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Análise Europeia REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ESTUDOS EUROPEUS ISSN 2183-9565 ● ESSN 2183-802X Maio 2017 | Volume II | Número 3

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Análise EuropeiaREVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ESTUDOS EUROPEUS

ISSN

21

83-

95

65

● E

SSN

21

83

-80

2X

Maio 2017 | Volume II | Número 3

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Análise Europeia REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ESTUDOS EUROPEUS

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Análise Europeia

Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus

Volume II | Número 3

Disponível em: http://www.apeeuropeus.com/revista

Associação Portuguesa de Estudos Europeus

Rua Coronel Marques Leitão, n.º 2, 1.º Dir.

1700-125 Lisboa

Portugal

Registo na ERC: 126820

Depósito Legal: 407079/16

ISSN: 2183-9565

ESSN: 2183-802X

Lisboa: Associação Portuguesa de Estudos Europeus, maio de 2017

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus, 2017

Os leitores podem ler, descarregar, copiar, distribuir, imprimir, pesquisar, citar ou disponibilizar

uma ligação de todos os artigos publicados nesta revista, sem pedir autorização prévia da

editora ou do autor. A utilização ou reprodução de fotografias individuais deverá ser autorizada

diretamente pelos titulares dos direitos de autor.

CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS

Capa (de cima para baixo): “An HDR of Foro Romano”, 2012. Ruínas do Fórum Romano, em

Roma, Itália – Viplav Nigam/Flickr; Assinatura do Tratado de Roma, a 25 de março de 1957 –

autor desconhecido/União Europeia. Página 10: John Bruton toma posse como primeiro-

ministro da República da Irlanda, a 15 de dezembro de 1994 – RTÉ Archives.

Esta publicação está protegida sob a Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.

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© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 4

FICHA TÉCNICA

ANÁLISE EUROPEIA

Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus

Diretor

Pedro Camacho

Editores

André Simões dos Santos

Bruno Correia

David Gil Gonçalves

Ekaterina Malginova

João Moreira

Luís Moniz

Conselho Científico

Alice Cunha

IHC – Universidade Nova de Lisboa

Alina Esteves

CEG/IGOT – Universidade de Lisboa

António Goucha Soares

ISEG – Universidade de Lisboa

António Martins da Silva

Fac. Letras – Universidade de Coimbra

Carla Fernandes

IPRI – Universidade Nova de Lisboa

Célia Morgado

Ministério da Educação

Eduardo Medeiros

CEG/IGOT – Universidade de Lisboa

Eduardo Paz Ferreira

Fac. Direito – Universidade de Lisboa

Fátima Velez de Castro

Fac. Letras – Universidade de Coimbra

Francisca Guedes de Oliveira

CPBS - Universidade Católica Portuguesa

Isabel Camisão

Fac. Letras – Universidade de Coimbra

João de Almeida Santos

FCSEA – Universidade Lusófona

Joaquim Ramos Silva

ISEG – Universidade de Lisboa

Jorge Malheiros

IGOT – Universidade de Lisboa

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 5

Lívia Franco

IEP – Universidade Católica Portuguesa

Luís Moreno

IGOT – Universidade de Lisboa

Margarida Brito Alves

FCSH – Universidade Nova de Lisboa

Maria de Fátima Ferreiro

ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa

Maria João Palma

Fac. Direito – Universidade de Lisboa

Nuno Cunha Rodrigues

Fac. Direito – Universidade de Lisboa

Olga Solovova

CES – Universidade de Coimbra

Paulo Almeida Sande

IEP – Universidade Católica Portuguesa

Pedro Gomes Barbosa

Fac. Letras – Universidade de Lisboa

Pedro Tavares de Almeida

FCSH – Universidade Nova de Lisboa

Rogério Roque Amaro

ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa

Proprietária e Editora

Associação Portuguesa de Estudos Europeus

NIPC 513676503

Rua Coronel Marques Leitão, n.º 2, 1.º Dir.

1700-125 Lisboa – Portugal

E-mail: [email protected]

Redação

Rua Coronel Marques Leitão, n.º 2, 1.º Dir.

1700-125 Lisboa

Portugal

E-mail: [email protected]

Design gráfico

Pedro Camacho

Sítio oficial

http://www.apeeuropeus.com/revista

Periodicidade

Semestral

Registo na ERC

126820

Depósito Legal

407079/16

ISSN

2183-9565 (versão CD-ROM)

ESSN

2183-802X (versão em linha)

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Estatuto Editorial

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 6

ESTATUTO EDITORIAL

A revista Análise Europeia foi fundada em 2016 pela Associação Portuguesa de Estudos

Europeus, que detém a sua propriedade e demais direitos de edição e publicação. A

sua fundação nasceu da vontade de criar uma revista científica portuguesa dedicada,

exclusivamente, aos Estudos Europeus, considerando as suas variadas vertentes

enquanto área científica. Assim, a Análise Europeia oferece um espaço, no meio

académico, a todos os alunos, investigadores e professores que desejem publicar os

seus trabalhos de investigação na área dos Estudos Europeus, contribuindo para a

promoção, dignificação e avanço científico da mesma.

A Análise Europeia pretende contribuir para o desenvolvimento da investigação

científica, a promoção de uma reflexão e discussão aprofundada sobre as metodologias

dessa mesma investigação, e a divulgação de informação e conhecimento no âmbito

dos Estudos Europeus. A Análise Europeia visa proporcionar um fórum para o diálogo

multidisciplinar e interdisciplinar de ideias e um quadro de análises teóricas e

empíricas, cobrindo os seguintes tópicos de investigação: História da Integração

Europeia, Filosofia Política e a Ideia de Europa, Economia e Políticas Públicas da União

Europeia, Desenvolvimento e Coesão Social na Europa, Direito da União Europeia,

Demografia e Movimentos Migratórios na Europa, Multilinguismo e Política Linguística

na Europa, a União Europeia no Contexto Internacional, Arte e Cultura Europeia e

Portugal na União Europeia.

A Análise Europeia pretende ser um fórum permanente de discussão, debate e reflexão

sobre a realidade europeia, dando lugar à crítica científica e fundamentada, acolhendo

os trabalhos de alunos, investigadores e professores que se comprometam com o

progresso científico dos Estudos Europeus. A Análise Europeia pauta-se pelos normais

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 7

padrões internacionais de edição, submetendo as propostas de publicação à

arbitragem científica de avaliadores conceituados.

A Análise Europeia é uma publicação semestral, independente e livre, que se identifica

com os mais elevados valores europeus, o respeito pela verdade científica, pela

liberdade de imprensa e pelos princípios deontológicos e a ética profissional, assim

como pela boa fé dos leitores. A Análise Europeia é publicada em suporte digital e de

forma gratuita, contribuindo, desta forma, para uma mais eficaz difusão e promoção

dos Estudos Europeus como área científica, em linha com a sua defesa pelo acesso livre

e universal do conhecimento. Defende, ainda, o pluralismo de opinião, sem prejuízo

desta representar as posições da sua editora, a Associação Portuguesa de Estudos

Europeus.

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ÍNDICE

EDITORIAL

Roma

Pedro Camacho 11

MENSAGEM DO PRESIDENTE DA APEE

Europeístas e otimistas

António Santos 15

ARTIGOS

A estrutura organizacional do Diálogo Energético UE-Rússia:

Uma arquitetura eficaz?

Pedro Camacho

18

União Europeia: Uma breve história do futuro para um

governo dos bens comuns europeu

António Covas

56

Por uma nova responsividade na União Europeia: Repensar a

relação com os cidadãos europeus

David Gil Gonçalves

79

A União Europeia num mundo em mudança: Era Trump 2.0?

Marco Martins 93

A democracia portuguesa e a Europa democrática. Algumas

considerações sobre os problemas, respostas, soluções e

interações: comuns ou distintos?

Pedro Ponte e Sousa

118

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 9

O TTIP (Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento)

e as relações transatlânticas (UE-NAFTA)

André Simões dos Santos

142

COMUNICAÇÕES

A Política Comercial Comum à prova no pós-Lisboa - A

competência para a celebração de acordos internacionais de

comércio da União Europeia

Maria João Palma

164

Acordo CETA: O Parlamento Europeu fez a diferença

Pedro Silva Pereira 183

Os novos muros da Europa

Nuno Cunha Rodrigues 198

DISCURSOS

Identidade europeia: Quem são os europeus de hoje?

Carlos Coelho 209

NORMAS

Normas de Publicação 218

Política Editorial 224

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“A União Europeia é a invenção

mais bem-sucedida do mundo

para o avanço da paz.”

John Bruton (1947-)

Antigo primeiro-ministro da República da Irlanda

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Pedro Camacho

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 11

EDITORIAL

ROMA

Este número homenageia Roma, em comemoração do 60.º aniversário da assinatura

dos Tratados de Roma, a 25 de março de 1957, que criaram a Comunidade Económica

Europeia e a Comunidade Europeia de Energia Atómica. Bélgica, França, Itália,

Luxemburgo, Países Baixos e República Federal Alemã, reunidos na “Cidade Eterna”,

firmaram mais um passo na história da construção europeia, rumo a uma Comunidade

de pessoas e para as pessoas, onde reinasse a paz e o desenvolvimento económico.

Baseada em princípios democráticos, esta Comunidade deu origem à atual União

Europeia, tão desafiada nos tempos que correm, por ameaças internas e externas.

Numa data tão marcante, e perante os sucessos alcançados pelo projeto europeu,

cumpre-nos, agora, não abdicar dele, mas antes contribuir com soluções para o

reformar, preparando para os desafios que se avizinham e aproximando as instituições

dos cidadãos.

Roma é uma das cidades mais importantes no contexto histórico-cultural europeu, pelo

seu elevado contributo ao longo da História Mundial. Não se pode falar das fundações

que sustentam a Europa que hoje conhecemos, sem reconhecer o devido apreço por

uma cidade que, pelo poder que concentrou durante séculos, foi o centro da Europa e,

mesmo, da civilização ocidental. Mesmo na atualidade, volvidos vários séculos,

marcados por guerras, mudanças de regime e lutas pelo poder, Roma mantem-se

incólume, certo que sem o poder de outrora, mas orgulhosamente eterna na sua

resistência milenar.

A influência de Roma na construção da nossa Europa plasma-se em diversos

momentos da História. A civilização romana tem as suas origens com a constituição do

modesto Reino Romano, em 753 a.C., que, cerca de dois séculos mais tarde, evoluiria

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Editorial

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 12

para a República Romana, um período que marcou a expansão da civilização romana,

de forma exponencial, pelo continente europeu e além do Mediterrâneo. A sua

hegemonia, consolidada com a instauração do Império Romano em 27 a.C., cobria mais

de 5 milhões de quilómetros quadrados, na sua máxima extensão, desde a Grã-

Bretanha ao Norte de África, da Península Ibérica à Ásia Menor. Nesse sentido, o

Império Romano, ao estender-se por mais de metade do continente europeu, tem sido

encarado como a primeira ideia de uma Europa unida, reunindo diferentes povos sob o

mesmo poder, organização política e valores. É certo que esta conceção em nada é

comparável com a União Europeia que conhecemos hoje, até porque o Império

Romano foi construído sob a égide do belicismo e da assimilação cultural, mas não

deixa de ter fundamento.

Bebendo da civilização grega, os Romanos contribuíram positivamente para a

construção do conceito de democracia. A maioria dos regimes modernos baseiam-se

mais no modelo romano que propriamente o grego; afinal de contas, a República

Romana foi a primeira república existente no mundo e um Estado na sua verdadeira

aceção, cujo poder se encontrava alicerçado nas pessoas e nos seus representantes, e

era chefiado por um líder eleito ou nomeado. Por isso, não é de estranhar que o

conceito de governo republicano de hoje seja inspirado na República Romana. Para

além da organização política, os princípios do direito romano são fonte de inspiração

para o direito moderno na maioria dos países do mundo, como, de resto, é atestado

pelo uso da terminologia latina. De resto, do vasto legado da civilização romana, o

latim encontra-se na base das línguas românicas. Faladas por mais de 800 milhões de

nativos a nível mundial e oficiais em cerca de 70 países, as cinco principais línguas

românicas – espanhol, francês, italiano, português e romeno – são, igualmente, línguas

oficiais da União Europeia.

Com a queda do Império Romano, a Igreja Católica viria a tomar o rumo da História da

cidade. O reconhecimento da doutrina cristã pelo Imperador Constantino e a supressão

das religiões pagãs por Teodósio I pavimentou o caminho para a afirmação do poder

da Igreja Católica no continente europeu, para a qual contribuiu a constituição de

reinos cristãos, cujos monarcas prestavam vassalagem ao Papa, enquanto

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Pedro Camacho

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 13

representante máximo de Deus na Terra. Esta vassalagem serviu para a consolidação do

Cristianismo na Europa e do poder temporal do Papa sobre os reinos europeus. Esse

poder, que em diversos momentos da História implicou um imiscuir da Igreja em

assuntos dos Estados, foi perdido em meados do século XIX, no pontificado de Pio IX,

em consonância com a abolição dos regimes monárquicos em vários países europeus

desde então. Apesar da separação entre o Estado e a Igreja ser, felizmente, uma

realidade nos Estados modernos e o direito à liberdade religiosa estar devidamente

consagrado como direito fundamental, é inegável que a matriz judaico-cristã continue

a ser um dos elementos agregadores na Europa, e, aqui, Roma exerceu um papel

determinante pela influência da Igreja Católica no continente durante séculos, não

obstante os cismas que a abalaram.

Este número segue a lógica editorial dos anteriores, ao não restringir-se a uma

temática em específico, atendendo à multidisciplinaridade que carateriza os Estudos

Europeus e garantindo a oportunidade para que todos os interessados possam publicar

o seu trabalho académico numa publicação científica séria e credível. Nessa linha, um

dos nossos grandes objetivos é garantir que todos os estudantes e académicos na área

tenham o mesmo direito de submeter os seus trabalhos para publicação, assegurando

um tratamento imparcial e idóneo durante todo o processo de avaliação.

O presente número conta com seis artigos, que se enquadram, praticamente, no

repensar do projeto europeu e na posição da União Europeia no contexto

internacional. Pedro Camacho apresenta-nos, de forma detalhada, o Diálogo

Energético entre a União Europeia e a Rússia, desde a sua implementação em 2000 até

à suspensão das relações bilaterais em 2014, com uma análise focada na eficácia da sua

estrutura organizacional. António Covas oferece-nos uma viagem sobre o futuro do

projeto europeu, objetivando uma proposta para o governo dos bens comuns europeu,

e atendendo aos desafios que assolam a Europa no momento presente. David Gil

Gonçalves propõe uma reflexão sobre a relação entre as instituições e os cidadãos

europeus, tendo por base o Trilema da Integração Económica de Rodrik e conceitos

basilares como a responsabilidade e a responsividade. Marco Martins enquadra a União

Europeia num mundo em constante mudança, face à nova realidade internacional,

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Editorial

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 14

questionando se estamos perante uma nova era ou ordem mundial, ou simplesmente

estamos a assistir a uma regressão. Pedro Ponte e Sousa tece considerações sobre o

conceito de democracia, tentando compreender a legitimidade dos sistemas

democráticos atuais. André Simões dos Santos recupera o Tratado Transatlântico de

Comércio e Investimento (TTIP), descrevendo o seu percurso e refletindo no seu papel

para as relações transatlânticas com os Estados Unidos da América.

Posteriormente, são apresentadas três comunicações. As primeiras duas foram

proferidas na Conferência “Acordo CETA: uma oportunidade para Portugal?”, que teve

lugar no dia 7 de abril de 2017, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Maria João Palma analisa a Política Comercial Comum da União Europeia após o

Tratado de Lisboa, focando-se na competência desta para a celebração de acordos

internacionais de comércio. Pedro Silva Pereira debruça-se sobre o Acordo CETA,

destacando que o Parlamento Europeu teve um papel crucial nas suas negociações,

fazendo a diferença. Na mesma casa, na Conferência “Luzes e sombras da União

Europeia – 30 anos de Portugal na União Europeia”, em novembro de 2016, Nuno

Cunha Rodrigues denuncia os novos muros levantados na União Europeia e aponta

soluções para restaurar a confiança dos cidadãos europeus nas instituições.

Terminamos com a publicação do discurso proferido pelo eurodeputado, Carlos

Coelho, por ocasião do Colóquio “Identidade(s), Integração e Laicidade na Europa”, em

maio de 2015, na Fundação Calouste Gulbenkian. No seu discurso, o eurodeputado

aborda questões relacionadas com a identidade europeia, refletindo sobre o que são

os europeus de hoje.

Esperamos que este número continue à altura dos nossos prezados leitores, aos quais

agradecemos toda a sua atenção e apoio.

Pedro Camacho

Diretor

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António Santos

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 15

MENSAGEM DO PRESIDENTE DA APEE

EUROPEÍSTAS E OTIMISTAS

Passados 60 anos da assinatura do tratado de Roma, o sonho europeu continua sem

rumo bem definido, entre negociações difíceis, diferentes níveis de desenvolvimento

entre países, barreiras culturais e civilizacionais e o contexto global atribulado.

Mais do que nunca a União tem que se definir a si própria e aqueles que a defendem

têm que o fazer com cada vez maior convicção. A atual emergência dos populismos

poderá ter um efeito positivo, isto é uma visão pessoal e otimista, que considero que

faz sentido, porque, cada vez mais, o tema central de debate das diversas eleições nos

Estados-membro prende-se com a sua permanência ou saída da União.

O regresso de ideias radicais, outrora consideradas ultrapassadas e de um preconceito

espelhado no comportamento de um número considerável de eleitores, que não seria

expectável em sociedades consideradas desenvolvidas no século XXI, são fatores

preocupantes, sem dúvida.

Os decisores e cidadãos europeus deverão agora fazer uma análise fria e racional do

passado recente da UE. Devemos perceber que as instituições não transmitiram a

segurança e o equilíbrio necessário às populações, tornaram-se em parte reféns de um

aparelho burocrático sem rosto, considerado como longínquo e ineficiente na

resolução dos problemas essenciais. Ao invés de aliviar e melhorar as condições de vida

dos cidadãos de vários países, trouxeram choques de austeridade que agravaram as

condições socioeconómicas de parte das populações e aumentaram o sentimento de

desconfiança, em vez de o de comunidade.

Certamente que a UE se deve reger sempre pelos princípios fundadores, como o

respeito pela diversidade e liberdade, mas chegou o momento de debater sem tabus e,

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Mensagem do Presidente da APEE

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 16

se necessário, alterar as regras do jogo, isto é, caminhar para uma uniformização

política e social. Para isso, devemos refletir se este espaço pode ser também o espaço

de Viktor Orbán, Marine Le Pen e de Janusz Korwin-Mikke. Liberdade de expressão

sempre, e se as populações democraticamente optarem por este tipo de lideranças,

estas terão de ser respeitadas e reconhecidas, mas até que ponto deverão fazer parte

de um projeto com valores com os quais não se identificam?

No Reino Unido, a população optou pela saída, mas na Holanda, Áustria e em entre

outros, a opção foi claramente mais Europa. O mesmo se poderá passar em França, a

expressão popular será provavelmente mais Europa, mas uma Europa cosmopolita e

inovadora.

Voltando ao ponto inicial, o ponto positivo da emergência dos populismos, afirmo-o, é

o facto de os europeístas nunca terem estado tão unidos. Após o Brexit, a vitória de

Donald Trump nos EUA, diversos movimentos alternativos como o “En Marche”,

constituem uma demonstração clara de que o sonho europeu continua, apenas está

em renovação; apesar de não aceitar o populismo, pretende também alterar a política

tradicional.

Devemos também entender que grande parte dos votos nos movimentos anti-UE são

votos de protesto de quem perdeu a esperança. A confiança desses cidadãos deve ser

recuperada e a melhor forma de o fazer passa pela solidariedade e harmonização fiscal,

económica e política entre Estados, de forma democrática e participada. A Europa tem

de ser um espaço transparente e inclusivo. O período atual é difícil, mas a esperança e

o otimismo devem manter-se entre nós, jovens e europeístas, porque é nos momentos

difíceis que precisamos da coragem necessária para tomar decisões históricas.

António Santos

Presidente da Associação Portuguesa de Estudos Europeus

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ARTIGOS

A estrutura organizacional do Diálogo Energético UE-Rússia: Uma arquitetura eficaz?

Pedro Camacho

União Europeia: Uma breve história do futuro para um governo dos bens comuns

europeu

António Covas

Por uma nova responsividade na União Europeia: Repensar a relação com os cidadãos

europeus

David Gil Gonçalves

A União Europeia num mundo em mudança: Era Trump 2.0?

Marco Martins

A democracia portuguesa e a Europa democrática. Algumas considerações sobre os

problemas, respostas, soluções e interações: comuns ou distintos?

Pedro Ponte e Sousa

O TTIP (Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento) e as relações

transatlânticas (UE-NAFTA)

André Simões dos Santos

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A estrutura organizacional do Diálogo Energético UE-Rússia: uma arquitetura eficaz?

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 18

A ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DO DIÁLOGO ENERGÉTICO

UE-RÚSSIA: UMA ARQUITETURA EFICAZ?

PEDRO CAMACHO1

RESUMO

A energia é uma das principais componentes das relações bilaterais entre a União Europeia e a Rússia.

Desde a década de 1960, a Rússia, então União Soviética, celebrou os primeiros contratos a longo prazo

para o fornecimento de gás com países europeus. Esta relação, estritamente comercial, evidenciou a

importância do comércio de recursos energéticos para as economias russa e europeia, culminando na

institucionalização da cooperação energética com a criação do Diálogo Energético UE-Rússia, em 2000. O

Diálogo Energético tornou-se no principal fórum de discussão sobre a energia até à suspensão das

relações bilaterais pela UE após a anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014. Este artigo descreve a

atividade desenvolvida pelo Diálogo Energético ao longo dos 14 anos da sua atividade, procurando

analisar a eficácia da estrutura organizacional face ao trabalho desenvolvido e aos objetivos estabelecidos.

Palavras-chave: União Europeia, Rússia, Diálogo Energético, Energia, Cooperação energética.

Histórico do artigo: recebido em 01-04-2017; aprovado em 15-04-2017; publicado em 05-05-2017. 1 Investigador no Projeto de Investigação ―A Geopolítica do Gás e o Futuro da relação Euro-Russa -

Geo4Ger‖ (FCT - PTDC/IVC-CPO/1295/2014), desenvolvido pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas –

Universidade Nova de Lisboa e o Instituto Português de Relações Internacionais, com a participação do

Instituto de Defesa Nacional. Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova

de Lisboa. Lisboa, Portugal. E-mail: [email protected].

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Pedro Camacho

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 19

ABSTRACT

The organizational structure of EU-Russia Energy Dialogue: An effective architecture? Energy is one of the

main components of bilateral relations between the European Union and Russia. Since the 1960s, Russia,

then the Soviet Union, has signed the first long-term contracts for the supply of gas with European

countries. This strictly commercial relationship has highlighted the importance of trade in energy resources

for the Russian and European economies, culminating in the institutionalization of energy cooperation with

the creation of the EU-Russia Energy Dialogue in 2000. The Energy Dialogue has become the main arena

for discussion on energy issues until the suspension of bilateral relations by the EU, after the annexation of

Crimea by Russia in 2014. This article describes the activity developed by the Energy Dialogue throughout

the 14 years of its activity, seeking to analyze the effectiveness of the organizational structure vis-à-vis the

work developed and objectives established.

Keywords: European Union, Russia, Energy Dialogue, Energy, Energy cooperation.

_________________________________________________________________________________________________________________

1. INTRODUÇÃO

A produção petrolífera na Rússia, plenamente desenvolvida na segunda metade

do século XX, representou uma solução para o fornecimento energético de alguns

países da Europa Central e de Leste, numa altura em que a Europa, após o duro

processo de reconstrução a partir dos escombros da II Guerra Mundial, tinha vindo a

assistir a um franco desenvolvimento económico. Assim, a década de 1960 marcou o

início das relações energéticas entre a Europa e a Rússia, com a assinatura de vários

contratos com países europeus para o fornecimento de gás natural e petróleo. Estes

contratos eram estabelecidos enquanto acordos bilaterais de longo prazo, que

permitiam a partilha dos riscos e asseguravam o financiamento necessário para o

desenvolvimento da rede de infraestruturas, respeitando as diferenças institucionais

das partes contratantes.

No entanto, dois aspetos alteraram essa dinâmica na década de 1990: a reforma

do mercado russo, em virtude da desintegração da União Soviética, e a liberalização da

indústria petrolífera na União Europeia, com o intuito de se avançar, progressivamente,

para um mercado único de gás. Embora diferindo na sua extensão, a Rússia

implementou medidas para reestruturar o seu setor: o aumento de preços no mercado

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interno, o surgimento de um sistema dual de regulação e a permissão de algum grau

de competição entre as empresas públicas e privadas (Boussena e Locatelli, 2013, p.

182).

Segundo os dados mais recentes, datados de 2015, a produção primária de

crude e de gás natural na União Europeia apenas suprime 11,8 e 30 por cento das

necessidades de consumo desses produtos, respetivamente (Eurostat, 2015). A UE, que

importa 90,9% da sua energia, é obrigada a recorrer a diversos fornecedores no

mercado internacional, entre os quais a Rússia, que exporta 60% do seu crude e 62%

do seu gás natural para a União Europeia (EIA, 2015). Por seu turno, o crude e gás

natural russos representam 27,3 e 30,6 por cento do consumo europeu,

respetivamente, confirmando a Rússia enquanto um dos principais parceiros da União

Europeia. O gás natural é um dos principais recursos energéticos para a União,

confirmando o seu papel no desenvolvimento económico europeu, ao fornecer cerca

de um terço da energia consumida pelos seus principais setores (Eurostat, 2015).

A importância das relações energéticas entre a União Europeia e a Rússia é,

assim, atestada pela sua interdependência: se, por um lado, a primeira depende do

petróleo e do gás natural provenientes da segunda para satisfazer as suas necessidades

energéticas, por outro, a segunda depende do lucro gerado pela sua indústria

petrolífera no decurso das vendas à primeira, que contribuem significativamente para a

riqueza interna. Assim, ambas pretendem manter as suas relações, ainda que num

contexto meramente comercial, por forma a garantirem a sua segurança energética, da

perspetiva do aprovisionamento e da procura, respetivamente. A importância da

energia continuará a representar uma oportunidade para a diplomacia económica,

entre as partes.

Por a energia exercer um papel tão demarcado nas relações bilaterais, as partes

decidiram oficializar e enquadrar a sua cooperação energética ao criarem o Diálogo

Energético em 2000, capaz de acondicionar as diferenças entre as partes, num período

que marcou o início da política russa de renacionalização do seu setor petrolífero e de

gás natural, ao mesmo tempo que a União Europeia continuou a sua política de

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Pedro Camacho

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 21

liberalização do setor. O Diálogo Energético tornou-se num fórum de cooperação

bilateral em matéria energética, até então inexistente.

Perante a suspensão das relações bilaterais entre a UE e a Rússia em 2014,

devido à anexação da Crimeia pela Rússia e a manutenção do conflito no leste

ucraniano, consideramos pertinente avaliar a eficácia da arquitetura institucional do

Diálogo Energético, através de uma análise aos objetivos estabelecidos e ao trabalho

desenvolvido ao longo dos seus primeiros 14 anos de atividade. Esta análise foi

realizada com base no trabalho desenvolvido pelos coordenadores do Diálogo até

2005, assim como dos grupos temáticos e do Conselho Consultivo do Gás desde então,

procurando dar resposta à questão que serve de mote ao título deste artigo. A

reduzida literatura a nível internacional sobre a dinâmica institucional do Diálogo

Energético obrigou-nos à leitura e ao tratamento dos documentos oficiais emitidos em

sede do Diálogo Energético.

2. CRIAÇÃO DO DIÁLOGO ENERGÉTICO UE-RÚSSIA

A cooperação energética entre a UE e a Rússia começou a vislumbrar-se com a

assinatura do Acordo de Parceria e Cooperação entre as partes, em 1994. O Acordo

estabelecia as bases legais para o desenvolvimento das suas relações bilaterais em seis

grandes domínios: diálogo político, comércio de mercadorias, atividade empresarial e

financeira, cooperação económica, justiça e assuntos internos e cooperação cultural. A

energia encontra-se enquadrada no domínio da cooperação económica, através das

provisões do artigo 65.º, onde se afirma que ―a cooperação neste domínio realizar-se-á

no âmbito dos princípios da economia de mercado e da Carta Europeia de Energia,

num contexto de integração progressiva dos mercados da energia na Europa,‖

lançando, assim, o ímpeto para o aprofundamento desta matéria pelas partes (JO L 327,

28.11.1997). O acordo entrou em vigor em 1997, com uma duração estipulada de dez

anos2.

2 No entanto, as negociações sobre um novo acordo que o substituísse foram dificultadas pelas relações

bilaterais entre a Rússia e os novos Estados-membros da UE que tinham estado sob o jugo soviético (Light,

2008, pp. 7-8), pelo que o Acordo de Parceria e Cooperação foi renovado numa base anual entre 2007 e a

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Posteriormente, em junho de 1999, a UE emitiu uma estratégia comum para a

Rússia, reconhecendo a importância estratégica das suas relações bilaterais com o país.

A UE afirma que ambas têm ―interesse em permitir que esta se integre num espaço

económico e social comum na Europa‖, contribuindo, para isso, o facto de a UE ser ―o

principal parceiro comercial da Rússia‖, que ―assegura uma parte considerável do

fornecimento de energia da União‖ (JO L 157, 24.6.1999, p. 2). Sobre a energia, o

documento assinala a pretensão da UE em cooperar com a Rússia na reforma do seu

setor e na promoção da ratificação russa do Tratado da Carta da Energia (JO L 157,

24.6.1999, p. 6). Em 2000, a Rússia correspondeu com o seu intuito em colaborar,

através da sua Estratégia a Médio-Prazo para as relações com a UE, desde que esta não

interviesse nos seus assuntos internos e a Rússia mantivesse o direito em salvaguardar

os seus interesses nacionais e os setores entendidos como vitais para a sua economia

(Lynch, 2004, p. 103).

O quadro para o aprofundamento das relações energéticas entre a UE e a

Rússia viria a ser, oficialmente, estabelecido a 30 de outubro de 2000, em resultado da

6.ª cimeira UE-Rússia, considerando a ideia dos seus líderes políticos em ―instituir,

numa base regular, um diálogo sobre a energia que permitirá a realização de

progressos na definição de uma parceria energética‖, tornando-se ―numa oportunidade

para levantar todas as questões de interesse comum relacionadas com o setor‖ (CE,

2000). O seu surgimento ―pretendeu colmatar a lacuna que emergiu da não-ratificação

da Carta da Energia pela Rússia […], tornando-se numa arena para a resolução rápida

de problemas‖ (Romanova, 2014, p. 47). Os principais objetivos do Diálogo são

―melhorar as oportunidades de investimento no setor energético, incluindo a abertura

dos mercados energéticos‖; ―assegurar uma infraestrutura segura e adequada‖; ―facilitar

um crescente uso de tecnologias e fontes de energia amigas do ambiente‖; ―promover

a eficiência e a poupança energética, caminhando para uma economia de baixo

carbono‖ e ―trocar informação sobre iniciativas legislativas‖ (CE, 2016).

A UE pretendia, assim, promover reformas no mercado russo de energia, por

forma a adequá-lo às normas internacionais, tornando-o mais transparente e não-

suspensão das relações bilaterais em 2014, no decurso da anexação da Crimeia pela Rússia e o estalar do

conflito no leste ucraniano.

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 23

discriminatório e criando um ambiente propício à captação de investimento estrangeiro

no setor energético. Dois pontos fulcrais estiveram na agenda: a atualização dos preços

praticados pela Rússia, bastante diminutos face aos preços praticados a nível mundial,

e a diferença na natureza dos mercados internos de energia, onde a UE promove e

constrói um mercado livre e unificado, em contraste com o mercado russo, de caráter

monopolista e influenciado pelo Estado (Genç, 2009, pp. 20-21).

3. OS PRIMEIROS ANOS (2000-2005)

Nos seus primeiros anos (2000-2005), o Diálogo Energético resumia-se aos dois

coordenadores, cada um representando uma das partes, evidenciando a sua natureza

intergovernamental. As suas atividades encontravam-se limitadas à elaboração de

relatórios na véspera das cimeiras bilaterais e do Conselho Permanente de Parceria,

demonstrando que ―nenhuma cooperação regular tinha sido inicialmente estabelecida‖

(Romanova, 2014, p. 47). Neste período, foram estabelecidos dois grupos temáticos

temporários para elaborar a agenda do Diálogo (2001) e a sua reformulação (2005),

embora se encontrassem limitados para a concretização dos seus objetivos (Romanova,

2014, p. 47).

Nesta primeira fase, as discussões do Diálogo centravam-se em três questões

principais: os contratos a longo prazo take or pay, os projetos estratégicos de interesse

comum e o investimento. Em sentido lato, estas discussões objetivavam a garantia da

segurança energética de ambas as partes, do ponto de vista da procura (Rússia) e do

aprovisionamento (UE). No que respeita aos contratos a longo prazo3, reconheceu-se

que a sua existência tem permitido garantir a segurança no fornecimento de gás à

Europa pela Rússia, assim como o investimento necessário para a manutenção e

desenvolvimento das infraestruturas ligadas à produção e transporte dessa fonte

energética (UE-Rússia, 2001, p. 3). A Comissão Europeia frisou que estes contratos são

3 Os contratos a longo prazo take or pay providenciam ―que um comprador deve pagar por quantidades

específicas de energia (gás, por exemplo) a um vendedor, mesmo que o comprador não queira ou não

possa receber essas quantidades‖ (Polkinghorne, 2014, p. 1). Estas condições permitem ―ao vendedor

garantir um fluxo de receitas em termos pré-determinados‖, por forma a possibilitar-lhe o capital

necessário para investir nas infraestruturas (Polkinghorne, 2014, p. 2).

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―indispensáveis‖, pelo que viria encetar os esforços necessários para acompanhar a

situação e assegurar todas as condições, especialmente financeiras, para a sua

manutenção, nos primeiros anos da década de 20004. Ambas as partes negociaram,

ainda, a existência da ―cláusula de destino‖ nos contratos, desejando que esta fosse

emendada ou mesmo suprimida (UE-Rússia, 2002a, p. 2) e sublinharam que os

contratos se enquadrariam no novo mercado interno de gás que estava a ser criado

pela UE (UE-Rússia, 2002b, p. 2).

Estes contratos são vitais para o desenvolvimento da rede. As partes

defenderam novos projetos estratégicos de produção e de transporte de energia,

considerando-os como de interesse comum, e o acesso não-discriminatório às redes de

transporte pela Rússia, por forma a assegurar a eficácia do mesmo. Estes projetos

incluíam os gasodutos Transeuropeu Setentrional e o Yamal-Europe (troço polaco-

bielorrusso), o campo de produção de Shtokman e os oleodutos Burgas-Alexandrópolis

e Druzhba (troço Adria) (UE-Rússia, 2001, pp. 2-3). As partes entenderam ser crucial a

diversificação das rotas de transporte entre si, pelo que deveriam garantir as condições

necessárias para o desenvolvimento destes projetos5. Em 2002, o projeto do gasoduto

do Norte da Europa (Nord Stream6) foi considerado como prioritário, dentro das Redes

Transeuropeias, beneficiando do financiamento europeu para o desenvolvimento de

um estudo sobre o seu impacto ambiental no Mar Báltico (UE-Rússia, 2003, p. 4).

O desenvolvimento destes projetos está intimamente ligado a investimentos de

larga escala, que não dependem exclusivamente dos contratos a longo prazo, mas

também do investimento direto estrangeiro. Estes investimentos são essenciais para

renovar e ampliar a rede de infraestruturas, resolvendo os problemas técnicos

4 A rede de transporte foi alvo de uma monitorização constante para a definição dos projetos prioritários

de atualização e otimização da rede, conduzidas pelas partes e os países de trânsito (UE-Rússia, 2001, pp.

3-4), através do financiamento em cerca de 3 milhões de euros (UE-Rússia, 2004, p. 6). 5 Nesse sentido, foi criada uma equipa especializada para avaliá-los quanto aos requisitos técnicos, ao

financiamento e ao tempo necessário para a sua execução, consultando as partes interessadas. Para além

disso, pretendeu-se que esta equipa garantisse o investimento necessário para os projetos, através de

reuniões com entidades governamentais, instituições financeiras e empresas do setor energético (UE-

Rússia, 2002a, pp. 2-3). O resultado dessa avaliação reconheceu que os projetos são de interesse comum,

recomendando que a lista fosse alargada a outros potenciais projetos, e sugeriu a criação de ―um fundo de

garantia de decisão arbitral‖, que salvaguardasse as partes contratuais quanto aos seus direitos (UE-Rússia,

2002b, p. 1). 6 Gasoduto, operacional desde 2011, que liga diretamente a Rússia à Alemanha pelo mar Báltico, ao longo

de 1 224 km, com uma capacidade de 55 bcm por ano (Nord Stream AG, s.d.).

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 25

resultantes da sua antiguidade e da sua capacidade diminuta para responder à procura

europeia dos hidrocarbonetos russos, e garantir, assim, o seu bom funcionamento

(Genç, 2009, p. 27). Discutiu-se a necessidade de assegurar um ambiente favorável ao

investimento no setor energético, através da eliminação de barreiras legais e fiscais e

da adoção de outros mecanismos de financiamento7, para ―melhorar a produção nos

campos em atividade, atualizar as refinarias de petróleo, construir novas e atualizar

antigas usinas, e otimizar a infraestrutura de transporte de energia‖ (UE-Rússia, 2005a,

p. 4).

A Rússia acordou em implementar medidas para melhorar o quadro normativo

nesta matéria, como a criação de nova legislação e a aplicação das regras necessárias,

nomeadamente no que se refere aos Acordos de Produção Partilhada, a fim de criar

condições para a atração de capital a curto prazo (UE-Rússia, 2001, p. 3). Em 2002,

recordou-se a necessidade de serem criadas propostas para alterar o código fiscal e

demais legislação referente a estes acordos, a fim de ser apreciada na 10.ª cimeira

bilateral a 11 de novembro, para possibilitar ―o acesso não-discriminatório às redes de

transporte de energia,‖ assim como ―a implementação de projetos de energia por

forma a facilitar a atividade empreendedora nos setores da exploração, produção e

transporte de energia, como, por exemplo, através de joint ventures e concessões‖ (UE-

Rússia, 2002a, p. 1).

Com vista a esse objetivo, o Ministério da Economia russo criou um organismo

que ―facilita as relações dos investidores com todos os níveis da administração‖, através

da simplificação de ―procedimentos administrativos e de licenças‖ (UE-Rússia, 2001, p.

4). Em 2004, a Rússia tinha realizado algumas reformas para tornar as oportunidades de

investimento mais competitivas e atrativas, embora algumas empresas do país tivessem

dificuldade na obtenção de financiamento de capital estrangeiro a longo prazo8 (UE-

7 A entrada em vigor do Protocolo de Quioto ofereceu oportunidades para a realização de investimentos

promotores da eficiência, poupança e gestão do consumo energético, para as quais contribuiu uma

estreita ―cooperação nas boas práticas e em tecnologias de energia mais eficientes‖ pela indústria, um dos

principais setores consumidores, atendendo ao clima da subida de preços do petróleo e outras matérias-

primas à época (UE-Rússia, 2005a, p. 4). 8 Com efeito, o investimento ainda enfrentava diversos problemas em 2006, sentindo-se a necessidade de

uma análise mais aprofundada quanto à utilização e exploração dos subsolos, ao enquadramento fiscal e

aos projetos conjuntos (UE-Rússia, 2006a, p. 4).

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A estrutura organizacional do Diálogo Energético UE-Rússia: uma arquitetura eficaz?

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Rússia, 2004, p. 4). Por forma a contornar tais dificuldades, foi desenvolvido um estudo

para a criação de um mecanismo de garantias, com o objetivo de reduzir os riscos não-

comerciais dos investimentos (UE-Rússia, 2004, pp. 4-5). Uma ―apropriada partilha do

risco‖ na construção de infraestruturas e o desenvolvimento de campos de produção

foram tidos como elementos fulcrais para assegurar as condições necessárias ao

investimento em projetos desta envergadura (UE-Rússia, 2006a, p. 4). Em 2008, a Rússia

adotou medidas fiscais que visavam estimular o setor petrolífero e comprometeu-se

em criar as regulações necessárias para a implementação da sua nova política de

investimento estrangeiro no setor energético (UE-Rússia, 2008a, p. 5).

4. PRIMEIRA REESTRUTURAÇÃO (2005-2006)

A necessidade de aprofundar as temáticas abordadas no quadro do Diálogo

impeliu à sua primeira reestruturação em 2005, por iniciativa da presidência britânica

do Conselho da UE, no segundo semestre desse ano, que definiu o reforço das relações

com a Rússia como uma das suas prioridades (Government of the UK, 2005). Nesse

sentido, foram delineadas novas linhas orientadoras para o Diálogo Energético, como a

inclusão de grupos temáticos que reunissem oficiais, empresários e académicos,

especializando as suas discussões (Genç, 2009, p. 20). Assim, foram criados quatro

grupos temáticos permanentes: a) Eficiência Energética, b) Infraestruturas de Energia, c)

Investimentos e d) Comércio (Figura 1).

O Grupo Temático sobre Eficiência Energética tinha como objetivo discutir ―a

legislação e regulamentação necessária‖ nesta área, ―as ações para criar ou reforçar as

estruturas e capacidades [a nível] local e regional‖, ―os incentivos económicos e

financeiros para encorajar a eficiência energética‖ e ―as oportunidades oferecidas pelos

mecanismos do Protocolo de Quioto‖ (UE-Rússia, 2005b, p. 1). Em 2006, foram lançadas

as bases para a Iniciativa para a Eficiência Energética, que procurou promover e apoiar

projetos de eficiência energética. No seu primeiro relatório, o grupo efetuou uma

análise sobre o estado da eficiência energética e definiu medidas que a confirmaram

como uma componente importante para a segurança energética, como a criação de

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 27

incentivos fiscais e a implementação de tecnologias eficientes nos edifícios (UE-Rússia,

2006b, pp. 1-6). Para a sua concretização, foi delineado um plano de ação, que incluía a

elaboração de estudos e análises, a preparação de um fundo de investimento e o

estabelecimento de parcerias (UE-Rússia 2006b, 6-9).

Figura 1 – Organograma da estrutura organizacional do Diálogo Energético entre 2005 e 2006. Fonte:

Camacho (2016).

O Grupo Temático sobre Infraestruturas de Energia pretendeu discutir as

infraestruturas existentes para o transporte dos hidrocarbonetos, incluindo a avaliação

de projetos de beneficiação da rede e a proposta de novas rotas estratégicas, assim

como o transporte de petróleo por outras vias para além das condutas e a produção e

interconexão elétrica (UE-Rússia, 2005d, p. 1). Em 2006, emitiu um relatório onde

constatou a interdependência energética entre a UE e a Rússia e avaliou as

infraestruturas existentes e as suas perspetivas de desenvolvimento no futuro, desde a

produção até ao consumo, no que se refere ao gás, ao petróleo e à eletricidade. O

relatório identificou três projetos de interesse comum – Nord Stream, campo de gás

condensado de Shtokman e o Yamal –, e recomendou atividades conjuntas, como a

harmonização dos sistemas de condutas e análises à rede e a futuros investimentos9

(UE-Rússia, 2006d, pp. 4-8).

9 Os trabalhos continuaram com o subgrupo sobre Projetos de Infraestruturas e Comércio de Energia,

enquadrado no Grupo Temático sobre o Desenvolvimento dos Mercados de Energia, que o substituiu em

2007.

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A estrutura organizacional do Diálogo Energético UE-Rússia: uma arquitetura eficaz?

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O Grupo Temático sobre o Investimento tinha como objetivo analisar as

necessidades de investimento no setor energético da UE e da Rússia. Para o seu

cumprimento, os trabalhos foram divididos em três subgrupos, cada um destinado a

encontrar soluções para as seguintes questões: ―melhoria do enquadramento legal e

regulatório‖, ―mecanismos para financiar projetos conjuntos‖ e ―otimização fiscal para

atrair investimento‖ (UE-Rússia, 2005c). Os resultados preliminares foram descritos em

relatório, emitido em 2006, expondo em detalhe as condicionantes do setor energético

russo, que confirmariam a urgência de investimento – o risco de esgotamento das

reservas, a degradação das infraestruturas, o aumento do consumo interno e as

exigências do mercado externo – apresentando soluções para ultrapassar estes

obstáculos10 (UE-Rússia, 2006c, pp. 2-4). O grupo sugeriu um ―envolvimento mais ativo

das empresas de energia da UE no setor energético russo‖, por forma a estimular

investimentos estratégicos, que seriam complementados pela execução de outras

ações, como a ―otimização de taxas, tarifas e preços de energia‖ ou a utilização do

fundo de investimentos russo para a execução de projetos de interesse nacional11 (UE-

Rússia, 2006c, pp. 10-11).

Por último, o Grupo Temático sobre o Comércio procurou discutir todos os

produtos energéticos do ponto de vista comercial, definindo como tarefas a realização

de uma análise sobre o comércio energético, a avaliação de possíveis obstáculos ao

mesmo e a elaboração de recomendações para a eliminação desses constrangimentos

(UE-Rússia, 2005e, p. 1). Esta avaliação foi desenvolvida no relatório de 2006, onde as

partes recomendaram a utilização de alguns instrumentos de mercado e o

―desenvolvimento de um diálogo direto entre fornecedores e consumidores‖ no setor

petrolífero. No setor do gás natural, recomendou-se investir na reciprocidade de regras

10

Essas soluções consistiam na ―identificação clara dos depósitos e zonas geográficas sensíveis e

estratégicas‖, ―a classificação das reservas dos recursos naturais de acordo com a metodologia das Nações

Unidas‖, a aplicação de ―princípios de seleção dos candidatos e participantes para a implementação de

projetos energéticos de larga escala‖, a definição ―[d]o âmbito e [d]as condições para a aplicação dos

Acordos de Produção Partilhada‖, a participação de investimento privado e o acesso não-discriminatório à

rede (UE-Rússia, 2006c, pp. 6-7). 11

Apesar da sua curta existência de apenas um ano, os trabalhos foram continuados pelo subgrupo sobre

Investimento, enquadrado no Grupo Temático sobre o Desenvolvimento dos Mercados de Energia, que o

substituiu em 2007.

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 29

e mecanismos entre a UE e a Rússia e na garantia da igualdade no tratamento e no

acesso às oportunidades pelos atores económicos12 (UE-Rússia, 2006e, pp. 2-4).

5. SEGUNDA REESTRUTURAÇÃO (2007-2011)

A segunda reestruturação ocorreu após a interrupção no fornecimento de gás à

Ucrânia em 2006, com o objetivo de fortalecer a orgânica do Diálogo, resultando na

manutenção do grupo sobre Eficiência Energética e a criação de dois novos grupos

temáticos: Estratégias, Previsões e Cenários, e respetivo subgrupo sobre Questões

Económicas da Energia; e Desenvolvimento dos Mercados de Energia, e respetivos

subgrupos sobre Investimento e sobre Projetos de Infraestruturas e Comércio de

Recursos Energéticos, criados em maio de 2008 e que substituíram os restantes grupos

temáticos anteriores, e o grupo Ad Hoc sobre Eletricidade, constituído em 2009. Os

grupos afirmaram-se, assim, como um espaço privilegiado e regular para a discussão

de ideias e a troca de informação entre especialistas, oficiais e empresários de ambas

as partes (Romanova, 2014, p. 48). Assim, até finais de 2011, a orgânica do Diálogo

compreendia os três grupos temáticos (e respetivos subgrupos), hierarquicamente

dependentes dos coordenadores e dos coordenadores delegados, que se encontravam

apoiados por um Secretariado conjunto da Comissão Europeia e do Ministério russo da

Energia (Figura 2).

Com esta restruturação, o Grupo Temático sobre Eficiência Energética foi

reforçado com a definição de novos objetivos: monitorizar o futuro plano de ação

conjunto para a eficiência energética, cooperar em diferentes níveis nas tecnologias de

eficiência energética e na redução da emissão de gases com efeito de estufa, facilitar o

investimento e promover uma ―compreensão aprofundada das abordagens e métodos

para o uso da eficiência energética, como meio para assegurar a segurança do

fornecimento energético numa base sustentável e de custo efetivo‖ (UE-Rússia, 2007b,

p. 1). Nesse ano, foram analisados os dados referentes à eficiência energética de ambas

12

A continuidade dos trabalhos foi assegurada pelo subgrupo sobre Projetos de Infraestruturas e

Comércio de Energia, enquadrado no Grupo Temático sobre Desenvolvimento dos Mercados de Energia,

que o substituiu em 2007.

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as partes e apresentadas duas iniciativas por representantes da UE e do Banco Europeu

para a Reconstrução e o Desenvolvimento, respetivamente: a Plataforma para a

Cooperação Internacional sobre a Eficiência Energética e a Iniciativa para a Energia

Sustentável na Rússia13 (UE-Rússia, 2007a, p. 6).

Figura 2 – Organograma da estrutura organizacional do Diálogo Energético entre 2007 e finais de 2011.

Composição dos grupos temáticos em finais de 2007. Fonte: Camacho (2016).

Em 2008, o grupo elaborou um relatório sobre os desenvolvimentos nesta

matéria pela Rússia e a UE, as atividades implementadas nos planos anteriores e as

atividades programadas para 2008-2009, cuja informação permitiu às partes uma

partilha enriquecedora de informação e experiências para a prossecução da Iniciativa

para a Eficiência Energética (UE-Rússia, 2008a, p. 6). O grupo reuniu-se novamente por

três vezes, até finais de 2009, para discutir o ―desenvolvimento de políticas, estratégias,

legislação e regulamentos sobre eficiência energética e energias renováveis‖ e os

13

A primeira foi estabelecida em 2009 no quadro do G8 (IPEEC, 2016), enquanto a segunda iniciativa

financiou 102 projetos no valor de 2,4 biliões de euros, por forma a permitir uma poupança energética de

9 Mtoe na Rússia (EBRD, 2013).

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 31

diferentes meios de cooperação internacional, assim como para analisar os projetos de

interesse comum concluídos e em estudo14 (UE-Rússia, 2009, p. 8; CE, 2010, p. 23).

Com o advento da crise económica e financeira de 2008, o grupo analisou as

suas consequências para o setor energético, destacando o ―decréscimo no consumo

energético na Rússia e na UE‖, a diminuição dos preços do gás e a flutuação dos

volumes de exportação (UE-Rússia, 2010a, p. 6). O seu trabalho estendeu-se,

igualmente, no apoio ao desenvolvimento de diretrizes para a cooperação bilateral

nesta matéria, através do ―estabelecimento e melhoria de um sistema de monitorização

de gestão e eficiência energética na Rússia‖, do ―desenvolvimento de ferramentas de

apoio financeiro e não-financeiro‖ e da ―certificação e padronização da eficiência

energética‖ entre as partes (CE, 2011, p. 24). Ainda nesse ano, o grupo preparou a sua

contribuição para a Parceria para a Modernização15 e o 10.º aniversário do Diálogo

Energético, com propostas de cooperação relacionadas com a eficiência energética e as

energias renováveis (CE, 2011, p. 24).

O Grupo Temático sobre Desenvolvimento dos Mercados de Energia pretendeu

―promover a confiança e a transparência‖ através da troca de informações, ―promover

uma maior segurança e previsibilidade dos mercados energéticos‖, ―avaliar as possíveis

barreiras ao comércio de energia‖ e ―avaliar os possíveis obstáculos ao investimento na

energia‖ e ―ao desenvolvimento de mercados de energia eficientes‖ (UE-Rússia, 2007c,

p. 2). Na sua primeira reunião, em setembro de 2007, foram discutidos os regulamentos

existentes no mercado, o comércio de produtos nucleares, o investimento e as novas

alterações na legislação implementadas por ambas as partes, destacando-se a iniciativa

europeia na criação de um mercado interno de gás e de eletricidade. Do mesmo modo,

a Rússia informou a UE quanto às suas iniciativas legislativas sobre a energia (UE-

Rússia, 2007a, pp. 3-4).

14

Nesse sentido, o grupo realizou dois seminários em Moscovo, em outubro e dezembro de 2008, sobre a

certificação das energias renováveis e a partilha de boas práticas por empresas do setor (UE-Rússia, 2009,

p. 9). 15

A Parceria para a Modernização foi lançada na 25.ª cimeira em Rostov-on-Don, na Rússia, que decorreu

entre 31 de maio e 1 de junho de 2010. A nova Parceria procurou impulsionar o crescimento e a

competitividade na UE e na Rússia, continuando o trabalho desenvolvido pelos Espaços Comuns, e servir

de plataforma para as negociações do novo acordo bilateral para substituir o Acordo de Parceria e

Cooperação, assinado em 1994. Porém, a Parceria falhou em concretizar o seu objetivo principal.

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A estrutura organizacional do Diálogo Energético UE-Rússia: uma arquitetura eficaz?

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 32

Estas questões continuaram a pautar as reuniões seguintes, priorizando-se a

troca de informação sobre as novas iniciativas legislativas e o seu impacto nos

mercados internos das partes, considerando ―o tratamento dado aos investidores

estrangeiros‖ e a possibilidade de convergir as normas regulatórias para impulsionar a

competitividade (UE-Rússia, 2008a, p. 5). Em 2009, essas tarefas foram estendidas para

a obtenção de ―informação sobre o desenvolvimento de mercados energéticos

regionais na Europa‖, a análise das ―perspetivas para a criação de um mercado único de

eletricidade na UE e na Comunidade dos Estados Independentes‖ e das consequências

da ―crise financeira no desenvolvimento dos mercados de energia‖ (UE-Rússia, 2009,

pp. 7-8).

O Subgrupo sobre Investimento foi criado em maio de 2008, almejando a troca

de informações sobre as tecnologias disponíveis e a identificação de oportunidades de

investimento para melhorar a eficiência energética (UE-Rússia, 2008a, pp. 4-6). Em

2009, o subgrupo definiu as principais linhas orientadoras do seu trabalho (CE, 2010, p.

23), discutindo o investimento à luz dos desenvolvimentos no setor energético, como o

Terceiro Pacote de Energia da UE16 e as leis russas sobre os subsolos e os setores

estratégicos (UE-Rússia, 2010b, p. 3), bem como elaborar recomendações para o

encontro do 10.º aniversário do Diálogo (CE, 2011, p. 24) e o Roteiro para a

Cooperação Energética até 2050 (UE-Rússia, 2011b, p. 4).

O Subgrupo sobre Projetos de Infraestruturas e Comércio de Recursos

Energéticos procurou discutir ―propostas para atualizar a lista conjunta de projetos

prioritários de infraestruturas de interesse comum e tomar em consideração a

necessidade de atualizar as infraestruturas existentes‖ (UE-Rússia, 2008a, p. 5). O grupo

reuniu-se pela primeira vez em 2010, onde foram debatidos e discutidos o estado dos

oleodutos e gasodutos (atuais e planeados), os vários programas e estratégias ligados

à energia17 e as iniciativas legislativas da UE, como o regulamento sobre a segurança

no aprovisionamento do gás (UE-Rússia, 2010a, p. 10; CE, 2010, p. 23). No tocante ao

16

O Terceiro Pacote de Energia consiste num pacote legislativo da União Europeia para tornar o seu

mercado interno de energia mais eficaz, por forma a criar um mercado único do gás e da eletricidade.

Entrou em vigor em 2009. 17

Como o Programa Energético Europeu para o Relançamento, as redes transeuropeias de energia e as

Redes Europeias de Operadores de Redes de Transportes para a eletricidade e gás.

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 33

comércio de recursos energéticos, o subgrupo seguiu as indicações oferecidas pelo

relatório do anterior Grupo Temático sobre Comércio, ressalvando que a otimização

das facilidades ao serviço da exportação, as operações swap e a diminuição de

restrições quantitativas incrementariam as trocas comerciais e permitiriam o

desenvolvimento das negociações sobre a relação entre fornecedores e consumidores

(UE-Rússia, 2010a, p. 8; CE, 2011, p. 24; CE, 2012, p. 21).

O Grupo Ad Hoc sobre Eletricidade teve como propósito ―elaborar

recomendações e propostas sobre os mecanismos de coordenação para as

organizações de infraestruturas no setor elétrico da UE e da Rússia‖ (UE-Rússia, 2010b,

p. 3). A sua primeira reunião decorreu a 20 de outubro de 2010 com o propósito de

discutir o estado atual e o futuro dos mercados elétricos e a operação conjunta das

partes nos sistemas energéticos (UE-Rússia, 2010b, p. 3).

O Grupo Temático sobre Estratégias, Provisões e Cenários enquadrou todos os

assuntos relacionados com as previsões e os cenários energéticos, as prioridades

estratégicas e as oportunidades da relação energética entre a UE e a Rússia (UE-Rússia,

2007d, p. 3). O seu trabalho incidiu em duas vertentes. A primeira prendeu-se com a

partilha ―de visões e a preparação de propostas para o desenvolvimento de estratégias,

previsões e cenários da energia,‖ garantindo, assim, ―um nível de coerência‖ no seu

desenvolvimento, que contribuísse para o bom funcionamento do setor. A segunda

consistiu em prestar ―assistência na promoção da troca de informação e monitorização

do sistema para assegurar a melhoria na transparência e confiança mútua nas questões

relacionadas com a energia,‖ que permitissem uma ―identificação atempada‖ e uma

―análise conjunta dos potenciais problemas‖ e das ―questões críticas atuais da procura

e do aprovisionamento de energia‖18 (UE-Rússia, 2008a, p. 2).

O grupo reuniu-se pela primeira vez em setembro de 2007, onde a Rússia

apresentou os dados mais recentes sobre a energia e a sua intenção de elaborar uma

nova estratégia energética até 2030, que prevê um aumento das exportações de

petróleo e gás natural para a UE, enquanto esta, por seu turno, apresentou o seu mais

recente plano de ação para a política energética, o Plano de Ação sobre Segurança

18

Para tal, o grupo foi auxiliado pela disponibilização de dados dos serviços de estatísticas da Rússia e da

UE, da Agência Internacional de Energia e de empresas do setor (UE-Rússia, 2008a, p. 3).

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Energética e Solidariedade, que ressalvava a importância da segurança no

aprovisionamento energético (UE-Rússia, 2007a, pp. 2-3). Em 2008, o grupo discutiu os

cenários e previsões para o setor energético, tendo contribuído para a discussão uma

linha-base para os cenários e a apresentação de dois cenários inovadores (perante a

subida dos preços dos hidrocarbonetos e a descida da taxa de crescimento do PIB),

desenvolvidos pela parte russa. As partes consideraram, também, a harmonização das

suas estratégias energéticas, definindo como assuntos de interesse comum as

condições atuais de produção e consumo, as opções disponíveis para o

desenvolvimento do setor, o mercado de gás, a segurança no fornecimento de gás

russo à Europa e as perspetivas no fornecimento de petróleo russo, atendendo às

tendências mundiais (UE-Rússia, 2008b).

Em 2010, o grupo reuniu-se para discutir a nova estratégia energética russa

para 2030, as previsões da Comissão Europeia e outras entidades para a energia até

2030, o impacto da crise económica e financeira e a cooperação com o Grupo Temático

sobre a Eficiência Energética (CE, 2010, p. 23). Como resultado deste último ponto, as

partes acordaram que seria necessário aprofundar a discussão em torno do aumento

da eficiência energética até 2050, o impacto das medidas tomadas nesse sentido e o

tratamento de dados (UE-Rússia, 2010c, pp. 1-2). No ano seguinte, o grupo organizou

três reuniões para a troca de dados sobre as estratégias energéticas da Rússia e da UE

para os anos seguintes (UE-Rússia, 2011b, p. 4) e a preparação de um relatório sobre o

novo Roteiro para a Cooperação Energética UE-Rússia até 2050 (CE, 2012, p. 21).

O Subgrupo sobre Questões Económicas da Energia foi criado em dezembro de

2008, no decurso da reunião do Diálogo Energético de outubro de 2007, com a

finalidade de esclarecer e analisar os seguintes tópicos: previsões de consumo

energético, prioridades das estratégias energéticas da UE e da Rússia, resultados e

oportunidades da cooperação energética, e a troca de informações e de sistemas de

monitorização (UE-Rússia, 2007a, p. 3). O trabalho a desenvolver visava analisar a

procura de petróleo e gás natural pela UE e a capacidade da Rússia em satisfazê-la até

2030, bem como as necessidades de investimento (UE-Rússia, 2008a, p. 3). O subgrupo

reuniu-se pela primeira vez a 17 de fevereiro de 2009, onde foi acordada a realização

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 35

de estudos comparativos sobre o impacto da crise financeira (CE, 2009, p. 20). A UE

―facultou à parte russa e a especialistas independentes informação detalhada sobre

métodos, instrumentos e um modelo de estudo do desenvolvimento da indústria

energética,‖ tendo sido, igualmente, consideradas as atividades de várias entidades

(Agência Internacional de Energia, Eurogas e Universidade de Grenoble) e a informação

fornecida pela Universidade de Atenas quanto a modelos de estudos energéticos

(PRIMES, PROMETHEUS e GEM-E3).

Posteriormente, foi apresentado o esboço da Estratégia para a Energia da Rússia

até 2030, que suscitou várias dúvidas aos presentes quanto às diretrizes dos cenários,

aos seus objetivos e prioridades e às linhas orientadoras da estratégia sobre a indústria

elétrica (UE-Rússia, 2009, pp. 5-6). Em 2010, os trabalhos prosseguiram com ―a análise

de informação substancial relacionada com cenários, previsões e modelos‖ sobre a

situação energética. Esse trabalho, detalhado em três relatórios, auxiliou o grupo

temático na sua avaliação sobre as políticas e estratégias energéticas da UE e da Rússia

(UE-Rússia, 2010c, p. 2).

6. TERCEIRA REESTRUTURAÇÃO (2011-2014)

Em 2010, foi anunciada a terceira restruturação, em virtude da interrupção ao

fornecimento de gás à Ucrânia no início do ano anterior. A restruturação introduziu três

mudanças no mapa institucional do Diálogo. A primeira afetou a distribuição dos

grupos temáticos, que passaram de três para quatro: a) Eletricidade e b) Energia

Nuclear, que substituíram o grupo sobre o Desenvolvimento dos Mercados de Energia;

c) Mercados de Energia e Estratégias, e respetivos subgrupos sobre Cenários e

Previsões e as Relações UE-Rússia até 2050, que substituíram o grupo sobre Estratégias,

Previsões e Cenários e o seu subgrupo; e d) Eficiência Energética e Inovação, que

resulta de um reforço do anterior grupo sobre a Eficiência Energética. A segunda

introduziu a Parceria para a Modernização no quadro do Diálogo, pela sua pretensão

em transformar a Rússia numa economia de inovação, para a qual contribuiria, de

sobremaneira, o desenvolvimento dos mercados de energia elétrica e nuclear. A

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terceira instituiu o Conselho Consultivo do Gás, como grupo de apoio aos

coordenadores do Diálogo (Romanova, 2014, p. 49). As alterações foram estabelecidas

em 2011 e entraram em vigor no final desde ano (Figura 3).

Figura 3 – Organograma da estrutura organizacional do Diálogo Energético entre finais de 2011 e 2014.

Fonte: Camacho (2016).

O Grupo Temático sobre Eficiência Energética e Inovação prosseguiu a troca de

informações sobre quadros legislativos e regulamentares, ―compartilhando a

experiência, o conhecimento e a cooperação em projetos de eficiência energética,

poupança de energia, fontes de energia renovável [e] queima de gás.‖ (CE, 2013, p. 22).

Reuniu-se pela primeira vez em abril de 2012 para discutir a implementação do plano

de trabalho e reforçar a cooperação bilateral sobre a eficiência energética e energias

renováveis, discussão que prosseguiu na segunda reunião em outubro desse ano (CE,

2013, p. 22). Em 2014, o grupo discutiu a legislação da UE para ―a rotulagem

energética, a eficiência energética dos edifícios, os requisitos de conceção ecológica e a

promoção das energias renováveis‖ (UE-Rússia, 2014, p. 6).

O Grupo Temático sobre Mercados de Energia e Estratégias reuniu-se pela

primeira vez em março de 2012 para discutir o fornecimento de gás durante a onda de

frio no início do ano, a redução nos volumes transportados pelo Druzhba, as reformas

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 37

russas no setor e a coordenação do trabalho sobre o Roteiro para a Cooperação

Energética UE-Rússia até 2050, cujos trabalhos prosseguiram na reunião seguinte, em

julho (CE, 2013, p. 21). Em novembro, preparou a organização do sétimo Conselho

Permanente de Parceria Energética19 (CE, 2013, p. 21). Em 2013, o grupo discutiu os

desenvolvimentos nos setores energéticos da UE e da Rússia, assim como o programa

nacional russo para a eficiência energética e o desenvolvimento energético até 2020

(UE-Rússia, 2014, p. 5).

Aquando da sua criação, foram constituídos dois subgrupos: a) Subgrupo sobre

Cenários e Previsões e b) Subgrupo sobre as Relações UE-Rússia até 2050. O primeiro

reuniu-se pela primeira vez em junho de 2012, e apoiou os trabalhos do Conselho

Consultivo do Gás para discutir o consumo do gás na UE, em outubro do mesmo ano

(CE, 2013, p. 22). O segundo foi criado após a reforma estrutural de 2011, embora não

haja qualquer registo da sua atividade nos relatórios do Diálogo Energético. Em 2014,

este subgrupo foi extinto e substituído pelo Grupo de Monitorização para o Roteiro até

2050.

O Grupo Temático sobre Eletricidade foi criado em 2011, não tendo reunido em

2012. Nos relatórios seguintes, não existe qualquer informação acerca das atividades

deste grupo. O Grupo Temático sobre Energia Nuclear reuniu-se pela primeira vez em

outubro de 2012 para discutir e estabelecer os seus objetivos e o seu plano de trabalho

(CE, 2013, p. 22). Em 2013, o grupo discutiu a ―segurança das instalações nucleares

europeias e russas existentes e previstas com base nos resultados dos testes de stress‖,

a proposta de alteração da diretiva europeia relativa à segurança e ―as possibilidades

de partilhar mais informações sobre testes de stress e ações de acompanhamento‖ (UE-

Rússia, 2014, pp. 6-7).

A maior inovação na estrutura organizacional foi a criação do Conselho

Consultivo do Gás, que se diferenciava por ser um mecanismo de apoio ao trabalho

desenvolvido pelos coordenadores e os grupos temáticos, segundo uma filosofia de

19

O Conselho Permanente de Parceria não integrava a estrutura do Diálogo, mas podia estabelecer linhas

orientadoras para o mesmo. De caráter flexível, o Conselho reunia o Alto Representante, os Comissários ou

os ministros da presidência rotativa do Conselho (pela UE) e os ministros russos. As suas reuniões ocorriam

várias vezes por ano, consoante as temáticas abordadas: negócios estrangeiros, ambiente, investigação,

energia e liberdade, segurança e justiça (ESPO, 2013).

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A estrutura organizacional do Diálogo Energético UE-Rússia: uma arquitetura eficaz?

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 38

trabalho que promovia a discussão transparente e independente. Foi constituído em 24

de fevereiro de 2011, por sugestão do Ministério russo da Energia, após a reunião dos

coordenadores do Diálogo, ―para avaliar as tendências futuras no setor do gás, a fim de

reduzir os riscos e aproveitar as oportunidades em matéria de cooperação‖ (UE-Rússia,

2011a, p. 1). Os seus objetivos consistiam em ―avaliar os desenvolvimentos dos

mercados do gás‖, ―avaliar o desenvolvimento da produção, procura e transporte de

gás‖, ―avaliar o desenvolvimento de perspetivas de fornecimento e de consumo‖ e

―discutir aspetos relacionados com estruturas de mercado e infraestruturas‖ (UE-Rússia,

2011a, p. 1). A sua existência foi tida como crucial para ―evitar conflitos e mal-

entendidos sobre o gás nas relações entre a Rússia e a UE‖ (UE-Rússia, 2012a, p. 4).

O Conselho era composto por um total de 34 membros, distribuídos de forma

igual por ambas as partes, dentre oficiais governamentais e de organizações

internacionais, especialistas, empresários e académicos (UE-Rússia, 2012e). Cada parte

nomeava um orador que copreside o Conselho, que coordenavam as suas atividades e

eram apoiados por um representante do Ministério russo da Energia e da Direção-Geral

da Energia da Comissão Europeia, que copresidiam cada encontro do Conselho. Os

assuntos a serem tratados correspondiam aos definidos no plano anual de trabalhos

(UE-Rússia, 2011a, p. 2).

As suas reuniões ocorriam a cada trimestre para discutir e avaliar as relações

UE-Rússia referentes ao gás, em três vertentes distintas: ―questões correntes‖, como o

funcionamento dos mercados do gás; ―implicações a curto e longo prazo‖ para as

infraestruturas da rede; e ―possíveis tendências a longo prazo‖ na produção e

fornecimento de gás (UE-Rússia, 2011b, p. 2; UE-Rússia, 2011c, p. 1). Os resultados de

cada encontro materializavam-se em conclusões ou recomendações sobre as

perspetivas futuras do Diálogo e o trabalho a ser desenvolvido pelos grupos temáticos

(UE-Rússia, 2011a, p. 1). O Conselho reuniu-se pela primeira vez a 17 de outubro de

2011, em Viena, para definir a sua orgânica e o seu plano de trabalho (UE-Rússia,

2011c, p. 1). Na segunda reunião, a 24 de janeiro de 2012, foram realizadas

apresentações sobre os setores energéticos russo e europeu e apresentada a primeira

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Pedro Camacho

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 39

agenda a longo prazo para as relações UE-Rússia em relação ao gás (UE-Rússia, 2012c,

p. 1).

Os seus trabalhos foram subdivididos em três grupos de trabalho: 1 - Cenários

Energéticos e o Roteiro para a Energia 2050, 2 - Mercados de Gás e 3 - Infraestruturas.

O Grupo de Trabalho 1 surgiu das reservas quanto aos cenários do Roteiro, após terem

sido notadas diferenças entre os vários cenários e previsões sobre o gás, que, embora

não fossem determinantes, poderiam gerar desconfiança e incerteza entre os

investidores (UE-Rússia, 2012c, p. 1). O seu principal objetivo consistiu em elaborar uma

proposta para o capítulo sobre o gás do Roteiro UE-Rússia até 2050, que se encontrava

em discussão ao mais alto nível, com o apoio do Grupo Temático sobre Mercados de

Energia e Estratégias (UE-Rússia, 2012b, p. 2). O grupo orientou a sua discussão em

torno dos três principais riscos para as relações bilaterais sobre o gás: procura e

aprovisionamento, onde foram considerados dois cenários de declínio e de aumento na

procura de gás russo pela UE; infraestruturas e regulação, em que foi debatido o

interesse da Gazprom na mudança dos pontos de entrega; e políticos, sobre a possível

discriminação da UE em relação ao gás russo e a motivação política de ambas as partes

nos termos comerciais das suas políticas energéticas (UE-Rússia, 2013, pp. 1-2).

O Grupo de Trabalho 2 surgiu da necessidade de prosseguir com as consultas a

especialistas sobre a implementação do Terceiro Pacote de Energia da UE. Os objetivos

desta linha de trabalho compreendem a continuação dessas consultas e a análise das

principais questões do mercado russo de gás (UE-Rússia, 2012c, p. 2). As principais

linhas de discussão relacionaram-se com a segurança no fornecimento e na procura, os

preços, a capacidade de transporte e as possíveis consequências do Terceiro Pacote de

Energia para o mercado russo (UE-Rússia, 2012b, pp. 3-4).

Finalmente, o Grupo de Trabalho 3 focou-se na ―promoção de novos projetos

de infraestruturas de gás‖, na ―elaboração de critérios para definir os projetos de

interesse comum entre a Rússia e a UE‖, na elaboração de ―recomendações sobre o

conteúdo das provisões quanto à infraestrutura eficiente e mutuamente aceitável do

novo acordo internacional UE-Rússia‖, na garantia ―da segurança e confiabilidade da

infraestrutura de gás existente‖ e na ―discussão de custos, benefícios e viabilidade geral

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A estrutura organizacional do Diálogo Energético UE-Rússia: uma arquitetura eficaz?

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 40

(incluindo tarefas associadas) de um potencial de serviço europeu de distribuição de

gás‖ (UE-Rússia, 2012d, p. 3). Apesar do sucesso das discussões levadas a cabo pelos

grupos de trabalho, as atividades programadas para 2014 foram suspensas.

7. QUARTA REESTRUTURAÇÃO (2014)

A última alteração à orgânica do Diálogo ocorreu em 2014, resultante da

remoção da Parceria para a Modernização da estrutura, devido à perda da sua

importância no quadro das relações bilaterais entre a UE e a Rússia, e a conversão do

subgrupo sobre as Relações UE-Rússia até 2050 no Grupo de Monitorização para o

Roteiro até 2050, uma vez que a função do subgrupo de preparar o documento findou

com a sua aprovação em março de 2013. Assim, em 2014, o Diálogo Energético

encontrava-se alicerçado em (Figura 4):

a) Dois coordenadores, representando cada uma das partes – o Comissário

Europeu para a Energia e o Ministro russo da Energia. Reuniam-se regularmente e

tinham como função coordenar e definir as linhas de orientação do trabalho

desenvolvido pelo Diálogo. As suas atividades, que se resumiam a meros encontros

bilaterais até dezembro de 2008, incluíam a definição da agenda e recomendações aos

grupos temáticos e a discussão de assuntos transversais (CE, 2009, p. 21). Os

coordenadores eram apoiados por dois coordenadores delegados, cada um

representando a UE e a Rússia.

b) Os quatro grupos temáticos resultantes da anterior reestruturação,

copresididos por um elemento representante de cada uma das partes. O seu objetivo

era apoiar e aprofundar a parceria energética, contribuindo para a sua estabilidade e

durabilidade, através de um trabalho orientado por programas de médio a longo prazo

e submetidos à aprovação dos coordenadores do Diálogo (UE-Rússia, 2007a, p. 3). Para

o cumprimento dos seus objetivos, reuniam-se regularmente e podiam ser apoiados

por subgrupos especializados, sendo diferenciados os seus propósitos e atividades.

c) Um grupo de monitorização para o Roteiro UE-Rússia até 2050.

d) O Conselho Consultivo do Gás e os seus grupos de trabalho.

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 41

Figura 4 – Organograma da estrutura organizacional do Diálogo Energético desde 2014. Composição dos

grupos temáticos em 2014. Fonte: Camacho (2016).

Apesar destas alterações terem entrado em vigor em 2014, o Diálogo

Energético nunca funcionou segundo estes moldes, em consequência da suspensão

das relações diplomáticas entre a UE e a Rússia. Esta suspensão deve-se à anexação da

Crimeia pela Rússia a 18 de março desse ano, pela celebração de um tratado que

oficializou a anexação da península ucraniana pela Rússia, após um referendo no

território dois dias antes, em que 96,7% votaram pela integração da Crimeia na

Federação Russa (Somin, 2014; BBC, 2014). Estes acontecimentos intensificaram

protestos pró-russos na zona leste da Ucrânia desde então, especialmente nas regiões

de Luhansk e Donetsk (OSCE, 2017). A maioria da comunidade internacional condenou

expressamente a Rússia pelo seu papel no desenrolar da situação e pela anexação da

Crimeia, não reconhecendo a legitimidade dos atos e defendendo a integridade do

território ucraniano (ONU, 2014), uma vez que o referendo e a posterior anexação do

território ucraniano violam o direito internacional e a Constituição da Ucrânia (Marxsen,

2014, pp. 380-389).

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A estrutura organizacional do Diálogo Energético UE-Rússia: uma arquitetura eficaz?

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 42

8. CONCLUSÕES

Ao longo deste artigo, procurámos detalhar o percurso prosseguido pelo

Diálogo Energético UE-Rússia, durante os seus 14 anos de atividade. O Diálogo,

instituído em 2000 para aprofundar a cooperação energética entre as partes, sofreu

sucessivas reformas à sua estrutura organizacional, principalmente devido às

interrupções no fornecimento de gás à Ucrânia em 2006 e 2009. Contudo, as relações

bilaterais foram interrompidas em 2014, no decurso da situação crítica na Ucrânia, pelo

que nos cumpre analisar se a sua estrutura organizacional foi eficaz no

desenvolvimento da cooperação energética entre a UE e a Rússia.

Ao analisarmos o Diálogo Energético quanto à sua estrutura, verificamos que

este encontrou-se limitado na sua atividade. A praticabilidade e a dinâmica do Diálogo

estiveram restringidas durante os primeiros quatro anos da sua existência. As suas

atividades consistiram em duas reuniões anuais dos dois coordenadores, que

discutiram alguns assuntos importantes sem qualquer resultado prático. A estrutura

resumia-se, ela própria, aos coordenadores, apoiados por administrativos, sem

qualquer pessoal especializado que materializasse as metas do Diálogo, através da

elaboração, execução e avaliação de estratégias, projetos e políticas energéticas. A

satisfação dessa necessidade viria a ocorrer somente em 2005, com a constituição de

grupos temáticos para discutirem e analisarem assuntos específicos, reunindo técnicos

especializados sob um plano de trabalho pré-definido. Consideramos, assim, que os

primeiros quatro anos revelaram dificuldades para o estabelecimento de um diálogo

mais abrangente e representaram um sério obstáculo ao desenvolvimento de uma

agenda objetiva, com capacidade para responder a desafios e necessidades das partes.

As sucessivas reorganizações institucionais a partir de 2005 assinalaram a falta

de solidez das bases do Diálogo Energético, prejudicando o cumprimento da sua

agenda. Sem perder a matriz intergovernamental, o Diálogo sofreu quatro alterações

na sua orgânica em apenas nove anos. Duas dessas alterações surgiram na sequência

das interrupções ao fornecimento de gás russo à Ucrânia em 2006 e 2009. Este facto

assinala a insuficiência das alterações de 2005 e de 2007 em conseguirem arquitetar, no

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 43

seu quadro institucional, uma estratégia de prevenção ou de contenção das

consequências de uma futura interrupção ao fornecimento de gás, que viria a ser

colmatada com a instituição do Mecanismo de Alerta Rápido.

À parte destas considerações, as alterações podem oferecer uma leitura positiva

sobre a dinâmica do Diálogo, denunciando a maleabilidade da estrutura organizacional

para se adaptar às circunstâncias e às necessidades do presente. Nós consideramos

que, apesar das duas primeiras reorganizações não terem impedido os cortes no

fornecimento de gás, simbolizaram a especialização dos trabalhos do Diálogo e

estabeleceram as bases para a estrutura organizacional atual.

As discussões decorridas no Diálogo Energético não tiveram transposição ou

influência direta no processo de tomada de decisão da UE ou da Rússia, embora

tenham produzido alguns efeitos na aplicação de diretrizes legislativas pelo governo

russo para melhorar a política fiscal e o acesso ao investimento. Foram várias as

temáticas abordadas no quadro deste diálogo, destacando-se o investimento e o papel

dos contratos a longo prazo na garantia do mesmo, os projetos estratégicos de

interesse comum, a eficiência e a eficácia energética, o desenvolvimento dos mercados

energéticos, a definição de estratégias a longo prazo, a análise de cenários e previsões

sobre padrões de produção e de consumo, e a segurança energética. Estas discussões

confirmaram o papel determinante do Diálogo na promoção da comunicação entre as

duas partes sobre a energia, contrapondo com a opacidade da década de 1990, e

beneficiaram do trabalho desenvolvido pelos grupos temáticos, pelo Centro

Tecnológico e pelo Conselho Consultivo do Gás, cujo leque de atividades estimulou a

pluralidade de opiniões e argumentos, tais como reuniões, conferências e workshops.

A descontinuidade do Conselho Consultivo do Gás significou um retrocesso na

dinâmica do Diálogo Energético e hipotecou parte do trabalho já desenvolvido. O

estabelecimento deste mecanismo foi um sucesso para o desenvolvimento das relações

entre as partes, afirmando-se como um espaço privilegiado para a discussão sobre o

gás nas suas mais variadas vertentes, reunindo regularmente os mais diversos

especialistas, num ambiente quase académico. Essa caraterística permitiu o

desenvolvimento das suas atividades de forma transparente e independente,

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A estrutura organizacional do Diálogo Energético UE-Rússia: uma arquitetura eficaz?

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 44

fornecendo análises importantes para a concretização das ações desenvolvidas pelo

Diálogo. Apesar da sua curta existência de dois anos, o Conselho foi uma das iniciativas

mais bem-sucedidas deste diálogo, pelas suas realizações e pelo ambiente de trabalho

gerador de cooperação. Embora a sua extinção não seja clara, nós consideramos que

espelha a deterioração das relações bilaterais no quadro do Diálogo Energético. A sua

extinção prejudicou o impacto positivo que o trabalho desenvolvido no

aprofundamento das relações bilaterais sobre o gás, essencial para a beneficiação e

atualização das infraestruturas na Rússia.

O reduzido nível de transparência e de consistência no acesso à informação

acerca das atividades desenvolvidas pelo Diálogo Energético tiveram um impacto

negativo. O Diálogo foi uma excelente oportunidade para a UE desmitificar receios e

perceções sobre a Rússia, principalmente como fornecedor fiável de energia para a

Europa. Embora as atividades promovidas por este diálogo tenham-se intensificado

após a segunda reestruturação, a qualidade da informação disponível e a sua

divulgação junto dos cidadãos europeus foram muito modestas e quase impercetíveis.

Exemplo disso é a página ―oficial‖ do Diálogo, enquadrada na página institucional da

Comissão Europeia, cujos conteúdos são reduzidos e não se encontram completos,

detetando-se vários documentos em falta, incluindo os relatórios anuais que

sumarizam as atividades desenvolvidas. Não se compreende como a UE não consegue

facilitar e promover o livre acesso a essa documentação a todos os cidadãos, quando

esse é um dos principais traços distintivos da UE.

Assim, qualquer cidadão que deseje compreender a dinâmica e o trabalho

desenvolvido pelo Diálogo desde a sua implementação, enfrenta dificuldades no

acesso à informação, que se encontra dispersa por várias páginas institucionais ou

condicionada a um pedido formal aos serviços e organismos da UE. Para além disso, a

informação veiculada nesses documentos é parca e omissa em diversos aspetos,

relevando um certo secretismo sobre as discussões ocorridas. A exceção à regra foi o

Conselho Consultivo do Gás, cujas discussões são detalhadamente explicadas nos seus

relatórios, disponibilizados na íntegra com os termos de referência do Conselho e

outros documentos.

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 45

A exclusão dos países de trânsito da mesa das discussões não contribuiu para a

eficácia do Diálogo Energético. A participação dos países de trânsito, nomeadamente a

Bielorrússia e a Ucrânia, deveria ter sido equacionada aquando da criação do Diálogo,

por serem peças fundamentais nos fluxos energéticos entre o fornecedor e os

consumidores, neste caso a Rússia e os Estados-membros da UE. O transporte de gás

natural e petróleo russos para a Europa depende, em larga medida, da passagem pela

Bielorrússia e a Ucrânia e das suas infraestruturas. Embora as partes tivessem

consciência deste facto e de que a manutenção e a atualização da rede de

infraestruturas nos países de trânsito fossem fulcrais para a segurança energética, estes

não tiveram nenhuma oportunidade de se expressarem em sede do Diálogo. Fora

deste, as iniciativas europeias em facultar um enquadramento legal único para as suas

relações energéticas com a Rússia e os países de trânsito falharam, devido à Rússia ter

recusado as disposições da Carta Europeia de Energia e do Tratado da Carta da Energia

e a sua integração na Política Europeia de Vizinhança e na Comunidade de Energia.

Consideramos que o Diálogo deveria ter encetado reuniões multilaterais com os

países de trânsito ou mesmo integrá-los, embora esta última opção seja pouco

plausível, permitindo que tivessem uma voz mais ativa sobre os investimentos e

projetos de interesse comum e garantindo um possível enquadramento para a

resolução de disputas sobre o fornecimento de gás. Este poderia ter evitado as

interrupções na Ucrânia ou, em última instância, contribuído para uma suavização mais

célere das suas consequências. Neste aspeto, consideramos que o Diálogo foi incapaz

de prever, conter ou solucionar essas falhas, revelando as fraquezas da sua

organização, que, inclusivamente, impeliram para algumas das reformas estruturais,

como referimos, e a criação do Mecanismo de Alerta Rápido. Além disso, consideramos

que os países de trânsito foram, deliberadamente, excluídos de qualquer diálogo ou

enquadramento comum para a energia, por forma a manter um espaço de influência

comum, resultando numa contínua disputa entre a UE e a Rússia sobre essa mesma

influência (como o caso da Ucrânia), ou garantir a influência pós-soviética da Rússia

sobre algumas ex-repúblicas socialistas soviéticas (como o caso da Bielorrússia).

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A estrutura organizacional do Diálogo Energético UE-Rússia: uma arquitetura eficaz?

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 46

Estas condicionantes internas tiveram um impacto negativo na concretização e

alguns dos objetivos estabelecidos pelo Diálogo. Poucas realizações advieram das

discussões sobre o investimento, apenas reconheceu-se os contratos take or pay como

o baluarte de qualquer investimento na rede, mantendo-se os seus principais trâmites

inalterados (como a cláusula de destino) e sem capacidade para responder aos desafios

eminentes da Rússia, devido à falta de capital necessário para incrementar a sua

capacidade de produção e de transporte. Este aumento é essencial para a Rússia dar

resposta às necessidades de um mercado energético crescente e exigente.

A garantia de segurança e a adequação técnica das infraestruturas revelou-se

insuficiente, apesar de ter sido previsto o financiamento necessário para a elaboração

de um projeto de modernização. No respeitante ao aumento na utilização de energias

renováveis e tecnologias amigas do ambiente na Rússia, a UE procurou que essa

participasse no combate global às alterações climáticas, uma das grandes bandeiras da

UE, mas também garantisse um maior volume de petróleo e gás natural para

exportação. Assim, uma maior proporção de energias limpas na produção energética

permitiria à Rússia ter uma maior quantidade de gás natural e petróleo para responder

à procura externa. Este objetivo contribuiria para a garantia da segurança energética da

UE, ainda que não tenha surtido o efeito desejado. Apesar de ter sido um tema

sobejamente debatido e da intenção em desenvolver projetos e planos para a sua

implementação, não foram concretizadas ações concretas que significassem uma maior

proporção das energias renováveis na Rússia.

Contudo, verificamos que o Diálogo Energético se tornou num fórum para as

várias discussões sobre a energia, através dos seus grupos temáticos e dos grupos de

trabalho do Conselho Consultivo do Gás, permitindo o intercâmbio de ideias sobre os

projetos legislativos. A UE e a Rússia utilizaram-no como plataforma para apresentarem

as suas mais recentes iniciativas sobre estratégias, políticas e legislação para a energia.

Contribuiu, com sucesso, na promoção da eficiência e da poupança energética pelo

estabelecimento de diretrizes, a elaboração de relatórios de monitorização energética e

a programação de várias ações que se concretizaram em projetos concretos e

exequíveis. Este sucesso prende-se com o baixo nível de politização e de compromisso,

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 47

pois as discussões em torno das estratégias e propostas legislativas não tinham caráter

vinculativo e os projetos de eficiência energética não contrariavam a política energética

da Rússia, ao beneficiar e garantir financiamento para as suas infraestruturas.

Em suma, e perante o exposto, consideramos que a arquitetura institucional do

Diálogo Energético revelou-se ineficaz para a concretização da sua missão. Ainda

assim, o Diálogo Energético foi o expoente máximo do aprofundamento das relações

energéticas, representando uma oportunidade para enquadrar a energia na relação

bilateral UE-Rússia, com particular enforque para o petróleo e o gás natural pela sua

importância para ambas as economias. Deste modo, o Diálogo simbolizou a vontade

da UE e da Rússia em convergirem os seus mercados energéticos, reunindo diversos

oficiais, técnicos, empresários e académicos ao mais alto nível, permitindo-lhes a

discussão de variadas matérias sobre a energia e a realização de atividades e projetos

que contribuíssem positivamente para os mercados energéticos da UE e da Rússia.

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A estrutura organizacional do Diálogo Energético UE-Rússia: uma arquitetura eficaz?

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 54

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Pedro Camacho

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 55

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Disponível nos arquivos da Direção-Geral da Energia – Comissão Europeia.

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União Europeia: Uma breve história do futuro para o governo dos bens comuns europeu

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 56

UNIÃO EUROPEIA: UMA BREVE HISTÓRIA DO FUTURO PARA

UM GOVERNO DOS BENS COMUNS EUROPEU

ANTÓNIO COVAS1

RESUMO

A integração europeia é um bom exemplo de aplicação de uma teoria dos comuns, embora esta perspetiva

não seja muito habitual. Estamos, porém, convencidos de que a via do federalismo cooperativo é uma

excelente aproximação a esta teoria dos bens comuns ou colaborativa, como agora se diz. 60 anos depois

do tratado de Roma e num ano, 2017, em que tudo pode acontecer, inclusive, uma “tragédia dos comuns”,

decidimos que há motivos suficientes para fazer uma breve viagem ao futuro do projeto europeu e

desenhar um decálogo dos “comuns europeus”, como guião para o próximo programa governativo da

União Europeia.

Palavras-chave: Integração europeia, Comuns europeus, Federalismo cooperativo.

ABSTRACT

European Union: A brief History of the Future for a government of European commons. It is not a very usual

outlook, but from the political point of view, the European integration is a good application of the

commons based theory. Besides, we are also convinced that the cooperative federalism method is an

excellent approach to this theory. In 2017, and 60 years after the Treaty of Rome, everything seems again

at stake, that is why we decided to make a small journey to the future of the European project and, for that

purpose, to redesign the European commons catalogue for the next European government.

Keywords: European integration, European commons, Cooperative federalism.

Histórico do artigo: recebido em 18-04-2017; aprovado em 26-04-2017; publicado em 05-05-2017.

Publicação a convite do Conselho Editorial. 1 Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade do Algarve e Membro do Centro de

Investigação sobre Espaço e Organizações. Faro, Portugal. E-mail: [email protected].

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António Covas

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 57

1. INTRODUÇÃO

Em 2017, comemoramos os 60 anos do tratado de Roma que criou a

Comunidade Económica Europeia (CEE). É uma data plena de simbolismo. Em primeiro

lugar, por assinalar um dos mais longos períodos de paz na Europa. Em segundo lugar,

por coincidir com a primeira saída de um Estado-membro da União Europeia e logo o

Reino Unido. Em terceiro lugar, por marcar, pela primeira vez, que as relações

transatlânticas já não são o que eram. Finalmente, porque 2017 é o ano de todas as

eleições europeias, algures entre o acaso e a necessidade, algures entre a vaga

populista europeia e a desafeição pelas instituições europeias.

Para o efeito, vamos realizar duas curtas viagens ao projeto europeu. A primeira,

ao passado recente para recordar o lado federal da construção europeia. A segunda,

para fazer uma brevíssima viagem ao futuro através de uma pequena incursão pelos

“comuns europeus”, que aqui expomos sob a forma de uma proposta de governo dos

bens comuns europeus (Covas, 2015; 2016).

2. UMA BREVE HISTÓRIA DO PASSADO RECENTE

A ideia de Federação de Estados-Nação não é nova (Delors referiu-a em 1994),

pois inscreve-se na grande tradição do projeto europeu, do método Monnet e da sua

política de pequenos passos. A ideia base tem sido, sucessivamente, denominada de

federal, comunitária ou unionista, mas, na sua origem, está sempre o mesmo princípio

nuclear, a saber, a precedência do duplo soberano nacional (os povos e os estados)

sobre as instituições europeias, seja qual for o nível de soberania partilhado já atingido.

Dentro deste princípio nuclear e em função das necessidades, das crises e das relações

de poder, a ideia de “mais ou menos federação” varia, historicamente, em redor das

atribuições e competências transferidas (princípio da subordinação material aos

tratados das competências de atribuição), dos processos de tomada de decisão

(formação da unanimidade e das diferentes maiorias) e dos mecanismos de

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União Europeia: Uma breve história do futuro para o governo dos bens comuns europeu

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 58

accountability e controlo de subsidiariedade no que respeita à implementação das

políticas europeias.

2.1. UMA FEDERAÇÃO DE ESTADOS-NAÇÃO NÃO É UM ESTADO FEDERAL

Tomo como acertadas as palavras do Ex-presidente da Comissão Europeia

durante o seu discurso sobre “o estado da União”, proferido no dia 12 de Setembro de

2012 no Parlamento Europeu. Na altura, o Presidente da Comissão Europeia fez um

apelo à criação de uma Federação de Estados-Nação. Eis alguns excertos do seu

discurso:

Não tenhamos medo das palavras, precisamos de avançar no sentido de uma

Federação de Estados-Nação, mas não de um super-Estado .

Na era da globalização, a agregação de soberanias significa mais poder, não

menos. Nestes tempos conturbados não devemos deixar a defesa da nação nas mãos dos

nacionalistas e dos populistas.

Uma união económica e monetária genuína e profunda pode ser iniciada ao

abrigo dos atuais tratados, mas só poderá ser concluída se forem introduzidas alterações

aos tratados. Comecemos, pois, agora, mas tenhamos presente nas nossas decisões de

hoje o horizonte necessário para o futuro.

E deverá ser lançado um amplo debate em toda a Europa. Um debate que deverá

realizar-se antes da convocação de uma convenção e de uma conferência

intergovernamental. Um debate que tenha verdadeira dimensão europeia.

Já não estamos no tempo em que a integração europeia era feita por

consentimento implícito dos cidadãos. A Europa não pode ser tecnocrática, burocrática,

nem mesmo diplomática. A Europa tem de ser cada vez mais democrática.

Não devemos permitir que os populistas e nacionalistas estabeleçam uma agenda

negativa. Espero que todos os que se consideram europeus estejam presentes neste

debate. Porque, ainda mais perigoso do que o ceticismo dos anti-europeus é a indiferença

ou o pessimismo dos pró-europeus.

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António Covas

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 59

Não temos que pedir desculpa pela nossa democracia, pela nossa economia social

de mercado, pelos nossos valores de coesão social, respeito pelos direitos humanos e

dignidade humana, igualdade entre homens e mulheres, respeito pelo nosso ambiente. As

sociedades europeias, com todos os seus problemas, contam-se entre as mais dignas da

história da humanidade e devemos ter orgulho disso.

Gerações anteriores à nossa ultrapassaram desafios ainda maiores. Cabe agora a

esta geração demonstrar que está à altura desta responsabilidade. Hoje, tal significa

tornar a União capaz de enfrentar os desafios da globalização.

O federalismo político estava na moda no princípio dos anos cinquenta do

século passado. Para vincar a diferença da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço

face à organização do Conselho da Europa, Jean Monnet afirmava: “Nada é possível

sem os homens, nada é duradouro sem as instituições, quem não trouxer o método

não faz avançar os problemas”. Tal como ainda hoje, o Reino Unido anunciava, na

altura, em comunicado de imprensa, a impossibilidade da sua participação em tal

organização supranacional.

Apesar do federalismo pragmático de Jean Monnet, a euforia federalista

acabaria por fazer fracassar duas outras tentativas, a Comunidade Europeia de Defesa e

a Comunidade Política Europeia. A causa próxima é a guerra da Coreia e a iminência de

uma terceira guerra mundial, razão pela qual os EUA levantaram a questão controversa

do rearmamento alemão. Depois deste duplo abandono, as consequências eram

previsíveis. Nenhum tipo de federalismo iria, doravante, ocupar a boca de cena. As

novas Comunidades Europeias de 1957 (Comunidade Económica Europeia e

Comunidade Europeia da Energia Atómica) deixaram cair o modelo da Alta Autoridade

com poderes supranacionais. Tinha acabado a primeira fase do processo de construção

europeia, a fase federalista. A economia passaria, doravante, a ocupar o palco principal

do processo de integração.

Daí para cá a história é conhecida. Uma pequena incursão histórica por seis

décadas de construção europeia permite-nos perceber nela três grandes períodos e

três filosofias de integração. O período que decorre entre o fim da Segunda Grande

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União Europeia: Uma breve história do futuro para o governo dos bens comuns europeu

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 60

Guerra (1945) e o fim da Guerra Fria (1989), marcado por uma filosofia de integração

funcionalista, jurídico-económica e tecnocrática, no quadro mais geral das relações

bipolares definidas pelas duas grandes superpotências. O período vertiginoso que

decorre entre a queda do muro de Berlim (1989) e o momento de ratificação do

tratado constitucional (2005), marcado por uma filosofia de integração mais

voluntarista, política e institucionalmente, seja na adoção de uma moeda única, na

definição de uma política externa e de segurança comum, na implementação de uma

cooperação policial e judicial em matéria penal ou, finalmente, no grande objetivo do

alargamento. Finalmente, o terceiro período, que se inicia com o veto de França e

Holanda (2005) ao tratado constitucional, com passagem pelo tratado de Lisboa, e, por

fim, a grande crise sistémica de 2008, marcado pelo regresso do

intergovernamentalismo, a multiplicação das cimeiras europeias e o espetáculo

político-mediático dos encontros informais do diretório franco-alemão.

Em todos estes “saltos” o contexto histórico é determinante. Foi quase sempre

assim nos últimos sessenta anos. Não são, geralmente, os tratados que determinam a

política europeia, são, antes, os acontecimentos que desencadeiam os rearranjos

político-institucionais.

Este percurso é, desde o princípio, marcado pela eterna oposição entre as duas

principais correntes ou filosofias de integração que, até hoje, acompanham o processo

de construção europeia. As correntes de inspiração federalista, com várias tonalidades,

partilham uma visão unitária e integracionista que pode conduzir ou não à criação de

um estado federal europeu ou de características marcadamente federais. As correntes

de inspiração intergovernamental, também com várias intensidades, partilham uma

visão mais aberta e cooperativa do processo de integração, assente em regras,

processos e procedimentos, mais do que em burocracia e legislação.

Salientámos, no início, que a Federação de Estados-Nação não é um Estado

Federal. Vale a pena, por isso, regressar, mais uma vez, aos inspirados princípios

federativos (Covas, 2002, p. 51) e marcar os traços distintivos do nosso entendimento

da ideia de federação:

a) Uma federação deve recusar a ideia de hegemonia;

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António Covas

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 61

b) Uma federação deve renunciar ao espírito de sistema;

c) Uma federação não conhece problemas de minorias,

d) Uma federação promove a diversidade;

e) Uma federação repousa sobre o princípio da complexidade;

f) Uma federação privilegia as pessoas e os grupos.

Para perguntar, afinal, quem tem medo destes princípios? Talvez todos aqueles

que ambicionam condicionar a entidade política democrática em que a União se

tornará progressivamente, em benefício dos cidadãos europeus e contra os grupos de

interesse que a procuram utilizar em nome do imperativo da racionalização dos

interesses antes operada pelos Estados nacionais. Para eles, é, também, um imperativo

agitar o espantalho do demónio federalista que identificam com uma nova servidão

burocrática de um Super-Estado, de acordo com uma malévola política constitucional

que seria promovida pelo unitarismo unionista de inspiração jacobina. Ficaria, assim,

criada a dogmática anti-federal, muito mais fácil de “vender” do que aqueles belos

princípios teóricos da retórica federal.

2.2. A QUADRATURA DO CÍRCULO EUROPEU

Dito isto, o que o apelo do Ex-Presidente Durão Barroso parece querer dizer é

que o empirismo e o incrementalismo europeus, sendo uma condição necessária, não é

uma condição suficiente para lidar com o processo de globalização e o “regime

globalitário”. O passo seguinte não significa, porém, dar “um golpe constitucional” no

projeto europeu e criar um Super-Estado Federal, burocrático e autocrático que seria,

tarde ou cedo, capturado pelos grupos de interesses europeus e multinacionais. O que

está em causa não é um Estado Federal criado por um Ato Constitucional e mudando a

ordem dos soberanos, mas, antes, o lançamento de algumas âncoras federais que

assegurem uma linha de rumo consistente, de médio e longo prazo, ao projeto

europeu, por exemplo, um BCE multi-objetivos, um orçamento com dimensão e

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União Europeia: Uma breve história do futuro para o governo dos bens comuns europeu

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 62

funções federais e um tesouro com funções de estabilização (obrigações de

estabilidade) e mutualização da dívida europeia (obrigações de crescimento).

O que temos hoje é um discurso dominante, de matriz neo-mercantilista e neo-

liberal onde tudo ou quase tudo é transacionável neste gigantesco sistema de vasos

comunicantes que é a economia-mundo. Nesta economia-mundo as dificuldades de

ajustamento seriam apenas transitórias. A liberdade de circulação de mercadorias,

serviços, pessoas e capitais encarregar-se-ia, por ajustamentos sucessivos, de promover

os equilíbrios necessários. Estaríamos, assim, face a movimentos sequenciais de

dilatação-contracção da economia-mundo, numa espécie de economia natural, que

nasce, cresce e morre.

Nesta economia-mundo e neste mundo plano (Friedman, 2008) o território foi

abolido e a turbulência doméstica é uma história menor. Cada país vive o seu ciclo de

vida, mais ou menos adaptado, a turbulência deve-se a erros de gestão e pilotagem

cometidos por governos e administrações incompetentes. A começar pelo Estado-

nacional, “o grande pecador”.

Na narrativa dominante, que tem sido também a narrativa europeia, o

“ajustamento português” é inevitável e necessário, devido à dívida acumulada. Ele

“obriga-nos” a desinvestir agora para formar poupança e voltar a investir mais à frente.

De algum modo, a empobrecer agora para voltar a crescer mais tarde, supostamente

em melhores condições e mais duradouramente. Em síntese, estamos a assistir a uma

verdadeira batalha económica entre fatores móveis e fatores imóveis, recaindo o

esforço de ajustamento, essencialmente, sobre os segundos. Nesta narrativa neo-

mercantilista e neo-liberal, a grande recessão de 2008-2009 avisa-nos de que a

globalização hegemónica continuará a fazer as suas vítimas, a empobrecer parcelas

crescentes dos territórios nacionais e a seduzir os mais incautos, desequilibrando

perigosamente a relação entre expetativas e recursos dos diversos grupos domésticos

em presença.

Se a equação globalização-federação é o maior de todos os desafios que

enfrenta a Federação de Estados-Nação, no atual contexto o maior perigo é a sua

contra-face, isto é, a equação protecionismo-nacionalismo. Uma verdadeira quadratura

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António Covas

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 63

do círculo num sistema político indeterminado onde o número de incógnitas é superior

ao número de equações.

Em 2017, vivemos novamente “uma tragédia dos comuns” que pode ser

expressa do seguinte modo: por um lado, sem inspiração federal não há ambição

suficiente para reformar duradouramente a União Europeia, por outro, sem a ambição

dos propósitos e dos objetivos não é realizável uma modernização das instituições que

seja verdadeiramente reformista e mobilizadora.

Para cumprir este programa de longo alcance, a Federação Europeia de

Estados-Nação deve cumprir dois princípios essenciais de reciprocidade: o crescimento

económico duradouro é um bem comum inestimável para todas as regiões do mundo

que se devem concertar para o efeito, por outro lado, todo o ajustamento deve ser

realizado simetricamente, isto é, ao mesmo tempo por redução de despesa dos países

deficitários e aumento de despesa dos países excedentários. Esse ajustamento deve ser,

igualmente, concertado. Assim se garante uma estabilização mais curta e um regresso

ao crescimento económico também mais rápido. Se assim não for, sem uma correção e

regulação muito fortes da atual globalização hegemónica, não há políticas domésticas

europeias e nacionais que resistam a estas disfunções macroeconómicas. Em

consequência dessas disfunções, baixam a eficácia, eficiência, equidade e efetividade

das políticas públicas.

Estamos em 2017, um ano eleitoral em três países europeus fundadores

(Holanda, França e Alemanha), eleições marcadas pela ascensão dos partidos e

movimentos populistas e anti-europeus. Na “ordem europeia” vivemos em autêntico

estado de emergência nos países da Europa do Sul, onde uma grave crise de

ajustamento colide frontalmente com uma grave crise de crescimento. A primeira é

marcada pela consolidação orçamental, recapitalização bancária e pela

“desalavancagem” do crédito concedido. A segunda é marcada pela emergência do

segundo mundo, pela desindustrialização e deslocalização do investimento europeu e

pela lentidão, no plano interno, de reformas estruturais efetivas, que protejam o

Estado-Providência e o modelo social europeu.

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União Europeia: Uma breve história do futuro para o governo dos bens comuns europeu

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 64

2.3. OS SETE DESAFIOS DA UNIÃO POLÍTICA EUROPEIA

Neste contexto e no plano europeu, a futura “Federação Europeia de Estados-

Nação” terá pela frente uma agenda política sobrecarregada e sete grandes desafios, a

saber:

1.º desafio: o poder geopolítico de um ator global como a União Europeia. É o

regresso em força da história, da geografia e do equilíbrio de poderes ao

cenário europeu continental. Como lidar com “a frente externa” e o regime

globalitário e escapar ao seu determinismo sistémico, ao mesmo tempo que, no

plano interno, estamos a braços com taxas anémicas de crescimento?

2.º desafio: o equilíbrio de poderes entre as instituições europeias e os Estados

nacionais. Em que medida a criação de uma “Federação Europeia de Estados-

Nação” afeta o equilíbrio de poderes entre as instituições europeias e os

Estados nacionais, entre a democracia europeia e o Estado pós-nacional, em

presença de uma situação de emergência social e económica? Entre o

unilateralismo alemão, o diretório franco-germânico, a balcanização continental,

ainda há espaço para uma Federação Europeia?

3.º desafio: a coesão económica e a assimetria da política macroeconómica. Em

que medida o “Estado-exíguo” e a sua frágil política económica podem

assegurar os “mínimos democráticos” face às baixas taxas de crescimento de

pequenas economias abertas, em fase intermédia de desenvolvimento, como a

portuguesa, e em que medida essa exiguidade é contrabalançada pela política

económica da Federação?

4.º desafio: a geopolítica interna da União, o fluxo de imigrantes e refugiados. O

alargamento ao leste europeu mudou o paradigma da integração europeia, a

União a 15 é muito diferente da União a 28; a história reencontrou-se com a

geografia, a heterogeneidade e a diferenciação acentuaram-se, a repartição de

poderes ficou mais disputada, a ambição tornou-se mais difusa, os meios

disponíveis mais escassos e a segurança coletiva cada vez mais próxima da

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António Covas

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 65

segurança interna; a este panorama, junte-se o fluxo de imigrantes e refugiados

e teremos uma sociologia política interna em overbooking permanente e plena

de interesses difusos e contraditórios.

5º desafio: a coesão social e o emprego nas sociedades nacionais e europeia.

Face ao declínio da velha ordem industrialista e à emergência da sociedade do

conhecimento e da revolução digital, está em causa o velho “Estado-

Providência”, pelo menos tal como o conhecemos hoje; como reorganizar o

modelo social europeu e em que medida a União é um território apropriado

para uma “sociedade previdente” e para uma institucionalização complementar

de “fiscalidade, proteção social e segurança interna”, onde se inclui também o

debate sobre o rendimento básico universal?

6.º desafio: a coesão territorial ou o fundamento para uma doutrina regionalista

europeia. O que está em causa é saber se “o mundo é plano”, isto é, se as

pessoas, e os territórios-lugares onde vivem, são, definitivamente, variáveis

endógenas do sistema mercantil dominante ou, pelo contrário, se o sistema

político, constituído por pessoas, territórios e instituições, garante “os mínimos

democráticos” da coesão territorial e, neste contexto, se a União Europeia é um

quadro político apropriado para favorecer o desenvolvimento e a cooperação

de euro-regiões e euro-cidades no interior do espaço da Federação.

7.º desafio: o capital simbólico necessário à legitimidade da Federação Europeia.

A União Europeia não tem sido capaz de se “inscrever” no plano simbólico-

cultural e no quotidiano dos cidadãos. Enquanto tal não acontecer, os Estados-

membros ficam reféns desse sentimento de orfandade europeia dos seus

cidadãos. Sem a esperança do futuro e do futuro como política, a União

Europeia ficará prisioneira dos seus critérios economicistas e financeiros de

curto prazo. Se a Federação Europeia não for capaz de devolver a confiança e a

esperança aos cidadãos europeus, recriando, para o efeito, o espaço público

europeu, o crescimento dos movimentos populistas na Europa irá colocar-nos à

beira de uma nova “tragédia dos comuns”.

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União Europeia: Uma breve história do futuro para o governo dos bens comuns europeu

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 66

Seja como for, já se percebeu que a aventura europeia prosseguirá por um

caminho estreito e sinuoso, entre a utopia, a necessidade e a contingência. Vejamos o

que nos reserva o próximo futuro.

3. UMA BREVE HISTÓRIA AO FUTURO DO PROJETO EUROPEU

Sem seguir de perto os cinco cenários propostos pelo Presidente Juncker no

Livro Branco da Comissão Europeia (Comissão Europeia, 2017), preferimos, nesta

circunstância, seguir o nosso próprio caminho e fazer algumas reflexões em redor dos

“bens comuns europeus” e de uma proposta de programa de governo dos comuns da

Federação Europeia, aquilo que designamos aqui como “o programa da 3.ª via

unionista” (Covas, 2016), no quadro de uma espécie particular de federalismo

cooperativo para a construção do projeto europeu (Covas, 2016, p. 242).

A integração europeia é, ela própria, um caso particular de construção de bens

comuns com o alto patrocínio dos Estados nacionais. Vale a pena enunciá-los porque

andam um pouco esquecidos: a paz duradoura entre os povos europeus, os direitos de

uma dupla cidadania, as liberdades inerentes à democracia liberal e ao comércio livre,

os benefícios da economia social de mercado, o Estado de direito social e a regulação

das atividades, os valores da moderação política, a tolerância cultural, a neutralidade

religiosa, uma imprensa livre e o papel nuclear da comunicação social no acesso ao

espaço público.

3.1. UM MODELO DE GOVERNAÇÃO DOS COMUNS PARA A UNIÃO POLÍTICA

EUROPEIA

No livro sobre a contingência europeia (Covas, 2016), abordámos o federalismo

cooperativo com a designação de “3.ª via unionista”, numa linha intermédia e

moderada de reforma institucional que, todavia, está prisioneira, tudo leva a crer, dos

“novos órfãos de Estado”, os partidos radicais e nacionalistas que surgem um pouco

por todo o lado em consequência da aplicação severa pela União Europeia, e o

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António Covas

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 67

Eurogrupo em especial, do chamado “princípio da realidade”, que não é outra coisa

senão o europeísmo ideológico da “austeridade virtuosa” como corolário lógico da

relação de poder hoje existente.

Não obstante o “otimismo da vontade”, estamos aparentemente num impasse,

pois há uma contradição interna a funcionar que gera e alimenta continuamente

movimentos e partidos radicais e populistas, não apenas nos extremos do espectro

partidário mas, também, no interior dos partidos mais convencionais onde as alas

eurocéticas fazem sentir a sua insatisfação e inquietação. A discussão sobre o Brexit

não poderia ser mais eloquente a este propósito. Mas, o mesmo se passa em

praticamente todos os Estados do sul do Mediterrâneo.

Todavia, e não obstante o impasse em que nos encontramos, ou talvez por

causa dele, estamos cada vez mais convencidos de que, doravante, devido à dimensão

continental e transcontinental do território europeu, a verdadeira reforma institucional

da União Europeia terá, provavelmente, de ocorrer no terreno organizacional do

federalismo cooperativo através de um padrão governativo adequado à conexão de

macrorregiões que reagrupam Estados-nações (a península Ibérica) ou, mesmo, regiões

de diferentes Estados-Nações (o arco Atlântico). Por isso, vai sendo tempo de refletir

sobre a passagem do centralismo comunitário para um padrão de governação em rede,

coligando espaços descentralizados de integração regional e sub-regional. No fundo,

estamos a respeitar o princípio de subsidiariedade, reconhecendo-se, nuns casos, a

supremacia do regime internacional, noutros casos da integração regional, noutros

casos, ainda, da cooperação interregional descentralizada, sendo certo que a

multiplicação de experiências regionais de integração constitui uma excelente base de

partida para ancorar o neo-multilateralismo e o neo-regionalismo e, por via deles, a

governança europeia e global. Esta é a nossa visão de um poder mais policontextual e

policêntrico que coloca em comunicação os Estados, as regiões, as cidades, os

territórios-rede (Covas e Covas, 2014; 2015).

Este paradigma policontextual e policêntrico lidam bem com os bens comuns

que faz parte do nosso “otimismo da vontade”. Todavia, é quase certo que a União

Europeia e os seus agentes principais continuarão a funcionar e a representar no

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União Europeia: Uma breve história do futuro para o governo dos bens comuns europeu

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 68

labirinto institucional de Bruxelas, em jogos de poder nem sempre edificantes,

alimentados pelo calculismo dos parceiros e dos grupos de interesses e, em última

instância, pelas incontornáveis razões de Estado, agora reforçadas com os mais

recentes “radicais e órfãos de Estado”. Estamos em 2017, em compasso de espera, nas

vésperas das eleições francesas e tudo ainda pode acontecer, porém, acreditando que a

razão prática e o espírito dos comuns acabarão por fazer vencimento de causa para lá

do lado muddling through em que se converteu a negociação europeia.

3.2. UM ATO ÚNICO EUROPEU PARA UM GOVERNO DOS BENS COMUNS

EUROPEU

Não obstante o compasso de espera, cremos que o espírito dos comuns pode

ser avançado desde já. Em termos formais, a nossa proposta pode ser abordada por via

de um Ato Único Europeu, uma vez que se trata, sobretudo, de dar maior eficácia e

consistência funcional ao edifício já construído. O decálogo que se refere de seguida é

um programa governativo de geometria variável que a negociação política irá

concertando. Trata-se de uma proposta muito moderada de governo dos bens comuns

europeu.

Em primeiro lugar, não aprovamos o unitarismo unionista e o uso abusivo de

uma política tecno-burocrática com cobertura constitucional. Consideramos, porém, ser

possível sustentar uma soberania partilhada no quadro de uma constituição sem

Estado, por exemplo uma convenção, e aceitar uma dinâmica institucional que nos

conduza, por sucessivos rearranjos formais e materiais, de um tratado internacional até

uma constituição de um tipo novo, que não se confunda com as tradicionais

constituições nacionais. E será sempre uma dinâmica nos dois sentidos. A “dinâmica

convencional” da Federação Europeia de Estados-Nação será ascendente e

descendente, de acordo com o princípio de subsidiariedade, e aqui ela distingue-se,

claramente, de uma eventual constituição dos Estados Unidos da Europa. Podemos,

pois, concluir que:

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António Covas

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 69

1) A Europa não será uma democracia orgânica nem uma democracia

adversatorial na linha de um Estado-Nação, mas uma democracia deliberativa e

regulatória sui generis. O Ato Único Europeu pode estabelecer e aprofundar os

termos dessa democracia deliberativa.

Em segundo lugar, se a União Europeia não evoluir, a breve prazo, para uma

Federação de Estados-Nação, aprendendo, de resto, com a experiência prática do

federalismo cooperativo alemão (a tese da europeização da Alemanha) e, em vez disso,

continuar a exercitar a prática sinuosa das cimeiras e dos diretórios

intergovernamentais em que a Alemanha desempenha, claramente, um papel

hegemónico (a tese da germanização da Europa), então, não surpreenderá que, no

quadro do regime globalitário dominante, possamos voltar à política de potência e ao

xadrez do equilíbrio de poderes, à semelhança de outras conjunturas históricas como a

Mitteleuropa (século XIX) ou a Ostpolitik (anos 60 do século XX). De onde se conclui

que:

2) Sabemos que não há uma relação direta entre estrutura e resultado. Está em

causa a governação multiníveis do federalismo cooperativo, subsidiário e

descentralizado, um bem comum de um valor inestimável. O Ato Único pode

estabelecer os termos e condições desta subsidiariedade europeia e da sua

organização político-administrativa multi-níveis.

Em terceiro lugar, o modelo social europeu é uma aquisição e um marco

cultural e civilizacional das sociedades democráticas europeias; independentemente da

sua racionalização, deve ser encarado como um ativo social de valor inestimável e,

como tal, ser posto ao serviço da política de crescimento e emprego da Federação,

como instrumento estrutural de preparação e lançamento dessa política e não como

complemento avulso e contingente de medidas nacionais de gestão conjuntural dos

mercados de trabalho. De onde se retira que:

3) A economia social de mercado e os benefícios regulatórios do Estado de

direito social são bens comuns de um valor inestimável para o modelo social

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União Europeia: Uma breve história do futuro para o governo dos bens comuns europeu

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 70

europeu. Um Ato Único Europeu pode estabelecer os termos e condições de

um instrumento estrutural europeu para o crescimento e o emprego

duradouros, sobretudo se pensarmos nas profundas implicações sociais da

revolução digital.

Em quarto lugar, face à interdependência e complexidade da economia europeia (e

das economias nacionais) no contexto da globalização, a política monetária comum

(PMC) não pode ficar refém de escolas de pensamento, de posições dogmáticas

nacionais, de estatutos e procedimentos das instituições monetárias atuais, sob pena

de pôr em risco não apenas a saúde da economia europeia mas, sobretudo, das

economias mais frágeis da União, cuja equação monetária é estruturalmente

incompatível com a situação vigente que é de moeda única sem união monetária e sem

política monetária comum. De onde se conclui que:

4) A transição para uma estrutura monetária federal tem por objetivo,

justamente, completar e finalizar o quadro da UEM e colocar a sua política

económica ao serviço das economias mais frágeis da Federação sem prejudicar

a sua estabilidade; para interagir com os instrumentos da política orçamental, a

Europa terá de fazer o caminho que a levará progressivamente até ao banco

central multi-objetivos da Federação Europeia. O Ato Único Europeu pode

estabelecer os termos dessa transição.

Em quinto lugar, estamos cada vez mais próximos do limiar que separa a

política económica da União da política económica da Federação. Nesta, a equação da

política económica afirma a simultaneidade entre estabilização e crescimento por via

de uma política de crescimento própria da Federação. Esta simultaneidade da política

económica da Federação é materializada por três alterações políticas fundamentais que

requerem modificações dos tratados: o alargamento das missões do BCE (a política

monetária da Federação), a dimensão e a conexão do orçamento ao nível da atividade

económica (a política orçamental da Federação) e a mutualização da dívida pública

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António Covas

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 71

realizada pelo Tesouro da Federação (a política financeira da Federação). De onde se

conclui que:

5) A Europa terá de fazer o caminho que a levará progressivamente de uma

política económica intergovernamental até à política económica federal da

União, em especial no que diz respeito à dimensão, estrutura e financiamento

do orçamento (recursos próprios) e sua conexão com o nível de atividade

económica (estabilizadores, saldo orçamental e dívida federal). O Ato Único

Europeu pode estabelecer os termos e condições dessa transição orçamental.

Em sexto lugar, enquanto não existirem orientações políticas precisas e uma

doutrina acerca da arquitetura espacial da União, enquadrada por uma estratégia de

crescimento global, as políticas nacionais, regionais e locais, movidas por overbooking

territorial, tenderão a ser extremamente disputadas, permitindo, por essa via, alimentar

os regionalismos de vária índole à procura de legitimidade autonomista. Julgamos que

essas orientações poderiam ser devidamente abordadas no quadro de uma Federação

de Estados-Nação e no âmbito de um New Deal de inspiração federal, com base na

formação e integração de redes de Euro-regiões e Euro-cidades. O ponto de equilíbrio

regional é muito variável e as sucessivas “aberturas” anunciadas pela União Europeia

criam várias linhas vermelhas no interior da União Europeia; sem um forte efeito de

perequação territorial e vários automatismos de reequilíbrio espacial esses

regionalismos autonomistas ganharão um capital de queixa acrescido. De onde se

retira que:

6) Para uma verdadeira doutrina regionalista e territorialidade europeia deverão

contribuir um BCE multi-objetivos, um orçamento de características federais,

um tesouro ou uma agência europeia de mutualização da dívida federal e um

Banco Europeu de Investimentos (BEI) com capitais reforçados que, em

conjunto, poderiam emitir obrigações de crescimento visando a construção de

uma territorialidade verdadeiramente europeia. Um Ato Único Europeu pode

estabelecer os termos e as condições dessa perequação territorial e regional.

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União Europeia: Uma breve história do futuro para o governo dos bens comuns europeu

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 72

Em sétimo lugar, na sociedade dos riscos globais e sistémicos, dos efeitos

indesejáveis e dos danos colaterais, marcada pela regra de ouro do capitalismo

financeiro, a saber, “privatizar o benefício e socializar o prejuízo”, em que medida pode

a Federação Europeia de Estados-Nação construir não apenas uma política de

mitigação de danos, mas, sobretudo, uma ética prática da legitimidade política e social

fundada na prevenção do risco global, por um lado, e na precaução do risco moral, por

outro, de modo a evitar a maldição e a consumação da “tragédia dos comuns”? De

onde se conclui que:

7) A Europa pode congregar uma acrescida legitimidade política e ética (e

financeira) aos olhos do cidadão europeu se for capaz de construir “uma

doutrina dos riscos sistémicos” e, nesse propósito, conceber um mecanismo de

mutualização para prevenir, abordar e cobrir os grandes riscos. Os termos e as

condições deste mecanismo europeu de cobertura dos riscos globais podem

ser estabelecidos por um Ato Único Europeu.

Em oitavo lugar, à medida que o risco geopolítico global vai crescendo e

impondo uma verdadeira consciência dos limites, a política externa federal, em todas as

suas dimensões, assumirá uma relevância incontornável e tornar-se-á um dos principais

núcleos de política pública da futura União Política Europeia. Basta olhar à volta da

fronteira europeia para perceber o alcance do risco geopolítico que aí se acumula e as

repercussões significativas que os fatores de origem externa terão na emergência de

novas conjunturas de crise no plano interno da União Europeia e dos seus Estados

membros. De onde se conclui que:

8) A Europa precisa de rever com urgência todos os seus instrumentos de política

externa, segurança e defesa e respetiva cobertura financeira. O risco

geopolítico elevado tem um impacto político e orçamental muito significativo

nas prioridades da União Política Europeia, desde a crise dos refugiados à

política energética, desde a política comercial até à cooperação para o

desenvolvimento. Está em causa a reputação internacional e regional do ator

europeu e a sua capacidade para fazer alianças em vários quadrantes. O Ato

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António Covas

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 73

Único Europeu pode estabelecer os termos e condições de várias “cooperações

estruturadas e reforçadas” nesta matéria, muito em especial no que diz

respeito à cooperação para o desenvolvimento das várias regiões

mediterrânicas e sub-saarianas.

Em nono lugar, a Europa das Euro-regiões e Euro-cidades congrega um

potencial de “crescimento distribuído” ainda por explorar, no preciso momento em que

assistimos a uma autêntica revolução no universo digital e na cultura tecnológica e

virtual, instrumentos fundamentais para a promoção e regulação de uma economia das

redes colaborativas e criativas. Esta será, seguramente, uma das missões essenciais da

União Política no século XXI, não apenas no âmbito do mercado único digital, mas,

sobretudo, no contexto mais amplo de uma genuína sociedade colaborativa e dos

novos direitos de cidadania. De onde se conclui que:

9) O patrocínio de uma sociedade e de uma economia colaborativas como

fundamento da União Política Europeia é uma tarefa fundamental para a

afirmação da sociedade civil do século XXI; o Ato Único Europeu pode

estabelecer os termos e as condições de acesso e regulação do novo espaço

público digital, já para não falar da grande batalha que se avizinha, aquela que

se disputará entre o “digital proprietário e o digital livre”.

Finalmente, em rota de colisão e contrastando com o bem comum do

crescimento distribuído que designámos de “sociedade e economia colaborativas”, a

União Política Europeia terá de lidar com o hipercapitalismo das grandes plataformas

tecnológicas e do crescimento desigual. A experiência recente diz-nos que que elas

continuarão a abusar da sua posição dominante e a colocar em risco o acesso, o uso e

a privacidade da nossa vida quotidiana. Nas plataformas tecnológicas e nas redes

sociais elas agirão como verdadeiras indústrias extrativas de dados pessoais que a

seguir os algoritmos transformarão em perfis de consumo para serem vendidos a

empresas terceiras. De onde se conclui que:

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União Europeia: Uma breve história do futuro para o governo dos bens comuns europeu

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 74

10) O cidadão-consumidor da era digital precisa de ser defendido do

comportamento predador destes superpoderes. De nada serve construir a

legitimidade do projeto europeu a partir da sua aparente e visível

megalomania, da sua crescente omnipresença, que nos esmaga e sufoca, do

seu racionalismo ofensivo e da imponência da sua ordem burocrática que nos

ofuscam e irritam, se a Federação Europeia não for capaz de criar uma

procuradoria-geral que nos proteja desses superpoderes. O Ato Único Europeu

pode estabelecer os termos e condições dessa criação, um bem comum

inestimável para reafirmar a legitimidade do projeto europeu.

Enunciámos o decálogo dos bens comuns europeus. Estamos em 2017, na

ressaca de uma grande crise sistémica do capitalismo, sem projeto nem futuro, com um

crescimento anémico europeu e à espera de um profeta ou de uma ordem nova pós-

eleitoral. Nestes tempos, de equívoco da identidade e do seu poder, ficcionar uma

identidade europeia é uma tarefa praticamente votada ao insucesso. Com efeito, nos

tempos que correm, a identidade europeia não se enuncia ou anuncia como

transcendência política ou institucional, mas como experimentação quotidiana, em

resultado de uma política modesta, levada a cabo por uma grande diversidade de

poderes e saberes, todos eles imbuídos do interesse público, porventura em ordem

caótica e mais do que permitiria a razão pretensiosa, unificadora, do interesse geral ou

o iluminismo tecnocrático de um eurocrata. Por isso, não surpreenderá, também, que a

desobediência civil possa explodir em todas as direções, não apenas como poder

micro-identitário, mas como movimento de indignação e rejeição (Innerarity, 2016).

4. NOTAS FINAIS

Para terminar, três notas finais. A primeira nota, para reportar, na política

europeia, um paradoxo muito pertinente em plena laboração. Por um lado, o que é

visível no projeto global e europeu é a perda de centralidade do Estado e a sua

capacidade de configurar a sociedade. Assistimos a uma espécie de dessacralização da

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António Covas

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 75

política-estado, um tédio por essa política-estado como parte da normalidade

democrática, embora saibamos, também, que há mais política para lá desta “política

normal”. Por outro lado, a radicalização populista da política doméstica recupera o

Estado central como se estivéssemos “órfãos de Estado”. De repente, “todas as

modernidades” parecem querer entrar em rota de colisão. A história, a geografia e os

territórios estão de regresso. Voltámos em força à geopolítica. A política europeia

poderá oscilar, doravante, num espaço a três dimensões composto por uma política

doméstica mais radicalizada, macrorregiões europeias em formação e uma geopolítica

continental alargada para o mediterrâneo sul e oriental. É certo, a política europeia é

demasiado institucionalista e não gosta manifestamente da geopolítica, mas esta virá.

A segunda nota, para reportar os tópicos principais do que fica dito, em jeito de

síntese final:

Em primeiro lugar, e dada a geopolítica do próximo futuro, é quase certo que

os impulsos mais fortes para a reforma da União Europeia virão do exterior. Os

exemplos abundam: a Rússia e a Ucrânia, o Médio Oriente, a Turquia, o Norte

de Africa, mas, também, o Brexit e a Trumpolitics, para citar apenas os principais;

Em segundo lugar, este impulso exterior implica que haja um movimento de

reforma importante em direção da política externa, segurança e defesa (PESD)

em todas as suas dimensões, onde se incluem os refugiados, mas, também, a

política energética;

Em terceiro lugar, esta dimensão externa tem fortes implicações na política

interna europeia e em particular na reconfiguração da UEM; as regras

orçamentais do Semestre Europeu (SE), do Pacto de Estabilidade e Crescimento

(PEC) e do Tratado Orçamental (TO) podem ser objeto de uma revisão de

conjunto e ser acompanhadas pelo alargamento dos recursos próprios, a

mutualização parcial das dívidas soberanas, a criação de um fundo monetário

europeu (FME) e uma revisão global dos instrumentos financeiros europeus de

apoio ao investimento;

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União Europeia: Uma breve história do futuro para o governo dos bens comuns europeu

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 76

Em quarto lugar, a criação de uma procuradoria europeia para a criminalidade

financeira é um bom sinal, conjuntamente com legislação europeia em matéria

de offshores, de combate à evasão e fraude fiscais e mais e melhor

harmonização fiscal;

Em quinto lugar, uma nota importante a propósito do Brexit, tem a ver com o

que poderíamos designar “a teoria do precedente”, isto é, a escolha de uma

linha dura de negociação apenas para impedir ou condicionar novos pedidos de

saída; se tal acontecer será sempre um mau princípio de negociação;

Em sexto lugar, uma nota, igualmente, importante a propósito da teoria da

“Europa a várias velocidades”; a perceção imediata, sobretudo para os países do

leste europeu, é a de “uma teoria dos clubes” ressentida como discriminatória;

seria preferível uma via de “integração diferenciada e inclusiva” de acordo com

o ritmo e a vontade própria de cada Estado-membro.

Uma terceira nota, finalmente, para reportar o modus procedimental que se

seguirá, sobretudo numa conjuntura politicamente congestionada e não conhecendo

nós a correlação de forças em presença no final do ano de 2017. De acordo com os

tratados europeus, o policy-process de uma revisão poderá comportar: uma revisão

ordinária (artigo 48.º, n.º 2 do Tratado da União Europeia (TUE)), uma revisão

simplificada (artigo 48.º, n.º 6 do TUE), as cooperações reforçadas (artigo 20.º e artigos

42.º a 46.º do TUE e artigos 326.º a 334.º do Tratado sobre o Funcionamento da União

Europeia); de resto, há sempre a possibilidade de obter acordos intergovernamentais

realizados fora dos tratados, uma prática que tem sido usada com alguma frequência

em momentos anteriores. Neste sentido, não surpreenderia uma abordagem muito

pragmática de revisão, sem a necessidade de convocar uma conferência

intergovernamental, pelo menos nesta fase que coincidirá com as negociações do

Brexit. Sem prejuízo de uma negociação ulterior mais extensa, poderemos ter, desta

vez, uma revisão simplificada dos tratados, algumas cooperações estruturadas e

reforçadas e, eventualmente, um ou outro acordo fora dos tratados. As áreas objeto de

negociação serão o espaço de liberdade, segurança e justiça, a união económica e

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António Covas

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 77

monetária e a política externa, de segurança e defesa, onde, de resto, os exemplos de

“excecionalidade” já existem.

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David Gil Gonçalves

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 79

POR UMA NOVA RESPONSIVIDADE NA UNIÃO EUROPEIA

REPENSAR A RELAÇÃO COM OS CIDADÃOS EUROPEUS

DAVID GIL GONÇALVES1

RESUMO

Este artigo revisita a dicotomia entre os domínios intergovernamental e comunitário, que marcaram todo o

processo de integração europeia. Considerando o Trilema de Rodrik sobre a integração económica, são

revistas as respostas institucionais fornecidas pela União Europeia durante a crise financeira. O foco

principal deste esforço recai em como estes desenvolvimentos se relacionam com a dicotomia referenciada

e se há alguma solução para a mesma. Analisando as responsabilidades e comportamento da Comissão

Europeia, bem como o poder insuficiente do Parlamento Europeu, é evidente que a União Europeia

necessita de uma maior responsividade face às pretensões dos seus cidadãos. A criação de tais

mecanismos pode ser uma opção decente para reforçar essa relação e fornecer respostas mais adequadas.

Palavras-chave: União Europeia, Integração, Trilema, Executivo, Responsabilidade e Responsividade.

Histórico do artigo: recebido em 30-03-2017; aprovado em 15-04-2017; publicado em 05-05-2017. 1 Membro do Conselho Editorial da Revista Análise Europeia. Mestrando em Ciência Política pela Faculdade

de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, Portugal. E-mail: [email protected]

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Por uma nova responsividade na União Europeia

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 80

ABSTRACT

For a new responsiveness in the European Union: Rethinking the relationship with the European

citizens. This article revisits the dichotomy between intergovernmental and community domains, which

marked the whole process of European integration. According to Rodrik‟s Trilemma of economic

integration, it reviews the institutional responses provided by the European Union during the financial

crisis. The main focus relies on how such developments relate to the referenced dichotomy and if there is

any solution for it. By analyzing the Commission‟s responsibilities and behavior as well as the European

Parliament‟s lack of actual power, it is clear that the European Union needs further responsiveness towards

its citizens. Creating such mechanisms may be a decent option to invigorate that relationship and to

provide more adequate responses.

Keywords: European Union, Integration, Trilemma, Executive, Responsibility and Responsiveness.

_________________________________________________________________________________________________________________

1. INTRODUÇÃO

O período histórico mais recente está invariavelmente associado à emergência

de partidos populistas e do ceticismo em relação à União Europeia. A ausência de uma

resposta comum convincente e a perda de influência da esfera nacional têm sido

exploradas por movimentos nacionalistas, que reclamam o direito de autogoverno

perante a incapacidade de Bruxelas. Uma das primeiras manifestações bem-sucedidas

partiu da Grã-Bretanha, que após o sucesso da campanha pelo Brexit, se encontra em

negociações formais para o abandono do projeto europeu. Entre as imposições

decorrentes da situação económica, marcada por uma anémica e vagarosa

recuperação, e da polémica estratégia em relação aos refugiados provenientes da

guerra na Síria, o populismo foi-se alimentando do descontentamento popular.

A baixa participação eleitoral e falta de entusiasmo dos cidadãos revela alguma

dissonância entre o projeto e as pretensões daqueles que procura servir. Através de

metodologia qualitativa, o artigo procura justificar de que forma esta tensão tem vindo

a aumentar e como pode ser corrigida. Para tal, foi incluído o contributo de Rodrik –

precursor na sistematização analítica sobre a tensão entre integração económica e o

Estado soberano – onde se esclarecem as vantagens e desvantagens dos rumos

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David Gil Gonçalves

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 81

escolhidos: a gestão dos valores democráticos e, em simultâneo das órbitas

intergovernamental e comunitária. De seguida, são recuperadas análises fundamentais

sobre os desenvolvimentos institucionais que procederam a crise económica, bem

como revista a sua influência na atualidade. Como agravante, acrescenta-se o conflito

entre a esfera da responsabilidade governativa e a representatividade, com a primazia a

recair sobre a primeira. No cenário europeu, a sua divisão é óbvia, com a Comissão

Europeia e o Parlamento Europeu a repartirem tarefas, mas incapazes de produzir os

resultados desejados. Posto isto, repensar esta relação pode ser fundamental para

reverter o afastamento da esfera pública e o défice democrático – agravado pelo

carácter urgente da crise económica.

2. O INESCAPÁVEL TRILEMA DA INTEGRAÇÃO ECONÓMICA

Dani Rodrik, economista e professor na Universidade de Harvard, dedicado

sobretudo a economia política, desenvolveu uma teoria sobre o rumo da economia

mundial, considerando o fenómeno da globalização mediante três variáveis de difícil

coordenação: a integração económica, os ideais de Estado Soberano e os valores

democráticos (Figura 1). Segundo o autor, um dos fatores será sempre negligenciado,

isto é, seremos confrontados com a impossibilidade de optar por mais do que dois

destes. A promoção de uma conformidade política, jurídica e económica entre todos os

países destitui a importância do Estado, restringido pelas normas acordadas. No

sentido inverso, surge a possibilidade de reforçar o poder individual dos países,

conseguido através da resistência à globalização e harmonização económica. Já a

manutenção do sistema atual, assegura a continuidade do Estado soberano, ainda que

sujeito às pressões da economia internacional, o que prejudica a participação cívica e a

própria qualidade democrática (Rodrik, 2007). Ainda que inicialmente tecida para uma

escala distinta, esta proposta adequa-se por completo ao cenário europeu. Assim, a

pressão da integração, incompleta depois do aprofundamento precipitado de

Maastricht; as reivindicações nacionalistas, alarmadas pela perda de soberania; e a

insatisfação popular, devido a um desempenho económica aquém das expetativas, são

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Por uma nova responsividade na União Europeia

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 82

os três fatores equivalentes aos apresentados por Rodrik. Daqui podem emergir três

desfechos:

Figura 1 – Trilema de Rodrik. Fonte: Rodrik (2007).

A. A primeira hipótese depende do compromisso entre os Estados-membros para

encaminhar o projeto europeu ao nível seguinte, ou seja, uma federação

democrática. Para isso, novas competências devem ser transferidas para o

domínio comunitário, capazes de assegurar o sucesso a longo prazo do projeto.

Para funcionar corretamente, a União Europeia necessita de uma união política,

orçamental e fiscal, caso contrário as culturas económicas divergentes

resultarão em crises cíclicas (Soromenho-Marques, 2014). Ao incremento de

responsabilidades acrescentam-se os necessários métodos de legitimação,

capazes de assegurar a aproximação do projeto aos cidadãos que deve servir.

Nesse sentido, uma das soluções apontadas passa pelo reforço do Parlamento

Europeu, uma organização diretamente eleita e responsável por defender os

interesses da população (Moury, 2016). Apesar de conjugar tanto a preservação

dos valores democráticos como a integração económica, esta alternativa

representa uma ameaça à ideia de Estado soberano, uma conceção que

emergiu do Tratado de Vestefália, e que a maioria não está disposta a

abandonar.

B. Uma outra alternativa baseia-se num recuo estratégico da integração

económica da União Europeia. Deste modo, cada Estado poderia manter a sua

autonomia e soberania enquanto garantia a manutenção dos valores

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David Gil Gonçalves

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 83

democráticos. As instituições europeias perderiam competências, o que significa

que lhes seria exigida uma menor responsabilização – ou pelo menos uma

manutenção dos débeis mecanismos atuais. Assistir-se-ia à reversão da lógica

de transferência de competências para a União Europeia, o que significa o

fortalecimento do âmbito interno, ainda que sujeito a um prolongado

procedimento. Além da burocracia decorrente da reposição de relações

bilaterais entre países cessantes, acrescenta-se uma imprevisível resposta das

economias nacionais, condicionadas pela diminuição considerável no comércio

e, especialmente, a extinção do Euro. Mais importante, a falta de um projeto

comum, capaz de unificar os países europeus, poderia significar a regressão

para a instabilidade e o belicismo. A integração económica foi a solução para

trazer prosperidade e paz para a Europa, razão pela qual reverter o processo

seria uma aposta imprudente.

C. A última opção representa a manutenção do status quo, ou seja, uma tentativa

de equilibrar as valências quer da integração económica, quer da soberania

nacional. O termo colete-de-forças dourado2 remete-nos para uma realidade

onde o financiamento é acessível, facilitando a gestão pública, ainda que a

capacidade de decisão seja constrangida. No entanto, quanto mais restringida é

a palete de opções disponíveis, menor é a diferença entre governo e oposição,

um fenómeno que descredibiliza os partidos políticos (Mair, 2009). A existência

de um quadro legal e institucional prévio implica o cumprimento de várias

diretrizes, algumas responsáveis por interferir com o programa político ou com

a ideologia subjacente a determinado partido. No caso europeu, o Pacto de

Estabilidade e Crescimento (PEC), que prevê uma harmonização das finanças

públicas dos Estados-membros, estabelece limitações quer à dívida pública

(60% do PIB), quer ao défice orçamental (3%). Na verdade, o Tratado sobre o

Funcionamento da União Europeia estabelece que o Banco Central Europeu não

está autorizado a adquirir diretamente a dívida dos Estados-Membros (artigo

2 “Golden straitjacket”

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Por uma nova responsividade na União Europeia

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 84

123.º). Além disso, de acordo com o artigo 127.º, o Banco Central Europeu deve

centrar-se na estabilidade dos preços (evitando uma inflação superior a 2%), o

que constitui uma barreira clara a políticas monetárias expansivas (Soromenho-

Marques, 2014). Esta solução pode potenciar o plano económico e a integração,

mas compromete a ligação entre a população e o governo.

A crise económica viria a forçar a União Europeia a adotar uma das vias

apresentadas, uma decisão que seria altamente influenciada pelo enquadramento

institucional prévio, mas que nem por isso deixou de ser controverso. Para isso, convém

compreender a evolução e comportamento das instituições europeias.

3. INTEGRAÇÃO EUROPEIA: CRISE ECONÓMICA, RESPOSTAS INSTITUCIONAIS E

DÉFICE DEMOCRÁTICO

Prestes a completar 10 anos, a crise financeira de 2007 viria a ser responsável

por revelar as insuficiências, até então mascaradas, da União Económica e Monetária.

Como reflete Soromenho-Marques (2014), a política monetária, até então força motriz

da confluência europeia, transformou-se no fator de fragmentação e conflito entre os

países da Zona Euro. A decisão de adotar uma moeda comum sem assegurar a

convergência real das várias economias, sem proceder à criação de mecanismos de

partilha de riscos, sem um orçamento comunitário adequado e com uma estrutura

política insuficiente, revelou-se imprudente. Assim, quando as dificuldades começaram

a emergir, a solidariedade, sempre retoricamente confirmada, mas (até então) nunca

empiricamente testada, dissipou-se. Pressionada, mas desprovida dos mecanismos

necessários, a União Europeia foi obrigada a apresentar medidas não convencionais.

Adiante, inauguramos uma revisão do comportamento das principais

instituições europeias perante este cenário devastador. A literatura sugere duas

respostas diferentes; uma focada no desenvolvimento dos órgãos intergovernamentais,

outra enfatizando a redefinição de instituições supranacionais. Embora geralmente

apresentadas como pontos de vista antagonistas, as teorias podem ser articuladas. De

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David Gil Gonçalves

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 85

facto, ambas denunciam não só a relutância dos Estados-membros em transferir mais

responsabilidades para o domínio da União Europeia, mas também a forma como isso

forçou a procura de caminhos alternativos.

Puetter (2012) destaca o papel do Conselho da União Europeia e do Conselho

Europeu, e defende que só estes podem combinar o poder político para implementar

as decisões com o conhecimento para lidar com as contingências da crise económica.

Assim, a predisposição dos atores políticos em dialogar e cooperar, fomentada pela

incerteza e pela urgência, resultou no aumento dos métodos informais de deliberação.

Teoricamente, essas abordagens permitem que os participantes estejam longe do

escrutínio dos média, o que significa mais honestos e relaxados. Os advogados desta

metodologia argumentam que o ambiente restrito promove eficiência, consenso e

compromisso entre os participantes. Reuniões como o Eurogrupo, onde os ministros

das Finanças se reúnem sob a liderança do seu homólogo holandês, Jeroun

Dijsselbloem, funcionam como uma extensão do âmbito intergovernamental (Puetter,

2012). Contudo, a impossibilidade de aceder às declarações de cada representante e ao

que foi discutido – e em que circunstâncias – representa uma falta de transparência e,

consequentemente, uma diminuição global da qualidade da democracia.

Por outro lado, Bauer & Becker (2014) defendem que deste cenário resultou,

pelo contrário, no reforço da esfera supranacional, isto é, da Comissão Europeia. A

instituição centrou-se na implementação da legislação, em vez de a agendar ou propor,

e assumiu um papel crucial na governação económica. Agora, devido principalmente à

pertença ao conselho da Troika, lidera as negociações e a monitorização dos

empréstimos, examina as tendências macroeconómicas e a gestão orçamental,

coordena as políticas de cada país de acordo com o Pacto de Estabilidade e

Crescimento e supervisiona o sector financeiro (Bauer & Becker, 2014). Além disso, o

Banco Central Europeu, responsável pela política monetária da Zona Euro, também

desempenhou um papel acrescido mediante as dificuldades económicas. Procurou

reinterpretar as suas próprias competências, o que ditou uma postura mais interventiva,

mais política e menos influenciada pelas bases jurídicas – prestou auxílio a troco de

reformas estruturais (Schmidt, 2016). A legitimidade de ambas as instituições

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Por uma nova responsividade na União Europeia

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 86

concentrou-se no seu output, isto é, nos resultados que apresentavam. Essa lógica

visava validar o exercício de funções, mas enfrentava um obstáculo imponente: as

pretensões dos Estados-membros eram antagónicas. Nesse momento, a participação

da Troika significou um conflito de interesses e é, por isso, particularmente controversa.

Como adverte Moury (2016), o papel destas instituições não é clarificado: teoricamente

estão designadas para representar e defender os interesses da União, embora a missão

enquanto Troika os torne agentes dos países credores. Essa legitimidade degradou-se

de forma proporcional às tensões verificadas no seio da Zona Euro.

Em suma, independentemente do timbre dos desenvolvimentos institucionais,

houve um duplo afastamento do cidadão da esfera política europeia. Por um lado, a

componente intergovernamental concentrou-se em contributos tecnocráticos através

de métodos mais informais e menos transparentes (ex: Eurogrupo), longe da esfera

pública, enquanto no domínio supranacional, as principais instituições (Banco Central

Europeu e Comissão Europeia) desempenharam funções além das estabelecidas, sem

que quaisquer mecanismos de responsividade ou accountability fossem adicionados. As

decisões tomadas não refletem a opinião pública nem estão sujeitas a um escrutínio

eficaz por parte desta ou do próprio Parlamento Europeu, que se vê excluído do

processo de reforço institucional. Este défice democrático e representativo foi, em

última instância, o resultado das grosseiras, urgentes e pouco esclarecedoras soluções,

destacadas para emendar as lacunas de uma União Económica e Monetária ainda hoje

por completar (Soromenho-Marques, 2014; Moury, 2016).

Em virtude dos resultados institucionais discutidos atrás, é clarividente que a

aposta europeia se baseou numa governança multinível, capaz de assegurar que

nenhuma das instâncias é obrigada a recuar – o correspondente à terceira opção da

teoria de Rodrik, o colete-de-forças dourado. Assim, a União Europeia sobrevive, ainda

que dependente da prevalência constante dos Estados-membros, através do papel

acrescido dos executivos nacionais no processo decisório. Porém, tal como a

experiência recente demonstra, este rumo implica o sacrifício da qualidade da

democracia e uma alienação dos cidadãos em relação às decisões que, posteriormente,

os afetam. Para tal conclusão, importa consultar o resultado dos inquéritos do

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David Gil Gonçalves

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 87

Eurobarómetro, nomeadamente em relação à perceção da população quando

questionada sobre a valorização da sua opinião ao nível europeu. Além da elevada

disparidade, destaca-se a média da União Europeia, claramente negativa (Figura 2).

Figura 2 - Respostas à pergunta “A sua voz conta na União Europeia?”, no estudo do Eurobarómetro sobre

a opinião pública, em dezembro de 2015 (valores em percentagem). Fonte: Comissão Europeia (2015).

4. RESPONSIVIDADE E RESPONSABILIDADE

Para a análise que nos interessa, ambos os conceitos assumem a sua conotação

mais vulgar. Por responsividade entende-se o tradicional elo entre governo e cidadãos,

onde o primeiro está incumbido de escutar, valorizar e procurar satisfazer os interesses

dos últimos, uma lógica que jaz na base da democracia representativa. Já a

responsabilidade remete-nos para o cumprimento das normas estabelecidas e

compromissos assumidos, isto é, se o comportamento de determinado ator é conforme

com o plano jurídico, político e moral. Esta apetência, próxima da noção de

profissionalismo, é particularmente relevante para conquistar a confiança de órgãos

exteriores, que avaliam a seriedade e competência através destas manifestações.

A capacidade de assegurar, em simultâneo, respostas concretas às demandas

populares e a administração do Estado foi uma valência na ascensão dos partidos

políticos. Desta forma, a legitimidade do governo era garantida pela saudável

proximidade com a população – o seu exercício político baseava-se na opinião pública.

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Por uma nova responsividade na União Europeia

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 88

Contudo, segundo Mair (2009), esta complementaridade entre representatividade e

responsabilidade não se verifica nas democracias ocidentais modernas. Os partidos no

poder, de forma deliberada ou coagida, têm deslocado o seu foco sucessivamente para

a esfera da responsabilidade, menosprezando a qualidade da representação. Perante a

necessidade do governo em lidar com instâncias superiores e de cumprir com

compromissos internacionais, são os parlamentos que assumem esse vínculo com a

população – o que, apesar de tudo, reflete um afastamento entre os inputs dos

cidadãos e o output governamental.

Para este artigo, não nos interessa estudar intensivamente as razões desta

tendência, mas sim extrapolar a teoria para a escala europeia e compreender como é

duplamente influente. Em primeiro lugar, o poder executivo de cada Estado é

simultaneamente incrementado e restringido: em virtude da presença nas extensões

intergovernamentais da União Europeia, o governo assume a representação dos

interesses do seu país e tem o privilégio de definir a agenda nacional em função da

ordem de trabalhos europeia; contudo, está sujeito a um conjunto de opções limitado

pela própria inclusão no projeto europeu. Se o último caso nos relembra

imediatamente as consequências do colete-de-forças dourado de Rodrik, as vantagens

do executivo são também a diminuição da função parlamentar. Muito embora o

governo deva representar os interesses nacionais, estes ficam dependentes da postura,

ideologia e agenda do partido. Assim, a responsividade, uma preocupação secundária

do governo, é ainda subjugada pela arquitetura institucional europeia, que não

contempla um maior envolvimento dos parlamentos nacionais. Veja-se a situação

portuguesa resultante das eleições legislativas de 2015, onde um governo minoritário,

correspondente a 32,31% dos votos, assume esta responsabilidade por si só. Isto

significa que, apesar do apoio parlamentar de outros grupos políticos, o monopólio da

representação nacional no Conselho da União Europeia e no Conselho Europeu é

atribuído apenas ao governo, mesmo que se trate de uma minoria.

Porém, as consequências não se extinguem aqui. No âmbito europeu a divisão

entre responsabilidade e responsividade é esclarecedora e até deliberada: a Comissão

Europeia, a instituição que mais se aproxima de um executivo, limita-se às

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David Gil Gonçalves

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 89

responsabilidades, enquanto o Parlamento Europeu, diretamente eleito pelos cidadãos,

trata de responder às suas pretensões. Uma análise singela parece indicar a

permanência da dicotomia apresentada, ainda que efetivamente controlada, visto que

cada instituição se dedica a uma das dinâmicas descritas. No entanto, a União Europeia

é uma das principais vítimas deste cenário: mesmo após o incremento das suas

competências, o Parlamento Europeu tem um poder inferior se comparado com os

homólogos nacionais, o que se traduz numa relativa fragilidade da representatividade

(Moury, 2016). Aliás, esta é uma das justificações para a baixa afluência às eleições

europeias: o cidadão não sente que o parlamento é capaz de assegurar as suas

reivindicações, e questiona-se sobre a finalidade do seu voto. Portanto, a

responsividade é um instrumento que depende da perceção e comportamento de

ambas as partes: se a instituição sente que tem de responder ao eleitorado e se este

sente que as suas pretensões são ouvidas e, mais importante, se reconhece capacidade

ao respetivo órgão para as defender. Posto isto, vislumbram-se duas possíveis

alternativas: o reforço das competências atribuídas ao Parlamento Europeu e a

introdução do sufrágio direto na eleição do Presidente da Comissão Europeia.

A prudência recomenda-nos apostar no reforço do Parlamento Europeu, não só

por garantir a manutenção da tendência mais recente, mas também pelo défice de

competências que o Parlamento Europeu ainda demonstra. Além de, em alguns temas

decisivos, se manter uma instância consultiva no processo legislativo, não está

habilitado a escrutinar as atividades decorrentes do Tratado sobre a Estabilidade,

Coordenação e Governança (ou Pacto Orçamental), uma vez que este se apresenta

como uma expressão do direito internacional e não europeu. No entanto, a julgar pelos

desenvolvimentos no período histórico mais recente – a negligência da esfera

parlamentar mediante o incremento de competências dos restantes domínios – esta

transferência seria dolorosa e sujeita a vários entraves, nomeadamente devido ao

complicado quadro jurídico com o Pacto Orçamental. Registe-se, ainda, que a falta de

harmonia legal tornaria mais árdua a estratégia do parlamento, descrita por Moury

(2016), onde, a troco de resultados imediatos, é o próprio que estimula o seu

empowerment. Embora prolongada, esta abordagem revelou-se proveitosa para o

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Por uma nova responsividade na União Europeia

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 90

Parlamento Europeu, que renegociou sucessivamente o seu peso institucional a partir

do momento em que lhe foi garantida alguma influência. Recorrendo a um exemplo da

autora, a introdução de poderes orçamentais em 1975 permitiu que o Parlamento

Europeu congelasse fundos para obter poderes adicionais de controlo (Moury, 2016).

No entanto, o crescente ceticismo em relação à União Europeia exige uma

resposta mais célere e assertiva. Desta forma, argumentamos que acrescentar um elo

eleitoral entre população e Comissão Europeia pode ser o método mais eficaz para

combater essa descrença. O seu responsável máximo, o Presidente da Comissão, é visto

como um dos principais rostos do projeto e, por isso, responsabilizado pelo rumo

deste, muito embora inúmeros outros fatores estejam presentes nas decisões. Esta

eleição, não só cria o elo de responsividade entre a instituição e a população, como

reforça a legitimidade da mesma em atuar. Uma Comissão Europeia eleita repartiria a

representatividade com o Parlamento Europeu, tornar-se-ia diretamente escrutável

pelo seu exercício político e teria argumentos superiores quando forçada a negociar.

Esta proposta assegura a essencial mutualidade na perceção entre instituição e

cidadãos, previamente descrita.

5. CONCLUSÃO

Um dos principais desafios da União Europeia é reforçar a sua relação com os

cidadãos e, com isso, corrigir a crescente desconfiança que se tem verificado. Depois de

recuperado o trabalho de Dani Rodrik sobre a relação entre integração económica,

estado soberano e valores democráticos, é inequívoco que a estratégia escolhida se

concentrou numa forma de governo multinível, com Estados-membros e União

Europeia a repartirem funções. Contudo, esta promove a alienação dos cidadãos do

processo decisório, contribuindo para o ceticismo descrito.

Durante o conturbado período da crise económica, resultante da Grande

Recessão iniciada em finais da década anterior, as respostas providenciadas foram

altamente condicionadas pelo quadro institucional precedente, uma União Económica

e Monetária disfuncional. A impossibilidade de corrigir estas lacunas a longo prazo

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David Gil Gonçalves

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 91

(completando a construção gradual da federação europeia), ditou um conjunto de

transformações pouco convencionais e ambíguas, que se traduziu na manutenção da

dicotomia entre a dinâmica intergovernamental e comunitária, com ambos os

espectros a demonstrarem expansões nas suas competências. Todavia, este processo

não foi acompanhado por um reforço do escrutínio popular, o que conduziu a um

défice democrático.

Como agravante, a deslocação do ónus da representação dos executivos para

parlamentos só promoveu distância ainda maior da população. Os governos nacionais,

únicos representantes de cada Estado junto da União Europeia, demitiram-se da

responsividade perante o eleitorado nacional, delegando a tarefa para parlamentos

incapazes de participar regularmente na estrutura europeia. Além disso, a divisão à

escala europeia entre ambas as vertentes revela-se insuficiente para satisfazer os

cidadãos, o que exige a introdução de um mecanismo capaz de incrementar a

responsividade.

Posto isto, propomos a eleição direta do Presidente da Comissão Europeia

como forma de contrariar essa divisão e assegurar a satisfação do eleitorado europeu.

A responsividade seria partilhada entre o âmbito parlamentar e executivo europeu,

obrigando este último a corresponder às expectativas populares, mas, em simultâneo,

garantindo-lhe maior legitimidade. Recuperando o contributo de Rodrik (2007), esta

alternativa visa promover o vértice dos valores democráticos, corrigindo a tendência

que nos acompanha desde a crise económica. A tipologia destas alterações, ainda que

alusiva a estruturas federais, não representa uma ameaça vincada à soberania nacional

– visa, sobretudo, reconciliar a noção de responsividade com os objetivos do projeto

europeu.

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Marco Martins

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 93

A UNIÃO EUROPEIA NUM MUNDO EM MUDANÇA

ERA TRUMP 2.0?

MARCO MARTINS1

RESUMO

A presente análise visa compreender como a União Europeia se enquadra nesta nova realidade

internacional, na sequência das eleições norte-americanas para Presidente, tendo revertido a escolha em

Donald Trump, em detrimento da sua adversária Hillary Clinton. Importa, assim, compreender como a

União Europeia se posicionará nas relações internacionais, readaptando a sua política externa, defesa e

segurança, para além das consequências do Brexit, necessitando de reencontrar o seu caminho e o seu

projeto em nome da construção europeia e de seus valores democráticos, identitários e culturais num

mundo em mudança, com o surgimento de novos atores, desde os BRICS ao ciberespaço, desafiando todo

o legado imanente da Paz de Vestefália. Estaremos perante uma nova era, uma nova ordem mundial ou

apenas numa regressão entre novos e velhos tempos?

Palavras-chave: União Europeia, Estados Unidos da América, BRICS, ordem mundial.

Histórico do artigo: recebido em 18-04-2017; aprovado em 26-04-2017; publicado em 05-05-2017.

Publicação a convite do Conselho Editorial. 1 Professor da Universidade de Évora. Diretor da Comissão Executiva e de Acompanhamento da

Licenciatura em Relações Internacionais. Investigador do Centro de Investigação de Ciência Política (CICP,

FCT). Doutor em Relações Internacionais pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Auditor em

Política Externa Nacional pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. Évora, Portugal. E-mail:

[email protected]. This study conducted at CICP, Excellent (UID/CPO/00758/2013), University of Minho and

supported by the Portuguese Foundation for Science and Technology and the Portuguese Ministry of

Education and Science through national funds.

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A União Europeia num mundo em mudança. Era Trump 2.0?

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 94

ABSTRACT

The European Union in a changing world. The Trump Era 2.0? The present analysis aims to understand how

the European Union fits into this new international reality following the US presidential election, having

reversed the election in Donald Trump, to the detriment of his adversary Hillary Clinton. It is therefore

important to understand how the European Union will position itself in international relations, by adapting

its foreign, defense and security policies, in addition to the consequences of Brexit, needing to rediscover

its way and its project in the name of European construction and its democratic, identity and cultural values

in a changing world, with the emergence of new actors from the BRICS to cyberspace, defying the entire

immanent legacy of Westphalia Peace. Are we facing a new era, a new world order, or just a regression

between old and new times?

Keywords: European Union, United States of America, BRICS, world order.

_________________________________________________________________________________________________________________

1. INTRODUÇÃO: UMA EUROPA EM READAPTAÇÃO?

A Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de

Segurança, Federica Mogherini, em 2016, apresentou ao Conselho Europeu a Estratégia

Global para a Política Externa e Segurança da União Europeia. O presente documento

revela a posição oficial numa particular conjuntura, quer ao nível da Europa, quer

internacionalmente. No quadro europeu, ocorre num momento de elevada tensão

política, social, ideológica e económica, entre os Estados-membros, para além do Brexit

e do impacto negativo que o mesmo possa ter, não só internamente por aspetos que

se prendem com questões económicas, mas naquilo que representa simbolicamente,

como uma espécie de fracasso do projeto europeu e na sua incapacidade de manter a

unidade e a coesão internas em nome de uma identidade e de um passado. Na esfera

internacional, realçamos toda a entourage das eleições norte-americanas para

Presidente, e do brotar de uma nova forma de se realizar política e projetar as

ambições de um Presidente para a arena internacional.

Na verdade, a eleição de Trump marca o início de uma nova etapa das relações

internacionais, da procura do reequilíbrio das potências, nomeadamente entre os

Estados Unidos, a Rússia e a República Popular da China, permanecendo possivelmente

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a União Europeia (UE) como o fiel da balança nessas relações triangulares, Trump-

Putin-Xi Jinping.

De facto, a estratégia apresentada por Federica Mogherini realça os principais

valores da UE e do seu sistema em assuntos securitários e de defesa, enquanto ator das

relações internacionais, num mundo incerto e em evidente caminho para uma mudança

paradigmática. Importa, destacar o momento sensível que a presente Europa atravessa,

concretamente nos cenários de opções políticas e da continuidade da ameaça terrorista

no seu território. A referida estratégica traduz a natureza idealista e aspiracional em

nome da construção europeia, na sequência da Segunda Guerra Mundial, por forma a

evitar que uma nova guerra irrompesse e dizimasse novas vítimas. A opção pela via

idealista, ao invés de seguir a realista, retrata uma vontade expressa de optar para um

outro caminho e, sobretudo, de reaproximar os cidadãos europeus em identidade,

valores, democracia e segurança. É evidente que as estratégias nacionais no seio de

cada Estado-membro tendem a surgir no quadro realista, possuindo um caráter

vinculativo, alinhadas às opções políticas, de governo e, claramente, em consonância

com a defesa do interesse nacional, enquanto entidades soberanas, com hino,

bandeira, território e fronteira.

Contudo, a UE necessita de dar um novo rumo, designadamente na esfera das

ligações entre Estados-membros e os seus cidadãos como um todo e não na sua forma

singular, no reconhecimento e articulação ao nível externo. Num momento de viragem

e de transição das políticas mundiais, a UE, estrategicamente, deve assentar as suas

opções, interligando o doméstico com o externo, numa lógica de liberdade,

democracia e integração. Federiga Bindi (2010, pp. 36-37) recorda a posição de Tony

Blair, Reino Unido, e de Jacques Chirac, França, ao negociarem secretamente assuntos

relacionados com a defesa da UE, tendo como resultado a Declaração de Saint-Malo a

4 de dezembro de 1998, a qual incentivava a UE a deter um papel preponderante na

arena internacional, sendo, para isso, indispensável possuir uma certa autonomia e

forças militares credíveis para responder eficazmente às crises internacionais que

pudessem advir. Os Estados Unidos, na altura, não detiveram outra alternativa, a não

ser a de aceitação, porém, impondo determinadas condições, como: (1) não desligar a

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Política de Segurança e Defesa da Europeia da NATO; (2) não duplicar as capacidades;

(3) não discriminar junto de Estados não-membros da NATO. Precisamente, na

sequência do 9/11 e dos atentados de Madrid (2004) e de Londres (2005), a UE iniciou

um diálogo político no quadro do contraterrorismo com os Estados Unidos, Rússia,

Índia, Paquistão, Austrália e Japão (Bindi, 2010, p. 38) nas esferas da prevenção,

proteção, perseguição e resposta, em sintonia com as convenções e protocolos das

Nações Unidas.

Daí que seja necessário revitalizar a defesa europeia para responder aos

desafios do presente século XXI, como, por exemplo: (1) previsibilidade real de crises

económicas no espaço europeu e mundial; (2) fragmentações e divisões internas no

quadro ideológico; (3) os efeitos da Primavera Árabe, que ainda se fazem sentir, ora por

vagas migratórias, ora pela instabilidade política e societal na Líbia, Egito e Tunísia; (4) a

instabilidade no Médio Oriente, a par do surgimento do Estado Islâmico (Daesh); (5) os

sucessivos ataques terroristas, não só em solo europeu, como à escala global, tendo

provocado a morte de milhares de seres humanos; (6) o exponencial fluxo migratório

resultante de conflitos junto às fronteiras europeias, na zona do Mediterrâneo, como o

caso da Síria e da Turquia.

Neste contexto, importa analisar e verificar se de facto esta União Europeia não

atingiu os seus próprios limites ou se de entre os Estados-membros, no quadro da

segurança e defesa: por um lado, a Alemanha, que no seu Livro Branco evidencia

prioridades estratégicas defensoras da imperatividade de uma cooperação estruturada

e uma europeização da indústria de defesa para além de se criar um quartel-general

operacional civil/militar e, por outro lado, a França, que considera impensável que os

Estados-membros possam agir à margem da NATO. Nesse sentido, a Alemanha e a

França pretenderam e defenderam a criação de um quartel-general a 27, assumindo

aqui o Brexit, para missões e operações neste setor da defesa e segurança, pela

cooperação reforçada entre a NATO e a UE, perante a imprevisibilidade do cenário

mundial, onde os BRICS procuram assumir cada vez mais um papel preponderante e

alternativo ao domínio dos Estados Unidos no mundo.

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 97

Por último, refira-se que esta estratégia idealista reabre objetivos que, de certo

modo, estariam estipulados pelo então Tratado de Lisboa, sendo a sua implementação

imperativa e vital para reforçar a ação da UE, quer no seu território, quer no mundo, em

concreto no reequilíbrio do vínculo transatlântico, das potências, no papel dos BRICS e

no surgimento de novos atores das relações internacionais.

2. A RELEVÂNCIA GEOESTRATÉGICA DOS BRICS NA ARENA INTERNACIONAL

O surgimento dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) na arena

mundial, não só se deveu à Goldman Sachs, pela voz de Jim O’Neill no seu relatório

Building Better Global Economic BRICs (2001), na procura de uma alternativa que

respondesse à nova dinâmica e realidade internacional, ainda para mais coincidente

com os ataques terroristas em território norte-americano no 9/11, como também se

pretendeu introduzir na agenda global de investimentos a ideia da potencialidade

económico-financeira dos BRICS. Ora, mais tarde, a recessão económica de 2008/2009

veio outorgar aos BRICS um papel da maior importância face aos Estados Unidos e à

Europa, demonstrando a sua capacidade de resposta em tempo de crise global, além

do sustentável crescimento económico (O’Neill, 2013).

Nesse sentido, a partir da década de 2010, os BRICS optaram, enquanto

estrutura informal, por se agruparem politicamente, admitindo a África do Sul na

qualidade de novo membro. Precisamente, Jacob Zuma, Presidente de África do Sul,

participou na cimeira dos BRICS em Sanya, na República Popular da China, afirmando

este estatuto (Pipper, 2015). Quanto à inclusão sul-africana, esta consistiu em

referenciar geopoliticamente a importância deste país para África e, sobretudo, por

constituir uma das economias de maior e potencial desenvolvimento. A partir desta

cimeira do Forum dos BRICS, reposicionaram-se cinco países, em interligação, para

conceber uma espécie de plataforma de cooperação internacional nas esferas do

comércio, da política e da cultura, numa ótica de rivalidade para com o Fundo

Monetário Internacional e o domínio do campo ocidental nessa matéria, deslocando

dessa forma o eixo FMI – Ocidente para BRICS – global (Westcott, 2014).

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Recorde-se a esse título, o surgimento do G20 em 2009 que levou à

substituição do G7/8 ao incluir precisamente os BRICS e constituindo, porventura, o

agrupamento de países num fórum da maior importância quanto à deliberação em

matéria de governação económica internacional. Nessa ótica, importa sublinhar que os

BRICS se posicionam no campo das relações internacionais, quer económica, quer

politicamente, nomeadamente enquanto atores políticos, cujo foco da sua projeção

consiste em possibilitar que a ordem mundial vigente tenha um rumo alternativo para

sair da esfera de influência hegemónica dos Estados Unidos.

Aliás, a partir da convergência política, decidiu-se proceder ao lançamento de

um banco, o Banco de Desenvolvimento dos BRICS, cuja sede se encontra em Xangai,

projeto acordado na quinta Cimeira em Durban, África do Sul, a 27 de março de 2013 e,

efetivamente, fundado a 15 de julho de 2014, aquando da sexta cimeira, em Fortaleza,

Brasil, com um fundo de moeda de reserva de cerca de 100 mil milhões de dólares e

um capital de igual montante. Este Banco tem por função financiar projetos

relacionados com infraestruturas e que contribuam para o desenvolvimento

económico, em alternativa ao Banco Mundial e ao FMI. Sublinhe-se que no quadro das

infraestruturas a prioridade é concedida às áreas da educação, saúde, direitos das

mulheres, alterações climática, entre outras, para além de focar-se em setores

produtivos, nomeadamente o investimento em energia.

Por conseguinte, pela concretização de cimeiras anuais e da criação do Banco,

os BRICS reforçam o seu posicionamento a uma nova escala, a global, cujo efeito se

produz numa aproximação diferenciada ao desenvolvimento e no relacionamento em

eixo, Sul-Sul (Patrício, 2007), favorável em certa medida ao Brasil, para além da

coexistência e da necessária convergência nos seguintes fatores: (1) contribuir para a

estabilidade e o crescimento doméstico; (2) reforçar a participação em fora

internacionais no quadro multilateral e regional, como por exemplo junto da

Organização Mundial de Comércio (OMC); (3) pressionar o alinhamento das políticas

do Banco dos BRICS, em nome de um desenvolvimento sustentável; (4) promover a

democratização e a transparência na gestão deste banco, contribuindo pelo respeito

dos Direitos Humanos, o impacto social e o ambiente (Watson, 2013).

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Na perspetiva de Coning (2015, pp. 171-174), o princípio de respeito mútuo

pela soberania e integridade territorial, conforme expresso na Carta das Nações Unidas,

confere o princípio regulador em matéria de Direito Internacional na corrente ordem

mundial. Todavia, um dos fatores interessantes a destacar no quadro dos BRICS reside,

paralelamente, em matéria de soberania e integridade territorial, no caráter, ora

conservador, ora reacionário, dependendo do contexto de sua utilização, pendendo em

termos de escudo protetor pelos regimes em cada um destes estados, em caso de

resistência ao criticismo internacional por alegados abusos de violação aos Direitos

Humanos. Torna-se, consequentemente, na evidência de uma crescente tensão entre

estes estados e a comunidade internacional, por questões de comportamento e

respeito ao Direito Internacional, em parte resultante da pressão emanada pelo

Ocidente na adoção de políticas económicas liberais, o que incita à possibilidade de

manipular a conduta em política internacional para se manter uma aparente imagem

de não violação desses mesmos direitos ou soberania.

Contudo, este interesse político vai além do campo económico, sem, porém, se

desconectar do mesmo. Pelo contrário, os interesses dos BRICS enquanto atores

políticos (Kobayashi-Hillary, 2007) confundem-se com assuntos de índole económica,

sendo, por exemplo, imperativo para este grupo o reconhecimento de facto de que os

países em desenvolvimento sejam tratados enquanto parceiros em igualdade de

circunstâncias e direitos, em nome da sua afirmação na arena global (Nel, 2010). Diga-

se de passagem, o compromisso dos BRICS em nome dos Direitos Humanos e do

respeito da soberania emerge, em parte, pelo desenvolvimento e projeção dos

instrumentos emanados das instituições e/ou instrumentos financeiros extra e intra-

BRICS. Acresce, todavia, que em termos de soberania, todos os BRICS, excetuando a

África do Sul, encontram-se em disputas territoriais (Coning, 2015, p. 173).

Por norma, as contendas em matéria de soberania e de respeito pelos Direitos

Humanos, para além da questão dos aspetos ligados às alterações climáticas, geram,

face a este princípio de interferência, tensões entre cada um dos BRICS. Importa referir

o empenho no compromisso destes estados em direitos humanos, políticos, civis,

sociais e económicos. O Brasil segue-os nos seus assuntos domésticos e externos; a

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A União Europeia num mundo em mudança. Era Trump 2.0?

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África do Sul promove com empenho a promoção social, a justiça e a segurança

humana; em contraste a Rússia, a República Popular da China e a Índia, assumem

outras posições morais.

Nessa matéria, a Rússia advoga que o respeito pelos Direitos Humanos difere

dos seus princípios e características históricas, a Índia tende a não aceitar o conceito de

responsabilidade de proteção, para além de se comprometer em Direitos Humanos ou

integridade territorial. Assim, surge uma flexibilização intra-BRICS, assumida em cada

um dos seus vetores de política externa, manifestando positivamente os aspetos de

proteção aos valores e Direitos Humanos, desde que domesticamente não haja

qualquer tipo de interferência.

Todavia, o “pacto” assumido entre os BRICS de não-agressão mútua e na base

legal de igualdade entre os estados torna-se no aspeto de maior sensibilidade ou

senão naquele que possa comprometer ou ferir a unidade deste grupo, bastando para

tal, anunciar a perspetiva chinesa da sua fronteira com a Índia, ou do Japão para com a

China, além do espaço marítimo como ameaça à liberdade e segurança de navegação;

ou ainda, na ótica de Moscovo, da interferência da China no tocante à Geórgia em

2008, ou da abstenção no Conselho de Segurança por parte da China, referente à

anexação da Crimeia em 2014.

Além disso, os BRICS inseridos nesta nova dinâmica das relações internacionais,

ao interagiram enquanto grupo e apresentarem linhas objetivas de intervenção em

todas as áreas da economia, da política internacional ao comércio, projetam para a

comunidade internacional, leia-se Ocidente, um grupo cujos desafios convergem no

tocante à cooperação e trocas comerciais e, sobretudo, funcionando como plataforma

de futuros investimentos, garantido ao Ocidente a capacidade de resistência a ameaças

ou crises económicas, refletindo uma ordem policêntrica, onde a UE, apesar de em

momentos de crise, constitui um ator fundamental.

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 101

3. UNIÃO EUROPEIA - BRICS: VETORES ESTRATÉGICOS

Um dos principais vetores estratégicos do papel da UE nas relações

internacionais baseia-se na sua integração económica, posicionando-se na qualidade

de parceiro estratégico, expressando para o efeito uma economia robusta a seguir aos

Estados Unidos. A UE tem vindo a aproveitar o seu motor económico para reforçar a

sua componente política na arena mundial, concretamente junto dos seus vizinhos no

Mediterrâneo e além-fronteiras, pela promoção, não só de questões de segurança

interna/externa, mas, também, do desenvolvimento em simultâneo das suas estruturas

institucionais. Estas últimas visam a dinamização da cooperação e das trocas comerciais

a nível global, através do multilateralismo, de forma a proteger-se de eventuais crises

intra e extraeuropeias (Keukeleire, 2011).

Atualmente, a relação UE-BRICS permite observar a realidade vigente de um

outro prisma, em termos de poder, dado a UE deter pela sua natureza a capacidade de

se posicionar e de gerar mudanças no ambiente externo, leia-se no espaço

extraeuropeu. Segundo Keukeleire (2011), a particularidade das relações da UE com os

BRICS expressam-se, não só na sua vertente de poder relacional, soft power ou até

mesmo hard power, sobretudo em coerção, conflitos e crises, mas também pela

estrutura de poder, ou seja, com competência para influenciar as estruturas políticas,

económicas e jurídico-legais junto de países terceiros.

Portanto, a UE representa um instrumento por excelência junto dos BRICS,

regional e mundialmente, ao procurar promover mudanças estruturais, contribuindo,

por conseguinte, para o desenvolvimento da economia liberal e posicionar-se

favoravelmente pela afirmação da democracia pluralista. Contudo, sublinhemos que a

UE, apesar de expressar e possuir aspirações de alterações no ambiente externo,

concretamente como uma plataforma para influenciar as políticas domésticas e as

estruturas societais, termina por não usufruir de tal projeção internacional, ora por

problemas de ordem intraeuropeia, ora por colidir com aspetos interligados à

soberania e Direitos Humanos.

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Precisamente, a tendência verificada por obedecer ao princípio da não-

interferência em assuntos internos suscita, dessa forma, uma posição ambivalente,

nomeadamente no tocante às relações entre Moscovo-Pequim-UE, por incluir matéria

respeitante à violação dos Direitos Humanos, das minorias ou de assuntos de elevada

sensibilidade relacionadas com questões de segurança internacional, energéticas e de

combate ao terrorismo. Tradicionalmente, Moscovo e Pequim terminam por rejeitar

críticas ou as intenções por parte da UE com assuntos de índole interna. Se por um

lado, de acordo com Shambaugh (2008), aceitam-se acordos em que prevaleçam

reformas socioeconómicas e assistência técnica, por outro lado, recusa-se o diálogo,

nomeadamente as autoridades de Pequim, em fomentar o caminho para uma

sociedade democrática e pluralista respeitante dos Direitos Humanos.

Todavia, segundo Matlary (2004, 141-143), o modelo enfatizado pela UE em

política externa revela a aplicação da utilização do poder da legalização, em normas

internacionais, na procura de legitimar a sua ação. É evidente que, a par dessa

legitimação de certos standards aplicados a regimes onde os Direitos Humanos

constituem prática de violação, suscita interpretações díspares da distinção entre as

formas correta e a incorreta, o que naturalmente poderá privilegiar certos regimes em

detrimento de outros, concretamente na hierarquia das potências, condicionando a

consolidação do desenvolvimento democrático, que pode não acompanhar a

velocidade do setor económico num mundo globalizado e interdependente. A

interrogação que se coloca consiste em dissecar a ligação do conceito de legitimidade

com os Direitos Humanos, introduzindo-se, nesse aspeto, a diplomacia coerciva para

obter resultados na justificação da ação política da UE em nome do interesse nacional,

de cada um dos Estados-membros. A afirmação da identidade europeia na promoção

das suas convicções em matéria de Direitos Humanos acaba por se justapor aos

interesses do individual ao coletivo, reforçando igualmente a sua esfera de influência

enquanto ator político.

No quadro da construção da identidade da UE e dos BRICS torna-se evidente a

sua edificação em nome, não de uma convergência ou partilha identitária política,

económica e cultural, mas do resultado da acumulação de diferentes posições e papeis

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 103

assumidos na governança global. Reitera-se a incapacidade dos BRICS lograrem,

positivamente, resultados no G20 ou na Organização Mundial de Comércio, apesar da

contínua cooperação e do desenvolvimento de redes de ligação, de interações

resultantes do desenvolvimento cooperativo (Duggan, 2015, pp. 20-22).

Importa referenciar a procura de uma identidade própria na necessidade de

respostas eficazes aos desafios que se vão apresentando entre ambas as partes, UE-

BRICS, sobretudo em matéria de segurança internacional e na redefinição da agenda

global imposta pela comunidade internacional. Neste contexto, a UE não possui uma

relação específica com os BRICS, derivado da sua diferença, para além de

representarem um grupo não formal ad hoc em processo de desenvolvimento e de

afirmação. Importa sublinhar que no seio dos próprios BRICS, a perceção respeitante à

UE revela-se negativa, de uma estrutura em declínio com dificuldades em resolver os

seus problemas, o que vem confirmar, sem margem de dúvida, a importância da

concretização de parcerias estratégicas (Keukeleire, Bruyninckx, 2011, pp. 400-402).

É incontestável que os BRICS, enquanto economias emergentes, desafiam a UE

e aos seus Estados-membros em nome do reforço do seu posicionamento na arena

internacional, nomeadamente da sua crescente e célere importância para travar o

eurocentrismo vigente na política externa e na vontade de governança global.

4. A UE, POLÍTICA EXTERNA, SEGURANÇA E DEFESA: UNIDADE NA DIVERSIDADE

A definição e a projeção de uma política externa europeia junto dos BRICS

reproduzem o passo fundamental concretizado de um modelo inicial de cooperação

para a criação progressiva de parcerias estratégicas. Tendo em consideração que a

segunda metade do século XX é a era da integração regional, em processos comerciais,

económicos e institucionais. O modelo original europeu reflete um projeto que, na sua

essência, vai além da integração económica regional ou das diferentes etapas na

edificação de um mercado comum e da zona de moeda única, a zona Euro, de livre

circulação de bens, serviços e mobilidade individual.

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A União Europeia num mundo em mudança. Era Trump 2.0?

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A prossecução de uma sólida e gradual política comum, externa, monetária e de

segurança requer uma integração sólida que prime pela consolidação das diferentes

políticas, identidades, valores e culturas, respeitando a soberania de cada Estado-

membro, nas suas relações intra e extraeuropeia. Nesta ótica extraeuropeia, a UE

procura gerir as suas relações externas, deslocando a sua esfera de influência para além

das suas fronteiras e da zona natural mediterrânica (Yvars, 2010, pp. 274-80). A

globalização facilitou o posicionamento da UE no mundo, nomeadamente em

identificar os seus nichos competitivos de investimento para reforçar e adquirir

vantagens domésticas.

Presentemente, tendo por efeito o imperativo de manutenção do equilíbrio

regional para fazer face a novas crises, desde o terrorismo às sucessivas vagas

migratórias em consequência da guerra na Síria e à instabilidade em dois flancos, África

e Médio Oriente, a UE responde através da execução de uma política externa multi-

vetorial que faça face a um duplo desafio: por um lado, o reforço do pragmatismo e,

por outro lado, da garantia de estabilidade do contínuo processo de integração

regional e internacional. Para Susanne Gratius (2011), a UE é multilateral pela sua

natureza e vocação, expressando a partilha de soberania enquanto ator coletivo único,

no prosseguimento e concretização das suas aspirações, pela redução do

comportamento unilateral e incrementando os aspetos prendidos ao direito

internacional e ao princípio de negociação de igualdade, além de um evidente

empenho junto do sistema internacional numa ordem mundial multipolar, onde os

Estados Unidos tentam manter o seu posicionamento de superpotência.

Ora, na análise de Tiersky (2010, pp. 1-13), a influência da UE na política

internacional obedece a três tipos de poder: soft power, hard power e transformative

power. Enquanto hard power significa coerção e optar pela guerra, pela paz ou pela

imposição de sanções perante um conflito internacional, soft power traduz o lado

oposto, pretendendo influenciar outros países a optar pela decisão que seja de maior

conveniência para a parte interessada, prevalecendo a cooperação pela força da

atratividade e da cooptação, traduzido em vantagens económicas e/ou política de

inclusão. Por seu turno, transformative power reflete o poder de alargamento e das

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 105

relações especiais que levam a reformas consideráveis e conduzem a mudanças

políticas substanciais junto daqueles governos que queiram ou pertencer à UE ou

retirar vantagens económicas.

Daí que Taylor (2010, pp. 133-59) defenda a posição vencedora da UE no

processo de globalização ao lograr conquistar um lugar no comércio mundial,

constituindo, a par dos Estados Unidos e da República Popular da China, um dos

maiores parceiros e intervenientes do comércio internacional desde 2004, em resultado

do aumento das suas exportações para além das regiões periféricas. Além disso, Taylor

acrescenta, no panorama das relações externas a UE, a negociação das parcerias

estratégicas com múltiplos países, entre os quais os BRICS, México, Japão, Canadá,

União Africana, ASEAN e Mercosul, formando uma rede comercial, de cooperação, e,

sobretudo, de acordos de ajuda extensível aos países da Europa Oriental e do

Mediterrâneo, através da Política Europeia de Vizinhança e do Acordo Euro-

Mediterrânico, estabilizando as suas fronteiras externas e comprometendo os parceiros

com base no mercado da UE, como um meio que vise garantir a segurança e o respeito

pelos Direitos Humanos.

Com efeito, Renard (2016) destaca, em termos de parcerias estratégicas, aquelas

ligadas ao setor da segurança, na tentativa de a UE marcar a sua posição na qualidade

de ator “global” securitário. Neste contexto, a Estratégia Europeia Externa de Segurança

de 2003 e a Estratégia Europeia Interna de Segurança de 2010 identificam as ameaças

que a UE deverá enfrentar, sendo de destacar as seguintes: (1) terrorismo, por perdas

humanas e colocar toda a Europa em risco; (2) proliferação de armas de destruição

maciça, sendo a maior ameaça ao território europeu; (3) conflitos regionais; (4) crime

organizado; (5) estados falhados; (6) setor securitário energético; (7) alterações

climáticas; e (8) cibersegurança.

De todas as ameaças evidenciadas por parte da UE, aquelas que de facto

representam e traduzem um maior grau de vulnerabilidade são o terrorismo e os

ataques cibernéticos. Tal cenário leva a um reforço da cibersegurança por causa do

hacking e especialmente da espionagem, o que revela particularmente a radicalização

desta época, assim como a preocupação em torno do crime organizado, existindo cerca

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A União Europeia num mundo em mudança. Era Trump 2.0?

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 106

de 3600 organizações ativas em território europeu, implicando atividades criminosas

desde o tráfico de estupefacientes às consequências financeiras e humanas.

Como salienta Bickerton (2011, pp. 103-105), o setor da defesa traduz a

construção do sentimento democrático, dado surgir como uma agente da

democratização da UE, ou seja, o conceito de legitimidade democrática pressupõe uma

maior capacidade de integração, quer em termos de performance, quer em participação

e/ou identidade. As áreas da defesa e segurança implicam uma ligação agregada entre

o doméstico e o externo, traduzindo na realidade as limitações políticas cujo efeito se

sentirá em termos de défice democrático.

O reconhecimento da relação entre o doméstico e o externo transpõe a

performance da capacidade de conduta da UE na sua política externa e de defesa, quer

em ambiente de ameaça, quer de agressão. Todo este sentimento reflete a visão de um

estado em relação à sua capacidade de proteção e de resposta na aplicação dos

direitos fundamentais ou no papel político por parte de quem governa. Sublinhemos

que a UE, pela congregação das diferentes áreas de cooperação no âmbito da

segurança e defesa, tem dado primazia aos aspetos de proteção interna de cada um

dos Estados-membros.

4.1. UMA POLÍTICA EXTERNA EUROPEIA MULTI-VETORIAL

Ora, na verdade, o desenvolvimento da cooperação externa expressa o

progresso real da convergência dos diversos interesses nacionais defendidos por cada

Estado numa eficácia interna no seu todo para prover segurança à Europa no seu todo.

Assim, MacKenzie e Zwolski (2013) denotam o papel da UE no seu relacionamento

extra-UE, em particular com os Estados Unidos, por constituir um parceiro estratégico e

interlocutor fundamental na garantia do reequilíbrio regional e mundial. Nesse sentido,

Léonard e Kaunert (2013) inserem esse quadro cooperativo em ambiente pós-9/11 na

vigilância e na adoção de medidas passíveis de conter a ameaça terrorista constante,

sem prejudicar as relações bilaterais com as restantes potências ou parceiros. O

desenvolvimento da política externa da UE compreende a adoção de instrumentos de

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 107

contra-terrorismo, como intensificar a cooperação nos diferentes setores da partilha de

informação na comunidade de intelligence.

A capacidade de soft power da UE introduzida na sua política externa tem

ajudado a reduzir a esfera de influência de países, como a Rússia, que observa a Europa

enquanto unidade em erosão ou em fragmentação, em consequência da sua expansão

aos antigos satélites da ex-União Soviética, da rejeição do projeto constitucional e das

dificuldades de garantir a estabilidade financeira entre os países mediterrânicos,

Portugal, Espanha, Itália e Grécia. Acresce, todavia, o sentimento populista e anti-

integração em cada um dos Estados-membros, junto de partidos que visam quebrar

todo o processo geo-histórico do processo de construção europeia.

Paralelamente, emergem problemas ligados à energia (Rússia) e ao

investimento (China), nomeadamente nos pontos de acesso e passagem dos oleodutos

e gasodutos em território europeu, dividindo as posições entre os Estados-membros,

leia-se aqui o delineamento geopolítico, South Stream (Wijk, 2015, pp. 119-34),

assumindo de igual forma nexos de recursos globais, resultante da complexidade das

mútuas dependências (a) energéticas, (b) hídricas, (c) alimentares, (d) de recursos

minérios e (e) de recursos do solo.2

De facto, segundo um estudo por parte da Rand Corporation é possível

estabelecer uma medição precisa quanto à capacidade de poder de um Estado, neste

caso pela análise de 3 variáveis: (1) PIB, que dependendo do grau de riqueza, é possível

partir de um quadro negocial positivo; (2) inovação, no sentido de ser necessária para a

obtenção de prosperidade e de modernizar o equipamento militar; e (3) capacidade

militar convencional. A conjugação destas variáveis pode decidir a definição da política

externa de um Estado, aqui neste caso da UE no seu todo. Tal posição revela-se

decisiva na projeção do poder nas relações internacionais e, concretamente, na

execução com sucesso da política externa (Tellis, 2000). Precisamente, de acordo com

Hill e Wong (2011), o processo de definição da política externa europeia envolve, na

sua complexidade, a coordenação entre diversos tipos de estados, assimetricamente,

2 O South Stream consiste num projeto, em curso, de gasoduto pan-europeu para ligar a Rússia à Europa

ocidental, passando pelo Mar Negro, Bulgária, Sérvia, Itália e Áustria, permitindo à Gazprom contornar a

Ucrânia enquanto pais de trânsito (Fillippov, 2016).

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A União Europeia num mundo em mudança. Era Trump 2.0?

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das pequenas às grandes potências, para além da persistência das políticas externas

levadas a cabo por cada país a título soberano e individual.

Esta europeização das políticas externas traduzida numa única implica

procedimentos, atitudes e posições políticas comuns que se identifique com a

identidade alicerçada nos seguintes aspetos (Hill e Wong, 2011, pp. 210-12): (a) uma

posição comum, quer formal, quer informal; (b) essas posições comuns podem causar,

por vezes, dificuldades nas relações bilaterais ou nas políticas domésticas; (c) tentativas

de prosseguir as prioridades nacionais, não exclusivamente, através dos meios de ação

coletiva da UE; e (e) subscrição positiva dos valores e dos princípios expressos pela UE

na sua atividade internacional, na partilha de uma imagem e de uma identidade.

Aliás, Hill e Wong (2011, p. 220) consideram como passíveis de promover a

europeização das políticas externas domésticas os seguintes fatores: (1) o papel das

instituições; (2) a socialização; (3) uma liderança eficiente; (4) os federadores externos;

(5) as políticas de escala; (6) a legitimação do papel à escala global e, por último, (7) a

identidade geocultural. Evidencia-se que, somente com a conjugação de todos estes

princípios, a UE deterá a capacidade plena de determinar a sua política externa em

matéria de segurança e defesa a uma só voz, caso contrário, dificilmente responderá às

incertezas do sistema internacional ou ultrapassará determinados obstáculos quanto ao

futuro em termos de integração.

O sistema europeu de produção de política externa consiste, evidentemente, na

interação, por um lado, entre os ambientes internos e externos, e, por outro lado, na

relação das estruturas nacionais com a institucional da UE. Trata-se, pela própria

natureza do sistema, de uma dinâmica inseparável e evolutiva, no comportamento e na

capacidade dos estados enquanto atores das relações internacionais no processo de

defesa dos seus interesses nacionais e securitários.

Para mais, a evolução da integração europeia não pode ser reduzida apenas à

capacidade militar e ao poder económico, mas deverá considerar os campos da política

externa, da segurança, da defesa e, sobretudo, na coordenação de todos estes fatores,

de forma a estabelecer e a garantir a sua capacidade de resposta, mantendo

internamente a sua unidade e coesão. Ora, consequentemente, na perspetiva de

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 109

Monteleone (2016), a garantia da paz e segurança em todo o período de Guerra Fria e

de Coexistência Pacífica entre os dois blocos (por um lado, os Estados Unidos e NATO,

e, por outro lado a União Soviética e o Pacto de Varsóvia), deveu-se, por certo, ao

consenso intraeuropeu gerado e aos esforços de resposta a uma só voz, para que não

se repetisse uma nova guerra mundial, de causas europeias e de consequências

mundiais, evidenciando-se uma correlação entre a coesão e o sentimento identitário

coletivo europeu.

4.2 A UE PERANTE UMA NOVA ORDEM MUNDIAL: VELHOS TEMPOS, NOVOS

TEMPOS?

Deste modo, afirma-se que se vivem novos tempos em velhos tempos, onde

afinal não se espera uma mudança de sistema, mas uma regressão evolutiva do atual,

reafirmando o sistema vestefaliano, do poder soberano, da hierarquia das potências. A

única diferença constitui no surgimento do novo elemento na condução dos destinos

de uma nação: o ciberespaço.

Assim, no quadro da política externa europeia, de acordo com Hill e Wong

(2011, p. 227), só existem 5 possibilidades: (1) ignorar aquilo que coletivamente tem

vindo a ser realizado e procedido, tendo por base a independência da diplomacia

tradicional; (2) ativamente opor-se ou obstruir a tentativa de criação de posições

comuns; (3) tentar a utilização da política externa europeia na promoção específica em

nome de propósitos nacionais, i.e., uploading; (4) procurar um consenso maioritário

através da formulação de políticas institucionais, ou seja, downloading; ou (5) promover

a interação com os parceiros da UE, quer como um todo, quer por meio de múltiplos

grupos e intensificação das relações bilaterais, i.e., crossloading. É evidente que um

governo na formulação da sua política externa, e, neste caso concreto, numa ordem de

caminho incerto, enfrenta a realidade para além das suas fronteiras e o seu ambiente

doméstico.

Nesta nova era Trump 2.0, que se iniciou com a eleição de Donald Trump, onde

os seus tweets ganharam um domínio absoluto, não na definição da política externa

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A União Europeia num mundo em mudança. Era Trump 2.0?

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norte-americana, mas sim na sua execução, gerando ansiedade e, sobretudo, um novo

fenómeno, o das fake news. Os Estados Unidos surgem assim neste jogo de xadrez

mundial enquanto superpotência, onde, como refere Nuno Rogeiro (2017, p. 17), se

suspeita de que o inimigo do Presidente Trump é a sua própria pessoa, ou seja, o

programa. O discurso da investidura de Donald Trump no dia 20 de janeiro de 2017

abre uma época de transição sem precedentes na história das relações internacionais.

Dessa maneira, Trump apresenta um discurso sob a inspiração de dois dos antigos

Presidentes, Ronald Reagan (1981-1989) e John Kennedy (1961-1963), encontrando

dois estilos sobejamente diferentes, mas complementares, entre uma ligação com o

país e a ambição nacional da projeção dos Estados Unidos na arena mundial.

Politicamente, aguarda-se que Trump concretize políticas domésticas para

agradar, num primeiro momento, o seu eleitorado, num estilo conservador e

autoritário, para a seguir apresentar, no plano externo, uma espécie de détente com o

seu rival dos tempos da Guerra Fria, entenda-se a Rússia, optando no combate ao

terrorismo por uma estratégia de hard power. Este será acompanhado por investimento

considerável na defesa e de uma nova escalada armamentista nuclear e convencional,

dando sinais da necessidade de readaptar os papeis da NATO e das Nações Unidas,

visto os mesmos retratarem uma época passada e não contemporânea.

Na opinião de Richard Haass (2017), tendo em consideração todas estas

recentes mudanças no ambiente internacional, desde os Estados Unidos aos BRICS,

passando pela UE e a Rússia, gera-se um novo redesenhar da configuração do

equilíbrio mundial, nomeadamente por não ser passível de considerar que apenas o

respeito pela soberania e a sua complementaridade no sistema de balança de poderes

darão resposta a este modelo operacional. Destarte, este autor defende que se vive

numa ordem mundial 2.0 que resulta de mais de quatrocentos anos sob a Paz de

Vestefália. A ordem mundial 1.0 consistiu naquela que foi alicerçada em torno da

proteção e das prerrogativas dos Estados, sendo, desse modo, inadequada aos tempos

vigentes, em consequência da globalização. Praticamente, nada é local, tudo passou a

uma escala global, desde o turismo às doenças infectocontagiosas, para além de que

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 111

qualquer conflito interno seja passível de se tornar internacionalizável, como bem

salienta Adriano Moreira.

Apesar disso, não se trata somente de garantir a soberania, ao contrário,

evidencia-se a imperatividade de cada estado responder às obrigações dos outros,

aqui, introduzindo-se o conceito de obrigação da soberania, em contraponto com a

responsabilidade desta em atuar num mundo interconectado e interdependente,

envolvendo as principais potências, como a China, a França, a Alemanha, a Índia, o

Japão, a Rússia e o Reino Unido, para além do papel que a UE, o G-20 ou as Nações

Unidas possam desempenhar. Nesta ordem mundial 2.0, serão indispensáveis consultas

e conversações, entre outras, em matéria de saúde global, alterações climáticas e

ciberespaço ou, ainda, respeitante a ações de prevenção para travar a proliferação

nuclear e armamentista, bilateral e multilateralmente, por forma a obter os apoios

requeridos para evitar o caminho do descontrolo e de violência.

Nessa ótica, a UE, de acordo com Gariup (2009, pp. 192-93), ao considerar a

Política Europeia de Segurança e Defesa como um sistema de inclusão e de resposta a

crises e/ou conflitos internacionais sem prejudicar o campo de ação da NATO, mas sim

funcionando em complementaridade, está dotada de capacidade para enfrentar esta

nova ordem mundial, a que Haass introduz como 2.0, por assegurar a possibilidade de

desenvolvimento na operacionalidade progressiva das suas capacidades de

intervenção, estrategicamente num papel pivot da Europa.

A existência de problemas e responsabilidades partilhadas nesta Ordem 2.0

revela uma componente central de comprometimento no comportamento em relação

ao poder das principais potências (Estados Unidos, Rússia e UE) respeitante ao

equacionamento da sobrevivência por interesse mútuo e da garantia do princípio de

uma segurança comum. Esta aproximação na ótica de Buzan e Lawson (2015, pp. 300-

04) leva a assumir, na agenda da segurança nacional de cada potência, uma atuação

em nome da segurança com, e não mais da segurança contra, tendo por ameaças

comuns as alterações climáticas, o ciberespaço e toda a sua envolvente dos hackers à

ciberguerra, a proliferação de armas de destruição maciça, o espaço e, sobretudo, a

economia global.

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A União Europeia num mundo em mudança. Era Trump 2.0?

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 112

Com efeito, para Buzan e Lawson (2015, pp. 306-10), este modo de associar o

poder em resultado desta realidade, alude-se ao surgimento de novos atores das

relações internacionais, substituindo o tradicional domínio ocidental, ao garantir a

projeção de outras formas de organização, do surgimento de ideias que provocaram o

aparecimento de outras realidades sociais. Tudo isto, induz repensar a segurança e a

defesa, especificamente em ambiente de incerteza decorrente do novo modus operandi

da administração Trump, personalizada e centrada no homem de negócios Trump,

entre novos e velhos tempos das relações internacionais.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A UE E O FIM DA ORDEM VESTEFALIANA?

A UE encontra-se num processo decisivo respeitante à prossecução do seu

projeto de construção, não só respeitando o espírito de unidade e de coesão, como

também, realçando a imperatividade da garantia de uma identificação identitária junto

da população que une todos Estados-membros. Neste contexto, o legado histórico do

velho continente europeu traduz uma riqueza imensurável neste mundo

contemporâneo, onde se assiste a uma dinâmica crescente e volátil de transformação

global. Transformação esta em aceleramento e em ambiente de contínua incerteza,

pela interdependência crescente, aludida providencialmente pelo Padre Teilhard de

Chardin em O Fenómeno Humano (1955), no qual o decisor político, quem governa, é

colocado em confronto global para além das tradicionais fronteiras físicas e da inclusão

do instrumento ciberespaço, que cada vez mais se apresenta na qualidade de um novo

“ator” das relações internacionais, outorgando a possibilidade de manipulação não só

da informação ou da produção de fake news, como da capacidade de alterar à distância

o rumo de um país, de uma região, de um continente, de um mundo, rumo a

consequências devastadoras para o bem comum da humanidade. Esta complexidade

crescente introduzida por Teilhard de Chardin assume que divergência não é oposição,

mas ao contrário, convergência na continuidade da evolução sem rutura, onde o

passado se cruza com o futuro (Maltez, 2014, p. 89), entre as ações da política e da

humanidade.

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 113

Assim, se abre o caminho de um novo tempo, o do fim da ordem da Paz de

Vestefália, concebida em 1648, pondo fim à Guerra dos Trinta Anos, e alicerçando um

equilíbrio das soberanias, em nome da não-ingerência, inaugurando o moderno

sistema internacional, aclamado e reforçado na sequência do Congresso de Viena de

1815 e, finalmente, pela mão do Tratado de Versalhes de 1919. Todavia, o mundo de

hoje, representa o legado de um passado, de um tempo de outrora, de uma Europa

ainda por existir e sair fora do espectro de falsas consciências, de visões deformadas do

mundo. A UE depara-se numa encruzilhada na prossecução do seu projeto de

integração e na contribuição para a edificação de um mundo melhor, onde o Brexit e

todos os processos eleitorais internos de cada Estado-membro adquirem um outro

significado.

Por último, importa denotar a importância dos Estados Unidos, pela voz de

Trump, naquilo que consistirá em matéria de política externa, segurança e defesa,

realçando o seu papel diplomático, económico e militar, no quadro da aliança atlântica,

bem como da segurança europeia. As incertezas provenientes da própria personalidade

de Trump implicam, indiretamente, uma redefinição e readaptação da UE no

planeamento, negociação e implementação da política externa, concretamente em

áreas sensíveis como: (1) o futuro do compromisso entre os Estados Unidos e a NATO;

(2) a possibilidade de um rapprochement entre os Estados Unidos e a Rússia, entre

Trump e Putin, o que pode reduzir a área de atuação da UE; (3) a incerteza da dinâmica

das relações sino-americanas, concretamente, sobre Taiwan; (4) as renegociações

nucleares com o Irão, o que reduz o interesse norte-americano em retirar o Presidente

sírio, Bashar al-Assad; (5) a redução da proliferação de armamento nuclear em países

como o Japão, Arábia Saudita e Coreia do Sul; (6) a questão da fronteira dos Estados

Unidos e o seu controlo das migrações; (7) em nome do contra-terrorismo, o

incremento das operações de vigilância, pela Five Eyes Alliance (FVEY) – Austrália,

Canadá, Nova Zelândia, Reino Unido e Estados Unidos; (8) o aumento do investimento

na defesa e segurança dos Estados Unidos na ordem dos 300 mil milhões de dólares

para um período de quatro anos; e (9) o futuro das eleições em França e no que

respeita os acordos de comércio livre, como o Transatlantic Trade and Investment

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A União Europeia num mundo em mudança. Era Trump 2.0?

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 114

Partnership (TTIP) e o Trans-Pacific Partnership (TPP) (Black, Hall, Cox, Kepe and

Silfversten, 2017).

Por conseguinte, o Brexit e a vitória de Trump traduzem a abertura de novos,

velhos tempos em regressão, com níveis de imprevisibilidade sem paralelo, a par da

contínua ameaça terrorista em território europeu, o que vem pressionar o encontro de

uma estratégia europeia capaz de dar resposta a estes novos desafios na política

externa, na segurança e na defesa, tal como no novo modelo a adotar no

relacionamento Reino Unido-UE.

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A democracia portuguesa e a Europa democrática

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 118

A DEMOCRACIA PORTUGUESA E A EUROPA DEMOCRÁTICA.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS PROBLEMAS,

RESPOSTAS, SOLUÇÕES E INTERAÇÕES:

COMUNS OU DISTINTOS?

PEDRO PONTE E SOUSA1

RESUMO

Neste trabalho procuraremos perceber a história do conceito de democracia, e aprofundar os princípios

fundamentais das experiências políticas que nos são mais próximas (o caso português e a arquitetura

europeia), tentando alcançar quais as causas do atual desdém pelos preceitos democráticos e falta de

legitimidade dos sistemas democráticos ocidentais. Deste modo, centrar-nos-emos no futuro e

governabilidade das democracias, entre os valores fundamentais das sociedades, as preferências

individuais e os interesses coletivos, bem como as principais preocupações da Sociologia, Ciência Política e

Relações Internacionais ao analisar tal conceito. Faremos assim uma revisão de autores como André Freire,

José Manuel Leite Viegas, Carlos Leone ou António Teixeira Fernandes, em busca de esclarecer mitos

comuns acerca do funcionamento da democracia (e comprovar se estes são verdadeiros ou não), ao

mesmo tempo que se salientam uma série de condições essenciais para um bom funcionamento da

sociedade democrática (e se explica como melhorá-los), com uma ênfase reforçada nas questões de

cidadania, nas disputas naturais de luta pelo poder, e, sobretudo, nas questões de justiça, igualdade e

liberdade (sobretudo em termos de direitos sociais e políticos), sem as quais não podemos falar

verdadeiramente de democracia.

Palavras-chave: democracia, cultura política europeia, participação cívica e política.

Histórico do artigo: recebido em 30-10-2016; recebido após revisão em 02-12-2016; aprovado em 26-01-

2017; publicado em 05-05-2017. 1 Doutorando em Estudos sobre a Globalização pela Universidade Nova de Lisboa. Investigador no

Instituto Português de Relações Internacionais. Lisboa, Portugal. E-mail: [email protected].

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Pedro Ponte e Sousa

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 119

ABSTRACT

The Portuguese democracy and the democratic Europe. Some considerations about the problems, answers,

solutions and interactions: common or dissimilar? In this paper we seek to understand the history of the

concept of democracy, and deepen the fundamental principles of political experiences that are closest to

us (the Portuguese case and European integration process) trying to recognize the causes of the current

discontent for democratic principles and lack of legitimacy of the Western democratic systems. Thus, we

will focus on the future and governability of democracies, among society’s fundamental values, individual

preferences and collective interests, as well as major concerns from Sociology, Political Science and

International Relations to analyze this concept. Thereby we will review authors like André Freire, José

Manuel Leite Viegas, Carlos Leone or António Teixeira Fernandes, seeking to clarify common myths about

the functioning of democracy (and to see if these are true or not), while stressing a number of essential

conditions for the proper functioning of a democratic society (and explaining how to improve them), with

an enhanced focus on citizenship issues, disputes on the natural interest over power, and emphasizing

issues of justice, equality and freedom (especially in terms of social and political rights), without which we

cannot really talk about democracy.

Keywords: democracy, European political culture, civic and political participation.

_________________________________________________________________________________________________________________

1. INTRODUÇÃO

A democracia, ideia tão estruturante da vida política moderna e conceito com

séculos de história, é, todavia uma conceção que, até entre pensadores políticos que

normalmente se têm como fundadores da mesma, causou polémicas e divergências

(Canfora, 2007)2. Confundindo-se com conceitos como república, liberdade, justiça ou

participação cívica, esta ideia dos Gregos, «as primeiras pessoas (…) a criar Estados

somente como comunidades de cidadãos onde a administração e as políticas eram o

2 É particularmente relevante para o trabalho a que aqui nos propomos a seguinte citação do mesmo

autor: «Eis, portanto, que se começa a compreender a gaffe dos autores do preâmbulo da Constituição

europeia. Baseados numa informação de tipo escolar, (…) eles sabiam que “a Grécia inventou a

democracia”. (…) Provavelmente, procuraram primeiro entre os pensadores políticos (Platão e Aristóteles) e

devem ter ficado estupefactos ao constatarem que nas suas obras (…) a democracia é motivo constante de

polémica, tendo sido mesmo no caso da República de Platão alvo de uma polémica feroz.» (Canfora, 2007,

p. 23).

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A democracia portuguesa e a Europa democrática

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 120

direito e o dever desses cidadãos» (Ehrenberg, 1950, p. 515)3, vem até hoje,

transformada e alterada, sendo necessário esclarecer alguns equívocos e aclarar o seu

funcionamento. Proferida tantas vezes no dia a dia, falta compreender - não só no

âmbito nacional, mas também de fenómenos que ultrapassem tais fronteiras, em

particular no processo de construção europeia - as suas características (e problemas),

especificidades e dificuldades partilhadas por estes países4. Por fim, procurar-se-á

perceber que grandes dúvidas pairam hoje sobre a democracia e de que alterações,

atenções e soluções necessita para sobreviver.

Esta forma de governo, reproduzida para os tempos modernos pelas revoluções

Inglesa (século XVII), Americana e Francesa (finais do século XVIII), trouxe a liberdade e

igualdade (que funcionaram, porém, de forma muito diferente em cada uma destas

instituições, em cada um destes tempos históricos), bem como a discussão entre

sistemas eleitorais e tipos de sufrágio (universal versus censitário) para os nossos dias,

num momento em que, depois das lutas liberais e democráticas, após ferozes lutas de

classes para alcançar o poder político, encontramos, pelo menos no Ocidente,

democracias estáveis, baseadas em parlamentos onde também aí os partidos têm certa

solidez no tempo (vejam-se a generalidade dos parlamentos da Europa Ocidental). Mas

não podemos esquecer que «a democracia (…) é, com efeito, um produto instável: é o

predomínio (temporário) (…) de instâncias igualitárias, mais ou menos coroadas de um

sucesso duradouro» (Canfora, 2007, p. 297), sendo um conceito reclamado

correntemente por todos, quer sejam Estados socialistas ou capitalistas, autoritários,

populares ou liberais. Para além disso, e entre a natural dúvida entre aprofundar os

atores individuais ou as instituições da classe política para perceber os processos

políticos do presente (Cotta, 2008), há que notar a dificuldade que é aprofundar os

princípios fundamentais da experiência política que nos é mais próxima, sem cair em

julgamentos ou entendimentos de senso comum.

Fazendo-se aqui um aparte para explicar afirmações que fizemos mais acima, se,

por um lado, se vê o século XX marcado pela vitória de um tipo particular de

3 Tradução nossa.

4 Atendendo em particular a que «o vínculo conceptual Grécia-Europa-Liberdade tem uma história muito

longa» (Canfora, 2007, p.27).

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Pedro Ponte e Sousa

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 121

democracia, a democracia liberal5, e esta possa ser hoje vista como a única forma

legítima de governo, o fim desse período e o início do século XXI é marcado, de igual

forma, por um desinteresse cada vez maior pelos partidos tradicionais, ao mesmo

tempo que partidos populistas, antissistema ou de extrema-direita ganham peso, em

particular por toda a Europa, mesmo até antes da crise financeira internacional ou da

crise das dívidas soberanas (embora tais acontecimentos fizessem com que aquelas

dinâmicas se alastrassem até se tornarem uma preocupação para grande parte dos

europeus). Seria a democracia direta uma alternativa? Será ainda possível encontrar

uma “vontade geral”, uma noção de povo, com um mínimo de unidade e distinguível,

ou um “bem comum”, ou, pelo contrário, só através do autointeresse é que os

indivíduos participarão na tomada de decisões da comunidade? Quais «a[s] orige[ns]

do atual desapreço a atingir as instituições democráticas, bem como da exuberante

crise de legitimidade das democracias ocidentais» (Mouffe, 2006, p. 8)?

Como já vimos, todos os regimes (mesmo as monarquias) procuram

recorrentemente provar a todos a igualdade de todos os seus cidadãos face à lei. Até

certo ponto,

nem a caracterização legal do regime como "monarquia" representa qualquer

empecilho a essa cultura política moderna por excelência que assente na igualdade

de todos perante a lei. Neste mundo político moderno, os verdadeiros adversários

destes valores republicanos foram erradicados: monarquias absolutas ou teocracias

(mesmo electivas) são-nos estranhas São igualmente reais e legitimadas, decerto,

mas não pertencem à visão do mundo que constitui as sociedades modernas

(Leone, 2008, p. 81).

Procuram mostrar-se constitucionais e parlamentares, estando assim mais

próximas do sistema de governo democrático moderno e dos ideais republicanos na

sua prática diária. Todavia, estamos aqui mais centrados no futuro e governabilidade

das democracias, entre os valores fundamentais das sociedades, as preferências

5 Referimo-nos aqui, à semelhança de Mouffe (2006), ao modelo liberal-democrático em oposição a uma

democracia mais directa/deliberativa.

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A democracia portuguesa e a Europa democrática

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 122

individuais e os interesses coletivos. A tirania é o principal móbil para tais

preocupações, atendendo a que só o formalismo e o legalismo dos nossos regimes

políticos e sistemas de governo nos permitem gerir os conflitos diários da vida social

de forma eficaz, assegurando a manutenção e a segurança desta sociedade. No pior

dos cenários, esta estrutura do poder político permite-nos, sempre que necessário,

substituir os seus detentores por outros sem que haja lugar ao exercício de violência

física. Os conflitos do dia a dia que surgem para a sua resolução deverão ser sempre a

prioridade de tal sistema, atendendo à prática e aos princípios políticos gerais da

comunidade. Assim, serão vários os autores que, acertadamente, defenderão que «o

essencial da democracia está na sua limitação tanto de poderes de governo como de

atribuições políticas» (Leone, 2008, p. 84), que evitará autoritarismos, e que

esse esquecimento, seja ele feito em nome de valores e de políticas de Esquerda

ou de Direita (ou “acima” dessa divisão) tem por efeito a destruição dos ganhos

políticos (…) de séculos de combates e de reflexões, o afastamento da cultura de

tolerância que sustenta o civismo democrático e, consequentemente, o benefício

(…) da democracia (Leone, 2008, p. 84).

2. O CASO PORTUGUÊS

A sociedade portuguesa está centrada de forma inevitável no momento de

grande incerteza económica e, também, político-social, que se vive no presente. Mas

um certo desencanto pelos partidos políticos e um sentimento de falta de resposta das

instituições aos problemas da sua população, são indicadores que se pressentiam já

antes da crise económica e financeira que marca a atualidade nacional. As taxas de

abstenção têm vindo a aumentar de forma consistente desde as primeiras eleições

livres e, até redutos que se teriam como mais salvaguardados de tal desinteresse, como

será o caso das eleições para as autarquias locais, atingiram máximos já em 20136.

Note-se que falamos de um momento em que um grande número de autarcas não se

podia recandidatar, pelo que a imprevisibilidade dos resultados seria, logo à partida,

6 Todas as estatísticas aqui referidas, salvo informação em contrário, são provenientes de Pordata (2014).

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Pedro Ponte e Sousa

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 123

maior; mas também das eleições para os órgãos governativos que se encontram mais

próximos dos cidadãos votantes, verdadeiramente nas suas áreas de residência. Apesar

de serem comummente referidas as questões de inflação do número de inscritos nos

cadernos eleitorais, há quem exponha esta situação explicando quadros teóricos para a

abstenção e participação políticas (Freire, 2000): a abstenção por desinteresse ou

isolamento (geográfico ou social); a participação sem grande interesse, por dever; a

participação por interesse na prática política; e a abstenção como ato de recusa da

legitimidade ao sistema. Embora obviamente não possamos aqui detalhar sobre cada

um destes fatores, veja-se que os recursos educacionais, a integração e prestígio sociais

ou as ocupações profissionais são normalmente tidos como indicadores de maior ou

menor participação política. Assim, será desconfiança ou desinteresse? André Freire

apontava, há dez anos, que «apesar de o fenómeno continuar a ser mais rural e

periférico, (…) estes elementos vêm perdendo relevância, ou seja, tem crescido a

abstenção nos concelhos mais urbanizados (e semiurbanizados), escolarizados,

terciarizados, com maior peso dos jovens e secularizados» (Freire, 2000, p. 142).

Não poderemos, certamente, apontar os recursos educacionais (atualmente, os

mais elevados de sempre no país) como a causa para tal fenómeno. Releva-se ainda a

preocupação, nomeadamente para os decisores políticos e os partidos no sistema, de

uma democracia portuguesa relativamente jovem, sobretudo quando comparada com

outras da Europa Ocidental. Se é certo que uma atomização social (o inverso da

integração social, discutido acima) é absolutamente visível, é verdade que também é

um fenómeno transnacional, visível em todos os continentes. Saliente-se de novo que

em Portugal, especificamente, estes problemas não têm sido geralmente contrapostos

com (propostas de) soluções do género da de uma democracia direta ou

tendencialmente mais direta, mas caracterizam-se, de forma simples, apenas pela baixa

participação nos processos eleitorais (e, até, especificamente nos referendos,

nomeadamente sobre a regionalização e a legalização do aborto).

Assim, daqui para a frente interessa-nos particularmente compreender as

maiores dificuldades da democracia portuguesa, nomeadamente as surgidas no

próprio seio da atividade política e onde esta possa, por si própria, propor soluções

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A democracia portuguesa e a Europa democrática

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 124

efetivas. Tentaremos, olhando para o passado histórico e para os demais estudos já

efetuados, ajudar a tal tarefa. Partiremos, neste momento e essencialmente, da análise

da recente obra de José Manuel Leite Viegas et al., A Qualidade da Democracia em

Debate. Deliberação, Representação e Participação Políticas em Portugal e Espanha.

Olharemos com particular atenção para os capítulos sobre deliberação democrática,

tolerância política, significados ideológicos, sintonia ideológica entre deputados e

eleitores, associativismo e novas formas democráticas de participação dos cidadãos.

Parecem-nos temas de extrema relevância para este texto, por motivos que

explicaremos em seguida.

Quanto às atitudes políticas sobre a participação dos cidadãos e associações

voluntárias, com um inquérito a uma amostra representativa da população portuguesa,

mostrou-se haver grande grau de aceitação da participação política de grupos

minoritários e estigmatizados, à participação de candidaturas independentes à

Assembleia da República e à participação dos cidadãos e associações nos processos de

decisão política, embora tal audição sistemática possa (segundo dois terços dos

inquiridos) ser um impedimento da ação governativa. Quanto à discussão política, os

dados indicaram que os indivíduos discutem com pouca frequência assuntos políticos,

tema que surge muito mais significativamente em discussões da esfera privada do que,

por exemplo, com colegas de trabalho ou estudo. Usam-se poucas técnicas de

persuasão, sendo tal discussão sobretudo para troca de ideias mais do que

convencimento do outro. Os debates televisivos foram tidos como mais esclarecedores

do que os realizados na Assembleia da República, havendo uma percentagem

significativa de indivíduos que acompanha diariamente os acontecimentos políticos

nacionais. Por fim, quase metade dos inquiridos afirmou nunca ter mudado a sua

opinião depois de assistirem a um debate político na televisão – o que poderá

desvendar dificuldade em aceitar os argumentos do outro. Portanto, e em suma,

retenham-se como preocupantes a fraca discussão de assuntos políticos e a prática da

persuasão, baixo apreço aos argumentos apresentados, bem como, no que tocou à

audição de parlamentares, os partidos mais pequenos gostariam de ter mais

oportunidades de voz, embora não cedam tão facilmente nas suas posições. Foi

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Pedro Ponte e Sousa

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 125

salientada a importância da audição de personalidades da sociedade civil (qualificada,

e, sobretudo, plural); e que as diferenças programáticas e ideológicas eram menos

acentuadas quando há menor pressão dos media (Viegas, et al., 2010c).

Quanto aos significados dos campos ideológicos da esquerda e da direita, os

portugueses posicionaram-se entre os europeus ocidentais com mais baixos níveis de

reconhecimento da dimensão esquerda-direita. Tanto quanto aos temas tradicionais da

divisão esquerda-direita (distribuição ou concentração da riqueza, privatizações, defesa

dos serviços públicos, mais ou menos impostos, proximidade a sindicatos ou ao

patronato) quanto aos novos temas de divisão entre uma “nova-esquerda” e uma

“nova-direita” (participação dos cidadãos nas decisões públicas, orientações quanto à

autoridade, casamento homossexual, família tradicional, proteção do ambiente,

qualidade de vida, imigração, etc.), a maioria dos portugueses não os conseguiu

associar à esquerda ou à direita. Provaram-se ainda estatisticamente correlações entre

estes resultados e baixos níveis de exposição aos media, educação ou interesse pela

política (ou seja, aqueles que não conseguiam identificar os temas com a relativa

ideologia tinham estas características). Conseguimos identificar um grupo (de certa

forma significativo) que normalmente está associado ao discurso "os partidos políticos

criticam-se uns aos outros mas na realidade são iguais" (Guedes, 2012), algo que

poderá ter sido acentuado pelo «défice de clareza das alternativas, sobretudo entre os

dois grandes partidos» (Freire e Belchior, 2010). Por outro lado, reconhecendo-se que a

representação parlamentar exige alguma coincidência de interesses entre

representantes e representados, os deputados apresentaram um autoposicionamento

na escala esquerda-direita mais extremado que o do respetivo eleitorado, o que é,

contudo, concordante com pesquisas europeias similares. Os deputados, mostrou-se,

têm também boa perceção da posição dos respetivos partidos e dos seus eleitores.

Estes últimos são mais críticos que os deputados quanto ao funcionamento da

democracia – a economia funciona mal, o sistema político é indeciso e não ajuda a

manter a ordem (Belchior, 2010).

Quanto à participação social e política, se os dados já existentes mostravam

Portugal como o país com níveis mais baixos de participação associativa (só superior

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A democracia portuguesa e a Europa democrática

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aos países do Leste europeu), e como tendo maior participação em associações de

integração social (solidariedade social, religiosas, recreativas e culturais) do que as

voltadas para deliberação na esfera pública (ambientais, de consumidores e defesa da

paz e direitos humanos), não surgiram alterações de monta, particularmente quanto a

associações de novos valores sociais ou às associações com maior presença no espaço

público, em tendência contrária ao resto da Europa. Os cidadãos parecem mais

disponíveis para participações pontuais em causas que lhes dizem respeito, mais

através das tecnologias e menos participação continuada (Viegas, et al., 2010b). Por

fim, poderá apresentar-se como nova forma democrática de participação dos cidadãos

os orçamentos participativos. Esta experiência, já levada a cabo em várias autarquias

portuguesas, tinha, no caso do Brasil e dos primeiros projetos, objetivos de favorecer

os cidadãos mais carenciados e democratizar as instituições, tornar a gestão pública

mais transparente para o cidadão comum, e, finalmente, desenvolver novos tipos de

relações entre governantes e governados (embora estas experiências tenham tido,

pelos vários pontos da Europa onde foram aplicadas, resultados muito díspares)

(Fernández e Fortes, 2010)7.

Atendendo às soluções para tais desafios que até aqui apresentámos, para

António Teixeira Fernandes,

é preciso atuar, quer ao nível das instituições políticas, pela descentralização,

regionalização e revigoramento do poder autárquico, quer ao nível da sociedade

civil, desenvolvendo a chamada “democracia consociativa”8. Os principais objetivos

a atingir são a participação, a inclusão social e política e a diminuição das

7 Um exemplo de um bom estudo comparativo sobre a matéria é: Sintomer, Y., Herzberg, C. e Allegretti,

G., 2012. Aprendendo com o Sul: O Orçamento Participativo no Mundo – um convite à cooperação global.

Diálogo Global, 25. Alemanha: Engagement Global gGmbh. Disponível em:

http://www.ces.uc.pt/myces/UserFiles/livros/1097_DialogoGlobal_25pt.pdf [consultado pela última vez em

3 março 2014]. 8 Segundo António Teixeira Fernandes (2004, p.38), “democracia consociativa” é uma noção «assente no

poder negocial e na procura de acordos entre os diferentes segmentos ou subculturas de uma mesma

comunidade política, de forma a impedir que as divisões subculturais, no seu autofechamento, gerem

conflitos graves. (…) Nele se associam o pluralismo cultural e o pluralismo político. (…) Consubstancia uma

tendência para a busca de soluções pacíficas, com vista a tornar compatível a diversidade de crenças, de

valores e de interesses. (…) O governo é constituído por uma coligação que integra os principais dirigentes

políticos, as decisões são tomadas por unanimidade, a sua presença nos órgãos de decisão obedece à lei

da proporcionalidade e cada subcultura goza de competência para tratar dos assuntos que lhe dizem

exclusivamente respeito.

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Pedro Ponte e Sousa

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 127

desigualdades, sem as quais não poderá haver uma democracia plena (Viegas,

2004a, p. 1).

Portanto, atacando a concentração de poder político e económico e as limitações

que causa tal concentração ao bom funcionamento da democracia; já para Augusto

Santos Silva,

a participação a nível local (…) bem como nos processos interativos de acumulação

e de transmissão de experiências entre os agentes sociais, vão configurar uma nova

“sociedade civil”, (…) [não] em oposição ao poder político. (…) Vem a fortalecer o

espaço público, [e] incentiva a participação, o desenvolvimento e, por inerência, o

aprofundamento democrático (Viegas, 2004a, pp. 1-7).

Assim, a estes desafios de reforma e aprofundamento da democracia,

pretendemos dar exemplos concretos e respostas materiais e exequíveis para um maior

comprometimento (engagement) com o regime democrático liberal do presente –

desenvolvimento, transparência e afirmação da sociedade civil nas esferas política e

social; renovação social, tolerância e separação dos poderes, contra a ameaça de

poderes autoritários ou da tecnocracia, mas também sem uma totalização do social –

havendo espaço para o político, sem cair na socialização ou na privatização do Estado.

3. A EUROPA

A democracia liberal (a par das noções invioláveis de propriedade) deixou de ser

negociável no final do século XX. O sistema de governo ocidental venceu e a utilidade

e o poder individuais foram elevados ao expoente máximo da convivência entre as

gentes. Todavia, alguns autores já se davam conta, bem antes de estes fenómenos se

darem, de que

no que pode ser considerado o mercado político mundial, as preferências dos

consumidores estão a mudar rapidamente. Nós no Ocidente continuamos a ter a

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A democracia portuguesa e a Europa democrática

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 128

mesma preferência predominante por uma “sociedade livre”, mas os outros dois

terços do mundo – as nações comunistas e as recém-independentes, países

subdesenvolvidos que nem são comunistas nem democracias liberais – tornaram-

se agora efetivos consumidores globais, e estão a procurar algo completamente

diferente. Se nós acreditamos na soberania do consumidor temos que estar

preparados para deixar que a nova procura efetiva tome o seu curso e admitir que

tem reivindicações legítimas morais (Macpherson, 1990, p. 3)9.

Desta forma, apesar da ideia comum, prospectivava-se uma competição entre

sociedades, ou melhor, entre sistemas de governo, mesmo depois do fim da Guerra

Fria e do choque de superpotências.

Entretanto, a Europa fazia o seu caminho no processo de integração. Desde o

fim da Segunda Guerra Mundial, em numerosos instrumentos e instituições, a partilha

de decisões, o diálogo e o consenso e, de forma crescente, a delegação de uma parte

da soberania dos estados, foram conseguidos gradualmente, quer fosse para preservar

a paz e segurança da região, facilitar o comércio e o desenvolvimento da economia de

forma mais lata e executar a gestão do apoio financeiro americano à Europa destruída

(Plano Marshall). Mas o processo de construção de uma Europa “unida na diversidade”

começou a mostrar fragilidades com as convulsões nos Balcãs na década de 90 e

durante o processo de constitucionalização europeia onde, em vez de se equilibrar a

federalização preservando a voz dos pequenos países,

o dia a dia demonstra que as grandes prioridades dos Estados membros mais

poderosos tendem frequentemente a impor-se aos restantes e isso só não

acontece mais pelo facto de, não raramente, se verificarem contradições

bloqueantes entre esses mesmos Estados. A deriva para o diretório, seria, assim,

cada vez mais inevitável, e a introdução das votações por maioria qualificada, no

quadro das novas “estratégias comuns” (…) tenderia ainda a agravar este cenário.

Retomando um velho clássico, dir-se-ia que essa visão tende a considerar que a

União funciona como o conselho de administração dos interesses comuns dos

países dominantes na Europa (Costa, 2002, pp. 49-50).

9 Tradução nossa.

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Pedro Ponte e Sousa

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 129

Há, portanto, quem defenda que tal entrega de soberania debilitou estes países

e tornou-os mais sujeitos à especulação, porque não atendeu aos problemas de

Estados mais pequenos. No entanto, se a cultura política europeia é marcada pelo

projeto de integração, republicanismo e democracia, formas de ditadura antigas serão

mais facilmente afastadas, mas formas modernas poderão ressurgir quando, por

exemplo, se tomam medidas automáticas de suspensão dos direitos de voto de

Estados membros da União Europeia (UE) devido a incumprimentos financeiros, num

“estado de exceção” que significa «o primado da economia sobre a política, e sobre o

Direito (…) [e] desvalorizar os instrumentos interestatais até aqui desenvolvidos (…) em

favor de agentes e interesses económicos transfronteiriços» (Leone, 2012, pp. 75-76).

Desta forma, temos um conjunto de autores apologistas de um certo

igualitarismo, tanto da democracia como dos processos de integração dos Estados, ao

mesmo tempo que «as elites políticas italianas encontraram-se assim entrincheiradas

entre uma forte estratégia de voice franco-alemã, difícil de desafiar (…) e o apoio das

elites tecnocráticas à política da União Económica e Monetária, em particular» (Cotta,

2008, p. 233)10. Ministros com muita experiência política, mas pouca experiência em

carreiras burocráticas, bem como um número elevado de ligações a grupos de

interesses, normalmente cargos de administração em grupos económicos (Cotta, 2008,

pp. 108-114), poderá ser um indicador de uma baixa circulação das elites, fechadas em

si mesmas, e não apenas do poder político, mas bem imbrincadas com o poder

económico (mas, curiosamente, nem tanto com as burocracias dos seus Estados).

Teremos assim uma elite que, apesar de não muito distante dos interesses da massa

governada (por exemplo, no que toca aos sentimentos europeístas), não se renova,

causando uma lenta e gradual degradação da classe política mas também do sistema

político. Para além disso, podemos notar essa aproximação das elites políticas às

económicas pela perda de

grande parte do controlo sobre as políticas de segurança (…), [sobre] boa parte das

políticas internas [e assim] as elites do após-guerra haviam perdido muita da sua

10

Esta é uma análise feita particularmente a pensar no caso italiano, mas que assenta bem à generalidade

dos países europeus, e sobretudo ao caso português.

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A democracia portuguesa e a Europa democrática

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 130

legitimidade. (…) Começaram a ter que contar com outros atores decisionais

externos à arena nacional, mas também com uma comunidade política bem mais

ampla do que aquela em que tinham conquistado a sua posição de autoridade

(Cotta, 2008, p. 219).

Se existe quem alegue que a limitação das políticas redistributivas e, com esta,

uma cada vez menor confiança dos cidadãos nas instituições democráticas, eram factos

relevantes mas que não perigavam o funcionamento da democracia11, não será bem

assim no presente, com a atual crise económica e financeira que assola a Europa. De

forma mais premente, vêm a ser chamadas cada vez mais instituições de representação

política onde cada vez menos cidadãos se reveem (como na concertação social e nos

sindicatos). Tais associações ganham espaço mediático ao mesmo tempo que

diminuem os seus membros. Para além disso, os Estados têm cada vez mais o seu

campo de ação limitado (seja por normas internacionais ou transferências de

elementos adstritos à atividade de Estados soberanos para a competência de

Organizações Internacionais), mas têm muitas vezes sentimentos contraditórios quanto

a tal perda de poder. Contudo, os assuntos de política externa, cooperação

internacional, inserção internacional do país no mundo, integração europeia são ainda

pouco discutidos na opinião pública, ou porque tidos como consensuais

(nomeadamente, entre os partidos normalmente chamados a formar governo, e aqui

atendendo particularmente ao caso português) ou porque demasiado longínquos ou

com difíceis alternativas para serem mudados. Assim, se o debate político sai

claramente restringido e empobrecido, a participação política é ainda mais baixa

(novamente, dando como exemplo o caso português) no caso das eleições europeias,

mesmo em momentos importantes dos processos de alargamento.

11

Veja-se o caso de Viegas, et al. (2010a, p. 2): «a abertura dos mercados, a globalização, a diminuição de

poderes dos Estados nacionais foram fatores que agiram no sentido de impor limites às políticas

redistributivas, que estiveram na base da legitimação funcional das democracias representativas do pós-

guerra. Mas as limitações a estas políticas, desde a década de 70 do século passado, nunca puseram em

causa a estabilidade profunda das democracias, (…) [e se o] distanciamento e, mesmo, decréscimo da

confiança dos cidadãos face às instituições políticas (…) suscitam preocupação sobre o funcionamento das

instituições democráticas, (…) não prenunciam nenhum tipo de rotura.»

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Pedro Ponte e Sousa

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 131

Ao mesmo tempo, emergem os tais partidos populistas, antissistema ou de

extrema-direita por boa parte da Europa. Veja-se o caso do United Kingdom

Independence Party (UKIP), já tido como o terceiro partido do Reino Unido e com um

sucesso crescente no que toca ao antieuropeísmo ou ao fechamento das fronteiras aos

imigrantes. O mesmo acontece com o partido de Marine Le Pen e a sua Frente

Nacional, na França. O problema é ainda mais sério quando, a par da abstenção

crescente pela Europa neste tipo de eleições, o poder das instituições europeias

(nomeadamente quanto às que possuem uma natureza democrática) é cada vez maior

(simultaneamente reforçando a democracia europeia mas limitando em parte a ação

das instituições democráticas nacionais) – note-se que grande parte do ordenamento

jurídico é já decidido nessas instâncias e depois transposto para os Códigos nacionais.

Ao mesmo tempo em que se propõem estratégias com planos de ação e

desenvolvimento detalhados, com objetivos de tornar a UE na zona do mundo mais

competitiva, com mais emprego e mais coesa, os europeus veem, como já expusemos

acima, várias Europas de diretório, um Parlamento Europeu com um funcionamento

muito complexo (com várias clivagens que o atravessam) mas, sobretudo, a falta de um

povo europeu, que não parece estar a formar-se. A lógica nacional (e, muitas vezes, da

política nacional e do alegado “interesse nacional”) continua a funcionar e, pior ainda, a

imperar, tanto no discurso como na prática.

Ronald Inglehart analisava, há mais de 30 anos, estatísticas europeias12 sobre a

satisfação perante a vida relacionada com uma democracia estável ou desenvolvimento

económico. Nos países com democracias mais recentes a satisfação perante a vida é

normalmente mais baixa, sendo também que, normalmente, quanto maior o

desenvolvimento económico, maior a satisfação perante a vida. Mas note-se ainda que

Portugal está no último lugar de ambos os indicadores, sendo que, em geral, Espanha,

Grécia e França são os restantes países com piores resultados, pelo menos atendendo à

Europa Ocidental (Inglehart, 1988).

Há uma série de novos fenómenos que têm alterado o funcionamento das

democracias, nomeadamente das europeias. Autores reconhecem que os índices de

12

Note-se todavia que outros países desenvolvidos, como o Japão ou a África do Sul, também constavam

das estatísticas analisadas.

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A democracia portuguesa e a Europa democrática

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 132

confiança social (confiança generalizada no outro, ainda que desconhecido) estão a

decrescer largamente (sendo que fatores como a ausência de conflitos radicais, a

homogeneidade étnica, a eficiência e eficácia governamental, o nível geral de bem-

estar social ou a prosperidade económica foram alguns dos encontrados para

compreender esses índices) – embora seja difícil depreender se esta é uma causa da

crise da democracia, ou uma consequência (Newton, 2004); o papel das associações

nas democracias liberais, não só na velha questão de formação cívica e política dos

indivíduos, mas também contribuindo para a deliberação democrática e consequente

implementação das decisões políticas, com efeitos institucionais largamente positivos

(Warren, 2004); a intervenção das Organizações Não Governamentais numa nova

governança nacional e supranacional, embora estas possam ser tidas como pouco

representativas democraticamente, para além de ser necessária uma maior

compreensão da sua coordenação com todos os agentes sociopolíticos (Burns, 2004);

baixos níveis de exclusão na participação da vida pública de indivíduos pertencentes,

de forma geral, a diferentes grupos sociais pela Europa (embora apresentando valores

muito distintos, sobretudo quanto aos extremos ideológicos), e, mais significativo

ainda, com resultados que têm melhorado significativamente (Viegas, 2004b); de que

continua a ser essencial que os eleitores consigam identificar mais facilmente a

dicotomia esquerda-direita, em particular num mundo globalizado que levou a

significativas transformações no Estado-providência, e ainda mais relevante no

contexto da construção dos órgãos políticos e institucionais europeus (Freire, 2004); de

que novos modelos de participação política e eleitoral apelando à consciência e

deliberação individual estão a aparecer e poderão reforçar-se (referendo), embora

dificultados pelo facto de que nem todos os cidadãos dominarem as implicações

possíveis ou prováveis de questões deveras específicas. Ao mesmo tempo, é relevante a

afinidade partidária ou a posição do governo na altura do referendo em causa para as

referências que os cidadãos têm quando votam (Kriesi, 2004); por fim, e,

provavelmente, de forma mais importante, note-se que a realidade social está em

constante mutação e reconstrução e, assim, a mudança dos grupos sociais e do próprio

indivíduo são presságios essenciais de que não há um “fim da política” ou um “não há

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Pedro Ponte e Sousa

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 133

alternativa”; há apenas projetos políticos que poderão reavivar e fazer ressurgir a

política ou torná-la cada vez mais invisível ao cidadão comum e incompatível com os

seus interesses – mas também torná-la inalcançável e imutável para este (Lopes, 2004).

4. VISÕES ATINENTES A AMBOS OS PROPÓSITOS DE ANÁLISE

As relações sociais têm sempre o poder, transformador dos indivíduos, como

uma das suas dimensões, e um consenso geral racional é pouco compatível com os

valores plurais dos indivíduos. Mais ainda, o poder político tem uma natureza própria

onde, todavia, os modelos democrático e republicano deverão perceber que uma

perfeita unidade e transparência entre todos os atores é impossível – mas onde a

legitimidade do poder é ainda um fundamento essencial para a ação do Estado. A

política consiste em tentar controlar e conter hostilidades e antagonismos, próprios das

relações entre os homens – mas assegurando que tal “unidade” não erradica tais

fenómenos, mas onde o outro, mais do que ser destruído, deve ser “combatido”. As

ideias devem estar no centro do debate. Condescendência ou indiferença não podem

existir quando nos defrontamos com opositores legítimos. O combate é legítimo,

porque ambos os competidores lutam, dentro do quadro da democracia liberal, pelos

princípios de igualdade e liberdade (Mouffe, 2006, p. 27). A discordância faz parte de

uma confrontação absolutamente normal onde os pactos, a persuasão e a conversão

também são relevantes – as paixões (e o conflito) não podem ser erradicadas do

debate (de forma autoritária ou em prol da razão), mas mobilizadas em favor de

propósitos democráticos, numa sociedade com valores que são, evidentemente, plurais.

Cada uma

das diversas conceções de cidadania que correspondem às diferentes

interpretações dos princípios ético-políticos: liberal-conservadora, social-

democrata, neoliberal, radical-democrática, etc. (…) propõe a sua própria

interpretação do “bem comum”, e tenta implementar uma forma diferente de

hegemonia (Mouffe, 2006, p.29).

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A democracia portuguesa e a Europa democrática

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 134

Só nessa disputa funcionará o sistema democrático – evitando confrontos

coletivos de identidade e a apatia e desapreço pela atividade política, mas constatando

também que a racionalidade como único princípio é impossível no âmbito político. E é

essa contestação democrática que mantem as instituições e uma democracia pluralista.

Vamos ainda, em seguida, debruçar-nos sobre alguns elementos, essenciais e

estruturantes, para que uma democracia se sustente e opere adequadamente.

Se os media ocupam hoje um lugar fundamental na nossa sociedade, esse lugar

é central ainda no que toca ao poder destes «sobre os políticos e as instituições

políticas à escala nacional e mundial», segundo alguns autores, «provocando uma

perigosa perversão no funcionamento da democracia» (Correia, 2006, p. 9). De um

«instrumento de luta pelo poder e de exercício do poder – palco quase exclusivo do

confronto político e do combate» (Correia, 2006, pp. 14-15), nota-se uma subordinação

cada vez maior aos interesses económicos, tanto destes como até do próprio poder

político13, sendo que as revelações ou investigações operadas pelos meios jornalísticos

não conseguirão (por muito que o tentem) alterar o essencial das políticas nem a

natureza do sistema. Assim,

a concentração da propriedade em poderosos grupos económicos contribui para o

estreitamento do pluralismo de opiniões, (…) controla o debate no espaço público

(…) subordinando-o aos interesses ideológicos, económicos e políticos do poder

d[esses] grandes grupos (Correia, 2006, p. 113).

Tal estado de coisas, torna o debate e a democracia mais pobres e frágeis,

acentuando discriminações, consensos artificiais (reduzindo as opiniões discordantes),

etc.. Outros autores salientam o papel moderno das empresas nas guerras e na

formação das políticas externas, atendendo meramente ao interesse privado e ao lucro

– «o poder empresarial moldou o interesse público à sua própria capacidade e

necessidade» (Galbraith, 2006), criando a sua própria verdade, a maior parte das vezes

13

O autor ainda comenta: «O poder do jornalismo e da informação está a ficar cada vez mais subordinado

aos interesses económicos. Este facto reflete a nova hierarquia de poderes na nossa sociedade. O poder

político passou a estar submetido ao poder económico, e os media (…) não têm senão um poder delegado,

concedido e gerido pelo poder económico dominante».idem, p. 112.

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Pedro Ponte e Sousa

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 135

bem distante da realidade. O aclamado bem comum pode então ser um mero interesse

ou benefício próprio das elites de uma sociedade.

Quanto às elites, se é verdade que há um século apenas as famílias de classe

alta por todo o mundo tinham assegurada a sua segurança pessoal e um bom

tratamento aquando das dificuldades próprias da vida em sociedade – hoje essas

“seguranças” foram contrapostas, de certa forma, pelo terrorismo (nacional e

internacional) ou o risco de sequestro. Mas a existência de um governo estável

dependerá ainda assim, para alguns, de uma elite minimamente unificada, capaz de

conduzir a uma certa liberdade política e eleitoral, o que torna difícil a mera transição

«direta de regimes instáveis e iliberais para democracias estáveis e liberais» (Higley,

2010, pp. 138-139), como tantas vezes propagado no Ocidente. Vendo uma sociedade

livre e igualitária como utópica, propõem, contudo, manter-se no topo de tal sociedade

superestratificada como um estrato justamente superior dessa sociedade. Mas a noção

de que um povo deseja efetivamente uma democracia liberal, de forma ingénua e não

atendendo às circunstâncias locais, tem levado a uma «perene incapacidade das

democracias liberais se estabilizarem em número significativo fora do Ocidente»

(Higley, 2010, p. 148). Tornar pessoas desiguais em pessoas iguais pela mera imposição

de um conjunto de regras, acaba, naturalmente, por não dizimar tais desigualdades.

E assim chegamos à questão dos direitos sociais e políticos, à justiça, igualdade

e liberdade. Existirá, hoje, nas nossas sociedades (ou terá, em tempos, existido

efetivamente) uma participação livre e igual de todos os cidadãos (Reis, 2012)? Em

particular, aquando do uso da força pelo Estado contra reivindicações populares, até

que ponto a estabilidade governamental e a garantia dos direitos individuais não se

esgotam nessa ação? A igual liberdade em democracia ou os compromissos públicos

sobre direitos sociais e políticos são a única forma de separar divisões internas e fazer

crescer o projeto democrático. O exercício da liberdade por todos os homens, no

espaço público, a par de uma igualdade que não seja meramente formal, são condições

igualmente essenciais para a construção de uma democracia. A lei (atendendo à justiça

e, de certa forma, à razão), limitando os próprios governos, é a única forma de limitar

despotismos (de qualquer dos atores políticos), que «destr[uiría] tanto as condições

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A democracia portuguesa e a Europa democrática

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 136

sociais e políticas de igualdade e de liberdade no âmbito interno quanto violam a

própria conceção de humanidade» (Reis, 2012, p. 117). Recusar obedecer a leis injustas

seria, até segundo Tocqueville, uma obrigação do homem, nomeadamente quando,

numa democracia sempre em construção, os princípios e a ação perderem para os

procedimentos e a gestão, esvaziando a democracia, igualdade e liberdade (Reis, 2012).

Compreenda-se ainda que, no que toca à exclusão social, as eleições são um momento

chave para que os líderes a considerem como uma prioridade, esboçando políticas

sociais que promovam, de facto, a justiça social. Sem que tal trabalho ocorra, «toda a

pessoa excluída pode significar um debilitamento das bases sociais de uma

comunidade afetando diretamente o sentimento de solidariedade social dos membros

dessa comunidade» (Umpiérrez, 2012, p. 262), danificando a democracia de tais

sociedades, já que promove injustiças, num sistema de desigualdade de oportunidades,

e gera pobreza, bem como muitos outros tipos de adversidades, privando os indivíduos

das suas plenas capacidades e empobrecendo (diminuindo mesmo) as suas vidas. O

Estado de Bem-Estar é o principal sistema nas sociedades avançadas para impedir

contradições, desigualdades e servidões no interior de um território – de outra forma,

«a sociedade cairia em situação de geral conflitualidade e de alguma anarquia»

(Fernandes, 1997, p. 401). Estabilizando a sociedade, cria expectativas em largas

camadas da sociedade, debilita as razões para o conflito social e, portanto, leva à

cooperação entre classes e facilita o crescimento económico e a segurança social (pela

razões acima vistas) – tudo isto, pelo menos, parcialmente. Ao contrário do que esse

mesmo autor refere mais adiante, é a segurança de uma assistência, quando necessária,

que produz independência e autonomia, e não uma tutela, libertando os governados e

não os oprimindo – pelo menos, àqueles desprovidos dos meios necessários para uma

vida digna.

A igualdade “de uma coisa qualquer”, como afirma Amartya Sen, está na moda

entre autores e atores políticos, quer estes defendam a justiça distributiva ou o seu

inverso. Se, de facto, «a estrutura institucional da prática contemporânea da

democracia, em larga medida, é o produto da experiência vivida na Europa e na

América» (Sen, 2010, p. 427) ao longo dos últimos séculos, no que será uma realização

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Pedro Ponte e Sousa

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 137

ocidental, as diferentes formas de ver a justiça (libertária, igualitária, utilitarista)

deveriam, de forma unificada, procurar resolver pontos de vista divergentes para evitar

assuntos de somenos importância e tratar das grandes questões de (in)justiça global. O

primado da liberdade não pode, para Sen, colocar-se acima dos direitos básicos e

essenciais das pessoas, das suas necessidades – diferentes entre pessoas, lugares,

classes, etc..

Sendo a democracia argumentação pública, e o seu conteúdo de certa

racionalidade pública, a prática democrática deverá evitar o preconceito e dar origem à

mudança, acabando de urgência com uma série de ocorrências que envergonham ou

deveriam envergonhar (profundamente) sociedades modernas e desenvolvidas pelos

quatro cantos do mundo. Do controlo do capitalismo para um desenvolvimento

efetivo, permitindo a segurança humana, os direitos do homem mas, sobretudo, para

que o sucesso da democracia seja real, no concreto funcionamento das instituições

políticas e sociais. Os direitos humanos deverão estar na base de toda a legislação,

apresentando-se (como já discutimos acima acerca de outros autores) como

liberdades, fomentando a felicidade, o bem-estar e as capacidades enquanto dão a

oportunidade às pessoas de se tornarem os motores da sua liberdade. É, para nós, um

dever assegurar a liberdade e interesses de quem vê os seus direitos violados, incluindo

os seus direitos económicos e sociais – indispensáveis para uma verdadeira justiça

mundial, libertando o homem das suas privações e promovendo a qualidade de vida

numa sociedade que se quer, degrau a degrau, mais justa.

Por fim, os períodos de “exceção”, cada vez mais invocados para todo o tipo de

circunstâncias, não podem significar que ações fora da lei passem a ser então

justificáveis. Passar tais ações de clandestinas para legais será o próximo passo que,

todavia, a própria democracia, com os mecanismos que construiu e os próprios valores

que a fundaram e mantêm, tentará impedir. «A nenhuma Constituição se pode pedir

que fique de braços cruzados perante a sua própria destruição, deixando de usar as

armas do Direito contra aqueles que, servindo-se das regras do jogo democrático,

pretendem suprimir a democracia» (Otero, 2001, p. 272). À dignidade da pessoa

humana, liberdade individual e igualdade dos cidadãos não podem ser abertas

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A democracia portuguesa e a Europa democrática

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 138

exceções nos procedimentos da ação governativa, sob pena de estarmos a cair num

regime de sub-humanidade, tornando qualquer tipo de democracia ilegítima e

inviabilizando a justificação de “soberania popular”. Portanto, a separação dos poderes

e os direitos fundamentais só podem ser reforçados, e o escrutínio da opinião pública

feito de forma séria, para que a democracia não seja uma figura de estilo mas o espaço

natural de abertura, transparência, discussão e boas práticas. Só a ação dentro dos

limites democráticos permitirá que a democracia continue, efetivamente, a ser uma

democracia.

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O TTIP e as relações transatlânticas (UE-NAFTA)

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 142

O TTIP (TRATADO TRANSATLÂNTICO DE COMÉRCIO E

INVESTIMENTO) E AS RELAÇÕES TRANSATLÂNTICAS (UE-

NAFTA)1

ANDRÉ SIMÕES DOS SANTOS2

RESUMO

A relação entre Estados Unidos da América e União Europeia foi pautada pelas boas relações e cooperação

euroamericana nos primórdios do projeto europeu, num cenário de devastação pós-Segunda Guerra

Mundial. Estas são duas das maiores superpotências produtivas do globo, com volumes de comércio e

capitais tão relevantes que se equivalem em escala a organizações continentais como o MERCOSUL (na

América do Sul) ou a ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático). É num contexto de 43% da

produção mundial, 1/3 do comércio mundial e com um PIB anual de cerca de 750 biliões de euros (dados

de 2014) que se vislumbrava um acordo de associação iniciado em 2013, que constituiria a maior zona de

livre comércio de sempre, intitulada de TTIP (Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento). As

negociações, não obstante envoltas num secretismo inicial com pouca abertura por parte dos órgãos

comunitários, focaram-se essencialmente numa maior liberalização do mercado e respetivas trocas

comerciais, implementadas na adoção de novas regras e legislações (levantamento de barreiras

alfandegárias), em que a grande maioria dos contornos eram desconhecidos, mas que, em poucos anos de

conversações, conheceram os seus primeiros contratempos.

Palavras-chave: TTIP; Comércio Transatlântico; Comércio da União Europeia; Comércio dos Estados

Unidos da América; Política europeia e internacional.

Histórico do artigo: recebido em 30-03-2017; aprovado em 15-04-2017; publicado em 05-05-2017. 1 O presente artigo é o produto de uma coletânea de escritos e comunicações, que tiveram por base uma

composição de 2015, do mesmo autor, sob avaliação à unidade de Mestrado EU Foreign Policy da FSES -

Universidade Comenius, Eslováquia. 2 Licenciado em Estudos Europeus. Universidade Comenius, Eslováquia e Universidade de Coimbra.

Coimbra, Portugal. E-mail: [email protected].

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André Simões dos Santos

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 143

ABSTRACT

The TTIP and the Transatlantic relations (EU-NAFTA). United States and European Union have been

economically brought together since European Union’s creation. In a worldwide basis, both are the biggest

economic superpowers in physical size, trade volume and capital, even against other organizations of

countries based on bilateral and multilateral agreements in different regions of the world, such as

MERCOSUR (South America) or ASEAN (Asia). Both are responsible for 43% of the world’s production, 1/3

of the world trade and a GDP over 750 billion euros. Its unification process, started in 2013, would

constitute the biggest free trade external agreement area ever built, called ―Transatlantic Trade

Partnership‖ (TTIP). However, the negotiations were shrouded in an initial secrecy with little openness by

the EU bodies, focused essentially on further market liberalization and trade, implemented in the adoption

of new rules and legislation (elimination of customs barriers), whose the outlines were unknown, but

facing, in a few years of talks, their first setbacks.

Keywords: TTIP; Transatlantic trade; European Union’s trade; United States trade; European and

International Politics.

_________________________________________________________________________________________________________________

1. INTRODUÇÃO

A União Europeia (UE) e os Estados Unidos da América (EUA) convergiram

economicamente e de forma plenamente oficial a partir do ano de 2013. Num

panorama global de proliferação do comércio internacional, constituem-se como duas

das maiores superpotências económicas, tanto em volume de trocas como de capitais,

logrando serem maiores em escala que quaisquer outros países ou outras associações

de Estados, baseadas em tratados bilaterais ou multilaterais. São conjuntamente

responsáveis, direta ou indiretamente, por cerca de um terço do comércio global e um

volume de negócios superior a 750 biliões de euros.3 O seu processo de unificação

durante o périplo da administração de Barack Obama conheceu avanços significativos,

possuindo como pressupostos a construção da maior área de comércio livre alguma

vez construída, com potencial de maior preponderância para as hostes europeias: o

TTIP (Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento) ou simplesmente nomeado

de TAFTA.

3 Dados consolidados do Banco Mundial (2014).

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O TTIP e as relações transatlânticas (UE-NAFTA)

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A presente investigação propõe-se a estudar de forma objetiva, clara e

transversal, não exclusiva aos estudos da Europa, quais os seus hipotéticos efeitos, bem

como os prós e contras que poderiam vir a existir na eventualidade da sua constituição.

Sublinhando que, quer na generalidade das Relações Internacionais (RI), quer nas

relações económicas hodiernas, nada é realizado ao acaso, pelo que impõe-se atestar,

de forma clara e independente, quais seriam os reais benefícios da Europa com a

persecução desta estratégia que se efetivou. Irá olhar-se para todo o movimento de

iniciativa social ―bottom-top‖, que se gerou ao redor do enredo institucional UE, e

julgar-se-ão os proveitos ao nível das finanças, benefícios sociais (criação de emprego,

manutenção de condições básicas de vida), produtividade, impulso e

empreendedorismo das empresas europeias, política interna e externa e políticas de

segurança na globalidade de quatro diferentes capítulos historicamente sequenciados.

Sublinha-se que a Europa já possuía, à data, uma parceria exclusiva e bilateral com o

Canadá: o CETA (Comprehensive Economic Trade Agreement), concluído em 2014 e

recentemente aprovado pelo Parlamento Europeu (PE) a 15 de fevereiro de 2017,

simbolizando uma manifestação das constantes boas relações entre a União e os países

da América do Norte.4

Após abordagem e julgamento de todos os pontos e exposição de todas as

ideias contidas, uma síntese conclusiva procurará respostas a questões delicadas que

justifiquem todo o âmbito apreciativo da tese a abordar. Referir-se-á quão

significativos estes avanços poderiam ser para a prossecução da robustez da UEM

(União Económica e Monetária) na Europa, um dos mais importantes pilares do projeto

comunitário. A universalidade das relações entre UE e EUA-NAFTA servirá de base para

aprofundar os aspetos negativos e positivos do acordo em si, comprometendo-se este

escrito a, assim sendo, analisar estrita e profundamente o que cada uma das partes

aportaria à outra, face aos benefícios que poderia vir futuramente a colher ou se, em

alternativa, os benefícios seriam mútuos e de escalas semelhantes.

4 Ver sítio online da Comissão Europeia sobre o CETA, em http://ec.europa.eu/trade/policy/in-focus/ceta/.

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2. POLÍTICA EXTERNA DA UNIÃO EUROPEIA E PUJANÇA INICIAL

Enquanto organização pioneira nas Relações Internacionais, a UE dispôs de

inúmeras fases de embalo na sua história que fizeram consolidar, com relativo sucesso,

o seu estatuto político, pese embora o balanço favorável do peso de alguns dos

Estados que a compõem nessa medida. O seu mérito revela-se nas poucas décadas em

que emergiu, desde uma posição de organização regional modesta para uma

incontornável referência política que se reflete na complexidade dos seus processos, no

emaranhado das suas organizações e na amplitude de ação das suas políticas (Xavier,

2013, pp. 51).

Sendo o Mercado Comum Europeu uma das maiores potências produtivas e

económicas mundiais, conferindo à União Europeia um estatuto de ―gigante

económico‖, era indiscutível que esta deveria inclusivamente crescer na afirmação

política e internacional como resposta ao conturbado período de recessão económica e

financeira mundial da última década. Apesar de disporem de importância central, os

proveitos económicos deverão ser suplantados por outros indicadores mais relevantes

geradores de confiança interna e externa a longo prazo, nomeadamente o sucesso das

políticas externas, o prestígio na qualidade de ator internacional e a assunção da sua

própria segurança (Bretherton e Vogler, 2006, pp. 62).5 É neste enquadramento que o

TTIP se inseriu, numa Europa necessária de afirmação externa (materializada nas várias

adendas comunitárias perpetuadas pelo Tratado de Lisboa), de apoio norte-americano

primordial e de necessidade premente de crescimento transversal.

Os anos iniciais das negociações gozavam de um otimismo contagiante de

parte a parte que superavam quaisquer entraves que pudessem vir a surgir (sendo um

dos mais relevantes o levantamento das barreiras alfandegárias, uma das ambições-

base do acordo, por instância) (Berden et al., 2009, pp. 14). Se, por um lado, os

europeus viam com bons olhos os proveitos económicos, os norte-americanos não

poderiam perder a oportunidade de constituírem um outro mercado de livre comércio

e investimentos além dos que já possuía. Especialistas na análise às relações

5 Neste ensaio inaugurador sobre a política externa europeia, infere-se que três elementos constituem o

nível de actorness de qualquer potência nas relações internacionais: oportunidade, presença e capacidade.

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O TTIP e as relações transatlânticas (UE-NAFTA)

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transatlânticas realçaram que ―na eventualidade de bem-sucedido, o TTIP prometia ser

um avanço político, estratégico e económico incontornável bem como significativo das

aproximações relacionais entre ambos os atores no presente e nas décadas porvir‖

(Hamilton, 2014, pp. 25-39).

Com efeito, a generalidade das previsões iniciais apontava para que os maiores

ganhos da UE se prendessem com a perceção de que outros Estados constituiriam o

sucesso da sua política externa em comparação com as anteriores décadas,

materializando-se no mesmo. De forma resumida, o tratado contribuiria, por exemplo,

para o acesso facilitado da UE a produtos energéticos (já que os EUA são uma

incontornável potência energética global, não esquecendo que possui fragilidades

neste capítulo devido à crispação das relações com a Rússia sobre a questão da

Crimeia, desde 2014). De entre as motivações, destacou-se, inclusivamente, a ambição

partilhada de ―superar a crise económica e financeira de 2007-2008 a fim de gerar

crescimento e postos de trabalho para cidadãos‖, nos quais se perspetivavam ganhos

superiores a cem mil milhões de euros por ano para a UE, beneficiando do facto de

ambas as potências serem investidores recíprocos (Parlamento Europeu, 2013, p. 561).

Não obstante algumas críticas sociais que serão explanadas adiante, ficou

relativamente claro que, em praticamente todo o processo de negociação do TTIP, a UE

e os seus organismos se incumbiram de tratar o mesmo com suma e constante

importância ao nível comunitário, sem quaisquer interferências interessadas de

Estados-membros, o que, à partida, será salutar para a transparência e democracia

europeias. Idealmente, as suas relações sairiam impulsionadas, reforçadas e elevadas a

um nível mais cooperante com o tratado, não apenas nos espectros financeiro e

económico, mas, sobretudo, cultural e político. Esta seria uma oportunidade ímpar para

estabelecer pontes mais firmes com uma potência de força indiscutível, que

gradualmente levaria ao aumento do prestígio internacional da Europa, sendo inclusive

uma estratégia atrativa para os líderes europeus, de forma a colmatar todos os

malefícios sentidos desde os adventos da estabelecida (mas não-afirmada) política

externa europeia nos últimos vinte anos.

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Em 2013 e estabelecendo o que vinha sido discutido desde 2011, os governos

da União (pela via do Conselho) forneceram um mandato à Comissão Europeia (CE)

para que negociasse o TTIP fornecendo-lhe, igualmente, diretrizes específicas a

cumprir, executando um dos avanços do Tratado de Lisboa: o de negociar acordos

comerciais internacionais em nome dos Estados-membros (Conselho da União

Europeia, 2013). Embora relativamente limitada através dessas normas, a posição da CE

prova-se independente. Inicialmente, seria necessário envidar esforços para ultrapassar

as complexas questões burocráticas, legislativas e culturais que afastavam um eventual

pacto entre EFTA e NAFTA, em específico ―determinadas regras estranhas à

ambivalente regulação económica, tais como significativas barreiras para o comércio

transatlântico‖ (Lucarelli e Fioramonti, 2010, p. 22). O otimismo, crença e perseverança

em obter um entendimento imperava em ambas as partes, observando-se a referida

pujança dos meses iniciais de negociações no número de reuniões em 2013 (três) e na

generalidade de capítulos abordados. É relevante destacar que outros agentes, como

empresas de auditoria independentes, organizações de consumidores e outras fações

da sociedade civil, tiveram relevo na continuação do processo negocial.

Dado que tanto a UE, como os EUA, são importantes e ativos membros da OMC

(Organização Mundial do Comércio), e dado o acordo de que já dispõe (CETA), o TTIP

seria ele mesmo um importante complemento para empresários de ambos os

continentes estabelecerem relações económicas fortificadas (Mildner e Schmucker,

2013, p. 3). Além disso, constituiu-se como altamente desafiante à afirmação da

atuação económica da UE no panorama comercial mundial, sendo uma forma de

consolidação interna, mas não exclusiva ao continente europeu (Cooper, 2014, p. 2). A

própria arquitetura comunitária e constructos políticos da UE provaram-na robusta a

posições de inferioridade, já que, a dado momento das conversações, o facto de serem

difundidas notícias relativas a escutas a líderes europeus e mundiais por parte dos

Serviços de Informação norte-americanos, abalaram o pacto e aumentaram o tom de

crítica dos indivíduos europeus à cooperação euroamericana. O reforço do papel do PE,

saído do Tratado de Lisboa em 2014, permitiu que as instituições europeias, ―usando o

seu controlo democrático e supervisão funcional, defendendo os direitos de

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informação relativos às conversações da parceria UE-EUA‖, provocassem uma

importante mudança de postura negocial europeia, que a beneficiou e, em simultâneo,

obrigou os norte-americanos a ceder transversalmente numa panóplia de exigências

(Wessel e Takács, 2015, p. 17).

(xiii) (…) o consentimento definitivo do Parlamento Europeu ao acordo TTIP

poderá ser posto em perigo enquanto as atividades de vigilância em massa dos EUA

não forem completamente abandonadas e não se encontrar uma solução adequada

para os direitos de privacidade de dados dos cidadãos da UE (...) (Resolução

P8_TA(2015)0252 do Parlamento Europeu, 2015).

Mais do que a oportunidade, a UE percecionou internamente e deu-se a ser

percecionada externamente como um ator económico e comercial relevante e fê-lo

valendo-se da sua presença exponencial no sistema internacional (através de diversos

tratos bilaterais e multilaterais) e da sua capacidade própria (força dos seus Estados-

membros), concluindo-se que não se poderá encontrar outro ator nas RI com uma

postura tão suis generis quanto esta instituição comunitária. A ambição profícua das

partes foi o principal combustível para os avanços das discussões que ocorreram de

parte a parte e se plasmaram nas realizações efetuadas nos anos de 2013 e 2014, anos

de inequívocos avanços transatlânticos. Os anos seguintes trouxeram uma melhor

delineação daquilo que poderia vir a ser o acordo final (que se afigurava como um

dado adquirido), à medida da necessidade de aprofundamento de dossiês e, por

conseguinte, da aparição dos primeiros contratempos documentais e temporais.

3. CONTRIBUIÇÕES DO TTIP PARA A UNIÃO EUROPEIA

A responsabilidade por um negócio de imponente envergadura económica,

política e cultural fez com que, de forma visível, ele fosse zelado com o maior dos

cuidados por parte dos europeus e com acrescida prevenção por parte dos norte-

americanos, atendendo à importância e delicadeza de alguns dos tópicos. Faz,

portanto, todo o sentido procurar atestar o que poderia o tratado trazer à União

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Europeia, aos seus Estados-membros e aos respetivos cidadãos, sendo essa,

porventura, a maior questão que se levantou a todos os académicos sobre esta

parceria. Acima de questionar quem sairia tendencialmente beneficiado, impera-se

inquirir que contribuições e que riscos poderiam surgir para uma Europa

economicamente debilitada e se esses eventuais riscos foram tidos em consideração

pelos responsáveis europeus.

Estudos-pivot, direta ou indiretamente ligados a instituições europeias,

revelaram que o TTIP seria propício às quedas de preços de bens importados pela

Europa aos Estados Unidos (como consequência da remoção das tarifas alfandegárias),

acabando por estar disponíveis a preços mais competitivos para os europeus. Pesquisas

académicas independentes apresentaram, contudo, resultados mais modestos, que

transmitem incerteza e amplitude estatística, servindo esse facto como referência

motivacional para que o presente artigo procure respostas mais definitivas e tangíveis

nos próximos parágrafos.

Entre vários exemplos, o estudo de Raza (2014) mostra que os indicadores de

riqueza Produto Interno Bruto (PIB) na Europa a 28 e PIB per capita iriam somente

aumentar ―entre 0.3% e 1.3%‖. As taxas de desemprego iriam permanecer praticamente

inalteradas ou, no máximo, reduzir-se-iam em 0,42 pontos percentuais, sendo que as

exportações da UE iriam aumentar ―entre 5% e 10%‖. Todos estes efeitos seriam a

longo prazo e apresentar-se-iam, na sua opinião, num período entre uma a duas

décadas (Raza, 2014, p. 4).

Ao que à agricultura diz respeito, esta poderia ter sido uma excelente

ferramenta complementar para as relações económicas existentes entre os dois blocos,

já que dados de março de 2017 demonstram que as instituições comunitárias possuem

uma política de exportações agrícolas bem consolidada, refletindo-se em constantes

superavit anuais desde inícios da década de 2010 nesse capítulo (Comissão Europeia,

2017b). Este facto iria obviamente implicar mais abertura e desregulação normativa, o

que por si só seria uma fonte de vantagens, por um lado, e de desvantagens, por outro,

a serem exploradas no capítulo subsequente.

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O TTIP e as relações transatlânticas (UE-NAFTA)

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Podem encontrar-se debilidades negociais da União Europeia no que é relativo

à falta de cláusulas energéticas: o contratempo já referido das relações UE-Rússia e

NATO6-Rússia em relação à questão da península da Crimeia, desde inícios de 2014, fez

com que a Europa repensasse a Rússia como um dos seus maiores fornecedores

energéticos e dos quais se encontra mais dependente. Desse modo, a União não se

precaveu em incluir, desde logo, cláusulas de salvaguarda energética com os EUA

enquanto ator preponderante no mercado energético, de forma a ultrapassar essas

debilidades, situação para a qual a Alta Representante da União para os Negócios

Estrangeiros e a Política de Segurança, Federica Mogherini, alertou aquando da sua

reunião em 2014 com o Secretário de Estado norte-americano, John Kerry, em

dezembro de 2014. Na eventualidade de ser uma realidade desde o início das

conversações, esta teria sido uma ―jogada de mestre‖ por parte da UE no específico

―jogo de xadrez‖ da geopolítica global, protegendo a sua posição estratégica.

As intervenções de líderes políticos europeus e americanos refletiam as boas

relações que mostravam o ambiente positivo reinante de elogios e compromissos de

parte a parte, sendo patente que o eventual acordo as veio aproximar ainda mais. Sem

embargo, é digno de ressalva que o TTIP traria várias outras vantagens para a

globalidade da política externa da UE: em primeiro lugar, seria um excelente método

para promover a marca ―made in EU‖ num mercado como o da NAFTA e, por

conseguinte, procurar alargar essa promoção aos vastos parceiros comerciais com os

quais os EUA possuem relações. Em segundo lugar, adivinha-se que fosse consolidar

em pleno as relações com a América do Norte (recorde-se o existente negócio com o

Canadá – CETA) a outros níveis que não exclusivamente o económico e comercial.

Em terceiro lugar, colaboraria para a prossecução da visão externa da Europa e

da UE como potência económica ou ator chave para o comércio nas RI, comprovado

pela fortificação da sua posição em instituições como a OMC ou o Banco Mundial.

Finalmente, iria, por sua vez, constituir-se como um teste à robustez interna da União

enquanto ator capaz preservar as suas políticas internas, apesar dos pactos com

terceiros. Refiram-se somente a Política Agrícola Comum e outras políticas

6 Organização do Tratado do Atlântico Norte.

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comunitárias dos setores da agropecuária e fabril, que poderiam ter dois resultados

possíveis: por um lado, ter um grande sucesso nas exportações para os EUA ou, por

outro, sofrerem um forte revés devido à competitividade de preços dos produtos

americanos pelo fim dos protecionismos alfandegários, já que é um dos maiores

produtores mundiais do setor agropecuário (Cassard et al., 2014, p. 8).

No decurso analítico do assunto sob um prisma tendencialmente crítico e

menos moldado aos cânones do pensamento europeu, rapidamente surge a

consciencialização da forma como a cultura, a política e a própria sociologia podem

moldar o mundo físico e as próprias relações entre Estados, sendo que este acordo, e,

em particular, os EUA enquanto país, são exemplos pródigos disso: as fortes perceções

internas e externas dos norte-americanos na qualidade de superpotência hegemónica,

suportadas por décadas de unipolaridade global e aliadas a fortes posturas na mesa

das negociações são produtos culturais que se constituem como valiosos instrumentos

no processo de bargaining em favor dos norte-americanos, contribuindo para que

sejam eles próprios a tomar as rédeas dos acordos em detrimento dos interesses de

terceiros. A política externa e o TTIP em particular não são exceção, conquanto os seus

efeitos e resultados serem, no geral, mais preocupantes para cidadãos em solo

europeu, denotando um índice superior de transparência democrática digno de registo

em virtude de a Europa ser, em geral, uma potência normativa (Manners, 2002, p. 241).

Se porventura o pacto fosse assinado e não tivesse maior pendor acrescido para os

EUA, ele seria, assim, um feito considerável por parte dos europeus e um revés para os

norte-americanos, tendo em conta as respetivas reputações das suas políticas externas.

Sobressai, de igual modo, que a forma como este tratado foi apresentado aos

respetivos cidadãos, em particular aos europeus, não se revelou feliz, já que foi exposto

com demasiada relevância e aquando do apogeu de uma das maiores recessões de

que há memória. Acima do que foi descrito pelas agências europeias nos diversos

comunicados, notas de imprensa e relatórios oficiais, o pensamento geral vislumbrava

o acordo como determinante para a resolução dos problemas de vária ordem que se

prolongavam, o que, como se pode antever, foi politicamente perigoso na

eventualidade (não comprovada) de se tratar meramente de uma estratégia persuasiva.

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O TTIP e as relações transatlânticas (UE-NAFTA)

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 152

Ainda assim, ele foi apresentado como tendo caraterísticas integralmente positivas que

foram e são objeto de desconfiança por parte de críticos (Felbermayr et al., 2013).

Em síntese, atendendo às diversas adições que o negócio poderia acrescentar à

União Europeia, o trabalho introduziu como novidade nos estudos externos e das

relações transatlânticas a consciencialização do cidadão em torno das questões

políticas e da importância que desenrola nos diversos processos no seio da União

Europeia atualmente, mesmo indiretamente ou por representação. Respeitando essa

noção e compreendendo que algumas fações da sociedade civil se aglomeraram numa

forma de protesto a ele (como será apresentado em capítulos adiante), os cidadãos

possuem legitimidade de questionarem se de facto esta estratégia persuasiva não terá

sido realizada para ocultar eventuais resultados negativos a apresentar em tempos

futuros (Fröhlich, 2012, p. 344).

4. CONTRATEMPOS E IMPASSES DO TTIP

4.1. MARCADO PELA CRÍTICA

As referidas críticas ao Acordo Transatlântico de Comércio e Investimento

aglomeraram-se à escala da sua mediatização, nomeadamente por fações de índole

nacional e/ou conservadora, a partir do ano de 2013, que dividiram a sociedade civil.

Adotando um ponto de vista mais ou menos europeísta e concordando ou não com as

decisões tomadas por líderes europeus relativamente a objetivos de política interna e

externa, existiram fações de índole liberal (concordantes do acordo) ou de índole

conservadora (discordantes) que defendiam a primazia do mercado interno europeu.

Capítulos como a resolução de litígios, necessidade de reformulação da ISDS

(Investor-state dispute settlement) e sugestões de um sistema arbitral de investimento

mais transparente foram algumas das fronteiras em que as partes inicialmente

esbarraram. Uma das questões que a Europa necessitou de se colocar a si mesma foi se

estaria preparada política, económica e culturalmente para, no timing correto, partilhar

uma parte do seu vasto mercado com uma outra superpotência mundial. Os piores

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 153

cenários apontavam para que os ganhos não conseguissem suplantar os esforços

realizados pela UE e pelos seus países, principalmente as camadas de micro e

pequenos produtores ou comerciantes que poderiam perder a sua já pequena quota

de mercado para grandes cooperativas multinacionais, algo que este acordo viria a

legitimar.

Fazendo parte de inúmeras iniciativas por parte da sociedade civil, os ativistas

da Stop TTIP agregaram cerca de três milhões de assinaturas de cidadãos europeus a

pedir o fim das negociações, tanto do TTIP, como do CETA, e entregaram-nas à CE.7

Encontram-se impregnados a este movimento vários ideais e motivos, estando entre os

mais marcantes a ideia de que o tratado gerou descrédito a uma significativa parte das

populações e, por conseguinte, teria de ser travado usando o papel representado dos

cidadãos no PE. As razões podem variar: alegava-se que iria danificar a produtividade

do Mercado Comum e que seria ―uma ameaça para a democracia e para o princípio de

direito‖ e que seria ―negativo para produtores, trabalhadores, serviços e consumidores‖.

Apresentaram estudos cujos resultados, não só iam contra as conclusões dos estudos

de entidades europeias (de criação de cinquenta mil empregos a cada bilião de euros

de trocas) (Comissão Europeia, 2013), como, sobretudo, previam a degradação do

status quo da empregabilidade, uma vez que essa percentagem ainda viria a descer

vertiginosamente em regiões menos competitivas industrialmente, cujo setor principal

fosse a agropecuária. Indo ainda mais além, alegavam que as alterações de paradigma

produtivo na Europa iriam permitir a entrada a produtos agrícolas geneticamente

modificados (OGMs), abrindo uma ―caixa de Pandora‖ para um fenómeno que poria em

risco a saúde pública dos cidadãos que, face a isto, passaram a defender produtos de

origem integralmente biológica (permacultura). Assim sendo, concebiam que todo este

trato iria resultar numa menor soberania alimentar para os europeus, em detrimento da

promoção das grandes multinacionais agrícolas com sede nos EUA.

A preservação das regulações legais domésticas sem recorrer ao

estabelecimento de mercados comuns e falta de abertura à exportação também não

seriam características positivas para a Europa, para as suas empresas e cidadãos, sendo,

7 Ver sítio online do STOP TTIP, em https://stop-ttip.org/?noredirect=en_GB.

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O TTIP e as relações transatlânticas (UE-NAFTA)

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em alternativa, um perigo para a estagnação do mercado comum como um dos pilares

no qual se baseou toda a construção europeia (Rudloff, 2014, pp. 7-8).

Também Joseph Stiglitz (norte-americano galardoado com o prémio Nobel da

Economia em 2001) forneceu o seu testemunho sobre as ameaças para europeus e,

sobretudo, para norte-americanos, devido à desvirtuação do tratado em questão que

segue, na sua opinião, o interesse das grandes corporações americanas e europeias.

Stiglitz referia-se diretamente às cláusulas ISDS (Resolução Estado-Investidor)8

integrantes do TTIP, que iriam, daí em diante, permitir a multinacionais de ambas as

partes terem possibilidade legal de processar os Estados que interferissem ou

procurassem criar regulações contra si, ao passo que os Estados não teriam o mesmo

enquadramento, não sendo para eles possível processar essas mesmas corporações em

semelhantes. Estas condições legais desfavoráveis permitiram à CE apresentar uma

reforma a estas cláusulas, para constituir ―um mais moderno e mais transparente

sistema de arbitragem de investimento, que, além de proteger empresas, permita

igualmente a defesa de legislação e regulação por parte dos Estados‖ (Comissão

Europeia, 2017c). Ora, a esmagadora maioria das empresas transnacionais que Stiglitz

menciona (em várias das suas entrevistas em 2014 e 2015) possuem as suas sedes nos

EUA ou dependem diretamente do seu mercado. Evidenciando estas condicionantes,

afirma-se, portanto, que um eventual acordo iria beneficiar as grandes multinacionais e,

por consequência, todo o comércio americano de forma adicional, já que os seus

proveitos económicos seriam taxáveis dentro do seu território em detrimento do

europeu, devido ao número de empresas que são direta ou indiretamente dependentes

do mercado norte-americano, ao ser maior. Apesar de ser um entreposto apetecível e

valioso para as mesmas, a Europa não era, nem é, de momento, mais importante

estrategicamente que os Estados Unidos da América e este fator deveria ser objeto de

reflexão e de atenuações refletidas no TTIP, se aplicável, por parte das entidades

europeias.

É crível que este acordo não teria caraterísticas inteiramente positivas nem

inteiramente negativas, como de parte a parte se pretendeu fazer crer, havendo lugar à

8 Medida que à partida daria primazia jurídica a multinacionais em casos judiciais frente a Estados.

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 155

distribuição dos prós e dos contras pelos envolvidos. Contudo, as críticas apontadas a

produtos cancerígenos podem considerar-se plausíveis dado que os EUA possuem

políticas exponencialmente mais abertas ao uso de químicos na agricultura em

comparação com a UE (política REACH – Registration, Evaluation, Authorization and

Restriction of chemicals).9 Tendo em conta que os relatórios oficiais da CE previam uma

―uniformização dos antigos e atuais sistemas de regulação de químicos da UE e dos

EUA‖, seria de prever que este seria um capítulo em que a União teria algumas

dificuldades em resolver por, até à data, possuir uma legislação mais restrita à

utilização de químicos que o seu parceiro de negócio, significando que a eventual

uniformização descrita nas narrativas da CE poderia ser permeável a procedimentos

menos seguros que os vigentes (Comissão Europeia, 2014).

Às supramencionadas alegações de ―falta de transparência‖ das instituições

europeias envolvidas a fundo no processo negocial, sobretudo devido à não divulgação

de documentos ou informações sobre o mesmo, como resposta e numa situação difícil

em que todos os detalhes ou eventuais trunfos não deveriam ser divulgados sob pena

de colocar em perigo a sustentabilidade de um acordo, a União Europeia e as suas

instituições aprovaram, em dezembro de 2015, o acesso de eurodeputados a

documentos confidenciais. Apesar disso, todos os documentos de carácter confidencial

foram invariavelmente divulgados pela Greenpeace dos Países Baixos no início de maio

de 2016, sob nome de TTIP leaks, demonstrando a avidez dos europeus em conhecer

todos os desenvolvimentos dos quais são particulares interessados.

4.2. IMPASSES NEGOCIAIS

Em poucos anos de conversações, o Tratado Transatlântico de Comércio e

Investimento passou rapidamente desde a descrita ―pujança negocial‖ até um outro

período de estagnação e impasse das negociações, que se verifica na

contemporaneidade desta produção científica. Os anos de 2015 e 2016 ditaram uma

menor mediatização do tema e o arrastamento de diversas discussões em torno de um

9 Ver sítio online da Comissão Europeia sobre a Política ambiental REACH, em

https://echa.europa.eu/regulations/reach.

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O TTIP e as relações transatlânticas (UE-NAFTA)

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 156

maior número de encontros em 2015 e 2016 (cerca de quatro por ano), que

proporcionaram um atual estado que não terá tido em consideração os hediondos

esforços que se lhe antecederam, bem anteriores à oficialização em 2013. Com efeito,

de forma a combater essas mudanças irreconhecíveis e ao efetuar uma calendarização

apertada das negociações com EUA no ano de 2016, indiciou-se a grande vontade das

instituições europeias em obter um resultado positivo e se aglutinarem à volta do

mesmo caminho, facto que demonstra a vontade da UE em não deixar cair este dossiê.

O ambiente internacional presente, quer na Europa, quer na América, foi também

significativamente mais perigoso que o existente nos inícios da década de 2010. Todas

estas indubitáveis condicionantes devem ser consideradas sob forma de concluir que a

mudança do ambiente e das prioridades devem mudar igualmente as ações a serem

tomadas.

O state of play de abril de 2016 (estado das negociações) revelou que, nesse

ano, foram envidados esforços para acelerar o acordo através de reuniões ainda mais

frequentes, já que dos 25 a 30 capítulos possíveis ainda existiam cerca de 17 que se

encontravam incompletos ou com urgência de serem discutidos. Alguns progressos

foram-se realizando, nomeadamente em capítulos como as medidas facilitadoras de

exportação a Pequenas e Médias Empresas (PME), a eliminação de tarifas alfandegárias,

avanços nos serviços digitais, concorrência e resolução de litígios state-to-state. Era

visível que as previsões temporais para a sua efetivação estariam erradas, havendo

ainda um considerável caminho a percorrer para alcançar um entendimento furtuito.

De entre os três relatórios divulgados entre março e maio de 2016, os relatórios das

rondas de negociações (12.ª e 13.ª rondas) foram pouco conclusivos e pouco

detalhados, deixando bastante a desejar sob o ponto de vista da informação

permanente (frequentemente exigida pelos cidadãos e sociedade civil europeias, como

testemunhou o capítulo anterior). Os traços fornecidos sobre quais os assuntos em que

havia ou não acordo e quais as partes proponentes revelaram-se, por conseguinte,

superficiais.

A última ronda de negociações concreta até à data desta publicação deu-se

entre os dias 3 e 7 de outubro de 2016, a 15.ª ronda de negociações, mantidas em

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André Simões dos Santos

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 157

Nova Iorque. Com um programa extremamente vasto e, assim, ambicioso, propôs-se a

abordar temas como os acessos ao mercado, componentes regulatórias e legislação de

vária ordem, procurando ambas as partes fazer na mesma grande parte da

consolidação da área regulatória e composição de negociações, algo que à partida terá

sido realizado, plasmando-se no respetivo relatório (Comissão Europeia, 2016a).

Gráficos fornecidos pela Comissão Europeia refletem o esfriamento das exportações no

espaço abordado, em particular no capítulo dos índices do volume de trocas (Comissão

Europeia, 2016b).

O último documento revelador de entendimentos oficiais foi relativo à área da

saúde e regulação farmacêutica (GMP’s), divulgado pela Comissão Europeia no mês de

março de 2017, não contendo, porém, nenhuma referência de se integrar no âmbito do

TTIP (Comissão Europeia, 2017a). Por sua vez, o último arquivo de relevância

significativa foi o comunicado conjunto sobre o state of play de janeiro de 2017, sendo

vago e não conclusivo, já que apenas apresentou as características positivas e

realizações do passado agregadas a este tratado, não se referindo, em nenhum

momento, a quaisquer diretrizes a elaborar para o ano de 2017 ou seguintes ou para a

conclusão do mesmo, seja ao nível do avanço e aprofundamento das negociações, seja

na discussão de conteúdos, deixando no ar a suspeição de não existência de futuro.

Novas temáticas de carácter mais premente para a Europa como o terrorismo, a

escalada da questão dos refugiados ou o Brexit ocuparam a agenda das preocupações

europeias e todos estes são fatores que aumentaram o tom de desconfiança com que

o TTIP era visado, não sendo índices animadores para altos responsáveis europeus.

Não obstante a última reunião entre a chanceler alemã Angela Merkel e o

presidente norte-americano Donald Trump, em Washington, como forma de procurar

aproximar as partes e relembrar a centralidade da questão transatlântica, a campanha

do atual chefe de administração dos EUA para as eleições (não esquecendo que nas

mesmas era considerado um outsider político) baseou-se em dúbias narrativas nas

quais se incluiu a necessidade de mudança na ação política, quer interna como externa.

Desse modo, advinha-se que a prioridade de aproximação internacional da nova

administração americana seja, no momento, realizada a outras potências que não a

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O TTIP e as relações transatlânticas (UE-NAFTA)

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 158

União Europeia, cenário que a confirmar-se constitui-se como uma novidade de

atuação face à que tinha sido apanágio das diversas administrações americanas nas

décadas transatas. Isto rompe com um padrão político normativo vigente desde os

finais da Segunda Guerra Mundial (com o apogeu na Guerra Fria), em que as relações

com a Rússia foram definitivamente cortadas e o apoio à agregação da Europa foi uma

importante prioridade para os norte-americanos, paradigma esse que se vislumbra ser

alterado ou, no limite, retardado. Não esquecendo que as relações com EUA devem ser

salvaguardadas pelo seu envolvimento na NATO e pela importância central das

exportações para a estabilidade da economia europeia, a postura da UE e dos seus

líderes como principal parte interessada deve, assim, pautar-se pelo estudo do modus

operandi a adotar pela administração Trump nos meses que se seguem, face aos

projetos de associação comercial, adaptando-se e esperando pacientemente uma

resolução presidencial americana face ao TTIP.

5. SÍNTESE CONCLUSIVA

O vazio de documentação útil, cuidada e hodierna que não se apresentassem da

autoria de interesses políticos acoplados tornou, certamente, alguns dos propósitos

iniciais deste trabalho mais desafiantes. O escrito revelou-se heterogeneamente

inovador, não somente em procurar perguntas úteis e pertinentes mas, sobretudo, em

encontrar as suas respostas nos mais vastos espectros da temática, deslocando-se

desde os mais peculiares até aos mais próprios do senso comum, e abrindo, em

simultâneo, ao leitor novas perspetivas pelo esmiuçamento exaustivo das cláusulas e

peripécias conhecidas do Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento.

É apropriado dizer-se que através do processo de introspeção adotado para a

observação final entre vantagens/desvantagens, este estudo foi ao encontro das suas

expetativas com relativa distinção, já que, na prática, as aclamadas caraterísticas

positivas do acordo (se bem sucedido) poderiam efetivamente ultrapassar eventuais

resultantes negativas, significando assim que o acordo com os EUA poderia ter

cumprido os seus propósitos. Isto representaria uma lufada de ar fresco para todo o

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André Simões dos Santos

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 159

Mercado Comum Europeu e para a consolidação do projeto comunitário como um

todo, não esquecendo a elevada centralidade da resultante deste negócio para a

prossecução das boas relações entre europeus e os Estados Unidos da América. É, de

igual modo, um tema paradigmático das alterações que uma nova liderança política

(em particular a de uma superpotência global como os EUA) pode significar para toda a

geopolítica internacional, estendendo-se colateralmente a outros atores das RI.

Em suma, o Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento pode e deve

ser-se considerado como bem preparado, bem debatido e protótipo de uma

revigorada atitude negocial da União Europeia, finalmente demonstrativa do potencial

da sua política externa. Porém, e como este artigo observou, o período internacional

em que se inseriu e a conjuntura política global tornaram-no difícil de implementar e

os últimos acontecimentos fizeram com que o processo estagnasse por falta de

iniciativa e urgência americanas, sendo que também a UE focou atenções em assuntos

mais prementes e já descritos. A inexistência de desenvolvimentos relevantes, de

reuniões oficiais efetivas e o atual silêncio gritante das plataformas de informação

comunitárias alimentam a eventualidade real de atingir bom porto. Embora as relações

não sejam ameaçadas, um não-acordo é uma hipótese deveras negativa para a

consolidação da ligação transatlântica com a NAFTA, que o acordo com o Canadá

firmou, tendo em conta anos vindouros, concluindo-se como uma recessão posicional

da política externa para todos os envolvidos e, em especial, para a da União Europeia.

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COMUNICAÇÕES

A Política Comercial Comum à prova no pós-Lisboa - A competência para a

celebração de acordos internacionais de comércio da União Europeia

Maria João Palma

Acordo CETA: O Parlamento Europeu fez a diferença

Pedro Silva Pereira

Os novos muros da Europa

Nuno Cunha Rodrigues

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A Política Comercial Comum à prova no pós-Lisboa

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 164

A POLÍTICA COMERCIAL COMUM À PROVA NO PÓS-LISBOA –

A COMPETÊNCIA PARA A CELEBRAÇÃO DE ACORDOS

INTERNACIONAIS DE COMÉRCIO DA UNIÃO EUROPEIA1

MARIA JOÃO PALMA2

RESUMO

O alargamento do âmbito da política comercial comum da União Europeia a outros domínios além dos

relacionados com o comércio internacional de mercadorias iniciou-se com a entrada em vigor do Tratado

de Nice, em 2003. A partir dessa altura passaram a estar incluídos na competência exclusiva da União

Europeia (UE) a celebração de acordos internacionais relacionados com o comércio de serviços ou os

aspetos comerciais da propriedade intelectual. Estas novas competências contribuíram para alargar e

reforçar o papel da UE como ator na arena do comércio internacional. A globalização alterou a forma

como o comércio mundial passou a ser encarado, articulando-o com outras realidades conexas e que o

agilizam. Isso explica a competência adquirida pela UE com o Tratado de Lisboa (2009) relativa ao

Investimento Direto Estrangeiro. O Parecer 2/2015 do TJUE sobre o Acordo UE/Singapura irá contribuir

para clarificar a questão da articulação das competências entre a UE e os Estados-membros no que se

refere à celebração dos acordos de comércio da nova geração.

Palavras-chave: Política Comercial Comum, Investimento Direto Estrangeiro, Tratado de Lisboa, Parecer

2/2015 do TJUE.

Histórico do artigo: recebido em 15-04-2017; aprovado em 26-04-2017; publicado em 05-05-2017.

Publicação a convite do Conselho Editorial. 1 O presente artigo é baseado na nossa intervenção subordinada ao título: ―O Parecer 2/2015 do TJUE e a

competência para a celebração dos modernos acordos de comércio‖ – proferida no âmbito do Seminário:

―Acordo CETA: uma oportunidade para Portugal?‖, que teve lugar a 7 de abril de 2017, na Faculdade de

Direito da Universidade de Lisboa. 2 Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - FDUL (1992); Pós-graduada

em Estudos Europeus pelo Instituto Europeu da FDUL (1993); LLM College of Europe, Bruges, Bélgica

(1996); Mestre em Direito pela FDUL (1998); Docente da FDUL (1993-2009); Consultora Jurídica do

Ministério da Economia (1998-2015); Assistente Convidada do Curso de Estudos Europeus da Faculdade de

Letras da Universidade de Lisboa (2009-2015). Doutoranda em Ciências Jurídico-Económicas na FDUL

(desde 2016). Lisboa, Portugal. E-mail: [email protected].

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Maria João Palma

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 165

ABSTRACT

The Common Commercial Policy under challenge after Lisbon – the EU’s competence for the conclusion of

international trade agreements. The enlargement of the scope of the Common Commercial Policy beyond

external trade of goods started with the entry into force of the Treaty of Nice, in 2003. From that moment

on, domains such as the conclusion of international agreements relating to trade of services and

commercial aspects of intellectual property were covered by the European Union (EU) exclusive

competence. These new competences contributed to enhancing and strengthening EU´s role as an actor at

the international trade arena. Globalization impacted on international trade, articulating it with related

areas such as international direct investment. That explains the acquisition of this new competence by the

UE with the Treaty of Lisbon (2009). Opinion 2/15, which concerns the EU´s competence to conclude a Free

Trade Agreement (FTA) with Singapore, will contribute to clarify the relation between national

competences and the EU´s competence concerning the celebration of the new generation of international

trade agreements.

Keywords: Common Commercial Policy, Foreign Direct Investment, Lisbon Treaty, Opinion 2/2015 CJEU.

_________________________________________________________________________________________________________________

1. A POLÍTICA COMERCIAL COMUM DA UE – DE ROMA A LISBOA

O Tratado de Lisboa3 é o culminar de um moroso e complexo caminho em

torno da configuração das competências da UE, em especial, no que se refere à Política

Comercial Comum (PCC). O seguidismo das matérias cobertas pelos Acordos GATT (47)

e OMC (94) é evidente4: pretende-se que a UE funcione como a voz única no plano do

comércio mundial de forma a acomodar os ditames da globalização. Nessa medida, a

regulação deixa de respeitar apenas ao comércio limitado às mercadorias (Tratado de

Roma, 1957), para incluir outros aspetos como sejam, o comércio dos serviços, os

aspetos comerciais da propriedade intelectual (Tratado de Amesterdão, 1997 e Tratado

de Nice, 2003), fazendo notar um paralelismo entre a regulação do comércio no plano

mundial e o protagonismo que a UE assume através da PCC. Com o Tratado de Lisboa,

3 Em vigor a partir de dezembro de 2009.

4 O Acordo GATT (General Agreement on Tarifs and Trade) tem por objeto a liberalização do comércio de

mercadorias no plano mundial. O Acordo OMC acenta em três pilares: GATT (mercadorias); GATS (General

Agreement on Trade in Services) e TRIPS (Trade Related Aspects of Intelectual Property).

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A Política Comercial Comum à prova no pós-Lisboa

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 166

a UE dá um passo adiante relativamente à OMC ao incluir na esfera da regulação do

comércio externo o investimento direto estrangeiro5.

2. A COMPETÊNCIA DA UE PARA A CELEBRAÇÃO DE ACORDOS INTERNACIONAIS

DE COMÉRCIO – TENSÕES NO PÓS-LISBOA

A abrangência dos temas incluídos nos acordos internacionais de comércio da

Nova Era (inter alia, CETA, TTIP, UE/Singapura)6 estaria na origem, porém, de

controvérsia relativamente à competência para a celebração desses acordos - se a UE

per se, ou se a UE conjuntamente com os vários Estados-membros - a vaexata questio

da mixity.7 8

5 O Acordo TRIMS (Trade Related Investment Measures), anexo aos Acordos OMC, refere-se, apenas, à livre

circulação de capitais conexa com a livre circulação de mercadorias. 6 Na doutrina, Pedro INFANTE MOTA designa estes acordos de Mega-regionais, pois são ― …

suficientemente grandes e ambiciosos para influenciar as regras do comércio e os fluxos comerciais para

além das respetivas áreas de aplicação” - ―Os Acordos Mega-Regionais”, in União Europeia, Reforma ou

Declínio, Coordenação e Introdução de Eduardo Paz FERREIRA, ed. Veja, 2016, p. 381. 7 Tratámos esta questão no nosso ―A Proteção do Investimento Estrangeiro – uma Nova Política Europeia‖,

publicado no nº 1 desta Revista (2016), p. 124 e segs. 8 Sempre que o objeto dos acordos internacionais ultrapasse as competências exclusivas da UE,

envolvendo, também, competências dos Estados-membros, quer sejam partilhadas entre estes e a UE, ou

reservadas aos Estados-membros, ou inclusivamente uma combinação dos três tipos de competências

(exclusivas da UE, partilhadas entre a EU e os Estados-membros e reservadas aos Estados-membros), tais

acordos devem ser conjuntamente celebrados pela UE e pelos Estados-membros (acordo misto). Por

celebração entenda-se não só o ato formal da assinatura do acordo mas, também, a própria negociação

dos seus termos. Nestes casos, os Estados-membros mandatam a Comissão para negociar em seu nome,

surgindo esta, na condução das negociações, dotada de um duplo mandato outorgado pelos Estados-

membros e pela UE. Esta condução da negociação pela Comissão permite maximizar a influência coletiva

da UE e dos Estados-membros. O ato formal de assinatura exige, porém, a intervenção de todos os

proponentes, i.e.., Estados-membros e Conselho em nome da UE, sendo que, a ratificação dos parlamentos

nacionais será necessária nos termos das Constituições dos vários Estados-membros e, reportar-se-á às

partes do acordo onde residam essas competências (partilhadas ou dos Estados-membros).

A figura do acordo misto é fruto de uma construção jurisprudencial, maxime, através do Parecer 1/94, de

15 de novembro de 1994, onde o TJUE apreciou a competência da, à data, Comunidade Europeia e dos

Estados-membros para a celebração dos acordos que instituíram a Organização Mundial do Comércio

(OMC), tendo concluído pela sua natureza mista. Sobre o conceito de acordo misto, vide, MARISE

CREMONA – ―External Relations of the EU and the Member States: competence, mixed agreements,

international responsibility and effects of international law‖, European University Institute working papers,

Law º 2006/22, http://ssm.com7abstract=963316. Entre nós, vide, MARIA LUÍSA DUARTE – A Teoria dos

poderes implícitos e a delimitação de competências entre a União Europeia e os Estados-membros, Lex,

Lisboa, 1997, p. 600.

No texto dos Tratados pode apenas encontrar-se uma alusão aos acordos mistos no 2º parágrafo do n.º 6

do artigo 133º do TCE introduzido pelo Tratado de Nice (―… Os acordos assim negociados são celebrados

conjuntamente pela Comunidade e pelos Estados-membros), tendo a mesma desaparecido com a revisão

efetuada com o Tratado de Lisboa que suprimiu este parágrafo.

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Maria João Palma

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 167

Recorde-se que, o Acordo CETA9 seria o pioneiro num feixe de Acordos do pós-

Lisboa. As negociações seriam iniciadas em maio de 2009, e concluídas em setembro

de 2014, tendo o acordo sido, entretanto, assinado pela UE e pelo Canadá, a 30 de

outubro de 2016. O percurso até aqui seria, porém, turbulento.

Em paralelo às negociações do Acordo CETA decorriam as negociações relativas

a outros acordos (supra), nomeadamente, o Acordo UE/Singapura.

A Comissão, em 10 de julho de 2015, submeteu o Acordo UE/Singapura ao TJUE

para obtenção de um Parecer sobre a competência exclusiva ou mista para a

celebração do acordo (Parecer 2/2015)10, ao abrigo do artigo 218º, n.º 11 do TFUE,

defendendo a competência exclusiva da UE para a celebração do mesmo11.

Entretanto, a julho de 2016, a Comissão declarou que o Acordo CETA seria um

acordo misto, pese embora, sublinhamos, se tratasse de um acordo idêntico ao

UE/Singapura pela abrangência das matérias12 e a tese perfilhada por aquela em defesa

Hodiernamente, os acordos mistos tem vindo a assumir uma importância fulcral na implementação da

PCC. Por esse facto, entendemos que o tratamento dos acordos mistos pelos Tratados devia ser

recuperado e ampliado numa próxima revisão dos Tratados – por um lado, a definição de acordo misto

deveria ser introduzida nos Tratados nos artigos iniciais do TFUE (Título I – as categorias e os domínios de

competências da União); também a respetiva tramitação deveria ser expressamente regulada –

necessidade de duplo mandato outorgado pelos Estados-membros e pelo Conselho em nome da União à

Comissão Europeia, a quem continuaria a competir a negociação de ambos em nome da unidade da

representação externa da UE; ao Parlamento Europeu competiria a aprovação do acordo por parecer

favorável onde incumbiria, entre outras, a função de verificação do acordo à luz do artigo 21º do TUE; por

fim, a determinação expressa da necessidade de aprovação unanime do acordo por todos os Estados-

membros, em momento posterior à assinatura pelos membros do Conselho, nos termos das respetivas

Constituições.

Importante, também, esclarecer no corpo do Tratado que o princípio da subsidiariedade (artigo 5º do TUE)

regula o exercício das competências partilhadas no que se refere ao direito derivado mas não tem

aplicação no que se refere ao exercício das competências externas, assim se compreendendo a

necessidade da utilização da fórmula dos acordos mistos quando estejam em causa competências

partilhadas (infra). 9 Em 2015, a UE importava bens do Canadá no valor correspondentes a 28.3 biliões de euros e exportava

35.2 biliões de euros, valores que se calcula aumentem para mais de 20% quando o acordo entrar

definitivamente em vigor. Cfr. www.europarl.europa.eu/news/en/news.../ceta-meps-back-eu-canada-trade-

agree. 10

O TJUE irá pronunciar-se a 16 de maio de 2017. 11

Saliente-se que, a Comissão poderia ter submetido o Acordo CETA à apreciação do TJUE ao invés do

Acordo UE/Singapura, uma vez que as negociações se tinham iniciado em primeiro lugar no caso do CETA

e, na altura, os pressupostos para apresentar o caso ao TJUE estavam reunidos relativamente a ambos os

acordos. Em nosso entender, o acordo UE/Singapura terá sido usado com caso teste, prosseguindo as

diligências necessárias à entrada em vigor provisória do CETA. 12

Há quem na doutrina identifique um ―Modelo Invisível‖ de Acordo de proteção do Investimento pela UE

face ao clausulado similar que trespassa os Acordos em negociação, Vide, M. BUNGENBERG and A.

REINISCH – ―The anatomy of the Invisible EU Model BIT in The Journal of World Investment and Trade,

(2014), 15, p. 375.

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A Política Comercial Comum à prova no pós-Lisboa

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 168

da competência exclusiva da UE no Parecer 2/2015 relativamente à totalidade das

matérias cobertas pelo acordo UE/Singapura. A Comissão enveredaria, destarte, por

uma hábil estratégia de recuo, no CETA, propugnando a entrada em vigor provisória do

acordo apenas relativamente às matérias da competência exclusiva da UE13. Nesta

medida, a entrada em vigor definitiva do Acordo CETA irá depender da ratificação de

todos os parlamentos nacionais e regionais dos vários Estados-membros (cerca de 38),

sendo que, sublinhe-se, cada um destes parlamentos disporá de ―poder de veto‖ para

chumbar o acordo na íntegra, invocando, para o efeito, razões de competência

nacional14.

Entretanto, em outubro de 2016, sucede-se um conjunto de situações que

aumentaram a pressão em torno da celebração do Acordo CETA: a 5 de outubro, o

Conselho aprova uma Decisão no sentido da entrada em vigor provisória do Acordo

CETA15. Porém, a 13 de outubro, o Tribunal Constitucional Federal Alemão pronuncia-

13

Técnica anteriormente utilizada, por exemplo, relativamente ao Acordo UE/Coreia do Sul (supra), o

primeiro dos acordos da ―segunda geração‖ de zonas de comércio livre, incluindo comércio, serviços,

propriedade intelectual e outros assuntos relacionados com o comércio (concorrência, assuntos sociais). O

Acordo UE/Coreia do Sul foi assinado a 6 de outubro de 2010, tendo entrado em vigor provisoriamente a 1

de julho de 2011, e de forma definitiva a 13 de dezembro de 2015. Vide http://eur-lex.europa.eu/legal-

content/PT/TXT/PDF/?uri=OJ:L:2015:307:FULL&from=EN e http://www.consilium.europa.eu/en/documents-

publications/agreementsconventions/agreement/?aid=2010036. De referir outros casos de acordos que

entraram provisoriamente em vigor, à semelhança do UE/Coreia do Sul: UE/Colômbia, UE/Peru e UE

Ucrânia, e onde não houve tanta polémica como no caso dos acordos atuais. Tratando-se de acordos cuja

negociação fora iniciada no pré-Lisboa e, não sendo o âmbito da PCC tão abrangente, a mixity assumia-se

de modo mais nítido. 14

No sentido de que a não ratificação por parte de um Estado-membro derruba o acordo na íntegra,

pronunciou-se a Advogada Geral Sharpston nas Observações apresentadas no Parecer UE/Singapura, ainda

pendente no TJUE, ponto 568 (supra). Entendemos, porém, ser defensável uma posição mitigada, segundo

a qual, a não ratificação do acordo por parte de um Estado-membro só poderá derrubá-lo, no seu todo,

caso se considere que o acordo foi negociado numa lógica single undertaking, o que caberá,

eventualmente, ao TJUE determinar no âmbito da sua atividade interpretativa, em caso de discórdia (artigo

218º, nº 11 do TFUE). Prevalecendo o entendimento segundo o qual a lógica negocial que presidiu à

negociação do acordo não foi a de single undertaking, uma eventual não ratificação por parte de um

Estado-membro não será impeditiva da convolação em definitiva da vigência provisória do acordo, dando-

se, para o efeito, um aproveitamento do acordo relativamente às matérias de competências exclusivas da

UE, às quais os Estados-membros deram o seu aval enquanto membros do Conselho. Tal convolação da

vigência provisória em definitiva dar-se-á mediante uma nova decisão do Conselho e nova concordância

da parte contrária no acordo, in casu, o Canadá. Tal decisão só será possível após obtenção de parecer

favorável do PE, desta vez por imposição do TFUE e não decorrente de mera prática, como no caso da

vigência provisória. A decisão do Conselho obedecerá, em princípio, à regra da maioria qualificada, nos

termos do Artigo 207º do TFUE, embora a prática tenha ditado a regra do consenso para a aprovação dos

acordos comerciais no Conselho. 15

Vide, Decisão do Conselho (10974/16), de 5 de outubro de 2016, contendo a enumeração das

disposições que serão aplicadas provisoriamente, http://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-

10974-2016-INIT/pt/pdf.

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Maria João Palma

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 169

se, num processo com carácter de urgência, em sentido favorável à entrada em vigor

do acordo CETA a título provisório mas sujeita a certas condições16. Como mais

significativas dessas condições, salientamos a entrada em vigor limitada às

competências exclusivas da UE17 e à possibilidade de a Alemanha poder denunciar

unilateralmente o Acordo CETA no caso de a decisão final do TC vir a ser desfavorável à

entrada em vigor definitiva do acordo, uma vez que este irá pronunciar-se,

posteriormente, no que se refere, nomeadamente, ao Tribunal de Investimento18.

As tensões em torno do Acordo CETA atingem um pico a 18 de outubro de

2016, quando o Parlamento Regional da Valónia, (Bélgica), recusou dar o seu

consentimento ao Governo belga para a ratificação do Acordo. A assinatura seria

adiada, por duas semanas, vindo a ocorrer a 28 de outubro de 2016, após a Comissão

ter negociado diretamente com aquela pequena região19. Daqui resultou, entre outros

pontos, o compromisso de que o CETA será acompanhado de um instrumento de cariz

obrigatório no sentido de que não incluirá qualquer mecanismo privado de

arbitragem20.

A saga continua quando, a 21 de dezembro de 2016, a Advogada Geral

Sharpston apresenta as Observações no âmbito do Parecer 2/2015 (supra), no sentido

da competência mista do Acordo UE/Singapura, por razões que são, assim o

entendemos, mutatis mutandis, aplicáveis ao Acordo CETA. Assim, no caso de o TJUE vir

a partilhar o entendimento da Advogada Geral e se pronunciar pela competência mista

16

A ―yes but‖ decision‖ http://www.osborneclarke.com/insights/ceta-update-german-constitutional-court-

allows-provisional-application-of-ceta/. Para um comentário crítico, vide, JELENA BAUMLER – ―Yes, but …-

for now! The German Federal Constitutional Court´s judgement on CETA‖. em

http://worldtradelaw.typepad.com/ielpblog/2016/10/jelena-b%C3%A4umler-on-the-german-federal-

constitutional-courts-judgment-on-ceta-.html. 17

O TC Alemão enumerou as disposições cuja entrada em vigor provisória não seria possível,

concretamente, capítulos 8 e 13 (proteção de investimento incluindo o sistema de resolução de litígios e o

portfolio), capítulo 14 (transporte marítimo), capítulo 11 (reconhecimento mútuo de qualificações

profissionais) e o capítulo 23 (comércio e trabalho). Desta enumeração resulta que, o TC Alemão

considerou, indiretamente, o acordo CETA, como sendo misto. 18

O Tribunal Federal Constitucional Alemão deverá pronunciar-se a título definitivo, em 2018, altura em

que apreciará o CETA nos seus termos substantivos. 19

Vide https://www.theguardian.com/commentisfree/2016/nov/14/wallonia-ceta-ttip-eu-trade-belgium. 20

É conhecida a polémica em torno do recurso à arbitragem privada nos litígios entre investidores

privados e o Estado de acolhimento. Uma resenha dessa argumentação pode ser encontrada no artigo de

RICARDO DO NASCIMENTO FERREIRA – ―A Judicialização do Sistema de ISDS no TTIP‖, in, Revista

Internacional de Arbitragem e Conciliação, Almedina, Vol. VIII, 2015, p. 114. Vide, ainda, MAUDE BARLOW E

RAOUL MARC JENNAR – ―O flagelo da arbitragem internacional‖, Le Monde diplomatique, 01.02.2016.

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A Política Comercial Comum à prova no pós-Lisboa

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 170

do acordo UE/Singapura, tal decisão constituirá um ―padrão‖ aplicável ao feixe de

Acordos em negociação, com todo o peso institucional que isso acarreta,

nomeadamente, a necessidade de aval dos cerca de 38 parlamentos nacionais e

regionais dos vários Estados-membros, para a entrada em vigor definitiva desse

conjunto de acordos21.

A 15 de fevereiro de 2017, o Acordo CETA mereceu parecer favorável do

plenário do Parlamento Europeu, possibilitando, assim, a entrada em vigor provisória

na parte referente à competência exclusiva da EU. O Acordo aplicar-se-á

provisoriamente a partir do primeiro dia do segundo mês após a data em que ambos

os lados tenham notificado a outra parte de que completaram todos os passos internos

necessários22, o que os membros do Parlamento Europeu calculam que ocorra a partir

de 1 de abril de 2017.

3. POLÉMICA EM TORNO DA ENTRADA PROVISÓRIA EM VIGOR DOS ACORDOS

COMERCIAIS – CONSIDERAÇÕES DE IURE CONDENDO

O Tratado regula a entrada em vigor provisória dos acordos internacionais no

artigo 218º, nº 5 do TFUE, determinando: ―O Conselho, sob proposta do negociador,

adota uma decisão que autoriza a assinatura do acordo e, se for caso disso, a sua

aplicação provisória antes da respetiva entrada em vigor”23. A este respeito, importa

referir, em primeiro lugar que, a obtenção do parecer favorável por parte do PE para a

entrada em vigor provisória dos acordos comerciais não resulta do Tratado mas da

prática institucional, precedente iniciado com o Acordo UE/Coreia do Sul (supra),

prática que consideramos merecedora de acolhimento constituinte numa futura revisão

dos Tratados. Em termos práticos, as disposições que são consideradas ―aptas‖ a entrar

21

Sufragamos as considerações sobre os acordos mistos tecidas por JELENA BAUMLER quando refere:

―What became again apparent is that the whole idea of a “mixed agreement is a nightmare for all involved,

i.e.., the EU and its organs, the Member States, the European people and the courts that have to deal with the

construction”, op. cit. 22

Assim determina o artigo 30º.7, nº 3 do Acordo CETA que prevê a possibilidade de aplicação provisória

do mesmo. 23

A versão inglesa do nº 5 aponta no mesmo sentido: “The Council, on a proposal by the negotiator, shall

adopt a decision authorising the signing of the agreement and, if necessary, its provisional application before

entry into force.‖ (nosso sublinhado).

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Maria João Palma

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 171

em vigor são plenamente eficazes e, nessa medida, a concordância do PE é

absolutamente essencial.

Por outro lado, importa sublinhar que, o Tratado é omisso quanto à entrada em

vigor provisória ―parcial” do acordo, o que permite duas interpretações possíveis: ou

adotar a máxima a maiore ad minus (quem pode o mais pode o menos), de onde

retiramos a possibilidade de entrada provisória apenas de uma parte do acordo24; ou a

interpretação, segundo a qual, de que a fragmentação dos acordos quanto à sua

vigência não terá sido desejada pelos redatores dos Tratados que terão entendido os

acordos como um todo25. Ora, tendo em consideração a recente vaga de entradas em

vigor provisórias de acordos de comércio da UE cujo critérios para eleição das ―partes

ou disposições‖ do acordo à vigência prévia tem sido a fronteira competencial

(competências exclusivas da UE versus mistas)26 e, tendo em consideração as

controvérsias que tal fronteira coloca27, seria conveniente, de iure condendo, introduzir

no Tratado critérios que permitissem, por um lado, disciplinar tal escolha, onde, entre

outras, notamos a dificuldade de identificação das competências nacionais por omissão

de listagem no corpo do Tratado28, e, por outro lado, a inclusão de previsão que regule

as consequências da não ratificação por um ou mais Estados-membros: ou o ―chumbo‖

integral do acordo, ou em alternativa, a convolação da provisoriedade em vigência

definitiva da parte referente às competências exclusivas da UE. A convolação deverá ser

sujeita a parecer favorável do Parlamento Europeu, a quem incumbirá, também neste

momento, a verificação do artigo 21º do TUE.

24

Seguindo esta leitura aberta, a UE, no exercício do ius tractum e nos termos do artigo 25º da Convenção

de Viena, de 23 de maio de 1969, opta, alinhada com a parte terceira, pela vigência provisória parcial ou

total do acordo. 25

Tendo os redatores do Tratado estabelecido um regime próprio, desviante da abertura do artigo 25º da

Convenção de Viena. 26

Nas competências mistas englobamos os casos em que às competências exclusivas da UE se somam a

reservadas aos Estados-membros e/ou partilhadas entre a EU e os Estados-membros (supra). 27

No que se refere ao CETA, por exemplo, a enumeração das competências partilhadas feita pelo Conselho

(nota 15) não é necessariamente coincidente com a enumeração feita pelo TC Alemão (nota 17). 28

O Tratado de Lisboa introduziu uma lista taxativa das competências exclusivas no artigo 3º do TFUE e

uma lista enunciativa das competências partilhadas no artigo 4º do TFUE. Julgamos útil um exercício que

equacione a inclusão de uma listagem enunciativa das competências nacionais, sempre com o respaldo

cautelar do virtuoso princípio da competência por atribuição, i.e.., garantindo-se que apenas pertencem à

UE as competências (expressa ou implicitamente) atribuídas.

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A Política Comercial Comum à prova no pós-Lisboa

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 172

A este respeito, cumpre referir que, desde o Tratado de Lisboa que a PCC

passou a estar sob a égide das disposições gerais relativas à ―Ação Externa da União‖29,

onde se inclui o artigo 21º do TUE que estabelece que, a União deve ―promover em

todo o mundo: a democracia, o Estado de Direito … a dignidade humana …” (nº 1), mas

também, “assegurar um elevado grau de cooperação em todos os domínios das relações

internacionais” (nº 2), a fim de, inter alia, “(d) apoiar o desenvolvimento sustentável, nos

planos económico, social e ambiental dos países em desenvolvimento, tendo por objetivo

erradicar a pobreza; (e) incentivar a integração de todos os países na economia mundial,

inclusivamente através da eliminação progressiva dos obstáculos ao comércio

internacional; (f) contribuir para o desenvolvimento de medidas internacionais para

preservar e melhorar a qualidade do ambiente e a gestão sustentável dos recursos

naturais à escala mundial, a fim de assegurar um desenvolvimento sustentável”.30

A verificação do cumprimento destes requisitos deve imperar ao longo de todo

o processo de negociação dos acordos internacionais de comércio, com ênfase para o

momento do parecer favorável por parte do Parlamento Europeu, quer quando seja

proferido relativamente a todo o acordo, quer nas situações excecionais de entrada

provisória ―parcial‖ do acordo em vigor, quer relativamente à entrada em vigor

definitiva em caso de convolação31.

Entendemos, também, que essa verificação incumbe aos parlamentos nacionais,

sobretudo na fase de ratificação, tal justificando uma maior participação e envolvência

dos mesmos durante a fase negocial dos acordos32 .

29

O artigo 207º do TFUE determina, in fine: ―A política comercial comum é conduzida de acordo com os

princípios e objetivos da ação externa da União”. 30

O artigo 21º do TUE inclui disposições cujo cumprimento em sede de celebração de acordos

internacionais de comércio determinam a remissão para bases jurídicas dos Tratados onde primam as

competências partilhadas, inter alia, em matéria social e ambiental. Os acordos de comércio assumem ou,

mesmo, devem assumir, objetivos que vão além da mera liberalização do comércio. Assim, em virtude da

submissão da PCC ao artigo 21º do TUE, os acordos de comércio da Nova Era são tendencialmente de

competência mista. 31

A entrada provisória parcial deve colocar em perspetiva a possibilidade de fazer o conjunto do acordo

evoluir para o cumprimento das obrigações contidas no artigo 21º do TUE. Por outro lado, em caso de

convolação será necessário que as ―partes ou disposições do acordo‖ que são deixadas cair não sejam

consideradas essenciais ao cumprimento dos ditames do artigo 21º do TUE. 32

A este respeito, uma nota sobre a necessidade de reforço do papel da Assembleia da República no

processo de negociação dos acordos internacionais que caberá introduzir na Lei de acompanhamento,

apreciação e pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do Processo de Construção da União

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Maria João Palma

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 173

Num mundo globalizado, o comércio não pode ser uma questão tratada de

forma isolada – a liberalização do comércio interage com outras áreas – laborais,

sociais, ambientais – cuja boa vizinhança deve ser escrutinada pelos parlamentos

europeu e nacionais33.

Resta, ainda, saber como irão decorrer os processos de ratificação nos vários

parlamentos nacionais numa época em que existe viva discussão sobre estes acordos34,

nomeadamente, as críticas levantadas pela sociedade civil no sentido de que os

acordos apenas cuidam do comércio deixando à margem, ou regulando de modo não

imperativo, as questões sociais, laborais e ambientais, e, por outro lado, qual será o

sentido da pronúncia do Tribunal Constitucional Federal Alemão, em 201835.

Em suma, pelo melindre envolvido, a entrada em vigor provisória dos acordos

internacionais alicerçada na destrinça entre diferentes tipos de competências é

merecedora de um exercício da pena do legislador constituinte.

4. ACOMPANHAMENTO DO PROCESSO NEGOCIAL DOS ACORDOS

INTERNACIONAIS DE COMÉRCIO PELOS PARLAMENTOS NACIONAIS

O Protocolo relativo à Aplicação dos Princípios da Subsidiariedade e da

Proporcionalidade e o Protocolo relativo ao papel dos Parlamentos nacionais na União

Europeia (anexos com o Tratado de Lisboa, 2009) assumem o papel conjunto de

agilizar a gestão do exercício das competências partilhadas entre a UE e os Estados-

membros, apelando aos bons ofícios dos parlamentos nacionais a quem atribuem o

papel de ―árbitros‖ em matéria de aprovação de direito derivado da UE, sendo omissos

no que se refere à celebração de acordos internacionais, mormente acordos mistos.

Europeia, Lei nº 43/2006, de 25 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei nº 21/2012, de 17 de

maio, mormente quando em presença de um processo negocial de um acordo misto (vide, infra, ponto 4). 33

O artigo 21º do TUE foi gizado para determinar a necessária acomodação da ação externa da UE, onde

se incluiu a PCC, ao desenvolvimento sustentável nos planos económico, social, ambiental e a irradicação

da pobreza mundial. 34

A decisão de saída unilateral do TTP (Acordo de Parceria Transpacífico) pelos EUA, a 23 de janeiro de

2017, também produzirá os seus efeitos a este nível. Entretanto, o TTIP não fez parte da agenda do

Presidente Trump e a UE ―congelou‖ as negociações relativas ao mesmo, de acordo com Cecilia

Malmstrom - Conferência sobre o Acordo CETA, Palácio Foz, Lisboa, 23 de março de 2017. 35

A questão da constitucionalidade do Acordo CETA está também pendente no Conseil constitutionnel

français, recours nº 2017-749 DC, esperando-se uma decisão ainda no Verão de 2017.

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A Política Comercial Comum à prova no pós-Lisboa

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 174

Cumpre esclarecer que, o princípio da subsidiariedade é aplicável apenas no

que se refere ao direito derivado, onde o exercício das competências é ditado por um

jogo de exclusão, ou seja, a competência só será exercida no patamar da UE ―… se e na

medida em que os objetivos da ação considerada não possam ser suficientemente

alcançados pelos Estados-membros, tanto ao nível central como ao nível regional e local,

podendo contudo, devido às dimensões ou aos efeitos da ação considerada, ser mais bem

alcançados ao nível da União” (artigo 5º do TUE).

No caso do exercício da competência externa, i.e., relativa à celebração de

acordos internacionais, estamos perante não um jogo de exclusão mas um jogo de

acumulação – i.e, perante uma competência partilhada, quer os Estados-membros, quer

a UE têm de estar envolvidos no exercício da competência, ou seja, desde a outorga do

mandato negocial à Comissão que deve ser conjunta (duplo mandato), até à celebração

do acordo internacional que também o deve ser. A definição de acordo misto e

respetiva tramitação não resulta do Tratado mas da jurisprudência do TJUE (maxime,

Parecer 1/94) e da prática institucional que a dinamiza36.

Esta ausência de regulação da figura dos acordos mistos no corpo dos Tratados

acabou por se refletir, também, nos referidos Protocolos que apenas cuidam da gestão

das competências mistas no plano interno.

Se essa ausência se afigura correta no que se refere ao Protocolo sobre o

Princípio da Subsidiariedade, i.e., a falha não está no Protocolo mas no artigo 5º do

TUE que não refere que a subsidiariedade não é princípio regulador do exercício das

competências externas – já o mesmo não se poderá afirmar relativamente ao Protocolo

sobre o Papel dos Parlamentos Nacionais, uma vez que o papel por estes

desempenhado é importante, quer no que concerne ao direito derivado da UE, quer no

que se refere à celebração dos acordos internacionais da UE que envolvam

competências mistas, sendo que neste caso compete-lhes a ratificação do acordo, com

poder de veto (supra).

Tal poder ―capital‖ determina, em nosso entender que, os parlamentos

nacionais devam estar envolvidos no processo negocial dos acordos internacionais

36

Questões que sugerimos supra sejam reguladas pelos Tratados, i.e.., a definição e a tramitação dos

acordos mistos.

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 175

mistos. Porém, o Protocolo sobre o Papel dos Parlamentos Nacionais refere ad

abundantiam o acompanhamento que os parlamentos nacionais deverão fazer dos

―projetos de atos legislativos‖ – que, note-se, são enviados diretamente aos parlamentos

nacionais pelos proponentes – omitindo qualquer referência ao acordos internacionais

onde estejam em causa competências mistas, ainda que feita sob o resguardo da

organização e prática constitucional própria de cada Estado-membro.37 38

Por seu turno, a Lei de acompanhamento, apreciação e pronúncia pela

Assembleia da República no âmbito do Processo de Construção da União Europeia, Lei

nº 43/2006, de 25 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei 12/2012, de 17 de

maio, enfatiza o papel da Assembleia da República no que se refere à verificação da

aplicação do princípio da subsidiariedade do direito derivado pelos parlamentos

nacionais, fazendo apenas uma singela referência a um dever de informação do

Governo à AR relativamente a projetos de acordos ou Tratados a concluir pela UE ou

entre Estados-membros no contexto da UE – vide, alínea a) do nº 1, do artigo 5º.

Também a redação do nº 4 do artigo 5º nos parece não enfatizar o papel de

relevo dos acordos mistos ao dar como exemplo de deliberação de maior impacto para

Portugal a transposição de diretivas39.

Tendo em consideração a dignidade e implicações das competências nacionais

envolvidas nos acordos mistos, parece-nos que seria pertinente introduzir uma

referência expressa aos mesmos no artigo 4º - Meios de acompanhamento e

apreciação – afirmando, destarte, expressamente, um papel pró-ativo da AR nesta

sede40.

37

Aparece apenas uma referência a ―outras questões‖ no Preâmbulo. 38

Enfatize-se que, o Protocolo não é aplicável apenas a direito derivado, vide, o artigo 1º que se refere a

documentos de consulta. O título II sobre cooperação parlamentar também é omisso no que tange a

acordos internacionais. 39

Artigo 5º, nº 4: ―O Governo apresenta à Assembleia da República, no 1º trimestre de cada ano, um

relatório sucinto que permita o acompanhamento da participação de Portugal no processo de construção da

União Europeia, devendo aquele relatório informar, nomeadamente, sobre as deliberações com maior

impacto para Portugal tomadas no ano anterior pelas instituições europeias e as medidas postas em prática

pelo Governo em resultado dessas deliberações, com particular incidência na transposição de diretivas”. 40

Sem prejuízo das regras de reserva ou confidencialidade que vigorem para o processo negocial.

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A Política Comercial Comum à prova no pós-Lisboa

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 176

Mais do que um direito a ser informada (artigo 5º) deve assistir, de modo claro

e inequívoco, um direito ao acompanhamento e apreciação dos acordos mistos, por

parte da AR (artigo 4º)41.

À guisa de conclusão, o exercício disciplinador aflorado pelo artigo 133º, nº 6

do TCE (Tratado de Nice)42 deveria ser retomado e desenvolvido incluindo respetivos

reflexos no corpo legislativo nacional – as consequências de um ―veto‖ no patamar

nacional de um acordo misto são demasiado severas para deixar a participação e

envolvimento dos parlamentos nacionais, ao longo do processo negocial, sem um

enquadramento expresso que agilize tal envolvimento.

5. O PARECER 2/2015 DO TJUE – POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES

A polémica em torno das competências para a celebração dos modernos

acordos de comércio (exclusividade versus mixity) deverá será aclarada pelo TJUE

através do Parecer 2/201543.

Através do pedido de Parecer interposto a 22 de setembro, de 2015, ao abrigo

do artigo 218º, nº 11 do TFUE44, a Comissão questionou o TJUE sobre a competência

para a celebração do acordo UE/Singapura45, da seguinte forma:

41

É certo que esse direito pode ser enquadrável no parágrafo 4 que dispõe: ―A Assembleia da República ou

o Governo podem ainda … suscitar o debate sobre todos os assuntos e posições em discussão nas instituições

europeias que envolvam matéria da sua competência”. Todavia, pela sua importância, consideramos que a

referência aos projetos de acordos que envolvam competências nacionais deveria ser expressa e não

resultar apenas do enquadramento numa disposição residual. 42

Recorde-se o artigo 133º, n.º 6 do TCE na parte em que referia o regime dos acordos mistos em sede de

PCC: ―… os acordos no domínio do comércio de serviços culturais e audiovisuais, de serviços de educação,

bem como de serviços sociais e de saúde humana, são da competência partilhada entre a Comunidade e os

seus Estados-membros, pelo que a sua negociação requer, para além de uma decisão comunitária tomada

nos termos do disposto no artigo 300º, o comum acordo dos Estados-membros. Os acordos assim negociados

são celebrados conjuntamente pela Comunidade e pelos Estados-membros.” (o sublinhado é nosso). Estes

serviços passariam, com o Tratado de Lisboa, para a esfera da competência exclusiva da UE, alteração que

levou à supressão da referência ao regime dos acordos mistos. A figura mantem, porém, atualidade para

matérias não abrangidas pelo artigo 207º do TFUE mas relevantes em termos de acordos de comércio

(infra). 43

A pronúncia do TJUE irá ter lugar a 16 de maio deste ano. 44

Este processo permite a qualquer Estado-membro, ao Parlamento Europeu, ao Conselho ou à Comissão

obter o parecer do TJUE sobre a compatibilidade de um acordo entre a UE e um país terceiro com os

Tratados. Em caso de parecer negativo do TJ, o acordo deve ser alterado (ou revistos os Tratados) antes de

poder entrar em vigor.

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Maria João Palma

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 177

A União tem a competência necessária para assinar e celebrar por si só o

acordo de comércio livre com Singapura? Mais concretamente,

— que disposições do acordo são da competência exclusiva da União?

— que disposições do acordo se inserem na competência partilhada da

União?; e

— existe alguma disposição do acordo que seja da competência exclusiva

dos Estados-membros?

A Comissão alicerçou o seu pedido de apreciação nas dúvidas manifestadas,

especialmente pelos Estados-membros, relativamente ao âmbito e à natureza da

competência da União no que diz respeito a certas disposições do acordo

UE/Singapura, em particular as relativas à proteção do investimento estrangeiro, aos

serviços de transporte, à propriedade intelectual, à transparência e ao desenvolvimento

sustentável. O pedido de parecer dirigido ao TJUE destina-se a esclarecer se a União

dispõe de competência necessária para assinar e celebrar este acordo per se ou se será

necessária uma celebração conjunta pela UE e pelos Estados-membros.

De modo sumário, as posições assumidas pelos vários intervenientes podem

retratar-se do seguinte modo: a Comissão Europeia defendeu a competência exclusiva

da UE relativamente a todo o acordo. O Parlamento Europeu concordou em termos

gerais com a Comissão. O Conselho e os Governos de todos os Estados-membros que

apresentaram observações escritas consideraram que a UE não pode celebrar o acordo

por si só, uma vez que certas partes do acordo estão abrangidas pela competência

partilhada entre a UE e os Estados-membros e, mesmo, inclusivamente pela

competência exclusiva dos Estados-membros46.

Pela questão teórica envolvida – competência para a celebração de um acordo

da UE com terceiros, em matéria de comércio externo e aspetos conexos, e pela

simetria do posicionamento das diferentes instituições e dos Estados-membros

45

A 20 de setembro de 2013, a UE e Singapura rubricaram o texto de um acordo de comércio livre, sem a

participação dos Estados-membros. 46

Apresentaram observações escritas todos os Estados-membros, com exceção da Bélgica, Croácia, Estónia

e Suécia. Entretanto, a Bélgica apresentou observações orais. Vide, Tribunal de Justiça da União Europeia,

Comunicado de Imprensa nº 147/16, Luxemburgo, 21 de dezembro de 2016.

http://curia.europa.eu/jcms/jcms/p1_269097/fr/.

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A Política Comercial Comum à prova no pós-Lisboa

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 178

(Comissão versus outros), este pedido de Parecer assemelha-se ao Parecer 1/94 relativo

à competência da UE para a celebração dos Acordos OMC. Tal simetria prenuncia,

assim cremos, uma decisão simétrica do TJUE… uma pronúncia favorável à mixity…

A complexidade jurídica é terreno fértil para a realpolitik – a escolha das bases

jurídicas têm, por vezes, subjacente uma batalha pelo poder entre a UE e os Estados-

membros - optar pela competência exclusiva dá poder à UE e retira aos Estados-

membros e, a Comissão Europeia assumiu-se, aqui, a protagonista na disputa47.

A questão central deste Parecer é, pela sua novidade e importância, a

competência relativa ao investimento estrangeiro, cuja inclusão no âmbito da PCC, com

o Tratado de Lisboa, tem suscitado vivo interesse por parte da doutrina48, em especial,

no que se refere ao investimento em carteira, ou de portfolio, e à resolução de litígios

relativamente a todo o investimento (direto ou indireto)49.

Entretanto, a Advogada Geral Sharpston apresentou as suas conclusões a 31 de

dezembro de 2016, concluindo que o acordo UE/Singapura terá de ser celebrado

conjuntamente pela UE e pelos Estados-membros50.

47

Vide, ANDRÉS DELGADO CASTELEIRO – ―In realpolitik terms, the discussion on whether a certain

agreement should be mixed or not hides a battle for power between the EU (mostly the European

Commission) and the Member States. As mixed agreements give more power to the Member States (often

more than they are constitutionally entitled to), it seems rather logical that the EU Commission would like to

restrict their use to the bare minimum. This is the underlying conflict in Opinion 2/15: if the Court decides

that the EU-Singapore FTA falls within the EU’s exclusive competence, the EU would be able to conclude the

agreement alone. If, on the contrary, the CJEU decides that the FTA does not only cover areas of EU exclusive

competence, but also shared competence, or even Member States´ exclusive competence, the agreement will

be concluded jointly by the EU and its Member States”, in “Opinion 2/15 on the scope of EU external trade

policy: some background information before next week´s hearing”, in

http://eulawanalysis.blogspot.pt/2016/09/opinion-215-on-scope-of-eu-external.html. 48

A questão foi por nós anteriormente analisada, vide, MARIA JOÃO PALMA – ―A nova Política Europeia de

Investimento Estrangeiro decorrente do Tratado de Lisboa: o Regulamento Grandfathering e a articulação

entre a competência da União Europeia e as competências remanescentes dos Estados-membros‖, in

Revista Internacional de Arbitragem e Conciliação, Almedina, Vol. VIII, 2015, p. 83 a 110 e MARIA JOÃO

PALMA – ―A proteção do investimento estrangeiro – uma Nova Política Europeia?‖, in Revista Análise

Europeia, nº 1, 2016, p. 124 a 134,

www.apeeuropeus.com/uploads/6/6/3/7/66379879/palma_maria_joão__2016_.pdf.

Em ambos os artigos defendemos o entendimento segundo o qual apenas o investimento direto se

encontra coberto pelo âmbito do artigo 207º do TFUE, devendo afirmar-se uma competência partilhada no

que concerne ao investimento de portfolio. 49

Percebe-se a sensibilidade da questão quando pensamos no foro competente para dirimir um litígio

respeitante a um ato praticado por um Estado no exercício dos seus poderes soberanos, maxime,

expropriação, gerador de danos na esfera jurídica do investidor. 50

Vide

http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=186494&pageIndex=0&doclang=en&m

ode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=324328.

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Maria João Palma

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 179

De particular interesse sublinhar que, Sharpston considera competência

partilhada a relativa ao portfolio, assim afastando a tese da Comissão segundo a qual a

competência exclusiva para tal tipo de investimento, muito embora refira não encontre

a sua base jurídica no artigo 207º do TFUE, encontrá-la-ia no artigo 63º do TFUE de

onde a Comissão, numa posição desviante da jurisprudência do TJUE retira uma

competência externa exclusiva implícita que descobre numas supostas ―regras comuns”

contidas nesse normativo (infra)51.

Também de distinguir o paralelismo que Sharpston estabelece ao nível das

competências sobre resolução de litígios relativos a investimento estrangeiro,

identificando uma competência exclusiva externa implícita para a resolução de litígios

relativa ao IDE, e uma competência externa partilhada implícita em matéria de litígios

no que se refere ao investimento indireto52.

Uma nota critica para o facto de Sharpston não ter identificado uma

competência reservada aos Estados-membros em matéria de expropriação – maxime,

no que se refere às regras sobre resolução de litígios53.

5.1. ALINHAVO DAS PRINCIPAIS QUESTÕES TÉCNICO-JURÍDICAS QUE O TJUE

ENFRENTA NO PARECER 2/2015

De modo esquemático, e para poder determinar se o acordo UE/Singapura é,

ou não, um acordo misto, será, em nosso entender, importante que o TJUE assuma

uma posição sobre as seguintes questões:

51

A tese da Comissão vai ao arrepio da jurisprudência do TJUE afirmada, inter alia, no AETR, Open Skies e

Parecer 2/03, onde o TJUE considerou que as competências externas implícitas pressupõem o exercício

prévio da competência, ou seja, a aprovação de regras comuns contidas em direito derivado. Acresce

referir que o artigo 63º do TFUE regula a liberdade de capitais que se insere no mercado interno, matéria

que segundo o artigo 4º do TFUE é de competência partilhada. Em suma, a Comissão pretende retirar de

uma competência partilhada expressa uma competência exclusiva implícita – ora, não é esta a lógica que

preside ao princípio do paralelismo de competências. 52

As competências implícitas assentam numa lógica de matemática pura da qual Shapston soube bem

extrair as consequências. As competências externas implícitas assentam numa lógica de funcionalidade e

são o reflexo das competências internas em que se baseiam. Na doutrina, vide, entre nós, MARIA LUíSA

DUARTE – ―A teoria dos poderes implícitos e a delimitação de competências entre a União Europeia e os

Estados-membros‖, Lisboa, Lex, 1997. 53

Sobre a natureza reservada aos Estados-membros de certas competências em matéria de investimento

estrangeiro, vide, MARIA JOAO PALMA (2015), p. 95.

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A Política Comercial Comum à prova no pós-Lisboa

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 180

1. O artigo 207º do TFUE ao referir o investimento direto estrangeiro inclui o

investimento de carteira?54

2. Qual a natureza jurídica do artigo 345º do TFUE55 – base jurídica ou norma

travão? A Comissão sustenta que o artigo 345º não impede a UE de aprovar

normas sobre expropriação. Tal afirmação não determina, porém, que esse

normativo assuma as virtualidades de base jurídica, ora não havendo base

jurídica no Tratado – estamos perante uma competência de reserva nacional56.

3. Pode o artigo 63º do TFUE ter as virtualidades pretendidas pela Comissão e

nele poderem encontrar-se ―regras comuns‖57 para daí extrair uma competência

implícita para a celebração de um acordo internacional em termos exclusivos no

que se refere ao portfolio? De acordo com jurisprudência constante, as ―regras

comuns‖ encontram-se no direito derivado que implementa os Tratados e não

no corpo do Tratado58.

4. Em termos de litígios sobre investimento, deverá estabelecer-se um

paralelismo de competências? Para tal, o TJUE deverá considerar que a

regulação dos litígios é funcional às regras substantivas e, assim, considerar que

os litígios relativos a competências exclusivas da UE são de competência

exclusiva desta, ao passo que a regulação dos litígios relativos a competências

partilhadas, são de competência partilhada entre a UE e os Estados-membros.

5. Importante também seria, embora possa considerar-se que extravasa o

âmbito da pergunta colocada, que o TJUE se pronunciasse, como fez a

advogada geral, sobre a competência para a revogação dos BITs anteriormente

celebrados pelos Estados-membros com o parceiro do novo acordo. Deve o

54

Parece consensual que não. 55

O artigo 345º do TFUE afirma: ―Os Tratados em nada prejudicam o regime da propriedade nos Estados-

membros”. 56

De acordo com o princípio da competência por atribuição – artigo 5º, nº 2 do TUE: “… a União atua

unicamente dentro dos limites das competências que os Estados-membros lhe tenham atribuído nos Tratados

para alcançar os objetivos fixados por estes últimos. As competências que não sejam atribuídas nos Tratados

pertencem aos Estados-membros”. 57

Vide, artigo 3º, nº 2 do TFUE que constitucionaliza a jurisprudência do TJUE sobre competências

exclusivas. Tal normativo não dispensa, porém, os esclarecimentos contidos nas decisões pretorianas em

que o mesmo se baseia, nomeadamente, o que deva ser entendido por ―regras comuns‖. 58

Refira-se que, sendo o princípio do paralelismo das competências um desvio ao princípio da

competência por atribuição, o mesmo deve ser interpretado de modo restrito, o que vai contra a tese da

expansão da jurisprudência do TJUE pretendida pela Comissão.

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Maria João Palma

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 181

princípio da substituição atuar de modo automático, determinando a

caducidade dos acordos anteriores ou os Estados-membros mantêm a

competência para revogar os acordos como uma competência nacional (tese

Sharpston)?59

6. Na mesma linha de raciocínio da questão anterior, seria importante que o

TJUE se pronunciasse sobre as consequências que poderão advir do veto por

um parlamento nacional na fase da ratificação.

6. CONCLUSÃO

Olhando para o emaranhado de posições resultante deste percurso de avanços

e recuos, e considerando a prossecução de objetivos ―além comércio‖ ditados pela

sujeição da política comercial comum aos objetivos da Ação Externa da União,

decorrentes do Tratado de Lisboa (artigo 21º do TUE), entendemos que, à guisa de

conclusão, deveria ser assegurado um maior diálogo entre a UE e os seus cidadãos,

nomeadamente, mediante uma maior envolvência dos parlamentos nacionais ao longo

do próprio processo de negociação dos acordos internacionais a celebrar pela UE que

incluam competências do foro nacional e/ou partilhadas entre a UE e os Estados-

membros e não apenas na fase da ratificação, o que os Tratados não asseguram

devidamente.

A posição a tomar pelo TJUE, no Parecer 2/2015, sobre o Acordo UE/Singapura

será crucial para o feixe de acordos em negociação por parte da UE, uma vez que

sendo o clausulado dos mesmos muito idêntico urge clarificar a questão nevrálgica das

competências para a celebração dos acordos. Enfatize-se que, uma pronúncia favorável

à mixity legitima uma necessidade de maior participação dos parlamentos nacionais no

processo negocial dos modernos acordos de comércio.

59

O automatismo da substituição parece resultar do artigo 3º do Regulamento Grandfathering

(Regulamento UE nº 1219/2012, de 12 de dezembro de 2012). Entendemos, porém que, para caírem os

BITs os Estados-membros devem ser outorgantes no acordo no exercício de uma competência nacional.

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A Política Comercial Comum à prova no pós-Lisboa

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 182

Uma Europa transparente e cuidadora dos direitos sociais, ambientais, laborais,

será, seguramente, mais robusta e resistente a futuros Brexits60: a União Europeia

precisa de se reconciliar, a breve trecho, com os seus cidadãos…

60

A 29 de março de 2017 seria acionado o artigo 50º do TUE (saída) pelo Reino Unido.

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Pedro Silva Pereira

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 183

ACORDO CETA: O PARLAMENTO EUROPEU FEZ A DIFERENÇA1

PEDRO SILVA PEREIRA2

RESUMO

O presente artigo visa analisar a temática da influência do Parlamento Europeu na orientação do processo

negocial do Acordo Económico e Comercial Global entre a União Europeia e o Canadá, vulgarmente

denominado de CETA. Em particular, destaca-se uma matéria em que a pressão exercida pelo Parlamento

Europeu foi determinante: a exigência da eliminação do sistema de arbitragem privada (doravante, ISDS).

O ISDS trata-se de um mecanismo para a resolução de litígios entre os investidores e os Estados que data

de finais da década de 60, tendo, entretanto, generalizado-se a ideia de que este sistema padecia de vários

problemas. Assim, após a conclusão das negociações do CETA, e em virtude da pressão do Parlamento

Europeu e da opinião pública, o “velho ISDS” foi substituído por um sistema público de arbitragem,

designado de Investment Court System. Para se compreender o motivo de a larga maioria dos deputados

europeus ter considerado este acordo merecedor de um voto favorável, importa ter presente que a versão

final do texto submetido a votação é substancialmente diferente daquele que constava das suas versões

iniciais. Na introdução, o artigo em referência apresenta o enquadramento jurídico do papel do

Parlamento Europeu na negociação e ratificação dos acordos comerciais celebrados pela União Europeia e

descreve, de seguida, os termos da intervenção do Parlamento Europeu no caso concreto do CETA. No

contexto deste último ponto, o artigo aborda, num primeiro momento, os temas da transparência e da

participação da sociedade civil e, num segundo momento, relata o processo de eliminação do sistema

privado de ISDS no CETA. Por último, conclui-se com a avaliação sumária das oportunidades que o acordo

CETA representa para a União Europeia e, sobretudo, para Portugal.

Palavras-chave: CETA, Parlamento Europeu, transparência, arbitragem (ISDS), sistema de arbitragem

pública (ICS).

Histórico do artigo: recebido em 03-05-2017; aprovado em 04-05-2017; publicado em 05-05-2017. 1 Este artigo tem por base a intervenção proferida na Faculdade de Direito de Lisboa, no dia 7 de abril de

2017, no decurso da Conferência “Acordo CETA: uma oportunidade para Portugal?”, organizada pelo

Instituto Europeu, o Centro de Investigação de Direito Europeu, Económico, Financeiro e Fiscal e o Instituto

de Direito Económico, Financeiro e Fiscal da Faculdade de Direito de Lisboa, em parceria com a Embaixada

do Canadá e a Secretaria de Estado dos Assuntos Europeus. 2 Mestre em Direito (Ciências Jurídico-Políticas) e Assistente da Faculdade de Direito de Lisboa, é Deputado

ao Parlamento Europeu onde integra a Comissão de Comércio Internacional. Lisboa, Portugal. E-mail:

[email protected].

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Acordo CETA: O Parlamento Europeu fez a diferença

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 184

ABSTRACT

CETA: The European Parliament made the difference. This article examines the influence of the European

Parliament in driving forward the negotiation process of the Comprehensive Economic and Trade

Agreement between the European Union and Canada (CETA). In particular, it highlights that it was the

pressure of the European Parliament that made all the difference on a crucial point: the request to remove

the private arbitration system (ISDS). The ISDS is an Investor-State dispute settlement mechanism that

dates back to the late 1960’s. However, there is, and rightly so, a growing awareness of problems stemming

from these kind of systems. After the formal conclusion of the CETA negotiations, and in reaction to

pressure from the European Parliament and public opinion, the "old ISDS", that was included in the

preliminary versions of the agreement, was replaced by a public arbitration system, called Investment Court

System (ICS). As a consequence, the final text put to a vote in the European Parliament was substantially

different from the initial versions, which is why a clear majority of MEPs supported the final agreement. In

the introduction, this article starts by setting out the legal rules guiding the role of the European

Parliament in the negotiation and ratification of trade agreements concluded by the European Union.

Subsequently, it describes the terms of the European Parliament's intervention in the case of CETA. Here,

the article focuses firstly on the topics of transparency and participation of civil society. Secondly, it sets

out how the private ISDS system was removed and it was replaced by the ICS in CETA. Finally, a brief

assessment is made of the opportunities that the CETA agreement represents for the European Union and,

above all, Portugal.

Keywords: CETA, European Parliament, transparency, Investor-State Dispute Settlement (ISDS), Investment

Court System (ICS).

_________________________________________________________________________________________________________________

Depois de quase 8 anos de um longo e difícil processo negocial3, o Acordo

Económico e Comercial Global entre a União Europeia e o Canadá, conhecido pela sigla

CETA (Comprehensive Economic and Trade Agreement), foi finalmente aprovado na

sessão plenária do Parlamento Europeu de 15 de fevereiro de 2017. Apesar da intensa

polémica que marcou o debate público sobre o assunto, a assembleia representativa

dos cidadãos europeus aprovou o acordo por uma maioria expressiva: 408 votos a

favor, 254 contra e 33 abstenções. Para perceber porque é que uma tão clara maioria

3 As negociações entre a UE e o Canadá iniciaram-se em maio de 2009 e foram formalmente dadas como

concluídas em 26 de setembro de 2014. A versão final do acordo, porém, só foi assinada, com importantes

alterações, na Cimeira UE-Canadá de 30 de outubro de 2016.

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Pedro Silva Pereira

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 185

dos deputados europeus considerou este acordo merecedor de um voto favorável é

preciso ter presente que, graças à pressão política do próprio Parlamento Europeu e da

opinião pública, a versão final do texto submetido a votação é substancialmente

diferente da que constava das suas versões iniciais, incluindo a polémica versão que as

duas partes declararam como “fechada” em 26 de setembro de 2014, data em que

oficialmente anunciaram o encerramento das negociações.

De modo a tornar compreensível como é que se chegou aqui, será útil começar

por recordar, brevemente, o enquadramento jurídico da intervenção decisiva do

Parlamento Europeu na negociação e ratificação dos acordos comerciais celebrados

pela União Europeia. A essa luz, daremos conta dos termos da intervenção do

Parlamento Europeu no caso concreto do CETA e destacaremos, de modo particular, o

problema da transparência das negociações e a questão da influência do Parlamento

na orientação do processo negocial, designadamente quanto ao ponto crítico em que a

pressão do Parlamento Europeu fez toda a diferença: a exigência da eliminação do

sistema de arbitragem privada, conhecido pela sigla ISDS (Investor-to-State Dispute

Settlement), mecanismo tradicionalmente previsto neste tipo de acordos para a

resolução dos litígios entre os investidores e os Estados. Finalmente, deixaremos ainda,

em tom assumidamente positivo, uma avaliação sumária das oportunidades que o

acordo CETA representa para a União Europeia e, sobretudo, para Portugal.

Terminaremos resumindo as nossas conclusões em breves notas finais.

1. O PAPEL DO PARLAMENTO EUROPEU NA NEGOCIAÇÃO DOS ACORDOS

COMERCIAIS: O CASO DO CETA

Como é sabido, o Parlamento Europeu desempenha, desde o Tratado de Lisboa,

um papel muito relevante, e até decisivo, no processo de negociação e ratificação dos

acordos comerciais internacionais celebrados pela União Europeia. Na verdade, não só

a Comissão Europeia, a quem compete conduzir a negociação em cumprimento do

mandato conferido pelo Conselho, tem a obrigação de manter o Parlamento Europeu

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Acordo CETA: O Parlamento Europeu fez a diferença

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 186

informado em todas as fases do processo4, como qualquer acordo comercial só pode

entrar em vigor depois da aprovação do Parlamento Europeu5. Poderia, é certo, tratar-

se de uma mera formalidade, destituída de real alcance político, mas não é o caso: o

Parlamento Europeu provou que leva muito a sério este seu “poder de veto” quando

decidiu rejeitar, em 2012, o famigerado acordo ACTA (Acordo Comercial Anti-

contrafação).

Compreende-se, a esta luz, que o Parlamento Europeu tenha seguido muito de

perto, e logo desde o início, as negociações comerciais com o Canadá, tal como se

compreende que a Comissão Europeia tenha feito um investimento considerável na

prestação de informação aos deputados europeus, seguindo depois com especial

atenção as tomadas de posição do Parlamento ao longo do processo.

O acompanhamento do CETA pelo Parlamento Europeu processou-se,

essencialmente, através da comissão parlamentar competente - a Comissão do

Comércio Internacional (INTA) - e do grupo de trabalho (monitoring group)

especificamente constituído no âmbito dessa comissão para monitorizar o processo do

CETA. Especialmente importante foi a resolução do Parlamento sobre o futuro das

relações comerciais entre a União Europeia e o Canadá aprovada em junho de 2011,

numa fase ainda relativamente inicial das negociações. Esta muito oportuna resolução

condicionou significativamente os desenvolvimentos posteriores6. Além disso, ao longo

das negociações o Parlamento teve sempre uma intervenção muito intensa: realizou 16

reuniões e debates na Comissão do Comércio Internacional sobre o CETA

(frequentemente com a participação de representantes da sociedade civil), promoveu

13 reuniões do grupo de trabalho (normalmente, antes e depois de cada ronda

negocial) e organizou 2 delegações de deputados europeus ao Canadá, bem como 1

encontro sobre estas negociações entre deputados europeus e deputados dos

parlamentos nacionais.

4 Artigo 218(10) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

5 Artigo 218(6) TFUE.

6 In http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+TA+P7-TA-2011-

0257+0+DOC+XML+V0//PT.

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Pedro Silva Pereira

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 187

Como já se referiu, a 15 de fevereiro de 2017 o Parlamento aprovou a versão

final do CETA7, mas isso não significou – longe disso – a conclusão deste processo.

Sendo tratado como “acordo misto”, por envolver competências das instituições

europeias e dos órgãos de soberania nacionais, o CETA só entrará plenamente em

vigor depois da ratificação por todos e cada um dos Estados-membros da União

Europeia, nos termos dos respetivos procedimentos constitucionais (o que em diversos

casos implica a aprovação não apenas pelos parlamentos nacionais, mas também

regionais8). Consequentemente, o processo deverá prolongar-se ainda por alguns anos.

Neste quadro, também a nossa Assembleia da República será chamada, em breve, a

debater e votar o texto do CETA.

Entretanto, como é prática comum, a aprovação do CETA pelo Parlamento

Europeu abriu caminho para a sua aplicação provisória, já a partir de 1 de julho de

2017, no que diz respeito às disposições referentes às competências exclusivas da

União, salvo as que foram expressamente excluídas dessa aplicação provisória,

designadamente as respeitantes à proteção do investimento (incluindo o próprio

sistema de arbitragem pública, ou Investment Court System) e ao chamado

investimento de carteira (portfolio investment), o que atinge também os preceitos

relacionados do capítulo sobre serviços financeiros.

Quanto à intervenção do Parlamento Europeu, deve sublinhar-se que a

aprovação do CETA não encerra as suas tarefas: segue-se a importante missão de

acompanhar a implementação do acordo, a começar já pela sua aplicação provisória.

2. A NEGOCIAÇÃO DO CETA: UM PROBLEMA DE TRANSPARÊNCIA?

Apesar da justa reclamação de mais transparência nas negociações dos acordos

comerciais, tem de reconhecer-se que é em certa medida inevitável, até para o sucesso

do processo negocial, um certo grau de reserva no diálogo entre as partes. Como bem

se compreende, não é pensável que as rondas de negociações internacionais, em

7 Na ocasião, vários grupos políticos apresentaram propostas de resolução com tomadas de posição sobre

o CETA, mas nenhuma foi aprovada. 8 Segundo os serviços do Parlamento Europeu, o CETA terá de ser ratificado por pelo menos 38

parlamentos nacionais e regionais da UE.

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Acordo CETA: O Parlamento Europeu fez a diferença

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 188

matérias muitas vezes sensíveis, possam decorrer em público, com cada uma das

movimentações das partes a ser sublinhada por uma “claque” ruidosa, seja ela de

apoiantes ou de adversários. Seja como for, deve dizer-se que as negociações do CETA

estiveram longe de ser “secretas”: a Comissão Europeia, como já se disse, prestou

atempadamente a informação devida ao Parlamento Europeu e ao Conselho após cada

ronda de negociações; tanto a Comissão como o Parlamento promoveram numerosos

debates com a participação da sociedade civil em que foram prestados esclarecimentos

vários e até o próprio mandato de negociação do CETA, conferido pelo Conselho à

Comissão Europeia, acabou por ser tornado público (embora só em dezembro de

2015). Finalmente, desde que as negociações foram formalmente dadas como

“concluídas”, em setembro de 2014, o texto do acordo (que veio a sofrer

posteriormente diversas alterações) foi publicado no sítio Web da Direcção-Geral do

Comércio da Comissão Europeia, permitindo um debate informado na sociedade civil

sobre o verdadeiro teor da proposta a ser submetida à aprovação dos parlamentos.

É certo que o processo negocial com o Canadá não decorreu de forma tão

aberta como as negociações do TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership)

com os Estados Unidos da América, onde a pressão da opinião pública e do

Parlamento Europeu acabou por forçar soluções em matéria de transparência sem

precedentes na negociação de acordos comerciais. Seria importante, sem dúvida, que

tais inovações fossem generalizadas e plenamente assumidas pela Comissão Europeia

como um novo padrão de transparência a cumprir na negociação deste tipo acordos.

Contudo, mesmo que não se tenham adotado no caso do CETA todas as melhores

práticas introduzidas na negociação do TTIP, não restam dúvidas de que o grau de

transparência alcançado representou um progresso assinalável face ao que era a

prática da Comissão Europeia num passado não muito distante.

3. A INFLUÊNCIA DO PARLAMENTO EUROPEU NA VERSÃO FINAL DO CETA: A

ELIMINAÇÃO DO SISTEMA DE ARBITRAGEM PRIVADA (ISDS)

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Pedro Silva Pereira

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 189

Ao longo das negociações do CETA, o ponto mais controverso e que mais

mobilizou as atenções da opinião pública foi, sem qualquer dúvida, o relativo ao já

mencionado sistema de resolução de litígios entre os investidores e os Estados,

conhecido pela sigla ISDS, no âmbito do capítulo da proteção do investimento. E foi

justamente aí que mais se fez sentir a influência política do Parlamento Europeu na

construção da versão final do acordo. Essa, aliás, é uma história que merece ser

contada.

Como é sabido, o sistema ISDS está longe de ser uma realidade nova9. Desde

finais da década de 60, os países da União Europeia assinaram cerca de 1400 tratados

bilaterais em matéria de investimento, a maioria dos quais com países desenvolvidos e

quase todos incluindo um mecanismo de ISDS para resolução dos litígios entre os

investidores e os Estados. Embora não se possa falar de um modelo uniforme de ISDS -

já que o regime previsto nos diversos acordos apresenta diferenças assinaláveis - estes

sistemas de resolução de litígios têm em comum o constituírem mecanismos de

arbitragem privada, em que, normalmente, cada uma das partes indica um árbitro e

ambas, por comum acordo, designam o terceiro.

Contudo, desde a década de 90, e ainda mais nos últimos anos, generalizou-se

a consciência de que estes sistemas de arbitragem privada previstos nos acordos de

investimento padeciam de vários problemas. No plano processual, destacava-se o sério

risco de conflito de interesses dos árbitros, a falta de transparência do processo e de

publicidade das decisões e a imprevisibilidade quase total das decisões arbitrais,

nomeadamente por falta de um sistema de recurso uniformizador da jurisprudência.

No plano substantivo, contestava-se, sobretudo, a forma imprecisa como se assegurava

aos investidores um tratamento “justo e equitativo”, bem como o direito a

indemnização em caso de “expropriação indireta”. No seu conjunto, e à luz de alguns

casos mais mediáticos, estas regras passaram a ser vistas como sérias ameaças para o

poder dos Estados introduzirem novas regulamentações em nome do interesse público,

em particular nos casos em que a intervenção dos poderes públicos pudesse pôr em

9 Portugal tem vários tratados bilaterais de investimento com países terceiros que incluem ISDS, embora

nenhum com o Canadá. V. lista destes acordos em

http://investmentpolicyhub.unctad.org/IIA/CountryBits/169.

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Acordo CETA: O Parlamento Europeu fez a diferença

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 190

causa as “legítimas expectativas” de lucro dos investidores protegidas por assustadores

direitos de indemnização.

Deve reconhecer-se que a Comissão Europeia, bem consciente destes

problemas e do debate público sobre o assunto que se avolumou no quadro da

discussão do TTIP, conseguiu negociar com o Canadá, logo numa versão preliminar do

CETA do início de 2014, algumas melhorias relevantes no mecanismo de ISDS. Essas

melhorias incidiram, sobretudo, em matérias como o conflito de interesses dos árbitros,

a transparência dos procedimentos, a prevenção de abusos do sistema por via de

queixas manifestamente infundadas e a definição de conceitos como os já referidos

“tratamento justo e equitativo” ou “expropriação indireta”. Do mesmo modo, para

reforçar a salvaguarda do direito a regular em nome do interesse público, tornava-se

claro que os tribunais arbitrais não teriam o poder de determinar a anulação ou a

revogação de quaisquer medidas legislativas, embora sem prejuízo do direito a

indemnização dos investidores. Por outro lado, enunciava-se a possibilidade de a União

Europeia e o Canadá estabelecerem no futuro uma instância de recurso das decisões

arbitrais.

Apesar destas melhorias, nem o Parlamento Europeu se mostrou convencido,

nem pareceram ficar convencidos um número apreciável de cidadãos e múltiplas

organizações da sociedade civil. Esse desagrado manifestou-se de forma expressiva na

consulta pública sobre o sistema de ISDS promovida pela Comissão Europeia em março

de 2014. Embora essa consulta pública tenha decorrido no âmbito do TTIP, o modelo

de ISDS efetivamente submetido à discussão foi o referido modelo “melhorado”

constante da versão preliminar do CETA do início de 2014.

Em resposta à contestação recebida durante a consulta pública, a própria

Comissão reconheceu que a reforma do ISDS proposta no âmbito do CETA estava

aquém do necessário em quatro aspetos, todos eles essenciais: salvaguarda do “direito

a regular”, funcionamento dos tribunais arbitrais (transparência e regras de conflitos de

interesses), relação com as vias judiciais internas e mecanismo de recurso das decisões

arbitrais. Todavia, tendo entretanto as negociações com o Canadá sido formalmente

dadas como “concluídas”, em dezembro de 2014, a Comissão Europeia considerou o

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Pedro Silva Pereira

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 191

assunto encerrado no quadro do CETA, remetendo os necessários aperfeiçoamentos

para outros acordos comerciais e uma futura revisão do acordo que acabava de ser

negociado.

Esta posição da Comissão Europeia enfrentou uma clara oposição da maioria do

Parlamento Europeu, em particular do Grupo Socialista e Democrata, cujo voto era

decisivo para a aprovação final do acordo. Para o Parlamento, do reconhecimento das

fragilidades da reforma do ISDS decorria uma consequência obrigatória: o CETA não

podia ser aprovado com um sistema de resolução de litígios ainda largamente

tributário dos vícios do “velho ISDS”. Mas a posição do Parlamento não se ficou por

aqui e às fragilidades reconhecidas pela Comissão acrescentou uma outra: o “ISDS

reformado” era ainda, afinal, um sistema de arbitragem privada. No entender do

Parlamento, seria impossível superar os graves riscos de parcialidade e conflito de

interesses nas decisões arbitrais sobre o direito a regular enquanto os próprios

investidores privados continuassem a participar na nomeação dos árbitros. Dito de

outro modo: não bastava reformar o ISDS, era preciso acabar com ele.

Esta posição do Parlamento enfrentou, como seria de esperar, uma fortíssima

resistência da Comissão, que se mostrou relutante em reabrir negociações substantivas

com o Canadá sobre o capítulo do investimento. Todavia, o Parlamento Europeu, que

por várias formas chegou a ameaçar com a rejeição do CETA, fez valer a sua força e

obrigou a Comissão a, na prática, reabrir negociações sobre esta matéria, beneficiando

também da circunstância de ter ocorrido em 2015 uma mudança de Governo no

Canadá, agora liderado pelo primeiro-ministro liberal Justin Trudeau. Assim, em

fevereiro de 201610, na sequência de uma proposta da Comissão (na linha da

apresentada em setembro de 2015 no âmbito das negociações do TTIP), a União

Europeia e o Canadá acordaram em eliminar do CETA o sistema de ISDS e consagrar

um novo sistema de resolução de litígios entre os investidores e os Estados: o

Investment Court System (ICS).

10

A revisão jurídica do CETA terminou em 29 de fevereiro de 2016.

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Acordo CETA: O Parlamento Europeu fez a diferença

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 192

Pode dizer-se que, ao contrário do velho sistema de arbitragem privada ISDS, o

ICS é, essencialmente, um sistema público de arbitragem11: os árbitros serão

designados pelas partes signatárias do CETA, a União Europeia e o Canadá, e já não

pelos investidores privados; esses árbitros, juízes profissionais e independentes, com

mandatos de cinco anos renováveis por uma única vez, ficam sujeitos a reforçadas

normas éticas e a um rigoroso código de conduta12; o sistema assenta num tribunal

permanente de primeira instância com 15 juízes13, já não em colégios arbitrais

constituídos ad hoc; está agora previsto um tribunal de recurso14, que antes

simplesmente não existia; densifica-se o controlo de admissibilidade das queixas, quer

do ponto de vista da legitimidade dos agentes quer do ponto de vista do fundamento

do pedido e, finalmente, garantem-se procedimentos mais transparentes,

designadamente graças à realização de audiências públicas e à publicação de peças

processuais15.

No domínio substantivo, o capítulo de investimento do CETA reforça

igualmente a garantia do direito dos governos introduzirem novas regulamentações

em defesa do interesse público16, não apenas tornando claro que uma decisão arbitral

não pode, em circunstância alguma, obrigar uma entidade pública a alterar um ato

legislativo, mas, sobretudo, negando de forma expressa a existência de qualquer direito

de indemnização pelo simples facto de um investidor alegar que uma nova

regulamentação prejudicou as suas expectativas de lucro.

O “Instrumento Comum Interpretativo”, que a União Europeia e o Canadá

fizeram anexar ao texto do CETA 17 - e que veio dar garantias adicionais de preservação

11

Refira-se que, face a algumas questões que foram suscitadas, os serviços jurídicos do Parlamento

Europeu emitiram, em junho de 2016, um parecer, que é público, onde se conclui que o ICS é inteiramente

compatível com os Tratados Europeus. A Bélgica vai solicitar um parecer ao Tribunal de Justiça da União

Europeia sobre a mesma questão. 12

Artigo 8.30 do CETA. 13

Segundo o artigo 8.27 (2) do CETA, o Comité Misto CETA irá nomear quinze membros do tribunal. Cinco

juízes devem ser cidadãos nacionais de um Estado-membro da União, cinco devem ser nacionais do

Canadá e cinco devem ser cidadãos nacionais de países terceiros. 14

Artigo 8.28 do CETA. 15

Artigo 8.36 do CETA. 16

Artigo 8.9 do CETA. 17

Em virtude do artigo 30.1 do CETA e em conformidade com o artigo 31º da Convenção de Viena sobre o

Direito dos Tratados, o “Instrumento Comum Interpretativo” deve ser considerado como parte integrante

do acordo CETA.

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Pedro Silva Pereira

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 193

dos princípios e valores europeus, nomeadamente em matéria de segurança alimentar,

proteção da saúde, dos consumidores e do ambiente, e direitos sociais e laborais -

esclarece, de forma inequívoca, que nenhuma das disposições do CETA pode ser

interpretada de modo a restringir o pleno direito das partes legislarem no sentido de

salvaguardar o interesse público.

Beneficiando do facto de o ICS ter ficado excluído da aplicação provisória do

CETA, a Comissão Europeia e o Canadá acordaram (Declaração anexa nº 36) trabalhar

em conjunto para introduzir, ainda, alguns aperfeiçoamentos adicionais neste sistema,

nomeadamente em relação aos critérios e procedimentos para a seleção dos juízes, aos

requisitos éticos a que os mesmos ficarão sujeitos, às condições de acesso ao ICS pelas

pessoas singulares e pelas pequenas e médias empresas e à organização do

mecanismo de recurso.

A eliminação do “velho ISDS”, e mesmo da ideia de um “ISDS reformado”, foi,

sem qualquer dúvida, a mais importante conquista do Parlamento Europeu no âmbito

das negociações do CETA. Um sucesso que será, porventura, pouco conhecido, mas

que é fundamental para compreender o voto favorável do Parlamento à versão final do

acordo e para fazer prova de que o Parlamento Europeu soube dar ouvidos às

preocupações dos cidadãos. A verdade é que o Parlamento fez uso de todo o seu

poder político para vencer enormes resistências e forçar a renegociação de um acordo

comercial que se dizia “fechado”, conseguindo que fosse consagrada, já na 25ª hora,

uma solução bastante mais satisfatória18.

O novo sistema de arbitragem pública consagrado no CETA, o ICS, é já

considerado uma referência exemplar para a negociação de futuros acordos comerciais

e é visto como uma etapa importante para a criação de um tribunal multilateral de

investimento - que deverá constituir, a prazo, o órgão jurisdicional responsável pela

resolução de litígios entre os investidores e os Estados, provavelmente no âmbito da

Organização Mundial do Comércio.

18

As exigências posteriormente feitas pela região belga da Valónia, num derradeiro braço-de-ferro que

adiou por alguns dias a assinatura do CETA, limitaram-se, no que ao ICS diz respeito, a desenvolver as

exigências que já tinham sido feitas pelo Parlamento Europeu e a obter garantias e esclarecimentos

adicionais.

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Acordo CETA: O Parlamento Europeu fez a diferença

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 194

4. CETA: UMA OPORTUNIDADE PARA A UNIÃO EUROPEIA E PARA PORTUGAL?

Para a União Europeia, o CETA é um acordo comercial e de investimento de

enorme importância estratégica, mais até do que estritamente económica. É evidente

que a dimensão da economia canadiana, embora não negligenciável, não tem o poder

de fazer a diferença no desenvolvimento da muito maior economia europeia. Isso

mesmo, aliás, está bem patente nos estudos de impacto económico que foram

realizados19. Mas, num momento em que sopram fortes os ventos do protecionismo, a

partilha de princípios e valores entre a União Europeia e o Canadá confere uma

extraordinária oportunidade de estabelecer um acordo comercial progressista, capaz

de garantir a salvaguarda dos serviços públicos e de elevados padrões de proteção

ambiental e social, constituindo-se como uma referência exemplar para toda uma nova

geração de acordos comerciais. E é exatamente isso que é o CETA: um acordo

comercial progressista como nenhum outro alguma vez celebrado.

Por outro lado, este é também um acordo economicamente equilibrado, que

cria novas oportunidades de acesso ao mercado canadiano - incluindo o mercado

descentralizado de contratos públicos - que são vitais para as empresas europeias

crescerem e criarem emprego.

Para os interesses económicos de Portugal, o CETA é um acordo especialmente

importante. Atualmente, mais de 1220 empresas portuguesas exportam para o Canadá,

90% das quais são pequenas e médias empresas. E 12.000 postos de trabalho em

Portugal apoiam-se nas exportações para o Canadá20. Embora não exista um estudo de

impacto específico do CETA na economia portuguesa, estes números terão certamente

tendência a subir, até porque Portugal tem uma significativa margem de crescimento

no Canadá, onde reside uma importante comunidade portuguesa21.

Quatro componentes do acordo são especialmente importantes para Portugal:

19

Estima-se que o CETA poderá resultar num aumento de 23%, ou 26 mil milhões de euros, nas trocas

comerciais bilaterais de bens e serviços e num crescimento do PIB da UE em 12 mil milhões por ano. 20

Dados da DG Comércio. 21

Cerca de 550 mil portugueses e lusodescendentes vivem no Canadá.

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Pedro Silva Pereira

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 195

Primeiro, a eliminação de praticamente todas (99%) as tarifas

aduaneiras logo a partir do primeiro dia da aplicação provisória do

acordo (prevista para 1 de julho de 2017), o que favorece em muito

os nossos setores tradicionais de exportação hoje prejudicados por

ruinosos picos tarifários22.

Segundo, a proteção23 de 20 produtos alimentares tradicionais

portugueses24 (num total de 145 indicações geográficas

europeias25), o que irá favorecer, sobretudo, as pequenas e médias

empresas e deve ser considerado como um progresso muito

significativo porque o Canadá tradicionalmente opunha-se ao

próprio conceito de indicações geográficas europeias.

Terceiro, o acesso das empresas europeias ao mercado de contratos

públicos a todos os níveis da administração do Canadá (províncias,

territórios e municípios, para além da maioria das agências

governamentais e das empresas estatais)26.

22

Existem hoje picos pautais em produtos como têxteis-lar, calçado, cutelaria, produtos cerâmicos e

mobiliário. Por exemplo, a taxa aduaneira entre o Canadá e a UE é de 17% para os artigos de têxteis-lar.

Nos produtos agrícolas, ultrapassado o período de phasing out, serão eliminadas as tarifas sobre 92% das

linhas tarifárias em bens como preparados de frutas e legumes, assim como vinhos e bebidas espirituosas.

O CETA exclui da liberalização pautal o setor dos ovos e das aves de capoeira e oferece acesso limitado ao

mercado para vários produtos sob a forma de contingentes pautais (caso da carne de porco, de vaca, do

milho doce e do trigo comum para a UE; e caso dos laticínios para o Canadá). 23

Concretamente, trata-se da proteção contra imitações ou tentativas para induzir o consumidor em erro

quanto à verdadeira origem de um produto. O acordo entre a UE e o Canadá, de 2004, sobre o comércio

de vinhos e de bebidas espirituosas, já pôs fim à utilização genérica de denominações europeias,

protegendo nomeadamente as denominações portuguesas Porto e Madeira. 24

Azeite de Moura, Azeite de Trás-os-Montes, Azeite do Alentejo, Azeite da Beira Interior, Azeite do Norte

Alentejano, Azeite do Ribatejo, Pera Rocha do Oeste, Ameixa d’Elvas, Ananás dos Açores/ S. Miguel,

Chouriça de carne de Vinhais, Linguiça de Vinhais, Chouriço de Portalegre, Presunto de Barrancos, Queijo

Serra da Estrela, Queijos da Beira Baixa, Queijo de Castelo Branco, Queijo Amarelo da Beira Baixa, Queijo

Picante da Beira Baixa, Salpicão de Vinhais. Queijo S. Jorge (proteção parcial). O CETA prevê a possibilidade

de adicionar nomes de outros produtos agrícolas de alta qualidade no futuro. 25

Há bem mais do que 145 indicações geográficas registadas no plano europeu, mas muitas delas não são

exportadas para fora da União e portanto não relevam para este tipo de acordo. 26

Estima-se que o mercado de contratos públicos das províncias canadianas valha duas vezes mais do que

o mercado federal.

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Acordo CETA: O Parlamento Europeu fez a diferença

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 196

Quarto, a facilitação da mobilidade dos prestadores de serviços

europeus, a par de um novo enquadramento para futuros acordos

sobre reconhecimento mútuo de habilitações profissionais27.

Em suma, os setores portugueses do vinho, calçado, confeção, fileira da casa,

cortiça e produtos alimentares (como o queijo e o azeite) poderão beneficiar

consideravelmente de novas oportunidades de negócio proporcionadas pela entrada

em vigor do CETA. Por outro lado, e como sublinhado pela Câmara de Comércio e

Indústria Portuguesa (CCIP), espera-se que Portugal possa também conquistar novas

posições no mercado canadiano em sectores como o farmacêutico, o automóvel, as

tecnologias da informação ou as energias renováveis. Importante é que os empresários

portugueses estejam atentos a estas novas oportunidades.

NOTAS FINAIS

A concluir, importa dizer que o CETA é um acordo que inaugura uma nova

geração de acordos comerciais, mais progressista e mais atento à salvaguarda do

interesse público, do ambiente e dos direitos sociais. Tem uma enorme importância

estratégica para a União Europeia porque estabelece um novo padrão para as relações

comerciais, mais exigente e mais consentâneo com os valores europeus, que se espera

possa servir de referência para o futuro do comércio internacional, em direção a uma

globalização mais regulada.

Como assembleia representativa dos cidadãos europeus, o Parlamento cumpriu

a sua missão no caso do CETA: deu ouvidos às preocupações da sociedade civil e fez

valer a sua força para conseguir o que já parecia impossível - a eliminação do ISDS, a

consagração de um novo sistema público de arbitragem (o ICS) e o respeito por valores

tão importantes como a salvaguarda do “direito a regular” em nome do interesse

27

O CETA inclui disposições sobre a entrada e a estadia temporária de pessoas singulares na UE e no

Canadá, facilitando a mobilidade de prestadores de serviços contratuais, investidores, profissionais

independentes, bem como de outros visitantes com finalidades empresarias. Será também mais fácil a

entrada e estadia temporária de prestadores de serviços em profissões reguladas (por ex. prestadores de

serviços jurídicos, contabilísticos, arquitetónicos). O CETA estabelece, ainda, um quadro geral para a

negociação de acordos sobre reconhecimento mútuo de qualificações profissionais (por ex. arquitetos,

engenheiros).

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Pedro Silva Pereira

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 197

público. Consequentemente, o Parlamento Europeu deu voto favorável à versão final

do CETA, tal como teria certamente votado contra as versões anteriores que ainda

mantinham, embora retocado, o “velho ISDS”. Valeu, pois, a pena. Tal como valeu a

pena o Tratado de Lisboa confiar ao Parlamento Europeu um papel decisivo na Política

Comercial Comum.

Para Portugal e para as empresas portuguesas, este acordo abre, sem dúvida,

interessantes oportunidades. Oxalá sejam bem aproveitadas.

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Os novos muros da Europa

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 198

OS NOVOS MUROS DA EUROPA1

NUNO CUNHA RODRIGUES2

RESUMO

Passados trinta anos desde a adesão de Portugal às então Comunidades Europeias e sessenta anos desde

a celebração do Tratado de Roma, a União Europeia enfrenta a construção de “novos muros”, físicos,

económicos e políticos, erguidos discretamente ao longo dos anos, que ameaçam o futuro desta região. O

artigo descreve os “novos muros da Europa” e expõe, no final, soluções para restaurar a confiança dos

cidadãos nas instituições europeias.

Palavras-chave: União Europeia, crise, refugiados, União Económica e Monetária, valores democráticos.

ABSTRACT

The new walls of Europe. Thirty years after the accession of Portugal to the European Communities and

sixty years since the Treaty of Rome, the European Union faces the construction of "new walls", physical,

economic and political ones, erected discreetly over the years, that threaten the future of this region. The

article describes the "new walls of Europe" and sets out, in the end, solutions to restore public confidence

in the European institutions.

Keywords: European Union, crisis, refugees, Economic and Monetary Union, democratic values.

Histórico do artigo: recebido em 27-01-2017; aprovado em 15-04-2017; publicado em 05-05-2017.

Publicação a convite do Conselho Editorial. 1 Comunicação efetuada no dia 14 de novembro de 2016, na Conferência “Luzes e sombras da União

Europeia – 30 anos de Portugal na União Europeia”, organizada pelo Instituto Europeu da Faculdade de

Direito da Universidade de Lisboa que se realizou na Fundação Calouste Gulbenkian. 2 Professor Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Vice-Presidente do Instituto

Europeu da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Lisboa, Portugal. E-mail:

[email protected].

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Nuno Cunha Rodrigues

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 199

Decorridos trinta anos sobre a adesão de Portugal às então comunidades

europeias, suscita-se uma nova interrogação. Há, de facto, “novos muros” na Europa? A

minha resposta é irrestritamente afirmativa.

Como é reconhecido, a Europa construiu-se entre luzes e sombras, acalmias e

sobressaltos, progresso e regressão. A referência a “novos muros” da Europa abrange

não apenas os muros físicos recentemente construídos como forma de impedir o

acolhimento de refugiados mas, igualmente, outras barreiras (económicas, políticas e

legislativas) erguidas discretamente ao longo dos anos.

Na verdade, os Estados membros nunca consensualizaram o modelo de

construção e desenvolvimento da Europa. A dialética fazia-se entre os que sonhavam

com um modelo pan-europeu e os que preferiam uma Europa enquadrada nos

grandes movimentos geoestratégicos; os que trabalhavam para a integração e os que

apostavam na decisão intergovernamental; os que punham o acento tónico no

federalismo e os vigilantes das soberanias nacionais.

A efetivação das liberdades económicas e a inclusão, no acervo comunitário, de

direitos fundamentais e da esfera de cidadania que fermentara, durante séculos, nas

culturas europeias, pareciam ter transformado a Europa numa fortaleza, pela pujança

de uma identidade que reunia o progresso, o desenvolvimento e as garantias que

definem uma Comunidade de Direito. Uma fortaleza no sentido da realização de

equilíbrios em que a paz, o bem estar e a cultura se tornam elementos cruciais para a

afirmação da dignidade da pessoa. Uma fortaleza que une, não divide; que tem as

portas abertas para quem quer entrar ou sair; e que se impõe aos outros pela força da

razão, nunca pela razão da força.

Foi assim que a União Europeia se foi alargando, umas vezes pelos seus

dinamismos naturais, outras para restaurar fronteiras e corrigir alianças e alinhamentos

que tinham sobrado dos conflitos que ensombraram todo o século XX.

Também a liberdade de circulação tinha sido apregoada como primeiro sinal de

uma Europa dos povos.

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Os novos muros da Europa

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 200

Porém, aos primeiros abalos, que logicamente atingiram, em primeiro lugar, os

Estados periféricos, a coesão vacilou.

Os decisores de Bruxelas renderam-se ao peso e à eficácia de estratégias

intergovernamentais, rapidamente protagonizadas por directórios, e permitiram que se

substituísse o discurso elíptico, mas cauteloso, até então utilizado, por soluções

impactantes que pareciam ter ficado para trás com a queda do muro de Berlim.

Depois, a Europa do derrube do muro de Berlim e da Carta dos Direitos

Fundamentais, não prestou atenção às intervenções de alguns (poucos) líderes

nacionais e resignou-se à construção de muros destinados a impedir a passagem de

refugiados.

Na Hungria, um muro atravessa a fronteira com a Sérvia, num total de 175

quilómetros. Na Grécia, foi erguida uma vedação com 12,5 quilómetros, junto à aldeia

de Nea Vyssa. Em Calais, um muro com 1,5 quilómetros protegia, até há pouco, a

“selva”, monumento ao desprezo e à humilhação. Na Bulgária, há um muro que separa

parte do país da Turquia, com 30 quilómetros edificados e um projeto que acrescentará

mais 130 quilómetros.

Outros Estados, de que é exemplo a Dinamarca, optaram por soluções menos

fraturantes e publicaram, ou propõem-se publicar, normas que proíbem a permanência

de refugiados.

Paradoxalmente, os muros estão a ser construídos em países de trânsito. O que

também significa que os países de destino (nomeadamente a Alemanha, o Reino Unido

e os países nórdicos) não são observadores desinteressados.

O que fez a União Europeia?

Celebrou, com a Turquia, um acordo sobre refugiados cujos termos, decorrido

mais de meio ano, ainda não são suficientemente conhecidos. Supostamente, a Turquia

aceitará a devolução das pessoas que viajarem clandestinamente do seu território para

a Grécia. Por cada cidadão sírio devolvido à Turquia, a União Europeia permitirá a

entrada legal de um refugiado desta nacionalidade. Em termos simples, troca-se um

refugiado legal por um refugiado ilegal, abstraindo-se do conceito de legalidade e dos

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Nuno Cunha Rodrigues

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 201

mecanismos de controlo que estão na base deste abstruso e surpreendente esquema

de troca direta. Adicionalmente, a União Europeia comprometeu-se a: reabrir, em

dezembro de 2016, o dossiê relativo à adesão da Turquia (compromisso de pouca

monta dado o histórico de avanços e recuos da questão Turca…); a liberalizar a

concessão de vistos; a realizar duas cimeiras de alto nível por ano; e, por fim, a pagar à

Turquia 6 mil milhões de euros, a título de ajuda aos refugiados existentes naquele

país.

A União Europeia paga, deste modo, um preço de boa consciência, mantém os

refugiados longe da vista e faz vista grossa ao Direito Internacional, especificamente à

proibição de expulsão de refugiados, prevista nos artigos 32.º e 33.º da Convenção de

Genebra.

Ao fundo da tragédia, emerge o retrato dos refugiados que permanecem na

Turquia, em condições inumanas, condenados a um tempo sem rumo e sem esperança,

quando não despejados no cemitério do Mediterrâneo. Segundo a Human Rights

Watch, cerca de 1,4 milhões de crianças sírias em idade escolar encontram-se neste

momento na Turquia e aí não frequentam qualquer estabelecimento de ensino.

Note-se que o discurso político manipula habilidosamente os factos apelando,

aqui, à questão da emigração irregular. Mas não se trata, porém, de emigração

irregular.

Trata-se de refugiados.

Como referiu o Alto Comissário da Organização das Nações Unidas para os

Refugiados, Filippo Grandi, “91% dos que chegam à Grécia são sírios, iraquianos e

afegãos que fogem de um conflito e de perseguições inomináveis”.

O ideal Europeu parece, assim, estar a descer aos infernos. À beira do precipício,

a Europa protege a sua zona de conforto negociando pequenos gestos.

Aconteceram coisas parecidas nos tempos que precederam a segunda grande

guerra. Nessa altura, também foram anunciados e entregues a tecnocratas anónimos

planos vagos e agendas improváveis.

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Os novos muros da Europa

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 202

A verdade, porém, é que os novos muros coexistem com antiquíssimos muros,

invisíveis para os olhos mas, nem por isso, menos perturbadores. Erguem-se nas

capitais de alguns Estados e adquirem estatuto em Bruxelas. Materializam-se numa

complexa teia de normas e princípios que a eurocracia trata como assunto doméstico.

A finalidade é assegurar um modelo que, independentemente das formas e dos rituais,

confie a directórios e, tendencialmente, a um só Estado membro, a definição das

políticas e a gestão do quotidiano.

Os tempos de exceção servem magnificamente para, a pretexto da emergência

e de uma aparente incapacidade de sobrevivência dos países periféricos no mundo dos

grandes, erguer barreiras e multiplicar controlo. As palavras titubeantes e contraditórias

da Comissão Europeia apenas traduzem a sua natureza de decisor de segunda linha.

Mas há ainda o Tratado intergovernamental sobre Estabilidade, Coordenação e

Governação (TECG), que inclui o Pacto Orçamental, a revisão do Pacto de Estabilidade e

Crescimento e o Six-Pack e Two-Pack. Recorde-se, a propósito destes (novos)

instrumentos jurídicos, uma frase proferida por um funcionário anónimo da Comissão

Europeia citado pelo The Economist, em 30 de setembro de 2010, a propósito da

reforma do Pacto de Estabilidade e Crescimento: “We are now like communist central

planners. We know everything.”

O novo enquadramento orçamental aprovado pela União Europeia vive de

conceitos indeterminados como “preço ou custo concorrencial”, “saldo estrutural” ou

“dívida do setor público e privado” e privilegia uma dimensão repressiva dos

desequilíbrios macroeconómicos. Esta situação de liberdades económicas vigiadas traz

para a ribalta a questão da legitimidade democrática na construção europeia e utiliza-a

em diferentes e contraditórios planos. Abriu-se a porta para que a Comissão Europeia

possa limitar e recentrar as soberanias nacionais, ao intervir a priori num plano de

definição das políticas orçamentais macroeconómicas e microeconómicas dos Estados

membros.

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Nuno Cunha Rodrigues

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 203

Esta faculdade, que interfere nas propostas de orçamento de cada Estado

membro, está a agudizar as tensões existentes no interior dos Estados e a produzir

efeitos fraturantes, como ficou demonstrado com o Brexit.

Os discursos moralizantes sucedem-se. No caso da Alemanha, com o

argumento da impossibilidade de promover um crescimento homogéneo da economia

europeia, que legitimaria a necessidade de deixar sair os Estados que não conseguem

acompanhar o crescimento económico.

Um discurso com um elevado potencial anestesiante, pois os países do sul da

Europa parecem continuar iludidos pelas baixas taxas de juro e pela estabilidade

cambial induzida pelo Euro. O velho princípio “no taxation without representantion”

passou a ser apenas isso: um velho princípio.

O processo democrático no domínio orçamental foi capturado, sem custos

aparentes, pelas instituições europeias, que não têm de enfrentar a responsabilidade

política pelas suas ações. Federalizou-se, por esta via, o domínio orçamental sem uma

equivalente federalização política. Aprofundou-se, consequentemente, o mal-estar,

pelo definhamento das soberanias dos Estados.

A domesticação da opinião pública é agora feita com recurso à ameaça do

maior dos males, uma espécie de compra da paz em que, de um lado, estão os Estados

submersos por uma dívida impagável e, do outro, os grandes senhores do capital e da

finança.

A crise financeira desencadeada em 2007, na ausência de respostas simples e

eficazes, deu lugar ao pensamento complexo e a teses que procuram explicar as causas

(objetivo comum às análises historicistas) em vez de encontrarem os modelos que

melhor podem assegurar a manutenção da despesa pública numa economia em

degradação com consequente redução de receitas fiscais.3

3 Enumerando dados estatísticos comprovativos deste entendimento, cfr. De Grauwe, P., Why a tougher

stability and growth pact is a bad ideia. Disponível em www.voxeu.org.

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Os novos muros da Europa

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 204

Alguém disse que a resposta à crise não pode estar em propostas que nascem

do receio dos mercados e não do amor à Europa. É tão exato quanto

desnecessariamente literário. Diz-se, com verdade, que falta pensamento alternativo.

Importaria, por isso, revisitar o atual modelo de União Económica e Monetária

que, erroneamente, assentou em políticas orçamentais pró-cíclicas, no falso

pressuposto da existência de uma zona monetária ótima e que falhou

estrondosamente perante a crise financeira e os choques económicos assimétricos que

gerou.

Seria, porém, necessário, fazer os diagnósticos sem reincidir em avaliações que

cultivam métodos paternalistas de análise, também aqui traduzidos em muros que

separam os Estados indisciplinados e os Estados bons alunos…

Aquilo que, no início da vigência do Euro, parecia ser um processo natural de

convergência económica, política e social, não resistiu à primeira grande crise financeira

e resulta, agora, num processo de divergência a todos os níveis.

É então tempo de refletir sobre o modelo económico europeu. A escolha incide

entre, por um lado, o chamado modelo social europeu presente nas Constituições da

maior parte dos Estados membros e as conceções neo liberais que nem sempre

oferecem uma grelha coerente de postulados e de leitura.

Não será sem regulação que se enfrentarão os problemas. Mas não será

também com a aprovação de um quadro jurídico meramente repressivo que se

conseguirá debelar e ultrapassar crises financeiras e os desafios da construção

europeia.

Há, todavia, outras situações em que os decisores europeus erguem muros de

silêncio por não saberem ao certo como agir. Veja-se o que se passa na Hungria:

i) O Tribunal Constitucional foi proibido de se pronunciar sobre o conteúdo

das leis e de invocar jurisprudência anterior, o que lhe retirou, na prática, a

possibilidade de escrutinar os poderes legislativo e executivo;

ii) Limitou-se a liberdade de imprensa o que culminou, em outubro deste ano,

com o encerramento do principal jornal diário;

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Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 205

iii) O Banco Central passou a estar sob tutela política, ao arrepio do disposto

no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE);

iv) A Constituição passou a prever referências à religião ou à "utilidade social"

dos indivíduos como condição necessária do respeito pelos seus direitos

sociais;

v) Foi suprimida, na Constituição, a palavra "República" para definir o sistema

político do país;

vi) Reformaram-se compulsoriamente os juízes acima dos 62 anos;

vii) Entre mais de quinhentas medidas, criminalizou-se a homossexualidade e

os sem-abrigo e atacaram-se os direitos das mulheres.

Esta situação já tinha sido apreciada, em parte, em 2012, pelo Parlamento

Europeu, na sequência da aprovação de um relatório elaborado pelo eurodeputado

português Rui Tavares. Nesse relatório, eram avançadas propostas no sentido de

estabelecer um “mecanismo para garantir o respeito dos valores comuns da União

Europeia” por meio da criação de uma “Comissão de Copenhaga" destinada a viabilizar

a continuidade dos denominados Critérios de Copenhaga de democracia e Estado de

Direito a exigir aos países candidatos à União.

Mas a União Europeia nada fez. Preferiu recordar periodicamente e de forma

obstinada, os “critérios de convergência” económicos ou os critérios da dívida e do

deficit que devem ser respeitados pelos Estados membros. Prefere discutir, durante

semanas a fio, se Portugal teve mais uma décima ou menos uma décima de deficit

orçamental.

A verdade é que ganhou foros de cidadania o artigo 50.º do Tratado da União

Europeia (TUE) que o Reino Unido pretende invocar para abandonar a União Europeia,

como vimos anteriormente.

Quanto ao artigo 7.º do TUE, nos termos do qual o Conselho pode verificar a

existência de um risco manifesto de violação grave dos valores referidos no artigo 2.º

por parte de um Estado membro, o silêncio disfarça a inércia. Recordo que este artigo

impõe “o respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade,

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Os novos muros da Europa

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 206

do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das

pessoas pertencentes a minorias”. Caso entenda verificada a violação de alguns destes

princípios, o Conselho pode “decidir suspender alguns dos direitos decorrentes da

aplicação dos Tratados ao Estado membro em causa, incluindo o direito de voto do

representante do Governo desse Estado membro no Conselho”. Recorde-se o

precedente da Áustria e a iniciativa então adotada pelo conselho de ministros europeu.

Apesar de tudo, os tempos eram outros. Há vozes a clamar no deserto? Há.

Ainda recentemente, o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Luxemburgo

suscitou a questão, acusando o governo húngaro de “violações massivas” dos valores

fundamentais da União Europeia e exigindo que a Hungria seja suspensa ou até

expulsa porque, e estou a citar, “é a única hipótese que temos para proteger a coesão e

os valores da União Europeia”. Acrescentou ainda Jean Asselborn: “A Hungria já esteve

mais longe de começar a ordenar que [as tropas] abram fogo contra os refugiados”

concluindo que os “muros húngaros estão a ficar cada vez mais altos, mais compridos e

mais perigosos.”

Será que a Europa, que soube enfrentar regimes totalitários ao longo do século

XX, não sabe agora, no século XXI, enfrentar regimes populistas e nacionalistas,

construídos sobre frágeis democracias e se intimida perante estes? Estaremos,

lentamente, a afastar-nos do ideal democrático em que assenta a União Europeia?

Como restaurar a confiança dos cidadãos nas instituições europeias?

Distinguiria medidas de natureza política e medidas de natureza económico

financeira. As primeiras implicam o reforço da autoridade política da União, uma efetiva

accountability e o restabelecimento da confiança mútua entre Estados membros,

tornando visíveis, aos olhos dos povos da Europa, os benefícios da integração. A título

de exemplo, é fundamental incrementar a interação com os parlamentos nacionais,

protegendo os espaços de subsidiariedade e permitindo, dessa forma, um

aprofundamento do processo político e económico baseado em escolhas dos cidadãos.

No âmbito das medidas de natureza económico-financeira, a tendência

centrípeta de atração de poderes, por parte da União Europeia, deve ser temperada

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Nuno Cunha Rodrigues

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 207

com o reforço dos meios financeiros para que, em tempo de crise, seja possível

prosseguir verdadeiras políticas redistributivas, inerentes ao projeto de solidariedade

necessário à promoção de uma certa ideia de identidade europeia. O que implica,

necessariamente, o reforço do orçamento da União Europeia bem como a adoção de

políticas financeiras lógicas e coerentes que responsabilizem os Estados membros,

nomeadamente no que se refere a políticas comerciais. Inscreve-se nesta rubrica a

atenção a casos, como aquele que ocorre na Alemanha, de superavit da balança

comercial que são penalizadores para outros Estados membros, no contexto do

mercado interno, por produzirem efeitos de assimetria económica e disfuncionalidades.

Será igualmente de ter em conta a urgência de olhar para a competitividade da

economia de Estados mais afectados pela crise, como Portugal.

Não se trata propriamente de inovar. Estávamos neste debate quando,

subitamente, no verão passado, sopraram ventos inquietantes do outro lado do

Atlântico. Foram observados como fait divers e como caricatura de uma absoluta

improbabilidade. Tornaram-se agora realidade. Há novíssimos muros à espreita, agora

também do outro lado do atlântico.

É, assim, tempo de revisitar os pais fundadores e o espírito que animou os

diferentes movimentos, encontros e associações surgidos no pós-guerra – como os

Encontros Internacionais de Genebra (1946) ou o Congresso de Haia (1948) –, todos

defensores de uma ideia de unidade europeia forjada no diálogo de culturas, fundada

em valores éticos e humanistas, numa Europa que congrega singularidades que a

distingue de outros continentes.

Decorridos trinta anos desde a adesão de Portugal às (então) comunidades

europeias, a Europa aproxima-se de um tempo novo em que refletir e agir é

necessário…

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DISCURSOS

Identidade europeia: Quem são os europeus de hoje?

Carlos Coelho

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Carlos Coelho

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 209

IDENTIDADE EUROPEIA: QUEM SÃO OS EUROPEUS DE HOJE?

DISCURSO DO DEPUTADO AO PARLAMENTO EUROPEU, CARLOS COELHO

Por ocasião do Colóquio “Identidade(s), Integração e Laicidade na Europa”,

que teve lugar nos dias 11 e 12 de maio de 2015, na Fundação Calouste

Gulbenkian, em Lisboa.

RESUMO

Este discurso ensaia uma resposta à pergunta “Quem são os Europeus de hoje?”, apresentando algumas

conclusões. O ponto de partida é o reconhecimento da diversidade e as assimetrias demográficas,

económicas, sociais, religiosas. Nota também que a Identidade Europeia se faz mais por oposição do que

por adesão e que, apesar da instituição da cidadania europeia, a identidade nacional permanece mais

forte. No entanto, conclui-se que os Europeus partilham cada vez mais preferências comuns, receios

comuns, escolhas comuns. E, por isso, apesar da perceção de que não o são, a realidade sugere que os

europeus são cada vez mais europeus.

Palavras-chave: identidade europeia, cidadania europeia, religião na Europa.

ABSTRACT

European Identity: Who are the Europeans today? This speech attempts to answer the question “Who are

the Europeans of today?” pointing at some conclusions. The starting point is the acknowledgement of the

European demographic, economic, social and religious diversity, also recognizing that the European

identity is conceived more by opposition to something rather than adherence. It is also pointed out that,

despite the creation of European citizenship, national identities remain stronger. Nonetheless, it is

concluded that Europeans share increasingly more their preferences, fears and choices and therefore,

despite a contrary perception, Europeans are becoming more Europeans.

Keywords: European identity, European citizenship, religion in Europe.

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Identidade europeia: quem são os europeus de hoje?

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 210

Pergunta-se: "quem são os europeus de hoje?"

Sei bem que a Europa é mais do que a União Europeia. Mas para responder à

pergunta, insisto, por facilidade, na identificação entre as duas realidades. Assim, a

Europa de que falo é sobretudo a União Europeia.

Somos 500 milhões, com tendência a diminuir e a envelhecer.

A Comunidade começou com seis países (França, Alemanha, Itália, Bélgica,

Luxemburgo e Países Baixos) e alargou-se sucessivamente a nove, dez, doze, quinze,

vinte e cinco, vinte e sete e os atuais vinte e oito Estados membros.

Num debate em Estrasburgo no plenário do Parlamento Europeu, o primeiro-

ministro italiano, Matteo Renzi, afirmou que, se a Europa quisesse fazer uma selfie,

estaria a fotografar uma tia envelhecida. E há alguma verdade nesta caricatura. Os

europeus são mais mulheres que homens e mais velhos que jovens. As faixas etárias

mais elevadas representam a maior parte dos cidadãos europeus.

A evolução demográfica é agravada pela baixa taxa de natalidade, o que gera

aliás uma perplexidade económica e social. É frequente assistirmos em alguns países a

um grande crescimento da sua população mais jovem, com assinaladas dificuldades em

encontrar respostas suficientes no mercado de trabalho. Na Europa, nem o facto de a

população jovem diminuir faz com que o desemprego juvenil seja menos preocupante.

Temos um elevado nível de desemprego juvenil. Se o desemprego é sempre um

drama social, uma alta taxa de desemprego jovem confronta-nos com problemas sérios

relativos ao futuro da Europa. E esse desemprego não é só excessivo como é

assimétrico. Há uma enorme diferença entre os 7% de jovens desempregados na

Alemanha com os 50% na Grécia ou em Espanha.

Com 28 Estados membros, somos uma Europa maior, mais forte mas mais

dividida e com mais disparidades.

Um exemplo são as línguas oficiais. Hoje, no Parlamento Europeu, temos vinte e

quatro línguas de trabalho que correspondem às vinte e quatro línguas oficiais da

União Europeia.

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Carlos Coelho

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 211

Não era por acaso que, quer Francisco Lucas Pires, quer Vasco Graça Moura

(duas referências do pensamento e da cultura que infelizmente já não estão entre nós

mas deixaram uma marca no Parlamento Europeu que prestigiou Portugal), falavam

sempre nas culturas europeias sublinhando o plural.

E isto remete-nos para a questão da Identidade Europeia.

Relembro as palavras de Eduardo Lourenço que afirmou a «cosmopolita e

indefinível identidade europeia».

É uma identidade que é mais evidente por contraposição, quando a

confrontamos com identidades que lhe são externas. Sentimo-nos mais europeus

quando estamos em África, na Ásia, nas Américas ou em qualquer outro canto do

mundo. E somos reconhecidos como europeus por esses povos. Por vezes olham-nos

com inveja, outros com ressentimentos e outros ainda, com malícia. Dizem-nos que

temos "tiques" europeus ou "manias" europeias. Enfim... somos europeus.

Diria, portanto, que é claro que existem europeus fora da Europa, mas não

estou tão certo que existam europeus na Europa. Porque, quando estamos na Europa,

não nos definimos como europeus. Somos Portugueses, Franceses, Espanhóis, Alemães,

etc.

Temos de reconhecer que, nesta nossa Europa comum, a identidade

nacional é muito mais forte do que a identidade europeia.

É verdade que criámos juridicamente a Cidadania Europeia, mas ela não é

verdadeiramente sentida e assumida pelos cidadãos europeus. Só 26% se consideram

convictamente cidadãos europeus e 39% confessam-se "em grande medida" cidadãos

europeus. Ou seja: apenas metade dos europeus se reconhecem cidadãos da Europa e

um terço declaram de forma clara que não se sentem cidadãos da União. No podium

dos menos europeus encontramos a Bulgária, a Itália, a Grécia, Chipre, o Reino Unido e

a Hungria. Quer Portugal, quer a França encontram-se no meio da tabela. Por sinal,

Portugal um pouco mais europeu do que a França...

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Identidade europeia: quem são os europeus de hoje?

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 212

E se podemos "medir" a concretização prática dessa cidadania europeia temos

um bom aferidor: a taxa de participação nas eleições para o Parlamento Europeu. Ora,

ela tem vindo a descer progressivamente e o ano passado teve o valor mais baixo de

sempre: só 42% dos europeus foram às urnas e, em Portugal, esse valor foi de 33%.

Valorizamos porém conquistas da União Europeia.

Valorizamos a paz, a livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais, o Euro,

o programa Erasmus e o Modelo Social Europeu.

Com todas as crises e dificuldades, o Modelo Social Europeu é a expressão do

esforço que fazemos no apoio social. A União Europeia representa só 7% da população

mundial, tem 22% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial e é responsável por 50% da

despesa social de todo o mundo. Isso diz bem do nível de bem-estar na Europa, mas

também dos desafios que coloca à nossa competitividade.

Somos uma Europa que encoraja e facilita a mobilidade e isso tem contribuído

para nos conhecermos melhor e para o aumento da tolerância entre os europeus. Em

vinte anos, o número de europeus a viverem e trabalharem noutro Estado membro que

não aquele onde nasceram, triplicou. Eram cerca de 5 milhões em 1995 e são hoje mais

de 13 milhões.

Três milhões de europeus já beneficiaram do programa Erasmus. Esta iniciativa,

referida de forma excelente pelo Comissário Carlos Moedas na mensagem gravada que

ouvimos no início deste debate, é um enorme sucesso. Hoje falamos na "geração

Erasmus". Enquanto que no primeiro ano de existência do programa (1987/1988) foram

apoiados pouco mais de 3 200 estudantes, em 2012/2013 foram 200 000 os estudantes

apoiados e 55 000 os estágios concedidos. E aqui também há uma maioria de mulheres

(60%).

Os europeus descobriram também novas estruturas familiares, que resultam de

escolhas pessoais e da mudança de hábitos culturais, mas também do aumento do

número de divórcios. Em Portugal, em 1960 havia um divórcio por cada 100

casamentos. Em 2012, eram 73 divórcios por cada 100 casamentos. Esta tendência,

embora de uma forma menos gritante, repete-se um pouco por toda a Europa. Entre

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Carlos Coelho

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 213

1960 e 2012, a Bélgica passou de 7 para 67, a Holanda de 6 para 49 e a Dinamarca de

18 para 55.

Na religião já fomos mais homogéneos.

Hoje os europeus definem-se como: 48% Católicos; 12% Protestantes; 8%

Ortodoxos; 4% outros cristãos; 2% Muçulmanos; 1% outras religiões (judeus, budistas,

hindus, etc.); 7% Ateus; e 16% Agnósticos.

Muitos europeus acreditam em Deus, outros acreditam que existe um espírito

superior, mas não se revêem numa figura divina e outros não acreditam de todo. O

país menos crente é a França com 40% de ateus. O mais crente é Malta onde 94%

acreditam em Deus. Em Portugal, 70% acreditam em Deus, 15% acreditam num espírito

superior e 12% são ateus.

Os europeus defendem a liberdade religiosa mas também a liberdade de

expressão.

Infelizmente e num passado recente, as notícias mais vistas são de clérigos que

pregam o fundamentalismo: são imãs radicais que pregam o ódio e o jihadismo; são

cristãos fundamentalistas que organizam queimas do Alcorão; são rabis que publicam

doutrina a considerar que matar árabes não é pecado. Parece que vivemos um

retrocesso civilizacional, que recuámos séculos e que está outra vez na moda essa coisa

horrível que é matar em nome de Deus.

E há fenómenos europeus comuns.

Permitam-me citar cinco:

1 - A racionalidade na pertença

A despeito de haver opiniões diferentes sobre a natureza da Europa, todos os

Estados parecem preferir estar dentro da União Europeia. Há uma noção de proteção. E

que o interesse de cada um é melhor defendido dentro da União. Mesmo quando o

discurso se radicaliza. Veja-se o que aconteceu na Grécia. As sondagens no dia da

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Identidade europeia: quem são os europeus de hoje?

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 214

eleição previam (e bem, porque acertaram) a vitória do Syriza. As mesmas sondagens

revelaram que entre 70% a 80% do povo grego queria continuar no Euro. Esta

racionalidade é, na minha opinião, um dos embaraços do atual governo grego que

sabe que, se romper a corda, arrisca-se a perder grande parte da sua base eleitoral.

2 - A radicalização da vida política

Assistimos à proliferação (e ao sucesso eleitoral) de diversos partidos radicais,

xenófobos, racistas e/ou eurofóbicos. O United Kingdom Independence Party (UKIP) no

Reino Unido, só elegeu um deputado devido ao sistema maioritário mas é hoje o

terceiro partido britânico, com mais de 12% dos votos. A Frente Nacional em França

aparece nalgumas sondagens como o primeiro partido francês. Também o Aurora

Dourada na Grécia, o Jobbik na Hungria, o Partido do Povo na Dinamarca, o Partido da

Liberdade na Áustria, o Partido da Liberdade na Holanda, o Movimento Cinco Estrelas

na Itália, aão alguns (entre muitos outros) exemplos que alastram por essa Europa fora.

3 - A intolerância que coloca em causa os valores europeus

Esta intolerância regista-se relativamente a diversos fenómenos tais como:

• A imigração de países terceiros, que 57% dos europeus vê como uma

realidade negativa e apenas 35% como positiva;

• O valor da Liberdade, muitas vezes secundarizado face a exigências

securitárias;

• A proteção de dados, por vezes reduzida a privilégio dispensável;

• O valor da vida, quando responsáveis políticos europeus sugerem que não

se deviam salvar vidas no Mediterrâneo para não criar um "pull-factor".

4 - A pulverização dos parlamentos

Se é verdade que o sistema maioritário inglês escondeu as consequências dessa

realidade no Reino Unido, olhemos para as sondagens na nossa vizinha Espanha e para

a realidade comum na grande maioria dos Estados membros e até no Parlamento

Europeu: verifica-se a erosão eleitoral dos partidos considerados do mainstream e o

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Carlos Coelho

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 215

surgimento de novos atores, tornando mais difíceis e complexas as soluções estáveis

de governo.

5 - Interdependência das economias

Não é apenas evidente nos sistemas económico e financeiro, como gera

consensos europeus relativamente a objetivos comuns:

• 73% dos europeus concordam com a necessidade de uma política

energética comum;

• 71% com uma política comum de imigração;

• 61% com a aplicação de dinheiro público para estimular a economia;

• 58% com o tratado de livre comércio entre a União Europeia e os Estados

Unidos da América;

• 51% com a re-industrialização da Europa.

Mas há também Receios Comuns:

• Nos últimos doze meses, opiniões pessimistas ultrapassaram as otimistas

no que se refere à evolução da economia europeia;

• O impacto da crise económica no emprego divide os europeus: enquanto

metade considera que já ultrapassámos o pior, outra metade receia que o

pior esteja ainda para vir;

• O crescimento da imigração é visto como um receio, como atrás já referi.

Minhas senhoras e meus senhores,

Parece-me, assim, claro que, a despeito de não nos sentirmos europeus ou não

conseguirmos definir o que isso é, somos cada vez mais europeus, parecidos nas

escolhas, nas preferências e nos receios.

E há um espaço de ambiguidade entre o que já não somos e o que não

sabemos se queremos ser, bem traduzido nas palavras de Eduardo Lourenço que lhe

peço emprestadas para terminar a minha intervenção:

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Identidade europeia: quem são os europeus de hoje?

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 216

A Europa real é uma coleção de identidades que já não têm nem a capacidade

de se viver plenamente como nações nem a força de querer e imaginar a

futura Europa como uma nova espécie de nação

Muito obrigado.

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NORMAS

Normas de Publicação

Política Editorial

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Normas de Publicação

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 218

NORMAS DE PUBLICAÇÃO

1. Tipos de publicações e dimensão

A Revista publica artigos, recensões, revisões críticas, comunicações e notícias,

redigidos em português ou inglês.

Os artigos devem ser originais e oferecerem um contributo relevante e pertinente para

o conhecimento na área dos Estudos Europeus. Não devem exceder 50 000 caracteres

(sem espaços), excluindo resumo e palavras-chave em duas línguas, bibliografia, figuras

e quadros.

As recensões consistem num resumo dos aspetos principais de uma obra, publicada há

menos de 24 meses. O autor deve contextualizar o seu percurso e enquadrar,

brevemente, o âmbito do estado da arte quanto ao tema. O autor deve, ainda, apreciar

a obra quanto ao seu contributo no meio académico e sugerir possíveis caminhos para

uma investigação futura, caso assim o entenda. Não devem ultrapassar 10 000

caracteres (sem espaços), excluindo resumo e palavras-chave em duas línguas, e

bibliografia.

As revisões críticas incidem a um conjunto de obras sobre o mesmo tema ou autor,

publicadas há menos de 24 meses, ou obras não recentes cuja pertinência e atualidade

justifique uma revisão crítica. O autor deve aprofundar o estado da arte relacionado

com o(s) tópico(s) envolvido(s), enunciando e discutindo a sua relevância, oferecendo,

de igual modo, o seu contributo pessoal para a clarificação dos aspetos envolvidos e

sugestões para uma análise alternativa. Não devem exceder os 20 000 caracteres (sem

espaços), excluindo resumo e palavras-chave em duas línguas, e bibliografia.

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Normas de Publicação

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 219

As comunicações reportam-se a artigos apresentados em eventos científicos da área,

organizados ou promovidos pela Associação, cuja relevância e pertinência justifiquem a

sua publicação. Não devem exceder os 30 000 caracteres (sem espaços), excluindo

resumo e palavras-chave em duas línguas, e bibliografia.

As notícias reportam-se a acontecimentos científicos da área, cuja relevância e

pertinência justifiquem a sua publicação. Não devem exceder os 10 000 caracteres (sem

espaços).

2. Estrutura e formatação do texto

Os originais devem ser preparados em suporte digital, na versão MS Word 2007 ou

superior, em formato A4 com todas as margens a 3 cm. Os elementos da publicação

devem respeitar a seguinte estrutura e respetivas normas de formatação:

Título: Deve ser conciso, exprimindo o conteúdo. Formatação: Segoe UI, tamanho 14,

em maiúsculas, a negrito e alinhado ao centro.

Subtítulo: É opcional. Formatação: Segoe UI, tamanho 12, em maiúsculas, a negrito e

alinhado ao centro.

Nome(s) do(s) autor(es): Primeiro nome e sobrenome(s) de cada autor, sem

abreviaturas. Quando existe mais que um autor, a ordem pela qual o nome dos autores

é apresentada é da sua exclusiva responsabilidade. Formatação: Segoe UI, tamanho 12,

em maiúsculas pequenas, alinhado à direita. Para cada autor, a seguir ao seu nome,

inserir uma nota de rodapé com a sua informação profissional, nome da organização a

que pertence, localidade, país e e-mail pessoal ou institucional. Caso seja aluno, o autor

deve colocar o curso que se encontra a frequentar, nome da instituição de ensino

superior, localidade, país e e-mail pessoal.

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Normas de Publicação

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 220

Resumo/Abstract/Resumé/Resumen/Sommario: O resumo deve salientar os aspetos

essenciais do texto. Deve ser apresentado, obrigatoriamente, em português e inglês;

opcionalmente, também pode ser apresentado numa terceira língua: francês, espanhol

ou italiano. A sua redação deve ser clara e concisa, até um máximo de 1500 caracteres,

incluindo espaços, em cada língua. Nos resumos em língua estrangeira, o título da

publicação deve ser traduzido na respetiva língua e apresentado no início do resumo.

Formatação: Segoe UI, tamanho 9, alinhamento justificado, entrelinhamento a 1,5

espaços, parágrafo com primeira linha a 1,25 cm.

Palavras-chave/Keywords/Mots-clés/Palabras clave/Parole chiave: A seguir a cada

resumo, devem ser apresentadas até um máximo de 5 palavras-chave na respetiva

língua. Formatação: Segoe UI, tamanho 9, alinhamento justificado, entrelinhamento a

1,5 espaços, parágrafo com primeira linha a 1,25 cm.

Corpo do texto

Formatação: Deve ser justificado, com entrelinhamento a 1,5 espaços, em Segoe UI,

tamanho 11. A primeira linha de cada parágrafo deve ter um avanço de 1,25 cm.

Capítulos: O texto pode ser dividido em capítulos e sub-capítulos (até 3 níveis),

numerados sequencialmente, em numeração árabe. Devem ser apresentados em

maiúsculas, alinhados à esquerda, em Segoe UI, tamanho 11, a negrito.

Notas: Devem ser apresentadas em sequência numérica árabe, em rodapé, Segoe UI,

tamanho 9, justificado.

Referências bibliográficas: São citadas ao longo do texto. As referências bibliográficas

remetem para a bibliografia no final do texto.

Agradecimentos: É opcional. Se necessário, podem ser feitos os agradecimentos a

assistências científicas, técnicas e financeiras. Formatação: Segoe UI, tamanho 11,

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Normas de Publicação

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 221

justificado, entrelinhamento a 1,5 espaços. A primeira linha de cada parágrafo deve ter

um avanço de 1,25 cm. Limite: Até um máximo de 500 caracteres, incluindo espaços.

Bibliografia: Todas as referências bibliográficas citadas no texto, em nota de rodapé,

devem ser apresentadas no final, por ordem alfabética, sob o título “Bibliografia”.

Formatação: Segoe UI, tamanho 11, justificado, entrelinhamento a 1,5 espaços e

parágrafo com avanço pendente a 1,25 cm.

3. Referências bibliográficas

As referências bibliográficas citadas ao longo do texto e referenciadas na bibliografia

seguem as normas do Harvard Style of Referencing.

4. Elementos do texto

4.1. Figuras

As figuras englobam mapas, gráficos, desenhos, fotografias, etc. A sua inclusão no

texto deve ser pertinente, devendo ser referidas no texto, usando a palavra “figura”, se

esta ficar no meio da frase, ou caso se usem parêntesis: Ex: (figura 1). As figuras são

numeradas sequencialmente em numeração árabe e a sua legenda deve ser clara e

curta, posicionada abaixo da figura, em Segoe UI, tamanho 9, centrado.

A qualidade das figuras representadas deve ser suficiente para garantir a sua

legibilidade. Sempre que possível, as figuras devem ser a cores, em formato jpeg, gif,

png, com uma resolução não inferior a 300 dpi.

Cada figura será enviada em separado e não pode exceder os 5 MB, enquanto que o

conjunto não pode ultrapassar os 30 MB. As figuras devem ser identificadas com o

respetivo número da figura (ex: Fig. 1.jpg). Adicionalmente, deve ser enviado um

ficheiro de texto com uma listagem de todas as figuras, onde constem o número da

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Normas de Publicação

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 222

figura, a respetiva legenda e a fonte. Esta lista deve ser identificada como "Figuras" (ex:

Figuras.docx).

4.2. Quadros

A sua inclusão na publicação deve ser pertinente, devendo ser referidos no texto e

numeradas sequencialmente em numeração árabe. O seu título deve ser claro e

sintético, posicionado acima do quadro, em Segoe UI, tamanho 9, centrado. A fonte

deve ser indicada.

A informação contida nos quadros deve ser simples e concreta, devendo caber dentro

de uma só página. Os quadros devem, obrigatoriamente, ser formatados com linhas

horizontais interiores e exteriores, ficando ao critério do(s) autor(es) a inclusão de

linhas verticais interiores e exteriores.

4.3. Abreviaturas e siglas

A utilização de abreviaturas e siglas deve ser restringida ao máximo. A designação

completa à qual se refere uma abreviatura ou uma sigla deve preceder de uma primeira

indicação destas no texto (ex.: Organização das Nações Unidas (ONU)), a não ser que se

trate de uma unidade de medida padrão (ex.: m (metros)). Não devem ser utilizados

pontos nas siglas (ex.: UE em vez de U.E.).

4.4. Números

Os números, quando não forem seguidos por unidades de medida, deverão ser

apresentados por extenso, de primeiro a décimo e de um a dez (inclusive), e por

algarismos a partir deste último número. As unidades de milhar devem ser separadas

por um espaço (ex.: 1 500).

4.5. Citações

As citações pouco extensas (até 3 linhas) devem ser incorporadas no texto, entre aspas.

As citações mais longas serão recolhidas e formatadas em letra de tamanho inferior ao

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Normas de Publicação

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 223

do texto (tamanho 10), sem aspas, com um avanço de parágrafo de 1 cm à esquerda e

à direita. Todas as citações de autores estrangeiros devem ser traduzidas, salvo casos

especiais que justifiquem citar-se o original.

As interpolações são identificadas por meio de parênteses retos [ ], enquanto que as

omissões são assinaladas por reticências dentro de parênteses retos [...].

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Política Editorial

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 224

POLÍTICA EDITORIAL

A Análise Europeia, editada pela Associação Portuguesa de Estudos Europeus, publica

textos originais que contribuam para o desenvolvimento da investigação científica, a

promoção de uma reflexão e discussão aprofundada sobre as metodologias dessa

mesma investigação, e a divulgação de informação e conhecimento no âmbito dos

Estudos Europeus.

A Análise Europeia reserva-se o direito de publicar ou não os trabalhos recebidos,

comprometendo-se a informar os autores, dentro de um prazo previamente

estabelecido, da sua decisão. Todos os trabalhos devem cumprir os seguintes critérios

de admissibilidade:

Originalidade e pertinência;

Relevância do trabalho para a difusão e o desenvolvimento do conhecimento;

Qualidade geral do texto (apresentação, clareza e correção linguística);

Metodologia (adequação e profundidade coerente na abordagem do tema);

Atualidade da bibliografia utilizada;

Adequação às normas de publicação.

Essa decisão é apoiada num processo de apreciação, realizado em duas etapas

sucessivas. Em primeiro lugar, todos os trabalhos enviados para publicação serão

avaliados pelos editores quanto à sua originalidade e pertinência, qualidade geral do

texto e adequação às normas de publicação. Se o trabalho cumprir com todos estes

requisitos, este passará à segunda fase de avaliação. A segunda fase de avaliação dos

trabalhos estará a cargo de um membro do Conselho Científico, através do sistema

blind peer review (revisão cega por pares). O avaliador irá considerar a relevância do

trabalho, a metodologia usada e a atualidade da bibliografia, elaborando um parecer a

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Política Editorial

Análise Europeia - Revista da Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2 (3) 225

fundamentar a sua decisão final. Através do parecer emitido, o avaliador poderá

aprovar o trabalho na sua forma original, sugerir modificações ou manifestar-se

desfavorável quanto à sua publicação.

O parecer favorável pode estar condicionado à reformulação dos trabalhos, bem como

sugestões para adequá-los às normas de correção gramatical e ortográfica e às

exigências de clareza, tendo em vista torná-los acessíveis ao maior número possível de

leitores. Os editores podem sugerir aos autores a revisão dos artigos propostos,

mediante essas indicações, e condicionar a sua publicação a uma nova apreciação das

versões revistas. Os trabalhos aceites serão submetidos a uma nova revisão editorial

pelos editores, do qual depende a decisão final quanto à sua publicação.

O Diretor da revista pode, se assim entender, convidar os membros do Conselho

Científico ou qualquer personalidade, que se destaque pelo seu mérito profissional

e/ou científico na área de Estudos Europeus, a publicar. Nesses casos, os seus trabalhos

não serão sujeitos ao processo de arbitragem científica enunciado acima.

Após submissão dos seus trabalhos, os autores são legalmente responsáveis pela

garantia de que estes não constituem infração aos direitos de autor, isentando a

Associação Portuguesa de Estudos Europeus de qualquer responsabilidade. O direito

de autor sobre a publicação recai na editora e proprietária da revista, a Associação

Portuguesa de Estudos Europeus. O autor transfere os direitos de autor do seu artigo a

favor da editora da revista, autorizando-a a editar, publicar, distribuir e reproduzir a sua

obra em suporte eletrónico, incluindo a difusão através de plataformas de distribuição

de artigos online com as quais a Associação estabeleça acordos. Sempre que se

justificar, a Associação pode distribuir e reproduzir os textos em todos os suportes que

tenha à sua disposição, nomeadamente magnéticos, óticos e em papel. A transferência

do direito de autor não implica custos para ambas as partes.

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Política Editorial

© Associação Portuguesa de Estudos Europeus 2017 226

As opiniões emitidas são da exclusiva responsabilidade dos autores dos trabalhos, não

expressando a opinião da Associação.

A Análise Europeia não cobre qualquer valor monetário pela submissão dos trabalhos

ou pelo processamento e edição do texto aquando da sua publicação.

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