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Angra, Berço do Liberalismo · Angra, Berço do Liberalismo A morte de D. João VI em 1826 abriu um problema de sucessão entre os dois filhos. As tentativas de mediação falharam,

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Angra, Berço do LiberalismoA morte de D. João VI em 1826 abriu um problema de sucessão entre os dois filhos. As tentativas de mediação falharam, levando Portugal a cair numa guerra civil que opôs D. Pedro, defensor do liberalismo, a D. Miguel, apologista do absolutismo.

Apesar de ser mais velho e, por isso, ter direito ao trono português, D. Pedro tinha declarado a independência do Brasil anos antes, estando impedido de governar as duas nações em simultâneo. Para resolver a interdição, endossou o trono lusitano à sua filha, D. Maria, e, mais tarde,propôs que ela casasse com D. Miguel. Contudo, este rejeitou o acordo e começou a implantar os ideais absolutistas, levando a que as cortes o aclamassem rei de Portugal em 1828.

O Batalhão de Caçadores n.º 5, que estava a guarnecer a Fortaleza de São João Baptista, em Angra, tornou-se um pilar fundamental para a instauração do liberalismo.

Na noite de 22 de junho de 1828, reagindo à aclamação de D. Miguel, este batalhão, sob o comando de José Quintino Dias, prendeu o governador do castelo, Teófilo Rogério de Almeida, e o capitão-general, Manuel Vieira de Albuquerque Touvar, protegido no Palácio dos Capitães-Generais. De seguida, recorrendo ao alvará de 12 de dezembro de 1770, foi constituído o governo interino, tornando a Terceira o único reduto onde o ideal liberal existia. Menos de um ano depois, a vitória liberalista na batalha de 11 de agosto de 1829, consolidaria essa condição, preparando o caminho para o desembarque do Mindelo, que permitiu às forças liberais apanhar de surpresa o exército miguelista que haveria de as submeter ao prolongado Cerco do Porto. D. Miguel acabou por capitular em 1834, abrindo caminho à implantação definitiva do liberalismo em Portugal.

As Sanjoaninas 2018 recordam, em tom de festa, a lealdade, o valor e o mérito dos homens que na noite de 22 de junho de 1828, levantaram armas contra o absolutismo, tornando Angra, Berço do Liberalismo.

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Aproximava-se o dia 22 de junho sem que Touvar podesse obstar ao grande movimento politico, previsto pelos seus confidentes, mostrando assim mais uma vez a sua incapacidade politica.No dia 21 contentou-se o general em reforçar de tarde a guarda principal de artilheiros e milicianos, bem como a guarda do caes, junto á caza da Alfandega, julgando talvez que o aspecto militar que Angra apresentava intimidasse um pouco os seus inimigos. Quanto se enganou o general!Pelas nove horas da noite d’aquelle mesmo dia, depois do toque de recolher, começou em silencio o movimento revolucionario, formando-se na praça do castello de S. João Baptista o pequeno corpo do batalhão de caçadores 5, sob commando do capitão José Quintino Dias. Por ordem d’este foram logo prezos: o governador Caetano Paulo Xavier, alguns officiaes e soldados que lhe eram suspeitos, mandando sair para a cidade um destacamento de 30 soldados e um sargento, sob o commando d’um official, o que causou grande panico entre o povo e milicias, que se dispersaram logo, ficando apenas a guarda do quartel por conquistar. Às duas horas da manhã do dia 22 saiu um novo destamento, sob o commando de Francisco Eleutherio Lobão, para bater a guarda do palacio do governador e capitão-general, ficando um outro no Alto das Covas e o resto do batalhão guarnecendo o castello.O combate foi renhido, mostrando grande valor e guarda do palacio que, vendo-se em pequeno numero, teve de render-se.Victoriosos os caçadores no pequeno mas vivo combate,

correu o commante Quintino Dias ao palacio do Governador Touvar sem encontrar resistencia alguma, dando-lhe logo a voz de prizão. Em seguida, obrigou o general a dar a seguinte ordem, depois da qual foi conduzido em uma cadeirinha para o castello:

«O Ex.mo Senhor General ordena V. S.ª que entregue ao capitão José Quintino Dias, commandante interino do 5 de caçadores, as armas, armamento e algum cartuxame que pertença e tenha em seu poder o Batalhão de Milicias d’esta cidade, cuja entrega deverá ser feita por esquadrões ou de outra qualquer maneira que V. S.ª e ao dito commandante pareça mais conveniente, a fim de que não haja alguma contestação que cause algum desastre que com esta medida se pretende evitar. - Deus Guarde a V. S.ª – Quartel General d’Angra, 22 de junho de 1828. - Ill.mo Sr. Francisco Leite Botelho, tenente-coronel commandante do Batalhão de Milicias d’esta cidade. - Antonio Izidoro de Moraes Ancora, tenente-coronel ajudante d’ordens de semana.»

Dirigiu-se depois Quintino Dias ao juiz de fóra José Jacinto Valente Farinho, para reunir a camara de Angra, de que era presidente, e participar-lhe que o batalhão de caçadores n.º 5 restaurara a legitimidade do Senhor D. Pedro IV e de sua augusto filha; e que era urgente nomear-se um governo interino, na conformidade do Alvará de 12 de dezembro de 1770. Reunida immediatamente a camara, em vereação extraordinária, deliberou, nas circumstancias

Revolta do dia 22 de junho de 1828

Formação do governo interino da ilha Terceirae seus primeiros actos politicos e administrativos

Sampaio, Alfredo da Silva. (1904). Memória sobre a Ilha Terceira(pp. 649-663). Angra do Heroísmo.

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expostas, ficasse sem effeito o auto de acclamação do infante D. Miguel, de 18 de maio, o nomeou para membros do governo interino, por escusa do corregedor Francisco José Pacheco e do deão governandor do bispado Fructuoso José Ribeiro, o thesoureiro-mór da Sé João José da Cunha Ferraz, bacharel formado em leis, o brigadeiro D. Ignacio Castilbranco do Canto e o juiz de fóra corregedor interino José Jacinto Valente Farinho, e para secretario o bacharel Manuel Joaquim Nogueira, do que se lavrou o seguinte auto:

«No anno do nascimento de nosso senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e vinte oito, aos vinte e dois dias do mez de junho do dito anno, nesta cidade de Angra da ilha Terceira e na sala da camara da mesma cidade, aonde se achavam juntos em vereação extraordinaria o ministro doutor juiz de fóra presidente, vereadores, e procurador do concelho e mais pessoas da nobreza e povo abaixo assignados, se procedeu a vereação do modo seguinte:«Nesta vereação apresentou o ministro doutor juiz de fóra, presidente, as participações que havia recebido do commandante interino do batalhão n.º 5 de caçadores, José Quintino Dias, nas quaes se lhe communica a deliberação que tomou o referido batalhão de restaurar a legitimidade do senhor D. Pedro IV e de sua augusta filha a senhora D. Maria II, para o que o forçaram as circumstancias a prender o capitão-general d’estas ilhas, em consequencia do que se faria necessaria a nomeação do governo uterino, na forma do Alvará de 12 de dezembro de 1770: e logo em presença das sobreditas representações e acontecimentos que tiveram logar no dia de hoje, em que a tropa cheia do maior enthusiasmo, tem acclamado a El-Rei, o senhor D. Pedro IV por legitimo Rei d´este reino e a sua augusta filha a senhora D. Maria II, nossa Rainha na conformidade da carta constitucional, protestando derramar a ultima pinga de sangue para defender a sua legitimidade, se deliberou, pela camara e mais pessoas presentes, que ficasse de nenhum effeito o auto de vereação do dia dezoito do mez passado, no qual foi acclamado o senhor infante D. Miguel por uma comoção popular que nesse dia teve logar, sem que a camara podesse deliberar, nem as pessoas das tres classes do estado, sobre as medidas que então convinham adoptar-se. Outro sim que, visto o impedimento do governador e capitão-general, se designassem as pessoas que devem compor o governo uterino na conformidade do citado Alvará, attenta a escusa do ministro doutor corregedor e não ser presente o deão do bispado pela exclusão que d´elle faz o voto unanime da mesma tropa, e nesta conformidade recahiu a nomeação legal no reverendo thesoureiro-mór João José da Cunha Ferraz, por ser hoje a immediata dignidade da Sé ao dito deão, no brigadeiro D. Ignacio Castilbranco do Canto, e no ministro doutor juiz de fóra presidente da camara e corregedor interino José Jacinto Valente Farinho, e para secretario o bacharel Manuel Joaquim Nogueira. E por esta forma se houve por finda esta vereação, que assignaram ao vogaes presentes, perante mim Manuel José Borges da Costa, escrivão da camara que o escrevi. - Farinho – Barreto – Borges –

Cabral.

Assignaram este auto os seguintes cidadãos: Alexandre Martins Pamplona; Francisco de Menezes Lemos e Carvalho, moço, fidalgo da caza real; José Maria da Silva Carvalho; Francisco Moniz Barreto do Couto, moço fidalgo e por acrescentamento fidalgo escudeiro da caza real; o thesoureiro-mór João José da Cunha Ferraz; Francisco Eleutherio Lobão Merens e Castro, tenente do batalão de caçadores n.º 5; Antonio Homem da Costa Noronha, fidalgo cavalleiro e 1.º tenente do batalhão de artilharia; José Quintino Dias, capitão de caçadores n.º 5; Pedro Homem da Costa Noronha, fidalgo da caza real e capitão reformado, convocado; Theotonio d´Ornellas Bruges, fidalgo cavaleiro da caza real; José Maria de Carvalhal da Silveira, fidalgo cavaleiro da caza real; Antonio Cardoso Sousa e Liz, alferes do 5.º de caçadores; Joaquim Bernardo da Fonseca, contador geral; Matheus de Menezes Lemos e Carvalho; António José de Vasconcellos, alferes do n.º 5 de caçadores; Manuel Homem da Costa Noronha, fidalgo da caza real; Manuel Joaquim Nogueira; António Moreira da Silva, negociante; Luiz de Barcellos Merens Lobo, 2.º tenente de artilharia do batalhão de Angra; Francisco Leite Botelho de Teyve, fidalgo cavalleiro da caza real; Joaquim Pinheiro da Silva; José Theodoro Coelho; Diniz Teixeira de Sampaio, administrador do correio e ajudante d´ordenanças; Bernardo Moniz Barreto do Couto, moço fidalgo acrescentado ao de fidalgo escudeiro da caza de Sua Magestade; Felix José da Costa, segundo escriptuario da contadoria geral da junta da fazenda publica d´estas ilhas; Antonio Sebastião Espinola Homem, major commandante dos fortes da ilha de S. Jorge, presentemente nesta cidade; Cypriano da Costa Pessoa; Francisco de Paula da Costa; João Moreira da Silva, alferes de caçadores n.º 1 da 2.ª linha; Francisco José Teixeira, praticante da contadoria da junta da fazenda; Matheus Homem Borges, fidalgo cavalleiro da caza real; Matheus João de Bettencourt de Vasconcellos, fidalgo cavalleiro da caza real; José Hilario Ameno Lopes, official da secretaria do governo; Luiz José de Vasconcellos, negociante da praça d´esta cidade; Antonio Lucio Duarte dos Reys; o brigadeiro Vital de Bettencourt de Vasconcellos e Lemos; Vicente Pedro de Kort, cirurgião d´esta commarca; Fernando de Sá Vianna; Joaquim Antonio de Oliveira; José Rodrigo d´Almeida, coronel engenheiro; Antonio Leonardo Pires Toste; Francisco Jose Ribeiro, escrivão e tabellião de notas; Simão do Carvalhal da Silveira, fidalgo cavalleiro da caza real; Antonio Placido de Bettencourt Lemos; Nicolau Caetano de Bettencourt Pita, medico da camara; Joaquim José da Silva; Luiz Antonio Pires Toste; Alexandre D´Oliveira; Fernando Joaquim da Silva e Rocha; José Augusto Cabral de Mello, secretario da junta do paço; o cura Antonio Botelho de Sampaio; Joaquim de Menezes Vasconcellos, guarda-mór da saude.

Estavam já delineadas e approvadas as pessoas que deviam compôr o novo governo; porém, o brigadeiro D. Ignacio Castilbranco do Canto, como se presumia, não

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quiz acceitar a nomeação e retirou-se para o campo, como fizera o corregedor da camara e posteriormente o deão, que seguiu com passaporte para a ilha de S. Miguel, sendo então chamado para o logar do brigadeiro o coronel de engenheiros José Rodrigo d´Almeida.A 28 de agosto do mesmo anno, e a rogo da camara de Angra, juntaram-se mais dois membros ao governo interino, que foram José Quintino Dias e Theotonio d´Ornellas Bruges.A camara municipal foi, pouco depois, dissolvida, entrando em exercicio a do anno antecedente, cujos membros eram mais favoraveis aos constitucionaes. Era composta pelos seguintes cidadãos: Alexandre Martins Pamplona, Pedro de Castro do Canto, Francisco de Menezes Lemos e Carvalho e procurador José Maria da Silva.Prezo o capitão-general no castello de S. João Baptista, foram logo deportados para as outras ilhas dos Açores os dois tenentes-coroneis ajudantes do governo do general, Antonio Izidoro de Moraes Ancora e Manuel José Coelho Borges, os quaes foram substituidos pelos capitães de milicias Theotonio d´Ornellas e o seu primo Manuel Homem da Costa Noronha. Egual sorte tiveram: o lente da academia militar Roberto Luiz de Mesquita Pimentel, os dois capitães do batalhão de caçadores Francisco de Paula da Cunha e Patricio José Abranches; e os seguintes officiaes de caçadores e artilharia; os cadetes Luiz Pacheco de Lima e seu irão Estevão Pacheco, os tenentes Sebastião Cabral de Teive, José Joaquim Pinheiro e Christiano José Garção, os capitães João Baptista Pinheiro e Jacinto Manuel de Sousa. Foram demittidos dos seus postos: Manuel da Camara, capitão da companhia de artilharia da costa de Angra e dos fortes de leste, e em seu logar ficou o capitão João do Canto e Castro e o commando do castello de S. Sebastião ficou entregue ao capitão Luiz Manuel de Moraes Rego. Para tenente-coronel de milicias da Villa da Praia foi nomeado Pedro Homem da Costa Noronha e demittidos os porta-bandeiras Francisco de Paula Moniz e Antonio Joaquim Pinheiro.Começaram a fugir para os campos muitos cidadãos de varias classes e jerarchias, com o grande receio dos insultos e da prisão. Não tardou muito que alguns fossem encerrados no castello de S. João Baptista, em uma antiga caza denominada da polvora até serem depois deportados.O governo interino fez promptamente desarmar os dois corpos de milicias existentes e recolher no castello de S. João Baptista o parque de artilharia, polvora, cartuchame e outras munições de guerra que permaneciam na Villa da Praia; e fretou alguns navios inglezes, á custa de Fazenda Publica, que mandou ás ilhas de S. Miguel e Fayal para trazerem as praças restantes do batalhão de caçadores n.º 5 que alli existiam.Havia tomado o commando da força armada o major Joaquim de Freitas Aragão, um dos promotores da revolta; mas o capitão Quintino Dias continuava a ter a preponderancia decisiva na tropa e por conseguinte uma grande influencia nas deliberações de governo que, de dia para dia, se julgava com mais força, depois de receberem as noticias dos movimentos revolucionarios do Porto e da ilha da Madeira.

Poucos dias depois da installação do governo interino, recebeu este a seguinte representação do capitão Quintino Dias, em nome da tropa, na qual se mostrava a necessidade de nomear um juiz habil, que pudesse julgar de todos os factos que precederam e se realisaram no dia 18 de maio, procedendo a um summario de testemunhas inquiridas sobre os muitos artigos que elle mesmo apresentava e redigiram os seus funccionarios:

Representação do capitão José Quintino Diasao governo interino

«Ill.mo e Ex.mo Sr. - Quando o batalhão de caçadores n.º 5, aqui estacionado, se deliberou a lançar mão das armas no dia memoravel vinte e dois de junho proximo passado, não teve outro fim mais do que o de sustentar, á custa do seu proprio sangue, se preciso fosse, o sagrado juramento de fidelidade que uma vez prestára ao legitimo monarcha é senhor D. Pedro IV, e ás disposições pelo mesmo senhor ordenadas na carta constitucional de 29 de abril de 1826, restaurando por meio da força a auctoridade de sua magestade, a quem uma facção rebelde tinha insidiosamente desthronisado no dia dezoito de maio ultimo, acclamando Rei dos Portuguezes o senhor ifante D. Miguel, sem que servissem de obstaculo a este horroroso attentado as mesmas expressas determinações d’este principe positivamente recommendadas no Decreto de 25 de abril do presente anno. Para que o batalhão pois podesse livremente operar, foi indespensavel a prisão do governador e capitão-general que se achava, constituido não só um dos primeiros cabeças d’aquella rebelião, mas um absoluto conspirador contra a tranquilidade publica. Preso portanto como foi no mesmo dia vinte e dois o dito governador, poderia o batalhão, usando da vantagem que as armas lhe concediam, tomar a seu arbitrio as medidas convenientes, assim á restauração da legitimidade, como á segurança dos pacificos habitantes d’esta cidade, que manifestamente se achava ameaçada; a subordinação porem e a firme resolução de não transcender os limites d’aquelle seu unico destino, fizeram com que immediatamente se chamasse, a instancia do mesmo batalhão, o governo interino que, na falta dos generaes, manda crear o Alvará de 12 de dezembro de 1770, o qual foi logo installado, e então cessando todo o arbitrio militar, nada mais obrou o batalhão que não fosse debaixo das insinuações ou ordens expressas da auctoridade constituida, e uma constante obediencia tem regulado toda a conducta do mesmo batalhão.Este effeito porem de firme disciplina d’este corpo, bem que demonstra a legalidade dos seus procedimentos depois da criação d’este excellentissimo governo, não justifica comtudo os seus antecedentes factos perante a regencia do reino, e perante o mundo inteiro, onde é mister que appareça sem mancha de insubordinação ou rebeldia o 5.º batalhão de caçadores do exercito portuguez, que, em todas as crises em que se tem achado a monarchia, teve a honra de merecer sempre os mais distinctos louvores. Por esta razão pois, e mesmo para que a tranquailidade publica

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obtivesse a precisa estabilidade, esperava ancioso o 5.º batalhão de caçadores que o primeiro passo d’este excellentissimo governo fosse, depois de fazer capturar os cabeças da rebellião e mais conspiradores da legitima auctoridade, mandar proceder sem demora a um escrupuloso summario, pelo qual se podesse conhecer legalmente da existencia dos delictos, e se classificassem os agressores; debalde porem tem sido a esperança do 5.º de caçadores, e contando-se hoje treze dias depois da installação do excellentissimo governo, não tem apparecido esta a mais precisa das providencias, por cuja causa o batalhão de caçadores n.º 5, mantido na mesma obediencia, que de novo protesta ás deliberações d’este excellentissimo governo, requer a vossas excellencias hajam de nomear um ministro imparcial, e recto que possa conhecer de todos os factos que precederam á rebellião do dia 18 de maio ultimo, e dos que consecutivamente se lhe seguiram até o dia da restauração 22 de junho, servindo-se vossas excellencias de ordenar que este ministro proceda logo a abrir summario de testemunhas, inquerindo-as mui especialmente sobre os seguintes artigos: - 1.º quem foram os cabeças, de primeira e segunda especie, que trçaram a rebellião do dia 18 de maio, em que logares faziam os seus clubs, e que circunstancias precederam ao crime que abortou naquelle dia? - 2.º se o batalhão 5.º de caçadores foi mandado deter no seu aquartelamento para não obstar á acclamação praticada no dia 18 de maio, e de quem foi esta ordem? - 3.º se os povos das differentes frequezias vieram em diversas noites a esta cidade acclamar voluntariamente o senhor D. Miguel ou se foram para este fim avisados com penas de prisão, pecuniarias e outras ameaças, quem os avisou, e por ordem de quem? - 4.º se á frente dos tumultos appareciam os parochos das freguezias e alguns funccionarios; se para este fim tiveram ordem de seus prelados, ou se foi acto seu espontaneo? - 5.º se no convento de S. Francisco, nas occasiões d’este tumultos, e em outras muitas, se dispararam em grande quantidade differentes armas, acompanhando estes tiros com altos alaridos de viva El-Rei absoluto o senhor D. Miguel I, e dando morras, com que atemorisaram toda a cidade? – 6.º se os mesmos franciscanos faziam predicas contra a legitimidade do senhor D. Pedro IV, espalhando principios subversivos, e chamando os povos á vingança; quem eram estes prégadores, e se era por ordem superior que assim prégavam? - 7.º quem mandou celebrar na cathedral um Te-Deum em acção de graças pelos acontecimentos do dia 18 de maio; se a esta acção veiu a tropa, e por ordem de quem; quem mandou dar as salvas nas fortalezas, fazer grande parada e cortejo, como nos dias de grande gala? - 8.º quem foram as pessoas de distinccão que neste dia, e outros mais, andavam pelas ruas cercados de povo, dando vivas e repetindo as acclamações ao senhor D. Miguel Rei absoluto? - 9.º se foi algum official militar ou outra pessoa castigada por dizer que não queria assignar o auto do dia 18, por ser um auto rebeldia contra o senhor D. Pedro IV; quem o mandou castigar, e quem obrigou a que alguns outros officiaes fossem assignar no referido auto? - 10.º por ordem de quem e para que fim andaram pela cidade, na

noite de 21 de junho, sargentos e soldados de artilharia armados e municiados ao disfarce? - 11.º quem mandou transportar para fora dos castello grandes porções de polvora embalada, por quem foi conduzida, como, a que horas, se foi achada no palacio do ex-general alguma d’esta polvora, bem como granadas e outras munições de guerra, se chegaram a ser distribuidas algumas munições pelas milicias que na mesma noite de 21 se acharam reunidas? - 12.º que motivos deram causa a esta reunião, quem a ordenou, e mandou tambem convocar os corpos das ordenanças para esta mesma noite, por quem foram chamados, quem os commandava? - 13.º porque causa o sargento-mór de ordenanças Luiz Pacheco havia armado as cazas da sua residencia nesta mesma occasião com peçças de artelharia que lhe forneceu Custodio José Borges capitão de navios? - 14.º para que fim se mandaram nesta mesma noite de 21 reforçar com milicianos municiados as guardas da guarnição da cidade; quem foram os officiaes encarregados d’este reforço, e se com elle atacaram os soldados do batalhão de caçadores n.º 5 nas proprias guardas, e se eram os mesmos officiaes de milicias ou de corpos estranhos? - 15.º se na reunião das milicias foram excluidos por ordem, e de quem, todos os officiaes em quem se conhecia adhesão ao senhor D. Pedro IV? - 16.º porque causa o capitão general mandara destacar para as differentes ilhas, no mesmo dia 21 e antecentes, uma grande parte de officiaes, officiaes inferiores e soldados do batalhão 5.º que mais demonstravam affeição á legitimidade do senhor D.Pedro IV; porque mandou suspender o governandor do castello de S. Sebastião e entregar o commando d’esta praça, no mesmo dia 21, ao tenente Antonio Pacheco; e porque mandara sair da cidade o tenente-coronel Pedro Homem e outros officiaes, fazendo prender o ajudante do mesmo castello de S. Sebastião Joaquim Martins Pamplona? - 17.º para que fim, e por ordem de quem, se fez um violento fogo da guarda principal que commandava Ignacio José Pinheiro, primeiro tenente de artilharia, mandando-lhe postar na rectaguarda dos caçadores que compunham a guarda, soldados e milicias com baionetas calladas, ordenando-lhes o mesmo tenente mattar os caçadores que não atirassem contra os seus camaradas? - 18.º para que fim e por ordem de quem, foram mandadas guarnecer de artilheiros, no mesmo dia 21, as guardas de Santo Antonio e Polvora, fóra do constume estabelecido, e com as armas carregadas? - 19.º para que fim, e por ordem de quem, se achava aberto o portão de carros do castello de S. João Baptista fóra de horas, retirada a sentinella da Malaca, contra a pratica, e contra as ordens até alli determinadas; para que se achava o sargento da guarda das portas com a arma carregada? - 20.º quem tinha conduzido para o Monte Brazil polvora, armas, espadas, por ordem de quem, e porque se achava alli a maior parte dos artilheiros na referida noite de 21, e com que destino se foram reunir no mesmo Monte Brazil todos os soldados do batalhão de caçadores n.º 5, os oppostos á legitimidade, quando o seu batalhão pegou em armas? - 21.º para que fim, e por ordem de quem, foi posto de sentinella ao quartel do capitão de caçadores 5, José

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Quintino Dias, o cabo da terceira companhia do mesmo batalhão Antonio Joaquim na referida noite de 21? - 22.º que fallas tinham feito ás suas companhias os capitães Paula, Albranches, e o tenente Paiva, todos de caçadores n.º 5, persuadindo aos soldados de que o legitimo Rei era o senhor D. Miguel? - 23,º a que fim se destinava todo este plano, e qual foi a conducta do batalhão de caçadores na acção de disolver as milicias e ordenanças reunidas e municiadas; a disciplina com que se houveram os soldados d’este corpo que se achavam nas guardas, e na prudente retirada que, para evitar sangue, fizeram ao castello os soldados que de mesmo tinham saido em descoberta, na firme resolução de voltarem, como voltaram, no dia 22, a consumar a obra da restauração que haviam projetado? - 24.º se quando, na manhã de 22, estando postado um destacamento de caçadores na praça da cidade para se nomear o governo interino, foi ou não excitado o mesmo destacamento, e por quem, com tiros de mosquetaria, a pegar nas armas que tinham ensarilhadas, para dissolver o grande concurso de povo d’onde se suppunha terem vindo aquelles tiros, sem que este acto fosse espontaneo, mas filho da necessidade de se defenderem os soldados do presumido ataque? - O batalhão de caçadores portanto, confiado na recta justiça d’este excellentissimo governo, e na sua decidida adhesão á legitimidade d’este excellentissimo governo, e na sua decidida adhesão á legitimidade de El-Rei o senhor D. Pedro IV, não duvida de que vossas excellencias mandarão proceder criminalmente ao referido summario, não só para o fim já exposto, de se justificarem as razões que obrigaram o batalhão aos acontecimentos do dia 22, e que deram causa a que vossas excellencias fossem chamados a tomar o governo da capitania, mas para que, applicadas as Leis aos que se acharem comprehendidos naquella rebellião, possa affirmar-se a tranqualidade e segurança publica e assegurar-se a auctoridade de El-Rei o Senhor D. Pedro IV. - O batalhão, repetindo os protestos de obediencia e respeito ás sabias disposições de vossas excellencias, espera o justo deferimento ao que tem requerido a bem da causa publica e serviço de sua magestade. - Quartel do Castello de S. João Baptista, quatro e julho de 1828, José Quintino Dias, capitão commandante interino.»

Foi esta representação avidamente acceite e attendida pelo governo interino, como se vê dos seguintes officios:

Officio do governo interino remettendoa dita representação ao corregedor interino

«O governo, attendendo á representação que lhe dirigiu o commandante do 5.º batalhão de caçadores, remette aquella a V. S.ª para que se preceda á averiguação dos factos nella contados, podendo V. S.ª commetter a dita averiguação ao juiz de fóra da ilha de S. Jorge, por achar nesta ilha e merecer a confiança do mesmo governo. - Sala do governo, 5 de julho de 1828. - Ill.mo sr. José Jacinto Farinho, corregedor interino - João da Cunha Ferraz – José Rodrigo d’Almeida.»

Officio do corregedor interino ao juiz de fórada ilha de S. Jorge

«Incluso transmitto a V. S.ª o officio que me dirigiu o governo interino d’esta capitania, no qual me ordena proceda á averiguação dos factos mencionados na representação do commandante do batalhão 5.º de caçadores, podendo commetter a V. S.ª esta deligencia, a que não posso por mim dar cumprimento em razão dos multiplicados objectos do real serviço que tenho a meu cargo. Para este fim poderá V. S.ª requisitar ao juizo geral d’esta cidade qualquer escrivão que merecer a sua confiança, e me dará parte do resultado, logo que se conclua a mesma diligencia para o fazer presente ao governo. - Deos Guarde a V. S.ª – Angra, 6 de julho de 1828. - Ill.mo Sr. Juiz de fóra da ilha de S. Jorge. - O corregedor interino, José Jacinto Valente Farinho.»

Em vista da recusa formal do governo interino de Angra em reconhecer o vice-almirante Sousa Prego, como governador geral dos Açores, teve este se seguir immediatamente para a ilha de S. Miguel, onde foi admitido como capitão-general.Mandou-se tirar devassa para conhecer quaes eram os cumplices na conjuração de 18 de maio, sendo juiz Joaquim António Carneiro de Vasconcellos, juiz de fóra da ilha de S. Jorge, e que viera para Angra, para ser um dos membros da Junta de Justiça Criminal, sendo pronunciados os seguintes cidadãos:

«Luiz Meyrelles do Canto, Luiz Pacheco de Lima, Bento de Bettencourt Vasconcellos, Manuel de Lima da Camara, Affonso José Maria, Manuel José de Castro, o ex-governador o capitão-general Manuel Vieira Touvar d’Albuquerque, o Deão Fructuoso José Ribeiro, Roberto Luiz de Mesquita, Manuel Thomaz de Bettencourt, Matheus Pamplona Machado, José Moules Vieira, Matheus Moniz, Jeronymo Martins Pamplona, Caetano Paulo Xavier, Sebastião Moniz Pacheco, Antonio Isidoro de Moraes, Ancora, Manuel José Coelho Borges, João Pedro Coelho Machado, Patricio José Abranches, o provincial dos franciscanos Fr. João da Purificação, o vigario dos Biscoutos Francisco Antonio de Oliveira, o vigario da Ribeirinha Manuel Corrêa de Mello, o vigario das Quatro Ribeiras José Narciso, o vigario de S. Bento Pedro José Toste, o vigario dos Altares Antonio Pedro Godinho, o vigario de Santa Luzia Francisco de Paula Machado, o vigario das Doze Ribeiras N. Beata, o cura de S. Bartholomeu José da Rocha Compasso, o Padre Francisco Martins da mesma freguezia, os religiosos franciscanos Fr. José do Livramento, Fr. Matheus da Ave Maria, Fr. João Climaco, Fr. Sebastião por alcunha o Arrefio, Luiz José Coelho, Joaquim Coelho da Silva, José Joaquim Teixeira, Antonio Francisco da Rocha, João Tavares de Almeida, Pedro José Pacheco, José Caetano da Terra Chã, João Sieuve de Seguier, João Moniz Côrte-Real, Estevam Pacheco de Lima e seu irmão Luiz Pacheco de Lima, seu

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pae Luiz Pacheco, Antonio Moniz Barreto, Jacinto Carlos Mourão, o Padre Manuel Joaquim Fernandes, José Augusto Cabral de Mello, Francisco de Paula da Cunha, Ignacio José Ribeiro, Fr. Antonio de Padua, o Padre Silvestre Pereira Fernandes, o Padre Marianno José Rodrigues, Luiz Gomes Pamplona, Joaquim Homem, Joaquim José de Almeida, Jeronymo José Toste.«Secretaria dos negocios de justiça e ecclesiasticos, em Angra, 5 dezembro de 1828. Alexandre Martins Pamplona.»

No dia 15 de julho de 1828 appareceu defronte do porto de Angra a fragata portugueza Pinceza Real, da qual veiu um official a terra trazer tres officios do governo de D. Miguel para o capitão-general Manuel Vieira Touvar d’Albuquerque, na supposição de estar ainda exercendo o cargo.O governo interino reuniu logo a camara em sessão extraordinaria, com os commandantes dos corpos militares e governadores das fortalezas, para se abrirem os officios e interporem o seu parecer sobre a importancia do seu objecto. Acompanhavam os officios, datados de 17 de junho, tres Cartas regias, nas quaes o governo de D. Miguel participava haver despachado para governador e capitão-general dos Açores e o vice-almirante Henrique da Fonseca de Sousa Prego, que se achava a bordo d’aquella fragata, ordenando se lhe desse posse do referido cargo.Assentou-se que, em vista dos actos praticados em 22 de junho, com a camara, clero, nobreza e povo, de se reputar coacta a vontade de sua Alteza, sem poder operar livremente, e de haver-se naquella sessão solemne protestado de novo sustentar illesos os direitos do senhor D. Pedro IV e de sua augusta filha, não podendo considerar-se as referidas Cartas regias senão como derivadas da mesma coacção, não apparecendo nellas os termos e formulas determinadas na constituição jurada, de serem os actos da regencia expedidos em nome do Rei, e como o mesmo serenissimo infante mandara expressamente observar, por Decreto, nos formularios de todos os diplomas e correspondencias officiaes, por isso se não acceitava o novo capitão-general nem se cumpriam os avisos e Cartas regias sobreditas, que até vinham sem as referendas do ministro competente, do que se lavrou um auto que foi remetido a D. Miguel, com a seguinte carta:

«Serenissimo Senhor. - A Camara da Muita Nobre e sempre Leal cidade de Angra, da ilha Terceira, acaba de receber pela Fragata Princeza Real as tres Cartas Regias, que em Nome de Vossa alteza lhe forão dirigidas em data de 17 de junho ultimo, todas relativas á nomeação que V. A. houve por bem fazer da pessoa do Vice-Almirante Prego para Governador e Capitão-General d’estas ilhas. O prompto cumprimento d’estes diplomas fôra o dever d’esta camara, se imperiosos motivos o contrario não exigisse; porém, tendo apparecido não só em todo o Reino, mas até nesta Ilha evidentes provas de que a vontade de V. A. se acha inteiramente tolhida, e vendo-se que o resultado d’esta coacção absoluta pode ser funesta á Nação inteira, se não

se empregar a maior vigilancia no regimen dos Negocios Publicos; não pode esta Camara deixar de dar todo o peso aos termos em que são concebidas as mesmas Cartas Regias, ás quaes, faltando as primeiras circunstancias que a Lei marca para a sua legitimidade, entendeu a Camara, com o parecer de pessoas zelosas do Real Serviço, e das mesmas Auctoridades constituidas, a quem consultou, que a execução dos referidos diplomas se deve dilatar até que tenham o caracter de verdade, expedidos de livre e expontanea vontade em Nome e expresso Serviço de El-Rei o Senhor Dom Pedro Quarto; para o que se tomou o Acordão constante da copia Junta. Esta Camara, espera que Vossa Alteza se dignará revelal-a da falta de cumprimento de suas Ordens, na certeza de que bem longe de ser desobediente, todo o seu fim é desempenhar o juramento de fidelidade que prestara ao Senhor Dom Pedro Quarto; e de guardar a Carta Constitucional que Sua Magestade nos concedeu. Em Camara de Angra, aos 16 de julho de 1828. Alexandre Martins Pamplona Corte-Real – José Maria do Carvalhal – José Maria da Silva e Carvalho.

A 19 de julho, o governo interino nomeava uma commissão militar para formar o plano de fortificação da ilha, sendo presidente o coronel Caetano Paulo Xavier, que fôra um dos pronunciados, e vogaes, o capitão de artilharia Luiz Manuel de Moraes Rego, o capitão João Ernesto Cabral, José Quintino Dias, governador do castello Antonio Homem da Costa Noronha, tenente Francisco José da Cunha ajudante, e do 2.º tenente Luiz de Barcellos Merens.Quis o governo interino a ilha Terceira significar á Junta Provisoria cidade do Porto, a qual considerava solidamente estabelecida e firme, os seus importantes serviços e provavelmente pedir-lhe valiosos auxilios. Fretou para isso um navio inglez, a 23 de julho, por 600$000 réis, que a Junta da Fazenda foi obrigada a pagar; e, como não tivesse recebido resposta, pouco tempo depois recorreram ao Marquez de Palmella que se achava em Inglaterra, a pedir-lhe auxilios, fretando para isso um outro navio inglez por 650$000 réis, que foram mandados pagar do dinheiro que existia em deposito, pertencente a um proprietário terceirense que andava fugitivo.Continuaram todavia as diligencias e esforços incessantes para serem prezos e levados para o castello muitos cidadãos que andavam occultos e fugitivos pelo campo, sendo especialmente objecto de maior perseguição o capitão do exercito João Moniz Corte-Real e Joaquim d’Almeida Tavares, ambos de familias distinctas.Por ordem do governo interino reuniu-se no dia 28 de julho, em sessão extraordinaria, a camara de Angra, os officiaes militares e o cabido da Sé, para ser discutida a proposta do mesmo governo para a suspensão de todas relações com a côrte de Lisboa, conservando-as sómente com a Regencia da cidade o Porto. Depois de muita discussão foi approvada a proposta, do que se lavrou a seguinte acta, no dia seguinte, em sessão ordinária:

«Aos vinte e nove de julho de mil oitocentos e vinte oito, reunido o governo interino d’esta provincia na respectiva

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sala das suas sessões, e aberta a sessão ordinária, foi exposto pelo presidente do mesmo governo, que na sessão extraordinaria do dia precedente se havia tomado um assento cujas materias seriam a mais grave ponderação, e devendo por isso deliberar o governo sobre a approvação e execução do que se acha decidido no referido assento: procedendo portanto ás reflexões devidas, foi pelo governo approvada a votação do referido assento, determinando em consequencia do mesmo que, devendo as suas operações nascer de principios certos e fundado em direito, se declarava coacta, e por consequencia impotente e nulla a regencia que El-Rei havia confiado ao serenissimo senhor infante D. Miguel, como assás se deprehende dos actos praticados pelo ministerio de Portugal, evidentemente offensivos, e tendentes a aniquillar as sabias instituições e os indisputaveis direitos de legitimidade do senhor D. Pedro IV, os quaes actos todos provam, sem a menor contradicção, que o serenissimo senhor infante D. Miguel está cercado de uma facção que torna nulla a sua regencia. Que declarada impotente e nulla, como effectivamente declararam, a dita regencia, reconhecem legitima a junta recentemente estabelecida no Porto, e a declaram e reconhecem por unico e legitimo governo do reino, emquanto El-Rei o senhor D. Pedro IV não ordenar o contrário, com pleno conhecimento das actuaes circumstancias, na forma que se acha reconhecida a legitimidade da mesma junta pelos plenipotenciarios do senhor D. Pedro IV em o seu manifesto de 10 de junho proximo preterito. Que pelas mesmas razões declaram este governo incommunicavel com a referida regencia, e subordinado á junta provisoria da cidade do Porto, encarregada de manter a legitimidade do senhor D. Pedro IV. Que de todos estes prinicipios se segue: 1.º terem espirado as relações d’este governo com a regencia do serenissimo infante e senhor D. Miguel; 2,º o deverem ellas existir entre o mesmo e a junta de provincia do Porto; 3.º que achando-se este governo, como a referida junta, encarregado de manter esta provincia nos direitos da legitimidade do senhor D. Pedro IV, e sendo por ora moralmente impossivel o pôr-se em contacto com a dita junta para receber e executar as suas determinações, elle pode assumir, como effectivamente assume, attribuições mais amplas que aquellas marcadas pelo Alvará de sua criação, declarando-se por isso auctorisado para empregar todas as providencias e para expedir e fazer executar quaesquer ordens que julgar urgentes e indispensaveis para sustentar e manter os inauferiveis direitos de legitimo e jurado Rei o senhor D. Pedro IV, e por consequencia para destruir a detestavel rebellião acontecida em Portugal, e desgraçadamente praticada na ilha Terceira. Em consequencia pois da referida auctoridade que a este governo fica competindo, e que é indispensavel nas actuaes circumstancias, conforme os principios de direito publico, segundo os quaes emmudecem todas a leis quando se trata de salvar a patria, sendo então a necessidade a primeira lei, o governo d’esta provincia, encarregado de manter a legitimidade do senhor D. Pedro IV, attendendo á qualidade e resultados da mencionada rebellião, e a que deve ter-se em vista a segurança do estado e da legitimidade do

senhor D. Pedro IV, nas circumstancias de não existir o poder legislativo, e ser impossivel recorrer ao executivo, julga applicavel e exequivel o disposto no § 34.º do artigo 145.º da carta constitucional, e por consequencia ordena a suspensão do habeas corpus. Determina outrosim que em todos os tribunais e diversas estações d’esta capitania ou provincia, se observe impreterivelmente o formulario prescripto pelo Decreto de 31 de maio do presente anno, para o que se lhe enviará copia do mesmo Decreto. Determina finalmente o mesmo governo que em toda a capitania ou provincia jámais seja admitida auctoridade ou empregado algum, ecclesiastico, civil ou militar, cujos diplomas tiverem sido passados pela referida regencia, e que não estiverem auctorisados pela junta provisioria do Porto. E para constar se mandou tomar este assento, que eu Manuel Joaquim Nogueira, secretario do governo interino, o escrevi – Ferraz – Farinho – Almeida.

Proseguiram os trabalhos de defeza na ilha Terceira, começando pela organisação d’um batalhão de voluntarios, quando se soube, com a chegada d’um navio, ter saido uma esquadra portugueza de Lisboa, com o fim de subjugar as ilhas da Madeira e Terceira. Esta noticia, alegre para os realistas, causou grande sobresalto entre os constituccionaes, chegando alguns da tropa a proporem a fuga em oito navios inglezes que estavam na bahia d’Angra para o commercio da laranja, e entregar o governo ao ex-governador Touvar, que se achava prezo. Valeu-lhes a animação e enthusiasmo d’alguns mais exaltados, entre elles Theotonio d’Ornellas, que chegou a desembainhar a sua espada protestando não se render sem a banhar em sangue.Reconsiderando no erro que iam commetter, resolveram ficar, redobrando de actividade na fortificação da ilha, que estava atrazadissima, vigiando semrpre a tropa que se tornara algo insolente e desenfreada, atacando de noite algumas cazas com o fim do roubo.Foram guarnecidos os fortes de Santo Antonio do Porto Judeu, o da Ponta de S. Diogo, e os do Espirito Santo, do Porto e da Santa Cathatina na bahia da Praia. Determinaram-se vigias para os seguintes fortes: no 1.º districto S. Fernando; no 2,º Santa Catharina das Mós; e no 3.º o reducto de S. Matheus. Que nos Biscoitos e Villa Nova estivessem tambem vigias nos pontos mais proprios e desembarque e que as freguezias dos Biscoitos, Quatro Ribeiras, Aguava e Villa Nova, formariam o districto da costa do norte, de que seria commandante o capitão de caçadores João Moniz de Sá. Para a linha d’oeste, nomearam commandante Agapito Pamplona Rodovalho, devendo estender o seu commando até á freguezia de Santa Barbara; e que este districto se denominaria da cidade, com os castellos de S. João Baptista e de S. Sebastião.Foram tambem nomeados capitães das ordenanças da capitania da Praia os seguintes: Matheus Homem de Menezes, para o Cabo da Praia; José Diniz Coelho, para a Caza da Ribeira; para a 3.ª companhia, que era das Pedreiras, João de Vasconcellos Menezes; para as Fontinhas, José Borges Linhares; para os Biscoitos, José

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Ferreira Cotta; e para os Altares, Manuel Pereira Cotta. Finalmente, para ajudante d’ordens do governo interino foi nomeado o major João Silveira Machado, e para ajudante do commandante militar o tenente do batalhão de caçadores n.º 5, Francisco Eleutherio Lobão.Na arma de artilharia fizeram-se as seguintes nomeações: inspector dos fortes da linha de leste, com patente do capitão de ordenanças, João Borges Pamplona, da Villa da Praia; tenente do forte do Espirito Santo, Joaquim Coelho; do de Santa Cruz, Antonio Leonardo Parreira; do da Luz, José de Ornellas; do de Santo Antão, José Borges Linhares; do de Santa Catharina, José Diniz d’Ormonde; do de S. Bento, Felicissimo Ferreira de Mello; do de S. Fernando, Manuel Ignacio, do de S. Francisco, Vicente Cardoso Coelho; do de Santo António do Porto Judeu, o capitão Manuel Leal do Couto; do da Salga, José Vieira de Mello, com a patente de alferes; do de Santa Catharina das Mós, Francisco de Paula Borges, em identico posto; e, finalmente para o de S. Sebastião, Elias Ferreira d’Ormonde.Espalharam-se ao mesmo tempo alguns boatos, de que a tropa tentava declarar-se a favor do ex-governador Manuel Vieira Touvar d’Albuquerque, ao qual, por duas vezes, se havia dado passaporte para sair da terra e outras tantas fôra cassado. Deliberou o governo, para dissipar receios,

conceder-lhe um outro passaporte, que tivesse validade e execução prompta e rapida. Saío pois de Angra com destino ás Flores, mas, por mau tempo ou de caso pensado, foi ter á ilha de S. Miguel.Esta medida, que parecia efficaz para o socego publico, não produziu o desejado effeito: não fez cessar a fermentação da tropa. Em a noite de 3 de setembro se levantaram duas companhias commandadas pelo sargento Verissimo, com o intuito de virem á cidade prender o juiz de fora José Jacinto Valente Farinho, um dos membros do governo, que, dotado de sentimentos moderados, se oppunha vigorosamente á impetuosidade dos mais exaltados.Neste estado de agitação em que estava a cidade de Angra, reanimaram-se os dois partidos politicos com o apparecimento d’uma fragata brazileira Isabel, no dia 4 de setembro, julgando uns que acabariam as perseguições, e outros pensando nos reforços pedidos. Não se enganaram estes ultimos: eram com effeito os reforços mandados de Inglaterra pelo Marquez de Palmella, de acordo com o ministro plenipotenciario brazileiro. Pouco depois de fundear o navio, desembarcaram alguns officiaes e o brigadeiro Diocleciano Leão Cabreira, para tomar parte no governo.