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Antropologia, ISCTE - 2008 Antropologia, Empresa e consumo. Tutor: Profª Drª Graça Índias Cordeiro Rui Assis Aluno Nº 25416 Turma AC2 Licenciatura Antropologia Rui Assis 1

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Antropologia, ISCTE - 2008

Antropologia, Empresa e consumo.

Tutor: Profª Drª Graça Índias Cordeiro

Rui AssisAluno Nº 25416Turma AC2Licenciatura Antropologia

Rui Assis 1

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Introdução

O Homem não pode “despir” o seu back ground cultural e social. As empresas e o

consumo fazem parte da minha história enquanto indivíduo e agente social, pelo que

juntar-lhe a teoria antropológico é um enorme desafio. A “carga” história, codificada

nas minhas sinapses pelos termos de outras disciplinas académicas, como a Gestão ou o

Marketing (dominadoras neste universo), adiciona a este desafio uma responsabilidade

académica pelo dever de respeito por todos os professores, autores, colegas e academia

em geral. Sei que tratarei de um universo a explorar em Portugal. Neste caso, é um

privilégio ter uma relação de dezoito anos com uma empresa multinacional ligada ao

consumo. Tentarei adicionar valor à produção de conhecimento antropológico aplicado

nas empresas, de uma forma independente, ou seja, financeiramente independente1. Há

várias teorias em prática nos EUA e Inglaterra. Acredito nas culturas locais2 e nos

termos das suas necessidades. Uma exposição sobre este tema pressupõe uma busca de

conhecimentos de outras disciplinas e a consequente relação interdisciplinar, pois falar

de empresas e de comportamentos de consumo, que são temas específicos, obriga-me a

dar prioridade à resolução e compreensão desta problemática, sem teorizar

demasiadamente. Acredito que os estudos antropológicos podem contribuir para que as

empresas sejam socialmente responsáveis,3 baseando-se em 12 convenções da

Organização Internacional do Trabalho (OIT), na declaração dos direitos do Homem das

Nações Unidas e na Convenção das Nações Unidas dos direitos das Crianças, a norma

SA 8000. Não devo falar de consumo, sem falar de consumo verde, ou consumo

socialmente consciente (produtos cuja produção não tem mão de obra infantil, trabalho

forçado, discriminação, falta de segurança ou qualquer outro atentado contra o Homem

e contra o planeta).

Tenho a profunda convicção que os Licenciados em Antropologia não devem ser mais

valorizados, mas são mais capazes nas matérias atrás apontadas. Só com a sensibilidade

dos Antropólogos, e a sua inclusão nas empresas, teremos modelos e políticas

económicas sustentáveis. Basta desmistificar o papel da Antropologia e aplicá-las na

produção de conhecimento útil para as empresas, consumo e consumidores.

1 Alusão ao crescimento da Antropologia, séc. XIX, ligada às empresas e governos coloniais.2 Para alguns autores a Globalização (o seu instrumento capitalista e a sua extensão tecnológica) pode provocar a “uniformização cultural”.3Social accountability international (SA 8000). Destinada a auxiliar as empresas, a SA 8000, especifica requisitos de RSE, contribuindo para uma uniformização internacional de padrões, é auditável, está sujeita a revisões periódicas, e permite a verificação do sistema por uma terceira parte.

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Exposição

Em 1987, na Europa, Jeremy Boissevain, no livro “Amigos de amigos: redes sociais,

manipuladores e coalizações” apresenta um conflito entre a Antropologia tradicional

(aquela que o autor aprendeu) e a Antropologia Social contemporânea. Este autor acusa

a hierarquia académica de personificar um sistema de vassalagem, onde as crenças

científicas dos funcionalistas estruturais sustentam os seu papeis e vice-versa. Uma vez

no topo da hierarquia de poder das comunidades académicas, estas hierarquias inibem o

desenvolvimento da pesquisa científica (Boissevain 1987, 216). A produção do

conhecimento Antropológico, pelo menos o da “velha escola” – funcionalismo

estrutural, entrou em colapso. Mas a Antropologia tem capacidade de demarcação, pelo

seu “objecto” em permanente evolução, das demais ciências sociais no que respeita ao

conhecimento. O aparecimento da Antropologia do Consumo e Antropologia

Económica (com um papel objectivo, fora das academias) é disso um bom exemplo. O

conhecimento do mundo moderno é feito de maneira sistemática, mas empírica.

O desafio é pensar sempre em termos de interdisciplinaridade. Os antropólogos têm que

ser objectivos e reconhecer que precisam das outras ciências Sociais. Não podemos

formar decisões apenas com técnicas de observação participante. De um ponto de vista

pragmático não devemos ter a ambição de tentar destronar as ciências instaladas no

interior das empresas (Gestão, Gestão de Rec. Humanos, Administração, Marketing,

Sociologia), mas provar que somos os melhor preparados para compreender alguns

problemas que afectam as empresas e o seu objecto, os consumidores, como por

exemplo: sociedades multi étnicas e identificação local. A evolução das diásporas de

povos africanos, de leste, Brasil, com implicações no que respeita ao consumo, é um

facto. As empresas de produtos globais devem perceber estes constrangimentos locais.

Por outro lado, cada vez mais o colaborador é, erradamente, um indicador de gestão.

Mais tarde ou mais cedo terá que emergir uma ciência que compense os erros actuais de

outras teorias. Uma ciência que restitua empatia nas relações laborais e hierárquicas.

Que compreenda os colaboradores de uma empresa e os seus clientes nos seus próprios

termos. Este facto será ainda mais importante se compreendermos que a nossa cultura

empresarial e social não é meritocrata, ou seja, até podem existir projectos de carreira,

avaliações rigorosas e prémios de realização de objectivos. Mas na altura de escolher

um indivíduo para um cargo, na decisão, o factor confiança pessoal ou estratégica terá

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sempre um peso superior ao mérito eventual de outros indivíduos. O que me preocupa é

que esta problemática tem um cariz cultural (as excepções são de empresas estrangeiras

a laborar em Portugal). Habituamo-nos a assistir ás dinastias “Aristocratas”das famílias

Mello, Espírito Santo, Soares dos Santos,4 às centenas de nomeações políticas (sempre

que muda um Governo), até à falta (sistematização) da cultura do mérito nas empresas

em geral. O capital social e económico do individuo, nas empresas, pode sobrepor-se ao

seu próprio mérito.

Hoje, o antropólogo já não procura o outro, enquanto estereótipo, ou seja, antes se um

oriental se aproximasse dos padrões ocidentais, deixava de ter interesse para o

antropólogo. Mas, agora a questão, para o antropólogo, deve ser: como ajudar a manter

as culturas que estão a ser ocidentalizadas? Como lhes proporcionar o conforto da sua

cultural “natural”? Quantos Indianos existem em Portugal, que nunca foram à Índia?

Este é um dos exemplos de organização inside que lhes permite manter os padrões de

consumo da sua cultura (via Londres – maior diáspora de Indianos). Se tal não

acontecer, como disse Nigel Rapport, “estaremos todos a ser crioulisados”. Assim,

devemos aplicar os conhecimentos antropológicos empreendendo mais informação

sobre a diversidade cultural promovendo mais tolerância e compreensão, do ponto de

vista da dos seus bens de consumo. Hoje já se fala em etnomarketing. Os bens já podem

funcionar como um sistema de informação. Já é dada importância às manifestações

locais, mas em que os contextos são tudo menos locais. Appadurai chamou-lhe falácia5,

porque os objectos, imagens e discursos não são equivalentes, convergentes e

isomórficos ou espacialmente consistentes. Estão numa disjunção. Têm diferentes

velocidades, eixos, pontos de referência e variam de diferentes regiões e estruturas, ou

sociedades. Provocam problemas no próprio quotidiano, equidade, sofrimento.

A imaginação social é um dos aspectos positivos da globalização que condiciona a vida

comum dos cidadãos –sujeitos sociais, que os leva a resistirem colectivamente. Mas

4 “A família, as relações e os sentimentos de parentesco são cruciais para a produção

e reprodução do desempenho económico destes grupos empresariais … A existência e o

êxito continuado das empresas familiares de grande dimensão constrói-se sobre uma

articulação de lógicas, que por serem consideradas antagónicas, tornam-se um desafio

às Ciências Sociais e Económicas, que insistem em afastar a família e parentesco das

análises macroeconómicas”, Antónia Pedroso de Lima (2004).

5 Appadurai, Arjun. 2000/2002. Grassroots

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também é ela que permite o controlo e a disciplina dos mesmos - pelos mercados,

estados e outros interesses. Há uma necessidade de emergência de imaginação

académica para perceber o que está no fundo da “international civil society.

A Antropologia tem uma visão holista das sociedades e das comunidades que estuda. Os

antropólogos ganham empatia com as comunidades que estudam. Mas a agenda

antropológica em Portugal não deve depender essencialmente de lógicas académicas.

Deve ser mais prática, mais útil e menos teórica, usando a sua principal característica, a

investigação etnográfica. As maiores convulsões sociais acontecem fora das academias,

então a Antropologia também tem que sair fora das alçadas das Universidades. Em

Portugal há um impasse que levou a um divórcio entre a satisfação do desenvolvimento

da teoria antropológica e a outra que não se conhece (Antropologia aplicada).

A Antropologia, as empresas e o consumo

“The world of goods” oferece-nos uma forma original para se compreender o consumo,

não como um impulso psicológico, nem como resultado da manipulação do sistema

capitalista, mas como um conjunto de rituais que criam padrões de comportamento e se

diferenciam de sociedade para sociedade. Nesta obra antropóloga Mary Douglas (1979),

disse que o fluxo dos bens afecta a sociedade. Há um “comportamento consumista” e

um diálogo entre as teorias economicistas e o que os antropólogos afirmam sobre os

motivos que levam as pessoas a desejarem coisas. Douglas dá muitos argumentos

convincentes para a utilização das mercadorias como um meio de comunicação em

todas as sociedades, negando as interpretações tendenciosas da história que relaciona o

consumo fundamentado nos padrões da moda. O consumidor fornece uma análise

comparativa e reflexiva na forma como as pessoas usam o consumo, tanto consciente

como inconscientemente, pois fornecem informações sobre si próprios. Este acto

permite-nos conhecer uma pessoa profundamente. Assim, através do consumo podemos

interpretar vários fenómenos culturais e familiares. Uma das grandes dificuldades da

Antropologia tem sido entrar no interior das famílias. Hoje, existem painéis de estudo

de lares e consumidores, com base no consumo de bens. Os agentes económicos devem

incorporar, nas suas estratégias de decisão, as bases dos sistemas multiculturais, pois

podem dizer-nos muito sobre as lógicas de comportamento do consumidor de uma

sociedade. Faz, então, sentido o surgimento em Portugal de uma Antropologia do

Consumo, que nos permita conhecer as dimensões culturais do consumo? Sim, e existe,

mas na área de Marketing, ou seja, uma antropóloga (Douglas) descobriu esta forma de

aplicação da Antropologia e, em Portugal, são as outras ciências da empresa que a

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estudam. Não são os potenciais antropólogos. Na área de marketing existe um interesse

em perceber que produtos e serviços vão além das percepções individuais e de suas

dimensões tangíveis. Eles são símbolos culturais. Sabem que há uma dimensão cultural

fundamental em tudo que diz respeito a consumo.

A relação dos Homens com os objectos não se restringe ao seu valor material ou

utilitário. Os bens também possuem uma dimensão simbólica e que nos remetem para

valores culturais. Assim, há um valor simbólico na relação do Homem com o objecto.

A relação de consumo não é uma relação imediatista e utilitária com base na troca de

um bem por dinheiro. O consumo é uma forma de relação social e de construção de

identidade social. Os produtos estão relacionados com a faixa etária, género, condição

social e económica. Os bens são símbolo de status. Os produtos são a implementação

táctica das estratégias das empresas. Por outro lado, o ser humano classifica o mundo

com o objectivo de o entender, e para que isto seja possível partilha códigos e símbolos,

cujos significados são entendidos nos termos de cada cultura (englobando costumes,

valores, hábitos e crenças) que o indivíduo trás para a empresa e que a empresa deve ter

em consideração no momento em que pensa a construção dos seus valores colectivos.

Daniel Miller, em 1987, valoriza os objectos como uma ferramenta de análise, ou seja,

enquanto cultura material, que nos conduz às relações entre pessoas e objectos e

consequentes teorias de consumo. O consumidor tem identidade própria e capacidade

para escapar à hegemonia dos sistemas dominantes. A Nova Guiné é um exemplo de

convivência entre a produção das grandes marcas multinacionais e os interesses

estratégicos da população, no âmbito da sua subsistência e reprodução familiar, através

do entendimento desta cultura material. O Homem tem uma relação com o mundo. É

impossível separar o self do mundo, ou da natureza. Isto só poderia acontecer através da

alienação da dialéctica do Homem com os objectos, o que é impossível, pois dão-nos

informação sobre nós mesmos.

Em “Theory of shopping” (1998), Miller avança com uma teoria pessoal de consumo

com base no estudo etnográfico do aprovisionamento de um agregado familiar de um

bairro no Norte de Londres. É feita uma análise entre o acto de compra (impacto social)

e um sacrifício social, em ambos os actos as pessoas têm que dar algo de si, em prol de

um bem maior.

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Tal como no caso português, as compras de bens de consumo estão associadas ao sexo

feminino.

Ilustração: Fernanda Guedes.

Fonte: Point of Purchase Advertising International (Popai)

No que respeita aos hábitos de consumo, as liquidações funcionam porque 66% das

decisões são feitas na própria loja e em menos de cinco segundos depois de avistado o

objecto do desejo.

A Antropologia Cultural é imprescindível para se conhecer uma sociedade. Qualquer

produto é desenvolvido a pensar em conquistar um determinado mercado, tem um

cliente alvo. Nesta fase, as empresas devem estabelecer parcerias e encomendar estudos

da Antropologia, pois só esta ciência é capaz de perceber o ser humano contemporâneo

e as suas razões de consumo. A principal deficiência das pesquisas sobre o

comportamento dos consumidores é o facto de não terem em consideração as questões

culturais. Para uma correcta análise da dimensão dos valores culturais, devemos estudar

o consumidor através de métodos que estejam mais próximos dos que são utilizados

pela Antropologia, no âmbito do estudo das culturas, o método etnográfico.

Comprar não dá prazer, mas dá uma sensação de bem estar. Decifrar as razões pelas

quais comprar é tão bom é um desafio para os estudiosos do comportamento humano.

“Na hora da decisão de compra, os prazeres são muito mais fortes que as necessidades”,

disse Everardo Rocha, antropólogo brasileiro. Comprar é um acto de afirmação.

Atrevo-me a expor um exemplo, a que assisto frequentemente no âmbito da minha

actividade profissional. É do conhecimento comum que o país anda a reboque das crises

internacionais, e que já estamos no meio de uma dessas crises (apesar de não estar certo

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de termos saído da última). O preço dos cereais aumentou 40% por causa do aumento da

procura deste cultivo para a produção de biodiesel, que por sua vez viu a sua procura

aumentada por causa do aumento do preço do barril de petróleo. Estes dois factores

juntos (cereais e petróleo), condicionam o preço de tudo (transportes, alimentação,

electricidade, etc). Ao papel da mulher, na nossa sociedade culturalmente machista,

cabe a função de gerir o orçamento doméstico. À falta de outras alternativas, a mulher

começou a cortar na qualidade dos bens que leva para casa no seu cabaz de compras,

quer seja nos detergentes (marcas importadas pelas insígnias discounters, por exemplo:

Lidl. Ou, ainda mais grave, as gestoras dos lares domésticos começaram a aplicar a

mesma estratégia na alimentação. Ou compram cereais sem marca (nem sequer é a

marca do Distribuidor: Jumbo - Auchan, Continente ou Pingo Doce).

Estes produtos escolhidos são aquilo que neste universo se denomina por produtos

entrada de gama (não confundir com primeiro preço, que pressupõe uma ligação ao

distribuidor e consequente responsabilização, por exemplo: os produtos do pulso – na

imagem, no Jumbo – Auchan). Estes produtos “entrada de gama” têm várias

particularidades negativas e uma que é valorizada pelos consumidores. São produtos

sem marcas conhecidas em Portugal, não estão vinculadas à loja onde são vendidos (em

caso de problema de qualidade é sempre possível dizer que a culpa é da marca, “nós já

compramos os produtos embalados”), nem sempre a rotulagem cumpre os requisitos

mínimos obrigatórios ( o consumidor não saberá com exactidão quais são os

ingredientes e o modo de preparação), são marcas sem capital social ou notoriedade

adquirida (como são as marcas que têm uma imagem de qualidade internacional a

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defender e não correm riscos, por exemplo Nestlé), mas são muito baratas (a sua

proveniência é duvidosa e a responsabilidade social da sua produção também). Nesta

matéria poderia ainda referir os produtos dos bazares, vulgo chineses, onde a

contrafacção e o método de responsabilização da produção já nem é questionado (pelas

questões de mão de obra infantil e trabalho forçado, reconhecidas internacionalmente).

Neste contexto, surge a “luta” da nossa carne mertolenga ou Alentejana contra a carne

de terceira importada da Argentina ou Brasil. A maioria da carne importada é mais

barata, mas de pior qualidade. Podemos ainda citar o exemplo do excelente azeite

português (da magnífica azeitona Galega), que é “abafado” pelos preços do azeite

espanhol (da azeitona Picual), mais preparado para as regras do jogo capitalista e do

mass market. Para além das questões culturais e de identificação nacional, associadas ao

azeite. Não entrarei pelas questões da democratização do consumo e optimização da

compra para proporcionar aos consumidores os melhores condições, até nos produtos

que se situam no quarto quartil de preços. Mas acredito que a partir dos fenómenos do

estudo dos fenómenos do consumo das famílias portuguesas poderemos obter

conhecimento fundamental para atribuir credibilidade a uma Antropologia adaptada aos

problemas do quotidiano, fora da Universidade.

Investiguei velhos artigos da APA e descobri uma frase espantosa do ponto de vista do

auntoconhecimento interdisciplinar e humildade pessoal: “O maior inimigo da

Antropologia é o Antropólogo” disse Raul Iturra na sua entrevista à revista “a página

da educação” realizada nos tempos em que era presidente da APA. A frase de Iturra,

que aqui relembro, provocou-me um sentimento absoluto de paixão pela capacidade de

auto-crítica de uma ciência em permanente ebulição no seu terreno de sabedoria e

adaptação no seu objecto. Lembrei-me de uma obra em que participou, “Lugares de

Aqui”, e na relação da frase “ O maior inimigo…” com as nossas aldeias e a inevitável

ligação com o nosso tema: Antropologia, empresas, consumo e o “chapéu” desta

disciplina: Antropologia Aplicada.

Se o pior inimigo da Antropologia é o antropólogo, então, são os antropólogos que

devem reconhecer que não fizeram o melhor trabalho na aplicação da Antropologia e no

seu reconhecimento social. Alguns autores não gostam de pensar nos alunos como

clientes6, mas é dessa forma que devemos encarar o novo sistema de ensino. Então

façamos um “produto” (resultado da nossa produção de conhecimento) que se aproxime

da sociedade e da comunidade empresarial. “Actualmente Lisboa não sabe o que o

6 Readings Bill, 2003 “A universidade em ruínas.” Coimbra: Angelus Novus

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Minho faz e o Norte ignora o trabalho de Coimbra”. Iturra proferiu mais esta frase

crítica e indignou-se com o facto de se acabar com a disciplina de Antropologia Cultural

no secundário e reforçou a ideia de que “a Antropologia caiu nas mão de colegas muito

ambiciosos, que fazem da sua vertente científica um reino muito privado …

Antropologia leva ao isolamento…”. A Antropologia que começou por ter, como razão

de estudo do seu objecto, um cliente (Governos ou empresas coloniais) que financiava

as investigações. Distanciou-se do mundo exterior, refugiando-se nas Universidades.

Isolados, os Antropólogos não conseguirão combater o lobby das outras ciências. A

história da Antropologia merece que esta disciplina do saber continue a ter o seu espaço.

A sociedade precisa do saber científico dos Antropólogos. A academia Universitária

precisa que os Antropólogos se unam pela Antropologia.

Mas, como vêem, os Antropólogos, as aldeias de hoje?

Há uma descaracterização cultural das nossas aldeias, a partir da estrutura produtiva -

área que poderia ser estudada pela Antropologia do Consumo. As nossas terras estão a

ser vendidas aos espanhóis, que vêm cultivar os seus produtos, alargando, assim, o

limite económico das suas fronteiras. As nossas terras passaram a ser uma extensão de

Espanha, sobretudo no que concerne à azeitona. Estes, não compram as nossas terras

para cultivar a nossa azeitona Galega, mas para aumentar a capacidade produtiva e

negocial, no mercado mundial, da sua azeitona Picual. A azeitona Galega proporciona

um dos melhores azeites do Mundo. Esta questão aparentemente económica, é

sobretudo cultural. Nestas aldeias as unidades familiares dependas da grandes células

económicas (as quintas, herdades agrícolas), que são geridas por pessoas ligadas aos

donos das terras, neste caso espanhóis. Todos sabemos da importância das hierarquias

no pensamento destas populações, ou seja, com um capataz espanhol, a produzir azeite

espanhol de acordo com as novas tecnologias trazidas por estas grandes empresas

(rotura com a agricultura tradicional), com colegas de “jorna” moldavos e romenos. O

que resta das velhas tradições? Então, se os antropólogos fizessem mais trabalho de

campo em algumas das nossas aldeias, do Alentejo, Trás os Montes ou Beira Alta,

concluiriam que as noções de território estão adulteradas e que aquelas aldeias já não

são portuguesas, do ponto de vista cultural. São pequenos aglomerados habitacionais,

que pertencem ao mapa económico de Espanha, cujos habitantes são, além dos

espanhóis, romenos e moldavos. É a Globalização na sua pior manifestação. Na minha

opinião, o terreno antropológico não pode ser apenas o estudo da diversidade cultural,

mas também a compreensão, interpretação e explicação destes movimentos sociais e

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económicos, com motivações iniciadas pelas empresas vocacionadas para a produção de

bens mass market, neste caso azeite. Está em causa a nossa identidade nacional, atacada

a partir dos nossos valores e cultura tradicional. Readings diria que, se os Antropólogos

se unissem, com pragmatismo, à volta desta explicação, dando resposta a uma

necessidade de manutenção de identidade cultural nacional, então a sociedade atribuiria

um valor incalculável à Antropologia.

Por outro lado, esta união, constituiria um lobby fortíssimo em prol da própria

Antropologia, a favor do seu merecido lugar ao centro das ciências Sociais.

Expandir projectos de parceria com outras ciências já instaladas nas empresas.

1. Planeamento de categoria

2. Gestão de Promoções

4. Micro-Merchandising

ScorecardsIntegrados

3. Gestão de Sortido

Melhorar a eficiência e a eficácia da Antropologia nas Empresas

Sociologia (estudos

consumidor)

Gestão de Recursos Humanos

(+ empatia)

Economia (Produção

sustentada)

Marketing (Direccionado,

tendências)

Antropologia(aplicada)

Melhor ambiente social

RA –Antropologia – ISCTE 2008

“O lobby da Psicologia, o da Sociologia, da História, são mais fortes do que o nosso.

Eles fazem de tudo uma estatística e não vivem com as pessoas - criam o que é

conveniente para a produção de dinheiro e produtos, disse Iturra.

A comunidade académica e empresarial pensará que, se a Antropologia não apresenta

um produto final com relevância para a sociedade, então não fará mal que acabe.

Vamo-nos focar no nosso cenário. O preço da alimentação sobe, as gestoras domésticas

optam por produtos de qualidade inferior (o que se coloca na mesa dos lares não tem o

mesmo significado simbólico e social – ninguém vê), e surge um momento de

festividades e exaltações nacionalistas, o Euro 2008 de futebol. Os homens, lideres

culturais das famílias, decidem ir às compras e começam a comprar tecnologia de top,

ou seja, plasmas, ecrãs LCD das melhores marcas. Tudo isto, na sua maioria, a crédito,

claro. O que é importante é ter as melhores condições para ver a bola. Afinal trata-se da

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Selecção e da nossa exaltação de identidade nacional. Depois da meia dúzia de jogos

que a selecção fará, voltarão as exigências e rigor da gestão doméstica, a cargo das

senhoras. Crescerá o consumo de produtos duvidosos e sem garantias, que provocarão

um maior desequilíbrio na balança das importações e exportações7. Talvez por isto,

todas as tentativas de valorização dos produtos portugueses, não vingam. Talvez este

seja um dos motivos pelo qual apenas 5% dos consumidores portugueses se preocupa

em fazer compras responsáveis do ponto de vista social e ambiental. Apesar de serem

consumidores literalmente especializados (Tadajewsky, 2006). O que daria mais um

proveitoso estudo etnográfico ao abrigo do tema do consumo em Portugal.

Para muitos antropólogos “a produção, troca e o consumo” era suficiente para a

definição substantiva da economia. Mas os estudos sócio-culturais não se devem limitar

a descrever e a produzir etnografias holistas. Richard Wilk propõe que a Antropologia

Económica deveria ser a soma de todas as categorias e tipos de Economia, apesar do

Antropólogo querer ir mais longe e tentar explicar, comparar e saber as razões. Assim, a

Economia, no seu sentido formal, obedece a princípios naturais e universais do

pensamento humano. Estes princípios podem ser os mesmos que propiciam e servem de

alavanca à Economia não formal (doméstica), ou de comportamento (informal). Ou seja,

o preenchimento de necessidades materiais, sociais culturais, que não são bem

sucedidas com a economia formal. De facto, a este nível, o mercado Global formal não

consegue satisfazer todas as necessidades sociais das famílias. Cada país tem as suas

preocupações locais. Formalmente, o governo Português apresentou 100 compromissos

para uma política de família, durante a comemoração do X aniversário do Ano

Internacional da Família, no Teatro Dona Maria II, em Lisboa. Analisei os 100

compromissos e na sua maioria constituem avisos de prevenção, isto é,

existe uma consciência formal dos problemas económicos e sociais, mas não há

medidas objectivas para garantir os direitos e deveres das família, por exemplo:

compromisso 8 – “Prevenir o sobreendividamento sensibilizando-as para uma

economia doméstica equilibrada e um consumo consciente”8. Deste modo, estas

preocupações económicas, sociais e culturais provam que o modelo de protecção social

português é insuficiente, assumido formalmente pelo Governo, evidenciando um défice

no cumprimento das necessidades básicas da primeira célula do complexo tecido

7 França e Espanha e Inglaterra têm um regime de protecção à produção nacional e às marcas/empresas nacionais. Hoje compramos mais barato um queijo da marca President do que um queijo dos Açores.8 http://www.portugal.gov.pt/Portal/Print.aspx?guid=%7B52D898BB-619E-4390-8AC2-4E29997BCF7D%7D

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económico, a família. “A família é parte constitutiva do sistema económico e

político…” (Comas 1998, 112). A análise do consumo das famílias, pelo método

etnográfica, é uma excelente forma de as conhecer.

Independentemente da classe social, comprar significa: comprar sonhos e não meros

produtos. São os sonhos (com a sua carga simbólica) que realizam as pessoas. A

sedução do consumo é um fenómeno Global. O que está em jogo é participar de um

universo de valores culturais que determinado produto oferece. Consumir estes produtos

é ter a ilusão de pertencer ao universo simbólico que ele propõe. Todos os produtos e

serviços são, ao mesmo tempo, um muro e uma ponte. Quando alguém compra uma

mala Louis Vuitton constrói um muro em relação às pessoas que não têm Louis Vuitton.

Ao mesmo tempo, cria uma ponte com todos os outros consumidores de Louis Vuitton.

Os produtos são marcadores culturais que aproximam ou distanciam as pessoas. É o

poder da marca na mente dos consumidores que os faz pagar valores consideráveis para

terem uma mala Louis Vuitton. A marca é o principal activo de um produto ou empresa.

O que importa é o seu valor simbólico. Não adiantam todas as campanhas publicitárias a

dizer que a marca tem muita qualidade. Se os consumidores não lhe atribuirem essa

qualidade e não estiverem predispostos a pagar por essa qualidade, na prática, a marca

não terá qualidade. Será uma má marca. Todos os valores simbólicos são legíveis

culturalmente e interpretados pela sociedade. Os produtores das marcas podem querer

que elas sejam uma coisa, mas se a sociedade não fizer essa leitura, do que eles querem

passar, não serão essa coisa. Este é mais um exemplo da importância da relação inter

disciplinar, pois os marketeers não vão fazer o trabalho dos antropólogos e vice-versa.

O estudo etnográfico permite um estudo em detalhe e capta o ponto de vista das pessoas

envolvidas, ou os códigos de valores das pessoas envolvidas.A sedução do consumo é

um fenómeno mundial. Os países que tiveram uma economia fechada, como os antigos

Estados soviéticos na Europa dos anos 80, abrigam populações fortemente consumistas.

Até hoje, anos depois da abertura económica, o consumidor ainda busca formas de

compensar a emoção adiada tantas vezes em compras que ele não podia fazer. No

universo internacional da empresa Auchan, os oito hipermercados existentes em

Moscovo atingem um volume de vendas anual superior ao total de hipermercados em

Portugal. O consumo é a forma mais óbvia de demonstrar inserção num determinado

meio, mesmo que ele esteja longe da realidade económica do indivíduo. Na sociedade

actual, os hábitos de consumo mais refinados “ajudam” na interacção e reconhecimento

social. Afinal, é dessa necessidade humana de projectar uma imagem acima de suas

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posses que vivem as marcas exclusivas. Comprar é participar numa linguagem colectiva

de significados e identificações9. É como fazer parte de uma tribo. A tribo dos

consumidores deste ou daquele produto. Se existe uma identificação com uns, é porque

existe diferenciação de outros, ou seja, as pessoas buscam uma afirmação pessoal nas

compras. A sensação agradável de comprar é potencializada pelos elogios que as outras

pessoas fazem às escolhas. Se as pessoas forem elogiadas e valorizadas pela compra que

fizeram, sentir-se-ão recompensadas e felizes, e vão continuar a comprar (como se fosse

refém dos tais códigos e significações que lhe atribuem identidade cultural). 40% dos

consumidores, quando vão às compras, adquirem mais produtos do que aqueles que

necessitam ou previamente planearam, pois estão sempre “afundados” em emoções

quando fazem qualquer tipo de compra. São raros os casos de indivíduos que fazem

compras de forma estritamente objectiva e programada, como se elas fossem equações

matemáticas. Não é por acaso que as empresas ligadas ao consumo fazem avultados

investimentos em análises entender a estrutura mental do consumidor. O americano

John MacCracken é o responsável pela empresa ABM, que gere o programa ECR

(efficient consumer response), em Portugal, ou seja, um programa de gestão e

informação integrada, envolvendo toda a cadeia de abastecimento.

Page - 3Auchan Proprietary Data

9 June 2008

ECR Vision…ECR Vision…Four primary focus areas…

…tied together with integrated scorecards

1. CategoryPlanning

2. ManagePromotions

4. Micro Merchandising

IntegratedScorecards

3. ManageAssortment

Os grandes casos de sucesso são pontos de venda que envolvem o comprador num clima

de lazer e entretenimento. O objectivo principal é gerar promoções de forma eficiente e

direccionada. O melhor exemplo são as lojas temáticas americanas, como as da Nike,

Sony e Disney.

9 “ Os símbolos permitem que os seres humanos produzam e transmitam cultura” (Nick Agafonoff)

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Antropologia, ISCTE - 2008

O acto de compra está conotado com mecanismos de prazer da natureza humana que

mesmo as menores transacções são satisfatórias. Por exemplo, uma mulher quando

compra produtos de limpeza, pode obter prazer na valorização que ela terá por manter a

casa limpa e asseada para a sua família. Essa valorização é-lhe atribuída culturalmente.

Page - 17 Auchan Proprietary Data9 June 2008

2008 Participating Suppliers…2008 Participating Suppliers…

LEVER

Suppliers = 25 + Private Label

Algumas das empresas que participam no programa de gestão eficiente de promoções ao consumidor.

Nick Agafonoff, num texto recente (2006), “Qualitative Market Research” considera a

etnografia e o seu potencial como um método aplicado nas pesquisas qualitativas

comerciais. Estas análises ad hoc podem dar um verdadeiro sentido cultural às

pesquisas de mercado. Sugere uma reinterpretação da etnografia como caso de estudo e

de dados que podem ajudar a produzir tácticas e estratégicas, insights sobre aspectos do

comportamento do consumidor e da cultura. O objectivo do seu trabalho foi aprofundar

a natureza da etnografia para avaliar o seu potencial como método aplicado nas

pesquisas comerciais qualitativas. Mas antes temos que saber o que é a etnografia

(primeira pergunta levantada por quem nos solicita as análises) e o que faz um bom

etnógrafo. Um bom etnógrafo é alguém que procura activamente em descobrir o que

significa pertencer a um grupo social através de uma variedade de métodos.

“Mergulhando os dedos na água”, mesmo com toda a subjectividade do observador

participante. A etnografia é um importante instrumento adicional de investigação,

portanto. Tal como Agafonoff, penso que o primeiro obstáculo que temos que superar,

Rui Assis 15

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Antropologia, ISCTE - 2008

em Portugal, é convencer a sociedade do valor da etnografia, enquadrando-a

conceptualmente. O autor deu-lhe uma definição sociológica: “o acto de observar

directamente o comportamento de um grupo social e produzir uma descrição do

mesmo”. Literalmente, etnografia significa “desenho do grupo social”. Em outras

palavras, etnografia é um tipo específico de ilustração de uma vida cultural ou social, ou

experiência mundo. Todos os meios tecnológicos, em conjunto, servem para gravar e

comunicar os dados etnográficos fornecidos numa riquíssima variedade de percepção e

compreensão em grupos sociais e culturais. Nenhum destes meios é necessariamente ao

outro e cada um é agraciado com os seus próprios pontos fortes e fracos como

instrumento de investigação. No entanto, o advento da era digital promete um novo

mundo de inovação na documentação e apresentação dos resultados da investigação

etnográfica, atribuindo-lhe um inquestionável valor qualitativo. A etnografia é usada

como ferramenta de investigação para compreender o comportamento de compra do

consumidor desde que foi inventada a primeira “gôndola” (linear onde são expostos os

produtos) nos supermercados. Os observadores tentaram observar as expedições dos

shoppers e tomar notas detalhadas sobre o seu comportamento e decisão de compra.

Hoje, o recurso ao vídeo, ajuda-nos a não tomar decisões subjectivas sobre estes

comportamentos. Há ainda o recurso a uma entrevista pós shop, mostrando as imagens

do shopper e este faz a sua própria análise ao seu comportamento. O resultado é

profundo do ponto de vista da reacção do consumidor à publicidade in store. Esta

observação participante, pode fornecer-nos muitos dados qualitativos, pois os

consumidores dizem-nos o que realmente é importante para eles (a partir do seu ponto

de vista). Destas sessões podem sair visões estratégicas, a partir dos rituais e

necessidades dos consumidores. Assim, um dos resultados pode ser o desenvolvimento

de novos produtos, antecipando essas necessidades. Quanto ao consumidor, o recurso a

esta técnica pode ajudar a equipa de vendas de uma loja a identificar os vários tipos

existentes e promover uma interacção com estes clientes, aumentando as vendas. Tal

como o autor, também eu penso que a análise de comportamentos de consumo pode ser

o futuro da etnografia (por causa da interacção simbólica, já apontada). O mundo social

é como uma dinâmica dialéctica de interacção simbólica, como uma paisagem do

consumidor.

Mark Tadjewsky introduz um novo método qualitativo que é teoricamente sustentado na

Antropologia Cognitiva. A compreensão do complexo “verde” no comportamento do

consumidor e análise do ciclo de vida. Examina o contexto do “comportamento verde”,

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Antropologia, ISCTE - 2008

dos consumidores ambientalmente interessados. A Antropologia cognitiva é diferente,

mas complementar ao conhecimento da compreensão do comportamento do

consumidor, numa abordagem psicológica. O autor consegue, através de várias

entrevistas qualitativas, recuperar informações sobre o ciclo de vida num contexto de

compra e é neste contexto que compreende as transformações ocorridas durante esse

ciclo. Assim, torna-se mais fácil delinear estratégias de Marketing (com comunicação

direccionada – Green Marketing). Tasjewsky baseia a sua teoria numa profundidade de

entrevistas qualitativas (reforçando a ideia da importância da etnografia no estudo do

comportamento dos consumidores), criticando a concepção das investigações

tradicionais (sem a etnografia) por causa do problema da classificação em caixas

(“frames”), ou caixas negras.A Antropologia da Cognição aproxima-se do consumidor

num sentido prático, “sabendo o que está a fazer”. Esta abordagem encoraja os

pesquisadores académicos Há uma integração das informações de busca e

processamento do comportamento dos consumidores, dos seus problemas e da

elaboração e resolução de problemas do comportamento, bem como realça o papel da

experiência do antropólogo em processos de escolha. Normalmente as variáveis

exógenas, independentes, são vistas como as que influenciam as variáveis endógenas,

dependentes, tais como motivação, cognição ou escolha comportamento. Mas esta é

uma visão extremamente simplista. O contexto tem uma grande influência sobre a

tomada de decisão. A Antropologia Cognitiva coloca o contexto no centro das atenções.

As suas análises são orientadas contextualmente, onde é possível explicar o

comportamento real, já que ocorre num contexto específico de uma determinada tarefa.

Para analisar este comportamento fundamentado, temos que ter um pensamento prático,

onde entra o know-how do investigador para a resolução de problemas e orientar o

raciocínio. Esta opinião é intuitivamente atraente, uma vez que na nossa vida de práticas

quotidianas de consumo, temos que recorrer à negociação, mas poucos têm respostas

óptimas. Assim, acabamos com o problema do framing. Concentramo-nos nos atributos

ou situações que podem influenciar a escolha ou comportamento de compra, através da

experiência pessoal (carga histórica)dos próprios consumidores. Seguidamente

explorados e documentados pelo antropólogo cognitivo10.

10 O autor levanta questões étnicas, que não abordarei propositadamente. Pretendo colocar a Antropologia ao lado das outras ciências da empresa e consumo. Nesta fase importa realçar as vantagens do método etnográfico (seja pela via cognitiva ou outra).

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Antropologia, ISCTE - 2008

Mas, então quais são as dificuldades que um recém licenciado em Antropologia pode

enfrentar, no que respeita ao impacto dos seus estudos etnográficos sobre as pessoas?

Apesar da conotação histórica da Antropologia ao serviço do Colonialismo, esta ciência

vê-se como defensora dos menos poderosos e como um instrumento de politica pública.

Outras ciências, como o Marketing, assistem à mudança cultural do trabalho e do

planeta. Para John Sherry Jr., a etnografia,actualmente, assume uma importância

crescente na comercialização e no esforço para influenciar a resistência dos

consumidores contra as forças da globalização. Mas é necessário uma abordagem ética

do mercado e do comportamento dos consumidores, uma vez que a etnografia se torne

uma corrente metodológica querida, em estudos de mercado.

A linguagem do Marketing tenta representar um novo paradigma social. Há uma

linearidade discursiva que pode levar a crioulização cultural e a uma nova coordenação

do quotidiano, criando novas necessidades de monitorização. Passou a ser uma

ferramenta de interacção social, criando uma sociedade em rede. O individuo, enquanto

agente social, pode ser “classificado” como pertencente a um determinado grupo que se

identifica com uma marca ou com um estilo criado por essa marca. Ma este novo

paradigma social, tem expectativas ilimitadas e, ao mesmo tempo, enganosas. Ilimitadas

por se pensar que se pode saber tudo (conhecimento Global) em tempo real. À

comunicação Global associa-se os valores de liberdade. Enganosas porque não só não

são ilimitadas, como parecem ilimitadas. É um paradoxo perverso. É certo que a

tecnologia11 aumenta poderosamente as possibilidades de comunicação e até de

conhecimento Global. Abre novas perspectivas, cria novas relações sociais e imprime

novos ritmos à ciência e à cultura. Abre novas fronteiras. Mas são virtudes limitadas.

Ou falsas no seu propósito enganador de potencialidades ilimitadas. A sociedade da

comunicação e do consumo mantém traços tradicionais nas estruturas de poder,

hierarquias de valores, desigualdades sociais e outros privilégios déspotas. Esta lógica

de comunicação e consumo global cria a ilusão de igualdade (todos os que têm

possibilidades de obter um determinado bem de consumo, têm as mesmas condições

teóricas), por um lado, e cria novas desigualdades (diferença hemisfério Norte versus

hemisfério Sul). Enraíza novos despotismos, protege novos segredos, destrói a

diversidade cultural e oculta a falta de pluralidade. A comunicação do Marketing e

consumo Global esconde problemas sociais, políticos, económicos, étnicos ou religiosos

11 Sara Pink, 2006, O Futura da Antropologia Visual (a importância da hipermédia na etnografia e na sociedade em geral)

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Antropologia, ISCTE - 2008

que necessitam de resolução e soluções adequadas. Só a Etnografia pode ajudar a

compreender estes problemas e do ponto de vista da análise do consumo, interpretar o

comportamento dos consumidores no seu contexto. O Antropólogo deve investir na

conceitualização da cultura do consumo. Todos os antropólogos são também

consumidores, o que lhes confere autoridade crítica nas suas reflexões. Na elaboração

destas reflexões deve existir um diálogo interpretativo e que postule o relativismo

cultural e a incomensurabilidade entre a culturas, sem pôr em causa o relativismo ético,

de modo a que as sensibilidades sócio-culturais e históricas no seu contexto, enquanto

origem e representação de fenómenos, seja apreciado e tido em conta na análise.

Exploração de uma identidade nacional ocidental:

Mercado Roque Santeiro - Luanda: negócios a céu aberto.

Rui Assis 19

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Antropologia, ISCTE - 2008

Conclusão

O futuro da Antropologia depende de como os novos praticantes passarão a mensagem

da importância da etnografia e nos estudos dos fenómenos do quotidiano (sobretudo a

partir do comportamento dos consumidores). Os novos antropólogos têm a obrigação

combinar escrita (teórica, descritiva, pedagógica e antropologia aplicada) com

narrativas audiovisuais e fotográficas com representações de conhecimentos e

experiências. Criando textos que podem ser referências e assim interagir com os

organismos existentes do conhecimento. Este novo discurso antropológico já está a

transformar a antropologia.

A Etnografia é a ciência chave para representar e interpretar os lares dos consumidores

no seu contexto cultural, numa interacção disciplinar. Conhecendo as necessidades dos

consumidores (através do método de observação participante) as indústrias podem

antecipar a concepção de produtos e os distribuidores comerciais (Hipermercados,

supermercados) podem adaptar o lay-out das suas gôndolas para servir os seus clientes

com mais eficácia. Por outro lado, as empresas devem continuar a “patrocinar” a

Antropologia e o método da observação participante.

O consumo está ligado a representações simbólicas de índole cultural, que só podem ser

interpretadas pelo antropólogo. O consumo é fundamental para todos os estudos sobre

os humanos, propiciando um crescente aumento do interesse da Antropologia da

Cognição.

As questões de ética e responsabilidade começam a ser percebidas a partir das outras

ciências, o que significa que o futura da Antropologia pode ser animador, sobretudo na

sua aplicação fora das Universidades.

O trabalho de campo é a aplicação da Antropologia, por definição, deve ser

contemplado nos estudos das empresas e do comportamento dos consumidores.

Por outro lado é tempo de abrir as portas das Universidades à literatura empresarial, tal

como já fazemos com os romances identificadores de contextos sociais e históricos

(exemplo África), talvez pela criação recente, nos anos 80 da NAPA ( nos EUA).

“O Homem é um empreendedor que tenta manipular normas e relações sociais para

seu proveito próprio, ao invés de o encarar como um membro de um grupo

passivamente obediente ás suas normas e pressões” (Boissevain 1987, 201).

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Antropologia, ISCTE - 2008

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Antropologia, ISCTE - 2008

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