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ANDRÉ FREIRE Professor Auxiliar (de Ciência Política) do ISCTE-IUL Investigador Sénior do CIES-ISCTE-IUL Sessão de abertura, em 23/11/09, do: X CURSO LIVRE DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA "ELEIÇÕES E SISTEMAS ELEITORAIS NO SÉCULO XX PORTUGUÊS. UM BALANÇO” Organizado pela FMS e pelo IHC-FCSH-UNL Coordenação cientifica de André Freire “As eleições e os sistemas eleitorais no século XX português e nos regimes políticos modernos”

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ANDRÉ FREIRE

Professor Auxiliar (de Ciência Política) do ISCTE-IUL Investigador Sénior do CIES-ISCTE-IUL

Sessão de abertura, em 23/11/09, do:

X CURSO LIVRE DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA"ELEIÇÕES E SISTEMAS ELEITORAIS NO SÉCULO XX PORTUGUÊS. UM BALANÇO”

Organizado pela FMS e pelo IHC-FCSH-UNL Coordenação cientifica de André Freire

“As eleições e os sistemas eleitorais no século XX

português e nos regimes políticos modernos”

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Introdução

“Eleições livres, justas e frequentes”

(e outras condições sine qua non a montante e a jusante: cidadania inclusiva; liberdades; separação de poderes: checks and balances; direitos das minorias; etc.):

traço mais fundamental e usualmente associado aos modernos regimes democráticos.

Mecanismo eleitoral - duas funções centrais num regime demoliberal:

1) A representação das preferências populares, no parlamento e no governo;

2) A responsabilização do governo pelos cidadãos, isto é, a aferição periódica, em eleições livres e justas, pelo soberano, sobre se o governo está efectivamente, ou não, a governar de acordo com as preferências populares (Powell, 2000).

Mas:

Processos de democratização à escala mundial foram lentos e graduais até se chegar à democracia tal como a entendemos hoje.

Mais:

A transição do ancien regime para a ordem política moderna, liberal mas não necessariamente democrática, implicou uma nova forma de relacionamento entre governantes e governados e, portanto, de legitimação do poder: consentimento dos segundos para com o exercício do poder pelos primeiros, e já não na origem divina do poder, na tradição ou carisma.

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Tal transição paradigmática ajuda, portanto, a explicar porque é que:

Num estudo seminal sobre “as eleições sem escolha” dado à estampa em 1978, os seus organizadores davam conta que “(…) Só 8 de 136 Estados da ONU não realizaram uma única eleição na última década. Mas a maioria destas consultas são eleições sem escolha; apenas cerca de 1/3 dos membros da ONU podem alegar que realizam eleições livres e competitivas.

Em 1990 (terceira vaga de democratização: maior difusão de sempre da democracia), os estados democráticos continuavam ainda a representar ainda apenas uma minoria: 45,4% (59 em 130) (Huntington, 1993, p. 9). Em muitos destes estados não democráticos se realizam eleições: “sem escolha”.

Portugal teve após o fim do ancien regime vários regimes que realizavam eleições com bastante assiduidade, mas eram exercícios sem escolha ou, na melhor das hipóteses, de escolha muito limitada e com consequências mínimas no funcionamento do sistema político.

A modernização política associada à democracia plena, que a maioria dos países da Europa Ocidental conheceriam muito mais cedo do que nós (geralmente depois da I Guerra Mundial ou, naqueles em que se verificou um interregno autoritário no período entre guerras, depois da II Guerra), só chegaria a Portugal com o 25 de Abril de 1974. Um modernização muitíssimo tardia, embora não única na Europa.

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Primeiro objectivo (da comunicação):

Balanço sobre: natureza e funções das eleições nos diferentes regimes políticos modernos.

Segundo objectivo:

Analisar as vagas e contra-vagas de democratização à escala mundial e aí situar histórica e comparativamente não só os diferentes regimes políticos, mas também os tipos de processos eleitorais que lhes estavam associados, do Portugal contemporâneo.

Perceber:

1) Processo de modernização política em Portugal através do estudos dos diferentes tipos de processos eleitorais;2) Entender comparativamente a natureza dos diferentes regimes portugueses (por comparação com os seus congéneres em cada época) através do estudo da natureza e funções das eleições.

Terceiro objectivo:

Mais centrado no período democrático:

Entender de que modo as eleições e os sistemas eleitorais podem ser instrumentos de diferentes visões ou modelos de democracia (Lijphart, 1989 e 1999; Powell, 2000; Crepaz, 2000).

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Objectivos

Há vários estudos sobre os processos eleitorais nos diferentes regimes políticos modernos de Portugal:

1) sobre a monarquia constitucional (Almeida, 1991);

2) sobre a I República (Lopes, 1994);

3) sobre o Estado Novo (Schmitter, 1978; Cruz, 1987; Loff, 1998);

4) sobre a democracia (Freire, 2003; Magalhães, 2004; Freire, Meirinho e Moreira, 2008; entre muitos outros).  

Porém: em regra de estudos de caso.

Mesmo quando comparativos (Almeida, 1991; Freire, Meirinho e Moreira, 2008), não analisam a natureza e funções dos diferentes tipos de processos eleitorais no conjunto dos diversos regimes políticos dos séculos XIX-XXI portugueses.

São estas lacunas que pretendemos preencher:

1) fornecendo uma perspectiva histórica e comparativa sistemática do papel das eleições nos diversos regimes políticos modernos de Portugal;

2) Enquadrando essa análise nos vagas e contra-vagas de demococratização à escala mundial.

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As eleições e os sistemas eleitorais nos regimes políticos modernos

Partindo das eleições livres e justas para as eleições não democráticas…

Regime democrático:

Postula:

“uma necessária correspondência entre os actos do governo e os desejos

daqueles que são afectados por eles”;

ou

“um regime caracterizado pela contínua capacidade de resposta

(responsiveness) do governo às preferências dos cidadãos, considerados

politicamente iguais.”

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Robert Dahl (1972 e 1998): 2 pressupostos:

I - Democracia – todos cidadãos devem ter idênticas oportunidades de:

1) formular as suas preferências;

2) expressar essas preferências a outros e ao governo mediante acção individual e colectiva;

3) todas as preferências devem ter igual peso.

II - Estados nação actuais (grande dimensão e complexidade): para se concretizar o desiderato da igualdade política: 8 garantias institucionais:

a) Liberdade de associação e organização;

b) Liberdade de pensamento e expressão;

c) Cidadania inclusiva/sufrágio universal (capacidade eleitoral activa);

d) Direito dos líderes políticos a competirem livremente (e em igualdade de oportunidades) pelo apoio eleitoral dos cidadãos;

e) Fontes alternativas de informação;

f) Possibilidade de ser (livremente) eleito para cargos públicos (capacidade eleitoral passiva);

g) Eleições livres, justas e frequentes;

h) Existência de instituições políticas que fazem depender as políticas governamentais do voto e de outras expressões de preferências.

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Passamos à análise dos diferentes tipos de eleições, democráticas e não democráticas:

Tipo de eleições

Competitivas Semi-competitivas Não Competitivas

Importância no processo político

Grande Reduzida Mínima

Possibilidade de eleger Alta Limitada Nenhuma

Liberdade de eleger Garantida Limitada Anulada

Possibilidade de mudar de governo

Sim Não Não

Legitimação do sistema político

SimNão se procura quase nunca

Quase nunca ou nunca

Tipo de sistema político Democrático Autoritário Totalitário

Fonte: Nohlen, 1995, p. 14.

Tabela 1 – Importância e função das eleições

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Primeiro:

As eleições têm uma grande importância no processo político dos regimes democráticos, ao contrário do que se passa nos sistemas autoritárias (“reduzida”) ou totalitários (“mínima”).  

Segundo:

Diferença fundamental ainda visível em: as eleições democráticas são prenhes de consequências políticas:

Eleitores podem mudar o governo, responsabilizando os incumbentes por eventuais maus resultados da governação; as eleições estão na base das orientações fundamentais para as políticas públicas.

Nas eleições não democráticas tal está excluído à partida.  

Terceiro:

Diferenças entre eleições “semi-competitivas” e “não competitivas”: bastante reduzidas; visíveis sobretudo em matéria das possibilidades de escolha e nas liberdades de eleger:

Regimes autoritários: há apesar de tudo, muitas vezes, candidaturas alternativas (“competição limitada”) e um menor grau de coerção;

Regimes totalitários: procura-se fundamentalmente a unanimidade, o consenso absoluto, e, por isso, não há candidaturas alternativas; eleições têm sobretudo um carácter plebiscitário e o recurso à coerção está mais difundido e é mais profundo.

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Limitação significativa (de tipologia de Nohlen):

Associar as eleições semi-competitivas exclusivamente aos regimes autoritários.

Ficam de fora:

Eleições em regimes liberais representativos como as que vigoravam em muitos países

europeus no século XIX, nomeadamente em Portugal, caracterizados por várias liberdades

fundamentais (de expressão, de associação, etc.), mas em que as eleições tinham um alcance

limitado e não podiam por isso ser classificadas como “livres e justas”:

1º - Limitações aos direitos e liberdades de voto (voto público e/ou plural, sufrágio restrito, etc.);

2º - Corrupção dos eleitores pelos eleitos (“caciquismo”);

3º - Manipulação em larga escala dos resultados (as chamadas “eleições feitas”) (Carstairs, 1980; Almeida, 1991; Lopes, 1994; Caramani, 2000; Ortega, 2009).

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Alain Rouquié (1978, pp. 22): distinção entre:

Regimes autoritários (como o Estado Novo português, por exemplo)

&

Contextos autoritários:

“É estruturalmente autoritário mas não recorre ao autoritarismo institucional. (…) A natureza vertical das relações sociais permite a utilização autoritária das instituições democráticas pluralistas na esfera do voto. Estes tipos comuns de controlo social excluem o voto de opinião. Em contextos autoritários, os votos são mais colectivos do que individuais. Portanto, os votos flutuantes não existem pois os eleitores são sempre firmemente dirigidos por aqueles que estão acima deles (Rouquié, 1978, pp. 22; itálicos no original).”

Há, portanto, “eleições semi-competitivas” em regimes que não são propriamente nem autoritários nem democráticos (ex. liberalismo oitocentista e I República: Portugal).

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Guy Hermet (1978) propõe uma classificação das eleições em três tipos:

I - “eleições clássicas”, típicas dos regimes demo-liberais representativos da Europa ocidental, América do Norte e Japão (dos anos 1970):

“eleições livres e justas”:

1º - há livre competição entre candidatos, há sufrágio universal e plena liberdade de voto sem manipulação de resultados;

2º - estas consultas podem ter consequências significativas na alternância governativa e na inflexão do rumo das políticas públicas (tabela 2.1).  

Três traços essenciais que distinguem estas “eleições clássicas” das “eleições não clássicas, semi-competitivas” e das “eleições não clássicas, de partido único ou sem partido”:

1º e 2º - A liberdade dos eleitores e a competição entre candidatos, claramente presentes nas primeiras e severamente limitadas ou até completamente anuladas nas outras duas;

3º - Os efeitos das eleições nas políticas governamentais, determinante nas “eleições clássicas” e com pouco ou nenhum significado nos outros dois tipos de eleições.

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“Eleições não clássicas”: resultados não modificam o controle do poder.

Segundo Hermet (1978, p. 4):

critério fundamental para distinguir as “eleições clássicas” das “eleições não clássicas”

(até porque mesmo nas primeiras a “competição perfeita” (entre os candidatos) e a “liberdade absoluta” (dos eleitores) são ambas irrealistas).

As diferenças entre:

“eleições não clássicas, semi-competitivas”

&

“eleições não clássicas, de partido único ou sem partido”:

1º - São mais subtis;

2º - Remetem sobretudo para o grau de competição entre partidos mitigado no primeiro caso e completamente ausente no segundo (ou, na melhor das hipóteses, reduzido a uma competição entre candidatos do mesmo partido).

 

 

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Diferenças entre:

Eleições semi-competitivas, usualmente associadas aos regimes autoritários;

&

Eleições não-competitivas, associadas aos sistemas políticos totalitários.

Distinção:

Pode ajudar a perceber melhor as diferenças entre, por exemplo:

Estado Novo

&

Seus congéneres do totalitários do mesmo período (Itália fascista, Alemanha Nazi) ou a própria URSS.

E:

Ajuda-nos também a perceber as diferenças entre regimes autoritários e totalitários cunhada por Juan Linz (1975):

A tabela 3, respeitante às eleições em vários regimes comunistas da Europa central e de leste (URSS incluída), pode ajudar-nos a perceber em concreto as diferenças entre estes dois tipos de processos eleitorais e, de algum modo, de regimes políticos:

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Tabela 3 – Tipologia das eleições nos Estados dominados pelo Partido Comunista (URSS e regimes afins na Europa Central e de Leste antes de 1989)

Tipo de eleiçõesNºCandidatos

& LugaresManifestos/Camapnhas

VotoSelecção

candidatosConsequências Exemplos

Plebiscitárias 1 por lugarManifesto único; alta pressão para unanimidade

Voto directo em círculos uninominais; possível voto secreto mas voto demonstrativo encorajado; brancos como apoio

Decisão executiva;Poder do votante formal excepto níveis mais baixos

Nenhuma para detenção do poder;Nenhuma para políticas nacionais;Mínimas possíveispara políticas locais

URSS, 1937-1970’sChecoslov.,1954-1970’sBulgária, 1953-1970’sAlbania, 1954-1970’s

Escolha limitada

Mais candidatos que lugares, especialmente em eleições locais

Manifesto único; variações na interpretação dos candidatos

Círculos plurinominais; viés favorecendo candidatos oficiais

Maior poder do votante especial. escalões baixos

Nenhuma para detenção do poder;Mínima para políticas nacionais;Algumaspara políticas locais

Polónia, 1957-1970’sAlemanha de leste,1967-1970’s

Idem Idem Idem

Círculos uninominais; voto secreto; brancos inválidos; misto voto directo e indirecto

Maiores poderes legais e efectivos dos votantes nos meetings

Idem

Jugoslávia,1953-1970’sHungria, 1967-1970’sRoménia, 1975

Fonte: Pravda, 1978, p. 175.

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Alex Pravda (1978):

Eleições semi-competitivas: de “escolha limitada”

&

Eleições “não competitivas”: “plebiscitárias”.  

I - Regimes totalitários:

Forte ideologização e o forte controle da sociedade e do sistema político enfatizavam sobretudo a unanimidade no apoio ao regime (Linz, 1978; Pravda, 1978)

Regimes autoritários (na célebre classificação de Linz: 1975): “pluralismo limitado”.  

“Eleições plebiscitárias”/não competitivas da URSS, etc.:

1º - A concorrência era completamente anulada (só um candidato por lugar);2º - A selecção dos candidatos era feita a partir do topo da hierarquia;3º - Insistia-se num único manifesto eleitoral e, globalmente, a unanimidade era muito encorajada.

Ênfase na unanimidade:

1º - Presente noutros regimes totalitários como o Nazi (Linz, 1978);2º - Completa anulação da competição (candidatos únicos);3º - Taxas de participação próximas dos 100%;4º - Encorajamento do voto público, apesar da existência de provisões para o voto secreto. 5º - Na contagem dos votos: brancos como apoio ao regime. 6º - Sistema eleitoral: muitas vezes usado como forma de esmagar a oposição: regras supramaioritárias (Itália de Mussolini (Linz, 1978); Estado Novo de Salazar antes de 1945 (Loff, 1998; Cruz, 1987)).

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II - Regimes autoritários com “eleições de escolha limitada” (Europa central e de leste dominada pelo partido comunista: Polónia 1957-70s, Alemanha de leste 1967-70s, Jugoslávia, 1953-70s, etc.):

1º - “Pluralismo limitado”: mais candidatos do que lugares;

2º - Maior intervenção dos membros ordinários e dos votantes na selecção dos candidatos;

3º - Possibilidade de nuances na interpretação dos manifestos (únicos) pelos candidatos;

4º - Votos brancos: como inválidos;

5º - Voto secreto;

6º - Taxas de participação bem mais baixas do que nos regimes totalitários, etc. (Pravda, 1978).

7º - Permeabilidade à eleição de “candidatos não oficiais” através do uso de círculos plurinominais, embora com regras que favoreciam os candidatos oficiais (hegemónicos).

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Visíveis:

Semelhanças destes processos eleitorais (e não das consultas nos Estados totalitários)

Com

Regime autoritário do Estado Novo:

1º - Tolerância da oposição após 1945 (embora muito limitada, circunscrita aos períodos eleitorais e sem lhe dar oportunidades efectivas: tratamento altamente desigual; manipulação de resultados; sistema eleitoral super-maioritário);

2º - Taxas de participação muito abaixo dos 100%;

3º - Globalmente: não valorização da unanimidade no apoio ao regime (Schmitter, 1978; Loff, 1998; Cruz, 1987).

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Quatro grandes funções das “eleições não clássicas” (Hermet, 1978, pp. 10-18):

1º - Função de comunicação:

Dos dirigentes políticos para com o eleitorado, transmitindo orientações e mensagens, por vezes simulando uma certa politização em regimes usualmente avessos a tal.

2º - Função de socialização:

Por um lado, transmitindo a ideia de que os eleitores devem envolver-se nos destinos do seu país, geralmente suportando o status quo;

Por outro lado, exibindo as brutais assimetrias e desigualdades na influência e no controlo do poder político, ou seja, evidenciando a inutilidade do envolvimento dos cidadãos nos assuntos da polis.

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3º - Função de legitimação nacional e internacional:

Caso paradigmático do Estado Novo:

Após o fim da segunda guerra mundial e a derrota das ditaduras do eixo:

Salazar resolveu legitimar (externamente) o seu regime com a realização de “eleições tão livres como na livre Inglaterra”:

Suavizou pendor super-maioritário do sistema eleitoral;

Passou a tolerar (mitigada e selectivamente embora) a oposição nos períodos eleitorais (Schmitter, 1978; Loff, 1998).

A legitimação interna, embora porventura menos relevante, pode ter uma especialmente importância em novos Estados (Hermet, 1978, p. 16).  

4º - Função de influenciar a distribuição do poder no seio da elite dominante”.

Na sua análise das eleições portugueses no regime autoritário, Schmitter (1978) apresenta ainda outras funções: 

5º - Mapear, controlar, perseguir e reprimir as oposições toleradas; 

6º - Apresentar a oposição como muito fraca, dividida, com apoios residuais;

Contraponto de: status quo muito forte, coeso e com apoios extensos.

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Eleições, vagas e contra-vagas de democratização: Portugal em perspectiva comparada

Nas análises de longo prazo, não podemos aplicar de forma rígida e inflexível a definição de democracia tal como entendemos hoje. (Hungtington, 1993, p. 9).

Hungtington (1993, pp. 15-16):

“Vagas de democratização”:

1º - Conjuntos de transições de regimes não democráticos para regimes democráticos que ocorrem em determinado período de tempo e que superam numericamente as vagas em sentido oposto (“contra-vagas”).

2º - Muitas vezes: apenas liberalização ou democratização parcial dos regimes.

3º - Cada vaga afectou geralmente um número relativamente reduzido de países à escala mundial.

4º - Durante esse período ocorreram geralmente transições em sentido inverso.

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Tabela 4.1 – Vagas de democratização à escala mundial (1ª Vaga e contra-vaga)

1ª Vaga: 1828-1926 Exemplos Características Democracias

Expansão sufrágio;Voto secreto; Redução voto plural;Governo responsável parlamento

Início EUA;Suíça, França, Grã-Bretanha, pequenos países norte da Europa: viragem antes do fim século XIX; outros mais tarde (Espanha, Portugal, etc.)

Critérios base: 1) eleitorado representa 50% ou mais dos adultos masculinos;2) poder executivo responsável perante um parlamento, onde tem que ter apoio maioritário, ou eleito popularmente

1922: 45,3%

1ª Contra-vaga: 1922-1942

Exemplos Características Democracias

Marcha dos Fascios sobre Roma, 1922

Itália, Alemanha, Portugal, Espanha, Grécia, Polónia, Lituânia, Estónia, Bulgária, Rep. Checa, Japão, etc.

Iniciada com marcha sobre Roma de Mussolini é seguida de vaga autoritária e totalitária entre guerras

1942: 19,7%

Fonte: elaboração do autor a partir de Hungtington, 1991, pp. 3-30.

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Tabela 4.2 – Vagas de democratização à escala mundial (2ª e 3ª Vagas)

2ª Vaga: 1943-1962

Exemplos Características Democracias

Fim da II Guerra mundial; descolonização

Itália, Alemanha, Japão, Áustria, Coreia;Grécia, Turquia, Brasil, Argentina, Israel, Índia, etc.

Democratização das potências autoritárias vencidas na guerra; descolonização e criação de novos países muito deles com regimes democráticos (embora frágeis)

1962: 32,4%

2ª Contra-vaga: 1958-1975

Exemplos Características Democracias

Exaustão da vaga anterior sobretudo fora da Europa e novos países (descolonizados)

Grécia: ditadura dos coronéis (1967); Peru (1962); Brasil e Bolívia (1964); Argentina (1966); Uruguai (1972); Chile (1973); etc.

Exaustão da vaga anterior sobretudo fora da Europa e novos países (descolonizados); especial incidência de uma vaga autoritária na América Latina, mas também na Ásia (Paquistão, Indonésia, Filipinas, etc.)

1973: 24,6%

3ª Vaga: 1974-(…) Exemplos Características Democracias

Iniciada com o 25 de Abril de 1974, Portugal

Europa do Sul – anos 1970; países da América Latina; Europa Leste: após 1989; outros

A seguir a Portugal seguiu-se o colapso da ditatura dos coronéis (Novembro de 1974: Grécia); 20 Novembro de 1975: morte de Franco e início da transição espanhola; grande difusão internacional (América Latina, Ásia, Europa de Leste), com reduzidos refluxos (mas alguns); maior difusão de sempre da democracia à escala mundial

1990: 45,4%

Fonte: elaboração do autor a partir de Hungtington, 1991, pp. 3-30.

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Um dos elementos críticos da democratização à escala mundial:

Processo de parlamentarização dos regimes políticos (ou, no caso dos regimes presidenciais, a existência de uma assembleia legislativa e de um presidente popularmente eleitos).

Definição:

1º - Constituição progressiva de governos responsáveis perante parlamentos popularmente eleitos;

2º - Processos lentos e graduais;

3º - Passaram por:

3a) Perda de poderes legislativos do monarca (em 1688, em Inglaterra, o rei viu substancialmente reduzidos tais poderes: ficaram limitados à sua capacidade de propor leis e ao poder de veto);

3b) Crescente capacidade do parlamento em demitir o governo e tornar o gabinete politicamente responsável perante ele.

(Crescente capacidade de o parlamento demitir o primeiro-ministro e/ou seus ministros (originalmente: impeachment; progressivamente: simples responsabilização política) e crescente poder da assembleia em matéria orçamental e, ainda, pela progressiva transferência do poder de dissolução do parlamento das mãos do rei para as mãos do primeiro-ministro (Grossman e Sauger, 2007, pp. 31-38).

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Regimes como o francês, com grande influência tiverem em Portugal:

Sistema político da restauração (1814) e, mais tarde, da chamada “monarquia (orleanista) de Julho” (1830) consagraria um significativo poder do rei num regime de dupla responsabilidade do governo perante o rei e perante parlamento, inspirador do semi-presidencialismo da V República (Grossman e Sauger, 2007, pp. 33-34).

Portugal:

Algo de semelhante no “poder moderador” rei;

Além disso tinha um papel fundamental na alternância política: era ele efectivamente o propulsor de tal alternância (Fernandes, 2010; Bonifácio, 1992, 1993, 2002, 2007; Mónica, 1996).

Na tabela 5 - Processos de parlamentarização progressiva na Europa Ocidental antes da I Guerra mundial:

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Tabela 5 – A transição para a representação parlamentar na Europa antes da I Guerra Mundial

Ano da independência ou unificação

Ano da transição para a representação parlamentar a partir de:

Absolutismo(Estrangeiro)

Representação por Ordens/Estates

PaísesAntes1815

Depois 1815

1º com reversão

Definitivo1º com

reversãoDefinitivo

R.Unido X Desenvolvimento contínuo desde a Idade Média: 1832

Suíça X Desenvolvimento contínuo desde a Idade Média: 1848

Noruega 1905 1815Bélgica 1830 1830

Luxemburgo X 1839 1841

Holanda X 1848Itália X 1861 1848Dinamarca X 1849

Espanha X 1812 1869França X 1789 1870Alemanha 1871 (1848) 1871Suécia X 1866Islândia 1944 1874

Áustria X 1907Finlândia 1917 1907Portugal X 1820 1911Irlanda 1922 1922Grécia 1830 1822 1926

Fonte: Caramani, 2000, p. 55; verde: transição precoce e gradual a partir representação medieval; vermelho: transição do absolutismo, disruptiva e com refluxos.

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Portugal:

Iniciou o processo bastante cedo: 1820;

Mas só consolida mais tarde: 1911.

Razões:

1º - Muito curta vigência da Constituição de 1820. Em 1826: o rei a outorgar uma “Carta Constitucional” (na linha da monarquia orleanista francesa) que viria a vigorar durante toda a Monarquia Constitucional: uma “das mais monárquicas, se não a mais monárquica, das constituições do seu tempo” (M. Caetano citado por Mónica, 1996, p. 1042).

2º - O papel chave do rei (“poder moderador”) na formação dos governos e na alternância política, com ou sem acordo entre partidos (“rotativismo”), no zelo pela harmonia entre os poderes executivo, legislativo e judicial, na nomeação dos ministros e dos pares do reino, na dissolução do parlamento, etc.,

3º - Duas legitimidades distintas: a legitimidade baseada na soberania popular, fundamento do poder da Câmara Baixa do parlamento, e a legitimidade tradicional, carismática, de origem divina, consubstanciada na figura do rei (Fernandes, 2010; Bonifácio, 1992, 1993, 2002, 2007; Mónica, 1996).

Só I República consagra definitivamente parlamentarização do regime, embora não a sua democratização (Lopes, 1994).

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Transição para a representação política moderna - Dois modelos:

Francês:

1º - Daria lugar à consagração do sufrágio universal como princípio fundamental;

2º - Voto directo e igual dos indivíduos (na escolha dos seus representantes);

3º - Construção racional das circunscrições eleitorais: apenas com base na distribuição da população;

4º - Recusa da representação por corpos intermédios (ordens, corporações, etc.);

5º - Ideia de que os deputados representam o conjunto da nação e não o seu círculo eleitoral especifico.

(Vertido na Constituição de 1791: Romanelli, 1998, p. 10))  

Inglês:

Além (e por causa) da sua transição gradual a partir do ancien regime tinha alguns traços distintos:

1º - Representação por comunidades territoriais (condados ou boroughs);

2º - A falta de igualdade dos eleitores na hora de votar e a falta de uniformidade das regras eleitorais ao nível nacional;

3º - Persistência de formas de representação corporativa (p. ex.: voto plural para os empresários e docentes universitários) (Romanelli, 1998, p. 10).

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No longo prazo:

A convergência far-se-á mais no sentido do modelo francês:

1º - Ênfase no sufrágio universal;

2º - Recusa da representação através de corpos intermédios;

3º - Igualdade de direitos e nas condições de exercício dos mesmos (Romanelli, 1998, p. 3).

Há três processos fundamentais ligados ao direito de voto e às condições para o seu exercício livre, não constrangido e realizado em condições de igualdade plena:

1º - A adopção do voto secreto;

2º - O colapso do voto plural;

3º - As eleições directas.

Na tabela 6 apresentamos as datas da adopção de cada um dos dois processos em vários países da Europa Ocidental para os quais dispomos de dados.

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Tabela 6 – Igualdade e liberdade no exercício do voto na Europa

PaísesData aproximada da

adopção do voto secretoData aproximada do

fim do voto pluralEleições directas

Alemanha: Prussia 1918 1918 1918Alemanha: Reich 1871 1848/1871 1871Áustria 1907 1860s-1900s 1907Bélgica 1878 1919 1847Dinamarca 1901 1848/1901 1849Espanha 1836 1846/1854 1834/1837Finlândia 1906 1906 1907França 1820-1848/1917 1815 1793/1831Grécia 1844 1864/1928 1844Holanda 1887 (1849) 1887 1848Inglaterra 1872 1945 -Irlanda 1872 (no R. Unido) 1922 -Islândia 1906 1860s-1900s 1874Itália (Piedmont) 1882 (1848) 1892 (1848) 1848Luxemburgo 1879 1840s 1841/1860Noruega 1885 1898 1906Portugal 1822 / 1852 1822 /1852 1822/1838/1852

Suécia 1866 1860s-1900s 1911Suíça 1872 1848 1848

Fontes: Almeida, 1991, pp. 66 e 205-215; Rokkan, 1970, p. 33; Carstairs, 1980; Katz, 1997, pp. 218-229; Colomer, 2004, pp. 193-208; Caramani, 2000, pp. 55, 58 e 65; Romanelli, 1998, pp. 1-36 (especialmente 16); Mónica, 1996.Notas: Suécia – voto plural para a Câmara Alta só abolido em 1922.Verde: primeiros países a adoptar cada uma das inovações no sentido da igualdade política não constrangida.

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Portanto, seja no caso do voto secreto e do voto plural, seja no caso das eleições directas (uma condição de igualdade também, como veremos) Portugal acompanhou as nações pioneiras no processo de democratização.

Na tabela 7.1 podemos ver as datas da adopção do sufrágio universal masculino e feminino, bem como a idade mínima para votar quando se deu cada uma dessas extensões cruciais do direito de voto; apresenta-se ainda a idade mínima actualmente exigida nos vários países europeus para se poder votar.

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Tabela 7.1 – Extensão do direito de voto na Europa – datas (II)

Países Sufrágio universal masculino Idade Sufrágio universal feminino Idade Idade Actual

Alemanha: Prússia(Reich)

1918/1848 (1871,1867) 20/25 1918 20 18

Áustria 1907 24 1919 20 16Bélgica 1919 (1894) 21/25 1948 21 18Chipre 1960 - 1960 - 18Dinamarca 1915/1901 29 1915 29 18Eslováquia 1920 - 1920 - 18Eslovénia 1945 - 1945 - 18Espanha 1907 (1869) 23/25 1931 (1869) 23/25 18Estónia 1918 - 1918 - 18Finlândia 1906 24 1906 24 18França 1875

(1848, 1793)21 1946 21 18

Grécia 1952 (1844) 21/25 1952/1956 21 18Holanda 1917 25 1917 25 18Hungria 1918 - 1918 - 18Inglaterra 1918 21 1928 21 18Irlanda 1918 21 1918/1923 21 18Islândia 1916 25 1916 25 18Itália (Piedmont) 1919 (1913) 30/21 1945 21 18Letónia 1918 - 1918 - 18Lituânia 1918 - 1918 - 18Luxemburgo 1919 21 1919 21 18Malta 1964 - 1964 - 18Noruega 1898/1900 (25) 1913/1915 25 18Polónia 1918 - 1918 - 18Portugal 1974 18 1974 18 18Rep.Checa 1918 - 1920 - 18Roménia 1923 - 1946 (1929) - 18Suécia 1921/1911 (24) 1921 23 18Suíça 1848 20 1971 20 18

Fontes: Grossman e Sauger, 2007, pp. 37-38 e 60-61; Katz, 1997, pp. 217-237; Caramani, 2005, pp. 53 e 57.Verde: pioneiros; mais precoces.Vermelho: mais tardios: modernização tardia.

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Portugal é o país que mais tarde acedeu ao sufrágio universal masculino e feminino (ambos em 1974).

Primeiro caso: acompanhado, a significativa distância, por Chipre e Malta.

Devido à independência desses países só se ter verificado nessa data)

(em Portugal: modernização muito lenta e muito tardia)

Maioria dos países europeus:

Concedeu o sufrágio universal masculino ainda no século XIX (França, Alemanha, Espanha, Bélgica, Grécia, Noruega e Suíça), embora em alguns casos de forma não definitiva ou apenas parcial (Alemanha, Espanha, Bélgica, Grécia e Noruega)

Ou:

Fê-lo no início do século XX, sobretudo no contexto subsequente à primeira guerra mundial.

Sufrágio universal feminino:

A maioria dos países adoptou-o no contexto subsequente à primeira guerra mundial (Alemanha, Áustria, Dinamarca, Eslováquia, Estónia, Holanda, Hungria, Inglaterra, Irlanda, Islândia, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Noruega, Polónia, República Checa, Suécia)

Ou

Fê-lo sobretudo após a segunda guerra mundial (a generalidade dos restantes países).

Claro que é preciso ter presente que a adopção do sufrágio universal (masculino e/ou feminino) não é necessariamente sinónimo de democratização: caro alemão; sidonismo em Portugal.

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Basear as análises comparativas apenas na data da adopção do sufrágio universal pode ser pelo menos parcialmente enganador:

Por exemplo, no caso de Portugal o colapso inicial das restrições censitárias (Portugal: 1878-94 e 1911) ou capacitárias (Portugal: 1878-94/1911/1974) verificou-se muito antes da adopção plena do sufrágio universal, masculino e feminino (Almeida, 1991, pp. 205-215; Lopes, 1994, pp. 73-98; Loff, 1998).

É verdade que, primeiro, tal colapso quase nunca foi total (excepto quanto às restrições censitárias na I República) e, segundo, houve geralmente significativos retrocessos posteriores, mas houve expansões relevantes do eleitorado…

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Tabela 7.2 – A percentagem da população com direito de voto Europa (e no Ocidente)

Datas (década): vagas de democratização

Países1890: 1ª vaga

1920:1ª vaga: final

19502ª vaga

19803ª vaga

Alemanha 21 62 65 71Áustria 7,7 59 66 70Bélgica 22 30 65 70Canadá 27 50 55 66Dinamarca 17 39 61 74Espanha 23-25 23-25; 53-55 (1933) - 77-80 (1979)Finlândia 4,5 (1900) 48 60 67França 28 28 59 67Holanda 12 47 56 72Inglaterra 16 63 68 75Itália 9,0 30 64 77Japão 1,1 20 55 70Noruega 8,9 52 66 74N. Zelândia 49 55 59 65Portugal 19 10 15 68Suécia 6,3 56 67 74Suíça 28 26 29 63

Fontes: Katz, 1997, pp. 236-237; Loff, 1998, p. 230 (Portugal até 1950); Portugal 1980 – cálculo do número de indivíduos com 18 e mais anos (6731320), segundo dados da IDEA publicados em Freire e Magalhães (2001, p. 35), sobre a população total (9833014), segundo o INE (in Barreto, 1996, p. 65); Colomer, 2001, p. 59 (Espanha).Verde: expansão eleitorado precoce; vermelho: expansão do eleitoral tardia.

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Em 1890:

De um conjunto de 17 países Portugal tem uma proporção da população com direito de voto (19%) superior àquela que se verifica em 9 países; mais, está praticamente ex-aequo com 3 outros países (Alemanha, Bélgica e Espanha) e só tem 4 países (Canadá: 27%; França: 28%; Nova Zelândia: 49%; Suíça: 28%) claramente à sua frente.

Pelo contrário, é no final da primeira vaga de democratização que se verifica que Portugal começa a ficar para trás.

Na segunda vaga, mais precisamente em 1950:

O incremento na população portuguesa com direito de voto é mínimo (15%), face à I República (10%), e representa até um retrocesso face à Monarquia Constitucional (19%).

Terceira vaga (a data usada na tabela 7.2 é 1980):

Só aqui é que a modernização política portuguesa (68%), do ponto de vista da cidadania inclusiva, acompanha o que se passava nos outros países, os quais mesmo assim registam progressões face à decada de 1950 em larga medida devido ao abaixamento na idade mínima para votar (todos os países têm, em 1980, valores iguais ou superiores a 63%). Portanto, deste ponto de vista, há claramente uma modernização bastante tardia em Portugal.

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Um aspecto essencial dos processos eleitorais modernos é o sistema eleitoral.

Há várias classificações dos vários tipos de sistema eleitoral existentes (Lopes e Freire, 2002: Parte II; Freire, Meirinho e Moreira, 2008: Capítulo 1).

Por agora, vale a pena referenciar os dois tipos de sistema eleitoral que marcaram, respectivamente, os séculos XIX e XX:

Os regimes maioritários e os regimes proporcionais. (representação das minorias; representação justa; bónus aos vencedores)

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Tabela 8.1 – Tipo de sistema eleitoral na Europa: em 1890

Países Maioritário Maioritário com

representação das minorias

Representação proporcional

Alemanha Sim (2ªs voltas) - NãoÁustria Sim (2ªs voltas) - NãoBélgica Sim (2ªs voltas) - NãoDinamarca Sim (2ªs voltas: parcial) - NãoEspanha Sim Voto limitado NãoFrança Sim (2ªs voltas) - NãoGrécia Sim - NãoHolanda Sim - NãoInglaterra (RU) Sim Nalguns círculos NãoIrlanda (em RU) Sim - NãoIslândia Sim - NãoItália Sim (2ªs voltas) Voto limitado (parcial) NãoNoruega Sim (2ªs voltas) - NãoPortugal Sim Voto limitado NãoSuécia Sim - NãoSuíça Sim (3s voltas) - Não

Fontes: Almeida, 1991, pp. 205-215; Rokkan, 1970, p. 33; Carstairs, 1980; Juberias, 2004; Garrido, 1998.Verde: pioneiros e precoces.

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Tabela 8.2 – Tipo de sistema eleitoral na Europa: em 1920

Países Maioritário Maioritário com

representação das minorias

Representação proporcional

Alemanha Não - Sim (2 segmentos) – Hare Áustria Não - Sim (2 segmentos) – D’ HondtBélgica Não - Sim (2 segmentos) - D’Hondt e Hare

Bulgária Não - Sim - D’HondtChecoslováquia Não - Sim - (2 segmentos) – Hare e Droop

Dinamarca Não - Sim (2 segmentos) – Hare e D’Hondt

Espanha Sim Voto limitado NãoEstónia Não - Sim - D’HondtFinlândia Não - Sim - D’HondtFrança Sim (2ªs voltas) - NãoGrécia Sim - Não (1926: 3 segmentos; Hagenbach Bischoff; vários

retornos posteriores)Holanda Não - Sim – HareHungria Não - Sim (Misto paralelo)Inglaterra Sim - NãoIrlanda Não - Sim (VUT)Itália Não - Sim - D’HondtLetónia Não - Sim – Saint LägueLituânia Não - Sim – HareNoruega Não - Sim - D’HondtPolónia Não - Sim - D’HondtPortugal Sim Voto limitado (Lisboa e Porto: só 1911)Rep.Checa Não - Sim (2 segmentos) Suécia Não - Sim - D’HondtSuíça Não - Sim - Hagenbach Bischoff

Fontes: Almeida, 1991, pp. 205-215; Rokkan, 1970, p. 33; Carstairs, 1980; Katz, 1997, pp. 218-229; Juberias, 2004; Colomer, 2004; Garrido, 1998; Caramani, 2000, p. 60.Vermelho: países não convergentes com a difusão dos sistemas proporcionais.

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Por um lado, há obvias diferenças entre os regimes liberais portugueses dos séculos XIX (Monarquia Constitucional) e XX (I República) e o regime autoritário do Estado Novo:

- - limitações às liberdades públicas;

- - o partido único, os sindicatos (corporativos) controlados pelo regime;

- - a polícia política e o regime de repressão que lhe estava associado, etc.

- Caracterizam o Estado Novo e contrastam obviamente com o regime de liberdades, o pluripartidarismo, a liberdade sindical e a reduzida ou nula repressão política que caracterizam os outros dois regimes.  

Estas diferenças ficam ainda patentes na presença de maiorias e minorias nos respectivos parlamentos, em contraste com a representação monolítica na Assembleia Nacional da ditadura.

Deste ponto de vista, enquanto que as eleições do Estado Novo poderiam ser consideradas mais propriamente como “não competitivas” (a oposição tolerada após 1945 só foi a votos duas vezes e nunca obteve nenhuma representação parlamentar), mais próximas portanto dos regimes totalitários, as eleições dos regimes liberais (Monarquia Constitucional e I República) poderão ser melhor caracterizadas como “semi-competitivas” (houve sempre, pelo menos numa parte dos círculos eleitorais candidatos alternativos aos apresentados pelo partido que controlava o governo e, além disso, obtiveram sempre representação parlamentar), mais próximas dos “contextos autoritários” (Rouquié, 1978).

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Porém, por outro lado, devido à corrupção e arregimentação dos eleitores (sobretudo na Monarquia Constitucional e I República), usualmente descritas pelo conceito de “caciquismo”, à coerção (mais frequente e aguda no Estado Novo) e, sobretudo, devido à fraude e à manipulação generalizadas dos processos eleitorais (desde a feitura dos recenseamentos até à contagem dos votos),

acompanhada ainda de limitações ao direito de voto, nunca as eleições portuguesas anteriores a Abril de 1975 foram livres, justas, competitivas e fonte genuína da formação do poder político (Almeida, 1991; Lopes, 1994; Cruz, 1988; Loff, 1998; Freire, 2003).

Já a corrupção, a fraude e a manipulação dos processos eleitorais, embora características de muitos regimes liberais de oitocentos, foram progressivamente sendo reprimidas e controladas tornando as eleições cada vez mais próximas do ideal de “livres e justas”, a ponto de praticamente se tornarem irrelevantes no final do século XIX e princípios do século XX (Ortega, 2009; ver também Carstairs, 1980; Almeida, 1991, pp. 21-25; Ihl, 1998; e Piretti, 1998).  

Portanto, antes de 1975, nunca as eleições tiveram consequências significativas sobre a alternância política e as orientações a seguir em matéria de políticas públicas, tal como é normal num regime democrático.

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Funções das eleições:

Schmitter (1978) - Estado Novo:

1º - legitimar interna e externamente o regime; 2º - influenciar a distribuição do poder no seio da elite dominante; 3º - ajudar a controlar, a perseguir e a reprimir as oposições; 4º - apresentar a oposição tolerada como muito fraca, dividida e com apoios residuais por contraponto com um status quo muito forte, coeso e com apoios extensos.

Constitucionalismo monárquico - Almeida (1991, pp. 28-30):

1º - legitimação do poder, ainda que sob a forma de “rituais de confirmação”; 2º - a integração social e política de eleitores e eleitos; 3º - o recrutamento e a selecção das elites políticas; 4º - a nacionalização e a integração territorial da vida política; 5º - a dinamização da vida pública nos períodos eleitorais.

Estas (aplicáveis também à I República) distinguem-se das do Estado Novo sobretudo por não servirem de instrumento de controlo, perseguição e repressão das oposições.

Um elemento que faz toda a diferença quando pensamos em regimes liberais (não democráticos), ainda que concretizados em “contextos autoritários”, versus regimes autoritários, como era o Estado Novo.

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Eleições, sistemas eleitorais e modelos de democracia

Foi só com o regime democrático que Portugal teve, pela primeira vez, eleições livres e justas, bem como as condições a montante e a jusante para uma democracia plena.

Porém, os diferentes tipos de sistemas/regras eleitorais, geralmente associados a diversos desenhos constitucionais, são também instrumentos de diferentes “visões da democracia” (Powell, 2000).

Powell: visões “maioritárias” versus “proporcionais”.

Lijphart: modelos de democracia: “maioritária” versus “consensual” ou “consociativa”.

Quer num caso, quer noutro, o sistema eleitoral, bem como o desenho constitucional e legislativo que lhe está associado, é uma instituição central na estruturação de cada “visão das eleições” ou de cada “modelo de democracia”.

Nesta linha:

vamos analisar as regras eleitorais (e o desenho constitucional) do sistema político português na era democrática numa perspectiva comparativa.

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Tabela 9 – Modelos de democracia: maioritária versus consensual

Dimensões Empíricas Maioritário: “Quem governa? A

Maioria” Consensual: “Quem governa?

Quanto mais gente melhor”

1ª : Executivo-Partidos Concentração de Poder no Executivo (Governo de um só partido)

Partilha de poder dentro do Executivo (Governo de coligação)

Domínio Executivo sobre o Legislativo

Partilha de Poder entre o Executivo e Legislativo

Sistema Bipartidário Sistema MultipartidárioSistema Eleitoral Maioritário Sistema Eleitoral Proporcional

Pluralismo de Grupos de Interesse Neocorporativismo

Exemplos paradigmáticos: Países, etc.

Reino Unido, Nova Zelândia (até 1996), Barbados

Suíça, Bélgica, União Europeia.

Tipos de sociedades de normalmente associados a cada modelo de democracia

Sociedades não plurais(sociedades homogéneas, ou seja, divididas quase exclusivamente por linhas socioeconómicas ou territoriais)

Sociedades plurais(sociedades altamente divididas por linhas étnicas, religiosas e/ou linguísticas: numero de grupos e sua dimensão relativa)

Fonte: elaboração do autor a partir de Lijphart, 1984 e 1999.2ª dimensão: Federal: Estados federais ou quase-federais altamente descentralizados – Unitária: Estados unitários e centralizados (omitida).

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Conexões propostas

A B C D E

Preferências Comportamento Resultados Produção Políticas

dos Eleitoral dos Eleitorais das Políticas Públicas

Cidadãos Cidadãos Públicas entre

Eleições

Condições críticas decorrentes de cada visão

Visão Maioritária Clareza da Maiorias Domínio

Responsabilidade do Governo

na Produção

Identificabilidade das Políticas

dos futuros

Governos

Visão Proporcional Múltiplas Representação Participação

Escolhas Proporcional na Produção

Partidárias do Voto de Políticas

de todos os

representantes

Autorizados Fonte: Powell, 2000, p. 15.

Figura 1 – As visões das “eleições enquanto instrumentos de democracia”: preferências dos cidadãos e políticas públicas

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Passemos pois a analisar de que modo, e em que contextos específicos, a democracia portuguesa se aproxima ou afasta de cada modelo ou visão da democracia.

Eleições, sistemas eleitorais e democracia: a proporcionalidade do sistema português em perspectiva comparada

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Tabela 10 – Níveis de desproporcionalidade, por décadas, na EuropaSistema eleitoral Países Período Médias

D.70 D.80 D.90 D.2000 1970-2007Maioritários 10,47 16,12 18,25 19,60 14,18MR Reino Unido 1970-2007 12,15 16,20 15,03 17,25 14,56MA França I 1970-1984/1987-2007 8,79 16,04 21,47 21,95 13,79RP 1 segmento 3,88 4,17 4,25 4,39 4,58

RP Lista

Bélgica II 2004-2007 5,16 5,16Bulgária II 1991-2007 8,07 7,82 8,01Chipre 2000-2007 2,01 2,01Eslováquia II 1999-2007 5,53 5,53Espanha 1970-2007 10,31 8,19 6,22 5,17 7,55Finlândia 1970-2007 2,78 3,59 3,43 3,16 3,18França II 1985-1986 7,23 7,23Holanda 1970-2007 1,48 1,26 1,18 0,99 1,23Itália III 2005-2007 3,61 3,61Letónia 1990-2007 4,66 6,03 5,21Luxemburgo 1970-2007 3,50 4,01 3,95 3,36 3,75Noruega I 1970-1985 5,48 4,85 5,16Polónia II 2001-2007 6,65 6,65Portugal 1975-2007 4,37 4,18 5,20 5,20 4,65Rep. Checa II 2002-2007 5,73 5,73Roménia II 2004-2007 3,74 3,74Suíça 1970-2007 2,41 3,36 3,38 2,47 2,96

VUT – Voto único transferívelMalta 1970-2007 0,92 1,79 1,55 1,81 1,48Irlanda 1970-2007 3,66 3,23 4,83 6,24 4,14

RP: múltiplos segmentos 3,92 3,04 4,52 4,02 4,51

RPMS-F

Bélgica I 1970-2003 2,42 3,57 7,17 2,99Dinamarca 1970-2007 1,59 1,85 1,54 1,67 1,67Islândia 1970-2007 2,88 3,02 1,94 1,85 2,52Noruega II 1988-2007 3,67 3,70 4,52 3,96Polónia I 1991-1997 10,69 10,69Suécia 1970-2007 1,42 2,07 1,67 2,27 1,79

RPMS-V

Áustria 1970-2007 1,54 1,69 1,92 2,07 1,78Eslovénia 1990-2007 3,95 3,15 3,63Eslováquia I 1994-1998 5,53 5,53Estónia 1990-2007 6,38 3,50 5,66Grécia 1970-2007 14,69 5,95 7,00 7,08 8,03Itália I 1970-1993 2,90 2,55 2,51 2,65República Checa I 1996-1998 5,63 5,63Roménia I 1990-2000 4,68 8,56 6,62

Sistemas mistos 0,63 0,89 8,67 7,58 7,61

MMPAlemanha 1970-2007 0,63 0,89 3,33 3,39 2,07Itália II 1994-2004 8,31 8,31Hungria 1990-2007 13,60 8,20 12,25

SPBulgária I 1990 5,37 5,37Lituânia 1990-2007 12,39 10,42 10,06

Fontes: Freire, Meirinho e Moreira, 2008, p. 28, a partir de várias fontes aí citadas.

Notas: Desproporcionalidade medida pelo IQM: quanto maior o valor, maior a desproporcionalidade. Ver Gallagher e Mitchell, 2008: Apêndice B. Em relação à legenda dos tipos de sistemas eleitorais ver Tabela 1.1.1

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Tabela 11 - Número efectivo de partidos na Europa

Sistema eleitoral Países Década de 1990 Década de 2000 Média das duas décadasA B B-A A B B-A A B B-A

Maioritários 4,93 2,70 -2,23 4,34 2,29 -2,05 4,64 2,49 -2,14MR Reino Unido 3,14 2,20 -0,94 3,46 2,32 -1,15 3,30 2,26 -1,04MA França I 6,73 3,20 -3,53 5,22 2,26 -2,96 5,97 2,73 -3,24RP: 1 segmento 4,64 3,91 -0,73 4,84 4,07 -0,77 4,90 4,11 -0,80

RP Lista

Bélgica II 8,84 7,03 -1,81 8,84 7,03 -1,81Bulgária II 3,68 2,55 -1,13 3,91 2,92 -0,99 3,80 2,74 -1,06Chipre 4,03 3,77 -0,26 4,03 3,77 -0,26Eslováquia II 6,11 4,81 -1,30 6,11 4,81 -1,30Espanha 3,37 2,70 -0,67 3,06 2,51 -0,56 3,21 2,60 -0,61Finlândia 5,93 5,09 -0,84 5,65 4,93 -0,72 5,79 5,01 -0,78Holanda 5,44 5,12 -0,32 5,61 5,36 -0,25 5,52 5,24 -0,29Itália III 5,69 5,06 -0,63 5,69 5,06 -0,63Letónia 7,59 6,04 -1,55 7,14 5,51 -1,63 7,36 5,78 -1,59Luxemburgo 4,71 4,12 -0,59 4,26 3,81 -0,45 4,49 3,97 -0,52Polónia II 5,18 3,93 -1,25 5,18 3,93 -1,25Portugal 2,96 2,46 -0,50 3,08 2,53 -0,55 3,02 2,50 -0,53Rep. Checa II 4,37 3,39 -0,98 4,37 3,39 -0,98Roménia II 3,90 3,36 -0,54 3,90 3,36 -0,54Suíça 6,68 5,82 -0,86 5,44 5,01 -0,43 6,06 5,42 -0,65

VUT – Voto único transferível

Malta 2,05 2,00 -0,06 2,02 1,99 -0,03 2,04 1,99 -0,04Irlanda 3,99 3,23 -0,76 3,95 3,21 -0,75 3,97 3,22 -0,75

RP: múltiplos segmentos 5,73 4,73 -1,00 4,56 4,00 -0,56 5,61 4,66 -0,95

RPMS-F

Bélgica I 9,18 8,50 -0,68 9,18 8,50 -0,68Dinamarca 4,78 4,54 -0,24 4,94 4,69 -0,26 4,86 4,61 -0,25Islândia 4,03 3,73 -0,30 3,94 3,71 -0,23 3,98 3,72 -0,27Noruega II 4,84 4,20 -0,64 5,30 4,96 -0,35 5,07 4,58 -0,49Polónia I 9,41 5,90 -3,51 9,41 5,90 -3,51Suécia 4,26 3,99 -0,26 4,59 4,19 -0,40 4,42 4,09 -0,33

RPMS-V

Áustria 3,61 3,41 -0,21 3,37 3,13 -0,24 3,49 3,27 -0,22Eslovénia 7,90 6,78 -1,11 5,59 4,88 -0,70 6,74 5,83 -0,91Eslováquia I 5,58 4,33 -1,25 5,58 4,33 -1,25Estónia 7,22 5,18 -2,03 5,42 4,67 -0,75 6,32 4,93 -1,39Grécia 2,78 2,30 -0,48 2,65 2,20 -0,45 2,71 2,25 -0,46Itália I 6,63 5,71 -0,92 6,63 5,71 -0,92Rep. Checa I 5,01 3,93 -1,08 5,01 3,93 -1,08Roménia I 5,09 3,76 -1,32 5,25 3,56 -1,69 5,17 3,66 -1,51

Membros mistos 4,66 3,08 -1,58 5,36 4,28 -1,09 4,99 3,82 -1,17

MMPAlemanha 3,76 3,31 -0,45 4,28 3,72 -0,56 4,02 3,51 -0,51Itália II 7,02 6,35 -0,67 7,02 6,35 -0,67Hungria 5,99 3,37 -2,62 2,94 2,21 -0,73 4,47 2,79 -1,67

SPBulgária I 2,82 2,42 -0,40 2,82 2,42 -0,40Lituânia 6,07 3,20 -2,87 7,22 4,84 -2,38 6,65 4,02 -2,63

Fontes: Freire, Meirinho e Moreira, 2008, p. 30, a partir de várias fontes aí citadas.

Legenda: A = Número efectivo de partidos eleitorais (NEPE); B = Número efectivo de partidos parlamentares (NEPP).

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Do ponto de vista da proporcionalidade, Portugal sempre esteve mais próximo da visão proporcional do que da visão maioritária.

Mas: sempre teve um dos sistemas mais desproporcionais do conjunto dos regimes que usam a RP, sobretudo nas décadas de 1990 e 2000.

O uso de regras proporcionais está geralmente associado ao multipartidarismo;

Os sistemas maioritários estão geralmente associados ao bipartidarismo, até por causa dos efeitos (mecânicos e psicológicos) das regras eleitorais sobre a competição partidária (via comportamentos das elites e dos eleitores).

Sistema português: desproporcionalidade relativamente elevada em termos comparativos.

O “Número Efectivo de Partidos Eleitorais” (NEPE) português (1990-2007), 3,02, é muito inferior à média para qualquer um dos sistemas não maioritários.

E temos um dos sistemas partidários menos fragmentados da Europa (no período 1990-2007, o NEPE foi de 3,02 e o NEPP/”Número Efectivo de Partidos Parlamentares” de 2,50):

- - Formato próximo do dos sistemas maioritários (4,64 e 2,49, respectivamente);

- - RP: apenas semelhante a Espanha (3,21 e 2,60), Malta (2,04 e 1,99), Grécia (2,71 e 2,25), Bulgária II (3,80 e 2,74) e Bulgária I (2,82 e 2,42). Qualquer destes 5 sistemas têm características que produzem elevados níveis de desproporcionalidade e aproximam os seus efeitos dos regimes maioritários.

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Parte do aumento da desproporcionalidade do sistema eleitoral português nas décadasmais recentes resulta não de uma mudança significativa das regras eleitorais se deve fundamentalmente a um aumento da concentração de voto no dois maiores partidos, devido a vários factores: valorização da estabilidade governativa e rejeição da instabilidade e da falta de entendimentos minimamente estáveis entre os partidos no período 1975-85; etc. (Freire, 2006 e 2009)

Fonte: Freire, Meirinho e Moreira, 2008, p. 26; actualização para as eleições legislativas de 2009 com base em cálculos do autor.

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Eleições, sistemas eleitorais e democracia: a governabilidade do sistema português em perspectiva

comparada

De 1976 a 1987: Portugal: democracia mais próxima do “modelo consociativo”, ou da “visão proporcional das eleições enquanto instrumento da democracia”:

nomeadamente sempre com governos de coligação (PS-CDS: 1977-1978; PSD-CDS-PPM: 1979-1983; PS-PSD: 1983-1985) ou minoritários (PS: 1976-1977; PSD: 1985-1987). Além disso, este período caracterizou-se por uma grande instabilidade governativa, não tendo nenhum dos governos de então chegado ao fim do respectivo mandato.

A eleição de 1985 terá sido crítica, pois marcou um ponto de viragem fundamental para o período posterior, de 1987 em diante (Freire, 2006, 2009). O aparecimento do PRD, e a fluidez do voto que desencadeou, terá permitido que, de 1987 em diante, se tenha verificado uma viragem no sentido da “democracia maioritária” sem qualquer alteração relevante do sistema eleitoral.

Período maioritário (1987-2009): governos foram geralmente de um só partido: maioritários (PSD, 1987-1995, e PS, 2005-2009), ou minoritários mas à beira do limiar do maioria absoluta (PS 1995-2002). Mais, todos estes governos cumpriram os seus mandatos até ao fim, excepto o do PS entre 1999 e 2002.

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Houve ainda um governo de coligação (PSD-CDS/PP: 2002-2005): embora não tenha cumprido o mandato até ao fim, revelou enorme coesão; queda não se deveu não a problemas na coligação mas sim a uma dissolução antecipada do Parlamento: PR.

Resumindo: desde 1987: Portugal não apresenta problemas de governabilidade.

Porém, assimetria: forças do quadrante esquerdo ainda não conseguiram nunca entender-se para formar um governo: sintomaticamente, quando fez coligações (ou acordos de incidência parlamentar) o PS fê-las sempre com as forças à sua direita.

20 democracias entre 1945 e final dos anos 1990 (Powell, 2000): o tipo de organização e práticas nos parlamentos, ligadas por sua vez às regras eleitorais e ao desenho constitucional, traduzem também uma maior propensão para a concentração do poder/maior poder da maioria (“visão maioritária”) ou para a sua dispersão/maior influência das minorias e/ou da oposição na produção das políticas (“visão proporcional”).

A inflexão maioritária no sistema político português, de 1987 a 2009: teve também uma tradução ao nível da organização e práticas parlamentares com uma maior concentração do poder nas mãos da maioria (Leston-Bandeira,

2002, pp. 84-108; Freire et al, 2002, especialmente pp. 29-52 e 53-62; Magalhães, 2004).

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Tabela 12 – Tipos de governo na Europa, 1945-2000

PaísesMono-partidário

maioritário Mono-partidário

minoritário

ColigaçãoVencedora

mínima

Coligaçãominoritária

Coligação Sobre-

dimensionada

Nº Total

governosAlemanha 0 1 17 0 5 23Áustria 4 1 17 0 1 23Bélgica 3 1 24 2 7 37Dinamarca 0 14 4 13 0 31Eslováquia 0 1 4 1 1 7Eslovénia 0 0 2 2 3 7Espanha 4 4 0 0 0 8Estónia 0 2 6 1 0 9Finlândia 0 4 6 7 23 40França 0 4 7 5 41 57Grécia 8 0 0 0 1 9Holanda 0 0 10 0 9 18Hungria 0 0 1 0 4 5Inglaterra 20 1 0 0 0 21Irlanda 7 4 8 3 0 22Itália 0 11 2 9 31 53Letónia 0 0 4 4 3 11Lituânia 2 0 1 1 3 7Luxemb. 0 0 17 0 1 18Malta 9 0 0 0 0 9Polónia 0 2 5 2 0 9Portugal 3 4 6 (4) 0 1 14 (12)Portugal I 0 2 4 (3) 0 1 7 (6)Portugal II 3 2 2 (1) 0 0 7 (6)Rep.Checa 0 1 2 1 0 4Suécia 3 16 5 2 0 26Total 63 77 152 (150) 53 135 482 (480)

Total (%) 13 15,9 31,5 10,9 28,0 100

Fontes: Grossman e Sauger, 2007, pp. 136-137;

Notas: ) Portugal I – até 1987; Portugal II – de 1987 em diante (até 2009); 2) Na contagem do número de governos portugueses excluem–se sempre os três de iniciativa presidencial. Além disso, consideram-se duas contagem: uma primeira, mais conservadora, que contam todos os governos formalmente; uma segunda (apresentada entre parentesis), conta só como novo governo quando há uma nova composição partidária de suporte ao gabinete ou há um governo saído de novas eleições, mesmo que a composição partidária se mantenha; 3) Total (%) – face ao total da linha 480.

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Em primeiro lugar, podemos ver que, num conjunto de 482 governos, as “coligações vencedoras mínimas” (31,5%), as “coligações sobredimensionadas” (28%) e os “governos minoritários” (15,9%) são as soluções mais frequentes nos 24 países europeus apresentados na tabela 12.

Portanto, na sua fase mais próxima da “visão proporcional”/”democracia consensual”, Portugal (em 7 governos: 2 minoritários, 4 coligações de dimensão mínima e 1 sobredimensionada) estava bem mais próximo da norma europeia do na sua fase “maioritária” (em 7 governos: 3 monopartidários maioritários, 2 minoritários mas muito próximos da maioria absoluta, 1 coligação de dimensão mínima que gerou dois governos na mesma legislatura).

Pelo contrário, na fase maioritária e no que aos governos de maioria absoluta (usualmente baseados em “maiorias artificiais”) diz respeito, Portugal estava mais próximo de alguns poucos países europeus onde tal ocorre com alguma frequência (Inglaterra, Irlanda, Espanha, Grécia, e alguns outros).

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Tabela 13 - Duração média (em número de dias) dos governos, por tipo de solução governativa, na Europa, 1945-1998

PaísesMono-

partidário maioritário

Mono-partidário minoritário

ColigaçãoVencedora

Mínima

Coligaçãominoritária

Coligação Sobre-

dimensionada

DuraçãoMédia

GovernosAlemanha 0 501 815 0 703 660Áustria 1424 548 763 0 1420 933Bélgica 464 134 644 35 316 511Dinamarca 0 567 807 674 0 641Eslováquia 0 242 533 271 1446 593Eslovénia 0 0 679 280 794 604Espanha 1290 858 0 0 0 1050Estónia 0 423 507 436 0 477Finlândia 0 494 507 140 548 404França 0 585 363 303 323 334Holanda 0 0 1200 0 942 879Hungria 0 0 0 0 1096 1096Inglaterra 1038 227 0 0 0 995Irlanda 861 872 1006 732 0 901Itália 0 285 347 351 360 331Letónia 0 0 232 299 503 340Lituânia 682 0 0 249 471 447Luxemb. 0 0 1180 0 466 1136Polónia 0 498 582 228 0 449

Portugal 1530 862,5415(647,5)

0 870911,9(963,8)

Portugal I 0 570360(480 )

0 870492,9(575)

Portugal II 1530 1155525(1150)

0 01135,7(1325)

Rep.Checa 0 1458 1280 545 0 870Suécia 493 816 708 802 0 752

Média 1028 616,4 715,3 381,8 741,9709,9(711,2)

Fontes: Grossman e Sauger, 2007, pp. 140-141; para o caso português, cálculos do autor a partir de Lobo, Pinto e Magalhães, 2008, p. 344 (e cálculos próprios para o governo PS 2005-2009); Espanha, 1977-2004: dados calculados pelo autor a partir de Pérez-Rievas e Ramiro, 2008, p. 124.

Notas: 1) Portugal I – até 1987; Portugal II – de 1987 em diante (até 2009); 2) Na contagem do número de governos portugueses excluem–se sempre os três de iniciativa presidencial. Além disso, consideram-se duas contagem: uma primeira, mais conservadora, que contam todos os governos formalmente; uma segunda (apresentada entre parentesis), conta só como novo governo quando há uma nova composição partidária de suporte ao gabinete ou há um governo saído de novas eleições, mesmo que a composição partidária se mantenha

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Tabela 13: duração média dos governos (em número de dias, a unidade mais básica: ver definições e operacionalização em Woldendorp, Keman e Budge, 1993, pp. 4-5), globalmente e por tipo de gabinete.

Na fase mais próxima da “visão proporcional”/”democracia consensual”, Portugal tinha uma duração média dos gabinetes (492,5 dias) significativamente inferior à média europeia (709,9 dias). Há, porém, vários países com durações médias inferiores à portuguesa, especialmente em certas novas democracias da Europa de leste.

A estabilidade do gabinete na fase “maioritária da democracia portuguesa (1135,7 dias) está muito acima da média europeia. Nesta fase e até por algumas legislaturas especialmente longas, Portugal é o país com maior estabilidade do conjunto de 24 países incluídos na tabela.

E são poucos os países que lhe estão próximos: Espanha (1050 dias), Hungria (1096 dias), Inglaterra (995 dias), Irlanda (901 dias) e Luxemburgo (1136 dias).

Adicionalmente, há muitas democracia longamente consolidadas e com uma performance macroeconómica, social e de qualidade da democracia, nomeadamente na Escandinávia, com uma estabilidade do gabinete muito inferior à portuguesa (Dinamarca: 641 dias; Finlândia: 404 dias; Suécia: 752 dias).

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Não se trata de desvalorizar a questão da estabilidade governativa, com certeza um valor muito importante no funcionamento das democracias, mas de relativizar a ênfase que lhe é dada em Portugal: há que distinguir entre a estabilidade dos governos e a estabilidade do regime democrático (Lijphart, 1984 e 1999). Os dados da tabela 13 demonstram-nos à exaustão.

Sistema eleitoral português: embora não seja especialmente permeável à entrada de partidos no parlamento, também é verdade que não se trata de um sistema que coloque elevadas barreiras à representação.

Porém, esta média-baixa permeabilidade à representação das minorias no parlamento não tem grande correspondência no processo de tomada de decisão ao nível do governo, sobretudo nas fases de maioria absoluta monopartidária, em particular, e, para o caso dos partidos da esquerda radical, em geral.

Na Europa, após 1989: esta situação tende até a ser cada vez mais uma relativamente excepcional: a esquerda radical têm participado em governos (sobretudo em governos liderados por partidos social-democratas/socialistas) e a penalização eleitoral que se segue usualmente a essas experiências não é maior do que aquele que acontece geralmente, em média, a todos os partidos que passam pelo governo, nem é superior às perdas que também ocorrem quando os partidos da esquerda radical estão na oposição (Tabela 14).

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Tabela 14 - Participação dos partidos da “esquerda radical” nos Governos europeus após 1989

País Data Tipo de apoioEvolução voto na eleição seguinte

Itália 1996-1998 Apoio (PRC)1998-2001 Apoio (PdCI) -1,9% (PRC e PdCI)2006-2008 Coligação -7,1%

Finlândia 1995-1999 Coligação -0,3%1999-2003 Coligação -0,1%

Chipre 2003- Coligação -3,6% (2006)2008- Coligação Ainda não conhecido

Dinamarca 1994-1998 Apoio minoritário (SF) +0,2%1994-1998 Apoio minoritário (EL) -0,4%1998-2001 Apoio minoritário (SF) -1,1%1998-2001 Apoio minoritário (EL) -0,3%

França 1997-2002 Coligação -5,1%Suécia 1998-2002 Apoio minoritário -3,6%

2002-20069 Apoio minoritário -2,5%Noruega 1994 Apoio minoritário -2,5%

2005-2009 Coligação -2,6%2009 Coligação Ainda não conhecido

Grécia 1989-1990 Coligação (Syn/KKE) -0,7%Irlanda 1994-1997 Coligação (“Esquerda

democrática”)-0,3%

Espanha 2004-2008 Apoio minoritário -1,2%

Fonte: March, 2008, p. 13; Noruega 2005-2009: cálculos do autor a partir dos dados constantes em http://pt.wikipedia.org/wiki/Elei%C3%A7%C3%B5es_parlamentares_na_Noruega_em_2009#Resultados

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Esta não inclusão (por responsabilidade repartidas, nomeadamente forças desse campo e dos

socialistas portugueses) da esquerda radical no governo (ou sequer suportando-o) é que

torna o sistema partidário português pouco “inclusivo” (nunca incluiu esses partidos no governo) e pouco “inovador” (todas as fórmulas governativas foram já

tentadas, excepto em matéria de inclusão da esquerda radical) no contexto Europeu (ver

Mair, 1997, para uma tipologia dos sistemas partidários tendo em conta o padrão na formação

dos governos, e Jalali, 2008, para um enfoque na situação portuguesa usando esse quadro teórico).

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Notas conclusivas

Democracia liberal e representativa: regime político no qual o povo não governa directamente mas sim através de representantes que actuam em seu nome e de acordo com as suas preferências.

Eleições livres, justas e frequentes: um instrumento crucial de uma democracia.

Naturalmente, para serem democráticas as eleições têm que ser livres: eleitores e eleitos devem actuar sem constrangimentos e em igualdade de circunstâncias.

E têm também que ser justas: profunda e extensa lisura processual, geralmente garantida pela fiscalização cruzada pelos vários competidores em cada escrutínio, do recenseamento eleitoral até à contagem dos votos.

Naturalmente, há uma série de elementos a montante e a jusante que são também condição sine qua non da democracia.

Mas: processos de democratização à escala mundial fizeram-se de forma lenta e gradual e muitas vezes através de movimentos de liberalização e de democratização parcial.

Mais: ideia de uma governação baseada no consentimento dos governados face aos governantes, e não no carisma ou na tradição, é um traço dos regimes políticos modernos (democráticos e não democráticos): muitas vezes realizaram (regularmente) eleições, embora estas não fossem sempre e necessariamente eleições livres e justas.

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Usando a teoria das vagas de democratização como elemento de enquadramento e os processos eleitorais como ponto de observação para se perceber a natureza e as características dos regimes políticos modernos, procurámos analisar os vários regimes políticos portugueses, séculos XIX - XXI, de forma longitudinal e comparativa, usando espaço europeu como ponto de referência.

Embora só já pelo século XX a dentro Portugal tenha consolidada a sua transição para um regime parlamentar (por causa do papel do rei até à I República), o país foi dos primeiros a aderir à transformação liberalizante dos sistemas políticos que marcou a primeira vaga de democratização (1828-1926).

Na Europa, esteve na linha da frente em inovações democratizantes:

eleições directas;

voto secreto e igual;

sistema maioritário mas permitindo alguma representação das minorias.

Direito de voto: bastante generosidade: no final do século XIX a % da população portuguesa com direito de voto estava entre as mais abrangentes da Europa.

Embora não fosse uma excepção portuguesa, o problema fundamental dos processos eleitorais portugueses no século XIX era a extensão da corrupção dos eleitores e a generalizada e profunda manipulação dos resultados:

Eleições não eram, por isso, a fonte da formação e alternância dos governos.

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Mais: enquanto estes problemas foram sendo corrigidos na generalidade dos países europeus centrais, sobretudo no final dos anos 1920, em Portugal este problema não só persistiu em toda a I República como se agravou ainda mais com o Estado Novo.

Apesar de não livres, não competitivas e sem nenhumas consequências na formação e alternância dos governos, as eleições do Estado Novo tinham vários traços que as afastavam das eleições em regimes totalitários: não havia a ênfase na unanimidade; não havia a ênfase numa participação tão extensa quanto possível; havia algum pluralismo, ainda que muitíssimo limitado.

Só com a terceira vaga de democratização Portugal acedeu à democracia plena:

direito de voto; lisura dos processos eleitorais; várias outras condições sine qua non (a montante e a jusante) de um regime democrático;

plenas consequências das eleições em matéria de formação e alternância dos governos, e na estruturação das políticas.

Portugal: modernização política muitíssimo tardia.

Eleições não são a democracia: apenas instrumentos de diferentes “visões da democracia” (Powell, 2000; Lijphart, 1984 e 1999): ao serviço de “visões maioritárias”/ “democracia maioritária” ou de “visões proporcionais” / “democracia consensual”.

Democracia: regras eleitorais portuguesas (e desenho constitucional e a arquitectura parlamentar) apontam mais para a visão proporcional (representação justa das várias tendências políticas, dispersão do poder, incorporação das minorias na tomada de decisões).

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O sistema funcionou fundamentalmente de acordo com as regras numa primeira fase, 1976-1987, excepto quanto à incorporação no governo das minorias situadas à esquerda (“esquerda radical”).

Porém, devido a uma forte instabilidade governamental (embora não superior à que se regista em muitas novas democracias da Europa de leste na actualidade…), e sem qualquer alteração nas regras eleitorais, operou-se uma viragem maioritária de facto:

No período 1987-2009, em 24 países europeus tomados como termo de comparação, Portugal é o país que exibe maior estabilidade do governo . Além disso, aumentou muito a concentração do poder nas mãos da maioria: maiorias absolutas (uma delas “artificial”, a última); mecanismos de produção de políticas no parlamento.

A estabilidade governativa é, desde 1987, extremamente elevada em termos europeus. Porém, continua a ser uma elemento extremamente valorizado seja pelos políticos, sobretudo os oriundos dos dois maiores partidos (que foram os maiores beneficiários da inflexão maioritária), seja por muitos jornalistas e comentadores.  

Sem deixar de reconhecer a estabilidade governativa como um valor muito importante para o funcionamento das democracias: é preciso relativizar a sua importância (há muitas democracias altamente estáveis e com uma longuíssima longevidade, nomeadamente na Escandinávia que têm uma estabilidade governativa média muito inferior à nossa, e funcionam bem) e é preciso não confundir estabilidade a do governo com a estabilidade do regime político (os exemplos Escandinavos, entre muitos outros, são, mais uma vez, paradigmáticos a este respeito).

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Mais, porventura cansada de um exercício do poder algo musculado e pouco dialogante na X Legislatura (2005-2009), ou seja, pouco incorporador das minorias nos processos de tomada de decisão, os portugueses parecem ter-se cansado da fase maioritária: nas legislativas de 2009 o partido vencedor teve a menor maioria de sempre desde 1987 e o “número efectivo de partidos” aumentou significativamente, afastando (ligeiramente embora) Portugal do bipartidarismo que marcou o período 1987-2009.

Não sabemos se se trata de uma inversão de tendência ou de mero episódio conjuntural.

Uma coisa é certa: a direita, seja no governo de coligação 2002-2005, seja na disponibilidade para entendimentos demonstrada na campanha eleitoral de Setembro de 2009, já demonstrou adaptar-se bem às regras proporcionais e ao desenho constitucional consociativo.

A esquerda não: ao contrário do que se passa em muitos países europeus desde a queda do muro de Berlim, nunca a esquerda radical portuguesa foi capaz de participar num governo constitucional (em coligação ou suportando formalmente um governo minoritário do PS).

Este é fundamentalmente um problema político, cuja resolução deve ser política e não institucional, até porque o sistema eleitoral não pode ser considerado gerador de instabilidade governativa: a desproporcionalidade está significativamente acima da média dos regimes proporcionais europeus e o sistema partidário evidencia um grau de fragmentação bastante baixo, mesmo após a viragem de 2009.

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O que falta, e diverge do que se passa em muitos outros países europeus, são esquerdas capazes de conviver normalmente com um quadro constitucional que valoriza a dispersão do poder e o contributo das maiorias e das minorias no processo de produção das políticas públicas.

A evidência comparativa, essa, demonstra que os regimes que funcionam assim são geralmente sistemas políticos onde os governos estão mais próximos das preferências populares (Powell, 2008), um desiderato fundamental numa democracia representativa, e onde a qualidade da democracia, a satisfação dos cidadãos, o controlo da violência e as desigualdades são menores (do que nas soluções maioritárias) (Lijphart, 1999).