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Aníbal Pinto Distribuição do rendimento e estratégia da redistribuição «As preocupações por uma repartição mais equitativa dos rendimentos são frequente- mente encaradas como contrárias às exigên- cias do desenvolvimento económico. Mas o exame aprofundado do problema, com refe- rência à situação dos países atrasados, mos- tra que uma política redistributiva pode fa- vorecer a melhor utilização dos recursos des- INTRODUÇÃO A pressão social na América Latina fez aumentar a preocupa- ção pela distribuição do rendimento. Mesmo 1103 países de cresci- mento relativamente dinâmico prevalece a opinião de que a desi- gualdade verificada na repartição do produto nacional constitui um problema «social e económico de primeiro plano. Este trabalho propõe-se focar de uma maneira breve alguns aspectos do problema. Em primeiro lugar, os factores que determi- nam a distribuição e que se encontram por detrás, por assim dizer, da análise convencional «de texto»; em seguida, os argu- mentos que se podem formular a favor e contra uma estrutura do rendimento como a que existe nos nossos países; finalmente, as directrizes principais de uma possível política de redistribuição que tenha em conta as realidades destas comunidades e não seja mera reprodução das directrizes aplicadas nos países industria- lizados, Antes de entrar propriamente no assunto convém esclarecer alguns elementos gerais. Por um lado, o problema será examinado sob a óptica da re- tribuição dos grupos sociais que contribuem com trabalho ou capi- N. da R. — Tradução amavelmente autorizada por El Trimestre Econó- mico, do México, que publicou o original deste artigo no n.° 115, de Julho- -Setembro de 1962. O Autor é director do Centro de Desenvolvimento CEPAL/ /BNDE, Brasil, mas o texto reflecte apenas as suas opiniões pessoais. 270

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AníbalPinto

Distribuiçãodo rendimento e estratégiada redistribuição

«As preocupações por uma repartição maisequitativa dos rendimentos são frequente-mente encaradas como contrárias às exigên-cias do desenvolvimento económico. Mas oexame aprofundado do problema, com refe-rência à situação dos países atrasados, mos-tra que uma política redistributiva pode fa-vorecer a melhor utilização dos recursos des-

INTRODUÇÃO

A pressão social na América Latina fez aumentar a preocupa-ção pela distribuição do rendimento. Mesmo 1103 países de cresci-mento relativamente dinâmico prevalece a opinião de que a desi-gualdade verificada na repartição do produto nacional constituium problema «social e económico de primeiro plano.

Este trabalho propõe-se focar de uma maneira breve algunsaspectos do problema. Em primeiro lugar, os factores que determi-nam a distribuição e que se encontram por detrás, por assimdizer, da análise convencional «de texto»; em seguida, os argu-mentos que se podem formular a favor e contra uma estruturado rendimento como a que existe nos nossos países; finalmente,as directrizes principais de uma possível política de redistribuiçãoque tenha em conta as realidades destas comunidades e não sejamera reprodução das directrizes aplicadas nos países industria-lizados,

Antes de entrar propriamente no assunto convém esclareceralguns elementos gerais.

Por um lado, o problema será examinado sob a óptica da re-tribuição dos grupos sociais que contribuem com trabalho ou capi-

N. da R. — Tradução amavelmente autorizada por El Trimestre Econó-mico, do México, que publicou o original deste artigo no n.° 115, de Julho--Setembro de 1962. O Autor é director do Centro de Desenvolvimento CEPAL//BNDE, Brasil, mas o texto reflecte apenas as suas opiniões pessoais.

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tal para o processo produtivo, ou seja, conforme à divisão clás-sica entre assalariados e proprietários, sem esquecer no entantoo empobrecimento que esta hipótese de trabalho, grosseira, massignificativa, introduz no nosso modelo.

Em segundo lugar, quando se fala de redistribuição do rendi-mento pensanse miais numa directriz do que num objectivo deter-minado, dependendo das condições específicas de cada país a tra-dução concreta e temporal dessa directriz.

Finalmente, e é este por certo o ponto mais importante, umaconcepção moderna do problema, sobretudo em países «adolescen-tes», não atende tanto a uma transferência directa de rendimentosde uns grupos pana outro® como a uma transformação dos esque-mas vigentes de utilização e propriedade dos recursois.

Destaquemos este ponto. !É ideia corrente, repetida até por por-ta-vozes de grupos que dizem simpatizar com a justiça social, arecomendação de que estes países se devem interessar mais pelaformação de riqueza do que pela sua redistribuição, porque estaafinal de contas supõe «distribuir a miséria».

Vai para mais de 30 anos que Richard TAWNEY destruiu estaargumentação, afirmando que a equidade não se realiza «dividindoem fragmentas os grandes rendimentos, mas assegurando- que umaproporção criescente da riqueza que eles absorvem no presente sejaempregada em finalidades de benefício colectivo»1.

Torna-se evidente, em presença dess*e verdadeiro objectivo,que não são válidas muita® da$ objecções usuais (e também mui-tos simplismo® do outro lado da trincheira). Sobretudo fica evi-denciado — <e voltaremos a este ponto maisi tarde — que a políticaredistributiva, longe de .se confinar numa pulverização do rendi-mento e na tranjsferênciia directa «dos que poupam aos que con-somem», de facto pode »e deve implicar uma aceleração e umareorientação dos investimentos (aumentados pelos; «rendimentosexcedentários» dos grupos posise^sores) para aquelas -actividadesonde o dividendo social seja mais; alto. Tal política, ao mesmotempo que requer talvez a elevação da taxa de poupança-investi-mento, possibilita-a, uma vez que favorece a deslocação de certamargem de recursos, de despesas secundárias ou supérfluas, paraaplicações de alta prioridade social.

I

FACTORES QUE DETERMINAIM A DISTRIBUIÇÃODO RENDIMENTO

1. Para a teoria económica clássica, a remuneração dos fac-tores produtivosi é um caso particular da teoria do valor e dos

R. TAWNEY, op. cit.

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preços. Em última análise, afirma-se quç o rendimento recebidopelos que de algum modo contribuem para a formação do produtosocial (participando com trabalho, terra ou capital) é determi-nado, por um lado, pela grandeza da sua contribuição e, pelo ou-tro, pelas condições de oferta e procura de cada factor. Pofr outraspalavras, se um lavrador ou um operário analfabeto obtém menospelo seu lesforço que um empresário ou um técnico, esise factodeve-se a que a sua contribuição para o produto nacional é mais!pequena e a que existe uma oferta relativamente mais abundante(em relação à procura existente) de uns necunsois do que dos ou-tros. A remuneração (ou preço) conseguida por esse factor esta-belece o equilíbrio entre os elementos pertinentes.

No nível de abstracção em que está exposta a teoria tradi-cional, deveria haver uma tendência para a nivelação dos rendi-mentos, na medida em que as pessoas com rendimentos baixos seesforcem por atingir ocupações com rendimentos mais altos. Emcerto grau, isto pode ocorrer em alguns sectores, por exemplo, sea migração rural se dirige para as actividades urbanas. Porém,mesmo que »asifce processo não estivesse limitado, entre outros fac-tores, pela organização sindical, dificilmente poderia ultrapassaros obstáculos que se apresentam mais adiante. Por outro lado, oseu efeito pode confinar-se principalmente a uma redistribuiçãode rendimentos «dentro» de cada grupo socio-económico. Sob esteponto de vista, a pressão de uma oferta ««excessiva» no mercadodo trabalho, além de reduzir ais vantagens dos operários com maisalto nível, poderia acentuar a desigualdade entre as classes, poisseria propícia a que os empresário® se apropriassem dos aumentosda produtividade ou baixassem os salários reais médios.

Nos termos em que está exposta, a explicação clássica é ina-tacável. O seu ponto fraco é que nada acrescenta em relação àscausas qu»9 determinam a .situação de escassez ou abundância rela-tiva dos factores e as suas desiguais contribuições para o produtonacional. Ao fim e ao cabo, descreve uma situação de facto, masnão explica os elementos que a condicionam, lhe dão origem ou amantêm. TAWNEY resumiu o problema com a sua concisão habi-tual: «por detrás dos mecanismos do mercado, exercem-se influên-cias de outra natureza, que determinam que os membros de al-guns grupos sociais estejam em situação de prestar serviços alta-mente remunerados por serem escassos <e de aumentar OÍS seusrendimentos com a aquisição de bens de capital, enquanto queoutros grupos deverão fornecer serviços que são baratos, por exis-tir um excesso de oferta, mas que constituem os seus únicos meiosde subsistência».

2. Procurando as causas que explicam determinada estru-tura de rendimentos, poder-se-ia começar pela mais primária: adiferença de aptidões dos indivíduos. Evidentemente esta comside-

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ração tem algum peso; mas actualmente reconhece-se que essefacto não é devido tanto a causas «naturais», como a que umpodem desenvolver as suas aptidões e outros não. E além dissosão vulgares os casos em que a retribuição desigual está mani-festamente divorciada das aptidões dos indivíduos pana participarno processo produtivo.

ÍÉ, pois, talvez melhor começar por chamar a atenção para arelação geral entre o nível de desenvolvimento económico (e <acorrespondente estrutura produtiva) e o 'esquema de repartiçãodo rendimento. Numa estrutura como a da América Latina (pre-domínio de uma (agricultura baseada no latifúndio e no minifúndio,uma grande concentração industrial e financeira e uma dimensãodesproporcionada do sector «serviços», especialmente dos serviçospessoais) o rendimento, só por essa circunstância, tenderá a dis^tribuir-se mais desigualmente que em comunidades mais desenvol-vidas, onde .a agricultura pesa menos e tem outra estrutura2, ooperário industrial representa uma fracção importante da popu-lação activa e a organização dos grupos sociais reflecte o alto graude integração do sistema produtivo. Como exemplo esclarecedor,repare-se que, nos nossos países, a distribuição do rendimento émuito mais desigual na agricultura que nas actividades industriais.

Uma das circunstâncias básicas que influenciam a distribui-ção do rendimento (logo, as condições de oferta e procura, a pro-dutividade, as aptidões e outros aspectos) é a maior ou menorconcentração da propriedade dos factores capital e terra. A pri-meira e óbvia razão é que parte do rendimento formado no pro-cesso produtivo aflui às mãos de quem possui esses factores, demaneira que quanto menos pessoas os controlem, mais concentradaestará a utilização dessa parcela do r/endimento. As consequênciasdaí derivadas são, porém, mais importantes ainda, porque & estru-tura da propriedade influi em cada um dos aspectos que se expõema seguir.

Há uma relação bastante estreita entre o nível de educação(compreendida também a especialização em determinadas técni-cas) e a remuneração conseguida pelos indivíduos. Mas em todosos países (e em geral, com tanto maior intensidade quanto maisbaixo o nível de rendimento), as possibilidades' de obter educaçãoe aprendizagem são limitadas pelo1 nível de rendimento pessoal efamiliar. Assim, e como em outras circunstâncias que ste apresen-tam nestas notas,'se desenvolve um processo ou círculo vicioso decausalidade acumulativa3. Os que têm um rendimento alto têmmelhores oportunidades parai alcançar os conhecimentos qu«e per-

2 De acordo com uma estimativa recente, na América Latkuai aas proprie-dades com mais die 1000 hectares cobrem 65 % dos terrenos agrícota, emborarepresentem apenas 1,5 % do número ;fcotal de propriedades rústicas.

3 G. MYRDAL, Teoria Económica y Regiones Subdesarrolladcus, F. C. E.,México, 1962.

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mitem manter ou aumentar e&se rendimento e o contrário sucedecom os que estão em situação oposta. Por outras palavras: aindaque a remuneração dependa em grande parte da preparação (oque determina a escassez relativa do factor) não é menois» certo,e bastante mais importante, que o nível de rendimento determinaem alto grau a possibilidade de conseguir aquela preparação.

Esta realidade deve apreciar-Sie à luz das condições concretasdo sistema de educação nos vários países. As elevadas margensde 'analfabetismo constituem a «evidência mais forte do problema.Se os dados médios sobre o nível de educação se fraccionassempor grupos sociais ou níveis de rendimento, ou ainda distinguindopopulações rurais »e urbanas, o balanço seria muito mais dramá-tico4. Num país como o Chile, que em termos latino-americanospossui um dos sistemas de educação mais desenvolvidos, apenas28 •% das crianças matriculadas nas escolas primárias conseguemterminar esse ciclo. Esta percentagem é muito mais baixa se seconsidera só a família operária ou rural.

A mesma análise se pode reproduzir ao examinar outro des-tacado aspecto do assunto, que são a& condições de saúde ou físicasda população activa. Também aqui «se verifica que o baixo nívelde rendimento é, ao mesmo tempo, causa e efeito, resultando acombinação destes elementos' noutro círculo vicioso, que tende aacentuar as disparidades existentes num dado momento.

3. O alto nível de rendimento relativo, enraizado nos facto-res atrás analisados, tem uma, profunda influência sobre o sistemade oportunidades de uma sociedade, e, mais concretamente, sobrea estratificação social. Quem está situado por alguma ou todasas causas assinaladas numa posição estratégica da estrutura so-cial, tem ao seu alcance uma variedade die «pontos de apoio» e«portas abertas», que indubitavelmente não existem para os menosafortunados. Por esta razão, o que para uns aparecei como umcaminho escarpado e cheio de escolhos, para outros equivale a umaavenida aberta e auspiciosa, em que os «contactos adequados» sãotanto ou mais significativos quie o esforço ou o mérito.

Na pairte cimeira da estrutura social5, distingue-se um con-junto de instituiçõe3 e de valores sociais, que reflectem as condi-ções básicajs antes esboçadas e que ao mesmo tempo contribuempara mante-las e reforçá-las e por vezes, em circunstâncias quese apresentam mais adiante, também a modificá-las. O sistemalegal não pode deixar de reflectir em certa medida os interessese as conveniências dos que intervieram decisivamente na sua elabo-

y4 Vd., por exemlplo, E. HÀMUY, Eâucación, analfabetismo y dosarrollo

económico, Editorial Universitária, Chile.5 Vd. «O DefítenvolvinDento»:, seus processos e seus obstáculos», Prof. Luís

Aguiar Costa PINTO, conferência no Centro de Desenvolvimento EconómicoCEPAL/BNDE, Brasil, 1961.

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ração. O mesmo acontece com a organiz»aição e as instituições polí-ticas. Casos flagrantes e elucidativos são a negação, verificadaem muitos países, do direito de voto aos analfabetos e as dispo-sições que tendem (por acção ou omisisão) a promover ou a sus-tentar a concentração e intangibilidade dos direitois de proprie-dade.

Evidentemente, os progressos da «democracia representativa»deram às massas mais desprotegidas uma oportunidade para utili-zar os canais- políticos e por consequência o mecanismo do Estadocom o objectivo de contrariar as influências atrás apontadas, oque se manifestou especialmente no fornecimento dei alguns servi-ços e bens (saúde, educação, etc). Mas este elemento está condi-cionado, como é óbvio, pela realidade efectiva de tal democraciarepresentativa, que é tanto menor quanto menos desenvolvido éum país sob o ponto de vista económico e social.

II

CONSIDERAÇÕES SOBRE A ESTRUTURADA DISTRIBUIÇÃO DO RENDIMENTO

1. São vários os argumentos que se podem formular a favorde uma repartição desigual (do tipo da que se verifica na AméricaLatina). Vejamos quais:

a) A propensão à poupança é mais elevada nos sectores derendimentos mais >altos-; se efstes absorvem uma parte con-siderável do rendimento, a margem nacional de poupançaé maior.

b) A distribuição desigual contribui para superar a «atomi-zação» das economias adolescentes e, ao promover a con-centração dos recursos, facilita a adopção da técnica mo-derna.

c) A concentração dos rendimentos facilita a «detecção» eabsorção fiscal de recursos por parte do Estado.

d) Tal distribuição ajuda a formação de uma élite do poder,isto é, permite concentrar recursos, para desenvolver os«talentos estratégicos» — empresários, técnicos, etc.

e) A diversificação da procura, que essa distribuição implica,constitui um agente favorável para a correspondente di-versificação da estrutura produtiva, activando-se assim atransformação e o desenvolvimento do sistema.

/) Num dado período, considerando certo conjunto e possívelcombinação de recursos, uma repartição' desigual pode sernecesisária ou inevitável para conseguir pleno ou maioremprego. Por exemplo, dadas certas características de uma

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economia subdesenvolvida, pode ser inevitável ocuparparte importante da população activa no sector «serviços»— ou, ao contrário, impossível aumentar o emprego derecursos naqueles sectores; sobre os quais recairia a pro-cura popular no caso de uma distribuição mais equitativa,por exemplo, a agricultura.

g) Uma repartição mais desigual não implica obrigatoria-mente uma deterioração dos rendimentos reais e do nívelde vida das massa®. Pode ser que estas melhorem a suacondição de existência ou a mantenham, embora sem par-ticipar dos benefícios do aumento do rendimento nacional,ou por outras palavras, dos frutos da maior produtividadedo sistema,

2. Por outro lado, podem igualmente destacar-se contra umarepartição desigual, e portanto a favor de uma equidade maior,diversas razões:

a) A experiência histórica e o que se pa$sa actualmente nãocomprovam nenhuma relação positiva entre distribuiçãodesigual e formação de poupança. Pelo contrário, o normalparece ser que nais comunidades (por exemplo o mundosubdesenvolvido) com uma repartição mais desigual, a pro-pensão à poupança e ao investimento é mais baixa. Poroutro lado, algumas sociedades — por exemplo, as doNorte da Europa — onde a distribuição é relativamenteigualitária, apresentam elevadas taxas de formação de pou-pança. Ainda que esta circunstancia não fundamente umacorrelação oposta (que a maior igualdade correspondamaior poupança), destrói, no entanto, ã tesie anterior esugere que actuam outros factores importantes no fenó-meno. Sem embargo de no assunto se dever considerar adiferença de níveis de rendimento médio das comunidades,o que se deve ter em conta sobretudo é a propensão àpoupança dote grupos de altos rendimentos nessas eco-nomias, cuja situação objectiva é comparável.

b) O método de aumentar a taxa de poupança através deuma distribuição desigual é pouco eficaz em relação aoobjectivo específico em vista. Se, por exemplo, imaginar-mos que a propensão marginal à poupança de uma pessoade altos níveis de rendimento é igual a 0,5, isso significaráque, numa transferência a #eu favor, se sacrifica metadedo rédito transferido para que esta se destine provavel-mente a consumo sumptuário. Podem pensar-se outras al-ternativas (poup&nça-inyersão fiscal ou ao nível dais, em-presas) com uma eficácia mais alta em termos de propor-ção aforrada.

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o) Num sentido profundo, imposto pelas condições gerais danossa época, o desenvolvimento implica e exige elevar con-tinuadamente as condições de vida das «maiorias nacio-nais» e isto supõe, de um ponto de yi#ta económico, queo sistema produtivo deve fixar e canalizar recursos e ajus-tar a sua própria estrutura a este fim. Porém, na medidaem que uma estrutura desigual de repartição dop rendimen-tos determina uma composição típica da procura global,os recursos e o miecani&mo da produção orientam-se paraa satisfação preferencial das necessidades daqueles queabsorvem uma fracção principal e/ou crescente do rendi-mento total. Deste modo — e ao lado de outros efeitos —aquela distribuição desigual, além de contrariar o objec-tivo social antes recordado, pode transformar-se numagente de tensões e conflitos desvantajosos para o desen-volvimento.

d) Uma repartição muito desigual pode, sob uma ópticaabstracta e macro-económica, não reduzir o mercado ouprocura global (esta será igual ao total dos rendimentosdispendidos, em qualquer hipótese). No entanto, numaanálise mais concreta, não é difícil assinalar possíveisefeitos restritivos sobre o mercado e & procura — alémda «deformação social» do sistema de oferta evidenciadono ponto anterior.

Ao limitar absoluta ou nelaitivamiente a procura dagrande massa, forma-se uma base muito estreita para otipo de actividades que só podem montar-se com uma di-mensão mínima relativamente grande e que constituem ossectores mais dinâmicos e estratégicos para o processo dedesenvolvimento, por ex,emplo, indústrias metalúrgicas,artefactos, etc.

Além disso, embora a procura se apresente diversifi-cada, a sua «base quantitativa» é pequena, de modo queé difícil satisfazêJa <em condições económicas (v. gr., aprodução dos artigos secundários também não se podefazer em escala adequada).

Pelas razões .anteriores e por efeito das escalas de pre-ferência (induindo o efeito de demonstração), a procuradois grupos favorecidos dirige-se para o exterior. Se hácontrole das importações o caso é diferente, mas conti-nuam relevante© as circunstâncias anteriores.

e) A concentração de rendimentos e propriedade agrava astendências monopolistas, aliás já fortes, pela protecçãodas actividades internas, o que rouba dinamismo ao sis-tema e cria os problemas típicos de tal estrutura, sobre-tudo na indústria e na organização financeira.

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/) A promoção de éHte»$ pode ser e é importante, mas nascondições da economia moderna, a aceleração do desenvol-vimento não parece compatível com a característica «pi-râmide» da «sociedade taircaica» (COSTA PINTO) e requerum processo de extensão de aptidões e oportunidades paraa massia.

g) Do ponto de vista fiscal, uma distribuição do rendimentoque tende para a desigualdade pode ser prejudicial e nãofavorável, se, como é habitual (em parte como um efeitoda «balança de poderes» que estabelece aquela distribui-ção), existe um sistema tributário regressivo. Este supõeque ao Estado será difícil absorver os aumentos de rendi-mento de que beneficia a minoria.

h) Pode ser que uma mudança na estrutura do rendimentonão seja conciliável, a curto prazo, com a ocupação exis-tente dos 'recursos, Mas é susceptível de incorporar e mo-bilizar outros recursos (desaproveitados oculta ou aber-tamente), além de que se requer irdcicur aquela forma ouestrutura de emprego dos factores produtivos.

III

OBJECTIVOS E MEIOS PARA A REDISTRIBUIÇÃODO RENDIMENTO

1. Examinando a experiência dos países industrializados emmatéria de redistribuição do rendimento, sobressai a importânciaquase exclusiva que se tem atribuído à utilização dos instrumentosfiscais. A tributação progressiva, por um lado, e a despesa social,por outro, têm sido 03 meios básicos para reduzir a participaçãodos grupos de altos níveis de rendimento e aumentar a dos assa-lariados no total de recursos disponíveis6. Ao lado des$e instru-mento, ressalta a política de salários e emprego-, que provavelmentetem incidido mais sobre a defesa do rendimento real e o compor-tamento dos acréscimos da produtividade, que sobre a estruturada repartição do rendimento em si mesma.

Interessa analisar a correspondência dessas soluções com ascircunstâncias mais ou menos típicas das- economias -adolescentes,que contrastam com alguns aspectos e hipóteses da política queprevalece nas outras áreas.

Em primeiro lugar poder-se-ia destacar o facto dessa políticanão se propor uma modificação da estrutura da propriedade pelomenos directamente. Mesmo naqueles países onde o imposto su-cessório é bastante pesado (por exemplo a Grã-Bretanha), não

6 R. TAWNEY, op. cit

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parece ter tido efeitos muito notórios nesse plano. A extensão daárea do domínio público (nacionalizações), ao contrário, tem sidocertamente um factor mai& influente paira o fim em vista.

Pòr detrás de tal orientação há, sem dúvida, um juízo de«valor político», mas pode ser mais importante o facto de que aconcentração da propriedade não tem a mesma significação quenum país subdesenvolvido, não tanto poirque o nível de desenvol-vimento deste é menor, como fundamentalmente porque o nívelmais alto de rendimento médio implica que mesmo os que não dis-põem de títulos de propriedade sobre bens de capital têm possibi-lidades de satisfazer as suas necessidades básicas e ultrapassar dealgum modo os obstáculos que foram apresentados anteriormente(educação, especialização, mobilidade, condições físicas, etc). Tudoisto deve apreciar-se em conjunto com o maior acesso da massaaos canais políticos e sua influência consequente no volume e com-posição dais despesas sociais do Estado.

Por outras palavras e resumindo', a menor atenção prestadaàquele factor «original» da distribuição do rendimento correspondeao facto objectivo de que ele não tem, nas sociedades industriali-zadas, a mesma significação relativa para o problema.

Outro aspecto digno de relevo é o facto de a política redis-tributiva actuar principalmente pelo lado da procura, sob a hipó-tese (explícita ou implícita) de que a estrutura da oferta respon-derá facilmente a uma nova composição da despesa nacional, deter-minada pela transferência de rendimentos de uns grupos paraoutros. Se, por exemplo, a tributação' e as despesas fiscais pro-gressivas redundam na restrição de certos consumos (e na conse-quente libertação dos recursos que os satisfaziam) e no aumentode outros, subentende-se que o sistema produtivo se ajustará a curtoprazo a essa mudança da procura — sem que o preço dos bensbeneficiados se modifique ou suba demasiado7.

Estas duas questões, postas em relevo apresentam-se de formabastante diferente nas comunidades adolescentes.

Em primeiro lugar, como já foi anteriormente destacado, aconcentração da propriedade, associada a um nível muito baixo derendimento da massa, reveste-se de umai importância capital, e,por isso mesmo, tem que &er abordada, desde que se desejem obterprogressos apreciáveis num prazo razoável, consideradas as cir-cunstâncias do tempo presente. Por outro lado, se acaso se «ale-gasse que o próprio desenvolvimento económico, como aconteceuna (experiência de alguns países capitalistas avançados, tende adiminuir a transcendência do elemento discutido, poder-se-ia re-plicar que a diminuição dessa concentração excessiva é, em muitoscasos, um requisito ou cláusula principal para, precisamente, ace-

7 Poderia, quando muito, admitir-se um efeito dessa natureza como pri-meiro efeito, corrigido em pouco tempo pela resposta da oferta.

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lerar o desenvolvimento. Tanto e&te ponto como o que se refereaos meios para atingir o objectivo serão examinador mais adiante.

O outro ponto, de natureza essencialmente económica, não émenos importante. Poupando palavras e indo< direito ao problema,vamos pô-lo em termo® figurados.

Suponhanse que, num pafe subdesenvolvido, por meio de ins-trumentos fiscais e de uma determinada política de salários, steconseguia, numa conjuntura dada, transferir parte do rendimentodo grupo proprietário para a maioria dos trabalhadores. Uma con-sequência fundamental seria a modificação da estrutura da pro-cura, digamos, que aumentaria a procura de alimentos e bai-xaria a de bens duradouros, construções residenciais, etc. Como éevidente, para que ®e verificasse efectivamente a redistribuiçãoem vista, sieria necessário que o® factores produtivos se deslocas-sem de maneira a satisfazer aquela modificação da despesa global.Pode suceder, no entanto, que essa nova aplicação dos recursosse encontre paralisada por peias ou limitações da estrutura (econó-mica ou institucional, como por exemplo, para mencionar uma pos-sibilidade muito real, por um sistema agrícola surdo aos incentivosda procura devido ao peso do latifúndio a/ou isu factores tecnoló-gicos ou de carência de capital básico. Se for esta ia situação, aintenção principal pode frustrar-se verificando-se, em vez do re-sultado em vista, uma modificação daJ estrutura dos preços, ele-vand<xse os dos alimento^ e reduzindo-se os dos bens afectadosem primeiro lugar. Em pouco tempo, e supondo que os preços agrí-colas mais altos beneficiam de preferência os possuidores da terra,provavelmente tender-se-ia a 'restituir a estrutura de rendimentosanterior.

Claro está que a política poderia insistir nos seus propósitos,com o objectivo suplementar de provocar um reaproveitamento defactores produtivos e de assegurar a melhoria do rendimento real(e não só monetário) da massa. Apesar disso, se os obstáculossão consideráveis, de tal insistência poderia resultar uma pressãoinflacionista que actuaria no mesmo sentido anteriormente visto.

Não parecem, pois, suficientes, ainda que absolutamente ne-cessários, OÍS instrumento^ utilizados1 nos países industrializadoscom o propósito que se tem estado ia analisar, e em relação ao se-cundo ponto, é (evidente que ias influências do lado da procura eda «distribuição monetária» do rendimento têm que ser acompa-nhadas e apoiadais por outras que ,actuem adequadamente sobre aestrutura da produção ou da oferta.

Há razões para pensar que ;a despreocupação por este últimoaspecto (que, de certo modo, é mais um sintoma da tendência parareproduzir mecanicamente directrizes em voga nosi países maisdesenvolvidos) tem sido um dos (elementos responsáveis pelo poucoêxito das tentativas de redistribuição nos países adolescentes.

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2. Do que ficou dito depreendem-se com facilidade as impli-cações a ter iem conta numa política empenhada em repartir maisequitativamente o rendimento. Convém examinar rapidamente aslinhas gerais dessa política, deixando para o fim o exame dosinstrumentos mais convencionais e de efeito mais directo.

Em relação à conduta para reduzir o grau de concentraçãoda propriedade, sobressaem três orientações principais.

A primeira, naturalmente, diz respeito à desconcentração dodomínio sobre os solos produtivos, isto é, a Reforma Agrária, ma-téria demasiado evidente e que não requer mais atenção nestaexposição.

A segunda, tem o mesmo propósito, mas incide sobre a pro-priedade dos meios de produção noutros sectores. Ressaltam aquialguns pontos práticos e de actualidade mais o<u menos geral emeconomias industrializadas, tais como as disposições antimonopo-lísticas e a distribuição de títulos ou acções pelo público em geralou pelos trabalhadores dais empresas.

A terceira é uma modalidade mais radical da actuação ante-rior e fundamentasse na estatização de unidades .económicas degrande dimensão ou de importância estratégica, ou, dito de outramaneira, a ampliação do sector público.

O relevo relativo e as característicass específicas destas medi-das dependerão, como é lógico, das considerações e realidades- polí-ticas de cada país, como também das circunstâncias existentes eda sua incidência sobre a distribuição do rendimento.

Não vem fora de propósito reafirmar uma verdade muitosimples: que lestes e outros instrumentos podem ter objectivos erepercussões mais ambiciosos que os relacionados com o assunto quese estuda. Cada um ou o seu conjunto é susceptível de constituirpeça vital e necessária para a política central de desenvolvimento.

3. A outra implicação ou directiva principal que se de-preende da. análise anterior é que uma política redistributiva nospaíses adolescentes tem d.e se inserir e ser parte substancial dasdecisões que influem na capacidade produtiva e na difusão do pro-gresso técnico, e, por istso, no crescimento da produtividade dosdistintos sectores ou actividades.

Quanto a este aspecto, vale a pena acentuar duas questõesmuito relacionada^ com ele.

A primeira incide sobre o facto evidente de que os sectoresprodutivos mais vitais para o aumento do rendimento real dasmaiorias trabalhadoras — principalmente a agricultura produtorade alimentos para o consumo interno — têm sido os mais descui-dados ou os miais abandonados! no que diz respeito à expansão dassuas ofertas e à penetração das técnicas modernas. Não se deveesquecer que, mesmo em países de crescimento agro-pecuário maissatisfatório, como o México, o Brasil .e o Equador, o progresso se

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centrou de preferência nas produções de exportação — algodão,café, bananas, etc.

Por outro lado, a tónica dominante sobre a substituição deimportações *e a industrialização interna, cuja transcendência nãose põe em dúvida, trouxe concomiitantemente duas consequênciaspouco apreciadas, apesar da sua importância. Por um lado, a téc-nica avançada canalizou-s.e em maior grau para as produções in-dustriais, que, em geral, satisfazem a procura dos grupos urbanosde maior rendimento relativo. Por outro, à medida que ocorreuesse fenómeno, criou-se outro elemento susceptível de perpetuar ieaté acentuar a desigual repartição do rendimento. Pode apontar-se,como exemplo do último fenómeno, o estabelecimento de indústriasautomobilísticas em determinados países cujo desenvolvimento estáde facto sujeito a uma alta concentração do rendimento nass classesmais ricas.

Evidentemente, uma política que tenha em vista uma maiorequidade (e um desenvolvimento mais satisfatório sob o ponto devisita social e, provavelmente, com maior potencialidade expansiva)terá que rectificar profundamente essas realidades. Deste modo,se os recursos se desviarem para as actividades que produzem oswage goods ou delas são complementareis, não só haverá uma ex-pansão apropriada da oferta, mas também os avanços da produ-tividade tenderão a diminuir os preços relativos dessas bens, ace-lerando o aumento do rendimento real das massas.

Convém insistir iem que essa modificação de preços relativospode ser tão importante ou mais laiinda que a própria mudança daestrutura de distribuição dos rendimentos, embora, claro le&tá, asduas actuações devam dar-se as mãos numa política esclarecida.

Na experiência britânica do pós-guerra, por exemplo, à in-fluência da tributação juntou-se uma mudança muito apreciável nosistema de preços, que implicou a prestação gratuita ou a dimi-nuição relativa do custo de bens e serviços básicos e o encareci-mento sensível de outros que têm significação destacada na estru-tura de despesas dos grupos de rendimentos mais altos. No desen-volvimento soviético, dentro do sen esquema original, também seapercebe um fenómeno dessa natureza.

Ao contrário, em alguns ensaios de estabilização utilizados naAmérica Latina, por exemplo no 'Chile e na Argentina, junto auma provável alteração regressiva da estrutura da repartição,realizou-se (recebendo muito menos» atenção) uma modificação nomesmo sentido do sistema de preço®, concretizada por uma baixarelativa dos bens secundários, especialmente importados, ie o en-carecimento dos wage gooés.

Poder-se-ia evidenciar que o controle de preços tentado emmuitos países tratou precisiamiente de alcançar um objectivo comoo assinalado, mas a experiência é concludente para demonstrarque esse instrumento isolado podia sier um boomerang, se não se

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faz acompanhar de medidas que promovam o aumento da oferta eda produtividade nos siectones básicos.

4. Em relação à utilização dos instrumentos; convencionais(fiscalidade e política de salários), podem-se fazer algumas obser-vações sumárias.

Ainda que seja evidente, convém reafirmar que o que inte-ressa na utilização do» instrumentos fiscais é o efeito global doorçamento, isto é, o resultado conjunto das decisões sobre receitase despesas. Se, para propor um exemplo, o agravamento em ma-téria de tributação progressiva não é acompanhado de (avanços domesmo sentido na estrutura dos gastos, o efeito pode ser insigni-ficante e até nulo.

Nesta matéria avançou-se muito pouco, mesmo no que jsie re-fere ao aspecto elementar da classificação de receitas e despesassob a óptica da sua incidência «social, sem mencionar já o objectivomais ambicioso de avaliar o resultado líquido ou final sobre a dis-tribuição do rendimento.

O assunto é importante e poder-se-ia conseguir alguns pro-gressos mínimos, mas significativos. Tal é o caso, por exemplo, deum exame da tributação indirecta, com o fim de se fazer uma esti-mativa aproximada da sua incidência sobre os diversos grupos so-ciais. Em países de baixos rendimentos médios, onde a grandemassa tem que dedicar a alimentos e outros poucos dispêndiosbásicos 90 % ou mai,g do sseu rendimento, a tributação sobre essesbens é altamente regressiva, enquanto que a tributação sobre bense serviçois que estão fora des-sa estrutura de despesa pode ser cla-ramente progressiva8.

Encarando a questão do lado das despesas, também se pode-riam conseguir melhorias, se se salientasse mais o aspecto quenos interessa. Tome-se, por exemplo, a rubrica educação, cuja im-portância não vale a pena acentuar. O aspecto quantitativo é pri-mordial: qual é a participação no orçamento, a relação com orendimento nacional, a despesa por habitante, etc? Todos estasaspectos podem e devem elucidar sobre as tendências em campotão importante; mas não menos valioso é o exame qualitativo des-sas e outrais despesas sociais. Em vários países, por exemplo oChile, tem-se acentuado uma tendencial para concentrar recursoscrescentes em certos sectores e níveis educacionaijs., como são oensino médio <e superior, incluindo o particular, 'relegando parasegundo plano o ensino primário e o técnico1, que são os que maisimportam numa política de distribuição' mais equitativa.

Também convém referir, neste contexto, o que vem sucedendocorrentemente nas despesas de previdência social, cuja expansão

8 Vd. A. PINTO, «Fines y Médios de Ia Política Fisical», El TrimestreEconómico, vol. XXI, n.° 82.

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generalizada «pode dar uma ideia demasiado optimista de progresso,A verdade é que, frequentemente, esses benefícios, em lugar dieestarem em proporção com as necessidades dos grupos, evoluemconforme o poder político deles. O caso chileno nesta matéria é omais saliente, mas é provável que reflicta uma tendência comumaos paísies latino-americanos 9.

5. A política de salários, como já se reconheceu, é outro ins-trumento legítimo e fundamentai na matéria, mas também aquise devem considerar aspectos que são peculiares às economias sub-desenvolvidas.

Uma faceta principal, em nossa opinião, é a seguinte: dadasas diferenças substanciais de produtividade dais diversas activida-des económicas e as não meno® notórias no «poder de negociação»dos grupos de trabalhadores, uma política simplista corre o perigode tornar mais aguda a desigualdade de distribuição do rendimentodentro da população assalariada, sem que isso envolva a diminui-ção da desigualdade de repartição entre as classes trabalhadora eproprietária. Por outras palavras, surge aqui uma reprodução,noutros termos fundamentais, do problema das «aristocraciasi ope-rárias», que se delineou à luz da experiência dos-1 paísies coloniais.

Para (economizar digressões., também pode ilusitrar-se estaquestão com a experiência chilenaí. No decurso das últimas déca-das, tem sido notória a melhoria da participação^ no rendimento(em relação ao rendimento médio assalariado) do grupo «empre-gados» e de grupos operários .estabelecidos no sector da exporta-ção e nas actividades industriais e financeiras, tanto privadascomo públicas, que gozam de situações monopolisifcas ou/e conse-guiram absorver «o grosso» dos investimientos e, por isso mesmo,do progresso técnico. Estes grupos utilizaram o seu poder políticopara conseguir que a legislação e as decisões públicas se adaptas-sem aos seus interesses, enquainto que a maioria restante apenasobteve as migalhas dos progressos aparentes.

Um subproduto muito interessante, ainda que previsível,deste fenómeno, tem sido o «conservadorismo» dos núcleos protegi-dos. Assim, em contraste com a experiência clássica do século pas-sado, raras vezes se -encontram na América Latina sindicatos in-dustriais básicos que desempenhem um papel político radica^função que parece ter-se transferido, e com razão, para a esque-cida massa agrária.

Naturalmente, o que acabamos de dizer não- implica que apreocupação primordial da política de salários deva ser, em nossospaíses, a contenção dois pedidos daqueles núcleos mais beneficiados.Uma acção nesse sentido, provavelmente e em geral, não teria

9 Vd. A. PINTO, «Alternativa para una Reforma de los Sistemas €on~vencionales de Previsión», El Trimestre Económico, vol. XXVIII, n.° 111.

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outro efeito senão o de permitir um lucro extra aos empresáriosdesses sectores (com excepção das actividades de domínio público).O que se deve concluir é que as decisões têm de visar à sujeiçãodos rendimento de um e outro grupo a certos níveis e movimentosdo rendimento médio do país, ao mesmo tempo que à defesa pre-ferente dos rendimentos do® assalariados de outro® sectores, víti-mas da sua escassa organização e capacidade defensiva, da baixaprodutividade das suas actividades e de evoluções, desvantajosasda relação de preços dos bens que produzem, resultantes dessa re^lação obedecer às condições monopolistas, de facto ou formais, quefavorecem outras actividades.

6. As notas anteriores são demasiado insuficientes em rela-ção à grandeza do problema; mas é necessário activar o debatesobre as modalidades específicas da política da redistribuição dorendimento nos nossos paísets. Esperamos ter oferecido uma mo-desta contribuição nesse ísientido.

(Tradução de Luís Margarido Correia)

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