7
Análise do conto “Um Apólogo”, de Machado de Assis Mariana Barbieri Mantoanelli Este artigo tem por objetivo a analise do conto “Um Apólogo”, de Machado de Assis, utilizando a metodologia semiótica de linha greimasiana. “Um Apólogo” é a história de um diálogo entre uma Agulhe e um Novelo que discutem sobre a importância do trabalho que cada um realiza na costura de um vestido. A discussão continua até a chegada da costureira, que os utiliza para fazer um vestido para a Baronesa ir ao baile. A Agulha aproveita esse momento para se vangloriar de seu trabalho, mostrando ao Novelo que, sem ela, ele não conseguiria furar o tecido e avançar por ele para compor as camadas do tecido. Mas, na hora de ir ao baile, o Novelo destrata a Agulha e seu trabalho por ser ele que vai ao baile no vestido da Baronesa, é ele quem vai receber os elogios de ministros e do Imperador, enquanto a Agulha fica na caixinha de costura. Nesse momento, surge o Alfinete que sugere a Agulha ficar quieta e fazer seu trabalho sem reclamar, tornando-se igual a ele, um ser que fica onde o colocam. Podemos notar, em primeiro lugar, que ao conceder a voz para os sujeitos, a cena narrativa aproximasse do enunciatário. Quando há o recuo, e com isso a volta da voz do enunciador, a cena narrativa se torna mais objetiva. Esse movimento cria um ambiente propício para o enunciatário firmar ou não um contrato de veridicção com o enunciador: ao conceder momentos de aproximação do discurso, instala-se um maior nível de subjetividade, e, quando há o recuo da voz dos sujeitos e a volta da voz do enunciador para fazer uma descrição, há um maior nível de objetividade. Isso permite que o enunciatário reconheça o discurso como verdadeiro ou falso. É interessante notar o final do texto que a cena narrativa muda. Ate então o que nos era narrado aparece como um texto que um aluno apresenta a seu professor. Esse texto dentro de outro texto nos permite analisar a reação do professor, que se reconhece como “a agulha de muita linha ordinária”. Conhecendo a ironia machadiana, percebemos

Analise "Um apologo"

Embed Size (px)

DESCRIPTION

analise de conto machadiano um apologo

Citation preview

  • Anlise do conto Um Aplogo, de Machado de Assis

    Mariana Barbieri Mantoanelli

    Este artigo tem por objetivo a analise do conto Um Aplogo, de

    Machado de Assis, utilizando a metodologia semitica de linha greimasiana.

    Um Aplogo a histria de um dilogo entre uma Agulhe e um Novelo que discutem sobre a importncia do trabalho que cada um realiza na costura de um vestido. A discusso continua at a chegada da costureira, que os utiliza para fazer um vestido para a Baronesa ir ao baile. A Agulha aproveita esse momento para se vangloriar de seu trabalho, mostrando ao Novelo que, sem ela, ele no conseguiria furar o tecido e avanar por ele para compor as camadas do tecido. Mas, na hora de ir ao baile, o Novelo destrata a Agulha e seu trabalho por ser ele que vai ao baile no vestido da Baronesa, ele quem vai receber os elogios de ministros e do Imperador, enquanto a Agulha fica na caixinha de costura. Nesse momento, surge o Alfinete que sugere a Agulha ficar quieta e fazer seu trabalho sem reclamar, tornando-se igual a ele, um ser que fica onde o colocam.

    Podemos notar, em primeiro lugar, que ao conceder a voz para os sujeitos, a cena narrativa aproximasse do enunciatrio. Quando h o recuo, e com isso a volta da voz do enunciador, a cena narrativa se torna mais objetiva. Esse movimento cria um ambiente propcio para o enunciatrio firmar ou no um contrato de veridico com o enunciador: ao conceder momentos de aproximao do discurso, instala-se um maior nvel de subjetividade, e, quando h o recuo da voz dos sujeitos e a volta da voz do enunciador para fazer uma descrio, h um maior nvel de objetividade. Isso permite que o enunciatrio reconhea o discurso como verdadeiro ou falso.

    interessante notar o final do texto que a cena narrativa muda. Ate ento o que nos era narrado aparece como um texto que um aluno apresenta a seu professor. Esse texto dentro de outro texto nos permite analisar a reao do professor, que se reconhece como a agulha de muita linha ordinria. Conhecendo a ironia machadiana, percebemos

  • que o enunciador, nesse trecho especfico, fala ao seu enunciatrio como ele deve agir ao terminar de ler o conto: ele deve tomar conscincia de sua situao enquanto agulha para muita linha ordinria e escolher uma posio, ser como a Agulha e lutar pelo reconhecimento de seu trabalho, ou como o Alfinete que se contenta onde lhe espetam, fica. A tomada de conscincia desse professor indica que tomou o partido da Agulha por se reconhecer nela. Mas se vai agir como ela ou como o Alfinete, isso depender da relao que o enunciatrio mantm com o texto.

    Quanto histria narrada, temos no nvel fundamental, a oposio entre a elite e o proletariado, entendidos aqui como a classe que se aproveita do trabalho alheio para beneficio prprio e a classe que realiza o trabalho duro sem receber nenhum reconhecimento; representados, respectivamente, no plano da expresso pela baronesa e a agulha, como a elite, e o novelo, o alfinete e a costureira, na classe trabalhadora.

    No nvel discursivo temos o enunciador que nos coloca uma cena narrativa sem um tempo determinado e sem um lugar certo, o que reforado pelo era uma vez. Esse recurso narrativo aproxima a cena narrado do enunciatrio. A delimitao do espao (chegou casa da baronesa) s feita na metade do conto, quando a conversa entre a Agulha e o Novelo j delimitou o tema geral a ser tratado: sobre quem merece ser reconhecido como o responsvel pelo fazer de um vestido.

    Dito isso, podemos passar para o nvel narrativo, mas especificamente, sobre a modalizao do ser.

    Somo apresentados ento a um Novelo e uma Agulha. A Agulha aparece orgulhosa de si e se recusa a falar com o Novelo, at ser provocada e lhe responder. Ai comea a discusso sobre quem tem maior importncia no fazer de um vestido, a Agulha fura o tecido ou o Novelo que junta a partes.

    O Novelo toma para si a responsabilidade de coser o vestido porque sabe como juntar as partes. Ele se orgulha pelo seu saber e por afirmar que ele quem faz o vestido e aparece como parte do vestido.

    J a Agulha argumenta que ela quem merece o mrito por abrir caminho para o Novelo. Ela sabe o que deve e o que pode. a Agulha

  • que possui todas as modalizaes do sujeito que a tornam apta para o fazer.

    Fazer este de suma importncia para o trabalho para o Novelo, pois sem o fazer da Agulha ele no conseguiria passar pelo tecido e juntar as partes do vestido. Isso mostra que o fazer de um depende do outro para ser realizado. O Novelo no pode furar o tecido, mas a Agulha pode. A mesma coisa valida para a Agulha, ela apenas fura o tecido e no junta as partes. Elas travam um jogo de aparncia para descobrir quem a melhor e merece ser reconhecida.

    Temos o desfecho quando aparece a costureira. Ela exerce a mesma funo que a Agulha: ela coze o vestido para a Baronesa, que representaria o Novelo. Enquanto a costureira trabalha, a Agulha se vangloria por seu trabalho duro, que necessrio para a Agulha exercer sua funo.

    Mas, ento, a Baronesa vai para o baile e o Novelo mostra quem na verdade . Quando a Agulha realizava o trabalho duro e se vangloriava, o Novelo ficava quieto. Seu silncio o reconhecimento do trabalho da Agulha, mesmo que no admita que, sem ela, ela no capaz de juntar as partes do vestido. E, quando a Baronesa vai ao baile, o Novelo mostra quem realmente . Ela despreza o trabalho da Agulha, retomando o que falou antes, de seu trabalho ser de subalterno, e que ela iria ao baile no vestido danar, enquanto a Agulha ficaria no atelier. O Novelo se aproveitou de um falso parecer para mentir e mostrar o vestido como se ela o tivesse feito, enquanto a Agulha ficava em casa.

    Nisso, somos apresentados para o Alfinete. Antes de passar a analis-lo, vale lembrar que , no comeo do conto, o Novelo chama a Agulha de cabeuda e ela recruta que no Alfinete. A fala do Alfinete aparece para mostrar exatamente isso. Ele se conforma com seu lugar, fica parado onde o colocam e no tenta ganhar mritos pelo que fez. Ele sabe o seu fazer e que poderia fazer mais se quisesse, mas no faz nada.

    Podemos transferir a temtica presente nas figuras da Agulha e no Novelo para a Baronesa e a Costureira, respectivamente. a costureira quem faz o vestido para o baile, mas a Baronesa que o usa para ir ao baile danas com o Imperador; ela quem vai receber elogios por uma coisa que no fez.

  • Agulha, Novelo, Baronesa, Costureira e Alfinete so figuras que tematizam a discusso sobre os mritos para quem se apia no trabalho rduo dos outros.

    A Agulha a figura para o tema daqueles que sabem que seu trabalho, alm de rduo, a base para o trabalho de outra pessoa. E ela busca reconhecimento por isso e luta para isso. Ela no aceita que o Novelo colha os frutos de um trabalho que no conseguira fazer sem ela e a utilize para isso, sendo colocada em um lugar inferior ao dele. ela quem abre caminho o puxa o Novelo.

    J o Alfinete o contrrio. Ele sabe que seu trabalho a base para facilitar o da Agulha. Mas ele no vai em busca do reconhecimento. Ele fica no seu lugar para na arrumar confuso.

    E essas duas figuras so sintetizadas na Costureira. A Baronesa depende do seu trabalho para ir ao baile e o reconhecimento que tiver ser por conta da Costureira, e no por mrito prprio.

    A Baronesa, por sua fez, reflete no Novelo. ele quem se vangloria por um trabalho que s consegue fazer baseado no trabalho de outro. E ela se orgulha disso. No se orgulha como rebaixa o outro por fazer um trabalho braal. Ela pode at reconhecer que precisa desse trabalho, mas no lhe d o valor verdadeiro e nem o reconhece como digno.

    Sendo assim, podemos montar o seguinte quadro sobre o nvel fundamental: Plano de Expresso

    Novelo Baronesa

    Agulha Alfinete Costureira

    Plano de Contedo

    CLASSES ABASTADAS Aqueles que se aproveitam do trabalho alheio para colher seus frutos,

    CLASSES BAIXAS Aqueles que sustentam a elite com seu trabalho, que fazem o trabalho pesado.

    A sano positiva que o Novelo encontra por ir ao baile como parte

    do vestido da Baronesa, enquanto a Agulha fica em casa, mostra como a classe que ela se aproveita da classe trabalhadora. Ela s pode fazer parte do vestido porque a Agulha abriu caminho; a Baronesa pode ir ao baile e receber elogios porque a Costureira lhe fez o vestido.

  • Podemos dizer at que a postura da Costureira se aproxima mais da postura do Alfinete. Ele no questiona sobre ter ou no reconhecimento. Apenas faz seu trabalho. E essa aproximao com a Costureira pode ser firmada no fato dela no ter voz durante o conto. Ela apenas aparece fazendo o vestido e o arrumando na Baronesa antes dela sair.

    O papel do professor no o do sancionador. Ele aparece como uma formar que o enunciador encontrou de aproximar o discurso do enunciatrio atravs de uma figura prxima de sua realidade, a figurativizao de uma profisso que alavanca todas as demais e no reconhecida por isso. Ao ler o conto sobre a Agulha e o Alfinete, o professor reconhece a si mesmo no texto como sendo uma Agulha que serve para outros serem reconhecidos sem ter seu reconhecimento.

    E pela figura desse professor que o enunciador nos diz como devemos reagir ao seu texto (tomar conscincia de nossa posio como o professor fez) e prestar mais ateno nas pessoas a nosso redor, especialmente quelas que fazem realiza os trabalhos pesados e no recebem o devido reconhecimento, pois sem eles muitas coisas no poderiam ser realizadas. E principalmente, reconhecer o trabalho dessas pessoas e no ignor-lo ou trat-lo como inferior.

    Pomos notar, por fim, que contos como esse mantm um dilogo forte com a contemporaneidade. Podemos tratar de diversos nveis de leituras e diversas temticas figurativizadas na Agulha, no Alfinete e no Novelo. Podemos ler o conto como uma critica a desvalorizao do trabalho braal e, porque no dizer, do trabalho de formao do professor. Levando em conta o papel desde ltimo como formador de cidados crticos, ele que transmite o conhecimento necessrio para os futuros profissionais, de diversas classes sociais e para diversos tipos de trabalho. ele que, atravs da transmisso de ensinamentos, alavanca as pessoas para um futuro melhor sem receber o devido reconhecimento por isso. E ele que, assim como a Agulha, toma conhecimento sobre seu fazer e, como o Alfinete, ignorado e engolido pela falta de apreo ao seu fazer, optando ser um Alfinete para sobreviver.

  • Referncias

    ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro : Nova Aguilar 1994. v. II.

    BARROS, Diana Luz pessoa de. Teoria semitica do texto. 4 ed. So Paulo: Editora tica, 2007.