8
8/2/2019 ANTELO_ Raúl - PolÃticas canibais In Transgressão e modernidade http://slidepdf.com/reader/full/antelo-raaol-polaticas-canibais-in-transgressao-e-modernidade 1/8 A vida autentica de Heideqger e a vida do antrop6fago q ue r es is te n o h om em v es tido , Oswald de Andrade. "Mensagem aD antrop6fago desconhecido (do Frant;o Antdrtfca)" A o e sc ol he rm os a r ec lc la ge rn E ;! a aprop riac ao c ult urais como t ema de urn debate estamos, de fato, ensaiando lima vontade de poder na forma de lima economia alternativa jii que afa rc; :a de urn discurso nao c onsiste e m re cusar 0 ou tro mas, ao c ontra rio,e m de vora-l o, Todo 0 ci cl o da modemida de le tln o- americana poderia ser lido, em consequencta, como urn laque de polfttcas de t raduc ao int ercu ltura l. Ha , c om e fei to, tax tos c anc nico s que p odem p auta r e sse pe rcur so, Em "La Medema Ast art ea" (1913), Re ne Z apa ta Quesad a, di sclpu le de L or ra in , expoe su a t ao ri a satumiana de uma crimlnosidade americana c on st ru fd a a p ar ti r d e a nt ro po fa gl a i nd lg en a a c ob ic a i mp er ia l. O li ve ri o G lr on do , a quem esse relato e. dedicado, propoe, em 19.22, urn estomaqo acletlco latlno- a me ri ca na "capaz de digerir e de digerir bien, tanto u no s a re nq ue s s ep te nm on al es o un kouskous o rien tal , c omo unabe ca sl na co cin ade en 1£ 1la ma 0 uno de esos ehorlzos epicos de Ca stil la "; em 1926 Borges elabora uma teoria da traduc;ao, em c oncomlt anc ia c om ume studo sabre a cidade co mo espa go da mesela cul tur I; em 1928, enflm, O sw ald de Andrade sintetiza: "Tupy or nottupy, that's th e question". Como a ravldar a lmpacto dos canlbeis de Montaigne ne corte de Rouen, dlrlamos que, multo mais do que n.o t ro pi ca li sr no de Castano Vela.!J

ANTELO_ Raúl - PolÃticas canibais In Transgressão e modernidade

  • Upload
    mr984

  • View
    217

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: ANTELO_ Raúl - PolÃticas canibais In Transgressão e modernidade

8/2/2019 ANTELO_ Raúl - Polà ticas canibais In Transgressão e modernidade

http://slidepdf.com/reader/full/antelo-raaol-polaticas-canibais-in-transgressao-e-modernidade 1/8

A vida autentica de Heideqger e a vida do antrop6fago

que resiste no homem vestido,

Oswald de Andrade.

"Mensagem aD antrop6fago desconhecido (do Frant;o Antdrtfca)"

Ao escolhermos a reclclagern E ;! a aprop riacao culturais como tema de urn

debate estamos, de fato, ensaiando lima vontade de poder na forma de lima

economia alternativa jii que afa rc; :a de urn di scurso nao consiste em recusar 0

ou tro mas, ao contra rio,em devora-lo, Todo 0 ciclo da modemidade le tlno-

americana poderia ser lido, em consequencta, como urn laque de polfttcas de

t raducao intercu ltura l. Ha , com efei to, tax tos cancnicos que podem pauta r esse

percur so, Em "La Medema Astart ea" (1913), Rene Zapa ta Quesada, di sclpu le

de Lorrain, expoe sua taoria satumiana de uma crimlnosidade americana

construfda a par tir de antropofagla indlgena a cobica imperial. Oliverio Glrondo,

a quem esse relato e . dedicado, propoe, em 19.22, urn estomaqo acletlco latlno-

americana "capaz de diger ir e de diger ir bien, tanto unos arenques septenmonales

o un kouskous o rien tal , como unabecaslna cocinade en 1£1lama 0uno de esos

ehorlzos epicos de Castil la "; em 1926 Borges elabora uma teoria da t raduc ;ao ,

em concomltanc ia com umestudo sabre a cidade como espago da mesela cul tur I;

em 1928, enf lm, O sw ald de A ndrade sintetiza: "Tupy or nottupy, that's th e

question". Como a ravldar a lmpacto dos canlbeis de Montaigne ne corte de

Rouen, dlrlamos que, multo mais do que n.o tropicalisrno de Castano Vela. !J

Page 2: ANTELO_ Raúl - PolÃticas canibais In Transgressão e modernidade

8/2/2019 ANTELO_ Raúl - Polà ticas canibais In Transgressão e modernidade

http://slidepdf.com/reader/full/antelo-raaol-polaticas-canibais-in-transgressao-e-modernidade 2/8

TI tANSCRESSAO & MODERN IDADE

monumental izado pela Verdade Tropical, ou na 24aBienal de Sao Paulo, com 0

mote antropofaqico, 0efeito difer ido dessas propostas encontra-se na poatica de

Tel quel. Com efei to, Roland Bar thes retomou a tr adicao vanguardlsta para "rnatar "

o eutor e da i em diante cen trar a valor art fstico na intencao receptora , racepcao

essa que, nao sendo pessoal ("Ie lecteur est un hom me sans historie, sans

biographie"), deixa de ser , por tanto, hurnantsta. Porern, essa decisao de matar 0

autor acarre tou uma segunda morte , porque, ao se el iminar uma subje tividade

absoluta, a do auctor classicus, dissolve-sa, consequantemente, 0 universa l e

com ele a propria possibilidade de urn objeto absoluto, coerente e coeso e

passamos a ter, em compensacao, uma rniriade de particularidades, essas que

outrora retiravarn sua forca e fundarnento do carater l imitado de sua matertalldade

especffica. A morte da morte do autor prolifera en t ao inurneras lei turas ,

ca tapu ltando todo julgamento estet ico (unive rsa l) e reduzindo a recapcao a uma

pratica antropol6gica (particular). Passe a ser possivel, portanto, na modernidade

tardia, identificar oestetico (0 universal) com urn devaneio total itano e tachar ate

seus defensores de neo-conservadores, assim como se considera a cultural (0

par ticular) como progressista per se.

Cabe , porem, a essas al turas do processo, argumen tar que , sa em func ;ao

de posicoes p6s-modernas, quando nao pos-utopicas, adotamos uma dife renca

pura, somos obrigados a ace it ar, em nome de urn prindpio coerente de tolerancia,

ate mesmo as categor ias mais intolerantes ou intoleraveis, com total indiferencaetica. Cai-se portanto no paradoxo de negar 0 particularismo que se pretende

defender. Mas ha , porern, outro argumento que mina 0particularismo culturalista

e que Ernes to Laclau desenvolve em Emancipa¢o e diferen!(Ql: se cada identidade

parti cular encontra -se numa relacao dife renc ial , nao-an taqonica com todas as

outras, a identidade passa a ser uma questao meramente relacional e, em

consequencia, ela nao pressup6e apenas todas as outras identidades mas tarnbern

o espaco, a globa lidade , que as co rnporta e que as const itu i enquanto dife rencas,

o que , evidentemente, sanciona e duplica 0statu quo na relacao de poder entre

individualidades e par ticularidades. Para evitar esse r isco, deverfamos pos tular

u rn universa l que nao pre ex isti sse aos part iculares mas que fosse urn horizonte

incomplete, urn anel partido, a suturar, momentaneamente, uma identidade

deslocada. Sfrnbolo de urna plenitude ausente, esse universal redefinldo e sfrnbolodo sirnbolico ao mesmo tempo que 0 particular passa aex.istir, duplamente, como

identidade diferencial que, entretanto, anula-se, em consequencia, ao ser inclufda

em urn meio nao-diferencial,

Em Nadonal par subtra!(do, Roberto Schwar z lronizou a paradoxa] situar;ao

de "confor to ao sentimento nacional" , e de "alivio proporcionado ao amor propr io

e tambam a inquietacao do mundo subdesenvolvidd ' que poder iam dar as praticas

desconstrutivas ja que a amblcao antitotalizadora ou a adocao de marcos

histor lograf icos alheios aos ambitos par ticulates comprometem, sem duvida, essa

identidade imaqinaria, tao seculo XIX,entre herofsrno cultural do autor, realizar;ao

d grande obra e e rnanc ipacao cornuni tari a dos leitores.

De atrasados passariernos a adtantades, de desvlo a p radlgm ,d inferlorl-'s a

POLIT ICAS CAN IBA IS ; DO ANTItD I'OFAG ICO AD ANTROPOEME ru o

superlores [aquela mesma superioridade, alias, que esta analise visa supllmh),

isto porque os parses que vivern na humtlhacao da copia explicita e in 'vit \I I

estao mats preparados que a metr6pole para abrir mao des ilusoes da or q!'JII

prime ira (ainda que a lebre tenha sido levantada la e nao aqui).2

Alern da evidente injust i-; a que sup6e a tr ib uir , e xc lu stv ar ne nte , a o p o ! > -

estrutural ismo frances (sob retudo aquele acl imatado nos Estados Unidos) I

responsabilidade da compansacao consoladora, igualmente rastreavel no u o

que 0neoliberalismo atual fa z do discurso anti-Estado imposto palo pensamento

68 (sua versao academica seria 0 neopositivismo algo naif de urn Sakal, pur

exemplo, em guerra contra as cultural studies) 0 argumento de Schwarz peed r

meu ver por ainda pensar em urn universalismo pre-determinado e fechado,

uma sorte de escatologia lalca ou milenarismo secular, em que 0 particular SI'

subsume em uma categoria, circular e universal, que por sua vez canceJa toda

diferenca por constdara-la nao prtor ltar ia ou nao per tinente,

Gostar ia , em compensecao, de prop or urna forma de conceber 0par t lcul ,n

lat ino-arnerlcano, em dols tempos, a.l ternat ivos e s imultanaos , como identldad '

diferencial mas t amber n como poslcao inserida em urn contexto nao-dlferenctnl,

quer dizer, como rupture irnanente, reconhecida na revisitacao e reabertura d '

cer tas categor ies da tradicao modernista, par ticularmente, a de caniballs rno.

Dir iarnos , para inicio de converse, que do ponto de vis ta antropo16gicu, t

antropofagia esta, indissociavelmente, l igada a guerra , po rern, nao a gu rrter ri torial , que podemos, sem maiores obs taculos, reconhecer entre os lndlgan l~

da area andina. A guerra antropofaqica pelo contrar io volta-58 a recuperacao de

urn habitat e de uma historia a partir de confiscar valores da propria cultur ou

de culturas out ras. Neste caso, em parti cular, estamos diante de exocanrbal1sllIo.

Ora, a cultura tupinarnba e, como sabemos, exocanibalista. Realiza, atravas d~ 1

guerra, urn fim politico dup l ice: restaurar 0 equilibria magico-religioso £ 1 " ,

comunidade ei.ao mesmo tempo, vingar a mem6ria u ltra jada dos ancestros 1\

vanguardas artfsticas da m o de m id ad e, c on st ru id as t od as s ob re 0a sq u a rn a r nl ll lu r

da i n cu r s a o p un i ti v e, nao raro lanceram mao desse mesmo conceito exccantbr I 1"

como estrategia de renovar a tredicao e isto nao apenas na tradiC;ao ar If t i l ,

latino-americana. Trata-se, porern, de urn fanorneno que nao se restringp I.ID

somente a esfera da arte mas atua nas da propria sensibilidade. Posso d r out: o'da is exernplos contemporaneos de antropofagia. Em chave sublime, a troce d,

camisetas entre as times que se enfrentam em urn jogo de futabol. Em c h tlV '

abjeta, 0sequestra e adocao des fi lhos dos desaparecldos sob regimes milit nI'

na America Latina.

Errar iamos, porern, se pensassernos que a antropofagia e excluslvarm-ul

lat ino-americana. Com efe ito, logo no primei ra ruirna ro de . Cannibale, Pic hi

nos desafia com uma declaracao que nao nos propos nem a pureza do partlcuhn

nem a superloridade do hfbrido, Decla re: '~e suls, mol, de plusieurs n tloru 1ill'

et Dada est comme mol." Trata-se de urn conceito paradoxa] de culture c nib, I,

d ir famos pos-rnoderna, para 0qual "Ie plus pur moyen de temoJgn 'r df' ['amruu

a son prochein est bien de le manger."3De rn netra, Dutro nirop6f go, ~ 'or !I'

Page 3: ANTELO_ Raúl - PolÃticas canibais In Transgressão e modernidade

8/2/2019 ANTELO_ Raúl - Polà ticas canibais In Transgressão e modernidade

http://slidepdf.com/reader/full/antelo-raaol-polaticas-canibais-in-transgressao-e-modernidade 3/8

n1bt'fnon'l De s Ignes, d ,fl il le 0 ccncalto ElMocdnibalde civitizd~ 0, que nao se

l lmlta ~ disjun;i.io ("posseder par I- coeur ou posssder par Ie stornec?") mas

av nta l ima safda no excesso, ja que "e n cas de contre-ordre, iI y a toujours la

nausee", sintonizando, asslrn, com as argumentos acefalicos de Leiris, em

Documents, ao definir a civilizar;ao como limo, magma vivente e detritos varlados.

Poder-se-ia dizer portanto que ora nesses examples franceses, ora nos

let lno-emericanos acima referidos, ha ump/us que excede a neurose modern a e

que eonsista em identi ficar ext remos: cultura e esgotamanto. Trabalhando na

mssma linha de analise, com essas nocoes Daleuze ira opor 0 esgotamento ao

s imples cansaco, Cansamo-nos de alguma coisa especff lca, par ticular, porem, 0

indef inido, a nada, nos exaure. E epuiseprovoca a nausea, conjunto de var iaveis

de urna situaceo dada que renuncia a todo significado, a toda orqaruzacao ou ahlerarqulzacao de metas e projetos, sem, no entanto, lancer-nos na simples

lndlferenca. A exaustao produz a fissura, OU, em outras palavras, a di stanc ia,

tnseparavel de s i, do puro acontecirnento, enquanto e a possibilidade, a chance,

que, palo contrerio, sustenta 0aconteclmento especifico. ele den ega 0nada mas,

ao mesmo tempo, abole aquilo a que aspire. Noacontecimento, a disjun!;ao

lposseder par Ie coeur ou posseder par Je stomac? tupy or not tupy?) torna-se

lncluslva: tudo no aconteclmento se divide, porern, em seu proprio interior, e

gra.: ;as a essa divisao incessante, mesmo a te a absoluto, quer dizer, 0conjunto

dos possfveis, confunde-se com 0 nada, de que cada objeto e apenas rnera

var iacao, A culture conternporanea nao e portanto tao somente acontecimento

mas, de fato, exaustao do pr6pr io acontecimento, Busca, como os antrop6fagos.

a dlspersao porque seu desejo de fragmentac;ao se institui atraves da guerra (guerra

de saberes, guerra de linguagens),

Como esgotamento, como puro acontecimento, enfim, a cultura atua l eprenhe de praticas canlbai s. Em out ras palavras, ° canibalismo e a traducao

rnals acabada daquilo que entendemos como clvilizacao. Diante dele nossas

dtsciplinas tern ensaiado duas respos tas extremas, s imetr icas e contraditor ias, a

versao redutora e a versao negadora. Sob ° ponto de vista da primeira, 0

canibalismo explica -se, em chave materiali sta , como luta pela construcao do

capital ismo, a consolidacj io do estado, a expanseo da guerra e a dorninacao de

genera. E a Iinha de raciocfnio de Marvin Harris em Cannibals and Kings. De

outre lado, porern, visando desmaterializar evidencias da Iiteratura antropotagica,

textos como T he M a n- ea tin g M y th , de William Arens, concluem pela inexistenciado canlbalismo, baseados no argumento capcioso da insuficiencla de provas

materia is, atr ibuindo apenas a recorrencia desse relato a intenc;:ao etnograflca de

[ustiflcar 0dominio das cultures metropolitanas sobre as culturas colonials, Alguns

critlcos desta posicao, como Marshall Sahlins ou Pierre Vidal-Naquet, salientaram

o absurdo empir is ta-formal desta l inha de analise. E verdade que nunca teremos,

de fato, 0.5 testemunhos diretos das vitimas para afirrnar por exemplo que

Auschwitz existiu; mas, mesmo assim, os poderes da abiecao retornam a toda

hora pelo simples motivo de que nunca safram de cena. Da-se Dutro tanto com 0

canibalismo.

Permitam-me entao aventar urn argumento combinado: a construc; :ao do

capitalls: no, U c nsolidacao de estad • a 'XPcflS °d gu rru ' ldom 11111, u dt'

gen~ro obedecem, coma sabernos. a praticas de aproprlacao, d >negt1d IS 1 '1n

fun¢o da in tencao etnocantrlca de justlficar 0dominic da razElo ebre t ·DHUo: . ) ,

A altematlva, porem, nao reside na reivindicElc,;ao do lrrecicnalismc rna na

construcao de urn areo hermeneutlco Incomplete, isto e , urn melo nao-df srenclel,

onde se reinscrevem as diferencas enfrentadas para analisar as relacoes reclprn.'cl

entre dor e prazer, anestesia e sensibilidade.

Tentarei ilustrar er=a questao com dois exemplos vlnculados ao saber

dentf fico ocidental . Em ambos. do que se trata na verdade e de encontrar Ilrntan'~

de sensibilidade, pontos a partir dos quais se ja possfvel exauri r 0pedectmeniopara nos a lcarmos a urn outro patamar de percepcao,

o primeiro remonta a epoca em que Claude Bernard pesquisa as faculd de

de uma substancia toxica que the fora doada por urn jovem discipulo, •un [eune

Bresilien que suivait mes COUl'S, le docteur Edwards" e por seu amigo, 0 qufrnico

Pelouze, aluno de Gay-Loussac, quem, alern do mills, intercederia para que

Bernard se case com Marie-Francoise Martin, fHhade urn medico parisiense, It tw

que alavancou sua carreira na capital deixando para tras seus diferendos como 0

mestre Magendi." Ora, a parti r de seus t rabalhos com 0 cura re , que se lnduem

em seu Rapport sur Ie progres et la marche de la physiologie generaJeen France

(1867}, Bernard esta em condicoes de postular uma relativa autonomia do

circuitos biol6gicos (0 sistema nervoso sensitivo, 0 sistema motor e 0 sistem

muscular), donde condui que, dosando a quantidade, se poderia alterar 1 : ' 1

qualidade, isto e , passar do veneno ao rernedio. Graces a uma deculturacao, isto

e, a apropriacao cientff ica de urn elemento r itual- rallgioso indigena, a saber dr -

Bernard ultrapassa 0 princfplo da nutricao como base da vida 12 esta jli em

condicoes de aprofundar seu conceito de milieu interieur para proper, z ru

contrapar tida, a unidade do mundo vivo. Esta passagem da fe amaz6nica a cilinci[l

ocidental 12 da nutri¢o cumula tiva a organiza<;ao diferencial, em surna, est"

t ransculturacao nao se da sem paradoxes. De urn lado, constatamos que a unlc~

clencia que, para Bernard, interpreta e explica as fen6menos da vida e EI . fisiologl •

ressa lvando, porern, a exist encia de alguns outros fen6menos que escaparn dt"

seu dornlnio e eonstituem urn conjunto de saberes futuros que ele proprio, Bernard.

nao afianca, mesmo que os intua, Trata-se, poi s, da questao gene tica ou da e tic

da producao e proliferacao que se resume em urn dos axiornas que, de Bernm d

a Deleuze, passando por Bergson, art icula cer ta tradi~ao francesa: " la vie c 'est I.creation".

Mas, de outro lado, porern, Claude Bernard tern uma concep .. ' a da

alimentacao e da inqestao de drogas que esta longe de ser apenas energetl er,0

que supoe urn reducionisrno qufmico de entradas e said as, mais ou m 'n

mecanicas, de substanclas estranhas ao individuo. Para Bernard. srn

compensacao, 0milieu interieur esta em constante transforma¢o; ele fornece 0

material s de constru¢o segundo urn pIano irnanente ao organisma, donde t C . x . . l d

inges tao, como a do curare, e , na verdade, s intese organica, no duplo senlido dl'

ser s!ntese de moh~culas org€micas 12 de ser sfntese dos orgdos ativos. 0 CUrt I!I '

criat;:ao org€mica segundo 0aforismo de que a vida e criac;ao. Entretanto, cornu

Page 4: ANTELO_ Raúl - PolÃticas canibais In Transgressão e modernidade

8/2/2019 ANTELO_ Raúl - Polà ticas canibais In Transgressão e modernidade

http://slidepdf.com/reader/full/antelo-raaol-polaticas-canibais-in-transgressao-e-modernidade 4/8

Page 5: ANTELO_ Raúl - PolÃticas canibais In Transgressão e modernidade

8/2/2019 ANTELO_ Raúl - Polà ticas canibais In Transgressão e modernidade

http://slidepdf.com/reader/full/antelo-raaol-polaticas-canibais-in-transgressao-e-modernidade 5/8

TflANSGRES~AO & MODERNIDADEPOLITICAS CANIBAIS : DO ANTrtOPOFAGICO AO ANTROI'OEMC I I '0

Nao seaprsende a verdede eterna do acon tecimento a nao serque 0aconteeirnento

se inscreva tambem na came; mas cada vez devemos duplicar esta efetuar;;ao

dolorosa por uma contra-efetuar;;ao que a llmita, a representa, a transfigura. Eprecise acompanhar-se a simesmo, primeiro para. sob reviver, mas inclusive quando

morremos. A contra-efetuacao nao , e nada, e a do bufao quando ela opera 56 a

pretende valer para 0 que teria podido acontecer. Mas Set a rnlmico do que acontece

e/e tl fJamente, dupl icar a efe tuar; ;ao com uma cont ra-efe tuacao, a ident iflcacao

com uma distancia, tal 0 ator verdadeiro au 0 dancarlno, e dar a verdade do

acontecimento a chanceunica de nao se confund ir com sua lnevt tavel efetuacao,

a fissura a chance de sobrevoer seu campo de superficie in corporal sem se deterna quebradura de cada corpoe a nos de irmos mals lange do que terfamos

acreditado poder , Tanto quanto 0 acontecimento puro se apr is iona para sempre

na sua efstuacao, a contra-efetuacao a l ibera sernpre para ou tras vezes.6

a passagem ao exterior, algo fora de si, estranho a, ele proprio que 0 ejudc i'

funcionar e 0mantenha vivo. As plantas absorvem luz e criam urn milieu !nterleur.

Os humanos investem energias, trocam fluidos, consomem e descarregam rnatertas

entre si. As sociedades expelem os inuteis e marginalizam as anti-soclals, eo

passe que assirnilam a forca de trabalho que e eficientemente acumulada e

alienada. A cultura, enfim, nao so integra habdos e praticas dlssfrnets; ala nao

cessa de prcduzi r valores heterogeneos, lndigestos e de ardua absorcao. E assirnque funciona a sociedade ocidental ; porern, nessa culture, 0valor-de-use fend

a contradicao entre valor (an tropofaqico) e u s a ( a nt ro p o em e ti co ) . 0' uso 1r an sg r: . ideo principia de conservacao que sustenta todo valor e produz urna fissura. Uma

vez usado, 0valor se perde e desaparece. 0' pos-mcderno, por aeaso, nao e c

valor-de-usc do modemo, simples indicacao de que ja houve a moderno, sinal

ambigua, portanto, de esgatamento de todo valor mas, simultanearnente,

imperativo de restauracao homogenefzadora? Helembremos Oscar Wilde:

"Religions die when they are proved to be true. Science is the record of dead

religions" .

Um texto brasileiro, escrito as vesperas da guerra, Tristes tropiques de

Claude Levi-Strauss, nos propos urn olhar distante, do exterior, capaz de dissacar

e analisar nosso sistema judiciario e penitenciilrio. Um sistema que, par sinal,

estava suspenso no palsja que 0Brasil vivia sob ditadura. Urn topico foucaultiano,

a prisao vista do exterior , emerge entao da condusao de Levi-St rauss:

realidade desbotada e informe a dlstancia,Dirfamos, entao, que em ambos os casas, 0de Bernard e 0de Freud, a

fissura e exemplar da perda do objeto , is to seja di to em todos os sent idos, porque

sendoextase, desbordamento e transqressao, e la e , ao mesmo tempo, abjec;ao

no continuo, silencio e morte. Nesse sentido, caberia dizer que as eeonomias

!ibidina[s aqui apontadas nos prop6em 0 objeto, a perda do obieto e a lei dessa

mesma perda, em urn processo concentrado de abalo e queda. Fissura: 0que

funda 0material. Fissura: 0que funda 0 imaterial.

Porern, a fissura nao e nada seem suas dobras ela nao compromete 0

corpo, Nao se apreende a verdade eterna do a.contecimento, nos diz Deleuze, a

nao ser que esse aeontedmento sa inscreva na propria carne,

Nao se pode, portanto, abandonar a pretensao de obter os efeitos da

flssun;~por outras vias, nao-quimicas, Es ta r famo s , a s si rn , reconquistando os dois

rnomentos, 0tempo virtual e 0presente endurecido, como um memento Singular,

c tempo da constelacao de sentidos proprio da ficr;ao.

A vanguarda, sabemos, sonhou outrora com tempos outros e julgou que

a maneira de precipita-los consistla em devora-los, "Ler Freud para entender a

feijoada. Danear 0 congo para responder a Kant" (Nicol au Sevcenko).

Antropofagia. Ja0cansaco conternporaneo vern tentanda nos persuadir de que

todaexperiencia, alem de imitil , e inocua. Antropoemia. Porem, e precise lembrarqua, para alern das ficC;6es pol l t icas , ha sujeitos que son-em em suas fissures e

que, nesse sentido, a abjer;ao antropoemetica nao pode, sern rnais, substituir a

transgressao antropofaqica. "That colonial fictions of the primitive have been

used for a t least a c e n t ur y tobooster the West's own self image isincontrovertible" ,

nos diz Marjorie Perloff. Eacrescenta: "But that we can now enter a utopia where

we approach 'primi tive ' cultures as 'full and valid alternatives' to our own is

perhaps an even more dangerous rnyth."7Portanto, mesmo sem as ilus6es

p<1SSadasde colonizar 0futuro, que podiamos compartilhar com Bernard, Freud

DU Oswald de Andrade, ca:rece observar que a antropofagia deve, atualmente,

nos Bocorrer a Hberta:r 0 antropoemetico de sua. propria. prisao especulaJ, Nao

'xlsle slst mEl aut'O-reg-ulado pure tliUi sociadades humanas. Todo sistema requer

on sera it tente d'opposer deux types de societas: cel les qui . pratiquant

l' an thropophagie, c 'est -e-d ire qui vo lent dans l 'absorpt ion de cer ta ins ind ividus

detenteurs de forces redou tables I eseul moyen de neut ra li ser cel les- cl , e t r n eme

de les rnettre a . profit; et celles qul, comme la not re , adop tent ce qu'on pourrelt

appeled'onthropoemle (du grec emein, vornirl; plaeees davant lernerne problema,

elles ont cholsi la solution inverse, consistant a expuJser CB S ·E!tr,esedoutables hers

du corps social en les tenant temporairement au definltivement [sales, sans contact

avec l 'humanl ta , dans des etabl is sements dest ines acat usage. A la plupart des

societes que nous appelons primitives, cette coutume inspirerait une horreur

profonde; ella nous marquerait a l eurs yeux de larneme barbarie que nous sarions

tantes de leur imputer en ra ison de leur s cou tumes symelriques.8

Apesar de a visao do autor desconstruir as pretensoes rneteffsicas, JacquesDerrida critica, entretanto, a alegoria pohtica de Levi-Strauss por desaguar, como

toda relac;ao etnogr6fica, mesmo aquela denunciada por Leins, em uma teleologia

e uma escatologia idealistas, quer dizer, no devaneio de uma presence plena

imediata capaz de deter a historia, isto e , uma parousia transparente e indivisa

que suprimisse de uma vez e para sempre toda contradicao e diferen~a.9

Simultaneamente a Levi-Strauss, cuja obra, em especial As e s tr nt ur a s

elementares do parentesco, e por sinal ,criticada par restringir 0debate cultural

sobre a linhagem patriarcal, O'swald de Andrdde arnplia as ideias defendldas em

seu "Manifesto antropofago" de 1928. Com efeito., em urn longo estudo

indevidamente 'sq,uecldo, "0 antrop6fago", ern clara sintonla com as idelilS do

Bi :l b .1 i ll e de La n nU on d 'ciepense, Osw !; Il c l d e Andrade discrlmlna, na cr6t11(~'1rh '

Page 6: ANTELO_ Raúl - PolÃticas canibais In Transgressão e modernidade

8/2/2019 ANTELO_ Raúl - Polà ticas canibais In Transgressão e modernidade

http://slidepdf.com/reader/full/antelo-raaol-polaticas-canibais-in-transgressao-e-modernidade 6/8

o prlmelro cornercio modemo fol 0de came hurnana, pois os venezianos nao se

pejaram emenviar, a troco de metal sonante, jovens escravas cris tas para os

harens de Srria e do Egito.Em seguida, trataram de negociar outro material multo

procurado e caro, isto e , madeira e ferro, com que osmaometanos forjariarn suas

arrnaa de guerra para dar combate aos adeptos de Cristo. Tradicao que, depoisde terproduzido a inviolabilidade das usinas Krupp e Clausot, na .PrimeiraGuerra

Mundlal, veio dar na curiosa aventura dos eXerdto5 chineses de Chang Kai-Chek

venderem sues arrnas americanasaos inimigos comunistas que contra eles sebaliam,n

n .0 d e Plli adu, qu • slr\8nlma de rea i [ fao) porque 'n a trad1lio p dem Ht·r

encontrados pon'toll ds refer@:nciae apolo para a progressd' , '12 ponte de

resistencla. trnnsfeiencia e transgressao, onde 0valor translta e setraasfcrrrta. A

ne9al;ao da memoria nao pode, contudo, che:ga.J ao ponto de subst ltu!r

romanticamente a memoria pela moria, a thela mania, a furor i llmi tado , Nega- .

a memoria camo fonte do costume, p ore m, a la e reivindtcada como mimes£ :! do

processo, memoria ativa de tal sorte, diriarnos, que todo texto que se entr ga

leitura anula a priori a verdade mas oferece em compensacao a chave de sua

reconstIUr;ao a posteriori. Caso contrario, adotando Indiferenciadamentequo/quer

ponte de vista, a leitura se confundlria com a mimese de seus efeltos, quer dlzer,

com a escolha, aparantemente livre e incondidonada, de urn por tl-prls pr~vio.

via de regra. , moral. au poli tico, que acabaria tornando 0 texta simples pretexto,

Urn taxtose aferece a laitura em sua fissura peculiar, em ouiras palavras, nao s6

d e s d e que se abra a devoracao mas tambern desde que se abandone ao acaso,

alem de tada possibilidade, a que fa z com que sua signatura (a rnarca de

propriedade daautor} encontre 0 antidota de uma contra-signatura (0conftscn

de uma fidel idade traicoei ra) que se coloca justament,€ contra a memoria como

fonte do sentido,

Como resume Geoffrey Benmington, "pour etre lu, un texte doit done

appeler Ie ledeur que se veut fidele a Ia pratique d'unecertalne infideli te , et Ie

lecteur, par fideli te a cet appel , dolt partir du texte qu 'i l veut pourtant li re la filCU)!,

possible, auquel ilveut rester tout proche. "13 Se retomamas a rnetafora a1imenl:m'

para. dar conta desse mecanlsmo, e clare que a texto que se entrega pratlca 0

devoracao ant ropofagica ao passo que a leltura Irrestrita, onde tude e POSS{VI ,I,

isto e , a leitura abjeta, ser ia, pelo contrar io, antropoemetica, Esta operar;ao,

cornbinada, em que urn texto tanto se oferece quanta se resiste a uma Opera!;BO

de leitura, postula, entre tanto, 0conceita paradoxa! de ruptura imanente. Rornpe

com a memoria como acumulo autorfterio dos valores instrumentals, porem,

relnscreve essa ruptura em urn espaco imanente, 0de uma axperiencla renovada

que irnplica a subjetividade na medida em que toea a carne do sujeito para

produzir-lhe 0 corpo, A antropofagia nao devora C01-pOS; ela produz corpos, Quem

devaracarne e 0canibalismo.Porern, para nao nos reclui rrnos em uma teleologia binarie, e necess6riu

prat icar antropoemia na propria ant rapofagia e destacar que a econornla do set,

em que ela sa asssnta, nao propos uma identidade coesa mas uma identldade

dobrada ou flssurada, 0"Tupy or not tupy" nao traduz a positividade de urn eu

sou mas a dupla negatividade de urn eu duvido. Essa nova dimensao paradoxel

inda alem da antropofagia pode ser chamada de canibaUsmo dnlco ..Colombo

falara de "hombres de un ojoe orros can hodcos de perro que com ian 1.0

hombres" , cic10pes e cmocefalos (dois motiv~s, alias, bern cervantinos, resgatavels

em D. Quixote e em El co/aquia de los perras, isto e , nas origens do romanc

mademo) motivos que .orase transmudam em operadores de dia logismo doleo,

Oswald de Andrade, consciente do evento revolucionarlo que estava provocando,

datani seu manifesto do "ano 374 da degluti~ao do Bispo Sardinha", prlmeiro

bispo do Brasil, devarado pelos caetes apos urn naufragio, tal com.o Hans StBd n.

I~ ocl£'(lcd[~:l,sl'jtun, 'IdSJ . .J r lmi l lw ls , colonialSall clvllimcills, ume ueone r n l a

r urn • xmomla do haver. Tom ndo dlsttlncia des preceltes Ubera!s e

L l 'm r ~ ;t lcos , n um mom n to d e a ha n~ a pol1tic~ entre liberalisme eestalinlsrno,

Oswald de Andrade deflne a . econornia do sari rnatr larcel , como eeoncrn la do

d C : I I T l , 'I 'rocade servi~os p r as ta do s p o r b an ef fc lo s r et rf bu ld os , d e esplrito "dadivoso,

rl sprevenido e mesrno prodigo, "10 A economia do ser pauta-se pelo axioma do

CKC(tSS.o de Santo Tomas de Aquino, Usus pecunioe ipsius, isto e , a eeonomla

assenta-se na despesa e o dlnhalre existe para nao ser capi ta lizado. Por outre

lado, a. aseandsnte 8, mais tarde, domlnante econornia patriarcai e patrimonial

de haver, a economia capitalista, poderia se aproprier do axioma de Erasmo,

Fecunlae obediunt omnia. Como num apologo brechtiano sabre a hlstoria dodlnheiro, e retomando as vinqancas de Shylock ou Titus Andronicus, Oswald de

Andrade e vo ca Q ue :

Oswald de Andrade enfat~ou esses do is modelos, a economia do ser e a

do hever, ern condensacoes poeticas singulares, Escandiu a verdade,

parorromaslcamente, dizendo que a literature nunca narra a que houve e sirn 0

que auve. Definiu a l iterature, portanto, como ant i-haver au contra-posse . .Seu

programa antropofaglco , al ias, cris ta lizou, precisamente , a economia do ser, a

do "Tupy or not tupy", atraves da aprcpriacaoe 0 avuneulado, lnstituicao

heredltaria defendida por sinal pel os fonnalistas russos e faci!mente reconhecfvel

na teoria da parodia e do passe t ransversa l.

Nesse sentida 0program a antropofaqico da vanguard a Iatino-arnerlcana

podena ser entendldo como plataforma economlmetrea ja que nos propos que a

obra (imitativa) original nao passa na verdade de uma imita¢o ou mimese do

precesso de produeao (economimesis), porern, nunca do produto aeabada. Sob

esse ponto de vista, a antrapofagia nos propos uma teoria da leitura e do texto,

poslclonada "contra a memoria fonte do costume". A . parlir dessa premissa, 0

sent ido define-5e como doar;ao. Urn texto nunca e a acumular;ao hereditaria de

valores; antes, pelo contrfuIo, urn texto e a demanda de uma "experienda pessoal

renovada", uma exper iencia de choque, uma Erfahrug. Em ultima anali se , urn

texto e a entrega a apera¢o de leitura.

Pot 'em, essa oferta esm.l .onge de ser total a irrestr ita e nao pode jamais ser

unl tarIa nem indiferente pelo simples mativo, nao so de que 0Todo nao pode ser

lido,. mas em funr;ao de que urn texta que se entrega sem restr ic;6es e , a rigor,

negi 've l . Como ex.perienda pessoal renovada, 0texto e demanda de t radic; :ao (e

Page 7: ANTELO_ Raúl - PolÃticas canibais In Transgressão e modernidade

8/2/2019 ANTELO_ Raúl - Polà ticas canibais In Transgressão e modernidade

http://slidepdf.com/reader/full/antelo-raaol-polaticas-canibais-in-transgressao-e-modernidade 7/8

I It I I NS (.1l I ~ \ A U & M 0 III If N III 1 \ I} I

Ou bien les Inegalites sedates entre les hommes sont codifies at entretenues par

les r ites, les coutumes et les lois, et alors les guerres sont en general l imitees ,

cour tolses et peu sanglantes, des sortes de jeux et de ceremonies; ou bien leshommes sont egaux en droits, itsparticipent egalement aux affaires publiquas et,

dans ce cas, lesguerres ont tendance a se transformer en choes illirnites, meurtrierset lrnplacablas.l+

s a urn pacta reallzam de fato urn eta de mem6rla.

o aconteeirnento cantbal e, assim, infinito porque, como des j di' l im

desejo, propoe uma ruptura lrnanente. Nessa imensa e trnamorlal cad I elf·

herancas, recebidas, negocladas e recusadas, cadeia essa Incorporad ou

denegada, mas articulada tambem it cena Ur-hist6rica de dcecao, del 9 t;<l0

denega!,;ao, aquilo que se pretendia afastar , a antropofagla, retorna, como

canibalismo cinico, porque a r igor nunca abandonou 0 lugar que ja ocupar

ao organizer uma teleologia capaz de resgata-lo, nosso saber constataepenes

indl ssoluvel alianca entre a proteofilia e a proteofobia, entre a pulsao de vld '-'pulsao de morte, entre a antropofagia e a antropoemia. Uma tal allanC;d

tndissoluvel entre apropriacao e expulsao designa, sem duvida, a dlfer m;

ontologica como luta permanente, porern, ultrapassa esse drculo postulendo

que 0elemento do mesmo, que e assim evocado como solo comum de todas

coisas diferentas ou Inautenticas, nelas compreendidas as que se opoem entre st ,

nunca e urna dimensao originaria, situada fora do ente, mas urn tra~o que lhe

apenso. Afinal de contas, quando Oswald de Andrade reivlndica que "a 'vlda

autentica' de Heidegger e a vida do antrop6fago que resiste no hornem v es ti de " .

nada mals faz do que traduzir, atreves do concei to de re-slstencia, a d!ferenf;'

ontol6gica heideggeriana de urn modo sernelhante ao que f a r ao Lacan com. 0

sujeito barrado ouDerrida com a difference.

Essa dissemlnacao nos permits postular, em resumo, uma pOI{tiCd d(1

progresso relat ivo: urn enigma de dois extremos , voltado tanto ao espaco s l' , tl (f

que define a arte como nome proprio, quanto ao espaco coqnitivo, que d ,'Sn ' ['

modemidade como aquele periodo regulado pela nocao de arte como nom'

proprio, alternativa essa que nos prende e surpreende, em toda sua ironln ,

fel icidade, como urn avatar desacredit ado, ou antes, tornado relativo .rn III'U

credito mdispensavel.

As r l co , co smopo l it a , itlnerante, 0 e a ru o eh sm o c fn lc o que a t e m er ge inaugura

es teorias radicals da all ena.;ao. Nao teme 0 Elm narn se submete a opinlao.

J. ) ssdenha acumula¢es. Nao quer ver-sa como coisa nem velorizar-se como

mercadoria. Pratica, enfim, um proto-niUIsmo e urn ultra-existencialismo radicals

por meto dos quais rechaca tanto os semblantes quanto os conteudos recalcados,

p 'r seguindo a emergencia recfproca, isto e , 0acontecer de uns nos outros ,

o canibalismo ctnico assume uma revolugao sociol6gica, acefalica, que

consista em fingir-se estranho a sociedade em que se vive, contemplando-a do

exterior como sefosse pela prime ira vez. Esse recurso, apatico e amnesico, naoenovo: fO i usado por Montesquieu nas Lettres persanes, parodiadas nas Cartas a slcamiabas de Marlo de Andrade (em Macunafma, 1928) e mul to antes por Swift,

em sua Mode st p ro po sa l f or p re uem in g t he chlldren o f I r el an d f rom b ei ng a burden

to thei r paren t s or country, parodiada par sua vez por Borges em EI informe de

Brodie (1970).

Guerra ecolcgica, ~erra econornica, guerra de linguagens, a antropofagia,

como v em o s, e st a indissoctavelmente Hgada a urn conflito que, para retomarmos

as palavras de Roger Caillois em B el lo ne a u 1 0 p en te d e 1 0 guerre (1962), oscilaria

entre duas posi~6es extrernas:

Emoutras palavras, s6 a primeira alternative, pautada POI: uma sodedade

de transmissao hierarquica, pedagogica, como a do seculo XIX, e deveras

antropofagica. A segunda, porern, nos instala naqullo que Deleuze val charnar a

sociedade de controle, urna cultura pos-disciplinar a, consequanternente, canibal,

Nao basta, portanto, postular urna falta const itut iva do ser nern revogar ,

atraves da nocao de repeticao diferente, toda referenda a uma origem originaria,

Trata-se pelo contrario de permanecer fiel it diferenca, porem, de reinscreve-la

como fissura const itut iva aos efeitos de uma etica pos-modema.> Em

consequencla, 0 evento ci a indusao do outre, a incorporacao da dlferenca nocircuito econ6mico das trocas, orienta-se segundo a reapropriacao de urn excesso

em rela~o ao sistema da necessidade natural e, ak~m do mais, de acordo com

um principio de equivalencla circular ou ambivalancia sirnbollca entre a

necessidade, dita natural, e 0trabalho ou producao cultural. Longe de configurar

urna nega¢o do sistema economtco, esse acontecimento desenha urna alienee

das eliancas por maio da qual as duas partes envolvidas se penhorarn e contraem

obrigaC;oes reciprocas. 0 acontecimento canibal se nos apresenta itprirneira vista,

como urn ato abjeto no qual nada resta do humane; porem, 0fato de nele na~

subslstir nada do humane nao quer dizer que inexista 0simb6lico: 0l imo, os

restos ou as cinzas testemunham, antes pelo contnirio, uma troca, assemelham-

NOTAS

1 LACLAU, Ernesto, Emancipaci6n y dijerencia. Buenos Aires: Ariel, 1996.

2SCHWARZ, Roberto. Que horos sao? Sao Pau lo: Companhia das Letras, 1987, p. 35.

3 _

RIBEMONT-DESSAIGNES, Georges. Civilisation. 391, Zurich, n.3,1 mars 1917, p. 2.

4 BERNARD, Claude. Etudes physiologiques sur quelques poisons america ins. Revue d d,'u

mendes, ano 34, n. 53, Paris, sept./oct. 1864, p. 186. Pierre Debray-Ritzen atr lbui £ .I rnd.·,

consequenclas ao cas amento d e Bernard, que 0 teria tornado amnesico em rela¢o a s dificuldnr!"tIeconomicas e 1 1 origem social provlnclana, dom qu e vem se sornar ao primeiro de Pelouze: umu

cole~o d e f le cha s t ra zi da s p o r Pelouz e de uma v iag em 11Amer ica. C f. DEBRAY·RITZEN. pjiO".

Claude Bernard ou un nouvel e t a ! de I 'humofne raison. Paris : Alb in Miche l, 1992, p, 38.

5 FREUD, Sigmund. Esc r l z os sobre r a cocafna. T r ad , E. Hegewlcz. Robert Byok. (Ed .1 . Barcel t lU

Anagrama, 1980, p . 92-93 .

6 ~

DELEllZE, Gil le s, L6g ica dosen tldo . Trad, LuizR. Salinas Forte s. Sao Pau lo : Perspec tive , 1974, Tl

164.

Page 8: ANTELO_ Raúl - PolÃticas canibais In Transgressão e modernidade

8/2/2019 ANTELO_ Raúl - Polà ticas canibais In Transgressão e modernidade

http://slidepdf.com/reader/full/antelo-raaol-polaticas-canibais-in-transgressao-e-modernidade 8/8