Andrea Azevedo (2010). Teoria Politica Feminista Limites e Caminhos Para Uma Representacao Possivel

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    V Congreso Latinoamericano de Ciencia Poltica. Asociacin Latinoamericana de

    Ciencia Poltica, Buenos Aires, 2010.

    Teoria poltica feminista:

    limites e caminhos para uma

    representao possvel.

    Andrea Azevedo.

    Cita: Andrea Azevedo (2010). Teoria poltica feminista: limites e caminhos

    para uma representao possvel. V Congreso Latinoamericano de

    Ciencia Poltica. Asociacin Latinoamericana de Ciencia Poltica,

    Buenos Aires.

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    V Congreso de la Asociacin Latinoamericana de Ciencia PolticaBuenos Aires, 28 a 30 de Julio

    .

    Resumen

    No mbito desse trabalho1, partindo da discusso da teoria feminista sobre o

    conceito de gnero, pretende-se desenvolver uma anlise do problema da representao

    poltica luz do debate sobre a separao entre o pblico e o privado, considerando as

    conseqncias dessa discusso na teoria feminista sobre as possibilidades e os limites de

    avano em termos da representao formal, centrando a discusso na importncia da

    relao constitutiva da representao como ponto central para se pensar as

    possibilidades de se enriquecer os processos representativos tomados para alm de um

    sentido formalista, considerando a questo das diferenas no mbito da poltica formal.

    1

    Trabajo preparado para su presentacin en el V Congreso Latinoamericano de Ciencia Poltica,organizado por la Asociacin Latinoamericana de Ciencia Poltica (ALACIP). Buenos Aires, 28 a 30 dejulio de 2010.

    Titulo: Representao: limites e possibilidades na teoria poltica feminista.

    Autora:Andrea Azevedo Pinho, Universidade de Braslia, Instituto de Cincia Poltica.

    Contacto email:[email protected].

    rea temtica:Teoria Poltica y cuestiones de gnero

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    Apresentao

    O princpio bsico da crtica feminista representao formal est no fato da

    subrepresentao das mulheres nos espaos de poder (SAPIRO, 1981: 702), sobretudo

    naqueles onde a forma de ingresso so as eleies, regidas pelo princpio da expressoda vontade individual pelo voto. Mesmo considerando os dados das Naes Unidas que

    mostram o aumento do nmero de mulheres em cargos de governo, numa mdia global,

    que passou de 8% para 18,2% nos ltimos 10 anos, a possibilidade de se atingir um

    mnimo de proporcionalidade na representao das mulheres (ndices de

    proporcionalidade em cargos eletivos entre 40% e 60%) s seria atingida no ano de

    2045 (UNIFEM, 2009: 17), o que refora a necessidade de se pensar a condio da

    subpresentao como um problema a ser questionado em mbito global. Contudo,tambm crucial, sobretudo, nessa apresentao, discutir a questo da representao

    formal sob uma perspectiva de gnero em seus aspectos tericos no mbito da cincia

    poltica contempornea.

    Nesse sentido, a crtica da teoria poltica feminista a um conceito de

    representao formalista, que toma o voto como a expresso de uma preferncia j

    constituda e pronta ser expressa num clculo de racional de custos transacionais entre a

    necessidade de ter aquela preferncia atendida e o esforo demandado para atingi-la, j

    se firmou como um ponto de partida para um debate mais substantivo sobre a

    representao, sobretudo a partir da perspectiva do gnero. Ao trazer baila o conceito

    de gnero como uma varivel poltica fundamental para se pensar os elementos que

    constituem os sujeitos polticos e suas preferncias e, a partir disso, os elementos que

    constrangem as possibilidades de uma definio autnoma dessas preferncias por parte

    de alguns grupos, no caso aqui ressaltado, das mulheres, uma teoria poltica feminista

    permite abrir espao para questionamentos mais amplos sobre o problema derepresentao.

    Gnero e as diferentes formas de se compreender o objeto de estudo da teoria feminista

    Um dos elementos fundamentais no s crtica da teoria feminista, mas

    tambm a discusso epistemolgica do tema , certamente, o conceito de gnero. As

    vrias discusses em torno da questo do gnero como conceito central na teoria

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    feminista ilustram as diferentes formas de se compreender a situao das mulheres em

    face de uma hierarquizao social baseada nesse elemento e, principalmente, da relao

    entre o corpo e o gnero. Apesar do momento inicial dessa discusso no feminismo

    propor o gnero como um fenmeno separado, mas relacionado ao apelo biolgico a

    uma diferena sexual natural entre homens e mulheres.(DIETZ, 2003: 401), o avano

    dos debates feministas caminharam em questionar as possibilidades das construes

    sociais do gnero para alm da base anatmica da dicotomia homem-mulher, tomando-

    as como vlidas apenas se a pensarmos no contexto das relaes de gnero como

    normatizantes esses corpos, que passam a ser pensados no mais como naturais, mas

    naturalizados, e abertos contestao. Iris Marion Young defende a centralidade do

    conceito de gnero frente necessidade de se descreverem os processos sistmicos e as

    estruturas sociais de opresso quelas pessoas que transgridem a heterossexualidade

    normativa (YOUNG, 2005: 13).

    As divergncias surgidas com as diferentes interpretaes e possibilidades

    estratgicas do conceito de gnero levantaram diferentes pontos de ruptura

    epistemolgica na teoria feminista, que Dietz (2003) traz como um desdobramento dos

    debates sobre o conceito e sobre o prprio feminismo: as possibilidades de se construir

    um sujeito do feminismo a partir da categoria mulher ou mulheres (2003: 402). A partirdas diferentes respostas dadas a essa pergunta, a autora define sua categorizao sobre

    os debates atuais da teoria feminista: feminismo da diferena (internamente dividido em

    simblico e social); feminismo da diversidade; e feminismo de desconstruo.

    O feminismo da diferena, dividido entre sua vertente simblica, ligada,

    sobretudo, s discusses com base nas teorias da psicanlise francesa sobre os

    elementos simblicos da diferenciao sexual, e sua vertente social, concentrada na

    internalizao das normas sociais e na construo dos elementos do gnero no contextosocial e psicolgico, esto baseadas na idia da experincia e da forma como ela

    estrutura as relaes de poder constitudas a partir da diferena de gnero. Acusada de

    flertar e muitas vezes abraar o essencialismo biolgico na figura do feminino e em suas

    qualidades fundamentais, como na idia do pensamento maternal, que defende a

    superioridade das mulheres em suas formas de expresso, conhecimento e moral

    (DIETZ: 2003, 405), o feminismo da diferena se caracteriza pela distino da condio

    e da experincia das mulheres num quadro de hierarquizao das diferenas.

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    O feminismo da diferena ser alvo da crtica do feminismo da diversidade, ao

    concentra-se na tendncia a se considerar o conceito de mulheres como um universal,

    essencializado em um elemento biolgico que uniria as mulheres sob uma mesma gama

    de experincias e vivncias, pressupostas a partir de um grupo muito especfico:

    mulheres brancas, de classe mdia, heterossexuais, com demandas centradas numa

    discusso anglo-saxnica sobre as supostas demandas das mulheres. Essa

    perspectiva excluiria outras formas de opresso e dominao para alm do gnero, como

    a heterossexualidade normativa e a matriz heterossexual no pensamento feminista, e o

    feminismo da diversidade vai argir pela necessidade de empoderamento e articulao

    entre a diversidade de diferenas que devem ser consideradas politicamente (DIETZ,

    2003: 409), para alm de uma idia da diferena de gnero como a nica a ser

    problematizada enquanto desigualdade.

    O passo adiante na discusso feminista a partir da discusso sobre a categoria

    mulheres o feminismo de desconstruo, que est baseado na idia do

    questionamento sobre toda categoria pr-constituda, das mulheres a qualquer outro

    elemento mobilizado como elemento de identidade. Gnero, raa, classe: toda categoria

    pr-situada limitada em sua possibilidade de compreender os elementos de opresso

    que ela mesma institui. A proposta poltica do desconstrutivismo questionar osconceitos retirando-os de suas matrizes de opresso, e abrindo espaos para refletir

    sobre eles a partir de possibilidades de agncia mais conscientes, considerando a relao

    do indivduo com o mundo a partir de suas prticas de significao sobre ele, e no

    significando essas prticas a partir dessas categorias pr-discursivas (DIETZ, 2003:

    413).

    Essa separao importante para os termos desse artigo porque prope seus

    limites analticos e tericos: ao optar por uma dessas abordagens sobre o problema dognero e da categoria mulheres nas discusses da teoria feminista sob uma perspectiva

    das experincias comuns que caracterizariam esses sujeitos polticos enquanto grupo, o

    que se est fazendo opo epistemolgica, que est ligada ao problema a ser abordado,

    e que responde, em grande medida, a justificativa da escolha do problema em questo.

    No caso, a opo por discutir autores e autoras que trabalham a partir de uma

    perspectiva da diferena e da diversidade justificada pela centralidade que a diferena

    toma nos debates sobre a representao formal enquanto constitutiva dos sujeitospolticos, a partir do momento em que a representao questionada em seu ideal de

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    imparcialidade, que tem em seu cerne a diluio das diferenas no momento da escolha

    pelo voto. Nas abordagens dessas linhas, h a necessidade, primria, de definir o porqu

    da diferena e da hierarquizao social a partir das diferenciaes sociais que se

    traduzem, tambm, em diferenciaes polticas, guardando aqui, contudo, a crtica a

    uma tendncia essencialista dessa corrente, expressa, sobretudo, no pensamento

    maternal.

    A categoria mulheres, que no o nico elemento marginalizado nas diversas

    formas de hierarquizaes sociais , todavia, uma categoria que constantemente

    mobilizada frente diversidade das possibilidades de diferenas socialmente

    estabelecidas, sobretudo, fora das esferas do debate pblico. Um dos vcios dos debates

    sobre representao fora de um paradigma universalista o repetir-se sobre a condiomltipla das identidades sem questionar por que algumas so mobilizadas politicamente

    e outras no, o que tem to pouco efeito quanto no consider-las de fato. Nesse sentido,

    o que se pretende, nesse trabalho, no negar a expresso da multiplicidade das

    identidades possveis a um sujeito, mas pensar as implicaes, sobretudo, polticas, das

    formas de expresso dessas identidades como mobilizadoras na representao formal.

    a partir da possibilidade de se mobilizarem os elementos da diferena e da

    diversidade na ao poltica que irei questionar sobre as possibilidades e limites da

    representao na perspectiva da teoria poltica feminista. O comprometimento com o

    conceito de democracia que muitas autoras e autores feministas incorporam, a partir

    dessas perspectivas apresentadas, tambm central para compreendermos o que se est

    em jogo em suas idias sobre o projeto emancipatrio do feminismo, algumas vezes de

    forma mais radical do que outras.

    O pblico e o privado: elementos para crtica(s) feminista(s) da representao poltica.

    Pensar o gnero como uma varivel a ser considerada no mbito da

    representao formal no uma novidade: a partir do momento em que se argiu pela

    necessidade de se dar s mulheres, diretamente, e no por meio de seus cnjuges ou

    pais, o direito expresso de suas vontades polticas nos processos de participao e,

    sobretudo, nos processos eleitorais, j se estabelecia um elemento formal para se

    questionar o conceito de representao poltica a partir de uma perspectiva de gnero.

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    Contudo, esse momento inaugural da participao formal das mulheres no mbito da

    poltica no se propunha a questionar os elementos mais fundamentais desse processo,

    ou seja, a prpria instituio da representao formal como meio de expresso das

    vontades e a idia de igualdade, na figura do voto, que essa possibilidade de

    participao formal trazia consigo (MANIN, 1995: 15).

    A incluso das mulheres no processo de representao formal num modelo

    democrtico-liberal no tardou a possibilitar teoria poltica feminista espaos e

    elementos para crticas mais substantivas. Podemos identificar um momento central,

    para os objetivos desse artigo, dessa crtica nas discusses relativas ao problema da

    separao entre a vida pblica e a vida privada e suas conseqncias polticas,

    expressas, sobretudo, na frase o pessoal poltico. Essa assertiva, que orienta odiscurso do movimento feminista na dcada de 70, ressalta a necessidade de se

    pensarem os limites dessa separao entre a vida pblica e o mundo privado e o papel

    das mulheres nesses dois espaos para a discusso sobre as possibilidades de uma

    representao poltica de fato das mulheres.

    Mas essa discusso no se organizou de forma to coesa quanto sugere o

    pargrafo logo acima. As divergncias internas teoria feminista possibilitaram tornar a

    discusso levantada a partir do lema o pessoal poltico muito mais complexa e

    profunda do que ela inicialmente propunha, sobretudo, em seus desdobramentos

    polticos.

    Carole Pateman (1989) parte da crtica ao elemento fundador do Estado na teoria

    poltica moderna, a idia do Contrato Social, para explicitar a excluso das mulheres do

    espao pblico e da constituio desse espao como o referente ao masculino,

    questionando, assim, um elemento central do liberalismo poltico: a separao entre o

    pblico e o privado enquanto separao em valor e subordinao do privado em relao

    ao pblico. Pateman (1989) busca mostrar que essa distino to-somente poltica; de

    fato, a esfera pblica e a esfera privada esto interrelacionadas, socialmente, sob uma

    estrutura patriarcal que, a partir do paradigma do individualismo liberal e poltico, no

    garante os direitos de autonomia das mulheres, de fato, na esfera pblica, porque a

    subordinao na esfera privada uma constante que no questionada no Contrato.

    Nesse sentido, apenas com a politizao do pessoal, ou seja, assumindo que as

    relaes de poder esto alm da esfera pblica, do Estado e da economia, mas tambm

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    nas relaes pessoais, na figura do patriarcado, que se poderia alcanar uma verdadeira

    igualdade de condies polticas e sociais para as mulheres.

    Essa crtica feminista ao preceito liberal dos direitos individuais e da

    necessidade de ingerncia ou o fim da distino entre a esfera pblica e a esfera privadano consensual nas discusses da teoria poltica feminista, e nos permite desenvolver

    alguns questionamentos sobre a relao entre essas duas esferas em termos de

    representao, focando a discusso na questo das possibilidades de se constiturem, a

    partir dessas distines entre o pblico e o privado, interesses, discursos ou elementos

    de coeso para uma representao de mulheres. No sentido oposto crtica ao

    individualismo liberal, a necessidade de se preservar o direito privacidade do

    indivduo tomada como um valor essencial (HIGGINS, 2000). Considerando anecessidade da reviso de uma perspectiva negativa da esfera privada enquanto local

    que buscaria isolar questes fundamentais independncia feminina, como meio de

    evitar que temas fossem legitimados na esfera pblica (FRASER, 1992), a

    argumentao nesse sentido visa retomar o debate da separao entre o pblico e o

    privado de forma a redefinir, e no eliminar, as possibilidades de delimitar essa relao.

    Por sua vez, um projeto de esfera pblica baseado na incluso e na igualdade no

    poderia deixar de conciliar, a esses elementos, a autonomia e o direito diferena, o que

    requer, sobretudo, uma reflexo, tambm, sobre a esfera privada. Nesse sentido, a

    revalorizao do privado e da necessidade de se manter o espao para a distino e

    afirmao das identidades individuais requer a redefinio do conceito fundamental do

    indivduo enquanto portador de direitos privados (ou direitos privacidade), e a

    liberdade nos espaos de suas relaes na esfera do privado.

    Para Cohen (1997), a reavaliao da esfera privada deve incentivar, e no

    limitar, a liberdade dos indivduos. Assim, tal reavaliao no estaria baseada nem em

    uma separao do indivduo da vida em comunidade, nem no reforo ideolgico dessa

    separao entre a esfera pblica e a esfera privada. Reconhecer o direito privacidade

    dos indivduos seria, antes de tudo, ampliar a idia da liberdade para alm dos

    parmetros econmicos e jurdicos estabelecidos na idia do Contrato, reforando a

    possibilidade de autonomia das decises pessoais e o fato de que a construo dos

    interesses, concepes e vises de mundo que esses expressam dependem de suas

    histrias particulares. A autonomia de deciso permitiria, ento, o desenvolvimento de

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    uma ao moral livre de empecilhos, considerando as condies do indivduo em sua

    especificidade.

    Essa reavaliao da esfera privada se baseia na linha de anlise que toma o

    indivduo como agente central nas questes sociais, mas que tambm valoriza oselementos da constituio social da identidade concreta desses indivduos. Ou seja,

    preciso respeitar o espao em que se constituem as diferentes identidades coletivas, que

    est nessa concepo renovada dos espaos de poder para alm do pblico, mas, ao

    mesmo tempo, tambm preciso preservar a identidade dos componentes desses

    grupos, respeitando, na esfera privada, as escolhas dos indivduos e a inviolabilidade da

    personalidade (COHEN, 1997:154).

    Os limites da diviso pblico/privado: a(s) experincia(s) da(s) mulher(es)

    justamente em face discusso que toma a necessidade de considerar a esfera

    privada enquanto o espao de autonomia do indivduo e das identidades que podem ser

    mobilizadas em suas aes enquanto sujeitos polticos que podemos situar a discusso

    referente ao problema das estruturas do patriarcado e a crtica mais cerrada dominao

    masculina como estruturante das relaes sociais, sejam elas pblicas ou privadas. O

    ponto central da discusso sobre a diviso entre espao pblico e espao privado est na

    possibilidade de se argumentar por uma vivncia individual das experincias, na esfera

    privada (o que , em si, uma afirmao perigosa, como veremos), e, a partir delas, da

    constituio de vises sobre o mundo e sobre si que possam permitir no s o

    reconhecimento dos limites, mas tambm a possibilidade de emancipao do indivduo

    enquanto sujeito poltico autnomo que faz parte de um grupo ou coletividade.

    Para a teoria poltica feminista, o respeito esfera da privacidade deve ser

    argido, mas no pode limitar-se a uma mera releitura universalizante do liberalismo

    (PATEMAN, 1989: 135), o que simplesmente apaga as desigualdades das relaes de

    gnero, como, por exemplo, na instituio do voto universal. Segundo Elshtain (1981),

    deve se reconhecer que:

    Liberalism, imperfectly, nurtures the conviction that life consists in a

    plurality of worthy activities and ends that theseart, for examplemustnot be brought under the domination of political Power (p. 343).

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    Seguindo a mesma linha crtica, Phillips (1991) argumenta que:

    The democratization of everydays life is thus fair enough as a slogan

    that captures the importance of democratic equality in every sphere of

    human existance. It is misleading if it denies all distinction betweenpolitics an everyday life (p.161).

    A partir da crtica privacidade numa perspectiva liberal, vrias autoras (Young,

    1990, Mackinnon, 1991, Phillips, 1991, Fraser, 1992, Elshtain, 1981) vo identificar

    diferentes formas pelas quais as diferenas de gnero se tornam os elementos estruturais

    e estruturantes das diferentes formas de relaes sociais, e discutir como essas

    diferenas podem limitar a constituio de um sujeito autnomo e de interesses

    autnomos, questionando a prpria idia de uma privacidade possvel, e considerando,

    tambm, as diferentes possibilidades de liberdade e autonomia para se pensar alm

    dessas limitaes. Nesse contexto, as autoras vo discutir, em grande medida, o papel e

    as diferentes dimenses de experincias comunspara a formao de um elemento de

    coeso e contextualizao para o discurso, discusso e ao feminista, o que permitiria

    pensar nas formas de interveno e representao das mulheres em suas diferentes

    experincias, e como essas experincias podem ser tomadas enquanto elementos para a

    ao poltica dessas mulheres enquanto grupo, ou grupos.

    Catharine Mackinnon (1991) argumenta que a sexualidade, e no o gnero, o

    elemento bsico da estrutura de dominao masculina, sendo responsvel pela forma de

    hierarquizao de todas as formas de relaes sociais desenvolvidas entre homens e

    mulheres. Nesse sentido, sua compreenso da teoria feminista distinta de uma

    perspectiva que tenha como base uma caracterizao da dominao masculina sob

    outros elementos sociais, como, por exemplo, a raa, ou a crena religiosa: para

    Mackinnon (1991), os elementos essenciais da diferenciao e hierarquizao social

    so, de fato, estabelecidos pela sexualidade, compreendida como a sexualidade

    masculina, que orienta a constituio do gnero e das demais diferenas sociais entre

    homens e mulheres. Para Mackinnon (1991), no existe a possibilidade de uma esfera

    da privacidade onde se possa pensar em um indivduo livre desse elemento pervasivo,

    que a sexualidade, o que limita a capacidade de se elaborarem discursos e interesses,

    de fato, autnomos, sem questionar, de forma direta, a dominao sexual. Para a autora,

    qualquer expresso de uma identidade autnoma por parte das mulheres deve estar

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    baseada nas experincias concretas da sexualidade como o elemento central do poder e

    da dominao, sendo esse o ponto comum das experincias, sempre opressivas, das

    mulheres.

    Mackinnon (1991) discute a impossibilidade de se pensar a emancipao dasmulheres da condio da opresso fora da determinao do sexo, o que no deixa

    espao para se pensar quaisquer decises ou relaes interpessoais como determinadas

    de forma autnoma sem se questionar essa varivel, limitando, assim, a possibilidade da

    ao poltica nos termos da poltica formal, j que toda a organizao poltica estaria

    constituda com base nessa dominao sexual. O argumento da autora pertinente, ao

    por em questo, nesse primeiro momento, a necessidade de se questionarem as relaes

    sociais nesses espaos que seriam constitudos como apolticos, dentre os quaispoderamos citar o espao familiar e da determinao das identidades, mesmo da

    identidade sexual, com a proteo da privacidade. Conquanto a autora no discuta, de

    forma detida, a questo da famlia enquanto espao de dominao baseada no sexo,

    podemos presumir que sua configurao tambm seria considerada opressora, assim

    como o espao para a deciso sobre a representao, se no forem questionados segundo

    a premissa da sexualidade.

    Ainda na linha de uma discusso que pretende determinar os elementos que

    constituem experincias comuns s mulheres, os debates sobre o pensamento maternal

    tomam lugar a partir de uma reavaliao positiva das experincias femininas, inclusive

    da sexualidade, com base na maternagem a idia do cuidado como elemento

    constitutivo das experincias das mulheres enquanto indivduos. Segundo as autoras do

    pensamento maternal (Elshtain, 1981, Ruddick, 1995, Gilligan, 1993), o

    desenvolvimento psicolgico e moral das mulheres estaria centrado muito mais na idia

    do vnculo e da continuidade referentes ao cuidado do que na separao desseselementos concretos na idia da autonomia, que masculina. O problema central o

    questionamento em relao a essas experincias concretas como inferiorizadas em

    relao s experincias abstratas relacionadas ao masculino, que seriam o padro de

    referncia de normatividade, universal. O debate em torno do pensamento maternal

    busca reinterpretar as experincias das mulheres colocando em xeque essa

    hierarquizao das relaes de gnero em todas as esferas, inclusive, no mbito da

    organizao poltica.

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    Contudo, essa reavaliao no passa por um questionamento mais profundo

    sobre as bases da valorizao dessas experincias concretas, reafirmando que esse

    espao, revalorizado, constitui, de fato, um espao de privacidade autnoma, reforando

    a idia central do pensamento maternal de que existe uma experincia comum das

    mulheres firmado na maternagem que determina uma moral e valores diferenciados e

    relegados esfera privada, da moral e dos valores masculinos, referentes esfera

    pblica. Nesse sentido, a proposta de interveno do pensamento maternal est centrada

    na necessidade de se preservar a experincia da maternagem tanto no espao privado, da

    famlia, quanto na possibilidade de expandi-lo ao espao pblico, enquanto elemento

    transformativo da normatividade abstrata masculina. Pensando em termos da

    representao formal, a discusso do pensamento maternal traz a necessidade da

    incluso das mulheres no apenas pela condio da subrepresentao, mas tambm pelo

    elemento de reconstruo que a moralidade diferenciada das mulheres traria a uma

    esfera pblica pensada com base nos elementos do cuidado.

    No que se levanta em relao possibilidade de uma autonomia do individuo na

    esfera da privacidade, o pensamento maternal limitar essa autonomia quela referente

    maternagem, ao cuidado. Nesse sentido, a prpria idia da existncia de um elemento

    maternal inerente ao sujeito feminino limitante, porque estabelece um critrio dereavaliao da experincia restrito, baseado em uma idia sobre o desenvolvimento

    social e moral das mulheres que, ao tentar reforar possveis elementos positivos das

    experincias comuns na busca de um sujeito feminino, acaba criando uma outra lgica

    de hierarquizao das experincias, dessa vez baseada num referencial feminino, de

    suposta compaixo e cuidado. Podemos ver que o que est em questo no pensamento

    maternal, a definio da maternagem como elemento central para se pensar a autonomia

    das mulheres enquanto indivduos, em suas experincias e relaes sociais, justamente

    o que Mackinnon (1991) critica ao advogar pela impossibilidade de uma definio

    autnoma do sujeito feminino dentro das estruturas da sexualidade: o problema central

    desse tipo de abordagem essencialista seria a impossibilidade de se questionarem

    quaisquer experincias e relaes sociais, tidas como definidoras das identidades, antes

    de afirm-las enquanto elementos anteriores opresso e dominao.

    Uma outra abordagem possvel em relao constituio das mulheres enquanto

    sujeitos polticos a que se refere a elas enquanto grupo oprimido. Em uma perspectivadistinta das demais correntes de argumentao apresentadas at agora, centradas nas

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    mulheres enquanto indivduos com experincias comuns que podem se reconhecer

    como grupo, a idia de Iris Marion Young (1990), dentro de uma viso voltada para a

    opresso enquanto elemento definidor das experincias do grupo, , sobretudo,

    revalorizar a diferena, retomando-a enquanto possibilidade poltica ao questionar o

    conceito de imparcialidade na representao e seus desdobramentos na organizao dos

    interesses sociais. A autora baseia sua argumentao na afirmao de um ideal da justia

    social que se constitui pelo fim de toda e qualquer opresso e dominao

    institucionalizada. Assim, com, frente a um ideal de justia baseado no paradigma

    redistributivo. Considerando que a justia social precisa ser mais substantiva do que

    poderia sugerir o paradigma da justia distributiva, a autora traz para a discusso a

    crtica noo de imparcialidade subentendida nesse paradigma para o reconhecimento

    das diferentes formas de opresso e dominao que este paradigma engloba.

    A imparcialidade entendida como um elemento ideolgico, resgatado da idia

    iluminista de uma razo moral imparcial no discurso republicano como a busca pelo

    bem-comum, sendo institucionalizada por meio de conceitos como espao pblico, em

    contraposio a idias da defesa dos interesses particulares sobre os interesses pblicos,

    e voto universal, como forma de supresso das diferenas sob a gide do voto como

    expresso da vontade individual. Young (1990) argumenta que essa concepotransforma as possveis diferenas polticas em dicotomias, num par onde o elemento

    imparcial universal e homogneo, desenvolvendo, em torno desse universal, uma srie

    de oposies mutuamente exclusivas e hierarquicamente organizadas, que permitem

    tanto o desenvolvimento de um imperialismo cultural ao permitir que determinadas

    experincias se constituam como o padro quanto o autoritarismo das decises

    imparciais.

    A abstrao das particularidades uma condio para uma razo moral imparciale, tambm, para uma subjetividade nica, transcendental, geralmente identificada no

    debate da teoria feminista como o referencial masculino. Nesse sentido, quaisquer

    conexes de grupo, filiaes ou elementos que constituam a subjetividade dos

    indivduos em relaes sociais concretas so negadas no espao pblico mas no

    podem ser eliminadas enquanto parte das conseqncias em que essas decises se

    desdobram. O que est no cerne de boa parte da crtica feminista a contradio entre a

    situao ideal de imparcialidade argida, onde o julgamento moral deve serdesvinculado de todo e qualquer trao das experincias reais, e o que se coloca em

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    confronto em relao a esse quadro: uma realidade social onde os contextos de ao so,

    todos eles, situados a partir das experincias dos sujeitos enquanto parte desses

    contextos.

    Os dois tipos de injustia social que Young discute, a opresso e a dominao,devem ser entendidos, ambos, nesse contexto estrutural que situa as relaes sociais e

    de grupos: a limitao ao desenvolvimento pleno das capacidades dos sujeitos, no caso

    da opresso; e a limitao auto-determinao dos sujeitos, no caso da dominao

    (YOUNG, 1990:38)2.

    Nesse sentido, sua concepo de justia social faz referncia direta aos grupos

    enquanto objetos da injustia, sendo necessrio que A concept of justice which

    challenges institutionalized domination and oppression should offer a vision of a

    heterogeneous public that acknowledges and affirms groups differences (YOUNG,

    1990:10). Pensar as diferenas em termos de grupos sociais, nesse sentido, tom-las

    como expresses das relaes sociais (1990:43), que os diferentes grupos nas

    sociedades constituem e pelo qual so constitudos, na medida em que as identidades de

    grupo so construdas em contextos sociais especficos. Como Young especifica:

    group identification arises, that is, in the encounter and interaction

    between social collectivities that experience some differences in their

    way of life and forms of association, even if they also regard themselves

    as belonging to the same society(1990:43)

    O que est em foco quando se apresenta o problema da opresso e da dominao

    a partir dos grupos so os contextos especficos em que se situam os indivduos; no

    caso, os grupos permitiriam que se desenvolvessem mltiplas possibilidades de

    identificao, pois as diferentes nuances das diversas identidades possveis s seriamativadas nesses contextos sociais especficos, e no previamente, por experincias pr-

    definidas. Como j dito, essa concepo se coloca contra a idia de que a justia social

    seria, de fato, o fim das diferenciaes, como afirma o ideal da imparcialidade; a

    poltica da diferena, defendida por Young (1990), no relaciona a identificao dos

    2O conceito apresentado por Young (1990) de opresso como a limitao das capacidades de expresso e

    desenvolvimento das capacidades que determinados grupos sofrem institucionalmente se insere nocontexto dos novos movimentos sociais nos Estados Unidos, a partir da reflexo sobre as condies

    desses grupos ditos oprimidos (mulheres, negros, hispano-americanos, citando apenas alguns). A partirdisso, a autora desenvolve uma diviso dessas formas de opresso em cinco categorias: explorao,marginalizao, carncia de poder (powerlessness), imperialismo cultural, e violncia.

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    indivduos com diferentes grupos e todos os elementos a eles associados,

    estereotpicos e normativoscom opresso ou limitao da autonomia. A justia social,

    num contexto onde a diferena no s inevitvel, mas tambm desejvel, requer que

    essas diferenas sejam respeitadas, e no apagadas do horizonte social, sobretudo,

    considerando os processos de representao.

    Young (2006) apresenta o conceito de perspectiva para pensar as possibilidades

    de representao dos indivduos a partir dos grupos, sem limitar, contudo, sua

    multiplicidade, reduzindo-as, por exemplo, s experincias de maternagem ou

    opresso sexual. A abordagem por perspectiva, em relao aos interesses como meio

    para se atingir determinados fins, e as opinies como os juzos, crenas e valores sobre

    os fins e polticas que devem ser buscados em sociedade, seriam um modo de olhar osprocessos sociais sem determinar o que se v (YOUNG, 2006:161). Essa afirmao

    vaga equivaleria dizer que as identidades dos indivduos dependem do seu

    posicionamento nas estruturas dos grupos sociais, mas sem considerar que essas

    posies seriam determinantes, de forma direta e estrita, dessas identidades,

    considerando as diferentes experincias, histrias e compreenses sociais derivadas

    daquele posicionamento (YOUNG, 2006:162). A diferena e a opresso estrutural

    permitem que se pense em possibilidades de ao poltica justamente porque:

    na medida em que os grupos sociais se distinguem por relaes

    estruturais, particularmente relaes estruturais de privilgio e de

    desvantagem, e na medida em que as pessoas se posicionam similarmente

    naquelas estruturas, ento elas tm perspectivas similares tanto sobre sua

    prpria posio na sociedade quanto sobre outras posies (YOUNG,

    2006:173).

    Para Young, pensar a representao dessa forma significa trazer os problemas da

    opresso e da dominao para o campo poltico, considerando que as perspectivas

    similares permitiram a identificao de uma situao de opresso e dominao

    institucionalizadas e a conseqente reao, poltica, a essa situao, trazendo a

    discusso da justia social para o mbito das instituies representativas.

    Contudo, a discusso da teoria poltica feminista em relao constituio

    desses possveis elementos que conformariam perspectivas comuns s mulheres comoelementos fundamentais para a representao poltica formal, nos diferentes sentidos em

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    que se compreendem essas experincias comuns - sejam elas entendidas como a

    dominao pela sexualidade, a superioridade moral das mulheres enquanto mes, a

    opresso de gnero enquanto opresso de grupo, ainda seriam elementos suficientes

    para justificar, e, sobretudo, orientar, no mbito da teoria poltica contempornea, a

    necessidade da incluso das mulheres nos espaos de representao formal, para alm

    do fato da subrepresentao?

    Representao possvel

    Para um conceito consoante teoria poltica feminista de representao poltica,

    vemos que as idias, apenas, no seriam capazes de expressar a pluralidade deexperincias, discursos e interpretaes sobre os interesses dos indivduos em

    sociedade, considerando a possibilidade da extenso da democracia a todos as relaes

    sociais (PHILLIPS, 1991: 158). Sem questionar, aqui, de forma detida, o paradigma da

    representao como um elemento definidor das democracias contemporneas, passa-se

    discusso sobre a necessidade de se lidar com a diferena, no contexto democrtico,

    acrescido de um novo elemento: pensando para alm dos indivduos, preciso

    considerar os grupos enquanto sujeitos polticos, centrando a discusso, no que tange a

    representao, em torno daquelas diferenas que tem conseqncias polticas para essas

    coletividades, como, por exemplo, de subrepresentao formal.

    Numa primeira viso, Phillips (1991), em sua crtica representao formal,

    parece se aproximar da perspectiva de Young (2006) sobre o problema dos grupos,

    medida que considera que a representao enseja a afirmao das diferenas, tornando

    possvel compreender a representao para alm do ideal da imparcialidade e

    considerando a complexidade da formao dos interesses e das opinies. O conceito deperspectiva, como apresentado na viso de Young (2006), uma proposta que sugere

    definio da ao, mas sem que a atuao do grupo seja posta como elemento limitador

    das possibilidades de auto-afirmao dos indivduos, o que abre espao a outras

    discusses possveis sobre o tema, sobretudo em relao questo dos interesses, se

    pensado enquanto ferramenta prtica de ao coletiva. Contudo, a crtica ao conceito

    sugere que, apesar de sedutora, a possibilidade de se olhar sem determinar o que se v

    parece demasiado arraigada na opresso e na dominao como as formas de resgate eligao das experincias e constituio dos sujeitos, alm de sugerir uma relao

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    automtica entre opresso e dominao e conscientizao dessas formas de controle

    como polticas de excluso relacionadas s relaes sociais.

    Anne Philllips (1991) argumenta pela centralidade do papel dos grupos no

    contexto da representao formal, mas levanta o problema da articulao desses grupospara alm do elemento da opresso, defendido por Young (2006). Nesse ponto, Phillips

    (1991) levanta o problema da mobilizao dos elementos relevantes articulao em

    grupos, afirmando, j no mbito da discusso sobre a representao formal: it is too

    limited to regard either the elected or electorate as defined by one identity alone, and

    particulary when this is an identity that does not specify particular beliefs (PHILLIPS,

    1991:156), o que tambm pe em questo as possibilidades apresentadas por

    Mackinnon (1991) e pelo pensamento maternal, articuladas sobre limites especficosque determinariam as identidades das mulheres. Se o problema da mobilizao dos

    grupos fosse compreendido nesses termos, a representao estritamente descritiva, de

    Pitkin (1985), ou a idia de perspectiva, de Young (2006), seriam suficientes para

    responder ao problema posto no final da ltima seo sobre a representao das

    mulheres e suas possibilidades. Contudo, Phillips (1991) levanta, aqui, dois elementos

    complexos nessa discusso sobre a representao que podem ser questionados sob a luz

    dos debates do gnero: sobre a necessidade da definio de uma identidade para amobilizao poltica do eleitorado; e sobre a necessidade da definio de uma

    identidade para aqueles que so eleitos.

    Nesse sentido, torna-se central o papel da representao poltica como

    constituinte dos interesses mais especficos e concretos do que as perspectivas a

    partir do momento em que a figura do representante capaz de mobilizar certos

    elementos concretos dessas perspectivas na disputa formal pelos cargos de

    representao. Contudo, no se est negando, com essa afirmao, a especificidadedesses interesses enquanto preferncias socialmente construdas e baseadas em relaes

    de poder especficas, e o fato de que mobilizar alguns elementos concretos das diversas

    experincias das mulheres significa silenciar outras. A necessidade de atentar para a

    representao poltica como mobilizadora de identidades possveis e orientadoras da

    ao, no sentido apresentado por Offe e Wiesenthal (1984), mostra como esse instituto

    da democracia contempornea , ainda, e para alm das crticas, fundamental como

    possibilidade de transformao da realidade social.

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    Claus Offe e Helmut Wiesenthal (1984), em sua discusso sobre a diferena na

    lgica de ao entre grupos capitalistas e a classe trabalhadora, afirmam a possibilidade

    da superao das individualidades que constituem os grupos com necessidades e

    interesses heterogneos com base na definio de uma identidade coletiva. A

    importncia na definio dessa identidade coletiva est, sobretudo, em seu potencial de

    se desvincular da lgica de ao das prprias relaes de poder em que a dominao

    desses grupos est baseada, alterando os padres de compreenso dos custos de ao

    nos termos das avaliaes de necessidades do prprio grupo. Contudo, um dos pontos

    principais a serem ressaltados na idia de Offe e Wiesenthal (1984) no contexto desse

    debate que apenas os grupos que esto relativamente sem poder que tero razo

    para agir em termos no individuais, na base de uma noo de identidade coletiva,

    simultaneamente gerada e pressuposta por suas associaes (OFFEe WIESENTHAL,

    1984:70). Dentro desse quadro desenhado por Offe e Wiesenthal, os grupos oprimidos

    ou subalternizados definidos por Young (2006) podem, at, serem definidos pelas

    perspectivas que compartilham, que advm de sua excluso enquanto grupo, mas sem

    uma afirmao de identidade coletiva, esses mesmos grupos no teriam possibilidades

    de alterar os padres das relaes de poder, de opresso e dominao aos quais esto

    submetidos, em referncia aos grupos dominantes.

    O que Offe e Wiesenthal (1984) pem em questo frente discusso na teoria

    poltica feminista a preservao da individualidade na ao poltica, mesmo quando

    pensada sob a tica dos grupos. Phillips (1991) e Young (2002) criticam a afirmao de

    uma identidade do grupo como um elemento de limitao, ou, no caso de Young (2002),

    uma poltica de identidade, referente apenas s diferenas culturais, e que no questiona

    os elementos estruturais da opresso e da dominao. Para Offe e Wiesenthal (1984),

    por sua vez, preciso pensar a forma atomizada de se pensar a ao como restritiva

    possibilidade de alcanar mudanas por parte dos grupos mais fracos. Assim, a lgica

    da ao coletiva dos relativamente destitudos de poder difere daquela dos relativamente

    poderosos, na medida em que a primeira implica um paradoxo que est ausente na

    segundao paradoxo de que interesses s podem ser defendidos na medida em que so

    parcialmente redefinidos. Por isso, as organizaes nas quais a ao coletiva dos

    relativamente destitudos de poder tem lugar precisam sempre ser construdas e de

    fato sempre o so de modo que simultaneamente expressem e definam os interesses

    dos membros (OFFE e WIESENTHAL, 1984:71, grifos meus).

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    Nesse sentido, Offe e Wiesenthal traz para a discusso da teoria poltica

    feminista uma questo que nos remete ao incio desse trabalho, de forma reflexiva: ao

    questionamento epistemolgico qual o sujeito do feminismo?, precisaramos

    acrescentar a pergunta, e a qual interesse responde esse sujeito?, ao pensarmos no

    feminismo enquanto projeto ao coletivamente organizada emancipatrio que,

    enquanto ao coletiva daqueles e daquelas relativamente destitudos de poder, deve

    redefinir seus interesses na construo das formas de expresso e definio dos

    interesses.

    Nesse sentido, Chantal Mouffe (1992) apresenta uma proposta antiessencialista

    de cidadania e democracia na elaborao de sua viso sobre o que seria a poltica

    feminista. Mouffe argumenta que, para um feminismo com base em uma polticademocrtica radical, onde diferentes engajamentos e concepes do que seria o bem

    comum estariam ligadas por uma interpretao comum que serviria como elemento de

    identificao a um conjunto de valores tico-polticos sobre a organizao da sociedade,

    a desconstruo das identidades essencializadas condio necessria para

    compreendermos a variedade das relaes sociais e tambm a multiplicidade das

    relaes de subordinao, onde os princpios de liberdade e equidade devem ser

    aplicados. preciso, ento, teorizar no os limites da dominao e da opresso, masessa multiplicidade das relaes de subordinao social que se constituem para alm de

    uma subjetividade centrada em um s elemento. Por isso, Mouffe considera que os

    agentes sociais so constitudos por um conjunto de posies, responsveis pelas

    identidades, que se organizam de forma sempre contingente e precria, o que

    desvincularia a relao entre discurso e posio no processo de representao. A

    soluo que a autora aponta para o problema o conceito de articulao, considerado

    como possibilidade de ligao de diferentes posies frente a um elemento de

    mobilizao. A fixao das identidades, nesse sentido, possvel, mas tambm sempre

    parcial e sujeita a constantes transformaes, sem se estabelecerem relaes pr-

    determinadas, mas permitindo a configurao de sujeitos coletivos em situaes

    contingentes.

    O que se pretende levantar com o questionamento sobre a definio de

    identidades e sobre que bases elas se estabelecem, em relao ao debate aqui

    desenvolvido sobre representao e gnero, a questo da pluralidade dos interesses compreendidos no sentido mais estrito, de preferncias que orientam a ao como

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    expressos e definidos nas organizaes, no caso, nas diferentes perspectivas

    apresentadas sobre o mesmo problema: as possibilidades da ao poltica feminista no

    contexto da representao formal. Considerando essa questo, e ainda os pontos

    levantados por Anne Phillips (1991) em relao necessidade de se definir uma

    identidade para a mobilizao poltica tanto de eleitores quanto de eleitos, vemos que a

    teoria poltica feminista transita entre a dificuldade de estabelecer padres estritos de

    identidade, no mbito da discusso terica, e a tentativa de orientar a ao poltica,

    entrando em conflito, assim, com outros elementos possveis de auto-determinao do

    indivduo enquanto sujeito poltico, e levantando questionamentos sobre sua prpria

    identidade que no podem ser resolvidos sem considerar as contingncias e os conflitos

    prprios cada momento da ao poltica; e a necessidade de preservar essa

    diversidade, teoricamente, mas abrindo mo de elementos mais concretos para levar a

    cabo uma ao poltica mais embasada e tambm mais plural.

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