Ansiedade Social_Da Timidez a Fobia Social

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Este documento foi produzido para o Gabinete de Apoio ao Estudante com Deficincia da Universidade do Minho Organizao da paginao: topo As notas de rodap encontram-se no final do documento organizadas por captulo Ansiedade Social: Da Timidez Fobia Social. Gouveia, Jos Pinto. Coimbra: Quarteto Editora. Livro completo Orelha da contra-capa Jos Pinto Gouveia, nasceu em Peso da Rgua em 1945. Licenciado em Medecina pela Universidade de Coimbra, Chefe de Servio de Psiquiatria dos Hospitais da Universidade de Coimbra, sendo neste hospital responsvel pelas consultas de Psicoterapia CognitivoComportamental e de Distrbios Alimentares do Servio de Psiquitria. Obtene o doutoramento em Psicologia Clnica na Faculdade de Psicologia e Cincias da Educao da Universidade de Coimbra em 1990 com uma disertao sobre Factores Cognitivos de Vulnerabilidade para a Depresso. Professor da Faculdade de Psicologia e Cincias da Educao da Universidade de Coimbra onde lecciona Psicoterapia CognitivaComportamental e Psicopatologia, sendo membro fundador e presidente do conselho de gesto do Ncleo de Estudos e Interveno Cognitivo-Comportamental (NEICC), e Professor no Instituto Superior Miguel Torga. As suas reas de interesse so a investigao e tratamento dos distrbios emocionais, distrbios alimentares e alcoolismo. scio fundador da Associao Portuguesa de Terapia do Comportamento, da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clnica e de Associao de Lngua Portuguesa para o Estudo do Stress Traumtico. Peretence ao conselho editorial de vrias revistas de psicologia clnica e psiquiatria nacionais e membro do Editorial Advisory Board da Behavioural and Cognitive Psychotherapy, tendo numerosos artigos cientficos publicados em revistas nacionais e estrangeiras. [2] Ttulo Ansiedade Social: Da Timidez Fobia Social Autor Jos Pinto Gouveia Coleco Sade & Sociedade 3 Capa

Vctor Hugo Edio Quarteto Editora Apartado 2068 3001-653 Coimbra Execuo Grfica G.C. - Grfica de Coimbra, Lda. ISBN: 972-8535-24-4 Depsito Legal: 150086/00 Reservados todos os direitos de acordo com a legislao em vigor [3] Ansiedade Social: Da Timidez Fobia Social Jos Pinto Gouveia [4] [5] ndice Prefcio Adriano Vaz Serra 7 Introduo 11 I Parte Conceito, Epidemiologia, Fenomenologia Clnica e Comorbilidade Captulo l - Conceito, Critrios de Diagnstico e Epidemiolgia Jos Pinto Gouveia 17 Captulo 2 - Apresentao clnica Jos Pinto Gouveia 43 Captulo 3 - Comorbilidade e Diagnstico Diferencial Jos Pinto Gouveia 75 em branco

II Parte Investigao e Modelos Tericos

Captulo 4 - Etiologia e Factores Desenvolvimentais Jos Pinto Gouveia 95 Captulo 5 - Modelos Comportamentais e Cognitivos Jos Pinto Gouveia 119 Captulo 6 - Modelos Evolucionrios da Ansiedade Social Jos Pinto Gouveia 151 [6] ndice

III Parte Avaliao e Tratamento Captulo 7 - Estratgias de Avaliao Clnica na Fobia Social Marina Cunha 181 Captulo 8 - Um Protocolo para a Avaliao Clnica da Fobia Social atravs de Questionrios de Auto-resposta Jos Pinto Gouveia, Marina Cunha e Maria do Cu Salvador 237 Captulo 9 - Avaliao do Processamento de Informao na Fobia Social Mana do Cu Salvador 259 Captulo 10 - Tratamento Cognitivo-Comportamental da Fobia Social Jos Pinto Gouveia, Maria do Cu Salvador 289 Captulo 11 - Tratamento Farmacolgico da Fobia Social Jos Pinto Gouveia..321 Captulo 12 - Fobia Social na Infncia e Adolescncia: diagnstico, avaliao e tratamento Marina Cunha e Maria do Cu Salvador 359 [7] Prefcio O medo uma emoo simples que pode estar ligada a qualquer situao especfica. Esta emoo no deve ser considerada de forma depreciativa, pois pode ajudar a defender o indivduo de ocorrncias perigosas. til, por exemplo, algum ter medo de atravessar uma rua com muito trnsito e observar primeiro se passam carros, pois esta atitude pode evitar que seja atropelado. Neste sentido podemos referir que o medo uma emoo adaptativa. Contudo, h situaes, em que o medo deixa de ser adaptativo. o que acontece no caso das fobias. Estas caracterizam-se pelo facto de um indivduo demonstrar um medo circunscrito a determinada pessoa, objecto ou circunstncia, que a maioria dos outros seres humanos usualmente no manifesta e que se torna ilgico. Numa fobia autntica o medo torna-se desorganizador da vida de uma pessoa e, embora seja considerado (pelos outros e pelo prprio) como ilgico, tem a particularidade de no poder ser apaziguado pelo simples raciocnio. H indivduos, por exemplo, que tm medo de atravessar pontes. Ao considerarem o facto distncia, acham que reagem de uma forma disparatada. No entanto, ao aproximarem-se da circunstncia temida, acabam por reagir exactamente da mesma

maneira: enchem-se de suores frios, sentem o corao a bater de uma forma acelerada, ficam cheios de pensamentos temerosos e tm vontade de fugir do stio onde esto. O presente livro descreve um tipo particular de quadro clnico, usualmente designado por Fobia Social. Tem duas particularidades notrias: [8] Prefcio

passa facilmente despercebido e prejudica gravemente quem dele sofre. Um indivduo com uma Fobia Social marcada tem tendncia a fugir do convvio das outras pessoas; pode sentir grandes dificuldades no desenrolar quotidiano da sua vida, que se repercutem na sua profisso, no relacionamento com pessoas do outro sexo e nos mais variados contextos. O autor - Professor Pinto Gouveia - Professor da Faculdade de Psicologia e Cincias da Educao da Universidade de Coimbra, onde regente da Cadeira de Terapia Cognitivo-Comportamental de adultos. Tem longos anos de prtica de ensino em que revela, como docente, que sabe expor de uma forma clara e precisa. Ao longo da sua vida acadmica tem efectuado investigao em variadas reas, particularmente naquela que constitui o tema da presente obra. Como mdico psiquiatra trabalha na Clnica Psiquitrica dos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde desempenha as funes de Chefe de Servio e coordenador da Consulta de Psicoterapia Comportamental, oficializada h largos anos neste hospital. igualmente orientador de estgio na rea de Psicologia Clnica. Nas reas a que se dedica revela-se como um born organizador, com o condo de ser persistente no ultrapassar das dificuldades e de saber rodear-se de uma boa equipa de trabalho. Neste livro aborda a fobia social nos mais diversos contextos, para que o leitor no s se aperceba da complexidade do tema como igualmente possa encontrar a resposta para dvidas que eventualmente tenha. Para alm da definio do conceito, apresenta descries de casos clnicos que ajudam a compreender o contedo e as dificuldades que humanamente levanta. Refere os aspectos da comorbilidade que se lhe associa, os factores que contribuem para a sua ecloso (em que no descura abordar a perspectiva biolgica) e ainda a sua ocorrncia nos diversos perodos etrios. Integra a fobia social na explicao dos modelos comportamentais e cognitivos, verdadeiramente importantes na abordagem compreensiva desta situao clnica e igualmente nas estratgias de interveno teraputica. Desenvolve largamente os pontos relacionados com a avaliao clnica, em relao aos quais o leitor pode encontrar temas de grande utilidade prtica. Nos aspectos relacionados com o tratamento no s ensina a organizar [9] Prefcio

estratgias psicoteraputicas como tem tambm o cuidado de informar de forma pormenorizada aspectos das intervenes psicofarmacolgicas mais aconselhadas. Em sntese: o leitor encontra nesta obra um livro actualizado, com referncias bibliogrficas profusas, bem desenvolvido, exposto de uma forma clara de que certamente vai gostar. til para todos aqueles que pretendam ter uma informao adequada sobre esta entidade. uma ferramenta preciosa para a prtica clnica. Igualmente tem interesse para

todos aqueles que desejem investigar o tema nas suas diversas facetas e vir a desenvolver trabalhos de natureza cientfica. um livro com valor acrescentado, adequado e recomendado para uma boa biblioteca. Coimbra, Fevereiro de 2000 Adriano Vaz Serra [10] [11] Introduo O conhecimento e interesse pela fobia social, como um distrbio ansioso autnomo, sofreu uma mudana radical nos ltimos 15 anos. Neste curto espao de tempo, o estatuto clnico da fobia social alterou-se consideravelmente, passando do distrbio ansioso negligenciado ao mais frequente e importante distrbio ansioso. Esta descoberta da importncia da fobia social reflecte-se no elevado nmero de livros e artigos publicados sobre este tema na literatura internacional da especialidade durante os ltimos cinco anos. Em Portugal, o nmero da revista Psiquiatria Clnica inteiramente dedicado fobia social, que editamos em 1997, rapidamente esgotou, traduzindo o interesse que a fobia social desperta entre psiquiatras, psiclogos e outros tcnicos de sade mental. Podero alguns interrogar-se se haver razes para todo este interesse pela fobia social? Pensamos que sim. Se a sua elevada prevalncia e comorbilidade constituem por si mesmas razes bvias para a sua importncia clnica, um outro aspecto que ressalta da investigao especialmente preocupante em termos de sade pblica: a sua influncia profundamente limitadora e incapacitante da vida do indivduo. A sua idade de incio (durante a infncia e adolescncia) contribui para que as dificuldades que lhe esto associadas tenham frequentemente consequncias arrasadoras na vida escolar, no desenvolvimento interpessoal, no trabalho e vida afectiva do fbico social. Abandono precoce da vida escolar, dependncia econmica, baixo rendimento [12] Introduo Pgina em branco

e instabilidade no emprego, dificuldades afectivas e baixo suporte social so frequentes nos fbicos sociais. No entanto, este crescendo de divulgao dos aspectos epidemiolgicos e clnicos da fobia social no originou, ainda, uma mudana substancial na atitude dos agentes de sade em relao fobia social. Entre os clnicos gerais e mdicos de famlia continua a ser sub-diagnosticada, muitos psiquiatras e psiclogos desvalorizam a sua importncia considerando-a mais como uma caracterstica de personalidade ou temperamento que um quadro clnico autnomo que necessita de tratamento. Tambm entre o pblico em geral a fobia social mal conhecida. No trabalho e no convvio social, os fbicos sociais so

frequentemente desvalorizados e as suas dificuldades interpretadas como um sinal de falta de motivao para melhorar as suas relaes interpessoais ou as suas condies de trabalho. Esta situao torna-se ainda mais dramtica se tivermos em conta que a natureza das dificuldades associadas fobia social contribui para que os prprios fbicos sociais sofram em silncio as suas dificuldades e tenham dificuldade em procurar ajuda. pois urgente um esforo de divulgao e sensibilizao para este incapacitante quadro clnico, no s entre os agentes de sade mas, tambm, entre o pblico em geral. com este livro pretendemos dar um contributo para esse esforo de divulgao em Portugal da fobia social. Embora sendo elaborado com o objectivo principal de poder funcionar como um manual de orientao para os tcnicos de sade mental, que facilite o diagnstico, compreenso, avaliao e tratamento da fobia social nas suas diversas vertentes, pensamos que poder ser lido com agrado pelo pblico em geral interessado em se informar sobre este perturbador quadro clnico. O livro est organizado em quatro partes e 12 captulos, tendo contado com a preciosa colaborao de Marina Cunha e Maria do Cu Salvador que escreveram trs dos captulos. Na Parte I, composta por trs captulos, procura-se introduzir o leitor aos aspectos fundamentais para a compreenso do conceito, importncia, diagnstico, apresentao clnica, comorbilidade e diagnstico diferencial. Na Parte II, so abordados em trs captulos os conhecimentos [13] Introduo

actuais sobre factores etiolgicos e desenvolvimentais na fobia social, assim como os principais modelos tericos para a compreenso da ansiedade social. Procuramos reunir modelos explicativos oriundos de diferentes orientaes tericas e que abordam a ansiedade social a partir de perspectivas biolgicas, genticas, psicolgicas e evolucionrias. A Parte III dedicada avaliao e tratamento, e os seus captulos esto organizados de modo a poderem funcionar como um guia clnico prtico para a avaliao e tratamento da fobia social. No captulo 7, Mtodos de Avaliao Clnica, Marina Cunha faz uma exaustiva reviso das diferentes estratgias de avaliao clnica na fobia social e dos aspectos prticos da sua utilizao, que complementada no captulo 8 pela apresentao de alguns instrumentos de auto-resposta, que foram desenvolvidos pelo nosso grupo, para a avaliao clnica da fobia social e j estudados na populao portuguesa. Maria do Cu Salvador aborda no captulo 9 os aspectos de investigao e avaliao do processamento de informao na fobia social. Os captulos 10 e 11 abordam o tratamento da fobia social nas suas vertentes psicoteraputica e farmacolgica, descrevendo detalhadamente os aspectos concretos da sua utilizao. Na Parte IV, Marina Cunha e Maria do Cu Salvador abordam a prevalncia, apresentao clnica, avaliao e tratamento da fobia social na infncia e adolescncia, perodos etrios em que as fronteiras entre timidez, inibio comportamental, ansiedade social normal e fobia social esto mal delimitadas e o diagnstico por vezes difcil. Muito est ainda por esclarecer acerca dos factores que podero influenciar o desenvolvimento e apresentao clnica da fobia social nestes perodos etrios, sendo urgente investigaes que esclaream estes aspectos. A importncia do diagnstico precoce

da fobia social, de modo a evitar as tremendas consequncias na vida escolar e desenvolvimento interpessoal e profissional dos nossos jovens, no pode ser subestimada. Finalmente, uma questo de terminologia. Embora neste livro utilizemos habitualmente o termo fobia social, seguindo a tradio do DSM e da ICD-10, como descritor preferencial para o quadro clnico resultante de uma ansiedade social excessiva e patolgica, pensamos, [14] Introduo

como outros autores, que o termo distrbio de ansiedade social um melhor descritor deste quadro clnico, pois acentua o aspecto da ansiedade e desconforto em situaes sociais em detrimento do evitamento fbico, que nem sempre existe. Na impossibilidade de agradecer a todos que de algum modo contriburam para que esta obra fosse possvel, gostaria de deixar aqui o meu agradecimento especial a alguns. Aos meus colaboradores na Consulta de Terapia Cognitivo-Comportamental do Servio de Psiquiatria do HUC e no Ncleo de Estudos e Interveno CognitivoComportamental da Faculdade de Psicologia e Cincias da Educao da Universidade de Coimbra que acompanharam com entusiasmo o meu interesse pelo distrbio de ansiedade social e colaboraram nas investigaes realizadas. Aos doentes com distrbio de ansiedade social pela sua coragem em partilharem comigo as suas dificuldades e pelo que com eles aprendi. minha mulher Marina, pelo apoio, encorajamento e colaborao, e aos meus filhos Andr, Miguel e Ana Carolina pelo apoio e tolerncia com que sempre aceitaram as muitas horas que tive de roubar ao seu convvio para que este livro fosse possvel. Jos Pinto Gouveia [15] I Parte Conceito, Epidemiologia, Fenomenologia Clnica e Comorbilidade [16] [17] Captulo l Conceito, Critrios de Diagnstico e Epidemiologia Jos Pinto Gouveia O reconhecimento da importncia da fobia social (distrbio de ansiedade social) relativamente recente, e, ainda em 1985, Liebowitz (Liebowitz et al., 1985) se referia a este quadro clnico como um distrbio ansioso negligenciado, chamando a ateno para a necessidade do seu melhor conhecimento. A investigao realizada nos ltimos dez anos Pgina em branco

permitiu no s a confirmao da sua importncia clnica como um distrbio ansioso severamente incapacitante, como originou tambm avanos importantes no seu diagnstico, conceptualizao terica e tratamento. Apesar disso, a fobia social continua a ser subdiagnosticada e pouco reconhecida pelos mdicos e profissionais da sade mental. Por outro lado, os estudos epidemiolgicos mostram, tambm, que uma larga percentagem de fbicos sociais no recebe ajuda (ou no a procura) para as suas dificuldades, sugerindo um largo desconhecimento na populao geral acerca deste quadro clnico. O Conceito de Fobia Social (Distrbio de Ansiedade Social) A resposta ansiosa faz parte do sistema adaptativo de sobrevivncia, sendo um legado evolucionrio cuja importncia no deve ser subestimada, desempenhando importantes funes em muitas situaes. A ansiedade social, ou seja a ansiedade experimentada em [18] Captulo 1

situaes sociais, uma experincia comum nos humanos e est intimamente relacionada com a estrutura social de grupo dos humanos e a sua organizao hierrquica. A experincia de graus ligeiros de ansiedade em situaes sociais , assim, um fenmeno frequente num largo nmero de indivduos e no impede um funcionamento social adequado podendo, em certos casos, ter at um efeito benfico no desempenho social. Em alguns indivduos, porm, a ansiedade experimentada em situaes sociais to elevada que interfere com o seu funcionamento social e em alguns casos conduz mesmo ao evitamento dessas situaes. Quando isto acontece estamos perante uma fobia social (distrbio de ansiedade social). Nestes casos, o receio de ser avaliado negativamente, de parecer ridculo, desajeitado, tolo, de no estar altura da situao e ver o seu estatuto pessoal diminudo desperta graus to elevados de desconforto e medo, que a vida diria fica severamente limitada. Descries de situaes deste tipo podem encontrar-se na literatura e remontam a Hipcrates que descreve assim um dos seus casos: through bashfulness, suspicion, and timorousness, will not be seen abroad; ...his hat still in his eyes, he will neither see, nor be seen by his good will. He dare not come in company, for fear he should be misused, disgraced, overshoot himself in gestures of speeches... He thinks every man observed him (citado em Marks, 1969; p. 152). Toma-se assim necessrio distinguir entre a experincia de graus ligeiros de ansiedade em situaes sociais, fenmeno comum e que habitualmente no origina sofrimento ou interferncia significativa na vida do indivduo, e a fobia social como quadro clnico ansioso severamente limitador do funcionamento social e profissional do indivduo. Em nosso entender, a ansiedade social avaliativa deve ser conceptualizada como existindo ao longo de uma dimenso, que varia desde um grau ligeiro, comun a todos os humanos e com possveis funes reguladoras do funcionamento social em grupo, at um grau extremo que interfere no desempenho social e que, clinicamente se designa por fobia social ou distrbio de ansiedade social.

A utilizao do termo fobia social, para descrever o medo de ser observado em situaes de desempenho social, foi pela primeira vez [19] Conceito, Critrios de Diagnstico e Epidemiologia

utilizado por Pierre Janet em 1903 (citado em Heckelman & Schneier, 1995), que, sob o nome de Phobie des situations sociales, descreveu um conjunto de doentes que receava ser observado enquanto falava, escrevia ou tocava piano em pblico. Apesar desta descrio pioneira de Janet, o conceito actual de Fobia Social, como entidade clnica independente, s comea a desenvolver-se a partir da publicao dos resultados do estudo de Marks e Gelder (1966) que mostraram ser possvel distinguir diferentes fobias especficas atravs da sua idade de incio caracterstica. Estes autores utilizaram o conceito de fobia social para descrever uma situao clnica em que o aspecto central era o medo excessivo de ser observado ou avaliado em situaes especficas de desempenho social, como escrever, comer, beber ou falar em pblico. A idade de incio situava-se entre os 15 e os 30 anos de idade, com uma mdia de incio aos 19 anos. Critrios para o Diagnstico da Fobia Social A evoluo do conceito de fobia social no DSM O conceito de fobia social, utilizado por Marks e Gelder, foi adoptado em 1980 no DSM III (DSM-III; American Psychiatric Association, 1980) que estabelece como critrios de incluso para o seu diagnstico o medo excessivo de observao ou avaliao em situaes de desempenho ou execuo social especficas, o reconhecimento pelo doente que o seu medo excessivo ou irrazovel, e que provoca sofrimento e interferncia significativa na vida do doente. Como critrio de excluso, especificado a existncia de um distrbio evitante de personalidade. Ao incluir este critrio de excluso, o DSM III limitava o diagnstico de fobia social s situaes de medo ou desconforto em situaes sociais especficas de desempenho, no reconhecendo a heterogeneidade deste quadro clnico e eliminando a possibilidade de muitos indivduos com ansiedade de interaco social generalizada serem diagnosticados como fbicos sociais. A progressiva identificao de indivduos que tm dificuldades acentuadas em vrias situaes de interaco social, mas no apresentam necessariamente ansiedade [20] Captulo 1

elevada em situaes de desempenho especficas, e o reconhecimento que na maioria dos casos de fobia social os indivduos receiam vrias situaes, coexistindo ansiedade de desempenho e ansiedade de interaco (Heimberg, Hope, Dodge, & Becker, 1990; Turner, Beidel, Dancu, & Keys, 1986), levou a que no DSM-III-R (DSM-III-R; American Psychiatric Association, 1987) fosse retirado este critrio de excluso sendo introduzido um subtipo de fobia social generalizada. Com a introduo deste subtipo o DSM-III-R estabelece, assim, uma distino categorial entre os fbicos sociais que receiam a maioria das situaes sociais (subtipo generalizado) e aqueles que receiam uma ou duas situaes

sociais especficas (habitualmente designados de forma diversa, por diferentes autores, como subtipo no-generalizado, especfico ou de execuo). A prtica da utilizao destes critrios, estabelecidos pelo DSM-III-R, mostrou que a distino entre os dois subtipos levantava alguns problemas e que as modificaes introduzidas no resolviam algumas questes relacionadas com a delimitao conceptual da fobia social e as suas fronteiras de diagnstico, pelo que as modificaes introduzidas originaram algumas crticas e questes que analisaremos brevemente. A questo da existncia dos dois subtipos como entidades categoriais distintas ser abordada mais frente, dado que nos parece merecer uma anlise mais aprofundada. Das outras questes, salientam-se as relacionadas com as fronteiras do diagnstico da fobia social e da sua relao com outras situaes clnicas. Mais especificamente, eram pouco claras as fronteiras da fobia social com a timidez e com ansiedade a exames, e existiam algumas dificuldades no diagnstico diferencial com outros distrbios ansiosos como o distrbio de pnico e a ansiedade generalizada, especialmente quando esta inclua preocupaes excessivas com situaes sociais. A elevada comorbilidade da fobia social com o abuso de lcool, e, a frequente sobreposio do diagnstico da fobia social generalizada e o distrbio evitante de personalidade, eram tambm aspectos que requeriam uma melhor clarificao. Finalmente, a existncia frequente de quadros clnicos de ansiedade social secundrios a uma situao mdica ou psiquitrica primria (desfiguramento por queimadura, tremor essencial, doena de Parkinson, gaguez) levantava a questo de saber em que medida [21] Conceito, Critrios de Diagnstico e Epidemiologia

esses casos eram semelhantes fobia social primria, ou deveriam continuar a ser excludos do diagnstico de fobia social. Estas questes foram objecto de estudo pelo grupo de investigadores encarregado de rever os critrios de diagnstico da fobia social para o DSM-IV (Schneier, Liebowitz, Beidel, Fyer, George, Heimberg, et al. 1996). Este grupo de trabalho concluiu que, embora persistissem algumas das ambiguidades diagnosticas atrs apontadas, a anlise dos dados disponveis acerca da fobia social no justificava, na maioria dos aspectos analisados, uma mudana dos critrios existentes no DSM-III-R (Schneier, Liebowitz, Beidel, Fyer, George, Heimberg, et al. 1996). As duas principais modificaes propostas por este grupo foram a introduo da fobia a exames como uma fobia social especfica, e a adopo de uma perspectiva de continuidade diagnostica da infncia at a adultez, na fobia social. Nesse sentido, no DSM-IV (1994, APA) foram introduzidos critrios especficos para o diagnstico da fobia social na infncia e retirado o diagnstico de distrbio evitante da infncia que existia no DSM-III-R. Como resultado destas concluses, os critrios diagnsticos do DSM-IV para a fobia social (distrbio de ansiedade social) so os seguintes: Critrios de Diagnstico do DSM-IV para a Fobia Social/Distrbio de Ansiedade Social

A. Medo intenso e persistente de uma ou mais situaes sociais ou de desempenho nas quais o indivduo est exposto a pessoas desconhecidas ou ao possvel escrutnio de outros. O sujeito receia comportar-se (ou mostrar sintomas de ansiedade) de modo humilhante ou embaraoso. Nota: Nas crianas, deve existir evidncia da capacidade, apropriada idade, de relacionamento social com pessoas familiares e a ansiedade deve ocorrer em contextos com os pares, no apenas em interaces com os adultos. B. A exposio s situaes sociais receadas provoca quase sempre ansiedade, a qual pode tomar a forma ou predispor situacionalmente a um ataque de pnico. [22] Captulo 1

Nota: Nas crianas, a ansiedade pode ser expressa atravs de choro, birras ou ficarem mobilizadas ou encolhidas, em situaes sociais com pessoas no familiares. C. O indivduo reconhece que o medo excessivo ou irracional. Nota: Nas crianas, este aspecto pode estar ausente, D. As situaes sociais ou de desempenho receadas so evitadas ou enfrentadas com intensa ansiedade ou desconforto. E. O evitamento, a ansiedade antecipatria ou o desconforto nas situaes sociais ou de desempenho, interferem significativamente com a rotina normal do indivduo, com o seu funcionamento ocupacional (ou acadmico), com as actividades ou relaes sociais, ou existe um mal-estar intenso devido fobia. F. Em sujeitos com menos de 18 anos de idade, a durao de pelo menos 6 meses. G. O medo ou evitamento no devido a efeitos fisiolgicos duma substncia (p. ex., abuso de droga, um medicamento) ou a uma condio fsica geral, e no melhor explicada por nenhum outro distrbio mental (p. ex., Distrbio de Pnico com ou sem Agorafobia, Ansiedade de Separao, Dismrfico Corporal, um Distrbio Desenvolvimental Pervasivo, ou Distrbio de Personalidade Esquizide). H. Se uma condio fsica ou outro distrbio mental estiverem presentes, o medo do critrio A no est relacionado com eles; por exemplo no medo de gaguejar (Gaguez), de tremer (doena de Parkinson), ou de exibir um comportamento alimentar anormal (Anorexia ou Bulimia Nervosa). Especificar se: Generalizado: se os medos incluem a maioria das situaes (considere igualmente o diagnstico adicional de Distrbio de Personalidade Evitante). In: American Psychiatric Association. (1994) DSM - IV. Lisboa: CLIMEPSI, pp. 427-428 Apesar destes critrios de diagnstico do DSM-IV constiturem um avano no sentido de uma melhor clarificao do quadro clnico [23] Conceito, Critrios de Diagnstico e Epidemiologia

do distrbio de ansiedade social e das suas relaes com outros distrbios do eixo I, mantm-se algumas dificuldades na sua utilizao. Em nosso entender, um dos aspectos

mais controversos diz respeito aplicao do critrio E, isto , no existncia de limiares claros acerca do grau de desconforto e de interferncia dos sintomas na vida do indivduo que dever existir para ser possvel fazer um diagnstico de fobia social. O critrio no d exemplos clnicos, nem sugere uma escala de avaliao que permita distinguir os casos clnicos dos casos subclnicos, tomando-se assim muito difcil em alguns indivduos decidir se um caso clnico, se uma situao subclnica. Esta distino importante, quer numa perspectiva da prtica clnica quer para a investigao da fobia social, dada a alta prevalncia de sintomas de ansiedade social na populao geral. Stein et al. (1994) num estudo de comunidade verificaram que cerca de 61% dos inquiridos referia ansiedade em pelo menos uma das sete situaes sociais investigadas, e que 33% referia que se sentia muito mais nervoso que as outras pessoas em pelo menos uma situao. Esta questo complica-se ainda mais se entrarmos em linha de conta com o facto de alguns indivduos com situaes subclnicas de fobia social referirem graus de incapacidade e de interferncia na vida diria comparveis com os indivduos que preenchem todos os critrios para um diagnstico de fobia social. Tambm na clnica, esta ausncia de limiares precisos para o critrio E levanta dificuldades. A alta frequncia com que sintomas de ansiedade social so referidos por doentes com outros distrbios ansiosos levanta, frequentemente, dvidas acerca dos casos em que se justifica fazer um diagnstico comrbido de fobia social. Por estas razes, pensamos que se justifica complementar a entrevista clnica com uma escala simples de interferncia na vida diria, que avalie a interferncia dos sintomas de ansiedade social nas reas escolar/ /profissional, social e afectiva do indivduo. Na nossa experincia da utilizao de uma escala deste tipo em que a resposta dada numa escala de referncia de 0-10, em que o 0 corresponde a nada incapacitante e o 10 corresponde a severamente incapacitante, s valorizamos, como sugestivo de um caso de fobia social, valores iguais ou superiores a 7 em pelo menos uma das reas de vida inquiridas. [24] Captulo 1

Os dois subtipos de fobia social Os indivduos com fobia social generalizada receiam sentir-se embaraados, humilhados, ou avaliados negativamente num largo nmero de situaes sociais que vo desde o falar com estranhos ou com superiores, at falar num grupo de conhecidos. com a introduo deste subtipo o DSM-III-R estabelece, assim, uma distino categorial entre os fbicos sociais que receiam a maioria das situaes sociais (subtipo generalizado), e aqueles que receiam uma ou duas situaes sociais especficas (habitualmente designados de forma diversa por diferentes autores como subtipo no-generalizado, especfico ou de execuo, embora o DSM-IV no proponha nenhuma designao para esta situao). O subtipo no-generalizado parece pois funcionar como um subtipo residual para os indivduos que no receiam a maioria das situaes sociais. Se o alargamento do conceito de fobia social introduzido pelo DSM-III-R respondia constatao clnica que a maioria dos indivduos com fobia social receavam vrias situaes de desempenho e de interaco social (em amostras clnicas de fbicos sociais, a

percentagem de indivduos apenas com ansiedade de desempenho em situaes especficas e sem ansiedade de interaco de 6% (Schneier, Liebowitz, Beidel et al., 1996)), a prtica da utilizao dos critrios estabelecidos pelo DSM-III-R mostrou que a distino entre os dois subtipos levantava alguns problemas. As crticas em relao a esta distino categorial entre os dois subtipos tm sido centradas na falta de especificidade da frase na maioria das situaes sociais utilizada para a definio do subtipo generalizado, o que dificulta a investigao das caractersticas especficas dos dois subtipos (Heimberg, Holt, Schneier, Spitzer, & Liebowitz, 1993; Holt, Heimberg, & Hope, 1992; Turner, Beidel, & Townsley, 1992). Tem tambm sido apontada como problemtica uma distino categorial entre os dois subtipos apenas baseada no nmero de situaes receadas, mais que numa diferena qualitativa entre as situaes receadas (ansiedade de desempenho versus ansiedade de interaco). Por estas razes, alguns autores tm sugerido que a incluso de outros subtipos poderia permitir uma delimitao mais precisa de grupos de doentes com fobia social o que [25] Conceito, Critrios de Diagnstico e Epidemiologia

facilitaria a investigao e clnica da fobia social. Entre os subtipos propostos para incluso nos critrios contam-se o subtipo fobia social circunscrita, definido como o medo em uma ou um limitado nmero de situaes sociais especficas (falar, comer ou escrever em pblico) e o subtipo de fobia social no-generalizada para aqueles indivduos que, no preenchendo os critrios para a fobia social do subtipo generalizada, experimentam, no entanto, uma ansiedade social de interaco significativa num largo nmero de situaes (Heimberg, Holt, Schneier, Spitzer & Liebowitz, 1993). Em apoio da incluso destes subtipos nos critrios de diagnstico para a fobia social, uma investigao que utilizou os dados obtidos por entrevista no estudo epidemiolgico do National Comorbidity Study, que envolveu cerca de oito mil indivduos, verificou que cerca de um tero dos indivduos que preenchiam os critrios para o diagnstico de fobia social referiam apenas o medo de falar em pblico (fobia social circunscrita), e dois teros referiam mltiplos medos sociais de interaco e desempenho (fobia social generalizada) (Kessler, Stein, & Berglund, 1998). Os resultados das investigaes acerca dos dois subtipos tm fornecido alguns dados contraditrios, levando alguns autores a sugerir que no existem dados que permitam concluir claramente que a diferena entre os dois subtipos qualitativa, mais que quantitativa (Hope, Herbert, & White, 1995), e que os dois subtipos do DSM-IV podero representar apenas um contnuo de severidade do problema, em que o subtipo generalizado seria a forma mais severa de fobia social e o subtipo no-generalizado uma forma mais atenuada. No entanto, alguns estudos apontam, tambm, para algumas diferenas entre os dois subtipos que justificam a sua manuteno. As diferenas encontradas entre os dois subtipos sugerem que os fbicos sociais diagnosticados como pertencendo ao subtipo generalizado, quando comparados com os do subtipo no-generalizado, apresentam um incio mais cedo, so mais frequentemente solteiros, apresentam uma frequncia mais elevada de depresso atpica e de alcoolismo (Mannuzza et al., 1995), obtm pontuaes mais elevadas em questionrios de auto-resposta (Hofmann & Roth, 1996), mostram uma maior severidade clnica e maiores limitaes funcionais, (Heimberg, Hope, Dodge & Becker, 1990; Holt, Heimberg & Hope, 1992; Turner,

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Captulo 1

Beidel & Townsley, 1992), mostram diferenas nas respostas psicofisiolgicas durante a exposio (Heimberg, Hope, Dodge & Becker, 1990; Hofmann, Newman, Ehlers, & Roth, 1995; Levin et al., 1993), apresentam um maior grau de interferncia cognitiva no teste de Stroop modificado (McNeil, Ries, Taylor, et al., 1995) e maiores tempos de pausa durante o discurso (Hofmann, Gerlach, Wender, & Roth, 1997). Os indivduos com o subtipo especfico ou circunscrito (medo de falar em pblico) apresentam, no entanto, uma maior ansiedade antecipatria e um maior aumento da frequncia cardaca em resposta a testes de desempenho comportamental que os fbicos sociais com o subtipo generalizado (Heimberg et al., 1990; Hofmann et al., 1995; Levin et al., 1993; Boone, 1999). Boone e cols. (1999), num estudo recente, obtiveram dados que apoiam a distino entre os dois subtipos. Estes autores utilizaram uma metodologia de avaliao multimodal para comparar as respostas cardacas, comportamentais e verbais de um grupo de 41 fbicos sociais que dividiram em trs grupos: fobia social circunscrita a falar em pblico, fobia social generalizada sem distrbio evitante de personalidade e fobia social generalizada com distrbio evitante de personalidade. Os resultados mostraram a existncia de diferenas entre os trs grupos, com o grupo de fbicos sociais circunscritos a apresentar, de forma geral, menos psicopatologia que os fbicos sociais generalizados. A nvel das respostas fisiolgicas, no teste de desempenho comportamental, os fbicos circunscritos a falar em pblico apresentaram frequncias cardacas mais elevadas que os dois grupos com fobia social generalizada. Nas respostas comportamentais, relativamente ao teste de desempenho comportamental, o grupo de fobia social generalizada com distrbio evitante de personalidade teve respostas mais elevadas de escape e evitamento, que os fbicos circunscritos e fbicos generalizados sem distrbio evitante de personalidade, no havendo diferenas entre estes dois grupos. Curiosamente, e como Boone e cols. (1999) apontam, as respostas fisiolgicas dos fbicos sociais do subtipo especfico ou circunscrito (medo de falar em pblico) assemelham-se s dos indivduos com outras fobias especficas, sendo possvel encontrar ainda outras similaridades entre os dois quadros como: raramente procuram tratamento [27] Conceito, Critrios de Diagnstico e Epidemiologia

em servios pblicos, no apresentam nveis de sofrimento psicolgico elevado, e s procuram tratamento quando a sua dificuldade os confronta com acontecimentos a nvel profissional que no podem ultrapassar. O estudo de Mannuzza e cols. (1995), atrs citado, verificou tambm que cerca de um tero das famlias dos doentes com fobia social generalizada apresentavam casos de fobia social, enquanto as famlias dos doentes com fobia social no-generalizada no apresentavam um nmero de casos de fobia social superior aos das famlias de controlos normais, o que levou estes autores a sugerirem que a fobia social generalizada pode representar um forma familiar de ansiedade social. Tambm na forma de incio tm sido identificadas diferenas entre os dois subtipos, com o subtipo no-generalizado ou especfico a mostrar um incio associado a acontecimentos traumticos, e o subtipo

generalizado associado a um incio mais cedo e uma histria de timidez durante a infncia e adolescncia (Townsley, 1992; Stemberger et al., 1995). Resumindo, todos os estudos sugerem que o subtipo generalizado da fobia social representa uma forma mais severa de fobia social, de incio mais precoce e com maior interferncia no funcionamento na vida diria, que o subtipo no-generalizado. As diferenas encontradas entre os dois subtipos ao nvel de respostas fisiolgicas, histria familiar e forma de incio justificam, em nosso entender, a distino entre eles, embora se mostrem necessrios mais estudos que comparem amostras representativas dos dois subtipos para um melhor esclarecimento de algumas inconsistncias nas diferenas encontradas. Um aspecto diferente, a necessidade de uma definio mais rigorosa dos subtipos de fobia social o que em muito beneficiaria a investigao e a clnica, dado que em muitos estudos a amostra de fbicos sociais heterognea, a distino entre casos clnicos e subclnicos mal definida e a existncia ou no de distrbio evitante de personalidade comrbido no tida em conta. Futuras investigaes devero considerar estes aspectos para um melhor esclarecimento da fobia social e dos seus factores etiolgicos, clnicos e teraputicos. [28] Captulo 1

Os critrios de diagnstico na ICD-10 Os critrios de diagnstico para a fobia social na ICD-10 so, no seu essencial, muito semelhantes aos do DSM-IV. As principais diferenas na ICD-10, em relao ao DSM-IV, situam-se ao nvel da inexistncia da classificao em subtipos, da no contemplao da possibilidade da existncia de crises de pnico provocadas pela ansiedade experimentada nas situaes sociais receadas e da ausncia de critrios especficos para o diagnstico da fobia social na infncia. Critrios de Diagnstico da ICD-10 para a Fobia Social A. Cada um dos seguintes deve estar presente: (1) Medo marcado de ser o centro da ateno, ou medo de se comportar de forma embaraosa ou humilhante; (2) Evitamento marcado de ser o centro da ateno, ou de situaes nas quais tem medo de se comportar de forma embaraosa ou humilhante; Estes medos manifestam-se em situaes sociais, tais como comer ou falar em pblico, encontrar indivduos conhecidos em pblico ou entrar em situaes de pequenos grupos (p. ex., festas, reunies, salas de aula). B. Pelo menos dois sintomas de ansiedade na situao temida tal como definido em F40.0, critrio B, devem manifestar-se em algum momento desde o aparecimento do distrbio, juntamente com pelo menos um dos seguintes sintomas:

(1) ruborizar ou tremer; (2) medo de vomitar (3) urgncia ou medo de urinar ou defecar. C. Perturbao emocional significativa causada pelos sintomas ou pelo evitamento, e o indivduo reconhece que estes so excessivos ou pouco razoveis. [29] Conceito, Critrios de Diagnstico e Epidemiologia

D. Os sintomas restringem-se a, ou predominam nas situaes temidas ou quando estas situaes temidas esto a ser imaginadas. E. Aspecto mais comumente utilizado para excluso. Os sintomas apresentados nos critrios A e B no so resultado de delrios, alucinaes, ou outros distrbios tais como distrbios mentais orgnicos (FOO-F29), esquizofrenia ou distrbios relacionados (F20F29), distrbios do humor [afectivos] (F30-F39), ou distrbio obsessivo-compulsivo (F42-), e no so secundrios a crenas culturais. Adaptado da ICD-10. WHO, 1993. Epidemiologia da Fobia Social Estudos de prevalncia Os dados, referentes prevalncia da fobia social na populao geral, apresentam diferenas acentuadas na prevalncia ao longo do perodo de vida encontrada em diferentes estudos epidemiolgicos, variando entre uma prevalncia de 0.53% no estudo de Lee e cols. (1990), at os 16.0% do estudo de Wacker e cols. (1992). Como compreender esta to grande variabilidade e aparente discrepncia nas prevalncias identificadas? Vrias razes contribuem para esta situao. Em primeiro lugar, as modificaes sucessivas que os critrios de diagnstico para a fobia social tm sofrido nas diferentes verses do DSM e que foram j acima apontadas. A maioria dos estudos publicados utilizaram os critrios de diagnstico do DSM-III para a definio de caso de fobia social, o que dada a sua natureza restritiva (existncia de distrbio evitante de personalidade como critrio de excluso para o diagnstico de fobia social, e o foco numa situao especfica receada mais que no medo de vrias situaes sociais) pode explicar a baixa prevalncia encontrada nos estudos realizados nos anos 80, quando comparada com as prevalncias mais elevadas identificadas nos estudos que utilizaram os critrios de diagnstico do DSMIII-R. Assim, quando se compara os dados de prevalncia encontrados nos estudos [30] Captulo 1

epidemiolgicos realizados em vrios pases (Quadro l), e que utilizaram a mesma metodologia (utilizao do Diagnostic Interview Schedule (DIS) como instrumento de avaliao) baseada nos critrios do DSM III, vemos que a prevalncia encontrada varia entre 0.53%,; (homens=0.0, mulheres=1.03) no estudo na Coreia do Sul (Lee et al.1990) e 3% (homens=4.3, mulheres=3.5) no estudo em Cristchurch, na Nova Zelndia (Wells et al., 1989). Nos outros locais, os dados encontrados foram respectivamente de: 2.4% no estudo realizado em quatro locais da Epidemiologic Catchment Area dos E.U.A. (ECA), (Schneier et al., 1992); 1.7% no estudo canadiano em Edmonton (Bland et al., 1988); 1.6% no estudo em Porto Rico (Canino et al., 1987); 0.99 no estudo italiano em Florena (Faravelli et al., 1989) e 0.6 no estudo em Taip (Hwu et al., 1989). Estes dados sugerem a existncia de diferenas culturais na prevalncia da fobia social, com os pases asiticos a apresentarem as prevalncias mais baixas comparativamente com os pases de lngua inglesa, que por sua vez apresentam prevalncias entre 1.7 e 3%. Quadro 1. Prevalncia da Fobia Social Local - Sist. Diag. Autor Prevalncia % - Total Masculino - Femenino ECA (USA) - DSM-III - Schneier, et al. (1992) 2.4 2.0 3.1 Porto Rico - DSM-III Canino et al. [1987] 1.6 1.5 1.6 Edmonton - DSM-III Bland et al. (1988) 1.7 1.4 2.0 Formosa - DSM-III Hwu et al. (1989) 0.6 0.24 0.95 Cristchurch (NZ) - DSM-III Wells et al. (1989) 3.0 4.3 3.5 Florena - DSM-III Faravelli et al. (1989) 0.99 1.4 0.54 Seul - DSM-III Lee et al. (1990) 0.53 0.0 1.03 Basileia - DSM-III Wacker et al. (1992) 16.0 NCS (USA) - DSM-III Kessler et al. (1994) 13.3 11.1 15.5 Mais recentemente, os dados de prevalncia da fobia social encontrados no estudo do National Comorbidity Survey (NCS), publicados por Kessler e cols. (1994), apontam para uma prevalncia ao longo do ciclo de vida de 13.3%, acentuadamente superior aos valores dos estudos atrs citados. Neste estudo, que envolveu mais de 8000 respondentes, os autores utilizaram como instrumento de entrevista o Composite Internacional Interview (CIDI), que categoriza os distrbios [31] Conceito, Critrios de Diagnstico e Epidemiologia

mentais a partir dos critrios do DSM-III-R e da ICD-10. Valores ainda mais elevados (16%) foram obtidos por Wacker e cols. (1992), numa populao de 470 suos, utilizando o mesmo instrumento. A prevalncia-ano e prevalncia-ms encontradas no estudo do NCS foi, respectivamente, de 7.9% e 4.5% (Magee et al., 1996). Resumindo, a grande variabilidade na prevalncia da fobia social encontrada nos estudos epidemiolgicos, parece relacionada com os critrios de diagnstico utilizados para a categoria da fobia social e os instrumentos de entrevista que resultam desses critrios. Do mesmo modo, a utilizao em alguns estudos de diferentes limiares para a definio da severidade do medo, e da interferncia na vida social e ocupacional do indivduo, poder

explicar algumas diferenas nos resultados obtidos. A utilizao dos critrios do DSM-III-R permitiu identificar prevalncias ao longo do ciclo de vida, prevalncias da ordem dos 13%, e prevalncias ano e ms, respectivamente, de 7.9% e 4.5%, o que situa a fobia social como um dos distrbios psiquitricos mais frequentes na populao geral. Diferenas culturais na expresso dos medos sociais, que podero no ser captadas pelos instrumentos de avaliao construdos para populaes norte-americanas e europeias, podero explicar a baixa prevalncia encontrada nos pases asiticos. Factores scio-demogficos Prevalncia em funo do sexo Os estudos de prevalncia da fobia social na populao geral, atrs apontados, sugerem uma maior prevalncia nas mulheres que nos homens. No estudo realizado na ECA (Schneier et al., 1992), e utilizando os critrios do DSM-III, os autores encontraram uma prevalncia de 3.1% para as mulheres e de 2.0% para os homens. Aproximadamente a mesma relao homem-mulher de 3:2 foi verificada no estudo do National Comorbidity Survey (Kessler et al., 1994) que, utilizando os critrios de diagnstico do DSM-III-R, identificou taxas de prevalncia da fobia social de 15.5% nas mulheres e 11.1% nos homens. Esta prevalncia, mais elevada nas mulheres que nos homens, foi tambm encontrada nos estudos realizados em pases asiticos (Hwu et al., 1989; Lee et al., 1990), [32] Captulo 1

em que a prevalncia encontrada para os homens foi muito baixa. Se esta, aparente, maior prevalncia da fobia social nas mulheres da populao geral est de acordo com a constatao que os distrbios ansiosos so mais frequentes nas mulheres, nem todos os dados apontam nesse sentido. Os estudos realizados na Nova Zelndia (Wells et al., 1989) e na Itlia (Faravelli et al., 1989), encontraram uma maior prevalncia nos homens que nas mulheres, respectivamente, de 4.3 para 3.0 e de 1.4 para 0.99. Relevante para a compreenso deste aspecto so os resultados obtidos no estudo de Pollard e Henderson (1988) que incidiu em 500 adultos e utilizou uma entrevista estruturada que avaliava quatro tipo de medos sociais (falar em pblico, comer em pblico, escrever em pblico e utilizar quartos de banho pblicos). Os resultados obtidos mostraram uma maior prevalncia de medos sociais nas mulheres que nos homens (relao de 3:2). No entanto, quando era aplicado o critrio de os medos provocam sofrimento significativo, esta relao invertiase, verificando-se uma maior prevalncia nos homens que nas mulheres. Outro aspecto a ter em conta, na anlise da distribuio da fobia social por sexo, so os dados obtidos em amostras clnicas. De forma diferente dos outros distrbios ansiosos, em que existe um predomnio de mulheres nas amostras clnicas, nos doentes com fobia social que procuram tratamento h uma proporo semelhante entre homens e mulheres (Heimberg & Juster, 1995), com alguns estudos a mostrarem mesmo um ligeiro predomnio de homens (Mannuza et al., 1990). Esta discrepncia, entre os dados obtidos em amostras da populao geral e amostras clnicas, tem sido explicada atravs das diferentes estratgias que homens e

mulheres habitualmente utilizam para lidar com a ansiedade social, estratgias essas que podero estar relacionadas com os diferentes papeis sociais tradicionalmente atribudos aos dois sexos. Na tradio cultural ocidental, espera-se que o homem esteja mais orientado para uma carreira profissional e tome mais a iniciativa no iniciar duma relao amorosa que a mulher. Este aspecto pode originar que a fobia social interfira mais no ajustamento social do homem que da mulher e, nesse sentido, mais homens que mulheres com fobia social procurem tratamento. Por outro lado, os homens, mais que as mulheres, tendem a [33] Conceito, Critrios de Diagnstico e Epidemiologia

recorrer utilizao de lcool como forma de lidar com a sua ansiedade social o que permitiria mascarar os seus sintomas originando menores prevalncias nos estudos da populao geral. Pelo contrrio, as mulheres tendem a utilizar mais estratgias de evitamento para lidar com a ansiedade social (no trabalhando) o que lhes origina menos sofrimento e as leva menos a procurar tratamento em comparao com os homens, que sofrem maior presso sociocultural para o trabalho e no podem utilizar predominantemente estratgias de evitamento. Finalmente, um ltimo aspecto que poder explicar as discrepncias nas prevalncias por sexo, encontradas em alguns estudos da populao geral, a possvel existncia de tipos de medos sociais especficos com diferentes incidncias nos dois sexos. Alguns dados sugerem que os homens, mais que as mulheres, receiam exprimir sentimentos positivos e situaes em que o seu comportamento possa revelar limitaes pessoais (Bridges et al., 1991). Se tal acontecer, as prevalncias da fobia social nos dois sexos diferiro consoante o tipo de medos sociais especficos includos no instrumento de avaliao para o diagnstico de fobia social (Chapman, Manuzza & Fyer, 1995). Um estudo recente de Turk e cols. (1998), utilizando a Liebowitz Social Anxiety Scale (Liebowitz, 1987) que avalia o medo e evitamento em 24 situaes sociais de desempenho e interaco social, confere algum apoio a esta hiptese. Os autores verificaram que, embora a larga maioria dos medos sociais seja partilhada pelos dois sexos, existem algumas diferenas nas situaes receadas e na severidade dos medos relatados. As mulheres referem um medo mais severo que os homens nas seguintes situaes: falar com uma pessoa de autoridade, actuar ou falar perante uma audincia, ser observada enquanto trabalha, entrar numa sala em que os outros j esto sentados, ser o centro das atenes, falar numa festa, exprimir discordncia ou desaprovao a pessoas que no conhecem bem, apresentar um relatrio num grupo e dar uma festa. Os homens relatam um medo significativamente maior, que as mulheres, em urinar num local pblico e em devolver artigos comprados numa loja comercial. Para alm desta diferena na severidade dos medos relatados, um maior nmero de homens, que mulheres, refere medo de urinar em quartos de banho pblicos, enquanto um maior nmero de mulheres receia ir a uma festa. [34] Captulo 1

Grau de instruo e nvel scio-econmico

Os dados acerca da influncia do grau de instruo e estatuto scio-econmico, na prevalncia da fobia social, so algo contraditrios. Os resultados, obtidos nos quatro locais dos Estados Unidos que faziam parte da ECA (Schneier et al., 1992), revelaram que uma maior prevalncia da fobia social estava associada a graus de instruo e estatuto scioeconmico mais baixo. Relao inversa foi, no entanto, encontrada por Pollard e Henderson (1988) ao verificarem uma maior incidncia da fobia social nos indivduos com grau mais elevado de educao. Estas diferenas so difceis de interpretar e podero estar relacionadas com o tipo de amostras utilizadas e os tipos de medos sociais especficos avaliados, dado que o estudo de Pollard e Henderson avaliou medos sociais que no eram avaliados no estudo da ECA. j A possvel associao entre um grau de instruo e estatuto scio-econmico baixo e uma maior prevalncia da fobia social est de acordo com aquilo que acontece em outras situaes psiquitricas (esquizofrenia, alcoolismo, abuso de substncias), e tem sido explicada atravs de dois mecanismos possveis. Uma influncia negativa directa da fobia social na vida escolar e profissional, o que originaria um menor rendimento escolar e profissional que conduziria a um estatuto scio-econmico mais baixo. Outro mecanismo possvel, a possibilidade de um estatuto scio-econmico baixo influenciar directamente o desenvolvimento da fobia social. Estado Civil Os indivduos com um diagnstico de fobia social, quando comparados com controlos sem fobia social, tm mais probabilidade de serem solteiros, divorciados ou separados (Davidson et al., 1993; Wittchen & Beloch, 1996). A associao entre um diagnstico de fobia social e o estado civil de solteiro tambm fortemente apoiada pelos dados do estudo da ECA (Schneier et al., 1992), e est de acordo com o que seria de esperar em funo das manifestaes clnicas e dificuldades dos indivduos com fobia social. Muitos dos medos sociais caractersticos da fobia social interferem severamente com processos [35] Conceito, Critrios de Diagnstico e Epidemiologia

sociais ligados oportunidade de conhecimento e estreitamento de relaes com indivduos do sexo oposto. Por outro lado, a existncia de um comportamento social menos eficaz pode tomar os fbicos sociais menos desejveis em termos de casamento. Segundo Chapman (1993, citado em Chapman, Manuzza & Fyer, 1995), dados preliminares sugerem que os indivduos com fobia social que casam tendem a casar com indivduos com problemas semelhantes. Idade de incio da fobia social Dados de estudos epidemiolgicos e de amostras clnicas sugerem que, a fobia social se desenvolve cedo na vida do indivduo, frequentemente antes ou durante a adolescncia (Marks & Gelder, 1966; st, 1987; Magee, et al., 1996; Schneier, Johnson, Hornig, Liebowitz & Weissman, 1992; Weissman et al., 1996; Wittchen & Beloch, 1996).

A idade mdia de incio situa-se entre os 15 e 16 anos, mas pode haver variaes culturais na idade de incio. Por exemplo, os resultados do Estudo Internacional Colaborativo (Weissman et al., 1996), que envolveu quatro pases (E.U.A., Canad, Porto Rico e Coreia), mostram que a idade mdia de incio da fobia social na amostra dos E.U.A. e do Canad, 15.8 e 14.6 anos, respectivamente, inferior de Porto Rico e Coreia, 19.8 e 24.8 anos, respectivamente. Os resultados deste estudo mostram, ainda, que nos indivduos com um diagnstico de fobia social s 8 a 39% (nos quatro pases do estudo) no possua outro distrbio psiquitrico associado e, que habitualmente a fobia social surgia primeiro que o outro distrbio associado (Weissman et al., 1996). O estudo epidemiolgico de Schneier e cols. (1992), acima citado, revelou ainda outro aspecto interessante em relao idade de inicio da fobia social. Neste estudo, a amostra de indivduos com fobia social sem comorbilidade mostrava um padro bimodal para a idade de incio da fobia social. Os dois grupos maiores desta amostra relataram o incio da fobia social quer antes dos 5 anos de idade (20 de 97, ou 21%), ou entre as idades de 11 a 15 anos (25 de 97, ou 26%). A constatao deste padro bimodal est de acordo com a conceptualizao desenvolvimental para a timidez de Buss (1980, 1986) que [36] Captulo 1

sugere a existncia de dois subtipos de timidez: um de incio precoce (durante o primeiro ano de vida), muito relacionado com caractersticas temperamentais de emocionalidade elevada e inibio comportamental, em que predominam os sintomas somticos e inibio, a que chamou timidez medrosa, e um segundo tipo, de incio mais tardio, cujas manifestaes se acentuariam entre os 14-17 anos de idade e se caracterizaria por um predomnio de sintomas cognitivos, como auto-preocupaes e um aumento desconfortvel da conscincia de si mesmo, a que chamou timidez por conscincia de si mesmo. Embora no seja possvel extrapolar os dados obtidos nos estudos com tmidos para a fobia social, dado que os dois conceitos no se equivalem (ver captulo sobre timidez e fobia social), os dados obtidos no estudo de Schneier e cols. (1992) mostram que, em alguns casos, a fobia social se pode iniciar muito cedo. Por outro lado, e como foi j atrs apontado, alguns estudos sugerem que os dois subtipos de fobia social se podero distinguir na forma e idade de incio das dificuldades, com o subtipo especfico da fobia social (medo de falar em pblico) a mostrar-se associado a acontecimentos traumticos e de incio mais tardio que a fobia social generalizada que aparece, habitualmente, associada a uma histria de timidez na infncia (Townsley, 1992, citado em Mineka & Zinbarg, 1995; Stemberger et al., 1995). O incio precoce da fobia social, antecedendo na maior parte dos casos o desenvolvimento de outros distrbios psiquitricos, chama a ateno para a necessidade de uma investigao mais cuidadosa acerca do papel desempenhado pela fobia social no desenvolvimento de outros distrbios comrbidos. Dada a sua alta incidncia, o diagnstico e tratamento precoce da fobia social pode ser um importante meio de preveno de outros distrbios psiquitricos. Por outro lado, o facto de apenas cerca de um tero dos fbicos sociais receber qualquer tipo de tratamento para os seus sintomas (Magee et al., 1996; Wittchen & Beloch, 1996), sendo esse tratamento, na maioria dos casos, prescries de ansiolticos ou beta-bloqueantes pelo clnico geral e raramente orientado por um psiquiatra

(Wittchen & Beloch, 1996), sugere que a fobia social ainda pouco identificada como uma entidade clnica especfica que necessita de tratamento adequado. [37] Conceito, Critrios de Diagnstico e Epidemiologia

Concluses Nos ltimos dez anos assistiu-se a uma mudana importante na atitude dos investigadores e clnicos em relao fobia social (distrbio de ansiedade social). Contrariando as ideias dominantes acerca da baixa prevalncia e escassa importncia clnica da fobia social, a investigao, gerada a partir dos anos oitenta, revelou que a fobia social o mais frequente distrbio ansioso, com uma prevalncia ao longo do ciclo de vida da ordem dos 13%, o que o situa como o terceiro distrbio psiquitrico mais comum seguindo-se depresso major e dependncia alcolica. Estudos de prevalncia, realizados em diversos pases com culturas diferentes, mostram que a fobia social no apenas um sndroma cultural representando um grau extremo do aspecto universal da ansiedade associada interaco social nos humanos, embora factores culturais possam afectar a sua prevalncia e variaes na sua expresso clnica. O seu incio acontece mais frequentemente durante a infncia e adolescncia e evolui de uma forma crnica impondo severas limitaes nas reas escolar, profissional, social e afectiva. Em comparaes com controlos normais, os fbicos sociais tm mais probabilidade de serem solteiros, pertencerem a uma classe scio-econmica mais baixa, terem menos anos de escolaridade, serem financeiramente mais dependentes, apresentarem maior instabilidade no emprego e menor rendimento no trabalho, e possurem um menor suporte social. Embora os critrios de diagnstico da fobia social tenham sofrido modificaes ao longo das sucessivas revises do DSM, futuras investigaes sero necessrias para uma delimitao mais precisa das fronteiras de diagnstico da fobia social com a agorafobia e o distrbio de ansiedade generalizada. Dos dois subtipos de fobia social descritos no DSM-IV, o mais frequente e grave o subtipo generalizado, sendo o subtipo circunscrito pouco frequente em amostras clnicas. Esta situao dificulta a realizao de estudos comparativos entre os dois subtipos, mas as diferenas encontradas entre os dois subtipos, ao nvel de respostas fisiolgicas, histria familiar e forma de incio, justificam a distino [38] Captulo 1

entre os dois subtipos, sendo necessrios mais estudos que comparem amostras representativas dos dois subtipos para um melhor esclarecimento de algumas inconsistncias nas diferenas encontradas. A investigao tem revelado, tambm, a necessidade de uma definio mais rigorosa dos subtipos de fobia social e a possvel utilidade da introduo de um subtipo circunscrito e de um subtipo no-generalizado. Futuras investigaes devero ter estes aspectos em conta para um melhor esclarecimento da fobia social e dos seus factores etiolgicos, clnicos e teraputicos.

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O desenvolvimento de um episdio depressivo levou-a finalmente a decidir-se a ir a uma consulta, mas no sem exigir que o marido fosse primeiro conhecer o psiquiatra que escolhera, e avaliasse se ele era simptico e algum que a no julgasse negativamente pelas suas dificuldades.

Manuela, 23 anos de idade, solteira, estudante universitria de uma licenciatura que tem aulas prticas em que necessita de efectuar procedimentos tcnicos com aparelhos da especialidade. Vem consulta por rendimento escolar inferior s suas expectativas (apesar de nunca ter reprovado nenhum ano) e por dificuldades de relacionamento com os pais e colegas. Durante a entrevista relata as suas dificuldades em realizar algumas tarefas do dia a dia como: tratar de assuntos em bancos ou reparties pblicas, usar o carto do multibanco, utilizar cacifos, aparelhos como televisores, videogravadores ou telemveis, com medo de se poder enganar. Nessas situaes fica tensa com receio que os outros a observem, e surgem pensamentos do tipo: os outros vo achar que sou burra por no saber utilizar coisas to simples; vo gozar-me; vo olhar todos para mim e ver que sou uma incompetente e incapaz. O desconforto intenso que estes pensamentos originam leva-a a evitar esse tipo de situaes. Quando tem que intervir numa aula, ou realizar qualquer trabalho prtico, receia fazer figura de parva, ser gozada pelos colegas ou avaliada como incapaz e ignorante. Nessas alturas decide que o melhor calar-me antes que diga asneiras. Refere-se ao seu medo de errar dizendo: o erro faz-me sentir mal, mais pelo que os outros possam pensar do que por mim. Do mesmo modo, situaes como falar uma lngua estrangeira ou mesmo tossir numa aula despertam elevada ansiedade. Quando tem que fazer um exame oral, tem muita dificuldade em se concentrar no estudo pois constantemente assaltada por pensamentos de que o professor vai gozar com a sua ignorncia. Tambm, em situaes de convvio social, tem dificuldade em manter conversas com colegas e desconhecidos com receio de parecer pouco culta e desinteressante, pensando que os outros vo rir ou gozar consigo. Em todas estas situaes que receia, limita-se a ser uma [45] Apresentao Clnica

espectadora passiva, tenta parecer vontade, olha distraidamente para o lado e desvia o olhar das pessoas com quem est a interagir. Sente-se frequentemente triste, sozinha, sem vontade de fazer nada e desinteressada por perodos que no ultrapassam uma semana. Vtor, 22 anos de idade, solteiro, estudante, apresenta-se na consulta tenso e inquieto. Comea por referir queixas vagas de insatisfao com a vida at chegar ao assunto que motivou a sua consulta e que, segundo ele, o impede de ter uma vida normal: a sua incapacidade de urinar, quando sente que pode ser observado ou ouvido a urinar por algum. De incio, a dificuldade em urinar existia s em quartos de banho pblicos, mas gradualmente foi-se alargando e, actualmente, mesmo em casa, s urina facilmente se souber que no est mais ningum em casa. O facto de poder fechar a porta do quarto de banho chave no diminui o seu desconforto. Como resultado desta situao, a sua vida sofreu acentuadas limitaes sendo organizada em funo das suas dificuldades e, nas mais diversas situaes, sente-se frequentemente invadido pelo medo de ter necessidade de urinar. Caractersticas Clnicas

Vtor tem um subtipo de fobia social no-generalizada, paruresis, tambm por vezes nomeada em linguagem comum como bexiga envergonhada. Manuela e Joana tm uma fobia social generalizada. As suas dificuldades ilustram bem o aspecto central da fobia social: o medo de no causar uma impresso positiva ou de ser avaliado negativamente pelos outros em situaes sociais. A sua hipersensibilidade ao escrutnio dos outros faz com que a Manuela e a Joana, quando fora do seu crculo de segurana familiar, se sintam permanentemente observadas e avaliadas pelos outros, com uma elevada conscincia de si mesmo que origina um desconforto severo. Situaes aparentemente triviais tomam-se desconfortveis devido a um estado de vigilncia permanente, avaliao e comparao com os outros, como tentativa de se protegerem de avaliaes negativas que as fariam sentir inferiores e desvalorizadas. Em situaes sociais percepcionam-se [46] Captulo 2

como um objecto social exposto observao e julgamento dos outros. Outros esses, que tendem a encarar como hipercrticos, predispostos a mostrar a sua superioridade e a humilh-las. Usualmente as situaes receadas pelos fbicos sociais envolvem a interaco com pessoas que no lhes so familiares ou situaes em que se sentem expostos a um possvel escrutnio pelos outros. Quando confrontado com este tipo de situaes, o fbico social experimenta um medo intenso de fazer uma triste figura ou de se comportar de uma forma humilhante que diminua o seu estatuto social ou auto-estima. O medo experimentado nestas situaes e as suas manifestaes somticas e cognitivas so frequentemente reinterpretados como fonte de ameaa, dado que a possvel percepo pelos outros dos seus sintomas de ansiedade encarada como fonte de humilhao ou de diminuio pessoal. Como resultado, desenvolve-se uma intensa ansiedade antecipatria em relao a este tipo de situaes que pode levar ao seu evitamento sistemtico. Quer pelo desconforto sentido nesse tipo de situaes e que interfere com o seu desempenho, quer pelo evitamento das situaes receadas, a vida profissional, social e afectiva dos indivduos com fobia social fica severamente limitada. No caso da Joana, o evitamento interferia de forma muito negativa nas reas de vida profissional e social tendo contribudo para a sua vulnerabilidade de desenvolver um episdio depressivo. Embora exista uma larga variabilidade na apresentao clnica da fobia social (distrbio de ansiedade social), uma histria clnica cuidadosa permite usualmente identificar a existncia de desconforto ou medo acentuado num conjunto de situaes sociais, que se traduz em nveis elevados de ansiedade quando o indivduo antecipa ou se confronta com essas situaes. aconselhvel que o clnico no limite o seu interrogatrio queixa principal do doente, mas pesquise as suas emoes e comportamentos num vasto conjunto de situaes sociais, pois s assim poder obter uma avaliao adequada das dificuldades existentes. Como consequncia dos altos nveis de ansiedade e desconforto sentidos nas situaes sociais receadas, os fbicos sociais tendem a organizar a sua vida de forma a

evitarem essas situaes, o que frequentemente origina limitaes severas na sua vida social, profissional e afectiva. [47] Apresentao Clnica

O quadro clnico diferir consoante se trate de uma fobia social do subtipo nogeneralizado ou do subtipo generalizado. Como foi j atrs apontado, o subtipo nogeneralizado envolve o receio de apenas uma ou duas situaes sendo por isso, por vezes, designado como fobia social especfica ou de desempenho. Neste caso, a situao mais frequentemente receada falar perante uma audincia. O medo de se comportar de uma forma embaraosa ou humilhante, de revelar sinais de ansiedade como tremer, corar ou gaguejar paralisa estes doentes e gera uma enorme ansiedade antecipatria. Outras situaes frequentemente receadas no subtipo no-generalizado so: comer em pblico (pelo medo de se engasgar e vomitar), beber em pblico (medo de tremer com o copo, ou de se engasgar) escrever em pblico (medo de tremer) ou, como no caso do Vtor, incapacidade de urinar em quartos de banho pblicos - paruresis (por medo de ser ouvido ou observado a urinar). O medo de escrever em pblico representa o terceiro medo mais frequente entre os fbicos sociais. Para estes doentes, actividades como assinar o talo do carto de crdito, passar um cheque, assinar uma ficha de hotel, assinar um contrato tomam-se um tormento, centrando-se toda a sua ateno nas mos e no medo de ser observado a tremer ou com dificuldade em fazer as letras bem feitas ou, ainda, de ficar bloqueado e no ser capaz de escrever. O medo de comer ou beber em pblico (e, por vezes, mesmo na prpria casa se houver visitas) est associado ao receio de deixar cair a comida ou a bebida, que as mos tremam visivelmente, de se engasgar ou vomitar. Quanto mais o doente valoriza socialmente as pessoas com quem est a comer ou a beber, maior o seu desconforto e medo que tal acontea. Em muitos casos utilizam complexos comportamentos de segurana com os quais tentam proteger-se dos seus receios. Todos estes medos de desempenho esto associados ao medo que os outros os avaliem negativamente se os comportamentos, que receiam, acontecerem experimentando, isso, como profundamente humilhante e diminuidor do seu estatuto social ou pessoal. No entanto, cerca de dois teros dos doentes com fobia social receiam trs ou mais situaes pertencendo, assim, ao subtipo generalizado [48] Captulo 2

do DSM-IV (Schneier et al., 1996), receando no s situaes de desempenho social como as acima referidas, como situaes de interaco social: ser apresentado a desconhecidos, participar em actividades de grupo, conviver com desconhecidos em qualquer contexto, falar com figuras de autoridade ou com membros do sexo oposto. Como se compreende, dada a natureza e o nmero de situaes receadas, a fobia social generalizada representa um quadro clnico de maior severidade e origina uma maior incapacitao que o subtipo especfico.

A distino entre situaes de desempenho social (falar em pblico, comer em pblico, ser observado enquanto trabalha) e situaes de interaco social (conviver com desconhecidos, participar em grupos) clssica na literatura sobre fobia social, e vrios autores tm sugerido que os fbicos sociais podem ser agrupados em funo do tipo de situaes que receiam (Liebowitz, 1987; Turner et al., 1992) formando dois subtipos de fobia social: fobia social de desempenho, constitudo pelos indivduos que receiam predominantemente situaes de desempenho social, e fobia social de interaco, constitudo pelos indivduos que receiam predominantemente situaes de interaco social. No entanto, o apoio emprico a esta distino pouco conclusivo, pois a anlise factorial do questionrio de situaes receadas de Liebowitz (Liebowitz, 1987) que engloba os dois tipos de situaes, no permitiu a identificao de uma estrutura factorial que diferencie estas duas dimenses (Slavkin et al., 1990, citado em Rapee, 1995). Como foi j referido, o agrupamento dos fbicos sociais em funo do nmero de situaes receadas, que est na base dos dois subtipos de fobia social do DSM-IV - Subtipo generalizado e Subtipo especfico, circunscrito ou de desempenho - tem recebido um maior apoio emprico sua validade, embora os dados apontem mais para diferenas quantitativas que qualitativas entre os dois subtipos. A ansiedade experimentada pelos fbicos sociais nas situaes que receiam manifesta-se a nvel somtico, cognitivo e comportamental. Sintomas somticos Os sintomas fsicos de ansiedade experimentados nessas situaes so semelhantes aos dos outros distrbios ansiosos, embora os [49] Apresentao Clnica

indivduos com fobia social tendam a recear especialmente o tremor, n rubor, a sudao e a tenso muscular. Turner e cols. (1989) compararam fbicos sociais e controlos normais em relao aos sintomas somticos mais frequentemente experimentados em situaes sociais. Duma lista de dez sintomas somticos, os sintomas que os fbicos sociais relataram ocorrer com uma frequncia significativamente maior que os controlos normais foram: palpitaes cardacas, sudao, rubor, tremor e urgncia de mico. Caracterstico dos fbicos sociais acreditarem erroneamente que esses sintomas so de grande visibilidade para os outros (Bruch et. Al., 1989; McEwan et al., 1983) e que conduzem a avaliaes negativas pelos outros, sendo interpretados como um sinal de insegurana ou timidez. No sentido de tentarem diminuir a visibilidade destes sintomas, muitos fbicos sociais desenvolvem um conjunto de comportamentos destinados a disfarlos, habitualmente designados como comportamentos de segurana. A identificao destes comportamentos de segurana importante de um ponto de vista clnico, dado constiturem um factor importante de manuteno da fobia social, por diversas razes que sero explicitadas mais frente (ver captulo Modelos Tericos). Num estudo laboratorial dos parmetros fisiolgicos, durante um discurso improvisado, os fbicos sociais, quando comparados com controlos normais, mostraram aumentos significativamente mais elevados da presso sistlica, mas no um aumento da

frequncia cardaca (Turner, Beidel e Larkin, 1986). No entanto, outros estudos que investigaram a activao cardio-vascular, comparando os dois subtipos de fobia social e controlos normais, verificaram que os indivduos com o subtipo especfico de fobia social mostravam um aumento de frequncia cardaca superior aos indivduos com fobia social generalizada (Heimberg et al., 1990; Hofmann et al., 1995; Levin et al., 1993) e aos controlos normais. Aspectos cognitivos O contedo do pensamento do fbico social, quando confrontado com uma situao social receada, dominado por temas de fracasso, [50] Captulo 2

falta de competncias necessrias para originar uma impresso positiva, preocupaes com a aparncia e com a possibilidade de ser avaliado negativamente (Dodge, Hope, Heimberg, & Becker, 1988; Stopa & Clark, 1993; Turner, Beidel, & Larkin, 1986). frequente a ocorrncia espontnea de imagens negativas e distorcidas de si mesmo, em que se vm a partir duma perspectiva de observador, como foi verificado no estudo de Hackman, Surawy e Clark (1998). Estes autores investigaram a ocorrncia de imagens espontneas em situaes sociais que despertam ansiedade, em 30 fbicos sociais e 30 controlos normais. Utilizaram uma entrevista semi-estruturada que avaliava a ocorrncia de imagens espontneas, a sua frequncia, a sua valncia emocional e se traduziam uma perspectiva de observador ou de campo. Verificaram que os fbicos sociais relatavam significativamente mais ocorrncias de imagens quando ansiosos em situaes sociais, que os controlos. Alm disso, as imagens dos fbicos sociais, quando comparadas com as dos controlos normais, eram significativamente mais negativas e envolviam, mais frequentemente, verem-se a si mesmos a partir duma perspectiva de observador. As descries feitas por alguns fbicos sociais destas imagens espontneas so bem elucidativas da sua natureza negativa e distorcida. Por exemplo, um fbico social, cujo principal receio era parecer estpido e aborrecido, descreveu assim uma imagem que lhe tinha ocorrido durante uma situao social no trabalho: Vejo-me com aspecto de culpado, nervoso, ansioso, embaraado. Sobressai a minha face, distorcida, intensificada, nariz grande, queixo fraco, orelhas grandes e face vermelha. A minha postura corporal desajeitada, uma postura corporal introvertida, virada para mim mesmo. Pareo estpido, sem pronunciar ou comunicar bem (Hackman, Surawy, & Clark, 1998, p. 9). Ao nvel dos processos cognitivos, a ateno auto-focada (Hope, Heimberg & Klein, 1990) e h um aumento da conscincia de si mesmo, o que amplifica a percepo da sua ansiedade e desconforto e diminui a ateno disponvel para os estmulos exteriores relacionados com a situao. Alguns doentes com nveis muito elevados de ansiedade referem por vezes uma experincia de bloqueio ou vazio mental, traduzindo a sua dificuldade em focar a ateno na tarefa social, ou a ocorrncia de imagens espontneas do tipo atrs referido. [51] Apresentao Clnica

Os aspectos da auto-percepo dos fbicos sociais, atrs referidos tm sido investigados em diversos estudos. Trata-se, aqui, de saber os fbicos sociais tm uma percepo correcta de si mesmos quando so confrontados com uma tarefa social que lhes desperta ansiedade, e em que medida avaliam correctamente o seu desempenho social. De uma forma geral, os dados empricos apoiam a noo que os fbicos sociais mostram enviezamentos negativos na auto-percepo. Em relao percepo de si mesmo durante a situao social que lhes desperta ansiedade, os estudos realizados em doentes com o diagnstico de fobia social segundo o DSM-III-R, mostram de forma consistente que os ansiosos ou fbicos sociais se envolvem em maior grau em pensamentos auto-avaliativos negativos que os controlos normais ou com outros distrbios ansiosos (Hackman, Surawy & Clark, 1998; Stopa & Clark, 1993; Turner, Beidel, & Larkin, 1986), e que existe uma correlao significativa entre a frequncia das auto-avaliaes negativas durante a interaco e a severidade da fobia social avaliada clinicamente (Dodge, Hope, Heimberg, & Becker, 1988). Do mesmo modo, em relao s expectativas acerca de futuras interaces sociais, os fbicos sociais revelam possuir expectativas mais negativas acerca das consequncias sociais de futuras interaces que os controlos normais (Lucock & Salkovskis, 1988). Quanto avaliao do seu desempenho na tarefa social em estudo, as investigaes que utilizaram painis de avaliadores independentes, para classificao do desempenho social e posterior comparao com as auto-avaliaes dos ansiosos sociais ou fbicos sociais, obtiveram resultados mistos, com a maioria dos estudos a sugerir que nos fbicos sociais h uma distoro negativa na auto-percepo do seu desempenho social, e um estudo que no revelou diferenas entre a avaliao dos observadores e auto-avaliao dos ansiosos sociais. Analisaremos brevemente estes estudos, diferenando os estudos realizados em estudantes ansiosos sociais dos estudos realizados em doentes fbicos sociais, dado que eles tm implicaes diferentes. Dos estudos realizados em estudantes, dois estudos (Clark & Arkowitz, 1975; Glasgow & Arkowitz, 1975) verificaram que, em relao s avaliaes dos observadores, os estudantes ansiosos sociais avaliavam o seu desempenho de forma mais negativa que os estudantes [52] Captulo 2

sem ansiedade social, numa tarefa de interaco social com colegas do sexo oposto. Resultados diferentes foram obtidos no estudo de Strahan & Conger (1998), que comparou o desempenho social e a auto-avaliao desse desempenho, numa tarefa de role-play que simulava uma entrevista para obter emprego, em dois grupos de estudantes com ansiedade social elevada e com ansiedade social baixa. Um painel de observadores classificava, tambm, o desempenho dos dois grupos na tarefa em estudo. Verificaram que, em relao classificao do painel de observadores, os estudantes com ansiedade social elevada no avaliavam o seu desempenho de forma mais negativa que os indivduos com ansiedade social baixa, no mostrando, assim, um efeito da ansiedade elevada na auto-avaliao. Encontraram, porm, um efeito do nvel de competncia social do indivduo na autoavaliao do seu desempenho: os indivduos com baixa competncia social faziam

avaliaes mais positivas do seu desempenho e viam apenas pequenas variaes entre as suas respostas s diferentes questes; os indivduos com elevada competncia social faziam avaliaes mais negativas do seu prprio desempenho que os observadores, e realizavam discriminaes mais finas entre as respostas verbais. Dos estudos realizados em fbicos sociais,