14
António Sérgio Azenha COMO OS POLÍTICOS ENRIQUECEM EM PORTUGAL 15 ex-governantes portugueses que multiplicaram os rendimentos após saírem do Governo

António Sérgio Azenha COMO OS POLÍTICOS ...pdf.leya.com/2012/Feb/como_os_politicos_enriquecem_em...Como sem-pre que não interessa fazer mudanças, os partidos políticos, naquela

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: António Sérgio Azenha COMO OS POLÍTICOS ...pdf.leya.com/2012/Feb/como_os_politicos_enriquecem_em...Como sem-pre que não interessa fazer mudanças, os partidos políticos, naquela

António Sérgio Azenha

COMO OS POLÍTICOS ENRIQUECEM EM PORTUGAL

15 ex -governantes portugueses que multiplicaram os rendimentos

após saírem do Governo

Page 2: António Sérgio Azenha COMO OS POLÍTICOS ...pdf.leya.com/2012/Feb/como_os_politicos_enriquecem_em...Como sem-pre que não interessa fazer mudanças, os partidos políticos, naquela
Page 3: António Sérgio Azenha COMO OS POLÍTICOS ...pdf.leya.com/2012/Feb/como_os_politicos_enriquecem_em...Como sem-pre que não interessa fazer mudanças, os partidos políticos, naquela

ÍNDICE

PREFÁCIO 11

INTRODUÇÃO 15

PARTE I > O QUE DIZ A LEI 19

I. A LEGISLAÇÃO PERMISSIVA 21

II. O CONTROLO DA RIQUEZA DOS TITULARES DE CARGOS POLÍTICOS E DE ALTOS CARGOS PÚBLICOS 29

III. AS SANÇÕES PARA OS PREVARICADORES 35

IV. A FISCALIZAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO 41

V. A CONSULTA E DIVULGAÇÃO DOS RENDIMENTOS E DO PATRIMÓNIO 45

VI. UM GOLPE NA TRANSPARÊNCIA 51

VII. O INTRIGANTE CASO DE JOSÉ SÓCRATES 55

PARTE II > QUANTO GANHAM OS POLÍTICOS, GOVERNANTES E GESTORES PÚBLICOS 57

PARTE III > 15 CASOS EXEMPLARES 71

A BASE DE COMPARAÇÃO ANUAL DOS RENDIMENTOS 73

1. JOAQUIM PINA MOURA, EX -MINISTRO DAS FINANÇAS E DA ECONOMIA 75

INQUÉRITO PARLAMENTAR À ENTRADA DA ENI E DA IBERDROLA NO CAPITAL DA GALP 89

2. JORGE COELHO, EX -MINISTRO DE ESTADO E DO EQUIPAMENTO SOCIAL 91

3. ARMANDO VARA, EX -MINISTRO DA JUVENTUDE E DESPORTO 105

A FUNDAÇÃO QUE OBRIGOU VARA A DEMITIR-SE DO GOVERNO 117

4. MANUEL DIAS LOUREIRO, EX -MINISTRO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA 119

‘CASO BPN’ CONDUZ À DEMISSÃO DE DIAS LOUREIRO DO CONSELHO DE ESTADO 129

5. FERNANDO FARIA DE OLIVEIRA, EX -MINISTRO DO COMÉRCIO E TURISMO 131

6. FERNANDO GOMES, EX -MINISTRO ADJUNTO E DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA 143

Page 4: António Sérgio Azenha COMO OS POLÍTICOS ...pdf.leya.com/2012/Feb/como_os_politicos_enriquecem_em...Como sem-pre que não interessa fazer mudanças, os partidos políticos, naquela

7. ANTÓNIO VITORINO, EX -MINISTRO DA PRESIDÊNCIA E DEFESA 153

POLÉMICA DA GALP MARCOU MANDATO DE VITORINO NO PARLAMENTO 163

8. LUÍS PARREIRÃO, EX -SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO E DAS OBRAS PÚBLICAS 165

9. JOSÉ PENEDOS, EX -SECRETÁRIO DE ESTADO DA ENERGIA 175

10. LUÍS MIRA AMARAL, EX -MINISTRO DA INDÚSTRIA E ENERGIA 185

11. ANTÓNIO MEXIA, EX -MINISTRO DAS OBRAS PÚBLICAS, TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES 197

12. ANTÓNIO CASTRO GUERRA, EX -SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO DA INDÚSTRIA E DA INOVAÇÃO 207

13. JOAQUIM FERREIRA DO AMARAL, EX -MINISTRO DAS OBRAS PÚBLICAS, TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES 217

14. FILIPE BAPTISTA, EX -SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO DO PRIMEIRO -MINISTRO 227

15. ASCENSO SIMÕES, EX -SECRETÁRIO DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA 235

PARTE IV > CONCLUSÃO 245

PARTE V > FONTES CONSULTADAS 249

Page 5: António Sérgio Azenha COMO OS POLÍTICOS ...pdf.leya.com/2012/Feb/como_os_politicos_enriquecem_em...Como sem-pre que não interessa fazer mudanças, os partidos políticos, naquela

:: PARTE I ::

O QUE DIZ A LEI

Page 6: António Sérgio Azenha COMO OS POLÍTICOS ...pdf.leya.com/2012/Feb/como_os_politicos_enriquecem_em...Como sem-pre que não interessa fazer mudanças, os partidos políticos, naquela
Page 7: António Sérgio Azenha COMO OS POLÍTICOS ...pdf.leya.com/2012/Feb/como_os_politicos_enriquecem_em...Como sem-pre que não interessa fazer mudanças, os partidos políticos, naquela

21

I.

A LEGISLAÇÃO PERMISSIVA

Na Primavera de 2010, José Sócrates deu uma entrevista histórica à RTP. Na noite de 18 de Maio, quando o País já vivia há meses em sobressalto por causa da constante subida dos juros da dívida pública, o então primeiro -ministro afirmou à televisão do Estado: “O mundo mudou em duas semanas e tenho obrigação de conduzir a governa-ção estando atento às mudanças da realidade.”

A custo, o chefe do Governo reconheceu aquilo que o mais comum dos mortais, especialista ou não em mercados financeiros, já havia percebido há muito tempo: a realidade da vida, mais tarde ou mais cedo, impõe -se à vontade dos homens. A teimosia de José Sócrates em reconhecer que Portugal necessitava de ajuda financeira externa, como se provou passado menos de um ano, encontra paralelo na indi-ferença com que a classe política encara a promiscuidade entre o inte-resse público e as conveniências do sector privado.

Os ingressos de ex -ministros e ex -secretários de Estado em empre-sas privadas de sectores por eles tutelados enquanto governantes ou as transferências de deputados para firmas privadas e escritórios de advogados, abandonando o mandato para o qual foram eleitos repre-sentantes do Povo, são sinais paradigmáticos de como os interesses pessoais se podem sobrepor ao interesse colectivo do país. Como sem-pre que não interessa fazer mudanças, os partidos políticos, naquela velha atitude portuguesa de ir varrendo o lixo para debaixo do tapete, fingem que nada acontece.

Na noite de 20 de Dezembro de 2001, António Guterres, após a der-rota do PS nas eleições autárquicas do dia 16 desse mês, surpreendeu o país com a sua demissão do cargo de primeiro -ministro. Chefe de

Page 8: António Sérgio Azenha COMO OS POLÍTICOS ...pdf.leya.com/2012/Feb/como_os_politicos_enriquecem_em...Como sem-pre que não interessa fazer mudanças, os partidos políticos, naquela

COMO OS POLÍTICOS ENRIQUECEM EM PORTUGAL

22

um Governo minoritário, a quem faltava apenas um deputado para ter a maioria de votos na Assembleia da República, António Guterres fez então uma declaração política histórica: “Esta situação só é possí-vel resolver com uma forte relação de confiança entre governantes e governados. Se passasse por essa situação, como se nada se passasse, o país cairia num pântano. É meu dever, perante Portugal, evitar esse pântano político.”

Nos últimos tempos, o “pântano político” de que falava António Guterres não só foi recuperado por comentadores políticos, como o seu significado é mais perceptível aos cidadãos. À imagem do que aconteceu com o inevitável resgate de Portugal da bancarrota na Pri-mavera de 2011, o progressivo empobrecimento do país há -de acabar por restringir o crivo das incompatibilidades no exercício de cargos do Estado. Há -de impor também limites mais estreitos às nomeações de ex -ministros e ex -secretários de Estado para as administrações de empresas públicas e entidades reguladoras das actividades económi-cas. E há -de impor ainda condições apertadas nas nomeações de ‘boys’ e ‘girls’ dos partidos políticos, muitos deles sem quaisquer competên-cias técnicas, para o aparelho do Estado.

“O assunto mais tenebroso da corrupção portuguesa é que há mui-tos factos que não são vistos como corrupção”, afirmou o sociólogo António Barreto, ex -ministro da Agricultura e actual presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, numa entrevista ao Jornal de Negócios em 3 de Março de 2011. E precisou a sua ideia: “A promis-cuidade político -financeira -económica não é entendida como tal. As pessoas podem saltitar de uns cargos para outros: da política para a actividade económica pública, daí para a actividade económica privada e ainda voltam a entrar na política, fazendo favores uns aos outros.”

O diagnóstico de António Barreto é preciso que nem um relógio suíço: “E depois há as nomeações. A lei portuguesa ordena que os directores -gerais e presidentes de institutos sejam pessoas nomeadas por confiança política. Os directores -gerais de recursos hídricos, dos passarinhos, das minas, por exemplo, que deveriam ser o máximo da competência técnica da administração portuguesa, têm a vida depen-dente das eleições. A lei portuguesa acha que essas pessoas devem ser

Page 9: António Sérgio Azenha COMO OS POLÍTICOS ...pdf.leya.com/2012/Feb/como_os_politicos_enriquecem_em...Como sem-pre que não interessa fazer mudanças, os partidos políticos, naquela

O QUE DIZ A LEI

23

do mesmo partido que vence as eleições. As nomeações são feitas por favores partidários. Isto é corrupção e favoritismo político -partidário. Mas a lei permite e não é crime.”

O regime jurídico das incompatibilidades e impedimentos dos titula-res de cargos políticos e altos cargos públicos está consagrado na Lei no 64/93, de 26 de Agosto. O diploma foi sujeito a cinco alterações, entre 1995 e 2007. Só que o seu artigo mais sensível, que regula o regime de incompatibilidades aplicável após cessação de funções em cargos do Estado, mantém -se inalterado há quase duas décadas.

E esse artigo, o 5o, consagra o famoso princípio do período de nojo: “1. Os titulares de órgãos de soberania e titulares de cargos políticos

não podem exercer, pelo período de três anos contado da data da ces-sação das respectivas funções, cargos em empresas privadas que pros-sigam actividades no sector por eles directamente tutelado, desde que, no período do respectivo mandato, tenham sido objecto de operações de privatização ou tenham beneficiado de incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual.”

O sociólogo António Barreto demonstra com uma precisão cirúr-gica como este princípio é uma porta aberta à sobreposição do inte-resse pessoal sobre o interesse público: “Sim, [defendo] um grande alargamento ao período de nojo. Ele já existe, mas em certos casos devia haver uma impossibilidade total de exercer o cargo. Quem tra-balha directamente com um sector, e assina um contrato com uma empresa, nunca na vida pode ir trabalhar para essa empresa. Não é três anos depois: três anos passam depressa, e temos aí imensos casos. Imagine -se que eu assinava um contrato consigo como ministro. Ia de férias uns tempos, daqui a uns anos vou ser chefe da sua empresa, a quem prestei um favor? Não está certo.”

E, de facto, abundam os exemplos de ex -ministros e ex -secretários de Estado que, vários anos após deixarem o Governo, ingressaram em empresas privadas com actividade em sectores por eles tutelados como governantes. Alguns desses casos geraram forte polémica na Comunicação Social e ficaram famosos.

Por exemplo: Joaquim Ferreira do Amaral assumiu a presidência da Lusoponte quando anos antes fora ministro das Obras Públicas de

Page 10: António Sérgio Azenha COMO OS POLÍTICOS ...pdf.leya.com/2012/Feb/como_os_politicos_enriquecem_em...Como sem-pre que não interessa fazer mudanças, os partidos políticos, naquela

COMO OS POLÍTICOS ENRIQUECEM EM PORTUGAL

24

Cavaco Silva; Joaquim Pina Moura trocou o cargo de deputado para ser presidente da Iberdrola e da Media Capital quando antes fora ministro da Economia de António Guterres; Jorge Coelho assumiu a presidên-cia da comissão executiva da Mota -Engil quando antes fora ministro do Equipamento Social de António Guterres.

João Cravinho, que foi colega de Jorge Coelho no I Governo de Antó-nio Guterres, nunca fez comentários directos sobre o ingresso do seu camarada do PS na Mota -Engil, mas não escondeu a sua insatisfação com este tipo de processos. Na edição do Expresso de 5 de Abril de 2008, foi categórico: “É intolerável definir parcerias público -privadas e depois gerir esses interesses particulares.” E rematou: “Temos de deixar de assobiar para o lado e pensar o assunto de forma séria e abrangente.”

Já em 2010 ocorreram mais dois casos polémicos: em Abril, Antó-nio Castro Guerra, secretário de Estado Adjunto, da Indústria e da Inovação até Outubro de 2009, foi designado presidente da Cimpor; em Outubro, Agostinho Branquinho, então deputado do PSD, aban-donou a Assembleia da República para ir trabalhar numa empresa da Ongoing no Brasil. E este não é um caso único: no Verão de 2007, António Vitorino, ex -ministro da Presidência e Defesa Nacional de António Guterres, renunciou ao mandato de deputado do PS para integrar o escritório de advogados Gonçalves Pereira, Castelo Branco & Associados.

O ingresso de Agostinho Branquinho na Ongoing agitou os meios políticos e chocou o país. Como sempre, o balão da polémica esva-ziou com a passagem do tempo, e nada aconteceu. E tudo indica que assim continuará a suceder enquanto o regime de incompatibilida-des e impedimentos dos titulares de cargos políticos não sofrer alte-rações no prazo temporal e nos termos legais em que deve vigorar o ‘período de nojo’. A realidade da vida política portuguesa provou, nos últimos 20 anos, que o ‘período de nojo’ não passa de uma mera limi-tação jurídica com escassa utilidade prática.

A 4 de Março de 2011, na sua página habitual no semanário Sol, o ex -primeiro -ministro social -democrata Pedro Santana Lopes, pro-fundo conhecedor dos bastidores da política portuguesa, fez também um diagnóstico contundente: “Para mim, é difícil sentir -me próximo

Page 11: António Sérgio Azenha COMO OS POLÍTICOS ...pdf.leya.com/2012/Feb/como_os_politicos_enriquecem_em...Como sem-pre que não interessa fazer mudanças, os partidos políticos, naquela

O QUE DIZ A LEI

25

de um partido em que muitos dirigentes se sentam na primeira fila das iniciativas de sucessivos líderes, sempre prontos para servir no Governo, em empresas, institutos públicos ou até embaixadas.” E adian-tou: “Por vezes, como ainda vi na semana passada, até pessoas com bons percursos na sua vida profissional e/ou com boas qualificações académicas. Uma vez chamei -lhes os ‘técnicos da representação per-manentemente disponível’. Faz muita impressão.”

As empresas públicas e as empresas participadas pelo Estado, onde há também accionistas privados, têm sido um autêntico ‘eldorado’ para os ex -governantes. E no topo das preferências destaca -se um núcleo restrito de cinco sociedades: CGD, PT, EDP, REN e Galp Energia, onde as remunerações são muito superiores aos salários dos mem-bros do Governo e do Presidente da República�. Pela administração dessas empresas ou por cargos em sociedades desses grupos passa-ram ex -ministros e ex -secretários de Estado dos governos de Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates.

E eis alguns exemplos: Mira Amaral, ex -ministro da Indústria de Cavaco Silva, foi vice -presidente e presidente da Comissão Executiva da CGD entre 2002 e 2004; Fernando Gomes, ex -ministro da Admi-nistração Interna de António Guterres, é administrador executivo da Galp Energia desde 2005; Armando Vara, ex -secretário de Estado da Administração Interna e ex -ministro da Juventude e dos Despor-tos de António Guterres, foi administrador da CGD entre Agosto de 2005 e Janeiro de 2008; Celeste Cardona, ministra da Justiça de Durão Barroso, foi administradora da CGD entre 1 de Outubro de 2004 e 9 de Janeiro de 2008; Henrique Chaves, ministro do Desporto, Juven-tude e Reabilitação de Santana Lopes, foi administrador da PT entre 2006 e 2007; Mário Lino, ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações de José Sócrates, é desde o final de Maio de 2010 pre-sidente do Conselho Fiscal das seguradoras do Grupo CGD.

A 7 de Novembro de 2009, Henrique Raposo, numa crónica publi-cada no Expresso, identificava também com precisão o estado desta mis-tura entre política e negócios: “A III República está montada de forma a legitimar a promiscuidade entre a política e os negócios. É o próprio regime que transforma uma coisa ‘ilegítima’ – essa promiscuidade –

Page 12: António Sérgio Azenha COMO OS POLÍTICOS ...pdf.leya.com/2012/Feb/como_os_politicos_enriquecem_em...Como sem-pre que não interessa fazer mudanças, os partidos políticos, naquela

COMO OS POLÍTICOS ENRIQUECEM EM PORTUGAL

26

numa coisa ‘legal’. E a raiz do mal está na existência de centenas de empresas públicas ou semipúblicas, encabeçadas pela faraónica CGD.”

Henrique Raposo prosseguiu: “Ao contrário do que diz a ortodo-xia instalada, um Estado com empresas públicas não protege o bem comum. Um Estado com empresas públicas serve apenas os interesses de quem tem os cartões partidários certos (laranja ou rosa). No fundo, a corrupção é a outra face do ‘socialismo’ e da ‘social -democracia.’”

E concluiu Henrique Raposo: “A promiscuidade entre partidos e empresas públicas é o nó górdio da corrupção que marca a nossa vida política. Se queremos diminuir a intensidade da corrupção, então, temos de privatizar essas empresas, as esquinas onde os corruptos gostam de cochichar. E, como se vê, estas privatizações não devem obedecer a critérios económicos, mas sim a critérios de ética política: sem estas empresas no rol do Estado, os senhores dos partidos ficam sem os luga-res onde é possível meter a política e os negócios na mesma cama.”

Cinco dias apenas após a publicação desta crónica, o Governo de José Sócrates deu fulgor a uma nova modalidade de nomeações: a administração das entidades reguladoras dos sectores económicos, cuja independência é fundamental para garantir uma fiscalização eficaz, passou a contar com ex -governantes. No Conselho de Minis-tros de 12 de Novembro de 2009, Filipe Baptista, ex -secretário de Estado Adjunto do primeiro -ministro, foi nomeado vogal da ANA-COM – Autoridade Nacional de Comunicações. E seis meses depois o Executivo socialista, apesar das críticas dos partidos da oposição, repetiu a dose: no Conselho de Ministros de 6 de Maio de 2010, Ascenso Simões, ex -secretário de Estado da Administração Interna, do Desenvolvimento Rural e das Florestas e membro do Secretariado Nacional do PS, foi nomeado vogal da ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos.

Filipe Baptista e Ascenso Simões são ambos próximos de José Sócra-tes: Baptista, mestre em Ciências Jurídicas, foi chefe de gabinete de José Sócrates quando este exerceu o cargo de ministro do Ambiente, entre 1999 e 2002, e Simões, licenciado em Ciências Empresariais, integrou a direcção da campanha eleitoral de José Sócrates para as elei-ções legislativas de 2009 e era membro do Secretariado Nacional do PS.

Page 13: António Sérgio Azenha COMO OS POLÍTICOS ...pdf.leya.com/2012/Feb/como_os_politicos_enriquecem_em...Como sem-pre que não interessa fazer mudanças, os partidos políticos, naquela

O QUE DIZ A LEI

27

Como vogais da administração da ANACOM e da ERSE, Filipe Bap-tista e Ascenso Simões foram usufruir de um salário bruto mensal de 14.198 euros. As remunerações mensais dos membros do conselho de administração das entidades reguladoras são definidas por despa-cho conjunto dos ministros de Estado e das Finanças e da Economia.

Com o país mergulhado numa grave crise financeira, económica e social, Cavaco Silva, no discurso da tomada de posse do segundo e último mandato como Presidente da República, não perdeu a oportuni-dade de mandar uma farpa ao Governo: “O exercício de funções públi-cas deve ser prestigiado pelos melhores, o que exige que as nomeações para os cargos dirigentes da Administração sejam pautadas exclusiva-mente por critérios de mérito e não pela filiação partidária dos nomea- dos ou pelas suas simpatias políticas”.

O recado de Cavaco Silva, uma das mais fortes críticas dirigidas a um Governo numa tomada de posse de chefes de Estado, foi enviado a 9 de Março de 2011. Passado menos de um mês, na noite de 6 de Abril, o primeiro -ministro anunciou, numa comunicação ao país, que o Executivo pedira ajuda financeira externa. À hora dos telejornais, José Sócrates foi contundente: “O Governo decidiu hoje mesmo dirigir à Comissão Europeia um pedido de assistência financeira por forma a garantir as condições de financiamento do nosso país, ao nosso sis-tema financeiro e à nossa economia. Fizemo -lo nos termos que têm em conta a situação política nacional e as limitações constitucionais do Governo, como Governo de gestão.” O país estava à beira da bancarrota.

Page 14: António Sérgio Azenha COMO OS POLÍTICOS ...pdf.leya.com/2012/Feb/como_os_politicos_enriquecem_em...Como sem-pre que não interessa fazer mudanças, os partidos políticos, naquela