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    Revista Hmus - ISSN: 2236-4358 Set/Out/Nov/Dez 2013. N 9

    RACIONALIZAO E MODERNIDADE EM MAX WEBER

    Matus Ramos Cardoso1

    RESUMO: Max Weber analisa a realidade moderna e argumenta que aracionalizao existente nas sociedades modernas recebeu grande influncia datica Protestante. Contudo, a racionalizao perde suas bases religiosas, e passa aexistir dando s esferas da vida uma legalidade prpria, uma coerncia interna,sem depender dos postulados de cunho religioso. Assim, o ponto de chegada umahumanidade racionalizada, que busca se despojar dos deuses e demnios queoutrora habitavam a realidade, buscando agir sem qualquer resduo que venha deconcepes misteriosas e incalculveis.

    PALAVRAS-CHAVE:Max Weber. Racionalizao. tica Protestante.

    ABSTRACT: Max Weber analyzes the modern reality and argues that existingrationalization in modern societies was strongly influenced by Protestant Ethic.However, the rationalization loses its religious foundations, and shall be giving

    walks of life an own legality, internal coherence, without relying on the tenets of areligious nature. So the point of arrival is rationalized humanity that seeks to stripthe "gods and demons" who once lived reality, seeking to act without any wastethat comes from mysterious and incalculable conceptions.

    KEY-WORDS: Max Weber. Rationalization. Protestant Ethic.

    INTRODUO

    Segundo Max Weber a caracterstica fundamental da modernidadeocidental a racionalizao. Mas o que realmente seria a racionalizao, e mais

    ainda o processo de racionalizao? preciso rastrearnas obras de Weber onde,

    e de que maneira o autor alemo apresenta o acontecimento da racionalizao, e,

    assim, poder dizer o que ela significa. Max Weber sustenta que o processo de

    racionalizao uma tendncia de fundo que atua com mais rigidez nas sociedades

    1Bacharel em Filosofia Unifebe Ps-Graduado em tica e Filosofia Instituto Pro Minas - Ps-

    Graduado em Cincias da Religio pela Universidade Cndido Mendes,RJ. Professor de Filosofiana E.E.M Macrio Borba, Sombrio-SC. E-mail:[email protected]

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    ocidentais modernas. Para tanto, necessrio uma compreenso maior, no intuito

    de fornecer um panorama inicial desse processo. Com as religies se pde perceber

    a origem desse processo, o que possibilitou perceber que o movimento da

    racionalizao est em vrias culturas, mas com diferentes direes.

    O PROCESSO DE RACIONALIZAO

    Na obra A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo o pensador

    argumenta que no oriente existiu apenas um germe da racionalizao em

    contraposio ao ocidente. Vrios eram os campos em que lhes faltavam uma

    sistematizao enquanto embasamento racional. Assim, v-se que ... astronomiana Babilnia e nas outras civilizaes faltava - o que torna mais espantoso o seu

    desenvolvimento a fundamentao matemtica que lhe foi dada pela primeira

    vez pelos gregos. Faltava geometria da ndia a prova racional; foi este outro

    produto do intelecto grego tambm o responsvel da mecnica e da fsica.

    (WEBER, 2005, p. 7). E ainda: Maquiavel, certamente, teve precursores na ndia,

    porm em todas as teorias polticos indianas faltava um mtodo sistemtico

    comparvel ao de Aristteles inexistindo conceitos racionais. (WEBER, 2005, p.7). Assim, ele vai comparando as civilizaes:

    Havia, na China e pases islmicos, escolas superiores de todas asespcies, inclusive algumas superficialmente semelhantes snossas universidades ou, pelo menos, s nossas academias. Masum tratamento racional, sistemtico e especializado da cincia porespecialistas treinados, em um sentido que se aproximasse de seupapel de domnio na cultura contempornea, s existia noocidente. (WEBER, 2005, p. 8).

    exatamente atravs da comparao que ele busca compreender a

    peculiaridade especfica do racionalismo ocidental. vlido notar que ... a

    questo central da sociologia de Weber mostrar como se d o processo da

    racionalizao no ocidente (da qual o capitalismo a maior expresso), fato que

    no acontece no Oriente. (SELL, 2002, p. 118). Agora se pode lanar a questo

    fundamental para esta pesquisa: Por que l o desenvolvimento cientfico,

    artstico, poltico ou econmico no enveredou pelo mesmo caminho da

    racionalizao que peculiar ao ocidente?(WEBER, 2005, p. 13). Por que

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    apenas no ocidente moderno ns temos a vitria do racionalismo? (SELL, 2002,

    p. 118). Responder a tais questes significa entrar nas caractersticas especficas da

    tica protestante, e acima de tudo, fazer isto significa dar um passo a mais para

    clarificar o que ele queria dizer com racionalidade e processo de racionalizao e as

    suas direes. A direo tomada deste processo no mais tem ligao com a

    religio, e o intuito deste captulo de analisar como se d, na perspectiva

    weberiana, o ponto de chegada, a saber, um mundo racionalizado.

    RACIONALIZAO E MODERNIDADE

    Compreender a racionalizao tambm compreender o mundo moderno,segundo Weber, pois, para ele, existe uma relao entre ambos os aspectos, uma

    vez que os frutos da modernidade como o capitalismo, o estado, so

    racionalizados. Enfim, para este autor, a marca da modernidade a racionalizao.

    A partir daquilo que at aqui foi abordado e, como impulso para o restante da

    pesquisa, preciso ter em mente o que o autor alemo entende por racionalizao:

    Temos de lembrar-nos, antes de qualquer coisa, queracionalismo pode significar coisas bem diferentes. Significa umacoisa se pensarmos no tipo de racionalizao que o pensadorsistemtico realiza sobre a imagem do mundo: um domnio cadavez mais terico da realidade por meio de conceitos cada vez maisprecisos e abstratos. O racionalismo significa outra coisa sepensarmos na realizao metdica de fim, precisamente dado eprtico, por meio de um clculo cada vez mais preciso dos meiosadequados. Esses tipos de racionalismo so muitos diferentes,apesar do fato de que em ltima anlise esto inseparvelmentejuntos. (WEBER, 1982, p. 337).

    E ainda: Racional pode significar uma disposio sistemtica. Nessesentido os mtodos seguintes so racionais: mtodos de asceticismo mortificatrio

    ou mgico, de contemplao em suas formas mais coerentes... (WEBER, 1982, p.

    338). Ou seja, so formas de se definir a racionalizao. Assim, ela pode ser

    entendida como uma ao sistemtica e metdica como a ao do protestante no

    seu trabalho, quer dizer, tem-se um objetivo a alcanar e se age metodicamente

    para chegar a ele. Mas, no mundo estritamente racionalizado, com o ser humano

    capitalista e o poltico que h a demonstrao de como se d esse processo na

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    modernidade, sem que se recorra a qualquer base religiosa para suas aes, ou

    seja, h uma ... ausncia de toda metafsica religiosa e de quase todos os resduos

    de ligao religiosa... (WEBER, 1982, p. 337). E assim, a realidade moderna cada

    vez mais se racionaliza. neste sentido que esta pesquisa se direciona. Max Weber

    no entendia o conceito de racionalizao como um movimento pertencente a um

    progresso universal, como se a razo proporcionasse uma verdadeira justia,

    verdadeira virtude.

    As indicaes para isso j foram sinalizadas, mas, cabe aqui ressaltar, que

    ele no concebia a razo e especialmente a razo cientfica, de forma totalmente

    positiva, como uma libertao do ser humano no sentido de ser ela uma ltima

    etapa da evoluo humana. No era deste modo que ele via a racionalizao. Naverdade a sua preocupao est em analisar o mundo moderno, mostrando como a

    racionalizao ocorreu, sem ter a pretenso de dizer que a cultura moderna seja

    melhor do que a medieval, uma vez que sua busca est em apenas descrever esse

    processo, porque, sendo ele um partidrio da neutralidade axiolgica, sua posio

    no poderia ser outra. O pensador alemo busca apresentar como a conduta

    humana se tornou mais sistemtica, entendida tambm como uma dominao do

    mundo exterior. Acima de tudo, as formas de domnio da realidade, como a arte, apoltica, a moral, racionalizam-se. Cabe aqui apresentar de que forma isso

    acontece, mostrando a relao entre modernidade e racionalizao, e de que forma

    a racionalizao, que possui vrias dimenses, afeta o ocidente.

    PECULIARIDADE DO RACIONALISMO OCIDENTAL

    A racionalizao pode ser entendida como a ao do ser humano que se

    torna racionalizada, uma vez que este pode fazer uso dos meios tcnicos da cincia

    para realizar suas aes, e sua ao se torna efetiva, uma vez que ele racionaliza

    seus prprios passos, usando dos meios tcnicos que tem a disposio, como a

    estatstica, a probabilidade, etc. O ser humano ocidental pode decidir sobre os

    meios mais adequados para calcular os efeitos colaterais, bem como as

    repercusses de sua ao, tudo racionalmente. Assim, a vida se torna

    racionalizada, e da mesma forma as dimenses da vida, o que singulariza a

    civilizao ocidental.

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    Contudo, a racionalizao s se torna uma caracterstica definitiva da ao

    num mundo moderno, na medida em que se incorpora s instituies e

    interpretaes culturais e as estruturas da personalidade. Esta ltima est

    registrada na passagem do protestante ao capitalista. Enquanto um agia sob o

    manto das ordens divinas, com seu trabalho organizado racionalmente, o outro age

    sem qualquer base religiosa, restando somente a racionalizao do trabalho, assim

    ocorre com o ser humano poltico, e com as esferas da vida, por exemplo. Portanto,

    o termo racionalizao utilizado para se designar o processo atravs do qual

    acontece essa incorporao. A inteno aqui comear essa anlise pelo modo

    como a racionalizao se incorporou cultura.

    RACIONALIZAO DA CULTURA

    Weber descreve como a racionalizao penetrou na cultura atravs das

    esferas de valor. Tais esferas, racionalizadas, caracterizam-se por serem

    autnomas, no dependendo mais de fundamentos religiosos, uma vez que cada

    esfera concebida diferenciadamente uma da outra: Cada esfera de valor, ao se

    racionalizar, se justifica por si mesma: encontra em si sua prpria lgica interna uma legalidade prpria... (PIERUCCI, 2003, p.138). No mais existe uma

    hegemonia religiosa, uma vez que em muitos momentos da histria ela foi

    promotora de cultura, de forma exclusiva, o que h uma fragmentao da

    realidade: A diviso tornou-se habitualmente mais ampla na medida em que os

    valores do mundo foram racionalizados e sublimados em termos de suas prprias

    leis. (WEBER, 1982, p. 379). Mas, no somente isso. Quanto mais estas esferas se

    autonomizam, mais elas entram em conflito com a esfera religiosa.

    Assim, cada esfera de valor passa a se emancipar, fragmentando a viso

    unitria to cara viso de mundo metafsico-religiosa, acontecendo um processo

    de auto-reflexo onde cada esfera de valor progride com base em princpios que

    lhe so peculiares. Ocorre, ento, ... uma diferenciao das esferas de valor

    cognitivo, prtico e esttico. (INGRAM, 1993, p.69). E a anlise dessas esferas o

    alvo da pesquisa a ser feita agora.

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    A ESFERA INTELECTUAL

    O conhecimento racional segue suas normas autnomas, que nada tem a

    ver com os postulados de uma tica religiosa, mesmo que esta busque ser uma

    tica racional, ou seja, ser metodicamente racional. A legalidade interna desta

    esfera entra em tenso com a esfera religiosa na medida em que esta ltima atribui

    realidade um sentido unitrio; e a esfera cognitiva, independente, postula-se

    como a nica que pode oferecer uma viso de mundo, e uma viso racional: No

    obstante, ela, em nome da integridade intelectual, arrogou-se a representao da

    nica forma possvel de uma viso racional do mundo. (WEBER, 1982, p. 406).

    Segundo Weber, com a intelectualizao se busca, atravs da posse decultura, dominar cada vez mais a realidade de forma terica. E a cincia, como

    grande expresso da esfera intelectual, o exemplo disso. Ela, tornando-se

    autnoma, livra-se dos laos que a prendiam religio, o que fez com o que o saber

    cientfico pudesse dominar com mais fora e de forma mais organizada e

    sistemtica os processos empricos, o que leva a uma objetivao da natureza, na

    tentativa de explicar a realidade de forma racional. Portanto, a esfera cognitiva se

    diferencia: O poder de explicao da cincia apenas a manifestao maisbrilhante da especializao e da diferenciao racional. (INGRAM, 1993, p. 73).

    Com isso, o que se pode perceber o efeito liberatrio realizado pela

    racionalizao, sendo que os cientistas, e todo tipo de pesquisador esto livres para

    trabalharem nos seus campos de trabalho sem que haja sobre eles o peso das

    limitaes apresentadas pela religio. A cincia se amplia, bem como a capacidade

    de dominao instrumental dos processos naturais, o que possibilita a esta esfera

    tornar a natureza cada vez mais suscetvel de inmeras experimentaes.

    A ESFERA NORMATIVA

    Weber identifica o processo de racionalizao que tambm se manifesta

    na esfera moral. Seguindo, num certo sentido a mesma linha do tpico anterior, h

    uma separao das idias morais e princpios das idias morais e princpios

    religiosos, quer dizer, h uma independncia dos valores decorrentes da tradio

    religiosa, caracterizando-se em uma tica formalista. Ocorre que tal movimento

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    leva a uma conscincia moral centrada no eu, e o exemplo disso a moral de

    responsabilidade, no qual o indivduo deve antes se questionar acerca das

    conseqncias das aes e decises que pretende tomar:

    A tica de responsabilidade (Verantwortungsethik) aquela que ohomem de ao no pode deixar de adotar; ela ordena a se situarnuma situao, a prever as conseqncias de suas possveisdecises e a procurar introduzir na trama dos acontecimentos umato que atingir certos resultados ou desejar certas conseqnciasque desejamos. A tica de responsabilidade interpreta a ao emtermos de meios-fins. (ARON, 2002, p. 765).

    A natureza dessa tica est em buscar uma eficcia, definindo-se pela

    escolha dos meios adaptados aos objetivos. A moral de responsabilidade entra emconflito com a tica de convico, pois esta ltima diz que o individuo deve

    permanecer fiel s suas concepes e valores, independente das conseqncias

    prticas que isso possa ter, buscando ... simplesmente agir de acordo com sua

    conscincia... (ARON, 2002, p.768). Para tanto, Weber exemplifica com a

    imagem do pacifista absoluto (moral de convico) e com a imagem do sindicalista

    revolucionrio (moral de responsabilidade). Diante de uma situao de guerra, o

    pacifista convicto, recusa-se a portar armas e a ter de matar algum, pois age tendoem vista as regras do evangelho, cumprindo, assim, o seu dever. Tal recusa aos

    olhos do sindicalista revolucionrio ineficiente, uma vez que aquele que segue a

    moral de convico no segue outra voz que no seja a da sua conscincia, sem ter

    a pretenso de mudar uma realidade. Todavia, sua pretenso ser fiel sua

    convico. Contudo, no se pode negar que a moral de responsabilidade se inspire

    em convices, mesmo que se direcione, acima de tudo, para uma eficcia da ao.

    Assim, com a moral de responsabilidade se demonstra que esta esfera se

    torna cada vez mais independente. Pois, antes a moral estava ligada a uma moral

    de carter interior da comunidade religiosa. Contudo, quando racionalizada essa

    esfera, ela surge no mais restrita a uma comunidade religiosa e suas doutrinas.

    Aqui ela absorvida pelo individuo, permitindo a conduo racional da vida, como

    por exemplo, a do capitalista, pois, ele age no mais sob a orientao tica de um

    Deus carregado de valores morais, mas age puramente de forma racional, de forma

    metdica no trabalho, sem uma tica protestante, restando apenas o esprito do

    capitalismo.

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    A ESFERA ESTTICA

    Tambm aqui o ponto de partida foi concepo religiosa, uma vez que

    havia uma relao muito ntima entre religio e esttica:

    ... a religio tem sido fonte inesgotvel de oportunidades de criaoartstica, de um lado, e de estilizao pela tradio, do outro. Issose evidencia em vrios objetos e processos: dolos, cones e outrosartefatos religiosos; (...) nos templos e igrejas, como as maiores detodas as edificaes, com sua tarefa arquitetnica estereotipada.(WEBER, 1982, p. 390).

    Contudo, a arte experimenta o processo de racionalizao adquirindo uma

    coerncia interna que a torna autnoma em relao ao mundo religioso. As artes

    plsticas, a msica, institucionalizam-se, libertando-se dos elementos religiosos, a

    esfera esttica adquire conscincia de sua especificidade como atividade humana.

    Nessas condies, a arte torna-se um cosmo de valoresindependentes, percebidos de forma cada vez mais consciente, queexistem por si mesmos. A arte assume uma funo de salvaoneste mundo, no importa como isso possa ser interpretado.Proporciona uma salvao das rotinas da vida cotidiana, e

    especialmente das crescentes presses do racionalismo terico eprtico. (WEBER, 1982, p. 391).

    Aqui, o pensador alemo percebe a racionalizao da esfera esttica a tal

    ponto que a msica, expresso importante da arte, quase se equivale religio,

    oferecendo uma espcie de salvao, sendo que ela oferece uma sada s presses

    cotidianas, especialmente s pertencentes a modernidade.

    Toda vez que as esferas se autonomizam, elas entram em conflito com as

    esferas religiosas, e a arte uma boa demonstrao disso. Porque, tendo ela ointuito de possuir uma funo redentora, ela entra em tenso diretamente com a

    religio, uma vez que comea a competir com ela. E a tica religiosa, quando entra

    neste tipo de conflito, volta-se contra esse tipo de salvao oferecida pela msica,

    que aos olhos da religio uma salvao mundana. Uma vez que o mundo, como

    bem lembra a tica protestante, o local do pecado, e, portanto, deve-se

    transform-lo, de modo algum poderia oferecer por si uma salvao, porque quem

    a oferece um Deus-supramundano. E toda vez que h uma acentuao desta

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    viso de Deus fora do mundo, muito mais a viso religiosa negativa em relao

    arte: Quanto mais a religio ressaltou a supramundanidade de seu Deus, ou a

    ultramundanidade da salvao, tanto mais duramente foi rejeitada a arte.

    (WEBER, 1982, p. 393). E ainda: A arte torna-se uma idolatria, uma fora

    concorrente, e um embelezamento enganoso; e as imagens e a alegoria dos

    assuntos religiosos surgem com blasfmia. (WEBER, 1982, p. 392). A arte, aos

    olhos da religio, de modo algum poderia chegar a oferecer uma salvao, mas,

    quando ela sofre o processo de racionalizao, a isso que ela se prope.

    RACIONALIZAO DA ECONOMIA

    A racionalizao social vista por Weber como a especificao da

    economia capitalista, possuindo um carter somente encontrado somente no

    ocidente:

    Uma economia racional uma organizao funcional orientadapara os preos monetrios que se originam de interesses doshomens no mercado. O clculo no possvel sem a estimativa depreos em dinheiro e, da, sem lutas no mercado. O dinheiro o

    elemento mais abstrato e impessoal que existe na vida humana.(WEBER, 1982, p. 379).

    Ocorre que, como uma das principais caractersticas dessa direo que a

    racionalizao toma, dizendo respeito ao fato de que, quanto mais a economia

    capitalista regida por leis prprias, independentes de qualquer base tica

    religiosa, mais se afasta da esfera religiosa. E isso ocorre, acima de tudo, quanto

    mais se racionaliza a economia, e uma das faces desse processo na economia o

    carter impessoal que prprio do capitalismo, sendo que o dinheiro o grande

    elemento abstrato e impessoal. H, portanto, uma nova organizao na economia,

    sendo que no capitalismo moderno ocorre o ajustamento dos lucros ao

    investimento, e isso realizado com base nas operaes racionais do clculo, que

    de fato muito importante, porque ele a base para as transaes comerciais das

    empresas capitalistas com seus sistemas financeiros.

    Para Max Weber, o capitalismo a realizao da satisfao das

    necessidades de um grupo humano, ou de vrios grupos humanos, onde tal

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    satisfao tem carter lucrativo, que realizado atravs de empresas. Embora

    existissem incios do capitalismo em diversos perodos da histria, somente no

    ocidente que h ... a satisfao das necessidades cotidianas, baseada em tcnicas

    capitalista... (WEBER, 1974, p. 126). Acima de tudo, a tcnica capitalista que

    demonstra uma economia racionalizada a contabilidade racional, ou seja, tudo

    contabilizvel ao mximo, e isso significa dizer tambm que tudo mecanizado,

    tudo se contabiliza no intuito de possuir uma efetividade, aproximando-se assim,

    do rendimento de uma mquina. Da dizer tudo mecanizado.

    A grande caracterstica dessa esfera, ao sofrer a racionalizao, a de

    existir uma organizao racional do trabalho, que pode ser entendida como

    burocracia racional, uma diviso racional dos trabalhos de modo a torn-los maiseficazes. Eis o que faltava em outros perodos da histria. Pois, o clculo, elemento

    importante a essa esfera, possibilita o funcionamento da economia onde se possa

    calcular racionalmente com normas fixas e gerais, com exatido: verdade que

    um dos princpios da tcnica racional consiste em se obter maior eficcia possvel

    com menos meios. (FREUND, 1987, p. 119). Mas, a questo da tcnica s se

    relaciona com a economia quando se levanta a questo da raridade e do custo, por

    exemplo, quando se pergunta se haveria a possibilidade de se obter platina emquantidade suficiente, e se haver meios financeiros para pagar tal investimento. A

    natureza da burocracia, como caracterstica do capitalismo, possui um elemento j

    mencionado, a saber, a impessoalidade, mas, que precisa ser aprofundado, uma

    vez que na economia racionalizada existe a exigncia da calculabilidade de

    resultados. Contudo, para seguir essas regras calculveis, existem implicaes,

    pois, quanto mais tais regras calculveis ganham espao na modernidade, menos

    h espao para as dimenses pessoais do ser humano, caracterizando para Max

    Weber, como uma especificidade da burocracia de tipo racional:

    Sua natureza especfica, bem recebida pelo capitalismo,desenvolve-se mais perfeitamente na medida em que a

    burocracia desumanizada, na medida em que consegueeliminar dos negcios oficiais o amor, o dio, e todos oselementos pessoais, irracionais e emocionais que fogem aoclculo. essa a natureza especfica da burocracia, louvadacomo sua virtude especial. (WEBER, 1982, p. 251).

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    Isso ocorre sempre mais quanto mais a cultura moderna caminha para

    uma especializao, o que leva a possuir, na sua estrutura, a existncia de um

    perito, que por sua vez, seja despersonalizado e rigorosamente objetivo,

    substituindo o carter das velhas organizaes pessoais, que eram carregadas de

    preferncias pessoais, como gratido, graa, pelo carter objetivo das tarefas: O

    cumprimento objetivo das tarefas significa, primordialmente, um cumprimento

    de tarefas segundo regras calculveis e sem relao com pessoas. (WEBER,

    1982, p. 250).

    Outra caracterstica importante numa economia racionalizada a

    liberdade de mercado e a liberdade de trabalho. A primeira diz respeito ao fato de

    que os indivduos que vendem seus produtos o faam sem que exista qualquer tipode restries, o que seria considerado uma ... irracional limitao do comrcio...

    (WEBER, 1974, p. 126). Aliam-se a essas caractersticas, a propriedade autnoma

    das empresas, possuindo terrenos, aparelhos, mquinas, etc. Outro ponto nodal do

    capitalismo racional o desejo do lucro, no em si, uma vez que tal desejo sempre

    esteve presente em outras culturas, segundo Weber, mas a grande caracterstica do

    capitalismo, na modernidade, est na forma como ele foi buscado, a saber,

    racionalmente.A nsia do lucro ocorre nas empresas capitalistas que possuem estruturas

    racionais, sendo que elas pretendem eliminar todo obstculo para a busca do lucro,

    no existindo nem mesmo barreiras de cunho religioso, como questes ticas. Pois,

    o clculo penetra at mesmo nas relaes da comunidade familiar, onde tudo se

    calcula, eliminando qualquer possibilidade de se viver num regime comunista, e

    isso significa dizer mais uma vez no existir limitao para o lucro: O resultado

    a economia regulada com um determinado campo de ao para o af do lucro.

    (WEBER, 1974, p. 172). Mais uma vez pode se usar o exemplo do protestantismo.

    A diferena que, nas empresas modernas, o capitalismo tem sua base religiosa

    eliminada, ou seja, A raiz religiosa do homem moderno extingui-se. (WEBER,

    1974, p. 179). Nessa economia no h mais qualquer resduo de sentimento

    religioso, o que marca para Weber o fim de um capitalismo racional moderno sob-

    bases religiosas:

    A tica econmica nasceu do ideal asctico; todavia, perdeu osentido religioso. Foi possvel que a classe trabalhadora tivesse se

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    conformado com a sua sorte, enquanto se pde prometer-lhe abem-aventurana eterna. Mas, uma vez desaparecida apossibilidade deste consolo, tinham que se revelar os contrastesregistrados numa sociedade que como a nossa se acha em plenocrescimento. Com isso, atinge-se o fim do protocapitalismo e seinicia a era de ferro do sculo XIX. (WEBER, 1974, p.180).

    O ESTADO RACIONAL

    Quando Weber fala sobre o estado, ele d mais uma demonstrao da

    singularizao ocidental, pois, o estado racional surge somente no ocidente. A

    racionalidade instaurada no mundo moderno no mbito do estado, tem como

    elemento fundamental a sua organizao num sistema tributrio centralizado, no

    monoplio da legislao e da violncia, e, acima de tudo, numa administrao

    burocrtica racional. Esta ltima constituindo uma base forte do estado moderno

    se caracteriza por possuir funcionrios especializados que realizam as atividades

    inerentes a ordem estatal, uma vez que o funcionalismo se torna uma fora de

    trabalho profissional e com um grande nvel de especializao, e eles possuem

    importantes funes mediante a exigncia da vida social. Mas, antes, preciso

    ampliar um pouco mais o significado da burocracia racional.

    A burocracia est para se referir a maneira de como se organiza, por

    exemplo, o estado. A burocracia racional implica na existncia de servios

    definidos, que so determinados por leis, e tais servios so divididos de forma

    ntida, assim como so os poderes de deciso que servem para a execuo das

    tarefas pertencentes exigncia do estado. Para a realizao de tais funes h

    uma hierarquia, uma estruturao em servios de instncia superior e inferior.

    Todavia, nenhum daqueles que seja um funcionrio, tem a possibilidade de ser

    dono de seu cargo. E cada qual remunerado atravs de um salrio fixo. Mais umavez se pode fazer meno da imagem da mquina, uma vez que a burocracia

    racional busca possuir efetividade nas organizaes, bem como velocidade, clareza,

    preciso, o que leva a uma superao em comparao com outras formas de

    organizao:

    A razo decisiva para o progresso da organizao burocrtica foisempre a superioridade puramente tcnica sobre qualquer outra

    forma de organizao. O mecanismo burocrtico plenamente

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    desenvolvido compara-se s outras organizaes exatamente damesma forma pela qual a mquina se compara aos modos no-mecnicos de produo. (WEBER, 1982, p. 249).

    Toda essa caracterizao vale somente ao estado moderno, uma vez que ofenmeno da burocracia, presente em outras pocas no tinha a mesma preciso

    na organizao. Todavia, importante salientar que toda essa organizao

    racionalmente erigida, no tem outra funo que no seja a de estar a servio do

    estado, o que consequentemente leva ao atrito com a esfera religiosa. O estado

    cada vez mais entra em tenso com a esfera religiosa, quanto mais ele se

    racionaliza, e a conseqncia da racionalizao do estado que sempre mais se

    afaste da esfera religiosa, pois, as aes polticas do estado, as aes no mbito dajustia e administrao, tm por base unicamente as razes do estado:

    O Sermo da Montanha diz: No resista ao mal. Em oposio, oEstado declara: Deves ajudar o direito a triunfar pelo uso dafora, pois se assim no for tambm sers responsvel pelainjustia. Quando tal fator est ausente, o Estado tambm estausente; o anarquismo do pacifista ter nascido ento. Segundoesse pragmatismo inevitvel de toda ao, a fra e a ameaa defra alimentam necessariamente mais fra. As razes deEstado seguem, assim, suas prprias leis internas e externas.(WEBER, 1982, p. 383).

    Porque, acima de tudo, O fim absoluto do Estado salvaguardar (ou

    modificar) a distribuio externa e interna de poder; em ltima anlise, essa

    finalidade deve parecer insensata a qualquer religio universalista de salvao.

    (WEBER, 1982, p. 383). Outra consequncia desse processo de racionalizao no

    estado a despersonalizao, pois o homem poltico2, assim como o capitalista, age

    de maneira objetiva, sem que haja uma preocupao subjetiva. A aplicao de uma

    lei, por exemplo, dar-se-ia sem estar carregada de sentimentos como dio ou amor,

    pois, o que importa que se sigam as regras racionais do estado, como, por

    exemplo, regras de uma burocracia racional. A despersonalizao ocorre tambm

    por causa da especializao burocrtica, pois ela exige que cada funcionrio

    cumpra uma funo especializada, tendo um ofcio que o separa da vida familiar,

    2 Segundo Weber, poltica o conjunto de esforos que so realizados na tentativa de possuirparticipao no poder ou at mesmo influenciar a diviso do poder, e isso pode ocorrer entre

    Estados ou no dentro do mbito de um nico estado. Para um maior aprofundamento ver Cinciae Poltica, duas vocaes. 1967-1968.

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    ou seja, da sua personalidade. Assim, cada indivduo, portando conhecimento da

    lei e das suas atribuies, deveria seguir uma regulamentao que estrita e

    impessoal.

    Weber descreve o estado racional com mais nfase quando fala do

    monoplio da violncia. Para ele, O estado uma associao que pretende o

    monoplio do uso legtimo da violncia, e no pode ser definido de outra forma.

    (WEBER, 1982, p. 383). Seria vlido para o estado, fazer uso da violncia se por

    ventura enfrentasse inimigos externos ou internos, uma vez que a violncia fsica

    para Weber o meio especfico do estado moderno.

    Para o pensador alemo, a violncia fsica foi um meio normal do poder,

    presente em todas as pocas. Contudo, no estado moderno h a reivindicao, porparte do estado, do monoplio da violncia de forma legtima. Para Weber, isso

    caracteriza o estado moderno de forma singular. No se concede a todos o direito

    de recorrer violncia, pois, ela monoplio do estado, a no ser que o estado

    permita. Na tica weberiana, o estado tambm pode ser entendido como uma

    associao poltica de seres humanos, que possuem expectativas de que os

    associados ajam segundo os regulamentos, o que leva a perceber mais uma vez o

    tema da despersonalizao. A associao estatal possui, ento, um regulamentoracional, que se caracteriza por prever meios adequados para a realizao dos fins

    a que se prope. Porm, antes de se analisar essa regulamentao preciso antes

    ressaltar o conceito de dominao devido a sua importncia para a continuao da

    compreenso do assunto aqui tratado. Para Weber essas regulamentaes, tais

    estatutos, so impostos por grupos, e para ele todo poder de imposio se baseia

    numa capacidade de influncia especfica, conhecida como dominao. Trs so os

    tipos de dominao: a dominao tradicional, a dominao carismtica e a

    dominao legal. A dominao tradicional se caracteriza por legitimar as aes, as

    ordens, na tradio, no costume. uma dominao exercida em nome da tradio.

    Aqui no h uma associao, como no estado racional moderno, mas h indivduos

    que so companheiros ou sditos de um senhor que possui o poder. Na dominao

    tradicional, a autoridade no est nas mos de um superior, escolhido pelos

    habitantes do pas, mas est ligado a um homem que chamado ao poder em

    virtude de um costume, que pode ser a primogenitura, o mais antigo de uma

    famlia, etc:

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    A dominao tradicional a que existe em virtude de crena nasantidade das ordenaes e dos poderes senhorais de h muitotempo existentes (...) Obedece-se pessoa em virtude de sua

    dignidade prpria, santificada pela tradio: por fidelidade. Ocontedo das ordens est fixado pela tradio... (WEBER, 1995, p.351).

    O carter desse tipo de dominao est baseado ... na crena cotidiana

    (...) das tradies vigentes desde sempre e na legitimidade daqueles que, em

    virtude dessas tradies, representam a autoridade. (WEBER, 1994, p.141). Aqui

    no h uma obedincia a uma ordem legal instituda, mas sim a uma pessoa que

    foi delegada pela tradio. Assim, seguem-se as ordens mediante a tradio ou a

    vontade do soberano em interpretar a tradio. A dominao carismtica se

    constitui por encontrar legitimidade na pessoa portadora de carisma, ou seja,

    obedece-se aquele que possui uma qualidade extraordinria. Assim, a dominao

    carismtica constitui um tipo excepcional de poderio, pelo qual uma pessoa que

    parece dar provas de um poder sobrenatural, sobre-humano, exemplar, ou fora do

    comum, rene em torno de si discpulos ou partidrios. Essa dominao existe ...

    em virtude de devoo efetiva pessoa do senhor e seus dotes sobrenaturais

    (carisma) e, particularmente, a faculdades mgicas, revelaes ou herosmo, poder

    intelectual ou de oratria; o sempre novo, o extracotidiano... (WEBER, 1995, p.

    354). O dominador carismtico simplesmente cria ou anuncia novos

    mandamentos, baseando-se na revelao ou por sua vontade de organizao.

    Porm, na dominao legal que se encontra mais uma novidade do mundo

    moderno, racionalizado. Essa dominao encontra sua legitimidade em

    regulamentos que so estabelecidos de forma racional, na inteno de serem essas

    leis respeitadas pelos membros do estado:

    Obedece-se pessoa no em virtude do seu direito prprio, mas regra estatuda, que estabelece ao mesmo tempo quem e em quemedida se deve obedecer. Aquele que manda tambm obedece auma regra no momento em que emite uma ordem: obedece leiou a um regulamento de uma norma formalmente abstrata.(WEBER, 1995, p. 350).

    O direito racional demonstra isso, uma vez que ele que orienta os

    comportamentos e possibilita a fundamentao da obedincia. O direito na

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    modernidade um conjunto de regras abstratas para serem aplicadas a casos

    concretos. H o objetivo de zelar pelos interesses da associao, de forma racional,

    ou seja, sempre dentro dos limites da lei e no a partir da vontade de um soberano,

    uma vez que at mesmo ele precisa obedecer a lei prpria do estado. O que se tem,

    ento, um afastamento dos velhos processos de julgamentos, que se

    caracterizavam pelo seu relacionamento com a tradio ou com pressupostos

    irracionais. Mas, preciso ainda lembrar que os processos da aplicao das leis era

    preciso estar nas mos de peritos, que fossem racionalmente treinados, o que

    significava uma especializao nas universidades, aprofundando-se no Direito

    Romano, fundamento do direito racional moderno. Pode-se, portanto, resumir o

    que Max Weber entende por estado, uma ... entidade polt ica, com umaconstituio racionalmente redigida, um direito racionalmente ordenado e uma

    administrao orientada por regras racionais ou as leis, tudo administrado por

    funcionrios treinados. (WEBER, 2005, p. 9).Com isso, pode se perceber que, se

    por um lado o ser humano, atravs de um esforo racional, buscou se libertar dos

    deuses e demnios que antes pairavam na sociedade, por outro lado, ele fica

    preso numa obra de suas prprias mos, obra que no requer qualquer interveno

    divina, fica preso nas rgidas e impessoais instituies do seu mundoracionalizado.

    A GUERRA DOS DEUSES

    O ponto de chegada da humanidade , portanto, um mundo

    desencantado, e acima de tudo racionalizado. Racionalizao que se estende a

    todos os campos possveis da vida, onde cada esfera passa a ser autnoma.

    Contudo, para Weber, essas mesmas esferas ... esto em conflito inconcilivel

    entre si. (WEBER, 1982, p. 174). E no somente em conflito com a esfera religiosa.

    Cada esfera passa a se defender a partir de princpios prprios, possuindo valores e

    interesses que irreversivelmente geram conflito entre as esferas de valor. E o que

    h um confronto de valores mltiplos e fins ltimos, regado pela impossibilidade

    de superao de um antagonismo de valores. Da o pensador alemo usar a

    imagem da cultura helnica para falar do politesmo de valores:

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    Vivemos como os antigos, quando o seu mundo ainda no haviasido desencantado de seus deuses e demnios, e apenas vivemosnum sentido diferente. Tal como o homem helnico por vezes faziasacrifcios a Afrodite e outras vezes a Apolo e, acima de tudo, comotodos faziam sacrifcios aos deuses da cidade, assim fazemos ns,ainda hoje, tendo apenas a atitude do homem sido desencantada edespida de sua plasticidade mstica, mas interiormente autntica.(WEBER, 1982, p. 175).

    Politesmo de valores uma metfora que Weber usa para se referir

    cultura moderna, fazendo referencia cultura antiga. Portanto, assim como na

    antiguidade se oferecia sacrifcios aos deuses, na modernidade se busca servir aos

    valores pertencentes a cada esfera, cada qual buscando servir a justia, a

    igualdade, o amor, etc. Com isso se pode conceber a esfera domstica, a artstica, aeconmica, a poltica, sem qualquer dependncia das fundamentaes de valores

    religiosos. Porm, diante da escolha de um valor, tem-se a possibilidade de excluir

    outros. E aqui Max Weber se distancia de Marx quando este ltimo supe o

    comunismo como um ponto de chegada, como uma unificao da realidade. O que

    h para Weber uma fragmentao da realidade. O ponto de chegada para ele no

    uma conciliao das diferentes esferas, ao contrrio, o que h uma eterna

    guerra entre elas. Uma vez que, por exemplo, escolher os postulados da poltica

    moderna, no qual o estado usa da violncia para se defender, conflita com a tica

    do sermo da montanha que chama de bem aventurados os pacificadores. O

    indivduo est livre para escolher entre a cincia ou a f, a verdade controlvel ou a

    verdade revelada. Todavia, tudo o que faz no pode escapar de um insupervel

    conflito. E o mesmo acontece em todas as ordens da vida. (WEBER, 1982, p.

    175). Os conflitos de valor se mostram tambm nas diferenas culturais, uma vez

    que a questo de saber sobre a superioridade da cultura francesa, sobre a alem

    no poderia nunca chegar a uma resposta conclusivamente conciliadora. Aqui

    tambm os deuses, cada qual no seu campo de ataque, estariam travando sua

    guerra. E a cincia, que na modernidade se arroga ser a nica possvel de postular

    uma imagem de mundo, diante disso tudo, nada pode fazer. O que h uma tenso

    entre os valores deste mundo, o que leva a viver num permanente estado de

    guerra. Nessa guerra politesta, onde as ordens de vida so conflitantes e

    inconciliveis, Weber diz existir deuses intramundanos, enfim, deuses

    desencantados, que se apresentam sob a forma de valores deste mundo, ou seja, os

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    valores mundanos se apresentam como deuses que lutam entre si. O que resta, na

    modernidade, um politesmo de valores, uma multiplicidade de crenas em

    mltiplos valores, onde o indivduo pode compreender o que cada esfera de valor

    significa e fazer a sua escolha. Cabe a cada um escolher seu Deus e seu demnio.

    CONCLUSO

    Esta pequena pesquisa, cujo objetivo era o de aprofundar a reflexo que

    Max Weber faz acerca da racionalizao, chega ao fim. Para tanto, foi necessrio

    dar alguns passos no percurso pelo qual passou o processo de racionalizao.

    Assim, tem-se o contexto religioso como ponto de partida, uma vez que nele quese encontra, no de forma unilateral, a influncia para o desenvolvimento da

    racionalizao.Eis a sutileza de Weber: ele no busca deduzir toda a realidade sob

    um aspecto, mas a observa sob um aspecto, sem, porm, apresent-lo como nico.

    Assim, o homem moderno, mesmo que no perceba diretamente, recebeu o efeito

    dos contedos religiosos na conduta de sua vida. Da dizer que a pesquisa

    perseguiu seu objetivo e o encontrou. Uma vez que a trajetria que se fez foi a de

    buscar compreender como o pensador alemo apresenta, que certa forma de

    religiosidade alimenta a racionalizao de tipo ocidental, caracterizando a

    singularidade da civilizao ocidental moderna, pois, racionalizaes, como afirma

    Weber, sempre existiram, mas na modernidade ela recebe uma nova roupagem.

    Mas, para entender o presente foi preciso olhar para o passado e perceber que tal

    processo inicia quando, no pensamento religioso, acontece a desmagificao, ou

    seja, um despojamento do carter puramente mgico, uma eliminao da magia

    como meio para a salvao. E no s isso, foi mais longe. Quando a salvao, acima

    de tudo para os protestantes, no necessita mais das mediaes sacramentais, e

    tambm no mais vista como uma ao mstica, contemplativa, fora do mundo,

    mas tida como ascese, a salvao que se d no mundo, trabalhando. Portanto, a

    salvao foi concebida, no pelo fato de se retirar do mundo, como faziam os

    monges catlicos, mas estando no mundo, aceitar a sua vocao, e isso acontece

    trabalhando de forma metdica e racional como demanda a tica protestante.

    Todavia, tal ao perde suas bases religiosas, e aquela racionalizao que parecia

    acontecer somente no mbito religioso, e depois na conduo da vida em meio ao

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    trabalho, estende-se a todas as ordens da vida. A conseqncia disso foi que as

    esferas da vida passaram a ser dominadas pela razo.

    No mundo moderno, no h mais a necessidade de recorrer a entidades

    metafsicas para dominar a realidade, isso suprido pela razo e meios tcnicos. A

    imagem metafsico-religiosa foi corroda. A conseqncia foi de que os valores

    supremos e sublimes se tornaram estranhos ao grande pblico. Portanto, as

    concepes religiosas cedem lugar a uma concepo mais racionalizada da vida. O

    resultado da racionalizao, na sociedade moderna, levou as estruturas metafsicas

    para o reino do irracional, elas que antes to cuidadosamente habitavam a

    realidade humana. O esprito racional cria uma autonomia das esferas da vida, de

    forma que os conjuntos das atividades sociais se libertam do domnio das tradiesou daquilo que se entendia como sagrado, transcendente, para se definirem em

    funo de uma lgica prpria onde impera a eficincia e o clculo. O pensamento

    religioso despovoou, ou melhor, desencantou e unificou a imagem de mundo,

    libertando o mundo do caos em que vivia, num mundo carregado de entidades

    metafsicas, como era a imagem de mundo mgico. A racionalizao, que tem a

    cincia como grande expoente, acabou por devolver a imagem de caos realidade.

    O mundo volta a viver numa guerra de deuses. E se por um lado o sentido objetivoda realidade de um Deus Uno foi destitudo, por outro lado, a racionalizao

    concede que se volte a viver num caos de uma realidade fragmentada pela razo.

    Para Max Weber essa fragmentao da realidade, essa oposio de valores sendo

    inconcilivel, assemelha-se a uma luta mortal e insupervel, comparvel que

    ope Deus e o diabo.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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