34
O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉRCIO NOS SÉCULOS XV A XVII ALBERTO VIEIRA FUNCHAL-MADEIRA EMAIL:[email protected] http://www.madeira-edu.pt/ceha/ APRESENTAÇÃO O texto que agora se publica é a primeira abordagem de um amplo projecto de investigação sobre a História do Açúcar nas ilhas e arquipélagos atlânticos. Por isso ele servirá para definir algumas das suas linhas mestras, pelo que só assim deve ser encarado. Aqui e agora apenas nos interessa a ilha da Madeira. O açúcar é de todos os produtos que acompanharam a diáspora europeia aquele que moldou, com maior relevo, a mundividência quotidiana das novas sociedades e economias que, em muitos casos, se afirmaram como resultado dele. A cana sacarina, pelas especificidades do seu cultivo, especialização e morosidade do processo de transformação, implicou uma vivência particular, assente num particular complexo sócio-cultural da vida e convivência humana. Gilberto Freyre (1) foi o primeiro a chamar a atenção dos estudiosos para esta realidade, quando definiu as bases daquilo a que designou de Sociologia do Açúcar : a publicação em 1933 de "Casa-Grande & Senzala" foi o prelúdio de um novo domínio temático para a Sociologia e a História do Açúcar. Neste contexto a Madeira manteve uma posição relevante, por ter sido a primeira área do espaço atlântico a receber a nova cultura. E, por isso mesmo, foi aqui que se definiram os primeiros contornos desta realidade, que teve plena afirmação nas Antilhas e Brasil. Foi na Madeira que a cana-de-açúcar iniciou a diáspora atlântica. Aqui tornaram-se evidentes os primeiros contornos da estrutura social (a escravatura), técnica (engenho de água) e urbana(trilogia rural) que materializaram a civilização do açúcar. Por tudo isto torna-se imprescindível uma análise da situação madeirense, caso estejamos interessados em definir, exaustivamente, a civilização do açúcar no mundo atlântico. A cana sacarina, ao contrário do que sucedeu com os demais culturas transplantadas pelo europeu para o espaço atlântico (vinha, cereais, pastel), não se resumiu apenas à intervenção no processo económico. Ela foi marcada por evidentes especificidades capazes de moldarem a sociedade, que dela se serviu para

O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

  • Upload
    lecong

  • View
    213

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉRCIO NOS SÉCULOS XV A XVII

ALBERTO VIEIRA

FUNCHAL-MADEIRAEMAIL:[email protected]

http://www.madeira-edu.pt/ceha/

APRESENTAÇÃO

O texto que agora se publica é a primeira abordagem de um amplo projecto de investigação sobre a História do Açúcar nas ilhas e arquipélagos atlânticos. Por isso ele servirá para definir algumas das suas linhas mestras, pelo que só assim deve ser encarado. Aqui e agora apenas nos interessa a ilha da Madeira.

O açúcar é de todos os produtos que acompanharam a diáspora

europeia aquele que moldou, com maior relevo, a mundividência quotidiana das novas sociedades e economias que, em muitos casos, se afirmaram como resultado dele. A cana sacarina, pelas especificidades do seu cultivo, especialização e morosidade do processo de transformação, implicou uma vivência particular, assente num particular complexo sócio-cultural da vida e convivência humana. Gilberto Freyre (1) foi o primeiro a chamar a atenção dos estudiosos para esta realidade, quando definiu as bases daquilo a que designou de Sociologia do Açúcar: a publicação em 1933 de "Casa-Grande & Senzala" foi o prelúdio de um novo domínio temático para a Sociologia e a História do Açúcar.

Neste contexto a Madeira manteve uma posição relevante, por ter sido a primeira área do espaço atlântico a receber a nova cultura. E, por isso mesmo, foi aqui que se definiram os primeiros contornos desta realidade, que teve plena afirmação nas Antilhas e Brasil. Foi na Madeira que a cana-de-açúcar iniciou a diáspora atlântica. Aqui tornaram-se evidentes os primeiros contornos da estrutura social (a escravatura), técnica (engenho de água) e urbana(trilogia rural) que materializaram a civilização do açúcar. Por tudo isto torna-se imprescindível uma análise da situação madeirense, caso estejamos interessados em definir, exaustivamente, a civilização do açúcar no mundo atlântico.

A cana sacarina, ao contrário do que sucedeu com os demais culturas transplantadas pelo europeu para o espaço atlântico (vinha, cereais, pastel), não se resumiu apenas à intervenção no processo económico. Ela foi marcada por evidentes especificidades capazes de moldarem a sociedade, que dela se serviu para

Page 2: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

firmar a sua dimensão económica. A importância a que o sector comercial lhe atribuía conduziu a que fosse uma cultura dominadora de todo (ou quase todo) o espaço agrícola disponível e apto para o seu cultivo, capaz também de estabelecer os contornos de uma nova realidade social.

Foi precisamente esta tendência envolvente que levou a Historiografia a definir o período da afirmação da cultura e comercio como o Ciclo do Açúcar. Aqui não estávamos perante uma aplicação da teoria dos ciclos económicos, mas pretendia-se valorizar esta tendência para a afirmação total da cultura na vida económica e social. A omnipresença da cana sacarina, as múltiplas implicações que gerou nos espaços em que foi cultivada levaram alguns investigadores a estabelecer um novo modelo de análise: os ciclos de produção assentes na monocultura! Esta ideia foi lançada em 1933 por Fernand Braudel (2), que pretendeu associar as ilhas dos arquipélagos da Madeira, Açores e Canárias, a que chamou de Mediterrâneo Atlântico. Todavia a mesma teve eco negativo na Península Ibérica, surgindo Orlando Ribeiro (3) e Elias Serra Rafols (4) a refutar tal hipótese na análise do devir económico, respectivamente, da Madeira e Canárias. Mais tarde os estudos de F. Mauro (5) e V. M. Godinho (6) reafirmavam esta oposição e conduziram a uma nova e diversa visão da estrutura económica: ao regime de monocultura sobrepõe-se ao de produtos dominantes. Deste modo o Ciclo do Açúcar resultava, não da exclusiva afirmação da cultura, mas da dominância, capaz de atribuir uma redobrada atenção no sistema de trocas (7).

O grande erro da Historiografia foi ter encarado a economia açucareira da Madeira ou das Canárias como um retrato em miniatura do que sucedeu mais tarde do outro lado do Atlântico. O confronto das duas realidades, coisa que ainda ninguém se atreveu a fazer, comprova que a situação não existe, parecendo-nos mera ficção algumas das incursões no tema. O facto de ambos os arquipélagos terem sido meios de ligação da nova cultura económica do atlântico ocidental, não quer dizer que houve uma transplantação total e igual dos produtos e ambiência sócio-económica envolvente para os novos espaços. Na verdade as condições ambientais, os obreiros da transformação eram outros como diversa foi a realidade que o produto gerou.

Tudo isto deverá resultar das ciladas do método de análise do processo histórico de forma retrospectiva, onde, por vezes, o facto surge-nos como a imagem e consequência.

Tal como o provaram os estudos recentes sobre a situação da economia açucareira do Mediterrâneo Atlântico, a conjuntura deste espaço é diversa da americana, seja ela insular ou continental. Também não se poderá colocar ao mesmo nível o caso de São Tomé que, embora situado no sector oriental do oceano, aproxima-se mais da realidade antilhana do que dos arquipélagos da Madeira e das Canárias. O mosaico de culturas surge de forma transparente nos testemunhos de alguns visitantes dos rincões madeirense e canário.

De acordo com esta ideia, de que a civilização do açúcar teve apenas uma única forma de expressão no Atlântico Ocidental e Oriental, partiu-se para afirmações precipitadas na análise da economia e sociedade que lhe serviram de base. Ao açúcar associou a Historiografia, desde muito cedo, a escravatura, fazendo juz à afirmação de Antonil, de que "os escravos são as mãos e os pés do senhor de engenho" (8). Aqui também a relação não nos surge tão transparente como à

Page 3: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

primeira vista pode parecer.

O avanço muçulmano, por um lado, e as cruzadas, por outro, foram o princípio da expansão da cultura açucareira no Mediterrâneo e da definição da nova estrutura social. Para alguns foi nas colónias italianas do Mediterrâneo Oriental surgem os primeiros resquícios da nova dinâmica social que passaria à Sicília e, depois à Madeira, donde se expandiram no Atlântico. Diz-se, ainda, que a ligação do escravo, negro ou não, à cultura dos canaviais foi uma invenção da cristandade do Ocidente, não havendo lugar no mundo muçulmano. Diferente é todavia a opinião de Yoro Fall (9) que encontra testemunhos evidentes desta relação, com o usufruto de mão-de-obra negra, pelas plantações muçulmanas do Egipto e Marrocos.

Neste contexto surgiu o conceito Plantation (=plantação) (10), plantagem para os brasileiros, a definir a estrutura social, económica e política da agricultura que tinha por base este produto. Sidney Greenfield (11), partindo desta ideia, estabeleceu para o arquipélago madeirense uma função primordial na afirmação da escravatura e relações económico-sociais envolventes. Segundo ele a Madeira teria sido o elo de ligação entre "Mediterranean Sugar Production" e a "Plantation Slavery".

Sucede que a escravatura da Madeira, como já tivemos oportunidade de o afirmar noutros trabalhos, não assumiu uma posição similar à de Cabo Verde, São Tomé, Brasil ou Antilhas, não obstante o surto evidente de produção açucareira. Aqui, ao invés daquilo que aí tem lugar nesses espaços, o escravo não dominou as relações sociais de produção: ele existiu, sob a condição de operário especializado ou não, mas nunca numa posição dominante.

Por fim acresce que esta hipervalorização do açúcar na História da Madeira levou alguns aventureiros e progenitores de teorias de vanguarda a estabelecer também uma forma peculiar de urbanização do Funchal, de acordo com a presença do açúcar. Deste modo ao Funchal do século XVI chamam-lhe, sem saberem e explicarem porquê, "cidade do açúcar", quando na realidade, a expressão urbanística da cana-de-açúcar é manifestada pela ruralidade.

1. A AFIRMAÇÃO DA CANA-DE-AÇÚCAR

A cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos, que a levaram ao Egipto e daí para a Síria, Sicília, Marrocos, Espanha e Bizâncio. Por outro lado as cruzadas estabeleceram o contacto dela com a Europa Cristã Cedo a cultura se divulgou e o novo produto entrou nos hábitos alimentares da aristocracia europeia: é de 995 a primeira referência à entrada de açúcar no porto de Veneza.

Page 4: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

Os italianos foram os primeiros a aperceber-se da importância da cultura e produto daí resultante, sendo os motores da sua expansão na cristandade ocidental. De acordo com a tradição as iniciais socas de cana que foram trazidas para a Madeira teriam vindo da Sicília, acompanhadas dos operários especializados, não obstante estar testemunha a presença desta cultura no reino, em Coimbra e no Algarve Os mercadores italianos, nomeadamente genoveses, seguiram-lhe o rasto, e quando a cultura se tornou importante na economia local e começaram a surgir dificuldades com o comércio do açúcar oriental.

Na ilha começou a delinear-se um mercado substitutivo desse que, entretanto, caíra em poder dos muçulmanas. A conjuntura mediterrânica, definida pelas dificuldades do comércio oriental e da situação das regiões produtoras da costa mediterrânica, favoreceu o rápido incremento da cultura da cana de açúcar na ilha da Madeira e demais espaço atlântico.

A POLITICA DE DEFESA DA CULTURA

O início da cultura dos canaviais na Madeira foi cumulado de mil cuidados, o que demonstra o interesse dos povoadores por esta nova cultura. Esta realidade está evidenciada na permanente intervenção da coroa, do senhorio e município nas fases de cultivo, transformação e comércio. Nunca uma cultura e produto final foram alvo de tão apertada regulamentação e vigilância como o açúcar: a documentação oficial para o período de 1450 a 1550 é testemunho disso.

A defesa e manutenção da qualidade do produto colhido no solo insular é uma das constantes da actuação das autoridades régias e locais atingindo, especialmente, os produtos da exportação: o vinho, o pastel e o açúcar. A todos definiam-se por regimentos específicos, as tarefas de cultivo, cuidado e laboração final do produto, de modo a que este se apresentasse nas condições e quantidades necessárias para a sua comercialização.

Na Madeira e Canárias o açúcar foi alvo de constantes regulamentações e de um controlo assíduo dos alealdadores para o efeito eleitos em vereação (12). Deste modo, o monarca D. Manuel para garantir a boa qualidade do açúcar madeirense de exportação e assegurar o seu crédito no mercado europeu, ordenara, em 1485, que todo o mestre de açúcar deveria ser examinado e aprovado por três homens bons, ao mesmo tempo que estipulava a obrigatoriedade de uma vistoria qualitativa ao açúcar, após a sua laboração, por oficiais competentes: os alealdadores (13).

Para esta rápida progressão do açúcar na economia madeirense em muito contribuiu a iniciativa dos senhorios e monarcas e o investimento de capital estrangeiro, nomeadamente genovês (14). O Infante D. Henrique (15) surge como o promotor e principal financiador da implantação da cana-de-açúcar na ilha,

Page 5: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

enquanto os seus sucessores no senhorio não sonegaram o seu apoio a tão capitosa iniciativa (16). Mais relevante foi a intervenção de D. Manuel, quando senhorio e rei. Com ele tivemos a plena afirmação da cultura do açúcar na ilha e do mercado nórdico como um dos consumidores preferenciais: primeiro pelo regimento de 1485 promoveu uma maior especialização e empenhamento dos ofícios ligados ao fabrico do açúcar, tornando obrigatório o exame e prestação anual de juramento na Câmara; depois definiu uma política de fiscalização da qualidade do açúcar laborado por meio dos alealdamentos; e, finalmente, numa tentativa para debelar a estagnação do comércio e de promover uma maior rentabilidade dos canaviais, ele estabeleceu em 1482 normas para a sua venda e exportação, que culminaram em 1498 com o contingentamento da produção e comércio do açúcar para as praças nórdicas e mediterrânicas (17).

Nos séculos XVI e XVII a intervenção das autoridades resultava apenas da necessidade de garantir ao açúcar da ilha uma posição dominante no mercado interno. A concorrência do açúcar brasileiro será, por algum tempo, o motivo de discórdia entre os vários interesses em jogo. A incidência destas medidas é pontual e resulta do incentivo que a cultura mereceu em finais do século XVI. A conjuntura da década de quarenta da centúria seguinte foi demarcada por novo incremento da cultura, sem necessidade de recurso às medidas proteccionistas, uma vez que o mercado do Nordeste brasileiro se encontrava sob controlo holandês. Aqui a intervenção vai no sentido de promover a cultura através de uma política de incentivos. Este conjunto de medidas culmina em 1688 com a redução dos direitos que oneravam a produção, passando de um quinto para um oitavo.

OS CANAVIAIS MADEIRENSES

A cana ganhou uma posição privilegiada no solo madeirense, conquistando as mais importantes arroteias da vertente meridional e o Nordeste. Enquanto na primeira área o clima favoreceu a expansão até os quatrocentos metros de altitude, na segunda, dominada por Porto da Cruz e Faial, não ultrapassava os 200 metros. Perante isto a capitania do Funchal assumiu-se como a zona açucareira, por excelência, enquanto a de Machico permanecia como a reserva silvícola, necessária para a laboração dos engenhos.

A capitania do Funchal agregava no seu perímetro as melhores áreas para a cultura dos canaviais. Deste modo a relação entre os valores de produção a de Machico expressava-se da seguinte forma: para o período de 1494 até 1537, oscila entre os 5:1 (1479) e os 3:1 (1521-1524).

Page 6: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

Ao nível da capitania do Funchal, principal área de produção açucareira madeirense, as condições orográficas e climatológicas definiram espaços agrícolas distintos. De acordo com o estimo de 1494 havia a área do Funchal, que abarcava todo o espaço agrícola

desde o Caniço até Câmara de Lobos, e a das Partes do Fundo, tendo no seu perímetro o restante espaço da capitania: a primeira produzia apenas 16% do açúcar da capitania, sendo o restante da segunda. Passados 26 anos a expressão da geografia açucareira evoluiu a favor do Funchal, que surge com 25%.

O incremento das áreas produtoras de açúcar, compreendidas nas "partes do fundo", e a necessidade de um eficaz sistema de arrecadação dos direitos sobre a produção, levaram a coroa a definir quatro comarcas para melhor arrecadação dos direitos (Ribeira Brava, Ponta do Sol, Calheta e Funchal). De acordo com a razão apresentada pelo Bacharel Bartolomeu Lopes em 1520 (18) é possível estabelecer um valor percentual para a produção de açúcar de cada uma das comarcas: 33% do Funchal, 27% da Calheta, 20% da Ribeira Brava e Ponta do Sol.

Se na primeira metade do século dezasseis é possível definir, a partir dos livros do quarto e quinto, a estrutura fundiária da produção açucareira, bem como as principais comarcas, somente em finais do século, como texto de Gaspar Frutuoso, se torna possível delimitar os espaços arroteados de cana, bem como a localização dos engenhos. O seu numero e concentração é o testemunho disso. De acordo com esta situação poder-se-á concluir que a cultura dos canaviais continua a incidir na capitania do Funchal, tendo uma grande incidência nas comarcas do Funchal e Calheta. Esta situação perdura na primeira metade do século dezasseis.

Diferente parece-nos apontar a conjuntura emergente no século dezassete onde os dados exauridos pela documentação testemunham apenas uma valoração da área agrícola circum-vizinha do Funchal. Note-se que no livro do quinto de 1600 os 108 proprietários de canaviais são maioritariamente desta área (19). Este livro é quase único quanto à produção de açúcar na ilha no século dezassete, pois só teremos novas informações a partir de 1689, com a arrecadação do oitavo (20). Neste ano de 1600 é bastante evidente a retracção da área ocupada pelos canaviais. Aqui a média propriedade cede lugar à pequena e mesmo de muito pequenas dimensões. A maioria (isto é 89%) produz entre 5 e 50 arrobas, o que demonstra estarmos perante uma cultura vocacionada para suprir as carências caseiras, no fabrico de conservas, doçaria e compotas. Deste modo a informação apresentada por Pyrard de Laval para 1602, dando conta de apenas 7 ou 8 engenhos, não se afasta desta realidade e até nos parece demasiada para tão pouco açúcar (21).

Os anos seguintes foram de promoção da cultura o que propiciou um aumento da produção, mantendo-se a mesma incidência das áreas em questão, sendo de realçar a Ribeira dos Socorridos, onde no século dezoito se manteve em actividade um dos poucos engenhos de açúcar existentes na ilha. No período de 1661 a 1681 deparamo-nos com algumas quantidades de açúcar na Ribeira Brava, Funchal, Ponta do Sol, Santa Cruz e Calheta (22).

Page 7: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

AS ESPECIFICIDADES DO REGIME FUNDIARIO

A presença da cultura no solo madeirense conduziu a uma reestruturação do regime fundiário de modo a adequá-lo às especificidades que a mesma gerava. Note-se que para a plena afirmação dos canaviais foi necessário criar algumas condições para além das oferecidas pelo solo: a água para o regadio e accionar os engenhos, a madeira e a lenha para os pôr em funcionamento, por um período prolongado de tempo.

Foi de acordo com a disponibilidade dos factores de produção que os canaviais se expandiram no solo madeirense. Todavia aqui nunca atingiram a dimensão dos brasileiros ou antilhanos. Enquanto nestas duas últimas áreas a cultura era feita de uma forma extensiva, estando os canaviais quase sempre associados ao engenho, na Madeira a exploração era intensiva, em pequenas parcelas de terreno (poios), pois as condições orograficas não permitem outra alternativa. Deste modo quando nos referimos à grande propriedade madeirense queremos apenas enunciar a situação interna da Madeira, que não pode ser colocada ao mesmo nível da ilha de São Tomé, Brasil e Antilhas.

Os dados disponíveis no estimo de 1494 e livros do quarto e quinto para os anos de 1509 e 1537 (23) esclarecem-nos sobre a situação fundiária em torno da cultura. De início as dificuldades no estabelecimento dos poios para o cultivo dos canaviais terão conduzido a que se afirmasse a pequena propriedade que depois avança, a pouco e pouco, para a de maiores dimensões. A vinculação dos canaviais, a crise que se viveu a partir da década de trinta do século dezasseis, contribuíram para a tendência concen- tracionista dos canaviais. Esta conjuntura condicionou o reforço da grande propriedade na Ribeira Brava e Calheta.

De acordo com o estimo de 1494 poderá definir-se o sistema fundiário em torno do açúcar pela afirmação da pequena propriedade. Os proprietários com uma produção superior a 1.000 arrobas são apenas 22, quando no período de 1509 a 1537 são 44, sendo 15 com valores superiores a 2.000 arrobas. Por outro lado a forma como foi realizado o estimo de 1494 permite-nos saber qual a sua extensão, uma vez que o estimo fazia-se a partir do número de canaviais e não dos proprietários. Os dados provam que não estávamos perante uma exploração extensiva. Assim para uma produção de 209 proprietários, estimada em 80.451 arrobas, surgem referenciados 431 canaviais.

A SAFRA DO AÇUCAR

A cana-de-açúcar foi, de todas as culturas transplantadas para o espaço atlântico,

Page 8: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

aquela que maior cuidado requeria num período limitado de tempo. O ciclo vegetativo da cana definia um acompanhamento constante ao longo do ano: plantar, mondar, esfolhar, combater as pragas e efeitos nefastos dos animais, cortar e, depois, conduzir ao engenho onde se moía e extraía o suco daí resultante para se fazer o açúcar. Enquanto as tarefas relacionadas com a cultura realizavam-se de forma lenta ao longo do ano, a parte relacionada com a safra do engenho era uma actividade intensiva que deveria ser executada num curto período. O engenho laborava dia e noite, desmultiplicando-se os serviçais entre a casa da moenda, fornalhas e purga.

Todo este processo deveria ser seguido e realizar-se num prazo de setenta e duas horas, pois caso contrário a cana e o suco entravam em fermentação e o açúcar estava irremediavelmente perdido. Perante isto tornava-se justificável a presença de numerosa mão-de-obra que só poderia ser recrutada entre os escravos. Ele foi descrito, cerca de 1530, por Giulio Landi da seguinte forma:

"Fabrica-se o açúcar desta maneira: apanham primeiramente as canas e estendem-se por ordem nos sulcos. Depois,

cobertas de terra, vão-nas regando amiudadas vezes, de modo

que a terra sobre os sulcos não se torne seca mas se

mantenha sempre húmida Daí que, pela força do sol, cada nó

produz a sua cana que cresce a pouco e pouco cerca de

quatro braças e sucedia assim porque o terreno aplicado

então ao cultivo, tinha mais força de produção (...). Assim

amadurecem ao fim de dois anos e, quando maduras, cortam- -nas na Primavera, rente ao pé. Os pés, germinando de novo,

produzem outras canas para o ano seguinte, as quais não

crescem tão altas, mas com cerca de menos uma braça e, ao

fim de um ano, ficam maduras. Cortadas estas segundas,

arrancam totalmente as plantas para depois, no devido

tempo, reporem outras canas como se disse. Quando maduras,

chegam muitas vezes a ser danificadas pelos ratos. Por isso

os escravos empregam muita diligência em apanhar e matar

estes ratos (...). Os lugares onde com enorme actividade e

habilidade se fabrica o açúcar estão em grandes herdades, e

o processo é o seguinte: primeiramente, depois que as canas

cortadas foram levadas para os lugares acima referidos, põem-nas debaixo de uma mó movida a água, a qual, trituran

do e esmagando as canas, extrai-lhe todo o suco. Aqui há

cinco vasos postos por ordem, para cada um dos quais o suco

saído das canas passa um certo tempo em ebulição, depois,

Page 9: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

passando para os outros casos, com fogo brando, dão-lhe com

habilidade a cozedura, de modo que chegue a espessura tal

que, posto depois em formas de barro, possa endurecer. A

espuma que se forma ao cozer o açúcar, deita-se em barri-

cas, excepto a que sai da primeira cozedura, porque esta se

deita fora; mas a outra, que se conserva, é muito semelhan-

te ao mel" (24).

O ENGENHO

Na moenda da cana utilizaram-se vários meios técnicos comuns ao mundo mediterrânico, mas a disponibilidade de recursos hídricos conduziu a um maior aperfeiçoamento com a criação do primeiro engenho de água, na Madeira, patenteado em 1452 por Diogo de Teive. Este processo resultou apenas nas áreas onde era possível dispor da força motriz da água fez-se uso da força animal ou humana. Os últimos eram conhecidos como trapiches ou almanjaras. Não conhecemos qualquer dado que permita esclarecer os aspectos técnicos deste engenho. Apenas se sabe que em 1530 eram uma "mó movida a água", semelhante ao sistema usado no fabrico de azeite.

Uma das questões que mais tem gerado polémica prende-se com a evolução da tecnologia do fabrico do açúcar, concretamente a passagem do trapiche ao engenho de cilindros. O primitivo Trapettum era usado já na Roma antiga para triturar azeitonas e sumagre, sendo, segundo Plínio, inventado por Aristreu, Deus dos Pastores. Mas este tornou-se um meio pouco eficaz nas grandes plantações, tendo-lhe sucedido o engenho de eixo e cilindros. É aqui que as opiniões divergem. Existe uma versão que aponta esta evolução como uma descoberta mediterrânica: Noel Derr (25) e F. O. Von Lippmann (26) atribuíram a descoberta a Pietro Speciale, prefeito da Sicília; a Historiografia castelhana encara isso como um invento de Gonzalo de Veloza, vizinho da ilha de La Palma, que teria apresentado o seu invento em 1515 na ilha de S. Domingos (27); David Ferreira Gouveia (28) apresenta esta evolução como resultado do invento do madeirense Diogo de Teive, patenteado em 1452. Outros apontam para a sua origem chinesa. O engenho de três eixos surge mais tarde no Brasil sendo considerado também uma invenção portuguesa, inegavelmente ligada aos madeirenses aí radicados.

A palavra trapiche entrou depois no vocabulário do açúcar a designar todos os tipos de engenhos de cilindros usados para moer cana. Nos arredores do Funchal existe uma localidade com este nome, o que prova ter existido aí um engenho deste tipo.

Para São Tomé o Piloto Anónimo refere o uso de "os braços dos negros e ainda mesmo cavalos". Deste último sistema sabe-se apenas da utilização nos primórdios

Page 10: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

da cultura da cana-de-açúcar na Madeira, sendo pouco provável a continuação após a expe- riência do engenho de água de Diogo de Teive, tendo em conta a disponibilidade de cursos de água e do possível aproveitamento por meio da sua canalização através das levadas.

Na Madeira as condições geo-hidrográficas foram propícias à generalização dos engenhos de água, de que os madeirenses foram exímios criadores. Aliás na Madeira e em S. Tomé estavam criadas as condições para a afirmação da cultura. Enquanto a primeira desfrutava de inúmeros cursos de água e de uma vasta área de floresta, disponibilizando lenha para as fornalhas e madeira de pau branco para a construção dos eixos do engenho, em São Tomé contava-se, para além do parque florestal, com o fácil acesso aos mercados fornecedores da mão-de-obra escrava.

Toda a animação sócio-económica gerada pelo açúcar foi dominada pelo engenho, mas isto não significava que a existência de canaviais era sinónimo da presença próxima de um engenho. Aqui mais do que no Brasil foram inúmeros os proprietários incapazes de dispor de meios financeiros para montar semelhante estrutura industrial e por isso socorriam-se dos serviços daqueles que os dispunham. No estimo da produção da capitania do Funchal para o ano de 1494 são referenciados apenas 14 engenhos para um total de 209 usufrutuários, dispondo de 431 canaviais (29).

Não é fácil estabelecer o número exacto de engenhos que laboraram na ilha. As informações disponíveis são, em muitos dos casos, díspares. Assim no estimo de 1494 são referenciados apenas 14 engenhos, quando noutro documento de 1493 (30) se dá conta da existência de 80 mestres de açúcar. Note-se ainda que Edmund von Lippermann (31) refere existirem no Funchal 150 engenhos no início do século XVI, número que não se coaduna com os valores razoáveis para a extensão arável da ilha e a produção dos canaviais. Depois, em finais do século XVI, Gaspar Frutuoso (32) refere-nos 34 engenhos com a sua localização geográfica, o que nos permite aferir das áreas de maior incidência da cultura no século XVI:

LOCALIDADE Nº LOCALIDADE Nº

Machico 4 Lombada 1

Santa Cruz 2 Ponta do Sol 1

Caniço 2 Canhas 1

Funchal 4 Calheta 4

Rª Socorridos 2 Arco da Calheta 1

Câmara Lobos 3 Paúl do Mar 1

Ribeira Brava 2 Madalena 1

Ribeira da Tabua 2 Faial 2

Porto da Cruz 1

ENGENHOS DE AÇÚCAR SEGUNDO GASPAR FRUTUOSO(1590)

Page 11: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

No século imediato o número de engenhos em laboração é cada vez mais reduzido pelo que a nova aposta na cultura torna necessário o estabelecimento de alguns incentivos à sua reparação, como sucedeu em 1649 (33). Daí derivavam, enormes dificuldades em conseguir moer a cana por falta de engenhos suficientes. No Funchal o de André de Betancor há três anos que não funcionava e seria difícil que o fizesse pelo estado em que se encontrava (34). Ademais do abandono dos engenhos registava-se o das levadas como sucedia com a do Pico do Cardo e Castelejo em S. Martinho que há trinta anos não era tirada (35). Para repor a cultura a coroa promove um plano de recuperação dos engenhos, com empréstimos e a isenção do pagamento do quinto por cinco anos (36).

O preço de montagem de semelhante estrutura industrial não estava ao nível da bolsa de todos os proprietários. De acordo com a avaliação para inventário do engenho de António Teixeira no Porto La Cruz em 1535 esta benfeitoria estava avaliada em duzentos mil reais (37). Noutro documento de 1547 refere-se que os canaviais, engenho e água de servidão dos mesmos orçavam os 461.000 reais (38). Mas em 1600 João Berte de Almeida vendeu a Pedro Gonçalves da Câmara, no Funchal, um engenho pelo valor de 700.000 reais (39).

O MOVIMENTO DA PRODUÇÃO DE AÇUCAR

Criadas as condições ao nível interno, por meio do incentivo ao investimento de capitais estrangeiros na cultura da cana e comércio dos derivados, do apoio do senhorio, coroa e administração, a cana estava em condições de prosperar e de se afirmar, ainda que por algum tempo, como o produto dominante da economia madeirense. O incentivo externo provocado pelos mercados nórdico e mediterrânico condicionou o processo expansionista na Madeira e nas demais áreas atlânticas. A esta aposta, acompanhada da incessante solicitação do mercado externo, sucedeu um período de crise resultante, não só, da concorrência de novos mercados produtores, mas acima de tudo de factores internos com a carência de adubagem dos terrenos, a desafeição do solo à cultura, as alterações climáticas, que entretanto se sucederam, e, por fim, o aparecimento do bicho da cana.

A fase ascendente, que poderá situar-se entre 1450 e 1506, não obstante a conjuntura deprecionária de 1497-1499, é marcada por um crescimento acelerado, entre 1454-1472 na ordem dos 240% e no período subsequente até 1493 em 1430%, isto é, uma média anual de 13,3% no primeiro caso e de 68% no segundo. No período seguinte, após o colapso de 1497-1499 a recuperação é de tal modo rápida que em 1500-1501 o crescimento é de 110% e, entre 1502-1503, de 205%. Esta forte aceleração do ritmo de crescimento nos primeiros anos do século XVI irá marcar o máximo, atingido em 1506, bem como o rápido declínio nos anos imediatos. E isto de tal modo que em 4 anos atinge-se valor inferior ao do início do século. A

Page 12: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

situação agravou-se nas duas centúrias seguintes, baixando a produção na capitania do Funchal, entre 1516-1537 em 60%. Na capitania de Machico a quebra é lenta, sendo sinónimo do depauperamento do solo e da crescente desafeição do mesmo, de tal modo que a produção no final do primeiro quartel do século situava-se a um nível pouco superior ao registado em 1470 (40).

Na década de 30 do século dezasseis consumava-se em pleno a crise da economia açucareira e o ilhéu viu-se na necessidade de abandonar os canaviais ou de os substituir pelos vinhedos, o que sucedeu de modo evidente a partir de meados desta centúria.

A historiografia tem procurado fundamentar esta situação apenas na actuação de factores externos, valorizando a concorrência do açúcar das Canárias, S. Tomé e, depois, do Brasil. Diferente é todavia a opinião de Fernando Jasmins Pereira que procura explicar a crise através das condições ecológicas e sócio-económicas da ilha. Segundo ele "... a decadência da produção madeirense é, primordialmente, motivada por um empobrecimento dos solos que, dada a limitação da superfície aproveitável na cultura, vai reduzindo inexoravelmente a capacidade produtiva" (41)

Deste modo poderemos afirmar que a crise da economia açucareira madeirense não se explica apenas pela concorrência do açúcar das Canárias, Brasil, Antilhas e S. Tomé mas, acima de tudo, pela conjugação de vários factores de ordem interna: a carência de adubagem, a desafeição do solo à cultura e as alterações climáticas. A concorrência do açúcar das restantes áreas produtoras do Atlântico, bem como a peste (em 1526) e a falta de mão-de-obra contribuíram para o agravar da situação de crise do açúcar madeirense.

Essa ambiência de crise da década de 30 do século dezasseis conduziu ao paulatino abandono dos canaviais ou à sua substituição pelo vidonho de malvasia. A economia madeirense passa, então, por profundas alterações estruturais que marcaram o devir sócio-económico nos séculos XVII a XIX. Se em 1547, segundo Hans Standen, a economia da ilha assentava ainda no binómio açúcar/vinho em 1575, Duarte Lopes destacará apenas este último produto, prova evidente do quase total abandono da cana sacarina (42).

A primeira metade do século dezasseis é definida como o momento de apogeu da produção açucareira insular e pelo avolumar das dificuldades que entravaram a promoção em algumas áreas como a Madeira onde o cultivo era oneroso e os níveis de produtividade desciam em flecha. Nesta época as ilhas de Gran Canaria, La Palma, Tenerife e S. Tomé estavam melhor posicionadas para produzir açúcar a preços mais competitivos. A situação ganhou forma na década de vinte do século dezasseis e avançou à medida que os novos mercados produtores de açúcar atingiam o máximo de produção.

Mais tarde, com a ocupação holandesa do nordeste brasileiro, a cultura foi reabilitada como forma de responder à sua solicitação na Europa e pela necessidade resultante das indústrias de conserva e casquinha. Até 1640 o movimento descendente havia-se agravado com a presença, cada vez mais assídua de açúcar brasileiro no porto do Funchal. Em 1616 para garantir o escoamento da produção local e que à saída se fizesse uma distribuição equitativa de ambos os açúcares. Mas a partir desta data com a ocupação holandesa das terras a cultura renasceu na ilha.

Page 13: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

Em 1643 o número de engenhos existentes era insuficiente para dar vazão à produção dos canaviais. Note-se que de acordo com a provisão régia de 1 de Julho de 1642 a coroa pretendia promover de novo o cultivo da cana-de-açúcar por meio de incentivos à reparação dos engenhos. Estes, caso o fizessem usufruir do privilégio da isenção de quinto por cinco anos ou de metade dele por dez anos. Usufruíram deste apoio o capitão Diogo Guerreiro, Inácio de Vasconcelos, António Correa Betencourt e Pedro Betancor Henriques (43).

Esta foi no entanto uma recuperação passageira uma vez que na década seguinte o reaparecimento do açúcar brasileiro no porto do Funchal trouxe de volta a anterior situação. o açúcar madeirense estava, mais uma vez, irremediavelmente perdido, mercê da concorrência do brasileiro. Ainda em 1658 procurou-se apoiar o seu cultivo ao reduzir-se os direitos sobre a produção para um oitavo, mas a crise era inevitável.

A estes incentivos acresce-se o facto de os direitos do quinto do açúcar entre 1643 e 1675 não serem devidamente cobrados, pelo que neste último ano se recomendou maior atenção a este aspecto (44). Depois, por alvará de 15 de Outubro de 1688 (45), a coroa determinou que os direitos que oneravam a produção passassem para 1/8 da colheita, sendo esta medida, mais uma vez definida como uma forma de promover a cultura. Para o período de 1620 a 1670 dispomos de algumas cartas de quitação dos almoxarifes das alfândegas do Funchal e Machico que nos permite testemunhar os níveis de produção em algum dos anos.

QUINTO PRODUÇÃO

LOCAL ANO Arrobas Arratéis Arrobas Arratéis

Funchal 1620-1624 5266 26 26334 2

Santa Cruz 1645 464 28 2324 12

Funchal 1652-1653 3649 21 18248 9

Funchal 1656-1658 2290 19 11453

Santa Cruz 1659 540 6 2700 30

Madeira 1660-1662 702 16 3512 16

Madeira 1670-1672 1256 24 6283 24

Fonte: Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal , nº. 965-A - 969.

PRODUÇÃO DE AÇÚCAR NO SÉCULO XVII

Page 14: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

Entre 1689 e 1705 a Calheta, que em princípios do século dezasseis havia produzido na primeira metade do século dezasseis 73216 arrobas de açúcar, não suplantava agora as 14 arrobas (46) isto evidencia a quebra sofrida por esta cultura no declinar da centúria nesta antiga comarca. É de prever, contudo, que a produção de açúcar tenha sido alvo de novo incentivo neste final do século, pois em informação apresentada em 1698 ao novo governador D. António Jorge de Melo, refere-se a existência de 41 engenhos que rendiam à coroa 8.000 arrobas (47).

A conjuntura económica de finais do século dezanove trouxe a cultura de regresso à Madeira, como o intuito de reabilitar a economia que se encontrava profundamente debilitada com a crise do comércio e produção do vinho. Todavia a situação, que se manteve até à actualidade, não atribuiu ao produto a mesma pujança económica de outrora.

Outro facto evidente da centúria oitocentista foi a presença de inúmeros madeirenses em Demerara como mão-de-obra substitutiva dos escravos, cuja situação, entretanto, havia mudado.

AS AREAS DE PRODUÇÃO

Na Madeira as áreas de produção de açúcar, nos dois momentos da sua afirmação, foram diversas. Enquanto nos séculos XV e XVI esta era uma cultura, predominantemente, da vertente sul, dominando o espaço da capitania do Funchal (75%), na presente centúria assistiu-se a uma expansão da cultura em toda a ilha e à consequente definição de novas áreas:

1520 1950 1963-66

% % %

CALHETA 20 7 13

FUNCHAL 25 53 34

PONTA DO SOL 15 14 18

R. BRAVA 15 4 15

MACHICO 25 29 20

No primeiro momento o Funchal, representava apenas 25%, em 1520, enquanto

Page 15: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

em 1950 sobe para 53%. Esta subida surge como resultado da perda de importância da área agrícola entre a Ribeira Brava e a Calheta: estas que produziram 64% do açúcar da capitania do Funchal em 1494, surgem em 1520 com 67% da capitania e 50% do total da ilha, para em 1950 não ultrapassarem os 25%. Apenas a área circunscrita à capitania de Machico manteve níveis parecidos, não obstante o alastramento da cultura na costa norte.

Os dados referentes à produção dão conta que se atingiu níveis mais elevados na primeira metade da presente centúria: expandiu-se a área da cana, que em 1939 abrangia os 6500 ha. Todavia esta expansão da cultura não propiciou o mesmo progresso económico propiciado nos séculos XV e XVI. As condições de rentabilidade económica eram outras, como distinto era o principal destinatário. Aqui ao contrário do que sucedeu há cinco séculos atrás a cultura tinha como objectivo assegurar as necessidades da ilha e não o comércio com o exterior: as limitações estabelecidas na década de trinta ao seu avanço conduziram a que baixassem os níveis de produção, levando à necessária importação, desde a década de quarenta. Se estabelecermos um confronto entre a população e o número de toneladas de açúcar arrecadados veremos que na primeira (séculos XV e XVI) a capitação era muito mais elevada, como se poderá verificar pelo quadro que se segue.

O AÇUCAR E A POPULAÇÃO MADEIRENSE

Anos População Produção

toneladas média ha

1449 16000 1135 53 Kg

1510 16000 1585 60

1584 25000 473 19

1900 150600 503 3,4

1920 17000 2153 12,6

1930 211601 3149 11,6

1940 249771 4334 17,4

1950 266300 3500 7,6

1963 268100 3872 14,4

ADMINISTRAÇÃO E DIREITOS

Page 16: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

O desmesurado empenhamento do senhorio e coroa no apoio e financiamento desta cultura resultava não só da sua importância na economia da ilha, mas também dos elevados réditos que dele arrecadava com as múltiplas imposições fiscais. Esta elevada quantia de açúcar,resultante da tributação, servia para a coroa, no século XVI, custear as despesas do monarca, Casa Real, as dívidas aos mercadores estrangeiros, o soldo dos funcionários do almoxarifado da ilha, restando, ainda uma soma avultada para o comércio directo por meio dos feitores em Flandres ou a sua venda a contrato aos mercadores nacionais ou estrangeiros. No período de 1501 a 1537 as despesas contabilizadas rondaram 2,8% (6.760$000), sobrando 476,293 arrobas no valor de 233646$00 (48).

A importância desta volumosa receita terá condicionado a política intervencionista do senhorio e coroa, ao mesmo tempo que contribuiu para um maior empenhamento da estrutura administrativa na referida cultura. Se contabilizarmos a documentação oficial no período de 1452 a 1517 constata-se que 20% destes incidem sobre o açúcar, sendo mais de 75% da pena de D. Manuel, quando Duque e Rei, o que demonstra o desmesurado empenhamento do monarca na promoção da cultura e a situação caótica em que herdou o governo das coisas do açúcar da ilha. Esta intervenção manuelina incidiu, preferencialmente, no comércio (32%) e defesa da qualidade do açúcar laborado (10%) (49).

A fiscalidade surge assim como uma dominante na actuação das autoridades do reino que por meio de diversos regimentos e lembranças definem o quantitativo a lançar e a forma de o arrecadar. Enquanto no alfândega o quantitativo é fixo (dízima de saída), o tributo que onera os produtores é variável de acordo com o desenvolvimento da cultura na ilha. Assim no início o infante estabelecera o pagamento de metade do açúcar laborado nas alçapremas da ilha, que lhe pertenciam e com a permissão dos engenhos particulares estes passaram a pagar uma arroba e meia mensal, enquanto as moendas, a água e tracção animal pagavam 1/2 do açúcar laborado. Em 1461, com o infante D. Fernando, uniformiza-se o direito a arrecadar, ficando em apenas 1/3, que de acordo com o regimento de 1467 terá uma arrecadação mais eficaz (50). A partir daí o açúcar a arrecadar passará a ser 1/4 da produção, lançado de acordo com o estimo antecipado feito por dois estimadores eleitos pelos vereadores.

O agravo manifestado pelos madeirenses em consonância com a conjuntura conturbada de finais do século XV, forçaram D. Manuel a repensar o sistema de tributação do açúcar. Assim em 1507 o mesmo solicita aos madeirenses um estudo sobre a melhor forma de lançar e arrecadar o mesmo direito. Correspondendo às pretensões dos madeirenses o monarca estipula o lançamento de apenas 1/5 da produção, a vigorar desde 1516, e define uma forma adequada de arrecadar com o almoxarifado do açúcar e de diversas comarcas da ilha (51).

A forma de arrecadação definida em 1467 por D. Fernando mantinha-se em vigor e nela se estabelecia que o açúcar a tributar seria resultado de um estimo feito por dois homens-bons, eleitos trienalmente em vereação, que percorriam os canaviais da ilha fazendo o seu estimo num livro próprio (52). O tributo era depois

Page 17: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

arrecadado no engenho na altura da safra. Com D. Manuel estabeleceu-se, a partir de 1485, nova operação de vistoria dos açúcares - os alealdamentos -. Com isto pretendia-se confrontar o quantitativo produzido com o seu estimo e verificar a qualidade do produto final. Os alealdadores eram eleitos anualmente em pelo senado da câmara (53).

Concluída a avaliação e vistoria da qualidade do açúcar procedia-se à sua recolha, que poderia ser feita mediante cobrança directa ou arrendamento. No primeiro caso tal encargo estava entregue ao almoxarifado, que com D. Manuel assume uma estrutura diversa com a criação de cinco comarcas integradas no almoxarifado do açúcar, centralizado no Funchal (54). Os arrendamentos que se realizavam trienalmente, foram de vida efémera, mercê dos prejuízos avultados acumulados pelo almoxarifado e arrendatários entre 1506 e 1518. Estes contratos no curto espaço da sua vigência, foram dominados por mercadores ou sociedades comerciais estrangeiras, nomeadamente italianos (55).

O CONSUMO DO AÇUCAR

O princípio fundamental que regeu o movimento de circulação do açúcar foi a necessidade de suprir as carências de alguns mercados europeus, em substituição do oriental, cada vez mais de difícil acesso. Foi esta conjuntura que impôs a nova cultura no espaço atlântico e ditou as regras do seu mercado. Deste modo o consumo interno de açúcar é uma exigência tardia, gerada por novos hábitos alimentares ou das contingências do mercado do produto. Neste último caso assume importância o dispêndio de açúcar na industria de conservas e casca como resultado da solicitação dos veleiros que demandavam o Funchal. Acresce ainda que a vulgarização do açúcar no quotidiano madeirense derivou da conjuntura que o mercado viveu em finais do século XV: o aparecimento de novos mercados produtores, como a Madeira, fez baixar o preço, o que provocou uma generalização do seu consumo.

A importância que o açúcar adquiriu na economia madeirense fê-lo assumir, por algum tempo, a situação de medida de troca e de pagamento dos mais diversos serviços. Para isso contribuiu, não só, esta afirmação dominante no quotidiano madeirense, mas também, a falta crónica de moeda na ilha.

São estas as questões que estarão agora ao nosso alcance, a partir dos poucos dados propiciados pela documentação disponível.

Page 18: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

1.AS CONSERVAS E DOÇARIA

Parte significativa do açúcar produzido na ilha, e mais tarde importado do Brasil, era usado no fabrico de conservas e de doçaria. São vários os testamentos denunciadores da mestria dos madeirenses no fabrico destes produtos. Em meados do século quinze Cadamosto (56) refere a feitura de "muitos doces brancos perfeitíssimos", enquanto em 1567 Pompeo Arditi (57) dá conta da "conserva de açúcar" que se fazia no Funchal "de óptima qualidade e muita abundância". E esta tradição perpetuou-se na ilha para além do fulgor da produção açucareira local, pois segundo Hans Sloane (58) em 1687 o madeirense produzia "açúcar indispensável aos gastos caseiros e ao fabrico de doces, indo ainda comprá-lo ao Brasil". Dois anos depois John Ovington (59) refere a indústria da conserva de citrinos que se exportava para França.

Tal como se deduz de um documento de 1469 (60) o fabrico de conservas era indústria importante para a sobrevivência de muitas famílias, uma vez que ocupava "molheres de boas pesoas e muytos pobres que lavraram os açuquares bayxos em tamtas maneyras de conservas e alfeni e confeitos de que am grandes proveytos que dam remedio a suas vidas e dam grande nome a terra nas partes onde vam...".

O exemplo da fama alcançada pela arte da confeitaria temo-la na embaixada enviada por Simão Gonçalves da Câmara ao Papa. Segundo Gaspar Frutuoso (61) compunha-se de "muitos mimos e brincos da ilha de conservas, e o sacro palacio todo feito de assucar, e os cardiais todos feitos de alfenim, dornados a partes, o que lhes dava muita graça, e feitos de estatura de hum homem".

Um dos factores de promoção desta indústria ao nível das conservas, foi a importância assumida pelo Funchal como porto de escala de abastecimento para a navegação atlântica. Muitas embarcações aportavam aí com o intuito de se fornecerem de conservas de citrinos para a sua dieta de bordo. Mas, sem dúvida, o consumidor preferencial das conservas e doçaria madeirense era a Casa Real portuguesa. D. Manuel foi o seu consumidor preferencial e aquele que divulgou as suas qualidades na Europa. Assim ficaram como o seu principal presente, dentro e fora do reino, sendo o seu exemplo seguido por Vasco da Gama, que também ofertou o xeque de Moçambique com conservas da ilha (62). No período de 1501 a 1561 a Casa Real consumiu 1129 arrobas e 58 barris de açúcar em conservas e frutas secas (63). A par disso o rei havia estabelecido a partir de 1520 (64) o envio anual de 10 arrobas de conserva para o feitor de Flandres. Para os anos de 1524 e 1525 (65), temos disponíveis alguns dados sobre as exportações de conservas de frutas nas alfândegas de Santa Cruz e Funchal:

TIPO CONSERVAS FRUTAS

Arrobas Arratéis Arrobas Arratéis

Branco 34 10 17 16

Page 19: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

Escumas 45 4 - -

Rescumas 25 - 16 10

Meles - - 14 -

Outros 25 - 48 29

Por outro lado os livros do quarto e quinto do açúcar informam-nos sobre o dispêndio que dele se fazia no fabrico de conservas, frutas seca e marmelada. Nisso gastaram-se cerca de quatrocentas arrobas de açúcar de vários tipos, sendo na sua maioria para consumo dos proprietários do referido açúcar.

Esta indústria manteve-se por todo o século XVII, suportada com o pouco açúcar da produção local ou com as importações dele do Brasil. Neste último caso sabe-se que em 1680 foram importadas 2.575 arrobas para o fabrico de casca (66). Aliás, de acordo com uma informação dada ao governador da ilha, D. António Jorge de Melo referia-se que "é a casquinha negócio muito grande porque há anno que se carregão com aquella terra mais de 20 embarcações de hu so doce para o qual he necesareo comprar assucar da terra ou mandalo vir do Brasil" (67).

A correspondência de William Bolton (68) refere-nos que a conserva de citrinos estava em grande prosperidade na década de noventa do século XVII, sendo usada para o abastecimento das embarcações que demandavam a ilha, ou exportadas para Lisboa, Holanda e França.

No fabrico das conservas e doces variados merecem a nossa atenção as freiras do Convento de Santa Clara, da Encarnação e Mercês (69). Aliás em 1687 (70) Hans Sloane referia-se de forma elogiosa aos doces e compotas que comeu no Convento de Santa Clara, e ao referir que "nunca vi coisas tão boas".

Num breve relance pelos livros de receita e despesa do Convento da Encarnação (71), Misericórdia do Funchal (72), e Recolhimento do Bom Jesus, constata-se as assíduas despesas com a compra de açúcar da ilha ou do Brasil para o consumo interno. A Misericórdia do Funchal para além das esmolas que recebia em açúcar ou marmelada, consumia açúcar que comprava. Do primeiro tanto se poderia dar aos doentes ou vender para fora. Em 1636 gastaram-se 6.180 réis na compra de 3 arrobas de açúcar para os doces da procissão das Endoenças (73). Ademais são conhecidas outras despesas na compra de abóbora, ginjas, peras, marmelos para o fabrico de doce. Em 4 de Junho de 1700 a Misericórdia do Funchal gastou 101.500 réis na compra de 34 arrobas para o fabrico de doces a serem consumidos ao longo do ano (74). Para o período de 1694 a 1700 a mesma instituição gastou 634.400 réis na compra de 227 arrobas de açúcar e 14 canadas de mel.

Maior e mais assíduo foi o consumo de açúcar no Convento da Encarnação no período de 1671 a 1693 (75). Aí, de acordo com o registo mensal dos gastos com as compras de produtos para a dispensa do convento pode-se ficar com uma ideia da sazonalidade do consumo da doçaria. No caso deste convento destacam-se a Quinta-Feira de Endoenças e o Natal. Nesta última festividade distribuía-se a cada freira, para a Consoada, 8 libras de açúcar. Além disso parte significativa do açúcar de várias qualidades, era usado para o "tempero do comer" e fazer conserva. No

Page 20: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

total despenderam-se 190 arrobas de açúcar por estes vinte e dois anos para um total aproximado de seis dezenas de recolhidas.

2. O DISPENDIO DO AÇUCAR DOS DIREITOS

O açúcar e derivados dele que se produziam na Madeira tinham um consumo variado. Assim a maior e melhor qualidade era canalizada para a exportação aos principais mercados estrangeiros. Do açúcar laborado há que distinguir aquele que pertence aos proprietários de canaviais e engenho e o que é da coroa, por arrecadação do almoxarifado dos quartos ou da Alfândega, resultante dos direitos que oneravam a produção (quarto/quinto/oitavo) e saída na Alfândega (dízima). Enquanto a cobrança deste último era feita directamente nas alfândegas do Funchal e Santa Cruz, o primeiro poderia ser recolhido pela estrutura institucional criada para o efeito - o almoxarifado dos quartos (1485-1522) - ou a cargo da anterior. Ainda nesta situação poderia suceder a sua arrecadação por contratadores, maioritariamente estrangeiros (76), que oscilava entre as 18.507 e 31.876 arrobas entre 1497 e 1506.

Este açúcar arrecadado pela coroa, tal como nos elucida F. J. Pereira (77), era gasto em despesas ordinárias, na carregação directa e nas vendas feitas aos mercadores e/ou sociedades comerciais. Na primeira despesa estavam incluídos, a redízima dos capitães, os gastos pessoais do monarca, da Casa Real, as esmolas, para além das despesas com os soldos dos funcionários, do transporte e embalagem do açúcar. Esta despesa variou entre as 1.070 e 2.114 arrobas, sendo a média anual no período de 1501 a 1537 de 1622 arrobas (78). No caso das esmolas é de realçar as que se faziam às Misericórdias - Funchal (1512), Ponta Delgada em S. Miguel (1515), Todos os Santos em Lisboa (1506 -, Conventos - Santa Maria de Guadalupe (1485), Jesus de Aveiro (1502), Conceição de Évora.

A par disso também se regista a utilização temporária dos lucros arrecadados pela Coroa na ilha com o açúcar, no custeamento das despesas com os socorros às praças africanas (79) ou no provimento das armadas (80). Acresce, ainda, a política de ofertas estabelecida por D. Manuel I, que em muito contribuíram para o enriquecimento do património artístico da Madeira (81).

3.AS FORMAS DE TROCA

Diversificada é também a forma como o lavrador despendia o açúcar da sua safra. As vendas directas aos mercadores, muitas vezes de antemão, associam-se os

Page 21: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

pagamentos de dívidas ou por trocas de produtos e serviços.

Os livros do quarto e do quinto, como forma de controlo dos direitos em jogo, contabilizam a forma como os lavradores despendiam o seu açúcar. Daqui poderá saber-se quem eram os principais compradores, como o seu uso no pagamento de serviços (82). No global tivemos cerca de 81.280 arrobas distribuídas por 2.492 compradores.

DISPENDIO DE AÇUCAR NA CAPITANIA DO FUNCHAL

1509-1537

----------------------------------------------------------------

COMARCA DATA COMPRADORES ARROBAS

AÇUCAR MEDIA

----------------------------------------------------------------

Calheta 1509 532 26360 49,5

1514 286 12795 44,7

1534 270 7886 29,2

----------------------------------------------------------------

Funchal 1530 522 11453 21,9

----------------------------------------------------------------

Rª Brava 1517 456 10177 22,3

1536 170 3499 20,5

----------------------------------------------------------------

Ponta Sol 1526 163 6727 41

1537 93 2383 25,6

----------------------------------------------------------------

TOTAL - 2492 81280 32

----------------------------------------------------------------

Fonte: José Pereira da Costa, Livro de Contas da ilha da

Madeira. 1504.1537, vol. II, Funchal, 1989.

Note-se que a tendência do movimento do comércio do açúcar é para a disseminação pelos pequenos compradores, acabando com os interesses monopolistas de algumas casas comerciais, que haviam dominado o comércio na época de apogeu.

Page 22: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

O lavrador, o proprietário do engenho serviam-se usualmente do produto da sua safra para o pagamento da mão de obra assalariada que necessitavam. Entre 1509 e 1537 há referência a diversos pagamentos em açúcar por serviços prestados na lavoura e laboração do engenho e, mesmo na compra de qualquer manufactura ou prestação de serviço artesanal.

Os pagamentos aos serviços da safra do açúcar atingem 31,41%, sendo 16,62% no cultivo e apanha da cana e 14,59%, sendo dominados pelos sapateiros (27,62%) e ferreiros (24,48%).

As obrigações para o pagamento do trigo açoriano com açúcar surgem apenas entre 1509 e 1519. No global temos 43,34% em moeda e 56,86% em açúcar (83). Neste curto período de dez anos movimentaram-se 964,5 arrobas de açúcar em troca de 235,5 moios de trigo, o que perfaz uma média de 4 arrobas de açúcar por moio de trigo, avaliado em cerca de 1$000 reais.

Por fim registe-se que esta distribuição diversificadora dos lucros acumulados por proprietários de canaviais e mercadores de açúcar contribuiu para um manifesto progresso da sociedade madeirense no século dezasseis, com evidentes reflexos no quotidiano e panorama artístico e arquitectónico (84).

4.COMÉRCIO: ROTAS E MERCADOS

O comércio do açúcar destaca-se no mercado madeirense dos séculos XV e XVI como o principal animador das trocas com o mercado europeu. Durante mais de um século a riqueza das gentes da ilha e o fornecimento de bens alimentares e artefactos dependeu do comércio deste produto. Todavia neste período a sua venda e valor sofreu diversas oscilações, mercê da conjuntura do mercado consumidor e da concorrência dos mercados insulares e americanos.

O regime do comércio do açúcar madeirense nos séculos XV e XVI, segundo opiniäo de Vitorino Magalhães Godinho "vai oscilar entre a liberdade fortemente restringida pela intervenção quer da coroa quer dos poderosos capitalistas, de um lado, e o monopólio global, primeiro, posteriormente um conjunto de monopólio cada qual em relação com uma escapula de outra banda (85). Deste modo o comércio apenas se manteve em regime livre até 1469, altura em que a baixa do preço veio condicionar a acção do senhorio que estipula o exclusivo do seu comércio aos mercadores de Lisboa (86) O madeirense, habituado ao comércio com os estrangeiros, reage veementemente contra esta decisão, pelo que o Infante D. Fernando, restringidas as suas possibilidades, arremata em 1471 todo o açúcar a uma companhia formada por Vicente Gil, Álvaro Esteves, Baptista Lomelim, Francisco Calvo e Martim Anes Boa Viagem (87). Desta determinação resultou um conflito aceso entre o município e os referidos contratadores (88).

Passados 21 anos a ilha debatia-se ainda com uma conjuntura difícil no comércio

Page 23: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

açucareiro pelo que a coroa retoma em 1488 e 1495 a pretensão de monopólio no seu comércio mas apenas consegue impor um conjunto de medidas regulamentadoras da cultura, safra e comércio que ocorrem em 1490, 1496. Esta política, definida no sentido de defesa do rendimento do açúcar, irá saldar-se mais uma vez num fracasso pelo que em 1498 é tentada uma nova solução, com o estabelecimento de um contingente de 120.000 arrobas para exportação definidas por diversas escapulas europeias (89).

Estabilizada a produção e definidos os mercados de comércio do açúcar a economia madeirense não necessitava desta rigorosa regulamentação pelo que em 1499 o monarca revogou algumas das prerrogativas estipuladas no ano anterior, mantendo-se, no entanto, até 1508 o regime de contrato para a sua venda. Pois só nesta data é revogada toda a legislação anterior, activando-se o regime de liberdade comercial (90). Assim o definia o foral da capitania do Funchal em 1515 ao anunciar que: "Os ditos açúcares se poderão carregar pera o Levante e Poente e pera todas as outras partes que os marcadores e pessoas que os carregarem aprouver sem lhe isso ser posto embargo algum" (91).

O estabelecimento das escapulas em 1498 definia de modo preciso o mercado consumidor do açúcar madeirense, que se circunscrevia a três áreas distintas: o reino, a Europa nórdica e a mediterrânica. As praças do Mar do Norte dominavam este comércio, recebendo mais de metade do açúcar. Aí evidenciavam-se as praças circunscritas à Flandres enquanto no Mediterrâneo a posição cimeira é atribuída a Veneza, conjuntamente com as praças levantinas de Chios e Constantinopla.

Se compararmos as escapulas com o açúcar consignado às diversas praças europeias no período de 1490 a 1550, constata-se que o roteiro não estava muito aquém da realidade. As únicas diferenças relevantes na equivalência surgem nas praças da Turquia, França e Itália, sendo de destacar nesta última um reforço acentuado da sua posição. Todavia esta diferença (21,50%) poderá resultar da actuação das cidades italianas como centros de redistribuição no mercado levantino e francês. Note-se que os italianos detêm mais de 2/3 das arrobas de açúcar então transaccionadas.

Os dados disponíveis para o comércio do açúcar na Madeira, neste período evidenciam a constância dos mercados flamengo e italiano. O reino, circunscrito aos portos de Lisboa e Viana do Castelo surge em terceiro lugar apenas com 9,65%. Note-se que o porto de Viana do Castelo adquiriu, desde 1511, importância de relevo no comércio do açúcar com o reino e daí em Castela e Europa nórdica. No período de 1581 a 1587 Viana é o único porto do reino mencionado nas exportações de açúcar, mantendo uma posição inferior a 1490-1550 (92).

Esta função redistribuidora dos portos a norte do Douro fica evidenciada entre 1535 e 1550, pois das 56 embarcações entradas no porto de Antuérpia, com açúcar da Madeira, 16 são do Norte e apenas uma de Lisboa. Nas primeiras, 50% são provenientes de Vila do Conde, 31% do Porto e 19% de Viana do Castelo (93). Aliás em 1505 o monarca considerava que os naturais desta regiro tinham muito proveito no comércio do açúcar da ilha (94). Em 1538 este comércio era assegurado por um numeroso grupo de mercadores daí oriundos, sendo de destacar Aires Dias, Baltasar Roiz, Dioguo Alvares Moutinho e Joham de Azevedo (95).

Igualmente nas transacções com o mundo mediterrânico existiam alguns

Page 24: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

entrepostos, nomeadamente em Cadiz e Barcelona. Estas cidades no período de 1493 e 1537 como pontos de apoio ao comércio com Génova, Constantinopla, Chios e Aguas Mortas (96).

A ordenança de 1498 não determinava apenas o contingente das diversas escapulas mas, também a forma do seu comercio. A coroa, para dar maior facilidade no seu escoamento, monopoliza as escapulas de Roma e Veneza, 20.000 arrobas das de Flandres e 3.000 das de Inglaterra, num total de 40.000 arrobas, o equivalente a 33% do total. A este açúcar juntava-se o quantitativo do quinto ou quarto e da dízima de exportação que o rei carregava por meio de contrato estabelecido com as grandes companhias nacionais e internacionais. O rendimento dos direitos era exportado para Flandres e Veneza, tendo estas recebido, entre 1495 e 1526, respectivamente 160.000 e 26.000 arrobas (97).

5.OS MERCADORES E O AÇÚCAR

A Madeira atraiu a primeira vaga destes mercadores forasteiros, mercê da prioridade atribuída à cultura dos canaviais no processo de ocupação. Só o impediam as ordenanças limitativas da sua residência na ilha, a que não deve ser alheia a rápida fixação e controlo dos circuitos comerciais madeirenses.

Em meados do século XV a coroa facultava a entrada e fixação de italianos, flamengos, franceses e bretões, por meio de privilégios especiais, como forma de assegurar um mercado europeu para o açúcar (98). Mas o impacto e a influência destes foi lesivo para os mercadores nacionais e para a coroa, pelo que se tornava

necessário impedir que os mesmos pudessem "asy soltamente trautar todos" (99). Deste modo o senhorio ordena a proibição da sua permanência na ilha como vizinhos (100). A questão foi levada às cortes de Coimbra de 1472-1473 e de Évora em 1481, reclamando a burguesia do reino contra o monopólio de facto, dos mercadores genoveses e judeus no comércio do açúcar e, para isso propunha a sua exploração nesse regime a partir de Lisboa (101).

O monarca comprometido com essa posição vantajosa dos estrangeiros, mercê dos privilégios concedidos aos mesmos, actua de modo ambíguo procurando salvaguardar os compromissos anteriormente assumidos e às solicitações dos moradores do reino. Assim ele estabeleceu limitações à sua residência no reino, fazendo-a depender de licenças especiais (102). Quanto à Madeira o mesmo definiu a impossibilidade da sua vizinhança sem licença sua, ao mesmo tempo que os interditava da revenda no mercado local (103). A Câmara por seu turno, baseada nestas ordenações e no desejo expresso dos seus moradores ordenara a sua saída até Setembro de 1480, no que foi impedida pelo senhorio (104). Somente em 1489 se reconhece a utilidade da presença de mercadores estrangeiros na ilha, ordenando D. João II a D. Manuel, então Duque de Beja, que os estrangeiros fossem considerados como "naturaes e vizinhos de nossos regnos" (105).

Page 25: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

Os problemas do mercado açucareiro na década de 90 conduziram ao ressurgimento desta política xenófoba. Deste modo os estrangeiros passam a dispor de três ou quatro meses, entre Abril e meados de Setembro, para comerciar os seus produtos, não podendo dispor de loja e feitor (106). Somente em 1493 D. Manuel reconhece o prejuízo que as referidas medidas causavam à economia madeirense, afugentando os mercadores, pelo que revoga as interdições anteriormente impostas (107). As facilidades concedidas à estadia destes agentes forasteiros conduzirão à assiduidade da sua frequência nesta praça, bem como à sua fixação e intervenção de modo acentuado na estrutura fundiária e administrativa (108).

A comunidade de mercadores estrangeiros na Madeira estava dominada pela presença italiana de flamengos e franceses; todos surgem aí atraídos pelo tão solicitado ouro branco.

Os italianos e, destes os florentinos e genoveses conseguiram, desde meados do século XV, implantar-se na Madeira como os principais agentes do comércio do açúcar, alargando depois a sua actuação ao domínio fundiário por meio da compra e laços matrimoniais (109). Na década de 70, mediante o contrato estabelecido com o senhorio da ilha, estes detinham já uma posição maioritária na sociedade criada para o efeito, sendo representados por Baptista Lomellini, Francisco Calvo e Micer Leão (110). No último quartel do século vêm juntar-se a estes Cristóvão Colombo, João António Cesare, Bartolomeu Marchioni, Jerónimo Sernigi e Luis Doria. A este grupo inicial seguiu-se, em princípios do século XVI, outro grupo mais numeroso que alicerçou a comunidade italiana residente, destacando-se, Lourenço Cattaneo, João Rodrigues Castigliano, Chirio Cattano, Sebastião Centurione, Luca Salvago, Giovanni e Lucano Spinola.

Os mercadores-banqueiros de Florença destacam-se nas transacções comerciais e financeiras do açúcar madeirense no mercado europeu. A partir de Lisboa, onde usufruem uma posição privilegiada junto da coroa, mantêm e controlam uma extensa rede de negócios que abrange a Madeira e as principais praças europeias. Primeiro conseguem da Fazenda Real o quase exclusivo do comércio do açúcar resultantes dos direitos reais por meio do contrato, depois apoderam-se do açúcar em comércio com o exclusivo dos contingentes estabelecidos pela coroa em 1498 (111). Assim teremos Bartolomeu Marchioni, Lucas Giraldi e Benedito Morelli com uma intervenção marcante no trato do açúcar, na primeira metade do século XVI (112).

A manutenção desta rede de negócios era assegurada por meio da intervenção directa dos mercadores e por meio de procuradores ou agentes sub estabelecidos Benedito Morelli em 1509-1510 tinha na ilha como os seus agentes para o recebimento do açúcar dos quartos Simão Acciaiuolli, João de Augusta, Benoco Amador Cristóvão Bocollo e António Leonardo (113). Marchioni em 1507-1509 fazia-se representar em operações de idêntica índole por Feducho Lamoroto (114). João Francisco Affaitati, cremonês, agente em Lisboa de uma das mais importantes companhias comerciais da época, teve uma participação muito activa neste comércio entre 1502 e 1526, por meio de contratos de compra e venda dos açúcares dos direitos reais (1516-1518, 1520-1521 e 1529) e pagamentos em açúcar a troco de pimenta (115). O mesmo mercador actuou em sociedade com Jerónimo Sernigi, João Jaconde, Francisco Corvinelli e Janim Bicudo, quer isoladamente, tendo para o efeito como feitores e procuradores na ilha, Gabriel Affaitati, Luca António, Cristóvão Bocollo, Capela de Capellani, João Dias, João Gonçalves, Matia Manardi e Maffei Rogell.

A penetração deste grupo de mercadores na sociedade madeirense foi muito acentuada (116). O usufruto de privilégios reais, o interrelacionamento familiar

Page 26: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

conduziram a sua plena isenção na aristocracia terra tenente e administrativa. Estes apresentavam-se, na sua maioria, como proprietários e mercadores de açúcar, Instalaram-se nas terras de melhor e maior produção e por meio de compra e laços matrimoniais tornaram-se nos mais importantes proprietários de canaviais. Assim sucedeu com Rafael Cattano, Luis Doria, João Esmeraldo, João e Jorge Lomelino, João Rodrigues Castelhano, Lucas Salvago, Giovanni Spinola, João Antão, João Florença e Simão Acciaiuolli e Benoco Amatori.

A intervenção deste grupo na estrutura administrativa madeirense abrange os domínios mais elementares do governo, com a vereação e repartições da fazenda, que incidiam sobre a economia açucareira. Surgem, assim, como almoxarifes e provedor da Fazenda. Os mesmo intervêm activamente na arrecadação dos direitos reais, surgindo como rendeiros.

Tal como os italianos, os franceses e flamengos surgem na ilha, desde finais do século XV, atraídos pelo rendoso comércio do açúcar. No entanto estes não se enraizaram na sociedade insular e mantêm a sua condição errante. O seu interesse é única e exclusivamente a aquisição do açúcar a troco dos seus artefactos, alheando-se deste modo, da realidade produtiva e administrativa. Os franceses afirmaram-se pelas suas operações de troca em torno do açúcar (20,25%), enquanto os flamengos mantêm aí uma posição subalterna e mesmo como grupo interveniente no mercado madeirense. Os flamengos aliavam à Madeira a rede de negócios das Canárias que surge como ramificação das praças nórdicas e andaluzas. A condição de estantes limitou o seu aparecimento e rastro na sociedade madeirense pelo que se torna impossível abalizar a real importância.

Os mercadores franceses têm uma presença muito activa no comércio do açúcar da Madeira, na primeira metade do século XVI. Estes surgem com frequência nas comarcas do Funchal, Ponta do Sol, Ribeira Brava e Calheta, onde adquirem grandes quantidades de açúcar que transportam em embarcações suas. Neste trato evidenciaram-se mestre António, Archelem, António Coyros, António Caradas e Francisco Lido (117).

As escapulas, até 1504, e o produto dos direitos reais eram canalizados ao mercado europeu, quer por carregação directa, quer ainda, por negócio livre ou a troco de pimenta (118). Esse açúcar era arrendado por mercadores ou sociedades comerciais, sediados em Lisboa, sendo de destacar a actuação dos mercados italianos, como João Francisco Affaitati e Lucas Salvago (119).

As operações comerciais em torno do açúcar, no período de 1501 a 1504, estavam centralizadas em Lisboa, controlavam este trato por meio de um sistema complicado de feitores ou procuradores. A sua intervenção, que se apresentava dominante nos três primeiros decénios do século, sofreu um decréscimo acentuado na última década. Isto atesta que os mercadores estrangeiros em face da instabilidade do mercado açucareiro madeirense, nos primeiros trinta anos, abandonaram o seu comércio fazendo-o substituir pelo canário ou americano.

A comunidade italiana controlava a quase totalidade do comércio do açúcar com as principais praças europeias, seguida dos portugueses e castelhanos. Os mercadores nórdicos, não obstante a dominância deste mercado no comércio do açúcar madeirense, não apresentam uma posição relevante nestas operações, pois quedam-se por 4,72%. Isto demonstra, mais uma vez, que esta rota mantinha-se sob o controlo dos portugueses, nomeadamente oriundos do litoral norte e que o comércio estava organizado pela feitoria portuguesa de Flandres.

Page 27: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

Nos quatro decénios em análise constata-se que os italianos detêm o exclusivo do comércio na primeira década e uma posição dominante das duas seguintes sendo substituídos pelos portugueses na década de 30. Este decréscimo italiano é compensado pelo reforço das posições portuguesa, castelhana e francesa.

No grupo dos mercadores estrangeiros denota-se uma tendência concentracionista, pois apenas os cinco principais detêm 70,61% do açúcar transaccionado. Além disso todos estes apresentam valores superiores a 10.000 arrobas enquanto nos nacionais apenas um tem mais de 1.000 arrobas. Aliás a média de ambos os grupos é esclarecedora: nacionais 141,9 arrobas, estrangeiros 4.074,5 arrobas.

João Francisco Affaitati, mercador cremonês da família nobre, chefe da sucursal em Lisboa da companhia Affaitati, uma das principais desta praça, surge no período de 1502 a 1529 como o principal activador do comércio do açúcar madeirense, tendo transaccionado sete vezes mais açúcar que todos os portugueses. Durante este curto período, arrematou, em 1502, as escapulas de Aguas Mortas, Liorne, Roma e Veneza. Conjuntamente com Jerónimo Sernigi, João Jaconde e Francisco Corvinelli arrematou a venda do açúcar dos direitos (1512-1518, 1520-1521, 1529) e actuou em diversas operações de compra directa de açúcar e de troca deste por pimenta ou dívidas (120).

Para manter esta amplitude de actividades comerciais na ilha contava com um grupo numeroso de feitores ou procuradores: Gabriel Affaitati, Luca António, Cristóvão Bocollo, Matia Manardi, Capella de Capellani, João Dias, João Gonçalves e Mafei Rogell. Por outro lado aceitou procuração de Garcia Pimentel, Pedro Afonso de Aguiar e João Rodrigues de Noronha. Note-se que o grupo inicial é na sua maioria formado por italianos, ligados ao comércio do açúcar e que os segundos pertencem a algumas famílias mais influentes da ilha.

A rede de negócios funchalense, em torno do trato do açúcar, foi criada e incentivada pelo mercador estrangeiro, alemão ou italiano, que aí aportou depois da reconfortante e vantajosa escala em Lisboa. Este dominou as principais sociedade intervenientes no comércio açucareiro, não obstante ter morada fixa em Lisboa, Flandres ou Génova (121). O seu domínio atinge não só as sociedades criadas no exterior com intervenção na ilha mas também o grupo de agentes ou feitores e procuradores sub estabelecidos no Funchal. A escolha destes é criteriosa; primeiro os familiares, depois os compatrícios enraizados na sociedade e, só depois, os madeirenses ou nacionais.

As principais casas intervenientes no trato açucareiro madeirense, sob esta forma, podem ser definidos de acordo com o número de representantes, destacando-se então, Baptista Morelli, B. Marchioni, Welser, Claaes, Charles Correa, Pero de Ayala e Pero de Mimença.

Os Welsers e Claaes intervêm na praça do Funchal por intermédio de agente estabelecido em Lisboa, respectivamente, Lucas Rem e Erasmo Esquet, que aí sub estabelecem feitores. O primeiro tinha como seus interlocutores no Funchal, em princípios do século XVI, João de Augusta, Bono Bronoxe, Jorge Emdorfor, Jácome Holzbuck, Leo Ravenspurger e Hans Schonid. Os procuradores e feitores, na sua condição de interlocutores dos mercadores europeus não se ligam a uma única sociedade, mas distribuem a sua acção por um grupo numeroso de societários. E estes por sua vez não se prendem apenas a um representante, pois fazem distribuir os seus poderes por um grupo razoável de feitores e procuradores. Da primeira situação destaca-se Benoco Amatori que representava B. Marchionni, B. Morelli, Álvaro Pimentel e Jerónimo Sernigi. E, na

Page 28: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

segunda, João Francisco Affaitati que, entre 1500-1529, estava representado por Gabriel Affaitati, Luca António, Cristóvão Bocollo, Capella de Capellani, João Dias, João Gonçalves, Matia Manardi, Mafei Rogell e Lucas Giraldi.

Durante mais de um século o açúcar foi o principal activa dor das trocas da Madeira com o exterior. As dificuldades senti- das com a penetração no mercado europeu levaram a coroa a intervir no sentido de manter um comércio controlado, que a partir de 1469 passou a ser feito sob o permanente olhar vigilante do senhorio e coroa. A situação manteve-se até 1508, altura em que a coroa aboliu o regime de contrato.

A partir de uma das medidas tomadas pela coroa (o contingentamento de 1498) para defesa do mercado do açúcar madeirense poder-se-á fazer uma ideia dos principais mercados consumidores. As praças do mar do norte dominavam o comércio, recebendo mais de metade das escapulas estabelecidas: aqui a Flandres adquire uma posição dominante, o mesmo sucedendo com os portos italianos para

o espaço mediterrânico.

Os dados da exportação, que reunimos para o período de 1490 a 1550, testemunha esta realidade: a Flandres surge com 39% e a Itália com 52%. Todavia é de salientar a posição dominante dos mercadores italianos na condução deste açúcar, uma vez que eles foram responsáveis pela saída de 78% do açúcar. Note-se que no início foram inúmeras as dificuldades para a presença de estrangeiros. Somente a partir da década de oitenta do século XV surgiram os primeiros como vizinhos, que se comprometeram com a cultura e comércio do açúcar.

Também ao nível do comércio é evidente uma tendência concentracionista, uma vez que apenas seis (Joäo Francisco Affaitati, Feducho Lamoroto, Bartolomeu Marchioni, Benedito Morelli, Matia Manardi e António Boto) controlavam 71% do açúcar transaccionado na ilha.

Na segunda metade do século dezasseis escasseiam os dados sobre o comércio do açúcar madeirense. Somente entre 1581 e 1587 voltámos a ter nova informação Neste período a ilha exportou 199.300 arrobas de açúcar para o estrangeiro e 4830 para o porto de Viana do Castelo(122).

6.O AÇUCAR DO BRASIL

No século imediato o grosso das exportações de açúcar na ilha não será proveniente dela mas sim do Brasil: em 1620, do açúcar exportado, temos 23.560 arrobas do Brasil e 1.992 da Madeira, enquanto em 1650 surgem só 83 caixas do Brasil e 111 arrobas da Madeira (123). Para o período de 1650 a 1691 conseguimos identificar 53 navios provenientes da Baía, Rio de Janeiro, Pernambuco, Paraíba, Pará e Maranhão, que conduziram ao Funchal mais de dez mil caixas de açúcar.

PROVENIENCIA AÇUCAR NAVIOS

Page 29: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

Caixas feixos carga(1) total

Baía 2489 29 7 17

Rio de Janeiro 4218 13 6 12

Pernambuco 3343 71 9 18

Maranhão 57 31 - 1

Paraíba 615 2 5

Pará 1 1

TOTAL 10722 144 25 53

(1) sem indicação do número de caixas e feixos de açúcar

A estes valores dever-se-äo juntar alguns registos de despacho na alfandega, feito em livro próprio, com a indicação dos destinatários do açúcar transportados:

ANO Nº DESTINATARIOS ARROBAS

----------------------------------------------

1640 77 (1) 12769

1671 64 28465

1682 30 2475

1691 98 1428

----------------------------------------------

1) incluem-se trinta e três em que não foi possível identificar o número de arrobas, devido ao ao mau estado do manuscrito.

Por aqui se conclui que o açúcar do Brasil teve um lugar importante na economia madeirense, não apenas por apoiar as industrias de conserva e casca, mas, fundamentalmente pelo activo movimento de reexportação.

Page 30: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

BIBLIOGRAFIA

Page 31: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

Everaert, John G., "Marchands flamandes a Lisbonne et

exportation du sucre de Madère (1480-1530)",

in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira, 1986, Funchal, 1989, pp.442-480.

GODINHO, Vitorino Magalhäes, "O açúcar dos arquipélagos

atlânticos", in os Descobrimentos e a economia mundial, vol. IV, Lisboa pp. 69-93.

GOUVEIA, David Ferreira de, "O açúcar da Madeira. A manufactura

açucareira madeirense (1420-1550)", Atlântico, nº 4, 1985, pp. 260-272.

-"A manufactura açucareira madeirense(1420-1450). Influência madeirense na expansão e transmissäo da tecnologia açucareira", in Atlântico, nº 10, 1987, pp. 115-131.

-"O açúcar e a economia madeirense(1420-1550). Produçäo e acumulaçäo", in Atlântico, nº 16, 1988, pp.262-283.

-"O açúcar e a economia madeirense(1420-1550). Consumo de excedentes", Islenha, nº 8 (1991), pp. 11-22.

GREENFIELD, Sidney M., "Madeira and the beginings of sugar cane

cultivation and plantation slavery", in Comparative Perspectives on New World Plantation Societies, New York Annals of the New York Academy of Sciences, vol.

292, New York, 1977, pp. 236-252.

-"Plantations, sugar cane and slavery", in Roots and Branches Current Directions in Slave Studies, New York, 1979.

LOBO CABRERA, Manuel, "La tecnica de cultivo de la caña de

azúcar", in Islenha, nº 8 (1991, pp. 5-10.

MAURO, Frédéric, Portugal, O Brasil e o Atlântico (1570-1670),

vol. I, Lisboa, 1989, pp. 243- 251.

MIGUEL, Carlos Montenegro, "Os estrangeiros na Madeira e a

Page 32: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

cultura da cana sacarina", in Das Artes e da História da Madeira,nº 22(1956);

-"O açúcar. Sua origem e difusäo", in Arquivo Histórico da Madeira, XII, Funchal, 1960-61, pp. 55-123.

PARREIRA, H. Gomes de Amorim, "História do açúcar em Portugal",

in Estudos de História e Geografia da Expansäo Portuguesa. Anais, vol.VII, t. I, 1952.

PEREIRA, Fernando Jasmins, Estudos de História da Madeira,

Funchal, 1991 (compilaçäo de todos os trabalhos publicados e inéditos com importantes estudos sobre o açúcar).

RAU, Virgínia, "The setlement of Madeira and the sugar cane

plantation", in A.A.G. Bijdragen, II, Wageningen,

1964, 3-12.

RAU, Virgínia, MACEDO, Jorge, O Açúcar da Madeira nos fins do

século XV. Problemas de Produçäo e Comércio, Funchal, 1962.

RIBEIRO, Emanuel, O Doce nunca amargou... Doçaria Portuguesa.

História, Decoraçäo, Receituário, Coimbra, 1923.

RODRIGUES, Maria do Carmo Jasmins Pereira, O Açúcar na ilha da Madeira. Século XVI, Lisboa, 1964(Dissertaçäo de licenciatura,policopiada).

SALGADO, Anastacia M. e Abílio José, O Açúcar da Madeira e

algumas instituiçöes de assistência na Península e

Norte de Africa, durante a 1ª metade do Século XVI,

Lisboa, 1986.

SARMENTO, Alberto Artur, História do Açúcar na Ilha da Madeira,

Funchal, 1945.

SERRÄO, Joel, "Nota sobre o comércio de açúcar entre Viana do

Castelo e o Funchal de 1561 a 1587 e sobre a decadência do açúcar

Page 33: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

madeirense a partir de finais do século XVI", in Revista de Economia, vol. III, Lisboa, 1950.

-"O Rendimento da Alfândega do arquipélago da Madeira (1581-1587)", in Das Artes e da História da Madeira, nº 56, Funchal, 1951.

SILVA, Fernando Augusto da Silva e Carlos Azevedo de Menzes,

Elucidário Madeirense, 3 vols., Funchal, 1984.

SOUSA, Joäo José Abreu de, "No ciclo do açúcar", in Islenha, nº 5

(1989), pp. 51-59.

-"A indústria de conservas na Madeira. Século XV-XIX", in Diário de Notícias, Funchal, 1 de Abril de 1984.

VERLINDEN, Charles, "Les débuts de la production et l'éxportation

du sucre à Madère. Que rôle y jouèrent les italiens", in Studi in memoria de luigi del Pane, Bolonha, 1982, pp. 308-310.

-"Petite proprieté et grande enterprise à Madère à la

fin du XVéme siècle", in Actas do II Colóquio Internacional de História da Madeira. Funchal. Setembro

de 1989, Funchal,1990, pp. 7-21.

-"Les origines du monopole royal dans l'économie

coloniale portugaise au XVème siècle", in Estudos em

Homenagem ao Prof. Manuel Paulo Merca e Guilherme Braga

da Luz, Coimbra, 1983, pp. 2-43.

VIEIRA, Alberto, "O Regime de propriedade na Madeira: o caso do

açúcar (1500-1537): problemas, análises futuras", in

Actas do I Colóquio Internacional de História da

Madeira, 1986, vol. I, Funchal,1989, pp. 539-608.

-"Consequências do povoamento e o ciclo do açúcar na Madeira nos séculos XV e XVI", in Portugal no Mundo, vol. I, Lisboa, 1989, pp. 212-224.

Page 34: O Açúcar NA MADEIRA: Produção E COMÉ · PDF fileA cana-de-açúcar originária da Ásia Oriental chegou ao mundo mediterrânico através da Pérsia, por iniciativa dos muçulmanos,

-O Comércio Inter-Insular nos Séculos XV e XVI,Madeira,

Açores e Canárias, Funchal, 1987.

WITTE, Charles-Martial de, "La production du sucre à Madère au

XVème Siècle d'aprés um rapport au capitaine de l'ile

au Roi Manuel Iére", in Bulletin des Études Portugaises

et Bresiliennes, nº 42-43,Lisboa, 1981-1986.