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07/01/2015 Inteiro Teor (6782122) http://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/inteiro_teor.php?orgao=1&documento=6782122&termosPesquisados=alcool 1/55 APELAÇÃO CÍVEL Nº 501774224.2012.404.7100/RS RELATOR : LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE APELANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL APELADO : AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA ANVISA : UNIÃO ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO INTERESSADO : ASSOCIACAO BRASILEIRA DA INDUSTRIA DA CERVEJA (CERVBRASIL) ADVOGADO : GUSTAVO BINENBOJM INTERESSADO : ASSOCIACAO BRASILEIRA DE EMISSORAS DE RADIO E TV ADVOGADO : LIANA MARIA PREHN ZAVASCKI : FRANCISCO PREHN ZAVASCKI EMENTA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINARES AFASTADAS. REUNIÃO DAS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS PARA JULGAMENTO CONJUNTO EM FACE DA CONEXÃO. SUSPENSÃO PROCESSUAL ADO 22/STF DESNECESSIDADE. PROPAGANDA COMERCIAL DE BEBIDAS ALCOÓLICAS. RESTRIÇÕES LEGAIS. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA LEI SEGUNDO SEUS FINS SOCIAIS E AS EXIGÊNCIAS DO BEM COMUM. ABRANGÊNCIA NACIONAL. 1. A Anvisa e a União são partes legítimas para responder a ação que busca aplicar às propagandas comerciais o conceito de bebida alcoólica mais restritivo. 2. Não se cogita de litisconsórcio passivo necessário com a Associação Brasileira de Bebidas, uma vez que se busca tutelar questão de saúde pública. 3. Desnecessária a suspensão do processo em face de ação direta de inconstitucionalidade por omissão ajuizada (ADO nº 22/STF), uma vez que não se está a dirimir acerca da omissão do Poder Legislativo. 4. A adoção do programa de política pública para pautar a atuação administrativa com a ampliação do conceito de bebida alcoólica estabelecido na lei para fins de propaganda leva em conta a evolução legislativa e social, calcada em preceitos constitucionais brasileiros. Também o legislador, supervenientemente, com a Lei de Trânsito, passou a adotar mesmo entendimento. 5. O legislador da Lei nº 11.705/08 não teve a intenção de bolir com o conceito de bebida alcoólica, previsto na Lei nº 9.494/96, para fins de publicidade. Entretanto, é sabido que, uma vez promulgada a lei, ganha vida própria, libertandose da "mens legislatoris", a qual poderá ou não se adequar à interpretação sistemática do direito. 6. Existe incompatibilidade total (revogação tácita) entre os conceitos de bebida alcoólica contidos em ambas as leis. Não podem coexistir no ordenamento jurídico dois conceitos distintos de bebida alcoólica; um, para fins de propaganda, e outro, para fins de proteção ao trânsito. 7. O Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo (REsp 1.243.887/PR) concluiu que os efeitos e eficácia da sentença proferida em ação civil pública não ficam circunscritos aos limites geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 501774224.2012.404.7100/RS RELATOR ... · advogado : gustavo binenbojm interessado : associacao brasileira de emissoras de radio e tv advogado : liana maria

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017742­24.2012.404.7100/RSRELATOR : LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLEAPELANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALAPELADO : AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA ­ ANVISA

: UNIÃO ­ ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

INTERESSADO : ASSOCIACAO BRASILEIRA DA INDUSTRIA DA CERVEJA(CERVBRASIL)

ADVOGADO : GUSTAVO BINENBOJMINTERESSADO : ASSOCIACAO BRASILEIRA DE EMISSORAS DE RADIO E TVADVOGADO : LIANA MARIA PREHN ZAVASCKI

: FRANCISCO PREHN ZAVASCKI

EMENTA

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINARES AFASTADAS. REUNIÃODAS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS PARA JULGAMENTO CONJUNTO EMFACE DA CONEXÃO. SUSPENSÃO PROCESSUAL ­ ADO 22/STF ­DESNECESSIDADE. PROPAGANDA COMERCIAL DE BEBIDASALCOÓLICAS. RESTRIÇÕES LEGAIS. INTERPRETAÇÃOSISTEMÁTICA DA LEI SEGUNDO SEUS FINS SOCIAIS E ASEXIGÊNCIAS DO BEM COMUM. ABRANGÊNCIA NACIONAL.1. A Anvisa e a União são partes legítimas para responder a ação que busca

aplicar às propagandas comerciais o conceito de bebida alcoólica mais restritivo.2. Não se cogita de litisconsórcio passivo necessário com a Associação

Brasileira de Bebidas, uma vez que se busca tutelar questão de saúde pública.3. Desnecessária a suspensão do processo em face de ação direta de

inconstitucionalidade por omissão ajuizada (ADO nº 22/STF), uma vez que não se está adirimir acerca da omissão do Poder Legislativo.

4. A adoção do programa de política pública para pautar a atuaçãoadministrativa com a ampliação do conceito de bebida alcoólica estabelecido na lei para finsde propaganda leva em conta a evolução legislativa e social, calcada em preceitosconstitucionais brasileiros. Também o legislador, supervenientemente, com a Lei de Trânsito,passou a adotar mesmo entendimento.

5. O legislador da Lei nº 11.705/08 não teve a intenção de bolir com o conceitode bebida alcoólica, previsto na Lei nº 9.494/96, para fins de publicidade. Entretanto, é sabidoque, uma vez promulgada a lei, ganha vida própria, libertando­se da "mens legislatoris", aqual poderá ou não se adequar à interpretação sistemática do direito.

6. Existe incompatibilidade total (revogação tácita) entre os conceitos de bebidaalcoólica contidos em ambas as leis. Não podem coexistir no ordenamento jurídico doisconceitos distintos de bebida alcoólica; um, para fins de propaganda, e outro, para fins deproteção ao trânsito.

7. O Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo (REsp1.243.887/PR) concluiu que os efeitos e eficácia da sentença proferida em ação civil públicanão ficam circunscritos aos limites geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do quefoi decidido.

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8. Para a consideração e aplicação do conceito de bebida alcoólica como sendoaquela que possui grau Gay­Lussac maior que 0,5, também às propagandas de rádio etelevisão, fica estabelecido o prazo de 180 (cento e oitenta dias), a contar da publicação dopresente acórdão, prazo esse razoável para a alteração dos critérios a serem seguidos emcontratos comerciais com o objeto da presente demanda.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide aEgrégia 4a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, darprovimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendoparte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 11 de dezembro de 2014.

Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo AurvalleRelator

Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle,Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e ResoluçãoTRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento estádisponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante opreenchimento do código verificador 6782122v8 e, se solicitado, do código CRC 2706D8FE.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): Luís Alberto D'Azevedo AurvalleData e Hora: 17/12/2014 13:10

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017742­24.2012.404.7100/RSRELATOR : LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLEAPELANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALAPELADO : AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA ­ ANVISA

: UNIÃO ­ ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

INTERESSADO : ASSOCIACAO BRASILEIRA DA INDUSTRIA DA CERVEJA(CERVBRASIL)

ADVOGADO : GUSTAVO BINENBOJMINTERESSADO : ASSOCIACAO BRASILEIRA DE EMISSORAS DE RADIO E TVADVOGADO : LIANA MARIA PREHN ZAVASCKI

: FRANCISCO PREHN ZAVASCKI

RELATÓRIO

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Trata­se de ação civil pública, com pedido de antecipação de tutela, buscando oMinistério Público Federal a procedência da ação para determinar:

c.1) à ANVISA e à UNIÃO para que, por seus órgãos competentes, passem a aplicar asrestrições legais à publicidade de bebidas alcoólicas com teor igual ou superior a 0,5 (meio)grau Gay­Lussac:

c.1.1) somente será permitida a propaganda comercial de bebidas alcoólicas nas emissorasde rádio e televisão entre as vinte e uma e as seis horas (art. 4º, caput, da Lei 9.294/96),

c.1.2) somente será permitida a propaganda comercial de bebidas alcoólicas nas emissorasde televisão entre as vinte e uma hora e as vinte e três horas nos casos de obras audiovisuaisnão recomendadas para menores de 18 anos, nos termos da classificação indicativa em vigor(Portaria nº 1.220, de 11 julho de 2007, do Ministro da Justiça),

c.1.3) a propaganda de bebidas alcoólicas não poderá associar o produto ao esporte olímpicoou de competição, ao desempenho saudável de qualquer atividade, à condução de veículos e aimagens ou idéias de maior êxito ou sexualidade das pessoas ( § 1º do artigo 4º da Lei9.294/96);

c.1.4) os rótulos das embalagens de bebidas alcoólicas conterão advertência nos seguintestermos: 'Evite o consumo excessivo de álcool' (§ 2º do artigo 4º da Lei 9.294/96);

c.1.5) na parte interna dos locais em que se vende bebida alcoólica, deverá ser afixadaadvertência de forma legível e ostensiva de que é crime dirigir sob a influência de álcool,punível com detenção (art. 4º­A da Lei 9.294/96);

c.1.6) é vedada a utilização de trajes esportivos, relativamente a esportes olímpicos, paraveicular a propaganda de bebidas alcoólicas (art. 6º da Lei 9.294/96);

c.1.7) as restrições acima enumeradas aplicam­se para eventos alheios à programaçãonormal e rotineira das emissoras de rádio e televisão e à propaganda estática existente emestádios, veículos de competição e locais similares;

c.1.8) bebidas alcoólicas não poderão ser objeto de promoção, mediante distribuição deprêmios (artigo 10 do Decreto 70.951, de 09 de agosto de 1972) que dispõe sobre adistribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale­brinde ou concurso, a título depropaganda, e estabelece normas de proteção à poupança popular');

c.2) à ANVISA para que passe a aplicar, em caso de descumprimento das restriçõesrelacionadas no item 'a', supra, as sanções previstas no art. 9º da Lei nº 9.294/96, nos termosde sua competência exclusiva ou concorrente com a vigilância sanitária municipal, inclusivecom relação às agências de publicidade responsáveis por propaganda de âmbito nacional (art.9º, § 4º, I, da Lei 9.294/96);

c.3) à União Federal (órgão de regulamentação da aviação civil do Ministério da Defesa)para que, em caso de descumprimento das restrições relacionadas no item 'a', supra, passe aaplicar as sanções previstas no art. 9º da Lei nº 9.294/96 em relação a infrações verificadasno interior de aeronaves (art. 9º, § 4º, II, da Lei 9.294/96);

c.4) à União (órgão do Ministério das Comunicações responsável pela fiscalização dasemissoras de rádio e televisão) para que, em caso de descumprimento das restriçõesrelacionadas no item 'a', supra, passe a aplicar as sanções previstas no art. 9º da Lei nº9.294/96 ­ (art. 9º, § 4º, III, da Lei nº 9.294/96);

c.5) à União Federal (órgão de regulamentação de transportes do Ministério dos Transportes)

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para que, em caso de descumprimento das restrições relacionadas no item 'a', supra, passe aaplicar as sanções previstas no art. 9º da Lei nº 9.294/96 em relação a infrações ocorridas nointerior de transportes rodoviários, ferroviários e aquaviários de passageiros (art. 9º, § 4º,IV, da Lei nº 9.294/96);..................

e) a fixação de multa diária no valor de R$ 50.000,00, a ser revertida para o Fundo de Defesados Direitos Difusos (art. 13 da Lei 7347/85), para o caso de descumprimento dadeterminação judicial, inclusive derivada da antecipação dos efeitos da tutela.

O pedido de antecipação de tutela foi indeferido (fls. 311 a 313 ­ evento 2 ­DECISÃO/20). Interposto agravo de instrumento pelo Ministério Público Federal (nº0035426­75.2010.404.0000/RS), o mesmo foi convertido em retido.

Com contestação pela União (evento2 ­ CONTESTA7) e pela ANVISA(CONTESTA19) adveio sentença julgando improcedente o pedido. Sem condenação emhonorários advocatícios.

Apela o Ministério Público Federal (evento2 ­ APELAÇÃO32) aduzindoconsiderações sobre a possibilidade de sentença aditiva e a necessidade de o Poder Judiciárioproteger o direito difuso à vida, à saúde, principalmente a das crianças e adolescentes contra apublicidade irrestrita de determinadas bebidas alcoólicas. Postula a prevalência do artigo 220,§ 4º da Constituição Federal.

Com contrarrazões (evento2 ­ CONTRAZ 34 e 36), vieram os autos a estaCorte, perante a qual o Ministério Público Federal ofertou parecer pelo provimento do apelo(evento4).

Deferidos os pedidos de ingresso na lide como assistentes da requerida,formulados por CERVBRASIL ­ Associação Brasileira da Indústria da Cerveja e por ABERT­ Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão.

É o relatório.

VOTO

Inicialmente, friso que em torno da mesma matéria, tramitam neste Tribunal,

sob minha Relatoria ­ em virtude de precedente reconhecimento da necessidade de julgamentoem conjunto ­ mais outras duas ações civis públicas, as de nº 5012924­20.2012.404.7200 e nº2008.70.00.013135­1.

Considerando que as referidas ações buscam a mesma prestação jurisdicional,

tenho por apresentar os feitos em conjunto, estabelecida que foi a reunião dos processosperante este mesmo Relator, em face de conexão.

Considerando o julgamento conjunto dos apelos, para facilitar a apreciação e

julgamento, entendi por apreciar os apelos em conjunto. É ao que passo.

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Ações nº 2008.70.00.013135­1/PR, nº 5012924­20.2012.404.7200 e nº

5017742­24.2012.404.7100 Preliminares ­ Litisconsórcio passivo necessário com a Associação

Brasileira de Bebidas ­ Ilegitimidade passiva da União As preliminares foram bem apreciadas na v. sentença proferida nos autos da AC

nº 5012924­20.2012.404.7200, sendo válida a transcrição como razões de decidir: A ANVISA é parte legítima, já que, nos termos da lei que a criou, compete­lhe promover aproteção da saúde da população por meio do controle sanitário da produção e dacomercialização (incluída aqui a publicidade) de produtos, dentre eles bebidas. Já o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça,pertencente à União Federal, também possui, concorrentemente, atribuições no campo dafiscalização da publicidade de produtos potencialmente nocivos à saúde do consumidor,conforme prevêem os artigos 27, XIV, e da Lei 10.683/03 e Lei 8078/90, artigos 4º, incisos I,II, II e IV, artigo 55, § 1º, 3º, 4º e artigo 106, incisos I e VII. Assim, também não há que sefalar em ilegitimidade da União. De outra parte, não há que se falar em litisconsórcio passivo necessário com a AssociaçãoBrasileira de Bebidas, tal como alegado pela União, considerando que se visa unicamente atutelar questão de saúde pública. Ora, as repercussões decorrentes da decisão judicial aalcançar empresas fabricantes de bebidas alcoólicas serão reflexos fáticos referentes àatuação pública dos réus, não significando legitimidade processual para a lide. Eventuaislimitações à publicidade de bebidas alcoólicas dizem respeito apenas à atuação da União eANVISA, não cabendo à Associação Brasileira de Bebidas responder por fatos que são deresponsabilidade dos entes públicos. Em embargos de declaração, nos autos da ACP foi afastada a alegação de

litispendência com ACP nº 2009.71.00.019713­7 (5017772­24.2012.404.7100). Na ACP ajuizada em 2012, nº 5012924­20.2012.404.7200, o Ministério Público

Federal entende, em síntese, que a legislação ordinária mudou com o tempo e postula aaplicação do conceito de bebida alcoólica previsto na Lei nº 11.705/2008 ­ Lei de Trânsito,também às restrições para propaganda.

Na ACP ajuizada em 2009 (RS), nº 2009.71.00.019713­7 (5017742­

24.2012.404.7100), a inicial da ação assevera, em síntese, a omissão da União e da ANVISAno cumprimento do dever de proteção à pessoa contra a propaganda de produtos nocivos (CF,art. 220, § 3º, II) e à prioridade absoluta à saúde de crianças e adolescentes (CF, art. 227,caput).

Na ACP ajuizada em 2008 (PR), nº 2008.70.00.01335­1, o pleito diz com a

prejudicial de declaração incidental de inconstitucionalidade da Lei nº 9.494/96 edeterminação para que a União edite em 40 dias atos administrativos gerais e nacionais,necessários à restrição, em todo o território nacional, da veiculação das propagandascomerciais de cerveja e demais bebidas alcoólicas de teor igual ou superior a 0,5 GL, forado horário compreendido entre 23 horas e 06 horas. Discorre a inicial, em síntese, acerca dos

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demais diplomas legais que atentam para essa definição e também para a necessáriaprevalência do direito à vida, especialmente das crianças e adolescentes, sobre o direito deexpressão comercial.

Sendo assim, no meu entendimento e diante da análise que pretendo realizar,

não há litispendência entre as ações, mas conexão, o que resultou na reunião dos processossob a mesma Relatoria e inclusão em pauta conjuntamente.

Analisarei a questão da necessidade ou não da suspensão processual em razão

do trâmite da ADO 22/STF no decorrer da análise do mérito. Mérito 1. A análise constitucional Ao julgar procedente a ação civil pública nº 5012924­20.2012.404.7200, assim

fundamentou o MM. Juiz Federal Marcelo Krás Borges sua convicção: Ora, a controvérsia reside em saber se pode o legislador estabelecer dois conceitos jurídicospara a bebida alcoólica, um para a publicidade e outro para a suspensão do direito de dirigir. Entendo que o legislador não possui poderes ilimitados, ou seja, não pode legislarcontrariando os princípios insculpidos em nossa Constituição. A Constituição Federal estabelece que a saúde é um direito de todos e concedeu superlativaimportância a tal direito, tanto que determinou expressamente a limitação da publicidade debebidas alcoólicas no artigo 220, já transcrito. Entendo que o constituinte não poderia criar tão evidente limitação se não concedesseimportância fundamental ao direito à saúde. Com efeito, é sabido por todos dos efeitos nocivos da utilização de bebidas alcoólicas porcrianças e adolescentes, que iniciam a vida adulta já com os caminhos direcionados a outrasdrogas, ao invés de se dedicarem aos estudos e ao trabalho. Neste sentido, o legislador não poderia excluir dos limites da publicidade as bebidasalcoólicas com menos teor alcoólico, já que está evidentemente contrariando o textoconstitucional. A Constituição Federal, no artigo 220, § 3º, inciso II estabelece que haverálimitação na publicidade de produtos nocivos à saúde, como se infere: 'estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de sedefenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem odisposto no artigo 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços quepossam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.'

Neste sentido, o legislador, ao afastar a limitação constitucional de algumas bebidasalcoólicas, tal como o vinho e a cerveja, afrontou diretamente o texto constitucional,colocando o interesse econômico da indústria de bebidas acima da saúde pública. Desta forma, entendo que o legislador, ao atender exclusivamente aos interesses financeirosda indústria de bebidas, acabou por burlar uma determinação expressa do textoconstitucional. Tal liberação de algumas bebidas alcoólicas seria o mesmo que considerar quea cerveja e os vinhos não são nocivos à saúde. É certo que o consumo moderado não

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prejudica a saúde. Todavia, como os meios de comunicação lidam com adolescentes, queestão a começar a vida, o próprio constituinte tratou de limitar a publicidade, de modo adiminuir a influência nociva sobre aqueles que possuem pouco discernimento sobre que rumosa tomar em sua vida. Por conseguinte, considerando que o legislador não cumpriu o seu papel determinado pelaConstituição, o Poder Judiciário, quando acionado, não poderia ficar inerte. Com efeito, nãose trata de intromissão na esfera do Poder Legislativo, mas sim em garantir a eficácia daConstituição. A saúde pública é um bem jurídico que não pode ser simplesmentedesconsiderado e colocado em plano secundário pelo legislador ordinário, como se osinteresses econômicos da indústria de bebidas alcoólicas fosse um bem jurídico de mais valia. Destarte, é notória a inversão de valores operada pelo legislador, que não atendeu aocomando constitucional e deixou de limitar a publicidade de algumas bebidas alcoólicas quesão igualmente nocivas. Saliente­se que, em razão da publicidade de bebidas alcoólicas,milhares de vidas de jovens são diariamente perdidas. Verifica­se, pois, que a sentença proferida nos autos da AC nº 5012924­

20.2012.404.7200 fundamentou­se também no fato ter a Lei nº 9.294/96 incorrido no vício dainconstitucionalidade, por ter excluído dos limites horários protegidos da publicidade asbebidas de menor teor alcoólico, contrariando os princípios insculpidos nos arts. 220 e 221 daConstituição Federal.

Entretanto, não pode ser ignorado o fato de que a constitucionalidade de tal

legislação já passou pelo crivo do Col. STF, através da ADIn nº 1.755­5, logo após suavigência, tendo o Pretório Excelso assim decidido:

"CONSTITUCIONAL. LEI FEDERAL. RESTRIÇÕES AO USO E À PROPAGANDA DEPRODUTOS FUMÍGEROS, BEBIDAS ALCOÓLICAS, ETC. IMPUGNAÇÃO DODISPOSITIVO QUE DEFINE O QUE É BEBIDA ALCOÓLICA PARA OS FINS DEPROPAGANDA. ALEGADA DISCRIMINAÇÃO LEGAL QUANTO ÀS BEBIDAS COM TEORALCOÓLICO INFERIOR A TREZE GRAUS GAY­LUSSAC. A SUBTRAÇÃO DA NORMADO CORPO DA LEI, IMPLICA EM ATUAR ESTE TRIBUNAL COMO LEGISLADORPOSITIVO, O QUE LHE E VEDADO. MATÉRIA PARA SER DIRIMIDA NO ÂMBITO DOCONGRESSO NACIONAL. PRECEDENTES. AÇÃO NÃO CONHECIDA." (ADIN 1.755­5/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 15/10/98). Tal constatação levou a MM. Juíza Federal Substituta Helena Furtado da

Fonseca a julgar improcedente a ACP 2009.71.00.019713­7 ­ AC nº 5017742­24.2012.404.7100 como segue:

Em que pese o não­conhecimento da aludida ADIN, insta reconhecer que, por via oblíqua, aCorte Suprema assentou a impossibilidade de o Poder Judiciário atuar como legisladorpositivo no caso em discussão. E, em verdade, é exatamente o que pretende o autor napresente demanda. Dessa maneira, observo que não há omissão do Poder Legislativo, uma vez que, por meio daLei 9.294/96, restringiu a propaganda comercial de bebidas alcoólicas. O alcance darestrição e seus limites devem ser dados pelo Poder constitucionalmente legitimado paratanto e não por meio do Poder Judiciário. Nessa toada, sem descurar da relevância dos argumentos metajurídicos apresentados naexordial, tem­se que o legislador decidiu soberanamente que os cidadãos brasileiros fiquem adescoberto da propaganda de bebidas que tenham teor alcoólico inferior ao determinado pela

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lei. A despeito de toda a documentação científica, impende­se concluir que compelir o PoderPúblico a efetuar tal classificação importaria em malferir o princípio da separação depoderes, sobre o qual se assenta a República Federativa do Brasil. Estaria o Poder Judiciáriousurpando a função legislativa, atribuída precipuamente, pela Magna Carta, ao CongressoNacional. Instado, por meio de declaratórios, a se manifestar sobre a decisão da Corte

Suprema acima transcrita, o prolator da sentença nos autos da AC nº 5012924­20.2012.404.7200 assim se pronunciou:

O Poder Legislativo não tem o poder discricionário para decidir se cumpre ou não aConstituição. Jamais o Poder Judiciário poderia obrigar o Poder Legislativo a editar uma lei,pois isto seria uma indevida interferência entre os poderes. Todavia, isto não significa que oPoder Judiciário não possa garantir a eficácia do texto constitucional. Assim, não vislumbrocontradição alguma com a ADIN 1.755­5, eis que naquela ação pretendia­se a subtração danorma legal. Nesta ação não se pretende subtrair a norma legal, mas dar­lhe eficácia,interpretar a norma em conformidade com os mandamentos constitucionais. Desta forma, esteJuízo não pretende rediscutir a citada ADIN e até concorda com tal decisão, pois nãovislumbro nenhuma inconstitucionalidade evidente no artigo 1º da Lei nº 9.294/96, eis que tallei apenas restringiu a publicidade de algumas bebidas alcoólicas. Tal norma, por si só, não éinconstitucional. Inconstitucional, sim, é a atuação da União e da ANVISA, que está adesobedecer aos artigos 220, § 4º, combinado com os artigos 220, § 3º, inciso II, daConstituição Federal em relação a algumas bebidas alcoólicas, tais como as cervejas e osvinhos. Não há como afastar a superioridade hierárquica da decisão proferida, por fas ou

por nefas, pelo STF. Logo, não há como reconhecer a alegada inconstitucionalidade doparâmetro quantitativo estabelecido na Lei nº 9.294/96, por mais que ele possa ferir ointeresse público, aliás, conforme expressamente reconhecido pela Administração Federal,que, ao editar o Decreto nº 6.117/07, aprovando a "Política Nacional sobre o Álcool",considerou como bebida alcoólica "aquela que contiver 0.5 graus Gay­Lussac ou mais deconcentração".

Saliente­se que tramita perante o Supremo Tribunal Federal a ação direta de

inconstitucionalidade por omissão (ACO nº 22). A questão não pode ser enfrentada comoomissão legislativa. Para tanto, a via excepcional da referida ação. Na referida ação poromissão busca­se o reconhecimento da mora legislativa parcial quanto à regulamentação doart. 220, § 4º, da Constituição Federal, com extensão das normas previstas na Lei nº 9.294/96a todas as bebidas alcoólicas, independentemente do grau de teor alcoólico.

De aí, tenho que o direcionamento e a conclusão do feito devem ocorrer com

base na interpretação das leis infraconstitucionais, na evolução legislativa e no maior alcancedas normas e princípios que regem o ordenamento legal e constitucional, o que é dado aoJulgador fazer.

2. A análise infraconstitucional Assim, afastada a possibilidade de conclusão pela inconstitucionalidade da Lei

nº 9.294/96, abre­se a possibilidade, em nível infraconstitucional, de verificar se a referidalegislação teve ela sua força cogente alterada com o advento da Lei nº 11.705/08.

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Em se tratando de embate entre regras, e não mais de princípios, sabida é a lição

de ROBERT ALEXY no sentido de ser inviável qualquer espécie de ponderação: "unconflicto entre reglas solo pude ser solucionado o bien introduciendo en una de las reglasuna cláusula de excepción que elimina el conflicto o declarando inválida, por lo menos, unade las reglas" (Teoria de los derechos fundamentales. CEPC, Madrid, 2002, p. 88).

No caso concreto, cumpre verificar se a lei posterior nº 11.705/08, em seu artigo

6º ("consideram­se bebidas alcoólicas, para efeitos dessa Lei, as bebidas potáveis quecontenham álcool em sua composição, com grau de concentração igual ou superior a meiograu Gay­Lussac" ), revogou o art. 1º, par. único, da Lei nº 9.294/96 ("consideram­se bebidasalcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a trezegraus Gay­Lussac").

Obviamente, de revogação expressa não se trata, visto que a Lei nº 11.705/08

apenas refere alteração da Lei nº 9.294/96 no que respeita ao acréscimo do art. 4º­A a estaúltima: "somente será permitida a propaganda comercial de bebidas alcoólicas nasemissoras de rádio e televisão entre as vinte e uma e as seis horas". Logo, resta claro que aintenção do legislador da lei posterior foi de não abolir com o conceito de bebida alcoólicaprevisto na lei anterior, para efeitos de publicidade. Entretanto, sabido é que, uma vezpromulgada a lei, ganha vida própria, libertando­se da mens legislatoris, a qual poderá ou nãose adequar à interpretação sistemática do direito. Assim, cumpre verificar se ocorreu arevogação tácita da lei anterior pela nova disposição relativa ao conceito de bebida alcoólica.

Não procede a alegação da União Federal no sentido de que a lei especial (Lei nº

9.294/96) prevalece sobre a geral (Lei nº 11.705/08), visto que ambas as leis são especiais:uma trata das restrições à propaganda de bebidas alcoólicas e a outra altera o Código deTrânsito Brasileiro, em aspectos pontuais. Comentando tal regra, assim se pronunciouCARVALHO SANTOS:

"9 ­ A disposição especial não revoga a geral. Esta é a regra. A exceção é prevista eformulada pela Introdução nestes termos: senão quando a ela ou ao seu assunto se referir,alterando­a implícita ou explicitamente.Nestes dois casos o legislador visou regular o assunto sob dois pontos de vista diversos,encarando cada um seu objetivo próprio e especial ­ um amplo e geral e outro restrito eespecial. Aquele constitui a regra, este a exceção. O legislador, pois, nada mais faz do quedeclarar na lei especial que ela é uma exceção à regra geral, consubstanciada na disposiçãogeral.Conseqüência imediata do princípio ­ legi speciali per generalem non derogatur é que as leisespeciais não podem, em geral, ser tacitamente abrogadas senão por leis especiais novas"(Código civil brasileiro interpretado. Freitas Bastos, Rio, 1942, p. 64). Caso se tratasse de lei posterior geral, tampouco aplicar­se­ia à espécie o art. 2º,

§ 2º, da LICC, como quer ver a ANVISA ("a lei nova, que estabeleça disposições gerais ouespeciais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior"). Segue o mesmoautor:

"10 ­ E a lei geral posterior não revoga a especial? Não o diz o artigo supra. É preciso que arevogue explicita ou implicitamente e, se não o faz, é porque o legislador não quis revogar aregra divergente que já existia: não quis, em suma, acabar com a exceção. Se a intenção dolegislador fosse revogar a lei especial, que já existia contendo uma regra divergente que já

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existia; não quis, em suma, acabar com a exceção. Se a intenção do legislador fosse revogara lei especial, que já existia contendo uma regra divergente, o seu dever era isso dizerclaramente na lei geral nova ou dispor de modo a contrariá­la, regulando o mesmo assunto"(op. cit. p. 65). Na mesma toada, lição sempre presente e lúcida de VICENTE RAO: Não é pelo fato de ser especial que a lei nova revoga a lei antiga de natureza geral; e,reciprocamente, não é apenas por ser geral que a disposição superveniente revoga adisposição particular e anterior.Para que a revogação se verifique, preciso é que a disposição nova, geral ou especial, altereexplicitamente (revogação expressa) ou implicitamente (revogação tácita) a disposiçãoantiga, referindo­se a esta, ou ao seu assunto, isto é, dispondo sobre a mesma matéria.Se as disposições nova e antiga (gerais e especiais) não forem incompatíveis, podendoprevalecer umas e outras, umas 'a par' de outras, não ocorrerá revogação alguma.Quando, porém, a lei nova regular por inteiro a mesma matéria contemplada por lei ou leisanteriores, gerais ou particulares, visando substituir um sistema por outro, uma disciplinatotal por outra, então toda as leis anteriores sobre a mesma matéria devem considerar­serevogadas" (Os direitos e a vida dos direitos. RT, SP, 5ª ed. 1999, p. 343). 3. A interpretação literal Resta, pois, verificar se se aplica ao conflito ora examinado o § 1º, que lhe

antecede: "a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando sejacom ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior".

Sob o ponto de vista estritamente formal, não haveria qualquer

incompatibilidade entre as duas regras em questão, mesmo porque elas expressamentereferem que suas diretrizes se aplicam exclusivamente para os seus efeitos próprios. Assim,seria perfeitamente lógico imaginar que uma gradação alcoólica valha para efeitos depublicidade e outra valha para efeitos de habilitação para trafegar.

Tal nível hermenêutico, porém, não atende ao preceituado no art. 5º da LICC:

"na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências dobem comum". Conforme afirmado pelo MM. Juízo sentenciante nos autos da ACP nº5012924­20.2012.4047200/SC, esta interpretação "atende exclusivamente aos interessesfinanceiros da indústria de bebidas".

Ao enumerar as regras fundamentais que disciplinam a ab­rogação das leis,

referiu VICENTE RAO, na obra já mencionada: "c) no choque entre duas normas de categoria hierárquica distinta, prevalecerá a norma decategoria superior. Assim, também, em princípio, a norma principal sobrepujará a acessória;a norma cogente vencerá a simplesmente dispositiva; a inequívoca dominará a duvidosa; aque melhor corresponder aos fins sociais do direito normativo, afastará aquela que a estesfins não atende" (op. cit., p. 500). Em decorrência, outra leitura, que não a literal, pode ser feita, em consonância

com os princípios constitucionais previstos nos arts. 220 e 221 da CF e art. 5º, da LICC,acima transcrito.

4. A interpretação sistemática

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Ao comentar a LICC, assim se pronunciou WILSON DE SOUZA CAMPOS

BATALHA, sobre a possibilidade de revogação tácita da lei: "Depende do prudente critério do juiz discernir a existência dessa incompatibilidade, mercêdo exame sistemático da lei anterior e da lei posterior, para verificar se regulam de maneiradiversa idêntica matéria, ou se a interpretação desumida da lei posterior não se coaduna coma lei anterior devidamente interpretada. (LICC. Max Limonad, SP, v. I, p. 117). A respeito da interpretação sistemática, preleciona FRANCESCO FERRARA: "Um princípio jurídico não existe isoladamente, mas está ligado por nexo íntimo com outrosprincípios. O direito objetivo, de fato, não é um aglomerado caótico de disposições, mas um organismojurídico, um sistema de preceitos coordenados ou subordinados, em que cada um tem o seuposto próprio. Há princípios gerais de que outros são deduções e corolários, ou então váriosprincípios condicionam­se ou restringem­se mutuamente, ou constituem desenvolvimentosautônomos em campos diversos. Assim todos os princípios são membros dum grande todo. Desta conexão cada norma particular recebe luz. O sentido duma disposição ressalta nítido epreciso, quando é confrontada com outras normas gerais ou supra­ordenadas, de que constituiuma derivação ou aplicação ou uma exceção, quando dos preceitos singulares se remonta aoordenamento jurídico no seu todo" (Interpretação e aplicação das leis. Saraiva, SP, 1940, p.39/40). 5. A evolução legislativa Para bem aquilatar a correta interpretação sistemática das normas em questão,

nada melhor do que a análise da evolução legislativa da matéria. A Constituição Federal estabelece em seu Capítulo V, diretrizes e dever de

restrições legais à propaganda comercial de produtos nocivos à saúde, assim dispondo: Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquerforma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nestaConstituição.§ 1º ­ Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade deinformação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto noart. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.§ 2º ­ É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.§ 3º ­ Compete à lei federal:I ­ regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre anatureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que suaapresentação se mostre inadequada;II ­ estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de sedefenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto noart. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos àsaúde e ao meio ambiente.§ 4º ­ A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos eterapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, econterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.§ 5º ­ Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto demonopólio ou oligopólio.

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§ 6º ­ A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade. Sobre os princípios que regem as produções e programações de rádio e

televisão, o texto constitucional refere: Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aosseguintes princípios:I ­ preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;II ­ promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetivesua divulgação;III ­ regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuaisestabelecidos em lei;IV ­ respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. Dentre os ditames constitucionais acima elencados, tenho por destacar, no artigo

220: § 3º ­ Compete à lei federal:...................II ­ estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de sedefenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto noart. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos àsaúde e ao meio ambiente.§ 4º ­ A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos eterapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, econterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso. Bem ainda, no artigo 221: IV ­ respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. Conquanto a CF, no artigo 65 da ADCT, tenha fixado prazo de doze meses para

a regulamentação do artigo art. 220, § 4º, somente em 1996, com o advento da Lei nº 9.294,adentrou em nosso ordenamento jurídico disposição acerca das restrições ao uso e propagandade produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas.

Naquela oportunidade, o legislador estabeleceu conceito de bebida alcoólica

como sendo as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay­Lussac(parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 9.294/96).

O Decreto nº 6.871/2009, que regulamenta a Lei nº 8.918, de 14 de julho de

1994, que dispõe sobre a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, a produção e afiscalização de bebidas, já manifestava informação contrária ao conceito de bebida alcoólicadispondo que:

Art. 12. As bebidas serão classificadas em:I ­ bebida não­alcoólica: é a bebida com graduação alcoólica até meio por cento em volume,a vinte graus Celsius, de álcool etílico potável, a saber:a) bebida não fermentada não­alcoólica; oub) bebida fermentada não­alcoólica;II ­ bebida alcoólica: é a bebida com graduação alcoólica acima de meio por cento emvolume até cinqüenta e quatro por cento em volume, a vinte graus Celsius, a saber:a) bebida alcoólica fermentada: é a bebida alcoólica obtida por processo de fermentação

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alcoólica;b) bebida alcoólica destilada: é a bebida alcoólica obtida por processo de fermento­destilação, pelo rebaixamento do teor alcoólico de destilado alcoólico simples, pelorebaixamento do teor alcoólico do álcool etílico potável de origem agrícola ou pelapadronização da própria bebida alcoólica destilada;c) bebida alcoólica retificada: é a bebida alcoólica obtida por processo de retificação dodestilado alcoólico, pelo rebaixamento do teor alcoólico do álcool etílico potável de origemagrícola ou pela padronização da própria bebida alcoólica retificada; oud) bebida alcoólica por mistura: é a bebida alcoólica obtida pela mistura de destiladoalcoólico simples de origem agrícola, álcool etílico potável de origem agrícola e bebidaalcoólica, separadas ou em conjunto, com outra bebida não­alcoólica, ingrediente não­alcoólico ou sua mistura. Assim também eram as disposições dos decretos iniciais (nº 2.314/97 e

3.510/00). Ao depois, adveio o Decreto Federal nº 6.117/2007, que aprovou a Política

Nacional sobre o Álcool, dispondo sobre as medidas para redução do uso indevido de álcool esua associação com a violência e criminalidade, entre outras providências.

Dele extraio considerações importantes: I ­ OBJETIVO1. A Política Nacional sobre o Álcool contém princípios fundamentais à sustentação deestratégias para o enfrentamento coletivo dos problemas relacionados ao consumo de álcool,contemplando a intersetorialidade e a integralidade de ações para a redução dos danossociais, à saúde e à vida causados pelo consumo desta substância, bem como as situações deviolência e criminalidade associadas ao uso prejudicial de bebidas alcoólicas na populaçãobrasileira.II ­ DA INFORMAÇÃO E PROTEÇÃO DA POPULAÇÃO QUANTO AO CONSUMO DOÁLCOOL2. O acesso e recebimento de informações sobre os efeitos do uso prejudicial de álcool esobre a possibilidade de modificação dos padrões de consumo, e de orientações voltadas parao seu uso responsável, é direito de todos os consumidores.3. Compete ao Governo, com a colaboração da sociedade, a proteção dos segmentospopulacionais vulneráveis ao consumo prejudicial e ao desenvolvimento de hábito edependência de álcool.4. Compete ao Governo, com a colaboração da sociedade, a adoção de medidas discutidasdemocraticamente que atenuem e previnam os danos resultantes do consumo de álcool emsituações específicas como transportes, ambientes de trabalho, eventos de massa e emcontextos de maior vulnerabilidade.III ­ DO CONCEITO DE BEBIDA ALCOÓLICA5. Para os efeitos desta Política, é considerada bebida alcoólica aquela que contiver 0.5 grauGay­Lussac ou mais de concentração, incluindo­se aí bebidas destiladas, fermentadas eoutras preparações, como a mistura de refrigerantes e destilados, além de preparaçõesfarmacêuticas que contenham teor alcoólico igual ou acima de 0.5 grau Gay­Lussac.IV ­ DIRETRIZES6. São diretrizes da Política Nacional sobre o Álcool:1 ­ promover a interação entre Governo e sociedade, em todos os seus segmentos, comênfase na saúde pública, educação, segurança, setor produtivo, comércio, serviços eorganizações não­governamentais;2 ­ estabelecer ações descentralizadas e autônomas de gestão e execução nas esferas federal,estadual, municipal e distrital;3 ­ estimular para que as instâncias de controle social dos âmbitos federal, estadual,municipal e distrital observem, no limite de suas competências, seu papel de articulador dos

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diversos segmentos envolvidos;4 ­ utilizar a lógica ampliada do conceito de redução de danos como referencial para asações políticas, educativas, terapêuticas e preventivas relativas ao uso de álcool, em todos osníveis de governo;5 ­ considerar como conceito de redução de danos, para efeitos desta Política, o conjuntoestratégico de medidas de saúde pública voltadas para minimizar os riscos à saúde e à vida,decorrentes do consumo de álcool;6 ­ ampliar e fortalecer as redes locais de atenção integral às pessoas que apresentamproblemas decorrentes do consumo de bebidas alcoólicas, no âmbito do Sistema Único deSaúde (SUS);7 ­ estimular que a rede local de cuidados tenha inserção e atuação comunitárias, sejamulticêntrica, comunicável e acessível aos usuários, devendo contemplar, em seuplanejamento e funcionamento, as lógicas de território e de redução de danos;8 ­ promover programas de formação específica para os trabalhadores de saúde que atuam narede de atenção integral a usuários de álcool do SUS;9 ­ regulamentar a formação de técnicos para a atuação em unidades de cuidados que nãosejam componentes da rede SUS;10 ­ promover ações de comunicação, educação e informação relativas às conseqüências douso do álcool;11 ­ promover e facilitar o acesso da população à alternativas culturais e de lazer que possamconstituir alternativas de estilo de vida que não considerem o consumo de álcool;12 ­ incentivar a regulamentação, o monitoramento e a fiscalização da propaganda epublicidade de bebidas alcoólicas, de modo a proteger segmentos populacionais vulneráveisao consumo de álcool em face do hiato existente entre as práticas de comunicação e arealidade epidemiológica evidenciada no País;13 ­ estimular e fomentar medidas que restrinjam, espacial e temporalmente, os pontos devenda e consumo de bebidas alcoólicas, observando os contextos de maior vulnerabilidade àssituações de violência e danos sociais;14 ­ incentivar a exposição para venda de bebidas alcoólicas em locais específicos e isoladosdas distribuidoras, supermercados e atacadistas;15 ­ fortalecer sistematicamente a fiscalização das medidas previstas em lei que visam coibira associação entre o consumo de álcool e o ato de dirigir;16 ­ fortalecer medidas de fiscalização para o controle da venda de bebidas alcoólicas apessoas que apresentem sintomas de embriaguez;17 ­ estimular a inclusão de ações de prevenção ao uso de bebidas alcoólicas nas instituiçõesde ensino, em especial nos níveis fundamental e médio;18 ­ privilegiar as iniciativas de prevenção ao uso prejudicial de bebidas alcoólicas nosambientes de trabalho;19 ­ fomentar o desenvolvimento de tecnologia e pesquisa científicas relacionadas aos danossociais e à saúde decorrentes do consumo de álcool e a interação das instituições de ensino epesquisa com serviços sociais, de saúde, e de segurança pública;20 ­ criar mecanismos que permitam a avaliação do impacto das ações propostas eimplementadas pelos executores desta Política. Em 2008, ingressou no ordenamento jurídico a Lei nº 11.705, que alterou a Lei

no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que 'institui o Código de Trânsito Brasileiro', e a Lei no9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda deprodutos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nostermos do § 4º do art. 220 da Constituição Federal, para inibir o consumo de bebida alcoólicapor condutor de veículo automotor, e dá outras providências.

Naquela oportunidade, o legislador mais uma vez fixou o conceito de bebida

alcoólica como sendo as bebidas potáveis que contenham álcool em sua composição, comgrau de concentração igual ou superior a meio grau Gay­Lussac (art. 6º).

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6. Conclusão De todo o exposto, força é concluir pela existência de incompatibilidade total

entre o conceito contido na Lei nº 9.294/1996 e o constante das normas aqui examinadas. Nãopodem coexistir no ordenamento jurídico duas normas que dêem conceituaçõesmatematicamente diversas às bebidas alcoólicas. Não pode existir um conceito de bebidaalcoólica para fins de publicidade e outro para fins de proteção ao trânsito, por exemplo.

Sobre o tema em questão ­ publicidade de bebidas alcoólicas ­ este Regional já

foi instado a manifestar­se sobre a inclusão nos atos publicitários da advertência de formaclara e ostensiva, modo escrito ou sonoro, do indicativo de que o consumo de bebidasalcoólicas acarreta riscos e potenciais danos à saúde (AC nº 2002.04.01.000611­1), bemainda, nos rótulos de bebidas alcoólicas e em todas as publicidades patrocinadas daadvertência "O ÁLCOOL PODE CAUSAR DEPENDÊNCIA E EM EXCESSO ÉPREJUDICIAL À SAÚDE" (AC nº 2002.04.01.00061­0).

Quando dos julgamentos das apelações, a Eminente Relatora Des. Federal

Marga Inge Barth Tessler assim se manifestou: Prossigo e passo a enfrentar a questão de fundo, e afasto a fundamentação acolhida pela r.sentença no sentido de que é impossível ao Judiciário, por ato seu, impor a produtores efabricantes em geral, a inclusão de determinada mensagem em seus produtos, sem que a leipreveja tal obrigação aos produtores e sem que o próprio teor da mensagem venha impressana lei. A tese não pode mais ser aceita no atual estágio do desenvolvimento da cultura jurídica e damissão do Judiciário como poder. Desconsiderou totalmente a noção de "políticas públicas" no caso políticas públicasdiretamente decorrentes da Constituição Federal de 1988. Norberto Bobbio já observava amudança de paradigmas no direito público, vendo­se oEstado como forma complexa de organização social, no qual o direito, a lei, é um doselementos constitutivos. O prof. Diogo de Figueiredo Moreira Neto de longa data observaestes aspectos. A questão das políticas públicas é desenvolvida por Maria Paula DallariBucci que constrói o conceito de política pública advertindo que é um construído social eum construído de pesquisa, tratando­se de um programa de ação governamental para umsetor da sociedade ou um espaço geográfico. Segundo a autora citada, tratando­se de instrumentos de ação dos governos, o government bypolices que desenvolve e aprimora o government by law, redirecionando o eixo de governo,do governo da lei para as políticas. As políticas, diz a autora, são uma evolução em relação àidéia de lei em sentido formal, assim como essa foi uma evolução em relação ao governmentby men, anterior ao constitucionalismo. Ronald Dworkin fornece uma idéia fundante sobre aquestão ao referir que a política, isto é, a política pública designa uma espécie de padrão deconduta, standart, que assinala uma meta a alcançar gerando ou procurando uma melhoriaem alguma característica econômica, política ou social da comunidade. Já os princípiosexpressos na Carta Política tendem a estabelecer um direito individual a ser oposto aoEstado enquanto as políticas públicas têm uma meta, ou uma finalidade coletiva. Porexemplo o "combate à inflação". O modelo das políticas públicas não exclui o da legalidade,mas convive com ela. As políticas públicas podem ser entendidas como forma de controle dadiscricionariedade. Verifique­se que o art. 196 da Constituição 88 elenca o dever do Estadoem estabelecer políticas públicas de saúde e que tais políticas (art. 157 da Constituição) sãode relevância pública.

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Existem políticas e programas governamentais de combate ao alcoolismo. É possível aoJudiciário, sim, determinar a implementação e dar efetividade às políticas públicassanitárias. Afasto o óbice da inexistência de lei específica a comandar o teor das mensagens.Por outro lado, a Constituição de 1988, no art. 170, V, elege como princípio geral a defesado consumidor e o art. 220, § 3º, II e § 4º, estabelece a competência federal na questão dacomunicação social de modo a permitir que "as pessoas possam defender­se de agressões àsua saúde", estabelecendo que a propaganda de bebidas alcoólicas está sujeita a restrições,e este dispositivo abre oportunidade à plena justicialidade da questão no aspectomultidisciplinar. O consumo de alcoólicos não interessa só à comunicação social epropaganda, ao comércio de tais produtos para os quais a Lei nº 9.294/1996 poderia sersuficiente, o que se admite para argumentar. Interessa sob o aspecto da saúde pública, sob oaspecto da proteção do menor e do adolescente, no aspecto da segurança veicular, noaspecto do direito de informação e de proteção ao consumidor; vê­se, assim, que a Lei nº9.294/96 não esgotou o assunto e não é a única pauta que deve ser obedecida pelosprodutores e comerciantes de alcoólicos. A questão é multidisciplinar tal qual no direitoambiental, e o empreendedor do comércio de bebidas deve obediência a todas as regras queincidem sobre o produto de sua fabricação ou comércio. Utilizo o artigo 335 do CPC econsidero que são notórias a nocividade e periculosidade do consumo excessivo de bebidasalcoólicas. O álcool causa dependência química e é causa de acidentes de trânsito, assim,sob o aspecto da legislação consumerista, o condutor veicular e o consumidor em geralprecisam saber com transparência o teor alcoólico real daquilo que consomem. São direitosbásicos do consumidor a informação adequada e clara sobre o produto e sobre os riscos queapresenta. No caso, tratando­se de produto potencialmente nocivo à saúde a informaçãodeve ser feita de maneira ostensiva, é o comando claro do artigo 9º, do Código doConsumidor, sendo que Zelmo Denari apresenta o seguinte comentário:"O dispositivo faz alusão aos produtos e serviços que podem ser colocados no mercado deconsumo, apesar de potencialmente nocivos ou perigosos, como sugerem os seguintesexemplos:­ fornecimento de bebidas alcoólicas, fumo e agrotóxicos (produtos nocivos à saúde);­ fornecimento de fogos de artifício (produto perigoso);­ fornecimento de material radioativo (produto nocivo à saúde e perigoso a um só tempo;­ dedetização de prédios (serviço nocivo à saúde);­ demolição de prédios (serviço perigoso). De todos, os que mais preocupam são os fornecimentos de bebidas alcoólicas e de fumo, cujosníveis de consumo são mais altos. Os fabricantes de cigarros vêm cumprindo, de formasatisfatória a exigência legal de informar a respeito da nocividade do produto e dos riscosinerentes ao respectivo consumo. No entanto, os fabricantes de bebidas alcóolicas ainda nãose conscientizaram do dever de prestar informações adequadas a respeito dos riscosinerentes à ingestão imoderada do álcool, principalmente durante o período de gestação.Nas hipóteses elencadas, o fornecedor deverá informar de maneira ostensiva e adequada arespeito da respectiva nocividade ou periculosidade.Uma informação é ostensiva quando se exterioriza de forma tão manifesta e translúcida queuma pessoa, de mediana inteligência, não tem como alegar ignorância ou desinformação. Éadequada quando, de uma forma apropriada e completa, presta todos os esclarecimentosnecessários ao uso ou consumo de produto ou serviço". Por fim, a edição da Lei nº 9.294/1996 implica em reconhecimento parcial do pedido, o que járende ensejo à parcial procedência da lide. Sobre a edição da Lei nº 9.294/1996, alertando sobre o teor alcoólico de vinhos e cervejas, opedido de declaração de inconstitucionalidade por ter a referida lei afrontado decisõesjudiciais, não cabe declaração de inconstitucionalidade sob este viés. Já no que respeita a alegação de que a Lei nº 9.294/1996 teria afrontado o § 4o do artigo 220da Constituição Federal de 1988, em razão de ter deixado fora de sua abrangência o vinho ea cerveja, por classificar como alcoólicas "para efeitos da lei as com teor alcoólico superior

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a 13 Gay Lussac", desconsiderando a classificação científica e internacional do Decreto nº73.267/1973, § 2o (mais de 0,5 Gay Lussac) e por praticamente restringir­se a acolher osdispositivos expedidos pelos próprios fabricantes, há efetivamente fortes indícios de que a leise desviou das políticas públicas sobre a questão, tanto no que se refere ao aspecto sanitárioquanto de proteção e informação ao consumidor, não se mostrando obediente aos princípiosda razoabilidade e proporcionalidade, contudo, há possibilidade solucionar a demanda semenfrentar a questão da constitucionalidade. Como se vê, já, naquela oportunidade, este Tribunal, direcionado pelos

fundamentos da E. Relatora, Des. Marga Inge Barth Tessler, concluiu sobre a existência defortes indícios de que o conceito de bebida alcoólica desvirtuou­se das políticas públicaslançadas pelo próprio Executivo sobre o consumo de álcool no País.

Prosseguindo, tenho que a questão não deve ser resolvida pela conclusão de que,

existindo legislação específica (Lei nº 9.296/94), com base nela deve pautar­se a atuaçãoadministrativa enquanto não sobrevenha outra que revogue o conceito de bebida alcoólicapara os fins específicos de publicidade.

Também, tenho que não é caso de tratar como omissão legislativa, o que refoge

da atuação deste Colegiado. Para tanto, como referido, serve a via excepcional da ação diretade inconstitucionalidade por omissão perante o Supremo Tribunal Federal.

Por que não se direcionar, atento à política pública já implementada em nosso

País, para uma maior efetividade ao ditame constitucional e infralegal que alcança aoconceito de bebida alcoólica aquele mais abrangente e protetor do direito de proteção àsaúde, à família, à criança, ao adolescente e ao consumidor?Por que não dar efetividade aodisposto no Programa Nacional sobre o Álcool, que nada mais é que a política pública erigidacomo parâmetro na adoção de medidas para enfrentamento de problemas relacionados aoconsumo de álcool e tendo como uma de suas diretrizes o incentivo à regulamentação, omonitoramento e a fiscalização da propaganda e publicidade de bebidas alcoólicas, de modo aproteger segmentos populacionais vulneráveis ao consumo de álcool em face do hiatoexistente entre as práticas de comunicação e a realidade epidemiológica evidenciada no País?

Dizer que o legislador optou por conceituar bebida alcoólica para fins de

restrição de propaganda como sendo aquela superior a 13º graus Gay­Lussac e para toda agama de atuação diversa manter o conceito de que bebida alcoólica é aquela acima de 0,5ºgrau Gay­Lussac e, que essa opção é legítima em face da inexistência de prejuízo àcoletividade, é negar a realidade social em que vivemos, dando maior proteção ao setoreconômico e aos interesses privados dos ramos ligados à indústria de bebidas alcoólicas, emespecial os da indústria cervejeira.

É notório que as propagandas de bebidas alcoólicas, em especial as de cerveja,

associam o consumo a imagens e situações atraentes, divertidas, pessoas bonitas, erotismo ejuventude. Considerando que não há restrição em relação ao horário para a divulgação eveiculação de referidas imagens, elas tendem a ser recebidas por crianças e adolescentes,influenciando­as, portanto, em virtude de sua vulnerabilidade na liberdade de escolha.

Consoante o I Levantamento Nacional Sobre Padrões de Consumo de Álcool na

População Brasileira (Elaboração, redação e organização: Ronaldo Laranjeira ... (et. al.);Revisão técnica científica: Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte. Brasília: Secretaria

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Nacional Antidrogas,2007): ­ Do uso social ao problemático, o álcool é a droga mais consumida no mundo. Segundo dadosda Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 2 bilhões de pessoas consomembebidas alcoólicas. Seu uso indevido é um dos principais fatores que contribui para adiminuição da saúde mundial...­ É neste contexto que o Governo Brasileiro apresenta resultados desde o I LevantamentoNacional sobre os Padrões de Consumo do Álcool. Este estudo representa um grande passono processo de construção da política brasileira para o álcool. ...­ o II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, promovidopela Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) em 2005, em parceria com o Centro Brasileirode Informações sobre Drogas (CEBRID), da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP),aponta que 12,3% das pessoas pesquisadas, com idades entre 12 e 65 anos, preenchemcritérios para a dependência do álcool e cerca de 75% já beberam pelo menos uma vez navida. Os dados também indicam o consumo de álcool em faixas etárias cada vez maisprecoces e sugerem a necessidade de revisão das medidas de controle, prevenção etratamento.­ Fica claro nos estudos epidemiológicos realizados até o momento que o consumo de bebidasalcoólicas no Brasil, particularmente entre os jovens, é um importante problema de saúdepública.­ O consumo de drogas, incluindo o álcool, é bastante alto entre crianças e adolescentes de 9a 18 anos;­ O consumo de bebidas alcoólicas é um comportamento adaptado à maioria das culturas. Seuuso é associado com celebrações, situações de negócio e sociais, cerimônias religiosas eeventos culturais. ... O consumo nocivo de álcool é responsável por cerca de 3% de todas asmortes que ocorrem nos plantões, incluindo desde cirrose e câncer hepáticos até acidentes,quedas, intoxicações e homicídios ( Meloni e Laranjeira, 2004).­ As bebidas alcoólicas são as substâncias psicotrópicas mais utilizadas por adolescentes(Faden, 2005; Galduróz e cols. 2005). Adolescentes que consomem bebidas alcoólicas podemter consequências negativas tão diversas como problemas nos estudos, problemas sociais,praticar sexo sem proteção e/ou sem consentimento, maior risco de suicídio ou homicídio eacidentes relacionados ao consumo (Fade, 2005). O consumo de bebidas alcoólicas no Brasilsó é legalmente permitido após os 18 anos de idade; no entanto, os empecilhos são pequenospara que os adolescentes comprem e consumam álcool (Romano e cols. In press).­ ... pesquisas demonstram que começar a beber em idade precoce é um fator muitoimportante que influenciará problemas futuros com o álcool.­ grande parte dos jovens de 14 e 17 anos, aqui pesquisados, vive transição de um estado dedependência dos pais para uma condição de autonomia pessoal. Eles estão, por isso mesmo,na fase de sua vida em que mais carecem de apoio e quando mais desafiam essa ajuda. Seuscérebros, ainda em formação, são mais suscetíveis a agentes externos, como o álcool edemais substâncias psicotrópicas, e a diferentes fatores psicossociais. É quando a inserção nogrupo se torna fundamental e o beber pode aparecer, por exemplo, como um meio deintegração (Pinsky e Bessa, 2004).­ aproximadamente, metade das doses consumidas por adolescentes é de cerveja e chope....os vinhos tiveram também uma participação importante, com mais de 30% das dosesconsumidas por adolescentes. Registro importante esse que identifica a cerveja e vinho,bebidas alcoólicas que não sofrem as restrições da propaganda, como sendo os maisconsumidos entre os jovens adolescentes. Segundo publicação no jornal Correio do Povo ­ edição de 25 de maio deste ano,

"Dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) apontam que o alcoolismo é oprincipal motivo de pedidos de auxílio­doença por transtornos mentais e comportamentaispor uso de substância psicoativa. O número de pessoas que precisaram parar de trabalhar epediram o auxílio devido ao uso abusivo de álcool aumentou 19% em quatro anos, ao passarde 12.055, em 2009, para 14.420, em 2013. "O impacto do álcool, hoje, na vida das pessoas,

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é muito maior. Muitos casos, inclusive, estão associados com a situação de desemprego. E ajuventude tem iniciado experiências cada vez mais cedo", alerta o assistente social FábioAlexandre Gomes."

Embora a censura seja proibida em nosso ordenamento pátrio, a nossa

Constituição, em seu art. 220, impôs limites à veiculação desse tipo de publicidade, quandorefere a defesa das famílias em relação à publicidade nociva à saúde e à segurança.

Frise­se que em relação ao cigarro, medidas restritivas já foram adotadas para a

repressão à propaganda. Por que ainda não em relação às bebidas alcoólicas? A evoluçãolegislativa caminha a passos largos para o banimento total da publicidade de bebidasalcoólicas ­ a exemplo do que ocorreu com o tabaco ­, e não apenas para restrições horárias. Étendência mundial que não admite retrocesso. É questão de tempo. Enquanto tal não aconteceno direito pátrio, força é reconhecer a restrição horária já existente na legislação, estendendo­aàs bebidas com teor alcoólico acima de 0,5 gay­lussac.

Segundo o Professor Dr. Ronaldo Laranjeira, quando da primeira reunião

ordinária do conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, em 2006, em palestra"O álcool e a comunicação", a resposta da não aplicação do mesmo critério de teor alcoólicopode estar no crescente poder de influência da indústria de bebidas, particularmente, daindústria cervejeira".

Importante referir que tramitam no Congresso Nacional inúmeros projetos de lei

envolvendo a discussão acerca da restrição de propagandas de bebida alcoólica, inclusive,para adequação do disposto na Lei nº 9.294/96 ao conceito de bebida alcoólica como sendo abebida potável que contenha álcool em sua composição com grau de concentração de meiograu Gay­Lussac ou mais. Em pesquisa ao site da Câmara dos Deputados(www.camara.gov.br) tive a oportunidade de verificar o PL 2.733/2008, que reduz de trezepara meio grau Gay­Lussac o grau de teor alcoólico a partir do qual, para todos os efeitoslegais, uma bebida será considerada alcoólica. Este projeto, juntamente com mais 142 ­ friso142 ­ foram apensados ao PL 4.846/1994, que estabelece medidas a serem adotadas pararestringir consumo de bebida alcoólica.

De fato, a questão acerca da omissão ou não do Poder Legislativo, não se

submete ao crivo desta Corte, conforme já referi precedentemente, sendo objeto de açãoespecífica perante o egrégio Supremo Tribunal Federal. De aí porque a desnecessidade desuspensão processual. Nesta quadra, no entanto, cabe ao Judiciário perquirir acerca daampliação do conceito de bebida alcoólica para fins de cumprimento do disposto naConstituição Federal e aplicação da política pública já implementada no País, buscando aredução do consumo de álcool, fazendo através de uma interpretação sistemática doordenamento legal de nosso sistema pátrio.

Nesse passo, pede­se vênia, em parêntese, para trazer ao bojo deste voto, pelo

inusitado, a justificativa apresentada pelo Senado Federal, através de sua Advocacia­Geral,para que malogre a Ação Direta de Inconstitucionalidade Por Omissão nº 22, intentada peloSenhor Procurador­Geral da República, em face de alegada omissão parcial legislativa emregulamentar a publicidade de bebidas alcóolicas com teor inferior a treze graus Gay Lussac,ora em tramitação. Narra a peça, cuja juntada determino aos autos, que o projeto de lei queresultou na Lei nº 9.294/96, que conceituava como bebidas alcóolicas as bebidas com teor

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alcóolico superior a 13 graus GL recebeu parecer de plenário, da lavra do Senador CIDSABÓIA DE CARVALHO, posicionando­se contrariamente à distinção entre bebidasalcóolicas fortes ou fracas, como segue:

"Ora, a exclusão de bebidas alcóolicas de titulação abaixo de 13 graus vem frustrarcompletamente o escopo da própria lei, pois favorece ainda mais aquelas bebidas chamadaspela literatura especializada 'de iniciação', que se situam em graus alcoólicos abaixo dostreze graus, sendo as mais comuns o vinho e a cerveja. Esta, sobretudo, é responsável peloestupendo aumento do consumo de álcool, no mundo, nos últimos vinte anos, coincidentementepela elevação rápida e exponencial de seu uso na América Latina, na Ásia, e nos paísesafricanos, geralmente após a implantação de cervejarias transnacionais, o que parece não sero caso do Brasil, mas que de qualquer forma entrou na onda de publicidade massificante. É dese ressaltar que seu uso é de longe mais frequente entre a população jovem, inclusiveadolescentes, daí o seu epíteto de 'bebida de iniciação'". Transformado em substitutivo, foi tal proposição rejeitada com base em parecer

da lavra do Senador GILVAM BORGES, "por modificar substancialmente regras jáestabelecidas e aceitas por toda a sociedade como o CONAR, além de desprezar três anos dediscussão da matéria com entidades da sociedade civil".

A justificar a manutenção do texto original, a Advocacia do Senado afirmou que

houve expressa manifestação do Poder Legislativo no sentido da suficiência dos padrões jáutilizados quanto às limitações de publicidade de cervejas e vinhos, "notadamente em virtudeda autorregulamentação publicitária realizada pela sociedade civil por meio do CONAR".Disse incidir, no caso, o princípio da subsidiariedade, a determinar que "a sociedade maior (oPoder Público) somente deve agir quando as sociedades menores não puderem, por suaspróprias forças, deixar suficientemente a salvo as exigências do bem comum". Exemplificou:"o Poder Público não deve tomar o lugar na proteção de um determinado bem jurídico se umacomunidade menor (a família, a associação profissional, etc.), por outros meios, tutela omesmo bem suficientemente)." E arrematou ­ e, aqui, a razão do presente parêntese peloinusitado adredemente referido ­ que "a idéia de subsidiariedade tem como principal fonte adoutrina social da Igreja, e foi expressa, sobretudo, na Encíclica Quadragesimo Anno, do PapaPio XI ("o fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, não destruí­los nem absorvê­los; deixe pois a autoridade pública ao cuidado de associações inferiores" ­no caso, o CONAR ­ "aqueles negócios de menor importância, que a absorveriamdemasiado"). Em resumo, a partir da argumentação expendida pela douta Casa Legislativa, épossível chegar­se à conclusão de que a impossibilidade de eficaz regulamentação dapropaganda de bebidas de iniciação corresponde a imperativo imposto pela doutrina social daIgreja!

Fechado o parêntese, e pedindo escusas pela digressão, retomo o voto afirmando

que a questão trazida ao crivo do Judiciário, pela via da ação civil pública, merece seranalisada sem que se possa indigitar de decisão que ofenda as regras sobre hermenêutica,interpretação e aplicação do direito, conforme já acima afastado.

A adoção do programa de política pública para pautar a atuação administrativa

com a ampliação do conceito de bebida alcoólica estabelecido na lei para fins de propagandaleva em conta a evolução legislativa e social, calcada em preceitos constitucionais brasileiros.Também o legislador, supervenientemente, com a Lei de Trânsito, passou a adotar mesmoentendimento.

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Considerando que os princípios jurídicos desempenham papel importante em

nosso ordenamento e que, em relação à comunicação social, há em nossa Constituição adeterminação de que a produção e programação das emissoras de rádio e televisão atenderão,dentre outros, o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, tenho que amanutenção de uma interpretação legal e restrita da legislação e a inutilização de conceitomais amplo, posteriormente erigido pelo mesmo legislador, acaba por afrontar a proteçãoconstitucional que deva ser dada à família, à saúde (art.196), à criança e ao adolescente (art.226 e ss.), bem ainda ao consumidor (art. 5º. XXXII e art. 170).

Após o advento da Lei 9.294/96, tanto o legislador como o administrador

adotaram um conceito mais amplo de bebida alcoólica. A manutenção do conceito legalembutido na legislação referida é negar a possibilidade de diminuição de uma dasmazelas sociais, qual seja, o uso indevido de álcool, e não atentar para aincompatibilidade decorrente da própria atuação legislativa que adota conceito diversopara os demais segmentos.

Ao Judiciário, conquanto não possa atuar como legislador positivo, cumpre

interpretar a lei de forma a alcançar uma maior efetividade aos direitos constitucionais. E, nocaso em tela, verificando­se que o próprio legislador atuou dessa forma, e que o programaespecífico de política pública nacional assim prevê, apresenta­se possível a aplicação doconceito de bebida alcoólica como sendo aquela que contenha acima de meio grau gay­lussac,para todo e qualquer fim, inclusive para o segmento publicitário. Em relação a elas (bebidasalcoólicas com teor superior a 0,5 gl), também deverão ser aplicadas às restriçõesestabelecidas na legislação de referência.

O fato de existir o CONAR ­ Conselho Nacional de Auto­Regulamentação

Publicitária, setor publicitário que controla a atuação publicitária não afasta o controlesoberano a ser exercido pelo Estado e realizado pelos seus três poderes, in casu, peloJudiciário, quando implementa ou alcança condições para a implementação de políticaspúblicas, inclusive, já adotadas pelo Administrador/Legislador.

7. Da decisão proferida em ação civil pública ­ abrangência Quanto à abrangência da decisão proferida em ação civil pública, o egrégio

Superior Tribunal de Justiça, revisando a jurisprudência acerca da matéria, em sede derepetitivo de controvérsia, concluiu que os efeitos e a eficácia da sentença não estãocircunscritos a limites geográficos, mas a limites objetivos e subjetivos do que foi decidido(Recurso Especial nº 1.243.887­PR, DJe 19/10/2011).

Ao analisar a regra estabelecida pelo artigo 16, da Lei 7.347/85, assim referiu

Arnaldo Rizzardo in Ação Civil Pública e Ação de Improbidade Administrativa, 2ª Ed. ­ Riode Janeiro, 2012:

Entretanto, especialmente em vista dos interesses difusos, coletivos e individuaishomogêneos, a regra traz grandes dificuldades de aplicação, além de ensejar a multiplicaçãode demandas, sobrecarregando as instâncias da Justiça. Realmente, muitos interesses sãoindivisíveis, não podendo ficar delimitados a uma determinada localidade. A propagandaenganosa, v.g., dissemina­se a uma extensão territorial nem sempre viável de ser definida,

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abrangendo várias comarcas ou regiões, e até transpondo as fronteiras dos Estados. De igualmodo uma espécie de produtos defeituosos, adquiridos por consumidores estabelecidos emdiferentes pontos do País. Por conseguinte, a rigor, deveriam ser propostas tantas açõesquantas as comarcas atingidas, situação que se afigura inviável, com a eventualidade dedecisões opostas sobre o mesmo tema, criando um verdadeiro caos. Bem sintetiza Luiz Guilherme da Costa Wagner Júnior o equívoco da Lei: "Na verdade, a extensão da coisa julgada não está ligada à competência do juízo que julgará acausa, mas sim ao objeto do processo". Deve o assunto ser enfocado a partir do legitimado para veicular a ação. Em sendo oMinistério Público, a competência amplia­se e estende­se para limites vastos, de acordo coma ordem da organização judiciária local. Os interesses em jogo levam a definir as regras de competência. ......Levam­se em conta as pessoas que se encontram na mesma situação. Dirige­se a ação emvista de um fato, podendo a sentença irradiar a eficácia a todo o território nacional. Havendoa contaminação da atmosfera pela expansão de gases nocivos à respiração, centra­se o litígiona comarca onde se encontra estabelecido o agente causador, ou numa das comarcasatingidas pelos efeitos. De modo que imprescindível dar a correta exegese ao art. 16 da Lei nº 7.347. O alcance daexpressão "limites da competência territorial do órgão prolator" corresponde à extensão deespaço ou território onde se expandem ou refletem os danos ou os efeitos lesivos ao atoprovocador................... De aí, considerando que a decisão contempla aplicação de diretrizes

estabelecidas em Programa de Política Pública erigida pela Administração Federal;considerando que não se pode diferenciar na proteção de famílias, crianças e adolescentes,saúde de cidadãos e consumidor de um ou outro Estado Brasileiro; considerando que osprincípios constitucionais insculpidos na Constituição Federal protegem todo o cidadãobrasileiro, tenho que a decisão proferida não se circunscreve aos limites territoriais do órgãoprolator, estendendo­se a todo o território nacional.

8. Do prazo para cumprimento Para a consideração e aplicação do conceito de bebida alcoólica como sendo

aquela que possui grau Gay­Lussac maior que 0,5, também às propagandas de rádio etelevisão, tenho por razoável estabelecer o prazo de 180 dias (cento e oitenta dias), acontar da publicação do presente acórdão, prazo esse que me parece razoável para aalteração dos critérios a serem seguidos em contratos comerciais que tenham como objetopropaganda de bebidas alcoólicas.

9. Multa pelo não cumprimento Tenho que a multa fixada pela sentença nos autos da AC nº 5012924­

20.2012.404.7200, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por dia dedescumprimento, mostra­se proporcional e razoável para a proteção do objeto veiculadoatravés das ações civil públicas em análise.

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10. Dispositivo Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação na ACP nº

2008.70.00.013135­1/PR, dar provimento à apelação na ACP nº 5017742­24.2012.404.7100/RS e negar provimento aos apelos da ANVISA, CERVBRASIL e UNIÃOna ACP nº 5012924­20.2012.404.7200/SC.

Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo AurvalleRelator

Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle,Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e ResoluçãoTRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento estádisponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante opreenchimento do código verificador 6782121v8 e, se solicitado, do código CRC 34B7A334.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): Luís Alberto D'Azevedo AurvalleData e Hora: 03/09/2014 13:43

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017742­24.2012.404.7100/RSRELATOR : LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLEAPELANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALAPELADO : AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA ­ ANVISA

: UNIÃO ­ ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

INTERESSADO : ASSOCIACAO BRASILEIRA DA INDUSTRIA DA CERVEJA(CERVBRASIL)

ADVOGADO : GUSTAVO BINENBOJMINTERESSADO : ASSOCIACAO BRASILEIRA DE EMISSORAS DE RADIO E TVADVOGADO : LIANA MARIA PREHN ZAVASCKI

: FRANCISCO PREHN ZAVASCKI

VOTO­VISTA

Pedi vista dos autos para melhor refletir sobre a controvérsia sub judice e, apóslonga reflexão, acompanho o eminente Relator, pelas razões que passo a expor.

As ações civis públicas n.º 2008.70.00.013135­1/PR, n.º 5012924­20.2012.404.7200 e n.º 5017742­24.2012.404.7100 foram ajuizadas com o objetivo de quefossem consideradas como alcoólicas as bebidas com teor alcoólico igual ou superior a 0,5graus Gay Lussac, para fins de restrição de publicidade.

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O pleito liminar não foi acolhido (DECISÃO/20 do evento 2 dos autosoriginários), por não ter sido verificada, pelo juízo a quo, a plausibilidade do direito invocado.

Contra a decisão, foi interposto o agravo de instrumento n.º 0035426­75.2010.404.0000/RS, convertido em retido.

Posteriormente, sobreveio sentença, afastando a preliminar de ilegitimidadepassiva da União e julgando improcedente o pedido, nos seguintes termos:

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Preliminares

As preliminares de impossibilidade jurídica do pedido em razão da separação depoderes e inadequação da via eleita confundem­se com o mérito e serãooportunamente apreciadas.

Já a alegação de ilegitimidade passiva da União não prospera, na medida em que éseu dever constitucional, através de lei federal, estabelecer os meios pelos quais oscidadãos serão protegidos de propagandas nocivas à Saúde, nos termos do art. 220,parágrafo 3°, inciso Il da CF. Referido dispositivo constitucional estabelece a relaçãode pertinência subjetiva da União com a presente demanda. Outrossim, as atribuiçõeslegalmente estabelecidas à Agência Nacional de Vigilância Sanitária não deslegitima afigura da União como ré da presente ação civil pública.

2.2. Mérito

No que toca ao mérito da ação, melhor sorte não se reserva à pretensão. E que não hácomo decidir diferentemente dos argumentos tão bem explanados pelo magistrado queindeferiu a antecipação dos efeitos da tutela, que trilhou o caminho traçado peloPretório Excelso ao julgar a ADI 1.755­5. Em razão da correção de ambas asdecisões, e tendo em vista que já houve manifestação do órgão judicial Supremo arespeito da matéria, adoto os fundamentos daquela decisão como ratio decidendi.

Pois bem, o art. 220 da Constituição da República, sobre a qual se fundamenta opedido do autor estabelece:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sobqualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado odisposto nesta Constituição. (...)§ 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentose terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafoanterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefíciosdecorrentes de seu uso." [grifo nosso]

A Lei n° 9.294/96 foi editada em cumprimento ao parágrafo quarto da norma acimatranscrita. Cabe à lei, e não ao Poder Judiciário, definir o que é bebida alcoólica. Essediploma legal, em seu artigo 1°, traça os limites de sua aplicação, verbis:

Art. 1° O uso e a propaganda de produtos fumígeros, derivados ou não do tabaco, debebidas alcoólicas, de medicamentos e terapias e de defensivos agrícolas estão sujeitosàs restrições e condições estabelecidas por esta Lei, nos termos do § 4 ° do art. 220 daConstituição Federal.Parágrafo único. Consideram­se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas

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potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gag Lussac." [grifo nosso]

A constitucionalidade da norma em comento já foi questionada perante o SupremoTribunal Federal na ADI n° 1.755­5:

CONSTITUCIONAL. LEI FEDERAL. RESTRIÇÕES AO USO E À PROPAGANDA DEPRODUTOS FUMÍGEROS, BEBIDAS ALCOÓLICAS, ETC. IMPUGNAÇÃO DODISPOSITIVO QUE DEFINE O QUE É BEBIDA ALCOÓLICA PARA OS FINS DEPROPAGANDA. ALEGADA DISCRIMINAÇÃO LEGAL QUANTO ÀS BEBIDAS COMTEOR ALCOÓLICO INFERIOR A TREZE GRAUS GAY LUSSAC. A SUBTRAÇÃO DANORMA DO CORPO DA LEI IMPLICA EM ATUAR ESTE TRIBUNAL COMOLEGISLADOR POSITIVO, O QUE LHE É VEDADO. MATÉRIA PARA SERDIRIMIDA NO ÂMBITO DO CONGRESSO NACIONAL. PRECEDENTES. AÇÃONÃO CONHECIDA. (ADIN 1.755­5/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 15/10/98).

Em que pese o não­conhecimento da aludida ADIN, insta reconhecer que, por viaoblíqua, a Corte Suprema assentou a impossibilidade de o Poder Judiciário atuarcomo legislador positivo no caso em discussão. E, em verdade, é exatamente o quepretende o autor na presente demanda.

Dessa maneira, observo que não há omissão do Poder Legislativo, uma vez que, pormeio da Lei 9.294/96, restringiu a propaganda comercial de bebidas alcoólicas. Oalcance da restrição e seus limites devem ser dados pelo Poder constitucionalmentelegitimado para tanto e não por meio do Poder Judiciário.

Nessa toada, sem descurar da relevância dos argumentos metajurídícos apresentadosna exordial, tem­se que o legislador decidiu soberanamente que os cidadãosbrasileiros fiquem a descoberto da propaganda de bebidas que tenham teor alcoólicoinferior ao determinado pela lei.

A despeito de toda a documentação científica, impende­se concluir que compelir oPoder Público a efetuar tal classificação importaria em malferir o princípio daseparação de poderes, sobre o qual se assenta a República Federativa do Brasil.Estaria o Poder Judiciário usurpando a função legislativa, atribuída precipuamente,pela Magna Carta, ao Congresso Nacional. (grifei)

Em face desse provimento, apelou o Ministério Público Federal, invocandofundamentos exemplarmente elencados pelo eminente Relator, aos quais me reporto, a fim deevitar tautologia.

Após a análise dos autos, principio acompanhando­o integralmente no tocante àspreliminares de legitimidade passiva e litispendência.

De fato, são partes legítimas a ANVISA e o Departamento de Proteção e Defesado Consumidor do Ministério da Justiça, vinculado à União, tendo em vista o teor dos pleitosdo autor ­ em especial os que dizem respeito à suposta ausência de fiscalização por parte dosaludidos órgãos sobre a publicidade, em tese indevida, de bebidas alcoólicas classificadas emgrau entre 0,5 e 13 na medida Gay Lussac.

Diversa, no entanto, é a situação da Associação Brasileira de Bebidas, tendo emvista que a ação não visa a atingir as entidades interessadas na publicidade de bebidasalcoólicas, mas sim aquelas que se abstiveram de cumprir o dever de limitá­la.

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Igualmente impecáveis as razões exaradas no voto do eminente Relator quanto àausência de litispendência e conexão entre as três ações civis públicas, tendo em vista assutilezas de cada processo.

Passo, então, à apreciação do mérito.

A controvérsia instaurou­se a partir da duplicidade de significados legais paraum mesmo conceito ­ "bebida alcoólica". Efetivamente, para fins de publicidade, a Lei n.º9.294/96 não considera bebida alcoólica aquela que possui teor alcoólico inferior a 13 grausna escala Gay Lussac, critério que exclui das limitações legais a maioria das cervejas evinhos. Já em diversas outras normas ­ legais ou administrativas ­ adota­se o parâmetro de 0,5graus Gay Lussac, de maior abrangência e rigor científico.

Em resposta, o MPF apresentou diversos dados demonstrando que sãojustamente esses os produtos mais consumidos entre os jovens, o público mais visado pelapropaganda de bebidas. Foi também afirmado que, quanto maior a exposição à publicidade,maior o consumo entre os jovens, visto que envolvem não raro associações entre o consumode tais bebidas e sucesso social e pessoal, o que causa significativos danos a bens jurídicostutelados constitucionalmente.

Primeiramente, impõe­se a definição do alcance das alterações introduzidas pelaLei n.º 11.705/08, relativamente aos dispositivos da Lei n.º 9.294/96.

Cito a ementa e o art. 1º da Lei n.º 9.294/96:

LEI Nº 9.294, DE 15 DE JULHO DE 1996.

Dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas,medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4° do art. 220 daConstituição Federal.

Art. 1º O uso e a propaganda de produtos fumígeros, derivados ou não do tabaco, de bebidasalcoólicas, de medicamentos e terapias e de defensivos agrícolas estão sujeitos às restriçõese condições estabelecidas por esta Lei, nos termos do § 4° do art. 220 da ConstituiçãoFederal.Parágrafo único. Consideram­se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidaspotáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac.

Assim foi redigida a ementa da Lei n.º 11.705/08:

LEI Nº 11.705, DE 19 DE JUNHO DE 2008.

Altera a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que 'institui o Código de TrânsitoBrasileiro', e a Lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e àpropaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivosagrícolas, nos termos do § 4º do art. 220 da Constituição Federal, para inibir o consumo debebida alcoólica por condutor de veículo automotor, e dá outras providências.

Com efeito, é mencionado pelo legislador o propósito de promover alteração naLei n.º 9.294:

Art. 1º. Esta Lei altera dispositivos da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui oCódigo de Trânsito Brasileiro, com a finalidade de estabelecer alcoolemia 0 (zero) e de impor

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penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool, e da Lei nº9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda deprodutos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nostermos do § 4º do art. 220 da Constituição Federal, para obrigar os estabelecimentoscomerciais em que se vendem ou oferecem bebidas alcoólicas a estampar, no recinto, avisode que constitui crime dirigir sob a influência de álcool.

À primeira vista, não teria havido derrogação de outra norma, em face daliteralidade do texto do artigo 1º da Lei n.º 11.705/08.

Todavia, o art. 6º da Lei n.º 11.705/08 dispõe claramente que, para efeitosdaquela Lei, é aplicável o critério de 0,5 graus Gay Lussac:

Art. 6º. Consideram­se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis quecontenham álcool em sua composição, com grau de concentração igual ou superior a meiograu Gay­Lussac.

É bem verdade que a Lei n.º 11.705/08, ao alterar dispositivos da Lei n.º9.294/96, não fez referência expressa ao seu art. 1º, parágrafo único (que dispõe queConsideram­se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com teoralcoólico superior a treze graus Gay Lussac), limitando­se a acrescer o art. 4º­A, com oseguinte teor:

Art. 7º. A Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 4º­A:

"Art. 4º­A. Na parte interna dos locais em que se vende bebida alcoólica, deverá ser afixadoadvertência escrita de forma legível e ostensiva de que é crime dirigir sob a influência deálcool, punível com detenção."

Entretanto, apesar de ser pese lógica e juridicamente possível a coexistência deconceitos distintos para um mesmo instituto ou objeto ­ como, p.ex., maioridade, empresa etc.­, é relevante notar que o art. 6º da Lei n.º 11.705/08 ­ que, repita­se, promoveu alterações nasLeis n.ºs 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, e9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda deprodutos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas ­estabeleceu uma nova definição de bebida alcoólica, para seus efeitos (Consideram­sebebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis que contenham álcool em suacomposição, com grau de concentração igual ou superior a meio grau Gay­Lussac.), semrestringi­lo ou atrelá­lo a uma ou outra Lei por ela modificada.

É fato que não foi adotada a melhor técnica legislativa para expressar a opção dolegislador, mas esse fato não impede o operador do Direito de valer­se de recursoshermenêuticos para alcançar uma compreensão do texto legal constitucionalmente defensável.

Também não se desconhece que, durante a análise do projeto de lei deconversão da Medida Provisória n.º 415/2008, houve proposta de emenda (n.º 43) paraalteração do disposto no § único do art. 1º da Lei n.º 9.294/96, que restou expressamenterejeitada. No entanto, isso não significa que seu conteúdo tenha sido refutado pelo CongressoNacional.

Em consulta ao endereço virtual da Câmara dos Deputados, tem­se que emenda

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aditiva nº 43 foi apresentada em 07/02/2008. Em parecer apresentado em plenário peloRelator designado para manifestar­se pela Comissão mista incumbida da apreciação damatéria, o Deputado Hugo Leal apreciou cada emenda apresentada no projeto de lei deconversão. Na ocasião, votou pela rejeição da emenda nº 43, visto que já existia projeto delei em regime de urgência tratando da matéria.

Outras emendas restaram rejeitadas por motivos ideológicos, mas esse não foi ocaso da que pretendia estabelecer o critério de 0,5 grau Gay Lussac para definir as limitaçõesà propaganda de bebidas alcoólicas.

De fato, existem diversos projetos objetivando fim idêntico (p.ex. PL n.º5.517/2009 e PLS n.º 692/2011), ou semelhante ­ caso do PLS 531/2007, cuja proposta éestabelecer como bebida alcoólica as bebidas potáveis com qualquer teor alcoólico registradona tabela Gay­Lussac.

O PL n.º 5.517/2009 encontra­se apensado ao PL n.º 3.037/1997, e traz comojustificativa os seguintes argumentos:

A preocupação atual da OMS com os crescentes índices de alcoolismo registrados pelajuventude tem colocado diversos agentes públicos em alerta. Os malefícios do consumo doálcool são amplamente conhecidos: causa diversas doenças, acidentes de trânsito, incita aviolência e é o grande responsável pelos óbitos registrados nas ocorrências policiais. Comocomprovação dessas desvantagens, conforme publicou o Estado de São Paulo em 19 dejaneiro de 2009, o Ministério da Saúde constatou, entre os anos de 2000 e 2006, um aumentona taxa de mortalidade por doenças associadas ao alcoolismo de 10,7 para 12,6 óbitos por100 mil habitantes.

A propaganda de bebidas alcoólicas, com todas as outras, procura associar ao bem estar eaos efeitos positivos causados pela prática esportiva à ingestão de produtos que contêmálcool. Nesse sentido, agregar a imagem de esportistas famosos a marcas de cervejaspreocupa pelo impacto imediato e midiático que a imagem possui na mente das crianças ejovens. Essa prática deve ser mitigada.

Para coibir esse tipo de merchandising oferecemos o presente projeto de lei que altera a lei9.294/96 que impõe restrições à propaganda de cigarros e álcool. Em primeiro lugar, comoforma de incluir as cervejas no âmbito da lei, optamos por reduzir o limite, lá estabelecidoem 13 graus Gay Lussac, para apenas 0,5 graus. Dessa maneira, sucos de frutas ou outrasbebidas que possuam resíduos de fermentação não seriam consideradas como bebidasalcoólicas.

Todavia, cervejas, que possuem em média teor alcoólico entre 4 e 6%, estariamcompreendidas nas novas limitações propostas. A seguir, o projeto estabelece que nãopoderão ser utilizados em locais de práticas esportivas matéria is esportivos, adereços ouroupas de torcidas organizadas que contenham alusão a bebidas alcoólicas.

Pela contribuição ora ofertada, cremos contribuir para a diminuição dos crescentes índicesde alcoolismo aqui citados e mitigar os males que as bebidas alcoólicas causam a nossasociedade. (grifei)

Confira­se também a justificativa do Projeto de Lei do Senado n.º 692/2011, quetramita atualmente na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação eInformática:

Há muito nosso país clama por medidas mais severas para conter o uso abusivo de álcool e a

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violência que ele gera. O consumo de bebidas alcoólicas traz malefícios para toda asociedade, pois está na origem da maior parte dos atos violentos e dos acidentes de transitoque vitimam milhares de brasileiros a cada ano.

Assim, motivado por iniciativas legislativas do Governo e da Assembléia Legislativa doEstado de São Paulo, apresento este projeto de lei que tem o propósito de reduzir a exposiçãovisual dos nossos jovens às bebidas alcoólicas, exposição essa que representa um apelo paraque eles consumam álcool como se isso fosse um ato natural da vida.

Como bem enfatizado pelo Relator, "a evolução legislativa caminha a passoslargos para o banimento total da publicidade de bebidas alcoólicas ­ a exemplo do queocorreu com o tabaco ­, e não apenas para restrições horárias. É tendência mundial quenão admite retrocesso. É questão de tempo" (grifei).

Esse quadro, por si só, é suficiente para desconstruir a tese sustentada pelas rés,porque, definitivamente, não houve rejeição do mérito da proposta de definição de bebidaalcoólica em 0,5 graus Gay Lussac, para fins de publicidade.

Reconheço que o tema é controvertido (considerando que as três ACPs de queaqui se trata não obtiveram julgamento uniforme no primeiro grau). E uma análise superficialdo litígio induziria o julgador a acolher a linha de raciocínio adotada pela defesa, que invoca oprincípio da legalidade estrita, devolvendo o problema ao Legislativo.

Observo, porém, que o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal na jácitada ADI n.° 1.755/DF­1998 ocorreu em outro contexto normativo, em que havia somente aLei n.º 9.294/96 regulamentando a matéria, com fundamento no art. 220, § 4º, da ConstituiçãoFederal. O Relator da referida ADI, inclusive, referiu que, à época, havia opiniões divergentesacerca do Projeto de Lei n.º 3.358/97, e o impetrante, o Partido Liberal, estaria desrespeitandoo rito correto perante o Congresso ao buscar, em um "atalho", o resultado desejado perante oJudiciário.

Na ocasião, inclusive, o Min. Carlos Velloso foi vencido, ao votar peloconhecimento da ADI:

Penso que ocorre, no caso, inconstitucionalidade direta, material. A Constituição estabeleceque a bebida alcoólica estará sujeita à restrição. O que está sujeito à restrição legal? Abebida alcoólica. Vem a lei e discrimina dizendo: bebida alcoólica acima de treze graus. Asrestrições, na propaganda, a Constituição quer que sejam para bebida alcoólica.(...)A Constituição confere ao legislador o poder para dizer o que é bebida alcoólica? Não! Elaquer que o legislador, tratando­se de bebida alcoólica, estabeleça restrições na propaganda(...). Quero dizer a V.Exa. que a Constituição simplesmente estabelece que a propaganda debebidas alcoólicas conterá, sempre que necessário, advertência. E o que o legislador fez?Disciplinou a respeito e estabeleceu: não se considera bebida alcoólica a bebida com teoralcoólico inferior a treze graus Gay Lussac. Não haverá restrições, então, tratando­se debebida alcoólica com teor alcoólico inferior a treze graus. Todos sabemos, entretanto, quebebida com teor [menor que] de treze graus de álcool é bebida alcoólica. Cervejas e vinhos,por exemplo.

No ponto, é esclarecedor o conteúdo do Parecer apresentado nesta instância(evento 04 dos autos eletrônicos):

Quedou­se muito bem explanada na apelação a radical mudança paradigmática acerca do

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papel do Poder Judiciário no panorama nacional nos últimos anos. Isso pode ser visualizadoespecialmente na atuação jurisdicional para colmatar vácuos normativos deixados pelosoutros Poderes, ou para reverter danos ocasionados pela deficiência de políticas públicas emáreas muito sensíveis ao bem­estar da população. (...)

Ao examinar o Mandado de Injunção 721­7/DF (Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 30/11/2007), omesmo Pleno, alterando posição até então predominante, adotou comportamento concretistae, ao invés de pura e simplesmente instar o Congresso Nacional a suprir lacuna legislativaque inviabilizava o exercício de direito constitucional ­ aposentadoria especial de servidorpúblico (art. 40, §4º, da Constituição Federal) ­, procedeu ele mesmo ao preenchimento dessalacuna, determinando a aplicação analógica de normas existentes para outros casos.Demonstrado aí está, consequentemente, que o Poder Judiciário também enfrentou a omissãolegislativa, emprestando a caso concreto, carente de lei em sentido formal regulamentadora,solução normativa.

(...) Nos últimos anos, a dinâmica da divisão dos Poderes não mais é estanque, sendo assimpermitido que, na inércia dos demais Poderes, em especial quando vulnerados direitos egarantias fundamentais, seja dado à função jurisdicional prerrogativa de sanar a celeuma, demodo a conferir, às situações concretas, a materialização dos comandos constitucionais. Eisso se dá não enquanto legislador meramente negativo. Reclama, muito mais, atuaçãocomissiva do julgador, que se investe da condição de concretizador de direitos fundamentaisolvidados pelo Poder Público.

Além disso, é oportuno destacar que, desde então, o alcoolismo, especialmenteentre os jovens, vem ceifando a vida de milhares de brasileiros a cada ano. E, para minimizaressa lamentável realidade, houve o incremento de medidas de combate aos efeitos nocivos doálcool, com campanhas públicas de conscientização, imposição de alertas na publicidade erestrições ao consumo. Não bastasse isso, as normas constitucionais adquiriram efetividade eo Judiciário assumiu postura ativa na concretização de direitos fundamentais.

Vale dizer, passados 16 (dezesseis) anos, alterou­se a conjuntura fática ejurídica.

A propósito, vejam­se trechos da Nota n.º AGU/GV ­ 16/2007 e do Despacho doConsultor­Geral da União n.° 249/2007 (Processos n.°s 00400.001339/ 2007­03 e00400.001244/ 2007­81), aprovados pelo então Advogado­Geral da União, o atual Ministrodo STF José Antonio Dias Toffoli:

Sem embargo de entender absolutamente correta, no mérito, a atualização do conceito debebida alcoólica contido no Anexo I do Decreto em causa ­ já que a tecnologia atual permite afabricação de vinhos e cervejas, sem alteração de sabor, não apenas com menos de 0,5 graude teor alcoólico, mas até com teor rigorosamente zero ­ do ponto de vista jurídico énecessário que o novo conceito não fique apenas no anexo I do Decreto, mas passe a ser anova redação do parágrafo único do art. 1º da lei 9294, de 15 de julho de 1996, sem o que adiscrepância entre os dois dispositivos ensejará procedimento judicial que a petição doCONAR já insinua.

Um projeto de lei a respeito teria o inconveniente de ensejar, sob o patrocínio de lobby dosinteressados, prolongada batalha em que as baixas continuariam a penalizar a sociedade comos mortos de incontáveis famílias brasileiras, vitimadas pela violência da criminalidade e dotrânsito, em níveis já insuportáveis.

Outro aspecto relevante, a reforçar a convicção de que a Lei n.º 11.705/08consagrou um novo conceito de "bebida alcoólica", inclusive para fins de publicidade, é a

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amplitude da discricionariedade conferida ao legislador para defini­lo.

Destaco os termos da manifestação da ANVISA acostada à contestação daUnião:

A Legislação infraconstitucional, que rege a publicidade de bebidas alcoólicas, em especial, aLei n° 9.294/96, não possui eficácia, considerando seu caráter tímido, ao adotar comoconceito de bebida alcoólica, toda bebida potável com teor alcoólico superior a 13 (treze)graus Gay Lussac. Esta legislação, ao ter adotado tal conceito fictício e atécnico, acaba porse afastar da Mens Legis constitucional, pois deixa de fora do âmbito restritivo deregulamentação legal justamente as cervejas (preferência nacional de consumo, sobretudono segmento jovem) e os vinhos (art. 1°, Parágrafo único).

Cristina Corso Ruaro, Promotora de Justiça do Estado do Paraná, abordou oponto, conforme texto publicado em http://bit.ly/1rFwApU, in verbis:

Parece redundante falar o óbvio, ou seja, que cerveja também é álcool. Contudo, pormais contraditório que pareça, a Lei 9.294/96, que estabelece restrições à publicidadede tabaco e de bebidas alcoólicas, previu que, para os fins daquela lei, somente seriamconsideradas bebidas alcoólicas aquelas com teor etílico superior a 13 graus Gay­Lussac. Portanto, para fins de publicidade, cerveja não é bebida alcoólica e, emdecorrência, permitiu­se a publicidade de cervejas vinculada ao futebol. A leiresultou em significativa mudança na publicidade de cigarros, antes associados àaventura, esportes e sucesso, fixando na mente dos consumidores a mensagemsubliminar que os incentivava ao hábito de fumar. A intensa publicidade da indústriacervejeira associada a artistas famosos e a desportistas tem o mesmo efeito subliminar,apesar de o consumo de bebidas alcoólicas ser incompatível com a prática de esportes.

Por outro lado, o Decreto 6.117/2007, que instituiu a Política Nacional sobre oÁlcool e pretendia reduzir o uso indevido do álcool, definiu bebidas alcoólicas comoaquelas com concentração igual ou superior a 0,5 grau Gay­Lussac, o que abarca acerveja. Já a proibição da venda e do consumo de bebidas alcoólicas no interior dosestádios de futebol decorreu da constatação de que tal providência era determinantepara a diminuição da violência nos estádios. Infelizmente, a Lei Geral da Copa previua suspensão do dispositivo do Estatuto do Torcedor que fundamenta tal proibição, porimposição de um patrocinador oriundo da indústria cervejeira, e as bebidasalcoólicas foram liberadas por ocasião da Copa das Confederações e da Copa doMundo.

É oportuno lembrar que, em 17/10/2013, o Ministério Público do Estado de SãoPaulo lançou a campanha intitulada "Cerveja Também é Álcool", propondo a alteração doparágrafo único do artigo 1º da Lei n.º 9.294/96, para restringir a publicidade de bebidas comgraduação alcoólica igual ou superior a 0,5 graus Gay Lussac, conforme definição técnica doDecreto n.º 6.117/2007, que instituiu a Política Nacional Sobre o Álcool.

O abaixo assinado em prol da campanha "Congresso Nacional: Incluaqualquer bebida alcoólica dentro das restrições à propaganda de álcool" hoje conta comaproximadamente 41.400 de sua meta de 50.000 assinaturas. Em março de 2014, a soma dasassinaturas em meio físico e eletrônico chegava a mais de 75 mil.

A par disso, diversas instituições que combatem o uso de álcool e drogas edefendem os direitos de crianças e adolescentes manifestaram apoio ao projeto

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(http://bit.ly/1oqqXH0).

Dita a Política Nacional sobre o Álcool ­ Decreto n.º 6.117/2007:

5. Para os efeitos desta Política, é considerada bebida alcoólica aquela que contiver0.5 grau Gay­Lussac ou mais de concentração, incluindo­se aí bebidas destiladas,fermentadas e outras preparações, como a mistura de refrigerantes e destilados, alémde preparações farmacêuticas que contenham teor alcoólico igual ou acima de 0.5grau Gay­Lussac.

Logo, bebidas como a cerveja, com teor entre 0,5º GL e 13º GL, são bebidasalcoólicas.

Nessa perspectiva, cumpre averiguar se a Lei está vinculada a esse critério oupoderia estabelecer outro, a partir da interpretação do art. 220 da Constituição Federal, inverbis:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquerforma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nestaConstituição.§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade deinformação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto noart. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.§ 3º Compete à lei federal:I ­ regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre anatureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que suaapresentação se mostre inadequada;II ­ estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de sedefenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto noart. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos àsaúde e ao meio ambiente.§ 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos eterapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, econterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.§ 5º Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto demonopólio ou oligopólio.§ 6º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.(grifei)

Depreende­se do texto normativo que a propaganda comercial de bebidasalcoólicas não é proibida pela Constituição Federal, mas apenas sujeita a restrições legais,matéria que deve ser regulamentada por lei federal.

As rés argumentam no sentido de que restrição não se confunde com proibição,e dentro da esfera de discricionariedade do legislador encontra­se a definição do teor alcoólicocapaz de qualificar uma bebida como alcoólica.

Em que pese ponderável o argumento, e com a vênia dos que pensam emcontrário, a Constituição Federal não parece atribuir discricionariedade ao legisladorpara isentar de restrições determinadas espécies de bebidas alcoólicas, a partir de um"suposto grau de lesividade inferior ou mínima": ela o insta a restringir a publicidadede bebidas alcoólicas, não lhe conferindo tal escolha. A vingar tal possibilidade, o

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legislador estaria contornando ­ ao meu ver, indevidamente ­ a norma constitucional, aoescolher o que é ou não bebida alcoólica, com o fim de resguardar outros interesses.

No âmbito do STF, por a ocasião do julgamento da ADI n.º 1.755/DF­1998, foidiscutido se a mesma norma teve igual interpretação no tocante a medicamentos e às bebidasalcoólicas. Isso porque a Lei n.º 9.294/96 dispôs acerca de quais medicamentos terão suapublicidade limitada. O Min. Carlos Velloso sustentou, então, que há muita diferença entreafirmar que o medicamento deste ou daquele grupo sofrerá ou não restrições, e sustentar queaquela mesma substância não é medicamento.

Veja­se trecho da ADI nº 1755/DF­2008:

o Sr. Ministro CARLOS VELLOSO (Presidente): (...)A Constituição confere ao legislador o poder para dizer o que é bebida alcoólica? Não! Elaquer que o legislador, tratando­se de bebida alcoólica, estabeleça restrições na propagandapara que se proteja ...

o Sr. Ministro NELSON JOBIM (Relator)Igual para todas?

o Sr. Ministro CARLOS VELLOSO (Presidente):Isso é outra questão! Perdoe­me V.Exa., mas, com relação a medicamento, não se fez adistinção.

o Sr. Ministro MOREIRA ALVES:Fez­se. Há alusão a medicamento.

o Sr. Ministro CARLOS VELLOSO (Presidente)­Diz o parágrafo único do art. 1° da Lei nº 9.294/96:

"Parágrafo único. Consideram­se bebidas alcoólicas, para efeitos desta lei, as bebidaspotáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac".

Não diz que se consideram medicamentos, para efeitos desta lei, os medicamentos tais e tais.E isso não foi feito porque a Constituição não autoriza o legislador ordinário a fazê­lo.

o Sr. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE:Sr. Presidente, V.Exa. me permite um aparte só para acompanhar seu raciocínio? V. Exa.extrai da Constituição a necessidade de que as restrições sejam idênticas para todas asbebidas?

o Sr. Ministro CARLOS VELLOSO (Presidente): ­Quero dizer a V.Exa. que a Constituição simplesmente estabelece que a propaganda debebidas alcoólicas conterá, sempre que necessário, advertência. E o que o legislador fez?Disciplinou a respeito e estabeleceu: não se considera bebida alcoólica a bebida com teoralcoólico inferior a treze graus Gay Lussac. Não haverá restrições, então, tratando­se debebida alcoólica com teor alcoólico inferior a treze graus. Todos sabemos, entretanto, quebebida com teor de treze graus de álcool é bebida alcoólica. Cervejas e vinhos, por exemplo.(...)

Isto quer dizer que cervejas e vinhos, por exemplo, não estarão sujeitos à restrição. Por quea Constituição quer que se faça a restrição? Porque, na verdade, o uso de bebidas alcoólicascausa danos à saúde.

A Constituição deseja que os consumidores sejam alertados que cigarro é prejudicial à

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saúde, que álcool é prejudicial à saúde. O legislador, não sei por que motivo, excluiu asbebidas alcoólicas de teor alcoólico inferior a treze graus.

Isto é: a Lei foi transparente ao diferenciar um ou outro tipo de medicamento, aoinvés de, por ficção, excluir do âmbito da norma restritiva um remédio afirmando que ele nãoo é.

E justamente isso foi feito quanto às bebidas alcoólicas: ao invés de afirmar quebebidas alcoólicas com teor entre 0,5º GL e 13º GL receberiam um tratamento e aquelas comgrau acima de 13º GL receberiam outro, o legislador optou por determinar que as bebidas doprimeiro grupo não são alcoólicas. Pode­se entender que poderia ser realizada essadiferenciação assim como o fez em relação aos medicamentos. Se, porém, interpretar­se quelhe foi negada essa possibilidade, a norma é irregular por contrariar previsão constitucional.

O Ministro afirmou não saber o motivo da opção pelo critério de 13 graus Gay­Lussac.

A propósito, a sentença proferida na ação civil pública n.º 5012924­20.2012.404.7200 responde a esse questionamento:

O legislador, ao afastar a limitação constitucional de algumas bebidas alcoólicas, talcomo o vinho e a cerveja, afrontou diretamente o texto constitucional, colocando ointeresse econômico da indústria de bebidas acima da saúde pública. A saúde pública é um bem jurídico que não pode ser simplesmente desconsiderado ecolocado em plano secundário pelo legislador ordinário, como se os interesseseconômicos da indústria de bebidas alcoólicas fosse um bem jurídico de mais valia.

Para reforçar os argumentos do magistrado, vale lembrar que, conformemanifestação da própria ANVISA, o critério de 13 graus na escala Gay Lussac é atécnico efictício.

Com efeito, as bebidas com teor alcoólico abaixo de 0,5 graus na escala GayLussac, como sucos com resquícios de fermentação, podem ser ingeridos em quantidaderazoável sem risco de alcoolizar o consumidor. O mesmo não se pode dizer da cerveja, cujopotencial alcoolizante está sempre presente.

Há, sem dúvida, divergências acerca da interpretação do dispositivoconstitucional. Pode­se dizer que a palavra "restrição" implica certa flexibilidade, permitindoque se restrinjam as bebidas com teor superior a X ou Y, sem restrições às demais. Oargumento para tanto seria de que somente o teor alcoólico elevado poderia tornar a bebidaum fator de risco à saúde pública.

Contudo, a tese de que a cerveja e outras bebidas de teor alcoólico inferior a 13ºGL não possuem potencial destrutivo à saúde semelhante ao das demais bebidas alcoólicas,justificando tratamento diferenciado, não procede.

Confiram­se dados do I Levantamento Nacional sobre os padrões de consumode álcool na população brasileira (Elaboração, redação e organização: Ronaldo Laranjeira ...[et al.]; Revisão técnica científica: Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte. Brasília:Secretaria Nacional Antidrogas, 2007. Disponível em: http://bit.ly/1xtVUSY):

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A cerveja é a bebida nacional. Ela é ingerida preferencialmente por ambos os sexos eem todas as idades, regiões e classes sociais. (...) Aproximadamente, metade das dosesconsumidas por adolescentes é de cerveja ou chope. (...)

A literatura internacional estabelece em 5 doses ou mais para os homens e 4 doses oumais para as mulheres, num único episódio ­ o limite do beber em "binge", expressãoque indica um estado de consumo de risco. (...)

O beber com maior risco em um curto espaço de tempo, ou o beber em "binge", é aprática que mais deixa o adolescente exposto a uma série de problemas de saúde esociais. Os riscos vão desde acidentes de trânsito ­ o evento mais comum e comconseqüências mais graves ­ até o envolvimento em brigas, vandalismo e a prática dosexo sem camisinha. (...) Pouco menos de um quarto dos meninos e 12% das meninasjá beberam em "binge" ao menos 1 vez nos últimos 12 meses, o que é uma diferençaestatisticamente significativa. (...)

O beber em grandes quantidades é um fenômeno que diminui com a idade. Enquanto40% dos jovens de 18 a 24 anos já beberam em "binge", este número cai para 20%entre aqueles com 45 e 59 anos, e desce para 10% entre os mais velhos. Existe umarelação inversa entre as taxas de abstinência e as taxas de "binge", ou seja, aabstinência aumenta com a idade e o "binge" diminui. Esse fenômeno é importante doponto de vista de políticas, pois a população mais jovem é a mais vulnerável aapresentar maiores problemas com o álcool.

Dos grupos populacionais , os adolescentes são os que apresentam os maiores riscosem relação ao beber. No mundo todo existe uma preocupação especial com esse grupoe a monitoração das taxas de padrão de beber é uma das medidas mais importantes aserem desenvolvidas. Não existe um padrão de beber de baixo risco entre osadolescentes, pois as evidências mostram que nessa faixa da população mesmo obaixo consumo está relacionado com alto risco de acidentes. No presente estudoencontrou­se uma alta freqüência de adolescentes (9%) que bebem mais do que 1 vezpor semana (12% meninos e 6% meninas). Em relação à dose usual, quase 50% dosmeninos bebeu mais do que 3 doses por situação habitual e cerca de um terço delesconsumiu 5 doses ou mais.

As bebidas alcoólicas são as substâncias psicotrópicas mais utilizadas poradolescentes (Faden, 2005; Galduróz e cols, 2005). Adolescentes que consomembebidas alcoólicas podem ter conseqüências negativas tão diversas como problemasnos estudos, problemas sociais, praticar sexo sem proteção e/ou sem consentimento,maior risco de suicídio ou homicídio e acidentes relacionados ao consumo (Faden,2005). (...)

Por mais que o consumo de álcool por adolescentes na sociedade possa parecerbanalizado (não é incomum a presença de bebidas alcoólicas em festas deadolescentes, patrocínios de bebidas alcoólicas ­ especialmente cerveja e bebidas"ice"), pesquisas demonstram que começar a beber em idade precoce é um fatormuito importante que influenciará problemas futuros com o álcool (Maggs eSchulenberg, 2005).

Atente­se à informação constante do II Levantamento, de que mulheres,especialmente as mais jovens, são as que estão expostas a maior risco (Laranjeira R, MadrugaCS, Pinsky I, Caetano R, Ribeiro M, Mitsuhiro S. II Levantamento Nacional de Álcool eDrogas ­ Consumo de Álcool no Brasil: Tendências entre 2006/2012. São Paulo: INPAD;

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2013. Disponível em http://bit.ly/1pmgZGO).

Confiram­se também dados constantes de análise de intoxicações alcoólicas empediatria do Hospital Universitário da USP (http://bit.ly/1vroQb3): hoje, o jovem começa afumar aos 11/12 anos, beber aos 13/14, alguns fumam maconha aos 14/15 e outros partempara o crack aos 17/18 anos. A prevenção das drogas lícitas é relevante para evitar oescalonamento para as ilícitas. Apenas 2% dos que não bebem partem para as drogas ilícitas.

São inegáveis, portanto, os danos causados pelas bebidas alcoólicas, em especialaquelas com teor alcoólico entre 0,5º GL e 13º GL, por seu apelo junto ao públicoadolescente.

Na literatura especializada, é possível encontrar resposta para questõespertinentes à demanda: afinal, há nexo de causalidade entre a propaganda de cervejas e osdanos à vida e à saúde pública? Há influência dessa publicidade sobre a mente dosjovens? Existe intenção de obter lucro através da manipulação de um público maisvulnerável?

Para elucidação do ponto, leia­se trecho do artigo "Propaganda de álcool eassociação ao consumo de cerveja por adolescentes" (FARIA, Roberta et al. Propaganda deálcool e associação ao consumo de cerveja por adolescentes. Rev. Saúde Pública, SãoPaulo, v. 45, n. 3, June 2011. Disponível em http://bit.ly/1rykUou):

No Brasil, além de poucos programas de prevenção ao consumo de álcool, há poucasrestrições à propaganda de bebidas alcoólicas. O País adotou o modelo de auto­regulação do Conselho de Auto­Regulamentação Publicitária (Conar) e as regrasrelacionam­se, principalmente, ao conteúdo e à exposição de menores de idade àspeças. Considerando a eficácia dessa autoregulamentação questionável, o governobrasileiro tentou restringir as propagandas de cerveja na televisão em 2008 por meioda Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e do Ministério da Saúde.Entretanto, movimentos encabeçados pelas indústrias cervejeiras e por associaçõesrepresentantes dos meios de comunicação conseguiram reverter essas propostas, eatualmente não há restrição de horário para propagandas dessas bebidas. (...)

Variáveis ligadas diretamente às propagandas estiveram associadas ao consumo decerveja nos últimos 30 dias. A crença de que os comerciais de bebidas alcoólicasfalam a verdade mostrou associação com o consumo (OR = 2,122; p = 0,000), assimcomo a percepção de similaridade entre os comerciais e a vida real dos estudantes,definida por "as festas que eu freqüento parecem com as dos comerciais" (OR = 1,712;p = 0,009). Prestar atenção aos comerciais ofereceu risco aumentado de consumo debebidas (OR = 1,563, p = 0,028), mas a associação mais forte foi observada em teruma marca preferida de bebida alcoólica (OR = 5,150; p = 0,000). (...)

Este é um estudo original no Brasil que mostra a associação das propagandas debebidas alcoólicas ao consumo de cerveja por alunos de ensino fundamental, osquais não atingiram a idade legal mínima de 18 anos para beber. Essa associaçãoocorre por meio de pelo menos quatro aspectos: similaridade percebida entre aspropagandas e suas vidas, atenção prestada aos comerciais, crença de que eles falama verdade e promoção da fidelidade à marca. Isso é observado mesmo controlandopara outros aspectos tradicionalmente associados ao consumo de bebidas alcoólicasem adolescentes, como idade, gênero, monitoração por parte dos pais (fator protetor),classe social, consumo de cigarros e importância da religião5 na vida dos estudantes.

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Em relação à religiosidade, recente estudo nacional afirma que um indivíduo sercriado em um lar em que a religião não é relevante aumenta a chance da adoção depadrão de consumo regular de álcool. Nossos resultados são compatíveis com os deoutros estudos que ligam consciência da propaganda (advertising awareness) epropensão para beber. Collins et al (2005) afirmam que a atenção prestada aoscomerciais é o fator preditivo mais relevante de consciência da propaganda e deconsumo de bebidas alcoólicas em meninos. (...)

Pesquisas sugerem que a forma mais eficaz de controlar a influência da propagandasobre o consumo de álcool seria diminuir a exposição dos mais jovens, restringindo aveiculação de propagandas de bebidas alcoólicas, incluindo cerveja, na televisão eem outros meios de comunicação. Tal restrição inexiste no Brasil para a propagandade cerveja. (...)

A responsabilidade pela elaboração, codificação e apropriação das mensagenstransmitidas pela mídia reside tanto no produtor quanto no receptor da mensagem.Certamente a mídia não é causa direta de consumo de bebidas alcoólicas. Porém, háassociação entre essas mensagens vindas da mídia e o comportamento dos jovens. Énessa conversão da idéia para a prática social que reside uma parte da chamada"responsabilidade social" da propaganda de maneira geral e, particularmente, daindústria do álcool, que não pode ser negligenciada.

A "responsabilidade social" mencionada não existe na prática. As propagandasdo setor apelam nitidamente para o público jovem, inclusive o adolescente, associando álcoolao êxito em várias esferas da vida.

Cito estudo específico sobre a questão ­ "Apreciação de propagandas decerveja por adolescentes: relações com a exposição prévia às mesmas e o consumo deálcool" (VENDRAME, Alan et al . Apreciação de propagandas de cerveja por adolescentes:relações com a exposição prévia às mesmas e o consumo de álcool. Cad. Saúde Pública, Riode Janeiro , v. 25, n. 2, Feb. 2009. Disponível em http://bit.ly/1ux2yH9 ):

A publicidade influencia o consumo de bebidas alcoólicas de acordo com fatorescomo a exposição, lembrança e apreciação das propagandas. Assim, adolescentesmais expostos às propagandas relataram expectativas mais positivas em relação aosefeitos do álcool, bem como a intenção de beber quando mais velhos. Da mesmamaneira, quanto mais o indivíduo lembra e gosta da propaganda maior será achance de que consuma álcool no futuro. De fato, há mais de uma década pesquisascom adolescentes vêm demonstrando a correlação entre gostar das propagandas comcrenças positivas sobre o álcool bem como com a expectativa positiva de consumirálcool no futuro. Esses achados, no entanto, são provenientes exclusivamente de paísesdesenvolvidos, com mercados regulados (com forte regulamentação e fiscalizaçãosobre as bebidas alcoólicas) e maduros (acirrada competição interna, pouco espaçopara o crescimento de níveis globais de consumo de álcool).

No Brasil, país com mercado desregulado e imaturo, o tema das propagandas decerveja foi alvo de grandes polêmicas no ano de 2001, protagonizadas pelo Ministérioda Saúde e pelos setores da publicidade da Indústria do álcool. O governo brasileirotem demonstrado preocupação com a liberalidade das propagandas de cerveja, fatoque o levou a incluir limitações a este tipo de comercial no plano nacional depolíticas sobre o álcool, lançado no início do mês de Junho de 2001 pelo Ministérioda Saúde. O principal foco foi a tentativa de modificar a definição de bebidaalcoólica, para fins de limitação de circulação de propagandas na televisão. Pela

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legislação atual, apenas bebidas com teor acima de 13ºGL são consideradasa1coólicas, de modo que as cervejas e vinhos não se enquadram na definição debebida a1coólica para fins de publicidade. Tal medida causou inflamadas reações,principalmente por parte da Indústria do álcool e dos setores da publicidade epropaganda, que argumentam inexistir qualquer relação das propagandas com opúblico adolescente, bem como que elas não se associam ao aumento de consumo deálcool. (...)

A presente pesquisa mostra de forma objetiva, além de meras impressões, que osadolescentes brasileiros quanto mais expostos às propagandas de cerveja maisgostam delas e consomem álcool em maiores quantidades em relação àqueles menosexpostos, ainda que menores de idade.

É importante avaliar os resultados encontrados aqui levando em conta o fato de que oconsumo de bebidas alcoólicas ainda é tratado no Brasil com poucas e frágeisregulamentações. Diferentemente dos países de origem dos estudos de propaganda deálcool existentes na literatura, não há, na prática e em níveis nacionais, restrições aoacesso, preços razoáveis e nem prevenção ampla no Brasil. (...)

A contribuição do presente artigo e outros que estão tendo o financiamento daFAPESP é investigar a maneira como a propaganda de bebidas alcoólicas influencia oconsumo de adolescentes em um país com frágil regulamentação, sem redes deprevenção consistentes e com possibilidades de aumento de volume de consumo deálcool pela população.

A alta exposição encontrada no presente estudo dos adolescentes menores de idadeem relação às propagandas de álcool questiona o objetivo protetivo das regras deauto­regulamentação publicitária e a eficácia do controle ético das propagandas deálcool. O público que deveria ser protegido está exposto, de modo significativo, àgrande quantidade de propagandas de álcool, com mensagens notadamente atraentespara os adolescentes menores de idade.

Ao analisar os dados, deve­se levar em conta que as propagandas 1ª e 2ª colocadas,na realidade, promoviam uma marca preferencialmente voltada ao público jovem.Não só foram as propagandas mais assistidas, com maiores índices de exposição,mas foram também as que os adolescentes mais gostaram. É importante observar quea diferença entre as duas primeiras colocadas e as outras, do grupo das cincoprimeiras, é maior do que a diferença entre a terceira, quarta e quinta colocadas,entre si.

Temas relacionados ao humor e ao erotismo talvez possam explicar, em parte, aexistência da relação exposição/nota de apreciação: tais temas predominaram nascinco primeiras colocadas. Inversamente, a última colocada, por exemplo, destacou apureza da água como tema do comercial.

Esses achados podem servir de fundamento para a criação de políticas públicas, nosentido de restringir e regulamentar a veiculação e o conteúdo das propagandas debebidas alcoólicas. O argumento das indústrias de bebidas e dos setores dapublicidade e propaganda de que os anúncios não se direcionam ao públicoadolescente menor de idade, porque visam única e exclusivamente à fidelidade àmarca não se sustenta, diante dos dados aqui expostos.

Para exemplificar o que aqui se afirma, vejam­se as descrições das cincopropagandas melhor avaliadas pelos adolescentes no estudo supracitado:

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­ 1ª: durante um jogo de futebol da seleção brasileira, um torcedor sem roupas entraem campo e impede um gol. Um jovem aparece na arquibancada do estádio e diz: "se ocara que inventou a [marca da cerveja] tivesse inventado o torcedor europeu, ele nãoseria assim. Ele seria assim...". Então, a propaganda mostra o torcedor sem roupasinvadindo o campo e fazendo gols, de diversas formas, para a seleção brasileira. Apolícia tenta prendê­lo, mas ele engana­os, com um drible de corpo. No final, corre emdireção aos jogadores brasileiros para comemorar um gol, mas eles fogem.

­ 2ª: a propaganda começa mostrando uma partida de futebol entre as seleções doBrasil e da Argentina. Um jogador argentino dá um "carrinho" violento em umjogador brasileiro. Nesse momento, aparece um jovem na arquibancada do estádiodizendo: "se o cara que inventou a [marca de cerveja] tivesse inventado o carrinho, elenão seria assim. Ele seria assim...". A seguir, a propaganda mostra os jogadoresargentinos deslizando para fora do campo, após dar "carrinhos", chocando­se com asplacas de publicidade e caindo nas escadas dos vestiários. Os jogadores brasileirosdriblam com facilidade os argentinos e marcam um gol. Ao final, um jogadorargentino, após um "carrinho", escorrega no gramado e se choca, de pernas abertas,com a trave.

­ 3ª: mostra um casal fazendo compras em um supermercado. A mulher pergunta aomarido quais produtos eles devem levar. O marido está entediado, quando apareceuma ilustração do que seria o cérebro dele, com vários homens por lá, dizendo o queele deve decidir. Esses homens do cérebro dizem não a tudo e sugerem que se comprea cerveja ("não, [marca de cerveja]!"), até que a mulher pergunta sobre amendoim.Quando todos no cérebro esboçam dizer não, um deles se levanta e diz: "espera aí,[marca de cerveja] e amendoim combina!", ao passo que todos, convencidos, começama cantar "[marca de cerveja], amendoim". Nesse instante, o marido se anima econcorda com a mulher. No final, mostra uma caixa de cerveja e um pacote deamendoim em cima dela.

­ 4ª: a propaganda começa com uma pergunta: "já notou como as pessoas saíam sériasnas fotos de antigamente?". Então, mostra uma festa, com pessoas em trajes de época,dançando. Mulheres dançam sensualmente em cima de mesas. Quando acaba acerveja, todos ficam tristes e sérios, então uma foto é tirada.

­ 5ª: três rapazes, cada um segurando um copo repleto de cerveja, chegam a umafesta e percebem que a grande maioria das pessoas é homem. Um casal (os atoresJuliana Paes e Bussunda), que figura como os "donos" do clube B.O.A. (bebedoresoficiais da [marca de cerveja]), chega para ajudá­los. Bussunda tira a camisa, passaum "repelente de homens" no corpo e vai dançar no meio das pessoas. Todos oshomens saem da festa. Então, os três rapazes vão dançar com as mulheres.

Ilana Pinsky, coautora dos dois artigos mencionados (PINSKY, Ilana. APropaganda de Bebidas Alcoólicas do Brasil. Disponível em http://bit.ly/1nAGYQ0), ponderaque:

A propaganda de bebidas alcoólicas no Brasil é regulada pela lei n. 9.294, de 1996.Segundo essa lei, que também regulamenta os cigarros, entre outros produtos, bebidaalcoólica é somente aquela com mais de 13 GL, ou seja, exclui cervejas e vinhos. (...)

No início de 2003, o governo pareceu mais consciente do que nunca sobre aimportância de introduzir restrições mais profundas com a intenção de reduzir osproblemas relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas. No que diz respeito às

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propagandas de álcool, o ministro da saúde propôs a inclusão das cervejas narestrição de horário de veiculação.

A cerveja possui papel de destaque entre as bebidas alcoólicas consumidas no Brasil.Dos cerca de U$ 106,000,000 gastos em propaganda de álcool na mídia em 2001,80% foi em cerveja. Da mesma maneira, o consumo de cerveja representa 85% dasbebidas alcoólicas consumidas. Apesar dessa quantidade ser muito menor selevarmos em conta apenas o álcool puro das bebidas alcoólicas, a cerveja certamenteé uma bebida alcoólica e tem um papel importante em muitos dos problemasrelacionados ao álcool, principalmente no que diz respeito aos jovens.

Os números de problemas associados ao álcool no Brasil não deixam dúvida quantoao potencial devastador deste, principalmente junto aos jovens. Em acidentes commotoristas alcoolizados, episódios de violência relacionado ao álcool, intoxicaçãoalcoólica, etc., os jovens têm uma participação importante e início cada vez maisprecoce. As propagandas e marketing das bebidas alcoólicas no Brasil são parteintegrante da criação de um clima normatizador, associando­as exclusivamente amomentos gloriosos, à sexualidade e a ser brasileiro, esquecendo­se dos problemasassociados.

Restringir a propaganda de álcool é uma estratégia importante? Estudos recentes eutilizando metodologia avançada têm conseguido mostrar associações importantesentre a propaganda de bebidas alcoólicas e o consumo de álcool entre os jovens. (...)

Qualquer pessoa que já tenha assistido a alguma propaganda de álcool na televisãobrasileira, verifica a agressiva utilização da sexualidade nas propagandas,especialmente no caso da cerveja. Também é fácil verificar que os (muito) jovens sãocertamente alvos das propagandas, com temas evidentemente voltados a eles (ex:desenhos animados, festas rave, etc.). (...)

Esse tipo de associação das bebidas alcoólicas com o que temos de mais característicono nosso país normatiza o álcool. Em especial, esse é mais um exemplo de como apropaganda do álcool mostra apenas uma face do uso do álcool, esquecendo ouassociando a uma minoria de "pessoas problemáticas" sua importante contribuiçãopara a morbidade, mortalidade e prejuízos sociais, inclusive no que se refere a criarum ambiente hostil e ridicularizador às mensagens e medidas de saúde pública.

Por que essa situação é importante? Um fator é a virtual inexistência decontrapartida da indústria do álcool no Brasil, no que se refere ao desenvolvimentode atividades sérias, coerentes e efetivas de prevenção ao abuso do álcool. Comexceção de uma atividade de pequenas proporções desenvolvida por uma das maioresindústrias de álcool no Brasil, a indústria como um todo não dá sinais de reconhecersua responsabilidade social, nem para fins de relações públicas. Ou seja, a indústriadas bebidas alcoólicas não assume e não se responsabiliza por qualquer tipo deproblema relacionado ao álcool. (...)

Consoante o disposto na Lei n.º 8.069/1990 (Estatuto da Criança e doAdolescente), "é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitosda criança e do adolescente" (art. 70), e "as revistas e publicações destinadas ao públicoinfanto­juvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios debebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão respeitar os valores éticos e sociaisda pessoa e da família" (art. 79).

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A vedação legal constante do ECA remete ao mesmo conceito genérico deanúncio de "bebidas alcoólicas". Ora, se o anúncio de bebidas alcoólicas, enquantopublicidade, é regulamentado pela Lei n.º 9.294/96, estaríamos diante de permissão parapropaganda de cervejas em revistas infantis? O bom senso sinaliza que não.

É incoerente, portanto, proibir que as revistas infantis veiculem propagandas decerveja, mas permitir que a programação de televisão diurna, inclusive a desportiva, transmitaa publicidade dessa bebida alcoólica e com grande potencial de dano, mediante propagandasvoltadas ao público jovem e de menores de idade.

Constata­se que a opção do legislador resguarda interesses econômicos, ao invésde atentar para questões relevantes, como vida, saúde e segurança pública. Escolhe fortalecero apelo de bebidas alcoólicas, especialmente entre os jovens, estimulando o seu consumo econtribuindo para as estatísticas de acidentes e mortes. Deixa de respeitar a finalidade que aConstituição exige e obsta a concretização dos princípios constitucionais.

Reitere­se que, dentre os pedidos formulados pelo órgão ministerial, estão aaplicação de restrições legais à publicidade de bebidas alcoólicas com teor igual ou superior a0,5 (meio) graus Gay Lussac, proibição de propaganda comercial de bebidas alcoólicas nasemissoras de rádio e televisão, a não ser entre as vinte e uma e as seis horas, proibição de taispropagandas entre as vinte e uma hora e as vinte e três horas, exceto nos casos de obrasaudiovisuais não recomendadas para menores de 18 anos, proibição da propaganda de bebidasalcoólicas associada ao esporte olímpico ou de competição, ao desempenho saudável dequalquer atividade, à condução de veículos e a imagens ou idéias de maior êxito ousexualidade das pessoas, vedação da utilização de trajes esportivos, relativamente a esportesolímpicos, para veicular a propaganda de bebidas alcoólicas, inclusive para eventos alheios àprogramação normal e rotineira das emissoras de rádio e televisão e à propaganda estáticaexistente em estádios, veículos de competição e locais similares, e proibição de bebidasalcoólicas como objeto de promoção, mediante distribuição de prêmios.

Mais uma vez, reporto­me à sentença da ação civil pública n.º 5012924­20.2012.404.7200:

Destarte, é notória a inversão de valores operada pelo legislador, que não atendeu aocomando constitucional e deixou de limitar a publicidade de algumas bebidasalcoólicas que são igualmente nocivas. Saliente­se que, em razão da publicidade debebidas alcoólicas, milhares de vidas de jovens são diariamente perdidas. É o queexplica o Professor de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Dr. JoséMauro Braz de Lima no artigo intitulado 'Propaganda de Bebidas Alcoólicas comoFator de Aumento de Consumo ­ Uma questão de Saúde Pública e de ResponsabilidadeSocial:

"É preciso parar para refletir um pouco e discutir, com bases nas evidências,pesquisas e dados epidemiológicos e de diversas fontes, a questão das elevadas (ecrescentes) taxas de mortalidade e de morbidade relacionadas aos acidentes detrânsito registrados neste país. Lógico que existem aspectos conflitantes de interessesda indústria e do comércio das bebidas alcoólicas e os da saúde e segurança daspessoas, além dos econômicos pelo lado da arrecadação e dos empregos gerados e,por outro lado, os prejuízos em vidas humanas ­ imensuráveis ­ e materiais. Não sepode negar a complexidade deste problema. Daí a urgência de se avançar nodesenvolvimento de medidas efetivas como a pretendida pelo PL. 2 733/2008 sobre a

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restrição da propaganda de bebidas alcoólicas, no caso, principalmente da cervejaque é veiculada maciçamente pela mídia dia e noite. (...) Uma destas medidas é arestrição do horário de propaganda da cerveja, que não é bebida alcoólica fraca,como se tentou passar quando da elaboração da Lei nº 9 294/1996, que regulamentavaa publicidade de bebidas alcoólicas, deixando a cerveja separada do vinho e dosdestilados (cachaça, vodka, etc..), por levar em conta o teor de álcool desta (5%) e nãoa quantidade de álcool puro que é a mesma por dose padrão das outras bebidas, ouseja, 12 a 14 gr. de álcool. Será que foi um erro de concepção na época? Pode ser atécoincidência, o fato do grande aumento da produção e do consumo de cerveja nosúltimos dez anos, fazendo do Brasil um dos países de maior destaque no mercado dacerveja. Os jovens e mulheres foram os grandes, e ainda são, contribuintes destesucesso, conforme mostra os recentes estudos da SENAD.

São muitas as evidências de que os abusos de álcool são responsáveis por sériosagravos para Saúde, além das conseqüências e prejuízos para família, para asempresas e para a comunidade em geral. As diversas formas de manifestação deviolência urbana têm no abuso de bebidas alcoólicas um dos principais fatores:acidentes de trânsito, de trabalho, domésticos, atos de agressão pessoal contra outrem,contra mulher, contra si próprio (suicídio) e homicídios (caso da cidade de Diadema).Todos sabem que um grande número de mortes secundárias aos acidentes de trânsitose deve a influência do álcool (colisões, atropelamentos...). O Brasil ocupa lugardestacado no rol dos países que mais matam nas estradas: mais de 37.000 pessoas /ano (ou quase 20 / 100.000 hab./ano) em 2006; o que faz com que seja esta a primeiracausa de morte entre os jovens de 18 a 29 anos em nosso país. Poderia enumerar umaserie de problemas relacionados ao abuso e dependência do álcool. Os custos para oestado e para a sociedade em geral, decorrente destes, são também conhecidos ebastantes elevados algo que beira aos 7% do PIB.

Considerando que, sem duvida alguma, o consumo de bebidas alcoólicas vemaumentando, significativamente, nos últimos anos, e, naturalmente, os problemasrelacionados também, o estímulo ao consumo através das propagandas maciças,sobretudo de cerveja, nos coloca uma situação de responsabilidade maior diante destaquestão. Obviamente que não existe uma solução única e mágica; diversas ações eestratégicas, mormente de informação e de educação, devem ser consideradas à guisade atenção e de prevenção dos problemas relacionados ao abuso e dependência doálcool. Umas destas ações se impõem a exemplo do que já é feito em outros paísesque enfrentam problemas semelhantes, é, portanto, a restrição da propaganda debebidas alcoólicas, no horário comercial (de 06:00 às 21:00), pelo simples fato deque a propaganda tem como principal objetivo, o sucesso da venda daquele produto,inclusive das cervejas ou outra bebida alcoólica. Se assim não for para que investirtanto dinheiro, em torno de 1 bilhão de reais na propaganda de bebidas alcoólicas.

O estimulo ao consumo de cerveja veiculado, claramente, através das matérias depublicidade, na mídia em geral e através da promoção de eventos esportivos eculturais (shows de grandes artistas populares, por exemplo), nos últimos anos, emnosso país, guarda grande e nítida relação com o aumento do consumo de cerveja,principalmente, pelos jovens. Os dados do 'II Levantamento Nacional de Consumo deSubstancias Psicoativas' (2006), entre estas o álcool, realizado pelo SENAD*(CEBRID, 2006), mostram esta séria realidade: de 2001 a 2006, os casos deAlcoolismo entre os jovens aumentou cerca de 25 a 30%. Por outro lado, é deverasinteressante observar o que relata artigo publicado na revista 'Guia da Cerveja'(2007), editada pela Editora Casa Dois, na pagina 40, sob o titulo 'Vendas em Alta'.Dentre as várias e importantes informações sobre a produção e o comércio de cervejasno Brasil, tendo como fonte o próprio Sindcerv, diz o texto na pagina 42, no que se

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refere à publicidade:

'Como você pode acompanhar na mídia, os fabricantes de cerveja são um dos maisrepresentativos anunciantes. Gastam cerca de R$ 850 milhões por ano em anúnciosna mídia. E as inteligentes e criativas propagandas geralmente remetem ao públicomais jovem. Por que será? A explicação é simples: o maior consumidor de cervejaestá na faixa etária dos 18 aos 29 anos'.

Portanto, neste momento em que a sociedade discute a restrição responsável dapropaganda de bebidas alcoólicas, onde a cerveja é uma das mais consumidas, com oobjetivo de reduzir o nível dos problemas relacionados (doenças, violências, crimes,acidentes de transito e outros agravos), que atinge não só 'os mais jovens', mas atodos os cidadãos de qualquer idade (até a criança ainda na barriga da mulhergrávida), cai por terra qualquer argumento de defesa das 'ingênuas propagandas'que não pretendem promover o aumento do consumo, sobretudo entre os jovens de18 a 29 anos, faixa etária esta em que a primeira causa de morte são os acidentes detrânsito, onde, principalmente nos fins de semana, o álcool está presente na grandemaioria das vitimas fatais, quer sejam motoristas ou passageiros ou pedestres. Osdados destas tragédias anunciadas que pesam sobre cerca de 38.000 (2007) familiaresde vitimas fatais e centenas de milhares de feridos nas estradas e vias urbanas donosso país, são por si só assustadores, e vêm aumentando nos últimos anos. Paísescomo EUA, França, Espanha etc, vem adotando já há muito, fortes e consistentespolíticas de fiscalização e de repressão ao dirigir sob efeito do álcool. Poderíamoscitar vários casos de ações promovidas por estes países com o objetivo de redução damorbi­mortalidade relacionadas com os acidentes de trânsito.

Entretanto, deve­se ressaltar que, em todos estes países, um dos focos de maioratenção se refere à fiscalização e à repressão do consumo de bebidas alcoólicas. Porfim, vale repetir que não existem soluções simples para problemas de maiorcomplexidade como este dos acidentes de trânsito envolvidos com o álcool; contudo aexperiência e a evidência dos fatos mostram que a singela recomendação de 'bebercom moderação' não basta, é preciso muito mais: informar, educar, responsabilizar,fiscalizar e punir.'

Desta forma, a única conclusão que se pode chegar é que jamais o legislador poderiaadotar dois conceitos jurídicos de bebidas alcoólicas, um para a suspensão do direitode dirigir e outro para a restrição de publicidade. Ao adotar um critério dediscriminação tão absurdo e ferir o texto constitucional, não há outra alternativa a nãoser julgar a ação procedente, a fim de se obter a eficácia do texto constitucional. Docontrário, nossa Constituição será um mero pedaço de papel, o que não poderia seradmitido, já que os valores insculpidos, como a saúde pública de milhares de pessoas,não podem ser considerados valores secundários. Se o Poder Legislativo nãoobservou o texto constitucional, o Poder Judiciário, quando chamado, tem aobrigação de fazer com que a União e a ANVISA respeitem a Constituição. Afinal, oPrincípio da Legalidade não se resume ao respeito das leis vigentes, mas também queas leis vigentes não entrem em contradição com a Constituição. Neste sentido, adeterminação desta sentença apenas está a assegurar a eficácia do textoconstitucional, que jamais deixou a saúde pública em plano secundário, como o fez olegislador ordinário.

Por final, deve ser salientado que o atraso do legislador em limitar a publicidade debebidas alcoólicas está a causar danos irreparáveis à saúde pública, já que está sendoestimulado diariamente o uso de bebidas alcoólicas a jovens e adolescentes. Assim,não há como se esperar mais pela concretização do direito fundamental à saúde,

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devendo o comando sentencial ser imediatamente obedecido, a fim de evitar maisdanos e prevenir que novas vidas sejam ceifadas pelo estímulo ao consumoinconseqüente de bebidas alcoólicas.

Há que se esclarecer, desde já, que a questão constitucional é peculiar e causouperplexidade quando do julgamento da ADI n.º 1755/DF­2008, in verbis:

O SR. MINISTRO MOREIRA ALVES: No caso, há uma circunstância peculiaríssima:nos casos de extensão, geralmente, é preciso que se atue positivamente. Aqui, ahipótese é de extensão com a retirada do dispositivo, o que aparentemente dariamargem a ação direta, porque se retirariam palavras, mas, na realidade, com isso seestaria ampliando o alcance da norma.

o SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: Gramaticalmente, sim, daria paracortar palavras. Mas, na verdade, o que se pretende é abranger hipótese que olegislador não quis compreender na norma proibitiva. (...)

o SENHOR MINISTRO NÉRI DA SILVEIRA: No que concerne ao conteúdo da lei, tem­se aberto uma exceção para o não­conhecimento, desde logo, quando se cuida,efetivamente, pela natureza da matéria, de uma inconstitucionalidade por omissão.Entendemos que não se pode converter a ação direta em inconstitucionalidade poromissão, conhecido da ação, e, por isso mesmo, não temos conhecido da ação. (...)

o SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: Afora a circunstância, sem relevo,de que aqui se pede para estender uma restrição e não um benefício, acho que o caso éassimilável à primeira afirmação peremptória do descabimento da conversão, que é dalavra do Ministro Néri da Silveira. Um ato normativo do Ministério da Fazendadeclarava não incidir o IPMF sobre a aquisição de papel destinado à impressão delivros, jornais e periódicos; pediu­se a inconstitucionalidade desse dispositivo, nãoporque ele violasse em si a Constituição, mas porque não abrangera operaçõesfinanceiras de movimentação e transferência de valores, vinculadas à feitura dosreferidos veículos de comunicação: entendeu­se ser a hipótese deinconstitucionalidade por omissão, pois se arguía de inconstitucional o dispositivoeditado com respeito ao que ele omitira e não ao que ele abrangia (ao seu conteúdopositivo: refiro­ me à ADIn 986, de 10.2.94).

Por tais razões, e contextualizando as alterações promovidas pela Lei n.º11.705/08, é perfeitamente defensável a tese de que houve derrogação tácita da normaprevista no parágrafo único do art. 1º da Lei n.º 9.294/96 (art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução àsNormas do Direito Brasileiro), com a redefinição do conceito de bebida alcoólica (art. 6º),para fins de publicidade, sendo essa solução a que se coaduna com a finalidade protetiva doart. 220, § 4º, da Constituição Federal, e harmoniza sistematicamente o ordenamento jurídico.

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.

É o voto.

Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

Documento eletrônico assinado por Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO

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CAMINHA, , na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 eResolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade dodocumento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php,mediante o preenchimento do código verificador 7054784v49 e, se solicitado, do código CRC55B3250.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): Vivian Josete Pantaleão CaminhaData e Hora: 16/12/2014 17:59

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 02/09/2014APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017742­24.2012.404.7100/RSORIGEM: RS 50177422420124047100RELATOR : Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLEPRESIDENTE : CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIORPROCURADOR : Dr. Juarez Mercante

SUSTENTAÇÃOORAL :

Dr. Francisco Prehn Zavascki p/ ASSOCIACAO BRASILEIRA DEEMISSORAS DE RADIO E TV e Drª. Alice Bernardo Voronoff deMedeiros p/ CERVBRASIL e preferência Drª. Katia Narita p/ União

APELANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALAPELADO : AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA ­ ANVISA

: UNIÃO ­ ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

INTERESSADO : ASSOCIACAO BRASILEIRA DA INDUSTRIA DA CERVEJA(CERVBRASIL)

ADVOGADO : GUSTAVO BINENBOJMINTERESSADO : ASSOCIACAO BRASILEIRA DE EMISSORAS DE RADIO E TVADVOGADO : LIANA MARIA PREHN ZAVASCKI

: FRANCISCO PREHN ZAVASCKI

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 02/09/2014, naseqüência 276, disponibilizada no DE de 20/08/2014, da qual foi intimado(a) UNIÃO ­ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demaisPROCURADORIAS FEDERAIS.

Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, emsessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

APÓS O VOTO DO DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D AZEVEDOAURVALLE NO SENTIDO DE DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO NA ACPNº 2008.70.00.013135­1/PR, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO NA ACP Nº 5017742­24.2012.404.7100/RS E NEGAR PROVIMENTO AOS APELOS DA ANVISA,CERVBRASIL E UNIÃO NA ACP Nº 5012924­20.2012.404.7200/SC. PEDIU VISTA ADES. FEDERAL VIVIAN CAMINHA. AGUARDA O DES. FEDERAL CÂNDIDOALFREDO SILVA LEAL JUNIOR. DETERMINADA A JUNTADA DE NOTASTAQUIGRÁFICAS.PEDIDO DEVISTA : Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

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VOTANTE(S) : Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

Luiz Felipe Oliveira dos SantosDiretor de Secretaria

Documento eletrônico assinado por Luiz Felipe Oliveira dos Santos, Diretor de Secretaria, naforma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Regiãonº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível noendereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento docódigo verificador 6997908v1 e, se solicitado, do código CRC F9DDCC4B.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): Luiz Felipe Oliveira dos SantosData e Hora: 02/09/2014 15:25

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 11/12/2014APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017742­24.2012.404.7100/RSORIGEM: RS 50177422420124047100RELATOR : Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLEPRESIDENTE : CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIORPROCURADOR : Dr. Paulo Gilberto Cogo Leivas

PEDIDO DEPREFERÊNCIA :

Drª. Liliana Maria Prehn Zavascki p/Associação Brasileira de Emissoras deRádio e TV e Dr. Paulo Gilberto Cogo Leivas pelo Ministério PúblicoFederal

APELANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALAPELADO : AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA ­ ANVISA

: UNIÃO ­ ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

INTERESSADO : ASSOCIACAO BRASILEIRA DA INDUSTRIA DA CERVEJA(CERVBRASIL)

ADVOGADO : GUSTAVO BINENBOJMINTERESSADO : ASSOCIACAO BRASILEIRA DE EMISSORAS DE RADIO E TVADVOGADO : LIANA MARIA PREHN ZAVASCKI

: FRANCISCO PREHN ZAVASCKI

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 11/12/2014, naseqüência 303, disponibilizada no DE de 01/12/2014, da qual foi intimado(a) UNIÃO ­ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, aDEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.

Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, emsessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS O VOTO­VISTA DA DES.FEDERAL VIVIAN CAMINHA NO SENTIDO DE DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO EO VOTO DO DES. FEDERAL CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIORACOMPANHANDO O RELATOR. A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR

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PROVIMENTO À APELAÇÃO NA ACP Nº 5017742­24.2012.404.7100/RS.DETERMINADA A JUNTADA DE NOTAS TAQUIGRÁFICAS.RELATORACÓRDÃO : Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

VOTO VISTA : Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHAVOTANTE(S) : Des. Federal CANDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR

Luiz Felipe Oliveira dos SantosDiretor de Secretaria

Documento eletrônico assinado por Luiz Felipe Oliveira dos Santos, Diretor de Secretaria, naforma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Regiãonº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível noendereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento docódigo verificador 7255883v1 e, se solicitado, do código CRC FB9E82DE.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): Luiz Felipe Oliveira dos SantosData e Hora: 11/12/2014 10:16

NOTAS DA SESSÃO DO DIA 02/09/2014

4ª TURMA

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017742­24.2012.404.7100/RS (276P)APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5012924­20.2012.404.7200/SC (275P) (*)APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.70.00.013135­1/PR (279P)RELATOR: Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

RELATÓRIO (no Gabinete)

Dr. FRANCISCO PREHN ZAVASCKI (TRIBUNA):Exmo. Sr. Presidente, Des. Cândido, Exmo. Des. Aurvalle, Exma. Des. Vivian,

Ilmo. Representante do Ministério Público, Dr. Juarez, caros colegas advogados, senhoras esenhores:

Primeiramente, queria registrar minha satisfação. É a primeira vez que tenho aoportunidade de fazer sustentação oral nesta composição da 4ª Turma. É um prazer para mimestar aqui porque respeito muito V. Exas.

Estamos diante de três ações civis públicas. V. Exas. têm pleno conhecimentodo caso. Elas parecem bastante complexas, mas, na verdade, todas se resumem em um pontocentral: o desafio do Ministério Público, em todas as ações, é saber o que fazer com oparágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.294. É este o problema central de todas as ações.Enquanto esse parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.294 continuar vigendo e produzir osefeitos que o Ministério Público reconhece que ele produz, todos os pedidos serãoimprocedentes.

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E aqui me permita, já de início, uma pequena retificação, Des. Aurvalle: a açãoque foi julgada procedente foi a terceira, de Santa Catarina, foi a última a ser ajuizada. Asduas primeiras, do Paraná e do Rio Grande do Sul, foram julgadas improcedentes.

Então, o Ministério Público tinha esse desafio. Ele queria ampliar as restriçõessobre a publicidade de bebidas alcoólicas, mas ele tinha que dar um jeito de tirar esseparágrafo único do ordenamento jurídico. Com esse parágrafo único, certamente não há comose julgarem procedentes as ações, os pedidos.

Para se retirar do ordenamento jurídico, ou se declara inconstitucional ou, dealguma forma, se entende que esse artigo foi revogado. A primeira ideia do MinistérioPúblico é aquela ideia normal de todo mundo. Quando a gente não gosta de um artigo, ele éinconstitucional, embora nem sempre a gente saiba porquê. A primeira ação foi justamenteisso, questionando, inclusive expressamente, a constitucionalidade do parágrafo único do art.1º da Lei nº 9.294. Só que essa opção pelo reconhecimento da inconstitucionalidade enfrentaum primeiro problema já gravíssimo: o fato de que o Supremo Tribunal Federal já apreciou,nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.755, essa questão, e o Supremo TribunalFederal disse que não é inconstitucional. Mais que isso: o Supremo disse que esse debatesobre as restrições a bebidas alcoólicas é um debate lá do Legislativo, não podendo o PoderJudiciário adentrar nessa matéria.

Ademais, além disso, o argumento da inconstitucionalidade do artigo enfrentariaum outro óbice, qual seja o de ter o reconhecimento da inconstitucionalidade com eficáciaerga omnes, efeito vinculante, os autos de uma ação civil pública, mas há jurisprudência aosmontes dizendo que não pode porque usurpa competência do Supremo Tribunal Federal. Eaqui, caso se tentasse ir por esse caminho, também se deveria observar o princípio da reservade Plenário, que não poderia ser declarado, então, inconstitucional esse artigo na sessão dehoje. E o Ministério Público percebeu isso. Fechou­se o caminho da inconstitucionalidade.Ele não consegue retirar aquele parágrafo único pela inconstitucionalidade. Percebendo isso,ele foi ajuizando outras ações até chegar na terceira ação, em que ele traz o seguintefundamento: "Bom, se não é inconstitucional, então vamos dar um jeito desse artigo ter sidorevogado". E qual é o argumento do Ministério Público? A partir da edição da Lei nº 11.705,pelo seu art. 6º, que conceitua bebida alcoólica, o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.294teria sido revogado. Bom, a revogação, todos nós sabemos, é expressa ou tácita. Revogaçãoexpressa não houve, basta ler a Lei nº 11.705, que em nenhum momento expressamente falana revogação. Ao contrário, quando ela quis alterar a Lei nº 9.294, inclusive foi expressa; estálá o art. 7º alterando a Lei nº 9.294.

Então, resta saber se houve uma revogação tácita desse parágrafo único. Aívamos à leitura dos artigos. O que diz o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.294?Consideram­se bebidas alcoólicas, para efeitos desta lei ­ e de nenhuma outra mais ­, asbebidas potáveis com teor alcoólico superior a 13 graus Gay Lussac. O que diz o art. 6º daLei nº 11.705? Consideram­se bebidas alcoólicas, para efeitos desta lei ­ e de nenhuma outramais ­, as bebidas potáveis que contenham álcool em sua composição com grau deconcentração igual ou superior a meio grau Gay Lussac.

Ora, o âmbito de aplicação material de ambos os dispositivos está muito bemdelimitado em qualquer uma das leis, não há conflito nenhum entre esses artigos. Isso é meratécnica legislativa. A redação de ambas as leis poderia ser diferente, mas, pela técnicalegislativa, resolveu se conceituar, dar um conceito de bebida alcoólica para a finalidade decada lei. Na verdade, Excelências, o que o Ministério Público, ao fim e ao cabo, pretendefazer é pegar as restrições da Lei nº 9.294 e importar aquele conceito de bebida alcoólica daLei nº 11.705, criando uma terceira lei que o legislador, em momento algum, quis fazer. Apretensão do Ministério Público é criar uma terceira lei, que pega uma parte que lhe convém

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da Lei nº 9.294 e pega a parte que lhe convém da Lei nº 11.705. Essa revogação não existiu,mas, a título até de exercício jurídico, vamos levar adiante o argumento do Ministério Público.Ele entende que não podem subsistir dois conceitos de bebida alcoólica no ordenamentojurídico ao mesmo tempo. Isso conflitaria e então deveria prevalecer o conceito mais recente.Então, se realmente nós acreditarmos nisso, nós vamos ter de admitir que, a partir da ediçãoda Lei nº 9.294, o Estatuto da Criança e do Adolescente foi parcialmente revogado paraentender que, para crianças e adolescentes, pode se vender bebida com teor alcoólico inferiora 13 graus Gay Lussac. Essa é a consequência desse raciocínio que o Ministério Público fazna terceira ação de Santa Catarina.

E agora eu pergunto a V. Exas.: essa é uma interpretação razoável? A mimparece que não. É evidente que não. Por quê? Nós temos o Estatuto, uma Lei nº 9.294, queregula aquela matéria dela, e uma segunda lei que regula a sua matéria, e cada uma, para finsseus, estipula o conceito de bebida alcoólica como mera técnica legislativa.

Então, não havendo a inconstitucionalidade e não havendo a revogação doartigo, a verdade é que o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.294 continua em vigor, eproduzindo seus efeitos.

Nessa condição, com a devida vênia do Ministério Público, não tem como seremjulgados procedentes os pedidos das três ações civis públicas.

Além do mais, é importante ressaltar, a despeito dessas questões, que o art. 220,§ 3º, da Constituição Federal, é expresso ao determinar que a regulamentação das restrições àpublicidade de bebida alcoólica vai ser feita por lei federal. Lei federal é lei federal, não ésentença judicial, não é ato administrativo, como até o Ministério Público especificamentepede para que a União edite um ato para regulamentar esse artigo, regulamentar a publicidadede bebidas alcoólicas. Com todo o respeito, mas isso é reserva expressa do Legislativo, como,inclusive, o Supremo Tribunal Federal reconheceu.

Ademais disso, é um pouco perigoso se desde logo, como pretende o MinistérioPúblico, a sentença fixe, na interpretação constitucional, quais seriam as restrições àpublicidade de bebida alcoólica, porque essa sentença uma ora vai ter coisa julgada. E, se olegislador lá para frente quiser alterar, seja para diminuir ou até aumentar a restrição, ele vaiesbarrar na coisa julgada, vai se estar engessando o próprio legislador nessa discussão decomo conduzir as restrições.

E um terceiro ponto diz respeito à pretensão de controle in abstracto de atosnormativos secundários. Numa das ações, uma ou duas, o Ministério Público expressamentepede a anulação de determinadas portarias do Ministério da Justiça. Ora, o nosso sistemajurídico não prevê controle in abstracto de atos secundários. Só existe controle (falha noáudio) de atos primários no Supremo Tribunal Federal e, em alguns casos, nos Tribunais deJustiça. Então, há uma flagrante impossibilidade jurídica do pedido relativamente a essadeclaração de nulidade.

Por fim, uma questão importante: a ideia do Ministério Público é protegercrianças e adolescentes com relação ao consumo e à publicidade de bebidas alcoólicas, mas avenda de bebidas alcoólicas para crianças e adolescentes é proibida.

Então, quem sabe não se trabalha mais nisso aí do que na restrição dapublicidade? Até porque é um fato notório ­ não tenho filho, mas vejo pelo meu exemplo e odas pessoas que conheço ­ de que uma criança e um adolescente começa a beber pelo exemplodo pai e da mãe, não porque ele assiste televisão. Até porque rádio criança e adolescente nãoescutam, televisão cada vez menos, a internet vai ficar livre nesse caso.

Excelências, agradeço muito a atenção, desejo uma boa sessão de julgamentos, epedimos o julgamento de total improcedência das ações.

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Dra. ALICE BERNARDO VORONOFF DE MEDEIROS (TRIBUNA):Exmo. senhor Desembargador­Relator, em nome de quem cumprimento os

demais presentes, dizendo que para mim é uma honra estar vindo do Rio de Janeiro fazersustentação oral neste tão ilustre Tribunal.

Estão em julgamento, como foi relatado, três ações civis públicas por intermédiodas quais o Ministério Público Federal, insistentemente, pretende alterar para tornar maisrestritiva a definição de bebida alcoólica prevista no parágrafo único do artigo primeiro da Leinº 9.294 para fins de restrição à publicidade de bebidas alcoólicas. Em outras palavras, oMinistério Público entende que esse dispositivo, porque estabeleceu uma diferenciação entrebebidas com teor alcoólico maior e menor, seria inconstitucional. Inconstitucional por nãoatender a um dever de proteção previsto na Constituição, inconstitucional por supostamentenão ter regulado, como exigiria o art. 220. Fato é que são recolhidos ou agrupados diversosfundamentos em prol de uma suposta inconstitucionalidade.

A primeira ação foi ajuizada em 2008, em 2008 foi sentenciada pelaimprocedência. A segunda ação foi ajuizada em 2009, em 2011 adveio uma sentença deimprocedência. A terceira ação foi ajuizada em 2012, no final de 2012 adveio uma sentençade procedência pautada no argumento de que: "O legislador jamais poderia ter adotado doisconceitos jurídicos distintos; um na Lei Seca, para fins de controle do álcool durante adireção, que é a Lei nº 11.705, e outro na Lei nº 9.294. Esta distinção seria: "absurda","evidentemente contrária à Constituição Federal".

É com todo o respeito que a CervBrasil vem perante este Tribunal entender,pedir pelo provimento de seu apelo, por entender que esta decisão está equivocada. ACervBrasil reconhece, prestigia todo o esforço que tem sido feito pelos Tribunais, peloSupremo Tribunal Federal, no sentido de concretizar a Constituição, de suprir as lacunaslegislativas e as omissões legislativas. É um trabalho desenvolvido que concretiza e efetivadireitos dos mais importantes, à saúde, à educação. A questão é que o caso presente nessasações não trata disso. E não trata porque não existe omissão, não existe lacuna legislativa. Oque existe é uma decisão justificada que foi adotada no ano de 1996, quando foi editada a Leinº 9.294, uma decisão que foi chancelada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento daADIN nº 1.755, e uma decisão que foi reafirmada com o advento da Lei Seca, porque no bojodo processo legislativo se quis expressamente alterar a redação do parágrafo único do artigo1º, e esta tentativa por intermédio de emenda ela foi rejeitada. Explico em pormenores essesargumentos: o primeiro é de que não há omissão, e isto está muito claro na exposição demotivos do projeto de lei que culminou na Lei nº 9.294, esse projeto que contou com amplamotivação e participação da sociedade civil. E nele consta expressamente:

Os produtos alcoólicos completam o elenco daqueles sujeitos à propagandacom restrições. Há que, desde logo, distinguir­se a bebida leve da bebida forte. O projeto delei que ora apresentamos procura equilibrar todos estes aspectos. Considerar que apublicidade é um fator ponderável ao estímulo do consumo, consequentemente, da produçãoe da geração de empregos.

E nem se diga, com as devidas vênias, que o art. 220 da Constituição imporiaum dever absoluto de restrição da publicidade de todo e qualquer produto previsto ali no roldo art. 220. Com as devidas vênias não é isso, a Constituição diz que a publicidade dessesprodutos e serviços estará sujeita a restrições legais e não que deva haver restrições legais emtodo e qualquer caso. Como não há, por exemplo, em relação à publicidade dosmedicamentos. E veja­se que a Lei nº 6.360 de 1976 disciplina de maneira diferenciada apublicidade de medicamentos sujeitos à prescrição médica e não sujeitos à prescrição médica.Então há claramente um espaço de discricionariedade conferido ao legislador. E foi desta

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maneira que entendeu o Supremo Tribunal Federal. Aliás este foi argumento decisivo nasentença de improcedência nas duas primeiras ACPs. Embora o Supremo Tribunal Federalnão tenha conhecido da ADIn, por via oblíqua, ele enfrentou o mérito, e nada mais evidente eclaro do que reproduzir as palavras em primeiro lugar do Relator, Min. Nelson Jobim:

Na verdade o autor da ação pretende ao fim e ao cabo ampliar o âmbito deaplicação da lei, que foi expressamente definido pelo legislador. Não será este Tribunal pelavia da declaração de inconstitucionalidade que irá decidir qual a melhor forma de tratar otema. O lugar próprio para a pretensão do autor é o Congresso Nacional. Agora, as palavrasdo ilustre Min. Sepúlveda Pertence: Indaga­se, a Constituição manda estendê­la? É dizer: arestrição. Não, a Constituição submete a propaganda de bebidas alcoólicas às restrições da lei,não obriga a existência de tais restrições e, sobretudo, não pode obrigar a que as restrições dalei sejam estendidas à universalidade das bebidas alcoólicas. O legislador será o Juiz doalcance das restrições que estabelecer. E nesse sentido existem precedentes esclarecedoresdesta egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de alguns eu colhoprecedente da relatoria da Des. Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha: Ementa:Administrativo. Razões de apelação remissivas, Sistema Único de Saúde: O acolhimento dopedido de vincular atualização das tabelas do SUS a índice de correção monetária importariaem atuação do Poder Judiciário como legislador positivo, criando uma nova norma emassunto de atribuição do Poder Executivo.

Chamo a atenção também para precedente da relatoria da Des. Federal MargaBarth Tessler:

Processual Civil. Ação ordinária. Prorrogação de pensão por morte de ex­servidor. Curso universitário: À míngua de disposição expressa da legislação de regência, acondição de universitário não se pode constituir em mote para prorrogação da vigência daprestação previdenciária sob pena de usurpação da função legiferante, assumindo o Juizposição de legislador positivo.

E o terceiro dos argumentos e talvez o mais importante, e que foi absolutamentedistorcido na terceira ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal diz respeitoà suposta derrogação da definição de bebida alcoólica prevista na Lei nº 9.294. Na verdade, oadvento da Lei Seca, se bem examinada, reafirma que a definição da Lei nº 9.294 está vigente.Diz o Ministério Público na sua ação:

Considerando que a Lei nº 11.705 teve como um dos seus objetivos alterar a Leinº 9.294, atualmente vige no Brasil a definição de que as bebidas potáveis com teor alcoólicosuperior a meio grau Gay­Lussac devem sofrer a restrição legal de publicidade.

Ora, é verdade que a Lei nº 11.705 teve por objetivo alterar a Lei nº 9.294, maspara uma finalidade específica, inserir o art. 4º, a, na Lei nº 9.294, para, no contexto doprograma do combate à direção alcoolizada, obrigar os pontos de venda a terem advertênciasde que dirigir bêbado é crime, foi para isso apenas. O legislador poderia ter feito mais, poderiater alterado outros dispositivos, poderia inclusive ter alterado o parágrafo único do art. 1º. Foio que tentou fazer o Deputado Luiz Hauly, por meio da

Emenda Aditiva nº 43,ele propõe a seguinte redação:Considera­se bebidas alcoólicas para todos os efeitos legais as bebidas potáveis

que contenham álcool em sua composição com grau de concentração de meio grau­GayLussac ou mais.

E essa emenda foi expressamente rejeitada. De modo que, sob todos os ângulospelos quais se analise a questão, aplicando­se ao caso as regras de direito intertemporal da Leide Introdução ao Direito Brasileiro, que dizem:

Lei posterior revoga anterior quando expressamente o declare ­ aqui não houverevogação expressa ­, quando seja com ela incompatível ­ aqui não há incompatibilidade,

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porque os diplomas tratam de matérias distintas ­ ou quando regule inteiramente a matéria deque tratava a lei anterior, o que também não é o caso. Pelo contrário o art. 6º da Lei nº 11.705diz expressamente que a definição ali adotada é para os fins daquela lei e não de outras leis.

Por fim, e apenas complementando, a CervBrasil não defende, não entende quea publicidade de bebidas com teor alcoólico inferior esteja insuscetível de controle. Naverdade ­ e isso constou da exposição de motivos da Lei nº 9.294 ­ o sistema de controle é umsistema de autorregulamentação pelo CONAR e um sistema de controle pelas regras do CDC,que tratam de publicidade enganosa e abusiva.

De modo que, já me encaminhando para o final, em síntese, a impressão dodouto magistrado de Florianópolis de que o critério legislativo seria absurdo, com as devidasvênias, não pode passar de uma impressão pessoal. Do ponto de vista estritamente jurídico, aúnica solução que se coaduna com a Carta Maior é a de reconhecer a validade desse critério,sob pena, Excelências, de se violar aí sim, o núcleo essencial do princípio da separação depoderes, que recomenda que essas decisões sejam do Poder Legislativo, assim como outrasdecisões que interferem em nossas vidas, regulando o que a gente come, regulando o que agente faz e por onde a gente anda.

Valem as palavras do Ministro Pertence: O legislador aqui é o Juiz do alcancedas restrições que ele próprio estabelecer.

É por isso que a CervBrasil pede que seja provida a sua apelação em primeirolugar para que se reconheça a litispendência, listispendência porque as causas de pedir giramem torno de uma mesma matéria, de um mesmo objeto e porque o resultado útil pretendido éinvariavelmente o mesmo.

Nessa linha, de acordo com a jurisprudência do STJ ­ cito os Embargos deDeclaração no RESP nº 610520 ­ "A ratio essendi da litispendência obsta que a partepromova duas ações visando a um mesmo resultado." Inclusive os pedidos das duas últimasACPs são idênticos.

Pede­se primeiramente então, o reconhecimento da litispendência. Em segundolugar, a improcedência dos pedidos autorais por todas as razões expostas.

Por eventualidade, se assim não se entender, que se suspenda o julgamento dasACPs para que não haja decisões conflitantes, já que sabemos que tramita no STF a ADO, aADIn por Omissão nº 22, e ainda, por eventualidade, se esta egrégia Turma entender porafastar a redação da Lei nº 9.294, sabendo­se que é uma redação, que é um dispositivo válidoem vigor, que se observe então a cisão funcional e instaure a arguição deinconstitucionalidade, observando­se a reserva de Plenário.

Agradeço imensamente. Boa tarde.

Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE (RELATOR):

VOTO (no Gabinete)

Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR (REVISOR):Cabe a mim prosseguir no julgamento, seria o próximo a votar. Não posso fazê­

lo sem antes dizer o quanto o trabalho dos dois Procuradores e o trabalho do Relator voufacilitar tanto o meu quanto o trabalho da Des. Vivian, creio, porque nos colocaram asquestões que devem ser enfrentadas, nos colocaram assim com uma clareza ímpar as questõesque estão em jogo neste processo. Então para mim como Revisor e para a Des. Vivian comoterceira votante tenho certeza que o trabalho fica muito facilitado por esse verdadeiro trabalhode garimpagem que foi feito, quanto à argumentação, colocando­se as questões que estão emjogo. Então, parabenizo especialmente o nosso colega Relator pelo esforço feito de colocar as

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questões de forma bem precisa.Eu vejo que a Des. Vivian antecipou um destaque. Não sei se manteria o

destaque?

Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA:Vou pedir vista. Só retifico, não vai ser muito fácil fazer uma análise assim, um

confronto dos argumentos que são ambos bastante consistentes. Vou pedir vista dos autos.

Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR (REVISOR):Eu aguardaria o voto da Des. Vivian.

DECISÃO:Após o voto do Des. Federal Luís Alberto D Azevedo Aurvalle, no sentido de

dar parcial provimento à apelação na ACP nº 2008.70.00.013135­1, PR, dar provimento àapelação na ACP nº 5017742­24.2012.404.7100, RS, e negar provimento aos apelos daAnvisa, Cervbrasil e União na ACP nº 5012924­20.2012.404.7200, SC, pediu vista a Des.Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha; aguarda o Des. Federal Cândido Alfredo Silva LealJunior. Determinada a juntada de notas taquigráficas a título de sustentações orais.

Cláudia Jaqueline Mocelin BalestrinSupervisora

Documento eletrônico assinado por Cláudia Jaqueline Mocelin Balestrin, Supervisora, na formado artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17,de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereçoeletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do códigoverificador 7003399v2 e, se solicitado, do código CRC 2F1DD30B.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): Cláudia Jaqueline Mocelin BalestrinData e Hora: 03/09/2014 16:19

NOTAS DA SESSÃO DO DIA 11/12/2014

4ª TURMA

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017742­24.2012.404.7100/RS (303P) (*)APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5012924­20.2012.404.7200/SC (089M)APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.70.00.013135­1/PR (091M)RELATOR: Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA:

VOTO­VISTA (no Gabinete)

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Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR (PRESIDENTE):Examinei atentamente a questão, os dois votos são bastante substanciosos e

trazem bastantes subsídios. Estou acompanhando o Relator e também adotando afundamentação da Des. Vivian, no mesmo sentido dos provimentos que constam nosrespectivos votos.

Dr. PAULO GILBERTO COGO LEIVAS (REPRESENTANTE DO MINISTÉRIOPÚBLICO):

QUESTÃO DE ORDEM

O Ministério Público gostaria de pedir o imediato cumprimento desta decisão,na medida em que o feito pediu tutela antecipada no primeiro grau. É uma reiteração dessepedido de imediato cumprimento da decisão.

Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA:Não sei qual seria a posição do eminente Relator, mas no seu voto ele adota uma

medida que me pareceu bastante sensata, de estabelecer um prazo de 180 dias, porque nãopodemos considerar que existem contratos já firmados em execução, e também esta questão jáestá desde 2000. A lei é de 2008, podemos aguardar, dar um prazo razoável, pelo menos essaé a minha opinião, para que se faça esses ajustes no cumprimento da decisão.

DR. PAULO GILBERTO COGO LEIVAS (REPRESENTANTE DO MINISTÉRIOPÚBLICO):

A partir de hoje correria este prazo?

Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE (RELATOR):Sim, exatamente, a partir da decisão.

Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR (PRESIDENTE):Consta: Tenho por razões, estabelecer o prazo de 180 dias a contar da

publicação do presente acórdão, prazo este que me parece razoável para...

Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE (RELATOR):Posso ler a parte dispositiva: Para consideração e aplicação do conceito de

bebida alcoólica como sendo aquela que possui... (lê) ...propaganda de bebidas alcoólicas.V. Exa. está acompanhando.

Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR (PRESIDENTE):Ficaria prejudicada a questão de ordem.

DECISÃO:Quanto ao processo de nº 303 da pauta, prosseguindo no julgamento, após voto­

vista da Des. Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, no sentido de dar provimento àapelação e do voto do Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior acompanhando oRelator, a Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação na ACP nº2008.70.00.013135­1/PR, deu provimento à apelação na ACP nº 5017742­24.2012.404.7100/RS e negou provimento aos apelos da Anvisa, Cervbrasil e União na ACPnº 5012924­20.2012.404.7200/SC. Quanto ao processo de nº 89 em mesa, prosseguindo nojulgamento, após voto­vista da Des. Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, no sentido de

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negar provimento às apelações e do voto do Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junioracompanhando o Relator, a Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação naACP nº 2008.70.00.013135­1/PR, deu provimento à apelação na ACP nº 5017742­24.2012.404.7100/RS e negou provimento aos apelos da Anvisa, Cervbrasil e União na ACPnº 5012924­20.2012.404.7200/SC. Quanto ao processo de nº 91 em mesa, prosseguindo nojulgamento, após voto­vista da Des. Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, no sentido dedar provimento à apelação e do voto do Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junioracompanhando o Relator, a Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação naACP nº 2008.70.00.013135­1/PR, deu provimento à apelação na ACP nº 5017742­24.2012.404.7100/RS e negou provimento aos apelos da Anvisa, Cervbrasil e União na ACPnº 5012924­20.2012.404.7200/SC.

Cláudia Jaqueline Mocelin BalestrinSupervisora

Documento eletrônico assinado por Cláudia Jaqueline Mocelin Balestrin, Supervisora, na formado artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17,de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereçoeletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do códigoverificador 7260611v2 e, se solicitado, do código CRC 69276EC1.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): Cláudia Jaqueline Mocelin BalestrinData e Hora: 12/12/2014 12:28