4
Ao véu de neve prendia. Depois, ligeira, impaciente, Chegava-se à gelosia A ver se o sol já dourava Os cimos da serrania, E a alva flor da laranjeira Ao véu de neve prendia. De vez em quando chorava... E o que chorar a fazia? Saudades do que passara? Terrores do que viria? E a alva flor da laranjeira Ao véu de neve prendia. Mas são lágrimas de noiva, Um só beijo as secaria, São como gotas de orvalho Quando o Sol as alumia; E a alva flor da laranjeira Ao véu de neve prendia. Que longo porvir d'amores, Que futuro de poesia, Que palácios encantados Lhe pintava a fantasia, Quando a flor da laranjeira Ao véu de neve prendia! E ao casto leito de virgem Dentro da alcova sombria, A noiva, de vez em quando, Inquieta os olhos volvia;

Ao Véu de Neve Prendia

Embed Size (px)

DESCRIPTION

poema

Citation preview

Page 1: Ao Véu de Neve Prendia

Ao véu de neve prendia. 

Depois, ligeira, impaciente,

Chegava-se à gelosia

A ver se o sol já dourava

Os cimos da serrania,

E a alva flor da laranjeira

Ao véu de neve prendia.

De vez em quando chorava...

E o que chorar a fazia?

Saudades do que passara?

Terrores do que viria?

E a alva flor da laranjeira

Ao véu de neve prendia.

Mas são lágrimas de noiva,

Um só beijo as secaria,

São como gotas de orvalho

Quando o Sol as alumia;

E a alva flor da laranjeira

Ao véu de neve prendia.

Que longo porvir d'amores,

Que futuro de poesia,

Que palácios encantados

Lhe pintava a fantasia,

Quando a flor da laranjeira

Ao véu de neve prendia!

E ao casto leito de virgem

Dentro da alcova sombria,

A noiva, de vez em quando,

Inquieta os olhos volvia;

E a alva flor da laranjeira

Ao véu de neve prendia.

Page 2: Ao Véu de Neve Prendia

Por entre o rosai florido,

Que o balcão lhe entretecia

As avezinhas cantavam

Com festiva melodia.

E ela a flor da laranjeira

Ao véu de neve prendia.

Alto ia o Sol, resplendente

Na manhã daquele dia,

Cuja noite... Esta lembrança

Da noiva as faces tingia;

E a alva flor da laranjeira

Ao véu de neve prendia.

A mãe, vendo-a tão formosa,

Julgava um sonho o que via,

Que o vestido de noivado

As graças lhe encarecia,

E a alva flor da laranjeira

Do véu de neve pendia.

Vêm as irmãs, que a contemplam

Com inveja, eu juraria:

Ela baixa os olhos, cora,

O que mais bela a fazia,

E a alva flor da laranjeira

Do véu de neve pendia.

Junto delas, perturbada,

Quase nem falar podia;

Só as mães bem compreendem

O que a noiva então sentia,

Quando a flor da laranjeira

Do véu de neve pendia.

As horas passam tão lentas!

Page 3: Ao Véu de Neve Prendia

E o coração lhe batia,

A mãe chorava, coitada,

Com saudades o fazia;

E a alva flor da laranjeira

Do véu de neve pendia.

A sala já estava cheia;

A noiva achava-a vazia,

Que entre tantos convidados

Ainda o noivo se não via;

E a alva flor da laranjeira

Há muito do véu pendia!

Passa a manhã, e não chega!

Não chega, e é já meio-dia!

Nas varandas, nos eirados,

Se dispersa a companhia;

E a alva flor da laranjeira

Há tanto do véu pendia!

O rosto da bela noiva

Cada vez mais se anuvia,

Não sei que voz misteriosa

Desgraças lhe pressagia;

E a alva flor da laranjeira

Inda do véu pendia.

Fenece a tarde. Eis a noite,

Hora de melancolia.

No rosto dos convidados

Desassossego se lia,

E a alva flor da laranjeira

No véu da noiva tremia.