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ANÁLISE DE ESTRUTURAS GEOTÉCNICAS Setembro de 2012 Nuno Manuel da Costa Guerra

Análise de Estruturas Geotécnicas Nuno Guerra FCT/UNL

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Sebenta da disciplina de Análise de Estruturas Geotecnicas versão 2013 da Faculdade de Ciências e Técnologia (FCT) da Universidade Nova de Lisboa.

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ANÁLISE DE ESTRUTURAS GEOTÉCNICAS

Setembro de 2012

Nuno Manuel da Costa Guerra

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Parte I

Introdução às Estruturas Geotécnicas

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Capítulo 1

Introdução

1.1 A Análise de Estruturas Geotécnicas

O presente texto aborda as estruturas geotécnicas e a sua análise, e pretende servir de

apoio a uma disciplina de Introdução às Fundações, entendida como a segunda disciplina de

Geotecnia num curso clássico universitário de Engenharia Civil. Foi, em especial, escrito para

apoio a uma disciplina de um curso de Mestrado em Engenharia Civil (no espírito da Con-

venção de Bolonha), podendo igualmente servir de apoio a uma Licenciatura em Engenharia

Civil. Pretende dar uma formação básica em Estruturas de Suporte, Fundações e Taludes,

organizada de acordo com o programa que se indica em seguida:

• Introdução às Estruturas Geotécnicas

• Introdução ao colapso dos maciços – métodos de análise:

– Métodos de Análise limite.

– Métodos de Equilíbrio limite.

• Colapso dos maciços:

– Pressões de terras.

– Capacidade resistente ao carregamento vertical.

– Colapso de maciços em talude.

• Verificação da segurança das estruturas geotécnicas aos estados limites últimos:

– o Eurocódigo 7.

– Verificação da segurança de fundações superficiais.

– Verificação da segurança de taludes.

– Verificação da segurança de estruturas de suporte.

• Deslocamentos de estruturas geotécnicas.

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4 Capítulo 1. Introdução

O leitor deste texto deverá ter noções elementares de Mecânica dos Solos, conhecendo as

propriedades básicas de um solo em função da sua granulometria e dos limites de consistência

e deve estar familiarizado com as propriedades índice mais comuns aos solos. Deve conhecer

o princípio das tensões efectivas e os problemas de escoamentos em meios porosos. Deve estar

familiarizado com os problemas de deformabilidade de solos e da sua resistência, em condições

drenadas e não drenadas.

Na disciplina básica de Mecânica dos Solos que os utilizadores deste texto deverão ter

frequentado, tomaram contacto, compreenderam e interpretaram a “mecânica dos materiais

geotécnicos”, tendo analisado esse comportamento sob o ponto de vista da sua resistência e da

sua deformabilidade, de forma integrada, recorrendo, por exemplo, à mecânica dos solos dos

estados críticos.

Pretende-se, com o presente texto, passar da mecânica do material – analisada habitual-

mente num ponto – para a mecânica da estrutura geotécnica, que exige a compreensão das

alterações dos estados de tensão e as suas consequências: determinação de cargas de colapso e

de deslocamentos. Tem igualmente como objectivo introduzir as noções de segurança e de ve-

rificação de segurança, com particular destaque para a aplicação dos conceitos e metodologias

do Eurocódigo 7 (NP EN 1997-1, 2010).

Para uma mais completa formação nesta área, deve seguir-se uma disciplina mais ligada

ao projecto e dimensionamento e que aborde Fundações especiais e Contenções, que o texto

não pretende cobrir.

Finalmente, para uma formação mais específica na área da Geotecnia, os cursos de Enge-

nharia Civil têm, habitualmente, formação opcional mais específica, das áreas da Engenharia

Sísmica, Obras Subterrâneas, Obras de Aterro, Modelação Avançada, etc.

1.2 As estruturas geotécnicas

Qualquer obra de Engenharia Civil tem uma componente geotécnica, dado que possui, pelo

menos, a fundação. É o caso das estruturas mais correntes, os edifícios, que possuem fundações

que podem ser superficiais, se o terreno possuir superficialmente características adequadas às

cargas e às dimensões das fundações ou profundas, caso seja necessário procurar a maiores

profundidades as características que não estão disponíveis à superfície. O tipo mais comum de

fundações superficiais são as “sapatas” e as fundações profundas são habitualmente designadas

por “estacas”. No que respeita a estes tipos de estruturas, há que efectuar o dimensionamento

dos próprios elementos estruturais e, do ponto de vista do solo, importa garantir, por um lado,

a segurança em relação à rotura e, por outro, que não ocorram assentamentos excessivos, que

possam provocar danos na super-estrutura (estrutura da obra a ser executada acima do nível

do terreno) ou impedir o seu normal funcionamento.

Um outro tipo de estrutura geotécnica muito comum é o caso dos muros de suporte. Con-

forme o seu nome indica, destinam-se a suportar os impulsos gerados pelo terreno suportado

e deverão ser estáveis, o que significa que não deverão, por exemplo, deslizar ou derrubar.

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Capítulo 1. Introdução 5

Este tipo de estrutura designa-se habitualmente como estrutura de suporte rígida, pelo

facto de funcionar como corpo rígido, não sendo a sua deformabilidade muito significativa

nem tendo consequências importantes no seu comportamento. Não é, no entanto, o caso das

chamadas estruturas de contenção flexíveis, como as que são apresentadas na Figura 1.1. Com

este tipo de estrutura, conforme se pode verificar através da observação da referida Figura, é

possível realizar escavações de face vertical com o recurso a contenção adequada.

Figura 1.1: Estrutura de contenção flexível ancorada, em Seattle, nos EUA.

As escavações de face vertical com contenção flexível, no entanto, só são realizadas em

meios urbanos fortemente ocupados e em que não é possível o recurso a outras soluções que

utilizem taludes inclinados. Estes apresentam o inconveniente de envolverem uma área muito

mais significativa mas a vantagem de serem normalmente muito mais económicos. O estudo

da estabilidade e da estabilização de taludes é, assim, uma outra área tipicamente Geotécnica.

A Figura 1.2 mostra, numa representação esquemática, obras de estabilização de um talude,

necessárias no caso representado para que seja verificada a segurança da estabilidade da massa

de solo.

Figura 1.2: Representação esquemática de obras de estabilização de um talude.

Os problemas de taludes ocorrem quer em taludes naturais e de escavação quer em taludes

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6 Capítulo 1. Introdução

de aterro, ou seja, em obras de terra. Os casos mais frequentes são os aterros de estradas e de

aeródromos, assim como os aterros de barragens de terra e, mais recentemente, os aterros de

resíduos sólidos. Note-se que nestes tipos de obra, o próprio solo é utilizado como material de

construção, exigindo, assim, a sua compactação e o adequado controlo das suas características.

Igualmente a própria escolha do material a utilizar é um aspecto fundamental. Dado que

servem objectivos diferentes, as características a exigir para um aterro de uma estrada são

consideravelmente diferentes das que se exigem no aterro de uma barragem. A compactação

de solos é, assim, uma matéria de grande importância, mas que não é abordada neste texto.

Uma outra actividade eminentemente geotécnica é o melhoramento de terrenos. Procede-se

ao melhoramento de terrenos quando as obras de engenharia civil que se pretendem fazer em

determinado local exigem solos com melhores características do que as ocorrem nesse local.

Um outro tipo de obra fundamentalmente geotécnica é o caso dos túneis. Estes são re-

alizados quando por razões económicas, sociais e (ou) ambientais, se tornam vantajosos em

relação às escavações a céu aberto ou a outras obras. Um caso particularmente mediático e

interessante foi o da execução do túnel sob a Mancha, a que se refere a Figura 1.3.

(a) Planta e corte longitudinal

(b) Corte transversal

Figura 1.3: Túnel sob a Mancha: planta, corte longitudinal e corte transversal.

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Capítulo 1. Introdução 7

1.3 A importância da determinação das cargas de colapso e de

deslocamentos de estruturas geotécnicas

A variedade de obras geotécnicas justifica, por si só, a importância e o interesse da Geotec-

nia como área da Engenharia Civil. No entanto, essa importância torna-se talvez ainda mais

evidente se tivermos em consideração alguns casos em que ou os aspectos geotécnicos não foram

suficientemente considerados ou constituíram notável surpresa para os técnicos e a sociedade

e que resultaram em acidentes ou simplesmente em incidentes curiosos ou importantes.

Independentemente das causas que os provocaram, a análise e o estudo de acidentes e

incidentes constitui sempre um trabalho que conduz a uma importante aprendizagem.

Um dos casos mais curiosos e conhecidos é o da torre inclinada de Pisa, que apresenta

ainda a particularidade adicional de a sua história ter sofrido em tempos muito recentes,

importantes desenvolvimentos. Uma das publicações mais interessantes sobre esta Torre é o

texto da XIV Lição Manuel Rocha (Jamiolkowsky, 1999) e a maior parte da informação que

aqui se apresenta provém dessa interessantíssima Lição.

Contrariamente ao que se possa pensar, a torre de Pisa tornou-se inclinada ainda durante

a própria construção. Esta decorreu em três fases, conforme ilustra a Figura 1.4 e em algumas

zonas nota-se mesmo as tentativas de correcção da inclinação que se terá iniciado durante a

2a fase.

Figura 1.4: Fases de construção da Torre de Pisa (Jamiolkowsky, 1999).

As informações reunidas pela equipa responsável pelo estudo da Torre de Pisa sobre a sua

inclinação estão reunidas na Figura 1.5, mostrando claramente a tendência para o aumento

daquela, assim como a ocorrência de alguns períodos em que o incremento da inclinação é

particularmente significativo.

Um estudo aprofundado do terreno, da torre e da sua fundação mostrou que seria espec-

tável que o fenómeno fosse progressivo, isto é, que a excentricidade inicial da carga motivada

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8 Capítulo 1. Introdução

Figura 1.5: Dados históricos sobre a inclinação da Torre de Pisa (Jamiolkowsky, 1999).

provavelmente por algum defeito geométrico durante a construção teria iniciado a inclinação

da torre, aumentando assim a excentricidade e assim sucessivamente. Em todo o caso, ficou

bem claro que o fenómeno era associado ao terreno de fundação e ao seu início de rotura. Os

mesmos estudos apontavam para coeficientes de segurança da Torre bastante baixos, entre

1.1 e 1.2, deixando antever que a ruína ocorreria provavelmente nos próximos 40 a 50 anos,

mantendo-se o ritmo de aumento da inclinação.

No entanto, esta previsão de ruína teria apenas em consideração a instabilidade da torre

como corpo rígido que perderia o equilíbrio, não considerando portanto a influência que a

inclinação teria nas tensões na própria estrutura da torre. Com efeito, o facto de a torre estar

inclinada provoca na própria alvenaria da sua estrutura tensões muito mais significativas do

que as que seriam de esperar se ela fosse perfeitamente vertical. Para além disso, a histórica

ruína ocorrida em 1902 da Torre do Sino da Praça de S. Marcos em Veneza e, mais recente-

mente, em 1989, a da Torre do Sino da Catedral de Pavia, parecem ter tido como origem um

modo de rotura deste tipo. A agravar tudo isto está ainda o facto de este modo de rotura

ocorrer de forma brusca, sem qualquer aviso.

Investigações realizadas na Torre permitiram prever que, efectivamente, este modo de

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Capítulo 1. Introdução 9

rotura seria o mais provável, e foi identificada a zona crítica da estrutura. O processo de

recuperação e reabilitação da Torre iniciou-se, assim, em 1992, com a instalação de cabos de

aço na estrutura da Torre por forma a minorar as hipóteses de ocorrência de colapso estrutu-

ral. Entre Maio de 1993 e Janeiro de 1994, foram instalados pesos de chumbo para contrariar

a excentricidade da carga e, pela primeira vez na história da Torre, esta inverteu o sentido

de variação da inclinação. Em Fevereiro de 1999 iniciou-se uma outra intervenção, denomi-

nada de “subescavação” (“underexcavation”), que consiste na retirada de solo sob a fundação,

através de furos inclinados realizados a partir da superfície do terreno. A Figura 1.6 mostra

esquematicamente estas iniciativas, assim como uma solução de recurso, na eventualidade de

algum comportamento indesejável da torre, que consiste na aplicação de contrapesos através

dos cabos sub-horizontais visíveis na mesma Figura. Os desenvolvimentos recentes parecem

ser, assim, de acordo com a informação disponível, bastante favoráveis.

Figura 1.6: Representação esquemática da metodologia para corrigir parcialmente a inclinaçãoda Torre de Pisa.

O caso da Torre de Pisa é, portanto, bem elucidativo da importância da adequada consi-

deração dos mecanismos de rotura de fundações superficiais. Tais mecanismos serão objecto

de estudo do presente texto.

Um outro caso bastante conhecido é o da rotura da Barragem de Malpasset. Trata-se de

uma barragem de betão armado, em França, cujo acidente, de grande gravidade, foi provo-

cado por deficiente comportamento da fundação, tendo-se destacado uma cunha da margem

esquerda (Rocha, 1981) no dia 2 de Dezembro de 1959. A barragem tinha sido terminada

em 1954 e o enchimento da albufeira estava a ocorrer desde há 5 anos. Fotografias do local

da Barragem e das suas ruínas são apresentadas na Figura 1.7. Na sequência deste acidente,

morreram 420 pessoas. A barragem nunca foi reconstruída.

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10 Capítulo 1. Introdução

Figura 1.7: Ruínas da Barragem de Malpasset.

Os sismos são das acções que podem causar maiores danos nas estruturas executadas pelo

Homem. A Figura 1.8 evidencia os efeitos desta acção sob a forma de liquefacção do solo

de fundação, em consequência do sismo de Niigata, em 1964. A liquefacção é resultado do

aumento das pressões da água no solo em consequência da acção sísmica e ocorre sobretudo

em areias finas soltas e submersas. Trata-se de um efeito que pode já ser parcialmente compre-

endido pelos conceitos de Mecânica dos Solos que o leitor deverá conhecer e que será também

aflorada ao longo do presente texto.

Figura 1.8: Efeitos da liquefacção do solo de fundação, no sismo de Niigata, em 1964.

De consequências menos devastadoras mas de inegável interesse é o caso da Cidade do

México. Esta cidade foi edificada num antigo lago, através da sucessiva deposição de material

de aterro sobre este e da construção sobre este meio pantanoso e altamente deformável. Como

consequência, as estruturas sofrem assentamentos muito significativos, conforme se pode ob-

servar, por exemplo, na Figura 1.9(a), que mostra o Palácio das Belas Artes. A fotografia, por

si só, talvez não seja suficientemente elucidativa, mas faz-se notar que os degraus descendentes

da rua para o Palácio foram, em tempos, ascendentes. O assentamento total foi, assim, da

ordem dos 3 m.

Estes assentamentos, conforme referido, são devidos à existência de uma camada compres-

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Capítulo 1. Introdução 11

(a)

(b)

Figura 1.9: a) Palácio das Belas Artes, na Cidade do México. Os degraus visíveis na foto-grafia para acesso ao monumento foram, em tempos, ascendentes; b) Basílica e Convento dosCapuchinhos, na Cidade do México, onde são visíveis importantes assentamentos diferenciais.

sível na fundação. Sob o ponto de vista estrutural, se os assentamentos forem uniformes não

ocorrem danos, se bem que outro tipo de inconvenientes possam existir, como as ligações às

infra-estruturas. No entanto, quando há assentamentos elevados, há normalmente também as-

sentamentos diferenciais elevados, ou seja, assentamentos entre diferentes partes da estrutura.

Naturalmente que estes assentamentos diferenciais tenderão a ser maiores se houver variações

de espessura da camada de solo compressível. É o caso da Basílica e do Convento dos Capu-

chinhos que lhe é adjacente, também na Cidade do México, que se encontra representado na

Figura 1.9(b). O convento, à direita da Basílica, apresenta elevadíssimas deformações como

resultado deste fenómeno.

A Figura 1.10 representa um caso de rotura de uma cortina de contenção flexível, ocorrida

em Lisboa, em 1993, felizmente sem perda de vidas, que terá sido causada por perda de

equilíbrio vertical, isto é por perda de capacidade de carga vertical, face às componentes

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12 Capítulo 1. Introdução

verticais das cargas impostas pelas ancoragens.

Figura 1.10: Rotura de cortina de contenção flexível em Lisboa.

Um outro tipo de acidente geotécnico bastante corrente e de consequências que podem ser

bastante graves é o caso dos escorregamentos de taludes, isto é, de instabilizações de massas

de solo ou rocha. Apresentam-se dois casos.

O primeiro ocorreu nos Estados Unidos da América, em La Conchita, no Colorado, e o

fenómeno ocorrido está bem evidenciado na Figura 1.11. Apesar das aparências, não houve

quaisquer vítimas mortais.

Figura 1.11: Deslizamento de talude em La Conchita, no Colorado (EUA).

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Capítulo 1. Introdução 13

Este caso permite ter uma ideia bem clara do tipo de problemas com que a Engenharia

Geotécnica tem, por vezes, que lidar, assim como das enormes massas de solo que pode ser

necessário estabilizar. Os problemas de estabilidade de taludes serão abordados neste texto.

No entanto, o segundo caso que se apresenta é ainda mais impressionante, quer pelo volume

de terras envolvido quer pelas consequências no que respeita a vítimas humanas. Com efeito,

houve 2500 mortes a lamentar. Trata-se do escorregamento ocorrido na margem esquerda da

albufeira da Barragem de Vajont. Esta barragem foi construída entre 1956 e 1960. No dia 9 de

Outubro de 1963 uma enorme massa de material rochoso deslizou para o interior da albufeira.

A Figura 1.12 mostra a albufeira vista de montante, após o deslizamento. A Figura 1.13 é,

talvez, mais clara e permite um melhor entendimento do ocorrido.

Como consequência deste enorme escorregamento, com extensão aproximada de 1.7 km,

formou-se uma enorme onda, proveniente da água da albufeira, expulsa pelo material escor-

regado, que provocou grandes prejuízos humanos e materiais. A vila de Casso foi destruída,

assim como as de Longarone, Pirago, Villanova, Rivalta e Fae. A barragem resistiu e encon-

tra-se actualmente em funcionamento.

A causa para este comportamento parece estar na existência, entre o material rochoso

do vale na zona escorregada, de uma camada de argila de pequena espessura, ao longo da

qual se terá dado a instabilização, por insuficiente resistência ao corte, diminuída devido ao

enchimento da albufeira, por redução da tensão efectiva. Este conceito de tensão efectiva é já

do conhecimento do leitor deste texto e será amplamente utilizado.

As barragens de grandes dimensões são obras de grande importância e com grandes con-

sequências nas sociedades que delas beneficiam, mas podem ser igualmente obras envolvendo

inconvenientes importantes de ordem social ou ambiental ou mesmo os decorrentes dos casos

em que ocorrem acidentes, conforme foram os dois respeitantes a barragens anteriormente refe-

ridos (Malpasset e Vajont). Em nenhum destes casos, no entanto, se tratava de uma barragem

de terra (ou de aterro, como podem ser igualmente designadas). O caso que em seguida se

apresenta trata de uma barragem deste tipo.

É o caso da rotura da barragem de Teton. No caso das barragens de terra, é espectável

que ao fim de alguns anos se instale no próprio corpo da barragem um regime de percolação

(movimento da água nos solos) que, se a barragem tiver sido bem dimensionada e construída

e se estiver a ser adequadamente explorada, deverá implicar a passagem de um caudal rela-

tivamente pequeno pelo corpo da barragem. Uma questão especialmente importante quando

há escoamentos em solos (aterros ou não) é o caso da chamada “erosão interna”.

A barragem de Teton foi destruída por erosão interna. Tratava-se de uma barragem com

90 m de altura, construída no rio Teton, no Idaho, EUA. O enchimento da albufeira começou

em Novembro de 1975. O colapso deu-se a 5 de Junho de 1976, com a albufeira a 1 m da cota

máxima e a 9 m do coroamento da barragem. A Figura 1.14(a) mostra a barragem, vista de

jusante, após a construção.

A rotura da barragem foi precedida de um período de dois dias em que se verificou um

gradual aumento da água percolada. Na manhã do dia 5 de Junho começa a ser visível um

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14 Capítulo 1. Introdução

Figura 1.12: Escorregamento de Vajont. Aspecto da albufeira vista de montante após odeslizamento.

Figura 1.13: Representação esquemática do escorregamento de Vajont. Estima-se que a massainstabilizada tenha atingido velocidades da ordem dos 30 m/s e que terá subido na margemdireita cerca de 140 m; 45 segundos após o início do escorregamento não havia qualquermovimento de terreno.

aumento da quantidade de água que atravessa o aterro na face de jusante da barragem. Cerca

das 11:00 tinha-se formado um “túnel” no corpo da barragem com cerca de 1.8 m de diâmetro.

A Figura 1.14(b) traduz esta situação.

Pouco antes das 12:00 horas formara-se uma brecha (Figura 1.14(c)) e a barragem estava

praticamente destruída (Figura 1.14(d)). Ao fim da tarde do dia 5, o aspecto da barragem era

o que está representado na Figura 1.14(e).

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Capítulo 1. Introdução 15

(a) (b)

(c) (d) (e)

Figura 1.14: Rotura da Barragem de Teton.

A rotura da barragem, apesar de rápida, permitiu a evacuação das populações a jusante,

mas ainda assim 14 vidas humanas foram perdidas.

Muitos dos casos apresentados mostram a necessidade de se proceder ao dimensionamento

em relação aos modos de rotura que esses casos mostraram e em relação a outros modos de

rotura. Assim, os próximos capítulos irão focar os métodos de análise de colapso de estruturas

geotécnicas e a determinação das cargas de colapso dos casos mais simples dessas estruturas

geotécnicas. Com base no conhecimento dessas cargas de colapso far-se-á, posteriormente, a

introdução à verificação da segurança.

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16 Capítulo 1. Introdução

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Parte II

Métodos de análise do colapso de

estruturas geotécnicas

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Capítulo 2

Introdução aos métodos de

determinação de cargas de colapso

2.1 Problemas geotécnicos “simples”: determinação de cargas

de colapso

No estudo clássico da Mecânica dos Solos, que o leitor deste texto terá feito, a rotura

do solo foi analisada ao nível pontual ou elementar, isto é, o estado de tensão foi assumido

constante no elemento de solo analisado, pelo que o estudo pôde ser feito como se se tratasse

de um ponto. Mesmo quando se procurou abordar a questão sob um ponto de vista dos

ensaios de laboratório e do comportamento de provetes de solo, o estado de tensão era sempre

constante, dado que as tensões aplicadas ao provete eram bem conhecidas e a geometria e

condições de fronteira relativamente simples.

No entanto, conforme se viu no Capítulo 1, a rotura das estruturas geotécnicas não se

verifica, naturalmente, porque o estado de tensão num ponto atingiu o correspondente à

rotura mas sim porque tal aconteceu ao longo de uma superfície ou ampla zona do maciço.

Na maior parte das situações analisadas, a rotura ocorreu de modo relativamente complexo,

em que diversos detalhes do problema influenciaram o ocorrido. Verifica-se, no entanto, que,

por um lado, na maior parte dos casos estiveram presentes pelo menos uma de três situações

geotécnicas simples, a que se fará referência em seguida e, por outro lado, o estudo destas

situações geotécnicas simples constitui uma base fundamental para a compreensão das mais

complexas.

Um dos objectivos deste texto é, portanto, a determinação de cargas de colapso de três

problemas geotécnicos “simples” e básicos, indicados na Figura 2.1:

• a determinação de impulsos de terras;

• a determinação de cargas verticais limites;

• a determinação da geometria ou do peso de terras que induz a rotura de maciços em

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20 Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso

talude.

(a) (c)(b)

Figura 2.1: Determinação de cargas de colapso de problemas geotécnicos simples: a) deter-minação de impulsos de terras; b) determinação de carga vertical limite; c) estabilidade demaciços em talude

São estes os casos básicos que serão objecto de análise no texto, partindo-se, em cada

caso, da situação mais simples que vai, sucessivamente, sendo tornada mais complexa e mais

próxima de uma situação real.

A determinação de cargas de colapso será feita recorrendo a duas técnicas:

• a análise limite;

• o equilíbrio limite.

Ambas as técnicas implicam a utilização de simplificações que serão descritas e analisadas

em seguida.

2.2 Determinação de cargas de colapso através de análise limite

2.2.1 Algumas noções de plasticidade

As soluções para qualquer problema de mecânica devem respeitar três condições:

• o equilíbrio;

• a compatibilidade;

• as propriedades dos materiais.

O ideal seria que as soluções fossem completas, isto é, que respeitassem as três condições.

No entanto, dada a complexidade dos problemas, haverá que aceitar, em muitas situações, um

compromisso entre a possibilidade de obter soluções e a sua exactidão.

Assumir-se-á que as propriedades resistentes dos materiais geotécnicos podem ser escritas,

em condições drenadas, por:

τ = σ′tgφ′

ou, em condições não drenadas, por:

τ = cu (2.1)

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Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso 21

O solo exibe comportamento elástico para deformações muito pequenas; a partir de de-

terminado valor de deformação, no entanto, o solo sofre deformações plásticas, permanentes,

irreversíveis.

A deformação total pode ser escrita através da soma da deformação elástica com a defor-

mação plástica, ou seja

dε = dεe + dεp (2.2)

Para determinar as deformações plásticas é necessário definir um critério de cedência, uma

lei de fluxo e uma lei de endurecimento, o que permite conhecer, respectivamente, quando

ocorrem as deformações plásticas, qual a sua direcção e qual o seu valor.

As deformações plásticas ocorrem quando, no espaço das tensões, é atingida a superfície

de cedência, de equação genérica

F(

σ′ij , εpij

)

= 0 (2.3)

A dependência do critério de cedência das deformações plásticas traduz o endurecimento.

Num material perfeitamente plástico não ocorre endurecimento e os incrementos de tensão,

uma vez atingida a superfície de cedência, têm que ocorrer na própria superfície. Caso tal não

ocorra, desenvolvem-se deformações plásticas de valor infinito.

Na análise limite, o material é considerado perfeitamente plástico.

Com o objectivo de simplificar os cálculos de estabilidade, é possível ignorar algumas das

condições de equilíbrio e de compatibilidade e usar dois importantes teoremas da teoria do

colapso plástico. Acontece que, ignorando a condição de equilíbrio, pode ser determinado

um limite superior da carga de colapso de forma a que se uma estrutura for carregada até

este nível, colapsará; de forma semelhante, ignorando a condição de compatibilidade, pode

determinar-se um limite inferior da carga de colapso, de forma a que uma estrutura carregada

até este valor não colapsará. Naturalmente que a verdadeira carga de colapso está entre estes

dois limites.

Habitualmente é possível obter limites inferiores e superiores da carga de colapso razoavel-

mente próximos um do outro. Considerando, então, o material como perfeitamente plástico

e com lei de fluxo associada ter-se-á que, na rotura, o solo sofre deformações plásticas de

incremento constante e, portanto, com vector de deformação plástica normal à envolvente de

rotura (Figura 2.2).

No caso não drenado, a envolvente de rotura é horizontal e não há deformações volumétricas

(a deformação ocorre a volume constante) e, portanto, o incremento de deformação plástica é

normal à envolvente, conforme sugere a Figura 2.2. No caso drenado, a envolvente de rotura

é do tipo da representada na mesma Figura e se a lei de fluxo for associada o ângulo de

dilatância ψ é tal que

tgψ = −δεpn

δγp= tgφ′ (2.4)

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22 Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso

σσ′

τ

τ = cu

τ = cu

φ′

φ′

δεpn = 0δεpn

δγp

δγpδγp

ψ

τ, δγpτ, δγp

σ, δεpn σ′, δεpn

δεp −δεpn

Não drenado Drenado

Figura 2.2: Incrementos de deformação plástica de solo perfeitamente plástico com lei de fluxoassociada.

2.2.2 O princípio dos trabalhos virtuais

No caso de corpos rígidos, o princípio dos trabalhos virtuais estabelece que se um corpo

rígido está em equilíbrio, então o trabalho das forças exteriores para um deslocamento virtual

compatível com as condições de fronteira é nulo.

Para o caso de corpos deformáveis, o mesmo princípio estabelece que o trabalho das forças

exteriores para um deslocamento virtual compatível com as condições de fronteira é igual ao

trabalho realizado pelas tensões e deformações internas.

2.2.3 Teoremas do colapso plástico

Considere-se, então, um material com comportamento perfeitamente plástico e com lei de

fluxo associada. Na rotura, as forças e as tensões não se alteram, pelo que a componente

elástica das deformações é nula; qualquer incremento de deformação representa o incremento

de deformação plástica que é, como se viu, normal à envolvente de rotura.

Teorema cinemático ou da região superior

O teorema da região superior (ou do limite superior ou teorema cinemático) diz que se,

para um dado mecanismo de colapso compatível, o trabalho das forças exteriores for igual ao

trabalho das tensões internas, as forças exteriores aplicadas causam o colapso.

Para provar a veracidade deste teorema, considere-se um sistema de forças exteriores, Fucom as correspondentes tensões internas σ′u e um mecanismo de colapso associado a desloca-

mentos na fronteira δωu e deformações internas δεu. Se a linha SS da Figura 2.3 representar

a superfície de cedência, o incremento de deformação plástica, δεu será normal à referida

superfície.

Page 25: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso 23

σ′uσ′c

δεu

σ′, δε

σ′, δε

S

S

Figura 2.3: Teorema da região superior.

A aplicação do teorema superior conduz a que o sistema de forças Fu causa colapso se

Fuδωu =

σ′uδεudV (2.5)

Se Fc e σc forem, respectivamente, a verdadeira carga de colapso e as tensões internas

correspondentes, o princípio dos trabalhos virtuais estabelece igualmente que

Fcδωu =

σ′cδεudV (2.6)

Considerando, da Figura 2.3, que

σ′uδεu ≥ σ′cδεu (2.7)

Resulta, assim, que

Fu ≥ Fc (2.8)

conforme enunciado pelo teorema.

Para determinar um limite superior é, assim, necessário calcular o trabalho realizado pe-

las tensões internas e pelas forças exteriores para um incremento de deslocamento de um

mecanismo compatível. O trabalho de uma força é, simplesmente, o produto da força pelo

incremento de deslocamento na direcção da força no seu ponto de aplicação, pelo que, para

forças concentradas, o cálculo é normalmente simples de fazer.

O trabalho das tensões internas é o trabalho dissipado pela deformação plástica no ma-

terial, nas superfícies que formam o mecanismo compatível. Considere-se que na Figura 2.4

estão representadas pequenas porções de superfícies de deslizamento de um mecanismo de

colapso, que sofrem incrementos de deslocamento δw.

No caso drenado o trabalho das tensões internas (efectivas) é

δWi = τLδℓ− σ′Lδn (2.9)

Page 26: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

24 Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso

σ σ′τ

τ = cu

φ′

δw

LL

yyψ

δℓ

δn

δγδγ

Não drenado Drenado

Figura 2.4: Trabalho das tensões internas em superfícies de deslizamento

Note-se que, para um comportamento dilatante o trabalho das tensões normais é negativo

dado que σ′ e δn têm sentidos opostos. Dado que o volume da superfície analisada é V = Ly,

δεn = − δny e δγ = δℓ

y a equação (2.9) pode escrever-se como

δWi = τ ′Lyδγ + σ′Lyδεn = V(

τδγ + σ′δεn)

(2.10)

Sendo o material puramente atrítico, tem-se que τ = σ tgφ′. Atendendo a que tgψ = − δεn

δγ

a equação anterior fica

δWi = V

(

τδγ − τ

tgφ′δγ tgψ′

)

= V τδγ

(

1 − tgψ

tgφ′

)

(2.11)

Para um material com lei de fluxo associada, tem-se que ψ = φ′ pelo que, sendo puramente

friccional, o trabalho dissipado pelas tensões internas é

δWi = 0 (2.12)

Poderia, igualmente, ter-se verificado, da Figura 2.4, que:

tgψ =δn

δw(2.13)

pelo que a equação (2.9) fica:

δWi = τLδℓ− σ′Lδn = σ′ tg φ′Lδℓ− σ′Lδℓ tgψ = σ′Lδℓ(

tg φ′ − tgψ)

(2.14)

que, pela razão exposta, é nula.

Em condições não drenadas o trabalho das tensões (totais) é

δWi = τLδw = cuLδw (2.15)

Teorema estático ou da Região Inferior

O teorema da região inferior (ou do limite inferior ou teorema estático) diz que se um

conjunto de forças exteriores está em equilíbrio com as tensões internas que em nenhum ponto

violam o critério de rotura, as forças exteriores aplicadas não causam o colapso.

Page 27: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso 25

Considere-se novamente a superfície de cedência SS, agora representada na Figura 2.5.

σ′l

σ′c

δεc

σ′, δε

σ′, δε

S

S

Figura 2.5: Teorema da região inferior.

Para a carga de colapso, ter-se-á que:

Fcδωc =

σ′cδεcdV (2.16)

e, para as forças Fl e tensões σ′l o princípio dos trabalhos virtuais permite concluir que:

Flδωc =

σ′lδεcdV (2.17)

Dado que

σ′lδεc ≤ σ′cδεc (2.18)

vem, conforme enunciado pelo teorema, que

Fl ≤ Fc (2.19)

2.2.4 Exemplos de aplicação

1. Utilizando o teorema da região superior e o mecanismo indicado na Figura 2.6 determine

a carga Q = quB, resultante da tensão qu distribuída na largura B que, nas condições

de um ensaio de compressão simples, leva ao colapso o provete de material argiloso

saturado, em condições não drenadas. Admita o solo com peso volúmico nulo e com

resistência não drenada cu = 50 kPa.

Considerando o mecanismo sugerido na Figura, admita-se o incremento de deslocamento

δw, com componente horizontal δh e componente vertical δv.

O trabalho das forças exteriores é o produto das forças exteriores pelos deslocamentos

que ocorrem com a sua direcção. A força exterior é a força Q, cuja estimativa (limite

superior) QLS se pretende determinar.

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26 Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso

ququ

γ = O

cuξ

ξB

L

δw

δw δh

δv

Figura 2.6: Exemplo de aplicação do teorema cinemático: ensaio de compressão simples

O deslocamento com a direcção de Q é:

δv = δw sen ξ (2.20)

pelo que o trabalho das forças exteriores é

δWe = QLS × δv = qLSu B × δw sen ξ (2.21)

O trabalho das tensões internas é o trabalho dissipado pela deformação plástica no

material, nas superfícies que formam o mecanismo compatível:

δWi = cuLδw = cuB

cos ξδw (2.22)

De acordo com o teorema cinemático,

δWe = δWi ⇒ qLSu B × δw sen ξ = cuB

cos ξδw (2.23)

pelo que:QLS

B= qLSu = cu

1

sen ξ cos ξ(2.24)

Faz-se notar que a solução depende de ξ mas que o teorema é válido para qualquer

mecanismo, o que implica qualquer valor de ξ. Ou seja, qLSu causará o colapso qualquer

que seja ξ. Tome-se, assim, como exemplo, ξ = 20o e determine-se qLSu :

qLSu = 50 × 1

sen 20o cos 20o= 155.6 kPa (2.25)

Sendo esta uma solução do teorema cinemático, sabe-se que causa o colapso, ou seja,

neste caso, que:

qLSu = 155.6 ≥ qEXu (2.26)

sendo qEXu a solução exacta do problema, para já desconhecida (na realidade deve ser

conhecida do leitor, da Mecânica dos Solos, mas voltar-se-á a este resultado em seguida).

Ora se o teorema é válido para qualquer mecanismo, isso quer dizer que se se considerar

Page 29: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso 27

agora ξ = 30o se obterá igualmente um valor de qu superior ou igual à solução exacta:

qLSu = 50 × 1

sen 30o cos 30o= 115.5 kPa (2.27)

Qual das duas soluções de qu — 155.6 kPa ou 115.5 kPa — é, portanto, melhor? A

resposta é naturalmente a menor das duas. Com efeito, se ambas são superiores à

solução exacta, a melhor será a mais próxima da exacta, ou seja, a menor.

Pode, assim, analisar-se como varia 1sen ξ cos ξ com ξ. Representa-se, assim, na Figura 2.7

este parâmetro em função do ângulo ξ, constatando-se que possui o mínimo (igual a 2)

para ξ = 45o.

0

1

2

3

4

5

6

7

8

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

1/[s

en ξ

cos ξ

]

ξ

Figura 2.7: Variação do parâmetro 1sen ξ cos ξ em função de ξ

Tal significa que a melhor solução para o tipo de mecanismo planar representado na

Figura 2.6 é:

qLSu = 2cu = 100 kPa ≥ qEXu (2.28)

2. Resolva-se, agora, o mesmo problema através do teorema estático. O estado de tensão

horizontal, na rotura (Figura 2.8), é nulo.

qu

ququ

γ = O

cu

Figura 2.8: Exemplo de aplicação do teorema estático: ensaio de compressão simples

Deste modo, a tensão vertical máxima que pode estar instalada no elemento em análise

é tal que o critério de rotura seja verificado, ou seja, conforme pode ser visto na Figura

2.9:

qLIu = 2cu ≤ qEXu (2.29)

Page 30: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

28 Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso

τ

σ

cu

qLIu

Figura 2.9: Exemplo de aplicação do teorema estático: ensaio de compressão simples – estadode tensão.

Faz-se notar que, dado que

qLSu = qLIu (2.30)

se tem que foi encontrada a solução exacta para o problema, provavelmente já conhecida

do leitor:

qEXu = 2cu (2.31)

3. Pretende-se agora determinar o valor de σ′1 que causa o colapso de um provete de solo

com ângulo de resistência ao corte φ′ = 30o sujeito a um ensaio triaxial em condições

drenadas, sujeito a σ′3 = 100 kPa (Figura 2.10).

ξξ

B

h1

h2

σ′1

σ′3

δw

δw

δh

δv

φ′

ξ − φ′

Figura 2.10: Exemplo de aplicação do teorema cinemático: ensaio triaxial.

Admitindo que se forma uma superfície de deslizamento conforme indicado na figura,

fazendo um ângulo ξ com a horizontal, tem-se que a direcção do deslocamento δw faz

com a superfície de deslizamento um ângulo ψ = φ′ (condição de lei de fluxo associada,

como se viu) e, portanto, faz com a horizontal um ângulo ξ − φ′.

Tem-se, assim, que o trabalho das forças exteriores é:

δWe = σ′1Bδv + σ′3h2δh − σ′3(h2 + h1)δh = σ′1Bδv − σ′3h1δh (2.32)

Atendendo a que:

tg ξ =h1

B(2.33)

Page 31: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso 29

e que:

tg (ξ − φ′) =δv

δh(2.34)

a equação (2.32) fica:

δWe = σ′1Bδh tg (ξ − φ′) − σ′3B tg ξδh (2.35)

Como se viu, em condições drenadas a energia dissipada é nula, pelo que a aplicação do

teorema cinemático implica que:

δWe = σ′1Bδh tg (ξ − φ′) − σ′3B tg ξδh = 0 = δWi (2.36)

o que conduz a:

σ′LS1 = σ′3tg ξ

tg (ξ − φ′)(2.37)

Tratando-se de uma solução da região superior (do teorema cinemático), tal significa

que todos os resultados obtidos da equação anterior são soluções que causam o colapso,

ou seja, são superiores ou iguais à verdadeira carga de colapso. Para o caso em estudo

de φ′ = 30o e σ′3 = 100 kPa, fazendo, por exemplo, ξ = 50o, obtém-se:

σ′LS1 = 100 × tg 50

tg (50 − 30)= 327.4 kPa (2.38)

Ou, por exemplo, fazendo ξ = 65o obtém-se:

σ′LS1 = 306.3 kPa (2.39)

Sendo ambas cargas de colapso, superiores à solução exacta do problema, tem-se que

a melhor solução é a que conduz ao menor valor, ou seja, das duas a mais próxima da

exacta será a segunda. Convida-se o leitor a determinar a carga de colapso mínima dada

pela equação (2.37).

Convida-se igualmente o leitor a procurar a solução para o mesmo problema dada pelo

teorema estático.

2.2.5 Observações aos métodos de análise limite

Os métodos que recorrem à análise limite são dos mais bem fundamentados, teoricamente,

para a determinação de estimativas de cargas de colapso. Permitem, num caso (TRS), deter-

minar cargas que causam necessariamente o colapso e, no outro (TRI), determinar cargas que

não o provocam. Sempre que seja possível determinar valores das cargas iguais através de um

e outro método, ter-se-á encontrado a solução exacta.

Faz-se igualmente notar que, em muitas situações, tal não será possível e determinar-se-á

cargas de colapso por uma e outra via, obtendo-se resultados diferentes. Se as soluções esti-

verem próximas poderá concluir-se que, para efeitos práticos, qualquer das soluções fornece

Page 32: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

30 Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso

valores adequados ao projecto.

Tal significa que algumas soluções de formulações para a determinação de cargas de co-

lapso que são correntemente usadas são soluções aproximadas, mas com suficiente grau de

aproximação para o seu uso corrente.

Recorda-se ainda que se considerou que a lei de fluxo do material era associada. Tal

corresponde bastante bem à realidade no caso de materiais saturados reagindo em condições

não drenadas; no entanto, solos em condições drenadas não exibem, normalmente, lei de fluxo

associada. Para estes materiais, assim, não há uma correspondência entre aquela hipótese da

análise limite e o comportamento real.

Refere-se, a esse propósito, que se pode demostrar, relativamente ao TRS, que um limite

superior para um material com ψ = φ′ é também um limite superior quando ψ < φ′. No

entanto, não se pode demonstrar o equivalente relativamente ao TRI, isto é, não se pode

demonstrar que um limite inferior para um material com ψ = φ′ o seja também para ψ < φ′.

Em qualquer caso, tanto boas soluções da região superior como boas soluções da região

inferior têm visto os seus resultados confirmados por resultados experimentais, o que permite

considerar esta metodologia de análise como bastante adequada.

2.3 Determinação de cargas de colapso por equilíbrio limite

2.3.1 Princípios do método

O método de equilíbrio limite é o mais correntemente utilizado na determinação de cargas

de colapso de estruturas geotécnicas.

A sua aplicação implica, em primeiro lugar, a consideração de um mecanismo de colapso

arbitrário, que no entanto deverá ser tão próximo quanto possível do mecanismo real. Em

seguida, procede-se ao cálculo do equilíbrio através da consideração das forças e (ou) momentos

aplicados ao bloco ou conjunto de blocos definidos pelo mecanismo.

O método combina características da região superior com características da região inferior.

É considerado um mecanismo, tal como no TRS, mas não necessita de ser completamente

compatível. Por outro lado, o equilíbrio de forças (global) é satisfeito, mas o equilíbrio local

não é investigado.

Os resultados das soluções de equilíbrio limite não se encontram necessariamente (como

acontece com a análise limite) de um ou outro lado da solução exacta, pelo que apenas permi-

tem obter um valor que, se o mecanismo for bem escolhido, a experiência tem demonstrado

ser um valor próximo da solução exacta.

Page 33: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso 31

2.3.2 Exemplo de aplicação

Retome-se o exemplo anteriormente visto em 2.2.4, da determinação da resistência à com-

pressão simples. Como se viu, é conhecida a solução exacta para este problema. Analise-se,

então, o mesmo caso do ponto de vista do equilíbrio limite (Figura 2.11). As forças aplicadas

no bloco indicado são Q, N e T , pelo que se pode escrever o sistema de equações seguinte,

fazendo equilíbrio de forças nas direcções de T e de N :

{

Q sen ξ = T

Q cos ξ = N

de que resulta, da primeira equação do sistema:

Q =T

sen ξ⇒ quB =

cuL

sen ξ=

cuB

sen ξ cos ξ⇒ qELu = cu

1

sen ξ cos ξ(2.40)

ququ

γ = O

cuξ

B

L

Q

T

N

Figura 2.11:

O resultado equivale à solução obtida através do teorema cinemático, pelo que, procuran-

do-se o mecanismo condicionante (o que corresponde ao menor valor), se obteria a mesma

solução:

qELu = 2cu (2.41)

Page 34: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

32 Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso

Page 35: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Parte III

Cargas de colapso

33

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Capítulo 3

Impulsos de terras

3.1 Introdução aos impulsos de terras

O problema da determinação de impulsos de terras foi brevemente descrito no Capítulo

2 como um dos três problemas geotécnicos “simples” que é objecto de análise neste texto.

O problema em questão pode resumir-se ao que se apresentou na Figura 2.1(a) mas, numa

situação mais genérica, pode ser apresentado da forma indicada na Figura 3.1.

i

δβ

I

h

Figura 3.1: Impulso de terras

Note-se que:

1. há um valor mínimo da carga I que deve estar aplicada ao terreno por forma a que este

esteja estável, pelo que, se valores inferiores a este forem aplicados, ocorre o colapso;

2. há um valor máximo da carga I que pode ser aplicada ao terreno por forma a que

este permaneça estável, pelo que, se valores superiores a este forem aplicados, ocorre o

colapso.

No primeiro caso, trata-se de um valor mínimo do impulso e este é designado por “impulso

activo” (Ia) e o estado de tensão a que tal corresponde no solo por “estado activo”. No segundo,

trata-se de um valor máximo do impulso e este é designado por “impulso passivo” (Ip), sendo

o estado de tensão a que corresponde esta situação designado por “estado passivo”.

A situação a que corresponde a Figura 3.1 é relativamente geral, podendo ainda genera-

lizar-se mais no caso de o terreno suportado ter superfície irregular ou suportar sobrecargas

aplicadas. Nesta Figura, i, β e h têm o significado indicado e δ é o ângulo de atrito entre

35

Page 38: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

36 Capítulo 3. Impulsos de terras

o solo e a estrutura que o suporta. Este ângulo pode ter o sentido indicado na Figura ou o

oposto. Comece-se, no entanto, por analisar o problema simples sugerido pela Figura 3.2, com

terreno respondendo em condições drenadas, com envolvente de rotura dado pela equação

τ = σ′tgφ′ (3.1)

I

Figura 3.2: Impulso de terras: caso de paramento vertical, impulso horizontal, terreno supor-tado horizontal.

3.2 Impulso de solos respondendo em condições drenadas, com

superfície horizontal em paramento vertical sem atrito so-

lo-paramento

3.2.1 Introdução

O problema em análise será estudado recorrendo às técnicas de determinação de cargas de

colapso estudadas no Capítulo 2:

• através do teorema estático ou da região inferior (TRI) – solução de Rankine;

• através do teorema cinemático ou da região superior, usando um mecanismo do tipo

planar;

• através de método de equilíbrio limite, usando também um mecanismo de tipo planar –

método de Coulomb.

3.2.2 Aplicação do teorema estático (TRI): a solução de Rankine

Impulso activo

Considere-se, para as condições em estudo de solo respondendo em condições drenadas,

com superfície horizontal em paramento vertical e sem atrito solo-paramento, um elemento de

solo à profundidade z (Figura 3.3).

Dada a inexistência de atrito solo-paramento, o impulso é, como se viu, horizontal. As

tensões efectivas vertical e horizontal no elemento de solo são, assim principais. A tensão

efectiva vertical é, portanto, dada por

σ′v = γz (3.2)

Page 39: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 3. Impulsos de terras 37

Ia

z

Figura 3.3: Geometria do problema: aplicação do teorema da região inferior à determinaçãodo impulso activo: teoria de Rankine

sendo γ o peso volúmico do solo. É, assim, conhecido um ponto do círculo de Mohr que

caracteriza o estado de tensão no elemento (Figura 3.4). Pode igualmente representar-se a

envolvente de rotura do solo, dado pela equação (3.1).

τ

φ′

σ′σ′vσ′ha

45o + φ′/2

Figura 3.4: Aplicação do teorema da região inferior à determinação do impulso activo: teoriade Rankine

Pretendendo-se conhecer o impulso activo, estão em causa as menores tensões efectivas

horizontais que podem estar aplicadas no elemento, σ′ha, sem violar o critério de rotura do

solo. Esta tensão é a outra tensão principal e é determinável atendendo a que

senφ′ =(σ′v − σ′ha) /2(

σ′v + σ′ha)

/2⇒ σ′ha =

1 − senφ′

1 + senφ′σ′v =

1 − senφ′

1 + senφ′γz (3.3)

O equilíbrio no elemento obriga a que a estimativa da tensão efectiva horizontal mínima que

necessita ser aplicada ao paramento vertical seja, portanto,

σ′LIha =1 − senφ′

1 + senφ′γz = KLI

a γz (3.4)

com

KLIa =

1 − senφ′

1 + senφ′(3.5)

O coeficiente KLIa é, portanto, a relação entre uma tensão efectiva horizontal e uma tensão

efectiva vertical, designando-se por “coeficiente de impulso”. Por ser a relação entre a tensão

Page 40: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

38 Capítulo 3. Impulsos de terras

efectiva horizontal activa e a tensão efectiva vertical, é um “coeficiente de impulso activo”.

Trata-se do coeficiente de impulso activo obtido por Rankine em 1857.

A equação 3.4 mostra a dependência linear da tensão efectiva horizontal activa com a

profundidade, conforme ilustra a Figura 3.5. A resultante do diagrama é, assim, a estimativa

do impulso activo dada pela aplicação do TRI:

ILIa =

h∫

0

KLIa γzdz =

[

1

2KLIa γz2

]h

0

=1

2KLIa γh2 (3.6)

45o + φ′

2

h

h3

KLIa γh

ILIa = 12K

LIa γh2

Figura 3.5: Impulso activo de Rankine

A Figura 3.4 permite ainda concluir que os planos segundo os quais ocorrem as tensões

tangenciais que igualam as tensões resistentes (ponto de tangência do círculo de Mohr à

envolvente de rotura) fazem um ângulo de 45o + φ′/2 com a horizontal.

Impulso passivo

Se estiver em causa a determinação da estimativa do máximo valor do impulso (impulso

passivo), há que estudar o valor da tensão efectiva horizontal máxima que pode estar aplicada

no elemento de solo à profundidade z. Essa tensão será a tensão σ′hp, indicada na Figura 3.6.

τ

φ′

σ′σ′vσ′ha

σ′hp

45o + φ′/2

45o − φ′/2

Figura 3.6: Aplicação do teorema da região inferior à determinação do impulso passivo: teoriade Rankine

Page 41: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 3. Impulsos de terras 39

Para haver equilíbrio no elemento, a tensão σ′hp é tal que:

senφ′ =(σ′hp − σ′v)/2

(σ′hp + σ′v)/2→ σ′hp =

1 + senφ′

1 − senφ′σ′v =

1 + senφ′

1 − senφ′γz (3.7)

O equilíbrio no elemento obriga a que a estimativa da tensão efectiva horizontal máxima que

pode ser aplicada ao paramento vertical seja, portanto,

σ′LIhp =1 + senφ′

1 − senφ′γz = KLI

p γz (3.8)

com

KLIp =

1 + senφ′

1 − senφ′(3.9)

O coeficiente KLIp é, portanto, a relação entre a tensão efectiva horizontal passiva e a tensão

efectiva vertical, pelo que é designado por “coeficiente de impulso passivo”.

De forma análoga à que foi usada para a determinação da estimativa do limite inferior do

impulso activo, a estimativa do impulso passivo pode ser obtida através de:

ILIp =

∫ h

0KLIp γzdz =

[

1

2KLIp γz2

]h

0

=1

2KLIp γh2 (3.10)

3.2.3 Aplicação do teorema cinemático (TRS)

Impulso activo

Para a determinação de uma estimativa do impulso activo (impulso mínimo que deve ser

aplicado por forma a evitar o colapso) através do teorema da região superior, propõe-se usar

o mecanismo de superfície planar sugerido pela Figura 3.7.

ILSa h

Ws

δw

δxδy

ξ

ψ = φ′

Figura 3.7: Aplicação do TRS com mecanismo planar à determinação do impulso activo

O trabalho das forças exteriores, δWe é dado por:

δWe = −ILSa δx+Wsδy (3.11)

sendo que δx e δy são, respectivamente, as componentes horizontal e vertical de δw. O trabalho

das forças exteriores deve ser:

δWe = δWi = 0 (3.12)

Page 42: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

40 Capítulo 3. Impulsos de terras

O comprimento ℓ é dado por

ℓ =h

tgξ(3.13)

e as componentes vertical e horizontal do deslocamento δw relacionam-se da seguinte forma:

δy

δx= tg

(

ξ − φ′)

(3.14)

Sendo o peso do solo, Ws, dado por

Ws =1

2γh2/tgξ (3.15)

e atendendo às equações (3.11), (3.13) e (3.14), a equação (3.12) resulta em:

ILSa =1

2γh2 tg(ξ − φ′)

tgξ=

1

2KLSa γh2 (3.16)

com

KLSa =

tg(ξ − φ′)

tgξ(3.17)

A estimativa da região superior do coeficiente de impulso KLSa depende do ângulo ξ, ou

seja, do ângulo que o plano que define o mecanismo faz com a horizontal. Tratando-se de uma

solução da região superior, todos os mecanismos definidos pelo ângulo ξ causam o colapso.

Por exemplo, para o caso de φ′ = 30o e ξ = 50o, obtém-se, através da equação (3.17):

KLSa =

tg(50 − 30)

tg50= 0.305 (3.18)

Tal significa que o impulso a que corresponde o coeficiente KLSa = 0.305 causará o colapso,

tal como todos os valores determinados pela equação (3.17).

Se todos os resultados dados pela equação (3.17) causam o colapso, então a melhor solução

será a que corresponde ao máximo dos valores fornecidos pela equação.

Assim, representando o coeficiente de impulso em função do ângulo ξ, obtém-se a Figura

3.8. Desta Figura conclui-se que o máximo de cada curva, traçada para cada ângulo de

resistência ao corte analizado, ocorre para ξ = 45 + φ′/2.

Assim, da equação (3.17) vem:

KLSa =

tg(45 + φ′/2 − φ′)

tg(45 + φ′/2)= tg(45 − φ′/2)tg(90 − 45 − φ′/2) = tg2(45 − φ′/2) (3.19)

Assim, para o caso de φ′ = 30o, vem, da equação (3.19):

KLSa = tg2(45 − 30/2) = 1/3 (3.20)

Page 43: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 3. Impulsos de terras 41

0

0.1

0.2

0.3

0.4

0.5

20 30 40 50 60 70 80 90

KLS a

ξ (o)

φ’=25o

φ’=30o

φ’=35o

φ’=40o

φ’=45o

ξ=45o+φ’/2

Figura 3.8: Variação de KLSa com o ângulo ξ.

Impulso passivo

Para determinação do impulso máximo (impulso passivo), considere-se o mecanismo ilus-

trado pela Figura 3.9.

ILSp h

Ws

δwδx

δy

ξ

ψ = φ′

Figura 3.9: Aplicação do TRS com mecanismo planar à determinação do impulso passivo

O deslocamento na superfície que define o mecanismo tem a direcção indicada por δw.

Assim, aplicando o teorema da região superior, há que determinar o trabalho das forças

exteriores:

δWe = Ipδx−Wsδy (3.21)

em que Ws é o peso do solo e δx e δy são, respectivamente, os deslocamentos segundo x e y.

Dado que ℓ = h/tgξ, o peso do solo é

Ws =1

2γh2/ tgξ (3.22)

em que γ é o peso volúmico do solo.

Tem-se, por outro lado, que o trabalho realizado pelas tensões internas é nulo, se o material

Page 44: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

42 Capítulo 3. Impulsos de terras

for puramente atrítico. Sendo assim, aplicando o teorema, fica que

We = Wi = 0 (3.23)

Como se tem queδy

δx= tg

(

ξ + φ′)

(3.24)

a equação (3.23) conduz a

Ip =1

2γh2 tg

tg (ξ + φ′)

tgξ(3.25)

ou seja

ILSp =1

2KLSp γh2 (3.26)

com KLSp dado por

KLSp =

tg (ξ + φ′)

tgξ(3.27)

O valor assim obtido representa o limite superior da força horizontal, ou seja, se um valor

igual ou superior àquele for aplicado, ocorre colapso.

Aplique-se, então, a equação (3.27) a uma situação concreta de um solo com φ′ = 30o e

para um ângulo ξ = 20o. Para esta situação,

KLSp =

tg (20o + 30o)

tg20o= 3.274 (3.28)

Aplicando, assim, um impulso determinado com KLSp = 3.274, de acordo com o teorema

da região superior, ocorre rotura.

A equação (3.27) está representada graficamente através da Figura 3.10. Dado que todas as

soluções dadas pela referida equação causam o colapso, tal implica que todas as estimativas dos

impulsos (e, portanto, todas as estimativas dos coeficientes de impulso passivo) correspondem

a forças que causam o colapso. Assim, a melhor solução corresponde ao menor valor, que se

constata ser obtido para ξ = 45 − φ′/2.

A equação (3.27) fica, assim:

KLSp = tg2(45 + φ′/2) (3.29)

3.2.4 Aplicação de método de equilíbrio limite: o método de Coulomb

Impulso activo

O método de Coulomb, publicado em 1776, é um método de equilíbrio limite em que

o mecanismo é definido por uma superfície planar (Figura 3.11), tal como a usada para a

resolução do problema através do TRS.

Page 45: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 3. Impulsos de terras 43

0

2

4

6

8

10

10 20 30 40 50 60

KLS p

ξ (o)

φ’=25o

φ’=30o

φ’=35o

φ’=40o

φ’=45o

ξ=45o−φ’/2

Figura 3.10: Variação de KLSp com o ângulo ξ.

Ia

Ws

ξ

φ′

R

h90 − ξ

ξ − φ′

Figura 3.11: Aplicação do método de Coulomb à determinação de impulso activo

Como método de equilíbrio limite, implica o estudo do equilíbrio de forças sobre a cunha

de solo definida pelo mecanismo. Coulomb propôs que tal equilíbrio fosse estudado através

do traçado do polígono de forças, conforme se sugere na Figura 3.11. Para haver equilíbrio, o

polígono tem que fechar, uma vez que a soma vectorial das forças aplicadas à cunha de solo

tem que ser nula. A determinação gráfica do impulso de terras é, então, possível, através da

determinação do vector que representa esse impulso para vários valores do ângulo ξ que a

superfície que define o mecanismo faz com a horizontal e da escolha do maior valor do impulso

activo.

Atendendo a que

tg(ξ − φ′) = Rh/Rv (3.30)

que

ℓ = h/tgξ (3.31)

e que

Ws =1

2γh2/tgξ (3.32)

Page 46: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

44 Capítulo 3. Impulsos de terras

tem-se que o equilíbrio de forças nas direcções vertical e horizontal, definido pelas equações

ΣV = 0 →Ws = Rv (3.33)

ΣH = 0 → IELa = Rh = Rvtg(ξ − φ′) (3.34)

conduz a

IELa =1

2γh2 tg(ξ − φ′)

tgξ=

1

2KELa γh2 (3.35)

sendo

KELa =

tg(ξ − φ′)

tgξ(3.36)

Pode notar-se que a equação (3.36) é exactamente a que se obteve a propósito da aplicação

do TRS com o mesmo mecanismo, pelo que o máximo dos valores de KELa é também dado

por

KELa = tg2(45 − φ′/2) (3.37)

Impulso passivo

A Figura 3.12 apresenta o mecanismo correspondente ao anteriormente apresentado, para

o caso do impulso passivo. A cunha de solo assim formada tenderá a deslocar-se para a direita

e para cima, pelo que a força R tem a direcção agora indicada na Figura (confrontar com a

Figura 3.11).

Ip

Ws

ξφ′

R

hξ + φ′

Figura 3.12: Aplicação do método de Coulomb à determinação de impulso passivo

Da Figura pode concluir-se que:

tg(ξ + φ′) = Rh/Rv (3.38)

ℓ = h/tgξ (3.39)

Ws =1

2γh2/tgξ (3.40)

O equilíbrio de forças implica que:

ΣV = 0 →Ws = Rv (3.41)

ΣH = 0 → IELp = Rh = Rvtg(ξ + φ′) (3.42)

Page 47: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 3. Impulsos de terras 45

de onde:

IELp =1

2γh2 tg(ξ + φ′)

tgξ=

1

2KELp γh2 (3.43)

com KELp atingindo o valor mais baixo para ξ = 45 − φ′/2, pelo que

KELp = tg2 (45 + φ′/2) (3.44)

3.2.5 Observações

A determinação de impulsos activos e passivos de solos respondendo em condições drena-

das, com superfície horizontal em paramento vertical, sem atrito solo-paramento foi realizada

recorrendo a três técnicas:

• análise limite, recorrendo ao teorema cinemático (ou da região superior);

• análise limite, recorrendo ao teorema estático (ou da região inferior);

• equilíbrio limite.

Em todos os casos foi possível escrever o resultado do impulso de terras recorrendo a uma

expressão do tipo

I =1

2Kγh2 (3.45)

sendo K um coeficiente de impulso (activo ou passivo) determinado através dos métodos atrás

referidos e cuja melhor solução é função, apenas, do ângulo de resistência ao corte.

A solução obtida por análise limite usando o teorema estático corresponde à de Rankine

e encontra-se expressa nas equações (3.5), para o activo, e (3.9), para o passivo. A solução

obtida por análise limite usando o teorema cinemático recorrendo a mecanismo definido por

superfície planar está expressa nas equações (3.19), para o activo, e (3.29), para o passivo.

Dado que1 − senφ′

1 + senφ′= tg2 (45 − φ′/2) (3.46)

e1 + senφ′

1 − senφ′= tg2 (45 + φ′/2) (3.47)

tem-se que, para o caso analisado,

KLSa = KLI

a (3.48)

e

KLSp = KLI

p (3.49)

pelo que é conhecida a solução exacta:

KEXa = tg2(45 − φ′/2) (3.50)

KEXp = tg2(45 + φ′/2) (3.51)

Page 48: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

46 Capítulo 3. Impulsos de terras

É igualmente interessante verificar que também o método de equilíbrio limite utilizado

(método de Coulomb) permitiu obter a solução exacta. Verifica-se, na realidade, que a meto-

dologia de equilíbrio limite de Coulomb é equivalente à solução da região superior que recorre

a mecanismo definido com base numa superfície de deslizamento planar, pelo que, como se

verá, a solução de Coulomb é, assim, uma solução da região superior.

Por último, refere-se que os coeficientes de impulso determinados nas secções anteriores

são coeficientes a aplicar no caso de os impulsos serem dados pela equação 3.45, isto é, para

os impulsos devidos ao peso do solo. Podem ser, por esse motivo, representados por Kaγ ou

Kpγ , consoante se trate de coeficiente de impulso activo ou passivo. Utiliza-se esta simbologia

quando se pretenda distinguir dos coeficientes de impulso devidos a sobrecargas aplicadas na

superfície do terreno, que serão abordadas na secção seguinte,

3.2.6 Exemplo

Pretende-se determinar os impulsos mínimo (activo) e máximo (passivo) do problema

ilustrado na Figura 3.13, para o caso de γ = 18 kN/m3 e φ′ = 33o.

I

γ

φ′ h = 2 m

Figura 3.13: Caso de solo respondendo em condições drenadas, com superfície horizontal emparamento vertical, sem atrito solo-paramento: exemplo de determinação dos impulsos.

Como se viu, existe solução exacta para ambos os problemas, pelo que o impulso activo

pode ser determinado através de:

Ia =1

2Kaγh

2 =1

2tg2(45 − 33/2) × 18 × 22 = 10.6 kN/m (3.52)

e o impulso passivo através de:

Ip =1

2Kpγh

2 =1

2tg2(45 + 33/2) × 18 × 22 = 122.1 kN/m (3.53)

3.2.7 Pressões devidas a sobrecargas

Aplicação do teorema estático

Considere-se o problema esquematicamente representado na Figura 3.14, análogo ao ante-

riormente considerado mas em que existe uma sobrecarga vertical aplicada ao terreno. O caso

é, assim, semelhante ao da secção 3.2.2, mas em que a tensão efectiva vertical é dada por:

σ′v = γz + q (3.54)

Page 49: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 3. Impulsos de terras 47

Ia

z

q

Figura 3.14: Geometria do problema: aplicação do teorema da região inferior à determinaçãodo impulso activo com sobrecarga aplicada à superfície do terreno: teoria de Rankine

Deste modo, a equação 3.3 fica:

σ′ha =1 − senφ′

1 + senφ′σ′v =

1 − senφ′

1 + senφ′(γz + q) (3.55)

ou, escrevendo-a de outro modo:

σ′ha = KLIaγ γz +KLI

aq q (3.56)

em que, para o caso em estudo:

KLIaγ = KLI

aq = KLIa =

1 − senφ′

1 + senφ′(3.57)

Análise semelhante poderia ser feita para o caso passivo, verificando-se que:

σ′hp = KLIpγ γz +KLI

pq q (3.58)

em que, para o caso em estudo:

KLIpγ = KLI

pq = KLIp =

1 + senφ′

1 − senφ′(3.59)

Aplicação do teorema cinemático

Resolva-se agora o mesmo problema através do teorema cinemático, conforme representado

na Figura 3.15. A resolução é análoga à apresentada na secção 3.2.3, em que Ws é substituído

por Ws +Q, sendo:

Q = qℓ (3.60)

O trabalho das forças exteriores, δWe é dado por:

δWe = −ILSa δx+ (Ws +Q) δy (3.61)

que deve ser

δWe = δWi = 0 (3.62)

Page 50: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

48 Capítulo 3. Impulsos de terras

ILSa h

q

Ws

δw

ξ

ψ = φ′

Figura 3.15: Aplicação do TRS com mecanismo planar à determinação do impulso activo parao caso de sobrecarga aplicada à superfície do terreno.

Atendendo às equações 3.13 e 3.14, a equação 3.62 fica:

ILSa =1

2KLSaγ γh

2 +KLSaq qh (3.63)

com

KLSaγ = KLS

aq = KLSa =

tg(ξ − φ′)

tgξ(3.64)

que é igual à equação 3.17 e, portanto, tem o seu valor máximo para ξ = 45 + φ′/2, o que

conduz a:

KLSaγ = KLS

aq = KLSa = tg2

(

45o − φ′/2)

(3.65)

Análise semelhante pode ser realizada para o caso do impulso passivo, conduzindo a:

ILSp =1

2KLSpγ γh

2 +KLSpq qh (3.66)

com

KLSpγ = KLS

pq = KLSp = tg2

(

45o + φ′/2)

(3.67)

Aplicação do método do equilíbrio limite

Considerando o mecanismo anteriormente adoptado em 3.2.4 com a sobrecarga aplicada

à superfície do terreno, tem-se que o equilíbrio de forças nas direcções vertical e horizontal é

dado por:

ΣV = 0 → Ws +Q = Rv (3.68)

ΣH = 0 → IELa = Rh = Rvtg(ξ − φ′) (3.69)

conduz a

IELa =1

2KELaγ γh

2 +KELaq qh (3.70)

com

KELaγ = KEL

aq = KELa = tg2(45 − φ′/2) (3.71)

Do mesmo modo, para o passivo, fica:

IELp =1

2KELpγ γh

2 +KELpq qh (3.72)

Page 51: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 3. Impulsos de terras 49

com

KELpγ = KEL

pq = KELp = tg2(45 + φ′/2) (3.73)

Resumo

Verifica-se, assim, que para o caso de solos respondendo em condições drenadas, com

superfície horizontal em paramento vertical sem atrito solo-paramente, se tem que as soluções

exactas dos coeficientes de impulso activo e passivo são:

KEXaγ = KEX

aq =1 − senφ′

1 + senφ′= tg2 (45 − φ′/2) (3.74)

e

KEXpγ = KEX

pq =1 + senφ′

1 − senφ′= tg2 (45 + φ′/2) (3.75)

3.2.8 Pressões da água e meios estratificados

A presença de água aumenta as pressões totais sobre as estruturas de suporte. As pressões

de terras são determinadas aplicando o coeficiente de impulso, Ka ou Kp à tensão efectiva,

pelo que há que lhe somar a parcela do impulso da água.

A Figura 3.16 mostra o cálculo dos impulsos activos numa situação em que parte do solo

se encontra saturada. A tensão σa é, naturalmente, dada por

σa = Kaγhh1 (3.76)

uma vez que, acima do nível freático, se está a considerar que não há pressões intersticiais e,

consequentemente, as tensões efectivas são iguais às tensões totais. A tensão σb é dada por

σb = Ka(γsath2 − γwh2) = Kaγ′h2 (3.77)

e σc é, naturalmente, a pressão da água, pelo que é

σc = γwh2 (3.78)

h1

h2

σa σb σc

Figura 3.16: Pressões da água e influência da água nas pressões de terras.

Note-se que, à profundidade h1 +h2 a pressão de terras é σa+σb que é igual ao coeficiente

Page 52: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

50 Capítulo 3. Impulsos de terras

de impulso activo, Ka, multiplicado pela tensão efectiva vertical à profundidade indicada, ou

seja:

σ′h1+h2

h = σa + σb = Kaσ′v = Ka(γhh1 + γ′h2) (3.79)

A tensão total é, conforme referido, esta tensão somada da parcela da pressão intersticial,

ou seja

σh1+h2

h = σ′h1+h2

h + uh1+h2 = σa + σb + σc = Ka(γhh1 + γ′h2) + γwh2 (3.80)

A teoria de Rankine permite determinar com facilidade o impulso de terras em meios

estratificados, conforme ilustra a Figura 3.17. A tensão σa é dada por

σa = Ka1γh1h1 (3.81)

conforme anteriormente apresentado, sendo γh1 o peso volúmico total do solo 1 e Ka1 o seu

coeficiente de impulso activo. Imediatamente abaixo do ponto à profundidade h1, no entanto,

o solo é diferente, com coeficiente de impulso activo Ka2, pelo que se verifica que

σb = Ka2γh1h1 (3.82)

Solo 1

Solo 2

q

h1

h2

σa

σb σc

σd

σe

σf

Figura 3.17: Meios estratificados e sobrecargas.

A Figura sugere que σb < σa, o que será possível se Ka2 < Ka1, o que significa que φ′2 > φ′1.

A tensão σc é dada por

σc = Ka2γh2h2 (3.83)

e σd tem o valor

σd = Ka2(γh1h1 + γh2h2) (3.84)

ou seja, o coeficiente de impulso activo do solo 2 – correspondente à zona onde se pretende

determinar a pressão de terras – multiplicado pela tensão efectiva vertical.

A mesma figura permite igualmente compreender como se calculam as pressões de terras

quando, à superfície do terreno, são aplicadas sobrecargas de extensão infinita. Com efeito,

como se viu, uma sobrecarga deste tipo provoca um incremento de tensão vertical igual ao

valor da sobrecarga transmitida, pelo que a pressão de terras a qualquer profundidade será

Page 53: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 3. Impulsos de terras 51

somada de Kaq, pelo que as tensões σe e σf são dadas por

σe = Ka1q (3.85)

σf = Ka2q (3.86)

Faz-se notar que apesar da apresentação de meios estratificados, pressões da água e de-

vidas a sobrecargas ter sido apresentada tendo em atenção o cálculo de impulsos activos, a

determinação de impulsos passivos é feita de acordo com os mesmos princípios.

3.3 Impulso de solos respondendo em condições não drenadas,

com superfície horizontal em paramento vertical, sem ade-

são solo-paramento

3.3.1 Introdução

Tal como no caso do problema anterior, o problema será estudado recorrendo à solução de

Rankine, a uma solução do teorema cinemático (TRS) usando um mecanismo do tipo planar

e ao método de equilíbrio limite (Coulomb) com uma superfície do mesmo tipo.

3.3.2 Aplicação do teorema estático (TRI): a solução de Rankine

Impulso activo

Considere-se a situação esquematicamente representada na Figura 3.18. A menor tensão

horizontal que pode ser exercida pelo solo respondendo em condições não drenadas à profun-

didade z é

σha = σv − 2cu = γz − 2cu (3.87)

h

γh 2cu

cu

zA

τ

σσvσha

Figura 3.18: Impulso activo de Rankine em solo respondendo em condições não drenadas

De uma forma simples, ignorando o facto de, até certa profundidade z, a resultante da

tensão aplicada ser negativa, isto é, corresponder a tracção aplicada à estrutura de suporte,

pode dizer-se que o impulso activo é o integral das tensões dadas pela equação anterior. Assim,

Page 54: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

52 Capítulo 3. Impulsos de terras

o impulso activo poderia ser escrito como:

ILIa =

∫ h

0σhadz =

∫ h

0(γz − 2cu) dz =

[

1

2γz2 − 2cuz

]h

0

=1

2γh2 − 2cuh (3.88)

Tendo, no entanto, a referida limitação em consideração, pode obter-se um resultado mais

realista. Assim, se até à profundidade z0 a resultante da tensão horizontal é negativa (tracção),

tal significa que não vai ocorrer até à referida profundidade, qualquer impulso de terras. Deste

modo, o impulso será apenas o que resulta do diagrama triangular indicado na Figura 3.19.

h

γh 2cu

zA

z0γ(h − z0)

Figura 3.19: Impulso activo de Rankine em solo respondendo em condições não drenadas:fendas por tracção.

A profundidade z0 (profundidade das fendas por tracção) é tal que

γz0 = 2cu ⇒ z0 =2cuγ

(3.89)

pelo que a tensão horizontal máxima do diagrama triangular resultante é

γh− 2cu = γh− γz0 = γ(h− z0) (3.90)

O impulso activo é, portanto,

ILIa =1

2γ(h− z0)

2 (3.91)

que pode ser escrito como

ILIa =1

2γh2 − 2cuh+

2c2uγ

(3.92)

Impulso passivo

Considerações semelhantes às que foram feitas a propósito do impulso activo permitem

concluir que a tensão horizontal máxima que pode actuar à profundidade z é

σhp = σv + 2cu = γz + 2cu (3.93)

Os diagramas de pressões têm, neste caso, o mesmo sentido, pelo que não há lugar a fendas

por tracção.

Page 55: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 3. Impulsos de terras 53

O impulso passivo é, portanto:

ILIp =1

2γh2 + 2cuh (3.94)

3.3.3 Aplicação do teorema cinemático (TRS)

Impulso activo

Considere-se o mecanismo planar indicado na Figura 3.20.

ILSa h

L

Ws

δw

ξ

Figura 3.20: Aplicação do TRS com mecanismo planar à determinação do impulso activo

Verifica-se que:

ℓ = h/tg ξ (3.95)

L = h/sen ξ (3.96)

δy = δxtg ξ (3.97)

sendo δy e δx as componentes vertical e horizontal do deslocamento virtual δw.

A força Ws é dada por

Ws =1

2γh2 1

tg ξ(3.98)

e o trabalho das forças exteriores é

δWe = −Iaδx+Wsδy = −Iaδx+1

2γh2 1

tg ξδxtg ξ (3.99)

A energia dissipada é

δWi = cuLδw = cuh

sen ξ

δx

cos ξ(3.100)

Do TRS resulta que

δWe = δWi ⇒ ILSa =1

2γh2 − cuh

1

sen ξ cos ξ(3.101)

Todas as soluções de Ia dadas por esta equação (para qualquer ξ) são soluções da região

superior, o que significa que fornecem resultados inferiores ou iguais ao valor exacto do impulso.

Pode constatar-se que o ângulo ξ que maximiza Ia é 45o, para o qual:

ILSa =1

2γh2 − 2cuh (3.102)

Page 56: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

54 Capítulo 3. Impulsos de terras

Impulso passivo

Pode, de forma análoga à apresentada para o activo, obter-se

ILSp =1

2γh2 + 2cuh (3.103)

3.3.4 Aplicação de método de equilíbrio limite: o método de Coulomb

Conforme se disse, a solução do método de Coulomb é coincidente com a do teorema

cinemático de mecanismo planar. A solução obtida é, tanto para o caso activo como o passivo,

análoga à que acabou de se apresentar. Convida-se, assim, o leitor a demonstrá-lo.

3.4 Impulso de solos respondendo em condições drenadas: su-

perfície inclinada, em paramento inclinado com atrito solo-

paramento

3.4.1 Introdução

Para a geometria “genérica” e com atrito δ solo-estrutura que se apresenta esquematica-

mente na Figura não há solução de Rankine.

h

i

δ βI

Figura 3.21: Geometria para a determinação de impulso de solos respondendo em condiçõesdrenadas, com superfície inclinada, em paramento vertical, com atrito solo-paramento

Entre as soluções disponíveis referem-se:

• aplicação do teorema estático (TRI): solução publicada em tabela de Caquot-Kérisel;

• aplicação do teorema cinemático (TRS): pode mostrar-se, como se referiu, que a solução

de mecanismo planar coincide com a solução de Coulomb.

• aplicação de método de equilíbrio limite: há a solução de Coulomb.

O problema do cálculo das pressões correspondentes aos estados limites activo e passivo,

nas situações em que existe atrito entre o solo e a estrutura, foi formulado inicialmente por

Boussinesq. Admitindo um conjunto de hipóteses relativas às tensões no maciço, impondo

o equilíbrio estático, a condição de equilíbrio limite e as condições de fronteira adequadas

(Matos Fernandes, 1990) Boussinesq obteve um sistema de equações diferenciais.

Page 57: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 3. Impulsos de terras 55

A resolução do sistema de equações foi conseguida por Caquot e Kérisel, adoptando algu-

mas hipóteses adicionais, e chegando assim a uma solução da região inferior. A partir desta

solução, Caquot e Kérisel elaboraram tabelas (Caquot e Kérisel, 1948; Caquot et al., 1972) de

impulsos activos e passivos que se tornaram bem conhecidas e divulgadas.

3.4.2 Método de Coulomb

Impulso activo

Considere-se a estrutura de suporte representada na Figura 3.22 e admita-se que a cunha

representada com superfície plana fazendo um ângulo ξ com a horizontal se destaca da restante

massa de solo causando um impulso activo sobre a estrutura de suporte.

A

B

C

h

i

δ

ξ

βα

φ′

Ia

Ia

WW

R

R

ξ − iα+ i

β − ξξ − φ′

180o − β − δ

β + δ − ξ + φ′

Figura 3.22: Cunha de solo para avaliação dos impulsos activos em solos respondendo emcondições drenadas, pela teoria de Coulomb.

Na referida Figura W é o peso da cunha de solo, R é a resultante das forças normal e

de corte na superfície BC e Ia é o impulso activo actuante no muro (e de valor igual à sua

reacção, aplicada à cunha de solo, que se representa na Figura). Este impulso tem direcção

inclinada de δ com a normal à superfície do muro que suporta o terreno. δ é o ângulo de atrito

solo–muro.

Para um dado valor de ξ é conhecido o valor de W . As outras duas forças actuantes na

cunha podem ser conhecidas através do método gráfico sugerido na Figura 3.22. Destas duas

forças sabe-se as linhas de acção mas desconhece-se o seu valor. O referido método gráfico

passa pelo desenho do chamado polígono de forças, da forma que se descreve:

1. representação da força W , à escala e com a direcção apropriada;

2. marcação, a partir da extremidade de W , da linha de acção da força R;

3. marcação, a partir da origem de W , da linha de acção da força Ia;

4. o triângulo formado permite definir o polígono de forças e, logo, o valor de cada uma

das forças envolvidas.

Page 58: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

56 Capítulo 3. Impulsos de terras

Refere-se que a marcação da linha de acção das forças R e Ia, descrita nos pontos 2 e 3

pode naturalmente ser trocada, isto é, a marcação da linha de acção da força R pode ser feita

a partir do ponto de origem de W e a da linha de acção da força Ia pode realizar-se a partir

da extremidade de W .

As simplificações básicas da teoria de Coulomb são as seguintes:

• a superfície de deslizamento é plana e passa pela base da estrutura de suporte; verifica-se

na realidade que as superfícies são curvas, facto que não tem consequências importan-

tes no que respeita ao cálculo de impulsos activos mas, como se verá, assume especial

importância na estimativa de impulsos passivos;

• a direcção do impulso de terras faz um ângulo δ com a normal ao plano da estrutura de

suporte; este ângulo é o ângulo de atrito entre o solo e a estrutura; o impulso actua na

estrutura de suporte à altura de h3 relativa à base;

• o solo suportado é seco, homogéneo, isotrópico, de comportamento rígido–plástico.

• a cunha de solo actua como corpo rígido e o valor do impulso de terras considera o

equilíbrio limite da superfície de deslizamento.

A determinação do impulso é realizada através do equilíbrio das forças aplicadas à cunha

de solo da forma que se descreveu anteriormente. No entanto, a inclinação da superfície de

deslizamento, que forma a cunha, é desconhecida. Para a determinação do impulso activo há,

pois, que efectuar diversas tentativas de diferentes cunhas, correspondendo o impulso activo

ao maior valor obtido.

O método de Coulomb é facilmente aplicável igualmente a casos em que a geometria do

terreno suportado é irregular, como por exemplo no caso da existência de superfícies do terreno

com diferentes inclinações ou na presença de banquetas. A eventual presença destes elementos

em nada afecta o método, interferindo apenas no cálculo de W .

De forma semelhante, o método de Coulomb pode ser aplicado a casos de aplicação de

sobrecargas no terreno suportado, implicando tais sobrecargas a consideração no equilíbrio de

forças de uma força adicional correspondente à sua acção na cunha em análise.

A teoria de Coulomb pode igualmente ser estendida a casos com a presença de água (Figura

3.23).

Nestas situações, sendo a pressão intersticial em B igual a γwhw, tem-se que

Iwr =1

2× γwhw × hw

senξ=

1

2γwh

2w

1

senξ(3.104)

e

Iar =1

2× γwhw × hw

senα=

1

2γwh

2w

1

senα(3.105)

pelo que as componentes horizontais de Iwr e Iwa são

IwrH = Iwrsenξ =1

2γwh

2w (3.106)

Page 59: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 3. Impulsos de terras 57

A

B

C

D EFh

S

T

i

δ

ξ

βα

φ′Ia

Ia

Iwa

IwaIwrIwr

W2

W ′2

W2w

W1

W1

R

Rhw

Figura 3.23: Cunha de solo para avaliação dos impulsos activos em solos respondendo emcondições drenadas, parcialmente submersos pela teoria de Coulomb.

e

IwaH = Iwasenα =1

2γwh

2w (3.107)

ou seja, como seria de esperar,

IwrH = IwaH (3.108)

As componentes verticais das forças IwaeIwr são

IwrV = Iwrcosξ =1

2γwh

2w

cosξ

senξ(3.109)

e

IwaV = Iwacosα =1

2γwh

2w

cosα

senα(3.110)

pelo que a força vertical total aplicada pelos impulsos da água é

IwV = IwrV + IwaV =1

2γwh

2w

(

1

tgα+

1

tgξ

)

(3.111)

Note-se, por outro lado, que a área do triângulo BDE é igual a

ABDE =1

2DEhw =

1

2(DF + FE)hw =

1

2

(

hwtgα

+hwtgξ

)

hw =1

2h2w

(

1

tgα+

1

tgξ

)

(3.112)

pelo que o peso da referida área (volume por unidade de comprimento) se estivesse completa-

mente preenchido com água é

W2w = ABDEγw (3.113)

o que significa que o peso W2w é igual à resultante das forças verticais devidas à água, dadas

pela equação (3.111), conforme seria de esperar e conforme sugerido pelo polígono de forças

da Figura 3.23.

Note-se ainda que na estrutura de suporte há que considerar que, para além dos impulsos

do terreno, estão aplicados impulsos devidos à água no tardoz da estrutura de suporte.

Page 60: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

58 Capítulo 3. Impulsos de terras

De acordo com o referido, o método de Coulomb é um método essencialmente gráfico, em

que o impulso activo é determinado por traçado de um polígono de forças. Por este motivo,

alguns autores dedicaram-se à apresentação de metodologias gráficas para a obtenção mais ou

menos expedita do referido impulso. Citam-se os métodos de Poncelet (de 1840), de Culman

(de 1866) e de Rebhann (de 1871).

No entanto, a metodologia da definição do polígono de forças pode ser conseguida por via

analítica. Com efeito, da lei dos senos pode concluir-se, da Figura 3.22, que

Iasen (ξ − φ′)

=W

sen (β + δ − ξ + φ′)(3.114)

o que conduz a

Ia =W sen (ξ − φ′)

sen (β + δ − ξ + φ′)(3.115)

A expressão 3.115 pode ser, assim, usada para, em função de vários valores de ξ, determinar

o impulso e assim determinar o máximo valor para que ocorre.

A mesma expressão ou uma expressão equivalente poderia ser obtida através da escrita de

duas equações, uma correspondente ao equilíbrio das forças na horizontal e outra ao equilíbrio

de forças na vertical. Estas duas equações formam um sistema a duas incógnitas, Ia e R, do

qual a solução de Ia é a equação (3.115).

A resolução deste sistema (ou a aplicação da equação referida) é dependente de ξ, ou seja,

corresponde à solução para uma dada cunha. O impulso activo é, conforme referido, o máximo

desses impulsos. Tratando-se de um problema de maximização pode igualmente procurar-se

o valor de ξ que maximiza o impulso Ia, ou seja, resolver a equação

dIadξ

=d

[

W sen (ξ − φ′)

sen (β + δ − ξ + φ′)

]

= 0 (3.116)

Em 1906, Muller-Breslau concluíram que o impulso activo Ia que resulta da substituição

da solução da equação anterior na equação (3.115) é

ILS;ELa =

1

2KLS;ELaγ γh2 (3.117)

sendo h a altura da estrutura de suporte e KLS;ELa dado por

KLS;ELaγ =

cosecβ sen (β − φ′)√

sen (β + δ) +√

sen(φ′+δ) sen(φ′−i)sen(β−i)

2

(3.118)

O ângulo ξ a que corresponde este impulso pode ser determinado através de:

cotg (ξ− i) = −tg (φ′ +δ+β−90o− i)+sec(φ′ +δ+β−90o− i)

cos(β − 90o + δ)sen (φ′ + δ)

cos(i− β + 90o)sen (φ′ − i)

(3.119)

Page 61: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 3. Impulsos de terras 59

A componente horizontal do impulso pode ser determinada através de

ILS;ELaH =

1

2KLS;ELaγH γh2 (3.120)

com

KLS;ELaγH = KLS;EL

aγ sen (β + δ) (3.121)

e a componente vertical através de

ILS;ELaV =

1

2KLS;ELaγV γh2 (3.122)

com

KLS;ELaγV = KLS;EL

aγ cos (β + δ) (3.123)

O ponto de aplicação do impulso activo total não é dado directamente pela teoria de

Coulomb mas pode ser determinada através da distribuição de tensões no tardoz da estrutura

de suporte. A distribuição de tensões pode ser deduzida determinando o impulso de terras

admitindo diversas profundidades de passagem do plano de rotura. Se o impulso de terras

for conhecido relativamente a duas cunhas de solo até às profundidades z e z + dz então o

incremento de impulso pode ser determinado através de

dIa = σadz (3.124)

em que σa é o valor médio das pressões activas em função da profundidade dz, pelo que

σa =dIadz

(3.125)

A distribuição de pressões activas pode, assim, ser avaliada através da equação (3.125) para

uma série de incrementos de profundidade entre o topo e a base da estrutura de suporte.

Este procedimento, no entanto, é apenas usado raramente, dado que se a inclinação do ter-

reno suportado é constante e não tem aplicada qualquer sobrecarga a distribuição de pressões

é triangular.

Impulso passivo

No caso de avaliação do impulso passivo, o método de Coulomb considera princípios se-

melhantes aos enunciados a propósito da determinação do impulso activo. A determinação

pode ser gráfica, por um processo de tentativas, de cunhas com diversas inclinações, conforme

sugerido pela Figura 3.24, ou analítica.

Através do método gráfico busca-se, agora, o valor mínimo do impulso. A solução analítica

foi obtida através da minimização do impulso, sendo avaliado através de

ILS;ELp =

1

2KLS;ELp γh2 (3.126)

Page 62: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

60 Capítulo 3. Impulsos de terras

A

B

C

h

i

δ

ξ

βα

φ′

Ip

IpW

W

RR

ξ − i

α+ i

β − ξξ + φ′

180o − β + δ

β − δ − ξ − φ′

Figura 3.24: Cunha de solo para avaliação dos impulsos passivos pela teoria de Coulomb.

sendo KLS;ELp , o coeficiente de impulso passivo, dado por

KLS;ELp =

cosecβ sen (β + φ′)√

sen (β − δ) −√

sen(φ′+δ) sen(φ′+i)sen(β−i)

2

(3.127)

O ângulo ξ a que corresponde este impulso pode ser determinado através de:

cotg (ξ− i) = −tg (φ′−δ−β+90o + i)+sec(φ′−δ−β+90o + i)

cos(β − 90o + δ)sen (φ′ − δ)

cos(i− β + 90o)sen (φ′ + i)

(3.128)

3.4.3 Método de Coulomb: o efeito de sobrecargas

A consideração de uma sobrecarga uniformemente distribuída na superfície do terreno pode

ser tida em conta substituindo W por W +Q, sendo Q dado por (ver Figura 3.22):

Q = q AC (3.129)

Assim, a equação 3.115 fica:

Ia =(W +Q)sen (ξ − φ′)

sen (β + δ − ξ + φ′)(3.130)

o que conduz a:

ILS;ELa =

1

2KLS;ELaγ γh2 +KLS;EL

aq qh (3.131)

em que KLS;ELaγ é dado pela equação 3.118 e KLS;EL

aq é:

KLS;ELaq = KLS;EL

senβ

sen (β − i)(3.132)

A Figura 3.25 mostra a relação entre os dois coeficientes.

Page 63: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 3. Impulsos de terras 61

0.7

0.8

0.9

1

1.1

1.2

1.3

1.4

1.5

1.6

1.7

50 60 70 80 90 100 110 120 130

Kaq

/Kaγ

β (o)

i=0i=10ºi=20ºi=30º

Figura 3.25: Relação KLS;ELaq /KLS;EL

aγ em função de β e i.

3.5 Comparação da solução de Coulomb com a de Caquot-Ké-

risel

Considerou-se o caso de β = 90o e i = 0 e, através da equação (3.118), calculou-se o

coeficiente de impulso activo através da teoria de Coulomb. Consultando as tabelas de Ca-

quot–Kérisel (Caquot et al., 1972) e sobrepondo os resultados pode obter-se a Figura 3.26,

ficando claro que os valores não são exactamente os mesmos.

A análise desta Figura permite retirar as seguintes conclusões:

• os resultados da teoria de Caquot e Kérisel coincidem, para efeitos práticos, com os da

teoria de Coulomb; por este motivo e pelo facto de a teoria de Coulomb ser de utilização

mais prática do que a teoria de Caquot e Kérisel (uso de expressão relativamente simples

face a consulta de tabelas) é habitual que o impulso activo seja determinado para efeitos

de dimensionamento através da teoria de Coulomb;

• as diferenças que se verificam entre os resultados estão, globalmente, de acordo com o

esperado: os resultados da teoria de Coulomb são inferiores aos da teoria de Caquot–Ké-

risel (veja-se, para maior clareza, o caso de φ′ = 20o); as excepções a esta regra deverão

ser apenas aparentes e devidas à diferença de precisão adoptada na representação dos

resultados (3 casas decimais no caso dos resultados da teoria de Coulomb e 2 casas

decimais no caso da teoria de Caquot–Kérisel).

De forma análoga procedeu-se ao traçado da Figura 3.27, referente à comparação, para o

caso do coeficiente de impulso passivo, da teoria de Coulomb com a teoria de Caquot–Kérisel.

Page 64: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

62 Capítulo 3. Impulsos de terras

Desta Figura pode confirmar-se que os resultados da teoria de Coulomb estão substancial-

mente acima dos da teoria de Caquot–Kérisel. Sabe-se igualmente que a teoria de Coulomb

pode sobrestimar consideravelmente os impulsos passivos, em particular para valores elevados

de δ. É frequente afirmar-se que os resultados da teoria de Coulomb podem ser usados para

0

0.1

0.2

0.3

0.4

0.5

0.6

0 5 10 15 20 25 30 35 40

Ka

δ (º)

Coulomb φ’=20ºCoulomb φ’=30ºCoulomb φ’=40º

Caquot−Kérisel φ’=20ºCaquot−Kérisel φ’=30ºCaquot−Kérisel φ’=40º

Figura 3.26: Coeficientes de impulso activo determinados pela teoria de Coulomb (equação(3.118)) para β = 90o e i = 0 face aos valores obtidos por Caquot e Kérisel (1948).

1

10

100

0 5 10 15 20 25 30 35 40

Kp

δ (º)

Coulomb φ’=20ºCoulomb φ’=30ºCoulomb φ’=40ºCaquot−Kérisel φ’=20ºCaquot−Kérisel φ’=30ºCaquot−Kérisel φ’=40º

Figura 3.27: Coeficientes de impulso passivo determinados pela teoria de Coulomb (equação(3.127)) para β = 90o e i = 0 face aos valores obtidos por Caquot e Kérisel (1948).

Page 65: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 3. Impulsos de terras 63

valores de δ inferiores ou iguais a φ′

3 ou, para outros autores, a φ′

2 . As razões para tais afir-

mações são claras a partir da Figura, em especial tendo em atenção o facto de a teoria de

Caquot–Kérisel constituir uma boa aproximação do impulso real.

3.6 A curvatura da superfície de deslizamento

Pelo que se mostrou até agora, sabe-se que:

• a teoria de Coulomb constitui uma aproximação do tipo da região superior, sendo por-

tanto espectável que sobrestime o impulso passivo e subestime o impulso activo;

• os resultados de Caquot e Kérisel são, para efeitos práticos, na avaliação de impulsos

activos, coincidentes com os da teoria de Coulomb; sendo os resultados de Caquot–Kérisel

do tipo da região inferior resulta que a solução exacta é, praticamente, conhecida;

• na avaliação de impulsos passivos os resultados de Coulomb diferem substancialmente

dos de Caquot–Kérisel para valores elevados do ângulo de atrito solo–muro, δ; sabendo-

-se, com base em resultados práticos, que a teoria de Caquot–Kérisel fornece resultados

mais próximos dos reais, tem-se que a teoria de Coulomb se afasta consideravelmente

daqueles.

A que se deve, então, o referido afastamento na estimativa do impulso passivo, em parti-

cular quando é sabido que tal afastamento não ocorre no caso do impulso activo?

A resposta está na questão da curvatura da superfície de deslizamento que define a cunha

de solo. Diversos autores abordaram esta questão, desde os próprios Caquot e Kérisel (uma

das hipóteses que assumiram para a resolução das equações diferenciais foi a existência de

curvatura na referida superfície) passando por Janbu (1957), Shields e Tolunay (1973) (através

de cálculos usando o método das fatias) até Sokolovski (1960) usando a resolução numérica

das equações diferenciais através do método das diferenças finitas ou ainda Rosenfarb e Chen

(1972), que consideram superfícies compostas por planos e espirais logarítmicas.

Por uma questão de facilidade de realização dos cálculos usou-se a metodologia proposta

por Rosenfarb e Chen (1972) para determinação dos impulsos passivos para o caso anterior-

mente referido de β = 90o e i = 0. A Figura 3.28 apresenta os resultados obtidos, compa-

rando-os com os resultados de Caquot e Kérisel. Os resultados de Rosenfarb e Chen (1972)

são do tipo da região superior, o que é consistente com a Figura, na qual estes resultados

são sistematicamente superiores (ou iguais) aos de Caquot e Kérisel. Apesar de, para valo-

res elevados de δ, haver diferenças significativas entre as duas metodologias, verifica-se que o

intervalo está agora muito mais estreito, concluindo-se então que os valores de Rosenfarb e

Chen (1972) são substancialmente melhores do que os de Coulomb. Volte-se, então, à questão

inicialmente colocada: porque motivo tal facto ocorre?

Conforme já se adiantou, a resposta reside na curvatura da superfície de deslizamento con-

siderada: em duas soluções da região superior, uma fornece “bons” resultados (a de Rosenfarb

Page 66: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

64 Capítulo 3. Impulsos de terras

1

10

100

1000

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50

Kp

δ (º)

Rosenfarb e Chen φ’=20ºRosenfarb e Chen φ’=30ºRosenfarb e Chen φ’=40ºRosenfarb e Chen φ’=50ºCaquot−Kérisel φ’=20ºCaquot−Kérisel φ’=30ºCaquot−Kérisel φ’=40ºCaquot−Kérisel φ’=50º

Figura 3.28: Coeficientes de impulso passivo determinados pela teoria de Caquot e Kérisel(1948) e por Rosenfarb e Chen (1972) para β = 90o e i = 0.

e Chen (1972)) e a outra “maus” resultados (a de Coulomb), pelo facto de na primeira ser as-

sumida uma superfície de deslizamento curva plana e na segunda tal superfície ser considerada

plana.

Veja-se, em primeiro lugar, em que consiste a solução de Rosenfarb e Chen (1972), apenas

nos seus princípios básicos (Bowles, 1996). Na Figura 3.29 indica-se o mecanismo de colapso

adoptado, composto de duas superfícies planas entre as quais existe uma espiral logarítmica.

Este mecanismo é, assim, controlado pelos valores dos ângulos ρ e ψ, podendo os coeficientes de

impulso activo e passivo ser escritos em função destes ângulos e procedendo-se à minimização

(no caso passivo) ou maximização (no caso activo) em relação a estas duas variáveis.

ψ

ρ

i

βδ

espiral logarítmica

Figura 3.29: Mecanismo de colapso considerado por Rosenfarb e Chen (1972) para o casopassivo.

Aplique-se, agora, os métodos de Coulomb e de Rosenfarb e Chen a dois casos para o

cálculo dos coeficientes de impulso activo e passivo: um com ângulo de resistência ao corte de

Page 67: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 3. Impulsos de terras 65

30o e ângulo de atrito solo–estrutura de 20o e outro com ângulo de resistência ao corte de 40o

e ângulo de atrito solo–estrutura de 26.67o. Os coeficientes de impulso foram já determinados

para o traçado de figuras anteriormente apresentadas mas resumem-se no Quadro 3.1.

Tabela 3.1: Coeficientes de impulso activo e passivo determinados pelos métodos de Coulombe de Rosenfarb e Chen

φ′ (o) 30 40δ (o) 20 26.67

KCoulomba 0.297 0.200

KRosenfarb&Chena 0.299 0.201KCoulombp 6.105 18.717

KRosenfarb&Chenp 5.444 13.078

As conclusões da análise do Quadro são as já anteriormente referidas: resultados pratica-

mente coincidentes no caso do coeficiente de impulso activo e diferenças significativas para o

caso do coeficiente de impulso passivo.

Para analisar estes resultados traçaram-se as superfícies de rotura obtidas dos dois métodos,

para as duas situações analisadas, para uma altura genérica da estrutura de suporte h. Os

resultados obtidos relativos ao impulso activo estão representados na Figura 3.30.

h

Iaδ

Rosenfarb e ChenCoulomb

(a) φ′ = 30o; δ = 20o

h

Iaδ

Rosenfarb e ChenCoulomb

(b) φ′ = 40o; δ = 26.67o

Figura 3.30: Superfícies de deslizamento correspondentes ao impulso activo obtidas pelosmétodos de Coulomb e de Rosenfarb e Chen.

Os resultados mostram superfícies praticamente coincidentes entre os métodos de Coulomb

e de Rosenfarb e Chen para os dois casos analisados. Os mecanismos são, assim, praticamente

os mesmos, pelo que a solução é, naturalmente, praticamente a mesma, justificando os resul-

tados referidos no Quadro, que podem ser generalizados a uma adequabilidade geral da teoria

de Coulomb para a determinação de impulsos activos.

Veja-se, agora, o que se passa relativamente aos impulsos passivos (Figura 3.31). Pode

verificar-se, da sua análise, que:

• as superfícies determinadas pelos dois métodos apresentam diferenças substanciais, cor-

respondentes a mecanismos consideravelmente diferentes e evidenciando a importância

da curvatura da superfície de cedência;

• as diferenças entre os mecanismos são maiores para o maior valor do ângulo de resistência

Page 68: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

66 Capítulo 3. Impulsos de terras

ao corte.

h Ipδ

Rosenfarb e ChenCoulomb

(a) φ′ = 30o; δ = 20o

h Ipδ

Rosenfarb e ChenCoulomb

(b) φ′ = 40o; δ = 26.67o

Figura 3.31: Superfícies de deslizamento correspondentes ao impulso passivo obtidas pelosmétodos de Coulomb e de Rosenfarb e Chen.

Estas observações justificam, por um lado, as diferenças significativas entre os coeficientes

de impulso passivo que se apresentaram no Quadro 3.1 e, por outro, o facto de a diferença

ser maior no caso do maior ângulo de resistência ao corte. Estas conclusões podem ser gene-

ralizadas em relação à inadequabilidade da utilização da teoria de Coulomb para o cálculo de

impulsos passivos, em particular nos casos de elevados valores de δ.

3.7 Extensão da solução de Rankine a solos com superfície in-

clinada

3.7.1 Impulso activo

Viu-se em 3.3.2 a aplicação do teorema estático ao caso de superfície horizontal, sem atrito

solo-paramento e paramento vertical. A teoria de Rankine pode ser extendida ao caso de solo

com superfície do terreno inclinada, conforme se indica na Figura 3.32. Admita-se o prisma

de solo representado na Figura. O seu peso é:

W = γzb (3.133)

A força V é igual a W , N é

N = V cos i (3.134)

Page 69: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 3. Impulsos de terras 67

b

b′

z

A

NV

T

i

Figura 3.32: Estado de Rankine em terreno com superfície inclinada.

e T é

T = V sen i (3.135)

A tensão vertical distribuída na largura b′ é:

σ′Av =V

b′=γzb

b′=

γzb

b/ cos i= γz cos i (3.136)

a tensão normal à mesma largura b′ é:

σ′An =N

b′=γzb cos i

b/ cos i= γz cos2 i (3.137)

e a tensão tangencial na mesma largura é:

τA =T

b′=γzb sen i

b/ cos i= γz sen i cos i (3.138)

O estado de tensão dado pelas equações (3.137) e (3.138) pode ser representado através

do ponto A do círculo de Mohr da Figura 3.33.

Atendendo a que o estado de tensão representado através do ponto A ocorre numa faceta

inclinada de i com a horizontal, o pólo é P . Faz-se notar que a linha AP passa por O,

atendendo a que:τAσ′An

=γz sen i cos i

γz cos2 i= tg i (3.139)

Note-se ainda que o comprimento OA é σ′Av.

O estado de tensão num plano vertical é determinado fazendo passar por P uma linha

vertical. A sua intersecção com o círculo de Mohr, B corresponde a este estado de tensão, que

tem componente horizontal σ′ha, componente tangencial τa e resultante σ′a = OB. Trata-se de

uma tensão correspondente a um estado activo porque é o menor valor possível da tensão no

plano vertical, uma vez que o círculo de Mohr é tangente à envolvente.

Page 70: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

68 Capítulo 3. Impulsos de terras

C

D

F

PSfrag

O

A

B

P

σ′

τ

i

φ′

σ′An

τA

τa

τa

σ′ah

Figura 3.33: Extensão da teoria de Rankine a casos com superfície do terreno inclinada:representação do estado de tensão.

Atendendo a que OB = OP e a que DP = AD, pode escrever-se que:

K∗a =

σ′aσ′Av

=OB

OA=OP

OA=OD −AD

OD +AD(3.140)

(a utilização do símbolo K∗a em lugar do anteriormente usado Ka deve-se à reserva deste para o

tornar válido na expressão do impulso activo Ia = 12Kaγh

2, conforme se verá posteriormente).

Tendo-se que

OD = OC cos i (3.141)

e

AD =√

PC2 − CD2 =√

FC2 − CD2 =√

OC2 sen2 φ′ −OC2 sen2 i =

= OC√

sen2 φ′ − sen2 i = OC√

(1 − cos2 φ′) − (1 − cos2 i) =

= OC√

cos2 i− cos2 φ′ (3.142)

vem que

K∗a =

cos i−√

cos2 i− cos2 φ′

cos i+√

cos2 i− cos2 φ′(3.143)

sendo as pressões activas, actuantes paralelamente ao talude, iguais a

σa = K∗aγz cos i (3.144)

e o impulso activo numa superfície vertical de altura h

Ia =1

2K∗aγh

2 cos i (3.145)

Fazendo

Ka = K∗a cos i =

cos i−√

cos2 i− cos2 φ′

cos i+√

cos2 i− cos2 φ′cos i (3.146)

Page 71: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 3. Impulsos de terras 69

assegura-se a validade da expressão

Ia =1

2Kaγh

2 (3.147)

Faz-se igualmente notar que para i = 0 a expressão (3.146) se reduz à equação (3.5).

3.7.2 Impulso passivo

De forma semelhante, é possível obter que o coeficiente de impulso passivo é dado por

K∗p =

cos i+√

cos2 i− cos2 φ′

cos i−√

cos2 i− cos2 φ′(3.148)

sendo as pressões passivas, actuantes paralelamente ao talude, iguais a

σp = K∗pγz cos i (3.149)

e o impulso passivo numa superfície vertical de altura h

Ip =1

2K∗pγh

2 cos i (3.150)

Fazendo

Kp = K∗p cos i =

cos i+√

cos2 i− cos2 φ′

cos i−√

cos2 i− cos2 φ′cos i (3.151)

tem-se que

Ip =1

2Kpγh

2 (3.152)

Refira-se que os valores de i da equação (3.151) correspondem a terreno com declive con-

forme indicado na Figura 3.34, à direita, isto é, com declive descendente.

Figura 3.34: Casos correspondentes às equações (3.146) — à esquerda — e (3.151) — à direita—, respectivamente para os impulsos activos e passivos.

Tal como para o coeficiente de impulso activo, a expressão (3.151) reduz-se à equação (3.9)

para i = 0.

Page 72: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

70 Capítulo 3. Impulsos de terras

3.7.3 Comparação com os resultados da teoria de Coulomb

Para a teoria de Coulomb, em solos incoerentes, os coeficientes de impulso activo e passivo

são dados, respectivamente, pelas equações (3.118) e (3.127), escritas em função dos ângulos

β, i, φ′ e δ.

Pode, assim, comparar-se os resultados das teorias de Rankine e de Coulomb para as

condições – mais restritas – da teoria de Rankine, fazendo nas equações (3.118) e (3.127)

β = 90o e δ = i, para o caso activo, ou δ = −i, para o passivo.

Apresenta-se, na Figura 3.35, os resultados obtidos das teorias de Rankine e de Coulomb

para o coeficiente de impulso activo, nas condições indicadas, para alguns valores do ângulo

de resistência ao corte φ′. Verifica-se que os resultados obtidos das duas teorias coincidem

exactamente, o que, tratando-se o resultado de Rankine de uma solução do teorema estático e

o de Coulomb de uma solução do teorema cinemático, mostra que se trata da solução exacta.

0.1

0.2

0.3

0.4

0.5

0.6

0.7

0.8

0.9

1

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50

Ka

δ=i (º)

Rankine φ’=20ºRankine φ’=30ºRankine φ’=40ºRankine φ’=50ºCoulomb φ’=20ºCoulomb φ’=30ºCoulomb φ’=40ºCoulomb φ’=50º

Figura 3.35: Coeficientes de impulso activo determinados pelas teorias de Rankine (equação(3.146)) e de Coulomb (equação (3.118)) para β = 90o e δ = i.

A mesma constatação pode ser feita através da análise da Figura 3.36, onde são represen-

tados os coeficientes de impulso passivo.

3.8 Consideração da acção sísmica. Método de Mononobe–O-

kabe

O método de Mononobe–Okabe (Okabe, 1926; Mononobe e Matsuo, 1926) é uma extensão

da teoria de Coulomb, por forma a ter em conta as acções sísmicas. A acção sísmica é consi-

derada através da adição de forças fictícias obtidas através de coeficientes sísmicos horizontal

Page 73: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 3. Impulsos de terras 71

0

2

4

6

8

10

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50

Kp

δ=−i (º)

Rankine φ’=20ºRankine φ’=30ºRankine φ’=40ºRankine φ’=50º

Coulomb φ’=20ºCoulomb φ’=30ºCoulomb φ’=40ºCoulomb φ’=50º

Figura 3.36: Coeficientes de impulso passivo determinados pelas teorias de Rankine (equação(3.151)) e de Coulomb (equação (3.127)) para β = 90o e δ = −i.

e vertical, kh e kv, respectivamente. Tal significa que o “peso” da cunha de solo de Coulomb

é uma força Ws, com componente horizontal

Wsh = khW (3.153)

e componente vertical

Wsh = (1 ± kv)W (3.154)

conforme se indica na Figura 3.37.

h

khW

(1 ± kv)W

Wsθ

Figura 3.37: Cunha de solo sujeita a acção sísmica.

A força resultante Ws é:

Ws =(1 ± kv)W

cos θ(3.155)

Page 74: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

72 Capítulo 3. Impulsos de terras

sendo θ dado por:

θ = arctgkh

1 ± kv(3.156)

O método de Mononobe–Okabe admite que o efeito das acelerações sísmicas altera a força

gravítica W , rodando os planos de referência de um ângulo θ (3.38), por forma a que Ws seja

vertical e se possa usar a expressão analítica de Coulomb (equação 3.118).

hR

R

δ

Iaγs

Iaγs

φ′h∗

i

i+ θ

θθ

khW

(1 ± kv)WWs

Ws

Ws

β + θ

β

Figura 3.38: Cunha de solo sujeita a acção sísmica: rotação de ângulo θ (método de Monono-be–Okabe).

Deste modo, β dá lugar a β+θ e i a i+θ, pelo que o impulso pode ser determinado usando

o coeficiente de impulso K∗aγs dado pela equação (3.118) adaptada da forma descrita:

K∗aγs =

cosec(β + θ) sen (β + θ − φ′)√

sen (β + θ + δ) +√

sen(φ′+δ) sen(φ′−i−θ)sen(β−i)

2

(3.157)

A expressão do impulso, no entanto, deve ter em atenção que a altura do muro é h∗ em

lugar de H e que o peso da cunha de solo é Ws em vez de W , o que equivale a considerar um

peso volúmico γ∗:

Iaγs =1

2K∗aγsγ

∗h∗2 (3.158)

Atendendo a que:

h∗ =sen (β + θ)

sen βh (3.159)

e a que:

γ∗ =Ws

Wγ =

1 ± kvcos θ

γ (3.160)

vem que:

Iaγs =1

2Kaγsγh

2 (3.161)

Page 75: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 3. Impulsos de terras 73

com

Kaγs =

[

1 ± kvcos θ

sen2(β + θ)

sen2 β

]

cosec(β + θ) sen (β + θ − φ′)√

sen (β + θ + δ) +√

sen(φ′+δ) sen(φ′−i−θ)sen(β−i)

2

(3.162)

Faz-se ainda notar que, em condições sísmicas, o ângulo φ′ − i− θ (cujo seno é calculado

dentro da raiz quadrada da expressão 3.162) tem que ser positivo (tal como, em condições

estáticas, φ′ − i tem que ser também positivo).

Refere-se finalmente que será facilmente compreensível que se adopte o sentido de khW

indicado na Figura 3.37, dado que o sentido oposto resultaria, claramente, num impulso menor

e, portanto, menos condicionante. Porque motivo, então, não se adopta apenas o sinal positivo

na componente vertical do peso da cunha de solo isto é, porque não se adopta, simplesmente,

Wsv = (1+kv)W , preconizando-se, pelo contrário, que se considere também que o sismo actue

de forma a reduzir o peso da cunha de solo que, claramente, provoca um menor impulso? O

sismo afecta quer o terreno quer a estrutura de suporte, pelo que o sinal positivo implica maior

impulso mas também melhores condições de estabilidade da estrutura de suporte, ao passo

que o sinal negativo implica menor impulso mas condições de menor estabilidade.

O impulso sísmico provoca, em relação ao impulso estático, um incremento de força na

estrutura de suporte que, de acordo com resultados de cálculos analíticos e de ensaios, está

situado acima de h/3. Deste modo, o procedimento habitual para o cálculo dos impulsos sob

a acção sísmica passa por determinar o acréscimo de impulso sísmico, ∆Iaγs, através de:

∆Iaγs = Iaγs − Iaγ (3.163)

sendo Iaγ considerado aplicado a h/3 e ∆Iaγs admitido aplicado a h/2.

Page 76: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

74 Capítulo 3. Impulsos de terras

Page 77: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 4

Capacidade resistente às acções

verticais

4.1 Introdução

O problema da determinação de cargas verticais de colapso (ou da capacidade resistente

às acções verticais) foi já apresentado brevemente no Capítulo 2 como um dos três problemas

geotécnicos que constituem o objecto de análise neste texto. Foi resumido, de forma simplifi-

cada, no problema indicado na Figura 2.1(b) mas, num caso genérico, pode ser apresentado

como o problema que se indica na Figura 4.1(a) e que corresponde à situação representada na

Figura 4.1(b).

q

B × L

F

e

(a)

B × L

F

D

(b)

Figura 4.1: Capacidade resistente às acções verticais. Como se verá, a inclinação da carga, asua excentricidade e a geometria da fundação condicionam a capacidade resistente às acçõesverticais.

O caso apresentado na Figura 4.1 é relativamente geral, salientando-se, desde já, que:

• B é a menor dimensão da fundação em planta e L é a maior;

• a base da fundação pode ser enterrada a uma profundidade tal que a tensão vertical

(total ou efectiva, consoante o cálculo seja não drenado ou drenado) seja q ou q′;

• a carga F pode ser inclinada e excêntrica.

75

Page 78: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

76 Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais

O caso que se irá analisar em primeiro lugar é, no entanto, bastante mais simples. Consi-

dera-se, assim, para início do estudo, que:

• a fundação tem largura B mas comprimento L infinito;

• a carga F é vertical e centrada;

• o solo responde em condições não drenadas, com uma resistência não drenada cu.

4.2 Capacidade resistente às acções verticais em condições não

drenadas, para fundação de comprimento infinito e carre-

gamento vertical e centrado

4.2.1 Introdução

Conforme se fez no capítulo anterior, este problema será analisado através dos métodos de

determinação de cargas de colapso estudados no Capítulo 2: teorema cinemático (ou da região

superior, TRS); teorema estático (ou da região inferior, TRI); método de equilíbrio limite.

O caso em análise, conforme referido, é o que se sugere na Figura 4.2.

q

B

F

γcu

Figura 4.2: Capacidade resistente às acções verticais: fundação de comprimento infinito,carregamento vertical e centrado, em solo argiloso respondendo em condições não drenadas.

4.2.2 Aplicação do teorema cinemático (TRS): primeiras abordagens

Considere-se, assim, a situação representada na Figura 4.2, assim como o mecanismo que

se mostra na Figura 4.3, Para esse mecanismo e para um deslocamento elementar δwF do

ponto de aplicação de F , o trabalho das forças exteriores é:

δWe = FLSδwF − q B δwF (4.1)

e a energia dissipada é

δWi = πBcu (δwF × 2) (4.2)

Fazendo, de acordo com o TRS, δWe = δWi vem:

FLSδwF − q B δwF = πBcu (δwF × 2) ⇒ FLS/B = 2πcu + q (4.3)

Page 79: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais 77

q

B

F

γcur = B

Figura 4.3: Determinação da capacidade resistente vertical; condições não drenadas e meca-nismo circular.

Usando o mecanismo sugerido pela Figura 4.4 e o diagrama de deslocamentos indicado na

mesma figura, obtém-se:

δwaF = δwF ; δwba = 2δwF ; δwa = δwb =√

2δwF (4.4)

δWe = FLSδwF − q B δwF (4.5)

δWi =(

cuB√

2 ×√

2δwF

)

× 2 + cuB × 2δwF (4.6)

δWe = δWi ⇒ FLS/B = 6cu + q (4.7)

B

F

a b

q

45o45o

δwF

δwa

δwaδwb

δwb

δwba

δwaF

Figura 4.4: Determinação da capacidade resistente vertical através do teorema cinemático;condições não drenadas e mecanismo composto por dois blocos.

Atendendo a que ambos os resultados fornecidos pelas equações 4.3 e 4.7 são da região

superior, ambos provocam o colapso, pelo que o menor deles (equação 4.7) é o mais próximo

da solução exacta.

4.2.3 Aplicação do teorema estático (TRI): primeiras abordagens

Considere-se agora a solução do problema anteriormente exposto através do teorema es-

tático. Admita-se, assim, conforme indicado na Figura 4.5, a existência de dois planos de

descontinuidade de tensões verticais, com a localização indicada e analise-se metade do pro-

blema, conforme sugerido na figura do lado esquerdo.

A existência do plano de descontinuidade de tensões indicado implica que, por um lado,

Page 80: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

78 Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais

B

qq

qr = F/Bqr = F/B

σv2σv1

σh2σh1

21

Figura 4.5: Determinação da capacidade resistente vertical através do teorema estático emcondições não drenadas e admitindo um plano de descontinuidade de tensões.

o campo de tensões é contínuo em cada uma das duas zonas 1 e 2 e que, apesar de haver

descontinuidade de tensões no plano, o estado de tensão neste é equilibrado.

Admite-se ainda que, sendo a carga qLIr transmitida à fundação uma estimativa da carga

de colapso, ambas as zonas 1 e 2 têm estados de tensão limites, ou seja, os círculos de Mohr

que os representam são tangentes às envolventes de rotura (neste caso em tensões totais).

Sendo o peso volúmico do solo igual a γ, tem-se que o estado de tensão vertical na zona

1, num ponto qualquer à profundidade z (por exemplo, num ponto próximo do plano de

descontinuidade de tensões) é

σv1 = γz + q (4.8)

e, sendo o terreno horizontal e não havendo aplicação de tensões tangenciais à superfície do

terreno (a tensão q é vertical), é uma tensão principal. É, portanto, conhecido um ponto do

círculo de Mohr correspondente ao estado de tensão na zona 1 (Figura 4.6).

P

cu

4cu

σv2 = qLIr + γzσv1 = γz + q = σh2σh1 σ

τ

90o

Figura 4.6: Determinação da capacidade resistente vertical através do teorema estático emcondições não drenadas e admitindo um plano de descontinuidade de tensões: círculos deMohr.

Conforme se disse, o círculo de Mohr deverá ser tangente à envolvente de rotura, pelo que

σh1 é também conhecido e o círculo de Mohr correspondente à zona 1 pode ser representado.

Atendendo a que tem que haver equilíbrio no plano de descontinuidade de tensões, a tensão

σh2 deverá ser igual a σh1, pelo que este ponto é também um ponto do círculo de Mohr

Page 81: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais 79

correspondente ao estado de tensão na zona 2. Dado que este círculo de Mohr deve, também,

ser tangente à envolvente de rotura, o círculo de Mohr 2 fica definido.

Pode, assim, constatar-se que a tensão σv2 é:

σv2 = qLIr + γz = γz + q + 4cu (4.9)

o que implica que carga de rotura seja tal que

FLI/B = qLIr = 4cu + q (4.10)

4.2.4 Aplicação de equilíbrio limite: primeiras abordagens

Convida-se o leitor a, usando o mecanismo sugerido pela Figura 4.2, procurar o resultado

correspondente por equilíbrio limite, ou seja, escrevendo a equação de equilíbrio de momentos

e determinando o valor da carga qELr que a verifica. Para o referido mecanismo o resultado

será qELr = 2πcu + q.

4.2.5 Observações ao resultados obtidos nas primeiras abordagens

Analisando o melhor resultado obtido na secção 4.2.2 (teorema cinemático) e o resultado

da secção 4.2.3 (teorema estático) pode concluir-se que:

FLI/B = qLIr = 4cu + q ≤ FEX/B = qEXr ≤ 6cu + q = qLSr = FLS/B (4.11)

ou seja:

4cu + q ≤ qEXr ≤ 6cu + q (4.12)

4.2.6 Melhoria da solução obtida pelo teorema estático

A análise da representação do estado de tensão nas zonas 1 e 2 da Figura 4.5 através do

círculo de Mohr (Figura 4.6) permite concluir que, da zona 1 para a zona 2, se verifica uma

rotação de 90o nas tensões principais. Com efeito, na zona 1 a maior tensão principal é a

tensão horizontal, ao passo que na zona 2 a maior tensão principal é a vertical. A análise dos

círculos de Mohr recorrendo ao pólo permite concluir que as linhas indicadas a traço-ponto cor-

respondem às das facetas em que as tensões principais ocorrem (vertical na zona 1 e horizontal

na 2).

Tal rotação das tensões principais é possível devido à existência do plano de descontinui-

dade de tensões anteriormente referido. Pode compreender-se, no entanto, que é possível que

uma melhor solução possa ser obtida usando mais do que um plano de descontinuidade de

tensões e fazendo, com isso, com que a rotação das tensões principais se faça de forma mais

progressiva.

Page 82: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

80 Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais

Analise-se, assim, o caso de se considerarem dois planos de descontinuidade, que fazem

ângulos β1 e β2 com a horizontal, conforme sugerido pela Figura 4.7.

3

AB

qqr

12

β1β2

Figura 4.7: Determinação da capacidade resistente vertical através do teorema estático emcondições não drenadas e admitindo dois planos de descontinuidade de tensões.

Comece-se por admitir que β1 = 60o e, posteriormente, que β2 toma o valor necessário

para que a rotação das tensões principais seja, no total, igual a 90o. O estado de tensão na

zona 1 é conhecido, pelo que o círculo de Mohr pode ser representado (Figura 4.8):

σv1 = γz + q; σh1 = σv1 + 2cu (4.13)

1 32

cu

σ

τ

γz + q σh1 γz + qr60o

β1 = 60o

45o

75o

120o

P1

P2

P3

θA = 30o

θB = 60o

2cusen θA 2cusen θB

Figura 4.8: Determinação da capacidade resistente vertical através do teorema estático emcondições não drenadas e admitindo dois planos de descontinuidade de tensões: círculos deMohr.

O pólo do círculo de Mohr 1 é P1, pelo que o estado de tensão no plano A pode ser

conhecido graficamente rodando a faceta horizontal do ângulo β1 = 60o. O ponto assim

obtido, correspondendo ao estado de tensão no referido plano, é igualmente um ponto do

círculo de Mohr da zona 2. Este pode ser encontrado facilmente, buscando o círculo com raio

igual a cu e que passa neste ponto.

Encontrados os dois círculos de Mohr 1 e 2, pode verificar-se que a faceta em que ocorre a

maior tensão principal da zona 1 é uma faceta vertical (com a direcção da linha a traço-ponto

que passa por P1). Por outro lado, atendendo a que o pólo do círculo de Mohr 2 é P2,

constata-se que a faceta em que ocorre a maior tensão principal da zona 2 é a linha a traço

Page 83: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais 81

ponto que passa por P2. Esta linha faz um ângulo de 30o com a faceta vertical (em que ocorre

a maior tensão principal na zona 1), pelo que se conclui que ocorreu uma rotação de tensões

de 30o, de 1 para 2.

Como encontrar, então, o círculo de Mohr da zona 3? Se β2 fosse conhecido, o procedimento

seria análogo ao anterior. No entanto, β2 não é conhecido e deverá ser tal que, de 2 para 3,

cause uma rotação da tensão principal de 60o. O leitor poderá verificar que isso obriga a que o

pólo do círculo de Mohr da zona 3 seja um ponto P3 localizado sobre o eixo das abcissas (para

que a direcção da faceta onde ocorre a máxima tensão principal da zona 3 seja horizontal).

Desta forma, tem-se que o círculo da zona 3 terá que ser o representado e o plano B o que se

indica, pelo que fica encontrada, graficamente, a tensão vertical na zona 3, igual a γz + qLIr .

Considerações geométricas que não estão no âmbito do presente texto permitem concluir

que as distâncias entre os centros dos círculos de Mohr estão relacionadas com o ângulo de

rotação das tensões principais da forma indicada na Figura 4.8. Tem-se, assim, que

γz + qLIr = γz + q + cu + 2cusen θA + 2cusen θB + cu (4.14)

pelo que

qLIr =FLI

B= (1 + 2sen 30o + 2sen 60o + 1) cu + q = 4.73cu + q

Note-se, no entanto, que a escolha da localização dos planos A e B poderia ser tal que

causasse, cada um deles, uma rotação das tensões principais idêntica, isto é, de 45o. Note-se,

igualmente, que tal como se considerou dois planos se poderia ter considerado três ou mais.

No caso de se pretender que esses planos provoquem uma rotação idêntica (isto é, de 45o se

forem dois planos, de 30o se forem três, etc.) pode chegar-se aos resultados que se apresenta

no Quadro 4.1.

Tabela 4.1: Estimativas da região inferior das cargas de colapso de fundações superficiais emcondições não drenadas em função do número de descontinuidades.

Número de descontinuidades FLI/B1 4.00cu + q2 4.83cu + q3 5.00cu + q5 5.09cu + q∞ 5.14cu + q [= (2 + π)cu + q]

Como se pode ver da análise deste quadro, os resultados tendem para

FLI/B = (2 + π)cu + q (4.15)

4.2.7 Melhoria da solução obtida pelo teorema cinemático

Considere-se o mecanismo representado na Figura 4.9(a). Utilizando-o para determinação

da carga de colapso, o leitor deverá obter qLSr = 6cu + q. Procure-se, então melhorar este

mecanismo considerando o que se representa na Figura 4.9(b). Trata-se de uma variante do

Page 84: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

82 Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais

anterior, em que o bloco central é dividido em dois, admitindo o desenvolvimento de uma

superfície de deslizamento vertical com o comprimento ℓ.

B

Fq

45o

45o

45o

45o

(a) Mecanismo A

B

Fq

ℓ45

o

45o

45o

45o

(b) Mecanismo B

B

F

R

R

δθ

δa

δb

δf

δaδθ

45o

45o

45o

45o

(c) Mecanismo C

Figura 4.9: Mecanismos para determinação da capacidade resistente às acções verticais atravésdo teorema cinemático.

Usando este mecanismo, obtém-se:

qLSr = 5.314cu + q (4.16)

Atendendo a que o resultado assim obtido com o mecanismo B é melhor do que o que

se obtém do mecanismo A, pode tentar-se melhorar ainda este mecanismo através de nova

divisão dos dois blocos centrais. Tal divisão tem como limite o mecanismo C, representado na

Figura 4.9(c). Neste mecanismo, a zona central é dividida num número infinito de blocos e,

portanto, num número infinito de superfícies. Atendendo ao diagrama de deslocamentos que

se representa na mesma figura, tem-se que:

δWe = FLSδf − qBδf (4.17)

Page 85: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais 83

e

δWi = 2 × cuR× δa+ ΣcuR× δaδθ + ΣcuRδθ × δa

= 2 × cuB

√2

√2δf + 2 ×

∫ π/2

0cuB

√2

2

√2δfdθ

= 2cuBδf + [2cuBδfθ]π/20 = (2 + π)cuBδf (4.18)

Fazendo δWe = δWi obtém-se

FLS/B = (2 + π)cu + q (4.19)

4.2.8 Observações ao resultados obtidos

A análise do resultado obtido através do teorema da região inferior (teorema estático),

expresso na equação (4.15), e do resultado obtido através do teorema da região superior

(teorema cinemático), expresso na equação (4.19), mostra que a solução exacta foi obtida,

pelo que

FEX/B = (2 + π)cu + q (4.20)

4.3 Capacidade resistente às acções verticais em condições dre-

nadas, para fundação de comprimento infinito e carrega-

mento vertical e centrado

4.3.1 Introdução

O problema da determinação da capacidade resistente às acções verticais em condições

drenadas para um solo com peso volúmico γ, ângulo de resistência ao corte φ′ e com uma

sobrecarga q′ (tensão efectiva) aplicada ao nível da base da fundação é um problema complexo

que, habitualmente, não é resolvido com esta generalidade. Assim, as determinações tradici-

onais da capacidade resistente para o caso de um solo com ângulo de resistência ao corte φ′

procuram não uma solução, mas duas: uma solução, qr;q′=0;γ 6=0, para a situação com q′ = 0 e

γ 6= 0 e uma outra solução qr;q′ 6=0;γ=0, para o solo com q′ 6= 0 e γ = 0. É, depois, assumido,

simplificadamente e do lado da segurança, que

qr ≃ qr;q′=0;γ 6=0 + qr;q′ 6=0;γ=0 (4.21)

4.3.2 Aplicação do método de equilíbrio limite: primeiras abordagens

Considere-se, como primeira abordagem, o método do equilíbrio limite e o mecanismo

representado na Figura 4.10.

Considerando, em primeiro lugar, que q′ 6= 0 e γ = 0, tem-se que, admitindo que, do lado

esquerdo, se mobiliza um impulso activo de Rankine e, do lado direito, um impulso passivo

Page 86: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

84 Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais

F

B

q′

h

45o + φ′/2 45o − φ′/2

Figura 4.10: Mecanismo para determinação da capacidade resistente às acções verticais atravésde equilíbrio limite, em condições drenadas.

de Rankine, numa situação de equilíbrio limite, um é igual ao outro, pelo que:

KaqELr h = Kpq

′h⇒ qELr = K2pq

′ = q′NELq (4.22)

com

NELq = K2

p (4.23)

Para o caso q′ = 0 e γ 6= 0 vem:

1

2Kaγh

2 +KaqELr h =

1

2Kpγh

2 (4.24)

qELr =1

2γBNEL

γ (4.25)

com

NELγ =

[

1

2

(

K2p − 1

)√

Kp

]

(4.26)

De acordo com esta solução, fica, então:

qELr =1

2γBNEL

γ + q′NELq (4.27)

sendo NELγ e NEL

q dados pelas equações (4.23) e (4.26), respectivamente.

4.3.3 Aplicação do teorema cinemático: primeiras abordagens

Considere-se o mesmo mecanismo apresentado na Figura 4.10 para aplicação do teorema

cinemático (Figura 4.11).

Usando, tal como anteriormente, ξa = 45o+φ′/2 e ξb = 45o−φ′/2, obtém-se, para φ′ < 30o:

NLSq =

tg(

45o + 32φ

′)

tg 3(

45o − φ′

2

) (4.28)

e

NLSγ =

1

2

tg(

45o + 32φ

′)

tg 4(

45o − φ′

2

) − cotg

(

45o − φ′

2

)

(4.29)

Page 87: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais 85

F

B

q′

h

a b

ξa ξb

δfδa

δb

δ′q

ξa − φ′

ξb + φ′

φ′

Figura 4.11: Mecanismo para determinação da capacidade resistente às acções verticais atravésdo teorema cinemático, em condições drenadas.

Convida-se o leitor a obter ambos os resultados.

4.3.4 Aplicação do teorema estático: primeiras abordagens

Considerando um plano de descontinuidade de tensões vertical, tal como anteriormente

apresentado na Figura 4.5 e considerando o caso γ = 0 e q′ 6= 0, tem-se que (Figura 4.12):

σ′v1 = q′

σ′h1 = σ′h2 = Kpq′

σ′v2 = σ′h2/Ka = Kpσ′h2 = K2

pq′ (4.30)

2

1φ′

σ′

v2 = qLIrσ′

v1 = q′ = σ′

h2σ′

h1 σ′

τ

Figura 4.12: Aplicação do teorema estático à determinação da capacidade resistente às acçõesverticais, em condições drenadas.

Tem-se, assim, que, para γ = 0 e q′ 6= 0:

qLIr = NLIq q (4.31)

com

NLIq = K2

p (4.32)

Faz-se notar que não é possível obter uma solução do mesmo tipo para o caso γ 6= 0 e

Page 88: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

86 Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais

q′ = 0.

4.3.5 Melhoria da solução obtida pelo teorema cinemático

Considere-se agora o mecanismo representado na Figura 4.13. A superfície curva tem a

forma de uma espiral logarítmica, pelo que

rb = raeπ2tg φ′ (4.33)

F

B

q′

a b

δf

δa

δb

δq

ra rbr

Figura 4.13: Mecanismo para determinação da capacidade resistente às acções verticais atravésdo teorema cinemático, em condições drenadas.

De forma análoga, os deslocamentos dos blocos a e b podem ser relacionados através de:

δb = δaeπ2tg φ′ (4.34)

Atendendo a que

cos(45 + φ/2) =B/2

ra(4.35)

vem que:

ra =B

2

1

cos(45 + φ/2)(4.36)

pelo que

rb =B

2

1

cos(45 + φ′/2)e

π2tg φ′ (4.37)

Tem-se, também, que

sen (45 + φ′/2) =ℓ/2

rb(4.38)

o que conduz a

rb =ℓ

2

1

sen (45 + φ′/2)(4.39)

sendo

ℓ = Btg (45 + φ′/2)eπ2tg φ′ (4.40)

Page 89: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais 87

Os deslocamentos são:

δa =δf

cos(45 + φ′/2)

δb =δf

cos(45 + φ′/2)e

π2tg φ′

δq = δbsen (45 + φ′/2) = δf tg (45 + φ′/2)eπ2tg φ′ (4.41)

O trabalho das forças exteriores é

δWe = FLSδf − q′ℓδq (4.42)

pelo que, sendo δWi = 0 e δWe = δWi

FLSδf = q′ℓδq (4.43)

FLS/B = q′NLSq (4.44)

com

NLSq = tg 2(45 + φ′/2)eπtg φ′ (4.45)

De uma forma análoga, poderia deduzir-se igualmente o valor de Nγ usando o mesmo

mecanismo. Tal dedução é, no entanto, substanciamente mais complexa e considera-se que

excede os objectivos do presente texto.

4.3.6 Observações

Se se procurasse melhorar a solução obtida para Nq através do teorema estático, chegar-

se-ia à conclusão de que este factor de capacidade de carga (admitindo um número infinito de

planos de descontinuidade, tal como se fez para o caso não drenado) tomaria um valor dado

pela mesma expressão (4.45) agora obtida para o teorema cinemático. Tal significa que seria,

portanto, encontrada a solução exacta de Nq:

NEXq = tg 2(45 + φ′/2)eπtg φ′ (4.46)

Mostra-se, na Figura 4.14, a comparação entre os resultados de Nq anteriormente obtidos.

Para o factor de capacidade de carga Nγ não é conhecida ainda solução formal exacta

(como se verá, a solução obtida por Martin (2005) pode considerar-se exacta, tendo sido

obtida numericamente).

A solução proposta pela formulação de capacidade resistente às acções verticais proposta

num anexo do Eurocódigo 7 é

NEC7γ = 2(Nq − 1)tg φ′ (4.47)

A Figura 4.15 apresenta os resultados dos valores de Nγ anteriormente referidos, assim como

da solução obtida usando resultados da região superior e da região inferior e que deverá estar

Page 90: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

88 Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais

0

10

20

30

40

50

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45

Nq

φ’ (o)

LI (1 plano); EL (mec. planar)LS (mec. planar)LS (mec. espiral); EX

Figura 4.14: Comparação entre valores de Nq

muito próxima da solução exacta (Hjiaj et al., 2005) e da solução numericamente exacta de

Martin (2005), aproximada através de uma equação por Salgado (2008):

Nγ = (Nq − 1) tg(

1.32φ′)

(4.48)

0

10

20

30

40

50

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45

φ’ (o)

EL (mec. planar)LS (mec. planar)EC7Hjiaj et al. (2005)Martin (2005)Martin (2005); Salgado (2008)

Figura 4.15: Comparação entre valores de Nγ

Verifica-se da análise da figura que os valores de Nγ fornecidos pelo Eurocódigo 7 são

ligeiramente superiores à estimativa de Hjiaj et al. (2005), Martin (2005) e de Salgado (2008),

que, na prática, coincidem entre si.

Page 91: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais 89

4.4 Nota à capacidade resistente para carregamento vertical e

centrado

A expressão de capacidade resistente às acções verticais, admitindo-se a simplificação an-

teriormente referida implícita na equação (4.21), fica, para o caso analisado de carregamento

vertical e centrado na forma

qr =1

2γBNγ + q′Nq (4.49)

para condições drenadas, com Nγ e Nq dados por expressões como as (4.47) e (4.46) e sendo

q′ a tensão efectiva transmitida pelo solo à profundidade do plano de fundação e

qr = (2 + π)cu + q (4.50)

em condições não drenadas, sendo q a tensão total transmitida pelo solo à profundidade do

plano de fundação.

Faz-se notar que os factores de capacidade resistente às acções verticais (factores de ca-

pacidade de carga – Nγ , Nq e, como se verá, Nc) são função, exclusivamente, do ângulo de

resistência ao corte.

Refere-se ainda que há uma outra simplificação implícita na equação 4.49. Com efeito,

como se viu, o solo acima do plano da fundação apenas é contabilizado pelo efeito do seu peso

na capacidade resistente; não é considerada qualquer resistência deste solo. Há, no entanto,

variantes da expressão assim definida que, directamente ou através de correcções, procuram

contabilizar esse efeito. Tais formulações não serão abordadas neste texto.

Apesar de omisso na descrição feita até ao momento, faz-se notar que as soluções de

Nγ anteriormente apresentadas são válidas para δ = φ′, isto é, para um ângulo de atrito

solo–base da sapata igual ao ângulo de resistência ao corte do solo, que corresponde à solução

habitualmente considerada. No entanto, este factor de capacidade resistente é dependente de

δ, conforme se ilustra através da Figura 4.16, que mostra que para valores baixos de δ o factor

de capacidade resistente Nγ é significativamente reduzido.

As soluções representadas na Figura 4.16 são obtidas numericamente, a de Martin (2005)

sendo numericamente exacta e a de Guerra et al. (2012) sendo obtida através de uma aplicação

numérica do teorema cinemático.

Os restantes factores de capacidade resistente, Nq e Nc, não dependem de δ.

4.5 Influência do nível freático

A equação (4.50) admite que o solo está saturado e que responde em condições não drena-

das, sem que se analise separadamente as tensões efectivas e as pressões intersticiais, devido

à dificuldade em estimar estas últimas e, portanto, em conhecer as primeiras.

A equação (4.49) admite que o solo apresenta o nível freático a grande profundidade, não

Page 92: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

90 Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais

0.5

0.55

0.6

0.65

0.7

0.75

0.8

0.85

0.9

0.95

1

1.05

0 0.2 0.4 0.6 0.8 1

/ Nγ,

δ/φ’

=1

δ/φ’

Guerra et al. (2012): φ’=20o

φ’=30o

φ’=40o

Martin (2005): φ’=20o

φ’=30o

φ’=40o

Figura 4.16: Dependência de Nγ com δ/φ′ (adaptado de Guerra et al. (2012)).

afectando a zona envolvida pelas superfícies de deslizamento. Para o nível freático locali-

zado a profundidade coincidente com o plano definido pela base da fundação (Figura 4.17), a

expressão vem:

qr =1

2γ′BNγ + q′Nq (4.51)

em que γ′ é o peso volúmico submerso. Para casos em que o nível freático esteja um pouco

mais abaixo deste plano mas numa zona abrangida pelas eventuais superfícies de deslizamento

que se formarão em caso de rotura, o cálculo pode ser feito, simplificadamente e do lado da

segurança, admitindo-o coincidente com o plano da base da fundação.

q′

B

F

Figura 4.17: Capacidade resistente às acções verticais: nível freático coincidente com o planoda base da fundação.

Para nível freático acima do plano da base da fundação o cálculo da tensão q′ deve, na-

turalmente, ter isso em atenção. Por outro lado, como se verá, as acções devem considerar a

impulsão da água sobre a base da fundação.

Page 93: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais 91

4.6 Influência da excentricidade da carga

A excentricidade, e, do carregamento (Figura 4.18) é tida em consideração através da

alteração da largura para o valor B′:

B′ = B − 2 e (4.52)

q

B

B′

e

F

Figura 4.18: Capacidade resistente às acções verticais: excentricidade do carregamento.

Esta largura B′ é a largura na qual a carga F , com excentricidade e fica centrada. Os

cálculos são, assim, realizados, substituindo a largura B pela largura B′.

Conforme se verá, quando, na secção seguinte, se abordar as fundações com comprimento

L finito, a excentricidade pode também existir segundo L. Se F tiver a excentricidade eL na

direcção de L, então considera-se um comprimento L′ tal que:

L′ = L− 2 eL (4.53)

4.7 Influência da forma da fundação e da inclinação da carga

A forma e a inclinação da carga são tidas em consideração através de factores correctivos

aplicados às parcelas da expressão de capacidade resistente em relação às acções verticais.

Desta forma, as expressões (4.50) e (4.49) assumem, respectivamente, a forma

qr = (2 + π)cuscic + q (4.54)

e

qr =1

2γBNγsγiγ + q′Nqsqiq (4.55)

Nestas expressões os factores s são os factores de forma, que corrigem a expressão para o

caso de fundação com comprimento L finito e os factores i corrigem a expressão para o caso

de carregamento inclinado.

Estes factores, dos quais há diversas propostas, foram obtidos de diversas formas, como

ensaios em modelo reduzido, cálculos numéricos, etc. A secção seguinte apresenta as expressões

da formulação da capacidade resistente proposta num anexo do Eurocódigo 7.

Refere-se ainda que os valores de qr determinados pelas expressões (4.54) e (4.55) corres-

Page 94: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

92 Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais

pondem a tensões de rotura normais à base da fundação, pelo que, quando multiplicados por

B′, fornecem o valor da componente vertical, V , da força F .

4.8 A formulação proposta no Eurocódigo 7

Apresenta-se nesta secção a formulação proposta no Eurocódigo 7. Esta formulação, na sua

versão em condições drenadas apresenta, como é o caso de outras formulações, uma terceira

parcela que tem em consideração a eventual existência de coesão efectiva c′ (ou seja, se se

pretender caracterizar a resistência do solo através de τ = c′ + σ′ tg φ′).

A formulação considera ainda outra correcção (a correspondente à inclinação da base), que

não se apresenta neste texto.

4.8.1 Em condições não drenadas

qr = (2 + π)cuscic + q (4.56)

sc = 1 + 0.2B′

L′(4.57)

em que sc é o factor de forma, sendo B′ e L′ as largura e comprimento efectivos da fundação

(B′ < L′), com

B′ = B − 2eB (4.58)

e

L′ = L− 2eL (4.59)

sendo eB e eL, respectivamente, as excentricidades do carregamento segundo B e segundo L.

ic =1

2+

1

2

1 − H

A′cu(4.60)

em que ic é o factor de inclinação do carregamento, com H ≤ A′cu e A′ = B′L′, sendo H a

componente horizontal da força aplicada F .

4.8.2 Em condições drenadas

qr =1

2γ′B′Nγsγiγ + c′Ncscic + q′Nqsqiq (4.61)

Nq = eπtg φ′tg 2(

45 + φ′/2)

(4.62)

Nc = (Nq − 1) cotg φ′ (4.63)

Nγ = 2 (Nq − 1) tg φ′ (4.64)

Page 95: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais 93

em queNq, Nc eNγ são os factores de capacidade de carga (ou factores de capacidade resistente

às acções verticais).

sγ = 1 − 0.3B′

L′(4.65)

sq = 1 +B′

L′senφ′ (4.66)

sc =sqNq − 1

Nq − 1(4.67)

em que sγ , sc e sq são os factores de forma, que corrigem a expressão para o caso de fundação

com comprimento L′ finito. Nestas expressões B′ e L′ são, respectivamente, as largura e

comprimento efectivos, conforme anteriormente descritos.

iγ =

[

1 − H

V +A′c′cotg φ′

]m+1

(4.68)

iq =

[

1 − H

V +A′c′cotg φ′

]m

(4.69)

ic = iq −1 − iqNctg φ′

(4.70)

em que iγ , iq e ic são factores de inclinação do carregamento, sendo H e V as componentes

horizontal e vertical do carregamento, A′ a área efectiva (igual a B′ L′) e c′ a coesão efectiva

do solo e sendo:

m = mB =2 +B′/L′

1 +B′/L′H com direccao de B (4.71)

m = mL =2 + L′/B′

1 + L′/B′H com direccao de L (4.72)

Page 96: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

94 Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais

Page 97: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 5

Colapso de maciços em talude

5.1 Introdução

O terceiro e último problema de colapso que será abordado neste texto é o de maciços

em talude (ver Figura 2.1(c)). Tal como a propósito da determinação de outras cargas de

colapso, utilizar-se-á as técnicas anteriormente descritas: análise limite (teoremas estático e

cinemático) e equilíbrio limite.

Aborda-se o problema do colapso de maciços em talude considerando as seguintes situações:

• talude vertical formado por solo respondendo em condições não drenadas;

• talude infinito formado por solo em condições drenadas ou não drenadas;

• talude com geometria genérica deslizando com superfície circular (solo em condições

drenadas e não drenadas).

5.2 Talude vertical, solo em condições não drenadas

5.2.1 Introdução

Considere-se, em primeiro lugar, o problema a que se refere a Figura 5.1, de um solo

argiloso, respondendo em condições não drenadas formando um talude vertical, caracterizado

por uma resistência não drenada cu e pelo peso volúmico γ.

hcu

γ

Figura 5.1: Talude vertical, solo em condições não drenadas.

95

Page 98: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

96 Capítulo 5. Colapso de maciços em talude

Procure-se, assim, responder à seguinte questão: qual a altura h que causa o colapso

do talude? Este problema será resolvido recorrendo aos três métodos que têm vindo a ser

referidos: equilíbrio limite, teorema cinemático e teorema estático.

5.2.2 Aplicação do método do equilíbrio limite à análise não drenada da

estabilidade de um talude vertical

A análise por equilíbrio limite implica a consideração de um mecanismo e do estudo do

equilíbrio das forças que actuam sobre o bloco ou blocos que o mecanismo forma. Considere-se,

assim, o mecanismo sugerido pela Figura 5.2, correspondente a um bloco formado por uma

superfície planar, formando um ângulo ξ com a horizontal.

hcuγ

ξ

ξ

ξ

Ws

Ws N

NT

T

L

Figura 5.2: Análise por equilíbrio limite da estabilidade de solo argiloso respondendo emcondições não drenadas formando um talude vertical.

As forças a actuar no bloco são o peso, Ws, a força T , resultante das tensões de corte ao

longo da superfície de contacto do bloco com o restante maciço, e a força N , normal à referida

superfície. O equilíbrio de forças segundo N exige que:

N = Ws cos ξ (5.1)

e o equilíbrio de forças segundo T que:

T = Ws sen ξ (5.2)

Tendo em atenção que:

tg ξ = h/ℓ⇒ ℓ = h/tg ξ; sen ξ = h/L⇒ L = h/sen ξ (5.3)

vem

Ws =1

2γhℓ =

1

2γh2/tg ξ (5.4)

Por outro lado, T toma o valor máximo:

cuL = cuh

sen ξ(5.5)

Page 99: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 5. Colapso de maciços em talude 97

pelo que, atendendo às equações (5.2) e (5.4):

cuh

sen ξ=

1

2γh2 1

tg ξsen ξ (5.6)

resultando:

hEL =cuγ

2

sen ξ cos ξ=cuγNELs (5.7)

sendo

NELs =

2

sen ξ cos ξ(5.8)

Verifica-se que o valor mínimo de NELs é obtido para ξ = 45o e toma o valor de 4 (Figura 5.3)

0

2

4

6

8

10

12

14

16

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

NE

Ls

ξ

Figura 5.3: Valores de NELs em função de ξ obtidos através de mecanismo planar.

5.2.3 Aplicação do teorema cinemático à análise não drenada da estabili-

dade de um talude vertical

Para a análise do problema através do teorema cinemático, adopte-se o mecanismo idêntico

ao considerado na secção anterior.

Assim, atendendo à Figura 5.4, tem-se que o peso do bloco é, como se viu na equação

(5.4):

Ws =1

2γh2/tg ξ

e o deslocamento virtual na direcção vertical δy relaciona-se com o deslocamento do bloco δw

através de:

δy = δwsen ξ (5.9)

Page 100: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

98 Capítulo 5. Colapso de maciços em talude

hcuγ

ξξ

Ws

L

δwδwδy

Figura 5.4: Análise através do teorema cinemático da estabilidade de solo argiloso respondendoem condições não drenadas formando um talude vertical.

O trabalho das forças exteriores é:

δWe = Wsδy = Wsδw sen ξ =1

2γh2 1

tgξδw sen ξ =

1

2γh2 cos ξ δw (5.10)

e a energia dissipada é:

δWi = cuLδw = cuh

sen ξδw (5.11)

Igualando o trabalho das forças exteriores à energia dissipada, para a aplicação do teorema

cinemático, obtém-se:

δWi = δWe ⇒ hLS =cuγ

2

sen ξ cos ξ=cuγNLSs (5.12)

ou seja,

hLS =cuγ

2

sen ξ cos ξ=cuγNLSs (5.13)

com

NLSs =

2

sen ξ cos ξ(5.14)

Atendendo a que se trata de resultados do teorema cinemático, esta expressão fornece, para

qualquer valor de ξ, resultados de NLSs que conduzem a hLS para os quais ocorre colapso.

Assim, a melhor solução será a que corresponde ao seu menor valor. Atendendo a que a

expressão (5.14) coincide com a que se obteve na secção anterior (equação 5.8), a Figura 5.3

mostra também os resultados da equação (5.14), pelo que o melhor resultado obtido através

deste mecanismo é, também, NLSs = 4.

5.2.4 Aplicação do teorema estático à análise não drenada da estabilidade

de um talude vertical

A aplicação do teorema estático implica o estudo do equilíbrio de tensões e a garantia de

que o critério de rotura não é violado. Desta forma, analisando o estado de tensão no elemento

à profundidade máxima h (Figura 5.5), tem-se que:

σv = γh (5.15)

σh = 0 (5.16)

Page 101: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 5. Colapso de maciços em talude 99

σv

σv

σh

σh

h

τ

σ

cu cu

γ

Figura 5.5: Análise através do teorema estático da estabilidade de solo argiloso respondendoem condições não drenadas formando um talude vertical.

Logo, hLI é tal que

σv − 2cu = 0 ⇒ hLI =cuγNLIs =

2cuγ

(5.17)

o que implica, portanto, que

NLIs = 2 (5.18)

5.2.5 Observações

Nas secções anteriores verificou-se que, através do teorema cinemático, foi possível obter

uma solução para a profundidade a que se estima que ocorre o colapso, dada por:

hLS =4cuγ

(5.19)

e que, através do teorema estático, esta profundidade é

hLI =2cuγ

(5.20)

Dada a origem de cada uma destas soluções pode concluir-se que

2cuγ

= hLI ≤ hEX ≤ hLS =4cuγ

(5.21)

o que mostra, por um lado, resultados consistentes (a estimativa obtida pelo teorema estático

é inferior à estimativa obtida pelo teorema cinemático) e, por outro, que as duas soluções

estão bastante afastadas uma da outra (uma corresponde, na realidade, ao dobro da outra).

Diga-se, a este propósito, que para o problema em questão não se conhece solução exacta.

Há, no entanto, soluções melhores do que as apresentadas. A melhor solução obtida através

do teorema da região superior com uma superfície circular é devida a Taylor (1948) (Figura

5.6):

NLSs = 3.83, para xO = 1.41h e yO = 1.21h (5.22)

Os melhores resultados conhecidos são devidos a Lyamin e Sloan (2002) (região inferior) e

a Pastor et al. (2009) (região superior) e foram obtidos numericamente:

3.772 ≤ Ns ≤ 3.7776 (5.23)

Page 102: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

100 Capítulo 5. Colapso de maciços em talude

h

RO

xO

yO

Figura 5.6: Solução da região superior obtida por Taylor (1948).

5.3 Talude infinito; solo em condições drenadas

A ocorrência de depósitos de vertente de espessura relativamente reduzida face à sua

extensão corresponde, aproximadamente, a um talude infinito, conforme se esquematiza na

Figura 5.7. Trata-se, assim, de um problema prático de grande interesse e aplicação.

5.3.1 Aplicação do teorema cinemático à análise drenada da estabilidade

de um talude infinito

Considere-se o talude esquematicamente representado na Figura 5.7. Sendo infinito, as

forças de interacção de uma fatia qualquer de largura B anulam-se, pelo que o peso é a

única força exterior aplicada. Procure-se, assim, a inclinação do talude, i, que conduz ao

escorregamento do talude.

h

B

L

F1

F2δw

δw

δy ii

i− φ′

Ws

γφ′

Figura 5.7: Aplicação do teorema cinemático à análise drenada de um talude infinito.

Atendendo a que o deslocamento δw faz um ângulo φ′ com a superfície inclinada, tem-se

que a componente vertical do deslocamento é

δy = δwsen (i− φ′) (5.24)

O trabalho das forças exteriores é igual à energia dissipada que, por sua vez, é nula. Fica,

assim:

δWe = Wsδy = δWi = 0 (5.25)

do que resulta

δy = 0 (5.26)

Page 103: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 5. Colapso de maciços em talude 101

o que conduz a

sen (i− φ′) = 0 (5.27)

e a

iLS = φ′ (5.28)

Tem-se, assim, que de acordo com o teorema cinemático, o ângulo de inclinação do talude

para o qual este escorrega é igual ao ângulo de resistência ao corte do solo.

5.3.2 Aplicação do teorema estático à análise drenada da estabilidade de

um talude infinito

Analise-se, agora, o mesmo problema através do teorema estático. Considere-se, para isso,

uma fatia do talude com largura B (Figura 5.8). O peso da fatia é

Ws = γhB = γhL cos i (5.29)

h

B

L

F1

F2i

Ws

T

N

σ′

τ

γ

φ′

Figura 5.8: Aplicação do teorema estático à análise drenada de um talude infinito.

Sendo N a força normal à superfície inclinada, vem

N = Ws cos i = γhL cos2 i (5.30)

pelo que a tensão efectiva normal é

σ′n = γh cos2 i (5.31)

A força T , tangencial é

T = Wssen i = γhLsen i cos i (5.32)

pelo que

τn = γhsen i cos i (5.33)

Das equações (5.31) e (5.33) tira-se que

τn/σ′n = tg i (5.34)

Page 104: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

102 Capítulo 5. Colapso de maciços em talude

e, por outro lado, a verificação do critério de rotura exige que, no máximo,

τn/σ′n = tg φ′ (5.35)

pelo que:

iLI = φ′ (5.36)

5.3.3 Aplicação do método de equilíbrio limite à análise drenada da esta-

bilidade de um talude infinito

Aplicando o método de equilíbrio limite (Figura 5.9), tem-se que o equilíbrio de forças

exige que:

h

B

L

F1

F2

ii

WsWs

T

T

N

N

γφ′

Figura 5.9: Aplicação do método de equilíbrio limite à análise drenada de um talude infinito.

N = Ws cos i (5.37)

T = Wssen i (5.38)

pelo que

N = Ws cos i = Bhγ cos i = (L cos ihγ) cos i = γhL cos2 i (5.39)

e

T = Wssen i = γhL cos i sen i (5.40)

O valor máximo de T é Ntg φ′, pelo que, nesta hipótese:

T = γhL cos i sen i = γhL cos2 i tg φ′ (5.41)

de onde resulta que

tg i = tg φ′ (5.42)

ou seja,

iEL = φ′ (5.43)

Page 105: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 5. Colapso de maciços em talude 103

5.3.4 Observações

Os resultados obtidos aplicando o teorema cinemático e o teorema estático coincidem entre

si (e também com o resultado obtido pelo método de equilíbrio limite). A coincidência das

soluções obtidas por análise limite significa que foi encontrada a solução exacta, pelo que o

ângulo de inclinação do talude infinito que o conduz ao escorregamento é:

iEX = φ′ (5.44)

É interessante verificar que este resultado depende apenas do ângulo de resistência ao corte e

é, portanto, independente da altura da camada h e do peso volúmico γ.

Poderia igualmente constatar-se que análises semelhantes que considerassem o talude to-

talmente submerso conduziriam igualmente ao referido resultado.

5.4 Talude infinito; solo em condições não drenadas

Considera-se agora o caso de talude infinito de solo com espessura h, peso volúmico γ e

resistência não drenada cu.

5.4.1 Aplicação do método de equilíbrio limite à análise não drenada da

estabilidade de um talude infinito

Aplicando o método de equilíbrio limite (Figura 5.10), tem-se que, sendo a força T dada

pela expressão

T = γhL cos i sen i (5.45)

h

B

L

F1

F2

ii

WsWs

T

T

N

N

γcu

Figura 5.10: Aplicação do método de equilíbrio limite à análise não drenada de um taludeinfinito.

e o valor máximo desta força dado por

T = cuL (5.46)

Page 106: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

104 Capítulo 5. Colapso de maciços em talude

se tem que, multiplicando ambas as equações por 2:

2γhL cos i sen i = 2cuL (5.47)

o que conduz a

γh sen 2i = 2cu (5.48)

e a

iEL =1

2arcsen

2cuγh

que corresponde à inclinação do talude, obtida por equilíbrio limite, que implica o escorrega-

mento deste.

5.4.2 Aplicação do teorema cinemático à análise não drenada da estabili-

dade de um talude infinito

Aplique-se agora o teorema cinemático ao mesmo problema. A Figura 5.11 mostra o

mecanismo adoptado.

h

B

L

F1

F2

δw

δwδy i

iWs

γcu

Figura 5.11: Aplicação do teorema cinemático à análise não drenada de um talude infinito.

A componente vertical do deslocamento, δy é

δy = δwsen i (5.49)

e o peso do solo é

Ws = γhL cos i (5.50)

O trabalho das forças exteriores é

δWe = Wsδy = γhL cos i δw sen i (5.51)

e o trabalho das tensões internas

δWi = cuLδw (5.52)

Igualando os dois, obtém-se

γhL cos i δw sen i = cuLδw (5.53)

Page 107: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 5. Colapso de maciços em talude 105

ou seja,

2 cos i sen i =2cuγh

(5.54)

e

iLS =1

2arcsen

2cuγh

(5.55)

5.4.3 Aplicação do teorema estático à análise não drenada da estabilidade

de um talude infinito

A partir da Figura 5.12 e do que se viu anteriormente a propósito da análise drenada, as

tensões totais normal e tangencial são dadas por:

τ

σn

σh

cuB

N

T

L

F1

F2

i

iWs

σn

Figura 5.12: Aplicação do teorema estático à análise não drenada de um talude infinito.

σn = γh cos2 i (5.56)

τn = γhsen i cos i (5.57)

Aplicando o critério de rotura, tem-se que, no máximo, τn é igual a cu, pelo que:

τn = γhsen i cos i = cu (5.58)

Dado que

τn/σn = tg i

fica

τn/σn =cu

γh cos2 i= tg i (5.59)

o que conduz a:

iLI =1

2arcsen

2cuγh

(5.60)

5.4.4 Observações

Viu-se que as estimativas da inclinação do talude infinito em condições não drenadas

são idênticas usando os dois teoremas da análise limite (e, igualmente, usando o método de

equilíbrio limite).

Page 108: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

106 Capítulo 5. Colapso de maciços em talude

A solução exacta ficou, portanto, encontrada:

iEX =1

2arcsen

2cuγh

(5.61)

5.5 Talude infinito; condições drenadas: percolação paralela ao

talude (EL)

Considere-se agora que um talude infinito de altura h de um material com peso volúmico

(saturado) γ e ângulo de resistência ao corte φ′ está sujeito a um regime de percolação per-

manente, paralela ao talude, de inclinação i (Figura 5.13). Qual a inclinação i que o conduz

ao colapso?

uP/γw

zPz = 0

hN = N ′ + U

N = N ′ + U

B

T

T

L

h cos ii

i

Ws

Ws φ′

N ′

U

P

Figura 5.13: Aplicação do método de equilíbrio limite à análise drenada de um talude infinitocom percolação paralela ao talude.

Resolvendo o problema através do método do equilíbrio limite, tem-se que, na fatia de

largura B:

N = γhL cos2 i (5.62)

e a força U (impulsão) na base da fatia é:

U = uL = γwh cos2 i× L (5.63)

Haverá escorregamento se a força T aplicada, Ntg i, igualar a resistência N ′tgφ′:

T = Ntg i = N ′tg φ′ (5.64)

pelo que

Ntg i = (N − U)tg φ′ (5.65)

e

tg i = tg φ′(

1 − U

N

)

(5.66)

ou seja

tg i = tg φ′ (1 − γw/γ) (5.67)

Page 109: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 5. Colapso de maciços em talude 107

Atendendo a que γw/γ ≃ 1/2, tem-se que a inclinação i a que corresponde o escorregamento

para percolação paralela ao talude é cerca de metade da que se obteve para talude seco ou

totalmente submerso.

5.6 Talude com geometria genérica; condições não drenadas

(EL)

5.6.1 Análise por equilíbrio limite de superfície circular

Considere-se o talude com a geometria que se indica na Figura 5.14 e analise-se a superfície

circular aí representada.

O

τσ

A

B

xWs

Ws

r

γcu

Figura 5.14: Aplicação do método de equilíbrio limite à análise não drenada de um taludecom geometria genérica com superfície de escorregamento circular.

Aplicando o método do equilíbrio limite, pode verificar-se que, sendo o peso do solo Ws e

o seu ponto de aplicação conhecido (com braço xWs em relação a O), tem-se que o momento

actuante, MS , em relação ao ponto O é

MS = WsxWs (5.68)

e o momento resistente, MR, é o que resulta da mobilização das tensões de corte ao longo da

superfície de escorregamento circular. Se a resistência não drenada for cu tem-se que

MR = cuABr (5.69)

sendo AB o comprimento do arco de circunferência e r o seu raio.

Há escorregamento se

MS = MR ⇒WsxWs = cuABr (5.70)

Naturalmente que esta análise foi feita considerando uma dada superfície de escorrega-

mento. Conforme é habitual nos métodos de equilíbrio limite, deve procurar-se o mecanismo

(ou seja, a superfície) que conduz à menor relação entre os momentos resistentes e os actuantes.

Page 110: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

108 Capítulo 5. Colapso de maciços em talude

Há programas de cálculo automático que permitem testar sistematicamente diversas su-

perfícies com centros numa área definida pelo utilizador e com raios variáveis.

5.6.2 Método de Taylor

Taylor (1948) apresentou ábacos baseados no método do círculo de atrito, que não é abor-

dado neste texto, que resolve o problema atrás referido, em condições não drenadas. Apresen-

ta-se esses ábacos na Figura 5.15.

Figura 5.15: Ábacos de Taylor.

A Figura apresenta, do lado esquerdo, um ábaco para solos saturados em condições não

drenadas e, do lado direiro, um ábaco que considera esta situação mas igualmente os casos

em que o ângulo de resistência ao corte em condições não drenadas é diferente de zero. O

leitor deve ignorar esta situação, que sai do âmbito do texto e deve considerar apenas, neste

segundo ábaco, o caso de ângulo nulo (ou seja, os materiais com envolvente de rotura dada

por uma recta horizontal de equação τ = cu).

O ábaco permite resolver um problema de um talude em solo com resistência não drenada

cu, peso volúmico γ, altura H, inclinação i com a horizontal e estrato rígido à profundidade

D×H. O número de estabilidade Ns é cu/γH. A utilização deste ábaco permite, por exemplo,

conhecendo-se D, H, i e γ, determinar a resistência não drenada que implica o colapso do

talude: o valor de D e de i permitem conhecer o valor de Ns no colapso e este permite conhecer

cu. Outros tipos de utilização podem fazer-se deste ábaco. Note-se que para i > 54o deve

usar-se o ábaco da direita. Note-se também que o método de Taylor fornece já resultados para

o círculo crítico, podendo dele retirar-se ainda informações relativas à sua localização.

Page 111: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 5. Colapso de maciços em talude 109

5.7 Talude com geometria genérica; condições drenadas (EL)

5.7.1 Os métodos de fatias

O problema correspondente a este em condições não drenadas foi analisado de forma rela-

tivamente simples na secção 5.6.1. A simplicidade dessa análise foi possível pelo facto de as

tensões tangenciais serem conhecidas (e iguais a cu). Em situação drenada, no entanto, o pro-

blema é substancialmente mais complicado, pelo facto de as tensões tangenciais dependerem

agora do valor da tensão normal transmitida em cada ponto da superfície circular, através da

equação

τ = σ′tg φ′ = (σ − u)tg φ′ (5.71)

mas o valor de σ não pode ser determinado com facilidade.

Assim, o procedimento adoptado habitualmente recorre a métodos de fatias, isto é, a

métodos em que a massa potencialmente instável é dividida em fatias, da forma indicada na

Figura 5.16. Procede-se, então ao estudo do equilíbrio das fatias e considera-se, finalmente, o

somatório das contribuições das várias fatias.

rO

A

B

N

T

T

ℓℓ

α

θ

Ws

Ws

N ′

U

F

yF

φ′φ′

γ

Figura 5.16: Métodos de fatias.

Verifica-se, assim, que as forças actuantes em cada fatia são: Ws; N ; U ; T ; F1; F2, tendo

Ws, N e T o significado indicado na Figura, sendo U a resultante na base da fatia das pressões

da água e sendo F1 e F2 as forças de interacção, com resultante F , inclinação θ e actuando à

altura yF .

As forças Ws e U têm valor, direcção e ponto de aplicação conhecidos; as forças T e N

têm apenas direcção e ponto de aplicação conhecidos; há, portanto, 5 incógnitas: T , N , F , yFe θ.

Seria possível escrever 3 equações de equilíbrio e ainda atender a que:

T = (N − U)tg φ′ (5.72)

pelo que é necessário fazer pelo menos uma simplificação: as diferentes simplificações dão

origem aos diferentes métodos.

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110 Capítulo 5. Colapso de maciços em talude

Tal como se fez para o caso do talude com superfície circular em condições não drenadas,

apresenta-se, separadamente, o cálculo do momento actuante e do momento resistente. Dado

que se procedeu à divisão em fatias, estes momentos têm agora a forma de somatórios.

O momento actuante é dado por:

ΣMS = ΣWsrsenα (5.73)

o que, no fundo, corresponde ao cálculo do momento dado pela equação (5.68) considerando

a divisão em fatias.

O momento resistente é:

ΣMR = ΣTr = Σ(N − U)tg φ′r (5.74)

em que o problema está na determinação de N .

Os diferentes métodos de fatias diferem entre si na forma como consideram o cálculo de

N , ou seja, na hipótese simplificativa que adoptam para permitir o cálculo de N .

Neste texto estudam-se apenas dois métodos:

• o Método de Fellenius;

• o Método de Bishop simplificado.

5.7.2 Método de Fellenius

O método de Fellenius é o mais simples dos métodos de fatias e considera a hipótese

simplificativa

F = 0 (5.75)

Tal significa que N é dado por

N = Ws cosα (5.76)

pelo que a equação (5.74) fica:

ΣMR = ΣTr = Σ(N − U)tg φ′r = Σ(Ws cosα− uℓ)tg φ′r (5.77)

A aplicação do método de Fellenius implica, portanto, a utilização da equação (5.73) para

determinação do momento actuante (que é uma expressão genérica) e da equação (5.77) para

o cálculo do momento resistente. Estima-se que ocorrerá colapso se o primeiro for superior

ao segundo. A aplicação destas equações pode fazer-se com facilidade através de uma tabela,

como a que se apresenta no Quadro 5.1, que pode ser adaptada a uma folha de cálculo para

maior facilidade de utilização.

Refere-se, finalmente, que apesar de o método de Fellenius ser especialmente adaptado

para a sua utilização em condições drenadas, nada impede a sua utilização em condições não

Page 113: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 5. Colapso de maciços em talude 111

Tabela 5.1: Quadro para utilização do método de Fellenius.

Fatia A Ws α Wssenα u ℓ (Ws cosα− uℓ)tgφ′

(m2) (kN/m) (o) (kN/m) (kPa) (m) (kN/m)12...

drenadas. O que acontece, simplesmente, é que a sua divisão em fatias não é necessária,

como no caso de condições drenadas, a não ser como uma forma expedita de determinação do

momento actuante. Em qualquer caso, fica:

ΣMS = ΣWsrsenα

ΣMR = ΣTr = Σcuℓr

resultando, assim, na metodologia apresentada na secção 5.6.1.

5.7.3 Método de Bishop simplificado

A hipótese simplificativa adoptada no método de Bishop Simplificado é:

Fv = 0 (θ = 0) (5.78)

De acordo com esta hipótese, fazendo equilíbrio de forças verticais vem:

T senα+N cosα = Ws (5.79)

o que conduz a

N = (Ws − T senα)/ cosα (5.80)

Substituindo esta equação na equação (5.72) fica:

T = (N − U)tg φ′ = ((Ws − T senα)/ cos α− U) tg φ′ (5.81)

que, resolvendo em ordem a T , resulta em:

T =(Ws/ cosα− uℓ)tg φ′

1 + tgα tg φ′(5.82)

Os momentos resistentes ficam, portanto:

ΣMR = ΣT × r = Σ(Ws/ cosα− uℓ)tg φ′

1 + tgα tg φ′× r (5.83)

Tal como no caso do método de Fellenius, esta equação pode ser aplicada em condições

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112 Capítulo 5. Colapso de maciços em talude

não drenadas, fazendo as adaptações necessárias, concluindo-se no entanto que o resultado é

equivalente ao dado pela equação (5.69).

Um Quadro semelhante ao 5.1 pode ser adoptado, com as devidas adaptações, ao cálculo

de taludes através do método de Bishop simplificado.

5.7.4 Observações

Faz-se ainda notar que os métodos de fatias, sendo métodos de equilíbrio limite, devem

ser usados procurando o círculo de deslizamento que conduz à menor relação entre os momen-

tos resistentes e os momentos actuantes. Ocorrerá, portanto, colapso, se estes igualarem os

primeiros.

Conforme se referiu, estão disponíveis programas de cálculo automático que permitem

testar diversos círculos, com posições de centros e valores de raios que podem ser controlados

pelo utilizador.

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Parte IV

Verificação da segurança

113

Page 116: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL
Page 117: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 6

Verificação da segurança em relação

aos estados limites últimos. O

Eurocódigo 7

6.1 Introdução

Viu-se nos capítulos anteriores a determinação de cargas de colapso de estruturas geo-

técnicas simples. Ter-se-á, portanto, colapso se, naquelas estruturas, as acções igualarem as

resistências.

Naturalmente que a verificação da segurança implica que as acções sejam inferiores à resis-

tência com uma margem adequada. A adopção da margem adequada faz-se, tradicionalmente,

recorrendo à noção de coeficiente de segurança global e, actualmente, com a utilização do Eu-

rocódigo 7 no Projecto Geotécnico, através da metodologia que recorre aos coeficientes de

segurança parciais.

A noção de coeficiente de segurança global é a forma como, tradicionalmente, a verificação

da segurança no projecto geotécnico era realizada. A sua utilização, conceptualmente, é

bastante simples: é determinada uma resistência, R e define-se acção admissível, Aadm como

Aadm =R

FS(6.1)

em que FS é o coeficiente de segurança global com um valor que depende do tipo de obra e

da verificação da segurança em causa mas que pode variar entre 1.5 e cerca de 3. É, portanto,

verificada a segurança garantindo que a acção efectivamente actuante, A, é inferior ou igual a

Aadm.

Este procedimento, apesar de ainda em prática em alguns meios, está em substituição pela

adopção dos coeficientes de segurança parciais, que é a metodologia proposta pelo Eurocó-

digo 7.

115

Page 118: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

116 Capítulo 6. Verificação da segurança em relação aos estados limites últimos. O EC7

De acordo com esta metodologia, com base em coeficientes parciais que afectam (reduzem)

os parâmetros de resistência e (ou), eventualmente, as próprias resistências, é determinada uma

resistência de cálculo, Rd. De forma análoga, com base em coeficientes de segurança parciais

que afectam (majoram) as acções, é determinada uma acção de cálculo, Ad. A segurança fica

verificada se

Ad ≤ Rd (6.2)

É em relação a este último procedimento, que recorre aos coeficientes de segurança parciais,

que se fará referência neste texto. Muito do que se refere é, no entanto, aplicável a uma filosofia

de segurança com base em coeficientes de segurança globais.

6.2 Os estados limites

O Eurocódigo 7 prevê os seguintes estados limites:

• EQU – Perda de equilíbrio da estrutura ou do terreno; a resistência do terreno e da

estrutura não são relevantes.

• STR – Rotura ou deformação excessiva de elementos estruturais; a resistência dos ele-

mentos estruturais é relevante.

• GEO – Rotura ou deformação excessiva do terreno; a resistência do terreno é relevante.

• UPL – Perda de equilíbrio da estrutura ou do terreno devido a subpressões ou outras

acções verticais.

• HYD – Instabilidade hidráulica (erosão interna; “piping”).

Conforme, se referiu, a segurança é introduzida através de coeficientes parciais de segu-

rança:

• nas acções (A), majorando-as;

• nas propriedades dos materiais (M), minorando-as;

• nas resistências (R), minorando-as.

Para cada um dos estados limites apresentados o Eurocódigo 7 prevê valores (ou combina-

ções de valores) de coeficientes de segurança parciais adequados.

6.3 Os estados STR e GEO

Os estados STR e GEO (em especial o GEO) são os mais habitualmente usados no projecto

geotécnico. O Eurocódigo 7 prevê para estes estados limites 3 abordagens de cálculo, que são

Page 119: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 6. Verificação da segurança em relação aos estados limites últimos. O EC7 117

3 formas de verificar a segurança, combinando diferentes valores dos coeficientes de segurança

parciais.

Para as estruturas que são abordadas neste texto (taludes, estruturas de suporte e funda-

ções superficiais) as abordagens de cálculo são:

• AC1:

– Combinação 1: A1 + M1 + R1

– Combinação 2: A2 + M2 + R1

• AC2: A1 + M1 + R2

• AC3: (A1 ou A2) + M2 + R3

em que “+” tem o significado de “combinado com” e em que A1, A2, M1, etc, são conjuntos

diferentes de coeficientes de segurança para as acções (A), para as propriedades dos materiais

(M) e para as resistências (R).

Cada país pode definir uma destas abordagens de cálculo para usar internamente; Portugal

adoptou a abordagem de cálculo 1 (AC1).

No caso da abordagem de cálculo 1 a combinação 2 é normalmente condicionante quando

o que está em causa é a verificação geotécnica (que implica a definição da geometria) e a

combinação 1 quando o que está em causa é o dimensionamento estrutural.

Os coeficientes parciais das acções (A) são os seguintes:

• γG – aplicado às cargas permanentes (favoráveis ou desfavoráveis);

• γQ – aplicado às cargas variáveis (favoráveis ou desfavoráveis).

Apresenta-se no Quadro 6.1 os valores dos coeficientes de segurança parciais aplicáveis às

acções para os estados limites STR e GEO e, no Quadro 6.2, os valores dos coeficientes de

segurança parciais aplicáveis às propriedades resistentes dos materiais.

Tabela 6.1: Valores dos coeficientes de segurança parciais aplicáveis às acções, nos estadoslimites GEO e STR.

Coeficiente tipo A1 A2γG desfavorável 1.35 1.00γG favorável 1.00 1.00γQ desfavorável 1.50 1.30γQ favorável 0 0

Refere-se ainda que Portugal inseriu no seu Anexo Nacional uma indicação de que sempre

que a ocorrência de estados limites de utilização nas estruturas ou nas infra-estruturas situadas

num talude natural ou na sua vizinhança seja evitada através da limitação da resistência ao

Page 120: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

118 Capítulo 6. Verificação da segurança em relação aos estados limites últimos. O EC7

Tabela 6.2: Valores dos coeficientes de segurança parciais aplicáveis às propriedades dos ma-teriais, nos estados limites GEO e STR.

Coeficiente M1 M2γφ′ 1.00 1.25γc′ 1.00 1.25γcu

1.00 1.40

corte do terreno mobilizada, devem ser adoptados, na verificação da estabilidade global do

talude para a Combinação 2 os seguintes valores dos coeficientes de segurança parciais para

os parâmetros do terreno: γφ′ = γc′ = γcu = 1.5.

Os coeficientes de segurança aplicáveis às resistências dependem do tipo de estrutura e da

verificação em causa. Os valores destes coeficientes de segurança apresentam-se no Quadro

6.3.

Tabela 6.3: Valores dos coeficientes de segurança parciais aplicáveis às resistências nos estadoslimites GEO e STR.

Estrutura Resistência Coeficiente R1 R2 R3Talude terreno γR;e 1.00 1.10 1.00

Fundação superf./Estrut. suporte Resist. vert. γR;v 1.00 1.40 1.00Fundação superf./Estrut. suporte Deslizamento γR;h 1.00 1.10 1.00

Estrut. suporte terreno γR;e 1.00 1.40 1.00

As acções são, assim, majoradas com os coeficientes γG e γQ:

Ad = γGAG + γQAQ (6.3)

as propriedades resistentes são minoradas com os coeficientes γφ′ , γc′ ou γcu:

φ′d = arctgtgφ′

γφ′(6.4)

c′d =c′

γc′(6.5)

cud =cuγcu

(6.6)

e as resistências são minoradas com os coeficientes γR:

Rd = R/γR (6.7)

Page 121: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 6. Verificação da segurança em relação aos estados limites últimos. O EC7 119

6.4 O estado EQU

Conforme referido, no estado EQU a resistência do terreno e da estrutura não são relevan-

tes. Trata-se, simplesmente, de uma verificação de equilíbrio da estrutura em que há acções

que tendem a causar a desestabilização (ou instabilização) e outras que tendem a causar a

estabilização.

Os coeficientes de segurança parciais são os indicados no Quadro 6.4 e os coeficientes

aplicados às propriedades dos materiais são os do Quadro 6.5.

Tabela 6.4: Valores dos coeficientes de segurança parciais aplicáveis às acções, no estado limiteEQU.

Coeficiente Acção ValorγG;dst desfavorável 1.10γG;stb favorável 0.90γQ;dst desfavorável 1.50γQ;stb favorável 0

Tabela 6.5: Valores dos coeficientes de segurança parciais aplicáveis às propriedades dos ma-teriais, no estado limite EQU.

Coeficiente Valorγφ′ 1.25γc′ 1.25γcu

1.40

A verificação que deve ser feita é:

Adst;d ≤ Astb;d (6.8)

em que Adst;d é o valor de cálculo da acção instabilizante e Astb;d é o valor de cálculo da acção

estabilizante.

6.5 Os estados UPL e HYD

Os estados UPL e HYD não são abordados neste texto. A consulta do Eurocódigo 7

permitirá conhecer os valores dos coeficientes de segurança e aplicá-los aos casos em que estes

estados possam ser relevantes, não apresentando dificuldade significativa.

Page 122: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

120 Capítulo 6. Verificação da segurança em relação aos estados limites últimos. O EC7

Page 123: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 7

Verificação da segurança em relação à

estabilidade de taludes. Estabilização

de taludes

Parte do capítulo é baseado em Guedes de Melo (1993).

7.1 Instabilização de taludes

Os taludes, sejam eles naturais, de escavação ou de aterro, quando são sujeitos a alterações

das condições de serviço (por exemplo a alteração da sua geometria, das solicitações aplica-

das, do nível de água no solo, etc.) podem instabilizar. Esta instabilização traduz-se pelo

movimento de uma massa do maciço, no sentido descendente, no qual a gravidade desenpenha

o papel de principal motor. Este fenómeno pode envolver pequenos ou grandes volumes do

maciço, limitados por superfícies mais ou menos profundas.

Os movimentos podem ser classificados em função da velocidade:

• desmoronamento:

– extremamente rápido (>3 m/s);

– muito rápido (0.3 m/min a 3 m/s);

• escorregamento:

– rápido (1.5 m/dia a 0.3 m/dia);

– moderado (1.5 m/mês a 1.5 m/dia);

• fluimento:

– lento (1.5 m/ano a 1.5 m/mês);

121

Page 124: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

122 Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes

– muito lento (0.06 m/ano a 1.5 m/ano);

– extremamente lento (<0.06 m/ano).

Os desmoronamentos estão em geral associados à queda de blocos rochosos, motivada pela

orientação desfavorável das descontinuidades existentes no maciço nas quais se verifica uma

sucessiva diminuição da resistência ao corte, motivada por processos de meteorização ou na

acção da vegetação (Figura 7.1(a)).

Figura 7.1: Exemplos de desmoronamentos.

Outra situação que pode levar ao desmoronamento é aquela em que a falésia de material

rochoso repousa sobre um meio mais deformável (Figura 7.1(b)) ou ainda por erosão diferencial

numa falésia. Neste caso, a erosão de estratos inferiores pode deixar os estratos superiores em

consola, originando assim a sua queda (Figura 7.1(c)).

Os escorregamentos são movimentos relativamente rápidos de massas de terreno, em regra

bem definidas quando ao seu volume, cuja duração é, na maioria dos casos, curta. O movi-

mento ocorre em geral em solos ou ao longo de descontinuidades de maciços rochosos, podendo

ser do tipo rotacional (associado a superfície de deslizamento curva (Figura 7.2(a)) ou planar

(associado a uma superfície de deslizamento plana (Figura 7.2(b)).

Os escorregamentos rotacionais ocorrem em taludes onde não existam anisotropias mar-

cadas e em maciços rochosos fracturados de forma aleatória. Os escorregamentos planares

Page 125: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes 123

Figura 7.2: Exemplos de escorregamentos.

ocorrem em terrenos com anisotropias marcadas, nos quais as superfícies de instabilização

são condicionadas pela existência de planos de menor resistência que a do material sobreja-

cente. Este tipo de movimento pode ocorrer em taludes de inclinação relativamente suave e é

geralmente extenso, podendo atingir centenas ou milhares de metros.

Para além do tipo de movimento, os escorregamentos podem também ser classificados de

acordo com a máxima profundidade atingida pela superfície de deslizamento, podendo assim

ser superficiais (profundidade < 1.5 m), pouco profundos (1.5 a 5 m), profundos (5 a 20 m) e

muito profundos (profundidade > 20 m).

Os fluimentos são movimentos lentos e contínuos que ocorrem principalmente em taludes

naturais de solo. Podem envolver grandes massas de solo sem que, contudo, seja possível

definir a superfície de rotura, assemelhando-se o seu mecanismo de deformação ao de um

líquido muito viscoso).

7.2 Causas da instabilização de taludes

A instabilização de um talude pode ser determinada por causas externas (isto é, associada

a acções actuando exteriormente ao talude), a causas internas (associada a acções actuando no

interior do próprio talude) ou a causas intermédias (associadas a acções exteriores ao maciço

que desencadeiam mecanismos de instabilização actuando no seu interior).

Page 126: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

124 Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes

Figura 7.3: Exemplo de fluimento.

Nas causas externas estão incluídas as seguintes:

• aumento da inclinação dos taludes, por escavação ou por erosão provocada pela água ou

pelo vento;

• aumento da altura do talude, através da escavação no pé ou aterro na crista;

• aplicação de sobrecargas no talude, em particular na sua parte superior;

• variação sazonal da temperatura e humidade, podendo conduzir à abertura de fendas

superficiais de retracção no solo, que favorecem a infiltração de água nos terrenos;

• abalos sísmicos ou vibrações induzidas nos terrenos;

• erosão superficial do terreno, favorecendo a infiltração de água;

• efeito da vegetação no talude que constitui uma sobrecarga e causa uma perda de resis-

tência quando se dá o apodrecimento de raízes.

Nas causas internas estão incluídas:

• aumento das pressões intersticiais, com a consequente redução da resistência ao corte;

• aumento das tensões de origem tectónica.

Nas causas intermédias estão incluídos os efeitos de:

• rebaixamento rápido do nível das águas exteriores;

• erosão interna, provocada pela circulação de água no interior do talude;

• liquefacção do solo.

Page 127: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes 125

7.3 Métodos de análise e verificação da segurança

7.3.1 Verificação da segurança com base em coeficientes parciais

Os métodos de análise da estabilidade de taludes foram já apresentados no Capítulo 5. Os

princípios de verificação da segurança baseados no Eurocódigo 7, que se viram no Capítulo 6,

recorrendo a coeficientes de segurança parciais, podem aplicar-se a quaisquer dos métodos e

casos de análise então referidos.

Exemplifica-se esta aplicação com o caso ilustrado pela Figura 7.4. Trata-se de um talude

de solo argiloso, respondendo em condições não drenadas, pretendendo-se verificar a segurança

para o círculo de escorregamento representado na Figura.

O

A

B

C

q

xWs

xQ

Ws

r

Figura 7.4: Verificação da segurança de taludes

Exemplificando a aplicação dos princípios referidos, o momento actuante de cálculo, MSd

é calculado através de:

MSd = γGWsxWs + γQqACxQ (7.1)

sendo os coeficientes de segurança γG e γQ obtidos a partir do Quadro 6.1.

O valor de cálculo da resistência (neste caso, a resistência não drenada) é determinado

através de:

cud = cu/γcu (7.2)

em que o coeficiente parcial γcu é obtido a partir do Quadro 6.2.

O valor de cálculo do momento resistente é, portanto:

MRd = cudAB r/γR;e (7.3)

sendo γR;e o coeficiente de segurança parcial obtido do Quadro 6.3.

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126 Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes

7.3.2 Verificação da segurança com base no coeficiente global

A verificação da segurança com base na noção de coeficiente de segurança global passaria

pela determinação de um momento admissível dado por

Madm =MR

FS(7.4)

em que FS é o coeficiente de segurança global e MR o momento resistente, dado por:

MR = cuAB r (7.5)

A segurança seria verificada através do controlo da veracidade da inequação

MS ≤Madm (7.6)

Equivalente a este procedimento seria o cálculo do valor do coeficiente de segurança do

talude e da comparação desse coeficiente com um valor mínimo:

FS =MR

MS≤ FSmin (7.7)

A definição de coeficiente de segurança subjacente às equações anteriores tem, no caso do

método de Fellenius a forma:

FS =ΣMR

ΣMS=

Σ(Ws cosα− uℓ)tg φ′ × r

ΣWssenα× r(7.8)

e, no caso do método de Bishop Simplificado

FS =ΣMR

ΣMS=

Σ (Ws/ cosα−uℓ)tg φ′

1+tgα tg φ′ × r

ΣWssenα× r(7.9)

Acontece, no entanto, que no caso dos taludes, era prática corrente a definição do coefici-

ente de segurança global não propriamente como a relação entre a acção resistente e a acção

actuante mas sim como um factor de redução das propriedades resistentes. Os programas

de cálculo automático a que se fez referência no Capítulo 5 usam, de facto esta definição de

coeficiente de segurança global.

No caso do método de Fellenius, essa definição implicava a forma:

1 =Σ(Ws cosα− uℓ)tg φ′/FS × r

ΣWssenα× r(7.10)

que, na realidade, é equivalente à expressa pela equação (7.8), que lhe é matematicamente

equivalente.

Page 129: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes 127

No caso do método de Bishop simplificado, no entanto, tal definição implica que:

1 =Σ (Ws/ cosα−uℓ)tg φ′/FS

1+tg α tg φ′/FS × r

ΣWssenα× r(7.11)

que, como se pode ver, não é matematicamente equivalente à equação (7.9).

A consequência prática mais relevante desta diferença (para além de os valores dos coeficien-

tes definidos de um outro modo serem diferentes) é o facto de a determinação do coeficiente FS

a partir da equação (7.11) implicar a adopção de um procedimento interativo (habitualmente

associado ao método de Bishop), ao passo que a partir da equação (7.9) a sua determinação

seria imediata.

7.4 Técnicas de estabilização de taludes

Uma vez detectada uma potencial situação de instabilização num talude e quantificado o

coeficiente de segurança a ela associado é necessário conceber e dimensionar uma solução de

estabilização que permita evitar o seu escorregamento ou travar o movimento, aumento o nível

de segurança. As técnicas de estabilização de taludes podem ser englobadas em cinco grupos:

alteração da geometria do talude, drenagem, reforço com inclusões, construção de estruturas

de suporte e colocação de recobrimento vegetal.

7.4.1 Alteração da geometria do talude

A alteração da geometria de um talude, através da execução de aterros e (ou) escavações

é, em muitos casos, a forma mais eficaz de aumentar a estabilidade, em particular nos casos

em que as superfícies de deslizamento estiverem localizadas a elevada profundidade.

A forma de actuação mais directa consiste em remover o solo instabilizado, com eventual

substituição por outro com melhores características mecânicas. Nos casos em que tal não é

possível a alteração da geometria pode consistir na redução da inclinação média do talude,

removendo material do topo da zona instável e colocando-o no pé do talude (ver Figura 7.5).

Figura 7.5: Estabilização de um talude através da alteração da sua geometria.

Page 130: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

128 Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes

7.4.2 Drenagem

A acção da água sobre um talude constitui normalmente um factor instabilizador, quer pe-

los efeitos erosivos quer pela diminuição na resistência ao corte quando aumentam as pressões

intersticiais no interior.

A água superficial deve ser intersectada e desviada por forma a diminuir os efeitos da

erosão superficial e reduzir o volume de água infiltrada no talude. A intersecção do escoa-

mento é conseguida com sistemas de retenção e captação de água constituídos por valetas,

que poerão ser simplesmente abertas no terreno natural, preenchidas por materiais granulares

ou revestidas por betão, por vezes com elementos pré-fabricados (Figura 7.6).

Figura 7.6: Secção tipo de uma valeta revestida com betão

As valas (Figura 7.7) e os contrafortes drenantes (Figura 7.8) são aplicáveis em taludes

com superfície freática relativamente próxima da superfície do terreno, pretendendo rebaixar a

referida superfície freática. Os contrafortes drenantes, podendo ser levados a profundidades re-

lativamente elevadas, poderão intersectar potenciais superfícies de deslizamento, aumentando

assim a resistência ao corte.

Figura 7.7: Secção tipo de uma vala drenante.

As máscaras drenantes são dispositivos de drenagem aplicáveis quando a água emerge à

superfície do terreno, sendo constituídas por uma cobertura de material drenante, colocada

sobre o talude, com espessura crescente do topo para a base e com interposição de um elemento

filtrante sempre que julgado conveniente (Figura 7.9). As águas emergentes captadas pelo

sistema são recolhidas em colector colocado no pé e são conduzidas a um exutor natural. Para

além do efeito drenante, a máscara constitui um sobrecarga no pé do talude, funcionando como

um elemento estabilizador e como uma protecção do terreno natural contra o ravinamento.

Os drenos sub-horizontais (Figura 7.10) são utilizados em taludes com o objectivo de re-

Page 131: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes 129

Figura 7.8: Estabilização de um talude com contrafortes drenantes.

Figura 7.9: Máscara drenante.

baixarem a superfície freática quando esta se encontra a uma profundidade não acessível por

qualquer outra técnica de drenagem, permitindo actuar sobre massas de solo relativamente

importantes, apesar do raio de acção de cada dreno ser limitado quando aplicado em terrenos

relativamente pouco permeáveis. São constituídos por furos com 10 a 12 cm de diâmetro, aber-

tos no talude com uma orientação aproximadamente horizontal mas permitindo o escoamento

gravítico das águas. Para evitar o seu colapso são colocados no interior dos furos tubos de aço

ou PVC, perfurados em vários metros na sua extremidade de montante.

A estabilidade de um talude pode ser melhorada através da abertura de uma galeria de

pequenas dimensões, que assegura a drenagem profunda do talude. Representa, no entanto, um

investimento bastante elevado, estando por isso a sua aplicação limitada a obras importantes

ou de grande porte. Normalmente não são utilizadas em obras recentes mas sim como medida

correctiva das já existentes.

7.4.3 Reforço com inclusões

A estabilização de taludes pode ser conseguida recorrendo ao reforço dos solos pela in-

trodução de inclusões, que se traduz numa melhoria do comportamento global do conjunto

solo-inclusões. O efeito é, assim, essencialmente estrutural, podendo ser realizado com pre-

gagens (Figura 7.11), ancoragens (Figuras 7.12 e 7.13), estacas (Figura 7.14) e micro-estacas

(Figura 7.15).

Page 132: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

130 Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes

Figura 7.10: Estabilização de um talude com drenos sub-horizontais.

7.4.4 Construção de estruturas de suporte

O reforço da estabilidade de um talude pode ser conseguido com o aumento da força

resistente no pé do talude através da colocação de uma estrutura de suporte (Figuras 7.16

e 7.17). Esta estrutura deverá estar fundada abaixo das superfícies críticas e num estrado

com boas características de resistência, que permita a mobilização de uma reacção eficaz às

solicitações. É indispensável que nestas estruturas seja instalado um eficiente sistema de

drenagem, uma vez que a água através da diminuição da resistência ao corte que provoca (por

aumento das pressões intersticiais) e pelo significativo aumento dos impulsos por acumulação

Page 133: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes 131

Figura 7.11: Estabilização de um talude com pregagens

Figura 7.12: Estabilização de um talude com ancoragens

Figura 7.13: Estabilização de um talude com ancoragens associadas a revestimento contínuode betão

no tardoz da estrutura constitui um importante elemento instabilizador.

7.4.5 Colocação de recobrimento vegetal

O recobrimento vegetal dos taludes é normalmente realizado com o objectivo de fornecer

uma protecção superficial contra a erosão. No entanto, os seus efeitos benéficos podem ser

bastante mais alargados. As folhas das plantas, interceptando a água das chuvas, reduzem por

absorção e evaporação a quantidade de água que atinge o talude. Por outro lado, as raízes,

fazendo diminuir o teor em água no solo, aumentam a sua resistência ao corte. As plantas

Page 134: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

132 Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes

Figura 7.14: Estabilização de um talude com estacas

Figura 7.15: Estabilização de um talude com micro-estacas

Figura 7.16: Estabilização de um talude com um muro de suporte gravidade.

de grande porte podem ainda ter uma contribuição mecânica para a estabilidade, através das

suas raízes (Figura 7.18).

A presença de vegetação pode, no entanto, ter efeitos negativos, devido à secagem super-

ficial do terreno, dando origem à abertura de fendas que aumenta a capacidade de infiltração

da áhua. Por outro lado, funciona como sobrecarga, podendo o seu efeito não ser desprezável,

principalmente em zonas densamente arborizadas.

Page 135: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes 133

Figura 7.17: Estabilização de um talude com uma estrutura de suporte ancorada.

Figura 7.18: Efeito de “ancoragem” das raizes de uma árvore.

Page 136: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

134 Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes

Page 137: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 8

Verificação da segurança de fundações

superficiais

8.1 Tipos e funções

As fundações, assegurando a ligação de qualquer estrutura ao terreno, são elementos funda-

mentais na estabilidade daquelas. A forma como se dá a transmissão depende da geometria da

fundação, sendo os vários tipos de fundação determinados pelas diferenças da sua geometria.

A caracterização de uma fundação pode ser realizada, num caso simples, através da menor

dimensão em planta, B e da profundidade da base da fundação, D (Figura 8.1).

ELEMENTO DEFUNDAÇÃO

D

B

Figura 8.1: Representação esquemática de uma fundação superficial.

Desta forma, é corrente dividir as fundações em três tipos:

• fundações superficiais ou directas (D < 4B);

• fundações semi-profundas (4B < D < 10B);

• fundações profundas ou indirectas (D > 10B).

Neste capítulo tratar-se-á de fundações superficiais. O caso mais corrente de fundação superfi-

cial é o caso de uma sapata isolada, de dimensão B ×L, sendo B, conforme referido, a menor

dimensão em planta e L a dimensão na outra direcção (Figura 8.2).

Se considerarmos o caso de um edifício, uma situação comum será a de fundar em elementos

separados cada um dos pilares do edifício. Se, no entanto, se verificar a proximidade dos

pilares num determinado alinhamento, poderá considerar-se a hipótese de realizar uma sapata

135

Page 138: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

136 Capítulo 8. Verificação da segurança de fundações superficiais

Corte

Planta

Figura 8.2: Representação esquemática de uma sapata isolada.

“corrida”, isto é, uma sapata em que L >> B (na prática, em que L > 10B), tal como se

mostra na Figura 8.3. Este será o tipo de fundação que, naturalmente, será utilizado numa

estrutura de suporte ou numa parede.

Corte

Planta

Figura 8.3: Representação esquemática de uma sapata corrida ou contínua.

Voltando ao caso dos edifícios, uma outra hipótese de fundação é a de ensoleiramento

geral, isto é, a situação em que todos os pilares são fundados numa única laje de fundação,

conforme se exemplifica na Figura 8.4. Mesmo sem atender a considerações geotécnicas, esta

solução é habitualmente adoptada quando a área em planta ocupada pela solução de sapatas

for superior a 60% da área em planta da edificação.

8.2 Critérios de segurança

A verificação da segurança de uma fundação superficial deverá passar pela consideração

dos seguintes estados limites:

• rotura global

• carregamento vertical

• deslizamento

• assentamentos excessivos

Page 139: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 8. Verificação da segurança de fundações superficiais 137

Planta

Corte

Figura 8.4: Representação esquemática de um ensoleiramento geral.

O problema dos assentamentos excessivos não é abordado neste capítulo.

8.3 Rotura global

O problema da verificação da segurança em relação à rotura global (Figura 8.5) é analisado

como a verificação da segurança de um talude. Deve ser analisada esta possibilidade sempre

que seja considerada relevante. Trata-se de uma verificação que envolve a zona da obra e a

sua vizinhança e tem em atenção o efeito que a obra tem nesta mas igualmente o efeito do

meio envolvente no problema em estudo.

Figura 8.5: Verificação da segurança em relação à rotura global

8.4 Carregamento vertical

A observação do comportamento de fundações sujeitas a carregamento normal ao plano de

fundação tem mostrado que a ocorrência de rotura por corte do solo de fundação pode dar-se

de três modos diferentes:

• por rotura “geral”;

• por rotura local;

Page 140: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

138 Capítulo 8. Verificação da segurança de fundações superficiais

• por punçoamento.

A existência destes três modos de rotura está associada à compressibilidade do terreno e à

geometria da fundação. A rotura “geral” caracteriza-se pela existência de uma figura de rotura

bem definida, constituída por uma superfície contínua entre o canto da fundação e a superfície

do terreno; a rotura local ocorre demonstrando a existência de uma zona imediatamente

abaixo da fundação com plastificação e com tendência para se prolongar até à superfície sem,

no entanto, a atingir; a rotura por punçoamento é caracterizada pela zona muito limitada de

ocorrência de plastificação, restringindo-se apenas à região imediatamente abaixo da fundação,

com desenvolvimento de superfícies de rotura verticais. Neste último tipo de rotura não

ocorrem indícios de plastificação à superfície do terreno, ao contrário do que se passa com as

roturas “geral” e local.

Apesar da nítida influência da deformabilidade no modo como ocorre a rotura, o método

de avaliação da capacidade de carga de fundações superficiais mais correntemente utilizado

parte do comportamento rígido-plástico, com rotura “geral” (ver Capítulo 4).

O problema da verificação da segurança em relação ao carregamento vertical (Figuras 8.6

e 8.7) pode, assim, traduzir-se pela verificação da inequação:

Vd ≤ Rvd (8.1)

em que Vd é o valor de cálculo da componente vertical da acção e Rvd o valor de cálculo da

resistência.

V

Figura 8.6: Verificação da segurança em relação ao carregamento vertical. Caso de carrega-mento vertical e centrado.

F

Figura 8.7: Verificação da segurança em relação ao carregamento vertical e ao deslizamento.

O valor de cálculo da acção, Vd, é determinado através das componentes verticais das acções

permanentes e variáveis VG e VQ, adequadamente majorados pelos coeficientes de segurança

parciais γG e γQ obtidos do Quadro 6.1:

Vd = γGVG + γQVQ (8.2)

O valor de cálculo da resistência é calculado com base nos valores minorados dos parâmetros

resistentes (através dos coeficientes parciais obtidos do Quadro 6.2) e reduzido do coeficiente

parcial γR;v (Quadro 6.3).

Page 141: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 8. Verificação da segurança de fundações superficiais 139

A resistência pode ser determinada através de formulações de capacidade resistente como

as que se apresentam na secção 4.8. A título de exemplo, o valor de cálculo da resistência

em condições não drenadas seria calculado, para fundação corrida e carregamento vertical e

centrado, através de:

Rvd = B

[

1

2γBNγd + c′dNcd + q′Nqd

]

/γR;v (8.3)

e, em condições não drenadas, seria:

Rvd = B [(2 + π)cud + q] /γR;v (8.4)

Para outras situações, as adaptações ao referido podem ser facilmente compreendidas pelo

leitor.

8.5 Deslizamento

Quando o carregamento é inclinado, para além da verificação da segurança em relação ao

carregamento vertical, há que fazer a verificação da segurança ao deslizamento:

Hd ≤ Rhd +Rpd (8.5)

em que Hd é o valor de cálculo da componente horizontal da acção (que, para este efeito,

não deve incluir impulsos passivos), Rhd é o valor de cálculo da resistência ao deslizamento

desenvolvida na base da fundação e Rpd é o valor de cálculo da resistência passiva, que pode

ser desprezada.

Em condições drenadas o valor de cálculo da resistência ao deslizamento na base é:

Rhd = V ′d tg δd/γR;h (8.6)

e, em condições não drenadas:

Rhd = A′cud/γR;h (8.7)

Nestas expressões os coeficientes γR;h devem ser obtidos do Quadro 6.3, δd é o valor de

cálculo do ângulo de atrito entre o solo e a estrutura, dado por:

δd = arctgtgδ

γφ′(8.8)

e A′ é o produto A′ = B′ × L′ (ver Capítulo 4).

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140 Capítulo 8. Verificação da segurança de fundações superficiais

Page 143: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 9

Verificação da segurança de estruturas

de suporte

9.1 Introdução

Considera-se, no presente texto, dois tipos de estruturas de suporte:

• as estruturas de suporte “rígidas”;

• as estruturas de suporte “flexíveis”.

Os muros de suporte rígidos são, nos casos mais comuns, muros de alvenaria, muros de be-

tão não armado, muros de betão armado e muros de gabiões (Figura 9.1). Poderá estranhar-se

a inclusão dos muros de gabiões na categoria de “estrutura de suporte rígida”, sobretudo se

se tiver em atenção que aqueles muros sofrem, em serviço, deformações muito significativas.

No entanto, como se verá, a expressão “estrutura de suporte flexível” está associada a um

outro tipo de estruturas, verificando-se adicionalmente que os mesmos princípios aplicáveis a

estruturas de suporte como as de alvenaria, as de betão não armado ou as de betão armado,

são-no também aos muros de gabiões.

É igualmente comum a designação de “muros gravidade” para os casos dos muros de alve-

naria, de betão não armado e de gabiões, não se incluindo nesta designação, habitualmente,

os muros de betão armado. Faz-se notar que em todos os casos, no entanto, as forças graví-

ticas assumem um importante papel na estabilidade das estruturas. Verifica-se, contudo, que

no caso das estruturas de betão armado o próprio terreno é, de alguma forma, envolvido na

estabilidade da estrutura, ao passo que nas restantes (“muros gravidade”) as forças gravíticas

envolvidas são sobretudo as do próprio muro.

Os muros de betão armado são frequentemente designados por “muros em L” ou “em T

invertido”, dada a sua forma. Uma variante destes muros é a dos muros de contrafortes ou de

gigantes, usados para muros bastante altos (habitualmente a partir dos 8 a 10 m de altura),

por razões económicas.

141

Page 144: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

142 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte

���������������������������������������������

���������������������������������������������

(a) Muro de alvenaria������������������������������������

������������������������������������

(b) Muro de betão não armado

���������������������������������������������������������������

���������������������������������������������������������������

(c) Muro de betão armado (d) Muro de gabiões

Figura 9.1: Muros de suporte “rígidos”.

No caso de estruturas de suporte “rígidas”, os movimentos mais importantes a que es-

tão sujeitas são, sobretudo, movimentos de corpo rígido e as pressões de terras que neles se

desenvolvem puderam ser determinadas por diversas teorias de cálculos de impulsos.

As “estruturas de suporte flexíveis”, são aquelas que experimentam em serviço deformações

por flexão susceptíveis de condicionar a grandeza e a distribuição das pressões de terras que

actuam sobre elas e, logo, dos esforços para que são dimensionadas (Terzaghi, 1943). Assim,

a deformabilidade da estrutura de suporte altera o diagrama de pressões, o que modifica os

esforços e novamente as deformações da estrutura. Nestes casos, o problema em causa é de

interacção solo-estrutura.

Refere-se ainda que a grandeza e distribuição das pressões de terras dependem, para além

da deformabilidade da cortina, das suas condições de apoio (posição e rigidez de escoras e

ancoragens) e, como se verá, do estado de tensão inicial do terreno.

No que respeita ao procedimento construtivo, as cortinas de contenção flexíveis podem

ser de diversos tipos: estacas-pranchas, paredes moldadas, paredes de estacas, paredes tipo

Berlim, etc. No que respeita à forma como é assegurada a estabilidade (e, portanto, no que

respeita também ao tipo de dimensionamento realizado) podem ser:

• simplesmente encastradas, ou auto-portantes (Figura 9.2(a));

• mono-apoiadas – mono-ancoradas ou mono-escoradas (Figura 9.2(b));

• multi-apoiadas – multi-ancoradas ou multi-escoradas (Figura 9.2(c)).

Page 145: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 143

(a) Auto-portante (b) Mono-apoiada (c) Multi-apoiada

Figura 9.2: Tipos de estruturas de suporte flexíveis.

Em qualquer caso, uma cortina flexível é normalmente uma estrutura esbelta e, por isso,

funcionando sobretudo à flexão.

As verificações de segurança fundamentais são, nas estruturas de suporte, às verificações:

• à rotura global;

• a movimentos excessivos;

• nos muros “gravidade” e em “L”:

– ao deslizamento;

– ao carregamento vertical;

– ao derrubamento

• nas paredes de contenção (estruturas flexíveis):

– à rotação e (ou) translação da estrutura

– por perda de equilíbrio vertical.

9.2 Verificação da segurança de estruturas de suporte rígidas

9.2.1 Introdução

O processo de dimensionamento de uma estrutura de suporte rígida traduz-se, na maioria

dos casos, numa série de verificações de segurança em que a sua geometria é sucessivamente

alterada até ser obtido o nível de segurança desejado.

Os impulsos de terras são normalmente determinados com base nas teorias que se apresen-

taram no Capítulo 3.

Conforme se viu, a estabilidade de muros de suporte deve ser verificada atendendo aos

seguintes estados limites:

• rotura global;

Page 146: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

144 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte

• deslizamento;

• carregamento vertical.

• derrubamento;

Nos três primeiros o muro de suporte é analisado como uma fundação pelo que, como se

verá, a sua análise é análoga à apresentada no capítulo anterior. O caso do derrubamento é

específico das estruturas de suporte.

Tratando-se de verificações da segurança em que os aspectos geotécnicos são os relevantes,

o dimensionamento destas estruturas deverá ser condicionado pela combinação 2, se se adoptar

a abordagem de cálculo 1.

9.2.2 Verificação da segurança em relação à rotura global

A verificação da segurança em relação à rotura global (Figura 9.3) faz-se da mesma forma

anteriormente apresentada para a rotura global de fundações e para os taludes. Não se fará,

portanto, qualquer referência adicional.

Figura 9.3: Verificação da segurança em relação à rotura global (NP EN 1997-1, 2010)

9.2.3 Verificação da segurança em relação ao deslizamento

A verificação da segurança em relação ao deslizamento faz-se da forma anteriormente

apresentada na secção 8.5. Apresenta-se neste ponto a adaptação do que então se viu ao caso

de uma estrutura de suporte.

Considere-se, assim, a estrutura de suporte que se representa esquematicamente na Figura

9.4.

Para a verificação da segurança ao deslizamento de uma estrutura de suporte como a

da Figura, há que determinar os parâmetros de resistência de cálculo do terreno. De forma

análoga, há que determinar o valor de cálculo do ângulo de atrito entre o solo e a estrutura,

δd.

Page 147: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 145

δ

Fa

Ia

Ip

Figura 9.4: Verificação da segurança ao deslizamento de uma estrutura de suporte rígida.

Com base nestes parâmetros de resistência, são avaliados os impulsos activos de cálculo,

determinados com os parâmetros de resistência minorados e considerando os coeficientes de

majoração de acções, γG e γQ, respectivamente para as acções permanentes e variáveis. Os

impulsos passivos são considerados resistências, na verificação da segurança ao deslizamento.

Deve, assim, verificar-se que a acção de cálculo na direcção da base da estrutura de suporte

(horizontal, na Figura) seja inferior à resistência de cálculo no contacto solo estrutura acrescida

do impulso passivo, ou seja, que:

Hd ≤ Rhd +Rpd (9.1)

em que Hd é a resultante dos impulsos activos na direcção da base da estrutura de suporte,

Rhd é a resistência ao deslizamento de cálculo que se desenvolve na base da estrutura e Rpda resistência passiva de cálculo. No caso da Figura 9.4 Hd toma o valor Hd = IaHd (sendo

IaHd a componente horizontal de cálculo do impulso activo) e Rd é a força de corte na base

da estrutura. Em condições drenadas, esta força toma o valor:

Rhd = Vdtgδd/γR;h (9.2)

em que Vd é o valor de cálculo da carga efectiva normal à base da fundação. Em condições

não drenadas Rd é o resultado da adesão na superfície efectiva da base da estrutura:

Rhd = A′cad/γR;h (9.3)

em que A′ é o produto A′ = B′ × L′.

9.2.4 Verificação da segurança em relação ao carregamento vertical

O assunto da verificação da segurança em relação ao carregamento vertical foi já abordado

na secção 8.4. O que se apresenta neste ponto é apenas a adaptação do que se referiu para o

caso das estruturas de suporte rígidas.

Para a verificação da segurança em relação à rotura da fundação usando a metodologia

dos coeficientes de segurança parciais, há que determinar as acções de cálculo, ou seja, Vd,

Hd e Md, respectivamente as cargas vertical, horizontal e momento de cálculo (calculado no

centro da fundação).

Page 148: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

146 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte

No caso da Figura 9.5 estas cargas podem ser determinadas a partir de:

Vd = Wd + IaV d (9.4)

Hd = IaHd − Ipd (9.5)

(note-se que o impulso passivo é, para este efeito, uma acção).

Md = IaHd ×H

3− IaV d ×

B

2− Ipd ×

h

3−W × b (9.6)

δ

Ia

Iph

h/3

H

B

B′

H/3

b

2e

Wb

Figura 9.5: Verificação da segurança ao carregamento vertical de uma estrutura de suporterígida.

A partir dos parâmetros de resistência de cálculo e da utilização de uma formulação de

capacidade de carga de fundações (ver secção 4.8) estima-se a tensão resistente de cálculo, q′rd.

Sendo B′ a largura efectiva da fundação (igual a B−2ed), a verificação da segurança exige

o respeito pela inequação:

Vd ≤ Rvd = B′qrd (9.7)

9.2.5 Verificação da segurança em relação ao derrubamento

Considere-se a estrutura de suporte representada na Figura 9.6. Admitindo a possibilidade

de rotação da estrutura em torno do ponto O, há que garantir que os momentos instabilizadores

de cálculo em relação a este ponto são inferiores ou iguais aos momentos estabilizadores de

cálculo, ou seja, que se verifica a inequação:

Mdst,d ≤Mstb,d (9.8)

Trata-se de um caso de equilíbrio, EQU, que foi abordado na secção 6.4.

No exemplo da Figura, o momento instabilizador de cálculo é dado por:

Mdst,d = IaHd ×H

3− IaV d ×B (9.9)

Page 149: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 147

δ

Fa

Ia

Iph

h/3

O

H

B

H/3

aWb

Figura 9.6: Verificação da segurança ao derrubamento de uma estrutura de suporte rígida.

e o momento estabilizador de cálculo é:

Mstb,d = Wbd × a+ Ipd ×h

3(9.10)

Os parâmetros resistentes devem ser minorados de acordo com o coeficientes de segurança

indicados no Quadro 6.5. As acções estabilizantes devem considerar os coeficientes indicados

no Quadro 6.4.

Faz-se notar que não há, aqui, resistência; apenas acções favoráveis e desfavoráveis.

9.3 Verificação da segurança de estruturas de suporte em “L”

ou “T invertido”

9.3.1 Impulsos de terras

As estruturas de suporte de betão armado em “L” ou em “T invertido” podem ser conside-

radas estruturas de suporte de gravidade, na medida em que a sua estabilidade é assegurada

pelo seu peso próprio e pelo peso do solo que funciona como parte integrante do muro. O

que se referiu na secção anterior mantém-se, portanto, válido. Há, no entanto, que clarificar

a questão da definição da referida massa de solo. Este assunto está tratado com clareza em

Matos Fernandes (2011) a partir dos trabalhos de Barghouthi (1990), Greco (1992), Greco

(1999) e Greco (2001).

Admitindo um movimento da estrutura de suporte que se representa na Figura 9.7, ins-

tala-se, sobre esta, um impulso do tipo activo, formando-se uma superfície AB que separa a

parte do solo que “acompanha” a estrutura da suporte – e que, portanto, se considera que

faz parte deste – do restante maciço. Considera-se, neste texto, que a referida superfície é,

simplificadamente, AB em lugar de A′B. Admita-se, para já, que a superfície AB intersecta

a superfície do terreno e não o paramento vertical do muro de betão armado, bastando, para

tal, que a sapata do muro seja suficientemente larga. O maciço forma uma cunha activa ABC.

Verifica-se que:

α = 45o +φ′

2+

1

2

(

arcsensen i

senφ′− i

)

(9.11)

Page 150: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

148 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte

e que

ξ = 45o +φ′

2− 1

2

(

arcsensen i

senφ′− i

)

(9.12)

al

A

B

C

DB

A

B

A

C

B

A

D

1 2

A’

DE E

ξ

i

i

i

ICaICa

ICa

ICa

IRa

IRa

φ′φ′φ′

φ′

W = W1 +W2

W1W1

W2

R

R

h h′h′′

Figura 9.7: Muro de suporte em “L”: impulsos.

Sabendo-se o valor de α pode determinar-se o impulso sobre AB, através de

ICa =1

2Kaγγh

′2 (9.13)

podendo Kaγ ser determinado através da solução de Coulomb, fazendo na equação 3.118

β = 180o − α e δ = φ′.

Este impulso equilibra, naturalmente, com W e R, a cunha de solo ABC. Considere-se,

no entanto, que esta cunha é dividida em duas – 1 e 2 – conforme se representa na figura.

Considere-se, então o equilíbrio da cunha 1 (cunha ABD). Sobre esta cunha estão aplicadas as

forças ICa , W1 e a acção da cunha 2 sobre a cunha 1, que se designa por IRa . Pode mostrar-se

que esta acção corresponde ao impulso de Rankine na superfície AD, formando portanto

um ângulo i com a horizontal. O cálculo do impulso de terras pode, assim, ser realizado

na superfície AD, evitando-se a determinação da superfície AB e simplificando-se, assim, o

cálculo. O impulso IRa será, assim:

IRa =1

2Kaγγh

′′2 (9.14)

sendo Kaγ dado pela equação 3.146.

Admita-se agora que a superfície AB intersecta o paramento vertical do muro de betão

armado. Para este caso o ângulo α já não é dado pela equação 9.11 e passa a depender, para

além de φ′ e de i, do ângulo de atrito solo–estrutura, δ. Pode facilmente compreender-se que

o impulso para esta situação esteja compreendido entre o impulso de Rankine (para o caso

limite em que o plano AB intersecte o ponto E, e o impulso de Coulomb, para o caso limite

em que os pontos A e E estariam sobre a mesma linha vertical. Pode notar-se que se δ > i, a

adopção dos impulsos de Rankine em AD (como para o caso anterior) é conservativa e uma

boa estimativa do impulso.

Page 151: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 149

9.3.2 Estabilidade interna

As estruturas de suporte devem ainda ser dimensionadas internamente, isto é, para os

esforços estruturais a que ficam sujeitos. No caso de um muro em “L” (Figura 9.8) haverá,

por exemplo, que determinar o momento actuante na base da parede, conforme representado

na Figura.

Figura 9.8: Dimensionamento estrutural.

Naturalmente que, neste caso, os impulsos que são relevantes são os que actuam direc-

tamente no paramento da parede de betão armado. Para este dimensionamento é habitual

admitir-se como impulsos actuantes sobre o paramento vertical os determinados a partir de um

coeficiente de impulso intermédio entre o activo e o em repouso, ou seja, com K = (Ka+K0)/2.

Refere-se ainda que será natural que seja, para esta verificação, a combinação 1 a condici-

onante, se se adoptar a abordagem de cálculo 1.

9.4 Drenagem

A existência de uma toalha freática no maciço suportado é altamente desfavorável, uma vez

que agrava substancialmente o impulso total. Muitos acidentes envolvendo muros de suporte

estão, aliás, relacionados com a acumulação de água no solo contido.

A construção de sistemas de drenagem eficientes é um aspecto de fundamental importância

para o comportamento adequado de estruturas de suporte. A escolha do sistema mais ade-

quado depende sobretudo da permeabilidade do terreno suportado pela estrutura de suporte.

Em solos muito permeáveis, é suficiente a construção de boeiros, se não houver inconveni-

ente em que a água seja drenada para a frente do muro, e um dreno longitudinal (Figuras 9.9(a)

e (b)). A escolha do diâmetro e do afastamento dos boeiros deve ter em atenção a necessidade

de escoar o caudal que aflui à estrutura. O dreno longitudinal é constituído por tubo furado

na zona superior e funciona como caleira na zona inferior, conduzindo a água por gravidade.

Deverão ser envolvidos por material de filtro constituído por material granular ou geotêxtil,

para impedir a colmatação e o arraste de partículas.

No caso de solos menos permeáveis, para além dos dispositivos já indicados, devem ser

colocadas faixas drenantes verticais (Figuras 9.9(c) e (d)), havendo, nos solos finos que instalar

Page 152: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

150 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte

Figura 9.9: Dispositivos de drenagem (adaptado de Brito (1988)).

tapete drenante subvertical ou inclinado (Figuras 9.9(e) e (f)).

9.5 Verificação da segurança de estruturas de suporte flexíveis

9.5.1 Introdução

As estruturas de suporte analisadas nas secções anteriores são estruturas rígidas. Com

efeito, os movimentos a que estão sujeitos são, sobretudo, movimentos de corpo rígido e as

pressões de terras que neles se desenvolvem puderam ser determinadas por diversas teorias de

cálculos de impulsos.

Isto significa que os impulsos de terras foram calculados independentemente da estrutura de

suporte, uma vez que o aspecto que condiciona a determinação desses impulsos é a ocorrência

do referido deslocamento de corpo rígido.

Há, no entanto, estruturas de suporte que não podem ser consideradas rígidas. Estas

estruturas, habitualmente designadas genericamente por “estruturas de suporte flexíveis” têm

tratamento diferente sob dois pontos de vista:

• em primeiro lugar porque os diagramas de pressões a que estão sujeitos, devido à flexi-

bilidade da cortina, não são, em alguns casos, os provenientes das teorias de cálculo de

Page 153: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 151

impulsos estudadas;

• em segundo lugar porque, como se viu na secção 9.1, as verificações da segurança são

diferentes.

Em relação ao primeiro destes aspectos, faz-se notar que para as estruturas que serão ana-

lisadas neste texto (cortinas auto-portantes e mono-apoiadas) e para as metodologias simples

que serão abordadas, ele não será considerado. Isto é, as pressões de terras são determinadas

usando as teorias de cálculo de impulso estudadas. Quanto ao segundo, haverá, naturalmente,

que o ter em atenção e será a verificação em relação à rotação e (ou) translação da estrutura

que ditará a verificação da segurança (não se aborda neste texto a questão da verificação em

relação ao equilíbrio vertical).

Faz-se ainda uma outra observação em relação à abordagem que tem sido seguida. Colocou-

-se, até aqui, os diferentes problemas de verificação da segurança na perspectiva de definição

de uma geometria e de, posteriormente, verificação da segurança nos seus vários aspectos.

Será fácil de compreender, no entanto, que na maioria das situações o trabalho que é exigido

aos engenheiros é o de definição dessa geometria, procurando a economia da solução.

Naturalmente que, em determinadas situações, há que proceder a um pré-dimensionamento

e, posteriormente, à verificação da segurança, seguindo-se a eventual correcção da geometria.

Noutros casos, no entanto, é possível proceder-se à determinação das dimensões que fazem

com que a segurança fique verificada. Por ser o caso das cortinas flexíveis que se apresentam

neste texto e por ser útil o leitor ficar com essa perspectiva do problema, será assim que estas

estruturas serão abordadas.

9.5.2 Dimensionamento de cortinas simplesmente encastradas ou auto-por-

tantes

Considere-se a estrutura de suporte simplesmente encastrada esquematicamente represen-

tada na Figura 9.10. Para o dimensionamento deste tipo de estrutura, admite-se que do

lado do terreno suportado se desenvolvem impulsos activos e, do lado da escavação, impulsos

passivos (ver Figura 9.10 à esquerda).

f0

f = 1.2f0

R

O

Figura 9.10: Dimensionamento de cortinas simplesmente encastradas (ou auto-portantes).

Para o cálculo de impulsos é habitualmente usada a teoria de Rankine. A determinação

Page 154: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

152 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte

destes impulsos e o respeito pelas condições de equilíbrio permite escrever a equação:

MO = 0 (9.15)

que tem f0 como incógnita. O coeficiente de segurança pode ser considerado, tradicionalmente,

aplicado ao impulso passivo ou, de acordo com o Eurocódigo 7, o cálculo pode ser realizado

através de coeficientes de segurança parciais. O valor de f0 assim obtido é, portanto, o valor

de cálculo.

Uma vez conhecido f0, a equação de equilíbrio de forças horizontais conduz a um valor de

R com a direcção indicada na Figura 9.10 à direita e que é designada como “contra-impulso

passivo”.

A materialização da possibilidade de mobilização desta força implica, necessariamente, o

prolongamento da altura enterrada f0 para um valor f que, do lado da segurança, se considera

habitualmente igual a 1.2f0. Note-se que este coeficiente de 1.2 não é um coeficiente de

segurança. A sua aplicação tem implícita a necessidade de mobilização no pé da cortina

do referido “contra-impulso passivo”, pelo que não está relacionado com qualquer noção de

segurança (a não ser, naturalmente, pelo facto de ser superior ao estritamente necessário).

O diagrama de momentos flectores tem a configuração também esquematicamente represen-

tada na Figura 9.10. Com base neste diagrama pode, assim, proceder-se ao dimensionamento

da cortina.

Apesar de, na maior parte das situações, se recorrer à teoria de Rankine para o cálculo

de impulsos, pode, naturalmente, querer considerar-se, na avaliação dos impulsos de terras, o

atrito solo–estrutura, pelo que outras teorias de cálculo de impulsos, como a de Coulomb ou

a de Caquot–Kérisel poderão ser usadas.

Tratando-se de uma estrutura de suporte cuja segurança está muito dependente do impulso

passivo e, portanto, da altura enterrada, o Eurocódigo 7 prevê que a profundidade de escavação

de cálculo hd seja igual a

hd = h+ ∆h (9.16)

em que ∆h é dado por

∆h = min(0.5 m; 0.1h) (9.17)

Exemplo de cálculo

Considere-se a estrutura de suporte simplesmente encastrada esquematicamente represen-

tada na Figura 9.11. O solo é uma areia com φ′ = 30o, γh = 18kN/m3 e γsat = 20kN/m3.

Usando a abordagem de cálculo 1 do Eurocódigo 7 (combinação 2) e a teoria de Rankine

para o cálculo de impulsos, tem-se que:

φ′d = 24.79o; Kad = 0.409; Kpd = 2.445 (9.18)

Page 155: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 153

f0f

O

x

H1 = 4m

H2 = 2m

Ia1d

Ia2d

Ia3dIpd

Figura 9.11: Exemplo de cálculo de uma cortina de contenção auto-portante.

sendo os impulsos (admitindo que são tomadas medidas especialmente cuidadosas para con-

trolo da profundidade de escavação e, portanto, não considerando o acréscimo de profundidade

∆h dado pela equação 9.17):

Ia1d = γG1

2KadγhH

21 = 1.0 × 1

2× 0.409 × 18 × 42 = 58.9kN/m (9.19)

Ia2d = γGKadγhH1 (H2 + f0) = 1.0 × 0.409 × 18 × 4 × (2 + f0) = 29.448 (2 + f0)(9.20)

Ia3d = γG1

2Kadγ

′ (H2 + f0)2 = 1.0 × 1

2× 0.409 × 10 × (2 + f0)

2 = 2.045 (2 + f0)2(9.21)

Ipd =1

2Kpdγ

′f20 /γR;e =

1

2× 2.445 × 10 × f2

0 /1.0 = 12.225f20 (9.22)

A equação de equilíbrio de momentos em relação ao ponto O conduz a:

M0 = 0 ⇒ 58.9 ×(

2 +4

3+ f0

)

+ 29.448 (2 + f0)2 + f0

2+ 2.045 (2 + f0)

2 2 + f0

3

− 12.225f20

f0

3= 0 ⇒ f0 = 10.02m (9.23)

o que resulta em:

f = 1.2f0 = 1.2 × 10.02 = 12.02m (9.24)

Sento frequentemente este tipo de estrutura associada à utilização de estacas-pranchas

metálicas, é habitual pretender-se, simplesmente, determinar o momento máximo, em lugar

do diagrama de momentos que seria preferível obter se se tratasse de uma estrutura de betão

armado. A determinação do ponto em que o momento flector é máximo pode ser feita através

da procura do ponto em que o esforço transverso é nulo. Este ponto localiza-se à distância

x da superfície do terreno do lado passivo, conforme se poderá concluir da observação da

Figura 9.11.

A equação de esforço transverso nulo conduz a:

VSd = 0 ⇒ 58.9 + 29.448(2 + x) + 2.045(2 + x)2 − 12.225x2 = 0 ⇒ x = 5.82m (9.25)

Page 156: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

154 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte

e o momento máximo é:

MmaxSd = 58.9

(

4

3+ 2 + x

)

+29.448(2+x)2 + x

2+2.045(2+x)2

2 + x

3−12.225x2 x

3= 962kNm/m

(9.26)

Convida-se o leitor a fazer os mesmos cálculos usando a combinação 1 da mesma abordagem

de cálculo.

A verificação da segurança obriga a que MRd ≥ MSd pelo que haverá que escolher uma

cortina (perfil metálico) que verifique esta condição.

9.5.3 Dimensionamento de cortinas mono-apoiadas através do método do

apoio simples

O dimensionamento de cortinas mono-apoiadas é tradicionalmente feito recorrendo a dois

tipos de métodos: métodos de apoio simples, que consideram a existência, no pé da cortina,

de um apoio simples (ou móvel) e métodos de apoio fixo, que consideram a existência, no pé

da cortina, de um apoio fixo. Neste texto apenas se aborda o primeiro.

Conforme referido, o método do apoio simples considera que, no pé da cortina, existe

um apoio simples (ver Figura 9.12), o que significa que não existe a mobilização de uma

força horizontal do tipo “contra-impulso passivo” que se descreveu a propósito das cortinas

simplesmente encastradas ou auto-portantes.

AF

f0

Figura 9.12: Dimensionamento de cortinas mono-apoiadas através do método do apoio móvel.

Tal como para o cálculo das cortinas simplesmente encastradas, admite-se que, no caso da

Figura, se mobilizam impulsos activos do lado direito da cortina e impulsos passivos do lado

esquerdo.

Também como no cálculo de cortinas simplesmente encastradas, considera-se habitual-

mente a teoria de Rankine para o cálculo de impulsos. A equação de equilíbrio de momentos

relativamente ao ponto A permite conhecer a altura enterrada f = f0.

Tal como para as cortinas auto-portantes, o Eurocódigo 7 considera um valor de cálculo

Page 157: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 155

da profundidade dado também pela equação (9.16), sendo ∆h dado por:

∆h = min(0.5 m; 0.1h′) (9.27)

em que h′ é a distância entre o nível de escoras ou ancoragens e o fundo da escavação.

A equação de equilíbrio de forças horizontais permite determinar a força no apoio (escora

ou ancoragem) que, habitualmente, para efeitos de dimensionamento, deverá ser multiplicada

por 1.2 a 1.3.

O diagrama de momentos flectores tem o andamento aproximado apresentado na Figura

9.12, podendo, com base neste diagrama, proceder-se ao dimensionamento da cortina.

Exemplo de cálculo

Considere-se a estrutura de suporte mono-apoiada esquematicamente representada na Fi-

gura 9.13. O solo é uma areia com φ′ = 30o, γh = 18kN/m3 e γsat = 20kN/m3.

f0

x

H1 = 4m

H2 = 2m

H3 = 2mAF

Ia1d

Ia2d

Ia3dIpd

Figura 9.13: Exemplo de cálculo de uma cortina de contenção mono-apoiada.

Usando a AC1 (comb, 2) do Eurocódigo 7 e a teoria de Rankine para o cálculo de impulsos,

tem-se que:

φ′d = 24.79o; Kad = 0.409; Kpd = 2.445 (9.28)

sendo os impulsos (admitindo que são tomadas medidas especialmente cuidadosas para con-

trolo da profundidade de escavação e, portanto, não considerando o acréscimo de profundidade

∆h dado pela equação 9.27):

Ia1d = 58.9kN/m (9.29)

Ia2d = 29.448 (2 + f0) (9.30)

Ia3d = 2.045 (2 + f0)2 (9.31)

Ipd = 12.225f20 (9.32)

Page 158: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

156 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte

A equação de equilíbrio de momentos em relação ao ponto A:

Ma = 0 ⇒

0 = 58.9 × 2

3+ 29.448 (2 + f0)

(

3 +f0

2

)

+ 2.045 (2 + f0)2

(

10

3+

2

3f0

)

−(9.33)

− 12.225f20

(

4 +2

3f0

)

conduz a:

f0 = 4.16m (9.34)

A equação de equilíbrio de forças horizontais:

H = 0 ⇒ Fd + 12.225f20 − 58.9 − 29.448 (2 + f0) − 2.045 (2 + f0)

2 = 0 (9.35)

que conduz a a:

Fd = 106.3kN/m (9.36)

Pretendendo-se conhecer o momento máximo, há que conhecer a localização do ponto da

cortina em que o esforço transverso é nulo. Considerando este ponto à distância x do nível de

água, tem-se que:

V = 0 ⇒ 58.9 + 29.448x + 2.045x2 − 106.3 = 0 (9.37)

que resulta em:

x = 1.46m (9.38)

O momento máximo é, assim:

MmaxSd = 58.9

(

x+4

3

)

+ 29.448xx

2+ 2.045x2 x

3− 106.3(x + 2) = −169.8kNm/m (9.39)

Com base neste momento (ou no que se obteria da combinação 1, cujos cálculos se convida

o leitor a realizar), poderá proceder-se ao dimensionamento estrutural da estrutura de suporte.

Page 159: Análise de Estruturas Geotécnicas  Nuno Guerra  FCT/UNL

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