é primordial para o desenvolvimento tecnológico, social e humano.

Agradecimentos

Aos alunos das escolas que participaram deste trabalho respondendo ao questionário. Aos alunos do Colégio Águia

de Prata, ora designados pesquisadores juniores, Alan Augusto Silva Souza (1º ano) e Alexandre Mendes Muchon (2º

ano), pela dedicação e compromisso no desenvolvimento deste trabalho.

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em relação a fatores associados ao insucesso nesta área. Brasília: Universidade Católica de Brasília, Ucb. Trabalho

de conclusão de curso.

Page 198: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

A história da equação de segundo grau: o que pensam os alunos do ensino médio

190 Anais do XII SNHM -2017

BOYER, Carl Benjamin. 1993. História da Matemática, São Paulo, Edgard Blücher, 10a impressão.

BRASIL/MEC. 1998. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília.

CHASSOT, Attico. 2006. Alfabetização científica: uma possibilidade para a inclusão social.

FRAGOSO, Wagner da Cunha. 2000. Uma Abordagem Histórica da Equação do 2 grau. [s. L]: Revista do Professor

de Matemática, n. 43, p. 20-25.

PEDROSO, Hermes Antônio. 2010. Uma breve história da equação do 2º grau. 2. ed. [s. L.]: Revista Eletrônica de

Matemática.

QUARANTA, Francisco. 2014. Geometria e Aritmética Combinam com Equações do Segundo Grau? V. 6; [s. L.]:

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RODRIGUES, Luciano Lima. 2004. A matemática ensinada na escola e a sua relação com o cotidiano. Universidade

Católica de Brasília.

VALE, Alberton Fagno Albino do. 2013. As Diferentes Estratégias de Resolução da Equação do Segundo Grau. 76 f.

Dissertação (Mestrado) - Curso de Matemática, Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Mossoró, 2013.

Disponível em: <http://bit.profmat-sbm.org.br/xmlui/>. Acesso em: 22 fev. 2017.

Júlio César Cabral

Colégio Águia de Prata – CAP – Lagoa da Prata -

Brasil

E-mail: [email protected]

Alexandre Mendes Muchon

Colégio Águia de Prata – CAP – Lagoa da Prata -

Brasil

E-mail: [email protected]

Alan Augusto Silva Souza

Colégio Águia de Prata – CAP – Lagoa da Prata -

Brasil

E-mail: [email protected]

Page 199: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

191 Anais do XII SNHM -2017

A MATEMÁTICA ISLÂMICA NA IDADE MÉDIA: A ÁLGEBRA DE SHARAF AL-DīN AL-

TūSī

Severino Carlos Gomes

Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN – Brasil

Bernadete Morey

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Brasil

Resumo

O objetivo desse trabalho é apresentar o estudo do algebrista medieval Sharaf al-Dīn al-Tūsī sobre a existência (ou

não) das raízes de determinadas equações cúbicas. Para isso, este artigo se vale das teses de Rashed (1994) – utilizando

a derivada – e Hogendlik (1989) – utilizando elementos geométricos – sobre os possíveis argumentos utilizados,

implicitamente, por al-Tūsī para determinar seus verídicos resultados. Por fim, exibiremos os pormenores de uma

possível justificativa geométrica sobre a pesquisa de raízes positivas de uma equação cúbica particular.

Palavras-chave: Sharaf al-Dīn al-Tūsī, Álgebra Islâmica, Matemática Medieval.

MATH IN ISLAMIC MIDDLE AGES: ALGEBRA OF SHARAF AL-DIN AL-TUSI

Abstract

The purpose of this work is to present the study of the medieval algebraist Sharaf al-Dīn al-Tūsī about the existence

(or not) of the roots of certain cubic equations. For this, this article uses the thesis of Rashed (1994) - using the

differential calculus - and Hogendlik (1989) - using geometric elements - on the possible arguments implicitly used

by al-Tūsī to determine their true results. Finally, we will present the details of a possible geometric justification on

the search for positive roots of a particular cubic equation.

Keywords: Sharaf al-Dīn al-Tūsī, Islamic Algebra, Medieval Mathematics.

Introdução

A partir do séc. VII, após rápida expansão, o Islamismo se estabeleceu numa vasta área territorial que incluía o norte

da África, a Península Ibérica, o Oriente Médio e a Ásia Central. Nesta vasta região viviam povos de distintas culturas

e línguas. A religião oficial do Islamismo era a muçulmana, porém, havia certa tolerância religiosa. Os governantes

islâmicos incentivaram o estudo das ciências e da filosofia, muitas vezes, criando e mantendo instituições de cultura

e saber que abrigavam sábios convidados de regiões bem distantes.

No que se refere aos estudos em matemática, eles se iniciaram a partir das traduções e do estudo de obras

mais antigas originárias da Índia e da Grécia, principalmente. Passado algum tempo os sábios dos povos islâmicos

começaram a produzir conhecimento novo e, a partir do séc. X, em qualquer campo da ciência, as figuras mais

importantes pertenciam à comunidade islâmica sejam eles, muçulmanos, cristãos ou judeus.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 200: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Severino Carlos Gomes & Bernadete Morey.

192 Anais do XII SNHM -2017

Com efeito,

Se voltarmos nas páginas do tempo, veremos que é impossível imaginar a civilização ocidental sem

os frutos da ciência árabe: a arte da álgebra de al-Khwarizmi, os abrangentes ensinamentos médicos

e a filosofia de Avicena1, as duradouras geografia e cartografia de al-Idrisi2, o rigoroso racionalismo

de Averróis3. (LYONS, 2011, p. 19).

A tradição algébrica islâmica medieval tem seu expoente em Mulhammad ibn Musa al-Khwarizmi (c. 780-c.

850). Embora outras culturas tenham desenvolvido alguns conceitos algébricos básicos, para Brezina (2006) é a partir

da obra de al-Khwarizmi, mesmo sem usar símbolos para expressar equações, que processos algébricos são

apresentados de forma sistemática, evidenciando assim o ramo da matemática futuramente conhecido como Álgebra.

Além de expoentes como al-Khwarizmi, diversos estudiosos islâmicos contribuíram no desenvolvimento do

pensamento algébrico medieval. Entre eles, Sharaf al-Dīn al-Tūsī e sua obra sobre a Álgebra das equações cúbicas.

Neste sentido, este artigo tem como propósito apresentar alguns elementos do tratamento dado por Sharaf al-

Dīn al-Tūsī sobre a existência (ou não) das raízes de determinadas equações cúbicas. Para isto, iniciaremos

contextualizando a importância da cultura islâmica medieval na história da Álgebra. Prosseguiremos apresentado

elementos da obra de Sharaf al-Dīn al-Tūsī com a interpretação funcional de Rashed (1994), também defendida por

Katz e Barton (2007) e, por fim, a interpretação geométrica de Hogendlik (1989).

A Álgebra de Sharaf al-Dīn al-Tūsī

Não há certeza sobre o período exato de vida de Sharaf al-Din al-Muzaffar ibn Muhammad ibn al-Muzaffar al-Tusi.

O'Connor e Robertson (1999) afirmam que Sharaf nasceu por volta de 1135 da era cristã e faleceu por volta de 1213.

Podemos certamente deduzir de seu nome que ele era filho de Muhammad, neto de Muzaffar e nasceu na região de

Tus (Khorasan – atual Iran). Esta região, no nordeste do Irã, inclui as cidades de Tus, da cidade próxima Meshed,

ambos no alto do vale do rio Kashaf, e ainda, Nixapur que está a 75 km a oeste de Tus.

Para Gregersen (2011), Sharaf está entre os astrônomos da tradição islâmica medieval como inventor do

astrolábio linear. Porém, Katz e Parshall (2014) chamam atenção para não confundi-lo com o famoso astrônomo Nasīr

al-Dīn al-Tūsī (1201-1274).

Provavelmente, Sharaf ensinou matemática e astronomia (principalmente, as obras de Euclides e Ptolomeu)

em Damasco e Alepo, na Síria e em Mosul, no Iraque. Em Mosul, Sharaf teve como aluno mais famoso Kamal al-Din

ibn Yunus. Este, por sua vez, foi professor de Nasir al-Din al-Tusi, um dos mais famosos de todos os estudiosos

islâmicos do período. (O'CONNOR; ROBERTSON, 1999).

No final de sua vida, Sharaf escreveu em Bagdá sua obra sobre Álgebra4. Basicamente, um tratado sobre

equações cúbicas, que “representa uma contribuição essencial para uma outra álgebra que visa estudar curvas por meio

de equações, inaugurando assim o início da geometria algébrica.” (RASHED, 1994, p. 103).

Mesmo sem indicar o processo analítico, o trabalho de Sharaf al-Tūsī mostra condições sobre a existência de

raízes positivas de determinadas equações cúbicas. Em linguagem atual, na busca por soluções de determinadas

equações cúbicas, argumenta Rashed (1994), que mesmo sem apresentar estudo sistemático da derivada de uma

função5, al-Tūsī se utiliza do argumento que polinômios f(x) possuem um máximo quando sua derivada se anula (f’(x)

= 0). Enfim, por não apresentar o caminho matemático para suas conclusões, o estilo conciso de al-Tūsī se apresenta

como um excelente objeto para a pesquisa matemática na busca de argumentos válidos para a demonstração de sua

Álgebra.

1 Filósofo e médico persa reconhecido pelo seu trabalho na medicina. Seu nome árabe é Ibn Sina. 2 Geógrafo árabe diretor do projeto Mapa do Mundo do rei Rogério II da Sicília. 3 Filosófo conhecido como comentador da obra de Aristóteles. Seu nome árabe é Abu al-Walid Ibn Rushd. 4 Rashed (1994) e Gregersen (2011) apontam que sua obra sobre Álgebra surgiu por volta de 1213. 5 Para Rashed (1994) o conceito de derivada de uma função ou de um polinômio está implícito no trabalho de Sharaf al-Tūsī.

Page 201: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

A Matemática Islâmica na Idade Média: a Álgebra de Sharaf al-Dīn al-Tūsī

193 Anais do XII SNHM -2017

Em linhas gerais, os matemáticos da tradição islâmica medieval somente reconheciam equações cúbicas com

coeficientes e raízes positivas. Assim, eles distinguiram 18 tipos diferentes destas equações. Omar al-Khayyam já

havia mostrado que cinco tipos sem um termo constante podem ser reduzidos a equações quadráticas, e para cada um

dos 13 tipos restantes ele havia dado uma construção geométrica de uma raiz por meio da intersecção de duas seções

cônicas, ou por meio de uma seção cônica interceptando um círculo. Oito destes treze tipos têm uma raiz positiva.

(HOGENDLIK,1989).

Ainda conforme Hogendlik (1989), na edição publicada, traduzida e comentada por Roshid Rashed (AL-

TŪSĪ, 1985), o trabalho de Sharaf al-Tūsī é dividido em duas partes. A primeira apresenta as construções geométricas

de al-Khayyam para estes oito tipos, e a segunda parte é dedicada aos cinco tipos restantes de equações cúbicas. A

saber: (1) x3 + c = ax2, (2) x3 + c = bx, (3) x3 + ax2 + c = bx, (4) x3 + bx + c = ax2 e, finalmente, (5) x3 + c = ax2 + bx,

com a, b, c positivos.

Para cada uma destas cinco equações, al-Tūsī estabeleceu condições para a existência de raízes positivas. Por

exemplo, para a equação do tipo (1) x3 + c = ax2, a condição estabelecida foi m = 2a/3. Este é exatamente o valor da

abscissa do ponto de máximo, no intervalo (0, a), da função f(x) = ax2 – x3, pois f’(m) = 0.

Para ilustrar a investigação de Sharaf al-Tūsī defendida por Rashed (1994), consideremos, em notação

algébrica atual, a análise da equação (1), conforme expõe Katz (2007). Provavelmente, al-Tūsī começou colocando a

equação na forma x2(a – x) = c e denominando f(x) = x2(a – x). Então, ele notou que a equação tem uma solução se

f(x) atinge o valor c ou não. Para determinar isso, ele precisava encontrar um valor máximo para a função f(x).

Embora Sharaf al-Tūsī não apresente argumentos funcionais, ele se utiliza do argumento que o valor máximo

ocorre quando x = 2a/3, o que na verdade dá o valor f(2a/3) = 4a3/27. Assim, Sharaf al-Tūsī poderia agora alegar que,

se esse valor for menor que c, não há soluções (positivas); se for igual a c, há uma solução em x = 2a/3, e se for maior

que c, existem duas soluções x1 e x2, uma entre 0 e 2a/3 e uma entre 2a/3 e a (Figura 1).

Figura 1 – Estudo funcional implícito de Sharaf al-Tūsī

Fonte: Katz, V, J.; Barton, B., (2007, p. 192).

Sharaf al-Tūsī não conseguiu descobrir um algoritmo para determinar essas soluções, mas pelo menos, ele

sabia as condições básicas sobre se as soluções existiam. Com relação à disseminação do estudo de al-Tūsī,

Page 202: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Severino Carlos Gomes & Bernadete Morey.

194 Anais do XII SNHM -2017

Unfortunately, his work was not followed up, either in Islam or later in Europe. So this attempt in

Islam to move to “functions” ultimately got nowhere. One of the reasons, perhaps, is that Sharaf

used no symbols – and dealing with functions without symbols is very difficult. (KATZ; BARTON,

2007, p. 192, grifo do autor).

Portanto, não é estranho afirmar que Sharaf al-Tūsī introduziu uma técnica para encontrar as raízes de

polinômios cúbicos por um processo usando a derivada do polinômio. Além desta tese, Rashed (1994) enfatiza o estilo

sintético do al-Tūsī, e oferece algumas interpretações e conjecturas, afirmando explicitamente que é necessária mais

pesquisa histórica para alcançar avanços na explicação de certos pontos da Álgebra de Sharaf al-Tūsī.

Um caso particular do estudo de Sharaf al-Dīn al-Tūsī

Em uma elegante interpretação da Álgebra de al-Tūsī, sem utilização da derivada, Hogendlik (1989) apresenta um

entendimento geométrico para o estudo da segunda parte do livro publicado por Rashed (AL-TŪSĪ, 1995), em que

são tratados os seguintes tipos de equações cúbicas: (1) x3 + c = ax2, (2) x3 + c = bx, (3) x3 + ax2 + c = bx, (4) x3 + bx

+ c = ax2 e, finalmente, (5) x3 + c = ax2 + bx, com a, b, c positivos.

Para efeito desse trabalho, vamos considerar a equação (5) e detalhar a interpretação geométrica de Hogendlik

(1989) para o estudo de Sharaf al-Tūsī. Considere três segmentos de reta alinhados BE = x, BC = a e BA = √b e, ainda,

o caso BC = a < √b = BA, conforme Figura 2.

Figura 2 – Caso a < √b

Fonte: Hogendlik, J. P., (1989, p. 74).

Partindo da equação (5), obtem-se f(x) = ax2 + bx – x3 = c. Ou seja, c = BC.BE2 + BA2.BE – BE3 e f(BE) =

c = BC.BE2 + BE(BA2 – BE2). Porém, BE2 é a área do quadrado BEεK, designada por [Bε], e BA2 – BE2 é a área do

polígono EAαHKε, denominada por [εα]. Portanto, f(BE) = BC. [Bε] + BE.[εα], no qual denominaremos de (6).

Agora considere o ponto D, entre E e C, como na Figura 3. Utilizando raciocínio idêntico na obtenção da

expressão (6) teremos f(BD) = BC. [Bδ] + BD.[δα], denominada de expressão (7).

Porém, utilizando a notação anterior para área, obtem-se [Bε] = [Bδ] + [δε] e [δα] = [δε] + [εα] e efetuando-

se (7) – (6):

f(BD) – f(BE) = BC.[Bδ] + BD.[δα] – (BC.[Bε] + BE.[εα])

= BC.[Bδ] + BD.[δα] – BC.[Bδ] – BC.[δε] – BE.[εα]

= BD.[δε] + BD.[εα] – BC.[δε] – BE.[εα]

= BD.[δε] + BD.[εα] – BC.[δε] – BD.[εα] – DE.[εα]

= (BC + CD).[δε] – BC.[δε] – DE.[εα]

= BC.[δε] + CD.[δε] – BC.[δε] – DE.[εα]

= CD.[δε] – DE.[εα].

Utilizando-se de [δε] = DE.BD + DE.BE, obtém-se,

f(BD) – f(BE) = CD.DE.BD + CD.DE.BE – DE.[εα]

= DE.(CD.(BD + BE) – [εα]) denominada de (8).

Page 203: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

A Matemática Islâmica na Idade Média: a Álgebra de Sharaf al-Dīn al-Tūsī

195 Anais do XII SNHM -2017

Valendo-se do mesmo processo algébrico-geométrico para obtenção de (8), considerando o ponto F entre C

e D na Figura 3, obtém-se,

f(BF) – f(BD) = FD.(CF.(BF + BD) – [δα]), denominada de (9).

Agora, trata-se de encontrar D, tal que f(BD) seja máximo. Então, de (8) e (9), D deve ser um ponto tal que

para todo E entre D e A, tenha-se CD.(BD + BE) > [εα] e CF.(BF + BD) < [δα], denominadas de (10) e (11),

respectivamente.

Uma vez que CD.(BD + BE) > 2CD.BD e [δα] > [εα], a expressão (10) é verdadeira se 2CD.BD ≥ [δα]. Da

mesma forma, CF.(BF + BD) < CD.(BD + BD), então (11) é verdadeira se 2CD.BD ≤ [δα].

Portanto, se D é tal que 2CD.BD = [δα], denominada expressão (12), então f(BD) é máximo. Logo, fazendo

m = BD na Figura 3 e substituindo na expressão (12):

2CD.BD = [δα] → 2(m – BC).m = BA2 – m2 → 2m2 – 2m.BC = BA2 – m2 → 3m2 = 2m.BC + BA2 → 3m2 =

2m.a + (√b)2 → m2 = (2am/3) + b/3, que é a condição imposta por al-Tūsī para que a equação (5) x3 + c = ax2 + bx

tenha raiz positiva.

Em conclusão, se Sharaf utilizou o argumento da derivada como defende Rashed (1994) ou algum método

geométrico como o exposto neste texto e defendido por Hogendlik (1989), não se sabe ao certo. O debate por trás das

ideias dos procedimentos de al-Tūsī ainda é uma questão aberta. (SIDOLI; BRUMMELEN, 2014). O que se pode

afirmar é que tanto o trabalho de al-Tūsī como a Álgebra da Idade Média no império islâmico, ainda necessitam de

muito estudo. Um trabalho de pesquisa atraente e de longa duração.

Neste sentido, a contribuição desde trabalho específico consiste em apresentar Sharaf al-Dīn al-Tūsī e, de

forma introdutória, sua obra sobre a Álgebra das equações cúbicas, para pesquisadores brasileiros da História da

Matemática e para professores interessados no assunto. Além disso, nossa contribuição vai no sentido de exibir a tese

de Rashed (1994) sobre a utilização, implicitamente, da derivada nos resultados algébricos de al-Tūsī e, ainda, detalhar

a interpretação geométrica utilizada por Hogendlik (1989) para explicar o trabalho de Sharaf al-Tūsī, em particular, a

existência das raízes positivas da equação cúbica x3 + c = ax2 + bx. Por fim, este trabalho vai em direção ao movimento

inicial de pesquisa sobre Sharaf al-Dīn al-Tūsī e sua obra algébrica.

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AL-TŪSĪ, S. al-D. Oeuvres mathématiques. Edited and translated by R. Rashed. Paris: Les belles lettres, 1985.

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HOGENDLIK, J. P. Sharaf al-Dīn al-Tūsī: on the number of positive roots of cubic equations. Historia Mathematica,

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KATZ, V. J.; PARSHALL, K. H. Taming the unknown: history of algebra from antiquity to the early twentieth

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LYONS, J. A Casa da Sabedoria: como a valorização do conhecimento pelos árabes transformou a civilização

ocidental. Tradução Pedro Maia Soares. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

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SIDOLI, N.; BRUMMELEN, G. V. (Eds.). From Alexandria, Through Baghdad: Surveys and Studies in the

Ancient Greek and Medieval Islamic Mathematical Sciences. Berlin: Springer, 2014.

Page 204: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Severino Carlos Gomes & Bernadete Morey.

196 Anais do XII SNHM -2017

Severino Carlos Gomes

Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN –

campus Natal Zona Norte – Brasil

E-mail: [email protected]

Bernadete Morey

Departamento de Matemática – UFRN – campus de

Natal – Brasil

E-mail: [email protected]

Page 205: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

197 Anais do XII SNHM -2017

UMA VISÃO DOS LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA ACERCA DA BALESTILHA COMO

RECURSO DIDÁTICO PARA O ESTUDO DE CONCEITOS GEOMÉTRICOS E

TRIGONOMÉTRICOS

Antonia Naiara de Sousa Batista

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE – Brasil

Resumo

Na busca por um ensino contextualizado e uma aprendizagem mais significativa, fazendo uso de recursos

disponibilizados pela história da matemática, encontramos na balestilha um recurso didático possível de ser utilizado

nas aulas de matemática. A balestilha é um instrumento náutico empregado entre os séculos XVI e XVIII e tinha por

finalidade medir a altura do astro em relação à linha que delimita o mar do horizonte, ou a distância entre duas estrelas,

sendo essa medida de caráter angular. Neste trabalho, o nosso intuito é investigar o uso de instrumentos históricos, em

particular a balestilha, como recurso didático para a abordagem de conceitos geométricos e trigonométricos, aplicados

na formação inicial de professores. Nossa pesquisa foi dividida em quatro momentos. No primeiro, fizemos uso de

uma metodologia qualitativa com um aporte bibliográfico. No segundo momento, escolhemos um instrumento, no

nosso caso a balestilha, e pesquisamos os seguintes aspectos: criadores, descrição, contextualização histórica,

conhecimento matemático inserido no instrumento, construção, graduação e utilização. No terceiro momento, foi

planejado e executado um curso de extensão, ofertado pelo Laboratório de Matemática e Ensino, na Universidade

Estadual do Ceará, com carga horária total de 36h/a, cujo objetivo do curso foi compreender a percepção dos

participantes sobre o uso da balestilha como recurso didático para o ensino de conceitos matemáticos. No quarto

momento, analisamos o material coletado durante as aulas. Examinando o material recolhido no curso, percebemos

que em relação ao ensino, através da confecção da balestilha, foi possível abordar conceitos matemáticos do tipo:

seno, cosseno e tangente; complemento de um ângulo; razões trigonométricas na circunferência; paralelismo;

perpendicularismo; secção de ângulos; dentre outros. No caso da confecção da balestilha, o instrumento oportunizou

uma maior interação entre professor/aluno/conteúdo, e ainda permitiu entrar em contato com ferramentas como,

compasso, esquadro, transferidor, que são poucos utilizados no Ensino Básico. No caso do material para a construção

do instrumento, isopor, foi ressaltado a importância de ser um material de baixo custo. E em relação à prática na sala

de aula, constamos que o professor pode tornar suas aulas mais dinâmicas e interessantes devido à inserção do

instrumento e à aplicação prática do conteúdo estudado. Assim, consideramos que é possível, a partir da construção

de instrumentos históricos de medida, melhorar a prática metodológica em sala de aula. Dando assim, suporte as aulas

de matemática, de maneira a despertar no aluno o interesse pela matemática e pela história da matemática.

Palavras-chave: História da matemática, Balestilha, Formação de professores.

A SIGHT OF THE STUDENT TEACHERS IN MATHEMATICS ABOUT THE CROSS-STAFF AS A TEACHING RESOURCE FOR

THE STUDY OF GEOMETRIC AND TRIGONOMETRIC CONCEPTS

Abstract

In the search for a contextualized teaching and a more meaningful learning, making use of resources provided by the

history of mathematics, we find in the Cross-staff a didactic resource possible to be used in mathematics classes. The

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 206: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Antonia Naiara de Sousa Batista

198 Anais do XII SNHM -2017

Cross-staff is a nautical instrument used between the 16th and 17th centuries and had as purpose measuring the height

of the star in relation to the line that delimits the sea of the horizon, or the distance between two stars, being this

measure the angular. In this work, our intention is to investigate the use of historical instruments, in particular the

Cross-staff, as didactic resource for the approach of geometric and trigonometric concepts, applied in the initial

formation of teachers. Our research was divided into four moments. In the first, we used a qualitative methodology

with a bibliographical contribution. In the second moment, we chose an instrument, in our case the Cross-staff, and

we investigated the following aspects: creators, description, historical contextualization, mathematical knowledge

inserted in the instrument, construction, graduation and use. In the third moment, we planned and applied an extension

course, offered by the Mathematics and Education Laboratory, at the State University of Ceará, with a total workload

of 36 class hours, whose objective was to understand the participants' perception about the use of Cross-staff as

didactic resource for the teaching of mathematical concepts. In the fourth moment, we analyzed the material collected

during the lessons. Examining the material collected in the course, we realized that in relation to teaching, through the

making of the Cross-staff, it was possible to approach mathematical concepts of the type: sine, cosine and tangent;

complement of an angle; trigonometric ratios in the circumference; parallelism; perpendicularity; section of angles;

among others. In the case of making the Cross-staff, the instrument facilitated a greater interaction between teacher /

student / content, and allowed to encounter tools such as compass, square, transfer, which are not very used in Primary

and Secondary Education. In the case of the material for the construction of the instrument, styrofoam, it was

highlighted the importance of being a low cost material. And in relation to the practice in the classroom, we show that

the teacher can make his classes more dynamic and interesting due to the insertion of the instrument and the practical

application of the studied content. Thus, we consider that it is possible, from the construction of historical instruments

of measurement, to improve the methodological practice in the classroom. In doing so, it supports math classes to

promote in the student the interest in mathematics and in the history of mathematics.

Keywords: History of Mathematics, Cross-staff, Teacher training.

Introdução

A utilização da história da matemática no ensino de Matemática vem a algum tempo sendo bastante discutida no

Brasil, pois, por meio dela, é possível entrar em contanto com a matemática e a cultura desenvolvida por distintas

civilizações. Além disso, podemos compreender fatos históricos que justificam, ou nos fazem compreender de maneira

mais clara, como se desenvolveram tais estruturas de cálculo produzidas em períodos passados, juntamente com os

“porquês” de sua realização daquela forma. Assim, ressalta D’Ambrosio (1996, p. 10) algumas das finalidades da

história da matemática na sua concepção:

1. para situar a matemática como uma manifestação cultural de todos os povos em todos

os tempos, como a linguagem, os costumes, os valores, as crenças e os hábitos, e

como tal diversificada nas suas origens e na sua evolução;

2. para mostrar que a matemática que se estuda nas escolas é uma das muitas formas

de matemática desenvolvidas pela humanidade;

3. para destacar que essa matemática teve sua origem nas culturas da Antiguidade

mediterrânea e se desenvolveu ao longo da Idade Média e somente a partir do século

XVII se organizou como um corpo de conhecimentos, com um estilo próprio;

4. e desde então foi incorporada aos sistemas escolares das nações colonizadas e se

tornou indispensável em todo o mundo em consequência do desenvolvimento

científico, tecnológico e econômico.

Na visão do autor a matemática não é vista apenas como um corpo de conhecimento unificado e finalizado,

mas se apresenta como um processo de desenvolvimento histórico que nos traz características de diversas sociedades,

seguida de diferentes formas de se expressar, além de possuir um processo de construção do conhecimento matemático

Page 207: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Uma visão dos licenciandos em matemática acerca da balestilha como recurso didático para o...

199 Anais do XII SNHM -2017

riquíssimo desenvolvido no decorrer dos anos que culminou na matemática sistematizada, presente nas escolas.

Diante da quantidade de recursos que a história da matemática disponibiliza para o ensino, encontramos nos

instrumentos históricos, mais especificamente, na balestilha, uma ferramenta para abordar conceitos matemáticos. Seu

surgimento se deu em torno do período conhecido como a Era das Grandes Navegações e Descobrimentos Marítimos,

século XV e XVI, quando portugueses e espanhóis lançaram-se nos oceanos em busca de novas rotas marítimas para

se chegar até as Índias e descobrir novas terras (FERNANDES e LONGHINI, 2011). Porém, ao longo dessas viagens

os navegantes precisavam se afastar de terra à vista e encontrar recursos que os auxiliassem em sua localização em

alto-mar (PINTO, 2010).

Foi então, que vários instrumentos náuticos passaram a ser utilizados por esses marinheiros, entre eles

destacamos, a balestilha, o astrolábio, o quadrante e a tábua da Índia. No entanto, um desses instrumentos náuticos é

pouco citado em algumas obras, sendo ele conhecido como balestilha (figura 1), de origem desconhecida, mas utilizada

entre os séculos XVI e XVIII.

Figura 1 – Balestilha

Fonte: Elaborada pela autora.

Sua primeira aparição foi constatada no Livro de Marinharia, de João de Lisboa, todavia o documento não

estava datado, mas segundo Albuquerque (1988), podemos situá-lo no primeiro quartel do século XVI, não muito

posterior a 1514. Segundo Fontoura (apud. Albuquerque, 1988), a balestilha já era conhecida no século XIV, no

entanto, era chamada por diversos nomes, um deles seria o báculo de jacob, utilizado pelos agrimensores medievais

para descobrir o comprimento de distâncias de difícil acesso.

A balestilha possui a função de medir a altura de uma estrela em relação à linha do horizonte, ou a distância

entre dois astros, sendo essa medida de caráter angular. O instrumento é composto por uma vara de madeira de secção

quadrada chamada de virote, com tamanho arbitrário (figura 2, à esquerda). Os outros componentes do instrumento

seriam as soalhas, pedaços de madeira menores que o virote e com um orifício no seu centro, onde seria introduzido

o mesmo (figura 2, à direita).

Page 208: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Antonia Naiara de Sousa Batista

200 Anais do XII SNHM -2017

Figura 2 - Virote e soalhas

Fonte: Elaborada pela autora.

Segundo Pimentel (1762), as soalhas deveriam ter tamanhos na seguinte ordem: a primeira seria 1/2 do virote,

a segunda 1/4 do virote, a terceira 1/8 do virote e finalmente a quarta chamada também de martinete, teria como

medida 1/16 do mesmo. Em seguida, vem o processo de graduação do virote que segundo Pimentel (1762) poderia

ser executado de duas maneiras: geometricamente e trigonometricamente.

Na graduação geométrica, podemos abordar os conceitos de retas paralelas e perpendiculares, secção de

ângulos, além de fazer uso de esquadro, transferidor e compasso para realizar a marcação dos ângulos no virote. No

caso da graduação trigonométrica, podemos explorar os conceitos de seno, cosseno, tangente, complemento de um

ângulo, razões trigonométricas na circunferência e transformações.

Na aplicação do instrumento podemos aplicar a trigonometria no triângulo retângulo. Portanto, o intuito do

nosso trabalho é investigar o uso de instrumentos históricos, em particular a balestilha, como recurso didático para a

abordagem de conceitos geométricos e trigonométricos aplicados na formação inicial de professores.

Metodologia

Para está pesquisa, utilizamos na primeira etapa uma metodologia qualitativa com aporte bibliográfico que, segundo

Marconi e Lakatos (2010, p. 166):

A pesquisa bibliográfica, ou de fontes secundárias, abrange toda bibliografia já tornada

pública em relação ao tema de estudo, dês publicações avulsas, boletins, jornais, revistas,

livros, pesquisas, monografias, teses, material cartográfico, etc., até meios de

comunicação oral: rádio, gravações em fita magnética e audiovisuais: filmes e televisão.

Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito

ou filmado sobre determinado assunto, inclusive conferências seguidas de debates que

tenham sido transcritos por alguma forma, quer publicadas, quer gravadas.

Em outra etapa, para analisarmos os questionários iniciais e finais e o curso de uma maneira geral, fizemos

uso de uma metodologia de estudo de caso com um auxílio qualitativo, conforme cita Fiorentini e Lorenzato (2009,

p. 110):

O estudo de caso busca retratar a realidade de forma profunda e mais completa possível,

enfatizando a interpretação ou análise do objeto, no contexto em que ele se encontra,

mas não permite a manipulação das variáveis e não favorece a generalização. Por isso,

o estudo de caso tende a seguir uma abordagem qualitativa. Mas isso não significa

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Uma visão dos licenciandos em matemática acerca da balestilha como recurso didático para o...

201 Anais do XII SNHM -2017

abandonar algumas quantificações necessárias. Essas quantificações podem ajudar a

qualificar melhor uma análise.

Para isso, dividimos nossa pesquisa em quatro momentos. No primeiro momento, realizamos uma pesquisa

pontual em livros, artigos, revistas, sites da internet, entre outros, sobre os instrumentos históricos de medida. Em

seguida, fizemos um levantamento de todos os instrumentos utilizados entre os séculos XV e XVIII. No segundo

momento, escolhemos apenas um desses instrumentos, no nosso caso a balestilha, no intuito de conhecer os seguintes

aspectos: criadores, descrição, contextualização histórica, conhecimento matemático envolvido na construção,

graduação e utilização.

No terceiro momento, foi planejado e executado um curso de extensão, intitulado, “O uso de artefatos

históricos para a exploração dos conceitos matemáticos: a balestilha como instrumento de medição”, ofertado pelo

Laboratório de Matemática e Ensino (LabMatEn), localizado na Universidade Estadual do Ceará (UECE). A carga

horária total do curso foi de 36h/a, sendo 24h/a presencias e 12h/a a distância, com duração de doze dias, no horário

EF (17h10min às 18h20min), com 25 vagas, no entanto, só 21 vagas foram preenchidas. O objetivo do curso foi

compreender a percepção dos participantes sobre o uso da balestilha como recurso didático para o ensino de conceitos

matemáticos.

Por fim, no quarto momento analisamos o material coletado durante as aulas. Todos os materiais usados no

curso para registrar a percepção dos nossos participantes foram: questionários iniciais e finais; atividades extras para

os alunos responderem usando os conteúdos ministrados nas aulas; fotos e gravações de áudio e vídeo. No entanto,

neste trabalho iremos analisar apenas os questionários iniciais e finais, juntamente com as fotos e gravações de áudio

e vídeo, parcialmente.

Resultados e discussões

Para melhor conhecer as opiniões dos nossos participantes à respeito da balestilha como um recurso didático para

ensino de conceitos matemáticos, aplicamos questionários iniciais e finais, compostos por perguntas fechadas e abertas

que, segundo Fiorentini e Lorenzato (2009) são na verdade questionários constituídos de perguntas mistas,

combinando assim, ambas as categorias citadas anteriormente.

O intuito de utilizar o questionário como instrumento de coleta de dados, se explica devido a pouca

participação dos discentes na exposição de suas opiniões acerca do assunto tratado. Desse modo, percebemos na

aplicação dos dois questionários, a possibilidade de compreender por meio de dados descritos, a opinião e a percepção

dos nossos participantes quanto ao uso da balestilha para abordagem de conceitos matemáticos em sala de aula.

Consequentemente as fotos e gravações de áudio e vídeo, oportunizaram também melhor captar os detalhes

das dificuldades, das dúvidas e as trocas de ajudas realizadas entre os discentes durante o processo de desenvolvimento

do curso de extensão. A seguir iremos expor uma breve análise e discussão dos resultados.

Analisando os questionários iniciais

Neste primeiro momento, tivemos um total de 21 questionários respondidos, ou seja, 21 participantes, entre homens

e mulheres, com idades entre 19 e 36 anos, sendo dois deles estudantes do Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia do Ceará e os outros pertencentes à UECE, ambos cursando o curso de Licenciatura em Matemática.

Durante a análise, percebemos que as justificativas mais citadas por oito deles em relação a sua participação

no curso, foram: a obtenção de horas extracurriculares para complementar as atividades acadêmicas. Fato

provavelmente ocorrido, devido três discentes estarem no 7o semestre, três no 8o semestre e dois licenciandos passando

do 8o semestre, ou seja, estavam próximos de concluírem a graduação, no entanto, ainda não possuíam quantidade

suficiente para dar entrada na contagem das horas extracurriculares totais. Outro motivo também mencionado por oito

desses graduandos foi a oportunidade de estar enriquecendo o seu processo de ensino-aprendizagem por meio do uso

da balestilha.

Assim, os outros diversos interesses aludidos que os levaram a estar frequentando este curso de extensão

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Antonia Naiara de Sousa Batista

202 Anais do XII SNHM -2017

foram: adquirir mais conhecimento sobre os artefatos históricos, em especial sobre a Balestilha (origem, função,...);

ampliar o conhecimento de modo geral; curiosidade pelo tema em questão; aprender a utilizar este recurso para aplicar

em sala de aula; nortear a pesquisa para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

Do total de graduandos matriculados no curso, aproximadamente 10 discentes (48%) relataram que nunca

entraram em contanto com professores que os incentivasse a utilizar algum recurso didático em sala de aula. No

entanto os demais, responderam “sim” e relataram vários. Ressaltamos que alguns graduandos citaram mais de um

recurso. A seguir, se encontram listados no quadro 1;

Quadro 1 – Tendências pedagógicas

Recursos Didáticos Qtd(Alunos)

Material concreto e manipulável 5

Tecnologia da informação 2

História da matemática 2

Peças teatrais 1

Data show 3

Debates 1

Jogos 5

Fonte: Questionários iniciais.

Podemos perceber que os recursos mais citados foram o material concreto e manipulável e os jogos. Isso se

deve ao fato de serem ferramentas mais conhecidas, que podem ser adquiridas prontas, e são de fácil acesso em lojas.

Entretanto, na visão de Fiorentini e Miorim (1990), trabalhar com esses instrumentos não é tarefa simples, é necessário

todo um processo de reflexão em torno da estrutura escolar, de uma proposta político-pedagógica, o tipo de aluno que

temos em sala de aula e o objetivo que pretendemos alcançar em relação ao mesmo, e por fim, qual matemática

desejamos ensinar e como queremos que eles aprendam. Assim, esses recursos são de grande valia no processo de

ensino, no entanto, não assumem o papel completo de uma aula.

Dando continuidade à análise dos questionários, nove estudantes (43%) disseram que nunca utilizaram a

história da matemática como uma tendência teórica na sala de aula, enquanto, nove (43%) responderam “sim” e

expuseram a forma como foi usada nas aulas de matemática. Destacamos que os licenciandos citaram mais de uma

maneira que a história da matemática foi utilizada na sala de aula. Ressaltamos que 3 graduandos (14%) não

responderam essa questão. Logo após, segue o gráfico 1:

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Uma visão dos licenciandos em matemática acerca da balestilha como recurso didático para o...

203 Anais do XII SNHM -2017

Gráfico 1 - Formas de utilização da história da matemática na sala de aula

Fonte: Questionários iniciais.

Diante dessa amostra, notamos que a forma de utilização da história da matemática mais citada foi por meio

de biografias de matemáticos. Entretanto, dentro da grade curricular1 do curso de Licenciatura em Matemática da

UECE, temos a disciplina de História da Matemática, que tem por objetivo proporcionar o conhecimento matemático,

político, econômico e social de diversas civilizações, como Babilônia, Egito, Mesopotâmia, entre outras, dando assim,

suporte para o planejamento e realização de aulas fazendo uso das outras formas de utilização da história da

matemática citada no gráfico 01.

Analisando os questionários finais

Ao final dos doze encontros, sentimos a necessidade de saber se realmente o curso de formação para professores teria

colaborado para a prática de ensino desses futuros professores. Logo, por meio da análise dos questionários finais

obtivemos um retorno de 100% dos participantes, afirmando que “sim”, sobre o enriquecimento de sua formação e

complementação da prática em sala de aula.

Em seguida, após termos discutido durante as aulas sobre diversos tipos de instrumentos náuticos que podem

ser utilizados como recursos didáticos nas aulas de matemática, por apresentarem em sua construção conceitos

geométricos ou trigonométricos, perguntamos aos nossos discentes se eles concordavam que a confecção de um

artefato histórico possibilitaria a apropriação de conhecimento matemático. Todos os alunos responderam que “sim”,

porém, as justificativas foram bem diversificadas. Segue no gráfico 02 a exposição dessas respostas:

1 http://www.uece.br/uece/index.php/graduacao/presenciais

Page 212: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Antonia Naiara de Sousa Batista

204 Anais do XII SNHM -2017

Gráfico 02 – Justificativas dos participantes

Fonte: Questionários finais.

Diante desses dados, notamos que a resposta mais citada por 15 discentes (70%), se referiu ao fato que por

meio do instrumento, no nosso caso a balestilha, é possível haver aprendizagem de conceitos matemáticos, pois os

mesmos estão incorporados no instrumento, e, além disso, utiliza-se de ferramentas, como o compasso, esquadro,

transferidor, entre outros, que poucos são utilizados no Ensino Básico. Assim, podemos perceber que os nossos

graduandos nos deram como retorno respostas bem interessantes e relevantes que mostram que os mesmos

conseguiram identificar as possibilidades e possíveis finalidades de uso desses instrumentos nas aulas de matemática.

Posteriormente, iremos apresentar algumas observações apontadas no decorrer do curso, obtidas por meio

das análises finais dos questionários, das fotografias, e das gravações de áudio e vídeo, objetivando examinar de forma

mais detalhada as percepções dos nossos participantes acerca desse recurso didático:

A junção entre a história da matemática e a confecção da balestilha apresenta a origem e a construção de

determinados conceitos, além de responder alguns porquês presentes nas aulas de matemática;

A confecção do instrumento permitiu uma maior interação entre professor/aluno/conteúdo;

A construção do instrumento permitiu entrar em contato com ferramentas, como por exemplo, compasso,

esquadro, transferidor e etc., que muitas vezes são pouco utilizados no Ensino Básico;

O uso do instrumento é um recurso diferenciado para abordar determinados conteúdos matemáticos, como

por exemplo, a trigonometria no triângulo retângulo, conceito de seno, cosseno, tangente e complemento

de um ângulo, razões trigonométricas na circunferência e transformações;

Utilização de um material de baixo custo, isopor, para a confecção da balestilha;

O professor torna as aulas mais atrativas devido à inserção do instrumento e aplicação prática do conteúdo

estudado em sala de aula;

Deste modo percebemos que a utilização de instrumentos náuticos, no nosso caso a balestilha, pode ser

agregada as aulas de matemática como uma forma de estratégia de ensino diferenciada para abordagem de diversos

conteúdos relacionados à geometria e a trigonometria. Ressaltamos que esse recurso didático pode ser utilizado pelo

professor para abordar inicialmente um conteúdo ou em um momento posterior, explorando assim, um assunto já

ministrado na sala de aula.

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Uma visão dos licenciandos em matemática acerca da balestilha como recurso didático para o...

205 Anais do XII SNHM -2017

Considerações finais

Assim, vimos nos instrumentos náuticos, mais especificamente, na Balestilha, um recurso que nos possibilitasse

abordar conceitos geométricos e trigonométricos através da construção, graduação e aplicação desse instrumento.

Sendo assim, concordamos com Saito (2013, p. 5) quando afirma que, “compreendidos além de sua materialidade, os

instrumentos matemáticos podem, dessa maneira, revelar conhecimentos na articulação entre o saber e o fazer e, assim,

a produção de conhecimento de uma época”. Ou seja, mais do que disseminar conceitos matemáticos, esses

instrumentos apresentam questões práticas de uma época na qual estavam inseridos.

Logo, concluímos por meio dessa pesquisa, o acolhimento e satisfação pela maior parte dos alunos em relação

a esse recurso didático, que seria a balestilha. Porém, percebemos ainda a resistência de alguns deles em levarem para

sala de aula, devido ainda não estarem seguros por causa do material utilizado, pela curta duração do curso ou até

mesmo pela falta de oportunidade de estarem levando para sala de aula por meio de alguma disciplina da grade

curricular até o momento presente, no curso.

Bibliografia

ALBUQUERQUE, Luis de. Instrumentos de Navegação. Lisboa: Comissão Nacional Para As Comemorações dos

Descobrimentos Portugueses, 1988. p. 10-29.

D’AMBROSIO, Ubiratan. História da Matemática e Educação. In: Cadernos CEDES 40. História e Educação

Matemática. 1ª ed. Campinas, SP: Papirus, 1996, p.7-17.

FERNANDES, Telma Cristina Dias; LONGHINI, Marcos Daniel. A construção de um antigo instrumento para

navegação marítima e seu emprego em aulas de astronomia e matemática. Simpósio Nacional de educação em

Astronomia, 1., 2011, Rio de janeiro.

FIORENTINI, Dario; LORENZATO, Sergio. Investigação em educação matemática: Percursos teóricos e

metodológicos. 3. ed. São Paulo: Autores Associados, 2009. 228 p.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 7. ed. São Paulo:

Atlas, 2010.

PIMENTEL, Manuel. Arte de navegar. Lisboa: na Officina de Miguel Manescal da Costa, Impressor do Santo

Officio, 1762.

PINTO, Margarida Matias. Os instrumentos náuticos de navegação e o ensino da geometria. Lisboa: Sociedade

Portuguesa de Matemática, 2010. 80 p.

SAITO, Fumikazu. Instrumentos e o "saber - fazer" matemático no século XVI. Revista Tecnologia e

Sociedade, Curitiba, v. 9, n. 18, p.1-12, dez. 2013.

MIORIM, Maria Ângela.; FIORENTINI, Dario. Uma reflexão sobre o uso de materiais concretos e jogos no Ensino

da Matemática. Boletim da SBEM-SP, São Paulo, v. 4, n. 7, p. 5-10, 1990.

Antonia Naiara de Sousa Batista

Departamento de Pós-Graduação em Ensino de

Ciências e Matemática – IFCE – campus Fortaleza -

Brasil

E-mail: [email protected]

Page 214: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

206 Anais do XII SNHM -2017

CONTADORES E SEUS LIVROS DE MATEMÁTICA COMERCIAL E FINANCEIRA NO

BRASIL DO INÍCIO DO SÉCULO XX

SÉRGIO CANDIDO DE GOUVEIA NETO

Universidade Federal de Rondônia/Universidade Estadual Paulista – UNIR/UNESP – Brasil

CRISTIANE TALITA GROMANN DE GOUVEIA

Universidade Estadual Paulista – UNESP – Brasil

Resumo

No percurso do projeto de pesquisa de doutoramento do primeiro autor, que teve como objetivo investigar a

transformação da Matemática Contábil – de saber escolar-técnico em acadêmico –, deparamo-nos com a atuação de

contadores escrevendo livros de Matemática Comercial ou artigos sobre o tema para revistas especializadas – isso no

início do século XX. Assim, coloca-se a questão: por que e com qual objetivo esses contadores atuaram no campot da

Matemática Comercial e Financeira no início do século XX? O artigo aqui esboçado tem como objetivo geral analisar

como os contadores atuaram no campo da Matemática Comercial e Financeira. Como referencial teórico-

metodológico, utilizamos Veyne (1971) para tratar o tecido da história como intriga, o que, para esse autor, é “uma

mistura muito humana e muito pouco científica de causas materiais, de fins e de acasos, numa palavra, uma fatia de

vida, que o historiador recorta a seu bel-prazer e onde os fatos têm as suas ligações objetivas e a sua importância

relativa” (VEYNE, 1971, p. 44). Foi também utilizado como referencial teórico o conceito de “rede de

relacionamentos” proposto por Polato (2008). Por “rede”, entendemos uma ligação entre as pessoas que, de alguma

forma, tiveram um relacionamento. As fontes utilizadas foram constituídas principalmente por documentos

legislativos, revistas da área de contabilidade e livros didáticos de Matemática Comercial e Financeira. Os resultados

mostraram que contadores utilizaram o discurso da matemática para o reconhecimento e a regulamentação de sua

profissão. Em decorrência disso, escreveram livros de Matemática Comercial e Financeira, bem como publicaram

diversos artigos sobre a temática na Revista Brasileira de Contabilidade (RBC). Mais do que a utilização do discurso

da Matemática, nessa época, o positivismo, corrente filosófica criada por Auguste Comte, era a principal corrente

filosófica em circulação no Brasil. Para o positivismo, a matemática estaria na base do conhecimento científico, o que

poderia ter influenciado as ações dos contadores.

Palavras-chave: Livros, Ensino comercial, Matemática Comercial e Financeira.

ACCOUNTANTS AND THEIR COMMERCIAL AND FINANCIAL MATHEMATICS BOOKS IN BRAZIL

IN THE BEGINNING OF THE 20TH CENTURY

Abstract

In the course of the doctoral research project of the first author, whose objective was to investigate the transformation

of Accounting Mathematics – from technical knowledge into academic knowledge –, we found the performance of

accountants writing commercial mathematics books or articles on the subject for specialized magazines – this in the

beginning of the 20th century. Therefore, the following question is posed: why and for what purpose did these

accountants work in the field of Commercial and Financial Mathematics in the early 20th century? The general

objective of the article here outlined is to analyze how accountants worked in the field of Commercial and Financial

Mathematics. As a theoretical-methodological reference, we use Veyne (1971) to approach the fabric of history as

intrigue, which, according to the author, is “a very human and very unscientific mixture of material causes, ends and

accidents, in a word, a slice of life, which the historian uses according to his or her will, and where the facts have their

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 215: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sérgio Candido de Gouveia Neto, Cristiane Talita Gromann de Gouveia.

207 Anais do XII SNHM -2017

objective connections and their relative importance” (VEYNE, 1971, p. 44). The concept of “network of

relationships” proposed by Polato (2008) was also used as theoretical reference. By “network”, we understand a

connection among people who somehow had a relationship. The sources used were constituted mainly by legislative

documents, magazines of the Accounting field and textbooks of Commercial and Financial Mathematics. The results

showed that accountants used the discourse of Mathematics for the recognition and regulation of their profession. As

a result, they wrote books on Commercial and Financial Mathematics, as well as published several articles on the

subject in the Revista Brasileira de Contabilidade (RBC) [Brazilian Journal of Accounting]. More than the use of the

discourse of Mathematics, at that time, positivism, philosophical current created by Auguste Comte, was the main

philosophical current in circulation in Brazil. For positivism, Mathematics would be the basis of scientific knowledge,

which may have influenced the actions of accountants.

Keywords: Books, Business education, Commercial and Financial Mathematics.

1. Introdução

No início do século XX, o ensino comercial começou a ocupar um espaço maior na agenda educacional,

principalmente a partir do Decreto nº 1.339, de 09 de janeiro de 1905, que criou os cursos gerais (formação de guarda-

livros) e superiores (formar chefes de contabilidade de bancos e grandes empresas comerciais) (BRASIL, 1905). O

decreto reconhecia apenas os diplomas de duas escolas de comércio: academia de comércio do Rio de Janeiro e Escola

Prática de Comércio de São Paulo. No seu bojo, o decreto era o resultado de uma disputa que se acirrava entre algumas

escolas do ensino comercial e os professores que ofereciam o curso comercial – na modalidade guarda-livros – em

suas casas. Era comum o anúncio desses professores nos jornais da época, sendo que alguns deles possuíam livros de

Aritmética Comercial voltados especificamente para essas aulas.

O combate às aulas de professores particulares começou a tomar porte com o apoio de um grupo de guarda-

livros do estado de São Paulo e Rio de Janeiro, que inseriram esse ponto como uma das estratégias para o

reconhecimento e posterior regulamentação da sua profissão. Além dessa ação, os guarda-livros encamparam outras,

como a mudança do nome para contadores e suas variantes (contabilidade, etc.), a eleição de pares para o congresso

nacional (Senador João de Lyra Tavares), a ocupação de postos-chave na administração pública (receita federal,

administração fazendária dos estados, etc.), bem como a criação da Revista Brasileira de Contabilidade (RBC) e de

um sistema nacional de registros de contadores.

No lado do ensino, os contadores reforçam o papel da matemática como uma estratégia para o reconhecimento

da contabilidade como ciências. Nos seus discursos, adotam o tom de que a contabilidade é uma ciência apoiada no

Direito, nas Finanças e na Matemática. Nesse último caso, passam a publicar livros de matemática comercial e

financeira, bem como artigos sobre o tema na Revista Brasileira de Contabilidade.

Assim, o estudo aqui em tela tem a seguinte questão norteadora: por que e com qual objetivo esses contadores

atuaram junto à Matemática Comercial e Financeira no início do século XX? Tem-se como objetivo geral, analisar a

atuação de contadores junto à Matemática Comercial e Financeira. Utilizamos como referencial teórico-metodológico,

o trabalho de Paul Veyne (1971) para tratar o tecido da história como intriga e o conceito de rede de relacionamentos,

proposto por Polato (2008).

Além dessa introdução, o artigo está dividido em referencial teórico, discussão de resultados e considerações

finais. Na primeira parte dos resultados é feita uma discussão sobre o reconhecimento e regulamentação da profissão

de contador e as relações deles com a matemática. Já na segunda parte, é tratado da atuação deles como autores de

livros de Matemática Comercial e Financeira. Por fim, serão feitas algumas considerações e apontadas sugestões de

pesquisas futuras.

2. Referencial Teórico-Metodológico

Utilizamos como referencial teórico-metodológico, o trabalho de Paul Veyne (1971) para tratar o tecido da história

como intriga, a qual é “uma mistura muito humana e muito pouco científica de causas materiais, de fins e de acasos,

Page 216: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Contadores e seus livros de Matemática Comercial e Financeira no Brasil do início do século XX

208 Anais do XII SNHM -2017

numa palavra, uma fatia de vida, que o historiador recorta a seu bel-prazer e onde os fatos têm as suas ligações

objetivas e a sua importância relativa” (VEYNE, 1971, p. 44).

Da mesma forma, utilizamos também o conceito de rede de relacionamentos, proposto por Polato (2008). Por

rede, estamos entendo uma ligação entre as pessoas que, de alguma forma, tiveram um relacionamento,

compartilhando o mesmo espaço, onde surgem conversas, discussões e partilha de ideias, ou seja, que se relacionam

e tem objetivos, comuns ou não.

Como fontes, foram utilizados diversos documentos, tais como as legislações do ensino comercial, livros de

matemática comercial e financeira, livros de contabilidade e artigos da RBC.

3. Resultados e Discussões

3.1. Estratégias para o reconhecimento e regulamentação da profissão de contador e as relações com a

Matemática Comercial e Financeira

Na origem da profissão de contabilidade, vamos encontrar os primeiros caixeiros que eram responsáveis pela

contabilidade das casas comerciais. Desde o século XIX, quando os primeiros caixeiros1 portugueses vieram para o

Brasil, esses profissionais estabeleceram diversas lutas para galgar uma posição social dentro das estruturas das

organizações comerciais do país. Ainda nos oitocentos, teve-se a aprovação de estatutos da associação dos Guarda-

livros da Corte (BRASIL, 1870), bem como a criação de revistas (Revista da Associação dos Guarda-livros e a Revista

do Grêmio dos Guarda-livros). Contudo, o reconhecimento e a regulamentação da profissão só se deram no século

XX.

Já na primeira década do século XX, o Brasil adquiriu diversos empréstimos junto a bancos ingleses, alemães

e americanos, que como contrapartida, exigiu um aprimoramento das contas públicas e melhora nos demonstrativos

contábeis (ADDE, 2012). Isso de alguma forma forçava o reconhecimento e regulamentação da profissão de guarda-

livros. Internamente, os guarda-livros utilizaram outras estratégias. A primeira tratou da mudança do nome de “guarda-

livros” para “contador” e suas variantes, tais como “contabilidade”, “contábeis” e outras mais. Outras, tais como a

criação da Revista Brasileira de Contabilidade (RBC), além daquelas já citadas na introdução desse artigo.

No campo acadêmico, passaram também a adotar o discurso da matemática como uma base para as Ciências

Contábeis. Notamos isto tanto nos livros de Berlinck (1914)2, quanto no editorial da RBC:

[...] A contabilidade resume toda a série de conhecimentos indispensáveis ao comerciante,

ou de um modo geral, a qualquer pessoa que tenha de gerir e administrar,

inteligentemente, qualquer empresa industrial, comercial ou bancaria.

Assim é que exige noções seguras de mathematica elementar, especialmente da

arithmetica e álgebra, da legislação commercial e aduaneira, da geographia commercial e

industrial [...] (BERLINCK,1914, p. 35, grifo nosso).

[...] O editorial da revista de fevereiro de 1912, [...] ressalta que a contabilidade, apesar

de se servir da matemática, das finanças e do direito, é, por certo, uma ciência constituída,

tendo o seu campo de ação perfeitamente delimitado, os seus fins e os seus meios. O

campo de ação da contabilidade estaria nas administrações econômicas. O seus fins

seriam de guiar constantemente o administrador, pôr em relevo o trabalho administrativo

e o resultado econômico obtido. Os meios seriam os cálculos e registros (ADDE, 2012,

p. 77).

1 Havia uma hierarquia para os caixeiros, de acordo com as funções que desempenhavam nas lojas comerciais. Os caixeiros de fora eram

encarregados das cobranças e das vendas fora do estabelecimento, geralmente acompanhados por um escravo. Os que serviam no balcão eram

responsáveis por efetuar a venda no estabelecimento, enquanto que o Primeiro Caixeiro, também conhecido como guarda-livros cuidava do caixa,

fazia a escrituração dos negócios, além de cuidar da correspondência. 2 Horácio Berlinck (1868 1948). Contador e autor de livros de contabilidade e Matemática Comercial.

Page 217: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sérgio Candido de Gouveia Neto, Cristiane Talita Gromann de Gouveia.

209 Anais do XII SNHM -2017

A adoção do discurso passou também pela publicação de artigos de matemática comercial e financeira na

Revista Brasileira de Contabilidade (RBC) (Figura 1). Além desse texto, foram publicados outros, como por exemplo,

“valor atual das anuidades e amortização e juros dos empréstimos a juros compostos” (RBC, n. 8 e n. 9, 1915; p. 154

– 158 e p. 161 - 167) (Francisco D’Áuria) e “Simplificação do Método de Cauchy” (Francisco D’Áuria em coautoria

com Aldo Levi) (RBC, n. 1, 1919, p. 115 – 116), “Empréstimos em obrigações – debentures” (Horácio Berlinck). Esse

discurso também se estendeu também para a publicação de livros de Matemática Comercial e Financeira.

Figura 1. “Mathematica Commercial: elementos de preço de venda” de Francisco D’Áuria - Publicado na 1ª Edição

da RBC

Fonte: Acervo pessoal.

3.2. Rede de contadores e os seus livros de Matemática Comercial e Financeira

Fundada em 1912, a RBC foi também um dos pontos de uma rede que conectava pessoas, composta principalmente

por professores e ex-alunos das escolas de comércio, ex-alunos de cursos particulares, contadores da administração

fazendária, entre outros, que de alguma forma, atuaram no reconhecimento e na regulamentação da profissão de

contador. A RBC teve como primeiros diretores Carlos de Carvalho, Horácio Berlinck, José da Costa Sampaio e como

administradores, Francisco D’Áuria, Carlos Levy Magano, Raymundo Marchi e Emílio de Figueiredo.

Desse grupo, consideraremos os membros que têm elos entre si e com a matemática e principalmente, os que

formaram uma rede de relacionamentos. Por exemplo, a atuação desses diretores na RBC, mostra que, possivelmente

compartilharam o mesmo espaço, conversaram, discutiram e partilharam ideias, ou seja, relacionaram-se e tiveram

um objetivo em comum.

Sobre Carlos de Carvalho, sabemos ter nascido em Rio Claro – SP, em 1866, e falecido em São Paulo em

1920. Formado pelo curso ministrado pelo engenheiro polonês Estanislau Kruszynski, na cidade de São Carlos, em

fins do século XIX, iniciou sua carreira como Guarda-livros na casa comercial do seu irmão Benedito Rodrigues de

Carvalho na cidade de Rio Claro, São Paulo (PENTEADO, 1977). Em 1905 assumiu a diretoria de contabilidade do

Tesouro do Estado de São Paulo. Foi autor de diversos livros de Contabilidade e de Matemática Comercial

(“Arithmetica Commercial e Financeira” publicada pela Empresa Editora Brasileira, em 1917).

Já Horácio Berlinck nasceu em Brusque – SC em 1868 e faleceu em São Paulo – SP, em 1948. Contador das

Page 218: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Contadores e seus livros de Matemática Comercial e Financeira no Brasil do início do século XX

210 Anais do XII SNHM -2017

empresas de Álvares Penteado, “proprietário, além de fazendas, de duas indústrias têxteis, uma de sacaria de juta e

outra de lã, Berlinck aprendera contabilidade com contadores escoceses que ali trabalhavam” (ADDE, 2012). Foi

também administrador do Banco União, professor de Contabilidade Geral na Escola Politécnica de São Paulo de 1895

a 1927 e um dos fundadores da FECAP, atuando na Instituição em diversos momentos. Escreveu diversos livros de

contabilidade, e na área de matemática escreveu o livro “Matemática Comercial e Financeira”, publicado pela editora

Atlas S.A. em 1946.

O terceiro personagem na nossa história foi Francisco D’Áuria. Sabemos que nasceu em São Paulo - SP em

1894 e faleceu na mesma cidade, em 1958. Formou-se em 1906, na segunda turma na Escola Prática de Comércio de

São Paulo, que passou a ser chamada “Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado” (FECAP), em 1907. Nesse

ano, iniciou a carreira de professor, mas na FECAP lecionou entre 1911-1914 e 1918-1922. Atuou como administrador

e editor da Revista Brasileira de Contabilidade (RBC) em diversos momentos. Foi Contador Geral da República, de

1922 a 1928, Diretor da Fazenda do Distrito Federal, em 1930. Em 1953 foi eleito Diretor Presidente da FECAP, onde

permaneceu até o seu falecimento. Autor de diversas obras de contabilidade, publicados ao longo de sua carreira, além

de livros de Matemática Comercial e Financeira. Escreveu também artigos para a RBC abordando a matemática

comercial.

Conjecturamos que esses contadores formaram uma rede de relacionamentos (Figura 2). Além dos

personagens acima, temos dois outros: Rodolpho Baptista de San Thiago e Coriolano M. Martins. Sobre o primeiro,

sabemos ter nascido em 1870 e falecido em 1933. Formado em Engenharia Civil pela Escola Politécnica do Rio de

Janeiro em 1895, foi nomeado professor substituto da Escola Politécnica de São Paulo em 1898 e, a partir de 1901,

nomeado Lente catedrático da cadeira de Álgebra Superior e Geometria Analítica, abrangendo o cálculo infinitesimal

e suas aplicações. Em 1912, iniciou suas atividades na Escola de Comércio “Álvares Penteado” (FECAP), como

professor da cadeira de Matemática Comercial e Financeira. Contudo, há informações de que tenha atuado no período

entre 1916-1933.

Figura 2. Rede de relacionamentos dos contadores

Fonte: Gouveia Neto (2015).

De toda forma, qual a importância de Rodolpho para os contadores? Além de trabalhar junto com Berlinck

na Escola Politécnica e na FECAP, Rodolpho atuou, possivelmente, na reforma do ensino comercial de 1931, reforma

essa que, além de reconhecer a profissão de contador, organizou o Ensino Comercial (BRASIL, 1931). Isto fica

evidenciado em uma homenagem prestada a San Thiago, na Álvares Penteado:

[...] Comemorando o primeiro aniversário da morte de Rodolpho Baptista de S. Thiago,

a Escola de Comércio “Álvares Penteado”, em sessão solene, realizada em 28 de setembro

de 1934, prestou uma homenagem pública à sua memória e inaugurou, nessa data, o seu

retrato a óleo. Aberta a sessão pelo Diretor da Escola, Dr. Horácio Berlinck, este, depois

Page 219: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sérgio Candido de Gouveia Neto, Cristiane Talita Gromann de Gouveia.

211 Anais do XII SNHM -2017

de se referir à significação da homenagem que naquela noite se prestava, deu a palavra ao

eng. Coriolano Martins, que falou, de improviso, em nome dos professores da Escola. Em

seguida, pronunciou o seu discurso, em nome da Escola de Comércio “Álvares Penteado”,

o professor Dr. Paulo de Freitas. São suas estas palavras: Aqui como lá, na “Álvares

Penteado” como na Politécnica, demonstrou aquelas qualidades excepcionais de

magnífico professor e, como em toda parte, os dotes de um grande coração e de um caráter

sem jaças. Foi ele que inaugurou, em nossa Escola, o curso de Matemática Financeira,

hoje contemplado na reforma do ensino comercial, em que colaborou na parte da

distribuição das cadeiras de Matemática (S. THIAGO e S. THIAGO, 1947, p. 24).

Como professor de Matemática Financeira, deixou um manuscrito que foi utilizado em suas aulas e publicado

postumamente na forma de livro intitulado “Matemática Comercial e Financeira”. O texto foi ampliado pelo seu filho

Luiz Gomes de S. Thiago e publicado entre 1937 e 1938 pela Editora Salesiana.

Em relação a Coriolano M. Martins sabemos ter sido engenheiro e contador, além de Lente de Matemática

Financeira, Estatística, Finanças e Economia Política do Mackenzie College. Foi autor de diversos livros, sendo os

relacionados à Matemática Contábil: “Mathematica Financeira”, editado pela Typografia Siqueira e publicado em

1927 e “Matemática Comercial e Financeira”, publicado pela Fundação Álvares Penteado, em 1949. Formado em

Engenharia na Escola Politécnica, Coriolano foi aluno de Rodolpho Baptista de San Thiago e de Horácio Berlinck.

Posteriormente, Coriolano Martins trabalhou com Francisco D’Áuria, numa segunda fase da RBC.

A partir dessa rede de relacionamentos, surgiram, ao longo dos anos, diversos livros de matemática comercial,

caracterizados pela relação com a contabilidade (Figura 3). A relação mais forte entre contabilidade e matemática está

no livro de Horácio Berlinck, que usou tópicos de revisão de seu livro de contabilidade para elaborar o livro de

Matemática Comercial e Financeira. Esses livros têm em comum o fato de, basicamente, todas tratarem de assuntos

já clássicos da cultura mercantil: juros (simples e composto), descontos (simples e composto), porcentagens, câmbio,

amortização, regra de sociedade, proporção, regra de mistura ou liga e títulos de renda e outros.

A diferença entre estes livros e as aritméticas mais antigas, está na introdução de assuntos típicos da economia

brasileira daquele período: mercados de café, caixas econômicas, de conversão e de amortização. Além dos tópicos já

clássicos das aritméticas comerciais e da inserção de assuntos típicos da economia brasileira, essas aritméticas

apresentavam inovações em relação às do século XIX, com a inclusão de novos tópicos tais como arranjos,

permutações, binômio de Newton, probabilidades, seguros, os quais constituem conhecimentos típicos de Matemática

Atuarial (seguros), utilizados por atuários em empresas de seguros e previdência.

Assim, estas aritméticas desses autores-contadores, deixaram contribuições e provocaram mudanças na

disciplina de Matemática Comercial e Financeira. Obviamente, não foram as únicas aritméticas comerciais e

financeiras que circularam no início do século XX. Para citar alguns exemplos, temos as aritméticas de Carlos F. de

Paula; Luiz Cavalheiro; Mello e Souza, Cecil Thiré e Nicanor Lemgruber, Algacyr Munhoz Maeder, Carlos Calioli e

Nicolau D‘ Ambrosio; Lucas Rodrigues Junot e; Ary Quintella.

Page 220: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Contadores e seus livros de Matemática Comercial e Financeira no Brasil do início do século XX

212 Anais do XII SNHM -2017

Figura 3. Livros de matemática comercial e financeira da rede de relacionamentos de contadores

Fonte: Acervo pessoal. Obs.: A origem da seta indica a primeira edição ou o livro base, ao passo que a ponta indica a

última edição. O livro de Matemática Comercial e Financeira de Horácio teve origem no seu livro de contabilidade.

4. Considerações Finais

Apesar dessa possível utilização da matemática pelos contadores para o reconhecimento das ciências contábeis, não

se esquecer de que, no início do século XX, o positivismo, corrente filosófica criada por Augusto Comte, encontrava-

se em fase de difusão no Brasil (SILVA, 1999). Para o positivismo, o verdadeiro conhecimento é obtido por meio do

conhecimento científico, sendo que a matemática estaria na base desse edifício científico:

[...] A ciência matemática deve, pois, constituir o verdadeiro ponto de partida de toda

educação científica racional, seja geral, seja especial, o que explica o uso universal, que

se estabeleceu desde há muito a esse propósito, duma maneira empírica, embora não tenha

Page 221: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sérgio Candido de Gouveia Neto, Cristiane Talita Gromann de Gouveia.

213 Anais do XII SNHM -2017

primitivamente outra causa que sua maior ancianidade relativa (COMTE, 1978, p. 38).

Nesse sentido, a utilização do discurso da matemática pelos contadores, pode ser interpretada como um meio

para o reconhecimento profissional. Contudo, parece que isto não foi uma ação isolada de um ou outro, ao contrário,

formaram uma verdadeira rede de relacionamentos. E nessa rede, deixaram contribuições para a disciplina de

Matemática Comercial e Financeira, com a publicação de diversos livros da área, e também de artigos na Revista

Brasileira de Contabilidade (RBC).

Cumpre destacar que o estudo aqui em tela apresenta limitações. Tratamos apenas dos livros de Matemática

Comercial e Financeira desses autores. A atuação deles em outros espaços, como por exemplo, revistas e em salas de

aulas – já que foram professores –, não foi tratado no artigo. Assim, como possibilidades de estudos, indicamos a

necessidade de entender a atuação destes contadores em sala de aula e a atuação em outros espaços, além dos tratados

nesse estudo.

5. Agradecimentos

Agradecemos à CAPES/PNPD pela bolsa de pós-doutorado concedido ao primeiro autor. Agradecemos à FAPESP

pela bolsa de doutorado concedida à segunda autora. Processo nº 2016/00850-2, Fundação de Amparo à Pesquisa do

Estado de São Paulo (FAPESP).

Bibliografia

ADDE, Tiago Villac. O fim do Império e o nascimento da República: o desenvolvimento da contabilidade brasileira

durante a Primeira República. 2012. 157 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Contábeis e Atuariais), Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.

BERLINCK, Horácio. Contabilidade: aplicada as Empresas commerciaes, industriaes e financeiras. 5. ed. São Paulo:

Duprat e comp., 1914. 752 p.

BERLINCK, Horácio. Matemática Comercial e Financeira. São Paulo: Editora Atlas, 1946. 327 p.

BERLINCK, Horácio. Empréstimos em obrigações - debentures. Revista Brasileira de Contabilidade, São Paulo, n.

2, p.25-26, 1912.

CARVALHO, Carlos de. Arithmetica Commercial e Financeira. 3. ed. São Paulo: Empresa Editora Brasileira, [s.d].

209 p.

D’ÁURIA, Francisco. Matemática Comercial: elementos do preço de venda. Revista Brasileira de Contabilidade, São

Paulo, n. 1, p.12-15, 1912.

D’ÁURIA, Francisco. Valor atual das anuidades e amortização e juros dos empréstimos a juros compostos. Revista

Brasileira de Contabilidade, São Paulo, n. 8, p. 154 - 158, 1915.

D’ÁURIA, Francisco. Valor atual das anuidades e amortização e juros dos empréstimos a juros compostos. Revista

Brasileira de Contabilidade, São Paulo, n. 9, p. 161 - 167, 1915.

D’ÁURIA, Francisco. Mathemática Commercial. 1. ed. São Paulo: Empresa Editora Brasileira, 1928. 299 p.

D’ÁURIA, Francisco. Mathemática Financeira e Noções de Actuaria. 1. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,

1928. 348 p.

D’ÁURIA, Francisco. Matemática Financeira e atuarial. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956. 348

p.

D’ÁURIA, Francisco. Matemática Comercial. 3. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956. 347 p.

GOUVEIA NETO, Sérgio Candido de. A matemática contábil: das lides comerciais para os cursos secundários

técnicos e sua transformação em saber acadêmico no Brasil (1808-1970). 2015. 134f. Tese (Doutorado em Educação

Matemática), Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2015.

LEVI, Aldo; D’ÁURIA, Francisco. Simplificação do Método de Cauchy. Revista Brasileira de Contabilidade, São

Paulo, n. 1, p. 115 – 116, 1919.

MARTINS, Coriolano M. Matemática Comercial e Financeira. 4. ed. São Paulo: Fundação Alvares Penteado, 1949.

445 p.

MARTINS, Coriolano M. Mathematica Financeira. São Paulo: Typographia Siqueira, 1927. 287 p.

Page 222: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Contadores e seus livros de Matemática Comercial e Financeira no Brasil do início do século XX

214 Anais do XII SNHM -2017

PENTEADO, Oscar de Arruda. Vultos da História Rio-clarense (resumos bibliográficos). Rio Claro: [s.n.], 1977. s.p.

POLATO, Maurício Fonseca. A Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap) e o ensino comercial em

São Paulo (1902-1931). 2008. 99 f. Dissertação (Mestrado em Educação), Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, São Paulo, 2008.

VEYNE, Paul. Como se escreve a história. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1971.

Sérgio Candido de Gouveia

Neto

Departamento de Ciências Contábeis –

UNIR – campus de Vilhena – Brasil

E-mail: [email protected]

Cristiane Talita Gromann de

Gouveia

Departamento de Educação – UNESP –

campus de Rio Claro – Brasil

E-mail: [email protected]

Page 223: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

215 Anais do XII SNHM -2017

NOÇÕES DE ARITMÉTICA EM MANUAIS PEDAGÓGICOS: ORIENTAÇÕES AO

PROFESSORADO (1880-1910)

Viviane Barros Maciel (Universidade Federal de São Paulo) - [email protected]

Considerando os manuais pedagógicos, como objetos culturais e meios de circulação e produção de saberes, se

procurou, neste texto, analisar as orientações dadas aos professores para introdução das primeiras noções e definições

da aritmética no curso primário. Para tanto foram tomados para análise 10 manuais que circularam no período

compreendido entre 1880 a 1910. Toda a análise foi efetuada estabelecendo como questão central “que saberes

pedagógicos vão sendo caracterizados na análise de orientações ao ensino de aritmética de modo a configurar, ao

longo do tempo, uma aritmética para ensinar no curso primário neste período?” A análise parcial compõe uma pesquisa

de doutoramento em desenvolvimento. Inicialmente foram elencados alguns manuais que contivessem noções

introdutórias para o ensino da aritmética e fossem destinados ao uso de alunos e professores do curso primário. Numa

primeira análise, como base de dados, foram considerados os manuais de um acervo digital institucional. A princípio

adotou-se uma linha cronológica para organização dos manuais a serem analisados, o que não significa que as análises

se darão de forma também linear. Neste sentido, fichas foram elaboradas para organização dos dados: uma ficha

descritiva do manual, uma analítica e uma comparativa para análise de aproximações e distanciamentos das

orientações neles presentes, assim, um primeiro grupo de manuais já foi analisado, entre 1880 a 1900 e na sequência

se inicia o segundo grupo, de 1900 a 1910. Como se observará, os saberes são colocados no centro da profissão de

ensino e de formação, aspecto defendido pelos referenciais teóricos mobilizados neste texto. Análises preliminares

apontam que diferentemente dos saberes que são instrumentos de trabalho do professor, ou seja, que representam uma

aritmética a ensinar, praticamente estática, os saberes pedagógicos para ensinar tem uma configuração dinâmica, pois

se acham inseridos na cultura escolar, e são compostos de elementos tão sutis que somente podem ser percebidos

como uma aritmética para ensinar num período temporal mais amplo.

Palavras-chave: Saberes para ensinar; Formação de professores; História da educação matemática.

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ISSN 2236-4102

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216 Anais do XII SNHM -2017

HISTÓRIA EM SALA DE AULA: RESOLUÇÃO DE EQUAÇÃO DE PRIMEIRO GRAU

Elisangela Dias Brugnera (UNEMAT) – [email protected]

Circe Mary Silva da Silva Dynnikov (UFMT) – [email protected]

Este artigo integra o projeto de tese intitulado O uso da História da Matemática e do GeoGebra para o ensino e

aprendizagem da geometria analítica com ênfase no estudo de retas do doutorado da REAMEC - Rede Amazônica

de Educação em Ciências e Matemática. Procuramos apresentar uma metodologia alternativa para a resolução de

equações algébricas do segundo grau. Adotamos o livro “A Geometria” de Descartes, como fonte original aliada a

utilização da tecnologia com o software de geometria dinâmica GeoGebra. Por meio de uma pesquisa bibliográfica

em fontes históricas constatamos que o método de Descartes para a resolução de equações pode ser utilizado em sala

de aula. Nas pesquisas já realizadas sobre o uso das tecnologias como ferramentas constatamos que as investigações

buscam a construção do conhecimento, como uma maneira de buscar desenvolver o raciocínio lógico, à dedução e a

construção do conhecimento, por meio do desenvolvimento de atividades planejadas com esta finalidade. Isso indica

a necessidade de pesquisas futuras que visem explorar novos usos das Tecnologias de Informação e Comunicação -

TIC’s no ensino de geometria analítica. Como suporte teórico metodológico usamos a proposta de ecos e vozes de

Boero, Pedemonte e Robotti (1997). Essa metodologia busca uma conexão entre o passado e o presente, para que se

construa um diálogo, resignificando conceitos do passado no presente, utilizando como base nosso comportamento,

tecnologia e nossas concepções sócio-culturais. Durante a realização das atividades desenvolvidas no estudo piloto de

nossa pesquisa usamos o software de geometria dinâmica GeoGebra, como uma forma de integrar recursos

tecnológicos no ensino de matemática. O estudo piloto permitiu concluirmos sobre a viabilidade de usar essa

metodologia na pesquisa. A presente investigação aponta para a diversificação de metodologias de ensino da

Matemática, e a multiplicidade de estratégias que podem ser realizadas integrando a história da matemática e as

tecnologias.

Palavras-chave: História; Geometria Analítica; Tecnologia.

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ISSN 2236-4102

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217 Anais do XII SNHM -2017

APONTAMENTOS INICIAIS SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DE EUGÊNIO DE BARROS RAJA

GABAGLIA PARA A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NO BRASIL

Juliana Martins

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”– Unesp/Rio Claro – Brasil

Resumo

Esse artigo busca apresentar apontamentos iniciais sobre a contribuição de Eugênio de Barros Raja Gabaglia para a

escrita da história da matemática no Brasil. O texto é baseado no material encontrado para a composição da biografia

do autor e na pesquisa de mestrado concluída no início de 2015. A dissertação intitulada O livro que divulgou o papiro

Rhind no Brasil, teve o objetivo de tecer comentários sobre o livro O mais antigo documento mathematico conhecido

(papyro Rhind), escrito pelo professor Gabaglia e publicado em 1899. Após a pesquisa de mestrado e com base na

pesquisa de doutorado em desenvolvimento pode-se afirmar que a publicação do livro de Gabaglia (1899), o torna um

pioneiro na escrita de textos de história da matemática no Brasil e, em termos mundiais o coloca entre as primeiras

pessoas que estudaram o papiro Rhind, um tema de recente interesse na Europa naquela época. Por meio do estudo de

seu livro nota-se seu profundo conhecimento sobre a bibliografia (atualizada e específica) que versa sobre o papiro

Rhind e sobre a matemática egípcia antiga, isso foi inferido devido as discussões apresentadas no livro e à sua clareza

na exposição e explicação dos problemas do papiro. Tudo isso corrobora para a preciosidade e originalidade de seu

livro. Dos escritos de Gabaglia reunidos até o momento, além do livro sobre o papiro é possível observar outros textos

ligados à história da matemática, desse modo, em minha pesquisa de doutorado, além de apresentar uma biografia e

um estudo sobre a obra de Gabaglia, pretende-se investigar qual foi a contribuição do professor brasileiro na

constituição da área de história da matemática no Brasil. Tal estudo compreenderá um levantamento dos primeiros

textos de história da matemática escritos por brasileiros, na tentativa de situar Gabaglia nessa “linha do tempo” da

escrita da história da matemática no Brasil e, se possível, verificar sua influência nesse processo.

Palavras-chave: Matemática, História, Biografia, Eugênio de Barros Raja Gabaglia.

INITIAL NOTES ABOUT THE CONTRIBUTION OF EUGÊNIO OF BARROS RAJA GABAGLIA FOR

THE HISTORY OF THE MATHEMATICS IN BRAZIL

Abstract

This paper looks for presenting initial notes about the contribution of Eugênio de Barros Raja Gabaglia for the writing

of the history of the mathematics in Brazil. The text is based on the material found for the composition of the author's

biography and in the master's degree research ended in the beginning of 2015. The entitled dissertation O livro que

divulgou o papiro Rhind no Brasil, had the objective of weaving comments on the book O mais antigo documento

mathematico conhecido (papyro Rhind), written by teacher Gabaglia and published in 1899. After the master's degree

research and with base in the PhD research in development can be affirmed that the publication of the Gabaglia’s book

(1899), it turns him a pioneer in the writing of texts of history of the mathematics in Brazil and, in world terms it puts

him among the first one’s people that studied the papyrus Rhind, a theme of recent interest in Europe in that time.

Through the study of his book it is noticed his deep knowledge on the bibliography (updated and specific) that turns

on the papyrus Rhind and on the old Egyptian mathematics, that was inferred due the discussions presented in the

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

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218 Anais do XII SNHM -2017

book and to his clarity in the exhibition and explanation of the problems of the papyrus. All this corroborates for the

preciousness and originality of his book. From the Gabaglia’s written gathered until the moment, besides the book on

the papyrus, it is possible to observe other linked texts to the history of the mathematics, this way, in my PhD research,

besides presenting a biography and a study on the work of Gabaglia, I intend to investigate which was the Brazilian

teacher's contribution in the constitution of the fild of history of the mathematics in Brazil. Such a study will approach

a rising of the first texts of history of the mathematics written by Brazilians, in the attempt to place Gabaglia in that

"time line" of the writing of the history of the mathematics in Brazil and, if it is possible, to verify his influence in that

process.

Keywords: Mathematics, History, Biographies, Eugênio de Barros Raja Gabaglia.

Introdução

Durante os anos de 2013/2014 desenvolvi, em minha pesquisa de mestrado1, um estudo sobre o livro O mais antigo

documento mathematico conhecido (papyro Rhind), escrito por Eugênio de Barros Raja Gabaglia e publicado em

1899. Essa pesquisa possibilitou um contato inicial e, de certo modo, superficial, com a biografia e obra do autor.

Da pesquisa concluída e do material encontrado até então é possível afirmar que a obra de Gabaglia é vasta

e diversificada (Quadro 1). Contudo, devido a uma série de textos que escreveu sobre temas de história da matemática

seria aceitável atribuir-lhe um lugar de destaque na área, especialmente após a publicação do livro dedicado ao papiro

Rhind.

Quadro 1: Obra de Raja Gabaglia

Tipo

Ano

Tese Artigo/ Texto/ Prefácio/

Relatório

Livro/ Tradução

1885 Series;

Desenvolvimento das

funcções em serie com

os recursos da analyse

directa

1893 Funcções de Nutrição

na Serie Animal

Relatório sobre Juiz de

Fora

1897 O homem como capital - Calculo Verbal, Calculo

Graphico, Calculo Pratico

- 1º, 2º e 3º parágrafos do

livro “O mais antigo

documento mathematico

conhecido (papyro

Rhind)”2.

1899

Distincção entre os

logarithmos neperianos e

O mais antigo

documento

mathematico

1 Para download do texto completo acessar o repositório institucional da Unesp http://repositorio.unesp.br/handle/11449/77087. 2 Antes da publicação do livro em 1899, os primeiros parágrafos (§), ou capítulos do livro, já haviam sido publicados na Revista do Club

de Engenharia e na Revista da Escola Polytechnica.

Page 227: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Apontamentos iniciais sobre a contribuição de Eugênio de Barros Raja Gabaglia para a história da matemática no Brasil

219 Anais do XII SNHM -2017

naturaes conhecido

(papyro Rhind)

1902 Tabelas de Logarithmes

1914 - Prefácio do “Annuario

do Collegio Pedro II” –

Vol. I.

- O Collegio Pedro II

1915 Prefácio do “Annuario do

Collegio Pedro II” – Vol II

1917 Curso de

Navegação

interior

1919 - Prefácio do “Annuario

do Collegio Pedro II” –

Vol. III

- A evolução do conceito

do infinitesimo em

mathematica – parte

primeira – Dos Gregos a

Cavalieri

1899 -

1919

Tradução da

coleção FIC

Sem data A numeraçao entre os

selvagens

Fonte: Autora (2016)

No quadro acima não foram expostos os comentários e notas publicados em jornais da época, a exemplo, o

Jornal do Commercio em 1893, no qual segundo Dassie (2010), Raja Gabaglia demonstra seus conhecimentos de

história da matemática ao fazer uma crítica às notas históricas do livro didático de matemática – Curso de Mathematica

Elementar – de Aarão e Lucano Reis (1892).

A seguir destaco parte de sua obra, elencando os textos que remetem a matemática ou a história da

matemática:

A tese Series; Desenvolvimento das funcções em serie com os recursos da analyse directa – (1885, 88

páginas).

Os artigos Calculo Verbal, Calculo Graphico, Calculo Pratico – (1897, 69 páginas).

O artigo Distincção entre os lagarithmos neperianos e naturaes – (1899, 5 páginas).

O livro O mais antigo documento mathematico conhecido (papyro Rhind) – (1899, 136 páginas).

O trabalho Tabelas de Logarithmes – (1902).

O artigo A evolução do conceito do infinitesimo em mathematica – parte primeira – Dos Gregos a Cavalieri

– (1919, 65 páginas).

O texto A numeraçao entre os selvagens – (sem outras informações).

Tendo em vista a escassez de estudos sobre a vida e obra de Gabaglia, e a curiosidade sobre a sua contribuição

na escrita da história da matemática no Brasil, inicio em 2015 minha pesquisa de doutorado3 visando aprofundar e

ampliar a investigação realizada no mestrado. Acredito que essa pesquisa de doutorado poderá contribuir para uma

valorização do autor que pouco aparece na história da História da Matemática no Brasil e na história da Educação

3 Doutorado em Educação Matemática – Unesp, Campus Rio Claro.

Page 228: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Juliana Martins

220 Anais do XII SNHM -2017

Matemática no Brasil.

Um olhar inicial sobre a obra de Gabaglia e o estudo já realizado na pesquisa de mestrado permitem que

algumas considerações sobre a contribuição do autor na área de história da matemática sejam concluídas. O objetivo

desse artigo é justamente apresentar esses apontamentos iniciais e questionamentos futuros nessa investigação que

continua e abrange minha pesquisa de doutorado.

Nota biográfica

Eugênio de Barros Raja Gabaglia nasceu em 1862, na cidade de Niterói – Rio de Janeiro e faleceu em 1919, antes de

completar 57 anos de idade. No ano de 1880, aos 18 anos, iniciou seus estudos na Escola Politécnica do Rio de Janeiro

e forma-se bacharel engenheiro geográfico, civil e de minas em 1883 (SILVA, 1998).

Pouco tempo depois Gabaglia obteve também o título de bacharel em ciências físicas e matemáticas. Nos

anos seguintes, prestou concurso para a vaga de professor substituto de matemática no Imperial Colégio D. Pedro II,

Rio de Janeiro. Para a prova de tese o ponto sorteado foi Series; Desenvolvimento das funcções em serie com os

recursos da analyse directa - Estudo dos valores singulares das fórmulas algébricas. Segundo Dassie e Soares (2010),

os candidatos ao concurso defenderam suas teses na presença do Imperador.

As fases seguintes do concurso seriam a prova escrita e a prova oral:

“O ponto da prova escrita, Aritmetica, foi Problema das repartições. Operações sobre números

fraccionários. Uso das proporções. Uso das taboas de Logarthmos. Incomensurabilidade dos

números. Para a prova oral sobraram as matérias de Geometria e Trigonometria. O ponto

designado para Raja Gabaglia foi Quadratura das superfícies poligonaes. Rectificação do círculo.

Ângulos polyedros. Cissoide. Taboas trigonométricas. O concurso teve fim em 14 de novembro de

1885”. (DASSIE; SOARES, 2010, p. 5)

Gabaglia foi aprovado em primeiro lugar no concurso, iniciando-se assim uma carreira de mais de trinta anos

de serviços prestados ao Colégio Pedro II. Lecionou também em outras instituições de ensino do Rio de Janeiro, por

exemplo, o Lyceo de Artes e Officios, a Escola Naval de Guerra da Marinha, a Escola Polytechnica, na qual ingressou

com a tese de concurso O homem como capital, e a Escola Normal.

Em 1893 candidatou-se ao concurso para docência na Escola Militar escrevendo a tese Funcções de Nutrição

na Serie Animal, no entanto, segundo consta em M. Silva (1998) e na Revista Didactica da Escola Polythecnica, não

prestou os exames por motivos políticos, refugiando-se em Minas Gerais. “Ainda segundo dados de sua biografia

publicados nessa revista, a Escola Naval acolheu-o, dispensando o concurso. Nessa instituição Raja Gabaglia foi

professor de Cálculo e Geometria Analítica. Em 1914, foi transferido para a recém criada Escola Naval de Guerra”

(DASSIE; SOARES, 2010, p. 6)

Como engenheiro e professor atuante, Gabaglia foi membro de associações científicas como o Clube de

Engenharia, do Instituto Politécnico Brasileiro, do Conselho Superior de Ensino do Rio de Janeiro, da Sociedade de

Geografia. Foi fundador e presidente da Associação de Auxílios Mútuos dos Empregados do Colégio Pedro II, sócio

fundador da Sociedade Brasileira de Ciências e na época da Proclamação da República (1889), foi Diretor das Obras

Civis e Hidráulicas da Marinha (MARTINS, 2015).

Gabaglia foi um poliglota, fluente em latim, francês, inglês, italiano, espanhol e também em alemão. Se o

latim lhe era uma via de mão dupla, para a cultura clássica e como ferramenta ordenadora de hábitos mentais de

reflexão e lógica, com as outras línguas tinha o acesso direto ao pensamento contemporâneo internacional e às mais

modernas correntes científicas de então (BARBOSA; MALVEIRA; VIEIRA, 2009, p. XIX).

Page 229: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Apontamentos iniciais sobre a contribuição de Eugênio de Barros Raja Gabaglia para a história da matemática no Brasil

221 Anais do XII SNHM -2017

Figura 1: Retrato de Eugênio de Barros Raja Gabaglia

Fonte: Arquivo da autora

Gabaglia traduziu uma das principais coleções de livros didáticos utilizadas no Colégio Pedro II, a coleção

francesa F.I.C (Frères de l’Instruction Chrétienne). Foi o único membro sul americano a participar do V Congresso

Internacional de Matemática que reuniu membros da Comissão Internacional do Ensino de Matemática para discutir

questões relacionadas ao ensino e a intuição matemática. Valente (2004), comenta a participação do brasileiro no

congresso e levanta o seguinte questionamento:

“O resultado final é que, pelas mãos de Gabaglia, único brasileiro a ter tido oportunidade de

presenciar as discussões internacionais sobre a modernização do ensino da matemática, nada

parece ter sido trazido para o Brasil. Os antigos livros dos F.I.C., traduzidos por Gabaglia,

continuaram a referenciar o ensino da matemática e seus programas. Como explicar a falta de

interesse de Raja Gabaglia em trazer para o Brasil as discussões sobre a modernização do ensino

da matemática?” (VALENTE, 2004, p. 56-57)

É de meu interesse investigar com maior atenção os motivos que teriam levado Gabaglia a permanecer no

ensino tradicional da matemática naquela época. Outro aspecto que desperta interesse particular na pesquisa de

doutorado, é que em alguns textos relativos à biografia do autor discute-se sua relação com a filosofia positiva e

futuramente será discutida com maiores detalhes. Um exemplo é citado no seguinte trecho:

“Se para alguns, Raja Gabaglia teria sido o iniciador da reação à influência de Augusto Comte no

ensino de Matemática, Azevedo do Amaral, assinala, entretanto, que o nosso professor

compartilhava com aquele filósofo na questão da legitimidade do uso das séries divergentes. E

importa ressaltar que Raja Gabaglia recusava “in limine” todas as construções religiosas do autor

da Política Positiva e nem mesmo aceitava todas as suas opiniões e conceitos do domínio puramente

científico.” (BARBOSA; MALVEIRA; VIEIRA, 2009, p. XXII, grifo dos autores)

A priori a leitura do material relativo a biografia e obra do autor, aponta para os seguintes disparadores de

investigação: Será possível afirmar que Gabaglia é o primeiro historiador da matemática brasileiro? Qual é a

contribuição e consequentemente o impacto que a obra do professor brasileiro produz na escrita da história da

matemática no Brasil? Como se dá a constituição da área de história da matemática no Brasil? Em que momento Raja

Page 230: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Juliana Martins

222 Anais do XII SNHM -2017

Gabaglia poderia ser citado nesse processo?

Quais foram os motivos políticos que levaram Raja Gabaglia a desistir do concurso da Escola Militar e

refugiar-se em Minas Gerais? Será possível identificar as causas da não implantação dos ideais de reforma como

observado por Valente (2004)? Isso de fato realmente aconteceu?

Gabaglia assumiu claramente algum tipo de posicionamento com relação ao positivismo no Brasil no final

do séc. XIX e início do séc. XX?

Esses questionamentos, e outros que podem surgir no decorrer da pesquisa, têm movimentado o trabalho de

investigação de meu doutorado.

Apontamentos iniciais sobre a contribuição de Gabaglia na história da matemática no Brasil

Até o momento é possível tecer apontamentos iniciais sobre a contribuição de Gabaglia na história da matemática no

Brasil graças ao material reunido para a composição de sua biografia e do estudo feito sobre o livro que dedica ao

antigo papiro matemático Rhind, estudo esse apresentado em minha dissertação de mestrado.

Já em Silva (2001) e em Dassie e Soares (2010), encontra-se a afirmação de que Gabaglia foi autor do

primeiro livro dedicado ao estudo de um tema de história da matemática publicado no Brasil.

Além de concordar com essa afirmação em Martins (2016), vou além e destaco que a publicação do livro de

Gabaglia é um marco na história da matemática no Brasil e, em termos mundiais, o coloca entre as primeiras pessoas

que se debruçaram no estudo do papiro Rhind. Vejamos:

“Na época da publicação do livro, poucas pessoas no mundo haviam realizado estudo tão

aprofundado quanto o que Raja Gabaglia fez sobre o papiro Rhind e a matemática egípcia. Ele

havia lido o texto de Eisenlohr, em alemão, e lido também diversos artigos de egiptólogos

especializados no tema, dentre eles destacam-se Birch, Brugsh, Rodet, Revillout, Bobynin, James

Gow, Favaro, Loria e Baillet, esses por sua vez, publicavam em revistas europeias de renome na

época.” (MARTINS, 2016, p. 9)

Ou seja, é notável e deve-se destacar a participação de Gabaglia na escrita da história da matemática no Brasil,

e do seu profundo conhecimento sobre a bibliografia específica que versa sobre o Papiro Rhind e a matemática egípcia

antiga, isso devido as discussões apresentadas em seu livro e a sua clareza na exposição e explicação dos problemas

do papiro. Tudo isso corrobora para a preciosidade e originalidade de seu livro.

Em futuras investigações e como parte de minha pesquisa de doutorado, uma busca dos primeiros textos de

história da matemática escrito por autores brasileiros será feita na tentativa de situar Raja Gabaglia nessa “linha do

tempo” da escrita da história da matemática no Brasil.

Além disso busca-se compreender como se deu a constituição dessa área de pesquisa em nosso país e verificar

o papel de Gabaglia nesse processo. Seria a publicação do livro O papiro matemático de Moscou (1973), escrito pelo

professor Hélio Carvalho d’Oliveira Fontes (também do Colégio Pedro II), uma tentativa de continuação de estudos

sobre os papiros matemáticos e, de certo modo, um exemplo da tradição deixada por Gabaglia nessa instituição de

ensino?

Essas discussões e possíveis respostas aos questionamentos que movem a pesquisa atualmente em fase de

desenvolvimento irão compor a tese de doutorado da autora desse artigo.

Bibliografia

Arquivo pessoal Elizabeth Pessoa Raja Gabaglia. Rio de Janeiro: 2014.

BARBOSA, A. J. do R.; MALVEIRA, A. N.; VIEIRA, G. P. Um perfil. In: Anuário do Colégio Pedro II: primeiro

ano 1914 / Eugênio de Barros Raja Gabaglia. Rio de Janeiro: Unigraf, 2009. p. XVII – XXIII.

DASSIE, B. A; SOARES, F. dos S. Eugenio de Barros Raja Gabaglia: vida e obra de um professor de

matemática. In: V Colóquio de História e Tecnologia no Ensino da Matemática. Recife, 2010.

GABAGLIA, E. de B.R. O mais antigo documento mathematico conhecido

Page 231: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Apontamentos iniciais sobre a contribuição de Eugênio de Barros Raja Gabaglia para a história da matemática no Brasil

223 Anais do XII SNHM -2017

(papyro Rhind). Rio de Janeiro: Imprensa Americana, 1899.

MARTINS, J. O livro que divulgou o papiro Rhind no Brasil. 2015. 146 p. Dissertação - (mestrado) - Universidade

Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, 2015. Disponível em:

<http://hdl.handle.net/11449/124102>.

MARTINS, J. O livro de Gabaglia que divulgou o papiro Rhind no Brasil. In: Anais do 15º Seminário Nacional

de História da Ciência e Tecnologia. Florianópolis, 2016.

SILVA, C. M. S. A história da matemática e os cursos de formação de professores. In: CURY, H. N. Formação

de professores de matemática: uma visão multifacetada. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. p. 129 - 165.

SILVA, M. R. F. da.; HARIKI, S. Raja Gabaglia. Trabalho de Iniciação Científica. São Paulo: IME-USP, 1998.

SOARES, F. dos S. O Professor de Matemática no Brasil (1759-1879): aspectos históricos. 2007. 172 p. Tese

(Doutorado em Ciências Humanas - Educação) – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio

de Janeiro.

VALENTE, W. R. Euclides Roxo e o movimento internacional de modernização da matemática escolar. In:

Euclides Roxo e a modernização do ensino de matemática no Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004.

p. 45 – 83.

Juliana Martins

Grupo de pesquisa em história da matemática

UNESP – Campus de Rio Claro - Brasil

E-mail: [email protected]

Page 232: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

224 Anais do XII SNHM -2017

ESTUDANDO O CONCEITO PIRÂMIDES A PARTIR DO PROBLEMA 56 DO PAPIRO DE

RHIND: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DO USO DE FONTES PARA INSERIR ASPECTOS

HISTÓRICOS EM SALA DE AULA

Ana Carolina Costa Pereira

Universidade Estadual do Ceará – UECE – Brasil

Isabelle Coelho da Silva

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE – Brasil

Resumo

A utilização da História da Matemática em sala aula traz para o professor um caminho diferente para fazer matemática

em sala de aula, pois este recurso possibilita um retorno ao passado, em que pode-se estudar o conceito em sua forma

primitiva e a motivação inicial para seu estudo. Para inserir aspectos históricos em sala de aula, há o uso de fontes

históricas, que são qualquer artefato ou documento que possam comprovar os dados do estudo ou podem servir como

base para este estudo. Uma possibilidade do uso de fontes históricas é o Papiro de Rhind, que é um documento do

Egito antigo que contém diversos problemas matemáticos de ordem práticos. Assim, utilizamos o problema 56 do

Papiro de Rhind para investigar o uso da fonte histórica na formação inicial do professor de matemática como forma

metodológica de conduzir o ensino de matemática na Educação Básica. Para isto, aplicamos o problema nas turmas

2015.1 e 2015.2 da disciplina de História da Matemática da Universidade Estadual do Ceará. Contudo, neste trabalho

apresentaremos um relato de experiência da aplicação feita na turma do semestre 2015.2, em que os alunos receberam

instruções impressas para a realização da atividade, no qual eles deveriam traduzir o problema, explicar a matemática

egípcia, propor uma solução com a matemática atual e comparar os dois métodos. Desta forma, pode-se identificar

uma grande dificuldade dos alunos em tratar com a fonte histórica, e explicar os cálculos sem as fórmulas previamente

provadas que utilizados atualmente. Contudo, a maioria dos discentes afirmaram que utilizariam a fonte histórica

abordada em uma aula do Ensino Médio, apenas de uma forma mais simplificada. Assim, incentivamos que as fontes

históricas sejam utilizadas para aprimorar o estudo de outros conteúdos, para que os professores possam se sentir

seguros e preparados em utilizá-la em suas aulas, podendo ampliar o aprendizado dos alunos.

Palavras-chave: História da Matemática, Problema 56 do Papiro de Rhind, Educação Matemática.

STUDYING THE CONCEPTS PYRAMIDS THROUGH THE PROBLEM 56 OF THE RHIND PAPYRUS: AN EXPERIENCE

REPORT OF THE USE OF SOURCES TO INTRODUCE HISTORICAL ASPECTS IN CLASSROOM

Abstract

The use of history of mathematics in a classroom brings to the teacher a different way to study mathematics in

classroom because this resource allows a return to the past, where we it is possible to study the concept in its primary

mode, and the initial motivation for its study. To introduce historical aspects in classroom, there is the use of historical

sources, which are any artifact or document that can prove the study data or can serve as a basis to this study. A

possibility of using historical sources is the Rhind Papyrus, which is a document from the Ancient Egypt that contains

various practical mathematics problems. Therefore, we used the problem 56 from the Rhind Papyrus to investigate

the use of original sources in the initial teachers training as a methodological source to conduce the mathematics

teaching in primary and secondary education. For this, we applied this problem in the 2015.1 e 2015.2 classes of the

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 233: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Ana Carolina Costa Pereira & Isabelle Coelho da Silva

225 Anais do XII SNHM -2017

discipline History of Mathematics from the State University of Ceara. However, in this paper, we present an

experience report made in the class of 2015.2, where the students received printed instructions to accomplish the

activity, in which they should translate the problem, explain the Egyptian Math, propose a resolution with the current

Math, and compare both methods. This way, we were able to identify a big difficulty of the students in dealing with

historical sources, and explaining the calculations without the previously proved formulas that we use nowadays.

However, most of the students said that they would use the proposed historical source in a High School Class, but in

a simpler way. Therefore, we encourage that the historical sources would be used to improve the study of other

contents, so that the teachers would feel safe and prepared to use them in their classrooms, being able to expand the

students’ learning.

Keywords: History of Mathematics, Problem 56 of the Rhind Papyrus, Mathematics Education.

Introdução

Ensinar matemática, nos dias atuais, vai além do ato de transmitir conhecimentos, pois a maioria dos alunos têm se

mostrado indiferentes às aulas expositivas tradicionais, o que pode ocasionar uma queda no nível de aprendizagem na

sala de aula. Logo, isto acarreta uma necessidade no desenvolvimento de diferentes estratégias para o ensino, de modo

que possa haver uma melhora na educação.

Assim, a história da matemática é proposta como uma estratégia que busca este aprimoramento no ensino de

matemática. A partir do uso da história da matemática, podemos apresentar para o estudante uma forma diferenciada

de resolver alguns problemas matemáticos: o modo que era utilizado durante o período de estudos iniciais do conceito

em questão, ou seja, o método histórico. Também podemos aproveitar este recurso para identificar as dificuldades que

os matemáticos necessitaram transpor para chegar a uma conclusão sobre o tema estudado, pois muitas vezes estas

dificuldades são as mesmas que os alunos precisam enfrentar para obter uma real compreensão do conteúdo proposto

em sala de aula.

Uma das funções da história da matemática é mostrar ao aluno o processo de descobrimento e

desenvolvimento de alguns conteúdos matemáticos, evidenciando as dificuldades que o próprio matemático teve

durante este processo. Segundo Weil (1991), a primeira função da história é de permitir observar, ou manter em nossa

visão exemplos ilustres de trabalhos matemáticos de alta qualidade.

Com este intuito, vemos que dentre as possibilidades de pesquisas sobre o uso da História da Matemática

destacam-se algumas categorias, dentre elas, a utilização de fontes históricas para o ensino, que é um meio de acesso

a sociedade matemática da antiguidade, na qual foram desenvolvidos diversos conteúdos ensinados na sala de aula da

Educação Básica atualmente.

Segundo, Silva (2013, p. 34) “o uso de fontes antigas se remete ao uso de textos que trazem à tona problemas

que os sábios da antiguidade resolveram ou investigaram”. Para este estudo, nos baseamos na utilização de fontes

históricas na sala de aula de matemática, partindo do conceito de que estas são “todos os tipos de vestígios inscritos

no passado, como livros de receita, fotografias, cinema, música, enfim, uma série de elementos que auxiliariam o

historiador na busca de compreender os homens do passado e como estes se estabeleceram” (XAVIER, 2011, p. 1100).

Contudo, para que este uso seja possível, concordamos com Silva (2013, p. 41) que diz que a sala de aula

deve ser um ambiente de investigação em que os alunos “devem se posicionar como investigadores que têm como

objetivo responder questões que lhes surgem no contexto da matemática escolar e que podem ser respondidas por

meio dos aspectos históricos”.

Portanto, justificamos este estudo devido a carência de pesquisas sobre o uso da história da matemática e das

fontes históricas, em que objetivamos relatar uma experiência de uma investigação sobre o uso da fonte histórica na

formação inicial do professor de matemática, como forma metodológica de conduzir o ensino de matemática na

Educação Básica.

Page 234: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Estudando o conceito pirâmides a partir do problema 56 do Papiro de Rhind: um relato de...

226 Anais do XII SNHM -2017

Metodologia

Este trabalho fundamenta-se em uma pesquisa de campo, em que a primeira parte foi voltada ao estudo documental.

No primeiro momento, foi utilizada uma abordagem bibliográfica para falar do uso das fontes históricas como meio

para o Ensino de Matemática. Esta abordagem também foi utilizada para tratarmos da implicação do uso da história

da matemática na formação do professor de Matemática e na sala de aula. Ao mesmo tempo, utilizamos uma análise

documental para expor sobre os problemas do Papiro de Rhind, fonte histórica na qual foi baseado o estudo com os

discentes.

Em seguida, adentramos na pesquisa de campo que, segundo Marconi e Lakatos (2010, p. 169), tem o

“objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta,

ou de uma hipótese, que se queira comprovar, ou, ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles”. Dentro

da pesquisa de campo, utilizamos o exploratório-descritivo, pois descreve o “estudo de caso para o qual são realizadas

análises empíricas e teóricas” (MARCONI e LAKATOS, 2010, p. 169) e no qual os procedimentos de amostragens

são flexíveis.

Desta forma aplicamos a pesquisa com base nas turmas dos semestres 2015.1 e 2015.2 da disciplina de

História da Matemática do curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual do Ceará (UECE), em que

utilizamos uma atividade para investigar a validade do uso da fonte histórica.

Investigando o uso do problema 56 do Papiro de Rhind como fonte histórica na disciplina História da

Matemática

Nas aulas da disciplina de História da Matemática na UECE é abordado, entre vários outros tópicos, a matemática na

Antiguidade, destacando a Babilônia, a Mesopotâmia, o Egito e a Grécia. Durante a aula focada na matemática egípcia,

notamos que os alunos necessitavam manipular fontes que não são próximas do seu cotidiano escolar, pois eles

mostraram dificuldades em lidar corretamente com as fontes apresentadas nesta aula.

Diante disto, propomos uma atividade com o uso de uma das fontes históricas mais importantes da

matemática egípcia: o Papiro de Rhind. A atividade consistia em discutir o problema 56 deste papiro, que trata do

estudo de pirâmides, em particular, a busca pela inclinação da face da pirâmide.

Esta investigação foi aplicada em turmas de dois semestres consecutivos, 2015.1 e 2015.2, no curso de

Licenciatura em Matemática da UECE, em que os dados e resultados da primeira aplicação serviram como base para

um aperfeiçoamento da segunda aplicação. Contudo, a atividade entregue para as turmas dos dois semestres foi a

mesma.1

A atividade foi precedida pela aula sobre a Matemática Egípcia, em que foi apresentado um panorama sobre

esta sociedade e suas contribuições para a matemática atual. Durante a explicação sobre Divisão e Multiplicação

Egípcia, foi orientado que os alunos receberiam um trabalho com um problema desta época e eles poderiam usar

apenas os métodos utilizados no antigo Egito, ou seja, apenas a matemática conhecida na data de elaboração do

problema. Por exemplo, se fosse necessário utilizar multiplicação e divisão para resolver o problema, os alunos

deveriam utilizar aquele método ensinado na sala. A mesma instrução foi dada para os cálculos envolvendo frações,

em que os egípcios apenas utilizavam frações unitárias e, portanto, os alunos deveriam procurar uma maneira

(conhecida naquela época), não abordada durante a aula de explicação, para transformar frações do problema em

frações unitárias para realizar os cálculos necessários.

Neste estudo eles deveriam traduzir o enunciado e a solução do problema, ressaltando o significado do termo

seked; compreender e explicar a solução do problema exposto no papiro, evidenciando a forma como os cálculos

foram feitos pelos egípcios; resolver a solução com a matemática atual; e comparar as duas soluções (similaridades,

diferença, entre outros). Estas instruções foram dadas aos alunos junto com uma leitura do problema proposto, em que

foram identificados alguns números na linguagem egípcia, de acordo com o que foi exposto na aula sobre a matemática

da época. Na primeira aplicação, as instruções foram dadas oralmente e na segunda aplicação, estas instruções foram

1 Os dados obtidos com a primeira aplicação podem ser vistos em Pereira et al (2016).

Page 235: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Ana Carolina Costa Pereira & Isabelle Coelho da Silva

227 Anais do XII SNHM -2017

entregues impressas junto com o problema utilizado.

Assim, o problema 56 foi entregue na escrita hierática (Figura 01, parte superior), que é a encontrada no

original do papiro de Rhind, e na forma Hieroglífica, uma tradução da primeira (Figura 01, parte inferior).

Figura 01 – Problema 56 do Papiro de Rhind

Fonte: Maor (1998, p. 7).

Também foi fornecido a tradução do problema para o inglês (Maor, 1998, p.6-7):

“If a pyramid is 250 cubits high and the side of its base 360 cubits long, what is its seked?

Ahmes’s solution follows:

Take ½ of 360; it makes 180. Multiply 250 so as to get 180; it makes ½ 1/5 1/50 of a cubit. A cubit

is 7 palms. Multiply 7 by ½ 1/5 1/50:

1 7

1/2 3 1/2

1/5 1 1/3 1/15

1/50 1/10 1/25

The seked2 is palms”.

Explorando os resultados da segunda aplicação do problema 56 do Papiro de Rhind

Na primeira aplicação, as instruções para a realização da atividade foram dadas oralmente para os discentes. Como

muitas das duplas deixaram de realizar alguns tópicos da atividade, principalmente, no que se refere à explicação da

matemática egípcia, resolvemos entregar as instruções escritas para os alunos. Deste modo, tentamos garantir que eles

entendessem o que era necessário cumprir na atividade proposta.

As turmas foram divididas em duplas (o aluno poderia trabalhar sozinho, se desejasse), para que os alunos

pudessem discutir sobre a atividade proposta. Esta aplicação foi realizada na turma da disciplina de História da

Matemática no semestre 2015.2, turnos tarde e noite. A atividade foi entregue para 77 alunos, com a orientação que

seu cumprimento não era obrigatório. Assim, os alunos entregaram 25 atividades, sendo 22 em dupla e 3 individuais,

que foram nomeadas “Atividade 25” à “Atividade 49” para fazer referência neste texto.

Apenas uma atividade não conteve tradução do problema, todos os outros alunos fizeram a tradução correta,

tanto do problema quanto da solução apresentada no papiro. Além disso, todos os discentes evidenciaram o significado

de seked, em que 22 afirmaram que o termo significava a inclinação da face da pirâmide e 03 reconheceram a palavra

como uma referência à cotangente do angulo formado pela base e a face da pirâmide. É importante ressaltar que

nenhum dos alunos deixou de apresentar o significado de seked, mostrando que todos puderam compreender qual seria

2Seked é uma palavra do Egito antigo. Ela é usada para medir o declive de uma superfície inclinada. O "seked da

pirâmide" era calculado como a razão da metade da base dividido pela altura.

Page 236: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Estudando o conceito pirâmides a partir do problema 56 do Papiro de Rhind: um relato de...

228 Anais do XII SNHM -2017

o principal questionamento do problema.

A solução antiga foi explicada em 23 trabalhos. Contudo, apenas 14 das atividades utilizaram o método

egípcio para multiplicação e divisão, e só 8 utilizaram cálculos explicando a transformação de frações em frações

unitárias. Assim, pode-se perceber que, embora quase todos os alunos tenham mostrado compreender os cálculos

apresentados na resolução do papiro, apenas alguns deles assimilaram o método egípcio de realizar estes cálculos. As

figuras 02 e 03 mostram como alguns alunos realizaram e explicaram estes cálculos.

Figura 02 – Método egípcio para multiplicação e divisão de números

Fonte: Atividade 37.

Figura 03 – Transformação em frações unitárias

Fonte: Atividade 26.

Em uma das atividades foi utilizado a Regra da Falsa Posição para o cálculo de uma função do primeiro grau.

Este método, também utilizado pelos egípcios no Papiro de Rhind, foi explicado para os alunos na aula sobre

Matemática no Egito e apenas uma dupla visualizou sua utilização no problema 56. A figura 04 mostra como estes

alunos utilização o método.

Page 237: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Ana Carolina Costa Pereira & Isabelle Coelho da Silva

229 Anais do XII SNHM -2017

Figura 04 – Utilização da Regra da Falsa Posição

Fonte: Atividade 25

A resolução com a matemática atual foi apresentada em 22 atividades, em que os alunos utilizaram a fórmula

da cotangente para calcular o seked, ou a inclinação da pirâmide, e fizeram uma proporção para transformar o resultado

de cúbitos para palmos, como foi estabelecido no problema.

O gráfico 01, mostra quantos alunos cumpriram cada proposição da atividade. Percebe-se que houve uma

grande diferença entre o número de alunos que entregaram a atividade e o número de alunos que fizeram a explicação

da Multiplicação e Divisão egípcia e da transformação em frações unitárias.

Gráfico 01 – Cumprimento das Proposições – Segunda Aplicação

Fonte: Alunos da turma 2015.2 do curso de Matemática da UECE. Elaborado pelo autor.

Finalizando a atividade, 16 trabalhos fizeram comparações entre a matemática egípcia e a matemática atual.

Muitos alunos relataram a diferença no cálculo de frações, em que os egípcios utilizavam as frações unitárias. Também

foi relatado as diferenças na forma de multiplicar e dividir e nas unidades de medida utilizadas.

Os alunos mencionaram que a solução do papiro e a solução que seria utilizada atualmente possuem o mesmo

resultado e que elas são similares em relação ao elemento a ser encontrado (o seked). Foi relatado que os egípcios já

possuíam noções dos conceitos trigonométricos, embora eles não utilizassem as fórmulas trigonométricas, e que eles

usavam a trigonometria no cotidiano, assim como o problema seria uma aplicação prática do conteúdo.

Além disso, também foi relatado que os egípcios não utilizavam sinal de adição ou um símbolo para o número

zero e não somavam inteiros com frações, fazendo uso das frações mistas. Chegando à conclusão de que a matemática

0

5

10

15

20

25

30

Page 238: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Estudando o conceito pirâmides a partir do problema 56 do Papiro de Rhind: um relato de...

230 Anais do XII SNHM -2017

atual é mais fácil, rápida, precisa e menos complexa e que ambas as soluções utilizariam desenhos para orientar os

cálculos realizados.

Desta forma, pode-se perceber que os alunos ainda possuem grande dificuldade em resolver questões sem o

auxílio das fórmulas prontas que são ensinadas nas escolas. Eles também apresentam dificuldades em explicar a forma

como os seus cálculos foram feitos, que também decorre do hábito de utilizar apenas as fórmulas prontas. Ressaltamos

que estes alunos são futuros professores de matemática e questionamos se estes não seriam conhecimentos necessários

para um professor da Educação Básica.

Analisando esta aplicação também pode-se perceber que os alunos afirmam que a matemática atual é mais

rápida e fácil que a egípcia, mas nenhum deles comentaram que os avanços que há na matemática atual são devidos

às descobertas e desenvolvimentos que a matemática antiga proporcionou e que a agilidade e facilidade disponíveis

para os cálculos atuais seguem de estudos feitos a partir da matemática da antiguidade.

Considerações finais

A História da Matemática pode proporcionar uma grande contribuição para o ensino, pois através dela o

aluno tem a oportunidade de estudar o conteúdo na forma em que ele foi desenvolvido, podendo visualizar as

dificuldades epistemológicas da criação daquele conceito. Isto possibilita que o aluno compare as suas dúvidas com

as questões que o matemático tinha na época de desenvolvimento deste conceito, que podem ser os mesmos

questionamentos presentes nas aulas dos dias atuais.

Assim, temos as fontes históricas como um meio de inserir a história nas aulas de Matemática, que objetivam

comprovar os desenvolvimentos matemáticos da sociedade antiga à que pertenciam. Desta forma, o aluno poderá

visualizar como a matemática era feita na época desta fonte e comparar com a forma atual apresentada pelo professor

em sala de aula.

A partir de uma aplicação do problema 56, concluímos que os estudantes ainda possuem dificuldades em

tratar da matemática em uma fonte histórica. Contudo, isto ocorre porque atualmente são utilizadas várias fórmulas

para resolver questões e estas já foram previamente provadas por matemáticos do passado, dispensando a necessidade

da explicação do seu uso em todas as questões que envolvem o conteúdo. Como na sociedade egípcia antiga ainda não

existiam estas fórmulas, os cálculos realizados nas questões necessitavam de provas ou explicações para seu uso,

acarretando nesta necessidade para os alunos que resolveram a atividade proposta.

Este ainda é um estudo inicial sobre o tema, realizado apenas com as perspectivas dos licenciando em

Matemática da UECE, a partir da atividade sobre o Papiro de Rhind. Contudo, nos questionamos sobre como instigar

nos alunos o cumprimento das explicações sobre a Multiplicação e Divisão egípcia e da transformação em frações

unitárias, já que estes números foram considerados baixos em relação à quantidade de atividades entregues. Assim,

em uma investigação mais detalhada, procuraremos entender quais os obstáculos que impediram estes alunos de

compreender o método antigo.

Nosso próximo passo será fazer um estudo mais aprofundado sobre as possibilidades do uso do Papiro de

Rhind como fonte histórica no Ensino de Matemática. A partir disto, estudaremos uma melhor forma de propor uma

aplicação desta atividade para os alunos da Educação Básica, em que investigaremos a validade do uso desta fonte

histórica com estudantes do Ensino Médio.

Bibliografia

MAOR, E. Trigonometric Delights. New Jersey: Princeton University press, 1998.

MARCONI, M. de A; LAKATOS, E. M. Fundamentos de metodologia científica. 7ª ed. São Paulo: Editora Atlas.

2010.

PEREIRA, Ana Carolina Costa et al. Sobre o uso de fontes na disciplina de História da Matemática: Problema 56 do

Papiro de Rhind. Revemat: Revista Eletrônica de Educação Matemática, Florianópolis, v. 10, n. 2, p. 243-257, jan.

2016. ISSN 1981-1322. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/revemat/article/view/41457>. Acesso

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SILVA, A. P. P. do N. A leitura de fontes antigas e a formação de um corpo interdisciplinar de conhecimentos:

Page 239: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Ana Carolina Costa Pereira & Isabelle Coelho da Silva

231 Anais do XII SNHM -2017

um exemplo a partir do Almagesto de Ptolomeu. 95 f. Dissertação (Mestrad - Curso de Mestrado em Ensino e Ciências

Naturais e Matemática, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2013. Disponível em:

<http://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/16105/1/AnaPPNS_DISSERT.pdf>. Acesso em: 10 jan 2016.

WEIL, A. História da Matemática: Por que e Como. Matemática Universitária. São Paulo, v. 13, p.17-30, jun. 1991.

XAVIER, E. da S. O uso das fontes históricas como ferramentas na produção de conhecimento histórico: a

canção como mediador. Antíteses, vol. 3, n. 6, jul.-dez. de 2010, pp. 1097-1112.

Ana Carolina Costa Pereira

Departamento de Licenciatura em Matemática –

UECE – campus Itaperi – Brasil

Isabelle Coelho da Silva

Departamento de Pós-Graduação em Ensino de

Ciências e Matemática – IFCE – campus Fortaleza –

Brasil

E-mail: [email protected];

[email protected]

Page 240: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

232 Anais do XII SNHM -2017

BUSCANDO IDEIAS GEOMÉTRICAS NA REVISTA AL-KARISMI (1946-1951): UM

LEVANTAMENTO HISTÓRICO NO DISCURSO DE MALBA TAHAN

Flávia de Fatima Santos Silva

Universidade Federal de Uberlândia – UFU – Brasil

Cristiane Coppe de Oliveira

Universidade Federal de Uberlândia – UFU – Brasil

Resumo

Este trabalho refere-se à primeira etapa do projeto de pesquisa de mestrado de uma das autoras e tem como objetivo

apresentar o levantamento acerca de ideias geométricas presentes na revista Al-Karismi (1946-1951), organizada por

Malba Tahan. A presente pesquisa, com abordagem qualitativa, sugere contribuições para o processo de ensino e

aprendizagem da geometria à luz da perspectiva de Malba Tahan (1895-1974) nos oito volumes das Revistas Al-

Karismi. Tal expectativa ganha caminhos a partir dos conteúdos geométricos que foram selecionados e que irão nortear

o futuro trabalho em sala de aula na segunda etapa da investigação. Pretende-se elaborar uma ação envolvendo o

Método Eclético Moderno sugerido pelo autor na obra Didática da Matemática. Este método, segundo Tahan (1961),

tem como elemento básico, fundamental o caderno de classe também chamado de “Caderno Dirigido”. O autor propõe

que, no primeiro dia de aula, o professor peça ao aluno para adquirir um caderno especial para os trabalhos de classe,

além do livro-texto adotado pela escola. Esse caderno será elaborado pelo aluno, mas sob o controle e orientação do

professor e deverá servir para algumas atividades didáticas. A partir do estudo desse método serão elaboradas

propostas para serem trabalhadas no processo de ensino e de aprendizagem da geometria no oitavo ano de ensino

fundamental II. O levantamento inicial dos dados da pesquisa mostrou que o discurso pedagógico de Júlio César de

Mello e Souza, propõe, dentre outros aspectos, que a matemática seja abordada considerando a cultura e o momento

histórico, apoiada na busca constante pelo desenvolvimento da autonomia dos alunos em construir ideias matemáticas.

Espera-se ao final da investigação que esse levantamento histórico contribua para o processo de ensino e de

aprendizagem em Matemática na Educação Básica, e que traga reflexões sobre a importância do caderno de classe,

mesmo em tempos em que a tecnologia avança em passos largos na prática docente.

Palavras-chave: Geometria, Malba Tahan, Revista Al-Karismi, Caderno Dirigido.

LOOKING FOR GEOMETRIC IDEAS IN THE AL-KARISMI MAGAZINE (1946-1951): A HISTORICAL

SURVEY IN MALBA TAHAN'S SPEECH

Abstract

This papper refers to the first stage of the master's research project of the one of author and aims to present a survey

of geometric ideas present in the Magazine Al-Karismi (1946-1951), organized by Malba Tahan. A presented research,

with a qualitative approach, suggests contributions to the teaching and learning process of Geometry in light of the

perspective of Malba Tahan (1895-1974) in the last eigth volumes of Al-Karismi Magazine. Such expectation gains

paths from geometric contents wich were selected and will guide the future work in the classroom in the second stage

of the investigation. It is intended to elaborate an action involving the Modern Eclectic method suggested by the author

in the Didactics of Mathematics. This method, according to Tahan (1961), has as fundamental element, the classbook

also called "Notebook Directed". The author proposes that, on the first day of class, the teacher asks the student to

acquire a special notebook for the class activities, besides the textbook adopted by the school. This booklet will be

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 241: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Flávia de Fatima Santos Silva & Cristiane Coppe de Oliveira

233 Anais do XII SNHM -2017

prepared by the student, but under the teacher's control and guidance, and should be used for some didactic activities.

From the study of this method, proposals will be elaborated so that they can be worked in the process of teaching and

learning the process of Geometry in the eighth year of elementary school. The initial survey of the research data

showed that the pedagogical discourse of Júlio César de Mello e Souza proposes, among other aspects, that

mathematics be approached considering the culture and the historical moment, supported by constant search for the

development of students' autonomy In constructing mathematical ideas. It is hoped at the end of the research that this

historical survey contributes to the process of teaching and learning in Mathematics in Basic Education, and that it

brings reflections on the importance of the class notebook, even in times when technology advances in strides teaching

practice.

Keywords: Geometry, Malba Tahan, Magazine Al-Karismi, Notebook Directed.

Malba Tahan e a revista Al-Karismi

No campo da Educação Matemática alguns pesquisadores defendem que os professores da disciplina utilizem

recursos metodológicos capazes de inovar as aulas, tendo como entendimento que podem dar subsídios para a

compreensão de um determinado assunto. No entanto, a maioria dos professores (ou futuros), não tem conhecimento

de que a História da Matemática pode ser uma ferramenta para a prática docente. Tal como aponta D´Ambrosio (2007,

p.80)

O grande desafio para a educação é pôr em prática o que vai servir para o amanhã. Pôr

em prática significa levar pressuposto teórico, isto é, um saber/fazer articulado ao longo

de tempos passados, ao presente. Os efeitos da prática de hoje vão se manifestar no

futuro. Se essa prática foi correta ou equivocada só será notado após o processo e servirá

como subsídio para uma reflexão sobre os pressupostos teóricos que ajudarão a rever,

reformular, aprimorar o saber/fazer que orienta essa prática.

(D’AMBROSIO, 2007, p. 80.)

Nesse sentido, nossa proposta teórico-metodológica será subsidiada pelo trabalho de Júlio César de Mello e

Souza de pseudônimo Malba Tahan que nasceu no Rio de Janeiro em 06 de maio de 1895 onde passou sua infância

da cidade de Queluz, às margens do rio Paraíba. No capítulo Júlio César & Malba Tahan: criador e criatura do livro

Malba Tahan e a revista Al-Karismi: diálogos e possibilidades, SALLES e NETO (2016, p.31) afirmam que,

quando Júlio Cesar de Mello e Souza cria o pseudônimo Malba Tahan, não pretendia

apenas criar um pseudônimo, mas uma mistificação literária, isto é, fazer com que ele

parecesse ser o nome de um escritor real, que tivesse realmente existido. Então, para que

pudesse inventar a biografia de Malba Tahan e para que seus contos árabes fossem

convincentes em termos de estilo, linguagem e ambientação, passou cinco anos

estudando a cultura e a língua árabes...e somente em 1924...seria a primeira vez que

Malba Tahan vinha ao público.

No período de 1946 a 1951, no Rio de Janeiro, sob a responsabilidade Malba Tahan, foram publicadas oito

edições da revista Al-Karismi, que trazia consigo uma proposta de discussão e reflexões à luz de conceitos

matemáticos. Como afirma COPPE-OLIVEIRA (2007, p.83),

Page 242: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Buscando ideias geométricas na revista Al-Karismi (1946-1951): um levantamento histórico ...

234 Anais do XII SNHM -2017

[...] a revista Al-Karismi, de Malba Tahan, traz em seu discurso a proposta de reflexão,

debates e discussões acerca do ensino e da aprendizagem em Matemática e de outras

tendências que surgem em meio a esse discurso.

A revista Al-Karismi foi concebida num contexto educacional diferente do atual e é possível estabelecer

algumas conexões entre o discurso pedagógico de Malba Tahan, ou seja, o discurso pedagógico do passado, com as

orientações e diretrizes curriculares do presente. COSTA, (2015, p. 47) aponta que

estudar como a História da Educação Matemática, em particular o discurso de Júlio

César de Mello e Souza e de seu autor-personagem Malba Tahan na Revista Al-Karismi

pode contribuir para o ensino e a aprendizagem da Matemática por alunos da Educação

Básica.

Pretendemos elaborar uma ação envolvendo o método Eclético Moderno sugerido por Tahan (1961), na obra

Didática da Matemática, que tem como elemento fundamental o caderno de classe também chamado de “Caderno

Dirigido”. Malba Tahan propõe que, no primeiro dia de aula, o professor peça ao aluno para adquirir um caderno

especial para os trabalhos de classe, além do livro-texto adotado pela escola. Ao longo da pesquisa, este caderno será

elaborado pelo aluno, mas sob o controle e orientação da professora-pesquisadora, e deverá servir para todas as

atividades didáticas. A partir do estudo desse método serão elaboradas propostas para serem trabalhadas no processo

de ensino e de aprendizagem da geometria no oitavo ano de ensino fundamental II. Tal proposta terá como fonte

primária os oito volumes da revista Al-Karismi (1946-1951) no que diz respeito aos conceitos geométricos

evidenciados na obra.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática (PCN) afirmam que aqueles que procuram um

facilitador de processos mentais encontrarão na geometria o que precisam, prestigiando o processo de construção do

conhecimento, pois a geometria valoriza o descobrir, o conjecturar e o experimentar desenvolvendo competências e

habilidades que estejam interligadas a outras áreas do conhecimento numa tarefa interdisciplinar.

Nesse sentido, a proposta didática de trabalhar com uma revista publicada há tanto tempo nos faz refletir

sobre como a mesma possa propiciar e oferecer um ambiente favorável ao processo de ensino e aprendizagem da

geometria. Possibilitar a percepção de diversas culturas, etnias e sociedades de um período e relacioná-las a abordagem

atual pode ser vista de forma expressiva ao educando. Consideram-se importantes as contribuições da revista e, diante

de tais referências, optou-se em fazer um levantamento/ensaio histórico quanto aos conceitos da geometria presentes

na qual faremos uma abordagem mais detalhada sobre os conceitos geométricos presentes nos oito volumes da Revista

Al-Karismi.

Sobre a revista Al-Karismi

Experiências na prática docente da primeira autora evidenciaram que a geometria poderia ser trabalhada de

forma que estimulasse a curiosidade e o saber geométrico do educando considerando sua cultura e o momento

histórico.

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Flávia de Fatima Santos Silva & Cristiane Coppe de Oliveira

235 Anais do XII SNHM -2017

Como dito anteriormente, uma das críticas de Malba Tahan aos programas era a forma indevida com a qual a geometria

era ensinada, e essa crítica pode ser melhor entendida nas palavras de TAHAN, (1961, p. 116),

Como conseguirá o professor ‘aguçar a inteligência’, despertar o interesse científico,

criar um clima de simpatia pelas belezas da Matemática, se persistir em arrastar o

educando unicamente pelo mundo nebuloso das abstrações sem finalidades?”

No capítulo A hermenêutica de profundidade como uma possibilidade de análise da revista Al-Karismi do

livro Malba Tahan e a revista Al-Karismi: diálogos e possibilidades, ANDRADE (2016, p.89), nos remete a algumas

reflexões quanto ao surgimento da revista, que teve origem devido à preocupação por parte de alguns membros da

comunidade matemática brasileira em criar revistas periódicas especializadas em matemática que possibilitassem as

publicações dos resultados das suas pesquisas com o público sempre voltado ao professor e aos estudantes. Isso foi

algo inédito para o período.

Um livro de tamanho médio, de fácil manipulação, não muito extenso (112 páginas), cuja

capa, sugere, aparentemente, o céu num início de anoitecer, num cenário árabe, (fazendo

referência à nacionalidade do personagem Malba Tahan) e apresenta símbolos

matemáticos (sinalizando que se trata de uma revista cujo conteúdo está voltado para a

matemática). Uma obra que o tempo tratou de envelhecer, mas a conservou em páginas

amareladas que registram um misto de textos direcionados para o ensino e a

aprendizagem da Matemática.

Nesse sentido, de acordo com o quadro 1, os oito volumes da revista podem ser apresentados e esse material,

apresenta de forma cronológica as publicações da Revista Al-Karismi como afirma COPPE-OLIVEIRA (2007, p.88),

QUADRO 1 – DADOS DE PUBLICAÇÃO DAS REVISTAS

Número da revista Ano de publicação Editora Mês

1 1946 Getúlio Costa Maio

2 1946 Getúlio Costa Julho

3 1946 Aurora Setembro

4 1946 Aurora Novembro

5 1947 Aurora Março

6 1947 Aurora Maio

7 1947 Aurora Julho

8 1951 Ao livro Técnico Outubro

Podemos encontrar justificativa sobre o que nos levou a escolha pela Revista Al-Karismi, além de todo

encantamento e percepção didática que o olhar de Malba Tahan traz para Matemática que nos remete ao trabalho de

COPPE-OLIVEIRA (2007, p.80), apontando a ausência de acervos nas bibliotecas nacionais e internacionais com

esse tema e mesmo com esforço intenso de grupos de pesquisa há ainda poucos periódicos vigentes.

O Método Eclético Moderno (com caderno dirigido) que abordaremos a seguir foi assim chamado por Malba

Page 244: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Buscando ideias geométricas na revista Al-Karismi (1946-1951): um levantamento histórico ...

236 Anais do XII SNHM -2017

Tahan por ter uma visão didática diferenciada das consideradas “tradicionais” e pelo fato do aluno ser o próprio autor

do conteúdo apresentado e pela escolha de elaboração de seu caderno, esta ação será promovida privilegiando a relação

dialógica entre o professor e o aluno.

Sobre o Método Eclético Moderno com Caderno Dirigido

Malba Tahan nos leva a refletir sobre um problema vigente na época e ainda tão presente que é – Para que

ensinar matemática? No primeiro volume do livro Didática da Matemática Malba Tahan apresenta alguns

procedimentos didáticos que visam à reflexão desse questionamento. Nossa proposta é a de trabalhar apenas com O

Método Eclético Moderno com Caderno Dirigido que podemos compreender melhor de acordo com COPPE-

OLIVEIRA (2001, p.75),

No Método Moderno, o elemento básico, fundamental, é o Caderno de Classe, também

chamado Caderno Dirigido. No primeiro dia de aula, o professor recomenda que cada

aluno (além do livro-texto) adquira um caderno especial para os trabalhos de classe.

Esse caderno será elaborado pelo aluno, mas sob o controle e orientação do professor,

e deverá servir para todas as atividades didáticas.

Segundo a autora, Malba Tahan (1961, p.124-130), apresenta as seguintes vantagens do Método Eclético

Moderno com Caderno Dirigido:

1) “Facilita a motivação, a orientação e a fixação da aprendizagem.

2) Exerce ação educativa sobre os alunos.

3) Permite ao professor acompanhar, durante o curso, com a maior facilidade, os

progressos do educando.

4) Não exige acréscimo de tempo.

5) É aplicável, com eficiência, em todas as séries do 1º e 2º ciclos.

6) Estabelece e consolida laços de amizade entre o aluno e o professor.

7) Prestigia e nobilita o ensino da Matemática.

8) Não afasta o aluno do livro-texto.

9) Estimula a iniciativa e a originalidade.

10) Permite ao professor pôr em relevo (com maior frequência) as relações entre

matemática e as outras matérias.

11) Contem fortes elementos de incentivo (concursos, jogos, autocrítica, etc).

12) Permite ao diretor (ou inspetor) controlar, com maior segurança atividade do

professor, isto é, a matéria dada, os exercícios, os jogos, as provas mensais,

etc).

13) Encoraja as atividades de ensino.

14) Permite ao professor dar mais objetividade ao ensino da matemática.”

O caderno deverá ser elaborado pelo aluno e conter anotações pessoais, relatos de experiências, registro das

aulas e atividades, propostas de atividades, diferentes cores e ilustrações além dos apontamentos constantes

direcionados pela professora. Encerraremos o trabalho com o caderno dirigido com uma autocrítica e sugestão/crítica

direcionada à professora.

Ideias geométricas em Al-Karismi

Intencionamos utilizar o método Eclético Moderno – também conhecido como “Caderno Dirigido” – de

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Flávia de Fatima Santos Silva & Cristiane Coppe de Oliveira

237 Anais do XII SNHM -2017

Malba Tahan, tal como mencionamos anteriormente, por acreditarmos que esse método favoreça o processo de ensino

e de aprendizagem da geometria e que por meio dessa abordagem haja a possibilidade de um relação professora-

aluno(a) mais afetivo por haver espaço para o diálogo e reflexão de ambos.

Para que o levantamento geométrico dos oito volumes da revista Al-Karismi pudesse acontecer em pouco

mais de um semestre tivemos algumas contribuições relevantes de colaboradores que se pré-dispuseram a nos auxiliar.

O primeiro levantamento foi feito por intermédio do Núcleo de Pesquisa e Estudos em Educação Matemática- NUPEm

da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), que disponibilizou os volumes 1 e 2 da revista Al-Karismi. O professor.

Ms. Walter José Rodrigues de Moraes, de Brasília, que dispõe de acervo pessoal, possibilitou a consulta dos volumes

3 ao 7. A professora Ms. Rosana Prado Biani, de Campinas, intermediou o acesso ao Centro de Memória da Unicamp

(CMU) com a responsável pelo Arquivo Fotográfico do CMU, Cássia Denise Gonçalves, que nos disponibilizou o

volume 8 da revista.

Partindo dessas contribuições e com o auxílio desses colaboradores e grupo de pesquisa, foi possível catalogar

todo conteúdo referente à geometria presente nos oito volumes da revista como estão disponíveis nos quadros a seguir:

QUADRO 2 – CONCEITOS GEOMÉTRICOS PRESENTES NA REVISTA DE VOLUME 1

Exemplar da Al-Karismi Título do artigo referente à geometria

Volume 1 O conteúdo de Itaocara

Volume 1 A sombra e a hora

Volume 1 A geometria e o amor

Volume 1 A trissecção do ângulo

Volume 1 O salto de Vera

Volume 1 Sofisma Geométrico

Volume 1 O aluno morto e a geometria à

QUADRO 3 – CONCEITOS GEOMÉTRICOS PRESENTES NA REVISTA DE VOLUME 2

Revista Al-Karismi Título do artigo referente à geometria

Volume 2 As sete lâmpadas da capela pitágoras

Volume 2 Pontos cêntricos no triângulo

Volume 2 O poeta e o geômetra

QUADRO 4 – CONCEITOS GEOMÉTRICOS PRESENTES NA REVISTA DE VOLUME 3

Revista Al-Karismi Título do artigo referente à geometria

Volume 3 Um fio e uma formiga no equador

Volume 3 A geometria e a mecânica

Volume 3 Os pitagóricos

Volume 3 Medidas de posição: A mediana

Volume 3 Retificação angular da circunferência

QUADRO 5 – CONCEITOS GEOMÉTRICOS PRESENTES NA REVISTA DE VOLUME 4

Revista Al-Karismi Título do artigo referente à geometria

Volume 4 O trapézio de sua história

Page 246: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Buscando ideias geométricas na revista Al-Karismi (1946-1951): um levantamento histórico ...

238 Anais do XII SNHM -2017

Volume 4 E assim nasceu a geometria

Volume 4 A lei angular de Tales e o postulado de Euclides

Volume 4 O elogio da geometria

QUADRO 6 – CONCEITOS GEOMÉTRICOS PRESENTES NA REVISTA DE VOLUME 5

Revista Al-Karismi Título do artigo referente à geometria

Volume 5 O espaço

Volume 5 Generalidades sobre a superfície

QUADRO 7 – CONCEITOS GEOMÉTRICOS PRESENTES NA REVISTA DE VOLUME 6

Revista Al-Karismi Título do artigo referente à geometria

Volume 6 Os vastos domínios da geometria

Volume 6 Algumas linhas sobre a linha

Volume 6 A topologia entre as geometrias

Volume 6 Uma nota sobre o losango

QUADRO 8 – CONCEITOS GEOMÉTRICOS PRESENTES NA REVISTA DE VOLUME 7

Revista Al-Karismi Título do artigo referente à geometria

Volume 7 O euclidanismo nos polígonos regulares

Volume 7 Ainda a quadratura do círculo

Volume 7 Geometria da terra

Volume 7 Uma nota sobre o losango

QUADRO 9 – CONCEITOS GEOMÉTRICOS PRESENTES NA REVISTA DE VOLUME 8

Revista Al-Karismi Título do artigo referente à geometria

Volume 8 A geira

Volume 8 Espaço - Tempo

Podemos ver que a investigação do acervo bibliográfico das revistas Al-Karismi , no que se refere aos

conceitos geométricos, poderá possibilitar/subsidiar as propostas de atividades que serão realizadas com os alunos em

seus cadernos dirigidos. Malba Tahan fazia uma rígida crítica sobre a forma como a matemática era ensinada e a partir

desse levantamento pode-se perceber quão diferenciado foi seu olhar no que diz respeito ao ensino e aprendizagem da

matemática.

O discurso de Malba Tahan apontava para algumas atuais tendências em Educação Matemática, tal como

afirma SALLES e NETO (2016, p.45)

Júlio Cesar de Mello e Souza é considerado um dos pioneiros da etnomatemática no

Brasil. Essa área do conhecimento surgiu ... como uma resposta à necessidade de um

entendimento da matemática em diferentes contextos, povos e culturas... seu legado

agrega também os saberes do homem comum alargando a visão de matemática e de

ciência, e evitando... dicotomias de cunho muitas vezes preconceituoso e etnocêntrico,

que limitam a visão de conhecimento.

Page 247: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Flávia de Fatima Santos Silva & Cristiane Coppe de Oliveira

239 Anais do XII SNHM -2017

Um caminho a percorrer...

A inquietação sobre como a geometria vem sendo utilizada na atual prática docente foi o ponto de partida

dessa pesquisa. Acredita-se que a abordagem interdisciplinar que segue a perspectiva histórica embasada no discurso

tahaniano poderá sugerir contribuições ao processo de ensino e de aprendizagem da geometria. Acreditamos que as

propostas geométricas presentes nos oitos volumes da revista Al-Karismi e O Método Eclético Moderno com Caderno

Dirigido possam subsidiar argumentos suficientes sobre a sua relevância e aplicação na sala de aula.

Seguindo essa perspectiva, pretende-se - nas próximas etapas da pesquisa - apresentar um levantamento

histórico que visa incitar o diálogo passado-presente, entre as propostas do Método Eclético Moderno com Caderno

Dirigido relacionadas aos conceitos geométricos presentes nos oito volumes da revista Al-Karismi, utilizando como

recurso didático da/na Educação Matemática à luz do discurso pedagógico de Malba Tahan e as atuais diretrizes para

o ensino da geometria na educação básica.

Temos respaldo sobre a relevância desse tipo de pesquisa com o contexto sócio Histórico em D’AMBRÓSIO,

(2007, p. 29) “conhecer, historicamente, pontos altos da Matemática de ontem poderá, na melhor das hipóteses,

e de fato faz isso, orientar no aprendizado e no desenvolvimento da Matemática de hoje”.

O olhar da Matemática sobre esse movimento passado-presente sugere possibilitar ao educando enxergar o

conhecimento matemático como criação humana mostrando necessidades e preocupações de diferentes culturas, em

diferentes momentos históricos sendo capaz de estabelecer comparações entre os conceitos e processos matemáticos

do passado com o momento atual e assim intencionamos caminhar em nossa prática docente.

Bibliografia

COSTA, L. S. Malba Tahan e a revista AL-KARISMI: Diálogos e possibilidades interdisciplinares com a História da

Educação Matemática no Ensino Fundamental, 2015. Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e

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Page 248: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Buscando ideias geométricas na revista Al-Karismi (1946-1951): um levantamento histórico ...

240 Anais do XII SNHM -2017

Flávia de Fatima Santos Silva

Mestranda em Ensino de Ciências e Matemática – PPGECM/UFU – Universidade

Federal de Uberlândia - Brasil

E-mail: [email protected]

Cristiane Coppe de Oliveira

Docente – FACIP/UFU – Universidade Federal de Uberlândia - Brasil

FEUSP – Universidade de São Paulo - Brasil

E-mail: [email protected]

Page 249: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

241 Anais do XII SNHM -2017

A HISTÓRIA DAS MATRIZES AOS TEMPOS DE SUA CRIAÇÃO COMO ESTRUTURAS

ALGÉBRICAS

Késia Caroline Ramires Neves

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS - Brasil

Resumo

Apresentamos, neste trabalho, a história de um dos mais recentes conteúdos matemáticos incorporados ao nosso

Ensino Médio, o conteúdo das matrizes. Voltando aos tempos de sua criação e primeiras divulgações, busca-se

compreender a dinâmica do processo de constituição histórica das matrizes iniciado por James Joseph Sylvester e

Arthur Cayley, esperando, com isso, uma compreensão mais aprofundada sobre a Teoria Matricial e como essa pôde

ajudar na evolução da Matemática, principalmente no que tange às estruturas algébricas. Dessa forma, nosso propósito

é o de relatar por meio de uma revisão bibliográfica quais foram os caminhos traçados pelas matrizes durante os anos

de 1850 a 1930, quando essa se transforma de simples tabela, ou imagens, ou quadros de coeficientes bem organizados,

a uma importante estrutura algébrica. Para isso, recorremos aos trabalhos de Frédéric Brechenmacher (2006), ao livro

de Carl Benjamin Boyer (1999) e ao de Howard Eves (2004), ao trabalho de John J. O'Connor e Edmund F. Robertson

(1996), ao de Simone Luccas (2004) e ao de Nicholas J. Higham (2008). Para obtermos esses materiais, priorizamos

as palavras-chaves: matriz e matemática e história, matrizes e matemática e história, álgebra matricial e história, e as

traduções dessas palavras em inglês, francês e espanhol, entre o período de 2006 até 2016. Os bancos de dados

consultados foram: Banco de Teses e Dissertações da CAPES, Scielo e Google Acadêmico. O resultado dessa pesquisa

fez parte de nossa dissertação de mestrado, que ampliada com a revisão bibliográfica até os dias de hoje, conferiu ao

nosso estudo uma atualidade da pesquisa. Verificamos que entre o período de 2006 a 2016, tiveram poucas publicações

brasileiras sobre a trajetória inicial do conceito de matrizes. Então, este trabalho traz resultados ainda atuais e mostra

um pouco mais sobre a importância de se pesquisar os conteúdos hoje ensinados nas escolas e academias.

Palavras-chave: Matemática, História, Matrizes.

[The history of Matrices to the times of its creation as algebraic structures]

Abstract

We present in this work, the history of one of the most recent mathematical contents incorporated to our High School,

the content of the matrices. Going back to the times of its creation and first disclosures, it is seeking to understand the

dynamics of the process of historical constitution of the matrices initiated by James Joseph Sylvester and Arthur

Cayley, hoping with this a deepened comprehension about the Matrix Theory and how this one was able to help in the

evolution of the Mathematics, mainly with regard to algebraic structures. That way our purpose is to report by means

of a bibliographical which was the traveled paths by the matrices during the years of 1850 to 1930, when it becomes

a simple table or images or well organized coefficients charts into an important algebraic structure. For this we recurred

the work of Frédéric Brechenmacher (2006), to the book of Carl Benjamin Boyer (1999) and to the Howard Eves’

(2004), to the work of John J. O'Connor and Edmund F. Robertson (1996), to the Simone Luccas (2004) and to the

Nicholas J. Higham (2008). To attain these materials we prioritize the keywords: matrix and mathematics and history,

matrices and mathematics and history, matrix algebra and history, and the translations of these words in English,

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 250: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Késia Caroline Ramires Neves

242 Anais do XII SNHM -2017

French and Spanish between the period of 2006 and 2016. The databases consulted were: bank of Thesis and

Dissertations of CAPES, Scielo and Google Academic. This research result was part of our master's thesis, that

expanded with the bibliographical revision untill the present day, conferred to our study a current research. We verified

that between the period from 2006 to 2016, there were few Brazilian publications about the initial trajectory of the

matrix concept. So, this work brings results still current and shows a little more about the importance of researching

the contents taught today in schools and academies.

Keywords: Mathematics, History, Matrices.

Introdução

Em tempos de uma reorganização curricular que se propõe aos estudantes brasileiros1, é imprescindível uma reflexão

sobre a história dos conteúdos que ainda ocupam espaços privilegiados no âmbito do ensino. Se por um lado há

relevância de aplicações desses conteúdos ao mundo atual, conhecer sua história pode ajudar-nos a compreender

porque vieram a fazer parte da estrutura curricular de ensino e porque assim permaneceram.

Dentre os conteúdos que poderíamos levantar certa reflexão, elegemos as matrizes. Sim, as matrizes são,

atualmente, importantíssimas para uma linguagem computacional, mas foram mais importantes ainda para a evolução

da Matemática que conhecemos hoje. Por meio das matrizes foi possível uma simplificação de estruturas complexas

da Álgebra Moderna e Álgebra Linear, o que permitiu um avanço considerável para a área das exatas.

Nesse contexto, é válido reconhecer a importância da teoria matricial para a era computacional, mas não

podemos nos esquecer de sua contribuição à inovação das estruturas algébricas. Particularizaremos, neste trabalho,

justamente essa contribuição. Para isso, vamos relatar alguns passos de sua história até o momento em que elas se

solidificam como estruturas algébricas (década de 1930).

A busca por trabalhos que trataram de discutir ou descrever essa história nos levou aos estudos de Frédéric

Brechenmacher (2006), “Les matrices: formes de représentation et pratiques opératoires (1850-1930)”2, ao livro de

Carl Benjamin Boyer (1999) e ao de Howard Eves (2004), ao trabalho de John J. O'Connor e Edmund F. Robertson

(1996), ao de Simone Luccas (2004) e ao de Nicholas J. Higham (2008).

Para essa busca, priorizamos as palavras-chaves: matriz e matemática e história, matrizes e matemática e

história, álgebra matricial e história, e as traduções dessas palavras em inglês, francês e espanhol, entre o período de

2006 até 2016. Os bancos de dados consultados foram: Banco de Teses e Dissertações da CAPES, Scielo e Google

Acadêmico.

O resultado desse levantamento fez parte de nossa dissertação de mestrado, que ampliada com a revisão

bibliográfica até os dias de hoje3, confere ao nosso estudo uma atualidade da pesquisa. Verificamos que entre o período

de 2006 a 2016, tiveram poucas publicações brasileiras sobre a trajetória inicial do conceito de matrizes. Assim, vamos

trazer à tona nossos resultados ainda atuais da dissertação e mostrar um pouco mais sobre essa história.

Um panorama preliminar da estrutura matricial

Não é surpresa que a noção de matrizes, como tabelas, é proveniente do estudo de determinantes e de sistemas de

equações lineares. Já na época dos babilônios estudavam-se os problemas que conduziam às equações lineares

simultâneas que deram origem à forma organizada de tabelas que registravam os dados dessas equações.

Os exemplares desses estudos foram preservados em tabuletas de argila que resistem até hoje, alguns datados

1 Aqui, estamos nos referindo à discussão da Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (2016). 2 O artigo de Brechenmacher traz no corpo do texto recortes das obras originais de Cayley e Sylvester, considerados os “pais” da Teoria das

Matrizes. 3 Outros materiais foram descartados porque citavam os mesmos autores que elegemos para construção do nosso trabalho. Logo, utilizamos as fontes primárias ao invés das secundárias.

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A HISTÓRIA DAS MATRIZES AOS TEMPOS DE SUA CRIAÇÃO COMO ESTRUTURAS ALGÉBRICAS

243 Anais do XII SNHM -2017

de 300 a.C..

No capítulo VIII do livro de matemática de maior influência na China, Chui-Chang Suan-Shu ou Nove

capítulos sobre a arte matemática, escrito durante a dinastia Han e datado de aproximadamente 200 anos antes de

Cristo, também temos um interessante exemplar que mostra como os chineses se aproximaram da ideia de matrizes,

mais ainda que os babilônicos. Os chineses, além de redigirem problemas mediante o registro escrito de sistemas de

equações lineares, compunham tabelas que designavam "tábua de contar", ou seja, organizavam os coeficientes do

sistema de equações na forma de linhas e colunas (LUCCAS, 2004, p.42).

Um desses problemas chineses está ilustrado em Eves (1997):

Três feixes de uma colheita de boa qualidade, dois feixes de uma de qualidade regular e

um feixe de uma de má qualidade são vendidos por 39 dou. Dois feixes de boa, três de

regular e um de má qualidade são vendidos por 34 dou. Um feixe de boa, dois de regular

e três de má são vendidos por 26 dou. Qual o preço do feixe para cada uma das

qualidades? (EVES, 1997, p.268).

A tabela que se ajustava ao dado problema era:

O próximo registro evidenciado por O'Connor e Robertson (1996) data de 1683. É um registro do matemático

japonês Takakazu Seki Kowa (1642-1708), que escreveu como resolver problemas utilizando-se de tabelas,

exatamente como os chineses o fizeram ao organizar seus dados por meio de linhas e colunas.

Tempos depois, Gauss (1801) organizou os coeficientes de formas quadráticas colocando-os em uma

disposição retangular. Com essa organização, ele realizou a multiplicação de matrizes (que ele pensava como

composição, já que não havia chegado ao conceito de álgebra matricial como temos hoje) e também a inversa de uma

matriz no contexto particular das disposições retangulares dos coeficientes das formas quadráticas. (O’CONNOR,

ROBERTSON, 1996; BOYER, 1974).

Não obstante, essa organização de coeficientes das formas quadráticas e de problemas de sistemas de

equações lineares ainda não tinha se aproximado da teoria das matrizes como a conhecemos atualmente. Foram

necessários os estudos com os determinantes para que essa organização se estruturasse melhor, se tornasse mais

consistente e evoluísse para uma teoria matricial.

Trabalhos com transformações lineares também colaboraram para a construção do conceito das matrizes.

Apareceram nos anos 1850 com Leopold Kronecker (1823-1891) e em 1860 com Karl Theodor Wilhelm Weierstrass

(1815-1897). Esses dois previram que do estudo com transformações lineares se chegaria a uma tabela bem

estruturada, assim como a teoria das matrizes se mostra hoje.

Mas somente em 1841 que dois fatos importantes contribuíram para a ideia e a notação matricial. O primeiro

foi a maneira algorítmica com que foram apresentados os determinantes nos três tratados publicados por Jacobi. Neles,

as entradas não eram especificadas como numéricas ou funcionais, elas poderiam ser qualquer um dos dois conceitos.

O segundo fato importante foi a publicação de Cayley em que determinara dois riscos verticais para delimitar o

determinante (O’CONNOR, ROBERTSON, 1996, p.5). Essa notação por meio dos riscos verticais seria designada

também às matrizes.

Segundo O'Connor e Robertson (1996, p.6), esses trabalhos de 1841 apresentavam uma importante diferença

no tratamento das matrizes. Antes disso elas eram consideradas como tabelas numéricas associadas a coeficientes de

sistemas lineares; eram estáticas. Com os trabalhos de 1841 elas foram pensadas como um novo conceito, dessa vez

dinâmico, associado ao movimento, regido por transformações lineares.

Em 1844, com Ferdinand Gotthold Max Eisentein (1823-1852), as matrizes foram tratadas pela primeira vez

com o uso de letras. Suas operações foram consideradas como as resultantes de regras operatórias usuais sobre essas

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Késia Caroline Ramires Neves

244 Anais do XII SNHM -2017

letras, com exceção da lei da comutatividade (O'CONNOR, ROBERTSON, 1996, p.6).

A importância desse fato esteve na abstração do tratamento de matrizes e determinantes. Se antes disso a

contextualização era tão importante a ponto de impedir a compreensão da tabela numérica como objeto matemático e

não um conjunto de números agrupados devido ao contexto, depois de Eisenstein os matemáticos poderiam perceber

o elemento matriz como um só objeto matemático, passando a estudá-lo como tal.

Adiante, evidenciaremos como esses trabalhos realizados com tabelas foram se aprimorando por meios dos

estudos de Sylvester e Cayley e chegaram ao objeto matemático revolucionário das estruturas algébricas: as matrizes.

Sylvester, Cayley e as matrizes

As Matrizes apareceram no trabalho de Sylvester no âmbito de seus estudos geométricos. Entre 1850 e 1851

ele publicou quatro memórias consagradas ao problema das interseções entre cônicas e quádricas. No entanto, as

matrizes ainda eram consideradas certos "quadros" e apareciam como resultados secundários. Somente mais tarde

tornaram-se o principal objeto de pesquisa de Sylvester e foram chamadas de matriz (BRECHENMACHER, 2006, p.

10).

A caracterização das interseções de cônicas já tinha sido tratada por Plücker em 1828. Porém, a originalidade

do trabalho de Sylvester residia, sobretudo, no recurso ao cálculo das causas determinantes em oposição ao método

analítico desenvolvido pelos cientistas franceses da Escola Politécnica, como Hachette (1802), Cauchy (1826) e Biot

(1826). Para Sylvester, o método analítico tradicional não permitia considerar equações "arbitrárias", ao contrário do

caráter intrínseco do cálculo de causas determinantes que era mais flexível a isso (BRECHENMACHER, 2006, p.10).

A fim de caracterizar os cinco tipos de interseção, Sylvester comparou as decomposições algébricas

polinomiais |U+λV| – onde U e V eram as matrizes das formas quadráticas associadas a duas cônicas, respectivamente,

e λ era uma variável qualquer –, com as decomposições do determinante |U+λV| através de "Menores" – matrizes

menores obtidas da eliminação de uma linha i e de uma coluna j pertencentes a uma dada matriz original – extraídos

de uma matriz (BRECHENMACHER, 2006, p.11). Este problema consistia basicamente em relacionar as interseções

de duas cônicas U e V com a multiplicidade das raízes da equação |U+λV| = 0.

Já a segunda memória de Sylvester, On the relations between the minor determinants of linearly equivalent

quadratic functions (1851b), é consagrada ao enunciado das propriedades dos Menores como invariantes de

transformações lineares. Neste contexto, foi definida explicitamente a noção de "matriz" como mãe dos menores de

uma causa determinante (HIGHAM, 2008; BRECHENMACHER, 2006). Neste trabalho, Sylvester observou como

uma boa notação matemática poderia transformar alguns conceitos em novos objetos matemáticos para serem

estudados.

Então, resumidamente, os estudos de Sylvester estiveram associados aos métodos de cálculo de "Matrizes

Menores" extraídas de uma dada matriz, o que facilitaria os cálculos de determinantes. Mais particularmente, seus

estudos envolveram uma prática específica que articula extrações de Menores a uma decomposição polinomial,

resolvendo o problema colocado pela ocorrência de raízes características múltiplas no processo de interseção de duas

cônicas.

A tarefa de catalogar todos os sistemas de Menores extraídos para o cálculo de determinantes suscitou, em

1855, o interesse de Cayley para a noção de matriz, o que fez com que ele publicasse três artigos sucessivos, todos em

1855.

Neste mesmo ano, Cayley adotou pela primeira vez a noção de matriz como uma "notação cômoda" (tanto

para Sylvester quanto para Cayley esta era a visão que tinham de matrizes) para representar a teoria das equações

lineares e as formas quadráticas, ou seja, Cayley notou a possibilidade de empregar a notação matricial para representar

as funções lineares que intervêm na teoria das aplicações homográficas. Consequentemente, empregar as matrizes

dessa forma, forneceu elementos para que mais tarde Cayley enunciasse o teorema que apresentaria um método para

o cálculo das funções lineares (BRECHENMACHER, 2006, p.17,18).

Em seguida, em um trabalho de 1858 intitulado Uma memória sobre a teoria das matrizes, Cayley deu um

passo para a evolução da noção de matriz. A partir desse momento, uma matriz não seria mais uma simples "notação

cômoda", elas se tornariam objeto de uma teoria, o que acarretaria uma nova visão sobre inúmeras pesquisas na

matemática.

Esse avanço da teoria das matrizes também resultou dos estudos de Cayley sobre seu considerável Teorema

Notável, o qual fomentou várias pesquisas naquela época (BRECHENMACHER, p. 17).

Depois da Memória de Cayley e da repercussão do Teorema Notável, seus trabalhos foram citados e

comentados pelos muitos matemáticos que trabalhavam no fim do século XIX.

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A HISTÓRIA DAS MATRIZES AOS TEMPOS DE SUA CRIAÇÃO COMO ESTRUTURAS ALGÉBRICAS

245 Anais do XII SNHM -2017

Além disso, segundo Boyer (1999), a Memória de Cayley de 1858 foi importante para o estudo das

transformações lineares, pois mostrou que ao se inverter a ordem das transformações, obter-se-ia o seguinte resultado:

.

e

,

que além de mostrar a não-comutatividade da multiplicação de matrizes, também mostrava a simplicidade de

se escrever as transformações lineares por meio da linguagem matricial.

De acordo com Boyer (1999), Cayley definiu não somente a multiplicação entre matrizes, mas também a

adição entre matrizes, a multiplicação entre um escalar e uma matriz e determinou que característica teria a matriz

identidade e a matriz nula. Então, depois disso, o trabalho de Cayley (Uma memória sobre a teoria das matrizes, de

1890, o qual apresentava as "leis" de operações sobre as matrizes) foi considerado como um dos primeiros trabalhos

originais da teoria das álgebras associativas.

Com esse avanço, a teoria das matrizes permitiu que se explorasse propriedades de métodos simbólicos e que

se definisse leis operacionais que dão à matriz, mãe de menores de Sylvester, um comportamento similar ao das

quantidades algébricas comuns.

Sendo assim, Cayley foi uma peça essencial tanto no desenvolvimento de métodos simbólicos como também

construindo teorias. Todo este avanço, decorrido no período de 1855 a 1858, veio caracterizar a matriz não mais como

a mãe dos menores do determinante, mas pelas leis de um cálculo simbólico e pelo resultado do Teorema Notável.

Do período de 1858 a 1890, segundo Brechenmacher (2006), a teoria das matrizes introduzida por Cayley,

estagnou-se, sendo citada somente mais tarde quando foi novamente estudada.

Mas embora tenha havido esse período de 32 anos (1858-1890) de estagnação da pesquisa de Cayley, entre

1882 a 18854 Sylvester fez uma releitura de seus próprios trabalhos de 1851 e releituras também dos trabalhos de

Cayley, e chegou a resultados promissores. Isso quer dizer que não tivemos publicações desses matemáticos por

durante 32 anos, mas seus estudos não ficaram inertes.

As matrizes se consolidam como estruturas algébricas

Após um texto de Cayley de 1858, o qual estudara sobre a generalização de funções racionais às expressões simbólicas,

as matrizes tornaram-se um elemento básico na arquitetura do saber algébrico. Esse estatuto dados a elas dentro da

álgebra linear lhes concedeu uma identidade forte e, ao mesmo tempo, esmagou a pluralidade de sua história

(BRECHENMACHER, 2006, p.3). James Joseph Sylvester, Arthur Cayley e outros matemáticos seriam apenas

personagens ocultos em função de uma teoria que responderia por si própria, uma teoria que, consolidada, encobriria

sua própria trajetória histórica.

Segundo H.W. Turnbull e A.C. Aitken (1932 apud BRECHENMACHER, 2006, p.2), em seu tratado An

Introduction to the Theory of Canonical Matrices, de 1932, a novidade da teoria das matrizes canônicas estava na

utilização das propriedades do "idioma matricial" em oposição a uma teoria clássica (das formas bilineares).

De acordo com Turnbull e Aitken (1932), o recurso à notação matricial marcava uma ruptura em relação a

uma prática tradicional dos tratados de álgebra das gerações precedentes. Dois argumentos foram desenvolvidos para

justificar essa evolução:

primeiro, a notação matricial era apresentada como eficaz porque permitia enunciar "teoremas gerais" em

pequeno espaço (lugar);

4 No período de 1882 a 1885, Sylvester, após reler a memória de Cayley (1858) e rever seus próprios estudos de 1851, melhorou seus resultados

sobre como escrever as "funções potências e raízes da substituição linear, associada como uma função numérica das raízes da equação det(ϕ– ) =

0". (BRECHENMACHER, 2006, p.24)

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Késia Caroline Ramires Neves

246 Anais do XII SNHM -2017

em segundo lugar, pelo entendimento de todos os autores dos anos 1920-1930, inclusive o de Turnbull e Aitken,

a linguagem matricial se apresentava como uma estrutura "simples", com valores pedagógicos inquestionáveis

(1932 apud BRECHENMACHER, 2006, p.4).

Na introdução do seu tratado sobre a Teoria dos Grupos, publicado em 1916, Blichfeldt incentivava o estudo

das matrizes por mostrar vantagens com relação à imagem mental da forma matricial em oposição à representação

linear das formas bilineares. Contudo, no início do século XX, os partidários da representação matricial na forma de

quadros, como Autonne e Châtelet (da França) e Cullis (da Grã-Bretanha), ainda eram raros. Essa ideia de que a

representação matricial permitiria assimilar mais simplesmente "teoremas gerais" ainda seria assunto para numerosos

tratados de álgebra publicados posteriormente (BRECHENMACHER, 2006).

A ideia inicial era a de reduzir as matrizes às suas formas mais simples ou formas canônicas, ou seja, elaborar

práticas de transformações, de reduções das formas, normalizadas por um critério de "simplicidade"

(BRECHENMACHER, 2006, p.5). Assim, Turnbull e Aitken introduziram um novo termo que evidenciaria o aspecto

de "simplicidade" da linguagem matricial, o termo de Submatrizes.

Matrizes divididas em Submatrizes.

É conveniente estender o uso das leis fundamentais da combinação para

matrizes, ao passo de considerar a construção de uma matriz baseada não em elementos,

mas como a junção de submatrizes, ou matrizes menores dos elementos. Como exemplo,

a matriz

pode ser escrita

onde

(TURNBULL, AIKEN, 1932, p.5, 6 apud BRECHENMACHER, 2006, p. 6)

Conforme descreve Brechenmacher (2006), a eficácia de uma prática algébrica que recorre às formas, ou

imagens – que Picard designava ainda em 1910 como "desenhos" –, fora tão grande que, nos anos 1930, essas formas

invadiram os textos matemáticos.

Nos anos 1920-1930, por exemplo, os métodos operacionais desenvolvidos sobre a representação matricial

foram objeto de comunicações nos congressos e de publicações em todas as línguas. Isso fez com que a teoria das

Matrizes se tornasse uma teoria internacional, que participaria da reorganização do saber algébrico efetuada nessa

época com a elaboração da álgebra linear (BRECHENMACHER, 2006, p.7).

A representação matricial teve um impacto surpreendente no início do século XX, isso porque ela se destacou

numa época de estruturas baseadas em novas noções frequentemente qualificadas de abstratas e unificadoras, como

os Grupos, os Módulos e os Vetores. No entanto, o caráter unificador da teoria das matrizes nos anos 30 foi fundado

sobre práticas operacionais que, longe a ser abstraídas, foram associadas a uma forma de representação por imagens.

Por esta razão, o problema da história dos métodos matriciais frequentemente passou despercebido de

trabalhos históricos focalizados sobre as noções abstratas e estruturais da álgebra linear. A representação matricial, de

resto, frequentemente foi utilizada nos discursos históricos como uma representação inofensiva, natural, privada de

história, mudando esse status somente quando se tornaram realmente novas estruturas algébricas.

Conclusão

Avistamos, com esse breve levantamento da constituição histórica das matrizes, que essas foram se

desenvolvendo a partir da simplificação que propiciaram ao estudo dos determinantes, transformações lineares,

sistemas de equações lineares, na contribuição ao estudo da interseção entre cônicas e quádricas. Passaram de simples

imagens (que organizavam coeficientes em quadros retangulares) e tabelas a um objeto matemático da Teoria

Matricial.

Devido ao nosso limite textual, não pudemos detalhar cada parte desse desenvolvimento histórico, mas

priorizamos a parte central em que as matrizes se tornam uma estrutura algébrica que revolucionou a Matemática e

sua história.

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A HISTÓRIA DAS MATRIZES AOS TEMPOS DE SUA CRIAÇÃO COMO ESTRUTURAS ALGÉBRICAS

247 Anais do XII SNHM -2017

Dessa forma, cabe ressaltar que os conceitos matemáticos não são verdades absolutas e incontestes, que

descobrimos prontos (assim como são hoje), sem ter sua importância histórica. Esses conceitos têm sua trajetória, que

colabora com a trajetória de outros conceitos, que permite a evolução das nossas ciências.

Portanto, um dos propósitos significativos de se estudar a história dos conceitos é para enxergá-los não como

definitivos e acabados, mas como objetos à espera de nosso usufruto, na intenção de que em algum dia avancemos na

evolução desses mesmos.

Bibliografia

BOYER, Cari B. História da Matemática. Tradução Elza F. Gomide. 1. ed. São Paulo: Editora Edgard

Blücher Ltda, 1974.

__________. História da Matemática. Tradução Elza F. Gomide. 2. ed. São Paulo: Editora Edgard Blücher

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Centro Alexandre Koyré. CultureMATH – Site expert ENS Ulm /DESCO - 20/12/2006. Disponível em:

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EVES, H. Introdução à história da matemática. Tradução: Hygino H. Domingues. Campinas: UNICAMP,

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HIGHAM, N. Cayley, Sylvester, and early matrix theory. Manchester: The University of Manchester, jan.

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LUCCAS, Simone. Abordagem histórico-filosófica na educação matemática: apresentação de uma proposta

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O’CONNOR, J.J.; ROBERTSON E.F. In Matrices and determinants. Disponível em: History Topics Index.

URL:<http://wwwhistory.mcs.standrews.ac.uk/history/HistTopics/Matrices_and_determinants.html>. Acessado em:

out/2016.

Késia Caroline Ramires Neves

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul –

UFMS –Campus de Ponta Porã - Brasil

E-mail: [email protected]

Page 256: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

248 Anais do XII SNHM -2017

UM HISTÓRICO EPISTEMOLÓGICO DAS MATRIZES

José Messildo Viana Nunes (IFPA/UFPA)

Fernando Cardoso de Matos (UFPA)

Neste artigo relatamos resultados de uma investigação a partir de uma pesquisa de tese, que resultou do estudo em

obras originais de pesquisadores que construíram a ideia de Matrizes. Esse trabalho visou identificar e analisar a

epistemologia das Matrizes a partir da obra A memoir on the theory of matrices de Cayley. A história dos objetos

matemáticos nos permite reconstruir os processos matemáticos heurísticos para mostrar, que é um produto do

raciocínio humano no contexto sociocultural. Um estudo histórico epistemológico justifica-se para compreensão da

evolução e consolidação de objetos matemáticos no interior de condições culturais. Nesse sentido tais estudos podem

contribuir para um saber, transcendendo meros processos algorítmicos, pois de um modo geral o professor desconhece

o porquê de se estudar Matrizes por exemplo. Fizemos um amplo apanhado histórico em trabalhos sobre sistemas

lineares, estudados pelos matemáticos Maclaurin, Frobenius, Dodgbson e Euler para evidenciarmos uma reconstrução

racional para o estudo de Matrizes. As ideias partem desde a Geometria Analítica, a qual surge como um método de

se fazer matemática, pois transgredia a Geometria Euclidiana, já que haviam problemas que não poderiam ser

resolvidos com régua e compasso. Aparecem o estudo das curvas de Descartes e Fermat que desencadeia no estudo

de sistemas lineares. O trabalho de Euler estudava qualitativamente os sistemas lineares, assim como Frobenius que

trabalhava com os sistemas lineares homogêneos. A partir do estudo qualitativo dos sistemas lineares foi possível se

revelar a gênese das Matrizes e as operações com Matrizes, como revela a obra de Cayley. Logo se percebeu que

trabalhar com sistemas é o mesmo que trabalhar apenas com os seus coeficientes das equações do sistema, portanto a

abreviação de um sistema linear é gênese da ideia de Matrizes revelada por Cayley no século XIX. Concluímos que o

estudo qualitativo de sistemas nos permitiu compreender as ideias de adição, multiplicação matricial, portanto uma

técnica de resolução de sistemas que o método da substituição e eliminação, foi primordial para o surgimento da Teoria

das Matrizes.

Palavras-chave: História da matemática; Matrizes; Sistemas Lineares.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 257: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

249 Anais do XII SNHM -2017

SOBRE O CHRISTOPHORI CLAVII EPITOME ARITHMETICAE PRACTICAE (1614)

João Cláudio Brandemberg (UFPA) - [email protected]

Nesta comunicação fazemos uma apresentação do matemático jesuíta alemão Christoph Clavius (1537-1612) e uma

leitura dos quatro primeiros capítulos de seu livro Epitome Arthmeticae Practicae (1614), descrevendo aspectos das

operações elementares, seu estudo e a importância da aritmética no início do século XVII para o comércio, a

astronomia e até mesmo a geometria. Temos em Clavius, um professor, que além de sua modesta contribuição teórica

para a matemática, foi um de seus maiores promotores. Provavelmente, nenhum outro intelectual alemão do século

XVI fez mais do que ele para a promoção da matemática; principalmente, por sua influência no ensino da aritmética

e da álgebra e por sua participação na reforma do calendário gregoriano. Com relação à importância de seu trabalho

relacionada ao ensino de aritmética, consideramos o início de um novo estágio no desenvolvimento de notações e

algoritmos. Clavius trata de uma aritmética prática, para ser empregada, inicialmente, nas transações comerciais, uma

representação de receitas e despesas por uma lista de números e suas operações de adição e subtração para indicar os

acréscimos e as retiradas e esclarecendo o porquê destas circunstâncias, principalmente, na prestação de contas, tanto

na esfera pública quanto na privada. Uma ferramenta indispensável para o cálculo de impostos, evitando e

reconhecendo possíveis fraudes, que ele indica pela inclusão de múltiplos de nove. Segundo Clavius, a partir da

manipulação com os números e suas operações aritméticas, o homem encontra-se com a mente fresca e pronta para

começar a receber outros conhecimentos matemáticos que lhe venham a ser ensinados. Com seu texto ele deseja

proporcionar aos outros, leitores, o conhecimento aritmético e todas as suas vantagens. Enfim, seu trabalho se faz

importante na sistematização e divulgação do conhecimento matemático produzido em seu tempo, assim como, por

suas contribuições às notações, como o uso de sinais para as operações elementares.

Palavras-Chave: Aritmética; Matemática no século XVII; História da Matemática.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

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MEDIDAS LINEARES NA HISTÓRIA, MEDIDAS LINEARES NOS LIVROS DA

ARITMÉTICA ESCOLAR NO BRASIL

Elenice de Souza Lodron Zuin

Pontificia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas – Brasil

Resumo

O Brasil adotou o sistema métrico decimal através da Lei 1157, promulgada em 1862 por D. Pedro II. Com a

necessidade de divulgar o sistema e os novos padrões, seria primordial que os livros de Aritmética inserissem

ilustrações dos mesmos. Para este estudo, apresento um breve histórico das medidas lineares e o resultado da análise

de livros de Aritmética, relativamente às medidas de comprimento, publicados após a adoção dos padrões decimais

no país. O recorte apresentado se fixou nas ilustrações de medidas lineares e na abordagem histórica, sobre os pesos

e medidas decimais, que os livros poderiam conter. Foram selecionados treze livros de Aritmética, de autores distintos,

publicados e/ou distribuídos, no Brasil, entre 1879 e 1926, destinados ao curso primário ou secundário. O período

fixado foi determinado em função dos livros que foram analisados, considerando-se a obra publicada mais próxima

do ano que foi sancionada a Lei 1157 e, a última, ainda dentro do período da Primeira República no Brasil. Foi

constatado que nem todos os livros traziam ilustrações com representações do metro ou do decímetro. A abordagem

histórica nem sempre era contemplada, sendo poucos os autores a indicarem que o sistema métrico havia sido

elaborado na França.

Palavras-chave: História da Matemática escolar, Sistema métrico, Medidas lineares.

LINEAR MEASURES IN HISTORY AND LINEAR MEASURES IN THE ARITHMETIC TEXTBOOK IN BRAZIL

Abstract

Brazil adopted the metric system through the Law 1157, promulgated in 1862 by Emperor Pedro II. To disclose the

system and the new standards, it was necessary that there were illustrations in Arithmetic textbooks. In this paper we

present a brief history of the linear measurements and the result of an analysis of length measures contained in those

textbooks, which were published after the adoption of the decimal system of measurement in Brazil. This analysis was

based on the illustrations of linear measures and in a historical approach of weights and measures, contained in thirteen

textbooks for Primary or Secondary schools published and/or distributed in Brazil between 1879 and 1913. The fixed

period was determined according to the textbooks analyzed – 1879 is associated to the work which was published

closest to the year of the approval of Law 1157 and 1926 inside the First Republic in Brazil. It was found that not all

the books had illustrations with representations of meter or decimeter. The authors did not always present a historical

content on the system of weights and measures, and only a few mentioned that the metric system was developed in

France.

Keywords: History of School Mathematics, Metric System, Linear Measurements.

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ISSN 2236-4102

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Elenice de Souza Lodron Zuin

251 Anais do XII SNHM -2017

Introdução

Dedicando-me a investigações sobre os pesos e medidas como saber escolar há vários anos, deparo-me com diversos

aspectos que ainda estão por ser estudados com mais minúcia. No presente artigo, faço uma breve menção à história

das medidas lineares para, a seguir, focalizar o tópico medidas de comprimento em livros da Aritmética escolar,

publicados após a adoção do sistema métrico decimal no Brasil.

Busquei verificar se os autores se preocupavam em apresentar abordagens históricas sobre os pesos e medidas

e se inseriam ilustrações das medidas de comprimento. Principalmente depois da oficialização do sistema métrico, era

imperativo que a população se apropriasse das novas medidas e as imagens nos livros seriam um recurso para que os

alunos, futuros cidadãos, tivessem um contato, pelo menos visual, com os novos padrões e, no caso específico do

nosso estudo, o metro. Havia uma determinação oficial e uma intencionalidade de cada autor dos compêndios. Como

aponta Chartier (1990), os livros com destinação escolar se configuram como um objeto em circulação e, neste sentido,

se torna um difusor de ideias e valores. Chervel (1990), um dos principais teóricos no campo das disciplinas escolares,

afirma que as mesmas “são o preço que a sociedade deve pagar à sua cultura para poder transmiti-la no contexto da

escola ou do colégio.” (p. 222). A história das disciplinas escolares tem relevância não apenas para a história da

educação, mas para a história cultural (CHERVEL, 1990).

Medidas lineares: pelos caminhos da História

A noção de distância é um conceito inerente a humanos e animais. As primeiras necessidades de se medir linearmente

objetos e determinadas distâncias não estão registradas em nenhum lugar. Concebe-se que os padrões de medida

surgiram antes da escrita. Acredita-se que, desde o Neolítico, algumas comunidades já lidavam com medidas de

comprimento (ALMAGRO-GORBEA, 2000). Ações e práticas sociais passaram de geração a geração, sofrendo, ou

não, adaptações ao longo dos tempos.

O certo é que, grupos humanos se valeram das medidas antropomórficas – relacionadas a partes do corpo –

uma forma inteligente, que está inserida na base do desenvolvimento das civilizações. “Pode-se constatar que

conceitos matemáticos, ainda que elementares, estão presentes quando o homem busca seus padrões de comparação.

Medindo, o homem mede a propriedade dos objetos.” (ZUIN, 2009, p. 9). E nascem as unidades fundamentadas em

pés, mãos, palmos, polegadas, braços, passos... Esse costume foi identificado em diversos grupos e civilizações e se

manteve por milênios.

“O pé, como medida linear, foi utilizado por diversos povos, sendo encontrados padrões que variam

entre 10 e 12 polegadas ou, ainda, 16 dedos. O padrão mais antigo dessa medida foi encontrado na

cidade de Lagash, Suméria, representado na estátua de Gudea1, datada de 2050 a.C.,

aproximadamente. No regaço da estátua, existe uma régua equivalente à medida de um pé, dividida

em 16 partes (ou dedos) tendo um comprimento de cerca de 26 centímetros.” (ZUIN, 2009, p. 10).

Por volta do quarto milênio antes de Cristo, na região da Mesopotâmia e do Egito, existiam sistemas

ponderais. Almagro-Gorbea (2000, p.14) sinaliza que, tanto a civilização egípcia, como a mesopotâmica, tinham uma

economia de redistribuição, requerendo um sistema de mensuração fixo e este se estendeu, paulatinamente, pelo

Mediterrâneo Oriental chegando a Europa por volta do segundo milênio antes de Cristo.

A arbitrariedade inerente às medidas de comprimento e às demais, sob certas condições, não causava grandes

problemas. Havia peculiaridades regionais e locais. Se as medidas atendiam ao coletivo que as utilizava, a precisão

não era questionada, nem era uma prioridade.

1 Gudea foi governador de Lagash, antiga cidade da Suméria (Babilônia, posteriormente), no período de 2144 a.C. a 2124 a.C. (LEÓN, 2006).

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Medidas lineares na História, medidas lineares nos livros da Aritmética escolar no Brasil

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Figura 1 - Tumba de Menna - XVIII dinastia - Sheikh Abd el Qurnah Necrópolis

Fonte: https://paulsmit.smugmug.com/Features/Africa/Egypt-Luxor-tombs/

Com o passar do tempo, alguns grupos fixaram as medidas lineares em um determinado padrão material;

feitas, por exemplo, de osso, madeira, pedra, metal. No antigo Egito, os estiradores de cordas ou agrimensores, com a

corda de 13 nós, demarcavam os terrenos de forma retangular e a corda também poderia servir como um padrão de

comprimento (figura 1).

O côvado era uma unidade de comprimento importante no Egito, sendo este materializado em uma régua

com subdivisões. Na régua-côvado egípcia (figura 2), são retratados um palmo, um dígito e as frações 1/2, 1/4, 1/5,

com as respectivas medidas que elas representam. São 7 palmos, cada um com 4 dígitos, o que perfaz 28 subdivisões.

Figura 2 - Régua-côvado egípcia

Local: Museo Egizio di Torino (Museu Egípcio de Turim, Itália)

Da antiga Mesopotâmia, além da já mencionada estátua de Gudea, com um padrão material em seu regaço,

há registro do côvado confeccionado em bronze, encontrado em Nipur. É notória uma estela de basalto, com o Código

de Hamurabi – dimensões 2,25 metros de altura e 1,90 metro de circunferência na sua base, datada de 1760 a. C. –

onde está representado o soberano Hamurabi (1728 - 1686 a.C.), que recebe do deus Shamash as referidas leis do

código (figura 3). Essa estela está exposta no Museu do Louvre, em Paris, e demonstra um padrão material para

medidas lineares.

Figura 3 – Detalhe da estela com o Código de Hamurabi

Fonte: Acervo do Museu do Louvre, França

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Elenice de Souza Lodron Zuin

253 Anais do XII SNHM -2017

Distância e tempo já estavam relacionados, na Pré-História da humanidade, no seio de algumas comunidades.

Longas distâncias eram mensuradas com o tempo. “Uma jornada e uma lua representavam a distância que podiam

percorrer em um dia de viagem ou em um mês lunar”. Um acre correspondia à “superfície de terra que uma junta de

bois podia arar em um dia.” (LEÓN, 2006, p. 68). Essas medidas ainda careciam de precisão, mas satisfizeram quem

as utilizava, por centenas de anos. Além disso, a formação do sistema medidas derivava de critérios subjetivos ou

empíricos “com uma lógica própria que noutros contextos poderia ser desprovida de significado.” (TUCCI, 1995, p.

239).

A Bíblia é uma fonte na qual podemos identificar, no Velho e no Novo Testamento, diversas medidas, entre

elas, as de comprimento, como jornada de um dia, estádio, vara, passo, cana, palmo, palmo menor, côvado e medida

de superfície, como a jeira.

Existiam medidas que encerravam uma conotação sagrada na sua constituição. Foram construídos crucifixos

cuja altura era igual a uma braça (medida dos braços abertos). Também existia a medida linear braça correspondente

à altura de Jesus Cristo; medidas derivadas das relíquias e imagens sacras eram usuais (TUCCI, 1995). Havia o

costume de medidas lineares serem gravadas no interior ou nas paredes externas de palácios e igrejas, servindo de

modelo para reproduções ou para simples verificação. O fato de uma medida estar atrelada às situações particulares

em igrejas, templos ou palácios, fazia com que ela galgasse outro patamar, tornando-se, em alguns casos, um objeto

de veneração.2 A religiosidade, as crenças fortaleciam a tradição e determinadas medidas permaneceram inalteradas

por várias gerações. O espírito de devoção foi um dos fatores responsáveis pela resistência às inovações e pela

manutenção de padrões considerados sacrossantos. Igualmente se impuseram estalões que derivaram de partes dos

corpos de vários soberanos em suas nações. A tradição, cultura, motivos sociais e/ou econômicos perpetuaram algumas

medidas (ZUIN, 2007).

Vários feudos e comunidades tinham seus próprios estalões, os quais podiam ser os únicos utilizados ou se

mesclarem com outros, oficiais ou não. Muitos países tentavam uma uniformização das medidas, porém, em geral,

não obtinham sucesso devido ao peso da tradição e cultura entre a população.

A multiplicidade de sistemas de medidas e a variabilidade de um mesmo padrão, em uma única região,

traziam alguns inconvenientes. A Revolução Francesa será o palco de tomadas de importantes decisões para a

metrologia mundial.

“Os abusos metrológicos se produziam em todos os países; a grande quantidade de medidas

diferentes para cada produto e o comércio entre as nações se via dificultado pela necessidade de

conversão das medidas; as subdivisões das medidas, por fim, eram complicadas e variáveis de uns

produtos e territórios a outros. Na nova era que sonhavam os revolucionários franceses, toda a

humanidade devia gozar das mesmas vantagens. A nova medida devia ser universal.” (ROS, 2000,

p. 39).

Um grupo de cientistas franceses ficou encarregado de elaborar um novo sistema de pesos e medidas. Depois

de diversas discussões, chegou-se à conclusão de que a nova unidade de comprimento seria derivada de uma medida

terrestre e, por conseguinte, invariável; o sistema seria decimal e todas as unidades teriam relação com a unidade de

longitude. Definiu-se que o novo padrão seria correspondente a 9,5° do meridiano que passava por Paris. As medições

tomariam como pontos, final e inicial, respectivamente, a cidade francesa de Dunkerque e o castelo de Montjuich, na

Espanha. O motivo desta escolha se pautava no fato de esses locais se situarem ao nível do mar, simplificando as

medições. Como o arco entre os dois pontos determinados ocupa 9,5º do quadrante, o qual corresponde a 90º, calcular-

se-ia proporcionalmente o comprimento pré-determinado. Anteriormente, a medição do meridiano que passa por Paris

havia sido efetuada; essa era outra grande vantagem, possibilitando que as duas medições fossem comparadas entre si 3 (ZUIN, 2009).

2 Em Portugal, Mattos (apud BARROCA, 1992) indica que havia uma medida linear gravada na igreja paroquial de Telões. Outras medidas, que atualmente não são possíveis identificar, mas que foram registradas por alguns autores: a vara e o côvado, gravados no exterior da Igreja de São

João do Castelo e no Castelo da Lavandeira, em um silhar da capela-mor. Algumas medidas estariam gravadas no arco da porta principal das

muralhas de Vila Real, no castelo de Vide. Ainda hoje, pode-se identificar o côvado, gravado em uma pedra na Igreja Matriz do Concelho de Sabugal; a vara, na fachada principal da Igreja Matriz de Resende; meio côvado, junto à porta do castelo de Penedono; côvado e palmo, em colunas

pequenas no portal da Igreja de Santa Marinha, em Moreira Rei; o côvado, na Igreja de São Miguel, na freguesia de Monsanto; a vara, na porta do

castelo de Alandroal, a vara e meia vara estão representadas na porta da Vila das muralhas de Monsaraz, entre outros (BARROCA, 1992). 3 “Em 1669, Jean Picard mediu a distância entre Paris e Amiens. Entre 1683 e 1715, os Cassini procederam a uma vasta triangulação

da França. E principalmente, em 1753, Nicolas-Louis de la Caille viajou até o cabo da Boa Esperança enquanto, em Berlim, Jerôme

de Lalande mirava as mesmas estrelas – para ao mesmo tempo calcularem o meridiano e a distância entre a Terra e a Lua. Mas a

comissão do metro decide proceder a novas medições. Escolhe o arco Dunquerque-Barcelona, como Cassini já fizera anteriormente,

e o divide em duas partes.” (CENDOTEC, 1990, p. 52).

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Medidas lineares na História, medidas lineares nos livros da Aritmética escolar no Brasil

254 Anais do XII SNHM -2017

A medição do arco do meridiano, desde Dunkerque a Barcelona, ficou sob a incumbência de Jean Baptist

Joseph Delambre (1749-1822) e Pierre François André Méchain (1744-1804) – um trabalho que durou anos. Apenas

em 29 de maio de 1793, foi apresentado o mètre – equivalente à décima milionésima parte do quarto do meridiano

terrestre que passa por Paris. Em 1790, o matemático Auguste-Savinien Leblond sugeriu o termo mètre – derivado do

latim “metru” e do termo grego “metron”, que se referem a “uma medida” e “medir”, respectivamente. Para os

submúltiplos, foram deliberados os prefixos latinos – déci, centi, milli – e, para os múltiplos, prefixos gregos – deca,

hecto, kilo. Pela lei de 7 de abril de 1795, instituiu-se o sistema métrico decimal em toda república francesa. Foi

confeccionado um novo metro padrão em platina.

No século XIX, vários países adotaram o sistema métrico decimal. O Brasil estava entre os primeiros países

a sancionarem uma lei, aprovando a substituição dos padrões antigos pelos padrões decimais no ano de 1862, assinada

por D. Pedro II. Com a Lei Imperial n. 1157, o sistema métrico passaria a ser ensinado nas escolas brasileiras. Esse

mesmo princípio ocorreu em países que adotaram o sistema métrico decimal e determinava-se a criação de um novo

saber escolar (ZUIN, 2007).

Medidas lineares nos livros de Aritmética após da adoção do sistema métrico no Brasil

Para este estudo, foram selecionados treze livros de Aritmética, de autores distintos, publicados e/ou distribuídos no

Brasil, entre 1879 e 1926, destinados ao curso primário ou secundário. O período fixado foi determinado em função

dos livros que foram analisados, considerando-se a obra publicada mais próxima do ano que foi sancionada a Lei

1157, de 1862 e, a última, ainda dentro do período da Primeira República no Brasil. Fixou-se a verificação da

abordagem histórica nos livros analisados, na perspectiva de averiguar se os autores indicavam o estabelecimento do

sistema métrico em terras francesas. Este fato se torna relevante, na medida em que, como um dos legados da

revolução, o sistema métrico trazia consigo toda uma carga política e ideológica. O metro era o seu maior

representante. Mesmo na França, a princípio, ocorreu uma rejeição ao novo sistema de pesos e medidas. No Brasil,

havia aqueles que não eram adeptos aos padrões decimais. Se os princípios iluministas e as idéias liberais circulavam

pela capital da Corte e em outras cidades brasileiras, também marcava lugar o segmento conservador no país. Um

modo de não atrelar o sistema métrico decimal à ideologia revolucionária francesa seria evitar discorrer sobre as

origens do novo sistema metrológico nos livros de Aritmética. Se as escolas não tinham os modelos dos padrões

decimais, as ilustrações nos livros seriam o meio mais fácil de veicular as medidas do sistema métrico. No quadro 1,

referente aos livros analisados, apresenta-se a inclusão, ou não, das ilustrações de medidas lineares e a

contextualização histórica, apontando a França como o berço do sistema métrico decimal.

Quadro 1 – Indicação da presença de abordagem histórica e ilustrações nos livros analisados

OBRAS / AUTOR

Ano

Abordagem

histórica

Ilustrações

Régua

10 cm

Metro

Outros aparatos

de medida linear

Arithmetica para meninos – José Teodoro Souza Lobo – 5ª edição

1879 – – – –

Explicador de Arithmetica – Eduardo de Sá Pereira de Castro – 5ª edição

1880 X – X –

Arithmetica prática das escolas primárias - Felipe Nery Collaço

1888 X – – –

Arithmetica da Infância – Joaquim Maria de Lacerda

1890 – – – –

Arithmetica Primaria – Antonio Trajano – 12ª edição

1890 (?)

– X – –

Curso Elementar de Matemática – Arithmetica – Irmãos Reis – 2ª edição

1892 – X – –

Arihmetica primária – Cezar Pinheiro – 2ª edição

1902 – X – –

Noções de Arithmetica – Francisco Marcondes Pereira – 2ª edição

1905 – – – –

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Elenice de Souza Lodron Zuin

255 Anais do XII SNHM -2017

Arithmetica Elementar - Antonio Monteiro de Souza – 4ª edição

1910 X X – –

Arithmetica Intuitiva: curso comple-mentar – Olavo Freire – 3ª edição

1911 X X X X

Lições de Arithmetica – André Perez y Marin

1913 – – X –

Arithmetica elementar – A. G. Büchler – 3ª edição

1923 – X X X

Segunda Arithmetica – José Teodoro Souza Lobo –25ª edição

1926 – X X X

Fonte: Elaborado pela autora

Teodoro Souza Lobo, um autor de grande expressão em termos da adoção de suas obras no Brasil, na 5ª

edição da sua “Arithmetica para meninos” não há qualquer ilustração ou abordagem histórica. No entanto, é relevante

mencionar uma de suas notas de rodapé:

“Se systema métrico fosse unicamente o que tem por base o metro, seria excusado e supérfluo

acrescentarem-se os adjectivos francez ou decimal, quando se diz – systema metrico francez,

systema métrico decimal. Portanto, estes dois adjectivos qualificativos servem para distinguir o

systema métrico que tem por base o metro, de qualquer outro systema métrico de base diversa.”

(SOUZA LOBO, 1879, p. 57).

Neste caso, Souza Lobo relaciona, de modo sutil, o sistema métrico à França, porém, em uma nota que não

teria grande relevância no cômputo geral do conteúdo. Por não ter uma indicação mais clara, o livro não foi

considerado na categoria histórica. O mesmo se dá para a 25ª edição da sua obra Segunda Arithmetica, publicada em

1926. Não há qualquer referência à França, embora, também em nota de rodapé, exista a menção de que o cálculo do

metro tomou por base a distância do pólo ao equador, empregando-se a toeza, sendo esta uma medida francesa, porém,

Souza Lobo não indica que esta medida era a antiga medida linear da França.

Os irmãos Aarão Reis e Lucano Reis, no seu livro Curso Elementar de Matemática – Arithmética, publicado

em 1892, inserem uma ilustração, em tamanho real, de uma régua de 10 centímetros. Eles se eximem de atrelar o

metro à França. Ao iniciarem o capítulo sobre o sistema métrico, enaltecem a invariabilidade dos padrões, a

uniformidade do sistema, a simplicidade da sua nomenclatura e a facilidade dos seus cálculos. Ao discorrerem sobre

a unidade de comprimento, indicam que:

“A unidade fundamental do systema é o METRO, grandeza invariavel e identica para todos os povos

e da qual se derivam todas as outras.

A terra é um corpo proximamente espherico, que gyra em redor de um eixo, o qual termina, d’um e

d’outro lado da superfície terrestre, em dous pontos chamados os pólos.

Por esses dous pólos podem-se fazer passar círculos que se chamam meridianos, os quaes são todos

eguaes entre si, e invariáveis de grandeza emquanto a terra conservar as dimensões que óra tem.

Os astrônomos mediram, por processos que fazem a gloria e demonstram a utilidade da sciencia, o

comprimento de arcos, ou porções, destes meridianos, de modo que se conhece rigorosamente a

extensão d’um meridiano inteiro. Tomou-se depois a quarta parte desse meridiano, cuja grandeza

já estava conhecida, e dividiu-se-a em 10 milhões de partes eguaes. Cada uma dellas é o metro. O

metro – é, pois, a décima-millionesima parte de um quarto do meridiano, isto é, da distancia do

pólo ao equador. Esta medida é fundada na natureza, é invariavel, e commum a todos os povos do

mundo.” (REIS & REIS, 1892, p. 647-648, grifos dos autores).

Diferentemente dos Irmãos Reis e de outros autores, na 5ª edição do seu Explicador de Arithmetica, Eduardo

de Sá Pereira de Castro, menciona claramente a França, apresentando o sistema métrico da seguinte forma:

“A grande vantagem deste systema introduzido em França em 1780 pelos sabios Lagrange,

Delambre, Borda e Mechain, consiste na facil, euphonica, e limitadissima nomenclatura, e na lei

decimal que exclusivamente rege a todas as subdivisões e composições de unidades maiores. Por

meio de processos e cálculos que não cabe aqui mencionar, medio-se a distancia do pólo ao

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Medidas lineares na História, medidas lineares nos livros da Aritmética escolar no Brasil

256 Anais do XII SNHM -2017

equador, dada pelo meridiano de Paris; dividio-se esta distancia em 10 milhões de partes, e a uma

dessas partes se chamou metro, que quer dizer medida, visto como semelhante grandeza ia servir

de base fundamental ao novo systema de medidas.” (CASTRO, 1880, p.128).

Curiosamente, a 4ª edição das Noções de Aritmética de Marcondes Pereira, publicada em 1910, traz

ilustrações de várias medidas, exceto as lineares. Entre os livros analisados, o de Olavo Freire, Arithmetica Intuitiva,

em sua 3ª edição, de 1911, é a que inclui mais ilustrações com as respectivas explicações sobre instrumentos de

medidas lineares: a régua de 10 centímetros, o metro de carpinteiro, a trena, a cadeia dos agrimensores, a qual se

constitui em um aparato dobrável, com a dimensão de um decâmetro ou, em alguns casos, de 20 metros. A 3ª edição

da Arithmetica de Büchler, publicada em 1923, inclui as imagens de um metro, um decímetro e uma trena indicando

os seus usos – nenhuma das ilustrações é retratada em tamanho natural. Datada de 1926, a 25ª edição da Segunda

Arithmetica, de Souza Lobo, integra, também, ilustrações do metro dobrável de carpinteiro em tamanho natural, de

uma trena e da cadeia métrica.

Considerações finais

A divulgação e apropriação do sistema métrico no Brasil foi um processo lento. Durante muitas décadas, a população

seguia utilizando as medidas antigas. As escolas se constituíam nas grandes aliadas do governo, auxiliando a difusão

dos padrões decimais e a sua utilização (ZUIN, 2007).

Os impressos escolares trazem consigo as marcas do que poderia ocorrer nas escolas, revelando traços do

passado educacional. As ilustrações, nos livros escolares, seriam de grande valia, no caso dos padrões decimais, pela

necessidade de apropriação da imagem dos mesmos, sendo esta uma forma de divulgação das novas unidades de

medidas entre os alunos, futuros cidadãos. A ilustração de uma régua em tamanho real, acrescida da informação de

que estava representada em dimensões naturais, é expressa apenas nos livros de Trajano (1890), dos Irmãos Reis

(1892); e de Souza Lobo (1926) em relação ao metro de carpinteiro. No livro de Olavo Freire (1911), apesar de as

imagens do decímetro e do metro de carpinteiro estarem em tamanho natural, não há uma indicação dessa

característica. Para a carência de figuras nos livros analisados, deve ser levado em conta o fato de as ilustrações terem

um custo adicional na confecção dos impressos, acrescido da precariedade de algumas tipografias.

O livro, um difusor de idéias e valores, como coloca Chartier (1990), traz, impresso nas suas páginas, mais

do que conhecimentos escolares. A não menção aos aspectos históricos do surgimento do sistema métrico decimal,

relacionando-o com a França, fica bem demarcada, sendo essa situação confirmada em nove dos treze livros

analisados. Uma forma, consciente ou inconsciente, de não colocar o metro como obra dos franceses e afastar qualquer

conotação política ou ideológica que esse vínculo fizesse pousar na voz dos mestres ou na cabeça dos infantes? Ou

ainda uma estratégia? Aqueles que fossem contrários ao regime francês, não veriam nenhuma alusão ao país

revolucionário nas páginas do livro e, deste modo, seria mais fácil a aceitação dos novos pesos e medidas. Um controle

sobre as práticas escolares e das informações que circulam dentro da sala de aula?

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SOUZA LOBO, José Teodoro. 1926 (25ª Ed.). Segunda Arithmetica. Porto Alegre, Barcelo Bertaso & Ca – Livraria

do Globo.

SOUZA LOBO, José Teodoro. 1879 (5ª Ed.). Arithmetica para meninos. Curitiba, Typographia da Deutsche Zeitung.

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TUCCI, Ugo. 1995. Pesos e medidas. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa, Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, v. 28.

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ZUIN, Elenice de Souza Lodron. 2009. Dos antigos pesos e medidas ao sistema métrico decimal. Belém: Sociedade

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ZUIN, Elenice de Souza Lodron. 2007. Por uma nova Arithmetica: o sistema métrico decimal como um saber escolar

no Portugal e no Brasil Oitocentistas. 318 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, São Paulo. 2007.

Elenice de Souza Lodron Zuin Instituto de Ciências Exatas e Informática – ICEI – PUC Minas – Belo Horizonte – Brasil E-mail: [email protected]

Page 266: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

258 Anais do XII SNHM -2017

DESAFIOS E CONTROVÉRSIAS MATEMÁTICAS ENTRE ADRIAAN VAN ROOMEN E

FRANÇOIS VIÈTE

Zaqueu Vieira Oliveira (Universidade de São Paulo) – [email protected]

No campo da Sociologia da Ciência houve (e ainda há) um intenso debate que busca uma descrição da estrutura

científica moderna: Robert Merton e Bruno Latour são exemplos de estudiosos que publicaram pesquisas com este

objetivo. Mais especificamente no que se refere às práticas matemáticas do século XVI e XVII – período que nos

interessa – o trabalho de Catherine Goldstein é que se mostra importante ao considerar a rede de correspondentes de

Marin Mersenne como uma instituição – pois incorporou dezenas de matemáticos, produziu diferenças internas,

recompensou ou puniu determinadas práticas e impôs formas de produção e transmissão do conhecimento matemático.

Mesmo que uma Correspondência não esteja ligada a um lugar específico, que não tenha tido qualquer tipo de

reconhecimento oficial ou possuiu regras explícitas de funcionamento, ainda assim, a autora mostra que as polêmicas

e discórdias sobre os modos de se resolver problemas matemáticos e os desafios à inteligência dos interlocutores

podem ser justificativas para classificar este meio de produção científica como uma instituição. Na mesma direção,

este trabalho busca compreender as rotineiras controvérsias e desafios estabelecidos entre matemáticos dos séculos

XVI e XVII como uma instituição. Em um caso específico, Adriaan van Roomen e François Viète travam um intenso

debate em suas publicações da última década do século XVI evidenciando modos de se praticar e resolver problemas

matemáticos naquele tempo. A controvérsia se inicia através de um problema proposto por van Roomen em sua obra

Ideae mathematicae pars prima de 1593. O problema matemático em si não foi o estopim para a controvérsia, mas

sim uma listagem de matemáticos apresentada pelo autor no prefácio da obra e que não apresentou nenhum matemático

francês. O problema vai parar nas mãos de Viète quando um embaixador visita Henry IV e menciona a listagem ao

rei. Viète resolve prontamente ao problema de van Roomen e o desafia com outro problema matemático: o Problema

de Apolônio. Van Roomen publica sua solução, porém, sua resposta não é considerada válida por Viète, pois não

poderia ser construtível com régua e compasso. Estudos como esse mostram práticas “institucionalizadas” entre os

matemáticos ao longo da história. Neste caso, nas publicações impressas de van Roomen e de Viète há uma prática

dominada não somente pelos desafios e controvérsias relacionadas à matemática, o que gera questionamentos quanto

à qualidade e mérito dos trabalhos, mas também percebe-se que ocorrem provocações e ataques sobre diversos

assuntos não matemáticos.

Palavras-chave: Controvérsias na Ciência; Adriaan van Roomen; François Viète.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

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259 Anais do XII SNHM -2017

SUPERFÍCIES ORTOGONAIS: O CASO DE UMA PRÁTICA COMUM FRANCESA DO

SÉCULO XIX

Leandro Silva Dias

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ-PEMAT – Brasil

Gérard Emile Grimberg

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ-PEMAT – Brasil

Resumo

O tema a cerca das superfícies ortogonais foi, desde os seus primeiros trabalhos, um dos mais brilhantes de Gaston

Darboux. Desde o período no qual se preparava para os exames das École Polytechnique e École Normale Supérieure,

Darboux se interessa pelo tema, possivelmente influenciado por seu mestre Joseph Louis François Bertrand, além de

Joseph Alfred Serret a quem Daurboux submete seu primeiro trabalho. Serret recebe o artigo de Darboux e publica

nos Comptes rendus hebdomadaires des séances de l'Académie des sciences (1864). Um fato inusitado, e que diz

muito acerca da coletividade deste tema, foi de Moutard (1864) publicar um artigo similar ao de Darboux. Como

Moutard publica no Buletin de la Societé Philomatique, seu artigo aparenta ser anterior ao de Darboux, pois Serret

leva alguns meses para apresentar o artigo de Darboux à academia. O caso levou Serret a publicar uma nota

esclarecendo que quando Moutard submete seu trabalho, o de Darboux já estava com ele para analise e publicação,

logo não seria possível que um tomasse conhecimento da publicação do outro. Estes fatos nos fazem perguntar: como

surge o interesse pelo tema na França do século XIX? Além disso, sinaliza o caso de uma prática matemática por este

período sobre o tema das superfícies ortogonais. Como agem os diversos autores sobre este tema na França? Como

chegou Darboux a este tema? Como avançam os desenvolvimentos da teoria neste período? São algumas de nossas

questões em nosso projeto de pesquisa. Pensando em esclarecer, usamos a metodologia da rede de textos de

Brechenmacher, destacando a prática matemática presente nos textos. Tomamos a periodização de 1813 a 1847,

utilizando como extremos os trabalhos de Dupin (1813) e Serret (1847). Por este período, a produção matemática no

tema é frutífera e propícia, pretende-se avançar nas analises dos diversos textos a fim de finalizar a rede de textos e,

com isso, responder as nossas questões iniciais, trazendo assim resultados relevantes à história da matemática.

Palavras-chave: Matemática, História, Darboux, superfícies ortogonais

ORTHOGONAL SURFACES: THE CASE OF A FRENCH COMMON PRACTICE OF THE NINETEENTH CENTURY

Abstract

The orthogonal surfaces topic was, since his earliest works, one of Gaston Darboux most brilliant piece. From the

period he was preparing for the École Polytechnique and École Normale Supérieure examinations, Darboux shows

interestet in the subject, possibly influenced by his master, Joseph Louis François Bertrand, in addition to Joseph

Alfred Serret to whom Daurboux submits his first work. Serret receives Darboux's article and publishes in the Comptes

rendus hebdomadaires des séances de l'Académie des sciences (1864). An unusual fact, and that says a lot about the

collectivity of this topic, Moutard (1864) publishes an similar article to that of Darboux. As Moutard publishes in the

Buletin de la Societé Philomatique, his article appears to preceed the Darboux’s piece, since Serret takes a few months

to present Darboux's article to the academy. The case led Serret to publish a note explaining that when Moutard

submits his work, the one of Darboux was already with him for analysis and publication, therefore it would not be

possible for one to take notice of the other’s publication. These facts induce some questions: how does the interest in

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

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Leandro Silva Dias & Gérard Emile Grimberg

260 Anais do XII SNHM -2017

the subject appear in nineteenth-century France? In addition, it signals the case of a mathematical practice for this

period on the subject of orthogonal surfaces. How do the various authors on this subject act in France? How did

Darboux get to this topic? How do the theory developments advance in this period? These are some of the questions

approached in this research project. In order to clarify, we use the Brechenmacher texts network methodology,

highlighting the mathematical practice present in the texts. We took the periodization from 1813 to 1847 as basis,

using the works of Dupin (1813) and Serret (1847) as extreme. During this period, the mathematical production among

the subject was fruitful and propitious, we intend to advance the analyzes of several texts in order to finalize the text

network and then answer our initial question, thereby introducing relevant results to the mathematics history.

Keywords: Mathematics, History, Darboux, Orthogonal Surface.

Introdução

Darboux publica o livro Sur une Classe Remarquable de Courbes et de Surfaces Algébriques et Sur la Théorie

des Imaginaires, em 1873. Como já diz o próprio título, este livro testemunha a cerca das práticas algébricas sobre

curvas e superfícies. Esta obra é um belo exemplo de como se desenvolveu uma abordagem analítica para as curvas e

superfícies, com uso do cálculo diferencial e, além disso, como esses métodos se difundiram na França, uma vez que

Darboux foi um matemático que conhecia as diversas práticas matemáticas de sua época, sejam as práticas britânicas,

sejam as práticas alemãs.

Acerca das pesquisas sobre as superfícies ortogonais, percebe-se uma grande contribuição para o tema em

Darboux (1873). Aliais, sua primeira publicação, Darboux (1865), nos Annales Scientifiques de l'École Normale

Supérieure, foi sobre as superfícies ortogonais, sendo também tema de sua tese de doutorado, de 1866. As superfícies

ortogonais já haviam sido estudas por diversos matemáticos franceses anteriores e contemporâneos a Darboux, como:

Dupin, Lamé, Bonnet, Serret, Bertrand, Laguerre, Mannheim, Moutard, dentre outros.

Nosso projeto de pesquisa possui algumas questões em aberto, como: o que levou Darboux a se interessar

pelas superfícies ortogonais? Como interagem os diversos trabalhos sobre este tema na França? Ou ainda, quais as

práticas matemáticas envolvidas neste tema?

Dupin (1813, p. 324) resalta a importância dos trabalhos de Monge na geometria analítica e sobre os estudos

das superfícies, em especial a obra Feuilles D’Analyse Appliquée a la Géométrie, que é fruto das notas de aula de

Monge na École Polytechnique. Os métodos de Monge, que utilizavam cálculo diferencial e as normais das superfícies

em seus estudos, influenciaram Dupin e muitos outros matemáticos no início do século XIX.

Para responder estas perguntas, partindo de Darboux (1873), o projeto de pesquisa que será brevemente

apresentado aqui, busca-se iniciar uma rede de textos que testemunha de uma prática comum na França, em torno das

superfícies ortogonais. Para este estudo, escolheu-se a periodização de 1813 a 1847, que retrata as primeiras

abordagens para as superfícies ortogonais. O ano de 1813 nos interessa devido ao trabalho de Dupin, que serviu de

referência ao longo do período, e 1847 a publicação de Serret que se mostra fundamental para entender como as

práticas se conectam.

Metodologia

Frédéric Brechenmacher chama de “rede de textos” um conjunto formado por trabalhos de diversos

matemáticos, num dado período, que compartilham de uma prática matemática comum. Brechenmacher (2006, p.8)

constrói uma rede de textos de diferentes matemáticos, a partir de um ponto inicial, que tratam de diferentes formas a

noção de matriz.

Já num outro artigo, Brechenmacher (2007, p.7) busca compreender através da pesquisa de rede de textos a

discussão a cerca da equação das pequenas oscilações, tomando desde 1766, Joseph-Louis Lagrange e seu trabalho

sobre a integração dos sistemas de equações diferenciais a coeficientes constantes, até 1874, com Camille Jordan e

Page 269: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

SUPERFÍCIES ORTOGONAIS: O CASO DE UMA PRÁTICA COMUM FRANCESA DO SÉCULO XIX

261 Anais do XII SNHM -2017

Leopold Kronecker, tratando sobre os fundamentos e métodos da teoria das formas binárias.

No caso do presente trabalho, vê-se que as superfícies ortogonais, num primeiro período de 1813 a 1847,

compartilham de uma prática matemática comum, o que permite o estabelecimento de uma rede de textos frutífera

para entender as relações existentes eles.

Nosso trabalho busca com isso “tecer” alguns “fios” desta rede de pesquisa na França e, com isso, esclarecer

um campo de pesquisa comum de alguns matemáticos franceses do meado do século XIX. A fim de poder entender

como se dá a prática de pesquisa sobre as superfícies ortogonais, foi necessário estudar o período de 1813 à 1847,

entre os trabalhos de Dupin (1813) e Serret (1847), passando por diversos matemáticos com várias questões e

contribuições sobre o tema. Como resultados iniciais de pesquisa, o presente trabalho apresenta alguns possíveis “fios”

do que se espera constituir uma rede de textos que testemunham de uma prática francesa do século XIX.

Dupin e Serret, 1813-1847

Pierre Charles François Dupin (1784-1873) foi aluno de Monge na École Polytechnique, se graduou em

engenharia naval em 1803. Uma das suas maiores contribuições foi o livro Développments dé géométrie, de 1813, que

trata da geometria diferencial das superfícies. Este livro influenciou a produção em geometria de diversos matemáticos

franceses do século XIX, principalmente no tema relativo às superfícies ortogonais.

Dupin (1813, p. 298) apresenta as condições para que duas superfícies do segundo grau tenham trajetórias

ortogonais. Ele inicia esta parte de sua obra apresentando a equação geral das superfícies do segundo grau, dados o

centro e os planos principais, como sendo:

𝑏2𝑐2𝑥2 + 𝑎2𝑐2𝑦2 + 𝑎2𝑏2𝑧2 = 𝑎2𝑏2𝑐2.

Daí ele faz as seguintes substituições:

𝑞𝑟 = 𝑎2, 𝑝𝑟 = 𝑏2, 𝑝𝑞 = 𝑐2,

obtendo, assim, uma forma mais simples da equação da superfície do segundo grau:

𝑝𝑞𝑟. 𝑝𝑥2 + 𝑝𝑞𝑟. 𝑞𝑦2 + 𝑝𝑞𝑟. 𝑟𝑧2 = 𝑝𝑞𝑟. 𝑝𝑞𝑟,

ou, simplesmente:

(S) 𝑝𝑥2 + 𝑞𝑦2 + 𝑟𝑧2 = 𝑝𝑞𝑟.

A equação do plano tangente à superfície (S), num ponto (X, Y, Z) é dada por:

(T) 𝑝𝑥𝑋 + 𝑞𝑦𝑌 + 𝑟𝑧𝑍 = 𝑝𝑞𝑟.

Então, Dupin toma outra superfície do segundo grau, concêntrica à superfície (S), possuindo os mesmos

planos coordenados por planos principais, representada por:

(∑) 𝜋𝑥2 + 𝜙𝑦2 + 𝜓𝑧2 = 𝜋𝜙𝜓,

e a equação do plano tangente a esta superfície num dado ponto, como sendo:

(Θ) 𝜋𝑥𝑋 + 𝜙𝑦𝑋 + 𝜓𝑧𝑍 = 𝜋𝜙𝜓.

Considerando 𝛼, 𝜁, 𝜈 os três eixos de (∑), tem-se então que:

𝜙𝜓 = 𝛼2, 𝜋𝜓 = 𝜁2, 𝜋𝜙 = 𝜈2.

Então Dupin exprime a primeira condição de ortogonalidade entre as superfícies:

Expressamos agora que as superfícies (S) e (∑) se intersectam em ângulos retos em toda a extensão da sua

intersecção. Será suficiente para tal que a expressão de seus planos tangentes (T) e (O), no mesmo ponto x, y, z,

intersectam em ângulos retos. Ou, sabemos que para completar tal condição, que a soma dos produtos, dois a dois,

dos coeficientes correspondentes de x, y, z é zero, teremos esta equação condição. (DUPIN, 1813, p. 299, tradução

nossa1)

A equação da qual Dupin fala é a seguinte:

𝑝𝜋𝑥2 + 𝑞𝜙𝑦2 + 𝑟𝜓𝑧2 = 0,

que deve possuir todos os pontos comuns entre as superfícies (S) e (∑). Esta é a primeira condição apresentada

1 Exprimons maintenant que les surfaces (S) et (E) se coupent à angle droit dans toute l'étendue de leur intersection. Il suffira pour cela d'exprimier

que leurs palns tangents (T) et (O), en un même point x, y, z, se coupent à angle droit. Ou, on sait qu'il faut pour remplir une telle condition, que la somme des produits, deux à deux, des coefficients correspondants de x, y, z soit égale à zéro: on aura donc cette équation de condition

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Leandro Silva Dias & Gérard Emile Grimberg

262 Anais do XII SNHM -2017

para garantir que duas superfícies do segundo grau sejam ortogonais.

Dupin (2013) apresenta os diversos casos de ortogonalidade entre duas ou três superfícies do segundo grau,

com diversas aplicações e demonstrações. Já na seção 2, Dupin (2013, p. 322) apresenta as condições para superfícies

de qualquer grau sejam ortogonais por meio de sistemas de equações diferenciais de primeira e segunda ordem. Daí a

teoria ganha aspectos gerais que são retomados por diversos matemáticos do período, dentre os quais Serret (1847).

Serret (1847) apresenta a teoria de seu artigo também fazendo uso dos métodos apresentados por Dupin,

como o uso de sistemas de equações diferenciais parciais. Na introdução cita um artigo de Bouquet (1846) dizendo:

Em nota publicada no último tomo desta série, o Sr. Bouquet, professor da Faculdade de Ciências da Lyons,

se propôs a demonstrar que uma família de superfícies representadas por uma equação, onde entra um parâmetro não

especificado, não pode sempre ser considerada como uma das famílias de um sistema de três superfícies ortogonais.

(SERRET, 1847, p. 241, tradução nossa2)

Bouquet publicou no Journal de Mathématiques Pures et appliquées, em 1846, o artigo Note sur les surfaces

orthogonales que Serret cita em sua introdução. Somente neste periódico, ainda existem mais quatro artigos, dentre

os quais: Lamé (1838, 1843), Bertrand (1844) e Bonnet (1849)3, que ainda serão analisados.

Nova geração de pesquisadores, Darboux e Moutard

Darboux submete um artigo para Serret que foi publicado nos Compte Rendu des séances de l’Académie des

Sciences, de título Remarques sur la théorie des surfaces orthogonales, em 1864. Darboux inicia sua produção

acadêmica sobre um tema que ele não abandona durante sua vida, vindo a produzir a sua obra mais extensa sobre este

tema nos seus Leçons sur les Systèmes orthogonaux et les Coordonnées curvilignes, de 1910.

Pelo mesmo período, Moutard publica seu artigo no Buletin de L’Associeté Philomatique, com os mesmos

resultados de Darboux, porém antes da publicação nos Compte Rendu por Darboux, recebido por Serret. Serret publica

uma nota dizendo que Darboux já havia enviado seu trabalho, sendo que devido seus afazeres demora a publicar nos

Compte Rendu des séances de l’Académie des Sciences. Darboux faz questão de publicar na integra a nota de Serret,

buscando esclarecer possíveis mal entendidos. Esta publicação similar de Moutard e Darboux sinaliza o quanto o

tema, superfícies ortogonais, foi amplamente pesquisado pelos matemáticos franceses no século XIX, constituindo

um tema comum no ensino daquele período.

Algumas pistas de pesquisa

Considerar as superfícies ortogonais na periodização de 1813 a 1847 surgiu a partir dos questionamentos a

cerca da prática matemática observada em Darboux (1873) e do caso da publicação de artigos similares sobre este

tema entre Darboux e Moutard.

Os aspectos iniciais estudados sinalizam a importância do livro de Dupin (1813), como ponto inicial de uma

prática matemática atrelada ao tema das superfícies ortogonais. De 1813 a 1847, há diversos textos publicados nos

periódicos franceses sobre o tema, nossa pesquisa avançará por destacar as características subjacentes a cada um deles,

trazendo novas informações à rede de textos deste período.

Bibliografia

BRECHENMACHER, F. Les matrices: formes de représentation et pratiques opératoires (1850-1930).

CultureMATH – Site expert ENS Ulm / DESCO - 20/12/2006. Disponível em:

2 Dans une Note, publiée na tome précédent de ce Recueil, M. Bouquet, professeur à la Faculté des Sciences de Lyon, s’est proposé de démontrer

qu’une famille de surfaces représentée par une équation, où entre un paramètre indéterminé, ne peut pas toujours étre considerée comme l’une des familles d’un système triple de surfaces orthogonales. 3 Lamé: Note sur des Intégrales définies, déduites de la théorie des surfaces orthogonales (1838) e Mémoire sur les surfaces orthogonales et

isothermes (1843) ; Bertrand : Mémoire sur les surfaces isothermes orthogonales (1844) e Bonnet : Sur les surfaces isothermes et orthogonales (1849).

Page 271: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

SUPERFÍCIES ORTOGONAIS: O CASO DE UMA PRÁTICA COMUM FRANCESA DO SÉCULO XIX

263 Anais do XII SNHM -2017

<http://www.math.ens.fr/culturemath/histoire%20des%20maths/htm/Brechenmacher/ matrices_index.htm >.

Acessado em: 10/2012.

BRECHENMACHER, F. L'identité algébrique d'une pratique portée par la discussion sur l'équation à l'aide de laquelle

on détermine les inégalités séculaires des planètes (1766-1874). Sciences et Techniques en Perspective, s. 2, fasc. 1,

2007, p. 5-85.

DARBOUX, G. Sur une Classe Remarquable de Courbes et de Surfaces Algébriques et Sur la Théorie des

Imaginaires. Paris : Gauthier-Villars, 1873. 340 p.

DUPIN, P. C. F. Développments dé géométrie. Paris : Mme. V e. Courcier, imprimeur-libraire pour les

mathématiques, 1813, 573 p.

SERRET, J. A. Mémoire sur les surfaces orthogonales. Journal de mathématiques pures et appliquées, 1re série,

t. 12, 1847, p. 241-254.

Leandro Silva Dias; Gérard Emile Grimberg

Programa de Pós-graduação em Ensino de Matemática –

UFRJ-PEMAT – campus Rio de Janeiro, Ilha do

Governador - Brasil

E-mail: [email protected];

[email protected]

Page 272: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

264 Anais do XII SNHM -2017

SUPERFÍCIES MÍNIMAS: DE DIDO ÀS PESQUISAS NO BRASIL

Fernanda Alves Caixeta, Tânia Maria Machado de Carvalho

Univeridade Federal de Uberlândia – UFU – Brasil

Resumo

O presente texto é um recorte do projeto de iniciação científica da primeira autora, desenvolvido no curso de graduação

em matemática da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal - FACIP da Universidade Federal de Uberlândia - UFU.

É apresentado um estudo acerca do contexto histórico das superfícies mínimas e como estas se relacionam com a área

da Geometria Diferencial de modo geral. É dada ênfase aos pesquisadores que, de alguma forma, contribuíram com o

desenvolvimento de ideias que culminaram no progresso da extensa teoria hoje existente nas pesquisas atuais

referentes às superfícies mínimas. Dar-se-á especial importância à relação entre problemas de minimização de áreas e

o surgimento do cálculo variacional. Os referenciais consultados, por meio de uma investigação qualitativa de caráter

bibliográfico, demonstram a importância da representação de Weierstrass no desenvolvimento das teorias atuais e o

surgimento das pesquisas sobre superfícies mínimas no Brasil.

Palavras-chave: História das Superfícies Mínimas; Representação de Weierstrass; Problemas Variacionais.

MINIMUM SURFACES: FROM DIDO TO RESEARCH IN BRAZIL

Abstract

The present text is a cut of the first author's scientific initiation project, developed in the undergraduate course in

mathematics of the Faculty of Integrated Sciences of Pontal - FACIP of the Federal University of Uberlândia - UFU.

A study is presented on the historical context of minimum surfaces and how these relate to the area of Differential

Geometry in general. Emphasis is placed on researchers who have contributed in some way to the development of

ideas that culminated in the progress of the extensive theory that exists today in the current researches on minimum

surfaces. Special importance will be given to the relationship between problems of minimization of areas and the birth

of the calculus of variations. The references consulted, through a qualitative research of bibliographic character,

demonstrate the importance of Weierstrass representation in the development of the current theories and the

appearance of the research on minimum surfaces in Brazil.

Keywords: Mathematics, History, Keyword1, Keyword2.

Introdução

Neste trabalho traça-se uma linha histórica das ideias que levaram ao vasto campo de pesquisas que é hoje o tema

superfícies mínimas. Busca-se traçar um panorama cronológico e apresentar as ideias sem muito formalismo

matemático, de forma que o texto seja acessível a leitores que tenham curiosidade sobre o tema, mas que não possuam

elevado conhecimento matemático. Demonstra-se que a história do surgimento das superfícies mínimas se confunde

com a história das bases da Geometria Diferencial. Iniciamos o texto com a lenda de Dido, que teria dado origem aos

primeiros questionamentos sobre problemas de minimização de área, e a partir daí, traçamos uma trajetória que passa

por grandes nomes como Euler, Lagrange, Meusnieur, Bour, Monge, Weierstrass, Gauss e os brasileiros Celso Costa

e Manfredo Perdigão do Carmo.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 273: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Fernanda Alves Caixeta & Tânia Maria Machado de Carvalho

265 Anais do XII SNHM -2017

A execução do presente trabalho foi motivada por uma pesquisa de iniciação científica, cujo objetivo era

estudar a família de superfícies mínimas de Bour por meio da representação de Weierstrass. A partir desta pesquisa

originou-se o interesse em conhecer um pouco mais o contexto histórico das superfícies mínimas. Nessa perspectiva,

este trabalho tentará apresentar uma trajetória histórica destas superfícies por meio dos exemplos mais conhecidos.

O problema de Dido

A cidade de Cartago situada na costa do Mediterrâneo, norte da África, segundo a lenda, foi fundada por uma rainha

de nome Dido (acredita-se que Dido data de 850 a.C.). Em sua obra Dicionário de mitologia grega e romana, o

historiador e latinista francês Pierre Grimal (1912-1996) escreveu:

(...) Em seguida, os emigrantes rumaram à África, onde foram bem recebidos pelos

indígenas. Estes permitiram a Dido, que lhes pedia uma terra para se estabelecer, que

tomasse “tanta quanto pudesse conter-se em uma pele de boi”. Dido cortou uma pele de

boi em tiras muito finas e obteve assim um fio comprido com que circundou um território

bastante vasto. Os indígenas, obrigados a respeitar a promessa feita, concederam-lhe a

terra dessa forma delimitada. (GRIMAL, 1993. P. 119).

Segundo a lenda, Dido teria abarcado com a tira de pele de boi, um terreno de formato semicircular na costa

do mediterrâneo, ao norte da África. Isto indicaria que, de alguma forma, os gregos tinham conhecimento de que o

círculo é a curva cujo perímetro engloba a maior área. A lenda deu origem ao problema de Dido (como ficou

conhecido), o qual consiste em encontrar, dentre todas as curvas planas de um dado perímetro, aquela que engloba a

maior área. Problemas que buscam a melhor solução possível sob condições preestabelecidas, são hoje conhecidos

como problemas de máximos e mínimos.

Ideias que levaram ao desenvolvimento da teoria de superfície mínimas

Nos séculos XVI, XVII e XVIII grandes matemáticos se ocuparam de problemas desta natureza: Galileu Galilei (1564-

1643), Isaac Newton (1643-1727), os irmãos Johann Bernoulli (1667-1748) e Jacob Bernoulli (1654-1705), Leonhard

Euler (1707-1783) e Joseph Louis Lagrange (1736 - 1813). Questionamentos envolvendo problemas de máximos e

mínimos contribuíram com o surgimento de muitas das áreas da matemática que conhecemos hoje, como a Otimização

e o Cálculo Variacional, e criaram as bases para o surgimento das teorias de curvas e superfícies no espaço

tridimensional.

Johann Bernoulli, em 1696, lançou na revista Acta Eruditorum, o desafio de encontrar a forma da curva, ao

longo da qual, uma partícula, inicialmente em repouso em um ponto A, desliza até um ponto B (com altura inferior à

do ponto A) em tempo mínimo, considerando-se apenas a ação da gravidade. Este problema ficou conhecido como o

problema da braquistócrona, do grego brakhisto (o mais curto) e chronos (tempo). Vários matemáticos da época se

debruçaram sobre este desafio, porém, a solução do problema foi publicada por Jacob Bernoulli (1654-1705), irmão

de Johann, em 1697. A curva que soluciona o problema (a braquistócrona) é denominada ciclóide. Esta curva pode

ser gerada por meio da trajetória de um ponto de uma circunferência, que rola (sem deslizar) por uma reta, formando

um arco, cujo comprimento é a medida da circunferência retificada.

Antes de prosseguir, precisamos entender o conceito de funcional, hoje muito conhecido no campo da

matemática, mas que, na época destes matemáticos, ainda era de difícil entendimento. Um funcional é, grosso modo,

uma função cujos elementos do domínio é um espaço vetorial e a imagem está contida no corpo dos números reais.

Pode-se considerar o espaço vetorial do domínio como sendo um espaço de funções de uma ou mais variáveis, e, nesse

sentido, podemos dizer que um funcional é uma correspondência que associa a cada função pertencente a uma classe

específica, um único número real. Funcionais são ferramentas muito úteis em situações nas quais os pontos, que são

objetos geométricos, são substituídos por funções, as quais podem caracterizar curvas ou superfícies.

Page 274: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Superfícies Mínimas:de Dido às pesquisas no Brasil

266 Anais do XII SNHM -2017

Os matemáticos Euler e Lagrange, entre outras grandes contribuições à matemática (e à física),

desenvolveram ferramentas que permitiam lidar com funcionais. Isto levou alguns autores a atribuem a ambos a

criação do que hoje conhecemos como cálculo variacional. As contribuições de Euler e Lagrange foram fundamentais

para o desenvolvimento da teoria de superfícies.

Euler estudou com Johann Bernoulli (1667-1748) na universidade de Basiléia, completando os estudos aos

15 anos de idade. Em 1774, deduziu uma equação diferencial que resolvia o problema de minimizar funcionais de

uma variável do tipo f = f(x, y, 𝑦𝑥), onde y é uma função de x e 𝑦𝑥 indica a derivada de y em relação a x. Este tipo de

equação, envolvendo derivadas, e cuja solução resulta em uma função, é denominada equação diferencial.

A ideia de determinar soluções de minimização de áreas e superfícies, foi interpretada por Euler como sendo

um problema de encontrar pontos estacionários de um funcional (onde 𝑓 é uma função de 𝑥 ), calculando-se a variação

do funcional associada a variação da função 𝑓. A solução deste problema, apresentada por Euler, pode ser descrita

pelas soluções da equação diferencial.

Com esta equação, Euler resolveu o difícil problema de determinar a superfície com menor área, que pode

unir dois círculos paralelos e perpendiculares a um eixo comum, passando pelos dois centros. A solução deste

problema é encontrada tomando 𝜕𝑓

𝜕𝑦= 0 𝑒

𝜕𝑓

𝜕𝑦𝑥=

𝑥𝑦𝑥

√1+𝑦𝑥2, na equação de Euler. A solução y = a arcosen(x) + b, onde

b é a constante de integração, é a equação de uma curva plana denominada catenária, a qual, quando girada em torno

do eixo z, gera um catenóide, que é a superfície de área mínima unindo os dois círculos paralelos.

Lagrange, em 1760, reformulou os resultados de Euler e estendeu o processo para funções de duas variáveis,

a fim de encontrar curvas ou superfícies que minimizassem quantidades como área, energia, velocidade, dentre outras

grandezas. Para tal, Lagrange determinou uma função relacionando energia cinética e energia gravitacional, dada por

𝐿 = 𝑇 − 𝑉, onde 𝑇é a energia cinética (energia que um corpo possui quando está em movimento) e 𝑉a energia

potencial gravitacional (aquela que um corpo possui quando está situado a uma determinada altura da superfície da

Terra).

Lagrange observou a simples situação de uma pedra de massa m, em queda livre de uma altura h, partindo do repouso,

no instante t=0.

O menor valor da integral 𝑆 = ∫ 𝐿𝑑𝑡𝑡

0, calculada entre o instante inicial t=0 e o instante final t, culmina o

menor valor possível, otimizando a variação da velocidade da pedra durante a queda livre. O valor obtido por esta

integral, entre dois intervalos 𝑡1 e 𝑡2 , é denominado ação S do sistema nesse intervalo de tempo. Quando a integral

atingir o menor valor possível, fica então determinado o Princípio da ação mínima. A partir da integral S, obtém-se a

equação na forma geral.

𝑑

𝑑𝑡(

𝜕𝐿

𝜕�̇�𝑘

) −𝜕𝐿

𝜕𝑞𝑘

= 0, 𝑘 = 1, … , 3𝑁 (2)

onde 𝑞𝑘 é a posição de uma partícula em qualquer sistema de coordenadas e o ponto denota derivação em relação a t.

Esta equação é denominada equação de Euler- Lagrange, uma vez que, juntamente com Lagrange, Euler contribuiu

com significativos resultados.

Com o intuito de ilustrar e exemplificar o método por ele criado, Lagrange propôs o seguinte problema:

“Dada uma curva fechada, sem auto - intersecções, encontrar a superfície de área mínima que tem esta curva como

Page 275: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Fernanda Alves Caixeta & Tânia Maria Machado de Carvalho

267 Anais do XII SNHM -2017

fronteira”. Lagrange estudou o caso em que as superfícies descritas no problema acima, são vistas como gráficos de

funções diferenciáveis 𝑧 = 𝑓(𝑥, 𝑦). Então, encontrar uma superfície de área mínima, conhecida a sua fronteira,

equivale a encontrar uma função f(x,y) que satisfaça a equação de Euler- Lagrange. A primeira solução encontrada

por Lagrange foi a classe das funções da forma 𝑓(𝑥, 𝑦) = 𝑎𝑥 + 𝑏𝑦 + 𝑐, com a, b, c constantes. Ou seja, o plano,

trivialmente, foi o primeiro exemplo de superfície mínima determinada por meio de soluções da equação de Lagrange.

Alexis Clairaut (1713-1765) e Gaspard Monge (1746-1818) deram importantes contribuições ao estudo das

curvas espaciais. Monge inspirou-se nos trabalhos de Euler sendo considerado por muitos autores, o pai da geometria

diferencial, e foi também o criador da geometria descritiva. Com sua obra "Sur les surfaces developpées, les rayons

de courbure et les différents genres d’inflexions des courbes à doublé courbure " (1785), foi, talvez, o primeiro a

abordar os conceitos de curvatura e torção de uma curva espacial.1

Monge estudou também as linhas de curvatura e mais tarde aplicou suas teorias de curvatura ao estudo das

superfícies quádricas, desenvolvendo uma teoria das superfícies. Monge foi muito hábil em traduzir equações

diferenciais parciais em uma linguagem geométrica.

Menos conhecido, o matemático, engenheiro e militar Jean Baptiste Marie Charles Meusnier de La Place

(1754 - 1793), também teve um importante papel no desenvolvimento do estudo das superfícies. Meusnier apresentou

estudos sobre as curvas obtidas pela intersecção da superfície com um plano ortogonal ao plano tangente (plano

normal). Estas curvas são conhecidas como seções planas da superfície.

Euler também dedicou grande atenção ao estudo das seções planas da superfície, e, em 1760, introduziu os

conceitos de curvaturas principais (k1e k2 ) e curvatura média H, que é a semi-média das curvaturas principais, isto

é, 𝐻 = 𝑘1+ 𝑘2

2 . Porém, foi Meusnier, em 1776, que estabeleceu uma relação entre a expressão de H e a equação de

Euler- Lagrange, mostrando que esta última podia ser interpretada na forma

(1 + 𝑓𝑦2)𝑓𝑥𝑥 + 2𝑓𝑥𝑓𝑦𝑓𝑥𝑦 + (1 + 𝑓𝑥

2) = 2𝐻(1 + 𝑓𝑥2 + 𝑓𝑦

2)3

2 (3)

Com essa nova caracterização, uma superfície passou a ser dita mínima, se, e somente se, H=0. Ainda em 1776,

Meusnier encontrou novos exemplos que satisfaziam a condição H=0, sendo eles o Catenóide e o Helicóide. Vale

observar que Euler já havia obtido esta mesma solução por meio de sua equação diferencial. O Catenóide possui uma

propriedade adicional de ser a única superfície mínima de rotação até então conhecida. O Helicóide é uma superfície

regrada, que pode ser obtida considerando uma hélice inscrita em um cilindro circular reto, de tal forma que, para cada

ponto da hélice passe uma reta perpendicular ao eixo do cilindro.

Na tentativa de aprimorar os estudos de Lagrange, referentes ao problema proposto, o físico belga Joseph

Antonie Ferdinand Plateau (1801–1883) apresentou experimentos estabelecendo uma conexão entre as superfícies

mínimas e as películas de sabão. Plateau percebeu que as superfícies mínimas eram aquelas que podiam ser obtidas

mergulhando uma moldura formada por um arame em uma solução de água e sabão, e, em seguida, retirando-a

cuidadosamente, obtendo-se uma película de sabão cuja fronteira era o arame. A partir de experimentos, Plateau obteve

uma generalização do problema proposto por Lagrange, mostrando a existência de superfícies de área mínima que não

dependiam da existência de uma curva fechada como fronteira. Com isso, o problema de encontrar superfícies mínimas

ficou conhecido como Problema de Plateau.

Em um texto de Euler acerca da teoria de superfícies pode-se ler a frase:“Et quia per naturam superficierum

quaelibet coordinata debet esse functio binarium variabilium”, (Euler,vol i, p.494). A tradução desta frase seria algo

como:“E que, pela natureza da superfície, cada uma das coordenadas deve ser uma função de duas variáveis”. Isso

mostra que Euler tinha conhecimento de que as coordenadas (x,y,z) dos pontos de uma superfície podem ser descritas

por funções de duas variáveis independentes. Porém Euler não deu sequência a esta idéia. Atribui-se ao Johann Carl

1 A torção de uma curva espacial em um ponto, é, grosso modo, a medida do quanto a curva se afasta do plano osculador numa vizinhança daquele

ponto; as curvas planas têm torção nula. Os conceitos de curvatura de uma curva plana e de círculo osculador já eram conhecidos por Newton e Leibniz.

Page 276: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Superfícies Mínimas:de Dido às pesquisas no Brasil

268 Anais do XII SNHM -2017

Friedrich Gauss (1777 - 1855), o desenvolvimento da teoria de superfícies dentro deste contexto, estabelecendo as

bases para a Geometria Diferencial que conhecemos hoje.

Durante 59 anos o plano, o Catenóide e o Helicóide, foram as únicas superfícies mínimas conhecidas.

Somente em 1835, o matemático alemão, Scherk (Alemanha, 1798 - 1885) apresentou um novo exemplo, a superfície

de Scherck, que é uma superfície periódica. A ideia de Scherck para chegar a essa superfície foi supor que a solução

f da equação (3) fosse uma função do tipo f(x, y) = g(x) + h(y).

A representação de Enneper – Weierstrass

O matemático Alfred Enneper (Alemanha,1830 - 1885), em 1864, apresentou um novo exemplo de superfície mínima,

conhecida como superfície de Enneper.

Com os estudos do matemático Karl Wilhelm Theodor Weierstrass, (Alemanha, 1815 - 1897), a teoria de

superfícies mínimas contou com um significativo avanço. Weierstrass desenvolveu uma fórmula para se encontrar

novos exemplos de superfícies mínimas. Em 1866, ele encontrou uma solução geral para a equação de Euler –

Lagrange, conhecida como Representação de Weierstrass, (e mais tarde como Representação de Enneper-

Weierstrass, pois ambos teriam chegado, de forma independente, à fórmula por métodos diferentes). Atualmente esse

é o método mais satisfatório para obtenção de novos exemplos de superfícies mínimas, apesar de não ser uma tarefa

fácil. Apresentamos a seguir um resumo da representação de Weierstrass. Estudos mais detalhados sobre essa

representação podem ser encontrados nas referências FREITAS e CARVALHO, 2015 e CARMO, 2004.

Considere duas funções holomorfas f(Υ) e 𝑔(Υ), em um domínio complexo D. Então (𝑥, 𝑦, 𝑧), dados pelas

expressões a seguir representam parametricamente uma superfície mínima S.

𝑥 =1

2𝑅𝑒 ∫ (1 − 𝑔2)𝑓𝑑Υ;

𝑦

𝑦0

𝑦 =1

2𝑅𝑒 ∫ 𝑖(1 + 𝑔2)𝑓𝑑Υ

𝑦

𝑦0

; 𝑧 =1

2𝑅𝑒 ∫ 𝑔𝑓𝑑Υ

𝑦

𝑦0

Evidentemente as superfícies mínimas exemplificadas anteriormente podem ser obtidas por meio da

representação de Weierstrass, uma vez definidas as funções holomorfas f e g. Assim, considerando 𝑔 = Υ; com Υ =

𝑒𝑧, 𝑧 = 𝑢 + 𝑖𝑣 ∈ ℂ, é possível obter as seguintes superfícies mínimas:

Catenóide: 𝑓(Υ) = 1

Υ2 𝑒 𝑔(Υ) = Υ , 𝑐𝑜𝑚𝐷 ⊂ ℂ − {0};

Helicóide: 𝑓(Υ) = 𝑖

Υ2 𝑒 𝑔(Υ) = Υ , 𝑐𝑜𝑚 𝐷 ⊂ ℂ − {0};

Scherk:𝑓(Υ) = 4

1−Υ4 𝑒𝑔(Υ) = Υ , 𝑐𝑜𝑚 𝐷 = {Υ ⊂ ℂ||Υ| < 1}, Enneper:𝑓(Υ) = 1 𝑒𝑔(Υ) = Υ , 𝑐𝑜𝑚 𝐷 = ℂ;

Bour: 𝑓(Υ) = Υ𝑚−2𝑒𝑔(Υ) = Υ , 𝑐𝑜𝑚 𝐷 = ℂ; 𝑚 ∈ ℝ; 𝑚 ≠ 0.

Dentre outros exemplos clássicos de superfícies mínimas, descobertos ao longo dos anos, destacam-se a

Superfície de Catalan (1855), a Superfície de Schawarz (1866), a Superfície Costa (1982).

Uma superfície menos conhecida é a superfície de Bour. Usando coordenadas semigeodésicas, o matemático

francês Bour publicou, em 1862, um teorema sobre superfícies rotacionais e helicoidais. Bour determinou as

superfícies de revolução aplicáveis a superfícies mínimas.

A superfície de Costa foi descoberta na segunda metade do século XX, em 1982, pelo matemático brasileiro

Celso José da Costa (1949), com base nos estudos de Karl Weierstrass. Voltaremos a falar desta superfície na próxima

seção.

Após a descoberta do Catenóide e do helicóide por Meusnier, Scherck mostrou que essas duas superfícies

são apenas dois elementos de uma mesma família de superfícies mínimas. Para obter essa família, Scherck mostrou

que o Catenóide pode ser deformado continuamente menos um meriadiano em uma volta completa do helicóide. Essa

deformação é isométrica, sendo assim, o Catenóide e o Helicóide são localmente isométricos. O processo de

“deformação” do Catenóide no Helicoide produz uma família de superfícies mínimas, conhecida como família

Page 277: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Fernanda Alves Caixeta & Tânia Maria Machado de Carvalho

269 Anais do XII SNHM -2017

associada ao catenóide, a qual pode ser obtida tomando duas funções holomorfas f e g tais que 𝑓(Υ) = 𝑒𝑖

𝑡

Υ2 𝑒 𝑔(Υ) =

Υ , 𝑐𝑜𝑚𝐷 ⊂ 𝐶 − {0}. Para cada valor de t obtém-se um elemento da família.

Primeiros trabalhos em Superfície Mínimas no Brasil

Pode-se perceber que, até então, dentre os matemáticos brasileiros que publicaram trabalhos sobre superfícies

mínimas, citamos apenas o nome de Costa. Entretanto, o estudo das superfícies mínimas despertou a atenção de muitos

pesquisadores brasileiros, que produziram grandes resultados, com efetivos desdobramentos sobre a área da Geometria

Diferencial.

A maioria das informações aqui apresentadas foram baseadas no texto de Manfredo Perdigão do Carmo

(CARMO, 1999).

Segundo a visão de do Carmo, a história da Geometria Diferencial no Brasil começa no século XIX e divide-

se em três períodos distintos: Pré-História, História e Período de consolidação da Pesquisa.

Para do Carmo, o período da Pré-história da Geometria, compreendido entre 1800 e 1957, traz como destaque

os seguintes nomes Joaquim Gomes de Souza (1829-1863), Otto de Alencar (1874-1912), Amoroso Costa (1885-

1928), Lélio Gama (1892-1981), Teodoro Ramos (1896-1936). O primeiro trabalho referente às superfícies mínimas,

no Brasil, foi publicado em 1898 na Revista da Escola Politécnica, vol.3, 137-144, pelo matemático nascido em

Fortaleza, Otto de Alencar e Silva.

A era da História da Geometria Diferencial no Brasil, segundo do Carmo, foi o período compreendido entre

1957 e 1970. Neste período, houve muitos trabalhos em Geometria Diferencial desenvolvidos por brasileiros, porém,

todos os trabalhos eram, de modo geral, realizados no exterior.

Ainda de acordo com do Carmo, o período de Consolidação da Pesquisa vai de 1970 a 1983. Do Carmo,

além de testemunha ocular do desenvolvimento da geometria diferencial no Brasil, exerceu papel fundamental na

produção e expansão das pesquisas nesta área no país. Em 1970, com a inauguração do Programa de Doutorado no

Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), as pesquisas em Geometria Diferencial passaram a ser realizadas no

Brasil e os trabalhos de diversos pesquisadores, como Keti Tenenblat (1973), Edmilson Pontes (1974), Rubens Leão

de Andrade (1975) foram publicados, consolidando as pesquisas em Geometria Diferencial no país.

Manfredo iniciou seus estudos em superfícies mínimas em 1967, quando começou o pós-doutorado na

University of California, em Berkeley, sob orientação de Shiing–Shen Chern.

Em 1972 o cearense João Lucas Barbosa terminou o doutorado na University of California, em Berkeley,

defendendo sua tese em superfícies mínimas. Um ano depois, também na mesma universidade, Plínio Simões defendeu

sua tese nesta área. Ambos orientados por Shiing–Shen Chern.

Por fim, a tese de maior impacto publicada no Brasil, foi a do paraense Celso José da Costa, em 1982, no

IMPA, sob orientação de do Carmo. O resultado principal de sua tese foi a prova da existência de uma superfície

mínima completa no espaço euclidiano tridimensional com a topologia do toro menos três pontos. Atualmente esta

superfície é conhecida como Superfície Costa. Costa desenvolveu sua teoria utilizando a representação de Weierstrass.

Mais que uma superfície mínima, a Superfície Costa era um terceiro exemplo de superfície completa, sem

autointerseções e com curvatura total finita. Até então os únicos exemplos de superfícies conhecidas com tais

propriedades eram o plano e o Catenóide. Apesar da descoberta da superfície em 1982, somente em 1985 os

matemáticos David Hoffman e William Meeks conseguiram provar que o núcleo da superfície não possuía

autointerseção e confirmaram, com o auxílio da computação gráfica, a descoberta do exemplo procurado.

Desde então muitos pesquisadores brasileiros publicaram importantes trabalhos nessa área que, ainda hoje,

representa um vasto campo de pesquisa. Em geral, os programas de pós-graduação em Geometria Diferencial no Brasil

possuem pesquisas relacionadas a subvariedades mínimas e folheações, superfícies mínimas completas em R³ e Rn,

subvariedades mínimas de uma forma espacial, grupos de transformações aplicadas às subvariedades mínimas, dentre

outras linhas de pesquisas.

Page 278: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Superfícies Mínimas:de Dido às pesquisas no Brasil

270 Anais do XII SNHM -2017

Considerações Finais

É conhecido hoje em dia que as superfícies mínimas são um caso particular das superfícies de curvatura média H

constante (superfícies cmc). A partir do problema variacional de minimizar áreas, pode-se caracterizar as mínimas

como superfícies cuja curvatura média constante é nula. Sob este ponto de vista, a curvatura média H, pode ser

interpretada como uma generalização da curvatura de curvas planas.

As pesquisas realizadas ao longo deste trabalho propiciaram uma oportunidade de perceber como se deu o

nascimento e a evolução de uma teoria de extrema importância para o desenvolvimento da matemática. Em geral, as

teorias matemáticas exercem impacto direto em outras áreas como arte, arquitetura, física, química e engenharias. Em

particular, no que diz respeito à teoria de superfícies mínimas, podemos dizer que houve impacto realmente efetivo

na maioria destas áreas.

Esperamos ter alcançado o objetivo de traçar uma trajetória referente ao contexto histórico das superfícies

mínimas, desde a lenda de Dido (que deu origem aos problemas de máximos e mínimos), passando pelo surgimento

do cálculo variacional e culminando com as pesquisas em superfícies mínimas no Brasil, ressaltando principalmente,

a cronologia das ideias que contribuíram com o avanço desta belíssima teoria. É inspirador o fato de que, para chegar

ao nível de estudos atuais, foram necessárias contribuições de tantas mentes geniais.

Bibliografia

ARBIETO, Alexander; MATHEUS, Carlos; OLIVEIRA, Krerley. 2003. O trabalho de Ennio De Giorgi sobre o

problema de Plateau. Matemática Universitária, Rio de Janeiro, v. 35, p.1-29.

CARMO, Manfredo Perdigão do. 1999. Pesquisa em Geometria Diferencial no Brasil. Matemática Universitária, Rio

de Janeiro, v. 26/27, p.01-27.

FREITAS, Ranielle Felipe Brito de; CARVALHO, Tânia Maria Machado de. 2015. Superfícies com curvatura média

constante e o Teorema de Delaunay. 75 f. TCC (Graduação) - Curso de Matemática, Faculdade de Ciências Integradas

do Pontal, Ufu, Ituiutaba, 2015.

GRIMAL, Pierre. 1993. Dicionário da Mitologia Grega e Romana. 2ª ed. Trad. Victor Jabouille. Rio de Janeiro:

Bertrand Brasil.

CARMO, Manfredo Perdigão do. 2004. Superfícies Mínimas. Rio de Janeiro: Impa.

COOLIDGE, Julian Lowell. 1940. A History of Geometrical Methods. Mineola, New York: Dover Phoenix Editions.

Fernanda Alves Caixeta

Departamento de Matemática – UFU – campus do

Pontal. Ituiutaba – Brasil

E-mail: [email protected]

Tânia Maria Machado de Carvalho

Departamento de Matemática – UFU – campus do

Pontal. Ituiutaba - Brasil

E-mail: [email protected]

Page 279: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

271 Anais do XII SNHM -2017

ALGUMAS BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TRATADOS DE GEOMETRIA PRÁTICA

PUBLICADOS NO CONTEXTO DO “SABER-FAZER” MATEMÁTICO QUINHENTISTA

Fumikazu Saito

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP – Brasil

Resumo

Neste trabalho discorremos sobre a organização do saber geométrico em alguns tratados de geometria prática que

foram publicados entre o quinhentos e o seiscentos. Demos especial ênfase aos tratados dedicados à agrimensura e ao

uso de instrumentos matemáticos, tais como Geometrie practique de Charles de Bouvelles (1479-1566), The pathwaie

to knowledge de Robert Recorde (1510-1558), Via Regia ad Geometriam e Elementes of Geometrie de Peter Ramus

(1515-1572), De l’usage de Geometrie de Jacques Peletier du Mans (1517-1582), Geometrical Practise named

Pantometria de Thomas Digges (1546-1595), Practical Geometry de Thomas Rudd (1583?-1656), Tactometria de

John Wybard ([?]-1578), A short treatise of geometry de John Babington (fl. 1635). As definições e as proposições

apresentadas nesses tratados nos remetem àquelas encontradas em Elementos de Euclides. Entretanto, elas não são

assimiladas à sua mesma estrutura formal, uma vez que foram sistematizadas de outra maneira. As definições, as

proposições e a sua organização nos dão indícios de que, historicamente, a tradição da geometria prática desenvolveu-

se à margem daquela dos fragmentos de Elementos. Além disso, apontam para outros aspectos que iluminam o

processo que disseminou o conhecimento geométrico euclidiano no ocidente latino, preenchendo algumas lacunas no

que diz respeito ao “saber-fazer” matemático quinhentista.

Palavras-chave: Matemática, História, Geometria prática, Saber-fazer.

SOME BRIEF REMARKS UPON PRACTICAL GEOMETRY TREATISES PUBLISHED IN THE SIXTEENTH-CENTURY

“KNOWING BY DOING” MATHEMATICS CONTEXT

Abstract

This work discusses the organization of geometric knowledge found in some treatises dealing with practical geometry

that were published in the sixteenth and seventeenth century Europe. Special emphasis were given to treatises that

deal with surveying and the use of mathematical instruments, such as Geometrie practice by Charles de Bouvelles

(1479-1566), The pathway to knowledge by Robert Record (1510-1558), Via Regia ad Geometriam and Elementes of

Geometrie by Peter Ramus (1515-1572 ), De l'usage de Geometrie dby Jacques Peletier du Mans (1517-1582),

Geometrical Practice named Pantometria by Thomas Digges (1546-1595), Practical Geometry by Thomas Rudd

(1583? -1656), Tactometry John Wybard ([ ?] - 1578), and The Short Treatise of Geometry by John Babington (1635).

The definitions and propositions presented in these treatises are very similar to those found in Euclid's Elements.

However, they are not assimilated to the same formal structure given by Elements, since they were systematized in

another way. The definitions, propositions, and their organization show that, historically, the tradition of practical

geometry evolved separately from that of the fragments of Elements. In addition, they point to other interesting aspects

that illuminate the process that disseminated Euclidean geometric knowledge in Latin West by filling some gaps with

respect to the “knowing by doing” mathematics in the 16th century Europe.

Keywords: Mathematics, History, Practical geometry, Knowing by doing.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 280: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Fumikazu Saito

272 Anais do XII SNHM -2017

Introdução

A geometria prática desenvolveu-se à margem da geometria especulativa encontrada nos fragmentos de Elementos de

Euclides1 e tratados a seu respeito multiplicaram-se num período em que as “matemáticas” passaram a ganhar grande

destaque nas investigações relativas à natureza e às artes (technai).2.

A geometria prática fazia parte de uma longa tradição em que os conhecimentos geométricos, euclidianos em

essência, eram mobilizados para resolver diversos problemas de ordem prática. Ela foi incorporada às artes liberais

no início do século XII e, desde então, passou a ser estudada no seio da universidade, desdobrando-se em duas

principais vias até o século XVI.3

A primeira via estruturou-se em torno das questões práticas ligadas à agrimensura em estreita conexão com

o uso de instrumentos matemáticos. 4 Essa via foi responsável, em grande parte, pela preservação e pela disseminação

dos conhecimentos geométricos euclidianos no ocidente latino medieval não só porque a gromatica, a arte da

agrimensura e a arquitetura a eles recorriam para resolver problemas práticos, mas também porque a practica

geometriae era parte integrante do quadrivium nas universidades.5 A segunda via, em estreita relação com os

conhecimentos das artes (technai), organizou-se em torno das questões ligadas à aplicação de conhecimentos

geométricos para resolver problemas mecânicos, pneumáticos, hidrostáticos, entre outros, ligados à matemática-mista

em geral.6 Assim, alguns estudiosos da natureza e das artes, tais como John Dee (1527-1608) e Egnatio Danti (1536-

1586), enfatizaram os aspectos práticos da geometria, bem como a excelência da especulação geométrica e suas

aplicações nas artes (technai). Outros, como Peletier, enalteceram a geometria prática com vistas a buscar um caminho

que a harmonizasse com a outra, especulativa, combinando o artifício com a experiência. 7

Neste trabalho discorremos sobre a primeira via, dando especial ênfase a alguns tratados que nos remetem a

outros que lidavam com a construção e o uso de instrumentos matemáticos. Tomados em conjunto, esses tratados

iluminam o processo que disseminou o conhecimento geométrico euclidiano no ocidente latino, preenchendo algumas

lacunas no que diz respeito ao “saber-fazer” matemático quinhentista.

Geometria prática no contexto do “saber-fazer” quinhentista

Um dos fatores que contribuiu para a grande circulação dessa literatura dedicada à geometria prática foi a nova

configuração social, política e econômica da sociedade europeia, que passou a valorizar antigos saberes e práticas

perpetuados por diferentes setores da sociedade.8 No século XVI, os conhecimentos geométricos, notoriamente

euclidianos, que, desde a Idade Média, transitaram em diferentes esferas de saber, tais como a astronomia, a

navegação, a agrimensura, a arquitetura, a geografia, a cartografia, a arte da guerra, a mecânica, entre muitas outras,

passaram a ser recolhidos e compilados por estudiosos da natureza e das artes (technai).

Para termos uma compreensão mais contextualizada sobre as razões que levaram esses estudiosos a

compilarem tais conhecimentos, devemos dissolver as fronteiras disciplinares e abordar a geometria prática como

parte de um processo que buscou organizar o conhecimento da natureza e das artes (technai) sobre novas bases nas

origens da ciência moderna. Isso porque o interesse por tratados de geometria prática, tais como Geometrie practique

1 Sobre a tradição de tradução e da disseminação de Elementos de Euclides no ocidente latino, vide: Clagett (1953), Murdoch (1968),

Schönbeck (1992), Stevens (2004). 2 Convém observar que devemos tomar o cuidado e não entender "artes" (tehcnai) nos séculos XV, XVI e XVII como "belas-artes".

Naquela época, "arte" (techne) tinha um sentido mais lato, ligado à prática e à experiência. Muitas vezes esse termo designava as artes mecânicas

e ao trabalho manual em oposição às artes liberais. Vide: Smith (2004, 2006); Long (2000, 2001, 2005); Rossi (1989). Sobre a techne e o saber-fazer matemático, vide: Saito e Beltran (2014) e Saito (2013). 3 A distinção entre geometria teórica e prática surgiu no início do século XII. Ela foi expressa por Adelard de Bath (1080-1152), em seus

comentários sobre os Elementos de Euclides, e estabelecida por Hugo de São Vitor (1096-1141) em Practica geometriae. A esse respeito, consulte: Hugh of Saint Victor (1956, 1961, 1991); e estudos de Homann (1991); L’Huillier (1992). 4 Sobre os instrumentos matemáticos, vide: Bennett (1998, 2003); Saito (2012, 2014). 5 A esse respeito, consulte: Shelby (1972); L’Huillier (1992); Saito (2016). 6 Sobre as matemáticas-mistas, consulte: Brown (1991), Dear (2011), Oki (2013) 7 Cf. Dee (1975), Danti (1577), Peletier (1578). 8 A esse respeito, consulte estudos de Pumfrey, Rossi e Slawinski (1991), Findlen (1994), Debus (1996), Kusukawa e MacLean (2006), Gal e Chen-Morris (2013).

Page 281: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

ALGUMAS BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TRATADOS DE GEOMETRIA PRÁTICA...

273 Anais do XII SNHM -2017

de Charles de Bouvelles (1479-1566), The pathwaie to knowledge de Robert Recorde (1510-1558), Via Regia ad

Geometriam e Elementes of Geometrie de Peter Ramus (1515-1572), De l’usage de Geometrie de Jacques Peletier du

Mans (1517-1582), Geometrical Practise named Pantometria de Thomas Digges (1546-1595), Practical Geometry

de Thomas Rudd (1583?-1656), Tactometria de John Wybard ([?]-1578), A short treatise of geometry de John

Babington (fl. 1635), entre muitos outros, esteve relacionado ao crescente aumento na circulação de outros registros

de conhecimentos práticos mais antigos.

Ao longo dos séculos XIV e XVII foram publicadas vastas compilações reunindo receitas provenientes de

origens diversas referentes a processos ligados às artes (technai). Receituários e outros tratados referentes à fabricação

e ao tingimento do vidro, de adorno de metais, de preparação de tintas e de remédios etc., encontrados em antigos

manuscritos e na tradição oral, tornaram-se disponíveis a artesão que desejassem aprender alguma técnica.9 O registro

desses processos, de conteúdo essencialmente prático, tinha em vista recolher conhecimentos que permitissem

manipular a natureza em diferentes níveis de modo a desenvolver outras tantas formas de operá-la. Em contraposição

a uma concepção de ciência (scientia) contemplativa de índole aristotélica, os estudiosos da natureza buscaram nesses

diversos procedimentos recursos que lhe permitissem operar a natureza e, a partir daí, fundar uma nova ciência sobre

novas bases.

Assim, ao lado da demanda por procedimentos e técnicas que permitissem resolver problemas de ordem

prática, o conhecimento da geometria prática se afigurava como uma forma de conhecimento operativo, uma vez que

não só propiciava o desenvolvimento de um novo programa de expansão econômica, política e cultural europeia, mas

também incentivava novas formas de elaboração de conhecimento relativo à natureza e às artes (technai), orientando

e conduzindo a novos desdobramentos na própria geometria. Uma vez que conjugava procedimentos mecânicos e

racionais, ela estabelecia uma ponte entre o saber teórico e outro mais concreto e promovia a reflexão sobre o fazer

geométrico da experiência

Entretanto, devemos aqui considerar que a geometria prática, embora possa ser compreendida como um

conjunto de conhecimentos geométricos aplicados à experiência, não se afigurava como uma geometria aplicada. Isso

porque os teoremas de Elementos de Euclides não eram pensados em função de sua aplicação.10 A distinção entre

teórico e prático apenas fazia referência a duas diferentes expressões de geometria, uma especulativa e outra prática,

sem estabelecer entre elas uma relação de subordinação. Isso é notório não só no tratamento dado ao saber geométrico,

mas também na sua organização. As proposições geométricas neles abordadas não tinham a pretensão de se verticalizar

(ou seja, de se generalizar), tampouco eram organizadas para investigar o espaço, os elementos geométricos e suas

relações de tal modo a deduzir novas proposições a partir de outras, embora algumas delas fossem respaldadas, ou

mesmo fundamentadas, nos teoremas encontrados em Elementos de Euclides.

O conhecimento geométrico prático e teórico

Muitos tratados de geometria prática recorreram não só aos teoremas, como também reproduziram algumas definições

e postulados de Elementos ao longo dos séculos XVI e XVII com vistas a valorizar (ou mesmo legitimar) os

procedimentos das artes (technai). Entretanto, ao fazê-lo, não buscaram assimilar suas proposições e procedimentos à

mesma estrutura formal proposta naquela obra, uma vez que eram neles sistematizados de outra maneira.

Em linhas gerais, esses tratados definem a geometria como a “arte de bem medir”, seguindo de perto a

tradição medieval que consagrou o uso da etimologia para organizar os diferentes saberes. Geometria, dessa maneira,

era definida segundo sua finalidade, ou seja, no sentido de terrae mensura, ou ainda, de agri mensura, por meio do

uso de instrumentos matemáticos.11 Contudo, diferentemente dos tratados que lidam com instrumentos matemáticos,

os de geometria prática discorrem sobre os “princípios” em que estão assentados os conhecimentos geométricos

mobilizados nos procedimentos da construção e do uso de tais instrumentos.

Essas compilações organizaram os conhecimentos geométricos de maneira muito similar àquela que

9 Cf. estudos de Eamon (1994), Alfonso-Goldfarb (1994), Beltran (2002). 10 Convém observar que antes do século XIX inexistia uma ciência (e, portanto, a matemática) aplicada. A esse respeito, consulte estudos

de: Kline (2011), Bud (2012), Alexander (2012), Saito e Beltran (2014). 11 A esse respeito, consulte Hugh of Saint Victor (1956, 1961, 1991); e estudos de Homann (1991) e Saito (2014, 2015).

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Fumikazu Saito

274 Anais do XII SNHM -2017

encontramos em Elementos de Euclides, começando por apresentar definições e proposições que, em alguns tratados,

são apresentados em forma de problemas. Desse modo, todos os tratados definem inicialmente ponto, reta, segmento,

superfície, volume etc. e apresentam, em seguida, diferentemente de Elementos, proposições que instruem sobre

construções geométricas por meio do manuseio de régua e de compasso. Essas proposições não são encadeadas

dedutivamente, derivando uma proposição a partir de outra, mas respeitando uma sequência de procedimentos

práticos. Por exemplo, a proposição que versa sobre a divisão de um segmento em partes congruentes, é precedida de

outras que ensinam a traçar retas paralelas, perpendiculares, mediatriz etc., visto que tais procedimentos são

mobilizados para dividir um segmento.

Embora esses tratados se refiram direta ou indiretamente a instrumentos, o seu conteúdo, entretanto, é bem

diversificado. Alguns deles versam sobre circunferências e suas propriedades, além de procedimentos para

inscreverem e circunscrevem polígonos e planificarem alguns sólidos platônicos.12 Outros sobre pirâmides, cilindros,

cones e prismas, apresentando diferentes recursos geométricos para o cálculo de volumes e outras considerações

práticas para calcular capacidade de recipientes com formatos diversos.13

No que diz respeito aos “princípios” geométricos, todos eles definem na mesma sequência o ponto, a linha,

a superfície e o volume, bem como ângulos, retas, figuras etc. Porém, tais definições são consideradas e apresentadas

de maneira diversificada de modo que não são homogêneas em todos os tratados de geometria prática e muitas delas

mantêm apenas uma relação de similaridade com aquelas encontradas em Elementos de Euclides. Por exemplo, o

ponto é definido como “aquilo que não possui partes” e a linha (e, consequentemente a reta) como “aquilo que possui

comprimento, mas não largura ou espessura”, tal como em Elementos.14 Entretanto, nos tratados de geometria prática,

tanto o ponto, quanto a linha, são explicitamente considerados naturais e não imaginários (como em Elementos), visto

que se referem a corpos sensíveis. Recorde, por exemplo, define que ponto (ou pricke) é “a forma pequena e insensível,

que não tem partes, ou seja, que não tem comprimento, nem largura, nem profundidade” (RECORDE, 1574, 1602).

Observando que esta definição é mais conhecida em sua forma teórica ou especulativa, Recorde sugere que o ponto

deve ser entendido como um “pingo de pena imóvel”, como a mínima parte que deve ser considerada para desenhar.

O ponto seria, assim, o princípio de toda geometria, como observa Ramus, ao afirmar que ele, embora não seja

grandeza, é o início e o começo de todas as grandezas, pois todas elas estão nela em potência: “O ponto não tem

grandeza, mas somente neste sentido, isto é, aquilo que numa grandeza é concebida e imaginada ser indivisível; e

embora seja vazia de toda dimensão (bigness) ou grandeza (magnitude), ainda assim é o começo de todas elas

(RAMUS, 1636, p. 9).

Notemos que, diferentemente da definição de Recorde, o ponto para Ramus (1636) não era imóvel, uma vez

que a linha surgiria do seu movimento. De acordo com ele, o ponto, em ato, que seria linha em potência, daria a origem

à linha e, a linha, em ato, se tornaria superfície em potência. Dessa maneira, o ponto seria o início e o fim da linha e,

em termos, práticos, corresponderia ao traçado entre dois pontos.

Do mesmo modo que a linha, a superfície é geralmente definida como “aquilo que tem somente comprimento

e largura” (sem espessura) ou como uma composição de linhas que é delimitada por linhas15. Recorde (1574, 1602),

por exemplo, afirma que “... diversas linhas determinam variadas formas (fourmes), figuras (figures) e “formatos”

(shapes) que são denominadas por um nome próprio, Superfícies (Platte fourmes), possuindo todos eles comprimento

e largura, mas não profundidade”. 16 Ele ainda observa que todas superfícies podem ser planas (plaines), tortas

(crooked), ou mistas, isto é, parcialmente planas e tortas. Diferentemente de Recorde, Bouvelles (1551, p. 5r) define

a superfície por meio do número mínimo de pontos necessários cercá-la, isto é, três pontos. A superfície, dessa

maneira, é definida como um plano que tem largura e comprimento, carecendo, entretanto, de profundidade. Desse

modo, a superfície é definida como uma “forma” delimitada por linhas.

No que diz respeito ao volume, sua definição varia significativamente, embora em todos os tratados ele seja

definido como um corpo que possui comprimento, largura e profundidade. Bouvelles (1551, p. 5v), por exemplo, o

12 Por exemplo, Bouvelles (1551), Peletier (1573), Digges (1591). 13 Por exemplo, Bouvelles (1551), Digges (1591), Wybard (1650). 14 Vide: Digges (1571), Peletier (1578), Bouvelles (1551). 15 Vide: Digges (1571), Peletier (1578), Bouvelles (1551), Ramus (1590, 1636), Babington (1635). 16 Vide também Digges (1571), Peletier (1578), Ramus (1590, 1636).

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ALGUMAS BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TRATADOS DE GEOMETRIA PRÁTICA...

275 Anais do XII SNHM -2017

define como um corpo (corps) que tem número mínimo de quatro pontos que determinam as linhas que delimitam as

superfícies que constituem o corpo. Essa definição, entretanto, difere, por exemplo, daquela fornecida por Recorde

(1572, 1602) que compreende o volume como um sólido, portanto, como um corpo (body) maciço.17

Do mesmo modo que Recorde, Ramus (1636) define volume como um corpo sólido delimitado por

superfícies. E observa ainda que: “... o limite de um corpo (body) é uma superfície (surface): e, portanto, uma

superfície não é um corpo, ou qualquer parte de um corpo...” (RAMUS, 1636, p. 242). Para Ramus, do mesmo modo

que o ponto não faz parte da linha e a linha, da superfície, esta não é parte do sólido. Tanto para Recorde, quanto para

Ramus, o sólido é delimitado por superfícies, porém não é por elas composto.

Considerações finais

Essas diferentes definições estavam relacionadas às diferentes regras com que os diversos segmentos das artes

(technai) organizavam seus conhecimentos. Particularmente, no que diz respeito à tradição dos agrimensores e dos

arquitetos, a linha, a superfície e o volume delineavam as três principais vertentes de estudo da geometria prática, isto

é, a longimetria, a planimetria e a stereometria, que desde a Baixa Idade Média estavam orientadas para resolver

problemas de ordem prática em que a medida e as construções geométricas constituíam-se base de todo procedimento

geométrico. É notório assim que esses tratados enfatizassem aqueles aspectos mais empíricos e prático do saber

geométrico. Contudo, a riqueza desses tratados não pode ser reduzida apenas ao seu caráter prático e operativo. Uma

vez que conjugavam procedimentos racionais e mecânicos, os tratados de geometria prática colocaram novas questões

e desafios aos estudiosos de matemáticas. Desse modo, a geometria prática não só preservou e disseminou o

conhecimento geométrico euclidiano no ocidente latino, mas também conduziu a novos desdobramentos teóricos e

impulsionou o desenvolvimento de novas geometrias a partir do século XVII.

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Fumikazu Saito

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E-mail: [email protected]

Page 286: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

278 Anais do XII SNHM -2017

ESCOLA KERALA DE MATEMÁTICA E ASTRONOMIA: CONTRIBUIÇÕES AO

DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO

Davidson Paulo Azevedo Oliveira

Instituto Federal de Minas Gerais – IFMG – País

Douglas Gonçalves Leite

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP

Maria Maroni Lopes

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

Resumo

Este texto discute alguns resultados de um estudo sobre a Matemática indiana e tem como objetivo apresentar uma

visão geral das contribuições da matemática Kerala ao desenvolvimento do Cálculo. A escola Kerala de astronomia e

matemática foi fundada por Madhava, no sul da Índia, e é reconhecida historicamente como uma das maiores escolas

indianas a produzir obras na área de trigonometria e astronomia. Entre seus estudos, encontram-se as relações

trigonométricas diretamente associadas à descoberta dos valores de Seno e Cosseno. Destaca-se, assim, uma temática

que é abordada pelos matemáticos indianos e que possui uma ligação direta ao cálculo desenvolvido na Europa. Por

volta do século XV, período de Madhava, os matemáticos indianos já possuíam conhecimento sobre séries de potência

e expansões numéricas. No entanto, as dimensões conceituais e epistemológicas, base da matemática indiana não se

aproximavam com o que era abordado na matemática grega clássica. Apresentam-se, como resultados, os trabalhos

realizados pela escola Kerala de matemática e astronomia, que produziu muitas obras sobre trigonometria, como a

série de aproximações para seno e cosseno de Madhava, assim uma série similar ao que conhecemos hoje como um

caso da série de Taylor. Trata-se em específico das relações existentes entre a chamada Série de Maclaurin, a Série de

Taylor e o que elas possuem em comum com as séries de potência do seno, cosseno, descobertas pelos indianos. É

visto que a chamada expansão numérica para o seno, representada pela sequência, trata-se de um caso particular da

Série de Maclaurin, a qual na realidade caracteriza-se como uma série de potências. Desse modo, conclui – se que a

série de potências do seno discutida nesse texto, que seria abordada inicialmente com Madhava e seus alunos em

Kerala, foi diretamente associada a um possível resultado da Série de Taylor, quando inserida em um caso particular

da Série de Maclaurin.

Palavras-chave: Matemática Kerala; Série de potência de seno e cosseno; Série de Taylor.

KERALA SCHOOL OF MATHEMATICS AND ASTRONOMY: CONTRIBUTIONS TO THE DEVELOPMENT OF CALCULUS

Abstract

This paper discusses some results of a study on Indian Mathematics and aims to present an overview of the

contributions of Kerala mathematics to the development of Calculus. The Kerala School of astronomy and

mathematics was founded by Madhava, in South India, and is historically recognized as one of the largest Indian

schools to produce works in the area of trigonometry and astronomy. Among his studies, we can point out the

trigonometric relations directly associated with the discovery of the values of Sine and Cosine. It highlights a thematic

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 287: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Davidson Paulo Azevedo Oliveira, Douglas Gonçalves Leite, Maria Maroni Lopes.

279 Anais do XII SNHM -2017

that is approached by Indian mathematicians and has a direct connection to the calculus development in Europe. By

the fifteenth century, the Madhava period, Indian mathematicians already possessed knowledge of power series and

numerical expansions. However, the conceptual and epistemological dimensions, the basis of Indian mathematics, did

not approximate what was addressed in classical Greek mathematics. The results of the Kerala school of mathematics

and astronomy, which produced many works on trigonometry, such as the series of approximations for sine and cosine

of Madhava, are presented as results, thus a series similar to what we know today as a case of the series Of Taylor. It

deals specifically with the relationships between the so-called Maclaurin Series, the Taylor Series, and what they have

in common with the sine-power series, cosine, discovered by the Indians. It is seen that the so-called numerical

expansion for the sine, represented by the sequence, is a particular case of the Maclaurin Series, which in reality

characterizes itself as a series of powers. Thus, it is concluded that the series of powers of the breast discussed in this

text, which would be approached initially with Madhava and his students in Kerala, was directly associated to a

possible result of the Taylor Series, when inserted in a particular case of the Series of Maclaurin.

Keywords: Kerala Mathematics, Sine and Cosine, Taylor Series.

1 Introdução

As pesquisas históricas sobre o desenvolvimento do Cálculo Infinitesimal, usualmente, são associadas à sua gênese,

problemas geométricos da Grécia Antiga. Os paradoxos de Zenão e métodos para a descoberta de área e volume,

trabalhados por Arquimedes possuem direta correspondência com relação aos conceitos do cálculo. Deste modo, é

possível apresentar uma trajetória entre conceitos gregos e o que se desenvolvia de matemática na Europa ao longo

dos séculos XV-XVII. Nomes como os de Pierre Fermat (1601-1665), Christiaan Huygens (1629 -1695), John Wallis

(1616 -1703), Isaac Barrow (1630 - 1677), são associados como grandes colaboradores desse movimento matemático

na Europa, isso antes mesmo de serem apresentados por Newton e Leibniz.

De acordo com Nobre (2002) as investigações históricas se renovam e de tempos em tempos, as verdades se

modificam e se atualizam. Assim, afirmações tidas como verdade absoluta, transformam-se em verdades relativas, o

que leva historiadores a realizarem análises críticas em obras escritas no passado, com o intuito de efetivarem as

necessárias correções. Nobre destaca que:

Como todo o movimento científico do mundo ocidental, a escrita da história das ciências,

e da matemática, também obedece as regras impostas por ele e é feita de forma a dar

continuidade e a promover o pensamento dominante originário nessa civilização. No

entanto, nos últimos anos, há um relativo fortalecimento da divulgação da história

científica originária a partir de povos não ocidentais, ou então daqueles considerados à

margem do mundo ocidental. (NOBRE, 2002, p. 4).

Nessa direção, historiadores de diferentes países tem buscado contribuir com esse movimento de uma escrita

da história que considere outros conhecimentos matemáticos de povos não europeus. Para Ernest (2009), existe hoje

uma ampla literatura apoiando à tese de que a matemática foi escrita dando ênfase às concepções eurocêntricas1.

Assim, as raízes africanas e asiáticas da civilização clássica foram sendo negligenciadas, descartadas e até negadas.

Em meio a essa “linha histórica” nos valemos desse intervalo entre os séculos VI e XV da era atual, para

questionar sobre a possibilidade de criação de conceitos matemáticos por outros povos e suas contribuições ao

conhecimento moderno. Dentre as possibilidades existentes destacamos os estudos indianos da escola Kerala de

Matemática e Astronomia.

Cumpre lembrar que as dimensões conceituais e epistemológicas, base da matemática indiana, tinha pouca

1 Outros exemplos podem ser vistos nos trabalhos desenvolvidos por Almeida e Joseph (2004), Joseph (2007) e Webb (2014).

Page 288: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Escola Kerala de Matemática e Astronomia: contribuições ao desenvolvimento...

280 Anais do XII SNHM -2017

afinidade com o que era apresentado na matemática grega. Os antigos livros indianos nos quais eram encontradas as

fórmulas matemáticas nem sempre eram livros com foco na matemática, muitas vezes eram livros de astronomia, ou

religião (PLOFKER, 2009). Mas a matemática parecia estar presente no cotidiano dos indianos, inclusive em rituais

religiosos.

Os textos mais antigos escritos em Sânscrito (uma das 23 línguas oficiais da Índia) fazem parte de um grupo

de textos religiosos conhecidos como Os Vedas, agrupados tradicionalmente em quatro coleções.

Os textos falam sobre hinos, mantras, rituais, sacrifícios religiosos, orações, e maldições, mas qual seria a

relação desses textos com a antiga matemática indiana? Para começar, eles revelam que um sistema decimal

regularizado de números escritos por extenso, potências de dez, incluindo números combinados envolvendo dezenas

e unidades já eram usados pelos indianos (PLOFKER, 2009). Ocorreu, também, o uso de números extensos muito

grandes, maiores que potências de dez, chegando até a um trilhão.

Alguns dos textos de prática de rituais explicam como diferentes tipos ou objetivos dos rituais estavam

associados com os diferentes tamanhos e formas dos altares de fogo, os quais deviam ser construídos de tijolos cozidos

de números prescritos e dimensões. Muitas formas de altares envolviam simetria de figuras simples como quadrados,

retângulos, triângulos, trapézios, romboide, e círculos. Frequentemente, uma forma era transformada em uma forma

diferente do original, mas mantinha-se o seu tamanho, por isso, as regras do Sulba-Sultra muitas vezes envolvem o

que chamaríamos de transformações de figuras planas de preservação da área, e assim, incluem as primeiras versões

indianas de fórmulas geométricas e constantes (PLOFKER, 2009).

Almeida e Joseph (2004) ressaltam que por falta de conhecimento ou preconceito decorrente de valores e

concepções ideológicas, a história eurocêntrica da matemática, negligencia as raízes não europeias da matemática.

Embora a invenção do zero pelos matemáticos indianos tenha sido reconhecida há muito tempo, o significado disso

como o ponto de partida do sistema decimal é muitas vezes subestimado.

Entre os séculos XV e XVIII a Escola Kerala produziu muitas obras sobre trigonometria, como a derivação

de Madhava da série de aproximações para seno e cosseno, uma série bem similar ao que conhecemos hoje como um

caso da série de Taylor. Essas concepções nos leva a crer que esses povos já portavam um conhecimento introdutório

do Cálculo antes dos estudos europeus. Para alguns pesquisadores há uma semelhança entre as séries trigonométricas

indiana e as séries europeias, no entanto não discutiremos nesse artigo se houve transmissão desse estudo para Europa,

e como pode ter se dado essa transmissão, o enfoque dado no texto refere-se a produção matemática desenvolvida em

Kerala e como se dá a sua ligação com o cálculo.

Assim, objetiva-se, neste texto, apresentar uma visão geral das contribuições da matemática Kerala ao

desenvolvimento do Cálculo.

A fim de indicar alguns dos conceitos e métodos desenvolvidos pelos astrônomos de Kerala, abordamos em

específico as relações existentes entre a chamada Série de Maclaurin, a Série de Taylor e o que elas possuem em

comum com as séries de potência do seno, cosseno, descobertas pelos indianos.

2 A Escola Kerala de astronomia e matemática

A escola Kerala de astronomia e matemática foi fundada por Madhava no sul da Índia, reconhecida

historicamente como uma das maiores escolas indianas a produzir grandes obras na área de trigonometria e astronomia.

Entre seus estudos, encontram-se as relações trigonométricas diretamente associadas à descoberta dos valores de Seno,

Cosseno. Destaca-se nesses estudos um grupo de professores originários de Madhava que era chamado de

“Guruparampara”. Nomes como: Parameswara, Damodara, Neelkantha Somayaji, Jyesthadeva, Achyuta Pisharati,

Melpathur, Narayana Bhattathiri e Achyuta Panikar eram membros ativos da referida Escola.

Page 289: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Davidson Paulo Azevedo Oliveira, Douglas Gonçalves Leite, Maria Maroni Lopes.

281 Anais do XII SNHM -2017

Ascendência dos eruditos do cálculo da escola de Kerala (JOSEPH, 2014, p.104).

É provável, que o cálculo na Índia tenha sido desenvolvido nesse período, pois muitos livros foram publicados

trazendo significativas contribuições para o referido tema. A Escola fez uso intuitivo da indução matemática para

provar alguns resultados.

Madhava é responsável por vários trabalhos, Joseph (2014) destaca que o indiano desenvolveu o seguinte

resultado, o qual é atribuído a Gregory e Leibniz.

Quando r = 1 temos:

O (i) é atribuído a Gregory e o (ii) é atribuído a Gregory e Leibniz.

Webb afirma que:

The main focus of many works from the Madhava school was on trigonometry and other

Page 290: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Escola Kerala de Matemática e Astronomia: contribuições ao desenvolvimento...

282 Anais do XII SNHM -2017

circle properties. This focus stemmed from necessity; Indian astronomers relied heavily

on sine tables and trigonometric values to compute the positions of stars and predict when

astronomical events such as eclipses would happen. (WEBB, 2014, P. 249).

Com isso, vemos que os indianos tiveram fundamental importância na descoberta de relações trigonométricas

conhecidas atualmente. Suas contribuições não se limitam a tábuas de calcular valores trigonométricos, destacamos

aqui uma possibilidade de contribuição direta da escola de Kerala para a criação do cálculo leibniziano como destaca

Kim Plofker:

[…] the power series that Madhava’s followers so caregully elucidated were equivalent

to what we know as Maclaurin series expansions for the sine, cosine, and arctangent. In

particular, Madhava found what is essentially “Lebniz’ infinite series for the ratio of the

circumference of a circle to its diaeter, and also derived a numerical value eqiuivalent to

PI= 3.14159265359. (PLOFKER, 2007, P. 481 ).

Portanto, é possível afirmar que no período de Madhava, por volta do século XV, os matemáticos indianos

já possuíam conhecimento sobre séries de potência e expansões numéricas as quais, atualmente são reconhecidas por

matemáticos europeus como Colin Maclaurin (1698-1746) e Brook Taylor (1685-1731).

3 Matemática Indiana: contribuições dos keralas ao estudo do Cálculo

De acordo com o exposto anteriormente, nos valemos das afirmações para discorrer sobre as contribuições da Escola

de Kerala ao cálculo. Discute-se em específico as relações existentes entre a chamada Série de Maclaurin, a Série de

Taylor e o que elas possuem em comum com as séries de potência do seno, cosseno, descobertas pelos indianos.

Generalização da chamada Série de Taylor:

𝑓(𝑧) = ∑𝑓(𝑛)(𝑎)

𝑛!(𝑧 − 𝑎)𝑛

𝑛=0

Por outro lado, temos que a série de Maclaurin é conhecida como um caso particular da Série de Taylor, caso

em que é adotado o valor de a = 0, ou seja, a série analisa ao redor do ponto a, assim:

𝒇(𝒙) = ∑𝒇(𝒏)(𝒂)

𝒏!(𝒙 − 𝒂)𝒏∞

𝒏=𝟎 = 𝑓(𝑥) = ∑𝑓(𝑛)(0)

𝑛!(𝑥)𝑛∞

𝑛=0 = 𝑓(0) + 𝑓′(0)

1! 𝑥 +

𝑓′′(0)

2! 𝑥² + ... +

𝑓𝑛(0)

𝑛!+...

Com isso, é visto que a série de Maclaurin se apresenta como um caso particular da generalização da Série

de Taylor. Pensando com relação ao que foi dito anteriormente, a existência de uma ligação entre a Série de Maclaurin

com alguma expansão numérica, ou alguma série de potências. Para isso será necessário utilizar de certa manipulação

algébrica e adotar as seguintes considerações.

Definimos 𝑓(𝑥) = sin (x).

Com relação às suas derivadas, temos que:

𝑓(0) = sin (0) = 0

𝑓′(𝑥) = cos (0) = 1

𝑓′′(0) = -sin (0) = 0

𝑓′′′(𝑥) = - cos (0)= -1 (*)

𝑓4(0) = sin (0) = 0

𝑓5(0) = cos (0) = 1.

Page 291: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Davidson Paulo Azevedo Oliveira, Douglas Gonçalves Leite, Maria Maroni Lopes.

283 Anais do XII SNHM -2017

Consideremos então a Série de Maclaurin da forma:

𝑓(𝑥) = ∑𝑓(𝑛)(0)

𝑛!(𝑥)𝑛∞

𝑛=0 = 𝑓(0) + 𝑓′(0)

1!𝑥 +

𝑓′′(0)

2! 𝑥² +

𝑓′′′(0)

3! 𝑥³... +

𝑓𝑛(0)

𝑛!+...

Deste modo, podemos substituir (*) em 𝑓(𝑥) = ∑𝑓(𝑛)(0)

𝑛!(𝑥)𝑛∞

𝑛=0 , resultando então uma expansão numérica

da forma:

𝑓(𝑥) = ∑𝑓(𝑛)(0)

𝑛!(𝑥)𝑛∞

𝑛=0 = 0 + 1

1!𝑥 + 0 +

−1

3!𝑥3 + 0 +

1

5!𝑥5 + 0 +

−1

7!𝑥7 + 0 + ....+...

Sendo assim, é possível apresentar a forma da expansão acima, caracterizada pela sequência da forma:

0 + 1

1!𝑥 + 0 +

−1

3!𝑥3 + 0 +

1

5!𝑥5 + 0 +

−1

7!𝑥7 + 0 + .... =

(−1)𝑛

(2𝑛+1)! 𝑥2𝑛+1 .

Por outro lado, sabe-se que a escola de Kerala era reconhecida pelo seu profundo conhecimento sobre

expansões numéricas e séries de potências com relação ao seno e cosseno como destacado.

Deste modo, analisando a expansão numérica dada pela sequência da forma: (−1)𝑛

(2𝑛+1)! 𝑥2𝑛+1 percebe – se que

esta se trata de uma expansão numérica para o seno.

sin (x) = (−1)𝑛

(2𝑛+1)! 𝑥2𝑛+1.

Portanto é visto que a chamada expansão numérica para o seno, representada pela sequência, trata-se de um

caso particular da Série de Maclaurin, a qual na realidade caracteriza-se como uma série de potências. Desse modo,

conclui – se que a série de potências do seno apresentada aqui, que seria trabalhada inicialmente com Madhava e seus

alunos em Kerala, foi diretamente associada a um possível resultado da Série de Taylor, quando inserida em um caso

particular da Série de Maclaurin.

Recorremos dessa associação para relatar uma possibilidade de contribuição dos indianos para o cálculo

europeu.

Para além desses estudos, afirmações como as de Joseph, apresentam outras contribuições diretas ao cálculo

leibniziano.

We know, from the reports of those who came after him, of Madhava’s contribution to the

development of Kerala mathematics. He was frequently referred to as Golavid or “One

Who Knows the Sphere.” His fame rests on his discovery of the infinite series for circular

and trigonometric functions, notably the Gregory series for arctangent, the Leibniz series

for pi, and the Newton power series for sine and cosine (JOSEPH, 2011, p. 420)

Por fim, é necessário ressaltar que além das expansões sobre o sin(x) entre outros conceitos, estes resultados

podem ser diretamente relacionados às formas de matemática desenvolvida pelos Keralas, os quais, não receberam

tanto prestígio quanto a matemática europeia.

Destaca-se a possibilidade de inserção de todo um grupo de matemático na “linha histórica” do cálculo, esta

que não deve ser considerada como algo linear, com respectiva trajetória, a qual apresenta intervalos, e estes

respectivos intervalos não garantes a “não criação” de conteúdos, e sim reforçam a possibilidade e até mesmo a falta

de informação sobre as reais contribuições dos indianos para a matemática europeia dos séculos XV-XVII.

4 Considerações Finais

Os matemáticos da escola Kerala estavam interessados em vários estudos, em meados do século XIV tinham

claramente dominado a técnica de manipulação do infinito, um dos pilares do Cálculo. No período de Madhava,

possuíam conhecimento sobre séries de potência e expansões numéricas. Assim, uma série textos originais foram

produzidos durante este período.

Alguns dos pesquisadores estudados, nesse texto, ressaltam que a tradição hindu do cálculo pode ser mais

antiga que a europeia, mas a escrita da história das ciências e em específico, da história da matemática foi escrita

dando ênfase às concepções eurocêntricas. Desse modo, uma das formas mais coerente de investigar e entender a

Page 292: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Escola Kerala de Matemática e Astronomia: contribuições ao desenvolvimento...

284 Anais do XII SNHM -2017

matemática de Kerala é compreendê-la dentro da epistemologia em que foi desenvolvido, fazer o contrário pode

comprometer seu significado cultural.

Referências

ALMEIDA, D. F. and JOSEPH, G. G. 2004. Eurocentrism in the History of Mathematics: the Case of the Kerala

School, Race & Class, Vol. 45, No. 4. 5-59.

ALMEIDA, D. F.; JOSEPH, G. G. 2009. Kerala Mathematics and Its Possible Transmission to Europe. In: ERNEST,

P.; GREER, B.; SRIRAMAN, B.; (Org). Critical Issues in Mathematics Education. 171 – 183.

ERNEST, P. 2009. The philosophy of mathematics, values, and keralese mathematics. In: ERNEST, P.; GREER, B.;

SRIRAMAN, B.; (Org) Critical Issues in Mathematics Education. 189 – 213.

JOSEPH, G. J. 2011. The Crest of Peackok. Ed. Princeton University Press. 3ª ed.

KATZ, V. J. 2007. The Mathematics of Egypt, Mesopotamia, China, India, and Islam: A Sourcebook. Princeton:

Princeton University Press.

NOBRE, S. R. 2002 Introdução À História Da História Da Matemática: das origens ao Século XVIII. In: Revista

Brasileira de História da Matemática – Vol 2 no 3, 2002 – pag. 3 – 43.

PLOFKER, K. 2009. Mathematics in India. Pinceton University Press. Princeton.

PLOFKER, K. 2007. The mathematics of Egypt, Mesopotamia, China, India, and Islam. 480 – 493.

Davidson Paulo Azevedo Oliveira

Departamento de Matemática – IFMG – Campus Ouro Preto –

Brasil

E-mail: [email protected]

Douglas Gonçalves Leite

Educação Matemática – UNESP – Campus de Rio Claro – Brasil

E-mail: [email protected]

Maria Maroni Lopes

Departamento de Ciências Exatas e Aplicadas – UFRN – Campus

de Caicó – Brasil

E-mail: [email protected]

Page 293: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

285 Anais do XII SNHM -2017

AS REDUÇÕES AO IMPOSSÍVEL NOS ELEMENTOS DE EUCLIDES: CARACTERÍSTICAS

ESTRUTURAIS, TEXTUAIS E EPISTEMOLÓGICAS

Gustavo Barbosa (UNESP – Rio Claro)

Este trabalho tem como objetivo analisar as demonstrações por absurdo nos Elementos de Euclides, bem como outro

tipo de redução presente na obra euclidiana. Primeiramente são verificados em quais livros dos Elementos encontram-

se as proposições ou lemas que empregam estes tipos de demonstração. Depois examina-se os elementos textuais

contidos em cada uma delas e em que elas se distinguem. São ainda estudados a variedade de hipóteses contras as

quais as contradições se estabelecem e ainda a relação entre proposições demonstradas por redução e as que são

provadas de forma construtiva segundo critérios de causa e consequência. Para isso é indispensável acompanhar os

comentários de Proclus ao primeiro livro dos Elementos paralelamente à obra do matemático de Alexandria. Proclus

enriquece a apreciação dos Elementos enquanto acrescenta informações históricas nos comentários que faz às

proposições e inclui também esclarecimentos metodológicos que nos permitem cotejar procedimentos utilizados por

Euclides com pensadores anteriores a ele.

Palavras-chave: Demonstração; Redução; Euclides.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 294: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

286 Anais do XII SNHM -2017

A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA COMO FONTE DE SENTIDOS

Edilene Simões Costa dos Santos (UFMS) – [email protected]

Este trabalho tem como objetivo refletir acerca da potencialidade da história da matemática com fonte de sentidos.

Essa reflexão se deu no âmbito de uma pesquisa de doutorado que analisou o ensino-aprendizagem utilizando a história

da matemática na concepção de circunstâncias produtoras e sistematizadoras do conceito de área como grandeza

autônoma e procedimentos para sua medida. Em outras palavras, o estudo analisou o valor didático da história da

matemática para construção de conceitos matemáticos no ensino fundamental. A efetivação da proposta da pesquisa

ocorreu por meio da organização, aplicação e análise de uma sequência de 17 atividades, elaboradas a partir do

contexto histórico da matemática, trabalhadas em duas turmas de quinto ano do ensino fundamental, em duas escolas

da rede de ensino público do Distrito Federal. Para o objetivo deste artigo levantamos a seguinte asserção: Atividades

elaboradas a partir histórico da matemática possibilita ao estudante produzir sentidos, construir e reconstruir saberes,

a partir da participação ativa, criativa e solidária. Para González Rey (2009), a produção de sentido é associada a uma

configuração pessoal que tem uma história e um contexto social os quais se veiculam, de uma forma determinada,

diante da ação concreta de um sujeito. As atividades propostas configuram-se em um contexto social promotor de

subjetividade, permitindo a participação do aluno, sua exposição diante da aprendizagem, sem medo do erro que é

uma possibilidade presente em todo o processo da aprendizagem. Concluímos que a história da matemática representa

uma opção pedagógica de abordagem dos conteúdos, pois permite ao professor problematizar situações que tornam a

aprendizagem significativa para o aluno, além de favorecer momentos de produções cognitivas nas quais podemos

identificar e interpretar os procedimentos e a apropriação significativa do conhecimento matemático tornou-se

favorável para o desenvolvimento do raciocínio lógico, da capacidade de induzir, deduzir e inferir, desenvolvimento

do senso crítico, da imaginação e da criatividade do aluno, para a manifestação da curiosidade da criança em relação

ao tema, e para a manifestação de suas propriedades artísticas. Então, a história da matemática utilizada como

instrumento didático pode estimular a autoconfiança na capacidade de aprender matemática e constituir-se em

geradora de sentidos.

Palavras-chave: História da Matemática; Aprendizagem; Produção de Sentido.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 295: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

287 Anais do XII SNHM -2017

O SEGUNDO DOUTOR EM CIÊNCIAS MATEMÁTICAS NO BRASIL: JOÃO BAPTISTA DE

CASTRO MORAES ANTAS

Mônica de Cássia Siqueira Martines

Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM – Brasil

Resumo

Neste artigo, pretendemos relatar parte da pesquisa de Doutorado defendido no ano de 2014, referente ao segundo

Bacharel em Matemáticas a obter o título de Doutor em Ciências Matemáticas após apresentar uma dissertação de

doutorado a Escola Militar. Nossa busca foi impulsionada por tentar compreender a Matemática que foi desenvolvida

nas Teses de Doutorado apresentadas à Escola Militar entre 1842 e 1858 no Brasil. No entanto, para compreendermos

o por quê deste grau no Brasil, iniciamos uma pesquisa sobre a Academia Real Militar. Queríamos saber como ela

fora criada, quais mudanças teriam ocorrido ao longo dos anos e como surgiu a ideia de conceder o grau de doutor em

Ciências Matemáticas. Através das leituras dos decretos e leis sobre a Academia Real Militar e suas reformas,

percebemos uma série de decretos que atualizaram e deram novas diretrizes a Academia Real Militar a transformando

em 1839 em Escola Militar e, em 1842 nessa escola, instituiu-se o grau de Doutor em Ciências Matemáticas. Neste

ano e nos seguintes, até 1846, os professores da referida escola receberam o título sem outra exigência qualquer. Com

a publicação da Regularização de 29 de setembro de 1846, são dadas orientações àqueles que desejassem obter o título

de Doutor. Nesse contexto apresentamos João Baptista de Castro Moraes Antas, que em 01 de fevereiro de 1848,

entregou sua dissertação de doutorado ao Dr. José Gomes Jardim e, no dia 28 de maio de 1848, recebeu seu grau de

Doutor na presença do Imperador D. Pedro II. Na dissertação A Theoria Mathematica das Probabilidades, João

Baptista de Castro Moraes Antas, faz um apanhado histórico desta teoria ao longo dos anos. Em 26 de julho de 1856

foi nomeado como o primeiro Comandante do Corpo de Bombeiros, por indicação do Imperador D. Pedro II, natural

do Rio de Janeiro faleceu em 1858. A pesquisa tem abordagem qualitativa e visa divulgar a História da Matemática

no Brasil.

Palavras-chave: História da Matemática; Grau de Doutor em Ciências Matemáticas; João Baptista de Castro Moraes

Antas.

THE SECOND DOCTOR IN MATHEMATICAL SCIENCES FROM BRAZIL: JOÃO BAPTISTA DE CASTRO MORAES ANTAS

Abstract

In this article, we intend to report part of the doctoral research defended in the year 2014, referring to the second

Bachelor in Mathematics as Doctor of Mathematical Sciences after presentation of a doctoral dissertation to the

Military School. Our search was driven by timeless mathematics that was developed in the Doctoral Thesis presented

to the Military School between 1842 and 1858 in Brazil. However, in Brazil, begins a research on the Royal Military

Academy. We wanted to know how it is to the garage, what is what is what is what is what is is what is is what is is

what is is what is is what is what you want to say. Through the reading of the decrees and laws on a Royal Military

Academy and its reforms, we noticed a series of decrees that updated and gave new guidelines to the Royal Military

Academy transforming in 1839 into Military School and in 1842 in that school, was instituted the degree of Doctor of

Mathematical Sciences. In this year and the next, until 1846, teachers of the critical class received the title without

any other requirement whatsoever. With the publication of the Regularization of September 29, 1846, guidelines are

given at a distance that wish to obtain the title of Doctor. In this context we present João Baptista de Castro Moraes

Antas, who on February 1, 1848, delivered his doctoral dissertation to Dr. José Gomes Jardim, and on May 28, 1848,

his doctorate degree in the presence of Emperor D. Pedro II. In his dissertation, Theoria Mathematica of Probabilities,

João Baptista de Castro Moraes Antas, gives a historical account of this theory over the years. On July 26, 1856 he

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 296: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Mônica de Cássia Siqueira Martines

288 Anais do XII SNHM -2017

was appointed as the first Commander of the Fire Department, appointed by Emperor D. Pedro II, a native of Rio de

Janeiro who died in 1858. A research on visa disclosure and the History of Mathematics in Brazil.

Keywords: Mathematics, History, Keyword1, Keyword2.

1. Introdução

Nosso trabalho tem início na história da Academia Real Militar, em 1810, quando a mesma foi criada no

Brasil. Para que os alunos fossem admitidos à estudarem nela algumas regras foram estipuladas através da Carta de

Lei de 4 de Dezembro de 1810. A quantidade de regras disponibilizadas no documento de criação da Academia é

extensa, mas a exigência para o ingresso em tal academia nem tanto. Apenas era exigido ao candidato:

a. ter ao menos 15 anos e;

b. dar conta das quatro primeiras operações Matemáticas.

A Carta de Lei vigorou até 1831 quando foi permitida autorização para reformas nos estatutos da Academia

Imperial Militar1: O Artigo 15, §2º da Lei de 15 de Novembro de 1831, disposto no Capítulo V da referida Lei, traz

por título “Da Fixação das Despezas do Ministerio dos Negocios da Guerra.” São os valores que deverão ser

despendidos durante todo o

anno financeiro do 1º de Julho de 1832 ao ultimo de junho de 1833. [...] §2º

Com a Academia Militar, [...] Ficando o Governo autorizado a fazer na Academia a

reforma no systema dos estudos para as differentes armas do Exercito, de que dará conta

à Assembléa Geral Legislativa. (BRASIL, 1831).

A partir daí, a Academia Imperial Militar passou por várias mudanças em seu estatuto, entre elas, destacamos

as reformas feitas através do:

i. Decreto de 9 de Março de 1832. Onde a principal mudança se concentra na reunião das Academias

Militar e da Marinha; além de criar o curso Matemático;

ii. Decreto de 22 de Outubro de 1833. Neste decreto observa-se a separação das Academias, altera o

rol de disciplinas a ser ministradas e, extingue o curso Matemático;

iii. Decreto de 23 de Fevereiro de 1835, este decreto cancela o decreto de 1833 em relação às disciplinas

que haviam sido alteradas;

iv. n°25 de 14 de Janeiro de 1839, aqui a principal alteração é a alternância de Academia Militar para

Escola Militar;

v. Decreto de 09 de Março de 1842. Este decreto é importante, pois ele reorganiza as disciplinas e

institucionaliza o grau de doutor em Ciências Matemáticas na Escola Militar;

vi. Decreto de 01 de março de 1845, regulamenta o grau de bacharel em Matemáticas;

vii. Regularização de 29 de setembro de 1846, regulamenta o grau de doutor em Ciências Matemáticas.

Assim, o grau de Doutor em Ciências Matemáticas foi criado na Escola Militar pelo artigo 19 do Decreto

n°140 de 09 de março de 1842 do Império do Brasil. A aprovação do regulamento para a execução do Artigo 19, o

qual trata da obtenção do grau de Doutor em Ciências Matemáticas, foi publicada em 29 de Setembro de 1846. Neste

regulamento ficou estabelecido que o aluno que fosse aprovado nas matérias do sétimo ano da Escola Militar, obteria

o grau de Bacharel em Matemáticas. O Bacharel em Matemáticas que pretendesse o grau de Doutor, deveria fazer

uma requisição ao Diretor da escola. Para tanto o aluno deveria entregar uma certidão que comprovasse ter passado

em todos os exames preparatórios exigidos nos estatutos, e também ter obtido aprovações plenas em todas as matérias

ensinadas na escola.

Seguindo o regulamento, verificamos o conferimento do grau aos seis primeiros doutores em Matemática no

Brasil após a entrega de uma dissertação de Doutorado através do “Termo de Grau de Doutor nº1, 1846-1858”

disponível no Acervo do Museu da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, documento este que

tivemos acesso e que às páginas 13, 14 e 15 nos informa que o primeiro Doutor em Matemáticas foi Manuel da Cunha

1 Mudou de Academia Real Militar para Academia Imperial Militar após a independência do Brasil, em 1822.

Page 297: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

O SEGUNDO DOUTOR EM CIÊNCIAS MATEMÁTICAS NO BRASIL: João Baptista de Castro Moraes Antas

289 Anais do XII SNHM -2017

Galvão, seguido por Ignacio da Cunha Galvão, João Baptista de Castro Moraes Antas, Francisco Joaquim Catête,

Luiz Affonso d'Escragnolle e Manoel Caetano de Gouvêa Junior.

Neste trabalho iremos detalhar um pouco mais sobre o segundo bacharel em Matemática a receber o título de

doutor após entregar uma dissertação. O classificamos como segundo a receber o título devido a data de entrega das

dissertações estudadas:

Quadro 3: Primeiras Dissertações de Doutorado entregues a Escola Militar

Data de entrega da dissertação Autor

22/12/1847 Manuel da Cunha Galvão

01/02/1848 João Baptista de Castro Moraes Antas

05/02/1848 Ignacio da Cunha Galvão

03/03/1848 Francisco Joaquim Catête

06/03/1848 Manoel Caetano de Gouvêa Junior

06/04/1848 Luiz Affonso d'Escragnolle

Fonte: Dissertações de Doutorado

2. Um breve histórico de João Baptista de Castro Moraes Antas

João Baptista de Castro Moraes Antas, de acordo com Blake (1895, p.335), era natural do Rio de Janeiro e

faleceu em 1858.

Ainda segundo este mesmo autor (1895, p.335), João Baptista completou o curso da Academia Militar e

assentou praça no exército em 2 de abril de 1838 sendo promovido a segundo tenente em 2 de dezembro de 1839.

Obteve o título de Doutor em Mathematicas em 1848, foi tenente coronel do corpo de engenheiros, cavalheiro da

ordem de Cristo, e servia como membro da comissão de melhoramentos do material do exército.

Em 26 de julho de 1856 foi nomeado como o primeiro Comandante do Corpo de Bombeiros, por indicação

do Imperador D. Pedro II. Na figura 2 vemos uma escultura em bronze do Major Moraes Antas, que antes adornava o

Gabinete do Comando no Quartel Central e agora está em exposição no Museu Histórico do Corpo de Bombeiros

Militar do Estado do Rio de Janeiro - CBMERJ.

Figura 1: Busto de João Baptista de Castro Moraes Antas

Page 298: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Mônica de Cássia Siqueira Martines

290 Anais do XII SNHM -2017

Fonte: www.museu.cbmerj.rj.gov.br

Também segundo Blake (1895, p.335 e 336), Moraes Antas escreveu as seguintes obras:

Dissertação acerca da theoria mathematica das probabilidades;

O Amazonas: breve resposta a Memoria do tenente da armada americana-ingleza F.Maury sobre as vantagens

da livre navegação do Amazonas;

O Amazonas e as costas athlanticas da America Meridional;

Relatório apresentado a 15 de março de 1852, acerca da exploração dos rios Tocantins e Araguaya;

Informação acerca da navegação do Tocantins e seu afluentes, o Maranhão, Almas e Urubu, com preferência

a navegação do rio Araguaya e seus afluentes.

3. Alguns comentários sobre a dissertação de João Baptista de Castro Moraes Antas

A dissertação foi entregue em 01 de fevereiro de 1848, composta por 40 páginas. A mesma está dividida em

alguns subtítulos:

Quadro 4: Divisões da Dissertação de João Baptista de Castro Moraes Antas

Subtítulo Página

Prefácio V

Parte Primeira

Exposição e exame da theoria mathematica

das probabilidades 9

Recapitulação 23

Principios geraes do calculo de

probabilidades 23

Problemas 24

Parte Segunda

Origem, progressos e applicações diversas da

theoria das probabilidades 27

Fonte: Dissertação de João Baptista de Castro Moraes Antas

O Prefácio é composto por três páginas, nas quais o autor trata da escolha do tema.

Page 299: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

O SEGUNDO DOUTOR EM CIÊNCIAS MATEMÁTICAS NO BRASIL: João Baptista de Castro Moraes Antas

291 Anais do XII SNHM -2017

Commetida aos candidatos ao doutoramento a escolha da materia sobre que devem

dissertar, infinitas são as combinações de circumstancias e de considerações que os

podem decidir nesse acto. Quanto a nós, pareceu-nos que uma theoria moderna, ainda não

tratada elementarmente, cheia de attractivos, susceptivel de uma infinidade de

applicações, era um objecto digno de nossa preferencia. Assim pois, o objecto de nossa

dissertação é o calculo das probabilidades, materia que já foi consignada em um dos

projectos de Estatutos para esta Escola, e que sob o título de Arithmetica Social faz parte

do curso da celebre Escola Polytechnica. (MORAES ANTAS, 1848, p.v)

Ao esclarecer a escolha do assunto estudado, deixa claro que o mesmo não pertencia ao rol de disciplinas da

Escola Militar, mas que o Cálculo de Probabilidades é um tema que merecia a atenção e, por isso, o traz para sua

dissertação.

Moraes Antas traz uma citação de Saverien, em francês, a qual se refere à sabedoria e à beleza da ciência.

Diz que estas ciências sempre foram prezadas pelos maiores sábios desde a Antiguidade. Cita alguns cientistas

famosos, como Maupertius, d’Alembert e Condorcet, depois comenta sobre as descobertas sólidas e brilhantes de

Galileo, Kepler, Newton, Halley, Huyghens e Colombo, e completa dizendo ser a “Theoria das probabilidades, feliz

applicação da analyse mathematica, e que, na elegante expressão de Laplace, não é senão o bom senso reduzido a

calculo, competem quasi todos os attributos destas sciencias.” (MORAES ANTAS, 1848, p.vi).

Em seguida faz uma crítica ao modelo de doutoramento em vigor desde o decreto de 1842, regulamentado

em 1846.

Não é possível nem se exige por certo que inventemos uma nova theoria, que

proponhamos e resolvamos um novo e difficil problema como esses que os geometras

lançavão a seus emulos á guisa de desafio. Nossa tarefa reduzio-se, por conseguinte, a

exposição e exame dos principios em que se basêa o calculo das probabilidades, a fazer

ver o encadeamento e a evidencia com que podem ser estabelecidos, e a clareza de que

são susceptiveis. Depois disto, pareceu-nos que não seria ocioso o fazer ver o soccorro

que prestão na resolução das questões que lhe são sujeitas, e finalmente o apreço de que

por seu illimitado prestimo é digna uma theoria cuja origem, cujos progressos estão

ligados a noes que o mundo sabio sempre recordará com respeito e veneração. (MORAES

ANTAS, 1848, p.vii).

Vemos que o autor se mostra indignado quanto à composição da dissertação. Ele afirma que, para receber

um grau tão importante, o trabalho não deveria ser um “compêndio”, mas deveria ser algo inédito.

O trabalho, como vimos, está dividido em duas partes: a primeira trata do assunto matemático e a segunda

trata da História da Probabilidade.

Sobre a parte matemática não apresenta nenhuma novidade, como ele mesmo diz, o trabalho se trata de um

“compêndio” sobre a teoria das probabilidades.

Nesta parte da dissertação, parte matemática, Moraes Antas (1848, p.11) busca por definir o que é

probabilidade e, assim, diz que quando um juiz julga sobre um delito ocorrido, ou quando um general de exército quer

conhecer os planos do inimigo, em ambos os casos é “sempre que o espirito humano não póde chegar á certeza, a

marcha do raciocinio toma a fórma de uma especie de calculo cujo resultado domina mais ou menos nossa crença.

Este resultado é o que se chama - probabilidade.” E complementa dizendo que, quando mas somente possibilidade, há

casos que favorecem o sucesso e há casos que a excluem (MORAES ANTAS, 1848, p.11).

Em seguida, apresenta um exemplo: lançando dois dados A e B, queremos que a soma dos pontos

apresentados por eles seja 7. Qual a probabilidade de isso ocorrer? A solução dada por Moraes Antas é a seguinte:

Vê-se por esta tabella que, sendo 36 as combinações differentes que as faces apresentão, ha seis casos em

que a somma dos pontos é 7, a saber: 1 de A e 6 de B, 2 de A e 5 de B, 3 de A e 4 de B, 4 de A e 3 de B, 5 de A e 2

de B e 6 de A e 1 de B; e trinta casos em que a somma dos pontos é menor ou maior que 7.

Page 300: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Mônica de Cássia Siqueira Martines

292 Anais do XII SNHM -2017

A B A B A B A B A B A B

1 1 2 1 3 1 4 1 5 1 6 1

1 2 2 2 3 2 4 2 5 2 6 2

1 3 2 3 3 3 4 3 5 3 6 3

1 4 2 4 3 4 4 4 5 4 6 4

1 5 2 5 3 5 4 5 5 5 6 5

1 6 2 6 3 6 4 6 5 6 6 6

Ha por consequencia probabilidade de obter e probabilidade de não obter a somma desejada. Neste exemplo

a primeira é 6/36 ou 1/6, e a segunda 30/36 ou 5/6. Observe-se que a somma dos casos favoraveis, isto é, daquelles

em que terá lugar o sucesso que se deseja, com os contrarios, isto é, com aquelles em que evidentemente o successo

não terá lugar, é igual á somma dos casos possiveis , pois, como acabamos de ver, sendo os casos favoraveis 6, e os

contrarios 30, os possiveis erão 36. (MORAES ANTAS, 1848, p.11 e 12).

Notamos que Moraes Antas deixa uma explicação bem feita sobre como encontrar a probabilidade pedida

no problema. E esse é um dos pontos fortes de sua dissertação. Inferimos que talvez o tenha feito dessa forma por ter

escolhido um ponto externo ao programa de ensino da Escola Militar, como o próprio autor já havia assumido no

prefácio.

Ao longo de toda a primeira parte Moraes Antas vai mostrando exemplos de como encontrar a probabilidade

em várias situações. Não as colocaremos aqui devido ao pouco espaço para este artigo.

Moraes Antas (1848, p.27) apresenta a segunda parte de sua dissertação, intitulada “Origem, progressos e

applicações diversas da theoria ds probabilidades”, onde inicia com uma citação de Cornelio Tacito, a qual diz: “Nec

omnia apud priores meliora, sed nostra quoque aetas multa laudis et artium imitanda posteris.”2

Ele comenta também que a teoria das probabilidades teve seu nascimento com dois matemáticos do século

XVII, Pascal e Fermat. (LAPLACE apud MORAES ANTAS, 1848, p.27). Em seguida, faz um estudo histórico da

vida de ambos. De acordo com o autor, o início da teoria das probabilidades se deu pela tentativa de resolver os

problemas do cavalheiro de Mené, onde Fermat e Pascal se aliaram para tentarem resolvê-lo. O problema, de acordo

com Moraes Antas (1848, p.29) é o seguinte:

Em um jogo de azar inteiramente igual, dous jogadores, jogando uma partida, que consiste

em chegar a um certo numero de pontos, querem levantar o jogo sem conclui-lo, tendo

chegado a numeros desiguaes de pontos. Pergunta-se como devem repartir o bolo, isto é,

a somma das paradas.

Moraes Antas mostra a solução dada por Pascal que, segundo o autor, foi dada da seguinte forma: se

estivessem iguais em pontos, os dois teriam esperança de ganhar metade da soma depositada; mas se antes da última

jogada quisessem parar, o jogador que tivesse o maior número de pontos poderia pensar que estaria em igualdade com

o adversário, caso jogasse a próxima partida e, assim, ambos teriam metade da quantia apostada, e disso não importava

se iria ganhar ou perder, somente a outra metade iria ficar sujeita à sorte e podendo ainda, nesta última jogada, ser

favorável ou não e, mesmo assim, teria o direito à metade desta metade que, juntando à primeira metade já ganha,

corresponderia a três quartos do montante. (MORAES ANTAS, 1848, p.30)

Em seguida, mostra como Fermat resolveu o mesmo problema. Segundo o autor, Fermat afirma que “é

evidente que a partida acabará necessariamente com dous lanços.” Reflete, também, sobre a seguinte afirmação: o

primeiro jogador (ou aquele que tem mais pontos) poderá ganhar as duas próximas jogadas, ou ganhar a primeira e

perder a segunda, ou perder a primeira e ganhar a segunda, ou perder ambas. De modo geral, representa essas

2 Nem tudo é melhor do que no passado, mas a nossa própria idade também produziu excelência e cultura para a posteridade de imitar. [Tradução nossa.]

Page 301: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

O SEGUNDO DOUTOR EM CIÊNCIAS MATEMÁTICAS NO BRASIL: João Baptista de Castro Moraes Antas

293 Anais do XII SNHM -2017

possibilidades pela combinação das letras a e b tomando de duas em duas, podendo ser aa, ab, ba, bb. Conclui que

são três combinações favoráveis ao primeiro jogador e uma favorável ao segundo e, portanto, a probabilidade de

sucesso para o primeiro é de 3/4 e para o adversário é de 1/4, devendo repartir o bolo da aposta na razão de 3 para 1

(MORAES ANTAS, 1848, p.30).

Os trabalhos de Pascal e Fermat chamaram a atenção de outro cientista, Huyghens, que também deu

contribuições à nova teoria (MORAES ANTAS, 1848, p.30).

De acordo com Moraes Antas, Huyghens examinou os problemas propostos e resolvidos por Pascal e Fermat,

complicou-os variando as hipóteses e propôs novos problemas, estabeleceu princípios gerais sobre a nova teoria e

escreveu um tratado De Ratiociniis im ludo aleae, o que, segundo o autor, tornou pública a nova teoria e muitos outros

geômetras puderam examiná-la e dar novas aplicações. Um desses, que teve um grande destaque, foi Jacques

Bernoulli, que em sua obra Ars conjectandi aplicou os resultados da nova teoria às questões da vida civil (MORAES

ANTAS, 1848, p.32).

4. Considerações Finais

O segundo bacharel a obter o título de doutor em Ciências Matemáticas no Brasil no século XIX, o fez

seguindo o Regulamento de 1846: não apresentou nenhum resultado inédito, embora apresentasse elementos em sua

dissertação discordando do regulamento.

O assunto escolhido foi bem trabalhado em sua dissertação e, nada havia na mesma que deslustrasse a Coroa

nem a indivíduo algum, único requisito que poderia o fazer não receber o título almejado, por isso foi aprovado pelo

professor escolhido para analisar a mesma: Prof. Dr. José Gomes Jardim.

5. Referências

BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Diccionario bibliographico brazileiro. Rio de Janeiro:

Typographia Nacional, 1893. vol. 2.

BRASIL. Carta de Lei de 4 de Dezembro de 1810. Crea uma Academia Real Militar na Côrte e Cidade do Rio de

Janeiro. Lex: Coleção de Leis do Império do Brasil - 1810 , Página 232 Vol. 1. Disponível em:

<http://www2.camara.gov.br/legin/fed/carlei/anterioresa1824/cartadelei-40009-4-dezembro-1810-571420-norma-

pe.html>. Acesso em: 12 de jul. 2012.

BRASIL. Decreto de 9 de Março de 1832. Reforma a Academia Militar da Côrte encorporando nella a dos Guardas

Marinhas; e dá-lhe novos estatutos. Lex: Colecção das Leis do Brazil, 1831-1840, Atos do Poder Executivo - 1832.

Leis do Império. Disponível em http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio.

Consulta realizada em 26 de jul. 2012.

BRASIL. Decreto de 22 de Outubro de 1833. Separa a Academia de Marinha, e a companhia dos Guardas

Marinhas, da Academia Militar da Côrte, e dá a esta novos estatutos. Lex: Colecção das Leis do Brazil, 1831-1840,

Atos do Poder Executivo - 1833. Leis do Império. Disponível em http://www2.camara.gov.br/atividade-

legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio. Consulta realizada em 26 de jul. de 2012.

BRASIL. Decreto de 23 de Fevereiro de 1835. Manda que fique de nenhum effeito os Estatutos para a Academia

Militar de 22 de Outubro de 1833, e que se observem os de 9 de Março de 1832, que baixarão com o Decreto desta

data, com as seguintes alterações. Lex: Colecção das Leis do Brazil, 1831-1840, Atos do Poder Executivo - 1835.

Leis do Império. Disponível em http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio.

Consulta realizada em 26 de jul. de 2012.

BRASIL. Decreto de 14 de Janeiro de 1839. Lex: Colecção das Leis do Brazil, 1831-1840, Atos do Poder

Executivo - 1839. Leis do Império. Disponível em http://www2.camara.gov.br/atividade-

legislativa/legislacao/\\publicacoes/doimperio. Consulta realizada em 26 de jul. 2012.

BRASIL. Decreto nº 140 - 09 de Março de 1842. Approva os Estatutos da Escola Militar, em virtude do Artigo 15

§ 2º da Lei de 15 de Novembro de 1831. Lex: Colecção das Leis do Brazil, 1831-1840, Atos do Poder Executivo -

1831. Leis do Império. Disponível em http://www2.camara.gov.br/atividade-

legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio. Consulta realizada em 26 de jul. 2012.

BRASIL. Decreto nº404 - de 1 de Março de 1845. Manda executar provisoriamente os estatutos da Escola Militar,

em virtude do Art.15 § 2º da Lei de 15 de Novembro de 1831. Lex: Colecção das Leis do Brazil, 1841-1850, Atos

do Poder Executivo - 1845. Leis do Império. Disponível em http://www2.camara.gov.br/atividade-

legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio. Consulta realizada em 31 de jan. 2013.

Page 302: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Mônica de Cássia Siqueira Martines

294 Anais do XII SNHM -2017

BRASIL. Decreto nº 476 de 29 de setembro de 1846. Appovando o Regulamento para execução do Artigo 17 dos

Estatutos da Escola Militar. Lex: Colecção das Leis do Brazil, 1831-1840, Atos do Poder Executivo - 1846. Leis do

Império. Disponível em http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio.Consulta

realizada em 26 de jul. de 2012.

MILLER, Célia Peitl. O Doutorado em matemática no Brasil: um estudo histórico documentado (1842-1937).

Rio Claro: 2003. Dissertação de mestrado - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas.

MORAES ANTAS, João Baptista de Castro Moraes. Theoria Mathematica das Probabilidades. Rio de Janeiro,

1848. Tese de Doutorado - Faculdade de Mathematicas da Escola Militar do Rio de Janeiro.

SIQUEIRA MARTINES, Mônica de Cássia. Primeiros doutorados em matemática no Brasil: uma análise

histórica. UNESP- Rio Claro: 2014. Tese de doutorado.

TERMO de Grau de Doutor nº1, 1846-1858, disponível no Museu da Escola Politécnica da Universidade Federal do

Rio de Janeiro, às páginas 13, 14 e 15.

Nome do Autor

Mônica de Cássia Siqueira Martines

Departamento de Matemática –UFTM – campus de

Uberaba - Brasil

E-mail: [email protected]

Page 303: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

O manuscrito sobre Geometria Diferencial localizado...

295 Anais do XII SNHM -2017

O MANUSCRITO SOBRE GEOMETRIA DIFERENCIAL LOCALIZADO NA BIBLIOTECA DA

SOCIEDADE LITERÁRIA E BENEFICENTE 5 DE AGOSTO NO MUNICÍPIO DE VIGIA (PA)

Ana Paula Nascimento Pegado Couto

Universidade do Estado do Pará – UEPA – Brasil

Rosineide de Sousa Jucá

Universidade do Estado do Pará – UEPA – Brasil

Miguel Chaquiam

Universidade do Estado do Pará – UEPA – Brasil

Resumo

Neste trabalho apresentamos um manuscrito sobre Geometria Diferencial identificado na biblioteca da Sociedade

Literária e Beneficente “Cinco de Agosto”, localizada no município de Vigia de Nazaré, no estado do Pará. Esta

sociedade foi fundada em 1º de outubro de 1871, entretanto foi oficialmente instalada em 5 de agosto deste mesmo

ano com a intenção de instituir ações de cunho educacional, cultural e humanístico. A identificação deste manuscrito

ocorreu durante o desenvolvimento das atividades de pesquisa de campo realizada no município de Vigia, fundada

por Francisco Caldeira Castelo Branco durante sua expedição de conquista do Grão-Pará, em 06 de janeiro de 1616,

seis dias antes da fundação de Belém. Essas ações de pesquisa de campo foram estabelecidas pelo Grupo de Pesquisa

em História da Matemática e Educação Matemática na Amazônia, que também incluíram as seguintes visitas neste

município aos seguintes locais: o museu da cidade, a Sociedade Literária e Beneficente Cinco de Agosto e a Biblioteca

professora Irene Favacho Soeiro, biblioteca particular do professor, escritor e poeta José Ildone Favacho Soeiro,

membro da Acadêmica Paraense de Letras. O texto sobre Geometria Diferencial tem ao todo 170 páginas, todas

escritas a mão, numeradas na parte superior das folhas e centralizado. O manuscrito não possui capa, não apresenta

data ou nomes do autor(es). Observa-se pelo tipo de linguagem empregada, conforme podemos identificar nas palavras

subjectivo e objectivo, entre outras contidas no decorrer do texto, que este é uma produção antiga, por mais que não

possua a data de origem, podemos inferir de acordo com a semântica que se trata de um manuscrito dos meados do

século passado. Observa-se que houve uma preocupação por parte do autor em fazer uma abordagem sistemática e

detalhista do conteúdo. O autor apresenta métodos e estudar a resolução histórica da teoria das tangentes, ocupando-

se dos métodos apresentados por Descartes, Fermat e Leibnitz. A elaboração de um sumário nos permitiu ter uma

dimensão mais exata da dimensão da obra e da disposição dos conteúdos ao longo do texto. A abordagem dos

conteúdos nos leva a inferir que houve uma preocupação do autor em explica-los de modo sistemática e detalhada,

com apoio de figuras. Ressaltamos que neste trabalho apenas fizemos uma apresentação do manuscrito encontrado,

sem necessariamente nos determos numa análise dos conteúdos relacionados a Geometria Diferencial, este feito será

realizado em pesquisas futuras.

Palavras-chave: Matemática, História, Cálculo Diferencial, Geometria Diferencial.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 304: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Ana Paula Nascimento Pegado Couto, Rosineide de Sousa Jucá, Miguel Chaquiam.

296 Anais do XII SNHM -2017

[THE MANUSCRIPT ON DIFFERENTIAL GEOMETRY

LOCATED IN THE LIBRARY OF THE LITERARY AND CHARITABLE

SOCIETY 5 DE AGOSTO IN THE MUNICIPALITY OF VIGIA (PA)]

Abstract

In this work we present a handwritten book about Differential Geometry spotted in the library of "Cinco de Agosto”

Literary and Beneficent Society located in the municipality of Vigia de Nazaré, in the state of Pará. This society was

founded on October 1st, 1871, however it was officially installed on August 5th of that same year with the intention

of instituting educational, cultural and humanistic actions. The identification of this manuscript occurred during the

development of field research activities carried out in the municipality of Vigia, founded by Francisco Caldeira Castelo

Branco during his expedition to the conquest of Grão-Pará on January 6th, 1616, six days before the foundation of

Belém These field research actions were established by the Research Group on Mathematical History and

Mathematical Education in the Amazon, which also included the following visits in this municipality to the following

places: the city museum"Cinco de Agosto” Literary and Beneficent Society and the Library professor Irene Favacho

Soeiro, private library of the teacher, writer and poet José Ildone Favacho Soeiro, member of the Academic Paraense

de Letras. The text on Differential Geometry has in all 170 pages, all handwritten, numbered in the upper part of the

leaves and centralized. The manuscript has no cover, no date or names of the author (s). It is observed by the type of

language used, as we can identify in the words subjective and objective, among others contained in the course of the

text, that this is an old production, however it does not have the date of origin, we can infer according to the semantics

Which is a manuscript from the middle of the last century. It is observed that there was a concern on the part of the

author to make a systematic and detailed approach to the content. The author presents methods and study the historical

resolution of the theory of tangents, dealing with the methods presented by Descartes, Fermat and Leibnitz. The

elaboration of a summary allowed us to have a more exact dimension of the dimension of the work and the disposition

of the contents throughout the text. The approach of the contents leads us to infer that there was a concern of the author

in explaining them in a systematic and detailed way, with support of figures. We emphasize that in this work we only

did a presentation of the manuscript found, without necessarily dwelling on an analysis of the contents related to

Differential Geometry, this feat will be carried out in future researches.

Keywords: Mathematics, History, Differential calculation, Differential Geometry.

Introdução

O interesse pela pesquisa em História da Matemática surgiu junto à iniciativa de alguns alunos da graduação em

desenvolver pesquisas nesta área de conhecimento durante o III Congresso Ibero-americano de História da Educação

Matemática, realizado em Belém do Pará, em novembro de 2015. Diante dos desafios encontrados na iniciação

cientifica, tivemos o poio de professores da universidade, em especial do professor Miguel Chaquiam, que nos orientou

e auxiliou do desenvolvimento de pesquisas acadêmicas. Com o desejo em pesquisar sobre a História da Matemática

e do Ensino de Matemática, em especial a História da Educação Paraense, desenvolvemos pesquisas que foram

publicadas e apresentadas em eventos científicos.

Dentre essas pesquisas estão as publicações mais recentes no XII Encontro Nacional de Educação Matemática

(XII ENEM), que teve por objetivo descrever a trajetória da Instrução Pública no Pará, com enfoque para o Colégio

Gentil Bittencourt, sua origem e processo de estruturação. O grupo também desenvolveu pesquisas relacionadas a

outras duas instituições que consideramos relevantes para o desenvolvimento do ensino primário e secundário no Pará,

a saber, Colégio Estadual Paes de Carvalho e Instituto Lauro Sodré.

Por iniciativa dos professores Miguel Chaquiam e Natanael Freitas Cabral, observados os primeiros

resultados da pesquisa e a publicação destes em eventos científicos, foi constituído o Grupo de Pesquisa em História

da Matemática e Educação Matemática na Amazônia, vinculado a Universidade do Estado do Pará (UEPA),

credenciado pelo CNPq. Para alcançar um dos objetivos estabelecidos pelo grupo foi realizada uma pesquisa de campo

no município Vigia de Nazaré, no estado do Pará, no qual foi efetuado um levantamento de materiais com intuito de

Page 305: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

O manuscrito sobre Geometria Diferencial localizado...

297 Anais do XII SNHM -2017

buscar literaturas que servissem como fontes de pesquisas e que subsidiassem estudos futuros, tendo em vista que o

referido município foi o segundo na fundado na região, antecedendo Belém.

Sabe-se que Vigia seja a mais antiga de todas as cidades da Amazônia, tendo sido fundada por Francisco

Caldeira Castelo Branco durante sua expedição de conquista do Grão-Pará, em 06 de janeiro de 1616, seis dias antes

da fundação de Belém. Neste município visitamos o museu da cidade, a Sociedade Literária e Beneficente Cinco de

Agosto, fundada em 01 de outubro de 1871, e a Biblioteca professora Irene Favacho Soeiro, biblioteca particular do

escritor e poeta José Ildone Favacho Soeiro, membro da Acadêmica Paraense de Letras. Neste trabalho damos enfoque

à Sociedade Literária e Beneficente Cinco de Agosto e sua importância sociocultural para o município de Vigia de

Nazaré.

A Sociedade Cinco de Agosto foi o principal local de pesquisa para a elaboração deste trabalho, visto que

nesse espaço tivemos contato com documentos que contam a história do Pará, entre eles destacam-se o Álbum do

Estado do Pará que retrata oito anos de governo (1901 a 1909); Livros Didáticos antigos de Matemática e também

tivemos acesso às primeiras edições do jornal local O Cinco de Agosto que teve sua primeira publicação em 11 de

setembro de 1938. No decorrer dessa busca por materiais antigos voltados para o ensino de Matemática, nos deparamos

com manuscritos sobre Geometria Diferencial, no entanto, sem data e sem identificação dos autores, mas são de

extrema importância e de uma relevância muito grande por tratar de um tema mais atual e abordar conteúdos que não

figuram mais nos cursos de licenciatura em Matemática.

Desta forma, o presente estudo tem por objetivo apresentar o manuscrito sobre Geometria Diferencial, os

conteúdos presente nesse manuscritos encontrado na Sociedade Literária e Beneficente 5 de Agosto.

A Sociedade literária e Beneficente Cinco de Agosto

Na década de setenta do século XIX, um grupo de homens pertencente à classe intelectualizada vigiense, representada

por políticos, escritores, jornalistas, oradores e educadores, mostravam-se dispostas e condicionadas a promover um

movimento de comunhão de ideais. Neste sentido, em 1º de outubro de 1871, foi fundada a Sociedade Literária e

Beneficente “Cinco de Agosto”, com a intenção de instituir ações de cunho educacional, cultural e humanístico.

Inicialmente, sem sede própria, a “Cinco de Agosto” foi abrigada na sala da residência do primeiro presidente,

o Professor Francisco Quintino de Araújo Nunes. Embora conste como data de fundação oficial 1º de outubro de 1871,

a associação foi instalada oficialmente em 5 de agosto deste mesmo ano, data que lhe foi nomeada, data essa que, na

época, era dedicada a festa de Nossa Senhora de Nazaré, padroeira da paroquia.

Conforme o estatuto da Cinco de Agosto, datado de 1905, dentre seus objetivos prioritários, consistiam em:

distribuir a educação, o esclarecimento e benefícios ao povo, aos associados e seus dependentes, como, por exemplo,

a destinação de recursos, em casos de enfermidade, e financiamento de despesas fúnebres, em decorrência doa

falecimento; apoiar a cultura e motivar o amor aos valores locais. Outra atividade essencial era promover, em parceria

com a paróquia, o Círio de Nazaré, colaborando para a expansão da fé católica. A parte educacional seria exercida

através da implantação de uma Escola primária e de um Externato, para levar instrução gratuita à população

desprivilegiada.

Findando o século XIX, a Cinco de Agosto enfrentava difícil situação, o Externato não tinha como se manter

e fechou as portas. A entidade tomava rapidamente o ritmo da decadência, chegando à beira da extinção. Fato atribuído

a motivos diversos, como diminuição no numero de sócios contribuintes, a consequente falta de recursos e a mudança

de alguns dos membros mais importantes para a capital e para outros lugares, onde integravam movimentos sociais

ou buscavam melhores ofertas de trabalho e níveis de instrução mais avançados.

Diante da situação em que se encontrava a associação, o Prof. Manuel Evaristo Ferreira convocou alguns

membros para uma reunião em sua residência, em 08 de maio de 1902, a fim de se discutir providencias para que a

Cinco de Agosto não viesse a desaparecer. Neste renascimento foi idealizada a organização da biblioteca e ficou a

cargo do professor Bertoldo Nunes identificar quais dos associados residentes em Belém continuariam a participar,

além de coletar os livros que estavam em poder deles, para a posterior devolução à associação.

Em 1981 o professor, escritor e poeta José Ildone Favacho Soeiro ingressa na Academia Paraense de Letras

e na mesma época o mesmo assume a presidência da Cinco de Agosto. Em 1998, o prédio da sede apresenta riscos

Page 306: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Ana Paula Nascimento Pegado Couto, Rosineide de Sousa Jucá, Miguel Chaquiam.

298 Anais do XII SNHM -2017

estruturais, sendo interditado e o acervo removido e, somente em 2004 que é iniciado o trabalho de resgate do acervo

literário e documental da entidade. Na presidência de Irineu Rabelo Vilela, em 2007, é reinaugurada a sede da Cinco

de Agosto em parceria com a prefeitura do município de Vigia.

Sendo considerada uma das mais antigas e importantes sociedades literárias e beneficentes do Brasil, a Cinco

de Agosto atualmente tem 145 anos e também conta com um museu para manter viva a história do Município de Vigia

de Nazaré na memória dos conterrâneos e dos visitantes que a ela recorrem.

Diante dessa breve história a cerca da Sociedade Literária Cinco de Agosto e da visita feita a este município,

constatou-se a preocupação dos seus atuais colaboradores em preservar os documentos e matérias dispostos no acervo

da biblioteca. Entre esses materiais encontramos um manuscrito sobre Geometria Diferencia que nos chamou a atenção

por ser um assunto que não faz mais parte integrante da estrutura curricular dos cursos de licenciatura em Matemática

nas atuais universidades com polo em Vigia.

Os polos das universidades

Nas décadas de 70 e 80, a disciplina Geometria diferencial foi parte integrante da estrutura curricular dos cursos de

licenciatura em Matemática da Universidade Federal do Pará (UFPA) e antigo Centro de Estudos Superior do Estado

do Pará (CESEP), atual da Universidade da Amazônia (UNAMA). Tal disciplina nunca fez parte da estrutura

curricular do curso de licenciatura em Matemática da Universidade do Estado do Pará (UEPA).

No município de Vigia, o Campus da UEPA foi implantado em 2001, com turmas do Curso de Formação de

Professores, em sistema intervalar de ensino. Dez anos depois foi o pioneiro em ofertar o curso de Licenciatura em

Geografia, cuja primeira turma contou com 38 alunos. Além desse curso, são ofertadas as licenciaturas em

Matemática, Letras – Língua Portuguesa e Música.

Considerando que os cursos de licenciatura em Matemática ofertados pela UFPA e UEPA no município de

Vigia podem ser considerados recentes e que nestes não figuravam mais a disciplina Geometria Diferencial, muito

nos intriga o fato de que alguém se propôs a escrever um curso bastante consistente de Geometria Diferencial, numa

linguagem nada atual e ressaltando diferentes métodos de abordagem de conteúdos vinculados a geometria diferencial

e cálculo avançado. Isso demonstra que a sociedade Cinco de Agosto, embora fosse uma sociedade beneficente,

também teve a preocupação de trazer para o seu acervo e preservar materiais de qualidade de matemática, dentre eles:

esses manuscritos que revelam uma geometria esquecida no decorrer do tempo.

Apresentação do Manuscrito sobre Geometria Diferencial

O texto sobre Geometria Diferencial tem ao todo 170 páginas, todas escritas a mão, numeradas na parte superior das

folhas e centralizado. O manuscrito não possui capa, não apresenta data ou nomes do autor(es). Diante desses fatos

ficamos incomodados com a ausência desses importantes elementos para a identificação de uma obra tão valiosa

quanto esse manuscrito. No entanto, nos propomos em fazer uma apresentação desse material que foi guardado e

preservado na Sociedade Literária Cindo de agosto.

Na primeira página dessa obra, o autor define o que seria a Geometria Diferencial, ressaltando a diferença

dos seus dois domínios: o subjetivo e o objetivo.

Observa-se pelo tipo de linguagem empregada, conforme podemos identificar nas palavras subjectivo e

objectivo, entre outras contidas no decorrer do texto, que este é uma produção antiga, por mais que não possua a data

de origem, podemos inferir de acordo com a semântica que se trata de um manuscrito dos meados do século passado.

Page 307: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

O manuscrito sobre Geometria Diferencial localizado...

299 Anais do XII SNHM -2017

Figura 1: Recorte da página 1 do manuscrito

Fonte: Biblioteca da Sociedade Literária e Beneficente Cinco de Agosto.

Houve uma preocupação por parte do autor em fazer uma abordagem sistemática e detalhista do conteúdo,

iniciando na página 2 com um contexto histórico da Theoria das tangentes esclarecendo que Descartes e Leibnitz

enveredaram por caminhos diferentes, o primeiro por meio geometria diferencial e o outro por meio da geometria

integral, respectivamente, convergindo para formação de uma geometria transcendente, conforme exposto no recorte

abaixo.

Nesse manuscrito o autor deixa claro que não abordará parte dos trabalhos relativos à instituição da geometria

integral, entretanto, irá abordar somente os trabalhos que tiveram por fim instituir a geometria diferencial.

Figura 2: Recorte da página 2 do manuscrito

Fonte: Biblioteca da Sociedade Literária e Beneficente Cinco de Agosto.

Desta forma o autor explica a origem do calculo diferencial, definindo que:

“Foi a Theoria das Tangentes às linhas planas que originam a instituição do calculo differencial,

pois foi na solução à esse problema que diversos geometras apresentaram trabalhos que,

sucessivamente aperfeiçoados, prepararam o advento do calculo”. (p. 2 do manuscrito).

A partir da exposição do problema, o autor cita os “geometrais” que desenvolveram métodos para a resolução

da Theoria das Tangentes às linhas planas:

Page 308: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Ana Paula Nascimento Pegado Couto, Rosineide de Sousa Jucá, Miguel Chaquiam.

300 Anais do XII SNHM -2017

“Descartes na sua geometria publicada em 1637, instituía um método para a determinação das

tangentes às linhas planas. Fermat após o aparecimento da geometria de descartes publicou um

outro método para a resolução do mesmo problema”. (p. 2 do manuscrito).

De posse da origem do Calculo Diferencial, o autor se propõe a apresentar em que consistem esses dois

métodos e estudar a resolução histórica da teoria das tangentes, ocupando-se os métodos que foram apresentados por

Descartes, Fermat e Leibnitz. Tais métodos foram identificados ao longo das páginas do manuscrito, conforme

disposto no quadro a seguir.

Figura 3: Sumário do Manuscrito

Conteúdo

Theoria das Tangentes - 2

I – Historico - 2

1º Methodo de Descartes - 3

1º Methodo de Fermat - 8

2º Methodo de Descartes - 18

3º Methodo de Descartes - 21

2º Methodo de Fermat - 23

Modificação de Berroso - 25

Methodo de Leibnitz - 26

II - Theoria reetilinea das tangentes às linhas planas - 29

Questões Accessoria - 37

Applicação da Theoria das tangentes - 49

2 º Applicação da Theoria das tangentes - 63

III - Theoria reetilinea dos planos tangentes - 71

Questões Accessoria - 80

Applicação abstracta da theoria dos planos tangentes - 85

Theoria das asymptotas - 88

Asymptotas rectilineas - 89

1º methodo - 91

2º methodo - 93

Asymptotas curvilíneas - 100

Methodo subsidiário - 104

Theoria polar das tangentes e das asymptotas - 106

I - Tangentes - 106

II – Asymptotas - 111

Exercicios Praticos - 113

Theoria da curvatura - 117

Propriedades da evoluta - 134

Curva evolutória - 145

Theoria dos contactos das linhas planas - 153

Curvatura das linhas não planas - 167

Fonte: Elaborado pelos autores

A organização dos conteúdos apresentadas no quadro acima nos subsidiou quanto a identificação dos

conteúdos elencados pelo autor, assumindo a figura de um protótipo de sumário deste manuscrito, além de facilitar

Page 309: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

O manuscrito sobre Geometria Diferencial localizado...

301 Anais do XII SNHM -2017

sua manipulação.

Percebe-se que além da Theoria das Tangentes, o autor apresenta outras teorias, a saber, a Theoria das

asymptotas, a Theoria Polar e a Theoria da curvatura, todas retratando temas importantes dentro da geometria

diferencial. A disposição dos conteúdos ao longo do texto segue uma mesma linha de metodológica: apresentação da

teoria, métodos e propriedades e, por fim, as questões e aplicações ou exercícios práticos.

Os métodos são sempre apresentados com demonstrações na integra, isso mostra uma preocupação da parte

do autor em fazer uma abordagem sistemática e detalhista, apoiadas em desenhos, sempre procurando esclarecer

terminologias e fazer interpretações geométricas. Apresentamos a seguir o primeiro Methodo de Descartes que

respalda nossas afirmações anteriores referente a apresentação dos conteúdos constantes no texto.

Figura 4: Recorte da página 3 do manuscrito

Fonte: Biblioteca da Sociedade Literária e Beneficente Cinco de Agosto.

Observa-se no primeiro método uma preocupação em esclarecer noções anteriores que seriam necessárias

para o entendimento da demonstração. Assim, o autor faz a demonstração para a determinação das tangentes as linhas

planas.

Em função do exposto percebem-se dois fatos, o primeiro quanto a coerência metodológica empregada ao

longo do texto para explanar os temas e, o segundo, quanto a didática do autor evidenciada no manuscrito por meio

da preocupação em relação a apresentação, detalhamento dos métodos e figuras de apoio, ambos corroboram no

sentido de elevar a importância dos temas abordados num material de Geometria Diferencial, muito provavelmente,

favorecer a aprendizagem desse conhecimento matemático restrito a poucos que dominam os fundamentos do cálculo

diferencial e integral.

Conclusão

O presente estudo teve por objetivo apresentar o conteúdo de Geometria Diferencial presente nos manuscritos

encontrados na Sociedade Literária e Beneficente Cinco de Agosto. Para isso foi feito uma abordagem histórica sobre

o surgimento do Cinco de Agosto e sua importância na preservação de literaturas que constitui a história do município

de Vigia e de materiais do ensino de matemática, como é o caso do manuscrito sobre Geometria Diferencial.

O manuscrito encontrado, apesar de não conter data e nem a identificação dos autores, é de suma importância

por tratar de um tema tão importante como é o caso da Geometria Diferencial, embora não faça mais parte do currículo

das licenciaturas em Matemática no Brasil, observado as diretrizes curriculares nacionais para tais cursos.

Page 310: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Ana Paula Nascimento Pegado Couto, Rosineide de Sousa Jucá, Miguel Chaquiam.

302 Anais do XII SNHM -2017

Em alguns casos, a transcrição das palavras contidas no texto foi feita na integra, de modo que se tornasse

perceptível pelo leitor o tipo de linguagem empregada no texto. Além disso, caracterizando o texto em termos de

linguagem, podemos inferir que se trata de um texto antigo que retrata temas importantes dentro da geometria

diferencial.

A abordagem de um conteúdo frente aos diversos métodos nos leva a inferir que houve uma preocupação do

autor em explicar este conteúdo de modo sistemático e detalhista, assim como a preocupação quanto a metodologia

empregada na exposição dos temas e a didática evidenciada com a preocupação em produzir um material de extrema

importância para o meio acadêmico e científico.

É importante ressaltar que este trabalho se propôs a fazer uma apresentação do manuscrito encontrado, sem

necessariamente nos determos numa analise do conteúdo relacionado a Geometria Diferencial, este feito será realizado

em pesquisas futuras, tendo-se em vista os objetivos estabelecido para o Grupo de Pesquisa em História da Matemática

e Educação Matemática na Amazônia: Desenvolver pesquisas sobre História da Matemática e Educação Matemática

na região Amazônica visando à construção de dialógos entre as diferentes áreas do conhecimento; efetuar o resgate

da memória individual, coletiva e institucional e a constituição histórica da educação de modo a subsidiar a

compreensão e a análise das concepções e práticas educacionais no contexto amazônico. As ações também estão

voltadas para a análise e produção de estratégias, metodologias e materiais instrucionais com o intuito de contribuir

para a melhoria do processo de ensino e de aprendizagem da Matemática.

Bibliografia

ALMEIDA, Wilkler Luiz Almeida e SOEIRO, José Ildone Favacho. Sociedade Literária e Beneficente Cinco de

Agosto: Levantamento Histórico. Vigia de Nazaré (PA): Sociedade Literária e Beneficente Cinco de Agosto, 2008.

CORDEIRO, Paulo. A mulher na sociedade vigiense: 1917 a década de 70. Vigia de Nazaré (PA): O autor, 2012.

SOEIRO, José Ildone Favacho. Cem anos de educação: A Vigia em seu “Barão”. Belém (PA): IOEPA, 2002.

SOEIRO, José Ildone Favacho. Ginásio “Bertoldo Nunes”: Medalha de ouro para Vigia de Nazaré. Vigia de Nazaré

(PA): O autor, 2008.

Geometria Diferencial. Manuscrito, sem autoria e data.

Ana Paula Nascimento Pegado Couto

Departamento de Matemática, Estatística e

Informática – DMEI – campus de Belém – Brasil

E-mail: [email protected]

Rosineide de Sousa Jucá

Departamento de Matemática, Estatística e

Informática – DMEI – campus de Belém – Brasil

E-mail: [email protected]

Miguel Chaquiam

Departamento de Matemática, Estatística e

Informática – DMEI – campus de Belém – Brasil

E-mail: [email protected]

Page 311: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

303 Anais do XII SNHM -2017

TEOREMA DE TALES EM SALA DE AULA: UMA PROPOSTA APOIADA NA HISTÓRIA DA

MATEMÁTICA E EM ATIVIDADES INVESTIGATÓRIAS

Márcia Nunes dos Santos

Marger da Conceição Ventura Viana

Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP – Brasil

Resumo

Este trabalho se insere na História da Matemática no ensino, e, buscou-se a sua utilização como apoio à construção de

conhecimentos matemáticos a partir das potencialidades pedagógicas apontadas por pesquisadores. Buscaram-se

contribuições de atividades investigatórias com o emprego da História da Matemática ao processo de ensino-

aprendizagem do Teorema de Tales. Para a conceituação de atividades investigatórias foram utilizados os estudos de

Iran Abreu Mendes e sobre o processo de ensino aprendizagem os de Marger Viana. Tendo em vista a importância

desse tipo de atividade como metodologia para o ensino de Matemática foi elaborada e implementada uma proposta

de atividades investigatórias com uma turma do 9º ano do ensino fundamental. Neste artigo será apresentada a

estratégia utilizada na realização de uma delas. Um dos instrumentos utilizados para a construção dos dados foram os

aparelhos celulares dos participantes para a gravação dos diálogos, pois na escola local da pesquisa, os recursos eram

escassos. Também as respostas dadas a um questionário elaborado com o fim de aquilatar os conhecimentos básicos

de Geometria e História da Matemática dos participantes, além das observações anotadas no caderno de campo e os

registros escritos dos alunos participantes. Os dados obtidos foram analisados à luz da fundamentação que embasou a

pesquisa, isto é, de acordo com as características do processo de ensino-aprendizagem apresentadas e a observação da

presença das componentes intuitiva, algorítmica e formal no decorrer de cada atividade. Quanto às contribuições

obtidas, além da aprendizagem do Teorema de Tales, obteve-se a mudança de opinião dos participantes sobre as aulas

de Matemática e a modificação do comportamento deles, como aumento de confiança em si, interação, cooperação,

respeito mútuo, redução da agressividade verbal e física, do desinteresse e da falta de compromisso.

Palavras-chave: Matemática, História, Atividades investigatórias; processo de ensino-aprendizagem, Teorema de

Tales.

THEORY OF TALES IN A CLASSROOM: A PROPOSAL SUPPORTED IN THE HISTORY OF

MATHEMATICS AND INVESTIGATORY ACTIVITIES

Abstract

This work is inserted in the History of Mathematics Teaching, and its use was sought as support to the construction

of mathematical knowledge from the pedagogical potentialities pointed out by researchers. Contributions of

investigatory activities were sought with the use of the History of Mathematics in the teaching-learning process of

Thales Theorem. The studies of Iran Abreu Mendes were used for the conceptualization of investigatory activities and

those of Marger Viana were used for the teaching-learning process. Considering the importance of this type of activity

as methodology for the teaching of Mathematics, a proposal of investigatory activities was elaborated and

implemented in a 9th grade class of secondary school. This article will present the strategy used to carry out one of

them. One of the tools for the construction of the data was the use of participants’ cellular devices to record the

dialogues, because the resources in the local school of research were scarce. It was also used the answers of a

questionnaire elaborated with the purpose of assessing the participants’ basic knowledge of Geometry and History of

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

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Márcia Nunes & Marger Viana

304 Anais do XII SNHM -2017

Mathematics, besides observations written down in the field notebook and the written registers of the participating

students. The obtained data were analyzed in the light of the foundation that supported the research, that is, according

to the characteristics of the teaching-learning process presented and the observation of the presence of intuitive,

algorithmic and formal components in the course of each activity. In relation to the obtained contributions, besides

the Thales Theorem learning, it was obtained the changing of the participants’ opinion about the Mathematics class

and the modification of their behavior, such as increase of self-confidence, interaction, cooperation, mutual respect,

and also reduction of verbal and physical aggression, lack of interest and lack of commitment.

Keywords: Mathematics, History, Investigatory activities; teaching-learning process, Thales Theorem.

Introdução

Resultados obtidos de pesquisas indicam a possibilidade de proporcionar aos alunos condições para que, por

meio da História da Matemática, consigam se interessar e compreender o conteúdo que está sendo abordado. Nesse

sentido, a abordagem histórica visa a mostrar aos alunos o porquê e não necessariamente o para quê de se estudar

aquele conteúdo insistentemente questionado por eles, contribuindo para um olhar crítico sobre os objetos de estudo.

Além de explicar alguns desses porquês, a História da Matemática pode fornecer aos alunos a possibilidade de

participar de descobertas, conhecendo situações que motivaram criações matemáticas. Dessa maneira, “em vez de se

ensinar a praticidade dos conteúdos escolares, investe-se na fundamentação deles. Em vez de ensinar o para quê,

ensina-se o porquê das coisas” (NOBRE, 1996, p. 31).

Aceitamos também que o direcionamento das informações históricas pode possibilitar a compreensão de

teorias que hoje aparecem acabadas e elegantes, criadas sem erros e, quase sempre, na ordem inversa com que é

exposta nos livros. Afinal, é interessante mostrar aos alunos que eles não são os únicos que têm dificuldades em

entender certas partes da Matemática. Morris Kline (1976) explica:

“Se os matemáticos levaram um milênio desde o tempo em que a Matemática de primeira classe

pareceu chegar ao conceito de números negativos – e levaram – e se levaram outro milênio para

aceitarem os números negativos – como realmente levaram, podemos ter certeza que os estudantes

terão dificuldades com os números negativos”. (KLINE, 1976, p. 60).

Portanto é preciso revelar aos alunos que a Matemática é uma ciência em construção e que nem sempre foi

fácil e simples criar uma teoria ou um conceito. E que até os grandes matemáticos tiveram seus momentos de

dificuldade e de erros. Assim, é necessário desmistificar a ideia que muitos têm da Matemática como uma ciência

pronta e infalível.

Dessa maneira, o que consideramos quanto ao uso da História da Matemática em sala de aula se aproxima do

que foi exposto pelo filósofo da Matemática e da Ciência Imre Lakatos (1978, p.183): “não há teoria que não tenha

passado por um período de progresso; além do mais, esse período é o mais interessante do ponto de vista histórico, e

deve ser o mais importante do ponto de vista didático”.

Assim, as informações históricas levadas para a sala de aula visam a mostrar aos alunos que aquele conteúdo

estudado teve uma história e que se pode conhecê-la e aprender com ela. Nesse sentido, Mendes (2006), considera

que os alunos podem realizar experiências provenientes de informações históricas com o objetivo de “desenvolver o

seu espírito investigativo, sua curiosidade científica e suas habilidades matemáticas, de modo a alcançar sua autonomia

intelectual” (p. 87).

Vivenciar, pois, experiências resgatadas das informações históricas, motivou uma resposta sobre como a

História da Matemática poderia ser abordada em sala de aula. Essa resposta foi inspirada por textos de Mendes (2006,

2008, 2009a):

“(...)A viabilidade de uso pedagógico das informações históricas baseia-se em um ensino de

Matemática centrado na investigação; o que conduz professor e aluno à compreensão do movimento

cognitivo estabelecido pela espécie humana no seu contexto sócio-cultural e histórico, na busca de

respostas às questões ligadas ao campo da Matemática como uma das formas de explicar e

Page 313: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Teorema de Tales em sala de aula: uma proposta apoiada na História...

305 Anais do XII SNHM -2017

compreender os fenômenos da natureza e da cultura (MENDES 2008, p. 15).

Sendo assim, o que Mendes (2008) propõe é que, com base nessas concepções, o professor consiga inserir

em suas aulas atividades que tenham uma dinâmica investigatória, “a pesquisa como princípio científico e educativo”

(p.15), com características manipulativas, extraídas e adaptadas da História da Matemática, a fim de que os alunos

compreendam o processo de formalização do conteúdo apresentado e participem dele.

Isto está conforme Viana (2002, 2013), que ao apoiar-se no enfoque histórico-cultural em sua concepção de

aprendizagem, considera que o processo de ensino-aprendizagem, se apresenta como um processo ativo, consciente,

motivador, significativo, individual, comunicativo, de forma que “pressuponha uma relação dialogal franca, amistosa,

afetiva, motivante e participativa” (VIANA, 2013, p. 17).

Este processo é também interativo, cooperativo e social, em que o professor é o orientador e o aluno o sujeito

ativo e consciente, orientado a interagir com outros sujeitos (o professor e outros estudantes), desenvolvendo ações

com o objeto de estudo. Daí o caráter ativo e consciente do processo. Mediante a ajuda do outro, o aluno soluciona as

tarefas que ainda não é capaz de realizar por si só, daí o caráter cooperativo do processo. E para possibilitar as

interações, as formas organizativas do processo devem ser grupais, isto é, as atividades devem ocorrer em pequenos

grupos de alunos, para oportunizar o exercício da cooperação e do trabalho conjunto. (VIANA, 2002, 2013). Com

isso, o professor necessita de promover atividades para o aluno realizar, ao contrário da aula expositiva, em que a

atividade é realizada pelo professor. E, para impulsionar a ação do aluno, o processo deve ser motivador e promotor

do interesse del. (SANTOS, 2013).

Isto combina com Mendes (2009a) quando afirma:

A utilização da investigação histórica no ensino aprendizagem da Matemática pressupõe que a

participação efetiva do aluno na construção de seu conhecimento em sala de aula constitui-se em

um aspecto preponderante nesse procedimento didático [...]. Por isso, sou favorável que as

informações históricas da Matemática sejam utilizadas sob a performance de atividades

investigatórias, voltadas à aprendizagem da matemática escolar”. (MENDES, 2009a, p. 88)

Este autor defende que “esse processo investigativo nas aulas de Matemática pressupõe a valorização do

saber e do fazer históricos na ação cognitiva dos estudantes” (MENDES, 2008, p. 21). Por isso decidimos apresentar

informações históricas em sala de aula por meio de atividade investigatória como o sustentáculo da proposta

desenvolvida nesta pesquisa. Procuramos desenvolver uma proposta que contemplasse atividades direcionadas para

tornar os alunos ativos na construção de seu conhecimento e o professor, o orientador do processo. Esta possibilidade

de associar a História da Matemática com atividades propícias à interação entre o sujeito e o objeto de conhecimento

foi encontrada nos trabalhos de Mendes (2006, 2009a, 2009b).

Neste contexto, o desenvolvimento de um trabalho em Geometria foi motivado tanto pela nossa experiência

como docentes quanto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática (BRASIL, 1998), que valorizam a

importância de estudar a Geometria:

“[ela] desempenha um papel fundamental no currículo, na medida em que possibilita ao aluno

desenvolver um tipo de pensamento particular para compreender, descrever e representar, de forma

organizada, o mundo em que vive. Também é fato que as questões geométricas costumam despertar

o interesse dos adolescentes e jovens de modo natural e espontâneo. Além disso, é um campo fértil

de situações-problema que favorece o desenvolvimento da capacidade para argumentar e construir

demonstrações”. (BRASIL, 1998, p.122)

Diante dessas considerações, refletimos sobre o processo de ensino aprendizagem de teoremas da geometria

plana e selecionamos o Teorema de Tales, devido à sua importância em construções geométricas, nas relações de

semelhança de triângulos e o fato de ser um tema apresentado aos alunos do último ano do ensino fundamental. A

partir desses argumentos, foi construída a questão de investigação: Que contribuições podem advir no

desenvolvimento de atividades investigatórias que utilizam a História da Matemática no processo de ensino-

Page 314: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Márcia Nunes & Marger Viana

306 Anais do XII SNHM -2017

aprendizagem do Teorema de Tales?

Assim, com base nas leituras que fundamentaram esta pesquisa e na análise das respostas ao questionário

apresentado aos participantes foi importante e possível selecionar/elaborar atividades investigatórias com informações

históricas, embora nem todas apresentassem explicitamente a História da Matemática, para propiciar a compreensão

do Teorema de Tales a alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, público alvo da pesquisa. Estes eram alunos em

situação de risco, sendo necessário obter mudanças no comportamento deles, modificação de suas opiniões sobre as

aulas de Matemática e a Matemática e sua história.

Nas primeiras atividades a História da Matemática foi utilizada de modo explícito, como elemento

desencadeador e motivador para o processo de ensino-aprendizagem do Teorema de Tales e nas demais no estilo

implícito. A análise dos dados foi realizada segundo a conceituação de processo de ensino-aprendizagem da

Matemática de Viana (2002, 2013) e de atividades investigatórias de Mendes (2006, 2008, 2009a, 2009b).

Para melhor compreender o papel da História da Matemática no ensino

As discussões históricas relativas à Matemática tiveram expressivo destaque em um Workshop sobre a

História da Educação Matemática, em Toronto, no Canadá, no ano de 1983, e ocorreu na mesma ocasião da criação

do Internacional Study Group on the Relations between the History and Pedagogy of Mathematics (HPM), grupo

afiliado à Comissão Internacional de Ensino da Matemática (ICMI).

No cenário nacional, a prioridade foi dada a partir da década de noventa do século XX, na qual, as pesquisas

sobre esse tema se ampliaram expressivamente envolvendo elementos históricos, não apenas em propostas

curriculares, mas também em coleções de livros didáticos e paradidáticos. Nesse sentido, os trabalhos desenvolvidos

em História da Matemática e História da Educação Matemática adquiriram destaque principalmente a partir da criação

da Sociedade Brasileira de História da Matemática (SBHMat) em 30 de março de 1999, no III Seminário Nacional de

História da Matemática, realizado em Vitória, no Espírito Santo.

Porém Baroni e Nobre (1999), advertem que apesar da História da Matemática estar ganhando destaque no

meio acadêmico-educacional e se destacando como instrumento para propostas didático-pedagógicas, ela é uma “área

do conhecimento matemático, um campo de investigação e, portanto, não pode ser analisada simplesmente como um

instrumento metodológico” (p.129).

Contudo, relacionar a História da Matemática com o ensino de Matemática não é uma proposta recente.

Miguel (1993) se referiu a esse fato quando expôs sua preocupação quanto à importância da história na Educação

Matemática e ainda conseguiu apontar a necessidade de resgatar a Educação Matemática na história, recorrendo à

Filosofia da Matemática. Essa questão colocada é importante pelo motivo de buscar compreender a inserção da própria

Educação Matemática na história e, consequentemente, a sua contribuição para o ensino da Matemática. Dessa

maneira, propor atividades de ensino que se fundamentam e se apoiam na história para ensinar Matemática, sem fazer

da história simplesmente uma ação motivadora, foi um dos propósitos da pesquisa. Nesse trabalho, buscou-se a

utilização da história como apoio à construção de conhecimentos matemáticos, indo além da abordagem de uma

história apenas motivadora, embora a motivação seja o que todo educador procura em suas aulas.

Enfatizou-se a utilização da história da resolução de problemas que geraram teorias, porque faz sentido que

o estudante veja na história alguns porquês de se criar determinada Matemática. Mas é necessária cautela na escolha

dos problemas, afinal o objetivo não é, necessariamente, apresentar aos alunos problemas discutidos há séculos e até

incorrer no risco de que os mesmos não mais façam sentido para eles.

Nobre (1996) discute exatamente a importância de se fomentar um pensamento questionador nos alunos

durante as aulas de Matemática, a fim de que os mesmos percebam o desenvolvimento dessa ciência, através dos

“porquês” do surgimento de um assunto, ou do surgimento de determinados teoremas em certa época na sociedade.

Por exemplo, muitos alunos não se interessam pelo estudo de polinômios, e a linguagem algébrica não faz

nenhum sentido, principalmente para os adolescentes do 9º ano do Ensino Fundamental. Neste caso, o professor pode

recorrer à história explicando que a inspiração surgiu da ideia de representação de um número por meio de um

comprimento. Feito atribuído aos gregos antigos e suas engenhosas operações algébricas e que foram os pitagóricos

os responsáveis pelo rigor geométrico dessa linguagem, através de métodos de decomposição (EVES, 2007).

Page 315: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Teorema de Tales em sala de aula: uma proposta apoiada na História...

307 Anais do XII SNHM -2017

Portanto, a ideia fundamental é combinar alguns argumentos citados por Miguel (1997) que reforçam as

potencialidades pedagógicas da História da Matemática, a saber: uma fonte para a seleção de problemas práticos,

curiosos e informativos a serem incorporados nas aulas de Matemática; um instrumento de formalização de conceitos

matemáticos; e um instrumento que pode promover a aprendizagem da Matemática plena de significados e, portanto,

compreensiva para o aluno.

A Pesquisa: sobre as atividades

As atividades aconteceram no horário das aulas de Matemática e o início se deu com o preenchimento de um

questionário com a finalidade de verificar o que alunos sujeitos da pesquisa tinham como conhecimento prévio para a

realização das atividades relativas ao teorema de Tales. Outro objetivo deste questionário foi conhecer o grau de

interesse desses alunos pela geometria e se conheciam a História da Matemática. Este instrumento também serviu de

base para a elaboração das atividades da proposta de ensino (SANTOS, 2013). Para simplificar, daqui para frente,

escreveremos alunos.

Os alunos trabalharam em trios, duplas, e individualmente, conforme a concepção de processo de ensino

aprendizagem adotado, dentro e fora da sala de aula conforme o tipo de atividade desenvolvida. Foi interessante a

reação deles quando a professora lhes relatou o histórico fato de Tales haver medido a pirâmide de Quéops, no Egito,

utilizando tão somente a medida de uma estaca e as medidas das sombras da estaca e da pirâmide.

Foi curiosa a resposta de alguns alunos, quando lhes foi questionado como poderiam medir a altura do poste

próximo ao portão da escola. Um aluno respondeu que subiria no poste, mas outros até se assustaram com tal resposta,

riram e disseram se deveriam fazer como Tales, utilizando sombras. A turma ficou interessada em fazer esse

experimento. Além disso, alguns participantes lembraram-se de que um item do questionário que haviam respondido

referia-se à importância da História da Matemática e concluíram que realmente ela interessa no presente, não

consistindo apenas de fatos já perdidos no tempo. Nesse momento, perceberam que seria possível adaptar um processo

histórico para o cálculo de alturas inacessíveis e de objetos conhecidos e próximos deles. Essa atividade deixou os

alunos admirados com os resultados obtidos e entenderam prazerosamente a aplicação do Teorema de Tales. Voltando

para a sala de aula foi realizada uma discussão sobre os procedimentos usados no cálculo da altura da árvore. Assim,

os alunos e realizaram as atividades, inclusive cálculos (que geralmente não lhes agradam) sem reclamações.

As atividades propostas instigaram a aprendizagem dos estudantes. De fato, a História da Matemática

proporcionou a motivação para a aprendizagem dos conceitos requeridos. Em seguida foi possível realizar a

formalização dos conceitos matemáticos necessários. Assim, percebeu-se que houve uma aprendizagem compreensiva

para os alunos, logrando escapar de um ensino memorístico. Em síntese, isso está de acordo com a fundamentação

teórica dessa pesquisa.

Resultados e conclusões

Após a realização das atividades e do levantamento dos registros das mesmas, procurou-se verificar as

contribuições promovidas pelo sistema de atividades proposto para o ensino e aprendizagem dos teoremas de Tales.

Consideraram-se como contribuições os avanços na habilidade de interpretar e empregar os conteúdos

aprendidos na resolução de situações problema, no caso, utilizar os teoremas de Tales para solucionar problemas que

envolviam seus conteúdos.

Como o propósito deste estudo foi contribuir de modo concreto para a melhoria do processo de ensino-

aprendizagem da Geometria Euclidiana, mais especificamente, do teorema de Tales, acredita-se, ainda que

modestamente, este foi alcançado.

Vale destacar que as atividades realizadas nesta pesquisa foram aquelas que o perfil dos alunos possibilitou.

Partimos de experiências concretas (componente intuitiva) e avançamos para experiências semi concretas e

formalizações (componente algorítmica). O mais difícil foi alcançar a capacidade de representações formais ou

abstrações, em vista das limitações que enumeramos no início deste texto. Com isso, reconhecemos que atividades

mais aprofundadas podem e devem ser elaboradas e realizadas, dependendo do perfil dos alunos (participantes)

Page 316: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Márcia Nunes & Marger Viana

308 Anais do XII SNHM -2017

(Santos, 2013).

Uma contribuição considerada relevante foi a mudança de opinião dos participantes sobre as aulas de

Matemática e a modificação do seu comportamento, como redução da agressividade verbal e física, do desinteresse e

da falta de compromisso, e aumento de confiança em si. Aos poucos, essas atitudes se transformaram, tornando

possível a promoção de um ambiente favorável à interação, à cooperação e ao respeito entre os participantes,

necessário à realização do processo de ensino-aprendizagem.

Com isso, espera-se que este estudo possa reverter positivamente para a comunidade escolar, visto que o

ensino e a aprendizagem de Geometria Plana ainda é um conteúdo considerado difícil, principalmente quando os

alunos têm problemas de comportamento.

Bibliografia

BARONI, R. L. S. & Nobre, S. A Pesquisa em História da Matemática e Suas Relações com a Educação Matemática.

In: BICUDO, M. A. (org.). Pesquisa em Educação Matemática: concepções e perspectivas. São Paulo: UNESP, 1999.

BRASIL. Ministério da Educação e de Desporto. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares

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Márcia Nunes dos Santos

Marger da Conceição Ventura Viana

Departamento de Matemática – UFOP – campus Ouro Preto –

Brasil

E-mail: [email protected]; [email protected]

Page 317: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

309 Anais do XII SNHM -2017

AS MATEMÁTICAS NA ENCYCLOPÉDIE E O CASO DA MÚSICA

Carla Bromberg (EDMAT e CESIMA Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)

[email protected]

A Encyclopédie ou dictionnaire raisonné editada por Denis Diderot (1713-1784) e Jean le Rond d’ Alembert (1717-

1783) foi uma das obras que contribuiu para a divulgação das ciências, das letras e artes durante o século XVIII. A

organização do conhecimento ali proposto foi de certa forma uma modificação da classificação anteriormente

desenvolvida na obra De augmentis de Francis Bacon (1561- 1626). De acordo com a classificação enciclopédica, as

matemáticas foram divididas entre puras e mistas, encontravam-se na sessão razão e incluíam a música. Apesar da

adoção do sistema de Bacon, da construção de uma árvore genealógica e de etimologias que puderam favorecer a

organização dos tópicos e de seus conteúdos, a Encyclopédie, como se sabe, foi fruto da compilação de escritos

comissionados a inúmeros autores. Um mesmo tópico, como as matemáticas, foi fragmentado em verbetes cujas

autorias foram diversas. Estes autores, assim como os próprios editores, assumiram diferentes posicionamentos

filosóficos e possuíam formações e objetivos que não podiam ser mais diversos. Desta forma, ao contrário de uma

visão homogênea e coerente das áreas do conhecimento e de suas particularidades, as ciências/ artes aparecem

classificadas através de posicionamentos muitas vezes conflitantes ou até incoerentes. Neste trabalho pretende-se

identificar os parâmetros utilizados para a classificação das matemáticas e analisar o posicionamento e natureza da

música analisando principalmente os verbetes a elas relacionados, assim como os principais textos de introdução e

reflexão dos editores.

Palavras-chave: Matemática e Música; Enciclopédia; Classificação do Conhecimento.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 318: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

310 Anais do XII SNHM -2017

UMA HISTÓRIA DOS NÚMEROS COMPLEXOS: DE NICOLAS CHUQUET A CARL

FRIEDRICH GAUSS

Cláudia Gonçalves Balbino

Universidade do Estado do Pará – UEPA – Brasil

Miguel Chaquiam

Universidade do Estado do Pará – UEPA – Brasil

Resumo

Apresentamos um recorte histórico a respeito dos números complexos, mais precisamente durante o período

renascentista, tendo como foco principal Leonhard Euler e suas contribuições para o desenvolvimento deste tema. O

interesse pelo tema se instaura a partir do ensino médio devido a forma desconexa com que foi apresentado e atingiu

seu ápice no decorrer das aulas de História da Matemática no decorrer do curso de licenciatura em Matemática. O

texto foi elaborado inicialmente a partir do diagrama modelo apresentado em Chaquiam (2015) e ajustado para o

proposto por Chaquiam (2016). Adotamos essa proposta tendo em vista que a mesma foi testada e gerou bons

resultados em relação a outros conteúdos matemáticos. A Figura 1 nos proporciona uma visão geral sobre quais

personagens foram abordados em ordem cronológica, fatos que compõem o cenário mundial e os trabalhos mais atuais

que versam sobre o tema ora em tela. Discorremos sobre traços biográficos de personagens renascentistas e também

sobre aqueles que contribuíram para o desenvolvimento dos números complexos e conteúdos matemáticos que

caracterizam o desenvolvimento desses números. Iniciamos com a apresentação de fatos históricos no período que

compreendido entre os séculos XV a XVIII envolvendo as reformas religiosas, crescimento da burguesia e

Renascimento e finalizamos apresentando a visão de Pinto Júnior (2009) e Santos (2013) sobre o tema, enfatizando

as equações cúbicas de Cardano e as resoluções algébricas das equações, respectivamente. Por contingência

estabelecida pelo evento não foi possível incorporar ao texto um maior detalhamento dos traços biográficos de Euler,

embora esteja indicado no diagrama que serviu de base para elaboração deste texto. Também por contingência, não

apresentamos demonstrações mais detalhadas dos conteúdos matemáticos abordados visando caracterizar melhor sua

evolução, que podem ser encontradas nas referências deste trabalho, principalmente em Balbino (2015). Destacamos

que esse texto pode ser utilizado em sala de aula para relacionar a História da Matemática com os conteúdos dos

números complexos.

Palavras-chave: Matemática, História, Recurso Didático, Números Complexos.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 319: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Cláudia Gonçalves Balbino & Miguel Chaquiam

311 Anais do XII SNHM -2017

[A HISTORY OF COMPLEX NUMBERS: FROM NICOLAS CHUQUET TO CARL FRIEDRICH GAUSS]

Abstract

We present a historical clipping regarding the complex numbers, more precisely during the Renaissance period, with

Leonhard Euler as his main focus and his contributions to the development of this theme. The interest in the subject

is established from high school due to the disconnected way in which it was presented and reached its peak during the

course of Mathematics History during the course of degree in Mathematics. The text was initially drawn from the

model diagram presented in Chaquiam (2015) and adjusted to that proposed by Chaquiam (2016). We adopted this

proposal because it was tested and generated good results in relation to other mathematical contents. Figure 1 gives

an overview of which characters were discussed in chronological order, facts that make up the world scene and the

most current works that deal with the theme now on screen. We discuss biographical traits of Renaissance characters

and also those that contributed to the development of the complex numbers and mathematical contents that

characterize the development of these numbers. We begin with the presentation of historical facts in the period

between the fifteenth and eighteenth centuries involving religious reforms, growth of the bourgeoisie and Renaissance

and we end by presenting the vision of Pinto Júnior (2009) and Santos (2013) on the subject, emphasizing the equations

And the algebraic resolutions of the equations, respectively. Due to the contingency established by the event, it was

not possible to incorporate into the text a greater detail of Euler's biographical traits, although it is indicated in the

diagram that served as the basis for the elaboration of this text. Also by contingency, we do not present more detailed

demonstrations of the mathematical contents approached in order to characterize their evolution better, that can be

found in the references of this work, especially in Balbino (2015). We emphasize that this text can be used in the

classroom to relate the History of Mathematics with the contents of complex numbers.

Keywords: Mathematics, History, Didactic resource, Complex numbers.

Introdução

Os escritos a seguir surgiram a partir das aulas da disciplina História da Matemática, baseado na proposta apresentada

por Chaquiam (2015), e tem por objetivo apresentar uma abordagem histórica sobre a evolução dos números

complexos a partir de Nicolas Chuquet até Carl Friedrich Gauss, com ênfase ao personagem Leonhard Euler, visto

que a ideia de raiz de um número negativo gerava opiniões diversas em relação a sua aceitação.

Quanto do início da descoberta de radicais negativos não há muitas evidências, mas sua repercussão no

desenvolvimento da Matemática tornou-se de vital importância, tanto internamente à matemática e também quanto às

aplicações em outras áreas do conhecimento.

A escolha do tema surgiu a partir da curiosidade a respeito da construção do que conhecemos hoje como

números complexos e sua aplicação nas diversas áreas do conhecimento científico. Além disso, durante o ensino

médio surgiram questionamentos diários tipo Para que servem?, Quem os inventou?, Onde se aplicam? e Porque

estudá-lo? geravam uma sensação de vazio e insegurança. No ensino superior surgiu a oportunidade de estudá-los

com mais detalhes, com um aprofundamento teórico e situações com possibilidades de aplicação.

Com intuito de ampliar o ambiente desse estudo em torno dos números complexos, optou-se por destacar,

primeiramente, o contexto histórico em que viveu o personagem principal, Leonhard Euler. Para caracterizar esse

contexto histórico são apresentados fatos ocorridos nos séculos XV e XVI, destacando os caminhos que a Europa

precisou enveredar para sair de um ambiente regido pela igreja para o desenvolvimento científico e uma nova

percepção de mundo.

Os escritos foram elaborados a partir do diagrama abaixo, o qual foi composto a partir do diagrama-

metodológico modelo sugerido por Chaquiam (2015).

Page 320: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Uma história dos números complexos: de Nicolas Chuquet a Carl Friedrich Gauss

312 Anais do XII SNHM -2017

Figura 1: Números Complexos – Linha do tempo

Fonte: Elaborado pelos autores

Este trabalho nos proporciona uma visão geral sobre os personagens que contribuíram para evolução dos

números complexos até sua formalização, com delimitação de tempo e espaço por meio dos fatos históricos e

personagens renascentistas, e também pode ser utilizado em sala de aula durante o desenvolvimento do referido tema.

Renascimento Europeu

A Idade Moderna, período compreendido entre os séculos XV a XVIII, foi um período de revoluções, modernidades

e transformações que proporcionaram o desenvolvimento na Europa.

Durante o século XIV e XV, a Europa sofreu duas grandes crises, a Guerra dos Cem Anos entre França e

Inglaterra, a qual culminou num declínio do comércio e a peste negra, a primeira gerou o declínio do comércio e a

segunda dizimou um grande número de pessoas, além de gerar escassez de alimentos. Tais situações contribuíram

para a formação do cenário da centralização do poder político e declínio do poder feudal.

Entre os séculos XV e XVI, surgem as Grandes Navegações que abrem um novo caminho para o

desenvolvimento comercial, dando origem ao capitalismo, ao surgimento de moedas e crescimento de uma nova

classe, a burguesia. Apesar do medo do mar, monstros e abismos, a conquista de novas terras coloca Portugal como

pioneira nesse empreendimento, seguido da Espanha.

A Igreja Católica, soberana no período feudal, começa a perder força para os movimentos religiosos devidos

os abusos cometidos pelas autoridades eclesiásticas, por exemplo, a venda de indulgências, ou seja, o fiel pagava para

ter seus pecados perdoados. A Reforma Protestante promoveu mudanças religiosas e o Renascimento nos trouxe uma

nova visão de mundo, com transformações intelectuais, culturais e artísticas.

Neste cenário o capitalismo ganhou espaço, a burguesia passou a fazer parte, além do comércio, mas da política, da

religião e da cultura. Assim surge um novo movimento inspirado na cultura greco-romana tirando da igreja o

monopólio do conhecimento.

A rejeição aos valores feudais dá origem a movimentos importantes, a exemplo, a valorização do ser humano,

humanismo; o homem no centro do universo, antropocentrismo; retomada da natureza, naturalismo; prazer individual,

hedonismo; e a busca pela integridade espiritual em Deus, neoplatonismo.

Esse novo pensar europeu desencadeou também o desenvolvimento científico na física, astronomia,

matemática e biologia. Destaca-se nesse processo o confronto entre a teoria do heliocêntrica (o Sol como centro do

universo) e geocêntrica (a Terra como centro do universo). Os nomes que se destacam nessa etapa da história são:

Nicolau Copérnico (1473-1543), Giordano Bruno (1548-1600) e Galileu Galilei (1564-1642). Nesse contexto a razão

passa a explicar os fenômenos naturais e celestes e não mais a fé.

Page 321: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Cláudia Gonçalves Balbino & Miguel Chaquiam

313 Anais do XII SNHM -2017

O poder centrado nas mãos de um rei, conhecido como absolutismo, incentivou a formação de Estados

Nacionais e, neste cenário, podemos destacar um personagem importante, Nicolau Maquiavel (1469-1527), que ao

escrever sua célebre obra O Príncipe, procurou justificar que o homem não é capaz de fazer algo útil e precisa estar

sob a lei. De acordo com Campos (2000, pp. 5-6, 21-22), um governo bem estruturado, que ele chamou de misto,

criado em Roma, traria o perfeito equilíbrio para a sociedade.

Todas as transformações acima citadas na Europa culminaram com o desenvolvimento da ideologia

denominada Iluminismo. Este foi um movimento do século XVII que visava esclarecer questões políticas, sociais,

filosóficas, culturais por meio da razão e da ciência e com isso criar uma visão oposta ao absolutismo e aos dogmas

da Igreja Católica.

Renascimento Europeu

No século XVI a matemática italiana teve seu auge histórico, mais precisamente, no período compreendido entre o

ano de 1450 e início do século XVII, período marcado pela invenção da imprensa e, a seguir, por avanços na

matemática, mecânica e astronomia. Na matemática, os conhecimentos, baseados em Euclides, apresentam avanços.

Dentre esses avanços destacam-se: a simplificação da álgebra com a introdução de frações decimais e logaritmos,

criação de um sistema de simbologia adequada como + (mais), ̶ (menos), (multiplicar), (dividir), = (igual), √ (raiz

quadrada), parênteses e os expoentes e as soluções das equações de terceiro e quarto graus com a aceitação das raízes

negativas e imaginárias.

Muitos matemáticos da época faziam uso da álgebra sincopada, isto é, abreviação das palavras que

representavam o que temos como símbolos. Esse fato pode ser evidenciado na obra Tripaty de Nicolas Chuquet (1445-

1500 aprox.) e que segundo Boyer (2000, p.189) a obra é essencialmente retórica, sendo as quatro operações

fundamentais indicadas pelas palavras e frases plus, moins, multiplier par, e partyr par, as duas primeiras às vezes

abreviadas à maneira medieval como 𝐩 e �̅�”.

Assim, o surgimento das simbologias muito contribuiu para a simplificação dos cálculos e diminuição dos

esforços para realizá-los. Leonhard Euler, personagem aqui abordado, foi um dos que contribuíram para esse feito.

Personagens importantes no cenário renascentista

No modelo proposto por Chaquiam (p.25, 2015) há uma recomendação para se associar aos conteúdos matemáticos

recortes da história da matemática, e mais, envolver personagens, história da matemática e história do

desenvolvimento de conteúdos matemáticos. Para tanto, sugere a escolha de um tema/conteúdo ao qual possa ser

associado a um personagem, tendo em vista desenrolar histórico do processo evolutivo e formalização do

tema/conteúdo eleito.

Em meio às novas perspectivas de renascimento científico, o conhecimento de mundo e tudo o que nos rodeia

passou a ser explicados através das ciências. O homem passou a estar no centro de tudo, um ser perfeito e com

capacidade de compreender e divulgar novas ideias.

Observado as recomendações e analisando os dados obtidos na pesquisa para constituir um caminho

evolutivo dos números complexos, optou-se por destacar Leonhard Euler e demais personagens constantes na figura

1, acima apresentada.

Iniciamos com Nicolas Chuquet (1445-1500), matemático francês do século XV, nasceu em Paris, mas

dedicou-se à medicina em Lyon. Sua obra mais importante está intitulada Triparty dans la sicence des nombres (A

Triparte da Ciência dos Números), escrita em 1484, contempla o cálculo com números racionais e irracionais; a teoria

das equações; simbologias avançadas do tipo R2, R3, com o objetivo de indicar raiz quadrada, cúbica; representação

das potências das incógnitas por meio de expoentes, embora omitisse o símbolo da incógnita, por exemplo. 5x3 + 1

ficava 53�̅�1.

Em relação aos números negativos, Chuquet admitia expoentes inteiros, positivos e negativos. Mas seu

trabalho foi considerado muito avançado e, muito provavelmente, não gerou influência nos seus contemporâneos. Em

relação aos números complexos, Chuquet registra na citada obra que algumas equações apresentavam soluções

Page 322: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Uma história dos números complexos: de Nicolas Chuquet a Carl Friedrich Gauss

314 Anais do XII SNHM -2017

imaginárias e, portanto, preferiu descartá-las dizendo Tel nombre est ineperible.

De acordo com Faria (2014, p. 36), Nicolau Copérnico (1473-1573) nasceu em Torun, na Polônia. Estudou

matemática e astronomia na Universidade de Cracóvia e Direito na Universidade de Bolonha, na Itália. Em sua obra

Commentariolus (Pequeno Comentário), apresentou uma descoberta que revolucionou a física e a astronomia, indo

de encontro ao que a igreja impunha, ou seja, o Sol como centro do universo e os planetas orbitando ao seu redor

conhecida atualmente como a Teoria do Heliocentrismo.

Segundo Silva (2012, p. 1-2), Giordano Bruno (1548-1600) nasceu em Roma, na Itália. Estudou astronomia,

filosofia aristotélica e teologia tornando-se doutor em Teologia. Foi acusado de herege por duvidar da santíssima

trindade e defendeu, entre outras ideias, a de que o universo é infinito. Seus estudos, que tanto incomodavam a Igreja

Católica,foram silenciados pela Inquisição quando o condenaram à fogueira.

Conforme Faria (2014, p. 42), Galileu Galilei (1564-1642) nasceu em Piza, na Itália. Fazendo ajustes no seu

telescópio, comprovou por meio de observações celestes que as teorias de Copérnico estavam certas. Em sua obra

Mensageiro Sideral, por volta de 1610, fez descrições detalhadas de astros como a Lua e Júpiter, sobre a Via Láctea

e o comportamento do Sol. Contudo, o Tribunal da Inquisição pretendia condená-lo a morte caso não abandonasse

tais ideias. Embora tenha abandonado tais ideias, deixou grandes contribuições à Física Moderna.

A partir das pesquisas sobre a origem dos estudos dos números complexos, apresentamos a seguir, o

matemático Girolamo Cardano, o qual deu os primeiros passos para a evolução do tema, juntamente com outros

matemáticos que participaram das descobertas dentro do tema da época: equações cúbicas e quárticas.

Girolamo Cardano1 (1501-1576) nasceu em Pavia, na Itália. Desde pequeno, Cardano demonstrou interesse

pela Matemática. Estudou nas universidades de Pavia e Pádua. Usava seus conhecimentos matemáticos para ganhar

nos jogos de azar e, mesmo assim, nem sempre alcançava seus objetivos. Temos ainda que Leonardo da Vinci (1452

– 1519) foi seu orientador em assuntos ligados à geometria.

De acordo com Boyer (2010, p. 193-195), em 1545, Cardano publicou sua obra mais importante intitulada

Ars Magna 2 onde se encontra a solução para equações cúbicas e quárticas. Foi um grande avanço para o período

moderno da matemática. Mas é conveniente ressaltar que ele não foi o descobridor original das soluções e admitiu

isso por escrito dizendo que a solução das cúbicas se deve a Tartaglia (1499-1557), e das quárticas, a Ludovico Ferrari

(1522-1565). Contudo, Cardano agiu de má-fé com Tartaglia e prometendo guardar segredo, em 1539, conseguiu

obtê-la em forma de versos cheios de enigmas e publicá-la em sua obra. Mas essa atitude não foi apenas com Tartaglia,

ele também publicou uma obra de Arquimedes em 1543 na mesma situação.

Lima (1987), afirma que Scipione Del Ferro (cerca de 1465-1526), professor de matemática em Bolonha foi

quem descobriu a solução para o problema de 3 mil anos, porém não a publicou. Ele contou em segredo a dois

discípulos seus, Annibale Della Nave (1500-1558, futuro genro) e Antonio Maria Fior (séc. XV – séc. XVI, amigo),

que recebeu a regra sem demonstração. Em meio a isso, Tartaglia se empenhou em buscar a solução algébrica por si

mesmo e quando a notícia se espalhou, por volta de 1535, organizou-se uma competição entre Fior e Tartaglia.

Foi uma competição profícua, pois, conforme Boyer (2010), visto que cada um propôs ao outras trinta

questões, Tartaglia sabia lidar tanto com cubos e quadrados quanto com cubos e raízes igualados a um número, e Fior

só sabia esta última. Quando Cardano soube desse triunfo tratou de arquitetar seus planos para o que já sabemos.

Quanto aos números imaginários, Boyer (2010, p.196) afirma que Cardano, ao calcular a equação cúbica

𝒙𝟑 = 𝟏𝟓𝒙 + 𝟒 e concluir que 𝒙 = √𝟐 + √−𝟏𝟐𝟏𝟑

+ √𝟐 − √−𝟏𝟐𝟏𝟑

, sabia que x é igual a 4, mas ao mesmo tempo

afirmava que não existe raiz quadrada de número negativo. Outra situação que o levou pelo mesmo caminho, foi

dividir 10 em duas partes de tal forma que o produto resultasse em 40, o que resultou em 𝟓 + √−𝟏𝟓 e 𝟓 – √−𝟏𝟓.

De acordo com Boyer (2010, p. 196), Cardano se referia a essas raízes quadradas de números negativos como

“sofísticas” e concluía que o resultado nesse caso era "tão sutil quanto inútil”.

Segundo Roque (2012), a equação x3 = 15x + 4 é considerada irredutível, pois redução de equações era um

método muito usado na hora de simplificar os cálculos. É possível reduzir uma equação cúbica em uma quadrática,

1 Seu nome pode variar dependendo da região como é o caso Hieronymus Cardanus na América latina. 2 Título original: Artis magnae, sive de regulis algebraicis (Da Grande Arte, ou As Regras da Álgebra).

Page 323: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Cláudia Gonçalves Balbino & Miguel Chaquiam

315 Anais do XII SNHM -2017

mas no caso citado isso não é possível por conta das raízes imaginárias. Naquela época, quando apareciam resultados

com radicais de números a saída mais prática era dizer que não havia solução, uma vez que não eram considerados

números.

De acordo com a história, a aceitação dos números além dos naturais não ocorreu de uma hora para outra.

Conforme Roque (2012) e Boyer (2010), as soluções racionais eram mais fáceis de serem aceitas em ralação às

irracionais considerados, no início, como “mudas” ou “números surdos” ou “sem razão”, pois não podiam ser escritos

na forma decimal. Na época de Cardano já eram aceitos e o problema agora era quando a solução era um número

negativo por não se aproximarem de números positivos, mas com a representação numérica na reta tornou-os

aceitáveis. Cardano chamou-os de numeri ficti. Então, para equações como x2 = 2 e x + 2 = 0, bastava dizer que não

podiam ser resolvidas e o mesmo acontecia com os imaginários.

Quanto a resolução que gerou polêmica, Tartaglia não resolveu a equação geral ax3 + bx2 + cx + d = 0,

mas sim, entre outros, os dois tipos especiais x3 + px +q = 0 e x3 + px2 + q = 0, cuja demonstração encontramos

em Lima (1987, pp. 16-17).

A seguir apresentamos personagens que também contribuíram para a evolução dos números complexos, a

saber, Tartaglia, Bombelli, De Moivre, Euler, Gauss e Argand. Iniciamos por Niccolò Fontana (1499-1557), nasceu

na cidade de Bréscia, na Itália. Era popularmente conhecido como Tartaglia3, contribuiu com os estudos das soluções

de equações cúbicas e como trabalhar com soluções contendo raízes de números negativos.

De acordo com Cerri & Monteiro (2001), sua marca mais importante foi a disputa com Cardano no que tange

as soluções das equações cúbicas.

As contribuições de Bombelli, em linguagem matemática atual, estão relacionadas aos imaginários

conjugados. Ele propôs que os números √𝟐 + √−𝟏𝟐𝟏𝟑

e √𝟐 − √−𝟏𝟐𝟏𝟑

deveriam ser números na forma 𝒂 + √−𝒃 e

𝒂 − √−𝒃, respectivamente, ou seja, os radicais poderiam ser relacionados do mesmo modo como os radicandos. Logo,

pela ideia apresentada, temos que x= 2+1√−𝟏 e x = 2 – 1√−𝟏 ou seja, x = 4.

Rafael Bombelli foi matemático e engenheiro. Nasceu em Bolonha, em 1526, na Itália, e faleceu em 1572.

Sua maior contribuição encontra-se registrada na sua obra L'Algebra escrita por volta de 1560 e impressa, em parte,

em 1572. Nessa obra estão os estudos de Bombelli a respeito dos números imaginários.

Abraham De Moivre (1667-1754) era francês e filho de protestante, mas, conforme Boyer (2010) e Strathern

(2003), precisou ir para a Inglaterra pois com a revogação do Édito de Nantes por Luiz XIV os protestantes passaram

a ser perseguidos e De Moivre acabou ficando preso por três anos. Ele conheceu Issac Newton (1643-1727) e Edmond

Halley4 (1656-1742) e devido dificuldade passou a lecionar matemática em aulas particulares. Mesmo não

conseguindo uma vaga para atuar na universidade, ele deixou uma quantidade significativa de pesquisas. Seu interesse

principal era sobre a Teoria das Probabilidades.

Sobre os números complexos, Eves (2011) mostra que De Moivre deu sua contribuição, em 1707, no seguinte

teorema: (𝐜𝐨𝐬 𝛉 + 𝐢𝐬𝐞𝐧 𝛉)𝐧 = 𝐜𝐨𝐬 𝐧𝛉 + 𝐢𝐬𝐞𝐧 𝐧𝛉 , 𝐢 = √−𝟏, ou seja, ele relacionou os números imaginários com

a trigonometria. O citado teorema está presente em seus trabalhos sobre ciclometria5.

Leonhard Euler (1707-1783) também contribuiu para evolução dos números complexos, dentre suas

contribuições está a atribuição do símbolo 𝒊 para √−𝟏, mesmo sendo adotada quase no fim de sua vida, em 1777.

Conforme Boyer (p. 310, 2010), Euler, no estudo do que conhece sobre o Teorema Fundamental da Álgebra

de Girard, pode mostrar que o sistema de números complexos é fechado para as operações transcendentes elementares

e também que uma potência imaginária de um número imaginário pode ser um número real como podemos ver no

resultado abaixo retirado de uma carta de Euler para Christian Goldbach (1690-1764):

3 O apelido está relacionado com as dificuldades para falar em decorrência de um golpe de sabre na boca desferido por um soldado que

atacou sua família, deixando-o gago. 4 Astrônomo e matemático britânico. 5 Medição de círculos ou ciclos.

Page 324: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Uma história dos números complexos: de Nicolas Chuquet a Carl Friedrich Gauss

316 Anais do XII SNHM -2017

𝐢𝐢 = 𝐞−𝛑

𝟐 . De 𝐞𝐢𝛉 = 𝐜𝐨𝐬 𝛉 + 𝐢 𝐬𝐞𝐧𝛉, temos para 𝛉 = 𝛑/𝟐, 𝐞𝛑𝐢/𝟐 = 𝐢. Logo, (𝐞𝛑𝐢/𝟐)𝐢 = 𝐞𝛑𝐢𝟐/𝟐 = 𝐞−𝛑/𝟐.

Tempos depois, Euler mostrou que podem existir inúmeros valores para 𝐢𝐢, dados por 𝐞−𝛑/𝟐±𝟐𝐊𝛑, onde 𝐊 é

um inteiro. Além disso, Euler deu sua grande contribuição para a Análise Complexa com sua equação que envolve

os logaritmos como expoentes e a relação das potencias de base 𝒆 com os números complexos e com as funções

circulares que aparecerá com a relação de Euler:

𝒆𝒊𝜽 = 𝒄𝒐𝒔 𝜽 + 𝒊 𝒔𝒆𝒏 𝜽 (𝟏)

e a partir das séries de Colin MacLaurin (1698-1746) ou de Brook Taylor (1685-1731) é possível deduzir a relação

acima.

A partir desta relação, pode-se chegar na célebre relação de Euler, quando consideramos 𝛉 = 𝛑, isto é, 𝑒𝑖𝜋 =

𝑐𝑜𝑠 𝜋 + 𝑖 𝑠𝑒𝑛 𝜋 ou 𝑒𝑖𝜋 = − 1 + 𝑖 ∙ 0 e, por fim, 𝑒𝑖𝜋 + 1 = 0. Segundo a revista Superintessante, essa é

uma das relações mais conhecida no mundo e, a partir desta relação é possível concluir sobre a existência de logaritmos

de números negativos, a saber, 𝑙𝑛(−1) = 𝜋. 𝑖.

Jean-Robert Argand (1768-1822) nasceu em Genebra, na Suiça. Argand foi contador e matemático amador.

Seus trabalhos mais importantes estão na interpretação geométrica para os números complexos e alguns trabalhos para

o Teorema Fundamental da Álgebra.

Em relação aos números complexos, Roque (2012) nos ressalta que Argand publicou, em 1813, o artigo Essai

sur une manière de représenter les quantités imaginaires dans les constructions géométriques (Ensaio sobre uma

maneira de representar as quantidades imaginárias nas construções geométricas) nos Annales de Mathématiques purês

et appliquées, o primeiro jornal inteiramente de Matemática, onde ele afirma que tais quantidades não podem ser

descartadas pois tem grande importância na álgebra, como por exemplo, na subtração de valores anteriores ao 0 (zero)

alegando a existência de uma maneira de apenas considerar os resultados como imaginários.

Para Argand, os números imaginários não poderiam ser representados na reta real, mas estariam no mesmo

plano. Portanto, para trazer a tona os imaginários, ele construiu um diagrama em que estão presentes todos os

imaginários conhecidos além dos imaginários puros.

Carl Friedrich Gauss nasceu em 1777, em Braunschweig, na Alemanha, e faleceu em 1855. Conforme Jesus

(2013), Gauss teve uma infância pobre, mas soube aproveitar as oportunidades para estudar e se aperfeiçoar em

matemática. A dedicação à aritmética superior lhe consagrou como “Príncipe da Matemática”. Em 1798, escreveu o

que muitos consideram sua obra prima, Indagações Aritméticas.

Gauss trabalhou números complexos usando gráfico de curvas. Segundo Bentley (2009), ele também

introduziu a notação a + bi, a expressão “números complexos” e conclui, através do teorema Fundamental da Álgebra

que o campo dos complexos é algebricamente fechado.

É importante destacar que, inicialmente, a nomenclatura utilizada por Girolamo Cardano (1501-1576) foi

“números sofísticos”, posteriormente René Descartes (1596-1650) os denominou de “números imaginários” e,

finalmente, Gauss nos apresenta a denominação atual, ou seja, “números complexos”.

Pontos de vista sobre os Números Complexos

Finalizamos apresentando comentários sobre o tema, baseados nas dissertações de mestrado A História dos Números

Complexos: “das quantidades sofisticadas de Cardano às linhas orientadas de Argand”, de autoria de Ulício Pinto

Júnior, datada de 2009, e As equações polinomiais de 3º e 4º graus: sua história e suas soluções, de Sergio Ricardo

dos Santos, datada de 2013.

Ulício Pinto Junior apresenta o desenvolvimento dos números complexos na resolução das equações cúbicas

a partir de Cardano, passando por Wallis, Buée, Wessel e Argand mostrando como as contribuições desses

matemáticos formaram o que conhecemos hoje. O trabalho está dividido em três capítulos que comentamos a seguir.

No trabalho de Pinto Junior (2009) constam as construções das soluções das equações cúbicas e o

aparecimento da raiz de um número negativo nos cálculos de Diofanto de Alexandria (séc. III), bem como Girolamo

Page 325: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Cláudia Gonçalves Balbino & Miguel Chaquiam

317 Anais do XII SNHM -2017

Cardano tomou conhecimento das soluções descobertas pelos matemáticos Niccolò Fontana6 (1499 – 1557) e Rafael

Bombelli (1526-1572).

Pinto Junior (2009) apresenta comentários sobre Harriot, Descartes, Leibniz, De Moivre, entre outros, discute

como as raízes de números negativos eram tratadas, embora houvesse rejeição por parte de muitos matemáticos,

inclusive, no caso dos números complexos, mesmo com o surgimento de novas teorias para sustentação.

Pinto Junior (2009) faz um apanhado histórico sobre a importância de se representar geometricamente as

entidades algébricas e nos mostra que foi John Wallis (1616-1703) o primeiro a construir um ambiente gráfico para

os imaginários. Nos apresenta também uma descrição sobre o trabalho de Jean-Robert Argand (1768-1822) a respeito

do que se conhece hoje como “plano de Argand-Gauss” nos livros didáticos.

Em Santos (2013) encontram-se as equações de 3º e 4º graus, suas respectivas soluções, e uma alternativa de

soluções por meio de técnicas algébricas elementares. Este, inicialmente apresenta recorte histórico sobre a solução

das equações algébricas nas diferentes civilizações e resumo sobre as primeiras tentativas de solução até chegar a

Girolamo Cardano.

Considerações Finais

A partir do diagrama (Figura 1), baseado no modelo apresentado por Chaquiam (2015), foi possível elaborar o presente

texto que contém uma cronologia em relação a construção dos números complexos. Observa-se que foram necessários

séculos de estudos e descobertas, matemáticos que apoiavam e outros que os desconsideravam tais números, e quanto

mais o desenvolvimento avançava no mundo mais se necessitavam de novos conjuntos numéricos e cálculos

avançados para justificar determinadas situações, mesmo com as dúvidas que pairavam no ar a respeito dos números

complexos.

Este trabalho nos elucida alguns aspectos importantes no que consideramos o momento mais intenso da

construção dos números complexos, que foi quando Cardano e Tartaglia iniciaram os estudos desses números dentro

das equações cúbicas, os quais eram consagrados como “estrelas” do momento.

O trabalho desenvolvido ajudou-nos a perceber a construção cronológica desses novos números e que

apresentá-los aos alunos do ensino médio pode gerar dúvidas quanto a sua utilidade, entretanto, nos mostra o árduo

trabalho desenvolvido até chegar a formalização do conjunto dos números complexos.

Observa-se que a corrida para resolução das equações cúbicas por meio de radicais no século XVII foi a mola

que deu o impulso necessário para o estudo dos números complexos. Inicialmente Cardano encontrou uma maneira

de resolvê-las por meio de regras e Bombelli descobriu o que hoje conhecemos como conjugado. Euler criou

simbologias para facilitar os cálculos e Gauss iniciou a construção geométrica dos números tidos como não realistas.

Salientamos que não foram apenas esses personagens que deram suas contribuições, mas elencamos aqueles que

consideramos pontos-chaves nesse desenvolvimento dos números complexos.

Esse texto foi elaborado tendo em vista sua utilização em sala de aula por professores quando abordarem os

conteúdos relativos aos números complexos, tendo em vista a integração da História da Matemática aos conteúdos

matemáticos, além disso, nos mostra fatos históricos da humanidade para nos situar em tempo e espaço, integrando a

História da Matemática como parte da História da Humanidade.

Os esforços desprendidos pelos matemáticos ao longo do tempo corroboram na desmistificação de que a

Matemática foi inventada por alguém ou que é fruto de alguns iluminados. Se hoje temos um conjunto bem definido,

munido de operações, observa-se que foram necessários séculos de estudos e debates para que ocorresse sua aceitação.

Ficou evidente que é possível a partir do modelo proposto por Chaquiam (2015) associar fatos relacionados

a história da matemática e da história da evolução dos conteúdos matemáticos durante o desenvolvimento de conteúdos

matemáticos.

A partir das discussões ocorridas no desenvolvimento da disciplina História da Matemática quanto ao uso da

História da Matemática como um recurso didático, concluímos que esse texto pode ter tal função.

6 Também conhecido como Tartaglia

Page 326: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Uma história dos números complexos: de Nicolas Chuquet a Carl Friedrich Gauss

318 Anais do XII SNHM -2017

Bibliografia

BALBINO, Cláudia Gonçalves. Um olhar sobre os números complexos: história, evolução e aplicação. 2015. 120 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Matemática) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2015.

BOYER, Carl B. História da Matemática. 3. ed. São Paulo: Blucher, 2010.

BENTLEY, Peter. O Livro dos Números: Uma História Ilustrada da Matemática. Tradução de Maria Luiza X. de A.

Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.

CHAQUIAM, M. História da matemática em sala de aula: proposta para integração aos conteúdos matemáticos. Série

História da Matemática para o Ensino, v. 10. São Paulo: Livraria da Física, 2015. 82 p.

D’AMBRÓSIO, Ubiratam. Euler, Um Matemático Multifacetado. Revista Brasileira de História da matemática. V. 9,

n. 17, 2009. p. 13-31.

EVES, Howard. Introdução à História da Matemática. São Paulo: Unicamp, 1997.

EVES, Howard. Introdução à História da Matemática. 5ª ed. São Paulo: Unicamp, 2011.

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http://www.ime.unicamp.br/~ftorres/ENSINO/MONOGRAFIAS/M_M2_FM_2013 .pdf > Acessado em: 17 de junho

de 2015.

Leonhard Euler. Disponível em: <http://www.ime.unicamp.br/~calculo/ambientedeensino

/modulos/history/euler/euler.html> Acessado em:

LIMA, E. L. A Equação do Terceiro Grau. 1987. Revista Matemática Universitária, n. 5, p. 9-23, 1987. Disponível

em: <http://rmu.sbm.org.br/Conteudo /n05/n05_Artigo01.pdf> Acessado em: maio, 2015.

MENDES, Iran Abreu. CHAQUIAM, Miguel. Histórias nas aulas de Matemática: fundamentos e sugestões didáticas

para professores. Belém: SBHMat, 2016. 124 p.

MUÑOZ, José Manuel Sánchez. Historias de Matemáticas Hamilton y el Descubrimiento de los Cuaterniones.

Revista Pensamiento Matemático. N. 1, 2009. p. 7-8. ISSN 2174-0410

PICKOVER, Clifford A. O Livro da Matemática. Tradução de Carlos Carvalho. Holanda: Librero, 2011. ISBN: 978-

90-8998-165-3.

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Dissertação de mestrado – Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão: UFS, 2013. p. 10-15.

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1-2. set. 2012. ISSN 2175-3318.

PINTO JÚNIOR, Ulício. A HISTÓRIA DOS NÚMEROS COMPLEXOS: “das quantidades sofisticadas de Cardano às

linhas orientadas de Argand”. 2009. 94 f. Dissertação de mestrado – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de

Janeiro: UFRJ, 2009.

Cláudia Gonçalves Balbino

Departamento de Matemática, Estatística e

Informática – DMEI – campus de Belém – Brasil

E-mail: [email protected]

Miguel Chaquiam

Departamento de Matemática, Estatística e

Informática – DMEI – campus de Belém – Brasil

E-mail: [email protected]

Page 327: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

319 Anais do XII SNHM -2017

INTERCÂMBIOS DE ESTUDANTES E PROFESSORES: RELAÇÕES MATEMÁTICAS

ENTRE BRASIL E A UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA - BERKELEY

Lucieli M. Trivizoli

Universidade Estadual de Maringá – UEM – Brasil

Resumo

Este trabalho tem como objetivo contribuir para a identificação de parte das influências estrangeiras na

institucionalização da investigação científica na área da Matemática no Brasil, e compreender as ligações entre a

comunidade de matemáticos estadunidenses e matemáticos brasileiros, atentando para uma instituição específica -

University of California, Berkeley - que contribuiu para relações no desenvolvimento das áreas de Matemática e a

formação de matemáticos no Brasil, propondo a identificação dos matemáticos que fizeram parte desta difusão do

conhecimento matemático no período entre a década de 1940 a 1990. Apresentamos os resultados de uma pesquisa de

pós-doutorado na qual tivemos a intenção de investigar e consultar documentações daquela universidade fazendo uma

análise qualitativa a fim de reconhecer as questões de relações e estruturas sociais e científicas. Nossa proposta se

atentou para a compreensão das conexões, contatos e influências entre a Matemática dos EUA e do Brasil, a fim de

mostrar os elementos e as diferenças entre estes contextos científicos e consultou as listas de bolsas obtidas por

fundações privadas e indicadas em pesquisas anteriores; listas de matemáticos visitantes publicadas nos Notice of

American Mathematical Society e consultados na Biblioteca de Matemática e Estatística, em Berkeley, e a lista de

doutores que obtiveram seus títulos pelo Departamento de Matemática, em Berkeley, disponível no site oficial do

Departamento de Matemática, em Berkeley. Novos estudos deverão focar na identificação e discussão do trabalho

acadêmico, das atividades realizadas no exterior e do impacto da formação destes matemáticos no Brasil. Por ora, o

trabalho mostra que essa instituição foi um destino para muitos matemáticos brasileiros, muitos deles tendo se

destacado na comunidade científica matemática no Brasil.

Palavras-chave: História da Matemática no Brasil, Influências estrangeiras, Intercâmbios Científicos em Matemática.

STUDENT AND TEACHER EXCHANGE: MATHEMATICAL RELATIONS BETWEEN BRAZIL AND THE UNIVERSITY OF

CALIFORNIA - BERKELEY

Abstract

This work aims to contribute to the foreign influences identification in the institutionalization of scientific research of

Mathematics in Brazil. The purpose is to understand the connections between the community of American

mathematicians and Brazilian mathematicians, considering a specific institution - University of California, Berkeley

- who contributed to the training of Brazilians mathematicians and thus to the development of Mathematics in Brazil.

The identification of mathematicians who were part of this diffusion of mathematical knowledge considered the period

between the 1940s and 1990s. They are the results of a postdoctoral research in which we intended to investigate and

consult documentations of that University under a qualitative analysis. We present the lists of scholarships from private

foundations obtained in previous research; Lists of visiting mathematicians published in the Notice of American

Mathematical Society and consulted at the Library of Mathematics and Statistics at Berkeley and the list of doctors

who obtained their degrees from the Department of Mathematics at Berkeley available on the official website of the

Department of Mathematics at Berkeley. Future studies should focus on the identification and discussion of academic

work, activities carried out abroad and the impact in Brazil of the US training of these mathematicians. For now, the

data shows that this institution was a destination for many Brazilian mathematicians, some of them having been

outstanding in the mathematical scientific community in Brazil.

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 328: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Lucieli M. Trivizoli.

320 Anais do XII SNHM -2017

Keywords: History of Mathematics in Brazil, Foreign influences, Scientific Exchanges in Mathematics.

Introdução

A Universidade de São Paulo (USP) pode ser considerada um local de alavancagem para o processo de formação dos

primeiros matemáticos brasileiros e da institucionalização da Matemática profissionalizada, como também foi a

principal localidade recebedora de matemáticos estrangeiros até a década de 1950. Para iniciar a discussão das ideias

a serem propostas neste projeto, podemos identificar três momentos na formação de matemáticos da USP: italiano,

francês e americano. Para os dois primeiros momentos já existem pesquisas que tratam de suas identificações, como

os trabalhos de Pires (2006), que retrata a presença de membros do grupo Bourbaki no Departamento de Matemática

da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras (FFCL) da USP; e o trabalho de Táboas (2005), que identifica a

contribuição de Luigi Fantappiè para a Matemática brasileira. Assim, este projeto de pesquisa se atenta para aspectos

do terceiro momento, com foco no período após a Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria.

Estudos históricos deste período geralmente se concentram nos aspectos militares, políticos e diplomáticos

entre a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e os EUA. No entanto, as dimensões científicas deste

período, assim como a corrida tecnológica entre os EUA e a União Soviética, ainda permanecem insuficientemente

estudadas do ponto de vista brasileiro.

A presença estadunidense no Brasil se deu de forma seletiva e em conjunto com parcerias de fundações

privadas, que mantiveram programas de bolsas para jovens intelectuais latino-americanos em universidades

estadunidenses – como a Fundação Rockefeller, a Fundação Guggenheim e Comissão Fulbright. Como resultados

dessas parcerias foram promovidas as relações científicas em diversas áreas em vários países das Américas, inclusive

no Brasil. O estudo sobre essas relações iniciais foi desenvolvido na tese de doutorado intitulada "Intercâmbios

Acadêmicos Matemáticos entre EUA e Brasil: uma globalização do saber" (TRIVIZOLI, 2011), com a apresentação

dos matemáticos brasileiros que se dirigiram às universidades estadunidenses entre 1945 a 1980, financiados pelas

três instituições citadas.

A partir dos elementos das listagens constituídas durante aquela pesquisa percebeu-se que, na Matemática,

as experiências no exterior se intensificaram somente no final da década de 1940, uma consequência do regresso dos

professores italianos aos seus países de origem em decorrência da Segunda Guerra Mundial, da necessidade de os

matemáticos brasileiros assumirem as Cadeiras existentes nas instituições brasileiras e do cenário político e econômico

internacional daquele período. Naquele momento, os matemáticos não buscaram somente os países da Europa como

destino: iniciavam-se os intercâmbios com instituições nos EUA.

Dando continuidade à pesquisa de Trivizoli (2011), nomeando as instituições e/ou matemáticos estrangeiros

que contribuíram para o desenvolvimento da Matemática e da formação de matemáticos no Brasil, este trabalho

apresenta os resultados de uma pesquisa de pós-doutorado realizada na Universidade da Califórnia, Berkeley no ano

de 2014-2015 que teve como objetivo compreender os vínculos entre a comunidade matemática brasileira e

estadunidense atentando-se para uma instituição específica (Universidade da Califórnia, Berkeley). Dessa forma, neste

trabalho apresentamos a identificação dos matemáticos brasileiros e estadunidenses que fizeram parte desse

intercâmbio.

O surgimento de uma comunidade de investigação matemática expoente na Universidade da Califórnia-

Berkeley

A fim de compreender o contexto para esta pesquisa, foi necessário compreender como Berkeley se destacou na

história da comunidade de investigação matemática nos Estados Unidos (PARSHALL; ROWE, 1994). A história do

departamento deve ser vista no contexto da história da matemática nos EUA ao longo dos últimos 150 anos. Para isso,

o livro escrito por Calvin C. Moore (2007) é uma boa fonte para a compreensão da história do departamento de

Matemática, em Berkeley, em que apresenta uma narrativa detalhada sobre como um departamento de uma

universidade estadual que, durante grande parte da sua história inicial, se dedicou principalmente ao ensino acabou

Page 329: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Intercâmbio de Estudantes e Professores: relações matemáticas entre...

321 Anais do XII SNHM -2017

por se desenvolver em um grande centro de pesquisas. A história do departamento é marcada por três momentos: em

1881-1882, em 1933-1934, e 1957-1958. Em cada um destes períodos, as decisões tomadas mudaram o formato e a

missão do departamento de matemática (MOORE, 2007).

Três escolas se diferenciaram de todas as outras instituições no país no início do século XX: Chicago,

Harvard, Princeton. Chicago era forte na área de investigação algébrica; Harvard ultrapassou Johns Hopkins e era

forte na Análise e na Geometria; Princeton em Geometria Diferencial e Topologia.

Harvard, Princeton e Chicago foram consideradas os tradicionais top-três departamentos por muitas décadas,

e Berkeley não tinha meios de se igualar. Em Berkeley, desde o início, a ênfase era em ensino, com alguma atenção à

pesquisa, mas não muito. O departamento tinhas suas áreas desequilibradas, com uma força considerável na Análise

e Lógica, mas faltava número adequado de professores em Geometria e Topologia, Álgebra e Matemática Aplicada.

Isso mudou em 1957, quando o departamento propôs um plano de ação e expansão sob a liderança de John

Kelley. O departamento cresceu de 19 professores em 1955 para 75 em 1967, incluindo uma série de contratações

estratégicas: Shiing-Shen Chern, Edwan Spanier, Stephen Smale, Gerhard Paul Hochschild, Maxwell Rosenlicht e

Tosio Kato. O departamento se destacou no topo do ranking no início da década de 1960. Dessa forma, Berkeley

surgiu pela primeira vez como um dos departamentos de matemática mais importantes nos EUA na década de 1950.

Matemáticos Brasileiros visitantes em UC-Berkeley: a identificação

Os nomes dos matemáticos brasileiros que fizeram parte do intercâmbio matemático foi constituída por meio dos

seguintes materiais: com base nas listas de bolsas obtidas por fundações privadas e indicadas em pesquisas anteriores

(TRIVIZOLI, 2011); lista de matemáticos visitantes publicados nos Notice of American Mathematical Society e

consultados na Biblioteca de Matemática e Estatística, em Berkeley, e a lista de doutores que obtiveram seus títulos

pelo Departamento de Matemática, em Berkeley, disponível no site oficial do Departamento de Matemática.

Focalizamos a busca até 1990.

Quadro 1: Matemáticos brasileiros visitando Berkeley

com apoio de fundações privadas.

Nome Ano Instituição que concedeu

bolsas

Carlos Benjamin de Lyra 1961 Rockefeller Foundation

Jacob Zimbarg Sobrinho 1963 Fulbright Commission

Jacob Palis Jr 1964 Fulbright Commission

1972 Guggenheim Foundation

Manfredo Perdigão do Carmo 1965 Guggenheim Foundation

Rafael José Iorio Jr. 1972 Fulbright Commission

César Leopoldo Camacho Manco 1979 Guggenheim Foundation

Fonte: Trivizoli (2011).

Page 330: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Lucieli M. Trivizoli.

322 Anais do XII SNHM -2017

Quadro 2: Matemáticos brasileiros visitando Berkeley (Notices AMS)

Nome Anos

Gilberto Loibel 9/60 – 6/61

I. A. K.Kupka 1/65 – 6/65

Elon L.Lima 9/66 – 6/67

Manfredo Perdigão do Carmo 2/67 – 12/67

Manfredo Perdigão do Carmo 9/68 – 2/69

Wellington C. de Melo 9/73 – 9/74

Jacob Palis 9/73 – 3/74

Irineu Bicudo 9/74 –8/75

Irineu Bicudo 7/75 – 2/76

Keti Tenenblat 9/75 – 9/76

Carlos Gutierrez-Vidalon 9/76 – 7/77

Jack Schechtman 9/76 – 7/77

Keti Tenenblat 9/75 – 9/77

Fonte: Notices AMS.

Quadro 3: Matemáticos brasileiros com estudos (PhD) em Berkeley.

Nome Ano-Mês

Manfredo Perdigao Do Carmo 1963-01

Harold William Rosenberg 1963-09

Leo Huet Amaral 1964-06

Jose Ubyrajara Alves 1965-06

Jacob Palis, Jr. 1968-03

Carlos Edgard Harle 1969-06

Cesar Leopoldo Camacho Manco 1971-06

Hildeberto Eulalio Cabral 1972-12

Joao Lucas Marques Barbosa 1972-12

Plinio Amarante Quirino Simoes 1973-12

Jair Koiller 1975-12

Rafael Jose Iorio, Jr. 1977-06

Valeria Botelho de Magalhães Iorio 1978-06

Ruy Filho Exel 1985-05

Francisco Duarte Moura Neto 1987-12

Renato Hyuda de Luna Pedrosa 1988-05

Severino Toscano do Rego Melo 1988-05

Jorge Passamani Zubelli 1989-05

Milton da Costa Lopes Filho 1990-05

Fonte: Elaborado pela autora.

Considerações

Este trabalho mostra que Berkeley foi um destino para muitos matemáticos brasileiros, muitos deles tendo se destacado

na comunidade científica matemática no Brasil. Novos estudos deverão focar na identificação e discussão do trabalho

acadêmico, das atividades realizadas no exterior e do impacto da formação destes matemáticos no Brasil. Por ora, é

possível afirmar que o intenso fluxo de brasileiros que visitaram instituições estadunidenses para doutorado, estudos

e ou pesquisas, definitivamente contribuiu para a formação e manutenção de intelectuais brasileiros, contribuindo

assim para o desenvolvimento da matemática no Brasil.

Page 331: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Intercâmbio de Estudantes e Professores: relações matemáticas entre...

323 Anais do XII SNHM -2017

Agradecimentos

A autora agradece a Universidade da Califórnia - Berkeley, em nome do Professor Alan Schoenfeld, pelo apoio

acadêmico durante os estudos de pós-doutorado em 2014-2015. A maioria das informações e ideias para este trabalho

foram obtidos e desenvolvidos naquele período.

Bibliografia

MOORE, C. C. 2007. Mathematics at Berkeley: A history. A K Peters: CRC Press.

PARSHALL, Karen H. and ROWE, David E. 1994. The Emergence of the American Mathematical Research

Community, 1876–1900: J. J. Sylvester, Felix Klein, and E. H. Moore. HMATH. Vol. 8. Providence: American

Mathematical Society and London: London Mathematical Society.

PIRES, Rute C. 2006. A Presença de Nicolas Bourbaki na Universidade de São Paulo. Tese de Doutorado - Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo.

TÁBOAS, Plínio Z. 2005. Luigi Fantappiè: Influências na Matemática Brasileira. Um estudo de História como

contribuição para a Educação Matemática. Tese de Doutorado – UNESP, Rio Claro.

TRIVIZOLI, Lucieli M. 2011. Intercâmbios Acadêmicos Matemáticos entre EUA e Brasil: uma globalização do saber.

Tese de Doutorado – UNESP, Rio Claro.

Lucieli M. Trivizoli

Departamento de Matemática – UEM – campus de

Maringá - Brasil

E-mail: [email protected]

Page 332: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

324 Anais do XII SNHM -2017

COMPREENSÕES HISTÓRICAS SOBRE A INSERÇÃO DA ÁLGEBRA LINEAR COMO

DISCIPLINA NA FORMAÇÃO SUPERIOR EM MATEMÁTICA NO ESPIRÍTO SANTO

Ligia Arantes Sad

Instituto Federal do Espírito Santo – Ifes - Brasil

Marina Gomes dos Santos

Secretaria de Educação do Espírito Santo – SEDU – Brasil

Resumo

O texto tem como propósito evidenciar transformações históricas do curso superior de formação de professores de

Matemática, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Espírito Santo – FAFI – que culminaram, na década de

1970, na inserção curricular da disciplina Álgebra Linear. Se por um lado a relevância desse estudo no campo da

historiografia da educação matemática local aborda aspectos ainda não investigados, por outro lado, vem a reforçar

de forma mais ampla o influente papel que os modelos matemáticos lineares adquiriram com o desenvolvimento dos

cálculos matricial e vetorial para diversos campos da Matemática, Física e de outras ciências exatas. Para a composição

desse objeto histórico utilizamos análise documental e algumas narrativas, tendo por aportes teóricos a história cultural

e princípios sobre narrativa nas perspectivas de Bruner e Tosh. Ademais, buscamos elementos de base teórica na

história das disciplinas com Chervel, considerando a noção de disciplina acadêmica adequada ao curso superior. As

análises propiciaram compreensões acerca de um percurso histórico da institucionalização da Álgebra Linear como

disciplina em território espíritossantense. No início desse contexto de desenvolvimento disciplinar, nos anos seguintes

após a abertura do curso superior de formação de professores de Matemática, docentes atuantes especialmente nas

disciplinas de Álgebra Vetorial e Geometria Analítica, Cálculo Numérico e Matricial, e Mecânica Racional inserem

modificações nos conteúdos lecionados, com o propósito de atender a novas demandas tanto externas quanto internas

ao corpo docente. Entre as conclusões, elencamos a compreensão histórica da constituição paulatina da disciplina

Álgebra Linear no Curso de Matemática como uma construção do seu tempo, de seus docentes e discentes. Em cujo

cenário histórico, um conjunto de elementos articulados corroboraram. Entre eles destacamos alguns de natureza

política educacional, como os intercâmbios e demandas vindas do âmbito nacional e internacional. Entrelaçados,

conviveram também elementos advindos da comunidade docente ativa no curso superior de formação de professores

de Matemática da FAFI, no período da década de 1960 até início de 1970, que influenciaram na escolha das matérias

lecionadas e dos livros didáticos utilizados.

Palavras-chave: Matemática, História, Constituição de disciplinas, Álgebra Linear.

HISTORICAL UNDERSTANDINGS ABOUT THE INSERTION OF LINEAR ALGEBRA AS A

DISCIPLINE IN HIGHER EDUCATION IN MATHEMATICS IN ESPÍRITO SANTO

Abstract

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 333: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Ligia Arantes Sad, Marina Gomes dos Santos.

325 Anais do XII SNHM -2017

The text aims to highlight historical transformations of the teacher training course of mathematics, Faculty of

philosophy, Sciences and letters of the Holy Spirit-FAFI-which culminated in the 1970, curricular insertion of the

subject Linear algebra. If on the one hand the relevance of this study in the field of history of local mathematics

education addresses haven't investigated aspects, on the other hand, comes to reinforce more broadly the influential

role that the linear mathematical models acquired with the development of the matrix and vector calculations for

various fields of mathematics, physics and other sciences. For the composition of this object we use historical

document analysis and some narratives, cultural history and theoretical principles about the narrative perspective of

Bruner and Tosh. In addition, we seek elements of theoretical basis in the history of disciplines with Chervel,

considering the notion of academic discipline appropriate to the College. The analyses led to understandings about a

history of institutionalization of Linear Algebra as a discipline in espíritossantense territory. At the beginning of this

disciplinary development context in the following years after the opening of the College teachers of Mathematics,

teachers who work especially in the disciplines of Vector Algebra and analytic geometry, numerical calculus and

Matrix, and Rational Mechanics insert modifications in the contents taught, in order to meet new demands as much

internal as external to the faculty. Among the findings, below the historical understanding of the gradual constitution

of the subject Linear Algebra, in local terms, as a construction of your time, your teachers and students. Within the

historic setting, a set of articulated elements corroborate. Among them we highlight some of educational policy nature,

such as exchanges and demands from the national and international scope. Intertwined, came also from elements of

the teaching community active in teacher training degree of Mathematics from FAFI, during the decade of 1960 to

early 1970, which influenced in the choice of the subjects taught and the textbooks used.

Keywords: Mathematics, History, Constitution of disciplines, Linear Algebra.

Introdução

Na história da formação superior de professores de matemática tem se tornado cada vez mais relevante promover

reflexões de natureza epistemológica a respeito dos saberes e/ou disciplinas que compuseram a estrutura curricular

dos cursos de Licenciatura. Além disso, esse trabalho busca fomentar discussões básicas que possam dar visibilidade

e subsidiar a compreensão de registros históricos sobre a formação dos educadores que deles participaram. Ao mesmo

tempo, envolve uma diversidade de relações entre a instituição e o contexto social. Alguns elementos substanciais são

reconhecidos como parte curricular social: caso de prescrições dos conteúdos ensinados – que sofreram

direcionamentos do meio político educacional e influenciaram nas disciplinas; as metodologias dos professores como

agentes ativos; e o papel decisivo dos livros textos para o currículo realizado (SACRISTÁN, 2000).

Ao penetrar nessa seara histórica, tomamos a liberdade de nos apropriar do significado de disciplina escolar,

com o qual trabalha Chervel (1990) em termos de ensino básico, e, deslocarmos para disciplinas acadêmicas da

Licenciatura em Matemática, como o fizeram outros autores, por exemplo, Resende (2007). Assim, entendemos por

disciplina acadêmica um conjunto de combinações culturais entre matérias (conteúdos), práticas pedagógicas e meios

didáticos com os quais se busca efetivar uma aprendizagem científica.

Desse modo, consideramos investigar a noção de disciplina acadêmica, visto que a possibilidade de sua

consolidação requer participação tanto de âmbito da política educacional, quanto da ação docente – em atenção voltada

para escolhas de livros textos e procedimentos pedagógicos e didáticos. Quanto a estes procedimentos, de um lado a

finalidade maior é que, as práticas disciplinares tornem viável o ensino, proporcionando aos estudantes das

Licenciaturas dedicação à aprendizagem da matemática, bem como reflexões sobre como ensiná-la em nível básico.

De outro lado, essas graduações em nível superior se preocupam com a avaliação, servindo-se das disciplinas para

avaliar o desenvolvimento do estudante durante seu percurso no ensino superior e, ainda, diagnosticar o próprio curso

quanto ao perfil do professor que está a formar.

Mudanças parciais ou totais em disciplinas que compuseram os currículos dos cursos superiores específicos de

formação de professores de matemática no Brasil são historicamente pouco estudadas. Muito embora, algumas dessas

alterações tenham sido de relevância, e contribuído para variadas transformações, não apenas em âmbito acadêmico,

mas também para o desenvolvimento tecnológico e humano. Exemplo disso, podemos mencionar quanto a inserção

de noções matemáticas pertinentes na composição do que hoje conhecemos como Álgebra Linear.

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Compreensões históricas sobre a inserção de álgebra linear como disciplina na formação superior em Matemática no Espírito

Santo

326 Anais do XII SNHM -2017

Após investigar historicamente esse objeto de pesquisa, neste trabalho nos propusemos buscar compreender o

caso da constituição dessa disciplina até sua institucionalização no contexto local do curso de Matemática da

Faculdade de Filosofia Ciências e Letras do Espírito Santo – FAFI, em Vitória1. O período de tempo histórico

transcorrido foi entre os anos de 1960 e 1970, pois nele verificamos a introdução, aos poucos, de determinados

conhecimentos matemáticos que vieram a ser elementos fundamentais na constituição da Álgebra Linear como

disciplina.

Segundo Chervel (1990), na produção histórica de uma disciplina é necessário confrontar os documentos

oficiais com outras fontes reveladoras das práticas levadas efetivamente a cabo diante das prescrições normativas.

Ademais, “a organização interna das disciplinas é, numa certa medida, produto da história” (CHERVEL, 1990, p. 200)

e nela a abordagem dos conteúdos nos livros didáticos, pelo professor ou pelos estudantes são pontos importantes.

O referido autor afirma ainda, que entre os diversos componentes de uma disciplina, a exposição do conteúdo

– pelo professor e/ou pelo manual – distingue a disciplina de todas as formas não escolares de aprendizagem. Desse

modo, a história dos conteúdos matemáticos envolvidos na construção da disciplina de Álgebra Linear, no interior do

curso de Matemática da FAFI, é um componente central no campo de pesquisa em questão. Além disso, é importante

ressaltar que seu papel se amplia, visto que, relaciona o que é ensinado com as finalidades desse ensino e os resultados

concretos que ele produziu.

Sob essas considerações, escolhemos a narrativa como outra forma metodológica de parte da redação histórica,

para “transmitir o que é sentido como se tivéssemos observando ou participando de eventos passados” (TOSH, 2011,

p. 156). Essas narrativas que evocam memórias de menos de um século, possibilita-nos reconhecer algumas vozes e

analisá-las ao interrogar as fontes. Nesse processo de constituição de narrativas concordamos com Jerome Bruner

(1997, p.46) quando assinala como central a propriedade da sequencialidade:

“[...] uma narrativa é composta por uma sequencialidade de eventos, estados mentais, ocorrências

envolvendo seres humanos como personagens ou atores [...] O ato de captar uma narrativa é, então,

duplo: o intérprete tem que captar o enredo configurador da narrativa a fim de extrair significado

de seus constituintes, os quais ele deve relacionar ao enredo. Mas a configuração do enredo deve,

em si, ser extraída da sucessão de eventos”.

Particularmente, existe agregada às nossas investigações uma vontade de inspiração pessoal de uma das autoras

desse texto, sustentada por memórias próprias, vivenciadas na adolescência ao lado de estudantes do curso de

Matemática da FAFI e pouco depois como aluna, quando o curso, juntamente com a instituição foram incorporados

pela Universidade Federal do Espírito Santo em 19712.

Na tessitura investigativa, utilizamos como fontes primárias os registros históricos da Faculdade de Filosofia

Ciências e Letras do Espírito Santo, os livros didáticos e o acervo docente de uma falecida professora. Ela participou

desde o processo de fundação do curso de Matemática na citada instituição, onde permaneceu como docente até sua

aposentadoria.

Antes, porém, de passar aos meandros do curso de Matemática, optamos por trazer uma parte histórica sintetizada a

respeito de nosso objeto matemático principal – álgebra linear – agregada de possíveis subsídios à sua disseminação

como disciplina em cursos superiores específicos de Matemática.

Síntese histórica sobre constituição e disseminação da Álgebra Linear

O reconhecimento da importância de um campo da matemática que articulasse elementos próprios aos estudos da

1 Capital do Espírito Santo. 2 Durante alguns anos existiu a Universidade do Espírito Santo – UES –, uma instituição de cunho estadual que englobava a FAFI e outras

faculdades, mas, sob a Lei Federal n° 3.868 de janeiro de 1961, ela foi federalizada. Em 1964 o curso de Matemática foi aprovado, na sessão do

Conselho Universitário, passando a funcionar a partir do ano seguinte no prédio da FAFI. Somente a partir de 1971 (Resoluções n° 15/71 e 16/71

do Conselho Universitário), com a criação do Departamento de Matemática, com instalação efetivada no campus, o curso de Matemática é

transferido da FAFI (SAD, 2007).

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Ligia Arantes Sad, Marina Gomes dos Santos.

327 Anais do XII SNHM -2017

álgebra linear, pode ser intensificado e explorado desde o final do século XIX, ao relacionarmos o desenvolvimento

da álgebra vetorial e da análise vetorial. Podemos observar tais elementos: a partir do legado e utilização dos sistemas

de equações lineares presentes nos escritos de cálculo de Leibniz (1647-1716), nas representações geométricas dos

números complexos por Wessel (1745-1818), Argand (1768-1822) e Hamilton (1805-1865), bem como na teoria das

matrizes com Gauss (1777-1855), Cayley (1821-1895), Sylvester (1814-1897) e Frobenius (1849-1917), entre outros3.

Ademais, da China antiga (cerca de 200 a. C.) é originário um texto denominado Nine Chapters on the

Mathematical Art, composto de 246 problemas de cunho prático envolvendo medidas, taxações, comércio, etc,

distribuídos em nove capítulos. Conforme Larson (2010) comenta, o capítulo 8 contém 18 problemas cujas resoluções

envolvem sistemas de equações lineares de 2 a 6 quantidades desconhecidas. Os passos apresentados para a resolução

dos sistemas são semelhantes ao método de eliminação de Gauss, embora aplicados em problemas determinados. Os

chineses inclusive utilizam um “quadro de contagem” e operam em linhas e colunas, como por vezes se faz em uma

contemporânea matriz.

Com o passar dos anos, no século XX, a Álgebra Linear passou a ser entendida como um campo da

Matemática composto por conceitos básicos como: matrizes, equações lineares, determinantes, transformações

lineares, dependência e independência linear, base e dimensão, formas quadráticas e espaços vetoriais (KLEINER,

2007). Os vetores, por exemplo, continuam presentes até hoje na linguagem da Física e de outros campos da

Matemática Aplicada, que necessitam de grandezas não somente escalares (ou seja, determinadas por um número:

tempo, medida de comprimento, volume, etc), mas de grandezas que tenham um valor numérico, orientação e até

sentido, que são chamadas de grandezas vetoriais (como por exemplo: velocidade, força, deslocamento de um corpo,

etc).

Um dos primeiros livros sobre análise vetorial em inglês foi o Vector Analysis (1901), com parte escrita por

Gibbs (1839-1903) e outras por seu aluno Wilson (1879-1964). Do final do séc. XIX ao início do séc. XX os métodos

vetoriais foram disseminados e outras publicações sobre Álgebra Linear editadas na Alemanha, Itália, Rússia e

Holanda (CHRISTENSEN, 2012). Os avanços da tecnologia continuaram a impulsionar ainda mais esse campo da

Matemática, cuja linguagem vetorial foi adequada a grande parte da Física e da Matemática Aplicada. Tucker (1993)

comenta que no ano de 1972, a Mathematical Association of American, por meio de seu Committee on the

Undergraduate Program in Mathematics (CUPM), recomendou seis cursos para o ensino superior de matemática:

Cálculo I, Cálculo II, Álgebra Linear, Cálculo de Multivariáveis e Álgebra Abstrata; além de cursos adicionais. Essas

“recomendações” nos permitem apontar como um possível reforço ao meio político educacional em seus contatos e

influências à comunidade matemática brasileira.

No Brasil, a Álgebra Linear se consolida como disciplina, aos poucos, a partir da década de 1960. Antes

disso, o que se pode notar é a entrada gradual de elementos do campo da álgebra linear em meio a algumas disciplinas

dos cursos das áreas de exatas. Mesmo porque, desde o período pós-segunda guerra mundial, havia uma abertura para

novos conteúdos matemáticos com o nomeado Movimento da Matemática Moderna (MMM), com base

predominantemente algébrica, via teoria de conjuntos. Uma denominação e constituição convergente a esse

movimento foi a propalada Álgebra Moderna. Em termos confluentes embora de natureza institucional, no período

nascedouro do MMM, distinguimos como exemplo a primeira Faculdade de Filosofia Ciências e Letras (FFCL) em

São Paulo. Nesta faculdade, no curso de Matemática, os professores europeus Dieudonné e Zariski, que haviam sido

contratados, abordaram nos anos de 1946 e 1947 a temática de Espaços Vetoriais, além de Teoria de Conjuntos,

Noções sobre a Teoria dos Grupos, dos Anéis e dos Corpos, e outros campos da Álgebra. Como disciplina do curso

de Matemática da FFCL, a Álgebra Linear somente vem a ser relacionada na Matriz Curricular de 1966 (CAVALARI,

2012).

Observamos que o modelo implantado no curso de Matemática da FAFI – ES seguiu, nos anos de 1965 a

1970, muito do que estava prescrito em outras faculdades no país. Entre variadas medidas, nos primeiros anos foram

adotadas na composição da matriz curricular disciplinas que discutiam noções de geometria analítica, elementos de

cálculo vetorial e álgebra vetorial. Pois, além de precisar atender ao currículo mínimo instituído pela 1ª Lei de

3 Trabalhos interessantes sobre uma historiografia da criação de elementos matemáticos que foram incorporados a Álgebra Linear podem ser encontrados, por exemplo, em capítulo especial na obra de Kleiner (2007) e, também, no artigo de Desmond Fearnley-Sander (1979).

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Compreensões históricas sobre a inserção de álgebra linear como disciplina na formação superior em Matemática no Espírito

Santo

328 Anais do XII SNHM -2017

Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB –, Lei 4024/61, para cursos de graduação no Brasil, a FAFI ainda

dependia de seu corpo docente – em sua maioria engenheiros. Contudo, engenheiros que se inteiravam e traziam ideias

correlatas ao que ocorria em cursos superiores de Matemática em importantes estados brasileiros. Isso pode ser notado

pela aproximação das matrizes curriculares da FAFI – ES e da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de São Paulo.

Uma semelhança observada foi que na FAFI – ES havia sido adotado o mesmo modelo proposto pelo professor italiano

Fantappiè na FFCL de São Paulo, com uma disciplina inicial denominada Análise Matemática e, não, Cálculo (LIMA;

SILVA, 2011).

Transformações ocorridas no curso superior de formação de professores de Matemática (1965 – 1970)

Na matriz curricular (um planejamento disciplinar organizativo) da 1ª turma de Matemática, da Faculdade de Filosofia

Ciências e Letras do Espírito Santo, consta a seguinte proposição (quadro 1) [Grifos e formatação nossa]:

Quadro 1 – Relação de disciplinas por série para o curso de Matemática na modalidade de licenciatura em 1965

SÉRIES DISCIPLINAS

1º Ano

Análise Matemática (Álgebra e Cálculo Diferencial e Integral); Geometria

Analítica e Álgebra Vetorial; Geometria Descritiva e Desenho Geométrico;

Física Geral e Experimental.

2º Ano

Análise Matemática; Geometria Analítica e Álgebra Vetorial; Geometria

Descritiva e Desenho Geométrico; Física Geral e Experimental; Mecânica

Racional.

3º Ano Análise Matemática; Geometria Projetiva; Cálculo Numérico e Matricial;

Cálculo das Probabilidades; Didática Geral; Psicologia da Educação.

4º Ano

Análise Superior; História e Filosofia da Matemática; Sociologia;

Fundamentos de Matemática Elementar; Didática Especial e Prática de

Ensino; Administração Escolar.

Fonte: Quadro elaborado a partir do Ofício 6/67, que solicitava o reconhecimento do curso de Matemática.

Ao analisar a descrição da matéria lecionada nas disciplinas de Análise Matemática, Álgebra Vetorial e

Mecânica Racional, notamos que elas contêm noções básicas do que cinco anos depois veio a ser chamado de Cálculo

I, II e III. Além disso, a matéria lecionada apresentava também noções da álgebra de vetores que passaram,

posteriormente, a integrar a Álgebra Linear com significados e conhecimentos prévios ao entendimento de espaços

vetoriais. Na intenção de elucidar tais análises, apresentamos parte de um planejamento do professor da disciplina de

Mecânica Racional (figura 1), que também a ministrava no curso de Engenharia. Nesse fragmento podemos observar

uma relação direta com conceitos da física.

Figura 1: Elementos de cálculo vetorial na disciplina de Mecânica Racional

Fonte: Acervo da professora Ligia Arantes Sad

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Ligia Arantes Sad, Marina Gomes dos Santos.

329 Anais do XII SNHM -2017

O quadro 2 mostra o conteúdo trabalhado na disciplina de Álgebra Vetorial e Geometria Analítica. Essa

disciplina foi lecionada já no primeiro ano de funcionamento do curso de Matemática da/na FAFI – ES. O professor

responsável por ministrar essa disciplina era José Manuel da Cruz Valente4. Podemos observar nesse quadro que mais

da metade da matéria era dedicada ao ensino e aprendizagem vetorial.

Quadro 2: Matéria lecionada em Álgebra Vetorial e Geometria Analítica

Prof º José Manuel da Cruz Valente em 1965

MESES MATÉRIA LECIONADA MESES MATÉRIA LECIONADA

Abril

Introdução ao Curso de

Cálculo Vetorial (2 aulas);

Introdução (conclusão) e

Vetores (2 aulas);

Adição de Vetores;

Vetores Complanares;

Vetores Complanares

(conclusão);

Componentes de um

Vetor;

1ª Prova de Estágio;

Agosto

Produto vetorial (cont.) –

Produto vetorial (conclusão) –

3ª Prova de Estágio–

Exercícios;

Exercícios;

Duplo produto Vetorial –

Produtos clássicos de mais de três

vetores –

Revisão geral de álgebra Vetorial –

Maio

Representação analítica

de um vapor;

Exercícios;

Exercícios;

Produto escolar de dois

vetores;

Produto escalar de dois

vetores;

Produto escalar

(conclusão) e exercícios;

Setembro

Revisão de Geometria Analítica

plana –

Lugares geométrico (introdução) –

Exercícios –

Exercícios (cont.) –

Exercícios (cont.)

Junho

Exercícios;

Exercícios;

2ª Prova de Estágio;

Produto vetorial de dois

vetores e produto misto de

três vetores – (introdução);

Produto vetorial

(continuação);

Produto vetorial

(continuação);

Produto vetorial

(continuação);

Outubro

Transformação de coordenadas;

Translação –

Rotação –

Transf. Geral e trans. inversa–

Exercícios –

Exercícios (cont.) –

4ª Prova de Estágio –

Exercícios –

Exercícios (cont.) –

Novembro

Teoremas sobre translações e

rotações (z) –

Exercícios – .

Fonte: Quadro de matéria lecionada do curso de Matemática em 1965, acervo pessoal da professora Lígia Arantes

Sad

A partir de uma análise nos Programas desse decênio (1960 até 1970) e, mesmo de conversas com ex-

docentes, podemos afirmar que quase nenhuma menção é feita à questão metodológica. Conjecturamos que, como

visto no quadro anterior, são apenas aulas voltadas a exercícios. De acordo com Chervel (1990, p. 193): “A história

das disciplinas escolares expõe à plena luz a liberdade de manobra que tem a escola na escolha de sua pedagogia. [...]

e do mestre, o agente impotente de uma didática que lhe é imposta do exterior.”

4 Bacharel e licenciado em Matemática pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Distrito Federal.

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Compreensões históricas sobre a inserção de álgebra linear como disciplina na formação superior em Matemática no Espírito

Santo

330 Anais do XII SNHM -2017

No ano de 1967, como consta no quadro 1, a turma do 3º ano teve a disciplina de Cálculo Numérico e

Matricial. No programa dessa disciplina foi possível verificar que constava toda a parte referente às matrizes (tipos de

matrizes, operações, matrizes inversas, características, vetores e valores próprios, derivada e integral de matrizes), que

na década seguinte – a partir de 1972 – foi incorporada a Álgebra Linear.

Ainda de 1967, obtivemos uma cópia do Programa da disciplina de Cálculo Vetorial, ministrada para o 1º

ano do curso de Matemática. Ele apresenta 10 tópicos correspondentes à álgebra de vetores e outros 17 sobre análise

vetorial (funções vetoriais, derivação vetorial, funções vetoriais de várias variáveis, gradiente, rotacional, divergente,

Teorema de Green, Gauss e Stokes, etc). O Programa está em nome do professor Augusto José Dias (engenheiro civil

e físico). Nele constam os seguintes livros textos: Cálculo Vectorial (1937, 1957, 1960) – Bento de Jesus Caraça;

Elementos de Cálculo Vectorial (1965) – Edmundo Menezes Dantas; e Análise Vetorial (1961 e outras edições) –

Murray R. Spiegel.

Encontramos a obra de Caraça (1960), entre os livros tombados da Biblioteca da UFES. Em sua listagem de

“matérias” estão capítulos sobre álgebra vetorial, álgebra tensorial e análise vetorial; com vários dos conteúdos

elencados no Programa de Cálculo Vetorial de 1967. Inclusive, no capítulo 1 consta uma parte histórica resumida

sobre a temática vetorial.

Da parte dos discentes, chamou-nos atenção e, por isso, aqui exibimos, os comentários de duas ex-

estudantes5. A primeira contou que: “Em 1971, eu fiz uma disciplina de Cálculo que chamávamos de Cálculo Vetorial

[no lugar de Mecânica Racional], dada pelo prof. Albuíno [Engenheiro, ex-governador do ES]. Depois tivemos

Álgebra Linear, era novidade, com um professor que explicava muito bem, o José Encarnação [Engenheiro que

também lecionava na Escola Politécnica], então não tínhamos mais aquela parte vetorial no Cálculo”. A segunda

disse: “Eu dedicava muitas horas ao estudo do Cálculo Vetorial, achava difícil, não entendia seu sentido. O professor

ia para o quadro e copiávamos, aprendia como fazer os cálculos nos exercícios, da mesma forma que as operações

com matrizes”. Desses comentários, ressaltamos a metodologia expositiva implícita, seguida de exercícios.

Uma questão nos surgiu: Que efeitos profissionais foram produzidos? Não é de se estranhar que muitos dos

professores formados tenham continuado a agir dentro dessa metodologia, na qual predominava a exposição do

professor seguida de exercícios para resolver, cuja finalidade era encontrar a solução (geralmente única). Uma

metodologia que parece ter sido segregada e continuada na abordagem de ensino e aprendizagem de vários docentes

daquele curso, em meio a um modelo da época6.

As narrativas ajudaram, também, a reforçar aspectos da transformação porque passaram variadas disciplinas.

Entre elas, a alocação da álgebra vetorial, parte da análise vetorial e estudos referentes às matrizes para as disciplinas

de Álgebra Linear (I, II e III), conforme consta em documento do, então, recém-criado Departamento de Matemática

– UFES, submetido ao regime de créditos implantado na universidade sob o conturbado governo militar em 19727.

Um dos livros utilizados didaticamente na UFES, editado pela editora da USP em 1970, foi Álgebra Linear dos autores

Hoffman e Kunze, traduzido por Adalberto P. Bergamasco, da obra original americana publicada pelos referidos

autores em 1961. Tal obra é composta no mesmo estilo de exposição do conteúdo, de modo matemático formalista

(estruturado em definições, lemas, teoremas e corolários), intercalado por exemplos puramente matemáticos – como

uma preparação para os exercícios ao final de cada item dos nove capítulos da obra. Não contém nenhuma figura,

aplicação ou relacionamento externo a matemática.

Outra incorporação que permaneceu foi a passagem de conteúdos e ideias matemáticas da disciplina

Geometria Analítica para a disciplina de Cálculo Diferencial e Integral. Quanto a essas mudanças disciplinares, o forte

componente político educacional, e, também, a adição de novos professores contratados – com formação na área de

Matemática – e que conheciam livros textos com essas características, parecem ter sido seus maiores impulsionadores.

Isso veio a transgredir as articulações e escolhas que vinham sendo tomadas nas turmas iniciais do curso de

5 Os nomes são, por questões de ética, mantidos em sigilo. A primeira nunca exerceu a profissão de professora, enquanto que a segunda

exerceu a profissão de professora no Ensino Médio, no Instituto Federal do Espírito Santo – Ifes (denominação recente), até se aposentar. 6 A respeito dessa abordagem, denominada de tradicional por Mizukami (1986, p. 7), chama atenção o aspecto de retenção de informações e demonstrações transmitidas em exposição pelo professor, que se coaduna às consequências como automatismo e repetição, de conteúdos e

posturas. 7 Detalhes da história desse período na UFES, quanto ao contexto social, outras mudanças e ocorrências no curso de formação de professores de Matemática, estão presentes na Dissertação de Mestrado de Santos (2013).

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Ligia Arantes Sad, Marina Gomes dos Santos.

331 Anais do XII SNHM -2017

Matemática.

Considerações finais

Os resultados de cunho histórico obtidos para a constituição deste trabalho não se encerram aqui neste texto. Eles

representam mais alguns passos no caminho de um reconhecimento, construção e visibilidade de uma História da

Matemática espiritossantense.

A utilização dos documentos oriundos da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras do Espírito Santo, do

arquivo pessoal de uma professora e de livros didáticos, juntamente com a obtenção das narrativas de ex-alunos,

propiciaram ir além da composição e entendimento de uma história da Álgebra Linear como disciplina de um curso

de Matemática devotado a formação específica de professores. Uma vez que refletimos o quanto as aproximações e

afastamentos do processo curricular local, evidenciados no contexto de geração dessa disciplina a nível histórico,

envolvem uma complexa rede de elementos curriculares sociais.

Para alcançar nossos objetivos da elaboração dessa trama histórica, entre variados subsídios para nossas

análises acerca das disciplinas acadêmicas, utilizamos elementos teóricos reivindicados de Chervel (1990) que nos

conduziram a compreender a disciplina acadêmica como uma construção do seu tempo, de seus docentes e discentes.

Ou seja, algo muito além de uma lista de conteúdos. Foi possível evidenciar a construção paulatina da Álgebra Linear

como uma disciplina no movimento humano, que visava atender as necessidades vigentes de uma época. Vinculado a

esse processo, de modo mais específico, o curso de Matemática da FAFI – ES também se inseriu nesse movimento,

influenciado de um lado pelo meio político educacional e, por outro lado, pela formação de seus docentes, grande

parte engenheiros.

Referências

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CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: algumas reflexões. Teoria e Educação, n.2, p. 177-229, 1990.

CHRISTENSEN, Jeff. A brief history of Linear Algebra. Disponível em

<http://www.math.utah.edu/~gustafso/s2012/2270/web-projects/christensen-HistoryLinearAlgebra.pdf>. Acesso em

15 jul 2016.

CURSO DE MATEMÁTICA, Vitória. Currículo para o curso de Matemática. Anexado junto ao Ofício nº 6/67, de

28 de dezembro de 1966. Ofício de solicitação de reconhecimento do curso de Matemática e Ciências Biológicas do

diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Décio Neves da Cunha, para o Ministro de Educação e Cultura.

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KLEINER, Israel. A History of Abstract Algebra. Berlin: Springer, 2007.

LARSON, Christine J. On the histories of Linear Algebra: the case of Linear Systems. Western Michigan

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LIMA, Gabriel Loureiro; SILVA, Benedito Antonio. Inicialmente Cálculo ou diretamente Análise? O caso do

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MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: a abordagem do processo. São Paulo: EPU, 1 986.

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Ligia Arantes Sad

Centro de Referência em Formação e em Educação a Distância –

Cefor/Reitoria/Ifes – Vitória – ES – Brasil

E-mail: [email protected]

Marina Gomes dos Santos

Secretaria de Educação do Espírito Santo – SEDU – São Mateus – Brasil

E-mail: [email protected]

Page 341: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

333 Anais do XII SNHM -2017

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E ENSINO DE MATRIZES NA FORMAÇÃO DE

PROFESSORES: REFLEXÕES SOBRE REGRAS METADISCURSIVAS RELACIONADAS A

MATRIZES E DETERMINANTES

Aline Bernardes

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO – Brasil

Resumo

Apresentamos alguns resultados de uma pesquisa de doutorado já concluída, que tem como foco uma proposta de

ensino articulando a história das matrizes ao ensino de Álgebra Linear. A fundamentação teórica e metodológica da

pesquisa foi inspirada no modelo introduzido pela dinamarquesa Tinne Hoff Kjeldsen (2011) para integrar a história

ao ensino de matemática e na teoria da matemática como um discurso, proposta por Anna Sfard (2008). O principal

objetivo da pesquisa foi investigar como fontes históricas podem promover reflexões sobre regras metadiscursivas

relacionadas a matrizes e determinantes, a partir de conflitos comognitivos. As noções de regras metadiscursivas e de

conflitos comognitivos são usadas aqui no sentido de Sfard (2008). De forma sucinta, tais regras influenciam o modo

como o discurso matemático é produzido, por exemplo, as regras que contam na validação de uma definição

matemática ou de uma demonstração. A pesquisa teve como sujeitos nove alunos de cursos de licenciatura em

matemática de duas universidades públicas do estado Rio de Janeiro. Assim, foram conduzidos dois estudos de campo

com o formato de um minicurso, com o tema “Os diferentes papeis da noção de matriz em dois episódios da história

das matrizes”. Foram elaborados dois roteiros de ensino, os quais tratam de dois momentos da história das matrizes,

baseados em trabalhos dos matemáticos ingleses James Joseph Sylvester e Arthur Cayley e na interpretação histórica

de Frédéric Brechenmacher (2006). Inicialmente, fizemos uma análise em fontes primárias de Sylvester e de Cayley

em torno do surgimento das matrizes e identificamos algumas regras metadiscursivas relacionadas ao modo como

esses matemáticos interpretavam e lidavam com matrizes e determinantes. Um recorte sobre as práticas desses

matemáticos foi apresentado nos roteiros de ensino e as regras metadiscursivas identificadas por nós foram exploradas

por meio de atividades históricas, ao final dos roteiros. Essas atividades tiveram como objetivo encorajar reflexões

sobre as regras metadiscursivas relacionadas a matrizes e a determinantes. As discussões dos participantes, gravadas

em áudio, forneceram os principais dados para a análise das reflexões. Os resultados da pesquisa indicam o potencial

de fontes históricas para promover reflexões sobre regras metadiscursivas, tanto as históricas como aquelas que

orientam as ações dos participantes quando lidam com matrizes e determinantes. Tal conclusão tem implicações para

o ensino de matrizes e para o papel da história da matemática na formação de professores.

Palavras-chave: História das Matrizes; Regras Metadiscursivas; Ensino de Matrizes.

HISTORY OF MATHEMATICS AND THE TEACHING OF MATRICES IN TEACHER TRAINING: REFLECTIONS ON

METADISCURSIVE RULES RELATED TO MATRICES AND DETERMINANTS

Abstract

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

Page 342: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Aline Bernardes

334 Anais do XII SNHM -2017

We present some of the results of my PhD research already concluded, which focuses on a teaching proposal

articulating the history of matrices to the teaching of Linear Algebra. The theoretical and methodological framework

of the research was inspired by the model introduced by Tinne Hoff Kjeldsen (2011) and in the theory of mathematics

as a discourse, proposed by Anna Sfard (2008). Kjeldsen used Sfard’s theory to integrate history to the teaching of

mathematics. The main objective of the research was to investigate how historical sources can promote reflections on

metadiscursive rules related to matrices and determinants, based on cognitive conflicts. The notions of metadiscursive

rules and cognitive conflicts are used in the sense of Sfard (2008). Briefly, such rules influence the way that the

mathematical discourse is produced, for example, when we judge that a specific description could be considered as a

definition, or if a proof can be accepted as correct. The research subjects were nine students of undergraduate courses

in mathematics, from two public universities in Rio de Janeiro state. Thus, two field studies were conducted in the

form of a mini-course: "The different roles of the notion of matrix in two episodes in the history of matrices". Two

teaching materials were designed, about two moments in the history of matrices, based on the works of the English

mathematicians James Joseph Sylvester and Arthur Cayley, and in the historical interpretation of Frédéric

Brechenmacher (2006). We identified some metadiscursive rules in Sylvester and Cayley’s practices related to how

these mathematicians interpreted and dealt with matrices and determinants. A summary about the practices was

presented in the teaching materials and the metadiscursive rules identified by us were explored through historical

activities. These activities aimed to encourage reflection on metadiscursive rules related to matrices and determinants.

The participants' discussions were recorded in audio, they provided the main data for the analysis of the reflections on

the metadiscursive rules. The research results point to the potential of historical sources to promote reflections on

metadiscursive rules, both historical and those that guide the actions of participants when dealing with matrices and

determinants. These conclusions have implications for the teaching of matrices and for the role of the history of

mathematics in teacher training.

Keywords: History of Matrices, Metadiscursive Rules, Teaching of Matrices.

Introdução

A principal motivação para o nosso trabalho é o ensino de matrizes em cursos de graduação de Álgebra Linear para

futuros professores. Muitos cursos de Álgebra Linear no Brasil e muitos livros didáticos iniciam a partir do conceito

de matriz como um objeto matemático em si, de modo naturalizado. A definição de matriz, suas operações e as

respectivas propriedades são apresentadas como se fossem um dado, um fato incontornável, como algo pronto e

acabado, sem questionar as origens e a natureza desse objeto e de suas operações.

O adjetivo “naturalizado” é empregado acima no sentido de Giraldo e Roque (2014), que fazem uma crítica

ao modo naturalizado como os conceitos matemáticos são apresentados no ensino básico e no superior e alegam que

questões relacionadas à existência, à importância e ao papel dos conceitos na matemática são assumidos como dados

arbitrariamente.

O modo naturalizado segundo o qual o conceito de matriz é apresentado tem suas consequências. Ao longo

da pesquisa, perguntamos a vários alunos que já haviam concluído uma ou mais disciplinas de Álgebra Linear e

também professores do ensino médio, por que a multiplicação de matrizes é definida em termos do produto escalar

entre as linhas da primeira matriz e as colunas da segunda matriz. As respostas obtidas geralmente não eram

adequadas.

Dada a motivação acima, elaboramos uma proposta de ensino, com base em fontes históricas primárias e

secundárias, explorando o contexto dos problemas em que as matrizes aparecem inicialmente como uma representação

útil, deixando claro que essa noção não foi proposta imediatamente como o objeto matemático que nos é apresentado

hoje.

Como parte da proposta, desenvolvemos situações de ensino e de aprendizagem através de dois roteiros de

ensino com o objetivo de criar conflitos comognitivos. Tais conflitos levam os alunos a perceberem e refletirem sobre

as regras (metadiscursivas), que influenciam suas ações ao lidar com matrizes e determinantes, ao compará-las com

as regras metadiscursivas que influenciaram outras práticas matemáticas ao longo da história. As noções de conflito

Page 343: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E ENSINO DE MATRIZES NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES...

335 Anais do XII SNHM -2017

comognitivo e de regras metadiscursivas são usadas aqui no sentido proposto por Sfard (2008) e serão melhor

explicadas no decorrer do texto.

Dois estudos de campo foram realizados com três objetivos de pesquisa: i) investigar como fontes históricas

podem propiciar reflexões sobre regras metadiscursivas relacionadas a matrizes e determinantes; ii) investigar como

reflexões sobre regras metadiscursivas impactam as concepções dos alunos sobre matrizes e determinantes e iii)

investigar o desenvolvimento de uma consciência histórica nos alunos. A pesquisa é relatada na íntegra em Bernardes

(2016). Neste artigo1, destacaremos alguns resultados relacionados ao primeiro objetivo da pesquisa.

Referenciais teóricos e metodológicos

Os principais referenciais teóricos da pesquisa foram inspirados nos trabalhos de Kjeldsen e colaboradores

(KJELDSEN, 2011; KJELDSEN & BLOMHØJ, 2012; KJELDSEN & PETERSEN, 2014). No primeiro artigo,

Kjeldsen introduziu um argumento teórico para integrar a história ao ensino de matemática, baseando-se na teoria da

matemática como um discurso de Anna Sfard (2008).

Segundo Sfard, a matemática é uma forma bem definida de comunicação ou um tipo de discurso governado

por determinadas regras. Na perspectiva dessa pesquisadora, aprender matemática requer participar ativa e

efetivamente do discurso matemático. As regras que moldam o discurso são divididas em dois grupos: regras de nível

do objeto e as regras metadiscursivas ou metarregras. As regras do nível do objeto referem-se a "narrativas sobre

regularidades no comportamento de objetos do discurso" e as metarregras referem-se a "padrões nas atividades dos

discursantes quando tentam produzir e fundamentar narrativas do nível de objeto" (SFARD, 2008, p.120).

No discurso matemático, as regras do nível de objeto têm relação direta com as propriedades de objetos

matemáticos, por exemplo: na geometria euclidiana, a soma dos ângulos internos de um triângulo sempre resulta em

180°. As metarregras referem-se às ações dos discursantes. Tais regras são geralmente implícitas no discurso e se

manifestam quando julgamos, por exemplo, se uma descrição particular pode ser considerada como uma definição

matemática ou se uma demonstração pode ser aceita como correta.

O argumento teórico introduzido por Kjeldsen baseia-se na ideia de que a história da matemática desempenha

um papel fundamental para "iluminar as metarregras" do discurso matemático. Tais regras são historicamente

estabelecidas. Além disso, a classificação em regras do nível do objeto e regras metadiscursivas não é absoluta. Regras

metadiscursivas no discurso da matemática tornam-se regras do nível do objeto no discurso da história. Desta forma,

as metarregras deixam de ser tácitas e podem tornar-se objetos de reflexão (KJELDSEN, 2011).

O argumento de Kjeldsen é o ponto de partida de nossa pesquisa. A ideia é então promover situações em que

os alunos sejam estimulados a investigar o desenvolvimento de práticas matemáticas através de fontes históricas e a

compreender a visão que os matemáticos tinham sobre suas próprias práticas, como e com que propósito eles usavam

seus objetos (matemáticos), como eles descreviam seus objetos, como eles argumentavam etc. Desse modo, os alunos

podem ter contato com discursos regidos por metarregras diferentes daquelas que influenciam as práticas matemáticas

nos dias de hoje e diferentes das suas próprias metarregras. O argumento de Kjeldsen baseia-se no conceito de conflito

comognitivo2, o qual é definido como "uma situação na qual a comunicação é dificultada pelo fato de que diferentes

discursantes estão agindo de acordo com diferentes metarregras" (SFARD, 2007, p.576). O uso de fontes históricas

pode propiciar esses conflitos, já que a história é uma fonte de discursos governados por metarregras distintas.

Dois momentos de uma história das matrizes e algumas metarregras

A partir da pesquisa de Brechenmacher (2006) sobre algumas práticas matemáticas em torno das matrizes, situadas

na segunda metade do século XIX, estudamos dois momentos ligados ao surgimento das matrizes. Tais momentos

têm como principais matemáticos envolvidos: James Joseph Sylvester e Arthur Cayley. Analisamos seus respectivos

1 Este texto é uma versão do artigo apresentado no ICME-13, em Hamburgo, realizado em julho de 2016. 2 Comognitivo é a nossa tradução para o termo commognition, cunhado por Sfard, através da combinação de

communicational e cognition, para destacar a unidade entre os processos de comunicação e os de cognição.

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Aline Bernardes

336 Anais do XII SNHM -2017

discursos com o objetivo de identificar as metarregras que influenciaram suas ações nas práticas desenvolvidas por

esses matemáticos em torno das matrizes (e dos determinantes).

Sylvester introduziu o termo "matriz" em sua pesquisa sobre a classificação dos tipos de contatos3 entre duas

cônicas (SYLVESTER 1850, 1851a). A principal ferramenta matemática usada por ele para resolver o problema dos

contatos foi o conceito de determinante. Entretanto, ele não calculou determinantes a partir de matrizes, mas sim a

partir dos coeficientes de polinômios homogêneos de grau 2, a duas variáveis. A noção de matriz foi introduzida mais

tarde.

Para resolver o problema dos contatos, Sylvester (1850) introduziu a noção de determinantes menores. No

final do mesmo artigo, Sylvester introduziu a noção de matriz para generalizar um resultado sobre determinantes

menores, porém, considerando matrizes retangulares:

(…) we must commence, not with a square, but with an oblong arrangement of terms consisting,

suppose, of m lines and n columns. This will not in itself represent a determinant, but is, as it were,

a Matrix out of which we may form various systems of determinants by fixing upon a number p and

selecting at will p lines and p columns, the square corresponding to which we may be termed

determinants of the pth order. (SYLVESTER, 1850, p.150)

A noção de matriz surge como uma representação em forma de tabela retangular, geradora de vários sistemas

de determinantes menores. Como coloca Brechenmacher (2006, p.15), Sylvester interpreta a noção de matriz

inicialmente como la mère de mineurs de um determinante.

Oito anos mais tarde, Cayley publicou um texto no qual introduziu as operações com matrizes e enunciou

várias propriedades sobre as operações (CAYLEY, 1858). As matrizes surgem, segundo Cayley, naturalmente como

"uma notação abreviada" para sistemas de equações lineares. As operações com matrizes foram definidas a partir da

associação de matrizes com sistemas lineares, por exemplo, soma de matrizes em termos da soma dos coeficientes de

um sistema linear, multiplicação matricial em termos de “composição de sistemas lineares”. Observamos que a

diferença reconhecida hoje entre sistemas de equações lineares e de transformações lineares não parecia ser necessária

para Cayley naquele momento.

Em sua prática, Cayley às vezes considerava um certo tipo de matriz (hoje em dia, matriz escalar) como uma

"quantidade única" (single quantity), ou seja, como um número.

Podemos identificar muitas metarregras subjacentes às práticas de Sylvester e de Cayley em seus respectivos

discursos, entretanto selecionamos quatro para serem exploradas em nossa investigação:

• Determinantes são ferramentas utilizadas para investigar propriedades geométricas de curvas e são

calculadas a partir de polinômios homogêneos de grau 2 (discurso de Sylvester).

• Matriz como mãe dos determinantes menores: uso de matrizes como uma representação em conexão com a

técnica de geração de sistemas de menores (discurso de Sylvester).

• Matriz é uma notação cômoda usada para trabalhar com sistemas de equações lineares (discurso de Cayley).

• Dupla interpretação da noção de matriz: uma matriz é considerada ora como uma quantidade simples

(número), ora como uma quantidade múltipla (um sistema de números) (discurso de Cayley).

Mais detalhes sobre a parte histórica, bem como sobre como identificamos as metarregras acima podem ser

vistas em Bernardes (2016). A escolha dessas metarregras diante de tantas outras justifica-se por se tratarem de

concepções ou de ações sobre matrizes e/ou determinantes notadamente distintas das de hoje. Na seção seguinte,

descrevemos como as metarregras acima foram exploradas no estudo.

Sujeitos da pesquisa, estudos de campo e roteiros de ensino

Realizamos dois estudos de campo com nove estudantes de licenciatura em matemática, de duas universidades do Rio

de Janeiro. Oferecemos o mesmo minicurso com o tema "Diferentes papéis da noção de matriz em dois episódios da

3 O termo contato era empregado por Sylvester para designar os pontos de interseção em que as cônicas se tangenciam.

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HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E ENSINO DE MATRIZES NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES...

337 Anais do XII SNHM -2017

história das matrizes" para ambos os grupos de voluntários. Os minicursos duraram seis encontros e os voluntários

haviam cursado pelo menos uma das disciplinas de Álgebra Linear na época do estudo. Não foi nosso objetivo usar a

história para introduzir as matrizes, assim ter cursado Álgebra Linear foi um pré-requisito para participar do estudo.

As metarregras enunciadas anteriormente foram exploradas através de atividades históricas em dois roteiros

de ensino em que apresentamos as práticas de Sylvester e de Cayley, relacionadas a matrizes. Os roteiros contêm

várias citações de fontes primárias. Por razões didáticas, inserimos algumas explicações, bem como definições e

ilustrações modernas no roteiro que aborda a prática de Sylvester. Nesse roteiro, introduzimos o contexto geométrico

em que o termo matriz foi proposto por Sylvester e explicamos como ele resolveu o problema da classificação de tipos

de contatos entre duas cônicas usando determinantes. Alguns conceitos da geometria projetiva foram necessários,

como: coordenadas homogêneas, pontos projetivos e cônicas projetivas. Foram propostos exercícios matemáticos para

ajudar os alunos a compreenderem a matemática da prática de Sylvester.

No final de cada roteiro, há uma lista de questões de cunho mais histórico. O objetivo dessas atividades

históricas é suscitar discussões entre os participantes e estimular reflexões sobre as metarregras históricas e também

sobre suas próprias metarregras relacionadas a matrizes e determinantes. Algumas das atividades históricas incluídas

no primeiro módulo de ensino são:

• Descreva a diferença entre como Sylvester usou determinantes e como nós usamos nos dias de hoje. Veja

o extrato IV.

• Baseando-se nos extratos II e III, explique o que era uma matriz e qual o papel desta noção para Sylvester.

• Compare a definição de matriz apresentada por Sylvester no extrato II com a definição atual. Aponte pelo

menos uma semelhança e pelo menos uma diferença.

Os extratos I, II, III e IV mencionados acima são citações dos artigos de Sylvester. O extrato III, por exemplo,

ilustra como Sylvester interpretava as matrizes:

I have in previous papers defined a “Matrix” as a rectangular array of terms, out of which different

systems of determinants may be engendered, as from the womb of a common parent; these cognate

determinants being by no means isolated in their relations to one another […] (SYLVESTER, 1851b,

p.302)

O segundo módulo de ensino tem como título "Cayley e o cálculo simbólico com matrizes". Começamos

apresentando uma tradução da parte inicial da memória de 1858 (Cayley, 1858). Inicialmente, os participantes da

pesquisa leram a tradução, em seguida discutimos juntos como Cayley introduziu as operações com matrizes e com

que finalidade ele elaborou um cálculo simbólico com matrizes. Depois disso, foram propostas atividades históricas

para dar aos alunos a oportunidade de refletirem sobre as metarregras. Algumas das atividades são:

• Comparar a descrição de uma matriz apresentada por Cayley com a definição atual. Você vê semelhanças?

Se sim, quais? Você vê diferenças? Se sim, quais?

• Fale sobre o modo como Cayley estabeleceu as regras para as leis de adição, de multiplicação por uma

quantidade simples e multiplicação ou composição de duas matrizes. Compare com o modo segundo o qual os livros

didáticos de Álgebra Linear apresentam as operações com matrizes.

• Na prova do "teorema notável", Cayley formou o seguinte determinante:

,

cujo desenvolvimento é dado por 𝑀2 − (𝑎 + 𝑑)𝑀1 + (𝑎𝑑 − 𝑏𝑐)𝑀0 . Nos dias de hoje, a demonstração de

Cayley seria aceita como correta? Explique.

Os participantes trabalharam em grupos ao responder as atividades históricas. As discussões foram gravadas

em áudio e posteriormente transcritas para análise. As respostas escritas às atividades e as gravações de áudio das

discussões dos grupos forneceram os dados para analisar as reflexões sobre as metarregras.

Page 346: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Aline Bernardes

338 Anais do XII SNHM -2017

Resultados e discussão

Na análise, buscamos localizar discussões sobre as metarregras históricas, discussões nas quais os participantes

externaram suas metarregras em relação a matrizes e determinantes e discussões que indicaram conflitos

comognitivos, ou seja, narrativas conflitantes nas quais os discursantes (no caso, os participantes e as fontes históricas)

baseavam-se em diferentes metarregras.

A maioria dos grupos discutiu intensamente sobre as metarregras históricas. Além das reflexões sobre

metarregras históricas, que é em si um resultado, nós detectamos três metarregras no discurso dos participantes. Neste

texto, vamos nos concentrar em uma delas para ilustrar a análise dos dados. Descreveremos também um dos conflitos

comognitivos que se manifestou durante as discussões das atividades históricas.

Todos os grupos discutiram idéias relacionadas à primeira metarregra que identificamos no episódio de

Sylvester, segundo a qual os determinantes foram calculados usando determinadas funções (polinômios homogêneos

de grau 2, a duas variáveis, que representam as cônicas). O diálogo abaixo mostra uma discussão de um grupo sobre

esta metarregra:

Yhedi: Então, o determinante associado à matriz. A gente que faz o contrário, a gente que associa

matriz ao número real que é o determinante.

Maria: Ah, tá. Me perdi. [pausa]

Maria: A utilização nos dias de hoje é diferente. Porque hoje em dia, da matriz você chega em um

determinante e com ele foi o contrário, do determinante, ele pediu para encontrar uma matriz e

associar a esse determinante. E para ele esse determinante era determinante de uma função, hoje

em dia determinante é de uma matriz. Você quer que eu escreva ou está bom?

(Grupo 1.2)

As discussões sobre a metarregra histórica acima conduziram os estudantes a explicitarem suas próprias

metarregras, segundo as quais determinantes são propriedades de uma matriz [quadrada], em contraste com aquela

que governou o discurso de Sylvester. Desta forma, o estudo proporcionou oportunidades para que os participantes

percebessem que as regras metadiscursivas, bem como as regras do nível de objeto, mudam ao longo do tempo. Em

particular, as matrizes não surgiram como o objeto matemático que conhecemos hoje e os determinantes nem sempre

foram calculados a partir de matrizes.

A segunda metarregra no episódio de Cayley (dupla interpretação da noção de matriz) produziu conflitos

comognitivos em todos os grupos. O trecho abaixo mostra uma discussão de um grupo que ocorreu quando os

participantes estavam tentando entender o cálculo simbólico realizado por Cayley na demonstração apresentada para

o "teorema notável", o principal resultado da memória:

Fernando: Mas que viagem. É muita viagem porque olha só que ele faz a seguir. Ele pega o M

grande que é a matriz cheia. Isso aqui tanto é uma matriz quanto é um número.

Yhedi: Não.

Fernando: Mas aqui, olha só, está operando com números. Aqui ele está operando com números.

Aqui, isso aqui é um número. Só que isso é uma matriz.

Yhedi: Mas quando ele opera a matriz como um número, ele está trabalhando M vezes a identidade.

Fernando: Hum?

Yhedi: Quando ele trabalha a matriz como número, é o número vezes a identidade.

Fernando: Mas essa matriz aqui, cara?

[Neste momento, eles solicitaram a ajuda da pesquisadora.]

(Grupo 1.2)

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HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E ENSINO DE MATRIZES NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES...

339 Anais do XII SNHM -2017

No trecho acima, os participantes ficaram perplexos com o determinante formado e o cálculo simbólico empregado,

pois a noção de matriz como uma quantidade única é aplicada a uma matriz completa. Cayley iniciou a demonstração

do teorema notável formando o determinante |𝑎 − 𝑀 𝑏

𝑐 𝑑 − 𝑀| , a partir de M = [

𝑎 𝑏𝑐 𝑑

]. O determinante resulta na

expressão 𝑀2 − (𝑎 + 𝑑)𝑀1 + (𝑎𝑑 − 𝑏𝑐)𝑀0 . Assim, Cayley usou o mesmo símbolo M para representar uma matriz

em alguns momentos e para representar um número em outros.

O conflito comognitivo no último diálogo surgiu a partir das diferenças entre as metarregras subjacentes ao

discurso de Cayley e aquelas subjacentes ao discurso dos participantes. Cayley norteava-se por um metarregra que

permitia uma dupla interpretação da noção de uma matriz, ora como sendo um número, ora como um "sistema de

números". Hoje em dia, seus argumentos não seriam aceitos como corretos.

A partir da análise, concluímos que disponibilizar trechos das fontes primárias de Sylvester e de Cayley,

mantendo suas notações originais e mostrando como esses matemáticos definiam seus objetos e como argumentavam

em suas provas, foi essencial para exibir suas práticas. Como observa Kjeldsen (2011), os textos históricos

desempenham o papel de interlocutores, como discursantes que agem de acordo com metarregras específicas. Assim,

o uso de fontes primárias é essencial para permitir o contato com um discurso moldado por metarregras diferentes e,

com isso, possibilitar o conflito comognitivo.

Conclusões

Os resultados alcançados pelo estudo confirmam o potencial das fontes históricas para promover reflexões sobre

metarregras – tanto as metarregras históricas, como as dos próprios participantes - o que é consistente com os

resultados de Kjeldsen e Petersen (2014).

Como mostra o estudo de Kjeldsen e Blomhøj (2012), nossa análise mostrou que o uso de fontes originais e

o formato das atividades históricas estimularam não só a aprendizagem de regras metadiscursivas, mas também a

oportunidade de discutir regras do nível do objeto. Chegamos a uma conclusão semelhante à de Kjeldsen e Petersen

(2014) em relação à experiência que os alunos tiveram com uma situação de aprendizagem que não era familiar para

eles. Eles tiveram a oportunidade de discutir a noção de matriz e outros conceitos relacionados de uma forma não-

operacional, ou seja, em um nível mais conceitual, fora da rotina de aplicação de técnicas prontas para resolver

problemas matemáticos. As atividades históricas levaram os participantes a refletirem sobre o que é o objeto matriz e

esta não foi uma tarefa trivial para eles.

Refletindo sobre os resultados e sobre o estudo como um todo, questionamos se é adequado iniciar o curso

de álgebra linear com o conceito de matriz como um objeto em si. Historicamente, a noção de matriz foi a última a

surgir, isto é, as matrizes foram introduzidas após determinantes, sistemas lineares, transformações lineares e formas

quadráticas. Os momentos históricos de Sylvester e de Cayley mostram que sua introdução e desenvolvimento foram

motivados pela necessidade de uma representação em forma de tabela. Assim, chegamos à conclusão de que é mais

adequado introduzir o conceito de matriz quando houver necessidade da representação matricial - por exemplo,

durante o estudo de sistemas lineares. Consideramos que é mais adequado introduzir a multiplicação de matrizes a

partir da composição de transformações lineares. Acreditamos que desta forma, os alunos podem aprender matrizes e

suas operações de uma forma menos naturalizada e mais problematizadora.

A importância de proporcionar reflexões sobre o discurso matemático, a partir da história da matemática, na

formação de professores está justamente em descontruir a visão naturalizada do ensino. Conhecer a origem e os fatores

que levaram um objeto matemático a ser definido do modo como conhecemos hoje e as escolhas que o elegeram como

ferramenta para resolver determinados problemas equipa o professor com uma visão mais crítica dos conteúdos que

ele irá ensinar.

Page 348: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Aline Bernardes

340 Anais do XII SNHM -2017

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mar. 2012.

Aline Bernardes

Departamento de Matemática – UNIRIO – Brasil

E-mail: [email protected]

Page 349: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

341 Anais do XII SNHM -2017

O CURSO DE MATEMÁTICA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ SOB A

PERSPECTIVA DE UM DE SEUS PRECURSORES

Antonio Peixoto de Araujo Neto

Faculdade de Engenharias e Arquitetura – FEITEP - Brasil

Lucieli M. Trivizoli

Universidade Estadual de Maringá – UEM - Brasil

Resumo

O presente trabalho traz resultados de uma dissertação de mestrado vinculada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação para a Ciência e a Matemática PCM-UEM. O objetivo naquela pesquisa foi investigar historicamente o

processo de criação do curso de Matemática da Universidade Estadual de Maringá e o desenvolvimento do curso em

seus primeiros anos em um período compreendido entre 1969 e 1982. Nesta comunicação, temos por objetivo

apresentar a criação do curso de Matemática sob análise dos documentos oficiais da universidade e da perspectiva do

professor Amaury Meller, que foi um dos precursores para a criação do curso. Para atingir este objetivo, realizamos

uma entrevista com o professor Amaury. De acordo com as informações adquiridas na entrevista e os documentos

oficiais consultados, o curso de Matemática foi criado como uma estratégia do Governo do Estado expandir o ensino

superior em instituições interioranas, atender os interesses econômicos e corrigir a lacuna de professores do ensino

secundário na região paranaense.

Palavras-chave: Curso de Matemática da UEM; História da Matemática no Brasil; História da Ciência

THE MATHEMATICS COURSE OF THE STATE UNIVERSITY OF MARINGA UNDER THE

PERSPECTIVE OF ONE OF ITS PRECURSORS

Abstract

The present work brings results of a Master's thesis linked to the Post-Graduate Program in Education for Science and

Mathematics PCM-UEM. The purpose of this research was to investigate historically or process of creation of the

course of Mathematics of the State University of Maringá and development of the course in its early years in a period

between 1969 and 1982. In this communication, by objective, a creation of the course of Mathematics Under The

analysis of the official documents of the university and the perspective of Professor Amaury Meller, who was one of

the precursors for the creation of the course. For the purpose, conduct an interview with Professor Amaury. According

to information acquired in official documents consulted, the Mathematics course was created as a strategy of the State

Government to expand higher education in international institutions, to meet economic interests and to correct the gap

of secondary school teachers in the region of Paraná.

Keywords: UEM Mathematics Course; History of Mathematics in Brazil; History of Science

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

ISSN 2236-4102

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Antonio Peixoto de Araujo Neto & Lucieli M. Trivizoli

342 Anais do XII SNHM -2017

Introdução

Este trabalho apresenta parte dos resultados de um estudo histórico sobre o curso de Matemática1 da Universidade

Estadual de Maringá em um período que compreende a sua criação, em 1969, e os seus primeiros anos. As

informações apresentadas são um recorte de uma dissertação de mestrado defendida em 22 de fevereiro de 2016

vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e a Matemática – PCM da Universidade

Estadual de Maringá – UEM. Nesta comunicação, temos por objetivo apresentar a criação do curso de Matemática

sob a perspectiva do professor Amaury Meller que foi um dos precursores para a criação do curso.

Com a intensificação e o desenvolvimento de pesquisas em História da Matemática no Brasil e o

engajamento de diversos grupos de pesquisa2, o subtema da História Institucional tem obtido significativo espaço no

que refere à historiografia institucional brasileira. Há uma corrente de pesquisadores preocupados em resgatar a

institucionalização da Matemática no Brasil e este trabalho está inserido nesta corrente.

Segundo Trivizoli (2008) a pesquisa histórica permite entender a realidade e suas possibilidades por intermédio do

passado, por permitir a criação de um vínculo entre passado e presente, envolvendo e entendendo as relações entre o

homem e as condições do mundo à sua volta. Atualmente, diversos trabalhos que têm como objeto de investigação a

constituição e caracterização da história do desenvolvimento da Matemática no Brasil têm sido feitos. Ainda, o resgate

histórico-institucional neste trabalho baseia-se no entendimento de que a História não se faz exclusivamente dos fatos

do passado, mas também da participação de pessoas inseridas em uma sociedade e, neste caso, envolvidas no processo

de desenvolvimento científico (TRIVIZOLI, 2008). Retratar o contexto ou situação de uma determinada época é de

valia para que possamos entender o processo de transformação e construção da comunidade matemática brasileira.

A Universidade Estadual de Maringá foi criada pela Lei 6.034/69, sob forma de Fundação, a qual resultou

da união das três Faculdades existentes em Maringá no final da década de 1960: a Faculdade de Direito, a Faculdade

de Ciências Econômicas e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. De acordo com a Resolução 01/70, os cursos

de Matemática e Química foram os primeiros cursos criados pela Universidade Estadual de Maringá. O curso de

Matemática foi criado sob forma de Licenciatura3 em um regime de créditos. Embora o curso tenha sido criado na

modalidade de Licenciatura, com disciplinas voltadas às discussões educacionais, a primeira disciplina voltada à

discussão da prática pedagógica, de responsabilidade do Departamento de Matemática, veio a ser criada somente na

década de 1980, sob o nome de Instrumentação do Ensino de Matemática.

D’Ambrosio (1999) afirma que a História da Matemática tem como grande preocupação a identificação de

fontes que permitam apontar as etapas do avanço da ciência, em especial da Matemática. Assim, o estudo histórico

do curso de Matemática da UEM visou constituir uma fonte que ajudará na composição da História da Matemática no

Brasil e, especificamente, no Paraná. Essa narrativa pode contribuir, ainda, para uma futura análise histórica

comparativa dos diferentes padrões de institucionalização das atividades matemáticas em diversos períodos históricos

e diversas regiões no Brasil.

Metodologia

De acordo com Martins-Salandim (2012, p. 53) "/.../ a potencialidade da História Oral para a historiografia não deve

ser buscada na autossuficiência das fontes orais em detrimento de outras fontes, mas na natureza qualitativa das

informações que as fontes orais incorporam à operação historiográfica".

As fontes constituídas pela e a partir da História Oral são historiográficas e nos possibilitam compreender o ponto de

vista do entrevistado:

A realidade é complexa e multifacetada; e um mérito principal da história oral é que, em

muito maior amplitude do que a maioria das fontes, permite que se recrie a multiplicidade

1 O curso foi criado sob forma de Licenciatura, mas em diversos documentos o curso é apenas referenciado como “curso de Matemática” e

adotaremos apenas esse termo no nosso texto. 2 Uma lista com grupos de pesquisa em Educação Matemática no Brasil – incluindo aqueles que trabalham com História da Matemática e História

da Educação Matemática – pode ser encontrada no site da Sociedade Brasileira de Educação Matemática – SBEM:

<http://www.sbembrasil.org.br/sbembrasil/index.php/96-grupos-de-pesquisa/118-grupos-de-pesquisa>. Acesso em 04 de janeiro de 2016. 3 A modalidade de Bacharelado foi iniciada apenas em 1996.

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O CURSO DE MATEMÁTICA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ SOB A PERSPECTIVA DE UM DE SEUS

PRECURSORES

343 Anais do XII SNHM -2017

original de pontos de vista. Mas essa vantagem não é importante apenas para escrever

história. Em sua maioria, os historiadores fazem julgamentos implícitos e explícitos - o

que é muito certo, uma vez que a finalidade social da história requer uma compreensão

do passado que, direta ou indiretamente, se relaciona com o presente. (THOMPSON,

1992, p. 25-26)

As narrativas orais, segundo Bolivar (2005), são estruturações das experiências como relatos, expressando

diferentes dimensões da experiência vivida, mediando a experiência e configurando a construção social da realidade.

Desse modo, a narrativa oral foi um elemento importante para se compreender a dinâmica da história do curso de

Matemática da UEM, posto que as suas reestruturações ao longo do tempo foram um conjunto de ações que ocorreram

intencionalmente em uma situação, tempo e espaço específicos e, por isso, a análise do relato do professor entrevistado

auxiliou na compreensão dos fatores envolventes na história do curso e suas cercanias.

Para constituição destas narrativas, trilhamos, ainda que não de forma rígida, estática, algumas etapas como seleção e

contatos com entrevistados, elaboração de um roteiro básico para as entrevistas, entrevistas gravadas, transcrição das

entrevistas, textualização - edição da transcrição literal, eliminando vícios de linguagem, conferências, assinatura de

carta de cessão de direitos sobre a gravação e a textualização, com ou sem restrições de uso, e análise dos dados

constituídos.

Procedimentos da Pesquisa

Nas análises realizadas nos documentos oficiais observamos com frequência o nome do professor Amaury

Meller como um dos precursores da criação do curso. Desta forma, como ele reside em Maringá, julgamos conveniente

a realização de uma entrevista para a composição da narrativa sobre a história do curso de Matemática da UEM.

Entramos em contato com o professor Amaury por meio da sua secretária. Após algumas tentativas de contato, o

convite foi aceito.

O questionário da entrevista foi planejado, conforme segue:

O senhor possuía algum vínculo com o ensino no período antecedente à criação do curso?

Quais as motivações que levaram à criação do curso de Matemática? Quais eram as necessidades e

preocupações daquele momento para a criação do curso?

Quais pessoas que contribuíram para a criação do curso? Houve uma comissão criada para a elaboração do

curso? Onde aconteciam as reuniões de planejamento?

O curso de Matemática da UEM foi concebido de acordo com algum curso da época? Quais as

características que buscavam para o curso? Quais os objetivos?

Quais os principais obstáculos/desafios que encontraram para a criação do curso?

Como eram as condições físicas do prédio onde o curso de Matemática se instalou no início?

Como foi o processo de contatar os primeiros professores? Houve professores oriundos de outras

instituições?

E o primeiro vestibular? A primeira turma?

Que aspectos da formação dos alunos esperava-se com o curso de matemática?

O envolvimento do senhor no curso de Matemática deu-se até quando?

Na sua visão, quais os principais impactos que o curso de Matemática gerou no âmbito local e regional?

Alguma consideração que queira fazer?

O curso de Matemática sob a visão do professor Amaury Meller

Segundo Amaury Meller ele “era o único formado em Matemática na década de 1960 em Maringá”. Ele

lecionava Matemática e Física no Colégio Estadual Gastão Vidigal e, posteriormente, fundou o Colégio Paraná e

Faculdade Maringá, onde é diretor atualmente. Com a política de expansão do ensino superior em cidades interioranas

no Paraná e com a criação da UEM em 1969 por meio da Lei 6.034/69, o professor Amaury foi o convidado para

presidir uma comissão para a criação de cursos superiores na nova instituição que estava sendo criada.

Page 352: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Antonio Peixoto de Araujo Neto & Lucieli M. Trivizoli

344 Anais do XII SNHM -2017

A comissão composta pelos professores Amaury Meller, Oberon Floriano Dittert e Flávio Pasquineli foi

constituída para definição dos cursos que seriam criados. Os cursos definidos foram “Letras, História e Geografia e

o curso que era a minha ânsia, Matemática, eu era o único professor”. De acordo com Flavio e Trivizoli (2014), a

primeira contratação docente do curso de Matemática da UEM foi a professora Laudelina Leila S. de Campos em

01/03/1969 e o professor Amaury em 1971.

O curso de Matemática da UEM foi criado para atender os interesses políticos e econômicos do município. Elencamos

três fatores que levaram à criação do curso de Matemática da UEM:

O primeiro fator que apresentamos é a intenção de desenvolver economicamente a cidade de Maringá. De acordo com

Sheen (2001), Maringá foi criada para ser uma cidade polo da região noroeste do Estado do Paraná. O professor

Amaury Meller relata que o “curso de Matemática da UEM abrangeria toda a região noroeste e norte do Estado do

Paraná e sul do Mato Grosso do Sul”. Isso significaria uma visibilidade para a cidade e um maior desenvolvimento

econômico do município.

De acordo com a 5ª Ata da reunião de aprovação da Resolução 01/70, o professor Flávio Pasquinelli destacou

que os cursos de Matemática e Química representavam uma célula importante para o desenvolvimento dos futuros

cursos de Engenharia. Este fragmento da fala do professor Flávio Pasquinelli converge com o relato do professor

Amaury Meller quando diz que o “curso de Matemática foi criado para dar abertura para as Engenharias”. Esse

segundo fator, então, seria da abertura para os cursos de Engenharia Civil e Engenharia Química, criados após o curso

de Matemática.

Com o objetivo de “se chegar às Engenharias”, o professor Amaury relata que foi “obtido um terreno ao

lado do Instituto de Educação e nele foi construído um prédio que foi denominado Instituto de Ciências Exatas e

Tecnológicas - ICET e neste prédio nós criamos os cursos de Matemática, Física e Química”. O ICET foi criado pela

Resolução 02/72. O primeiro presidente do ICET foi, de acordo com a Portaria 08/72, o professor Flávio Pasquinelli.

O primeiro objetivo do Instituto, era de acordo com o professor Amaury “começar a ofertar os cursos de engenharias

então, nós com os três cursos inicialmente criados, dizíamos para os alunos que eles seriam transferidos para a

Engenharia Civil e a Engenharia Química”. De acordo com o relato do professor, o governo do Estado facilitou esta

tramitação, tanto que “para começar a funcionar não era necessário a aprovação do Conselho Federal”. O sistema

estadual e o sistema municipal de ensino superior estavam subordinados ao Conselho Estadual de Educação do Estado

do Paraná. “Então, aprovamos os cursos de Matemática, Física e Química para já divulgar que quem quisesse entrar

em Engenharia depois se transferia e já começavam com as disciplinas do primeiro ano de Engenharia”.

O terceiro fator para a criação do curso é a lacuna do quadro de professores do ensino secundário existente

na época em Maringá. Então a criação do curso permitiria superar essa lacuna da falta de professores em Maringá e

região.

Professores oriundos de diversas instituições foram contatados, o professor Amaury relata: “começamos a

procurar professores e o reitor nos dava ‘carta branca’ para procurar o professor que quiséssemos”. Com o objetivo

de se ter uma pós-graduação local, o professor relata: “no fim do ano fazíamos cursos de iniciação e trazíamos o

coordenador da pós-graduação da USP - Universidade de São Paulo, depois da COPPE4 do Rio, visando termos

especialização ou até um mestrado nosso”.

Embora o curso tivesse sido criado na modalidade de licenciatura, a grade curricular inicialmente foi estruturada com

disciplinas de cunho conteudista, seguindo a regularidade dos cursos na época. De acordo com Moreira e Ferreira

(2013) aquele era um período em que a formação do professor de matemática era composta essencialmente de três

anos de matemática mais um ano de didática.

Pudemos observar que, no início, havia apenas uma disciplina pedagógica específica para o ensino de

Matemática chamada Prática de Matemática no terceiro ano do curso, mas essa disciplina não era ofertada pelo ICET.

O professor Amaury faz um relato que justifica esta estruturação da grade curricular.

“Na época havia outro conceito didático, você formava a cabeça do professor o melhor

4 De acordo com o site da COPPE/UFRJ, a Coppe – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia – nasceu

disposta a ser um sopro de renovação na universidade brasileira e a contribuir para o desenvolvimento do país. Fundada em 1963 pelo engenheiro

Alberto Luiz Coimbra, ajudou a criar a pós-graduação no Brasil e ao longo de quatro décadas tornou-se o maior centro de ensino e pesquisa em engenharia da América Latina. Disponível em: <http://www.coppe.ufrj.br/coppe/apresentacao.htm> Acesso em 27 de setembro de 2015.

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O CURSO DE MATEMÁTICA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ SOB A PERSPECTIVA DE UM DE SEUS

PRECURSORES

345 Anais do XII SNHM -2017

possível e depois o resto ele saberia para transmitir. Exatamente o contrário do que

acontece hoje. Em 1996, a última Lei que estabeleceu as Diretrizes Básicas da Educação

Nacional - LDB/96, diz que deve haver uma forte ligação entre a teoria e a prática, em

outras palavras, quando o professor de matemática ensina alguma coisa deve se atentar

ao seguinte: Para que serve? O que vai fazer com aquilo? Ele tem que mostrar. Não,

amanhã ou depois você precisa disso. Então, hoje não é formar a cabeça do professor. É

instrumentaliza-lo didaticamente para transmitir aquela matéria e o aluno ter visão a

onde ele vai aplicar, mas naquela época não: era formar a cabeça. Então, quanto melhor

você formar o indivíduo, melhor aluno de cálculo, de análise, de geometria, da matéria

que fosse, depois ele teria uma visão mais profunda. Essa era a nossa visão”

Essa fala do professor Amaury vem ao encontro com o pensamento da época. De acordo com Valgas (2002),

a ideologia na década de 1970 era a da eficiência e racionalidade; ensinava-se o como fazer, sem reflexão sobre o

porquê fazer, não havendo relação entre educação e sociedade, entre currículo e sociedade.

Considerações Finais

Entendemos a importância da constituição da narrativa apresentada para se ter contada a história do curso,

pois conseguimos reunir (mesmo que inicialmente) dados importantes que estavam dispersos. A colaboração das

pessoas dos diversos locais visitados com indicações, sugestões, facilitaram a delinear os caminhos a serem

percorridos na pesquisa. Sabemos que as informações obtidas correspondem a uma pequena parcela da história do

curso. Mas podemos perceber algumas das evoluções que o curso passou e, talvez, poderá a passar.

Conforme dito na introdução, há um grupo de pesquisadores preocupados em relatar a História Institucional do Brasil

e este trabalho é parte desta História e poderá contribuir para futuras discussões acerca da institucionalização da

Matemática no Paraná e no Brasil.

No contexto apresentado anteriormente foi criado pela Resolução 01/70 o curso de Matemática da UEM

sob a forma de Licenciatura. De acordo com Araujo Neto (2016), o curso foi criado para gerar uma abertura para os

cursos de Engenharia, para desenvolver economicamente o município e para sanar as lacunas de professores do ensino

secundário da região naquela época.

Em relação à formação inicial do professor de Matemática, Araujo Neto (2016) observa que apesar do curso

de Matemática ser voltado para a Licenciatura, ele possuía um caráter conteudista em suas primeiras grades

curriculares.

Lembramos, ainda, que no momento da criação da UEM havia outras Instituições de Ensino Superior no Brasil. Outras

influências que podem ter colaborado para a criação da UEM, como por exemplo a Universidade Federal do Rio de

Janeiro – UFRJ, o Instituto de Matemática Pura e Aplicada – IMPA e demais instituições existentes na época da

criação da Universidade Estadual de Maringá podem ser estudadas futuramente. Assim, indicamos uma possibilidade

para a continuidade dessas análises com outras instituições para que possa ser realizado um estudo panorâmico sobre

possíveis convergências ou divergências entre elas.

Indicamos como continuidade desta pesquisa, a análise das grades curriculares ao longo dos anos e como o

curso se consolidou no cenário estadual e nacional. Além disso, indicamos o estudo das principais mudanças do curso,

as contratações docentes, suas influências e áreas de pesquisa, a produção científica do curso; os principais eventos

realizados pelo Departamento de Matemática tais como: o II Encontro Nacional de Educação Matemática que marcou

a criação da Sociedade Brasileira de Educação Matemática; as Semanas da Matemática etc. Ainda há muito para se

pesquisar, inclusive nos anos iniciais, que foram os anos onde concentramos nosso trabalho. A tarefa não é simples,

mas vale a pena.

Page 354: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Antonio Peixoto de Araujo Neto & Lucieli M. Trivizoli

346 Anais do XII SNHM -2017

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O CURSO DE MATEMÁTICA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ SOB A PERSPECTIVA DE UM DE SEUS

PRECURSORES

347 Anais do XII SNHM -2017

Antonio Peixoto de Araujo Neto

Faculdade de Engenharias e Arquitetura – FEITEP–

Maringá – PR - Brasil

E-mail: [email protected]

Lucieli M. Trivizoli

Departamento de Matemática – DMA – campus

de Maringá - PR - Brasil

E-mail: [email protected]

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348 Anais do XII SNHM -2017

POR QUE UTILIZAR A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NO ENSINO DE MATEMÁTICA?

CONCEPÇÕES DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA DO ENSINO MÉDIO DO MUNICÍPIO

DE ITAJUBÁ-MG

Marcos Roberto dos Santos

Instituto Federal de Educação,Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais – IFSULDEMINAS – Brasil

Mariana Feiteiro Cavalari

Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI – Brasil

Resumo

Existe um consenso por parte de pesquisadores em Educação Matemática sobre a importância da História da

Matemática no ensino de Matemática. O uso da História da Matemática (HM) em sala de aula, também, é indicado

nos documentos oficiais, tais como nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Entretanto, algumas pesquisas

têm indicado que a HM tem sido pouco utilizada em sala de aula neste nível de ensino. Nesse sentido, realizamos uma

investigação com objetivo de analisar as compreensões dos professores de Matemática do Ensino Médio que atuam

nas escolas públicas do município de Itajubá/MG acerca da utilização da HM para o ensino desta disciplina. De modo

específico, buscamos identificar e analisar as justificativas apresentadas pelos docentes para a utilização da HM em

suas aulas. Para tanto, convidamos todos os docentes que, em 2015, lecionavam Matemática no Ensino Médio nas

escolas públicas do referido município sendo que, 13 professores aceitaram o convite. Como instrumento de coleta de

dados utilizamos um questionário. Identificamos que dois docentes não tiveram contato com a HM em sua formação

acadêmica e as respostas obtidas por meio do questionário nos permitiram constatar que todos os professores entendem

ser importante utilizar a HM para o ensino de Matemática na Educação Básica. As justificativas destes docentes para

tal utilização foram analisadas e agrupadas em três categorias elaboradas a posteriori. A maioria dos docentes, 54%,

entende que a HM deve ser introduzida em sala de aula com o objetivo de motivar os estudantes; 23% dos docentes

apontam que a HM permite apresentar os contextos do desenvolvimento de conceitos matemáticos e suas aplicações

ao longo do tempo e 23% dos professores entendem que a HM é uma abordagem capaz de trazer sentido e significado

ao conhecimento matemático. Os resultados indicam que apesar do crescimento de trabalhos e pesquisas sobre HM, e

do fato da maioria destes docentes terem tido contato com a HM em sua formação, ela ainda é pouco vista como uma

possibilidade pedagógica capaz de atribuir significado ao conhecimento matemático. Diversos fatores podem

contribuir para essa concepção, um desses fatores pode ter relação com a forma que a HM foi apresentada a esses

professores durante suas trajetórias acadêmicas. Neste sentido, ressaltamos a relevância da realização de investigações

que tenham como foco a HM nos cursos de formação de professores.

Palavras-chave: História da Matemática; Ensino Médio; Concepções de professores.

Why use the History of Mathematics in Mathematics teaching? Conceptions of teachers of Mathematics of

the High School of the municipality of Itajubá-MG

Abstract

There is a consensus among researchers in Mathematics Education about the importance of the History of Mathematics

in the teaching of Mathematics. The use of the History of Mathematics (HM) in the classroom, too, is indicated in

official documents, such as in the Curriculum Guidelines for High School. However, some research has indicated that

HM has been little used in the classroom at this level of education. In this sense, we carried out an investigation with

the objective of analyzing the understandings of teachers of Mathematics of High School that work in the public

Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática

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349 Anais do XII SNHM -2017

schools of the municipality of Itajubá / MG about the use of HM for the teaching of this discipline. Specifically, we

seek to identify and analyze the justifications presented by teachers for the use of HM in their classes. To that end, we

invited all teachers who, in 2015, taught Mathematics in Secondary School in the public schools of said municipality

and 13 teachers accepted the invitation. As an instrument of data collection, we used a questionnaire. We identified

that two teachers did not have contact with HM in their academic formation and the answers obtained through the

questionnaire allowed us to verify that all teachers understand that it is important to use HM for the teaching of

Mathematics in Basic Education. The justifications of these teachers for this use were analyzed and grouped in three

categories elaborated posteriori. Most teachers, 54%, understand that HM should be introduced in the classroom in

order to motivate students; 23% of teachers indicate that HM allows to present the contexts of the development of

mathematical concepts and their applications over time and 23% of teachers understand that HM is an approach

capable of bringing meaning and meaning to mathematical knowledge. The results indicate that despite the growth of

research and studies on HM, and the fact that most of these teachers have had contact with HM in their formation, it

is still little seen as a pedagogical possibility capable of assigning meaning to mathematical knowledge. Several factors

may contribute to this conception, one of these factors may be related to the way HM was presented to these teachers

during their academic trajectories. In this sense, we emphasize the relevance of conducting research that focuses on

HM in teacher training courses.

Keywords: History of Mathematics, High school, Conceptions of teachers

Introdução

Existe um consenso por parte de pesquisadores em Educação Matemática sobre a importância da História da

Matemática (HM) no ensino de Matemática. Neste sentido, Valdés (2006), expõe que “[...] nos últimos anos a História

da Matemática vem se incorporando, sobretudo, à teoria e à prática do ensino da matemática” (VALDÉS, 2006, p.15).

A utilização da HM como abordagem para o ensino de Matemática, também está presente nos documentos

oficiais como nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio, esse documento aponta que o uso da HM em sala de

aula se configura em um importante elemento no que diz respeito à aprendizagem da Matemática pois, “A recuperação

do processo histórico de construção do conhecimento matemático pode se tornar um importante elemento de

contextualização dos objetos de conhecimento que vão entrar na relação didática” (BRASIL, 2006, p.86).

Apesar desse consenso entre pesquisadores e da indicação da utilização da HM nos documentos oficiais,

algumas pesquisas apontam que a HM tem sido pouco utilizada ou subutilizada na Educação Básica. Esse fato pode

ser observado em Souto (1997) e Feliciano (2008). Embora estas pesquisas tenham sido realizadas com uma diferença

de quase uma década, seus resultados são bastante semelhantes. Estas pesquisas identificaram que uma das

justificativas para o uso da HM na percepção dos professores, é que ela pode ser uma fonte de motivação e um fator

que auxilia na compreensão da Matemática.

Nesse sentido, quase uma década após o trabalho de Feliciano (2008), nos propusemos a realizar uma

investigação com objetivo de analisar as compreensões dos professores de Matemática, do Ensino Médio que atuam

nas escolas públicas do município de Itajubá/MG, acerca da utilização da HM para o ensino desta disciplina. De modo

específico, buscamos identificar e analisar as justificativas apresentadas pelos docentes para a utilização da HM em

suas aulas.

Para tanto, convidamos todos os docentes que, em 2015, lecionavam Matemática no Ensino Médio nas

escolas públicas de Itajubá, destes 13 aceitaram o convite. Aplicamos, então, um questionário a estes docentes. Esse

questionário era constituído por questões que objetivavam identificar o perfil profissional dos professores, a relevância

que eles atribuem para o uso da História da Matemática na Educação Básica, as justificativas para tal utilização e,

ainda, a forma que estes docentes utilizam a HM em suas aulas. As respostas das questões referentes a justificativa

para a utilização da HM na Educação Básica foram analisadas e classificadas em agrupamentos criados a posteriori.

Para a apresentação dos resultados desta investigação, dividimos o presente trabalho em dois itens. No

primeiro item apresentaremos justificativas para se utilizar a HM no ensino de Matemática a partir da literatura e no

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Por que utilizar a História da Matemática no ensino de Matemática? Concepções de professores...

350 Anais do XII SNHM -2017

segundo, apresentaremos as justificativas que os professores de Matemática que atuam no Ensino médio de Itajubá

apresentam para usar a HM em sala de aula.

2. Justificativas para a utilização da História da Matemática no ensino de Matemática

Diversos estudos, conforme já apontamos, apresentam argumentos que justificam a utilização da HM no

ensino de Matemática, tais como, Brolezzi (1991), Miguel (1997), Fossa (2008), Mendes (2008), Miguel e Miorim

(2011). Com base nos argumentos apresentados por estes autores, elaboramos quatro justificativas para a utilização

da HM em sala de aula, a saber: A HM para a motivação; A HM para significado, a HM para apresentar as motivações

e aplicações e a HM para mudança de percepção sobre a Matemática e promoção de valores no ensino de Matemática.

Apresentaremos, a seguir, considerações sucintas sobre as justificativas para a utilização da HM no ensino de

Matemática.

2.1 A História da Matemática para a motivação

A utilização da HM como fonte de motivação nas aulas de Matemática é um argumento apresentado por um

número expressivo de professores de Matemática. Alguns pesquisadores como Vianna (1995), Miguel (1997), Valdés

(2006), Fossa (2008), apontam a motivação como argumento para se utilizar a HM no ensino de Matemática. Porém,

essa forma não é considerada a mais adequada para o processo de ensino.

Vianna (1995) é favorável ao uso da HM para a motivação desde que a sua exploração tenha relação com o

conteúdo que o aluno está estudando. Para ele, pode-se iniciar um capítulo buscando na história um problema que

tenha um enunciado interessante, ou apresentando as dificuldades encontradas para resolver algum problema e

relacioná-lo com problemas atuais fazendo questionamentos e incentivando os estudantes a procurar outras formas de

resolução. Essa seria uma maneira de usar a história de forma diferente do habitual que muitas vezes não tem relação

com o que está sendo trabalhado.

Miguel (1997) apresenta ideias semelhantes ao indicar que podem ser encontradas nas questões históricas

estratégias que motivem os alunos, uma vez que são fonte para seleção de problemas práticos, curiosos, informativos

e recreativos. Miguel (1997), entretanto, chama a atenção para que essa motivação seja vinculada e produzida no ato

cognitivo da solução de um problema e “[...] não meramente externa ao conteúdo do ensino” (MIGUEL, 1997, p.81).

Ao questionar a utilização da HM meramente como motivação Miguel (1997), aponta que o que motiva um

aluno nem sempre será capaz de motivar a outros. Além disto, de acordo com este autor, muitas vezes quando a HM

é apresentada aos estudantes com este objetivo, ela é apresentada de forma esporádica e, em geral, se resume a

apresentação de dados biográficos de matemáticos.

Destacamos que a introdução de informações históricas ligadas a Matemática como biografias de

matemáticos e suas contribuições para o desenvolvimento da Matemática com a apresentação de fotos e de textos

explicativos muitas vezes não contribui para a aprendizagem de conceitos e conteúdos matemáticos. Entretanto,

enfatizamos na mesma perspectiva de Fossa (2008), que este pode ser o primeiro contato dos estudantes com a HM e

que de certo modo, pode contribuir com a sua formação cultural.

Consideramos através dessas breves colocações que é necessário ser cauteloso ao justificar a utilização da

HM para o ensino de Matemática somente com base na motivação. Há outras possibilidades mais abrangentes de

utilização da HM em sala de aula, como é o caso da utilização da HM para promover o significado.

2.2 A História da Matemática para Significado

A HM pode promover a aprendizagem significativa e compreensiva da Matemática, esse é um argumento

apresentado por diversos pesquisadores em Educação Matemática. Miguel (1997) afirma que a HM não deve ser

entendida apenas como um elemento de motivação para ser usada exclusivamente como referência no início de

capítulos de conteúdos. A HM, para ele, deve ter uma função maior que é de esclarecer os conceitos e as teorias

estudadas.

Page 359: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

351 Anais do XII SNHM -2017

De modo semelhante, Brolezzi (1991) indica que a HM possibilita trazer significado à Matemática estudada,

afinal, ele considera que a HM pode ser um “[...] instrumento para a superação da dicotomia entre técnica e significado

no ensino elementar na Matemática” (BROLEZZI, 1991, p.44). Neste sentido, a história, pode ser usada pelo professor

durante o processo de reconstrução de uma teoria como um artifício capaz de facilitar a assimilação do aluno, desta

forma, poderá promover uma aprendizagem compreensiva e significativa da Matemática.

Em uma perspectiva semelhante, Mendes (2006) destaca que uma das finalidades do uso da história como

recurso pedagógico é de “[...] promover um ensino-aprendizagem da Matemática que permita uma ressignificação do

conhecimento matemático produzido pela sociedade ao longo do tempo” (MENDES, 2006, p.84). Desta forma,

Mendes (2006) indica que o professor, a partir das questões históricas, estimulem os estudantes a (re)construir e

(re)significar o conceito a ser trabalhado. Assim, os professores, por meio de problemas históricos, podem propor

atividades de investigação e de resolução de problemas.

As questões históricas devem ser usadas de forma adequada fazendo com que os alunos possam compreender

e entender ideias mais complexas, e não ser usada apenas como uma forma de entretenimento a partir de historietas e

anedotas curiosas. Desta forma, o importante “[...] é transmitir, de uma maneira mais sistemática possível, os processos

de pensamento eficazes na resolução de verdadeiros problemas” (VALDÉS, 2006, p.19). A partir de conceitos

históricos e evitando cair nos erros que diversas pessoas entre matemáticos, professores e alunos acabam caindo por

falta de conhecimento desses conceitos.

Portanto, entendemos que a HM se bem utilizada pode trazer para os alunos significados para o conteúdo que

estão aprendendo. Além disto, a HM pode contribuir para a apresentação das motivações de matemáticos para

desenvolverem seus estudos e a aplicação destes ao longo do tempo, o que também pode contribuir para aprendizagem

matemática.

2.3 A História da Matemática para apresentar motivações e aplicações

A falta de compreensão dos alunos com relação a utilização ou aplicação de alguns conteúdos matemáticos,

de acordo com Mendes (2006), pode levá-los a um certo desinteresse pela Matemática, situação que pode gerar

obstáculos no processo de aprendizagem. (MENDES, 2006)

Neste sentido, a HM pode ser utilizada para a superação de tais obstáculos, já que por meio dela, pode-se

mostrar a aplicação de um determinado conceito ao longo do tempo. Por meio de um viés histórico pode-se apresentar

que as aplicações de conceitos matemáticos mudam ao longo da história, ou seja, que a aplicação atual para um

conteúdo nem sempre foi esta. A HM, também, pode mostrar que nem todos os conteúdos matemáticos tiveram a sua

utilização instantânea (BROLEZZI, 1991).

Além disto, a HM pode ter um papel importante no ensino de Matemática, pois através dela podemos mostrar

aos alunos as motivações que levaram vários estudiosos a se interessarem pela Matemática. Neste sentido, a HM pode

mostrar que o desenvolvimento de alguns conteúdos pode ter sido motivado por questões utilitárias e que outros pode

ter sido motivado por questões relativas a própria Matemática ou a problemas de outras ciências. Assim, é possível

apresentar aos estudantes que "[...] ter significado não é o mesmo que ter aplicações práticas" (BROLEZZI, 1991,

p.66).

A HM pode contribuir também, para uma mudança de percepção e de atitude do estudante com relação a

Matemática, situação que pode contribuir com seu ensino na Educação Básica.

2.4 A História da Matemática para a mudança de percepção sobre a Matemática e promoção de valores no

ensino de Matemática

A Matemática, de forma geral, é apresentada aos alunos de forma organizada e lógica, dando a impressão

que ela está pronta e acabada e que seus conteúdos estão estabelecidos de forma natural. Assim, não é apresentado o

processo de construção que o conhecimento matemático passou ao longo dos anos, seus entraves e seus significados

em diferentes momentos da história, até chegar nessa estrutura que conhecemos atualmente. (MIGUEL, 1997). Nesse

sentido, ao se recorrer a HM “[...] uma Matemática viva, em progresso, ou seja, em construção, surge aos olhos dos

Page 360: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Por que utilizar a História da Matemática no ensino de Matemática? Concepções de professores...

352 Anais do XII SNHM -2017

alunos” (BROLEZZI, 1991, p.1).

Assim, a História da Matemática pode auxiliar na mudança da visão que muitos estudantes possuem sobre a

Matemática como uma ciência exata pronta e acabada, engessada, estática, ahumana e asocial. Fossa (2008), indica

que a HM pode ser utilizada para apresentar a Matemática “[...] como um produto cultural, naturalmente embutido na

cultura humana”(p.9).

Assim, a HM possibilita a apresentação da Matemática como uma criação humana, que foi produzida não

somente por “gênios” do sexo masculino e sim, por homens e mulheres que tiveram erros e dificuldades no processo

de construção do conhecimento. Neste sentido, Cavalari (2010), afirma que a HM e “[...] a história das mulheres nesta

ciência pode ser um interessante recurso a ser utilizado em sala de aula, pois permite a desmistificação da difundida

crença que a ciência e a matemática são territórios essencialmente masculinos” (p. 2-3).

Mudar a percepção da Matemática engessada, estática, ahumana e asocial pode, de acordo com Miguel

(1997), contribuir para o ensino e aprendizagem da Matemática. Pois, para este autor, apresentar os processos

realizados durante o desenvolvimento dos conteúdos matemáticos, mostrando os erros, as dificuldades, os anseios que

passaram os (as) matemáticos (as), poderia trazer aos alunos uma postura para enfrentarem os problemas com coragem

e persistência para buscar soluções para o desenvolvimento de novos valores.

Entendemos que dessa maneira a HM é uma poderosa estratégia didática capaz de trazer aos alunos elementos

para que eles enxerguem que o conhecimento matemático que temos acesso hoje foi (e ainda é) produzido por pessoas,

situação que acaba deixando a Matemática mais humanizada.

Após estas breves explanações sobre algumas justificativas apresentadas por pesquisadores da área de

História da Matemática e/ou Educação Matemática acerca da utilização da HM no ensino de Matemática, exporemos

as justificativas para a utilização da HM apresentadas pelos professores que participaram desta investigação.

3. A utilização da História da Matemática por professores do Ensino Médio das escolas públicas de Itajubá MG

Os participantes desta investigação, conforme já apontado, são 13 docentes que no ano de 2015, lecionaram

Matemática no Ensino Médio de escolas públicas do município de Itajubá. Dentre eles, apenas dois não tiveram

contato com a HM no decorrer de sua formação acadêmica, sendo que um destes não é Licenciado em Matemática.

Este fato nos chamou atenção pois não é raro encontrar como justificativa para a falta de utilização da HM no ensino

de Matemática, o pouco conhecimento dos docentes acerca da HM e suas possibilidades didáticas.

Destacamos que todos os docentes indicaram que é importante trabalhar a HM nas aulas desta disciplina na

Educação Básica. As justificativas destes docentes para tal utilização no Ensino Médio foram classificadas em três

agrupamentos, a saber: o uso da HM como fonte de curiosidade e motivação; a HM como contextualização e Sentido

e aprendizagem através da HM.

No primeiro agrupamento denominado “HM como fonte de curiosidade e motivação” reunimos as respostas

que apresentavam a ideia de que a HM seria importante por ser motivadora ou por apresentar curiosidades ou, ainda,

por ser um momento de descontração na aula de Matemática. Destacamos que aproximadamente 54% dos professores

participantes da pesquisa, apresentam nas suas respostas justificativas que se encaixam nesse agrupamento. Para

exemplificar apresentamos a ideia do professor D e do professor M.

“a história da matemática é importante e deve ser utilizada, mas de uma forma descontraída e

prazerosa de conhecer” (Professor D).

" para desenvolver a curiosidade e o interesse do aluno" (Professor M).

No segundo agrupamento “HM como contextualização” foram reunidas as respostas de 23% dos professores

que traziam a ideia de que a HM é importante para apresentar os contextos do desenvolvimento de alguns conceitos

matemáticos e suas aplicações ao longo do tempo como podemos observar nas respostas a seguir, que exemplificam

Page 361: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

353 Anais do XII SNHM -2017

este agrupamento.

“A matemática deve ser apresentada como uma ferramenta para a solução de problemas. Por isso,

problemas passados, a situação em que estavam inseridos, devem ser apresentados” (Professor F).

“Na utilização da história da matemática vai mostrar necessidades e preocupações de diferentes

culturas, em diferentes momentos históricos, ao estabelecer comparações entre os conceitos e

processos matemáticos do passado e do presente” (Professor J).

No terceiro agrupamento, intitulado “Sentido e aprendizagem através da HM”, representa aproximadamente

23% das respostas nas quais as ideias centrais eram que a HM é relevante para apresentar a possibilidade de utilizar

questões históricas para a compreensão dos conceitos matemáticos trazendo sentido e significado para o conteúdo que

o aluno está aprendendo como podemos ver no exemplo a seguir.

“[...] porque considero que os alunos precisam conhecer um pouco da matemática para poder

compreendê-la melhor, entender o pensamento dos grandes matemáticos, e desenvolver o seu

pensamento matemático e o seu raciocínio” (Professor H)

Estes dados indicam que a grande maioria dos professores que fazem parte da nossa pesquisa, entendem que

a HM tem um papel motivador. De acordo com a literatura, conforme apontado anteriormente, está é uma visão um

pouco simplista da utilização da HM.

Embora todos os professores tenham indicado que a HM é relevante para o ensino de Matemática e tenham

justificado a sua utilização, mesmo que não sendo da forma que entendemos ser mais adequada, as respostas dos

questionários indicam que 54% dos docentes participantes da investigação usam a HM com seus alunos.

Portanto, concluímos que apesar de grande parte dos professores terem tido contato com a HM, a maioria

justifica a sua utilização como forma de motivação. Assim, entendemos que a HM pode estar sendo subutilizada e o

seu potencial pedagógico pode estar sendo pouco aproveitado. Tal situação fica evidente quando comparamos os

nossos resultados com os de Souto (1997) e Feliciano (2008), pois, apesar do distanciamento dessas pesquisas com a

nossa observamos que as justificativas apresentadas pelos professores para utilização da HM são bem parecidas com

os resultados encontrados por eles. Principalmente a justificativa do uso da HM como fonte de motivação para os

alunos aprenderem Matemática.

4 Considerações Finais

Esta pesquisa foi realizada com o intuito de identificar as justificativas dos professores de Matemática, que

atuam no Ensino Médio no Município de Itajubá, sobre a utilização da HM na sala de aula. Os resultados indicam que

apesar do crescimento de trabalhos e pesquisas sobre HM, e do fato que a maioria destes docentes terem tido contato

com a HM em sua formação, a utilização de elementos históricos de forma mais efetiva ainda não é vista como uma

possibilidade pedagógica que possa apresentar aos alunos significados ao conhecimento matemático.

Diversos fatores podem contribuir para tal concepção e está pode ter uma relação com a forma que a HM foi

apresentada a esses professores durante sua trajetória acadêmica. Neste sentido, ressaltamos a relevância da realização

de investigações que tenham como foco a HM nos cursos de formação de Professores, procurando analisar como esta

temática está sendo trabalhado para poder ser utilizado na Educação Básica.

Page 362: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

Por que utilizar a História da Matemática no ensino de Matemática? Concepções de professores...

354 Anais do XII SNHM -2017

Bibliografia

BRASIL, Secretaria de Educação Básica. Orientações curriculares para o Ensino Médio. Brasília: MEC/SEB. Vol

2: Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. 2006, 135p.

BROLEZZI, Antonio Carlos. A Arte de Contar: Uma Introdução ao Estudo do Valor Didático da História da

Matemática. 1991. 75p. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo,

São Paulo, 1991.

CAVALARI, Mariana Feiteiro. “História, mulheres e educação matemática”. Anais virtuais do Encontro Nacional

de Educação Matemática, v. 10, Salvador: 2010. Disponível em:

http://www.lematec.net.br/CDS/ENEM10/artigos/CC/T6_CC1355.pdf acesso em set. 2016.

FELICIANO, Lucas Factor. O Uso da História da Matemática em Sala de Aula: o que pensam alguns professores

do ensino básico. 2008. 171p. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) - Instituto de Geociências e Ciências

Exatas, UNESP, Rio Claro: SP, 2008.

FOSSA, John Andrew. “Matemática, História e Compreensão”. Revista Cocar, v. 2, p. 7-15, 2008. Disponível em

<http://páginas.uepa.br/seer/index.php/cocar/article/view/77>. Acesso em: 04 mar. 2016.

MENDES, Iran Abreu. “A investigação histórica como agente da cognição Matemática na sala de aula”. In: MENDES,

Iran Abreu; FOSSA, John A.; VALDÉS, Juan E. Nápoles. A história como um agente de cognição na Educação

Matemática. Porto Alegre: Sulina, 2006, 182p.

MIGUEL, Antonio. “As potencialidades pedagógicas da História da Matemática em questão: argumentos reforçadores

e questionadores”. Zetetiké, Campinas, v. 5, n. 8, p. 73-105, jul./dez. 1997.

SOUTO, Romélia Mara Alves. História e Ensino da Matemática: Um Estudo Sobre as Concepções do Professor do

Ensino Fundamental. 1997. 191p. Dissertação (Mestrado em Educação) - UNESP, Rio Claro: SP. 1997.

VALDÉS, Juan. E. Nápoles. “A história como elemento unificador na educação matemática”. In: MENDES, I. A.;

FOSSA, J. A.; VALDÉS, J. E. N. A História como um agente de cognição na Educação Matemática. Porto Alegre:

Editora Sulina, 2006, pp. 15-78.

VIANNA, Carlos Roberto. Matemática e História: Algumas Relações e implicações pedagógicas. 1995. 228p.

Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidad.

Marcos Roberto dos Santos

Departamento de Matemática – IFSULDEMINAS –

campus de Inconfidentes – Brasil

E-mail: [email protected]

Mariana Feiteiro Cavali

Departamento de Matemática – UNIFEI – campus

de Itajubá – Brasil

E-mail: [email protected]

Page 363: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

355 Anais do XII SNHM -2017

PROGRAMAÇÃO

Conferências

Conferência de Abertura (Auditório da Elétrica)

O início da Historiografia em russo sobre a Matemática Islâmica

Profa. Dra. Bernadete Morey (UFRN)

Conferência Paralela 1 (Auditório da Elétrica)

O uso do Repositório de Conteúdo Digital nas pesquisas em História da Educação Matemática

Prof. Dr. David Costa (UFSC)

Conferência Paralela 2 (Sala LIA - CEDUC)

A matemática no Parmênides de Platão: um exemplo de como a filosofia pode auxiliar a História da Matemática

antiga Prof. Dr. Gustavo Barbosa (UNESP Rio Claro)

Conferência Paralela 3 (Auditório da Elétrica)

Tese apresentada em concurso da cátedra de Geometria preliminar e Trigonometria Rectilínea, perante o

Gymnasio Espirito-Santense 1918

Prof. Dr. Moysés Gonçalves Siqueira Filho (UFES)

Conferência Paralela 4 (Sala LIA - CEDUC) Cartas de matemáticos estrangeiros sobre a atmosfera brasileira no início da década de 1970 - Profa. Dra. Lucieli

Maria Trivizoli (UEM)

Conferência de Encerramento (Auditório da Elétrica) História das Enciclopédias e suas contribuições para a Historiografia da Matemática. Prof. Dr. Sergio Roberto Nobre

(UNESP – Rio Claro)

Discussões Temáticas

Discussão Temática 1 (Auditório da Elétrica): História da Educação Matemática e Formação de Professores:

passado, presente e futuro.

Maria Célia Leme da Silva (UNIFESP – Diadema) - Organizadora

Maria Ednéia Martins Salandim (UNESP – Bauru)

Carlos Miguel Silva Ribeiro (UNICAMP – Campinas)

Discussão Temática 2 (Auditório da Elétrica) História da Matemática para a Educação Matemática.

Iran Abreu Mendes (UFRN – Natal) – Organizador.

Cristiane Borges Ângelo (UFPB)

Edilene Simões Costa (UFMS)

Discussão Temática 3 (Sala LIA – CEDUC)

Pesquisa em História da Matemática: Problemas e Conceitos de Matemática.

Gérard Émile Grimberg (UFRJ) – Organizador.

Marcos Vieira Teixeira (UNESP – Rio Claro)

Manoel de Campos Almeida (Emérito PUC-PR e UFPR)

Page 364: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

356 Anais do XII SNHM -2017

Mesas Redondas

Mesa Redonda 1(Auditório da Elétrica

A internacionalização da Pesquisa em História da Matemática e História da Educação Matemática.

Wagner Rodrigues Valente (UNIFESP) (organizador)

Luis Manuel R. Saraiva (Faculdade de Ciências de Lisboa)

Barbara Diesel Novaes (UFTPR)

Mesa Redonda 2 (Auditório da Elétrica)

Caminhos para a Utilização da História da Matemática na Educação Matemática.

Iran Abreu Mendes (Organizador)

Fumikazu Saito (PUC-SP).

Miguel Chaquiam (UFPA).

Minicursos

MC 1 (Sala LIA)

O Cálculo Diferencial e Integral de Newton e Leibniz : aproximações e dis-tanciamentos na descoberta - Angélica

Raiz Calabria (UNIARARAS) e Sabrina Helena Bonfim (UFMS)

MC 2 (Sala de Pesquisa em Ensino de Física (IFQ))

História da Matemática na Formação de Professores: Sistemas de Numeração Antigos - Bernadete Barbosa Morey

(UFRN) e Gesivaldo dos Santos Silva (IFPI).

MC 3 (LabFor)

Uma História da Integral: de Arquimedes a Lebesgue João Cláudio Brandemberg (UFPA)

MC 4 (Laboratório de Ensino de Química - IFQ)

O Ensino de Aritmética por Meio de Instrumentos: : Uma Abordagem utilizando a obra Rabdologiae, seu

numerationis per virgula. Ana Carolina Costa Pereira (UECE) e Eugeniano Brito Martins (IFCE - Campus

Jaguaribe)

MC 5 (Anfiteatro 2 da Física - IFQ)

Pesos e Medidas do Brasil Colonial, Tradição e Cultura nos dias atuais: um novo tema para as aulas de matemática

no ensino básico. Elenice de Souza Lodron Zuin (PUC Minas) e Nádia Aparecida dos Santos Sant’Ana (PUC

Minas)

MC 6- (Laboratório de Ensino de Matemática - IMC)

História da Matemática em livros didáticos de Matemática do Ensino Médio. Elisângela Miranda Pereira

(UNIFEI/CEFET-MG) e Mariana Feiteiro Cavalari (UNIFEI)

MC 7- (LDC 2 - IMC)

Construções da Geometria do Compasso de Lorenzo Macheroni (1750-1800) em atividades com software de

matemática dinâmica. José Damião Souza de Oliveira (UFRN) e Giselle Costa de Sousa (UFRN)

MC 8- (LMS II - IESTI)

A Regressão Linear de Francis Galton (1822-1911) sendo reconstruída por meio das TIC para estudar Função Afim

de padrões de medidas. Juliana M. Schivani Alves (UFRN) e Giselle Costa de Sousa (UFRN)

MC 9 – (Miniauditório da PRPPG)

Boole, Cayley e Sylvester: o uso de seus métodos para o cálculo de Invariantes de polinômios homogêneos. Kleyton

Vinicyus Godoy – Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da UNESP-Rio Claro e

Page 365: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

357 Anais do XII SNHM -2017

Douglas Gonçalves Leite (mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da UNESP-Rio

Claro).

MC 10 (Anfiteatro 1 da Física - IFQ) - A Matemática a Ensinar e a Matemática para Ensinar: novos estudos sobre a

formação de professores – Luciane de Fatima Bertini e Wagner Rodrigues Valente – (UNIFESP)

Comunicações Orais

Segunda-feira 10/04/2017 das 10:10 às 11:10

Sessão 1 (LabFOR - CEDUC)

10:10 - HISTÓRIA E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: UMA EXPERIÊNCIA COM O MÉTODO DA FALSA

POSIÇÃO

Daniele Aparecida de Oliveira, Edilson Expedito da Silva Lima, Eliane Matesco Cristovão, Karine Reis Pereira

10:40 - EXPERIÊNCIAS COM HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Claudia A. C. de Araujo Lorenzoni

Sessão 2 (Anfiteatro 1 da Física - IFQ)

10:10 - ENSINO DE SISTEMAS DE NUMERAÇÃO BASEADO EM INFORMAÇÕES HISTÓRICAS: UM

ESTUDO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Eliane Siviero da Silva, Lucieli M. Trivizoli

10:40 - NOTICIÁRIO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MATEMÁTICA

Viviane de Oliveira Santos

Sessão 3 (Anfiteatro 2 da Física - IFQ):

10:10 - CADERNOS ESCOLARES COMO FONTES DE ESTUDO PARA A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA DO

BRASIL: PRIMEIRAS PERCEPÇÕES

Bruna Lima Ramos

10:40 - A TRAJETÓRIA DE UM ACERVO DE LIVROS ANTIGOS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A

SUA CONSTITUIÇÃO

Jean Sebastian Toillier, Dulcyene Maria Ribeiro

Sessão 4 (Sala Mahle - IEPG):

10:10 - GUILHERME DE LA PENHA EM ITAJUBÁ (MG)

Miguel Chaquiam

10:40 -GUILHERME DE LA PENHA E O COMETA HALLEY: ASTRONOMIA, FÍSICA E MATEMÁTICA

DESFAZENDO MITOS E CRENDICES

Alailson Silva de Lira, Miguel Chaquiam

Page 366: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

358 Anais do XII SNHM -2017

Terça-feira 11/04/2017 das 10:10 às 11:10

Sessão 5 (LabFOR - CEDUC)

10:10 - REFLEXÕES ACERCA DO POSITIVISMO NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX: UM ESTUDO

SOBRE OS LIVROS DIDÁTICOS DE ANDRÉ PEREZ Y MARIN

Adriana de Bortoli, Marta Figueredo dos Anjos

10:40 - REVISTA EDUCAÇÃO (1929): INFLUÊNCIA DA PROPOSTA CENTROS DE INTERESSE NO

ENSINO DE MATEMÁTICA DO ENSINO PRIMÁRIO.

Juliana Chiarini Balbino Fernandes

Sessão 6 (Anfiteatro 1 da Física - IFQ)

10:10 - A PRÁTICA DA MATEMÁTICA SOB UMA DITADURA: A VINDA DE MAURICE FRÉCHET A

PORTUGAL EM 1942

Luis Manuel Ribeiro Saraiva

10:40 - HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA MATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Romélia Mara Alves Souto

Sessão 7 (Anfiteatro 2 da Física - IFQ)

10:10 - LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA MODERNA: UM ESTUDO DO INTERIOR PAULISTA, A

PARTIR DE DEPOIMENTOS DE PROFESSORES QUE ENSINARAM MATEMÁTICA.

Zionice Garbelini Martos Rodrigues

10:40 - ARTE E MATEMÁTICA NOS MÓDULOS DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA DO

PROJETO LOGOS II

Cristiane Talita Gromann de Gouveia, Sérgio Candido de Gouveia Neto

Sessão 8 (Auditório do CERIn)

10:10 - LIBELLUS DE QUINQUE CORPORIBUS REGULARIBUS: UMA ANÁLISE GEOMÉTRICA DE

PIERO DELLA FRANCESCA

Vagner Moraes, Maria Helena Roxo Beltran

10:40 - JEAN-VICTOR PONCELET E AS (RE)EDIÇÕES DE SUAS OBRAS

Gerard Emile Grimberg, Jansley Alves Chaves

Sessão 9 (Auditório do EXCEN)

10:10 - UM PROJETO DE EXTENSÃO ENVOLVENDO HISTÓRIA DA MATEMÁTICA, LABORATÓRIO DE

ENSINO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Severino Barros de Melo, Roberto Brasilino Silva de Oliveira

10:40 - A GEOMETRIA PARA ENSINAR EM TEMPOS INTUITIVOS (1890-1900)

Gabriel Luís da Conceição

Sessão 10 - (Auditório da BIM)

10:10 - O USO DE EPISÓDIOS DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA EM UMA TAREFA DIDÁTICA VISANDO

A PRODUÇÃO DE SIGNIFICADO

Benjamim Cardoso da Silva Neto, Fabiana Leal Nascimento

Page 367: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

359 Anais do XII SNHM -2017

10:40 - A HISTÓRIA DA EQUAÇÃO DE SEGUNDO GRAU: O QUE PENSAM OS ALUNOS OS ALUNOS DO

ENSINO MÉDIO

Júlio César Cabral, Alexandre Mendes Muchon, Alan Augusto Silva Souza

Quarta-feira 10/04/2017 das 08:00 às 10:30

Sessão 11 (LabFOR - CEDUC)

08:00 - A MATEMÁTICA ISLÂMICA NA IDADE MÉDIA: A ÁLGEBRA DE SHARAF AL-DīN AL-TūSī

Severino Carlos Gomes, Bernadete Barbosa Morey

08:30 - UMA VISÃO DOS LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA ACERCA DA BALESTILHA COMO

RECURSO DIDÁTICO PARA O ESTUDO DE CONCEITOS GEOMÉTRICOS E TRIGONOMÉTRICOS

Antonia Naiara de Sousa Batista

09:00 - CONTADORES E SEUS LIVROS DE MATEMÁTICA COMERCIAL E FINANCEIRA NO BRASIL DO

INÍCIO DO SÉCULO XX

Sérgio Candido de Gouveia Neto, Cristiane Talita Gromann de Gouveia

09:30 - NOÇÕES DE ARITMÉTICA EM MANUAIS PEDAGÓGICOS: ORIENTAÇÕES AO PROFESSORADO

(1880-1910)

Viviane Barros Maciel

10:00 - HISTÓRIA EM SALA DE AULA: RESOLUÇÃO DE EQUAÇÃO DE PRIMEIRO GRAU

Elisangela Dias Brugnera, Circe Mary Silva da Silva Dynnikov

Sessão 12 (Anfiteatro 1 da Física - IFQ)

08:00 - APONTAMENTOS INICIAIS SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DE EUGÊNIO DE BARROS RAJA

GABAGLIA PARA A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NO BRASIL

Juliana Martins

08:30 - ESTUDANDO O CONCEITO PIRÂMIDES A PARTIR DO PROBLEMA 56 DO PAPIRO DE RHIND:

UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DO USO DE FONTES PARA INSERIR ASPECTOS HISTÓRICOS EM

SALA DE AULA

Ana Carolina Costa Pereira, Isabelle Coelho da Silva

09:00 - BUSCANDO IDEIAS GEOMÉTRICAS NA REVISTA AL-KARISMI (1946-1951): UM

LEVANTAMENTO HISTÓRICO NO DISCURSO DE MALBA TAHAN

Flávia de Fatima Santos Silva, Cristiane Coppe de Oliveira

09:30 - A HISTÓRIA DAS MATRIZES AOS TEMPOS DE SUA CRIAÇÃO COMO ESTRUTURAS

ALGÉBRICAS

Késia Caroline Ramires Neves

10:00 - UM HISTÓRICO EPISTEMOLÓGICO DAS MATRIZES

José Messildo Viana Nunes, Fernando Cardoso de Matos

Sessão 13 (Anfiteatro 2 da Física - IFQ)

08:00 -SOBRE O CHRISTOPHORI CLAVII EPITOME ARITHMETICAE PRACTICAE (1614)

João Cláudio Brandemberg

08:30 - MEDIDAS LINEARES NA HISTÓRIA, MEDIDAS LINEARES NOS LIVROS DA ARITMÉTICA

ESCOLAR NO BRASIL

Elenice de Souza Lodron Zuin

Page 368: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

360 Anais do XII SNHM -2017

09:00 - DESAFIOS E CONTROVÉRSIAS MATEMÁTICAS ENTRE ADRIAAN VAN ROOMEN E FRANÇOIS

VIÈTE

Zaqueu Vieira Oliveira

09:30 - SUPERFÍCIES ORTOGONAIS: O CASO DE UMA PRÁTICA COMUM FRANCESA DO SÉCULO XIX

Leandro Silva Dias, Gérard Emile Grimberg

10:00 - SUPERFÍCIES MÍNIMAS: DE DIDO ÀS PESQUISAS NO BRASIL

Fernanda Alves Caixeta, Tânia Maria Machado de Carvalho

Sessão 14 - (Auditório da BIM)

08:00 - ALGUMAS BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TRATADOS DE GEOMETRIA PRÁTICA

PUBLICADOS NO CONTEXTO DO “SABER-FAZER” MATEMÁTICO QUINHENTISTA

Fumikazu Saito

08:30 - ESCOLA KERALA DE MATEMÁTICA E ASTRONOMIA: CONTRIBUIÇÕES AO

DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO

Davidson Paulo Azevedo Oliveira, Douglas Gonçalves Leite, Maria Maroni Lopes

09:00 - AS REDUÇÕES AO IMPOSSÍVEL NOS ELEMENTOS DE EUCLIDES: CARACTERÍSTICAS

ESTRUTURAIS, TEXTUAIS E EPISTEMOLÓGICAS

Gustavo Barbosa

09:30 - A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA COMO FONTE DE SENTIDOS

Edilene Simões Costa dos Santos

Sessão 15 (Auditório do EXCEN)

08:00 - O SEGUNDO DOUTOR EM CIÊNCIAS MATEMÁTICAS NO BRASIL: JOÃO BAPTISTA DE

CASTRO MORAES ANTAS

Mônica de Cássia Siqueira Martines

08:30 - O MANUSCRITO SOBRE GEOMETRIA DIFERENCIAL LOCALIZADO NA BIBLIOTECA DA

SOCIEDADE LITERÁRIA E BENEFICENTE 5 DE AGOSTO NO MUNICÍPIO DE VIGIA (PA)

Ana Paula Nascimento Pegado Couto, Rosineide de Sousa Jucá, Miguel Chaquiam

09:00 - TEOREMA DE TALES EM SALA DE AULA: UMA PROPOSTA APOIADA NA HISTÓRIA DA

MATEMÁTICA E EM ATIVIDADES INVESTIGATÓRIAS

Márcia Nunes dos Santos, Marger da Conceição Ventura Viana

09:30 - AS MATEMÁTICAS NA ENCYCLOPÉDIE E O CASO DA MÚSICA

Carla Bromberg

10:00 - UMA HISTÓRIA DOS NÚMEROS COMPLEXOS: DE NICOLAS CHUQUET A CARL FRIEDRICH

GAUSS

Cláudia Gonçalves Balbino, Miguel Chaquiam

Sessão 16 (Sala LIA - CEDUC)

08:00 - INTERCÂMBIOS DE ESTUDANTES E PROFESSORES: RELAÇÕES MATEMÁTICAS ENTRE

BRASIL E A UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA - BERKELEY

Lucieli M. Trivizoli

Page 369: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

361 Anais do XII SNHM -2017

08:30 - COMPREENSÕES HISTÓRICAS SOBRE A INSERÇÃO DA ÁLGEBRA LINEAR COMO DISCIPLINA

NA FORMAÇÃO SUPERIOR EM MATEMÁTICA NO ESPÍRITO SANTO

Ligia Arantes Sad, Marina Gomes dos Santos

09:00 - HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E ENSINO DE MATRIZES NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:

REFLEXÕES SOBRE REGRAS METADISCURSIVAS RELACIONADAS A MATRIZES E DETERMINANTES

Aline Caetano da Silva Bernardes

09:30 - O CURSO DE MATEMÁTICA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ SOB A

PERSPECTIVA DE UM DE SEUS PRECURSORES

Antonio Peixoto de Araujo Neto, Lucieli M. Trivizoli

10:00 - POR QUE UTILIZAR A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NO ENSINO DE MATEMÁTICA?

CONCEPÇÕES DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA DO ENSINO MÉDIO DO MUNICÍPIO DE ITAJUBÁ-

MG

Marcos Roberto dos Santos, Mariana Feiteiro Cavalari

Pôsters (CEDUC)

Segunda-feira 10/04/2017 das 15:30 às 16:10

ÁLGEBRA E PROBABILIDADE NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: PROPONDO

ATIVIDADES SEGUNDO AS EXPECTATIVAS DE UMA BASE NACIONAL CURRICULAR COMUM

(BNCC) EM ELABORAÇÃO

Amanda Moura da Rocha, João Cláudio Brandemberg

A ATUAÇÃO DO CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA DA UECE: UMA ANALISE DA

FORMAÇÃO DO PROFESOR DE MATEMÁTICA

Mirla Braz Braga

A BALESTILHA COMO UM RECURSO ARTICULADOR DE CONCEITOS GEOMÉTRICOS E

TRIGONOMÉTRICOS: UMA PONTE PARA CONSTRUIR UMA INTERFACE ENTRE HISTÓRIA E ENSINO

Ana Carolina Costa Pereira, Antonia Naiara de Sousa Batista

A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E SUA ARTICULAÇÃO COM A EDUCAÇÃO BÁSICA EM DISCIPLINAS

DOS CURSOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE UNIVERSIDADES FEDERAIS LOCALIZADAS NO

ESTADO DE MINAS GERAIS

Silvia Raquel Aparecida de Moraes

A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NOS LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO MÉDIO: RELAÇÕES E

ABORDAGENS

Francisco Wagner Soares Oliveira, Ana Cláudia Gouveia de Sousa

A HISTÓRIA DO CONCEITO DE FUNÇÃO A PARTIR DOS PERÍODOS CONSIDERADOS POR

YOUSCHKEVITCH: ANTIGUIDADE, IDADE MÉDIA E IDADE MODERNA

Luciana Vieira Andrade, Giselle Costa de Sousa

A HISTÓRIA DA GEOMETRIA NO ENSINO FUNDAMENTAL: ELABORAÇÃO DE UM CATÁLOGO E

POSSÍVEIS ABORDAGENS HISTÓRICAS

Karoline Marcolino Cardoso

A INCOMENSURABILIDADE DO LEGADO PITAGÓRICO

Edilson Expedito da Silva Lima

A INSERÇÃO DA DISCIPLINA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NA PRATICA DOCENTE NO CURSO DE

LICENCIATURA EM MATEMÁTICA NA UFRPE

Page 370: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

362 Anais do XII SNHM -2017

Severino Barros de Melo

A UTILIZAÇÃO DE FONTES HISTÓRICAS PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA: UM ESTUDO CRÍTICO

SOBRE A ARTICULAÇÃO ENTRE HISTÓRIA E ENSINO

Isabelle Coelho da Silva

AS PRÁTICAS MATEMÁTICAS HISTÓRICAS POR MEIO DE UBP E SUA INSERÇÃO NO ENSINO: UMA

PROPOSTA A PARTIR DA OBRA MATEMÁTICA LÚDICA

Marina Oliveira Tavares

CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA HISTÓRIA DA GEOMETRIA ANALÍTICA: OS LUGARES PLANOS DA

OBRA “INTRODUÇÃO A LUGARES PLANOS E SOLIDOS” DE PIERRE DE FERMAT

Letícia Sousa Carvalho

CONTRIBUIÇÕES DOS MÉTODOS HISTÓRICOS PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA VIA

COMPREENSÃO RELACIONAL

Georgiane Amorim Silva

PLATÃO E OS SÓLIDOS: UMA HISTÓRIA PARA USO EM SALA DE AULA

Maria Paula Duarte O’de Almeida, Miguel Chaquiam

UMA HISTÓRIA DO CONCEITO DE FUNÇÃO PARA USO EM SALA DE AULA

Lucas Antônio Mendes de Lima ,Mayara Gabriella Grangeiro Pereira, Miguel Chaquiam

Terça-feira 11/04/2017 das 15:30 às 16:10

DISCURSOS REFLETORES DE PRÁTICAS DOS PROFESSORES COM A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

Vanessa Cristina Rhea, Vanessa Cristina Rhea

EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS: HISTÓRIA E APLICAÇÕES

Maria Angélica Dantas, Wallisom Rosa

ESTUDANDO FONTES HISTÓRICAS BRASILEIRAS PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA POR MEIO DE

SEQUÊNCIAS DIDÁTICA NA OBRA AL-KARISMI

Jeyze Santos de Sousa

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E ENSINO: CONCEPÇÃO DE LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA SOBRE

A RÉGUA DE CÁLCULO CIRCULAR COMO RECURSO DIDÁTICO

Verusca Batista Alves

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA EM LIVROS DIDÁTICOS DOS ANOS INICIAIS: PRIMEIRAS

OBSERVAÇÕES

Lorena Carolina Rosa Biffi, Eliane Siviero da Silva, Lucieli Maria Trivizoli da Silva

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: A ÁLGEBRA DE BOOLE EM LIVROS DE

ELETRÔNICA DIGITAL

Giuseppe Tognere Polonini, Fabricio Bortolini de Sá

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: UMA ANÁLISE DE GRAFOS E LEIS DE

KIRCHHOFF EM LIVROS DE CIRCUITOS DE CORRENTES CONTÍNUAS

Joice Souza Soares, Lauro Chagas e Sá

Page 371: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

363 Anais do XII SNHM -2017

MAPEAMENTO DA DISCIPLINA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS

LOCALIZADAS NA REGIÃO NORTE DO BRASIL

Bruno Vinicius da Silva, Mariana Feiteiro Cavalari

MATEMÁTICA RECREATIVA NA IDADE MÉDIA

Karolina Barone Ribeiro da Silva

O USO DE MATERIAIS MANIPULÁVEIS ALIADO A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: UMA EXPERIÊNCIA

NA EXPLORAÇÃO DAS GEOMETRIAS NÃO EUCLIDIANAS NA FORMAÇÃO DOCENTE

Lucas Ferreira Gomes, Eliane Maria de Oliveira Araman

OLIMPÍADAS DE MATEMÁTICA: MAIS DE 120 ANOS DE HISTÓRIA

Jean Martins de Arruda Santos

POTENCIALIDADES PEDAGÓGICAS DO USO DA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA VISANDO ALCANÇAR

A COMPREENSÃO RELACIONAL

Antonio Batista dos Santos Neto, Georgiane Amorim Silva

SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL: QUIPU

Elaine de Souza Teodosio

CONEXÃO ENTRE QUADRINHOS E HISTÓRIA DA MATEMÁTICA COMO UM RECURSO DIDÁTICO

Isabelly Castelo Braga

UMA ABORDAGEM HISTÓRICO-INVESTIGATIVA PARA A TEORIA DOS GRAFOS NO ENSINO MÉDIO

Lauro Chagas e Sá, Sandra Aparecida Fraga da Silva

Page 372: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

364 Anais do XII SNHM -2017

Page 373: Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática

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