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16 anos. Mais da metade da população urbana está abaixo da linha da pobreza em Angola, Armênia, Azerbaijão, Bolívia, Chade, Colômbia, Geórgia, Guatemala, Haiti, Madagascar, Mala i, Moçambique, Níger, Serra Leoa e âmbia. Muitas outras nações têm entre 40% e 50% de suas populações vivendo abaixo da linha da pobreza, incluindo Burundi, El Salvador, Gâmbia, uênia, uirguistão, República da Moldávia, Peru e imbábue. Muitas outras nações estariam incluídas nessa lista se suas linhas de pobreza considerassem os custos reais de necessidades não-alimentares em áreas urbanas. 7 A má gestão urbana freqüentemente desperdiça as vantagens e o potencial urbano para a redução da pobreza. Embora a pobreza urbana cresça muito mais rapidamente do que a rural, apenas recentemente as agências de desenvolvimento começaram a entender que precisam de novas intervenções para atacar suas raízes. Favelas: Concentração de Pobreza sem Paralelo A pobreza, a mendicância e a falta de moradia têm sido parte do cenário urbano desde as primeiras cidades da Mesopotâmia. Os pobres, em sua maioria, são relegados a áreas socialmente segregadas, genericamente chamadas de "favelas" (ver Caixa 4). Nosso conceito de favela data da revolução industrial e lembra a esqualidez dos bairros pobres no século XIX em Londres, ou no início do século XX em Nova Iorque. 8 As características básicas da vida na favela não mudaram: a diferença hoje é de escala. Os moradores de favelas no novo milênio não são mais alguns milhares em algumas cidades de um continente em processo de rápida industrialização. As favelas abrigam um de cada três moradores das cidades, um bilhão de pessoas, um sexto da população do planeta. 9 Mais de 90% dos moradores de favelas estão hoje no mundo em desenvolvimento. O Sul da Ásia concentra a maior parte, seguido pela Ásia Oriental, África Subsaariana e América Latina. China e Índia juntas têm 37% das favelas do mundo. Na África Subsaariana, a urbanização tornou-se virtualmente sinônima do crescimento das favelas; 72% da população urbana da região vive sob condições de favela, comparados a 56% no Sul da Ásia. A população de favelas na África Subsaariana quase dobrou em 15 anos, alcançando cerca de 200 milhões em 2005. A Declaração do Milênio das Nações Unidas reconheceu a importância de se abordar a situação dos moradores de favelas para reduzir a pobreza geral e alcançar o desenvolvimento humano. Apesar da força desse compromisso, monitorar o progresso da situação dos moradores de favelas tem sido um desafio. 10 Intervenções de políticas proativas são necessárias imediatamente para que as nações consigam atingir a Meta 11 dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio 11 e melhorar as vidas de milhões de moradores urbanos pobres. As Disparidades Persistentes Os desafios enfrentados pela população urbana pobre, em comparação com outros moradores da cidade, são mais marcantes na área da saúde. 12 As mulheres pobres estão particularmente em desvantagem. Embora a renda em dinheiro seja muito mais importante nas cidades do que no campo, a pobreza de renda é somente um aspecto da pobreza urbana. Outros são a má qualidade e superlotação das moradias, falta de serviços públicos e de infra- estrutura, como água encanada, saneamento, coleta de lixo, drenagem e estradas, assim como a posse insegura da terra (ver Caixa 5). Essas desvantagens aumentam os problemas de saúde e emprego da população urbana pobre, e também aumentam sua vulnerabilidade a riscos ambientais e ao crime. As pessoas pobres vivem em ambientes insalubres. 13 Os riscos à saúde advêm da falta de saneamento, de água potável e de moradia, dos ambientes de trabalho superlotados e mal ventilados, e da poluição industrial e do ar. Uma dieta inadequada reduz a resistência dos moradores de favelas a doenças, especialmente por viverem na presença constante de micro-organismos patogênicos. 14 4 AS FAVELAS URBANAS E A POPULAÇÃO URBANA POBRE O termo "favela" (slum) é usado para se referir a vários tipos de moradia, incluindo aquelas que podem ser urbanizadas. Termos como "favela", "assentamento infor- mal", "bairro degradado" e "comunidade de baixa renda” são muitas vezes usados de forma intercambiável. De acordo com UN-Habitat, um "domicílio de favela" refere-se a um grupo de indivíduos que vivem sob o mesmo teto em uma área urbana onde faltam um ou mais dos seguintes itens: moradia durável, área de convívio suficiente, acesso a água tratada, acesso a saneamento e posse segura. 1 Nem todos os pobres vivem em favelas, e nem todas as pessoas que vivem em áreas definidas como favelas são pobres. Contudo, para simplificar, este Relatório equipara população urbana pobre a moradores de favelas. CAPÍTULO 2: PESSOAS NAS CIDADES: A ESPERANÇA VERSUS A DESOLAÇÃO

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anos. Mais da metade da população urbana está abaixo dalinha da pobreza em Angola, Armênia, Azerbaijão, Bolívia,Chade, Colômbia, Geórgia, Guatemala, Haiti, Madagascar,Mala i, Moçambique, Níger, Serra Leoa e âmbia. Muitasoutras nações têm entre 40% e 50% de suas populaçõesvivendo abaixo da linha da pobreza, incluindo Burundi, ElSalvador, Gâmbia, uênia, uirguistão, República daMoldávia, Peru e imbábue. Muitas outras nações estariamincluídas nessa lista se suas linhas de pobreza considerassemos custos reais de necessidades não-alimentares em áreasurbanas.7

A má gestão urbana freqüentemente desperdiça asvantagens e o potencial urbano para a redução da pobreza.Embora a pobreza urbana cresça muito mais rapidamentedo que a rural, apenas recentemente as agências dedesenvolvimento começaram a entender que precisam denovas intervenções para atacar suas raízes.

Favelas: Concentração de Pobreza sem ParaleloA pobreza, a mendicância e a falta de moradia têm sidoparte do cenário urbano desde as primeiras cidades daMesopotâmia. Os pobres, em sua maioria, são relegados aáreas socialmente segregadas, genericamente chamadas de"favelas" (ver Caixa 4). Nosso conceito de favela data darevolução industrial e lembra a esqualidez dos bairrospobres no século XIX em Londres, ou no início do séculoXX em Nova Iorque.8

As características básicas da vida na favela nãomudaram: a diferença hoje é de escala. Os moradores defavelas no novo milênio não são mais alguns milhares em

algumas cidades de um continente em processo de rápidaindustrialização. As favelas abrigam um de cada trêsmoradores das cidades, um bilhão de pessoas, um sextoda população do planeta.9

Mais de 90% dos moradores de favelas estão hoje nomundo em desenvolvimento. O Sul da Ásia concentra amaior parte, seguido pela Ásia Oriental, ÁfricaSubsaariana e América Latina. China e Índia juntas têm37% das favelas do mundo. Na África Subsaariana, aurbanização tornou-se virtualmente sinônima docrescimento das favelas; 72% da população urbana daregião vive sob condições de favela, comparados a 56%no Sul da Ásia. A população de favelas na ÁfricaSubsaariana quase dobrou em 15 anos, alcançando cercade 200 milhões em 2005.

A Declaração do Milênio das Nações Unidasreconheceu a importância de se abordar a situação dosmoradores de favelas para reduzir a pobreza geral ealcançar o desenvolvimento humano. Apesar da forçadesse compromisso, monitorar o progresso da situação dosmoradores de favelas tem sido um desafio.1 0 Intervençõesde políticas proativas são necessárias imediatamente paraque as nações consigam atingir a Meta 11 dos Objetivosde Desenvolvimento do Milênio1 1 e melhorar as vidas demilhões de moradores urbanos pobres.

As Disparidades Persistentes Os desafios enfrentados pela população urbana pobre, emcomparação com outros moradores da cidade, são maismarcantes na área da saúde.1 2 As mulheres pobres estãoparticularmente em desvantagem. Embora a renda emdinheiro seja muito mais importante nas cidades do queno campo, a pobreza de renda é somente um aspecto dapobreza urbana. Outros são a má qualidade e superlotaçãodas moradias, falta de serviços públicos e de infra-estrutura, como água encanada, saneamento, coleta delixo, drenagem e estradas, assim como a posse insegura daterra (ver Caixa 5). Essas desvantagens aumentam osproblemas de saúde e emprego da população urbanapobre, e também aumentam sua vulnerabilidade a riscosambientais e ao crime.

As pessoas pobres vivem em ambientes insalubres.1 3 Osriscos à saúde advêm da falta de saneamento, de águapotável e de moradia, dos ambientes de trabalhosuperlotados e mal ventilados, e da poluição industrial e doar. Uma dieta inadequada reduz a resistência dosmoradores de favelas a doenças, especialmente por viveremna presença constante de micro-organismos patogênicos.1 4

4 AS FAVELAS URBANAS E A POPULAÇÃOURBANA POBRE

O termo "favela" (slum) é usado para se referir a váriostipos de moradia, incluindo aquelas que podem serurbanizadas. Termos como "favela", "assentamento infor-mal", "bairro degradado" e "comunidade de baixa renda”são muitas vezes usados de forma intercambiável.

De acordo com UN-Habitat, um "domicílio de favela"refere-se a um grupo de indivíduos que vivem sob o mesmoteto em uma área urbana onde faltam um ou mais dosseguintes itens: moradia durável, área de convívio suficiente,acesso a água tratada, acesso a saneamento e posse segura.1

Nem todos os pobres vivem em favelas, e nem todasas pessoas que vivem em áreas definidas como favelassão pobres. Contudo, para simplificar, este Relatórioequipara população urbana pobre a moradores de favelas.

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O elatório de Desenvolvimento umano para 2006, doPrograma das Nações Unidas para o Desenvolvimento,fornece uma visão geral e uma análise excelente das relaçõesentre o poder, a pobreza e a água.1 5 O Relatório destaca ofato de que a crua realidade da vida na favela desafia aanálise estatística. Freqüentemente, muitas pessoas vivemem cortiços compostos de várias casas onde só há umainstalação sanitária para servir a todos os adultos e crianças.Os sanitários podem ser reservados aos adultos, e as criançaspodem ter que procurar outra parte do cortiço ou a ruaonde brincam para fazer suas necessidades fisiológicas.1 6

Compartilhar três sanitários e um chuveiro com 250famílias em uma comunidade não é uma situação incomumnas cidades da África Subsaariana. Condições como estasaumentam o estresse de todos os habitantes, especialmentedas mulheres, que também estão sujeitas a maiores riscos deviolência de gênero.1 7 Na América Latina, somente 33,6%da população urbana pobre tem acesso a instalaçõessanitárias com descarga, comparados com 63,7% dapopulação urbana não pobre da região.1 8

A água é um recurso escasso e caro para a populaçãourbana pobre, freqüentemente comprada em pequenasquantidades, de vendedores de rua. Adquirida desta

forma, o custo unitário da água é muito mais alto do quepara as pessoas que têm água encanada em seus lares.Mesmo onde há água encanada, podem ser necessáriasextensas caminhadas até a bica comunitária, longasesperas, trajetos cansativos de volta para casa com pesadaslatas cheias de água, armazenamento cuidadoso paraminimizar o desperdício e a reutilização da mesma águavárias vezes, aumentando o risco de contaminação.1 9

As tarefas de manejo da água ocupam uma partesubstancial do tempo das mulheres e das meninas. Umestudo parcial de uso do tempo em 10 localidades doLeste da África constatou que o tempo de espera pelaágua aumentou de 28 minutos por dia em 1967 para 92minutos em 1997.2 0 A sobrecarga física e de temporesultam não tanto das longas distâncias percorridas até afonte de suprimento, como nas vilas pequenas, mas dogrande número de pessoas que têm que utilizar a mesmafonte (ver Caixa 6).

A associação entre pobreza, ambiente e habitação emáreas urbanas é crítica porque indica um campo vital paraintervenção. As políticas voltadas para a melhoria dasmoradias em áreas urbanas podem ter enormes impactosna redução da pobreza e no bem-estar ambiental.

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5 A VIDA NA FAVELA E AS NOVAS CIDADES NO EGITO1

Feryal EL Sayed chama um minúsculocômodo quadrado, onde mal cabemuma cama e dois assentos – e umcubículo ainda menor que contém umacozinha e um banheiro – de "lar”, há 15anos. O telhado improvisado está ruin-do e a Sra. EL Sayed, 62, teve queinstalar lonas de plástico sob o teto paraconter os escombros. Entretanto, elaainda está em situação melhor quealguns de seus vizinhos no Distrito 3 deEzbet EL Haggana, que não têm um tetosobre suas cabeças e que, em noiteschuvosas, são obrigados a dormirembaixo de suas camas.

Ezbet EL Haggana, uma favela quese alastra a nordeste do Cairo, é umadas maiores Ashwaiiyat urbanas, ou"áreas informais", que circundam acidade. Com mais de um milhão dehabitantes, é um dos poucos lugaresonde os mais pobres dentre os pobresdo Egito conseguem pagar por algum

tipo de moradia – um lugar onde cabosde alta tensão pairam zunindo constan-temente sobre suas cabeças, o esgotocorre a céu aberto sob seus pés e afumaça da queima do lixo enche seuspulmões.

"Além de toda sorte de doenças,temos sempre incêndios nestas casaspor causa dos cabos de alta tensão", dizHazem Hassan, da Instituição para oDesenvolvimento Integral Al-Shehab,uma organização de base que prestaassistência aos residentes de Ezbet ELHaggana desde 2001. Al-Shehab estápara construir telhados novos para 50das moradias mais ameaçadas no dis-trito, incluindo a da Sra. EL Sayed.

A população do Cairo explodiu nasúltimas três décadas, dobrando de 6,4milhões de pessoas em 1975 para 11,1milhões em 2005. As estatísticas maisrecentes do Ministério da Habitação,Serviços Públ icos e Comunidades

Urbanas do Egito mostram que existem1.221 "áreas informais" semelhantes aEzbet EL Haggana. Elas abrigam 12-15milhões dos 77 milhões de habitantesdo país. Sessenta e sete dessas áreasestão localizadas na Grande Cairo.

O Ministério tem desviado o fluxo depessoas das grandes cidades do Egitoatravés de projetos de desenvolvimentoe habitação de baixo custo nas “novascidades”. Somente os projetos na áreado Cairo já absorveram 1,2 milhão depessoas que, de outro modo, acabariammorando em Ashwaiiyat. Entretanto,apesar dos incentivos do governo,muitos ainda não têm recursos paramudar-se. Pessoas como a Sra. ELSayed vão cont inuar em Ezbet ELHaggana. Apesar de sua situação difícil,ela continua otimista, talvez por saberque tem mais sorte do que muitos deseus vizinhos – e que em breve terá umtelhado novo.

S ITUAÇÃO DA POPULAÇÃO MUNDIAL 2007

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Os avanços nos indicadores de saúde e mortalidadedependem muito do tratamento urbano da água e do esgoto.

Empoderamento e Bem-Estar das Mulheres:Os Pilares das Cidades Sustentáveis

Porque as mulheres são geralmente as mais pobresentre os pobres... eliminar a discriminação social,cultural, política e econômica contra as mulheres éum pré-requisito para a erradicação da pobreza... nocontexto do desenvolvimento sustentável.2 1

Os benefícios sociais e físicos das cidades facilitam umamudança em relação à eqüidade de gênero. Certamente, aconcentração da população em áreas urbanas abre muitaspossibilidades para as mulheres – sejam migrantes ounativas – encontrarem-se, trabalharem, formarem redessociais de apoio, trocarem informações e se organizaremem torno das coisas que mais importam para elas. Ascidades tendem a favorecer uma diversidade cultural maiore, em conseqüência, maior flexibilidade na aplicação dasnormas sociais que tradicionalmente restringem aliberdade de escolha das mulheres.

Comparadas com as áreas rurais, as cidades oferecemàs mulheres maiores facilidades educacionais e mais

opções de emprego. Fornecem maiores oportunidadespara a participação social e política, bem como acesso àmídia, à informação e à tecnologia. As cidades oferecemmuitos caminhos para o poder decisório por meio daparticipação comunitária e política. As mulheres podemusar o espaço urbano para se fazer ouvir, participar dapolítica e do desenvolvimento da comunidade, einfluenciar processos sociais e políticos em todos os níveis.

As mulheres poderão beneficiar-se da maiorproximidade e disponibilidade de serviços urbanos, comoabastecimento de água, saneamento, educação, saúde etransporte; esses serviços podem reduzir a carga tripla dasmulheres com o trabalho reprodutivo, produtivo ecomunitário, e assim melhorar a saúde das mulheres e deseus filhos e famílias.

EDUCAÇÃO EM AMBIENTES URBANOS: SUPERANDO AS

DIFERENÇAS DE GÊNERO?

A urbanização aumenta o acesso das meninas à educação epromove a aceitação cultural de seu direito à educação. Oensino básico e, especialmente, o ensino médio parameninas têm efeitos multiplicadores essenciais queaumentam o status social e econômico das mulheres eampliam sua liberdade de escolha. As mulheres com nívelde educação mais alto tendem a casar mais tarde e termenos filhos e filhos mais saudáveis, com maior intervaloentre um e outro.2 2 Na fase adulta, elas têm maior potencialde emprego, capacidade de auferir renda e poder de decisãono âmbito domiciliar.2 3 Outros benefícios incluemconhecimento e capacidade para manter e proteger suasaúde, incluindo a prevenção da gravidez indesejada e deinfecções sexualmente transmissíveis (ISTs), incluindo oHIV/AIDS. Tudo isto ajuda na luta contra a pobreza.

A capacidade das famílias de matricular tanto asmeninas quanto os meninos na escola, e de mantê-los lá,influencia fortemente a extensão e a profundidade dapobreza urbana e da transmissão da pobreza de umageração a outra. Infelizmente, nos países onde a taxa totalde matrícula é baixa, muitas meninas pobres nas áreasurbanas deixam a escola antes de estarem funcionalmentealfabetizadas. Dados de Pesquisas Nacionais sobreDemografia e Saúde (sigla em inglês, DHS) indicamquatro razões principais para a evasão escolar das meninas:falta de recursos financeiros; casamento e gravidez precoce;responsabilidades domésticas; e baixo desempenho escolar.O custo das mensalidades escolares, dos uniformes e dosmateriais, a perda da renda ou da ajuda doméstica, gastoscom transporte e outros custos de se enviar a criança à

6 OBTENDO ÁGUA EM KIBERA, A MAIORFAVELA DA ÁFRICA1

Alguns dizem que meio milhão de pessoas vivem lá.Outros apostam em mais de um milhão. Ninguém sabe aocerto. Os habitantes de Kibera vivem em barracos de lataou casas de barro sem banheiros, sem camas e quase semágua. A eletricidade é praticamente inexistente. A maioriadas latrinas de fossa estão cheias e trancadas, por isso aspessoas usam os chamados "sanitários voadores", ondedefecam em sacos plásticos, que depois jogam emmontes na rua. As crianças brincam nesses montes.

Sabina, uma mulher de meia-idade, fica sentada ao ladode um reservatório elevado para cobrar uma taxa das pes-soas que enchem recipientes de 20 litros com águasupostamente limpa. Mas a tubulação que abastece oreservatório, com muitos vazamentos, corre por valasabertas de esgoto. Quando a pressão cai, como acontecequase todos os dias, a tubulação suga excremento. "Eucobro 3 xelins (4 centavos de dólar) por lata", ela explica."Mas quando há menos água, eu aumento o preço até 5,5xelins". Sabina fica lá sentada 11 horas por dia, mas nãorecebe pagamento. Os reservatórios são controlados porfiguras carrancudas, que a população acredita serem fun-cionários do governo, que fazem um bom dinheiro comessa cobrança.

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de trabalhadores em zonas de processamento de exportação,80% são mulheres jovens.3 0

Entretanto, a maior parte do crescimento do empregofeminino está no setor informal, que responde pela maiorparte das novas oportunidades de emprego no mundo,3 1 eonde as mulheres são a grande maioria, especialmente naÁfrica e na Ásia.3 2 O emprego informal é vital por permitirque as mulheres absorvam os choques econômicos que osdomicílios pobres sofrem. Neste sentido, o trabalho dasmulheres, remunerado e não remunerado, é de importânciafundamental para manter muitos domicílios acima dapobreza.3 3 A desvantagem é que grande parte do trabalhoinformal é instável, de baixa qualidade e mal remunerado.3 4

O LONGO CAMINHO PARA A PROPRIEDADE DE IMÓVEIS

PARA AS MULHERES

Bens físicos e financeiros oferecem às mulheres mais doque bem-estar e segurança econômica. A propriedade legalde um imóvel aumenta as oportunidades da mulher deacessar crédito, gerar renda e formar uma reserva contra apobreza. Também aumenta a autonomia da mulher em seurelacionamento com o parceiro e a família, reduz a suavulnerabilidade à violência de gênero e ao HIV/AIDS efornece uma rede de segurança para as idosas.

As mulheres possuem menos de 15% da terra nomundo.3 5 Em alguns países, as mulheres não podemlegalmente possuir imóveis independente de seusmaridos, particularmente em partes da Ásia e da ÁfricaSubsaariana. Sem o título legal da terra e do imóvel, amulher não tem quase nenhuma garantia para obterempréstimos e crédito, o que limita suas opçõeseconômicas. Em alguns lugares, embora as mulherespossam legalmente possuir e herdar imóveis, os costumesdeterminam que os homens os administrem e que osimóveis passem somente para os herdeiros masculinosquando um homem morre. Nestas circunstâncias, é difícilou impossível para as mulheres exercerem na prática seusdireitos de propriedade.

Há evidências de que a dificuldade para obter apropriedade legal em áreas rurais está levando asmulheres a migrar para as cidades na esperança deconseguir um imóvel ali, onde acreditam que asperspectivas sejam melhores.3 6 As mulheres tambémpodem ter melhor acesso à informação e apoio jurídiconas áreas urbanas. Devido ao maior dinamismo social eao leque de possibilidades econômicas abertas àsmulheres, as cidades tendem a oferecer maisoportunidades de adquirir imóveis a longo prazo.

escola podem ser proibitivos para muitas famílias pobres, ereduzir a vantagem educacional urbana. Se as famíliasforem forçadas a escolher, as filhas são tipicamente asprimeiras a ficarem sem escola ou a serem tiradas da escola.

Os dados sobre os diferenciais intracidades revelamdiferenças dramáticas no acesso à educação e nos níveis dealfabetização entre favelas e bairros mais ricos. Em algunspaíses, como Bangladesh, Colômbia, Índia e Paquistão, aalfabetização das mulheres que vivem nas favelas é de 30%a 50% mais baixa do que nas comunidades não situadasem favelas.2 4 A capacidade dos jovens de continuar naescola é influenciada pela idade ao casar e ao engravidar, epela idade do chefe do domicílio. É mas provável quemulheres e homens jovens em domicílios de baixa rendatenham filhos, sejam casados ou chefiem o domicílio doque suas contrapartes de renda mais alta.2 5

O MERCADO DE TRABALHO: UMA SAÍDA?

As possibilidades de emprego são muito maisdiversificadas nas áreas urbanas, tanto para homensquanto para mulheres. A urbanização impulsionousignificativamente a participação das mulheres na força detrabalho.2 6 O emprego remunerado para as mulheres nãosomente aumenta a renda domiciliar, mas pode provocartransformações nos papéis de gênero e aumentar o statusdas mulheres na família e na sociedade.

Em todo o mundo, houve um aumento significativo noemprego assalariado não-agrícola das mulheres nos últimosanos.2 7 Novas oportunidades surgiram, especialmente nossetores de comércio2 8 e nos negócios domiciliares vinculadosàs redes globais de produção2 9. Por exemplo, dos 50 milhões

7 AJUDANDO MENINAS EM SITUAÇÃODE RUA A ENCONTRAR EMPREGO

O escritório do UNFPA na Etiópia apóia o Centro deTreinamento Bom Samaritano, uma ONG urbana queoferece cursos profissionalizantes para mulheres jovensde 18 a 25 anos de idade, com o objetivo de promover otrabalho autônomo ou a busca de emprego remunerado.Os principais grupos-alvo são meninas em situação derua – meninas de famílias de baixa renda expostas à vidana rua por causa de carência econômica, negligência, con-flitos familiares, guerras e conflitos civis. Além de oferecerdiversos cursos, como artesanato em couro, tecelagem,tricô, corte e costura, bordado e corte de cabelo, o Centrooferece capacitação em saúde, gestão doméstica,nutrição, HIV/AIDS e planejamento familiar.

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Contudo, ainda são necessárias reformas legais paraassegurar os direitos iguais das mulheres à propriedade deimóveis. Onde já existe legislação nesse sentido, as cidadescontinuam a necessitar de programas e mecanismosjurídicos para derrubar barreiras informais, como práticashabituais, falta de consciência dos próprios direitos, custoelevado da terra e da moradia, e políticas discriminatóriasde empréstimos e de regularização fundiária.

Os direitos de propriedade e o acesso ao crédito estãointimamente relacionados, portanto não é surpresa que asmulheres enfrentem dificuldades para obter recursosfinanceiros. Os programas de microcrédito atenderamparcialmente a essa necessidade. Inicialmente destacando-se no ambiente rural, o microcrédito também estápermitindo às mulheres urbanas pobres alavancar suascapacidades e melhorar sua renda.

PODER ATRAVÉS DA VOZ: A FORÇA DAS ORGANIZAÇÕES

COMUNITÁRIAS

O poder decisório é um dos principais indicadores doempoderamento das mulheres. As perspectivas de

participação formal das mulheres na política estãomelhorando, apesar dos muitos desafios que enfrentam,incluindo a discriminação e o preconceito de gênero,múltiplas responsabilidades mal recompensadas eexigências sobre seu tempo e sua energia, falta de apoioem áreas cruciais como a saúde reprodutiva, e faltade recursos.

Alguns governos decretaram quotas ou leis deparidade para combater essas barreiras e garantir umaparticipação mínima das mulheres nas câmaras devereadores e governos locais.3 7 Não obstante, as mulheresperfazem somente 16% dos membros dos parlamentosnacionais na África e na Ásia, e 9% nos Estados Árabes.3 8

Essas porcentagens estão bem abaixo do que se acreditaser uma "massa crítica" para que as mulheres influenciemas políticas e os gastos prioritários.

Apesar deste cenário árido nas capitais das nações, aparticipação das mulheres na gestão descentralizadaaumentou. Os governos locais oferecem maisoportunidades para o empoderamento e a participaçãopolítica das mulheres, uma situação que afeta

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8 AS MUITAS FACES DAS ORGANIZAÇÕES DE MULHERES EM ÁREAS URBANAS

As áreas urbanas geralmente ofereceminformações, comunicações e tecnolo-gia de melhor qualidade. Isso permite àsmulheres organizarem-se mais rapida-mente e mais efetivamente, e permiteque grupos que começam comopequenos coletivos tornem-se redesmaiores e até mesmo movimentos inter-nacionais. A Comissão Huairou, criadana Quarta Conferência Mundial dasMulheres em Beijing, é um exemplo. Apresença de 35 mil participantes daorganização não governamental, origi-nárias de diferentes lugares do mundo,forneceu o impulso para a articulaçãocontínua dessas organizações, a maioriadirigida por mulheres, resultando em ummovimento verdadeiramente global,capaz de influenciar os formuladores depolíticas nos níveis local, regional einternacional em questões relacionadasa habitat e meio ambiente.1

Com mais possibilidade de usar noti-ciários, rádio e televisão, as mensagenspodem ser disseminadas instantanea-mente, incentivando a aprendizagem emáreas como a saúde, promovendo causasespecíficas e aumentando o conhecimen-

to sobre os direitos das mulheres em umafrente mais ampla. A CEMINA (Comu-nicação, Educação e Informação sobreGênero), por exemplo, alcança milharesde ouvintes em algumas das comu-nidades mais pobres de todo o Brasil.Com 400 programas de rádio, a Rede deRádio das Mulheres leva educação sobreigualdade de gênero, saúde e questõesambientais para dentro de muitos lares.2

Com participação em vários grupos,de grupos cívicos a grupos de poupança,as mulheres urbanas têm sido agentesativos de mudança em suas comunidades– atuando para atender às necessidadesde habitação e para melhorar serviçosessenciais, efetuar melhorias nas favelas efornecer uma estrutura para a segurançaeconômica.3 A Associação de Trabalha-doras Autônomas, um sindicato com 700mil membros em seis estados da Índia,construiu estabelecimentos que oferecemserviços de saúde, atenção às crianças,seguros, pesquisa, capacitação, comuni-cação e marketing, além de habitação einfra-estrutura para mulheres urbanaspobres que trabalham na economia infor-mal.4 Tais esforços muitas vezes seguem

em frente sem apoio governamental ouinternacional; entretanto, quando osesforços das mulheres são reconhecidos eincorporados na programação, o resultadoé inestimável. O projeto CAMEBAdemonstra isso de maneira vibrante: umprojeto de urbanização de favelas emCaracas, Venezuela, apoiado pelo BancoMundial, tornou-se mais eficiente e sus-tentável após a inclusão de grupos dasmulheres que já estavam atuando naponta há muitos anos.

Em muitos casos, as organizaçõesde mulheres podem fazer coisas queoutros movimentos sociais não con-seguem. Algumas das desvantagensque as mulheres enfrentam podem sertrans formadas em uma espécie de van-tagem. As mulheres e suas organizaçõessão menos ameaçadoras, não somentepara os governos, mas também paragangues locais e grupos similares.Assim, há situações onde as organiza-ções de homens seriam rapidamentecorrompidas ou afetadas pelas forçasdominantes, ao passo que as organiza-ções de mulheres podem ganhar podere apoio.5

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positivamente as perspectivas das mulheres em meio aoaumento da urbanização. Além disso, os países com umapercentagem mais alta de mulheres vereadorasprovavelmente terão um número mais alto de mulheresparlamentares, o que pode, por sua vez, beneficiar asmulheres em nível municipal.3 9

Portanto, a urbanização pode ser um importante fatorna criação das condições para o empoderamento dasmulheres. Transformar esse potencial em realidade é umadas maneiras mais eficazes de promover os direitoshumanos, melhorando as condições de vida dos pobres etransformando as cidades dos países em desenvolvimentoem lugares melhores para se viver.

As cidades permitem a participação social e política dasmulheres em muitos níveis. Para as mulheres pobres, cujasvidas sempre foram confinadas ao lar, à família e aotrabalho, o ato de juntar-se a uma organizaçãoimediatamente amplia suas perspectivas. uando asmulheres participam ativamente de uma organização, ouassumem papéis de liderança, ganham auto-confiança,novas habilidades, conhecimento e uma compreensão

maior do mundo. A organização pode abordar muitas daslimitações que a pobreza impõe às mulheres pobres; podecomeçar a equilibrar os custos e os riscos do trabalhoinformal. Pode também ajudar a reduzir avulnerabilidade, a insegurança e a dependência dasmulheres pobres, além da falta de conhecimento sobre omundo exterior e seu funcionamento.

A organização também ajuda as mulheres que têmpoucos bens a compartilhar recursos, aumentando assimseu poder econômico. Grupos de poupança e créditopodem ajudar os trabalhadores pobres a acessar serviçosde microfinanciamento, e os produtores com poucocapital podem juntar seus recursos para comprar insumosa preço de atacado.4 0

Tais vantagens podem ser fortalecidas com maiorapoio. As mulheres pobres precisam de uma vozrepresentativa nas instituições e nos processos queestabelecem as políticas sociais e econômicas em umaeconomia global, para que as condições de vida e detrabalho dos pobres continuem melhorando. Asnegociações internacionais, regionais e nacionais a respeito

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Mulheres têm a oportunidade de conviver e discutir suas preocupações em um vagão exclusivamente feminino na linha que cruza Mumbai, Índia.

© Angela Jimenez/World Picture News

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de acordos de livre comércio, os Objetivos deDesenvolvimento do Milênio e as estratégias de redução dapobreza precisam incluir as vozes e os interesses dos grupospobres da cidade e, em particular, dos trabalhadoresinformais, a maioria dos quais são mulheres. Garantir umavoz para as mulheres urbanas pobres no nível mais altorequer o apoio dos governos e das organizaçõesinternacionais ao crescimento de suas organizações e aodesenvolvimento de sua capacidade para a liderança.

O ACESSO À SAÚDE REPRODUTIVA:

DEVERIA SER MUITO MELHOR

O acesso ao atendimento à saúde é particularmente vitalpara as mulheres por causa de suas funções reprodutivas,porque elas são sobrecarregadas com os cuidados com osidosos e os doentes, e porque elas contribuem mais paraaliviar a pobreza em nível comunitário.4 1 A melhoria doacesso das mulheres à educação e ao emprego contribuipara seu empoderamento no todo, sua capacidade deexercer seu direito à saúde, incluindo a saúde reprodutiva,e, de modo geral, melhora suas oportunidades de vida.

Esses serviços e oportunidades tendem a estar maisprontamente disponíveis às mulheres nas áreas urbanas doque nas áreas rurais. Mas para as mulheres pobres, a faltade tempo e dinheiro, e a falta de liberdade para tomardecisões no âmbito domiciliar, ou até mesmo para sedeslocarem pela cidade, podem eliminar as vantagens. Nas

áreas urbanas, políticas e programas de saúde inclusivos,junto com um direcionamento melhor dos serviços e dosrecursos, poderiam rapidamente melhorar a saúde dasmulheres, particularmente sua saúde reprodutiva.

As relações de gênero e a pobreza condicionam omodo como os casais e as famílias abordam ocomportamento sexual e reprodutivo. As mulheresurbanas pobres estão expostas a níveis mais altos de riscoà saúde reprodutiva do que as outras mulheres urbanas.Também é menos provável que consigam obter serviçosde qualidade. É mais provável que enfrentem a violênciade gênero no lar e nas ruas, e que continuem a sersubmetidas a práticas tradicionais prejudiciais.

As taxas de fecundidade totais são mais baixas nasáreas urbanas do que nas áreas rurais em todo o mundo.4 2

Mas isso não significa que todas as mulheres urbanas têmo mesmo acesso à atenção à saúde reprodutiva, ou mesmoque todas possam ter suas necessidades de contracepçãoatendidas. A probabilidade de as mulheres pobres dentrodas cidades não usarem métodos anticoncepcionais e deterem taxas de fecundidade mais altas do que suascontrapartes mais abastadas é significativa. Às vezes suasituação de saúde reprodutiva assemelha-se à dasmulheres rurais4 3 (ver Figura 4).

O não atendimento das necessidades de contracepçãodas mulheres varia previsivelmente de acordo com apobreza relativa. Estudos abrangendo Ásia, América

Figura 4: Taxa de Fecundidade Total para Residentes de Áreas Urbanas de Favela, para Outras Áreas Urbanas

e para Áreas Rurais: Países Africanos Selecionados, 2003-2004

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Latina, Norte da África e África Subsaariana demonstramníveis geralmente mais altos de não atendimento entre apopulação rural em comparação com a população urbana.Ou seja, a população urbana pobre encontra-se numasituação intermediária entre a população rural e o resto dapopulação urbana.4 4 No Sudeste da Ásia, por exemplo, anecessidade não atendida estimada é de 23% entre apopulação urbana pobre, comparada com apenas 16%entre a população urbana não pobre.4 5

De modo geral, a pobreza pode ser um indicadormelhor de padrões de fecundidade do que a residênciarural ou urbana. Para os formuladores de políticaspreocupados com a taxa de crescimento urbano, seráespecialmente importanteexaminar as interações entrepopulação e pobreza,especialmente em ambientesurbanos.4 6 Priorizar oempoderamento das mulheres,aumentando seu acesso àeducação e ao emprego, efornecendo informações e serviçosde saúde sexual e reprodutiva dequalidade, tanto para as mulheresquanto para os homens, amplia oleque de opções das mulheres e conduz a famíliasmenores e mais saudáveis. Isso ajuda a atender àsnecessidades e direitos dos indivíduos, ao mesmo tempomelhorando as perspectivas para o crescimentoeconômico e o bem-estar humano.

VIOLÊNCIA DE GÊNERO

A violência de gênero, com os tremendos danos físicos,psicológicos e financeiros que inflige às mulheres e àsociedade, é uma característica da vida urbana,independente de renda ou grau de instrução. A violênciaem suas diversas formas, desde a intimidação até oestupro, limita os movimentos das mulheres pela cidade,4 7

reduzindo sua liberdade de buscar emprego, serviçossociais e atividades de lazer. O abuso físico e sexualtambém é um fator da gravidez indesejada, nas infecçõessexualmente transmissíveis (incluindo HIV) e nascomplicações da gravidez.4 8

É muito mais provável que as mulheres nosambientes urbanos relatem terem sofrido violência doque suas contrapartes rurais.4 9 Parte disso pode seratribuído simplesmente às melhores condições paradenunciar a violência nas áreas urbanas. Contudo, as

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mulheres podem, na verdade, estar sob risco maior deviolência de gênero nas áreas urbanas por causa dadeterioração das normas culturais que governam asrelações entre os sexos e a menor probabilidade de osvizinhos intervirem. A pobreza, a mudança para umambiente novo (no caso dos migrantes), o desemprego,os baixos salários, a exclusão social e o racismo podemproduzir frustração entre os homens e vulnerabilidadeentre as mulheres. Os mais carentes são os maispropensos a serem afetados.5 0 As crianças de rua e astrabalhadoras do sexo são especialmente vulneráveis.5 1

As rápidas mudanças nas normas a respeito dos papéismasculino e feminino também podem aumentar a

violência doméstica.5 2 Um estudorealizado nas Filipinas constatou que apobreza e a residência urbana estãoassociadas a uma probabilidade maiorde violência praticada pelo parceiroíntimo. Um estudo de mulheresurbanas em Moshi, na RepúblicaUnida da Tanzânia, constatou que21,2% haviam experimentado umincidente de violência praticada peloparceiro íntimo ao longo do anoanterior ao estudo, e mais de um

quarto das mulheres entrevistadas haviam experimentadoeste tipo de violência em algum momento de suas vidas.5 3

MORTALIDADE MATERNA E INFANTIL

A mortalidade materna continua incrivelmente alta, nacifra aproximada de 529 mil mortes maternas por ano,sendo mais de 99% nos países em desenvolvimento, eem grande parte evitáveis.5 4 uatro em cada cinco dasmortes maternas são resultado direto de complicaçõesobstétricas,5 5 a maioria das quais poderia ser evitada como parto atendido por um profissional capacitado e acessoa serviços obstétricos de emergência.

A assistência capacitada e o acesso a atendimento deemergência explicam por que a mortalidade maternageralmente é mais baixa nas áreas urbanas, onde é trêsvezes mais provável que as mulheres contem comassistência de profissional capacitado durante o partodo que as mulheres em áreas rurais.5 6 Entretanto, émenos provável que as mulheres urbanas pobres sejamatendidas por profissional capacitado durante o parto.5 7

Por exemplo, somente 10% a 20% das mulheres têm oparto atendido por profissional de saúde capacitado nosbairros degradados do uênia, Mali, Ruanda e

muito mais provável que as mulheres

nos ambientes urbanos relatem terem

sofrido violência do que suas contrapartes

rurais, em parte . . . por causa da

deterioração das normas culturais que

governam as relaç es entre os sexos.

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Uganda, em comparação com 68% a 86% nas áreasurbanas não degradadas.5 8

Há uma série de razões para que as mulheres urbanaspobres não procurem atendimento pré-natal e ao parto.As razões incluem a pobreza e a priorização de outrosgastos domiciliares, outras demandas sobre seu tempodevido a suas muitas outras responsabilidades e a ausênciade infra-estrutura de apoio, como transporte e creches.5 9

A carência de moradia aumenta as taxas demortalidade de crianças menores de cinco anos deidade. Na Etiópia, a taxa de mortalidade nos bairrosdegradados (180 por 1.000 nascidos vivos) é quase odobro da taxa de mortalidade em bairros nãodegradados (95 por 1.000 nascidos vivos). Diferenciaissemelhantes prevalecem em Guiné, Nigéria, Ruanda eRepública Unida da Tanzânia. Em países comoFilipinas e Uzbequistão, com níveis muito mais baixosde mortalidade infantil, também há uma relação entrea carência de moradia e a sobrevivência infantil.

Embora as crianças pobres nascidas nas cidadesestejam mais perto de hospitais e postos de saúde, e

seus pais sejam geralmente mais bem informados, elasainda morrem a taxas comparáveis às das criançasrurais.6 0 As condições de vida insalubres, moradiassuperlotadas e sem serviços adequados de água e esgotocriam um terreno fértil para as doenças respiratórias eintestinais, e aumentam a mortalidade entre criançasurbanas desnutridas.6 1

Nas áreas rurais do uênia, quase duas vezes maiscrianças menores de cinco anos morrem por 1.000nascidos vivos do que em Nairobi, a capital.Entretanto, as taxas de mortalidade são muito maisaltas nos assentamentos informais da capital, onde viveaproximadamente a metade da população de Nairobi.Em ibera, uma das maiores favelas da África, quaseuma criança em cada cinco morre antes de completarcinco anos de idade. Estudos em muitas outras cidadestambém revelaram taxas de mortalidade em menores decinco anos de 100-250 por 1.000 nascidos vivos emalguns assentamentos.

HIV/AIDS EM UM CONTEXTO URBANO: NOVOS RISCOS,

NOVAS OPORTUNIDADES

Nos ambientes urbanos, o risco e a prevalência deHIV/AIDS aumentam, mas as possibilidades de reduzir aepidemia a longo prazo parecem ser melhores. Atualmente,a situação é desanimadora. Os migrantes rurais-urbanosdeixam para trás não apenas cônjuge e família, mas comfreqüência também deixam as restrições habituais aocomportamento sexual. A necessidade de conseguirdinheiro, a pobreza e a discriminação de gênero podemaumentar o sexo comercial; ao mesmo tempo, reduzem asoportunidades de negociar sexo seguro, especialmente paraas mulheres e as meninas, mas também para os rapazes emeninos. O uso de drogas injetáveis tende a ser maior emambientes urbanos. As infecções sexualmente transmissíveise a tuberculose, que favorecem a infecção e a transmissãodo HIV, também são mais comuns nas áreas urbanas.

Algumas pessoas vivendo com HIV em áreas ruraismigram para as cidades em busca de melhor tratamento eatenção, incluindo medicamentos antiretrovirais. Emconseqüência, a prevalência do HIV geralmente é maisalta na população urbana do que na rural na ÁfricaSubsaariana, o epicentro da epidemia de AIDS.6 2

Botsuana e África do Sul têm níveis altos de urbanização,e um nível de prevalência de HIV extremamente alto.

A pobreza urbana está associada à transmissão doHIV e reduz a probabilidade de tratamento. As criançasem situação de rua, os órfãos, os trabalhadores do sexo e

9 SAÚDE REPRODUTIVA NAS FAVELASDE MAHARASHTRA

O número de moradores de favelas na Índia foi estimadoem 40,3 milhões no censo de 2001, isto é, aproximada-mente 14,2% da população urbana total. Um projeto doUNFPA no Estado de Maharashtra funciona em cincomunicípios que experimentaram crescimento rápido daspopulações urbanas de favelas.

Nas áreas remotas e inacessíveis das favelas, o projetoreformou e equipou centros de atenção obstétrica básicae de emergência para a prestação integral de serviços. Oprojeto está trabalhando com grupos de mulheres parafortalecer o conhecimento e as capacidades desse seg-mento na área de saúde reprodutiva, bem como osmecanismos institucionais e comunitários para combatera violência de gênero.

O projeto também oferece espaços para os adoles-centes discutirem suas questões de saúde sexual ereprodutiva em um ambiente seguro e acolhedor; pro-move melhor acesso a informações e serviços de saúdereprodutiva; e oferece oportunidades para que os adoles-centes desenvolvam suas competências de vida.

Além disso, o projeto montou depósitos comunitáriosvoluntários para a distribuição de anticoncepcionais nãoclínicos. A vantagem desta abordagem é que ela conectaas comunidades e as instituições de saúde, aumentando aacessibilidade.

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as mulheres pobres em áreas urbanas são particularmentevulneráveis à infecção por HIV. É mais provável que asmulheres urbanas pobres tornem-se vítimas da violênciasexual ou do tráfico de seres humanos, aumentando suavulnerabilidade ao vírus; além disso, é menos provávelque saibam como se proteger.6 3 As mulheres ameaçadaspela violência não conseguem negociar sexo seguro.

Entretanto, há boas novas. A evidência recente de umaqueda na prevalência do HIV nas áreas urbanas de algunspaíses sugere que a urbanização pode ter o potencial dereduzir a epidemia. Os preservativos – a chave para aprevenção do HIV – e a informação sobre a transmissão dovírus podem estar mais prontamente disponíveis nas áreasurbanas. O estigma e a discriminação também podem sermenores nas áreas urbanas, por causa da educação melhor eda exposição maior a pessoas vivendo com HIV/AIDS.

Contradições Sociais das Cidades emExpansão: Diálogo e DivergênciaA VELOCIDADE CRESCENTE DA MUDANÇA CULTURAL

Desde os anos 50, a rápida urbanização tem sido umcatalisador da mudança cultural. À medida que a

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globalização avança, a transição urbana tem um impactoenorme nas idéias, nos valores e nas crenças. Taistransformações não têm sido tão uniformes outranqüilas quanto os cientistas sociais previram. Aslacunas cada vez maiores entre os grupos sociaistornaram a desigualdade mais visível. Nesse clima, ascidades grandes podem gerar a criatividade e asolidariedade, mas também tornam os conflitos sociaismais intensos.6 4

As cidades em rápida expansão, especialmente asmaiores, incluem várias gerações de migrantes, cadauma com diferentes antecedentes sociais e culturais. Avida urbana expõe os recém-chegados a uma variedadede estímulos culturais e lhes apresenta novas opçõespara uma variedade de questões, desde como suasfamílias estão organizadas até o que fazer com seutempo livre. Nesse sentido, a urbanização ofereceoportunidades para um amplo enriquecimento culturale é a principal força motriz da modernização. Por meioda interação dos novos habitantes urbanos com as áreasrurais, ela também acelera a mudança social nasdiferentes regiões.

Ativista pelos direitos das pessoas vivendo com HIV atua nas favelas de Lagos, Nigéria.

© Ton Koene/Still Pictures▼

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Ao mesmo tempo, os habitantes urbanos podemperder o contato com normas e valores tradicionais.Podem desenvolver novas ambições, mas nem sempredispõem de meios para realizá-las. Isso, por sua vez,pode levar a um sentimento de isolamento emarginalização, acompanhado de crises de identidade,sentimentos de frustração e comportamento agressivo.Muitas pessoas nos países em desenvolvimento tambémassociam os processos de modernização e globalizaçãocom a imposição de valores ocidentais em suas própriasculturas, e se ressentem com isso.6 5

URBANIZAÇÃO E O RESGATE DA RELIGIÃO

O resgate da religião em suas diversas formas é uma dastransformações culturais mais visíveis que acompanham aurbanização. Esperava-se que a rápida urbanizaçãosignificasse o triunfo da racionalidade, dos valores secularese da desmistificação do mundo, e que a religião fosserelegada a um papel secundário. Em vez disso, houve umarenovação do interesse religioso em muitos países.

O crescimento de novos movimentos religiosos ébasicamente um fenômeno urbano,6 6 como, por exemplo,o Islã radical na região árabe, o cristianismo pentecostalna América Latina e partes da África e o culto a Shivajiem partes da Índia. Na China, onde as cidades crescem auma velocidade estonteante, os movimentos religiososganham adeptos rapidamente.

O aumento da urbanização, junto com odesenvolvimento econômico lento e a globalização,ajudou a aumentar a diversidade religiosa como parte damultiplicação das subculturas nas cidades. Em lugar doresgate de uma tradição, os novos movimentos religiosospodem ser vistos como adaptações da religião a novascircunstâncias.

As pesquisas tendem a enfocar as respostas religiosasextremas – que de fato vêm ganhando numerososseguidores – e por isso tendem a agrupar todas elas sob acategoria de "fundamentalismo". Contudo, o resgatereligioso apresenta diversas formas com diferentes impactos,variando de filosofia descompromissada da nova era" até aimersão no processo político. Ao longo desse continuum, hámuitas manifestações de adesão religiosa. Em conjunto, elasestão mudando rapidamente a dinâmica política e asidentidades sociais dos cidadãos globais de hoje.6 7

VIOLÊNCIA E INSEGURANÇA NAS CIDADES

A violência e a insegurança interpessoal estãoaumentando, particularmente nas áreas urbanas dos países

mais pobres. Isso representa um custo imenso paraindivíduos, comunidades e mesmo nações, e está setransformando rapidamente em uma grave questão desegurança e saúde pública. A violência tende a ser maisintensa nas cidades maiores e em rápida expansão.

As condições de vida cotidianas da populaçãourbana pobre foram fortemente correlacionadas com aexclusão e a desigualdade social, que tendem a ser maisevidentes e a gerar mais ressentimento nas cidades.6 8

Podem aumentar o potencial para o surgimento deconflito, crime ou violência. A inadequação dasinstituições do Estado, particularmente as polícias e osistema judiciário, afeta mais severamente os pobres. Asmulheres são as principais vítimas, particularmente daviolência sexual e doméstica.

O aumento da violência também está associado àglobalização e ao ajuste estrutural, que agravaram adesigualdade ao reduzir a capacidade do Estado pararealizar ações corretivas. As organizações criminosasaproveitam-se da abertura dos mercados para criar umaeconomia global ilícita, promovendo novas formas defraude eletrônica e de tráfico internacional.6 9 Aglobalização da indústria de drogas ilícitas, em particular,tem um efeito multiplicador na violência e nacriminalidade.

A violência provoca uma ampla gama de impactosdiretos e indiretos sobre a organização econômica,política e social, e tem um impacto enorme nodesenvolvimento: por exemplo, se a região da AméricaLatina tivesse uma taxa de criminalidade semelhante à doresto do mundo, seu produto interno bruto per capitapoderia ser "surpreendentemente, 25% maior".7 0

A organização do espaço urbano também é afetadapelo crime e pela violência. As classes média e altaenclausuram-se e pagam por segurança privada. Mas aprópria privatização da segurança pode ser uma fonte deviolência e desrespeito aos direitos humanos.7 1

Os impactos da criminalidade, do roubo, do estupro eda agressão sobre as comunidades mais pobres são muitomais severos. O mais prejudicial talvez seja a erosão docapital social – a confiança recíproca firmementeestabelecida entre vizinhos e membros da comunidade –que por si só já é uma proteção eficaz contra o crime.7 2

É particularmente importante destacar que os jovenscom idades entre 15 e 24 anos cometem o maior númerode atos violentos e também são as principais vítimas daviolência. O advento da "expansão jovem" pode sinalizaruma escalada de violência, a menos que medidas

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preventivas sejam adotadas agora. Embora as mulheressejam vulneráveis, especialmente à violência e ao assédiosexual, é muito mais provável que os homens se tornemvítimas de crimes violentos (Figura 5). Os homens jovenssão tanto os principais perpetradores quanto as principaisvítimas de homicídios.

Como em muitas das situações descritas por esteRelatório, uma ação efetiva contra a violência urbanaexige uma abordagem de longo prazo. As raízes do crimenão podem ser eliminadas de um dia para o outro. Osformuladores de políticas devem abordar a violência nãoapenas como uma questão de patologia social, mas comoum cerceamento fundamental da subsistência dospobres.7 3 Para alterar a escalada da violência, é precisocriar respostas efetivas contra a pobreza, a desigualdade ea exclusão social.

As Mudanças Demográficas das Cidadesem ExpansãoPESSOAS JOVENS EM CIDADES JOVENS7 4

Um claro aumento de jovens marca o perfil demográficodas cidades nos países em desenvolvimento; esse aumento éparticularmente significativo nas populações das favelas. Ossucessos e os fracassos individuais dos jovens à medida quesurfam a onda do crescimento urbano serão decisivos parao desenvolvimento futuro, pois estas mudançasdemográficas drásticas, combinadas com a pobreza e o

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desemprego persistentes, são uma fonte de conflito nascidades de todos os países em desenvolvimento. Contudo,os processos políticos raramente refletem as prioridades dosjovens, especialmente das centenas de milhões de criançasurbanas que vivem na pobreza e em condições queameaçam sua saúde, segurança, educação e perspectivas.

Os jovens são tipicamente dinâmicos, engenhosos ereceptivos a mudanças. Mas se forem negligenciados,deixados fora da escola, sem orientação e sem emprego,sua energia pode tomar um sentido destrutivo – muitasvezes, autodestrutivo. Investir nas crianças urbanas e nosjovens, ajudando-os a se integrarem plenamente àsociedade, é uma questão de direitos humanos e justiçasocial. Também é a chave para desencadear benefícioseconômicos potenciais e garantir a segurança urbana.

Estima-se que até 60% de todos os moradores urbanosterão menos de 18 anos até 2030.7 5 Se medidas urgentesnão forem tomadas em termos de serviços básicos,emprego e habitação, os jovens crescerão na pobreza. Onúmero de crianças nascidas em favelas no mundo emdesenvolvimento está aumentando rapidamente. A Figura6 mostra que as favelas geralmente apresentam umaproporção muito mais alta de crianças. Os problemas desaúde associados a tais ambientes já foram descritos.

Uma preocupação específica é a proliferação decrianças de rua e órfãos desabrigados. Nas vilas pequenas,a família estendida ou a comunidade normalmente

Figura 5: Taxas Estimadas de Homicídio e Suicídio, por Idade: Mundo, 2000

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adotará ou abrigará as crianças órfãs ou desabrigadas.Crianças e jovens urbanos que perderam seus pais para aAIDS não contam com famílias estendidas para cuidar ouficar de olho neles. São vulneráveis a rapto e tráfico parafins sexuais. As ISTs, incluindo o HIV/AIDS, e o risco deserem envolvidos ou vitimados pelo crime é alto nessesgrupos marginalizados.

NECESSIDADES NÃO ATENDIDAS: EDUCAÇÃO, SAÚDE E

EMPREGOS PARA OS JOVENS

Os jovens precisam saber ler, escrever e contar, e ter umnível adequado de educação formal a fim de operar emambientes urbanos complexos, e aproveitar ao máximo asoportunidades urbanas. A taxa de matrículas escolarespode ser mais alta nas cidades porque as escolas estão maisperto de onde as pessoas vivem, mas novamente ospobres, e particularmente as meninas pobres, têm poucasoportunidades. A transição do ensino primário para osecundário é especialmente problemática pois, nessa fase,muitos jovens têm que começar a trabalhar para ajudar nosustento de suas famílias. As meninas são freqüentementetiradas da escola para ajudar no trabalho doméstico oupara casar-se, uma prática que prevalece em muitascidades da África Subsaariana. As escolas podem negar-sea matricular crianças de favelas porque seus assentamentosnão possuem status oficial. Muitas famílias podem não terrecursos para os custos indiretos da educação "gratuita",como uniformes, livros e outros materiais. Finalmente, a

qualidade da educação nas escolas em favelas é, compoucas exceções, significativamente inferior, neutralizandoassim a vantagem urbana.

Não é surpresa que os perigos relacionados ao sistemade ensino sejam muito mais altos para as meninas.Fatores como os riscos do trajeto até a escola e de voltapara casa, banheiros inadequados, superlotação e assédiosexual impedem os pais de matricular suas filhas naescola. O abuso sexual pelos professores e outros alunosfoi documentado em diversos países e aumenta as taxasde evasão. Tais obstáculos combinam-se com práticasculturais e sociais contra a educação das meninas e afavor do casamento precoce. Em alguns países da ÁfricaSubsaariana, como Benin, Costa do Marfim, Guiné eMali, somente 50% das meninas em idade escolar estãomatriculadas nas escolas urbanas. Na maioria dos outros,entre 20% e 30% das meninas que vivem nas favelasestão fora da escola. Políticas e programas educacionaisgeograficamente direcionados têm tanta importânciaquanto a carência de moradia para aumentar as taxas dematrícula das meninas. Sistemas educacionais informais eflexíveis são necessários para acomodar essas situações.

A adolescência é o momento quando a maioria dosjovens inicia a atividade sexual. A falta de acesso ainformações e serviços de saúde sexual e reprodutiva podeconduzir à gravidez indesejada e abortos inseguros. O fatode que os jovens, mesmo nas áreas urbanas, não dispõemde informações ou serviços adequados de saúde sexual e

Figura 6: Faixas Etárias mais Jovens como Percentagem da População Masculina e Feminina, por Residência em Favela

ou Fora Dela, em Países Selecionados

Fonte: UN-Habitat. 2007. Urban Indicators Database.

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reprodutiva é motivo de preocupação na era da pandemiado HIV/AIDS. Aproximadamente a metade de todas asnovas infecções por HIV ocorre entre jovens de 15 a 24anos de idade, e particularmente entre as meninas.7 6

O desemprego e o subemprego são questões muitoimportantes para os jovens urbanos que estão tentandogarantir o seu próprio sustento e de suas famíliasestendidas nas cidades. É mais provável que os jovensque vivem na pobreza urbana já sejam casados, tenhampelo menos um filho e chefiem o domicílio, o queimplica terem que assumir responsabilidades financeirasmaiores precocemente.7 7 É mais provável que asmulheres jovens sem instrução encontrem apenastrabalho temporário e informal.

A frustração dos homens jovens de se verem incapazesde encontrar emprego adequado, ou de desenvolver meiosde vida produtivos e decentes, contribui para ocomportamento violento nas ruas ou no lar. Mulheresjovens solteiras com futuros financeiros incertos podemrecorrer ao casamento ou à prostituição para garantir opróprio sustento e de seus filhos, aumentando seu risco desofrer violência sexual e exposição ao HIV/AIDS.

Programas que ofereçam capacitação e estágioprofissional, e que aumentem o acesso a capital e apoiopara microempresas podem ajudar os jovens a realizaremseu potencial econômico. A capacidade das cidades deabsorver o trabalho dos jovens será um fator determinantepara o sucesso futuro das cidades e de suas populações.

A vida urbana aumenta tremendamente a exposiçãodos jovens às novas tecnologias, à mídia de massa e àcultura global. A internet é, na maioria dos países em

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desenvolvimento, um fenômeno exclusivamente urbano.Ela poderia ser usada mais efetivamente para capacitar osjovens e proporcionar oportunidades de emprego.

ENVOLVENDO OS JOVENS NAS DECISÕES QUE AFETAM

SUAS VIDAS

A importância de se envolver os jovens na melhoria desuas vizinhanças está sendo cada vez mais reconhecida. Osjovens têm o direito de se pronunciar sobre as questõesque os afetam. Eles também são especialistas em seuspróprios ambientes e estão em melhor posição paraidentificar não somente os problemas que os confrontam,mas também possíveis soluções. A internet, quemultiplicou tremendamente a comunicação entre osjovens, poderia ser transformada em uma ferramentaimportante para alcançar esse segmento e promover suaparticipação efetiva nos governos locais.

O reconhecimento da necessidade de se envolver osjovens nos governos locais vem fomentando iniciativascomo a do movimento "Cidades Amigas das Crianças"(uma rede informal de prefeituras que assumem ocompromisso de envolver as crianças no processo detornar as cidades melhores para elas), e o programa"Crescendo nas Cidades" (que apóia crianças em bairrosurbanos de baixa renda em todo o mundo na avaliaçãode seus ambientes e no trabalho com as autoridadeslocais para melhorar seus bairros).7 8

ENVELHECIMENTO E URBANIZAÇÃO7 9

O número e a proporção de idosos está aumentando emtodo o mundo. A urbanização nos países emdesenvolvimento concentrará uma proporção crescente dapopulação idosa nas áreas urbanas. Na África e na Ásia, osidosos ainda vivem predominantemente nas áreas rurais,mas espera-se que essa situação inverta-se antes de 2020.8 0

Dado o contexto de acesso limitado aos serviçossociais, a alta incidência da pobreza e a baixa coberturada previdência social em muitos países, esse aumentono número de idosos desafiará a capacidade dosgovernos nacionais e locais. Em princípio, as áreasurbanas oferecem condições mais favoráveis: melhoresserviços de saúde, atendimento domiciliar e recreação,bem como mais acesso a informação e novastecnologias.8 1 As áreas urbanas também propiciam osurgimento de associações de idosos, bem como odesenvolvimento de serviços comunitários de apoio aidosos doentes e fracos.

Entretanto, para se beneficiarem dessas vantagens

10 PROTEGENDO A SAÚDE, REDUZINDOA POBREZA

O escritório do UNFPA no Senegal apóia um projeto volta-do para meninas adolescentes, em parceria com aFundação das Nações Unidas, que combina saúde repro-dutiva e atividades relacionadas a meios de subsistência ecompetências para a vida no âmbito de estratégias deredução da pobreza. O UNFPA também apóia a oferta deserviços de testagem e aconselhamento para HIV emcentros de jovens nas áreas urbanas, onde os jovens estãomais vulneráveis à sexualidade precoce, gravidez indese-jada e infecções sexualmente transmissíveis . Asatividades de prevenção são direcionadas para popu-lações como migrantes e motoristas de caminhão, quepodem colocar os jovens em risco.

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teóricas, os idosos necessitam de segurança econômica,sistemas fortes de apoio social, acesso a transporte dequalidade e acesso desimpedido e gratuito aos espaçosurbanos.8 2 Na maioria das cidades do mundo emdesenvolvimento, essas vantagens potenciais são solapadaspela pobreza e por limitações físicas ou institucionais.Além disso, muitas vezes os idosos ficam invisíveis,"perdidos" entre outras prioridades. A urbanização tende acorroer as normas e valores socioculturais tradicionais, asredes sociais e estruturas de apoio familiar que favorecemo apoio aos idosos por parte das comunidades e famílias.

Três áreas principais precisam ser abordadas: ajudar osidosos a preservar sua autonomia e vida independentepelo maior tempo possível; oferecer serviços de saúde eoutros serviços sociais, incluindo cuidados de longoprazo; e garantir níveis mais altos de segurançaeconômica por meio dos sistemas de proteção social paraos mais vulneráveis social e economicamente.

Atenção particular deve ser dada à situação dasmulheres, que têm menor probabilidade de ter economiasou emprego de tempo integral, e que tendem a viver maistempo, perdendo assim o apoio do parceiro. É maisprovável que tenham trabalhado no setor informal,portanto não terão direito a pensão ou previdência social,nem terão acumulado poupança. Além disso, dada a faltade proteção do Estado, é provável que a responsabilidadede cuidar dos idosos e doentes pese exclusivamente sobreos ombros das mulheres e meninas.

Os dados necessários para analisar e monitorar essasquestões têm que ser melhorados e atualizados, inclusive

mapeando-se a situação dos idosos e sua segregação sociale espacial.8 3 A fim de maximizar os benefícios dodesenvolvimento da urbanização para os idosos, e aomesmo tempo minimizar seus possíveis impactosnegativos, novas abordagens são necessárias. A Caixa 12oferece um exemplo de caso sobre a abordagem dasquestões que afetam as populações em processo deenvelhecimento na Ásia.

Melhorando a Governança Urbana eEnvolvendo os Pobres: A Coisa Certa a FazerEste capítulo destacou alguns dos potenciais e dasrealidades contrastantes das cidades. Especificamente,discutiu muitos dos problemas enfrentados pelapopulação urbana pobre em rápida expansão. Grandesdesigualdades entre o acesso dos moradores urbanospobres e dos mais abastados ao que a cidade tem aoferecer podem ser observadas com respeito a gênero,mortalidade infantil, saúde reprodutiva, educação,renda, habitação e segurança. As conclusões são que osdireitos dos pobres à cidade e a seus benefícios sãomuitas vezes restritos e que as vantagens dos pobresurbanos sobre as populações rurais sãosurpreendentemente pequenas em muitos países emdesenvolvimento.

Isto é decepcionante. As economias de escala e aproximidade urbana deveriam traduzir-se em acesso amelhores serviços para todos os moradores urbanos.Estender serviços aos bairros mais pobres custa muitomenos do que alcançar o mesmo número de pessoas emassentamentos rurais remotos e dispersos.8 4 Portanto, fazsentido que muito da discrepância entre o potencial e arealidade tem a ver com a gestão urbana.

Como esses padrões podem ser melhorados O queseria necessário Este Relatório reforça que aceitar ainevitabilidade e as potenciais vantagens do crescimentourbano são um ponto de partida crucial. Infelizmente,abordagens restritivas ainda prevalecem na gestão urbanae na tentativa de conter a expansão das favelas. Muitospolíticos e planejadores consideram a formação da favelacomo temporária: quanto menos intervenção, melhor.8 5

Incutir nos gestores uma abordagem mais positiva aocrescimento urbano e aos moradores das favelas exige adefesa dos benefícios do planejamento efetivo para ocrescimento urbano. Em última instância, o compromissopolítico com as soluções viáveis é essencial, questão queserá discutida no próximo capítulo. Os formuladores depolíticas e a sociedade civil necessitam de informações

11 ENVOLVENDO CRIANÇAS NO GOVERNOLOCAL: O EXEMPLO DE BARRA MANSA,BRASIL1

Na cidade de Barra Mansa, mais de 6 mil crianças sãoenvolvidas nas discussões sobre como melhorar suacidade. Elas participam de assembléias de bairro, ondedebatem questões urgentes e elegem delegados distritaisque, por sua vez, elegem vereadores infantis. Todas as cri-anças entre 9 e 15 anos de idade podem participar, nomearcandidatos e votar nas assembléias, mas somente aquelesque freqüentam a escola são elegíveis. Tais iniciativas me-lhoram a qualidade das respostas da vizinhança àsprioridades das crianças e oferecem a elas – tanto àseleitas quanto às que se encontram para discutir seusinteresses – uma possibilidade genuína de aprender ascompetências da cidadania plena.

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concretas sobre quem são os pobres, como seu número estáaumentando, onde vivem, quais são suas necessidades e osobstáculos para que acessem o que a cidade tem a oferecer.O Capítulo 6 examina mais detalhadamente esses aspectos.

Uma outra estratégia vital nos esforços para reduzir apobreza e concretizar os direitos dos indivíduos é envolveras pessoas na formulação das políticas e programas queafetam suas vidas. Os benefícios da participação sãoamplamente reconhecidos e incentivados em estratégiasnacionais de redução da pobreza, assim como emabordagens em nível local. Embora envolver essa populaçãogrande e em expansão nos processos de desenvolvimentopareça uma necessidade óbvia, o viés antiurbano aindaimpede que isto aconteça em muitas cidades.8 6

Em resposta às realidades cotidianas, a própriapopulação urbana pobre já estabeleceu grupos,associações e federações admiráveis. Grandes oupequenas, as organizações de moradores urbanos pobres

(OUPs) juntaram-se para identificar as condições sociais eeconômicas que enfrentam; encontrar soluções práticaspara esses problemas; lutar contra a marginalização; egarantir acesso a bens e serviços a que têm direito.Tiveram sucesso em diversas frentes: melhorando asfavelas, impedindo remoções e despejos, oferecendomoradia, infraestrutura e condições de construir paraassegurar meios de vida estáveis a seus membros.8 7

Alguns casos ilustrativos demonstram isso. AFederação Sul-Africana dos Sem-Teto e o Diálogo doPovo sobre Terra e Moradia, juntas, contam com a adesãode 80 mil domicílios. Através de seus grupos

Brandindo suas vassouras e cantando enquanto caminham juntas, umexército de voluntárias da comunidade reúne-se uma vez por semana paravarrer e remover o lixo das ruas em um assentamento em expansão, ondevivem meio milhão de pessoas, nos bancos arenosos perto da Cidade doCabo, África do Sul.

© Gideon Mendel/Corbis

31S ITUAÇÃO DA POPULAÇÃO MUNDIAL 2007

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comunitários, as organizações atuam no mapeamentolocal e coleta de dados para planejamento; esquemas depoupança e crédito; aquisição de moradia e terra; geraçãode renda; e empoderamento dos indivíduos por meio daformação de redes e intercâmbio.8 8

Em aproximadamente 80 cidades do Afeganistão,grupos comunitários, a maioria liderados por mulheres,ofereciam serviços de educação, saúde e comérciomesmo durante os tempos difíceis do governo Talibã.Hoje, o UN-Habitat está trabalhando para incluir taisiniciativas comunitárias no processo dedesenvolvimento e reconstrução da infra-estrutura.8 9 Nas Filipinas, uma federação deorganizações de bairro ( OTO) realizou umesforço bem sucedido para assegurar direitosde propriedade, arrendamento e urbanizaçãocomunitária junto ao Governo Filipino, emuma área de Manila que havia sido designadapara conversão e remoção de massas demoradores urbanos pobres que ali residem.Esse esforço, junto a outros, resultou emnovas leis que tornam o despejo quaseimpossível sem consulta às pessoas afetadas, eque garantem que qualquer remoção sejafeita para áreas com infra-estruturaadequada.9 0

Muitas OUPs acabam tendo um impactonas políticas e práticas dos governos. EmPune, Índia, quase 2 milhões de habitantesreceberam blocos de banheiros públicos dogoverno local. Esse foi o resultado de umconceito criado de forma pioneira pelaSociedade para a Promoção de Centros deRecursos de Áreas e pela Federação Nacionaldos Moradores de Favelas, Mahila Milan uma rede de grupos de poupança e créditoformados por mulheres.9 1 Na Tailândia, maisde mil organizações e grupos comunitáriosaderiram a um projeto nacional para realizarmelhorias locais no ambiente urbano emáreas pobres.9 2 E em várias cidades brasileiras,iniciativas de planejamento e orçamentoparticipativos alocaram uma parcela maiordo orçamento municipal para investimento

nas prioridades estabelecidas pelos grupos comunitáriose de bairro.9 3

Em outros casos, pequenos grupos tornaram-segrandes federações nacionais e até mesmo redesinternacionais.9 4 Shack/Slum D eller s International(Internacional de Moradores de Favelas), possivelmenteo maior de tais movimentos internacionais, e aComissão Huairou (ver Caixa 8) são dois exemplos decomo organizações em rede podem ser efetivas paraaumentar a visibilidade de questões importantes para a

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Idosos fazem fila para receber sopa em Hangzhou, China.

© sinopictures/Phototime/Still Pictures

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população urbana pobre. Sua pressão influenciou aagenda internacional em áreas como direito à habitação,proteção contra despejos, direitos das mulheres eresponsabilidades do governo e da sociedade civil noque diz respeito ao drama da população urbana pobre.95

Sua pressão influenciou a agenda internacional emáreas como direito à habitação, proteção contra despejos,direitos das mulheres e responsabilidades do governo e dasociedade civil no que diz respeito ao drama dapopulação urbana pobre.9 6

Assim, ao longo dos anos, a criatividade e odinamismo das OUPs vêm demonstrando que elas sãocapazes e motivadas para assumir responsabilidade porsuas necessidades e reivindicar seus direitos a uma vidadigna e de qualidade. A Força-Tarefa do Projeto doMilênio da ONU sobre favelas recomendou que osgovernos "reconheçam as organizações de moradoresurbanos pobres onde quer que elas existam e trabalhemcom suas estratégias".9 7 A participação da sociedade civil ea abordagem com foco nacional estão entre os princípiosbásicos do Banco Mundial em sua estratégia de reduçãoda pobreza.9 8

Com apoio governamental adequado, essasorganizações podem ter um impacto ainda maior nocombate à pobreza material, fazendo valer seus direitoscomo cidadãos e moradores da cidade e desenvolvendosuas próprias capacidades como agentes ativos de

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mudança. Os governos só têm a ganhar, pois a inclusãodas OUPs na gestão da cidade aumenta sua eficácia.Necessidades e demandas são mais bem identificadas e oatendimento e a eficiência na prestação de serviçosurbanos são incrementados. Essa colaboração tambémmelhora a aprendizagem e a compreensão, combinando oconhecimento técnico com o conhecimento local. Ofortalecimento da sociedade civil reforça a democracia.9 9

12 A ÁSIA ESTÁ OLHANDO PARA UMA POPULAÇÃO EM PROCESSO DE ENVELHECIMENTO,FAZENDO PERGUNTAS E CHEGANDO A RESPOSTAS1

Até 2050, 24% da população da Chinaterá 65 anos de idade ou mais, compara-dos com os 8% atuais; 7% terão 80anos ou mais, comparados com o atual1%. As pessoas vivem mais e têmmenos f i lhos hoje, principalmenteporque a tecnologia permite que façamisso. Mas não há nenhuma resposta tec-nológica fácil para a chegada repentinade um grande número de idosos. Oenvelhecimento da população estáacontecendo rapidamente nos paísesem desenvolvimento; será preciso muitacriatividade para enfrentar seus desafios.Envelhecer na Ásia é cada vez mais um

fenômeno urbano. A tradição de os filhossustentarem os pais na velhice persiste,mas muitos jovens saíram do campopara a cidade. Um número crescente deidosos os está seguindo em busca de ummeio de vida. Nem sempre o encontram:na China, a cidade de Wei Hai está cons-truindo lares para cerca de 10 mil"idosos abandonados", que não têmqualquer apoio direto da família.Adaptar-se para um futuro de envelheci-mento requer criatividade organizacional.Em Chennai, por exemplo, onde a taxade fecundidade total já caiu abaixo donível de reposição, a cidade está fechan-

do 10 maternidades, retreinando pessoale reabrindo as clínicas como unidadesgeriátricas.A mudança organizacional também éparte da resposta no Leste e Sudeste daÁsia, onde o processo de envelheci-mento já está mais avançado. Wei Haiestá se oferecendo para um programapi loto, onde as competências doConselho Nacional de PlanejamentoFamiliar serão ampliadas para incluir aquestão do envelhecimento. Tal reorga-nização criativa será necessária a fim depreparar o caminho para o desafio doenvelhecimento urbano.

S ITUAÇÃO DA POPULAÇÃO MUNDIAL 2007

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Expulsar os pobres da cidade por meio de despejos ou práticas discriminatóriasnão é a resposta. Ajudar os habitantes urbanos pobres a se integrarem no tecido dasociedade urbana é a única solução duradoura e sustentável para a crescenteurbanização da pobreza.1

Sair da Contramão e Entrar em Novas Avenidas2

Para atender às necessidades de populações urbanas em crescimento, estimular odesenvolvimento urbano e rural e alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio(ODMs), os planejadores e formuladores de políticas devem reconsiderar seu viés contrao crescimento urbano. Esse viés é ineficaz e freqüentemente contraproducente. Alémdisso, é um obstáculo para as iniciativas de redução da pobreza.

Existem claras evidências de que a urbanização pode desempenhar um papel positivono desenvolvimento social e econômico. Historicamente, a associação estatística entre aurbanização e o crescimento econômico tem sido forte.3 Hoje, as cidades geralmenteapresentam um potencial maior do que as áreas rurais para reduzir a pobreza. As cidadessão o lócus principal do crescimento econômico na maioria dos países e são responsáveispor uma parte desproporcionalmente alta da produção econômica nacional:4 " o s paísesaltamente urbanizados tendem a ter renda mais alta, economia mais estável e instituiçõesmais fortes, e são capazes de suportar melhor a volatilidade da economia global".5

A proximidade e a concentração garantem às cidades uma vantagem na produçãode bens e serviços, por reduzir custos, apoiar a inovação e promover sinergias entrediferentes setores econômicos. Mas a proximidade e a concentração também têm opotencial de melhorar as vidas das pessoas diretamente, a um custo mais baixo doque nas áreas rurais. Por exemplo, as cidades podem fornecer acesso muito maisbarato à infra-estrutura e a serviços básicos para toda a população. Em conseqüência,as taxas de pobreza urbana são, no total, mais baixas do que as taxas de pobreza nasáreas rurais; a transferência da população de áreas rurais para áreas urbanas naverdade ajuda a reduzir as taxas de pobreza nacionais (ver Caixa 13).

As pessoas percebem intuitivamente as vantagens da vida urbana. Isso explica porque milhões mudam-se para as cidades todos os anos. Entretando, muitosplanejadores e formuladores de políticas em nações de rápida urbanização queremimpedir o crescimento urbano.6 Tais atitudes não são baseadas em evidência. Elastambém têm conseqüências negativas para a redução da pobreza. O direito à cidade,definido na Meta 11, Objetivo 7, dos ODMs,7 continua desrespeitado devido àrecusa dos formuladores de políticas de acatá-lo.8

Repensando as políticas deredução da pobreza urbana

Mesmo sem poder mandar todos os filhos para a escola, um homem lê o jornal para elesna calçada do lado de fora de seu barraco em Calcutá, Índia.

© Shehzad Noorani/Still Pictures

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SITUAÇÃO DA POPULAÇÃO MUNDIAL 2007