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ANALISANDO AS HABILIDADES DE LEITURA E DE ESCRITA DE CRIANÇAS EM PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO Larissa Naiara Souza de Almeida 1 INTRODUÇÃO O objetivo deste artigo é analisar as habilidades de leitura e de escrita de crianças em processo de alfabetização, visto que a aprendizagem destas é extremamente valorizada em nossa sociedade, principalmente por serem conhecimentos que garantem a continuidade do processo de aprendizagem das crianças. Sendo assim, cada vez mais a escola tem priorizado práticas de ensino que possam fazer das crianças leitoras e escritoras hábeis em usos sociais da língua escrita em contextos diversificados para atender às demandas comunicativas de interação entre as pessoas. Além disso, percebemos que avanços significativos têm sido alcançados nesse âmbito, como demonstraram os dados do Sistema de Avaliação Permanente da Educação Básica do Ceará (SPAECE), apontando que Um total de 89,60% dos alunos cearenses da rede pública finalizaram o 2º ano do Ensino Fundamental (EF) alfabetizados” (CAVALCANTE; SAMPAIO, 2019, s/p) 2 . Não obstante, ainda que as avaliações mostrem dados positivos sabemos que o processo de alfabetização é demasiadamente complexo e que, para que haja a aprendizagem propriamente dita da leitura e da escrita as crianças precisam se apropriar de uma série de conhecimentos inerentes ao exercício do ato de ler e do ato de escrever, como: identificação das letras, correspondência entre grafemas e fonemas, segmentação das palavras, diferenciação entre letras e números, consciência fonológica, dentre outros. Para a construção dos dados, convidamos dez crianças em processo de alfabetização para responderem nove atividades com foco na leitura e na escrita. As atividades envolveram as seguintes habilidades relacionadas com a leitura e a escrita: 1) Distinção entre letras e 1 Doutoranda do Curso de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará - UFC, Bolsista da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP). E-mail: [email protected] 2 Disponível em: <https://www.ceara.gov.br/2019/05/09/spaece-2018-quase-90-das-criancas- cearenses-estao-alfabetizadas/>.

ANALISANDO AS HABILIDADES DE LEITURA E DE ESCRITA DE ... · rimas, sílabas, sons existentes no início, meio e fim de sílabas com sons diferentes e semelhantes. S S S N P S P N

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ANALISANDO AS HABILIDADES DE LEITURA E DE ESCRITA DE

CRIANÇAS EM PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO

Larissa Naiara Souza de Almeida 1

INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é analisar as habilidades de leitura e de escrita de crianças em

processo de alfabetização, visto que a aprendizagem destas é extremamente valorizada em

nossa sociedade, principalmente por serem conhecimentos que garantem a continuidade do

processo de aprendizagem das crianças.

Sendo assim, cada vez mais a escola tem priorizado práticas de ensino que possam

fazer das crianças leitoras e escritoras hábeis em usos sociais da língua escrita em contextos

diversificados para atender às demandas comunicativas de interação entre as pessoas. Além

disso, percebemos que avanços significativos têm sido alcançados nesse âmbito, como

demonstraram os dados do Sistema de Avaliação Permanente da Educação Básica do Ceará

(SPAECE), apontando que “Um total de 89,60% dos alunos cearenses da rede pública

finalizaram o 2º ano do Ensino Fundamental (EF) alfabetizados” (CAVALCANTE;

SAMPAIO, 2019, s/p)2.

Não obstante, ainda que as avaliações mostrem dados positivos sabemos que o

processo de alfabetização é demasiadamente complexo e que, para que haja a aprendizagem

propriamente dita da leitura e da escrita as crianças precisam se apropriar de uma série de

conhecimentos inerentes ao exercício do ato de ler e do ato de escrever, como: identificação

das letras, correspondência entre grafemas e fonemas, segmentação das palavras,

diferenciação entre letras e números, consciência fonológica, dentre outros.

Para a construção dos dados, convidamos dez crianças em processo de alfabetização

para responderem nove atividades com foco na leitura e na escrita. As atividades envolveram

as seguintes habilidades relacionadas com a leitura e a escrita: 1) Distinção entre letras e

1Doutoranda do Curso de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará -

UFC, Bolsista da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP). E-mail: [email protected] 2 Disponível em: <https://www.ceara.gov.br/2019/05/09/spaece-2018-quase-90-das-criancas-

cearenses-estao-alfabetizadas/>.

números, sinais gráficos e sistemas de representação; 2) Identificação das letras do alfabeto e

distinção entre letras de imprensa e maiúscula, e a cursiva maiúscula e minúscula; 3)

Identificação de rimas, sílabas, sons existentes no início, meio e fim de sílabas com sons

diferentes e semelhantes; 4) Utilização de princípios e as regras ortográficas do sistema de

escrita; 5) Identificação da diferença entre gêneros textuais e localização de informações em

textos de diferentes gêneros; 6) Produção e compreensão de textos curtos; 7) Reconhecimento

da direção correta da escrita, utilização correta da folha (com ou sem pauta) seguindo

corretamente o espaçamento entre palavras, utilização de sinais de pontuação; 8) Capacidade

de entendimento de língua: diferenciação de signos e de significados; 9) Capacidade de

formar palavras.

Dos resultados obtidos, constatamos que apenas uma criança realizou com sucesso

todas as atividades propostas, deste modo, concluímos que é balisar propor práticas

pedagógicas que visem à ampliação do letramento dos aprendizes, além do ensino

sistematizado sobre as características do nosso sistema de escrita alfabética para que as

crianças possam compreender a natureza do funcionamento da língua escrita enquanto um

sistema de representação social, para que possam se engajar em várias práticas de escrita e de

leitura em sociedade.

Assim, esperamos com este artigo suscitar reflexões sobre a necessidade de um ensino

sistematizado que aborde os conhecimentos específicos tanto da área da leitura, como também

os condizentes ao campo da escrita para que assim os professores alfabetizadores

compreendam a multiplicidade de conhecimentos envolvidos durante o processo de

alfabetização com a intenção de ofertar para os aprendizes experiências significativas com a

língua escrita.

METODOLOGIA

A fim de atingir o objetivo proposto convidamos dez crianças, cinco meninos e cinco

meninas3, com idades entre sete e oito anos, matriculadas em uma turma de segundo ano do

Ensino Fundamental, de uma escola da rede pública de ensino da cidade de Fortaleza, para

responderem nove atividades com foco na leitura e na escrita, que foram retiradas e adaptadas

3 O agrupamento de crianças com o mesmo quantitativo de meninas e de meninos se constituiu sem

um viés proposital conforme o desejo das crianças da turma em paticiparem da pesquisa.

da cartilha de alfabetização e linguagem, do fascículo 2 – alfabetização e letramento: questões

sobre avaliação, do Pró-letramento4 (BRASIL, 2008).

As atividades realizadas com crianças tinham o objetivo de avaliar as seguintes

habilidades de leitura e de escrita, 1) Distinção entre letras e números, sinais gráficos e

sistemas de representação; 2) Identificação das letras do alfabeto e distinção entre letras de

imprensa e maiúscula, e a cursiva maiúscula e minúscula; 3) Identificação de rimas, sílabas,

sons existentes no início, meio e fim de sílabas com sons diferentes e semelhantes; 4)

Utilização de princípios e as regras ortográficas do sistema de escrita; 5) Identificação da

diferença entre gêneros textuais e localização de informações em textos de diferentes gêneros;

6) Produção e compreensão de textos curtos; 7) Reconhecimento da direção correta da escrita,

utilização correta da folha (com ou sem pauta) seguindo corretamente o espaçamento entre

palavras, utilização de sinais de pontuação; 8) Capacidade de entendimento de língua:

diferenciação de signos e de significados; 9) Capacidade de formar palavras.

Sobre o desenvolvimento do processo de aplicação das avaliações, optamos por

conduzi-lo de forma individual em uma sala cedida pela instituição escolar das crianças da

seguinte forma: 1) explicitar para as crianças que elas poderiam não realizar as atividades,

caso elas não soubessem fazer o que era solicitado; 2) solicitação da leitura das atividades

pelas crianças; caso as crianças não conseguissem realizar essa leitura, o aplicador deveria ler

para elas; 3) demonstração do que era solicitado por meio de exemplos dados pelo aplicador;

4- esclarecimentos de possíveis dúvidas das crianças.

APONTAMENTOS SOBRE A AQUISIÇÃO DA LEITURA E DA ESCRITA

Saber ler e saber escrever significa uma grande conquista de natureza não apenas

escolar, mas também social, pois é por meio da aquisição desses conhecimentos que

conseguimos nos engajar em várias atividades cotidianas, bem como nos dá a possibilidade de

obter uma formação profissional e, além disso, é base para que demos continuidade ao

desenvolvimento de várias outras aprendizagens ao longo da vida.

As breves constatações citadas evidenciam o porquê da constante preocupação em

alfabetizar as crianças, não apenas para dar aos pequenos aprendizes o sentido de

4 O Pró-Letramento - Mobilização pela Qualidade da Educação - foi um programa de formação continuada de professores para a melhoria da qualidade de aprendizagem da leitura/escrita e

matemática nos anos/séries iniciais do ensino fundamental. Fonte: http://portal.mec.gov.br/pro-

letramento/apresentacao.

pertencimento ao mundo, ao dotá-los de condições para interagirem com a escrita e a leitura

socialmente, mas também por questões econômicas, tendo em vista que um país que não

possui grandes índices de sujeitos alfabetizados e letrados não pode ascender socialmente, e

tampouco economicamente.

Para que a aprendizagem da leitura e da escrita seja significativaa escola deve ir além

do processo de alfabetização, porque esta, em um sentido essencialmente limitado, fica

restrita à mecânica do saber escrever e do saber ler, o que significa ensinar as técnicas de

decodificar para as crianças e esperar que estejam prontas para lidar com a leitura e a escrita

em diferentes contextos sociais, o que não é possível sem o desenvolvimento e o

envolvimento com práticas de letramento.

De acordo com Soares (2019, s/p), o letramento é

[...] o desenvolvimento das habilidades que possibilitam ler e escrever de forma

adequada e eficiente, nas diversas situações pessoais, sociais e escolares em que

precisamos ou queremos ler ou escrever diferentes gêneros e tipos de textos, em

diferentes suportes, para diferentes objetivos, em interação com diferentes interlocutores, para diferentes funções.

Na perspectiva dessa definição trazida por Soares (2019), é possível concluir que para

que haja um pleno desenvolvimento da leitura e da escrita é imprescindível não apenas

assimilar as técnicas de transformar grafemas em fonemas (ler), e de transformar fonemas em

grafemas (escrever), é necessário também letrar,ou seja, entender alfabetização e letramento

como processos indissociáveis.

Contudo, não podemos vislumbrar ações de letramento sem permitir que as crianças

aprendam sobre o funcionamento do nosso sistema de escrita alfabética, pois para o

engajamento nas esferas sociais é necessário dominar as técnicas e convenções da nossa

língua escrita. Sendo assim, no processo de escolarização inicial, mesmo antes da prática

propriamente dita da leitura e da escrita, as crianças devem ser envolvidas em atividades

relacionadas ao exercício destas.

[...] Dito de outro modo, conhecer a “mecânica” ou o funcionamento da escrita

alfabética para ler e escrever significa, principalmente, perceber as relações bastante

complexas que se estabelecem entre os sons da fala (fonemas) e as letras da escrita

(grafemas), o que envolve consciência fonológica da linguagem: perceber seus sons,

como se separam e se juntam em novas palavras etc.[...] (BRASIL, 2018, p.88).

Para que possam conhecer essa mecânica e o funcionamento da escrita alfabética é

necessário trabalhar a aquisição das seguintes habilidades:

Compreender diferenças entre escrita e outras formas gráfica (outros sistemas de

representação); Dominar as convenções gráficas (letras maiúsculas e minúsculas,

cursiva e script); Conhecer o alfabeto; Compreender a natureza alfabética do nosso

sistema de escrita; Dominar as relações entre grafemas e fonemas; Saber decodificar

palavras e textos escritos; Saber ler, reconhecendo globalmente as palavras; Ampliar

a sacada do olhar para porções maiores de texto que meras palavras, desenvolvendo

assim fluência e rapidez de leitura (fatiamento) (BRASIL, 2018, p.91).

Dessa forma, um ambiente alfabetizador deve ser organizado de modo que oportunize

que as crianças vivenciem essas habilidades de leitura e de escrita dentro de propostas

significativas de ensino para que a aprendizagem da alfabetização não seja descontextualizada

de situações reais de uso da língua escrita, pois isso implica em dar sentido à prática da leitura

e a prática da escrita, que devem ser vivenciadas como conhecimentos sociais que existem

para além da escola, e não meramente como subsídios para realização de avaliações externas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para a apresentação dos resultados e posterior discussão dos dados construídos,

inicialmente trazemos um quadro síntese com o desempenho apresentado por cada criança nas

atividades realizadas. Para facilitar a compreensão sobre as informações dispostas na tabela

criamos a seguinte legenda: A – aluno, AT – Atividades, S – Obteve sucesso na realização da

atividade, P – Obteve êxito parcial na atividade e N – Não obteve êxito na resolução das

atividades.

Tabela: Resultado das atividades de leitura e de escrita realizadas com dez crianças do segundo ano do Ensino

Fundamental.

Habilidades de

escrita e de leitura

A1

A2

A3

A4

A5

A6

A7

A8

A9

A

10

AT1

Distinção entre

letras e números,

sinais gráficos e

sistemas de

representação.

S P P P S S S S S S

AT2

Identificação das

letras do alfabeto e

distinção entre

letras de imprensa

e maiúscula, e a

cursiva maiúscula e

minúscula.

S P S N P S P S S S

AT3

Identificação de

rimas, sílabas, sons

existentes no

início, meio e fim

de sílabas com

sons diferentes e

semelhantes.

S S S N P S P N S S

AT4

Utilização dos

princípios e as

regras ortográficas

do sistema de

escrita.

S N P N P S S N S S

AT5

Identificação de

diferenças entre

gêneros textuais e

localização

informações em

textos de diferentes

gêneros.

S P S P P P N N S S

AT6

Produção e

compreensão de

textos curtos.

S N N N N P N N N N

AT7

Reconhecimento

da direção correta

da escrita,

utilização correta

da folha (com ou

sem pauta)

seguindo

corretamente o

espaçamento entre

palavras, utilização

de sinais de

pontuação.

S S N N N N N N P P

AT8

Capacidade de

entendimento de

língua: diferencia

signos e

significados.

S P S S S S N P N N

AT9

Capacidade de

formar palavras.

S

S

S

P

P

P

N

P

S

S

Fonte: elaborada pela autora.

Com base no quadro síntese, é possível perceber que apenas o sujeito A1 conseguiu

realizar com sucesso todas as atividades; O sujeito A2 realizou com sucesso três atividades,

parcialmente realizou quatro, não conseguiu obter êxito em três; o sujeito A3 obteve sucesso

em cinco atividades, parcialmente efetivou três, não obteve êxito em duas; em relação ao

sujeito A4, este conseguiu realizar com sucesso uma única atividade, parcialmente realizou

três, não obteve êxito em seis; o sujeito A5 realizou com sucesso duas atividades,

parcialmente fez seis, não obteve êxito em duas; o sujeito A6 efetivou cinco atividades com

sucesso, parcialmente fez três, não obteve êxito em uma única atividade; o sujeito A7

demonstrou sucesso em realizar três atividades, parcialmente realizou duas, não obteve êxito

em cinco; o sujeito A8 conseguiu fazer com sucesso duas atividades, parcialmente realizou

seis, não obteve sucesso em três delas; no que se refere ao sujeito A9, este realizou com

sucesso sete atividades, parcialmente concluiu uma, não obteve sucesso em duas delas; por

fim, o sujeito A10 realizou com sucesso sete atividades, parcialmente realizou uma, não

obteve sucesso em duas delas.

Analisando tais resultados, constatamos que do quantitativo total de sujeitos que

participaram da pesquisa, apenas um único sujeito conseguiu realizar todas as atividades com

sucesso, o que aponta para muitas dificuldades no que se refere à apropriação da leitura e da

escrita por parte dos demais sujeitos; além disso, essas dificuldades perpassam habilidades

“consideradas simples” quando enfocamos que das dez crianças, cinco delas estavam no nível

intermediário entre o silábico e o silábico alfabético, e as outras cinco crianças estavam na

transição do silábico alfabético para o nível silábico.

O referencial teórico da Psicogênese da Língua Escrita (1986), das autoras Emília

Ferreiro e Ana Teberosky, demonstrou que as crianças antes de iniciarem seus estudos

escolares já apresentam ideias sobre o funcionamento da língua escrita, sendo assim, os

aprendizes vivenciam um percurso evolutivo de hipóteses para se apropriarem da escrita.

Essas hipóteses foram denominadas como: hipótese pré-silábica, hipótese silábica, hipótese

silábico-alfabética e hipótese alfabética.

Dessa forma,essas hipóteses podem ser assim descritas:

pré-silábica – o aprendiz ainda não compreende que a escrita representa os sons das

palavras que falamos, mas faz experimentações diversas, utilizando,

simultaneamente, desenhos e outros sinais gráficos – e, por isso, sua representação

só é entendida ou ‘traduzida’ por ele mesmo [...]; b) hipótese silábica – o aprendiz

percebe os sons das sílabas como segmentos da palavra a ser escrita, mas supõe que

apenas uma letra pode representá-las graficamente, podendo ou não ter o valor

sonoro convencional – por exemplo, BNDA (silábico quantitativo) ou ELFT (silábico qualitativo) são quatro letras que podem representar a palavra elefante; c)

hipótese silábico-alfabética – o aprendiz se encontra em transição entre níveis

psicogenéticos e tanto pode representar sílabas completas como representações

parciais da sílaba por uma só letra: por exemplo, para elefante, ELEFT; d) hipótese

alfabética – o aprendiz compreende o princípio alfabético, percebendo unidades

menores do que as sílabas, os fonemas, e gradualmente domina suas

correspondências com os grafemas (BREGUNCI, 2019, s/p).

Os dados desta pesquisa são reveladores de que é oportuno repensar sobre as práticas

de ensino que estão sendo desenvolvidas em sala de aula com o intento de alfabetizar e letrar

esses discentes. Nessa perspectiva, ancorados em Soares (1998), enfatizamos que para que

exista a compreensão sobre essas capacidades linguísticas de leitura e de escrita é

imprescindível um trabalho pedagógico orientado pelo professor com foco no uso social da

língua escrita, ou seja, nas práticas sociais de uso da leitura e da escrita, e no letramento como

um todo.

Em adendo a esse trabalho pedagógico estabelecido pelo professor com a intenção de

ampliar o letramento das crianças, defendemos que o uso dos gêneros textuais pode colaborar

de forma eficaz para a aprendizagem das mencionadas capacidades linguísticas de leitura e de

escrita. Dito isso, compreendemos que os gêneros textuais corporificam e materializam as

ações de linguagem que perpassam nossas ações em sociedade; ações que requerem a todo o

momento saber interagir com a leitura e a escrita. Além disso, os gêneros textuais permitem

que as crianças percebam como a língua se organiza em nossa sociedade.

De acordo com Marcuschi (2002, p.22),

Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para

referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que

apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos,

propriedades funcionais, estilo e composição característica. Se os tipos textuais são

apenas meia dúzia, os gêneros são inúmeros.

Por meio da definição de Marcuschi (2002) podemos compreender que os gêneros

textuais se corporificam como práticas sociais de uso da linguagem com características

definidas e com finalidade discursivas diversificadas e abrangentes, contudo que não se

restringem as suas composições, isto é, as suas formas. Desta maneira, a função e a intenção

comunicativa se sobressaem à estrutura do mesmo, um exemplo disso, é que é possível usar o

gênero textual receita para a construção do gênero textual poesia, mantendo a mesma

composição característica, contudo, modificando a intenção comunicativa.

Dessa forma, consideramos que é imprescindível que em sala de aula os educandos

tenham acesso a uma grande variedade de gêneros textuais com a intenção de compreender

como a linguagem é multifacetada, dinâmica, viva, instrumento de representação social que

permite que os indivíduos não apenas participem de inúmeras atividades que requerem saber

ler e saber escrever, como também exerçam a sua cidadania a partir do momento que a leitura

e a escrita ampliam e desenvolvem um olhar crítico sobre a realidade na qual estão inseridos.

Além do exposto, o contato com a diversidade de gêneros textuais existentes promove

e amplia o letramento já adquirido pelos educandos à medida que esse letramento é

vivenciado por meio desses gêneros, fazendo com que os discentes percebam a forma como a

escrita é organizada em nossa sociedade, os seus espaços de circulação, a sua função, os

instrumentos que viabilizam o seu uso (lápis, papel, canetas, telas etc.) e, principalmente, as

práticas e os eventos de letramento que requerem o uso da linguagem enquanto instrumento

de representação social.

Em meio ao trabalho com a multiplicidade de gêneros textuais, em consonância aos

eventos e práticas de letramento que devem atuar de forma sempre indissociável, outra

iniciativa extremamente relevante e que pode corroborar para fazer com que as crianças

superem as dificuldades apresentadas nas atividades propostas nesta pesquisa é o trabalho

pedagógico com as estratégias de leitura, defendido por Solé (1998).

Para Solé (1998, p.70), as estratégias de leitura “[...] são procedimentosde caráter

elevado, que envolvem a presença de objetivos a serem realizados, o planejamento das ações

que se desencadeiam para atingi-los, assim como sua avaliação e possível mudança.” Dessa

forma, compreendemos que as estratégias de leitura são ações guiadas por objetivos durante o

exercício da leitura, contudo, esses objetivos são conduzidos conforme o planejamento do

leitor para o desenvolvimento do exercício dessa leitura. Esse planejamento é flexível, pois o

texto lido pode trazer obstáculos que inviabilizem a compreensão do leitor, o que vai solicitar

do mesmo uma mudança nos procedimentos empreendidos para o desenvolvimento da

atividade. Tal conduta pode ser solicitada quando um termo de difícil assimilação é usado ou

quando existe uma ausência de coerência entre as ideias trazidas no texto; sendo assim, o

leitor experiente fará uso de estratégias para tentar resolver esses problemas.

O leitor experiente para fazer uso dessas estratégias deverá ter tido a oportunidade de

vivenciá-las, pois esses procedimentos precisam ser aprendidos. Por isso, a necessidade da

escola trabalhar com uma diversidade de gêneros textuais que mobilizem dos leitores

aprendizes diferentes objetivos de leitura, de tal forma que leiam para aprender, leiam para

fazer uma receita, leiam para obter uma informação, leiam para localizar um endereço etc.

Destarte, acreditamos que

Formar leitores autônomos também significa formar leitores capazes de aprender a

partir dos textos. Para isso, quem lê deve ser capaz de interrogar-se sobre sua própria

compreensão, estabelecer relações entre o que lê e o que faz parte do seu acervo

pessoal, questionar seu conhecimento e modificá-lo, estabelecer generalizações que

permitam transferir o que foi aprendido para outros contextos diferentes (SOLÉ,

1998, p. 72).

A formação de leitores descrita por Solé (1998) traz em sua essência o trabalho com as

estratégias de leitura, que não se centraliza exclusivamente no momento em que a leitura está

sendo realizada, mas pelo contrário, o uso das estratégias deve acompanhar todo o processo

de desenvolvimento dessa atividade, ou seja, a preparação para a leitura, a prática da leitura, e

por fim, o que acontece depois da leitura. Essa preparação envolve inferências, o

estabelecimento de hipóteses sobre o que aborda o texto, a relação da leitura com outros

textos lidos, o questionamento sobre a leitura realizada etc.

Outro aspecto que podemos evidenciar com os dados construídos é a importância do

ensino das características do nosso sistema de escrita alfabética. Esse ensino deve ser

conduzido de forma sistematizada sempre objetivando fazer com que os discentes

compreendam a natureza da língua escrita enquanto um sistema de representação social em

detrimento da percepção de que nossa língua é um código. Para que os aprendizes cheguem a

essa conclusão os mesmos devem ter experiências significativas com gêneros textuais para

que possam fazer uso das estratégias de leitura para a apropriação dos conhecimentos

específicos que perpassam o nosso sistema de escrita. São alguns desses conhecimentos:

identificação das letras que compõem o nosso alfabeto, distinção entre letras e outros sinais

gráficos, segmentação entre as palavras, a organização da escrita no papel de esquerda para

direita, de cima para baixo, reconhecimento de sílabas, dentre outros.

A apropriação do sistema de escrita alfabética é fundamental para que os aprendizes

elaborem a compreensão sobre a relação entre grafemas e fonemas,pratiquem a leitura e

também o desenvolvimento da escrita. Desse modo, mesmo antes de estarem completamente

alfabetizados devem ser envolvidos em atividades que demandem esses conhecimentos dentro

de situações reais de uso da língua escrita, isto é, práticas de letramento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa realizamos atividades pedagógicas com dez crianças do segundo ano

do Ensino Fundamental a fim de analisar suas habilidades de leitura e de escrita. Com os

dados obtidos, constatamos que apenas uma criança realizou com sucesso todas as atividades

propostas, de modo que concluímos que é necessário propor práticas pedagógicas que visem à

ampliação do letramento dos aprendizes, além do ensino sistematizado sobre as características

do nosso sistema de escrita alfabética para que as crianças possam compreender a natureza do

funcionamento da língua escrita enquanto um sistema de representação social, e para que

possam se engajar em várias práticas de escrita e de leitura em sociedade.

Diante do dado que aponta que apenas um sujeito da pesquisa realizou com sucesso

todas as atividades propostas, embora preocupante, não podemos determinar que as práticas

pedagógicas desenvolvidas pelos professores alfabetizadores têm sido ineficazes, pois as

limitações dessa pesquisa no que se refere à quantidade de sujeitos participantes (10) não nos

permitem tecer generalizações nesse sentido, contudo, alguns apontamentos são relevantes. O

primeiro deles é de que não podemos ampliar o letramento das crianças sem o

desenvolvimento de conhecimentos específicos que envolvem o desenvolvimento da leitura e

da escrita, e que apesar da conquista de mudanças significativas, um exemplo disso são os

resultados do SPAECE, devemos sempre permanecer atentos às reais necessidades de

aprendizagem dos educandos; outro destaque é que práticas pedagógicas devem ser

organizadas para incorporar ao ambiente alfabetizador escolar o uso real da língua escrita e,

por fim, é muito importante que os conhecimentos prévios das crianças sejam considerados

nessas práticas, dado que as mesmas trazem consigo hipóteses sobre o modo de circulação da

escrita em nossa sociedade, que podem ser utilizadas como ponto de partida para a produção

de textos; e também para leitura, a partir do uso das estratégias de leitura e a apropriação do

sistema de escrita alfabética.

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