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1 Análise Crítico-Comparativa das Abordagens de Liderança: proposta de um quadro sintético-comparativo Autoria: Bruna Manuela Adriano, Christiane Kleinübing Godoi Resumo: Liderança é um fenômeno organizacional que, embora seja objeto de estudo científico há tempo, ainda não é um tema consolidado. Existem inúmeras abordagens que visam definir liderança e líder, no entanto estão repletas de contradições, idiossincrasias, poucas são descritivas e raras foram qualitativamente estudadas. A linha dos estudos críticos da liderança tem se proposto a revisar as abordagens existentes, no intuito de traçar novos rumos às pesquisas científicas na área. Nesse sentido, o presente trabalho propõe uma revisão das principais abordagens de liderança e a formulação de um quadro crítico-comparativo que visa contribuir com os estudos científicos críticos nesta área.

Análise Crítico-Comparativa das Abordagens de Liderança ... · Yukl (2008) critica as limitações da classificação proposta por French e Raven, considerando que há elementos

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Análise Crítico-Comparativa das Abordagens de Liderança: proposta de um quadro sintético-comparativo

Autoria: Bruna Manuela Adriano, Christiane Kleinübing Godoi

Resumo: Liderança é um fenômeno organizacional que, embora seja objeto de estudo científico há tempo, ainda não é um tema consolidado. Existem inúmeras abordagens que visam definir liderança e líder, no entanto estão repletas de contradições, idiossincrasias, poucas são descritivas e raras foram qualitativamente estudadas. A linha dos estudos críticos da liderança tem se proposto a revisar as abordagens existentes, no intuito de traçar novos rumos às pesquisas científicas na área. Nesse sentido, o presente trabalho propõe uma revisão das principais abordagens de liderança e a formulação de um quadro crítico-comparativo que visa contribuir com os estudos científicos críticos nesta área.

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INTRODUÇÃO Muito embora há mais de um século a liderança tenha sido estudada cientificamente, até o presente momento não são facilmente encontrados consensos entre os pesquisadores da área, principalmente no que tange aos seus construtos centrais. Ao se lançar os olhos sobre a literatura científica que trabalha com o tema, nota-se que há uma sucessão de teorias e abordagens que buscam definir a liderança, sob uma multiplicidade de horizontes epistemológicos.

Já nos anos 70, Stogdill (1974) se propôs analisar mais de 3000 estudos sobre a eficácia da liderança, e conclui que quatro décadas de pesquisas em liderança produziram uma assustadora massa de conclusões, cuja infindável acumulação de dados empíricos não conduziu a um entendimento integrado acerca da liderança. Passados outros quarenta anos, a análise da literatura permite concluir que essa realidade ainda persiste (DINH et al, 2014).

Muito embora existam tantas teorias e abordagens que buscam definir o significado de liderança, pode-se identificar em seu interior um núcleo que a caracteriza especificamente. Esta estrutura básica é uma trípode, composta pelo líder (ou líderes), os liderados e o objetivo comum que por eles é perseguido (BENNIS, 2007, p. 3), ou seja, a liderança é definida como uma forma de relação interpessoal pautada no atingimento de um objetivo comum do grupo, o que a diferenciaria de uma relação de caráter egoístico da pessoa do líder.

Ainda que essa proposição seja objeto de crítica por parte dos pesquisadores do tema, como Drath et al (2008), que propõem uma nova trípode composta por direção, alinhamento e comprometimento, ou ainda Crevani, Lindgren e Packendorff (2010), que definem como dimensão ontológica da liderança a coorientação e a relação de ação-espaço, pode-se considerar a síntese de Bennis (2007) como ainda pertinente, pois abrange as mais variadas teorias de liderança existentes, enquanto que as propostas divergentes retratam os novos direcionamentos dados à teoria da liderança.

Nos últimos anos uma nova proposta de estudos da liderança tem nascido, que visa analisar criticamente o construto e assim definir as bases pelas quais os estudos em liderança devem ser desenvolvidos, em oposição às tendências dominantes na área (mainstream), que têm se preocupado em demonstrar qual é a melhor abordagem de liderança (FORD; HARDING, 2011).

Com base na proposta dos estudos críticos de liderança, este trabalho tem por objetivo revisar criticamente as principais abordagens de liderança desenvolvidas, apresentando-se como resultado da pesquisa um quadro crítico-comparativo dessas abordagens.

A relevância desta pesquisa reside em investigar criticamente as principais abordagens para subsidiar os estudos na área de liderança, aportando análises sobre os pontos de fragilidade em suas diversas teorias. Assim, o desenvolvimento desta pesquisa traz consigo contribuições nos níveis teórico e empírico, visto que o quadro crítico-comparativo aqui apresentado pode servir de orientação às futuras pesquisas, teóricas ou empíricas na área de liderança.

Ressalta-se também às contribuições aos estudos de liderança a nível nacional, visto que em conformidade com a revisão de Gallon, Bitencourt e Fleck (2013), que avaliou os trabalhos publicados durante 10 anos no EnANPAD grande parte dos estudos sobre liderança são estudos de caso único ou múltiplo, havendo poucos trabalhos que se direcionem a uma análise crítica das abordagens da liderança.

Este trabalho encontra-se organizado de modo que na próxima seção serão apresentados os fundamentos da proposta dos estudos críticos da liderança. Na sequência será considerada a

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revisão da literatura de liderança, para então concluir com a apresentação do quadro crítico-comparativo aqui desenvolvido. 1 ESTUDOS CRÍTICOS DA LIDERANÇA: a busca pela cientificidade da disciplina Muito embora estudos de orientação mais crítica à liderança não sejam novidade nos estudos organizacionais, como demonstram Pfeffer (1977), Zaleznik e de Vries (1981) e Lapierre (1995), estas orientações acabaram se tornando pontos de divergência em uma área repleta de abordagens que reclamam para si terem encontrado a essência da liderança, aplicável às organizações em geral. Pye (2005) considera que os estudos de liderança têm se ocupado há muito tempo de buscar o “santo Graal”, e ainda não o encontraram, o que leva o autor a questionar o fato de que há muito tempo os estudos de liderança vêm buscando resolver precisamente o problema errado, que não corresponde aos objetivos dessa teoria. Assim, essa nova proposta busca evitar que a trajetória dos estudos organizacionais passe simplesmente da visão estabelecida na atualidade, para uma nova visão, sem preocupar-se com os fundamentos epistemológicos dessa mudança (FORD; HARDING, 2007), como é o caso das abordagens de liderança, dos traços à comportamental, do comportamento à situação/contingência, desta às lideranças transacional e transformacional, e assim por diante. No fim, trata-se da “última moda” dos estudos da liderança. Conforme diagnosticado por Ford e Harding (2007) os estudos em liderança têm buscado basicamente: desenvolver teorias da liderança e usar essas teorias para criar mecanismos de melhoria da liderança e, assim, da performance das organizações, o que revela praticamente um absenteísmo na apresentação de análises críticas dos construtos de liderança e uma falta de consenso acerca das principais definições do campo. Além disso, o surgimento dessa proposta marca também a necessidade de maiores estudos qualitativos do fenômeno da liderança, ao contrário da já sedimentada tendência ao desenvolvimento de análises quantitativas. Ainda que no discurso haja uma preocupação com a diversidade metodológica na área, na prática poucos trabalhos têm explorado a análise qualitativa dos fenômenos ligados à liderança (FORD, 2010). Assim, a proposta dos estudos críticos da liderança consiste em desafiar a legitimidade e a eficácia dos padrões estabelecidos de pensamento e ação na área, (ALVESSON; WILLMOTT, 2003), tendo por base o fato de que acima de tudo trata-se de um estudo de ciência social, da realidade da liderança, mais do que o desenvolvimento de um ferramental tecnológico a ser oferecido às organizações. Portanto, faz-se necessário o desenvolvimento de estudos que levem em conta as situações, eventos, instituições, ideias, práticas sociais e processos (CREVANI; LINDGREN; PACKENDORFF, 2010; FORD, 2010). Faz-se necessário, ainda, o desenvolvimento de estudos mais ligados ao contexto local analisado, considerando-se as experiências individuais, as identidades, as relações de poder e relações intersubjetivas, considerando-se ainda os aspectos da masculinidade e feminilidade, tendo em vista a preponderância da visão do líder homem (FORD, 2010). Sob a inspiração da proposta dos estudos organizacionais, este estudo pretende revisar a literatura sobre liderança e apresentar um quadro crítico-comparativo que permita a análise crítica das abordagens aqui apresentadas e que possa servir de base para o desenvolvimento de novos estudos no campo.

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2 REVISÃO DAS ABORDAGENS DE LIDERANÇA Van Seters e Field (1990) elaboraram uma proposta de classificação das abordagens de liderança de seu tempo, sob uma ótica da evolução do pensamento sobre a matéria. Ao invés de apresentar as teorias sob uma ótica da preferência do autor, para então questionar os pontos positivos e negativos de cada abordagem, como fazem Yukl (1989) e Northouse (2004), os autores trabalham sobre a evolução histórica do pensamento sobre a matéria, como um todo composto por eras do pensamento de liderança. Assim, nessa revisão das abordagens de liderança até o final dos anos 80 será utilizada a sequência proposta por Van Seters e Field (1990), ainda que os fundamentos teóricos de cada abordagem não sejam diretamente utilizados considerando os estudos desses autores. A primeira das eras da liderança é a era da personalidade, dividida nos períodos dos grandes homens (great man period) e no período dos traços (trait period). O primeiro desses períodos é caracterizado pela visão de que a história retrata os grandes homens e os seus impactos na sociedade (HEIFETZ, 1998, p. 16). Os estudiosos dessa fase, que remonta à década de 80 do séc. XIX e início do séc. XX igualavam liderança a um tipo de personalidade, ou ainda buscavam explicá-la sob uma visão de hereditariedade da transmissão desses conceitos. A visão da liderança em personalidades históricas provou-se ineficaz quando se tornou claro que muitos dos considerados líderes manifestavam traços de personalidade muito diferentes uns dos outros, citando exemplos como Hitler, Mahatma Gandi e Martin Luther King (VAN SETERS; FIELD, p. 1990). O segundo período da primeira era é caracterizado pela abordagem dos traços, quando as pesquisas rumaram para a consideração de traços gerais que, se adotados, permitiriam a prática da liderança. Estes traços dizem respeito a determinadas características físicas, psicológicas e sociológicas da figura do líder (GANGA; NAVARRETE, 2013, p. 57).

Essa linha de consideração caiu por terra, porém, a partir da testagem empírica dessa hipótese, com destaque para os estudos elaborados por Stogdill (1948) e Mann (1959), que revisaram mais de 40 anos de estudos na área e comprovaram que tais características podem ser encontradas em pessoas líderes ou não-líderes, não servindo, portanto, como um parâmetro de distinção (STOGDILL, 1948).

Se a consideração de que a liderança pode ser exclusivamente entendida por traços característicos, ou seja, de que a pessoa nasce líder, não se torna um, foi derrubada pelas pesquisas na área, isso não significa a completa desconsideração da importância dos traços pessoais no fenômeno da liderança (STOGDILL, 1974). Lord, De Vader e Alliger (1986) desenvolvem uma meta-análise das pesquisas sobre traços de liderança e concluem que os traços, especialmente aqueles de personalidade, são importantes fatores para se predizer a percepção da liderança, ainda que não sejam elementos confiáveis para se medir a eficácia da liderança. A segunda era das teorias da liderança é chamada por Van Seters e Field (1990, p. 31) de era da influência, que marca o reconhecimento de que há um relacionamento entre indivíduos, entre o líder e o liderado, e não somente um líder solitário. Essa era, foi especialmente influente na década de 50, mas tem seus reflexos até a atualidade. Para French e Raven (1959) as bases do poder residem em cinco espécies de poder, considerando-se a relação entre dois indivíduos: o poder da remuneração; o poder coercitivo; o poder legitimado; o poder de referência; o poder do expert. Raven (1993) defende ainda a existência de um sexto tipo de poder, relacionado ao poder (ou influência) da informação, também chamado de persuasão.

Yukl (2008) critica as limitações da classificação proposta por French e Raven, considerando que há elementos que foram ignorados, como o caso do poder de controle sobre as informações, onde pela prerrogativa de sua posição hierárquica o superior limita as ações do seu

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inferior hierárquico pelo filtro de informações que serão repassadas ou não ao mesmo, ou ainda pela ausência de consideração do poder de carisma, como uma forma diferente do poder de referência. Yukl e Falbe (1991) demonstram empiricamente a importância de uma forma de classificação anterior à tipologia do poder de French e Raven, considerando como espécies básicas o poder da posição (position power) e o poder da pessoa (personal power). As formas de poder da posição são aquelas que decorrem da estrutura hierárquica formal, enquanto que as formas de poder da pessoa decorrem dos próprios indivíduos. Sob essa classificação, os poderes de remuneração, coerção, legitimado e o controle sobre a informação compõem o poder da posição, enquanto que os poderes do expert, persuasão, de referência e de carisma caracterizam o poder pessoal. A terceira era das pesquisas em liderança corresponde ao período das abordagens comportamentais da liderança. Este foi um novo direcionamento às pesquisas, tendo em vista o enfoque no que o líder faz e como age, ao contrário da consideração das suas características, ou de sua fonte de poder (VAN SETERS; FIELD, 1990, p. 33). Northouse (2004, p. 65) destaca que a grande novidade da abordagem comportamental, chamada por ele de abordagem do estilo, é a inclusão das ações dos líderes frente aos seus liderados em variados contextos como objeto de pesquisa científica. Após a publicação das críticas à abordagem dos traços por Stogdill (1948) e Mann (1959), as universidades às quais ditos pesquisadores se encontravam vinculados, respectivamente as instituições de Ohio e Michigan protagonizaram grande parte das pesquisas sobre a abordagem comportamental da liderança. Os estudos da universidade de Ohio indicaram que o comportamento do líder se direcionava em duas importantes dimensões: estrutura iniciante, composta por comportamentos relacionados aos atingimentos dos objetivos; e consideração, que é a preocupação com a satisfação individual dos liderados e a coesão do grupo (SCHRIESHEIM; KERR, 1974). Após diversos estudos sobre os comportamentos dos líderes, os estudiosos de Ohio propuseram um instrumento de avaliação desses dois comportamentos básicos, o Leader Behavior Descriptive Questionnaire (LBDQ), com destaque especialmente para a sua versão XII, proposta por Stogdill (1963). Em paralelo, os estudos da Universidade de Michigan chegaram a resultados muito próximos, indicando a existência de dois comportamentos básicos de liderança, a orientação no empregado, que é o comportamento focado no aspecto das relações humanas, aceitando a individualidade e as necessidades pessoais dos indivíduos; e a orientação na produção, que marca o foco nos aspectos técnicos do trabalho, considerando-se os empregados como meios pelos quais a produção ocorre nas organizações (BOWERS; SEASHORE, 1966). Os estudos de ambas as Universidades influenciaram, ainda, o desenvolvimento do Managerial Grid, posteriormente renomeado para Leadership Grid, um instrumento amplamente divulgado entre as organizações como ferramenta de análise das características de liderança (BLAKE; MOUTON, 1967). A quarta era das abordagens de liderança é a era situacional. A nova contribuição dada por essa abordagem é a consideração de que fatores para além da figura do líder e do liderado causam influência no trabalho em grupo (VAN SETERS; FIELD, 1990, p. 34). Conforme Ganga e Navarrete (2013) diferentes propostas consideram fatores situacionais relacionados à liderança, como a teoria dos papeis, a visão das demandas-constrições-eleições ou o modelo de influência múltipla, que considera a influência de determinantes situacionais em um nível micro e macro, sobre a conduta do líder. Porém, a abordagem situacional que mais se tornou conhecida foi aquela atrelada aos trabalhos de Hersey e Blanchard (1969).

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Com base nas concepções de estrutura iniciante e consideração, da abordagem comportamental, a abordagem situacional considera que o determinante da liderança é a maturidade dos liderados no cumprimento dos objetivos. Essa maturidade dos liderados é composta de dois aspectos, a maturidade no trabalho (job maturity) e a maturidade psicológica (psychological maturity). Hersey e Blanchard afirmam que há uma relação curvilínea entre a estrutura iniciante e a consideração e outras variáveis, ao invés de uma relação linear (GRAEFF, 1997). Esses conceitos compõem a chamada curva prescritiva, posteriormente rebatizada para curva da performance, que considera na linha horizontal as condutas relacionadas à tarefa e na linha vertical as condutas relacionadas à relação. Um baixo nível de relação e baixo nível de tarefa envolve a atitude de delegar, com alto nível de maturidade dos seguidores; altos níveis de relação e níveis medianos de tarefa constituem as atitudes de participar ou persuadir, a depender do nível de maturidade dos liderados; já a imaturidade dos liderados condiz com a condição de um baixo nível de relação e um alto nível de tarefa, relacionado à atitude de dirigir (SANTA-BÁRBARA; FERNÁNDEZ, 2010). A quinta era da liderança é a era da contingência, que se trata de um relevante avanço nas pesquisas na área, pois considera em conjunto as questões dos traços de liderança, do comportamento do líder, da capacidade de influência no liderado e ainda a influência do contexto (VAN SETERS; FIELD, 1990, p. 35). A principal vertente da abordagem da contingência é a proposta de Fiedler, que considera que o estilo do líder varia em conformidade com o contexto a ser analisado, ou seja, de acordo com a contingência. Diferentemente da liderança situacional, que considerava que um determinado contexto demanda um certo perfil de liderança, podendo o líder ser trocado para se adequar às mudanças dos mais variados fatores, na teoria da contingência o líder se comporta de modo maleável, adequando o seu estilo de liderança ao modo como a realidade se apresenta a ele (AYMAN; CHEMERS; FIEDLER, 1995). O modelo da contingência prevê uma relação entre dois estilos de liderança básicos, um orientado à tarefa e outro orientado às relações e ao controle situacional do líder, chamado de favorecimento situacional, que é mensurado pelas variáveis relação líder-liderado, estrutura da tarefa e poder da posição. Assim, líderes com altos ou baixos níveis de favorecimento da situação desempenham melhor suas funções, caso sejam orientados à tarefa, enquanto que em situações de controle moderado sobre a situação o estilo orientado às relações é mais eficaz (ASHOUR, 1973). Se o grupo está em alta performance, o líder corresponde ao modelo necessário (in match), enquanto que se ocorrer o contrário, revela-se que o líder está inadequado à situação (out of match) (AYMAN; CHEMERS; FIEDLER, 1995). Enquadra-se na era da contingência também a abordagem do caminho-meta (path-goal), que considera uma diversa contingência, tratando da relação entre o estilo do líder com as características dos seus liderados e também do ambiente de trabalho. O líder, assim, deve se valer do melhor estilo de liderança, que garanta a definição dos objetivos, o esclarecimento do caminho a ser trilhado, a remoção de obstáculos ao atingimento dos objetivos, bem como a concessão de suporte à sua equipe (NORTHOUSE, 2004, p. 123-124). Conforme Araújo, et al (2013) o termo caminho-meta é usado em virtude da ênfase da abordagem sobre o modo pelo qual o líder influencia as percepções dos liderados, tanto nas metas de trabalho, quanto nos objetivos pessoais, incluídos os caminhos encontrados para a realização de ambas. Os comportamentos do líder para essa abordagem tomam a feição de um caráter ora mais diretivo, provendo estrutura psicológica aos liderados, como forma de um comportamento mais esclarecedor do líder, daquilo que se espera que seja feito; ora o líder se posiciona como suporte aos liderados, visando a satisfação das necessidades e preferências dos liderados; ora o líder possui um papel mais

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participativo, encorajando a participação dos liderados na tomada de decisões e trabalhando em unidades operacionais; e por fim agindo com um comportamento direcionado aos resultados, que visa encorajar a performance excelente (HOUSE, 1996). A mudança no pensamento sobre liderança que deu origem à sexta era, foi a consideração de que a liderança é um fenômeno que não se dá somente na pessoa, ou na situação, mas que na realidade trata-se de um processo de interação social em que há mútua influência, entre líderes e liderados. Essa é a era transacional da liderança, que tem na teoria da troca líder-liderado (leader-member exchange theory ou LMX) seu grande expoente. Conforme Van Seters e Field (1990, p. 35) essa é essencialmente a era da influência revista para considerar o processo de influência entre líder e liderado. Dansereau, Graen e Haga (1975) partem da diferenciação entre supervisão e liderança. Pela supervisão, ao firmar um contrato de trabalho o empregado se submete a uma autoridade legítima que pode lhe cobrar o atingimento dos resultados esperados pela sua função, recebendo por compensação dinheiro, além dos benefícios oferecidos pela organização, a autoridade legitimada para cobrar resultados é o supervisor. Liderança implica em um nível de intercâmbio tamanho, que o simples vínculo formal do contrato de trabalho não é o suficiente para estimular o empregado ao alcance de resultados ainda maiores, que aqueles esperados de um profissional de sua área. Assim, o líder fornece aos seus liderados influência no processo decisório, níveis de comunicação mais aberta e honesta, suporte, confiança e consideração da pessoa do liderado, como benefícios pelo maior nível de dedicação e comprometimento. Nesse sentido, os autores passaram a considerar a existência de dois grupos de relação entre líder e liderados, aqueles que ingressavam em um processo de trocas mais intenso com seus supervisores são considerados como dentro do grupo (in group), aqueles que não optavam por esse formato eram considerados fora do grupo (out group).

A evolução dos estudos na área conduziu à consideração da formação de papeis (role making) de liderança nas organizações. Primeiramente, os trabalhos não consideraram apenas a díade líder-liderado, mas considerando que o líder está sujeito a outros superiores hierárquicos, os estudos se direcionaram à considerar a rede de relações diádicas, em que os líderes podem estar in group ou out group na relação com seus superiores (CASHMAN et al, 1976). O passo seguinte dessa abordagem foi estudar o ciclo de vida das organizações, desde quando líder e liderados são estranhos entre si, passando pelo nível de proximidade, até se alcançar um nível de relação madura (GRAEN; UHL-BIEN, 1991).

As principais críticas dessa abordagem partem da consideração de que trazer alguns para perto de si, concedendo a essas pessoas maiores privilégios produz uma segregação na organização, sendo injusta essa forma de tratamento desigual. Scandura (1999) analisa a liderança LMX sob a perspectiva da justiça organizacional. O autor trabalha com as categorias justiça procedimental, que se faz presente nos processos organizacionais, justiça interacional, relativa à noção de equidade no tratamento das pessoas (processos comunicativos) e da justiça distributiva, referente à distribuição proporcional de benefícios e recompensas. Em suas conclusões o autor entende que às pessoas que estão in group impera o modelo de justiça procedimental e interacional, enquanto que nas relações entre pessoas in group e out group reina o modelo de justiça distributiva, para que não se crie o temido ambiente segregador. O aprofundamento dos estudos nos processos diádico e grupal de inter-relação entre líderes e liderados conduziu as pesquisas sobre liderança a um novo extremo. Considerações, como o fato de que a liderança poderia residir no liderado, e não no líder trouxeram consigo a questão: onde está o domínio da liderança? O aprofundamento desses questionamentos conduziu

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à era do ceticismo da liderança, a era da anti-liderança e da buscas por substitutos à liderança. Em seguida, na era da cultura buscou-se ver o líder como a pessoa que apenas cria e mantém a cultura organizacional (VAN SETERS; FIELD, 1990), não constituindo abordagens de liderança. Como última das eras apresentadas Van Seters e Field (1990) tratam sobre a era liderança transformacional, marcada por correntes de liderança que consideram que a motivação dos liderados não provém de modo extrínseco à pessoa, mas pelo contrário são ligadas a aspectos intrínsecos à pessoa. Segundo Yukl (1989), nos anos 80 os pesquisadores ficaram muito interessados na transformação e revitalização das organizações. Nessa erra da liderança dois modelos de liderança se destacaram, a liderança carismática e a liderança transformacional.

Liderança transformacional e carismática, apesar de terem nascido como propostas diversas, ambas acabam se revelando como visões muito próximas do fenômeno da liderança, muito embora a liderança transformacional, especialmente após a obra de Bass (1985) inclusive possa abranger a liderança carismática dentro de si. Liderança transformacional pode ser considerada como o processo de influenciar mudanças nas atitudes e pensamentos dos membros da organização, criando comprometimento das pessoas à missão, aos objetivos e às estratégias, tudo isso mediante a influência do líder em seus liderados, os quais são considerados partícipes do processo de transformação da organização. A proposta da liderança transformacional se opõe à liderança transacional, entendida como o mero intercâmbio de favores e bens com os liderados. Liderança carismática, por sua vez, centra-se na percepção do liderado, de que o seu líder possui um dom divinamente inspirado e é de algum modo único e maior que a vida. Não há apenas uma identificação com o líder, mas inclusive um ato de cultuar ao líder como uma figura sobre-humana ou espiritual (SHAMIR; HOUSE; ARTHUR, 1993; HOUSE; SPANGLER; WOYCKE, 1991).

Bass (1985) acaba por reposicionar a proposta da liderança transformacional, incrementando sua fundamentação teórica e desenvolvendo um modelo que integra as concepções de liderança transformacional e carismática. O autor atribui quatro características principais ao líder transformacional: influência idealizada; consideração individual; estímulo intelectual e inspiração. Influência idealizada significa que o líder possui uma clara visão e senso de propósito. Por consideração individual, considera-se o fato que o líder presta atenção às necessidades individuais de cada um de seus liderados. Pelo estímulo intelectual, líderes devem ativamente solicitar novas ideias e novos meios de fazer as coisas. Por fim, líderes transformacionais devem inspirar seu pessoal, gerar entusiasmo, para que esses possam agir (BASS, 1985; BASS; AVOLIO; 1990).

Dentre todas as abordagens até aqui apresentadas, a liderança transformacional acabou galgando um grandioso espaço de atenção no meio científico. Em revisão às publicações do periódico Leadership Quarterly, Lowe e Gardner (2000) concluem que aproximadamente 1/3 das publicações dos 25 anos de periódico revistos eram sobre liderança transformacional. Em revisão que considerava as publicações a partir da virada do milênio, em 10 dos principais periódicos internacionais que publicam sobre liderança, Dinh et al (2014) verifica que dentre as consideradas teorias estabelecidas da liderança, 39% das publicações eram sobre liderança transformacional, o que demonstra a influência dessa abordagem até hoje.

O modelo de Van Seters e Field considerou nove eras da liderança, sendo a era transformacional a última delas. Porém, os autores publicaram seu artigo em 1990, sendo que desde então as pesquisas sobre liderança tomaram novos rumos, surgindo novas abordagens de liderança, que compõem o estado-da-arte na atualidade. A seguir serão trabalhados os novos rumos nas pesquisas sobre liderança.

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A liderança transacional e a liderança transformacional foram duas das teorias que tiveram grande influência durante boa parte dos anos 90. Entretanto, a constatação de que trabalhar com os mecanismos de influência do líder nos liderados é responsabilidade demais a para o líder, enquanto um ser-humano. E assim nasce a preocupação com as questões éticas que envolvem a relação de liderança.

Bass e Steidlmeier (1999), preocupados com o excesso de poder representado pela liderança transformacional classificam duas espécies de líderes transformacionais, os líderes transformacionais autênticos são aqueles que usam da sua influência para agir em favor do bem comum do líder e dos liderados, alinhado com os objetivos da organização. Por outro lado, são considerados líderes pseudo-transformacionais ou líderes transformacionais inautênticos, aqueles que emulam comportamentos considerados como éticos e usam da influência que possuem, visando tão somente os seus próprios interesses.

Os escândalos corporativos que ocorreram no arco dos anos 2000-2001, como os casos da Enron, Worldcom e Martha Stewart reforçaram a necessidade de consideração da ética nos negócios e nos processos de liderança, razão pela qual começaram as discussões sobre uma abordagem ética da liderança. Brown e Treviño (2006, p. 595) propõem um modelo de liderança ética que seja “[…] a demonstração de condutas normativamente apropriadas através de ações pessoais e relações interpessoais, e a promoção desta conduta nos seguidores através da comunicação de mão-dupla, do reforço e da tomada de decisão”.

A partir da preocupação ética com a liderança, uma teoria que tomou corpo é a ideia de liderança servidora, que considera que o líder acima de tudo deve servir aos outros e fazer com que seus liderados se tornem também líderes servidores (FINLEY, 2012, p. 135). Conforme Dion (2012, p. 8), a liderança servidora pode ser diferenciada da liderança transformacional, tendo em vista que o seu foco está nas pessoas, e não nos resultados da organização, bem como pelo fato de que os líderes servidores confiam no seu serviço, enquanto que os líderes transformacionais confiam em suas habilidades carismáticas. Mais ainda, a liderança servidora é uma abordagem baseada em valores como honestidade, integridade, a noção de fazer o certo para si e para os outros e uma preocupação no sacrifício de servir aos outros acima dos interesses pessoais e até mesmo organizacionais (VAN METER; et al, 2012, p. 4).

Outra das teorias que emergiram com esse apelo de maior humanização das relações de trabalho e de uma maior consideração dos meios pelos quais a organização buscará atingir seus fins é a da liderança espiritual. Essa abordagem parte da noção de que na atualidade as pessoas estão considerando o trabalho como parte de sua jornada espiritual e assim, as relações de liderança também devem encampar o aspecto da espiritualidade (FRY, 2008, p. 126). Dent, Higgins e Wharff (2005, p. 627) consideram que um líder que aporta espiritualidade ao trabalho transforma organizações, de meramente por atividades ligadas aos objetivos organizacionais a locais onde a espiritualidade individual e coletiva é encorajada, e o desenvolvimento espiritual é integrado no dia-a-dia de trabalho. Ao fazê-lo, os líderes incentivam seus liderados a não agir considerando simplesmente seus próprios interesses, mas aprendem a considerar também o bem para os seus colegas da organização e também para a “[…] humanidade e o mundo natural” (DENT; HIGGINS; WHARFF, 2005, p. 627). Como se nota, trata-se de mais uma abordagem que considera o líder como responsável por um papel inspiracional, como na liderança transformacional ou ainda na liderança carismática, mas que considera a capacidade de influência do líder não como habilidades pessoais, mas pelo nível de espiritualidade cultivada pelo líder. Fry (2008, p. 133-134) considera a espiritualidade como ligada aos conceitos de bem-estar psicológico e satisfação com a vida (sentimento de pertencimento). O autor relaciona os

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resultados da liderança espiritual com a experiência de um maior bem estar psicológico, com a redução de problemas físicos e com o aumento da performance organizacional. Conforme Dent, Higgins e Wharff (2005, p. 642) entre os autores que trabalham a espiritualidade na liderança há dois grupos, aqueles que ligam o construto com a noção de religiosidade, trabalhando a liderança interligada com determinados credos, enquanto outros autores, como é o caso de Fry (2008), trabalham o conceito de espiritualidade em um senso de preenchimento e motivação interior, mais do que conectado à qualquer percepção religiosa.

Mais uma teoria nascida do espírito de relações de liderança mais éticas e pautadas em valores é a teoria da liderança autêntica, cujas origens podem ser remontadas ao artigo de Bass e Steidlmeier (1999), quando consideraram haver uma liderança transformacional autêntica. Característica dessa abordagem é considerar a importância de se desenvolver um líder que seja conforme ao seu verdadeiro eu (self), o qual construiria relações mais autênticas na organização e inspiraria seus liderados a também se autenticarem.

Assim, a teoria da liderança autêntica nasce com a proposta de explicar melhor a pessoa do líder e a forma como este estabelece a relação com seus liderados, sob a perspectiva de relações mais positivas. A concepção de autenticidade, para essa teoria decorre da visão da psicologia positiva, que trata autenticidade como ser ao mesmo tempo dono dos seus próprios pensamentos e crenças, e agir de modo que seja correspondente ao próprio eu. Conforme Gardner e Schermerhorn (2004, p. 271), ser autêntico é “dizer o que você realmente pensa, sentir e se comportar de acordo”.

A partir dos princípios da psicologia positiva, que visa, ao invés de trabalhar o ser humano a partir de suas fraquezas e desvios, reforçar os seus pontos fortes (NORMAN; LUTHANS; LUTHANS, 2005, p. 55), Luthans propôs o conceito de comportamento organizacional positivo (positive organizational behavior ou POB), que seria a aplicação dos conceitos da psicologia positiva à cultura organizacional. Dito de outro modo, essa seria a forma pela qual os pontos fortes e as capacidades psicológicas dos indivíduos nas organizações podem ser medidas, desenvolvidas e eficazmente geridas para a melhoria da performance no ambiente de trabalho (GARDNER; SCHERMERHORN, 2004, 271). Os principais estados indicativos do comportamento organizacional positivo são a confiança, esperança, o otimismo e a resiliência, os quais são trabalhados conjuntamente sob a categoria capital psicológico (LUTHANS; AVOLIO, 2003).

Da concepção de comportamento organizacional positivo decorre a ideia de liderança autêntica, como o tipo de relação dentro da organização que promove esse modelo comportamental. Avolio, et al (2004, p. 802) definem como líderes autênticos aqueles que alcançam altos níveis de autoconsciência sobre como eles são, sobre aquilo que eles acreditam e que agem sobre essas crenças enquanto interagem com as demais pessoas de modo transparente. Com o passar dos anos o conceito de liderança autêntica foi sendo depurado, até se chegar à proposta de Walumbwa, et al (2008, p. 94) que considera liderança autêntica como um padrão de comportamento do líder que se baseia e promove um clima ético positivo e as capacidades psicológicas, visando o fomento de uma maior autoconsciência, de uma perspectiva moral internalizada, o processamento balanceado de informações e a transparência relacional (estabelecimento de relações mais autênticas).

A perspectiva dada pelos estudiosos, tendo em vista os conceitos de capital psicológico e comportamento organizacional positivo, é que o líder não se autentica apenas tendo em vista uma necessidade interna, pois liderança envolve uma relação intersubjetiva. Assim, o líder autêntico promove a autenticidade aos seus liderados. Nessa ótica o próprio liderado, enquanto ser humano

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autêntico, deve promover o melhor de seu líder, o que é considerado pelos autores como uma relação de “seguir autêntico” (authentic followership) (SHAMIR; EILAM, 2005, p. 401). Nesse processo, tornar-se-ia possível ao final tornar as próprias organizações humanas mais autênticas. Finalmente, as perspectivas as novas propostas de liderança encontradas na literatura analisada indicam a necessidade de se considerar liderança, sem obrigatoriamente estar fixado na figura do líder. Visando romper com as tradições anteriores e assim constituir uma liderança pós-heroica Crevani, Lidgren e Packendorff (2010, p. 78) propõem a consideração da liderança como processos e práticas organizados por pessoas em interação, devendo o estudo dessas interações não estar preocupado com o que os líderes formais fazem ou pensam. Nota-se o propósito das autoras em romper com as tendências então vigentes, que buscavam no líder as respostas para aquilo que a liderança deve ser e como ela se desenvolverá. Pelo contrário, os autores buscam trazer a noção de que a liderança é fruto de interações sociais, trazendo um fundamento construtivista aos estudos da liderança. Tal proposta é quase como um retorno a Pfeffer (1977), mas não para negar o fenômeno da liderança, pelo contrário, os autores defendem que há liderança nas interações organizacionais, sem que isso implique na díade líder-liderado. Nesse intento, Crevani, Lidgren e Packendorff (2010, p. 81) buscam estipular bases ontológicas e epistemológicas para as futuras pesquisas em liderança sob essa nova perspectiva. Para tanto, consideram que a trípode ontológica líderes-liderados-objetivos compartilhados precisa ser revista, para uma visão composta pelos conceitos de co-orientação e ação-espaço (construção de possibilidades, potenciais, oportunidades e limitações para ação coletiva e individual dentro do contexto organizacional). Outro ponto de ruptura visado pelos autores é a busca por “finais felizes”, pois liderança vista enquanto processo implica em “estórias sem fim”. Os citados autores propõem o conceito de liderança compartilhada (shared leadership), como o modelo que distribui a responsabilidade do líder, permitindo que essas pessoas possam viver uma vida mais balanceada. Pelo lado da organização, o ato de compartilhar a liderança pode significar a superação de estruturas burocráticas de comando, substituindo-as por times de alta performance (CREVANI; LINDGREN; PACKENDORFF, 2007, p. 45). Assim, essa visão chamada por eles de pós-heroica se diferencia das abordagens individuais de liderança por aspectos como: a tomada de responsabilidade e ganho de conhecimento entre co-trabalhadores (coworkers), o consenso na tomada de decisão, foco nas ações e interações e uma dinâmica coletiva de construção dos processos. Por outro lado, supera-se questões como a visão dos liderados como inferiores e pessoas substituíveis, a concentração de toda sabedoria no líder, a necessidade do líder de manter sua aparência, além da vulnerabilidade da organização se o líder sair (CREVANI; LINDGREN; PACKENDORFF, 2007, p. 48). Assim, como a liderança compartilhada, conforme Bolden (2011, p. 252), uma série de outros construtos tem buscado analisar a mesma realidade, tais como a liderança distribuída, liderança coletiva, liderança colaborativa, co-liderança ou ainda a liderança emergente. Considerados os principais aspectos referentes às abordagens de liderança, torna-se possível apresentar o quadro sintético-comparativo proposto nesse artigo. 3 QUADRO SINTÉTICO-COMPARATIVO DAS ABORDAGENS DE LIDERANÇA Após a revisão da literatura foi possível classificar as principais abordagens aqui relatadas por grupo de categorias, para o desenvolvimento do quadro aqui proposto. Foram estabelecidos

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como critérios de definição do conteúdo a constar no quadro aspectos pertinentes à definição de liderança, líder e liderado para cada abordagem.

Além disso, foram considerados ainda aspectos referentes ao tipo de análise, se prescritivo ou descritivo, o objetivo do estudo da referida abordagem de liderança, as principais variáveis/construtos adotados, as críticas encontradas na literatura, a definição de quem é o protagonista do processo decisório, se a abordagem trabalha com uma visão heroica do líder ou não, a consideração de um nível de liderança formal ou informal, o nível de consideração pelo liderado e a sua participação nos processos de liderança, a visão da origem da motivação do liderado, intrínseca ou extrínseca e ainda o instrumento de avaliação adotado. Optou-se por trabalhar com as contribuições dos estudos sobre poder e liderança não como uma abordagem específica, mas como um dos critérios de análise, definindo-se com base em Yukl e Falbe (1991) se a abordagem de liderança se direciona mais às formas de poder da posição ou de poder da pessoa, visto que no final as contribuições dos estudos sobre o poder se direcionam mais à análise da forma pela qual a liderança é exercida, do que sobre a definição do que é liderança e como ela é praticada nas organizações. Tendo em vista a consideração de duas formas de liderança contingencial neste trabalho, a proposta de Fiedler e também a abordagem do caminho-meta e considerando-se que cada uma delas possui suas próprias particularidades, preferiu-se apresentar duas colunas diferentes, uma para cada uma dessas vertentes contingenciais da liderança. A Figura 1, apresentada após as considerações finais, sintetiza as contribuições oferecidas pelo presente artigo científico. CONSIDERAÇÕES FINAIS A proposta deste trabalho se constitui na revisão das principais abordagens de liderança, sob a ótica dos Estudos Críticos da Liderança, para então propor um quadro sintético-comparativo que possa vir a servir de referência para os futuros estudos na área. Nesse sentido, demonstrou-se em primeiro lugar a necessidade de estudos mais críticos das abordagens de liderança, o que significa não apenas debater qual é a abordagem mais adequada e facilmente aplicável às organizações, mas trata-se de efetivamente questionar os principais construtos estudados e até mesmo as bases epistemológicas pelas quais a liderança deve ser estudada, como propõem Ford (2010) e ainda sob outras bases Crevani, Lindgren e Packendorff (2010). Foram revisadas 10 diferentes abordagens de liderança, considerando a proposta de análise da liderança por eras de Van Seters e Field (1990), aliadas às abordagens de liderança que vêm se destacando nos últimos anos. Assim, foram selecionadas para integrar o quadro crítico-comparativo as abordagens dos traços, comportamental, situacional, contingencial, nas visões de Fiedler e do caminho-meta, a liderança transacional (LMX), a liderança transformacional, as formas de liderança ética como a servidora, espiritual e autêntica, além das propostas de liderança compartilhada ou distribuída. Assim, foi desenvolvido o quadro sintético apresentado na Figura 1 abaixo, que objetiva-se possa servir de base ao estudo e compreensão das abordagens de liderança, bem como que possa vir a servir como ponto de partida para o desenvolvimento de estudos de caráter empírico, especialmente qualitativo, no intuito de entender em profundidade o complexo de situações que envolvem a relação líder-liderado na prática organizacional.

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Figura 1: Quadro crítico-comparativo das abordagens de liderança

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Fonte: Autoria própria, com base na literatura.

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