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-9- de votos, negou-se provimento. Os Srs. Mins. Oscar Saraiva e Cunha Vasconcellos acompanharam o Sr. Min. Relator. Presidiu o julga- mento o Sr. Min. Cunha Vas- concellos. APELAÇÃO CíVEL N.O 1 - DF. Relator - O Ex. mo Sr. Min. Djalma da Cunha Mello Apelante - Anderson Clayton & Cia. Ltda. Apelada - União Federal Acórdão Impôsto de renda. Se lucros de vários exercícios, creditados ao fundo de reserva, são daí retirados, dum jacto, para conta de capital, decuplicando-se, dêsse modo, e con- fessadamente, o capital, decuplicando-se cada quota, claro, é devido, pelo movimento contábil, importante numa distribuição de lucros, tributo concernente à renda distribuída. Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n. o 1, do Distrito Federal, ape- lante Anderson Clayton & Cia. Ltda., apelada União Federal: Acorda o Tribunal Federal de Recursos, Primeira Turma, por maioria de votos, integrando neste o Relatório de fls. 236 usque 249 e na conformidade das notas ta- quigráficas de fls. 251 até 268, em negar provimento à apelação, pa- gas as custas na forma da lei. Rio de Janeiro, 2 de Setembro de 1948. - Amando Sampaio Costa, Presidente; - Dja/ma da Cunha Mello, Relator. Relatório o Sr. Min. Djalma da Cunha MeIlo (Relator) - Nestes au- tos foi proferida a seguinte sen- tença: "Anderson Clayton & Com- panhia Limitada, sociedade por quotas de responsabilidade limi- tada, com sede em São Paulo e estabelecida nesta Capital, pro- pôs a presente ação ordinária contra a União Federal, para anular o ato da Delegacia do Impôsto de Renda de S. Paulo, confirmado pelo Primeiro Conse- lho de Contribuintes, pelo qual a autora foi condenada a pagar a importância de Cr$ 7.200.000.,00, a título de impôsto de renda qua· lificado pelas autoridades como impôsto de "majoração de quotas" resultante de aumento de capital, impôsto êsse, segundo alega, não previsto na legislação fiscal. Alega a autora que foi organi- zada em 1934 e tem funcionado normalmente desde então, desen- volvendo suas atividades no be-

APELAÇÃO CíVEL N.O 1 - DF. · 2019. 4. 2. · geiro de rendimentos, o que não ocorreu; que o Primeiro Conse lho de Contribuintes sustentou o resolvido pela Divisão do Impôs-to

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de votos, negou-se provimento. Os Srs. Mins. Oscar Saraiva e Cunha Vasconcellos acompanharam o Sr.

Min. Relator. Presidiu o julga­mento o Sr. Min. Cunha Vas­concellos.

APELAÇÃO CíVEL N.O 1 - DF.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Djalma da Cunha Mello Apelante - Anderson Clayton & Cia. Ltda. Apelada - União Federal

Acórdão

Impôsto de renda.

Se lucros de vários exercícios, creditados ao fundo de reserva, são daí retirados, dum jacto, para conta de capital, decuplicando-se, dêsse modo, e con­fessadamente, o capital, decuplicando-se cada quota, claro, é devido, pelo movimento contábil, importante numa distribuição de lucros, tributo concernente à renda distribuída.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n.o 1, do Distrito Federal, ape­lante Anderson Clayton & Cia. Ltda., apelada União Federal:

Acorda o Tribunal Federal de Recursos, Primeira Turma, por maioria de votos, integrando neste o Relatório de fls. 236 usque 249 e na conformidade das notas ta­quigráficas de fls. 251 até 268, em negar provimento à apelação, pa­gas as custas na forma da lei.

Rio de Janeiro, 2 de Setembro de 1948. - Amando Sampaio Costa, Presidente; - Dja/ma da Cunha Mello, Relator.

Relatório

o Sr. Min. Djalma da Cunha MeIlo (Relator) - Nestes au­tos foi proferida a seguinte sen-

tença: "Anderson Clayton & Com­panhia Limitada, sociedade por quotas de responsabilidade limi­tada, com sede em São Paulo e estabelecida nesta Capital, pro­pôs a presente ação ordinária contra a União Federal, para anular o ato da Delegacia do Impôsto de Renda de S. Paulo, confirmado pelo Primeiro Conse­lho de Contribuintes, pelo qual a autora foi condenada a pagar a importância de Cr$ 7.200.000.,00, a título de impôsto de renda qua· lificado pelas autoridades como impôsto de "majoração de quotas" resultante de aumento de capital, impôsto êsse, segundo alega, não previsto na legislação fiscal.

Alega a autora que foi organi­zada em 1934 e tem funcionado normalmente desde então, desen­volvendo suas atividades no be-

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nefidamento e comércio de algo­dão; que durante vários anos le­vou os lucros apurados nos ba­lanços anuais à conta de "fundo de li"eserva", depois de pago, re­gularmente o impôsto de renda à taxa de 6%, de acôrdo com o pre­ceituado na legislação fiscal vi­gente, montando êsses impostos nos exercícios de 1939 a 1943, na impressi.onante soma de ...... . Cr$ 7.149.932,30; que um único dividendo foi distribuído aos quo­tistas, pessoas jurídicas residentes no exterior, na importância de .. Cr$ 11.996.400,00 sendo, então, descontado pela autora e pago ao Tesouro o impôsto de 8%, na im­portância de Cr$ 959.712,00; que os lucros apurados, excetua­dos: êsses dividendos, foram sem­pre aplicados em instalações de máq[uinas, para o beneficiamento do algodão e seus subprodutos, usinas de destilação de óleo de caroço de algodão, vagões-tanques e outros materiais, mas continua­ram lançados na conta "fundo de reserva", verificada, assim, uma situação contraditória entre o que figll.ll.fava na escrita e o que, real­mente, ocorria, uma vez que tô­das: as importâncias creditadas ria referida conta estavam incorpora­das, por consenso dos sócios, ao patrimônio da sociedade, impos­sibiliitada, assim, a sua distribui­ção aos quotistas; que, com o ob­jetivo único de corrigir essa apa­rente irregularidade e para que a escrita traduza a realidade dos fatos ocorridos, resolveu transfe­rir para a conta de capital os va­lôres lançados no título "fundo de reserva", na importância de .... Cr$ 90.000.000,00, os quais, des­de mui.to haviam sido invertidos

em bens integrantes do acervo social e, assim sendo, o valor efe­tivo de todo o acervo era de .. Cr$ 100.000.000,00, antes do au­mento de capital e idêntico va­lor teria depois do aumento, pois as quotas dos sócios neste acervo, em nada se modificaram e em na­da foi o acervo modificado; que resolvendo fazer tal modificação nos lançamentos de seus livros, não alterou o destino dos valôres referidos que estavam de fato e continuaram incorporados ao acer­vo social, nem ficaram êles sujei­tos a qualquer sanção fiscal des­de que nas épocas próprias fôra pago o impôsto de renda de 6% sôbre cada uma das verbas de lu­cros apuradas nos balanços anuais; e que, tanto é isso verda­de que se não houvesse feito, co­mo norma reiterada, a inversão de tais lucros em bens da socie­dade e os conservasse em caixa, ou depositados em espécie, nada impediria em aplicar êsses lucros em novos investimentos, instala­ções e aquisições em benefício do desenvolvimento da sua indústria, sem que isso a obrigasse ao pa­gamento de outros impostos de renda, além dos 6 % pagos por ocasião da verificação dos lucros e, assim, o impôsto reclamado não resultou, na realidade, da inversão operada mas de uma ficção de­corrente de um lançamento des­tinado a corrigir a aparente irre­gularidade da escrita. Alega, ain­da, e sustenta a autora que, na espécie em debate, a inversão dos lucros em bens da sociedade foi contrária aos interêsses particula­res dos sócios quotistas, porque podendo tais lucros ser distribuí­dos como dividendos, passando ao

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patrimônio disponível dos SaCIaS,

foram lançados no aleatório dos negócios comuns, pois a distribui­ção dêsses lucros aos sócios tor­nou-se impossível por não existir em caixa a sua importância que foi incorporada ao acervo social; que, na espécie em debate, os quo­tistas não receberam importância alguma, não houve distribuicão de novas quotas, nem integraliza­ção das quotas anteriores, pois o capital de cada sócio foi integral­mente realizado ao se constituir a sociedade e o fato de ter sido alterado o lançamento para me­lhor exprimir a realidade da si· tuação, não transferiu do patrimô­nio social para o dos sócios, qual­quer importância; que, nas socie­dades de responsabilidade limi­tada, misto de sociedade de pes­soas e sociedade de capital, os só­cios ficam solidàriamente respon­sáveis pela totalidade do capital; que, consultando a Divisão do Im­pôsto de Renda de S. Paulo 00-bre se era devido qualquer im­pôsto, recebeu a resposta, na qual qualificou a repartição em causa, arbitràriamente, o lançamento fei­to como "majoração de quotas", resolvendo ser o impôsto devido, de acôrdo com o disposto nos arts. 8.°, letra d, e 97, letra a, do Decreto-lei n.o 4.178, de 13 de Março de 1942, entretanto, ne­nhum dos dispositivos invocados autoriza a exigência do impôs­to porque "não houve distribui­ção de ações novas" e para que haja o desconto na fonte é ne­cessário a remessa para o estran­geiro de rendimentos, o que não ocorreu; que o Primeiro Conse­lho de Contribuintes sustentou o resolvido pela Divisão do Impôs-

to de Renda e, pedida reconside­ração da decisão, foi mantido o acórdão anterior, ficando, assim, esgotados todos os recursos na ins­tância administrativa. Discute a autora, ainda, na inicial, o fato de ser uma sociedade por quotas e não uma sociedade por ações, e que a expressão "majoração de quotas" é desconhecida pelas leis e jurisprudência fiscais. Discute a autora, longamente, a não aplica­bilidade do art. 8.°, letra d, do Decreto-lei 4.178, de 1942, por não existir qualquer semelhança entre as ações das sociedades e as quotas de responsabilidade li­mitada, citando autores nesse sen­tido. Alega, finalmente, a autora, que a prevalecer a interpretação dada pela Delegacia do Impôsto de Renda, segundo a qual ter-se­-ia verificado "uma majoração das quotas", conforme declarou, por inadvertida apreciação dos fatos, para exigir o impôsto, forçoso é compreender que essa "majora­ção" teria sido, apenas, nomi­nal, porquanto o valor real das quotas não se alterou, por ser êsse valor representado, antes como depois do lançamento, pelo acervo social e, segundo preceito imperativo dos arts. 10 e 32, do citado Decreto-lei n.o 4.178, os contribuintes do Impôsto de Ren­da só serão tributados de acôrdo com os ganhos ou lucros reais verificados e, se fôsse tolerada como legítima a pretendida taxa­ção, não haveria mais possível barreira contra a ganância do Es­tado. Pediu a autora a anulação do ato impugnado e, em conse­qüência, seja julgado não devido ° impôsto reclamado, com tôdas as cominações de direito, inc1usÍ-

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ve o pagamento dos honorários dos advogados e custas.

Com a inicial foram juntos os documentos de fls. 31 a 45 e, pos­teriormente, os documentos às fls. 85 e 86.

Citada a ré, União Federal, contestou ação, alegando que não tem razão a autora, porque es­queceu-se de considerar o fato de construir novas instalações sem dispor do seu "fundo de reserva", acumulado depois de haver dis­tribuído dos seus quotistas altos dividendos, pois que foram os lu­cros levados a fundo de reserva que permitiram o aumento das suas instalações para o beneficia­mento do algodão e dos seus sub­produtos e se não fôssem tais lu­cros levados a fundo de reserva é claro que teria a autora de ape­lar para os quotistas, tirando do bôlso dêles o numerário necessá­rio ao custeio daquelas novas ins­talações; que houve majoraç20 de quotas e essa majoração só é fictícia na imaginação da autora, pois, de fato ° seu capital cres­ceu de vulto e êsse crescimento, beneficiando o patrimônio co­mum, não pode, evidentemente, deixar de beneficiar o patrimônio individual de cada sócio, repre­sentado pelas suas quotas; que não são passíveis de reforma as decisões administrativas proferi­das contra a autora, porque im­puseram o pagamento do impâsto sôbre um impressionante lucro que foi invertido em novas ins­talações; a sociedade enriqueceu o seu patrimônio, aumentou as suas possibilidades econômicas, tornan­do, destarte, mais valorizadas as quotas de seus acionistas.

No despacho saneador proferi­do a fls. 82, foi o processo decla­rado em ordem, estando apensa­do aos autos os do depósito feito pela autora, remetidos a êste Juí­zo pelo da l.a Vara da Fazenda Pública desta Capital.

Não tendo as partes provas a serem produzidas, além das que foram juntas aos autos, foi desig­nada a audiência de instrução e julgamento, a qual se realizou co­mo consta a fls. 90, sendo autori­zada a juntada dos memoriais que se encontram a fls. 91 a 100 e 101 a 107.

A autora sustentou, longamen­te, o seu direito, trazendo aos autos novos elementos em apoio de sua pretensão, respondendo, também, à contestação da ré. De­senvolveu a ré, por intermédio do Dr. 6.° Procurador, o seu ponto de vista sustentado na contesta­ção, esclarecendo, entre outras cousas, ser regra universal, pací­fica e incontestável na sua pró­pria essência, que os lucros rea­lizados por quaisquer entidades que exerçam atividade comercial, industrial ou mesmo profissional, estão sujeitos ao pagamento anual do impôsto sôbre a renda e que é, insofismàvelmente certo e lógi­co que a inversão do "fundo de reserva" para a "conta de capi­tal", importa numa verdadeira distribuição das reservas acumu­ladas, passando do patrimônio da sociedade (pessoa jurídica) para o dos portadores das quotas. Sus­tentou, ainda, o Dr. Procurador, a tese da aplicação do processo analógico às leis tributárias pela extensão de um preceito da lei a casos nela não enumerados\ ci­tando a opinião de Vanam, pu-

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blicista e professor de finanças na Universidade de Cagliari, na Itália, e, também, ser evidente a impossibilidade de se recorrer às leis causuísticas, dada a multipli­cidade inumerável das fontes do impôsto sôbre a renda, pois, em caso contrário, seria assombrosa a evasão do impôsto pelas ma­lhas dos casos não previstos, re­sultando a taxação do simples fa­to da existência comprovada de uma determinada renda, sôbre a qual deve incidir, no ano em que ela se verificou, o impôsto.

Por despacho de fls. 109 v., foi o julgamento convertido em dili­gência para que a autora juntas­se o contrato social, vigente na época da incidência do impôsto ora em discussão, o que foi cum­prido, como se vê a fls. 111 e se­guintes e, ouvido o Dr. Procura­dor sôbre os documentos juntos, declarou s. s.a nada ter a opor, sendo, então, designada a audiên­cia de leitura e publicação da sen­tença.

Isto pôsto: Considerando que se trata, na hipótese dos autos, de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, que durante vários anos levou a "fundo de reserva" lucros na im­portância de Cr$ 90.000.00.0,00, lucros êsses que, com a concor­dância unânime dos seus sócios, transferiu para a "conta de capi. tal", passando o capital de ... . Cr$ 10.000.000,00, para ...... . Cr$ 100..000.000,00.

Considerando que a autora propôs a presente ação porque considera não ser devido o impôs­to de renda cobrado pela ré e qua­lificado pelas autoridades fiscais como impôsto de "majoração de

quotas" resultante de aumento de capital porque a legislação fiscal não prevê tal incidência;

Considerando que a ré exigiu o pagamento não de um impôsto de "majoração de quotas", mas sim sôbre a majoração de quotas pro­veniente do aumento do capital com recursos tirados do "fundo de reserva";

Considerando que deve, fora de dúvida, ser a importância de .... Cr$ 90.000.000,00 levada a "fun­do de reserva", proveniente de lucros não distribuídos por con­veniência dos quotistas, os quais por deliberação unânime, resolve­ram valorizar as suas quotas na sociedade, mediante a transferên­cia integral das reservas acumu­ladas para a conta de capital, sen­do indiscutível que, conforme sa­lientou o Acórdão do Primeiro Conselho de Contribuintes, junto a fls. 34, "a distribuição de reser­vas por meio de quotas do capi­tal é uma das formas de paga­mento de lucros acumulados";

Considerando que, conforme muito bem salientou o Dr. Pro­curador da República, na audiên­cia de instrução e julgamento, os lucros realizados por quaisquer entidades que exerçam atividade comercial, industrial ou mesmo profissional, estão sujeitos ao pa­gamento anual do impôsto sôbre a renda e a inversão do "fundo de reserva" para a "conta de capi­tal", importa numa verdadeira dis­tribuicão das reservas acumula­das, passando do patrimônio da sociedade (pessoa jurídica), para o dos portadores de quotas;

Considerando que não interes­sa à discussão da hipótese a ale­gação da autora de que o aumen-

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to de capital, com a aplicação do "fundo de reserva" não trouxe modificação alguma ao acervo so­cial, fato êste sôbre o qual não há dúvida porque o acervo social continuou o mesmo, pois o capi­tal foi aumentado com lucros acumulados que estavam deposi­tados como "fundo de reserva" na sociedade, lucros êsses que pas­saram, integralmente de uma con­ta para a outra;

Considerando que na letra a, do art. 8.°, do Decreto-lei n.O 4.178, de 13 de Março de 1942, aplicá­vel à hipótese, quando a lei tra­ta da tributação das pessoas fí­sicas e classifica os rendimentos em cédulas diz: "Na cédula F serão classificados os rendimentos sujeitos à taxação proporcional em poder das pessoas jurídicas, a saber: a) os lucros, computando­-se o lucro presumido de que tra­ta o art. 40, quando não fôr apurado o real" e não há dúvida de que a autora, como pessoa ju­rídica, acumulou lucros que levou a "fundo de reserva" e, agora, le­vando-os a "conta de capital", proporcionando a majoração das quotas, distribuiu-os aos sócios, ou seja, a inversão do "fundo de re­serva" para a "conta de capital", importou numa verdadeira distri­buição das reservas acumuladas, passando tais lucros do patrimô­nio da sociedade (pessoa jurídi­ca) para o dos portadores das quotas, conforme acima já ficou dito;

Considerando que com a trans­ferência feita pela autora do "fun­do de reserva" para a "conta de capital", praticou ela um verda­deiro ato duplo, pois para tal transferência foi necessária a de-

liberação dos sócios quotistas, por­que, ao invés de receberem êles os lucros que estavam acumula­dos na sociedade, decidiram au­mentar o capital social, o que equivale a terem recebi.do tais lucros e, ato contínuo, os aplica­dos no aumento do capital da so­ciedade;

Considerando que se fôsse per­mitida a transferência do "fundo de reserva" para a "conta de ca­pital", em qualquer espécie de so­ciedade, sem o pagamento do im­pãsto de renda, fácil seria burlar o fisco que deixaria de receber o impôsto que incide sôbre os lu­cros, devido pelas pessoas físicas;

Considerapdo que o fato de ter sido aplicada em instalações de máquinas e outros melhoramen­tos da indústria, a importância de Cr$ 90.000.000,00, de lucros acumulados, levada a "fundo de reserva", por convenlencia dos sócios, nenhuma influência tem no julgamento da causa porque foi, apenas, uma irregularidade que a autora, com o ato da transferên­cia do "fundo de reserva" para a "conta de capital", por delibera­ção unânime de todos os sócios, veio a corrigir;

Considerando que o n.o 11, da letra d, do art 8.°, já citado, classifica como rendimentos sujei­tos à taxação proporcional em poder das pessoas jurídicas, o au­mento do capital com recursos ti­rados de quaisquer fundos, prin­cípio êste aplicável a qualquer es­pécie de sociedade;

Considerando que se fôsse dada a interpretação pretendida pela autora de que não se aplica às sociedades por quotas o princípio contido na letra d, do já citado

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art. 8.°, por se referir o mesmo às sociedades por ações, chegaría­mos à hipótese absurda de que o legislador pretendeu dar soluções diversas a hipóteses idênticas, pois é inteiramente idêntica a situacão do valor das ações novas distri­buídas aos portadores de ações nominativas à majoração das quo­tas, quando o aumento do capi­tal é feito com recursos tirados de quaisquer fundos;

Considerando que, conforme se vê da alteração do contrato so­cial da autora, junto por certidão a fls. 112, o capital social foi ele­vado, conservando o mesmo nú­mero de dez mil quotas, aumenta­do, porém, o valor nominal de cada uma, de Cr$ 1.000,00, para Cr$ 10.000,00;

Considerando que a incidência do impôsto de renda exigido pela ré está prevista no art. 8.°, letras a e d, do Decreto-lei n.o 4.178, de 13 de Março de 1942, que re­gula a espécie em causa e que o mesmo é devido pela autora, ex vi do disposto no art. 97 letra a, do mesmo Decreto;

Considerando o mais que dos autos consta:

Julgo improcedente a presente ação e condeno a autora nas custas" (fls. 120 usque 128).

No tempo próprio, o autor ape­lou. Suas razões constam de fls. 133 e seguintes até 151. Eis, em suma, o que está dito nas mes­mas: (lê). A União Federal ofe­rece contra-razões, fls. 156 até 162, que assim resumo: (lê)

Vindo o processo a esta Supe­rior Instância, nêle foi pedido e deferido (fls. 196, 201, 205, 220 e 233), o seguinte: (lê).

Falando nos autos, emitiu o Subprocurador-Geral da Repúbli­ca, a respeito do recurso, o seguin­te Parecer (fls. 211 até 219): (lê).

É o Relatório.

Voto

o Sr. Min. Djalma da Cunha Mello (Relator) - Nada im­pede o conhecimento do recurso, manifestado no tempo próprio e com observância do disposto no Código de Processo Civil, arts. 820 e 821. Passo, por conseguinte, a perquirir-lhe o mérito.

Uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, feito o balanço anual, lançava à conta de "fundo de reserva" avultados lu­cros do seu comércio e indústria, após pagar impôsto de renda de 6% sôbre tais auferimentos.

Por êsse caminho, ao fim de cinco anos, creditara ao "fundo de reserva" Cr$ 90.000.000,00.

Tiveram por bem, então, nessa altura, os sócios, pretextando ne­cessidade de corrigir contradições e aparente irregularidade da es­crituração da casa, passar, êsses Cr$ 90.000.000,00 do "fundo de reserva" para conta de capital.

E assim foi feito sem' estado larvar algum, de um jacto.

Para o contribuinte, di.sso lhe não poderiam advir reclamos fa­zendários, exigências tributárias.

Havia pago, sôbre os lucros, antes de escriturá-los na conta "fundo de reserva", os preditos 6% de impôsto de renda. Nada mais devia.

O Erário Federal, todavia, se eriçou com o gesto "simplório" de

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emprêsa em referência, e veio co­brar, da mesma, de diferença de impôsto de renda sôbre os men­cionados Cr$ 90.000.000,00, ... Cr$ 7.200.000,00.

Apegou-se a autoridade fiscal à circunstância de que, após aquê­les movimentos de contabilidade, o capital da firma, que era de .. Cr$ 10.000.000,00, subira a .... Cr$ 100.000.000,00, e bem assim ao fato de que cada quota social ficara valendo dez vêzes mais.

Procede a pretensão do Te­souro .

O impôsto de renda, ao tempo dos fatos sôbre que versa a de­ma:qda, era regulado pelo Decre­to-lei n.o 4.178, de 13 de Março de 1942, que tributava sociedade e sócio, êste pela renda que lhe fôsse distribuída, aquela pela ren­da realizada.

A própria petição que deu co­mêço à lide apresenta um exem­plo que bem auxilia a rápida compreensão do assunto.

Tendo distribuído um dividen­do aos quotistas, pessoas residen­tes no Exterior, a firma pagou 8% de impôsto de renda sôbre o quantum respectivo, ou seja, .. . Cr$ 959.712,00 por .......... . Cr$ 11.996.400,00 remetidos. Isso, acrescente-se, sem embargo dos 6% de impôsto de renda que an­tes havia desembolsado a socieda­de, pela renda realizada.

Desta feita, a distribuição mon-tava a quantia de ........... . Cr$ 90.000.000,00 e custaria, de impôsto de renda complemento, aos sócios, Cr$ 7.200.000,00.

Cogitou-se então de corrigir es­crita, de aumentar capital social e valor de quotas. O dinheiro pas-

saria do "fundo de reserva" pa­ra a "conta de capital", vindo aumentar de Cr$ 10.000.000,00 para Cr$ 100.000.000,00 êsse ca­pita~ e vindo dar um valor nomi­nal dez vêzes maior a cada quo­ta. Nenhum impôsto a pagar pre­tendia a apelante, afirmando que "os quotistas não receberam im­portância alguma, não houve dis­tribuição de novas quotas, nem integralização das anteriores".

Mostrou-se, entretanto, atilada a diretoria do Impôsto de Renda, conforme mencionamos.

Em voto proferido em 30 de Abril de 1945, no julgamento da Apelação Cível n.o 8.449, do Rio Grande do Sul, um Juiz da Su­prema Côrte, o ínclito Aníbal Freire, teve ensejo de dizer, ao propósito de integralização de ações com recursos tirados do fundo de reserva, e dizer sem qualquer contradita dos seus emi­nentes Pares, que "o essencial é o exame do nosso regime fis­cal. Por êste, segundo a sua ex­pressão legal, tudo que provier do fundo de reserva, seja qual fôr a sua forma, está sujeito à tribu­tação. Não se contesta que o fun­do de reserva do Banco ficou des­falcado de enorme parcela em fa­vor dos acionistas. Êstes tiveram efetivo incremento do valor do seu patrimônio, princípio diretor da imposição fiscal em debate".

Ali, eram apenas .......... . Cr$ 12.500.000,00. Aqui, são .. . Cr$ 90.000.000,00.

Num caso e noutro, o "fundo de reserva" recebeu, padeceu terrível sangria em favor dos acionistas naquele, dos quotistas neste.

Quotista que teve com dinhei­ro do "fundo de reserva" aumen-

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tado de dez vêzes o valor nomi­nal da sua quota, não teve efe­tivo incremento do valor do seu patrimônio, "princípio diretor da imposição fiscal em debate?"

De responder com palavras de Filadelfo Azevedo, no mesmo julgamento do Supremo Tribunal há pouco citado: "Realmente, não seria possível destacar a hipótese dos autos para diferenciá-la do princípio de que o lucro eviden­temente distribuído aos acionis­tas estaria sujeito à taxação. Não importa que o capital tivesse au­mentado ou que fôsse o lucro dado de prêmio e às antigas ações; equivaleria isto ao pagamento do que o acionista ainda devia, para integralizar as suas próprias ações. Fazer a separação entre "fruto" e "capital", para considerar as re­servas como "capital", seria sus­tentar uma espécie de geração es­pontânea; capital gerado sem causa.

Nem o argumento usado de que, no caso da fiança, quando o fiador deixa de pagar isso, impor­taria em aumento do seu patrimô­nio, improcede pela evidente au­sência de lucros. De qualquer maneira, a distribuição do "fundo de reserva", na sua íntegra ou em parte, em benefício do acionista que poderia, assim, transmitir a terceiros ações integralizadas ou, pelo menos, com débito inferior ao existente antes da distribuição, constituiria lucros.

De modo que, se não houve imediato aumento do preço na cotação do mercado de títulos, isso não importa em negar a, van­tagem advinda ao acionista, que poderia alienar ditas acões sem o débito correspondente, o que cor-

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robora a intenção do fisco de, le­gitimamente, reclamar a partici­pação do impôsto.

Restaria ainda um argumento que, a meu ver, poderia prevale­cer em tese: o de que a reserva já estava constituída antes que se criasse tal tributação. Entretanto, como o seu nome indica, o fun­do de reserva é constituído por somas condicionadas às necessida­des de certos fins como os de su­prir prejuízos e atender a cir­cunstâncias supervenientes. En­quanto ditas reservas estivessem subordinadas ou dependentes de tais condições, não estariam su­jeitas à tributação por anteriores à lei; mas, desde que se aparta­ram da sociedade, evidentemente não mais podiam atender aos fins eventuais da pessoa jurídica, pas­sando à propriedade dos próprios sócios componentes da sociedade. Na realidade, êste foi o fato nôvo, sem conexão com a anterior sepa­ração de lucros para um "fundo de reserva", com fins eventuais pre­vistos pela assembléia ou com fins a que a própria lei atende, obrigando tôda a sociedade anô­nima a ter certa reserva, - se­gundo firmou a nova lei sôbre o assunto" .

Ponha-se de parte as nugas que diferenciam as hipóteses.

Importa ressaltar, nos dois vo­tos referidos, o seguinte:

1.0) - Tudo que provier do "fundo de reserva", seja qual fôr a forma", está sujeito à tributação.

2.°) - Do momento em que com dinheiro do "fundo de reser­va" o sócio aumentou de dez vê­zes o valor da sua quota, poden­do transmiti-la a terceiros com lucro enormíssimo é inconcutível,

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houve uma distribuição evidente dle lucros, com desfalque do fun­dia de reserva, com efetivo in­cremento do valor do patrimônio dia sócio, princípio diretor da im­posição fiscal.

No seu livro Pareceres e Votos (ed. 1948, págs. 193 e 194), o pr0-prio Min. Aníbal Freire escre­ve sôbre sociedade por quotas de responsabilidade limitada, deixan­do evidente como é fácil ao sócio, em uma tal sociedade, deixá-la, embolsado da sua quota pelo nô­vo valor:

"Em relação, aliás, às socieda­dles por quotas, de responsabilida­de limitada, o assunto está regu­lado de modo expresso. O art. 15, dia Decreto n.o 3.708, de 1.0 de Janeiro de 1919, confere aos só­dos que divergirem da alteração dia contrato social "a faculdade de se retirarem da sociedade, obten­do o reembôlso da quantia corres­pondente ao seu capital, na pro­porção do' último balanço apro­vado".

Há neste sentido manifestações positivas da jurisprudência pátria. A então Côrte de Apelação do Distrito Federal, em Acórdão de Jl4 de Maio de 1935, no Agravo dle Petição n.o 9.842, decidiu:

"Nas sociedades de capital li­mitado, a decisão da maioria, mo­dificando o contrato, obriga a minoria, e esta, não se confor­mando, tem o seu direito assegu­mdo pelo art. 15, do Decreto n.o 3.708, de 1919, como muito bem ensina Villemor Amaral no seu livro Sociedades Limitadas, D.o 257 e 214 (Arquivo Judiciá­rio, volume XXXV, pág. 223)".

No Agravo Comercial n.o 2.221, o Tribunal de Relação do Estado do Rio, em Acórdão de 19 de Agôsto de 1930, em relação ao pe­dido de um sócio para a dissolu­ção de uma sociedade por quotas, sentenciou que a maioria tem o poder de decidir, competindo apenas ao sócio dissidente, se lhe aprouver, retirar-se com a quota e lucros existentes (Arquivo Ju­diciário, voI. XV, pág. 511).

Não é para desprezar a consi­deração que a sociedade em aprê­ço de sociedade por quotas de res­ponsabilidade limitada passe a ser sociedade anônima. Conheci.das as afinidades entre êsses dois ti­pos de sociedade, verifica-se que a decisão da maioria nem sequer atenta contra quaisquer princípios doutrinários. (Heinsheimer Derecho Mercantil, versão espa­nhola, 1933; Navarrini, TraUato di Diritto Commerciale, tomo 2.0, 1937).

A propósito, Carvalho de Men­donça ensina que as sociedades por quotas constituem uma variedade da sociedade anônima, porquanto na sociedade anônima o capital. é dividido por ações e na socieda­de limitada por quotas, locuções que têm o mesmo valor, diferença meramente formal (Tratado de Direito Comercial, tomo 3.°, nú­mero 358)".

Aqui, na situação in concreto, sairia o sócio embolsado duma quota tornada dez vêzes maior com lucros tirados do "fundo de reserva", lucros escapos ao impôs­to de renda, se a Fazenda não ti­vesse vindo, solícita, reclamar o tributo, logo que ciente das alite­rações que o contribuinte proce­dera em sua contabilidade, em

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seus livros, para corngIr a situa­ção, que achava contraditória, da sua escrita.

Curioso é que já nesta deman­da, a autora defende a intangibili­dade do capital social, defesa que seria dispensável, se o capital so­cial não estivesse enriquecido por lucros tirados do "fundo de re­serva" . .. Vê-se, daí, que o Fisco estava num dilema: ou exigir o impôsto de renda na ocaSlao diante da metamorfose contábil aludida, ou nunca mais poderia tocar no assunto, especialmente depois de cinco anos ...

O estatuto do contribuinte não é passível de entendimento - di­verso do estatuto de qualquer de­vedor.

Nos países anglo-saxônios, tri­buta-se a renda produzida na so­ciedade de molde a compensar sua exoneração do tributo comple­mento.

A capitalização dos lucros é por isso isenta de nova tributação. Já se . pagou, por ela, antecipada e previdentemente.

Entre nós a capitalização dos lucros e reservas é fiscalmente as­similada a uma distribuiçã10 de lucros. O Erário carece de exer­cer uma maior vigilância.

Não receberam, os- sócios que integram a apelante, nas primei­JraS oportunidades, os lucros. Acumularam êsses lucros, sem dis­pender, é claro, a segunda parte do impôsto, o impôsto sôbre o sócio, descontável na fonte (êles resi­dem no Exterior), pois que foram creditados êsses lucros ao "fundo de reserva". Mais tarde, com êsses lucros do "fundo de reserva", au­mentaram de dez vêzes o capital,

de dez vêzes o valor das quotas e pretendem, nesta demanda, que um Juiz declare que êsses fatos não importaram numa distribuiçã0 de lucros, não acarretaram vanta· gens à sociedade e aos sócios!?

Quota de Cr$ 1.000,00, com lu­cros retirados ao "fundo de reser­va", ficou valendo, nominalmente, Cr$ 10.000,00, e o quotista não teve vantagem?

Capital social passa de ..... . Cr$ 10.000.000.,00, para ...... . Cr$ 90.000.000,00, com dinheiro, com lucros tirados da conta "fun­do de reserva" e a sociedade e sócios não tiveram vantagem?

A sentença apelada não poderia dizer que sim. Se o fizesse, teria entrado a colidir com a lei, com os fatos e com os algarismos, te­ria fechado os olhos à noção, tão rudimentar, de lucros taxáveis.

Atuou com acêrto, com justeza, o Juiz a quo, tendo por improce­dente a ação.

Nego provimento ao apêlo.

Antecipação ao Voto

o Sr. Min. Elmano Cruz Sr. Presidente, como antecipa­ção de voto, e porque tenho o ma::! hábito de tomar notas do que diz o advogado da tribuna e do que sustenta o Subprocurador-Geral, desejo esclarecer dois pontos.

O depósito em apenso foi defe­rido por mim, na l.a Vara da Fa­zenda Pública, e os autos foram enviados para a 3.a Vara da Fa­zenda. Por isso, entretanto, não me julgo impedido.

O depósito foi deferido com as­sento na lei, com assento na ju­risprudência do próprio Ministro

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da Fazenda, e com assento na ju­risprudência do Supremo Tribu­nal Federal. O Acórdão, citado pelo Dr. Subprocurador no seu Parecer, constitui solus peregrinus na jurisprudência do 8,apremo, e hoje o próprio Supremo não po­de julgar senão diferentemente, porque há um dispositivo de lei regulando a matéria. Hoje o de­pósito pode ser feito em obriga­ções de guerra por fôrça de dis­posição legal: Lei 154, de 1947.

Disse S. Ex.a que o Acórdão também não se refere à questão do fato, quanto a ter influído, pos­sIvelmente, no julgamento a não percepção de percentagem pelo Procurador da República, no caso de ser proposta a ação anulató­ria com fôrça - elidente do Exe­cutivo. É claro que o Acórdão do Supremo não mencionou essa cir­cunstância, nem poderia mencio­nar, porque não era a questão dis­cutida.

Eram os reparos que tinha a fazer ao Parecer do Dr. Subpro­curador-Geral.

a ilustre advogado da apelan­te teve a bondade de enviar-me, sem embargo de ser eu o Revisor do feito, dois memoriais que li atentamente. Num dêles vem ci­tado o parecer do professor Tul­lio Ascarelli, com remissão à Re­vista de Direito Administrativo, voI. VII, de Janeiro de 1947. Devo, de princípio, esclarecer que, em regra, os pareceres encomen­dados dos jurisconsultos não me trazem nenhum contingente, como orientação. E, no caso concreto, se o parecer fôsse subscrito pelo ilustre advogado da apelante, me mereceria muito mais acatamento do que sendo do professor Asca-

relli. Aliás, êsse parecer - não aproveita, totalmente, ao ponto de vista da apelante. Se é certo que, no trecho salientado com rara ha­bilidade e transcrito no memorial sob a denominação "opinião va­liosa", se insinuam, pontos favo­ráveis à apelante, o mesmo pa­recer é, sob vários aspectos, des­favorável à própria apelante. O trecho dado como preponderan­te é aquêle que se encontra a fls. 27 do referido parecer, em que o autor ensina que essa tributa­ção dupla, de uma parte de ren­dimentos em poder da pessoa ju­rídica e outra 'em poder do sócio, "essa tributação encontra geralmente, na doutrina, expli­cação diversa: a de que a capi­talização das reservas se desdo­braria em duas operações, ou seja, uma distribuição de lucros e o seu reinvestimento em um au­mento do capital da sociedade". Então, conclui: "Essa explicação parece-me inexata."

Ora, no caso dos autos isso não aproveita, em face da própria li­ção do autor do parecer, porque, em outra passagem êle assinala que, dada a natureza da nossa tri­butação em que foi escolhido nô­vo sistema, o de tributar par­cialmente a sociedade e parcial­mente o sócio, é intuitivo, não só que a renda da sociedade consti­tui a própria renda do sócio, como também que a retenção dessa renda em poder da sociedade, se exonera a sociedade do pagamen­to do impôsto, não constitui mo­tivo para que se exonere o SOC10

dêsse mesmo pagamento. É o trecho que se encontra a fls. 25, in fine, e 26: "Por isso, tributan­do a sociedade no que respeita à

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renda por esta realizada, e o só­cio no que respeita à renda que lhe fôr distribuída, e assim cindin­do o tributo em um tributo sôbre a renda realizada de (sociedade) e um tributo sôbre a renda "dis­tribuída (ao sócio), fica parcial­mente isenta de tributação a ren­da social que não seja distribuída, mas ao contrário permaneça (co­mo reserva ou lucro suspenso) no patrimônio social, ou seja, fica isento o rendimento "poupado", ao passo que, no que respeita à pessoa física, o fato de haver sido economizada uma parcela do ren­dimento não constitui motivo bas­tante para a sua isenção do im­pôsto". E mais adiante, noutra passagem, contrária à tese da au­tora: "Na verdade é quase intui­tivo. .. (fls. 22) ... participa­ção".

~sse parecer tem muita impor­tância porque se fôsse eu o Juiz de Primeira Instância, teria julga­do a autora carecedora de direito de ação. O que a autora está que­rendo impedir é a tributação de rendimento de seu sócio. Ela é simples fonte captora. Ela deve­ria ter captado o impôsto antes de empregada a renda em bene­fício do verdadeiro titular do ren­dimento. Portanto, admitida a hi­pótese de que a autora venha a perder esta ação, ainda assim, ela nada perde porque o impâsto re­colhido é o do sócio, e no uso do direito regressivo ela vai buscar êsse impôsto porque ela não fêz mais do que antecipar ao fisco o impâsto, o tributo que o sócio de­veria pagar. Julgaria a autora ca­recedora de ação e examinaria na ação própria, proposta pelo sócio e acolheria o fundamento ou não

do direito que alegasse. Isso não fêz o Juiz a quo; julgou legítimas as partes e não houve o recurso ex oHício para deslindar, para sa­ber se êsse recurso proíbe a dis­cussão ou não sôbre o saneador, transitado em julgado. De sorte que teremos que apreciar o mé­rito. Um dos argumentos lançados da tribuna diz respeito à álea que envolve o lucro invertido - na formação do acervo, álea essa, em que os sócios podem ter-se excluÍ­do dela, desde que recebessem lu­cros e não os invertessem em ins­talações magníficas. Realmente a todo o tempo pode ocorrer um fracasso no desenvolvimento dos negócios da emprêsa. Agora o que não se pode exigir é que o fisco vá correr êsse risco junto com os sócios. Que os sócios corram é natural, estão metidos no negócio, agora o fisco é que não deve so­frer.

Há um outro argumento de que o Ministro da Fazenda teria acon­selhado: a conversão de lucros suspensos em certificado de equi­pamento como uma decorrência do fim da guerra. Parece-me que há certo engano do nobre advoga­do quanto ao fim da guerra. Esta terminou em 45 e êsse "conselho" foi dado em 42, ao tempo da ex­pedição do Decreto-lei que tratou do certificado de equipamento. Mas isso em nada influiu, ainda porque, o "conselho" do Ministro não infirma a lei. Feitos êsses re­paros à margem da sustentação do Parecer do Dr. Procurador e do advogado, meu voto é o se­guinte (lê).

Voto O Sr. Min. Elmano Cruz (Re­

visor - Da decisão do eminen-

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te Juiz da 3.a Vara da Fazema Pública do Distrito Federal -recorreu a sociedade por quotas - Anderson Clayton - para êste Tribunal, pleiteando a sua refor­ma por entender que a referida decisão mal aplicou a lei, na es­pécie decidida.

Assim não entendo, e nego pro­vimento à apelação para manter a decisão recorrida em todos os seus têrmos.

Sustenta a apelante, que o fato de haver sido aplicado em "insta­lações de máquinas para benefi­ciamento de algodão e seus sub­produtos, usinas de destilação de óleo de caroço de algodão, vagões­-tanques e outros materiais" o lu­cro atribuído ao "fundo de re­serva" não importa na obriga­ção do recolhimento na fonte do impôsto de renda de residente no exterior, sócio quotista da socie­dade.

Arrima-se a apelante em dois pontos fundamentais: 1.0) que não constitui tal prática do ato tributável, mas simples operação contabilística destinada por a es­crita da sociedade de acôrdo com a realidade, eis que, de vários anos a esta parte, vem sendo feita a in­versão, embora a escrita continue mencionando o recolhimento ao fundo de reserva dos lucros efe­tivamente invertidos nas instala­ções; 2.°) por não ser aplicável às sociedades por quotas, o dis­positivo do regulamento do im­pôsto de renda, referente às socie­dades por ações, pois inconfundí­veis os dois tipos de sociedade.

Com relação ao primeiro as­pecto, tenho como inteiramente infundada a pretensão da apelan­te, sem embargo do brilho e da

pugnacidade com que sustentou o seu ponto de vista, o seu douto patrono.

O acervo social se valorizou paulatinamente com as inversões nêle feitas dos lucros retidos para constituição do fundo de reserva, e que, mais tarde, por deliberação dos sócios, passaram à conta de capital, alterando-se o valor das quotas.

Assim, os lucros a princípio le­vados ao "fundo de reserva," fo­ram, por deliberação dos quotis­tas, empregados para amplia­ção das instalações, vale dizer para aumento do acervo socie­tário.

Pertencem é certo ao acervo social, mas sendo a sociedade uma comunhão de interêsses dos sócios que a compõem, sem embargo da sua distinta personalidade jurídi­ca, o engrandecimento do acervo social importa matemàticamente na elevação ou mais valia do qui­nhão do sócio, e aí esta elevação se opera pela inversão de lucros até então retidos, obviamente o emprêgo a que se refere o art. 100, Ido Decreto-lei n.o 4.178, de 1942, terá lugar, e tributável se torna a operação.

Note-se, aliás, que para fazer a alteração do contrato, isto é, a ele­vação do capital, foi necessário de­liberação expressa dos sócios, que não se exige numa simples trans­ferência de verbas em determina­da escrita, operação sujeita, em re­gra, a só orientação do guarda­-livros.

Da própria escritura de altera­ção do capital, resulta inequívoco o emprêgo dos lucros até então retidos, e a benefício dos sócios quotistas.

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Assim é que a cláusula que co­gita da elevação do capital, infor­ma que essa elevação se faz "com fundos disponíveis em poder da sociedade", indicando claramente que são fundos não pertencentes à sociedade, mas apenas em seu poder.

Assim a incidência prevista no art. 100, do Decreto-lei citado, é incontestável.

Quanto à alegação de não po­derem as sociedades por quotas, ser abrangidas por dispositivo re­ferente às sociedades "por ações", também não me parece que haja necessidade de analogia para jus­tificar a inclusão.

Já o Decreto 20.900, de 1931, mandara estender às sociedades por quotas, normas pertinentes às sociedades por ações.

É certo que são inconfundíveis quanto às suas características pró­prias, mas ambas são sociedades intuito capital e não intuito per­sone, pelo que, a discriminação tributária que a uma e outra si­tuar em pé de igualdade, não ar­repia qualquer cânone jurídico.

A decisão recorrida, a meu ver, bem decidiu, pelo que a confirmo.

Voto

o Sr. Min. Sampaio Costa -Recebi ontem, pela manhã, um memorial do advogado dos ape­lantes mas em hora já avançada e por isso, não tive oportunidade de lê-lo. Isso pouco importa dado o Relatório minucioso, feito pelo eminente. Relator, como assim, o uso da palavra pelo advogado pro­vecto, de brilho e proficiência co­nhecidíssimos no Fôro desta Ca-

pita I, que me inteira por comple­to do assunto, inclusive, de parte, e respeitante aos interêsses da Fa­zenda, a oração do provecto Sub­procurador da República. Os vo­tos dos colegas que me precede­ram elucidaram perfeitamente a causa. Verifico que, na realida­de, se trata de impôsto exigido ou a exigir em virtude de renda au­ferida por sócios de uma socieda­de por quotas de responsabilida­de limitada. Com uma argumen­tação notável o ilustre advogado procurou demonstrar que com a alteração de valorização do capi­tal ou da quota, não houve a trans­posição de qualquer lucro real ao sócio quotista. Verifico, no entan­to, que, examinada devidamente a questão, há que atender que o im­pôsto de renda incide sôbre o lu­cro da sociedade parcialmente, e, parcialmente, sôbre o lucro dos só­cios. A sociedade auferiu, durante certo ano, determinados lucros, e sôbre êsses lucros, em cada exer­cício, pagou os respectivos impos­tos. Mas os lucros que seriam de­feridos aos sócios, êsses foram pos­tos em fundo de reserva, aumen­tando o acervo da companhia que, de moeda o transformou em ma­quinaria. Pela última alteração e para reajustamento de uma escri­ta, como explica o eminente ad­vogado, os sócios, em assembléia, resolveram, para retificação dessa contabilidade, que os fundos de reserva fôssem transferidos para a conta de capital, revertessem, para que maior fôsse o valor no­minal de cada quota. Com a ope­ração, se não houve lucro para a sociedade, houve, evidentemente, o lucro do sócio. Nesse ponto não tenho a menor dúvida que a tran-

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sação ou a inversão do fundo de reserva, a título de capital, impli­cou num recebimento de lucro do quotista e inversão dêsse lucro no capital. Mas aí é que distingo. Se estou de pleno acôrdo a êsse propósito, assaltam-me dúvidas de referência à pretensão do fisco, e assaltam-me dúvidas, não porque tal lucro não se verificasse, mas porque a lei tributária não o con­signou de maneira clara e incisiva para a incidência do impôsto. As leis tributárias, as leis de direito financeiro, todos nós sabemos, leis de direito público, não sofrem in­terpretação por analogia ou pari­dade. Cultores avançados do di­reito financeiro sustentam - e para mim com muita procedên­cia - que não há razão para êsse entendimento rigoroso, porque elas podem e devem sofrer essa inteligência, ou por outra, devem sofrer essa interpretação, por ana­logia ou paridade, e acredito que aquêles que se têm mais distin­guido no direito financeiro atual militam e tecem suas armas nes­sa direção. No entanto, devo re­conhecer que a jurisprudência e a doutrina dominantes no Brasil têm sido no sentido de que essas leis devem ser interpretadas es­tritamente. Tenho dúvidas, por isso, na aplicação quanto à inci­dência do impôsto. O fato, não o contesto. Não se pode negar a existência de auferição de lucro, mas não reputo que se possa apli­car à espécie, a lei invocada pelo Fisco, senão por analogia ou pa­ridade. O eminente Sr. Min. Cunha Mello, para sustentar, em bases mais sólidas, o seu voto, en­veredou um pouco no caminho dos doutrinadores que sustentam

a possibilidade e a perfeita exe­qüibilidade da interpretação ana­lógica.

O Sr. Min. Djalma da Cunha Mello - Mas disse que não era necessário no caso de que se trata.

O Sr. Min. Sampaio Costa -Perfeitamente. O Sr. Min. EI­mano Cruz sustentou o seu voto eximindo-se até dessa questão, porque verificava - salvo não ter entendido perfeitamente - que não havia necessidade de interpre­tação analógica diante dos textos da lei.

O Sr. Min. Elmano Cruz Muito bem.

O Sr. Min. Sampaio Costa Mas, permitam-me S. Ex.as

, com seu alto espírito de cultura e de experiência no traquejo do jul­gar, que divirja não empanando o brilho dos votos produzidos, e fique à margem, vencido, por uma convicção de ordem doutrinária. Assim, julgo procedente a ação, porque tenho para mim que não posso aplicar ao caso a lei invo­cada pelo Fisco, por meio de in­terpretação analógica ou por pari­dade. Não vejo na lei dispositivo que taxe o sócio, e aí seria o caso de taxação do sócio, nem que se reporte ao caso, claramente, para sujeitá-lo à incidência tributária. J ulgando-a, porém, procedente, eu não eximo do pagamento o sócio contribuinte, se, porventura, o Fis­co tiver razão e fôr buscá-lo. O que eu contesto, ou por outra, o que não aceito é que, com funda­mento no art. 8.°, do Decreto-lei n.o 4.178, de 1942, se proceda à cobrança fiscal, tal como foi feita.

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Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: A Turma, por maioria de votos, negou provi­mento ao recurso, contra o voto do Sr. Min. Sampaio Costa que

dava provimento ao mesmo, para julgar procedente a ação. Usa­ram da palavra o advogado An­dré de Faria Pereira, pelos ape­lantes e o Ex.mo Sr. Dr. Alceu Barbêdo, Subprocurador-Geral da República, pela União Federal.

APELAÇÃO CíVEL N.O 1 - DF. 4

(Embargos)

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Henrique d'Ávila Embargantes - Anderson Clayton & Cia. Ltda. Embargada - União Federal

Acórdão

Impôsto sôbre a renda. Exegese do preceituado nos arts. 8.°, letra d, e 97, letra a, do Decreto-lei n.O 4.178, de 13 de Março de 1942, em consonância com () disposto no art. 100, do mesmo Decreto.

Sociedade por quotas. Aumento do valor nominal dessas às expensas

de recursos retirados ao fundo de reserva social. Se­melhante operação, face a legislação pertinente, não pode deixar de ser havida como verdadeira distri­buição de lucros acumulados, sujeitos, por isso mes­mo, à tributação.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Embargos na Ape­lação Cível n.o 1, do Distrito Fe-

* Nota da Redacão - Confirmado o Acórdão pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, que, pela sua Primeira Tur­ma, à unanimidade, não conheceu do Recurso Extraordinário n.o 15.949, julgado em 18-9-50, Relator Min. Ma­cedo Ludolf. Ementa: "Impôsto de Renda; sua incidência legítima sôbre lucros acumulados de sociedade comer­cial distribuídos a sócios residentes no estrangeiro, como aumento de capital individual; conceituação legal a respei­to de capital individual; conceituação legal a respeito, sem caracterizar-se o aspecto da interpretação extensiva, por analogia ou paridade, realmente vedada em matéria fiscal; extraordinário inca­bível". Acórdão publicado no Diário de Justiça de 16-7-1952, pág. 3.113/4.

deral, em que são embargantes Anderson Clayton & Cia. Ltda., e, embargada, a União Federal:

Acordam os Ministros do Tri­bunal Federal de Recursos, em desprezar, por maioria de votos, os embargos, em conformidade com as notas taquigráficas juntas que constituem parte integrante do presente julgado. Custas ex lege.

Rio de Janeiro, 2 de Junho de 1949. - Afrânio Antônio da Cos­ta, Presidente; Henrique d' Avila, Relator.

Relatório

O Sr. Min. Henrique d'Avila (Relator) - A ora embargante

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promoveu ação ordinári.a contra a União para anular o ato da Dele­gada do Impôsto de Renda de São Paulo, pelo qual foi compe­lida a pagar a importância de Or$ 7.200.000,00, a título de im­pôsto de renda, decorrente de aumento de capital, tributo êsse, no seu entender, indevido frente a legislação fiscal em vigor.

A ação em aprêço, após correr seus: trâmites legais, veio afinal a ser julgada improcedente pela ve­ne:randa decisão, que decorre de fls. 120 a 128 dos autos.

Inconformada, apelou a autora, ora embargante, tempestivamen­te, para êste Tribunal de Recur­sos, que pelo Acórdão de fls. 269 - proferido a 2 de Setembro de 1949 por sua Egrégia Primeira Turma, e da lavra do eminente e culto Min. Cunha Mello, negou provimento ao recurso interposto, por maioria de votos, desde que vencido ficou o eminente Min. Sampaio Costa, que dava pelo pro­cedência da ação. Daí, os presentes embargos, tempestivamente ofere­cidos pela autora e articulados exaustiva e eruditamente por seu patrono, de fls. 270 a 292. Pre­tende a embargante com êles a reforma do venerando julgado pelos motivos já aduzidos no cor­rer do pleito, e que podem ser resumidos como se segue: que a embargante é uma sociedade por quotas; que, seus sócios, ao invés de retirarem seus lucros lançados ao fundo de reserva, resolveram aplicá-los, à proporção que eram apurados em balanços anuais, na indústria da própria emprêsa -instalação de maquinismos para beneficiamento de algodão e seus subprodutos, usinas para distila-

ção de óleo de caroço de algodão, vagões-tanques para o seu depósi­to e transporte - aperfeiçoando destarte a produção para o con­sumo interno e para exportação, concorrendo, assim, para a prospe­ridade nacional; que os lucros apurados, sôbre os quais foram pagos regularmente os impostos de renda devidos, atingiram du­rante vários exercícios, a soma de Cr$ 90.000.000,00 e foram, inte­gralmente, invertidos na indústria da embargante, mas continuaram não obstante lançados na conta "fundo de reserva"; que êsse fundo de reserva, como é óbvio, deixou pràticamente de existir, razão por que ela, embargante, para corrigir essa anomalia de sua escrita, resolveu transferir a im­portância em questão para a conta de capital, elevando, na mesma proporção, o valor nominal das quotas; que com a adocão de se­melhante expediente ~ão sofreu qualquer alteração o valor real ,das quotas, deixando, ,apenas, a escrita de consignar a existência de um fundo de reserva em di­nheiro que inexistia, uma vez que houvesse sido, anteriormente, em­penhado na aquisição de bens so­ciais; que, assim sendo, só por inadmissível ficção, se pode dedu­zir daquele lançamento o aumen­to do valor real das quotas; que, agindo, como sempre, com obser­vância das leis e acatamento às

autoridades, consultou, ela, em­bargante, a Delegação Regional do Impôsto de Renda de -São Paulo, que resolveu ser devido o impôs­to de acôrdo com os arts. 8, le­tra d e 97, letra a, do Decreto-lei n.o 4. 178, de 13 de Março de 1942; que, não obstante, não po-

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de ela, embargante, conformar-se com semelhante entendimento, certa como está, de que o ganho do sócio só é tributável quando se incorpora ao seu patrimônio individual, isto é, quando a socie­dade lhe paga, credita, emprega, remete ou entrega o rendimento (art. 100, do Decreto-lei 4.178); que, na espécie, nada disso ocor­reu; que, tanto a sentença apela­da como o venerando Acórdão que a confirmou, aplicaram à hi­pótese dispositivo fiscal que re­gula o impôsto devido por acio­nistas de sociedades anônimas, quando tais sociedades são intei­ramente diversas e inconfundíveis com as de responsabilidade limi­tada e por quotas; que é princí­pio consagrado pela nossa tradi­ção jurídica que as leis penais e fiscais se interpretam restritiva­mente e não se aplicam por ana­logia; que o impôsto reclamado, e arbitTàriamente designado de "majoração de quotas" não se ampara, assim, nos postulados da legislação fiscal, e procura abrigo em preceitos de analogia e pari­dade, inaceitáveis na espécie em debate.

Passando à crítica propriamen­te dita do aresto embargado, as­severa a embargante, em síntese, o seguinte: que o voto do emi­nente e ilustre Relator afirma que o capital foi aumentado de 10 pa­ra Cr$ 100.000.000,00, o que é verdade, o mesmo não se podendo dizer entretanto quanto à segunda afirmação contida naquele voto, de que as quotas sociais ficaram valendo dez vêzes mais; que, na espécie, é verdade, a incidência te­ria resultado do fato do aumento de capital ter sido realizado com

lucros retirados do fundo de re­serva, mas, não é menos certo, que êsse fundo de reserva não saiu do acervo social para se incorporar ao patrimônio individual dos só­cios; que, no caso referido pelo eminente Relator, objeto de Acór­dão do Egrégio Supremo Tribu­nal Federal, o fundo de reserva saiu do patrimônio social e pas­sou ao do sócio, hipótese em que é devido, sem sombra de dúvida, o impôsto de renda; que os votos proferidos naquele Acórdão do Tribunal Excelso esclarecem bem a hipótese controvertida, e de mo­do a invalidar a interpretação que lhe deu o nobre Relator do Acór­dão embargado; que o eminente Min. Castro Nunes, afinando com o pronunciamento de seus pares, advertiu que: "A integrali­zação de ações com recursos ti­rados do fundo de reserva é lucro tributável."

E o Min. Aníbal Freire, por sua vez, asseverou que: "Não se con­testa que o fundo de reserva do Banco ficou desfalcando de enor­me parcela em favor dos acionis­tas. Êstes tiveram efetivo incre­mento do valor do seu patrimô­nio, princípio direto da imposição fiscal."

E, finalmente, conclui a embar­gante por afirmar que, na espécie tendo havido mero aumento do valor nominal das ações, por isso que o fundo de reserva não saiu do ativo social, mas continuou nêle, transformado em maquinaria e benfeitorias, não é possível a equiparação de duas situações dis­tintas para idêntico julgamento.

Acrescentando a seguir que: I - O voto vencido sintetizou,

com sabedoria, a doutrina que ela

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embargante veio sustentando des­de o início do feito e manteve o princípio da não aplicação analó­gica da lei fiscal; razão por que espera sejam recebidos seus em­bargos para os efeitos visados.

O ilustrado Dr. Subprocurador Geral de fls. 296 a 298, impugnou ditos embargos nos têrmos que se seguem, na íntegra: "Apaixonado demais no debate, como se esta fôsse, também noutro aspecto,. a Apelação n.o 1 da sua longa,. d~g­na e brilhante atuação prOflSSlO­nal, o ilustre advogado leu de mais ou leu de menos no Parecer da Subprocuradoria-Geral da Re­pública, desde que nêle encontrou a confissão de que a lei fôra apli­cada por analogia, blasfêmia que fêz eriçar a fina sensibilidade ju­rídica do nobre advogado da Ape­lação n.o 1, a teor do que, geral­mente, acontece quando o giz cor­re enviesado na lousa ...

Entretanto, escrevemos certo. A fls. 219, citamos, expressa­

mente, o dispositivo (art. 8.°, le­tra a, do Dec.-Iei n.o 4.178, de 13 de Março de 1942) que, a nosso ver, ampara a pretensão fiscal.

Analogia - extraída da letra d, n.o 11, do mesmo artigo - bem como alusões aos lucros astronô­micos auferidos pela firma - e foram realmente, astronômicos -, ., surgiram no debate a simples ti-tulo de maior explanação do as­sunto granum salis com que habi­tualmente são temperados pare­ceres e arrazoados.

E aliás o nobre advogado não , , escapou a essa boa norma, q~a?­do procurou aguçar o nosso CIVI~­mo e principalmente, o dos JUl­zes: c~ntando a benemerência dos fins a que se destinaram os ....

Cr$ 90.000.000,00 pertencentes ao fundo de reserva da firma agora embargante. Também granum salis.

Per nari refedur ... H - O voto incisivo e brilhan­

te do eminente Min. Djalma da Cunha Mello apreciou com notá­vel acuidade o caso dos autos.

Dentro da finalidade do impôs­to de renda, que é a de taxar o lucro, venha donde vier, não há como enveredar em sentido diver­so do prevalente no venerando Acórdão embargado, porque, como relembra o Min. Cunha Mello, de­cidir de forma diversa represen­taria "colisão com a lei, com os fatos e com os algarismos", fe­chando-se os olhos "à noção, tão rudimentar, dos lucros taxáveis."

E, afinal, o que a autora pre­tende é tirar do lucro, cuja exis­tência, em algum momento, nem ela mesma contesta, a feição pró­pria e imanente, por um simples e simplista jôgo de escrituração, como se fôsse possível - disse­mos no parecer de fls. 211/219 - pela alteração do rótulo, con­siderar que é água o vinho con­tido no recipiente.

IH - O próprio voto vencido do eminente Min. Sampaio Costa - de quem divergimos sempre com pesar, pela estima e admi­ração que lhe consagramos - não nega, como não podia negar, a existência de lucro.

Leia-se a fls. 266, textualmen­te: "não se pode negar a existên­cia de auferição de lucro" etc.

Ora, havendo lucro, há impôsto. Isto é da essência do tributo,

consagrado já no art. 1.0 do Regulamento então vigente e em

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todos os outros, anteriores e pos­teriores àquele.

E, dispensando o impôsto, ape­sar disso ter-se-ia por analogia ou paridade, admitido uma isen­ção.

Mas, nesse passo, outra dificul­dade mais séria e profunda se apresentaria dentro do conceito velho e conhecido de que em te­ma de isenção há de exigir-se re­ferência expressa da lei.

Então sim - admitida a isen­ção - o giz escreveria enviesa­do ... " (fls. 296 a 298).

Os votos vencedores e o ven­-cido serão por mim lidos e ana­lisados por ocasião do julga­mento.

É o Relatório.

Voto

O Sr. Min. Henrique d'Avila (Relator) Sr. Presidente, a embargada exigiu, na espécie con­trovertida nos autos, da embar­gante, o pagamento do impôsto de renda correspondente à majora­ção nominal em décuplo das quo­tas de seus sócios; majoração essa feita às expensas de seu vultoso fundo de reserva estimado no va­lor de Cr$ 90.000.000,00.

Tal fundo de reserva, como é óbvio, se constituiu. de importân­cias provenientes de lucros não distribuídos por conveniência dos sócios, e, por isso, não tributados quando verificados pelos meios contábeis regulares.

O aumento, portanto, das quo­tas ou ações à conta de recursos retirados do fundo de reserva, não pode dei:z;ar de setr considerado para os efeitos fiscais como ver­dadeira distribuição de reservas acumuladas, de vez que tais re-

cursos passam, indiscutivelmente, do patrimônio social para o dos portadores de quotas ou acões.

Sem dúvida alguma que ~ houve valorização das quotas, decorren­te do próprio acréscimo do acervo social e da ampliação e aperfei­çoamento dos meios com que pas­sou a operar a embargante, com possibilidades multiplicadas de êxito em sua indústria. E do en­riquecimento do patrimônio co­mum resultou, sem dúvida, a maior valia do patrimônio indi­vidual dos co-participantes. O eminente Sr. Min. Relator do Acórdão embargado lembrou, com muita propriedade, citando a propósito o erudito pronuncia­mento de Aníbal Freire, em seu trabalho Pareceres e Votos, edi­ção de 1948, que nas sociedades de capital limitado, a decisão da maioria, modificando o contrato, obriga a minoria, e, esta, não se conformando, resta-lhe, apenas, o direito assegurado pelo art. 15, do Decreto n.o 3.708, de 1919, ou seja, o de retirar-se da sociedade obtendo o reembôlso da quantia correspondente ao seu capital, na proporção do último balanço apro­vado; o que importaria no caso concreto em se admitir uma vez vitoriosa a tese brilhantemente sustentada pelo insigne patrono da embargante, pudesse qualquer quotista retirar-se, com seu patri­mônio individual decuplicado, às expensas de lucros subtraídos ao fundo de reserva, e a coberto de qualquer tributação fiscal. Des­procede a alegação de que só por analogia ou paridade se poderia estender às sociedades por quotas as normas disciplinadoras das so­ciedades por ações. O Decreto

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n.O 20.900, de 1931, como muito bem salientou o Sr. Min. Elmano Cruz, já mandava estender a tais sociedades as normas pertinentes às sociedades por ações. A ques­tão, em meu entender, Sr. Presi­dente, não se reveste da comple­xidade que lhe pretende empres­tar o nobre patrono da embar­gante. Foi ela bem apreciada e decidida pelo venerando Acórdão embargado. A incidência do tri­buto prevista no art. 100, do De­creto-lei n.o 4. 178, na hipótese controvertida, se me afigura legí­tima, a cavaleiro de qualquer dú­vida razoável, razão por que, man­tenho, Sr. Presidente, por seus próprios e jurídicos fundamentos, ° julgado incriminado, rejeitando os presentes embargos.

É o meu voto.

Voto

O Sr. Min. Djalma da Cunha Mello - No julgamento da Ape­lação Cível n.o 1, que teve lugar em 2-9-48 e de que fui Relator, proferi o voto seguinte:

"Nada impede o conhecimento do recurso manifestado no tempo próprio e com observância do dis­posto no Código de Processo Ci­vil, arts. 820 e 821. Passo, por con­seguinte, a perquirir-lhe o mérito.

Uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, feito o balanço anual, lançava à conta de "fundo de reserva" avultados lu­cros do seu comércio e indústria, após pagar impôsto de renda de 6% sôbre tais auferimentos.

Por êsse caminho, ao fim de cinco anos, creditara ao "fundo de reserva" Cr$ 90.000.000,00.

Tiveram por bem, então, nessa altura, os sócios, pretextando ne-

cessidade de corrigir contradições e aparente irregularidade da es­crituração da casa, passar êsses Cr$ 90.000.000,00 do "fundo de reserva" para conta de capital.

E assim foi feito, sem estado larvar algum, de um jato.

Para o contribuinte, disso lhe não poderiam advir reclamos fa­zendários, exigências tributárias.

Havia pago, sôbre os lucros, an­tes de escriturá-los na conta "fun­do de reserva", os preditos 6 % de impôsto de renda. Nada mais devia.

O Erário Federal, todavia, se eriçou com o gesto simplório da emprêsa em referência, e veio co­brar, da mesma, de diferença de impôsto de renda sôbre os men­cionados Cr$ 90.000.000,00, .... Cr$ 7.200.000,00.

Apegou-se a autoridade fiscal à circunstância de que, após aquê­les movimentos de contabilidade, o capital da firma, que era de .. Cr$ 10.000.000,00, subira a .... Cr$ 100.000.000,00, e bem assim ao fato de que cada quota social ficara valendo dez vêzes mais.

Procede a pretensão do Te­souro.

O impôsto de renda, ao tempo dos fatos sôbre que versa a de­manda, era regulado pelo Decre­to-lei n.o 4.178, de 13 de Março de 1942, que tributava sociedade e sócio, êste pela renda que lhe fôsse distribuída, aquela pela ren­da realizada.

A própria petição que deu co- . mêço à lide apresenta um exem­plo, que bem auxilia a rápida compreensão do assunto.

Tendo distribuído um dividen­do aos quotistas, pessoas residen­tes no Exterior, a firma pagou 8%

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de impôsto de renda sôbre o quantum respectivo, ou seja, .. . Cr$ 959.712,00, .............. . Cr$ 11.996.400,00, remetidos. Isso acrescente-se, sem embargo dos 6% de impôsto de renda, que antes havia desembolsado a socie­dade, pela renda realizada.

Desta feita, a distribuição mon-tava à quantia de ............ . Cr$ 90.000.000,00 e custaria, de impôsto de renda complemento, aos sócios, Cr$ 7.200.000,00.

Cogitou-se então de corrigir a escrita, de aumentar capital social e valor de quotas. O dinheiro pas­saria do "fundo de reserva" para a conta de capital, vindo aumen­tar de Cr$ 10.000.000,00, para Cr$ 100.000.000,00, êsse capital e vindo dar um valor "nominal", dez vêzes maior, a cada quota. Ne­nhum impôs to a pagar pretendia a apelante, afirmando que "os quotistas não receberam importân­cia alguma, não houve distribui­ção de novas quotas, nem integra­lização das anteriores".

Mostrou-se entretanto atilada a diretoria do Impôsto de Renda, conforme mencionamos.

Em voto proferido em 30 de Abril de 1945, no julgamento da Apelação Cível n.o 8.449, do Rio Grande do Sul, um Juiz da Su­prema Côrte, o ínclito Aníbal Frei­re, teve ensejo de dizer, ao pro­pósito de integralização de ações com recursos tirados do fundo de reserva, e dizer sem qualquer con­tradita dos seus eminentes Pares, que - "o essencial é o exame do nosso regime fiscal". "Por êste, se­gundo a sua expressão legal, tudo que provier do fundo de reserva, seja qual fôr a sua forma, está sujeito à tributação. Não se con-

testa que o fundo de reserva do Banco ficou desfalcado de enorme parcela em favor dos acionistas. 1!:stes tiveram efetivo incremento do valor do seu patrimôniQ, prin­cípio diretor da imposição fi.scal em debate".

Ali, eram apenas .......... . Cr$ 12.500.000,00. Aqui, são .. . Cr$ 90.000.000,00.

Num caso e noutro, o "fundo de reserva" recebeu, padeceu ter­rível sangria em favor dos acio­nistas naquele, dos quotistas neste.

Quotista que teve com dinhei­ro do. "fundo de reserva" aumen­tado de dez vêzes o valor "nomi­nal" da sua quota, não teve efe­tivo incremento do valor do seu patrimônio, "princípio diretor da imposição fiscal em debate?"

De respo.nder com palavras de Filadelfo Azevedo, no mesmo jul­gamento do Supremo Tribunal, há pouco citado: "Realmente, não se­ria possível destacar a hipótese dos autos para diferenciá-la do princípio de que o lucro eviden­temente distribuído aos acionistas estaria sujeito à taxação. Não im­porta que o capital tivesse aumen­tado ou que fôsse o lucro dado de prêmio às antigas ações; equi­valeria isto ao pagamento do que o acionista ainda devia, para in­tegralizar as suas próprias ações. Fazer a separação entre "fruto" e "capital", para considerar as re­servas como "capital" seria susten­tar uma espécie de geração espon­tânea: capital gerado sem causa.

Nem o argumento usado, de que, no caso da fiança, quando o fiador deixa de pagar isso, impor­taria em aumento do seu patri­mônio, improcede pela evidente

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ausência de lucros. De qualquer maneira, a distribuição do "fun­do de reserva" na sua íntegra ou em parte, em benefício do acio­nista que poderia, assim, transmi­tir a terceiros ações integralizadas ou, pelo menos, com débito infe­rior ao existente antes da distri­buição, constituiria lucros.

De modo que, se não houve imediato aumento do preço na co­tação do mercado de títulos, isso não importa em negar a vanta­gem advinda ao acionista, que po­deria alienar ditas acões sem o débito correspondente; o que cor­robora a intenção do fisco de, le­gitimamente, reclamar a partici­pação do impôsto.

Restaria ainda um argumento que, a meu ver, poderia prevale­cer em tese: o de que a. reserva já estava constituída antes que se criasse tal tributação. Entretanto, como o seu nome indica, o "fundo de reserva" é constituído por so­mas condicionadas às necessida­des de certos fins como os de su­prir prejuízos e atender a circuns­tâncias supervenientes. Enquanto ditas reservas estivessem subordi­nadas ou dependentes de tais con­dições, não estariam sujeitas à tri­butação por anteriores à lei; mas, dês que se apartaram da socieda­de, evidentemente não mais po­diam atender aos fins eventuais da pessoa jurídica, passando à propriedade dos próprios sócios componentes da sociedade. Na realidade, êste foi o fato nôvo, sem conexão com a anterior separação de lucros para um fundo de re­serva, com fins eventuais previs­tos pela assembléia, ou com fins a que a própria lei atende, obrigan­do tôda a sociedade anônima a

ter certa reserva, segundo firmou a nova lei sôbre o assunto".

Ponha-se de parte as nugas que diferenciam as hipóteses. Importa ressaltar, nos dois votos referidos, o seguinte:

1.0) - Tudo que provier do "fundo de reserva, seja qual fôr a forma", está sujeito à tributação.

2.°) - Do momento em que com dinheiro do "fundo de reser­va" o sócio aumentou de dez vê­zes o valor da sua quota, poden­do transmiti-la a terceiros com lu­cro enorm~ssimo, é inconcutível, houve uma distribuição evidente de lucros, com desfalque do fun­do de reserva, com efetivo incre­mento do valor do patrimônio do sócio, princípio diretor da imposi­ção fiscal.

No seu livro Pareceres e Votos (ed. 1948, págs. 193 e 194), o próprio Min. Aníbal Freire escre­ve sôbre sociedade por quotas de responsabilidade limitada, deixan­do evidente como é fácil ao sócio, em uma tal sociedade, deixá-la, embolsado da sua quota pelo nôvo valor:

"Em relação, aliás, às socieda­des por quotas, de responsabilida­de limitada, o assunto está regu­lado de modo expresso. O art. 15, do Dec. n.O 3.708, de 1.0 de Janei­ro de 1919, confere aos sócios que divergirem da alteração do con­trato social "a faculdade de se re­tirar da sociedade, obtendo o reembôlso da quantia correspon­dente ao seu capital, na proporção do último balanço aprovado".

Há neste sentido manifestacões positivas da jurisprudência pátria. A então Côrte de Apelacão do Distrito Federal, em Acórdão de

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14 de Maio de 1935, no Agravo de Petição n.o 9.842, decidiu:

"Nas sociedades de capital li­mitado, a decisão da maioria, mo­dificando o contrato, obriga a mi­noria, e esta não se conformando, tem o seu direito assegurado pelo art. 15, do Dec. n.o 3.708, de 1919, como muito bem ensina Villemor Amaral, no seu livro So­ciedades Limitadas, n.OS 247 e 214 (Arquivo Jt..-diciário, volu­me XXXV, pág. 223)".

No Agravo Comercial n.o 2.221, o Tribunal de Relação do Estado do Rio, em Acórdão de 19 de Agôsto de 1930, em relação ao pedido de um sócio para a disso­lução de uma sociedade por quo­tas, sentenciou que a maioria tem o poder de decidir, competindo apenas ao sócio dissidente, se lhe aprouver, retirar-se com a quota e lucros existentes (Arquivo Ju­diciário, vol. XV, pág. 511).

Não é para desprezar a consi­deração que a sociedade em aprê­ço de sociedade por quotas de res­ponsabilidade limitada passe a ser sociedade anônima. Conhecidas as afinidades entre êsses dois tipos de sociedade, verifica-se que a de­cisão da maioria nem sequer aten­ta contra quaisquer princlplOs doutrinários (Reinsheimer -De­recho Mercantil, versão espanho­la, 1933; Navarrini, Trattado di Diritto Commerciale, tomo 2.°, 1937).

A propósito, Carvalho de Men­donça ensina que as sociedades por quotas constituem uma varie­dade da sociedade anônima, por­quanto na sociedade anônima o capital é dividido por ações e na sociedade limitada por quotas, 10-

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cuções que têm o mesmo valor, diferença meramente formal. (Tratado de Direito Comercial, tomo 3.°, n.o 358)".

Aqui, na situação in concreto, sairia o sócio embolsado duma quota tornada dez vêzes maior, com lucros tirados do "fundo de reserva", lucros escapos ao impôs­to de renda, se a Fazenda não tivesse vindo, solícita, reclamar o tributo, logo que ciente das alte­rações que o contribuinte proce­dera em sua contabilidade, em seus livros, para corrigir a situa­ção, que achava contraditória, da sua escrita.

Curioso é que, já nesta deman­da, a autora defende a intangibi­!idade do capital social, defesa que seria dispensável se o capi­tal social não estivesse enriqueci­do por lucros tirados do "fundo de reserva"... Vê-se, daí, que o Fisco estava num dilema - ou exigir o impôsto de renda na oca­sião diante da metamorfose con­tábil aludida, ou nunca mais po­deria tocar no assunto, especial­mente depois de cinco anos ...

O estatuto do contribuinte não é passível de entendimento diver­so do estatuto de qualquer de­vedor.

Nos países anglo-saxônios, tri­buta-se a renda produzida na so­ciedade de molde a compensar sua exoneração do tributo comple­mento.

A capitalização dos lucros é por isso isenta de nova tributação. Já se pagou, por ela, antecipada e previdentemente.

Entre nós a capitalização dos lucros e reservas é fiscalmente as­similada a uma distribuição de lu-

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cros. o Erário carece de exercer uma maior vigilância.

Não receberam, os sócios que integram a apelante, nas primei­ras oportunidades, os lucros. Acumularam êsses lucros, sem des­pender, é claro, a segunda parte do impôsto, o impôsto sôbre o sócio, descontável na fonte (êles resi­dem no Exterior), pois que foram creditados êsses lucros ao "fundo de reserva". Mais tarde, com ês­ses lucros do "fundo de reserva", aumentaram de dez vêzes o capi­tal, de dez vêzes o valor das quo­tas, e pretendem, nesta demanda, que um Juiz declare que êsses fa­tos não importaram numa distri­buição de lucros, não acarretaram vantagens à sociedade e aos ,. lO;>

SOCIOS •••

Quota de Cr$ 1.000,00, com lucros retirados ao "fundo de re­serva", ficou valendo, nominal­mente, Cr$ 10.000,00, e o quotis­ta não teve vantagem?

Capital social passa de ..... . Cr$ Cr$ 10.000.000,00 para ... . Cr$ 90.000.000,00, com dinheiro, com lucros tirados da conta "fun­do de reserva" e a sociedade e só­cios não tiveram vantagem?

A sentença apelada não poderia dizer que sim. Se o fizesse, teria entrado a colidir com a lei, com os fatos e com os algarismos, te­ria fechado os olhos à noção, tão

rudimentar, de lucros taxáveis. Atuou com acêrto, com justeza,

o Juiz a quo, tendo por improce­dente a ação.

Nego provimento ao apêlo."

Rejeito os embargos com base nesse voto, cujos fundamentos o ilustre patrono da embargante não conseguiu abalar.

Voto (Vencido)

o Sr. Min. Artur Marinho­Sr. Presidente, os autos me vie­ram às mãos dias atrás, por enga­no, na suposição de que era o Re­visor. Também nesse pressuposto, cheguei a examiná-los, fiz estudos e tomei notas, para atuar como Revisor. Começo salientando que o fato narrado pelo advogado, da Tribuna, acêrca da história pri­mitiva até chegar à majoração de cotas, é exato. Está provado. Fêz­-se a história do que aconteceu até se chegar a dez vêzes mais o valor nominal das cotas, uma transformação de fundo estrita­mente econômico, dessas que tan­to o fisco como outros setores da vida e da Administração podem bem alegar como verdadeiro in­terêsse público. Como entraria uma noção de interêsse público em situação assim? Naquelas re­servas que se guardam nas gran­des organizações para reequipa­mento de seu material, função econômico-social típica, sem a qual desapareciam as grandes em­prêsas que produzem o benefício não só dos que estão aderentes a seu legítimo interêsse mas, tam­bém, do fisco e da riqueza públi­ca em geral, que disso se entre­tém. Tanto é assim que, certa vez, quando se pretendia taxar lucros excessivos ou extraordinários, o produto havia que reverter para o equipamento do maquinario in­dispensável a que se mantivesse uma indústria como elemento de riqueza nacional. Meu espírito sempre propenso a examinar ques­tões de interêsse econômico, que entendo constituírem a estrutura social sem a qual não pode pas-

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sar o administrador, leva-me a fa­zer êste primeiro registro. Real­mente - e o exame da escrita o demonstra - ao invés de dissipa­rem o dinheiro que perceberam, os interessados foram deixando que êsse dinheiro se acumulasse, e depois aquêle mesmo dinheiro foi transformado em maquinaria, ele­mento social de riqueza, insisto em dizer. Mais tarde, verificando-se que existia êrro técnico de escrita, aquêle mesmo êrro de escrita foi corrigido. Na correção, o patri­mônio da sociedade se manteve íntegro, sem maior nem menor en­riquecimento, enriquecendo, entre­tanto - eis a verdade, e é daí que resulta um embaralhamento das circunstâncias - valôres ou ele­mentos econômicos que, mais tar­de, reverteram em lucro de maior, pela movimentação do capital e do trabalho, em favor de quem os estava dirigindo. Foi isto que, muito adequadamente, neste ins­tante, o Relator chamou de mais valia. Mais valia no sentido clás­sico e não no sentido de um fa­moso manifesto de 1848. Ora, Sr. Presidente, se esta história ex­pressiva e documentada nos autos é mesmo assim e se todo lucro deve, naturalmente, dar sua con­tribuição para o fisco, que não pode sofrer evasão, teríamos que procurar, dentro dos elementos da lei fixadora do fenômeno econô­mico, em casos como êste, como taxar. Então entrariam em causa os arts. 8.°, b, do Decreto-lei n. ° 4.178, e, em seguida, subsidià­riam ente, os arts. 97 e 100 dês­se mesmo Decreto-Iei. Certa feita, Miguel Couto dava uma aula a seus alunos - não fui aluno de Medicina de Miguel Couto, mas

li sua obra Clínica Médica - e disse mais ou menos que por uma receita se poderia julgar da signi­ficação ou valor profissional de um clínico. Então, se essa receita se enche de ingredientes que fa­zem do doente verdadeira cobaia, salvo os casos permitidos, o mé­dico nada sabe. A natureza fica tonta com êsse excesso de ingre­dientes e não sabe a que ordem obedecer. O caso dos autos é uma situação perfeitamente parecida, um excesso de invocação de dis­posições legais, que tornam ton­tos o aplicador da lei, o seu in­térprete e os puros observadores. Essa a situação de luxo de cita­ções legais, que, ao ver do fisco. têm, cada uma, função específica. mas que, em conjunto, nada sig­nificam, porque o significado bá­sico do art. 8.° é mesmo aquêle que se refere apenas à majoração de quotas, problema exposto em têrmos simples e que não se po­deria, sem mudança daquilo que vimos mantendo em preceito, transformar em valor de ações novas. Não direi, do ponto de vista comum, como o eminente advogado, da Tribuna, que o fis­co inventou a majoração de quotas mas direi alguma coisa que, afi­nal de contas, dá no mesmo: o fisco interpretou o que é valor de ações novas em majoração de quotas - e foi isto que impressio­nou profundamente o eminente Sr. Min. Sampaio Costa, que ce­deu a um princípio clássico de di­reito, entendendo que, num caso. dessa natureza, não se interpreta­ria o direito fiscal por analogia. Não conheço interpretação analó­gica mais bem caracterizada do que aquela com que o fisco bai-

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xou a tese da lei ao caso concreti­zado nos autos, porque, realmen­te, quando se considera que ação é mesmo uma coisa e quota é ou­tra, nem há dúvida, em princípio, de que aí começou a interpreta­ção extensiva. Não é somente por­que a ação é alguma coisa que se traduz num direito real - quer dizer, a posse de um título -enquanto que a quota não. Não é ainda por aí. Não é, também, pelo fato de, aos casos de sociedades por quotas, se aplicarem muitas das regras de sociedades anônimas, porque é uma verdade que, antes de ser legislada em 1931, já era um lastro de doutrina.

De modo que o eminente Sr. Min. Elmano Cruz, quando lem­brou a legislação de 1931, fêz muito bem.

O Sr. Min. Elmano Cruz - Perdôe-me V. Ex.a A legislação de 1931 é específica do impôsto de renda. A de 1919 mandou apli­car, pelo Decreto 3.708, às socie­dades por ações. A lei já é ante­rior, é de 1919.

O Sr. Min. Artur Marinho - Antes da lei sôbre sociedades por quotas, de 1919, já existia a regra de doutrina que, no ponto, inspirou a lei. Sociedade interme­diária entre a de pessoas e a so­ciedade por capital. E é nisso que eu quero tocar. Se admitirmos a legislação, quer a específica, quer a fiscal, quer a geral, verificamos que muitos princípios são comuns a tôdas. Era ponto pacífico de todos os doutrinadores que os principios eram similares, numa como noutra situação.

O Sr. Min. Elmano Cruz -Mas como se trata de lei fiscal,

não quis procurar analogias, fiquei com a lei.

O Sr. Min. Artur Marinho -Mas não eram analogias porque a lei já existia.

O Sr. Min. Elmano Cruz Mas, em construção doutriná­ria, segundo a interpretação de V. Ex.a, não se pode cobrar o impôsto.

O Sr. Min. Artur Marinho -Não interpretação extensiva.

O Sr. Min. Elmano Cruz - Dá no mesmo porque, pelo que V. Ex.a acaba de expor, a cons­trução doutrinária não autorizava a cobrança do impôsto.

O Sr. Min. Artur Marinho -Não dá no mesmo, V. Ex.a me perdôe. Eu digo: não é pelo fato de se aplicarem muito as tais re­gras em comum às duas nature­zas de sociedade; não é pelo fato das ações representarem títulos, que cedem a direito real, e as quotas não; não é por nada disso que se chega à conclusão a que estou chegando. Logo, V. Ex.a

vem em socorro do ponto de vis­ta que estou sustentando. Nin­guém poderia transformar quotas em ações, majorações de quotas em ações novas.

O Sr. Min. Elmano Cruz - O artigo fala em "ações novas" dis­tribuídas aos portadores de ações nominativas ou "os interêsses su­periores aos lucros e dividendos". Essa segunda parte do artigo, por inadvertência, não foi lida nem por V. Ex.a nem pelo advogado.

O Sr. Min. Artur Marinho -Estou falando no que é substan­cial. Considero a parte final dês­se dispositivo perfeitamente im­pertinente à elucidação da espé-

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cie. Basta a sua leitura para de­monstrá-Io.

Em conseqüência, Sr. Presiden­te, entendo, data venia dos doutos votos vencedores, que é de lógi­ca sem jaça que os embargos de­vem ser recebidos, para restaurar­-se uma situação de direito. Ouvi, também, que o dinheiro que se foi acumulando não foi distribuí­do, por conveniência dos sócios. É claro que sim. Mas já mostrei que essa conveniência dos sócios era coincidente, em substância, não só com um interêsse da so­ciedade a que êles pertencem, mas também com o da economia nacional. E isso, para mim, é tu­do, porque lucra o fisco enrique­cendo aos particulares e reequi­pando a indústria, com isso aju­dando ao aumento de riquezas e conseqüente crescimento da capa­cidade tributária, que avulta em contribuições para manter os en­cargos do Estado.

O contrário é êrro: é o que vem fazendo em várias emprêsas, como a Leopoldina, por exemplo, em que acionistas dissiparam até as reservas técnicas destinadas à re­novação de material. E o resulta­do é essa melancolia, isso que o direito não poderia apoiar.

O direito é apenas um fato so­cial como outro qualquer, apenas mais fixo porque elemento conser­vador por excelência. E é a seu serviço que tôda a engrenagem que constitui interêsse fiscal serve para atender aos altos fins do Es­tado.

É em nome dêsses princípios elevados, e que cedem à lei e à interpretação legítima dada ao as­sunto pelo Sr. Min. Sampaio Cos­ta, que, data venia do brilho com

que se conduziram os Srs. Minis­tros que votaram em contrário, recebo os embargos.

Voto

O Sr. Min. Elmano Cruz -Sr. Presidente, no voto proferido por ocasião da apelação, assinalei que tenho o mau hábito de tomar notas do que diz o advogado da tribuna e, com relação ao advoga­do que falou neste caso, tenho também o dever, porque ao tem­po em que S. Ex.a pontificava na s.a Câmara do Tribunal de Justiça, sempre me ouviu com atenção. Prestando atenção ao que S. Ex.a disse, concluí que in­correu em grave equívoco atri­buindo-me afirmação que não fiz, ao contrário, disse exatamente o oposto.

Declarou S. Ex.a que eu afir­mara pertencer o fundo de reser­va ao sócio e não à sociedade. No meu voto eu disse precisamente o contrário: (lê)

" Pertencem, é certo, ao "acervo social", mas sendo a so­ciedade uma comunhão de inte­rêsse dos sócios que a compõem, sem embargo de sua distinta per­sonalidade jurídica, o engrandeci­mento do acervo social importa matemàticamente na elevação ou mais valia do quinhão do sócio e se esta elevação se opera pela in­versão de lucros até então reti­dos, obviamente o "emprêgo" a que se refere o art. 100, do De­creto-lei n.o 4.178, de 1942, terá lugar, e tributável se torna a ope­racão".

Naturalmente, concluiu que eu tinha afirmado o oposto quando transcrevi um trecho do parecer do Professor Ascarelli. De fato, o

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parecer do Professor Ascarelli, ci­tado pelo próprio advogado da embargante, diz isso, mas a con­clusão é outra. Declarei, aliás, que se o parecer fôsse subscrito pelo ilustre advogado da embargante, me mereceria muito mais acata­mento do que sendo do Professor Ascarelli.

Como declarei ao votar na ape­lação, no caso dos autos não apro­veito ° trecho dado como prepon­derante, no parecer citado, por­que ° seu próprio autor, em outro trecho, assinala que, dada a natu­reza da nossa tributação, em que foi escolhido nôvo sistema - o de tributar parcialmente a socie­dade e parcialmente o sócio - é intuitivo não só que a renda da sociedade constitui a própria ren­da do sócio, como também que a retenção dessa renda em poder da sociedade, aí exonera a sociedade do pagamento do impôsto, não constitui motivo para que se exo­nere o sócio dêsse mesmo paga­mento.

Se eu fôsse o Juiz de Primei­ra Instância, teria julgado a auto­ra carecedora de direito à ação, porque o que ela está querendo impedir é pagamento de impês­to que não lhe cabe pagar. O fis­co está cobrando impêsto devido pelo sócio da sociedade, e não pe­la sociedade.

Eu, que voto, sistemàticamente, contra a taxação pela remessa dos lucros das filiais de sociedades que estão no estrangeiro, não o posso fazer neste caso porque o que se cobra é o impôsto sôbre lucros dos sócios, individualmen­te considerados, e não sôbre os lucros da sociedade, porque esta o teria pago.

O que ocorre no caso é o se­guinte: a sociedade separou, ano a ano, uma importância que se converteu em fundo de reserva. Essa importância foi invertida em instalações. E disse o advogado, da tribuna, que essa importância não é tributável na fonte porque aquêle dinheiro fica confundido no acervo social. Confundido, no caso, significa "incorporado" ao acervo social. De modo que ocor­reria a seguinte situação: a so­ciedade teria um patrimônio de Cr$ 10.000.000,00. Com o acúmu­lo de lucros constituindo fundos de reserva durante 10 anos êsse patrimônio atingiria ......... . Cr$ 100.000.000,00. Aplicadas ou invertidas essas reservas acumu­ladas, o acervo se elevaria logo a Cr$ 110.00.0.000,00. É claro ... Cr$ 100.000.000,00 invertidos e mais Cr$ 10.000..000,00 de capi­tal. Trata-se de simples questão de Aritmética. É como se fôsse um prédio na Avenida Presiden­te Vargas, que tivesse, originària­mente, dois andares, fôsse demo­lido e construído outro de 22 an­dares, com a aplicação de fundo de reserva. Evidentemente o acer­vo da sociedade se elevou na pro­porção dos andares do prédio; evidentemente o patrimônio da sociedade se engrandeceu e, õb­viamente, também se engnmj:1e­ceu o patrimônio dos sócios. E ~s!P sem pagar impôsto não é possível.

Não vejo porque tenha sido a lei aplicada, como se diz, por ana­logia, pois na verdade em mais de um dispositivo do Decreto-lei n.o 5.844, de 1943, encontro base legítima para a cobrança do im­pôsto. Assim, no art. 8.°, que tra-

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ta de discriminação das cédulas, se prevê a cobrança por efeito de valorização do acervo; o art 97, regula a oportunidade da cobran­ça. Não sei, portanto, em face de tão claros dispositivos, porque ha­via o Fisco de recorrer à analo­gia. Reitero, neste momento, o meu voto proferido na Apelação, rejeitando assim os embargos.

Voto (Vencido)

o Sr. Min. Sampaio Costa Sr. Presidente. O meu voto já foi lido pelo eminente Sr. Min. Rela­tor; foi, também, citado pelo no­bre advogado. Estou de acôrdo com o voto do Sr. Min. Artur Ma­rinho e não tenho absolutamente porque modificar o meu entendi­mento. Outrossim, acho que a Lei foi aplicada por analogia. Verifi­ca-se quanto à espécie que não houve nenhuma majoração de ca­pital; houve uma valorização no­minal de ações. Nenhum disposi­tivo da Lei autoriza a taxação dêste ato. Muito menos o art 8.°, do Decreto-lei n.o 5.844, de 1943.

O Sr. Min. Djalma da Cunha M eIlo - Se êle vender a quota vai vender pelo mesmo preço?

O Sr. Min. Sampaio Costa -Se a Lei taxar na ocasião em que houver tal pagamento ...

O Sr. Min. Djalma da Cunha Mello - A lei tem um sentido social.

O Sr. Min. Sampaio Costa -. .. Como dizia, Sr. Presidente, reputo a taxação feita pelo Fisco como sendo por paridade, ou apli­cação analógica. A invocação de que as sociedades por quotas se

regem também, nos casos omissos, pelos preceitos constantes da Lei das Sociedades Anônimas, nada tem que ver com o caso; essa nor­ma diz respeito à constituição e vida dessas sociedades. Trata-se de questão diferente, isto é, da possibilidade de aplicação por analogia da lei fiscal. Estamos em face de um caso concreto - tra­ta-se de sociedade - a que o Fis­co quis impor um determinado tributo, dando-a como incursa em determinados artigos: 1.°) essa incidência não se verificou; o 2.°) - não se trata de valorização de novas ações, nem é caso de apli­cação de quaisquer fundos supe­riores aos dividendos.

O Sr. Min. E1mano Cruz. -Perdão. Houve aplicação de fun­dos e houve valorização do ativo.

O Sr. Min. Sampaio Costa -Acho que o impôsto cobrado aqui é sôbre sociedade.

O Sr. Min. Elmano Cruz -Ao contrário, o impôsto é exigido dos sócios e não da sociedade.

O Sr. Min. Sampaio Costa -Sr. Presidente. Reporto-me ao meu voto anteriormente proferi­do para receber os embargos.

Voto

O Sr. Min. Rocha Lagoa­Sr. Presidente. Ouvi, com a maior a tenção, a brilhante tese expos­ta no voto do Sr. Min. Sampaio Costa, não só por ser meu dever inteirar-me das alegações, aliás dever de todo o Juiz, como prin­cipalmente por ser advogado de uma das partes, antigo colega meu do Tribunal de Apelação, a quem tributo especial considera-

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ção. Ouvi, então, S. Ex.a dizer que há uma distinção manifesta entre a sociedade por quota e sociedade por ações, antigamente chamada sociedade anônima.

Já o Sr. Min. Elmano Cruz, se não me falha a memória, re­tificou êsse ponto invocando o que está expresso no art. 18, da Lei de 1919: "Serão observadas quanto às sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, no que não fôr regulado no estatuto social, e na parte aplicável, as dis­posições da lei das sociedades anônimas.

Evidentemente há um grande parentesco entre elas e, embora cada uma tenha sua fisionomia distinta, entendo, Sr. Presidente, que a questão não comporta a controvérsia que se pretende le­vantar em tômo disso. Sintetizo, em poucas palavras: Trata-se de emprêsa que anualmente aufere lucros; ao invés de distribuí-los na sua totalidade, entendeu, por medida de previdência muito jus­tificada, ir acumulando-os para determinada finalidade. Em certa ocasião, dado o vulto dêsse lucro - cêrca de Cr$ 90.000.000,00 -resolveu a direção da emprêsa aproveitá-lo, investindo-o na aqui­sição de maquinario para renova­ção de seu material. Em conse­qüência, uma quota que valia X ficou valendo X vêzes dez. Os da­dos concretos foram confessados pelo eminente advogado. Não existe, pois, controvérsia sôbre tal circunstância. Ora, sabemos bem que tais quotas são transferíveis desde que haja indisposição entre os sócios, obedecidas as cláusulas

constantes de seus Estatutos, na parte relativa à preferência na aquisição de quotas. E não é difí­cil ao detentor de um certo nú­mero de quotas transferi-las para terceiros. Nesse caso, uma quota, digamos, que valia Cr$ 10.000,00 passaria a valer Cr$ 100.000,00, valoriza-se, sem dúvida, extraor­dinàriamente, ocasionando, por conseguinte, o enriquecimento do quotista, porque, aquilo que fi­gurava em nome da pessoa jurí­dica, do corpo moral, passará a ser lucro, enriquecimento da pes­soa física detentora da quota.

Entendo, por isso, perfeitamen­te aplicável à espécie, o disposto no art. 8.°, lido há pouco pelo Sr. Min. Elmano Cruz, o qual tri­buta os lucros nos têrmos que menCiona. Estou, assim, de acôr­do com o voto do Sr. Min. Rela­tor, acho cabível a cobrança.

Voto (Vencido)

o Sr. Min. Cunha Vasconcellos - Sr. Presidente, também recebo os embargos. Não me impressiona a circunstância do enriquecimen­to, acaso havida, de sócio quotis­ta e sim o fato de não encontrar, na lei, dispositivo que autorize a cobrança, senão na forma por que se a fêz: por aplicação analógica. Jamais admiti, ou admitirei, a aplicação analógica da lei fiscal. A meu ver, a exigência há que ser expressa para efeito de co­brança de impostos. Para não alongar mais os debates, dado que a hora já vai adiantada, voto de acôrdo com os eminentes Mins. Artur Marinho e Sampaio Costa.

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Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Foram despreza­dos os embargos, contra os votos dos Srs. Mins. Artur Marinho, Sampaio Costa e Cunha Vascon-

cellos. Usaram da palavra o ad­vogado André de Faria Pereira, pelos embargantes e o Ex.mo Sr. Dr. Alceu Barbêdo, Subprocurador -Geral da República, pela União. Impedido o Ex.mo Sr. Min. Mou­rão Russell.

APELAÇÃO CíVEL N.o 130 - RS.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Artur Marinho Apelante - Victor Adalberto Kessler Apelada - União Federal

Acórdão

Das rendas brutas de contribuinte do impôsto de renda não são "dedutíveis" despesas ou verbas que a pessoa física tenha desembolsado em conse­qüência de prejuízo pago à firma comercial em li­quidação, a que pertencia. Aquelas despesas não são consideradas perdas extraordinárias no sentido do direito, e se o fôssem seriam "abatidas", o que é coisa diversa de "dedução".

Confirma-se a sentença apelada por seus jurí­dicos fundamentos, além do mais em refôrço, constante dos votos vencedores.

Vistos, examinados, relatados e discutidos os presentes autos de Apelação Cível n.o 130, do Rio Grande do Sul, sendo apelante Victor Adalberto Kessler e ape­lada a União Federal, no julga­mento não tendo tomado parte o Sr. Min. Macedo Ludolf, em face do constante do art. 72, letra a, do· Regimento Interno:

Acordam os Ministros do Tri­bunal Federal de Recursos, em Segunda Turma, por unanimidade de votos, em negar provimento à apelação, conforme o constante das notas ta qui gráficas anexas.

Distrito Federal, em 31 de Ou­tubrode 1947. - Abner de Vas­concellos, Presidente; Artur Ma­rinho, Relator.

Relatório

o Sr. Min. Artur Marinho (Re­lator) - Victor Adalberto Kessler (autor-apelante) pretende a intei­ra reforma da sentença de fls. 68171, do Juiz Sílvio WaHace Duncan, do Rio Grande do Sul, julgando improcedente a ação por êle intentada contra a União Fe­deral (ré apelada).

Sócio da firma Aristides Almei­da & Cia., em liquidação, o ape­lante impugna os lançamentos su­plementares que a Delegacia do Impôsto de Renda daquele Esta­do houve de fazer para cobrar-lhe os impostos respectivos correspon­dentes aos exercícios fiscais de 1935 a 1939, visto como, alega,

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deduziu as importâncias corres. pondentes ao declarar suas rendas porque: a) tais importâncias fo­ram perdas extraordinárias que êle teve de pagar àquela razão social; b) assim o fêz fundado em interpretação administrativa do 1.0 Conselho de Contribuintes e decisão de Ministro de Estado competente, com adequado enten­dimento da legislação fiscal, en­tendimento só modificado depois, por outro Ministro da Fazenda, quando já o ato anterior produzi­ra efeitos regulares para o passa­do, de modo a escapar sua apre­ciação, de meritis, ao contrôle do Judiciário, salvo ilegalidade que não ocorreu em concreto: o ato administrativo de origem se tor­nara irrevogável dado seu discri­cionarismo sensu juris. Em suma: o prejuízo extraordinário é mes­mo dedutível e, no caso, foi dedu­zido conforme direito positivo, in­terpretação legítima, e em harmo­nia com a exata finalidade das leis sôbre impôsto de renda. Em tôr­no dêsses fatos e temas o apelan­te desenvolve extensas considera­ções em defesa de seu recurso (fls. 73 e segs.), da mesma ma­neira por que já o fizera em pe­ças anteriores, juntas aos autos.

Para inteira elucidação do que se há de julgar, é proveitoso saber como o Dr . Juiz a quo situou as questões de interêsse decisório e ponderou-as para sentenciar. É esta a sentença recorrida (fls. cits.) , firmada pelo Dr. Sílvio Wallace Ducan: "Vistos etc. Vic­tor Adalberto Kessler, comercian­te, residente nesta Cidade, propôs, contra a Fazenda Federal, esta acão ordinária, pleiteando a anu­l;ção dos lançamentos suplemen-

tares que a Delegacia do Impôs­to de Renda procedeu em Maio de 1940, glosando as deduções dos prejuízos que o autor sofreu na sociedade Aristides Almeida & Cia.; em liquidação, manifestados nas declarações de renda relativas aos exercícios fiscais de 1935, 1936, 1937, 1938 e 1939.

Diz o suplicante que a glosa daquelas deduções contravém o dispositivo dos §§ 5.°, letra d, e 11, da Lei 4.984, de 31 de De­zembro de 1925 (que alterou o inciso e do item 3.°, do art. 31, da Lei 4.625, de 31 de Dezem­bro de 1922), na parte em que permitia a dedução para o cálculo da renda global, das perdas ex­traordinárias que não tiverem sido compensadas por seguros ou ou­tras indenizações; que, além do exposto, as questionadas deduções obedeceram à jurisprudência até então uniforme do Primeiro Con­selho de Contribuintes e despa­chos do Delegado Geral do Im­pôsto sôbre a Renda e do Minis­tro da Fazenda, Sr. Oswaldo Ara­nha (cf. Diário Oficial, de 11 de Janeiro de 1934), firmando a re­gra de que "prejuízos havidos na liquidação de firmas comerciais das quais o contribuinte é sócio, são dedutíveis de sua renda glo­bal"; que, embora não se enqua­drassem no conceito de perdas ex­traordinárias os prejuízos mencio­nados, de acôrdo com o julgado do Conselho de Contribuintes, mantendo o ato da Delegacia do Impôsto de Renda, fls. 15, 18, 20 v., 23 e 25 v., restaria, como ponto incontroverso na doutrina e jurisprudência fiscais, que "o contribuinte que tenha procedido em consonância com as decisões

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proferidas em última instância pelas autoridades administrativas, não pode ser compelido a fazer quaisquer pagamentos em virtude de nova orientação que se venha a adotar, em substituição de deci­sões anteriores"; que, portanto, se ao Judiciário também parecer ver­dadeira a última inteligência dada a lei em exame pelo Ministro da Fazenda, não deve a dita inter­pretação ser aplicada ao autor com efeito retroativo porque a re­vogação dos atos administrativos é sempre recebida ex nunc e ja­mais ex tunc, e, como conseqüên­cia, a dedução deve ser confirma­da ao menos em relação aos exer­cícios de 1935, 1936 e 1937, épo­ca em que prevalecia a decisão ministerial que a admitia.

O autor instruiu seu pedido com as certidões dos processos de de­claração de renda nos aludidos exercícios fiscais; dos lançamentos suplementares cuja nulidade invo­ca; das decisões administrativas, referentes aos lançamentos em exame, proferidas pelo Delegado do Impôsto de Renda e Conselho de Contribuintes; e das guias de recolhimento, em depósito, para os efeitos do Decreto-Iei n.o 42, dos impostos exigidos.

A ré, representada pelo Dr. Pro­curador da República, alega, na contestação de fls. 41: que o con­ceito exato de perdas extraordi­nárias fixado pelo legislador no inciso c, do art. 31, da Lei 4.625, deve ser sempre subentendido na legislação posterior, citada pelo autor apesar de nesta não se re­petir a exemplificação da primei­ra, fazendo-a derivar de casos for­tuitos ou de fôrça maior, como in­cêndio, tempestade, naufrágio e

acidentes semelhantes a êstes, desde que tais perdas não sejam compensadas por seguros ou in­denizações; que perdas extraordi­nárias só poderão ser oriundas de circunstância estranha à natureza de negócio do contribuinte, não sendo de se compreender como de tal natureza a que está sujeito o comerciante nas transações nor­mais de seu negócio; que, em con­traposição à jurisprudência fiscal que o autor cita, há muitos outros acórdãos confortando a tese es­posada pela contestante.

ítstes, em resumo, os pontos da controvérsia amplamente expla­nados no memorial do autor, que serão examinados a seguir.

Não há dúvida de que os pre­juízos sofridos pelo autor, na so­ciedade comercial de Aristides Al­meida & Cia., nada tiveram de extraordinários. ítles refogem ao conceito de perdas extraordiná­rias, consignado na legislação fis­cal do impôsto sôbre a renda, por­que não podem ser admitidos co­mo inesperados nas especulações do comércio_

É exato que o escopo de lucro alinha-se como um dos caracterís­ticos do comércio, mas não se des­figura o ato de comércio em que falha aquela esperança. Pouco im­porta que o lucro seja ou não rea­lizado. Para caracterizá-lo, basta a sua probalidade, o desejo de auferi-Io. Por isso é que a espe­culação não assegura o êxito da operação, esperando apenas con­segui-lo.

O lucro no comércio, sendo aleatório, jamais se poderá con­ceituar como extraordinário o prejuízo que o comercian!te ex-

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perimente em seus negócios. 1tle não espera ter prejuízos, mas bas­ta estar sempre adstrito a tê-los para que se não enquadrem os mesmos entre as perdas extraor­dinárias a que se refere qualquer dos diplomas legais citados pelo autor. As leis posteriores à de n.o 4.625, não alteraram o sen­tido do preceito contido na le­tra c, item 3.0, do art. 31, ao pon­to pretendido pelo autor.

As deduções admitidas na ren­da global são unicamente as que a lei menciona e, entre elas, não se poderá incluir a dedução pre­tendida.

Por outro lado, enquanto não ocorresse a' prescrição, tinha a ré o direito de rever as declarações de renda e de proceder ao lança­mento suplementar para cobrança do impôsto devido. Esta faculda­de lhe está assegurada pela lei, como se verifica do respectivo Re­gulamento, art. 179 e seus pará­grafos, e não podia ser coartada por interpretações inexatas de qualquer autoridade administrati­va. Não se pode falar aqui de direito adquirido, nem de ato ir­revogável porque, na esfera admi­nistrativa, todos os atos fiscais po­dem ser revistos, até que sofram a crítica do Judiciário.

Quanto ao impôsto de renda, a reforma de interpretação mais fa­vorável ao contribuinte também não fere nenhum direito adquiri­do, pois o contribuinte que paga o impôsto devido, em virtude de interpretação nova, é pela mesma forma onerado, como se desde o princípio essa fôsse a interpreta­ção adotada (Tito Rezende Manual do Imp. de Renda, 2.a

ed., pág. 231).

Isso pôsto, e considerando que os prejuízos havidos pelo autor na sociedade Aristides Almeida & Cia., nos anos de 1934, 1935, 1936, 1937 e 1938, não podem ser conceituados como perdas ex­traordinárias, para o efeito de se­rem deduzidos de sua renda glo­bal; considerando que, não obs­tante ter sido a dedução dêsses prejuízos feita ao amparo de de­cisões administrativas, podia a Delegacia do Impôsto de Renda glosá-la ao efetuar a revisão dos lançamentos que lhe deram ori­gem, pois a faculdade de proceder a nôvo lançamento ou lançamen­to suplementar, só é obstada pela prescrição qüinqüenal, contada da terminação do exercício em que se fizer o lançamento primitivo (art. 179, § 1.0, do Regulamento);

Considerando que a dedução pretendida pelo autor não tem as­sento em lei, e o mais que dos autos consta: Julgo improcedente a ação intentada e condeno o autor nas custas do processo. Pu­blicada em audiência, em 19 de Setembro de 1941".

O ponto de vista da ré é o pro­duzido às fls. 93/94, sustentando aquela sentença, que reconheceu sua defesa anterior (fls. 41/45 e 65/66). Ao tempo em que o jul­gamento do recurso era da com­petência do Egrégio Supremo Tri­bunal Federal, o Sr. Dr. Procura­dor-Geral da República opinou da seguinte maneira (fls. 10 1 ) :

"A ilustrada senfença funda­mentou com muita segurança a tese várias vêzes proclamada pela jurisprudência do Egrégio Supre­mo Tribunal, de que os prejuízos comerciais não são "as perdas ex­traordinárias" dedutíveis no lan-

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çamento do impôsto sôbre a ren­da, o qual se refere a perdas im­previsíveis, causadas por fôrça maior, por um acontecimento ou fato que não esteja na previsibili­dade normal, que não seja de ocorrência comum. A sentença merece, pois, ser confirmada por seus jurídicos fundamentos".

Perante êste Egrégio Tribunal, tornado competente, o Sr. Dr. Subprocurador-Geral da Repúbli­ca reportou-se ao Parecer supra­transcrito (fls. 104 v.), adotan­do-o.

É o Relatório.

Voto

o Sr. Min. Artur Marinho (Re­lator) - Na legislação brasilei­ra referente ao impôsto de renda, sempre foram autorizadas dedu­ções nas rendas brutas de contri­buintes, desde que as despesas ou verbas respectivas a deduzir con­corressem ou se tornassem neces­sárias à percepção do rendimento tributável. Sem certos gastos ex­plicáveis, o contribuinte não pro­duz, ou produz mais ou menos. Anulada ou diminuída sua capa­cidade produtiva, extinguir-se-ia ou decresceria o quinhão arreca­dável para o Erário. Prejuízo pa­ra ambos os lados, o que não é o aspirado pelo direito. Foi conside­rando razões como essas que as leis estatuíram quais as quotas de­dutíveis, conciliando legítimos in­terêsses de contribuintes com os do Fisco: possibilitar, estimular e reconhecer meios adequados pa­ra alcançar fins proveitosos.

Já outra coisa é abatimento que, em linguagem comum, se confunde com dedução, sem con-

tudo ter o mesmo sentido técnico. O direito impõe a distinção que não me consta se tenha procura­do fazer até agora na prática. Abate-se da renda bruta tudo aquilo que, em última análise, não é o ordinário na formação de monta mor, ou o que se torna es­tritamente inseparável de neces­sidades de produtor como indiví­duo sem, entretanto, repercutir di­reta ou imediatamente no negó­cio, atividade ou fonte produtiva de contribuinte.

Na categoria do não-ordinário estão as perdas, objeto de debate nesta demanda? Não me parece. O qualificativo extraordinário nas leis é bem marcante. Prejuízos comuns no comércio, como o opos­to incômodo ao lucro, que ês­se é o intuito de comerciante ao negociar ou ao praticar atos de comércio como profissional, são elimináveis do bruto no processo de cálculo, rematável em apura­do tributável, mas não como de­ducão nem como abate. Já as per­da; extraordinárias comportam outro sentido autônomo: em rea­lidade só são mesmas as deriva­das do fortuito ou da fôrça maior, oriundas, pois, de fatos, aconteci­mentos ou fenômenos imprevistos, acabrunhantes, acima do homem e de sua capacidade de prever e prevenir, donde devem ser abati­das do bruto como uma conduta de profunda justiça, que concilia o direito com a vida. O homem empobreceu-se não porque o qui­sesse ou jogasse discricionària­mente com a sorte, não porque administrasse mal seus negócios, haveres e interêsses, ou resolvesse correr riscos visando a lucros que não vieram. Numa situação as-

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sim, repito, as perdas são extra­ordinárias, e o abatimento é per­mitido, salvo se o prejuízo foi compensado por seguros ou inde­nizações. Aliás, êsse último deta­lhe, pôsto em ressalva legal, con­firma o modo por que aqui se con­cebe o problema, interpretando a lei ou, mais do que isto, o direi­to mesmo.

Nem seria necessário que as leis exemplificassem quais as per­das que se contemplam entre as extraordinárias, para serem com­preendidas . Uma das primeiras resolveu exemplificar (v.g. art. 31, c, da Lei n.O 4.625, de 31-12-1922) e outra recente voltou ao cri­tério exemplificativo (art. 20, c, do Decreto-Iei n. ° 4.178, de 13 de Março de 1942, com orienta­ção continuada pelo Decreto-lei n.o 5.844, de 23-9-1943, art. 20, c) : as que ficaram de permeio consignaram o princípio e isso bastava, até porque, em regra, o exemplo é uma mera maneira de facilitar a inteligência das normas.

Exemplos como aquêles não se revogam por leis posteriores que os não consignem, destarte, ruin­do argumentos a respeito. Nem sempre exemplos são taxativos. Quando o são, a regra é enumera­tiva e não propriamente exempli­ficativa, nisso residindo a diferen­ça de fundo entre alguns concei­tos destinados a interpretar leis. Na hipótese dos autos, a primeira daquelas leis era puramente exem­plificativa e não enumerativa, ta­xando casos excludentes doutros. A lei recente voltou a exemplifi­car para ficar à margem de de­sentendimentos subjetivos ou ar­gumentos pessoais . variáveis, tais os surgidos quando as leis torna-

ram-se sóbrias dando lugar a dú­vidas fundamentalmente indefen­sáveis.

Foi no domínio de controvér­sias como as que acabo de acen­tuar que surgiram as interpreta­ções administrativas indevidas, logrando mesmo o beneplácito passageiro do próprio Judiciário, apanhado menos prevenido. l!:sse último foi o caso do Agravo n.o 6.269, do Egrégio Supremo Tribunal Federal, onde, a meu ver, data venia, a idéia de dedu­ção não se destaca da de abate, e onde o exemplificativo simples surge como se fôra taxativo.

A interpretação administrativa, sem fundo legal, não lograria ga­nhar foros de cidade, nem pode ser invocada como ato adminis­trativo discricionário (sentido técnico) irrevogável, tanto mais quando toca a uma questão de le­galidade fundamental pesquisável pelo Judiciário e não a mérito de causa do apelante, gerando-Ihe di­reitos reconhecidos no adminis­trativo. Nesse terreno, a situação em concreto é só esta: o apelan­te, em que pese o brilho de seu digno patrono, um expositor de altas qualidades e erudito, preten­de que interpretação genérica de autoridades administrativas em um certo momento tome o lugar à lei e à sua orientação escorrei­ta, o que não é de encampar. A questão da boa-fé que conduziria a uma prática de eqüidade em Di­reito Fiscal é bem outra, e aqui não foi posta em causa. Talvez prevalecesse, mas não por inicia­tiva do Judiciário, não provocado.

Essas razões e as expostas na sentença recorrida, em verdade muito bem lançada, me levam a

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ratificar a conclusão do ilustre Dr. Juiz a quo. Nego provimento ao recurso.

Voto

o Sr. Min. Henrique d'Ávila (Revisor) - Sr. Presidente, Vic­tor Adalberto Kessler, em suas de­clarações para o efeito do paga­mento do impôsto de renda, dos exercícios de 1935 a 1939, feitas à Delegacia de Impôsto de Ren­da do Estado do Rio Grande do Sul, pretendeu deduzir de sua ren­da global os prejuízos que sofreu nos anos imediatamente anterio­res, com a liquidação da Socieda­de Aristides Almeida & Cia., da qual era sócio. A Delegacia do Impôsto de Renda, ao proceder a revisão das declarações do con­tribuinte em questão, glosou as deduções pretendidas com as s~ guintes considerações: "foi glosa­da a dedução prejuízo em firma, visto não se enquadrar no concei­to de perdas extraordinárias, con­forme decisão do Ex.mo Sr. Mi­nistro da Fazenda, publicada à pág. 8 da Revista Fiscal de 1938 e jurisprudência do Primeiro Con­selho de Contribuintes, formada em vários e recentes acórdãos, como o de n.O 8.866, publicado no Diário Oficiai de 18 de Maio de 1940".

Com semelhante entendimento não se conformou Victor Adalber­to Kessler, que intentou a presen­te ação ordinária perante o Juí­zo dos Feitos da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Sul, para anular o débito fiscal na for­ma do Decreto-lei n.o 42, de 6 de Dezembro de 1937, e obter a res­tituição das importâncias julga-

das indevidas e previamente de­positadas. A ação foi contestada e seguiu seus trâmites legais sendo, afinal, julgada improcedente pela longa e bem deduzida sentença datada de 19 de Setembro de 1941.

Com essa decisão não se con­formou o autor, que apelou. O Dr. Procurador-Geral da Repúbli­ca opina pela confirma cão da sentença apelada. Como· muito bem acentuaram, não só o Dr. Al­ceu Barbedo, então Procurador da República do Rio Grande do Sul, e que hoje honra êste Tribunal de Recursos, como Subprocurador­Geral, com sua cultura e aprimo­rada inteligência, mas também o MM. Juiz prolator da decisão apelada, não é possível confundir "perdas extraordinárias" previstas, para efeito de dedução, na letra c, item 3.°, do art. 31, da Lei n.0 4.625, de 31 de Dezembro de 1922, com o simples prejuízo sofrido pelo contribuinte no giro normal e natural da atividade co­mercial.

Como "perdas extraordinárias" só se podem conceituar as decor­rentes de fatos imprevisíveis ou inesperados, como as resultantes de incêndios, inundações, etc., que não cobertas por seguro, darão inequivocamente lugar a dedução na forma da legislação fiscal do impôsto de renda. Porém, as per­das resultantes de operações na­turais do comércio não são abran­gidas pelo favor legal, de vez que, tanto essas como os lucros, são sempre aleatórios e ocorrentes na atividade mercantil.

Por êsses motivos, nego provi­mento à apelação, para manter a decisão de Primeira Instância, in-

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teiramente conforme o direito e a prova constante dos autos.

Vista

o Sr. Min. Abner de Vascon­cellos - Srs. Ministros, está em jôgo um assunto do qual não me inteirei completamente, alheio que fui à revisão. E como não quero to­lher a possibilidade de um recur­so que ainda se vislumbra à par­te apelante, deixo, no momento, de confirmar, como V. Ex.us, a sentença apelada a fim de fazer o estudo do feito. Não altera o jul­gamento, mas poderá, de futuro, modificar algum aspecto da sen­tença. Por isso, determino o adia­mento do julgamento.

Voto

o Sr. Min. Abner de Vascon­cellos - O apelante, que parece exercer múltiplas atividades pro­fissionais, pretende computar para as deduções do impôsto de renda e para a apuração global dos ren­dimentos, o prejuízo verificado em determinada profissão. Como interessado numa firma comercial em liquidação nos anos de 1935 a 1939, obteve sucessivos prejuí­zos. O impôsto de renda, com a aquiescência do Ministro da Fa­zenda, descontou êsses prejuízos da renda global do contribuinte.

Acontece, porém, que o suces­sor do titular da Fazenda, pen­sando de modo diferente, autori­zou a revisão dos lançamentos de que resultou a cobrança de im-postos que orçam por ........ . Cr$ 40.000,00.

Antes de entrar no mérito da questão o apelante aprecia a fal-

ta de atribuição administrativa do Ministro da Fazenda, para anular atos de seus antecessores.

Em Direito Administrativo, to­do ato por sua natureza é revo­gável, desde que se verifique qual­quer vício que o atinja em seus elementos intrínsecos ou extrín­secos, afirma Themístoc1es Caval­canti, in Direito Administrativo, voI. 2.° pág. 291. O obstáculo que a isso se opõe é a lei. Desde que o contribuinte, anteriormente be­neficiado pela dedução do impôs­to de renda, não possa opor à União a prescrição que o acober­te, constituindo assim um direito a não ser revisto em seus lança­mentos, está latente a faculdade administrativa de decretar a re­visão. Foi o que ocorreu com o apelante.

A decisão do Ministro da Fa­zenda não consolidou direito em relação ao contribuinte. Como es­pecifica Roger Bonnard, Direito Adm. pág. 104, o Ministro pode ter função jurisdicional, e, entre nós, há o semicontencioso admi­nistrativo, com recursos normais para aquela autoridade. Fora dês-

. se aspecto, os atos de administra­ção podem ser alterados, ficando para os prejudicados a via judi­ciária comum.

Não tem razão jurídica a ale­gação do apelante. Quanto ao mé­rito, a lei do impâsto de renda es­pecifica as deduções que cada cé­dula comporta mas, além disso, permite ainda uma dedução da renda global.

Para que isso se verifique, a lei condiciona a fatos extraordi­nários que a doutrina do direito fiscal especifica como tôdas as despesas provenientes de casos

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fortuitos ou de fôrça maior, como incêndio, tempestade, naufrágio, acidentes semelhantes, desde que não sejam compensados por segu­ros ou indenizações (Plácido e Silva Fin. e Dir. Fiscal pág. 201).

Desde que a lei faz depender de um fato anormal da natureza a imputação de um prejuízo nos lucr,()s de outras procedências, foge à hipótese de o intérprete es­tendê-la a todos os casos ordiná­rÍlos em que não se observe êxi­to econômico nas ativ~dades lu­crativas. Mais acertado seria que assim prescrevesse o direito posi-

tivo. A sentença que dá à lei o seu verdadeiro sentido objetivo, merece confirmação.

Voto, pois, de acôrdo com o Sr. Min. Relator.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: depois dos Mins. Relator e Revisor terem pro­ferido votos confirmando a decisão apelada, o Presidente adiou o seu voto para a sessão seguinte.

Proferido na sessão de hoje o voto do Presidente, foi negando provimento, por unanimidade, à sentença apelada.

APELAÇÃO CÍVEL N.o 217 - SP.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Cunha Vasconcellos Filho Apelantes - Juízo da Fazenda Pública, ex officio; Agência

de Transportes Pestana Limitada, e a Estrada de Ferro Central do Brasil

Apelada - Independência Cia. de Seguros Gerais

Acórdão

Em havendo concurso de emprêsas no trans­porte de mercadorias, respondem as mesmas solidà­riam ente pelos danos causados.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n.o 211, do Estado de São Pau­lo, em que são apelantes a Estrada de Ferro Central do Brasil e a Agência de Transportes Pestana Limitada e recorrente o Dr. Juiz da Fazenda Pública, sendo apelada Independência Cia. de Seguros Gerais:

Acordam os Juízes da Primeira Turma do Tribunal Federal de Recunos, por unanimidade, em

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negar provimento às apelações e ao recurso de ofício, para o efeito de manter a sentença recorrida, por seus próprios fundamentos, desprezado o agravo por têrmo a fls. 182, tudo na conformidade das notas taquigráficas de fls. 237 a 240, condenados os apelantes nas custas respectivas.

Rio, 16 de Fevereiro de 1948. - Armando Prado, Presidente; Cunha VasconcelloS' Filho, Re-lator.

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Relatório

o Sr. Min. Cunha Vasconcel­los (Relator) - A Independência Companhia de Seguros Gerais, com sede na Cidade de São Pau­lo, propôs, contra a Agência Pes­tana de Transportes Limitada, no Juízo da 15.a Vara Cível, da Capital do Estado bandeiran­te, uma ação cível, com as se­guintes razões e finalidades: 1.0 - "Textil Paulo de Abreu S. A. entregou à Agência Pestana de Transportes, firma comissária de transportes, mercadorias no valor de Cr$ 6.062,40, para serem transportadas para Divinópolis, Estado de Minas Gerais, como se vê dos inclusos documentos n.OS H e IH. 2.° - Além do pre­ço acima indicado, a firma em questão teve outras despesas, tais como frete, seguro, etc., de forma que o total do que gastou a re­metente montou em Cr$ 6.163,50 (does. IH e V). 3.° - Também a firma comercial Casimiras Adriática Ltda. entregou à ré mer-cadorias no valor de ......... . Cr$ 3.079,00, para que esta as transportasse para a Cidade de São Lourenço, também no Estado de Minas Gerais, conforme expli­cam os documentos VI e VH. 4.° - Ambas as mercadorias, até esta data, não chegaram ao seu destino, motivo por que presumem­-se extraviadas na forma da lei. 5.° - Como ambos os despachos tivessem sido segurados pelas fir­mas remetentes na Companhia­autora (does. IV e VIII), foram elas indenizadas pela seguradora, como se verifica pelos documen­tos n.OS V e IX, que se sub-ro­gou, desta forma, em todos os direitos e ações que as cedentes

tinham contra quem de direito (Código Comercial, art. 728 e Có­digo Civil, arts. 985, IlI, 986, I, 1524 e seguintes e 1432 e se­guintes). 6.° - O valor total dêsses despachos monta, portanto, a Cr$ 9.242,50, por cujo ressarci­mento é inteiramente responsável a suplicada, nos têrmos do dispos­to nos art. 99 e seguintes do Có­digo Comercial, 159 e 1056 do Código Civil, e Decreto 19.473, de 10 de Dezembro de 1930 (Rev. dos Tribunais 80/232, 83/408, 115/315, etc.). 7.° - Nos têrmos do que dispõe o art. 64, do Códi­go de Processo Civil, a ré deve ser condenada a pagar os hono­rários de advogado da autora, além do pedido, juros de mora, e custas.

Nestas condições, quer a supli­cante propor, como proposto tem, contra a suplicada, a presente ação ordinária de cobrança dos prejuízos acima referidos no mon­tante de Cr$ 9.242,50, com fun­damento nos incisos legais indi­cados, pelo que requer se digne V. Ex.a mandar citá-la, na pessoa de seu representante legal, para, no prazo legal que correrá em cartório, oferecer a contestação que tiver, sob pena de revelia, e acompanhar a ação em todos os seus têrmos até final em que pede seja ela condenada a pagar a im­portância de Cr$ 9.242,50, juros de mora, custas, e 20% sôbre o total para honorários de advoga­dos como é da lei" (fls. 2 e 3).

Contestou a referida supHcada o pedido às fls. 21 a 25, argüindo a preliminar de ilegitimidade de párte da autora para propor a ação e dela contestante para ser demandada, pedindo sua absolvi-

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ção de instância na forma dos arts. 160, 201 n.o VI e 294, do Código de Processo.

Entendeu o Juiz da 15.a Vara de S. Paulo, que a Estrada de Ferro Central do Brasil deveria ser Citada para integrar a contes­tação e mandou, pelos despachos às fls. 55 e 91, que tal citação fôsse feita, estando a contestação às fls. 131 e 132. Decidiu por fim aquêle Juiz, depois de tortu­rada marcha processual feita du­rante cêrca de sete meses, man­dar remeter os autos ao Juízo da Fazenda que, reconhecendo sua competência pelo despacho sa­neador de fls. 175, designou audi­ência para instrução e julgamen­to da causa.

Não se conformou a Agência Pestana com a decisão do Juiz da Fazenda, mantendo-a nos autos, e agravou pelo parecer constante de petição a fls. 178, razões a fls. 179 e têrmo a fls. 182.

A sentença, na parte decisória e conclusão, está assim concebida: "Não ocorreu, na hipótese, a pres­crição do direito de pedir indeni­zação pelas perdas das mercado­rias embarcadas. Um ano não era decorrido (Decreto Legislativo n.O 2.681, de 7-12-1912), quan­do se sub-rogou a autora nos direitos dos segurados (Código Comercial, art. 728). Extinguiu-se, assim, a antiga obrigação (cf. Carvalho de Mendonça, M.I., Obrigações, 1908, n.O 313), por es­sa forma de pagamento (Código Civil, art. 988), surgindo nova (cf. Lacerda de Almeida, Obriga­ções, 1897, § 14), agora a contar com a prescrição ordinária (cf. Carvalho de Mendonça, ob. dt. n.o 315), não mais a especial

(Revista dos Tribunais, vols. 111/ /330, 114/353, 120/193 e 160/ /621). Aliás a propósito já falou o Egrégio Supremo Tribunal Fe­deral (Acórdãos nas Apelações Cíveis, n.OS 8.861 e 8.871, de São Paulo, in Diário da Justiça da União, de 13-2-1947, págs. 286/ /287).

A ré, Agência Pestana de Transportes, não se mostra na mera dependência da Estrada de Ferro Central do Brasil, mas sim como uma emprêsa autônoma, vi­sando a indústria de transportes, como está a indicar o nome, em­bora faça o movimento das mer­cadorias que recolhe nesta Capi­tal associada à Estrada de Ferro Central do Brasil (fls. 30). Di­versa não será a significação do arranjo entre as duas, vigente ou não o contrato que mantêm, que deixa inalterada a situação de fa­to existente. Responsáveis perma­necem tôdas as emprêsas a inter­vir nos transportes, ainda demons­trada qual a autora do desvio (cf. Aguiar Dias. Da Responsabi­lidade Civil, ed. Revista Forense, vaI. 1.°, n.o 107, pág. 225), res­salvada a competente ação regres­siva de futuro (Decreto Legisla­tivo n.o 2.681, de 7-12-1912, art. 15) . Nem se diga, como pre­tende a autora, fique exclusiva­mente a Agência Pestana de Transportes Limitada a responder pelas conseqüências. Ambas as rés responsabilizam-se pelo transpor­te, conjuntamente, ao receberem a carga, associadas (Código Civil, art. 1.363), uma, angariando-a em seu estabelecimento à luz do dia, outra ao encampar tal procedi­mento, fornecendo impressos de seu uso e recebendo os volumes

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que encaminhava diàriamente. Os despachantes das mercadorias, de seu lado, não ignoravam que a condução delas não estava afeta tão-só à Agência Pestana pelos próprios comprovantes que acei­tavam, como prova da recepção. Por êles verificavam que a con­dução rar-se-ia por estrada de fer­ro, apresentando-se como aceitan­tes da expedição, em conjunto a Agêacia Pestana de Transportes Limitada e a Estrada de Ferro Central do Brasil (fls. 5). Anuí­ram dessa forma a um contrato de transporte ferroviário, subordina­do à legislação peculiar (Decreto Legislativo n.o 2.681 de 7-12-1912, art. 9.°) .

Não se livra a Agência Pestana com exibir-se simples proposta da Estrada de Ferro Central do Bra­sil. Não o era, como se viu, pois especulava "com a sua própria in­tervenção", tornando-se verdadei­ra empresana de transportes (cf. Carvalho de Mendonça, J. X., Tratado de Direito Comercial Brasileiro, vaI. VI, parte lI, n.o 1.100). Atraindo os em­barques de parceria com a Estra­da, tirava diretamente os seus pro­veitos, pondo-se em privilegiada posição. Como apanhar as vanta­gens, desprezando os maus resul­tados? Sequer o contrato, colocan­do a Central como responsável pelos transportes, eximiria a Agên­cia Pestana, também participante da discussão, estranhos os demais à combinação acima.

Aplicando-se a legislação refe­rente às estradas de ferro ao caso, apresentam-se ambas as rés, como expedidoras em conjunto, caben­do a que cobrir os danos ação re­versiva contra as restantes con-

correntes no transporte cumulati­vo (Decreto Legislativo n.o 2.681, de 7-12-1912, art. 15).

Duas as expedidoras, forçosa­mente contra as duas, litisconsor­tes necessárias passivas, deveria ser a ação dirigida ( cf. Jorge Americano, Código de Processo Civil, vaI. 1.0, pág. 176) como se providenciou, com indiscutível acêrto. Responsabilizaram-se pelo transporte, como aceitantes con­juntas da expedição (Decreto Le­gislativo n.o 2.681, de 7-12-1912, art. 14, primeira parte), descaben­do a escolha de uma só parte para isso, a pretexto de facilidade na liquidação, ou contrato com uma, já que iludidos não foram os re­metentes, certos de negociarem com a Estrada de Ferro Central do Brasil, intervindo na avença a Agência Pestana, coletora dos ob­jetos despachados. Justificava-se, em conseqüência, o chamamento oficioso da esquecida (cf. Pedro Baptista Martins Código de Pro­cesso Civil, ed. Revista Forense vaI. 1.0, n.o 235), como faculta a lei (CPC, art. 91).

Resta, por fim, verificar a re­gularidade das ligações constantes da inicial. Não há dúvida, confes­sou a emprêsa recebedora das mercadorias a entrega delas de parte dos interessados (fls. 28/31) E, solvendo a importância do se­guro, em face do extravio verifi­cado, sub-rogou-se a autora nos di­reitos dos segurados (Código Co­mercial, art. 728), com amparo na lei (Código Civil, art. 988 - De­creto Legislativo n.o 2.681, de 7-12-1912, art. 1.0).

Falou a ré, Estrada de Ferro Central do Brasil, na defesa em coisa julgada. Às ações a que alu-

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de estêve alheiada, não se bene­ficiando com elas, conforme a li­cão de Chiovenda, sempre segui­da: " ... a resolução judicial das questões lógicas, longe de condu­zir em si o sêlo da verdade eter­na, não exclui que a questão se possa sempre renovar em subse­qüentes processos, tôda a vez que se possa fazer isso sem atender contra a integridade da situação das partes, fixadas pelo Juiz com respeito ao bem da vida contro­vertido" (Instituições de Direito Processual Civil, ed. Saraiva, -trad. Menegale, vaI. 1.0, pág. 519).

Por todo o expendido, julgo procedente a ação contra ambas as rés, a quem fica ressalvado o disposto no art. 15, do Decreto Legislativo n.o 2.681, de 7 de De­zembro de 1912, condenando-as no pedido, juros de mora, hono­rários de advogado na base de 20%, e custas.

Estando condenada a Estrada de Ferro Central do Brasil, patri­mônio da União, recorro de ofí­cio para o Egrégio Supremo Tri­bunal Federal (Constituição, Dis­pOSlçoes Transitórias, art. 14 § 3.°), que entende hábil a me­dida (Acórdãos nas Apelações Cí­veis n.OS 8.861, 8.871, de São Paulo, in Diário da Justiça da União, de 13-2-1947, págs. 286/ /287), subindo os autos decorrido o prazo do apêlo das partes" (fls. 190 a 193).

Apelaram ambas as suplicadas (fls. 195 e 208), oficiando, nesta Instância, o Dr. Procurador, nos seguintes têrmos: "Opinamos pelo provimento da apelação da Estra­da de Ferro Central do Brasil, de conformidade com as razões do seu ilustre patrono" (fls. 230 v.).

Rio de Janeiro, 20 de Outubro de 1947. - Cunha Vasconcellos Filho, Relator.

Voto

o Sr. Min. Cunha Vasconcellos (Relator) - Decidindo sôbre o pedido de absolvição de instância formulado em sua contestação pela primeira apelante, o DI'. Juiz de Primeira Instância o desprezou porque, tanto ela como a segun­da, verbis: "surgem partes legíti­mas para serem demandadas, par­tícipes que foram na condução das mercadorias ( contrato, cláusula 7.a )", conforme está no despacho saneador de fls. 175. Fora de dú­vida realmente que, no transpor­te da mercadoria desviada, houve concurso de em prêsas. Os segura­dos, como se infere dos documen­tos às fls. 7 e 11, entregaram a fazenda à Agência Pestana, e con­tra ela preferiram investir judi­cialmente. Entre esta e a Estrada de Ferro subsistiu, como situação de fato, o contrato anteriormente firmado, qual acentuou a senten­ça. A Agência não se comprome­tera a entregar a mercadoria à Es­trada, mas a promover o seu transporte, em comum com esta. Não há, assim, como se dar a ab­solvição de instância, por ilegiti­midade de parte e de aplicação do art. 201, VI, combinado com o art. 160, do Código de Processo.

Nego, pois, provimento ao agra­vo no auto do processo.

Quanto à prescrição em que in­siste a Estrada de Ferro, na ape­lacão e ao mérito do pedido, <:on­fi;mo a sentença por seus pró­prios fundamentos.

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Voto

o Sr. Min. DjaIma da Cunha Mello - A apelação pretende que o direito de ressarcimento da se­guradora, quanto ao primeiro des~ pacho, estava prescrito que à Agência Pestana e não à Estrada de Ferro Central do Brasil é que cabia responsabilidade pelos dois extravios de mercadorias.

Não é assim. Houve uma sub~ -rogação que alterou 0' prazo prescricional, e dos autos se vê, sem discrepância possível, que tanto a Agência quanto a Estrada são culpadas pelo extravio, e estão na conjuntura de indenizá-las.

A sentença, assim dispondo, não mais fêz do que aplicar a lei, se~

guir ensinamentos dos doutrina­dores, e orientar-se pela jurispru­dência do Supremo Tribunal.

Nego, por isso, e pelos próprios fundamentos do julgado a quo, provimento à apelação.

Voto

o Sr. Min. Armando Prado - Nego provimento à apelação.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Por unanimidade de votos negou-se provimento ao agravo no auto do processo e à apelação, para confirmar-se a sen~ tença recorrida.

APELAÇÃO CíVEL N.O 342 - DF.

(Embargos)

;Relator - O Ex.mo Sr. Min. Artur Marinho Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Abner de Vasconcellos Embargantes - Espólio de Manoel Lopes Ferreira e Outro Embargados - Francisco Sá Barreto, s/mulher e a União Fe~

dera! Acórdão

Presumindo-se o direito de proprietário a quem tiver por si a transcrição do título no Registro Ge­ral de Imóveis, sem prova em contrário capaz de afastar aquela presunção iuris tantum o referido tí­tulo, ilustrado por outros detalhes, basta para legi­timar a demarcatória OU a orientação de marco que se pretenda.

O Decreto-lei n.o 893, de 1938, no caso, não controverteria, por si só, o direito de quem o tives~ se: na espécie, presume-se que a dos embarg9.dos não s·ofreu decesso ou dúvida resultante de precei­tos daquele diploma.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n.o 342, já em embargos ao'

Acórdão, tudo dêste Distrito F~ deral, sendo embargantes os espó­lios de Manoel Lopes Ferreira e

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de D. Cândida Arantes Lopes, e sendo embargados Francisco de Sá Barreto e sua mulher:

Acordam os Ministros compo­nentes do Tribunal Federal de Re­cursos, em sessão plena, por maio­ria (voto divergente o do Sr. Min. Abner de Vasconcellos), em des­prezar aquêles embargos, tudo conforme se fundamenta nas notas taquigráficas juntas.

Distrito Federal, 20 de Setem­bro de 1948. - Afrânio Antônio da Costa, Presidente; Artur Mari­nho, Relator.

Relatório

o Sr. Min. Artur Marinho (Re­lator) - Pelo venerando Acórdão de fls. 385, cujas notas taquigrá­ficas fundamentadoras são as de fls. 357 e seguintes, a maioria da Egrégia Primeira Turma (voto vencido o do eminente Sr. Min. Armando Prado, Revisor) con­firmou a sentença do Juízo a quo) proferida a fls. 303 a 312, julgan­do procedente a demarcatória en­tre partes.

Foram opostos embargos de nu­lidade e infringentes, tudo nos têr­mos do consignado a fls. 388 a 392. Os embargantes propugnam pela exclusão do julgado superior e, conseqüentemente, pelo do Juí­zo a quo, pretendendo a prevalên­cia do douto voto vencido ao alto mencionado. Em substância: con­tinuam os embargantes, réus na ação, a sustentar que os embarga­dos, autores no procedimento, não têm direito à demarcatória porque os títulos de propriedade com que se apresentaram não têm suficien­te idoneidade para o pretendido. :í!:sse ponto prevaleceu no voto

restaurado, visto como entendeu seu emérito prolator, falta àque­les títulos notícia apropriada do encadeamento histórico que os fir­maria intrinsecamente; e ainda porque êles perderam todo valor, ex vi de normas contidas no De­creto-lei n.o 693, de 1938. En­quanto assim sustentam os vo­tos vencedores do eminente Re­lator, Sr. Min. Cunha Vascon­cellos, e do provecto Sr. Min. Sam­paio Costa, que, conforme do­cumentário adequado, os em­bargados provaram domínio por­que demonstraram que aquêles tí­tulos estão regularmente trans­critos no Registro Imobiliário: presunção-prova de domínio, pre­ponderante, porque juris tantum, sem prova em contrário. Que, en­fim, no pertinente ao relaciona­do com as normas do Decreto-lei citado, a interessada direta (União Federal) não tem reivindicação a conduzir. Essa última afirmativa é, aliás, reiterada pela emérita Subprocuradoria-Geral da Repú­blica que, em Parecer específico, propugna pela manutenção do Acórdão ora em causa (fls. 397).

Creio que isso condensa os pon­tos nucleares da decisão por tomar.

É o Relatório.

Aditamento ao Relatório

O Sr. Min. Artur Marinho (Re­lator) - :í!:ste é o Relatório e, co­mo condensei, a matéria debatida ou em controvérsia, é exclusiva no tocante ao fundamental: saber se o título de propriedade dos autores basta ou não para justificar a de­marcatória. Foi junto o título de transcrição no Registro Imobiliá­rio. Os doutos Juízes que apoia-

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ram a sentença a quO' entenderam que esta era bastante, enquanto que o Sr. Min. Armando Prado, voto vencido, exigia não só a cer­tidão do registro no cadastro imo­biliário mas, também, que fôsse feito o histórico da propriedade demarcada. Esta é a controvér­sia de fundo e a outra é a de que o Decreto 893, de 1938, acêrca da regularização de terras da pro­priedade Santa Cruz, também es­tava em causa, não assumindo ca­ráter de maior porque a própria União entendeu que não tinha in­terêsse direto no assunto, visto como propugnou pela confirmação da sentença, na causa, e propug­nou pela confirmação do Acórdão embargado, na mesma causa. Êstes são os dois pontos, um dos quais bem destacado, a debater. E dou por findo o Relatório.

Voto

o Sr. Min. Artur Marinho (Re­lator) - Sr. Presidente, o ad­vogado da parte embargante, re­lativamente a fatos, na tribuna, foi exato. Quando o advogado dos embargados resumiu o ponto de vista de seu ilustre opositor o fêz com fidelidade, arrolando duas questões fundamentais, as quais eu já destacara no Relatório, acrescentaoo.o uma terceira que, no momento, a sua memória não ajudou a fixar. Fixo-a eu, que prestei atenção à tribuna. A ter­ceira questão é nova e meramen­te ilustrativa, que é aquela que dizia respeito a uma ação inicia­da e proposta ou aforada no dia 28 de Agôsto dêste ano pela Fa­zenda Nacional. Essa é a terceira questão ilustrativa.

Sr. Presidente, sempre fui, e te­nho dito em vários votos e senten­ças anteriores, um devoto da afir­mativa de que a mera transcri­ção do Registro Imobiliário não basta para transmitir o dom'ínio ou para adquirir a propriedade. A meu ver, sempre a validade in­trínseca dos titulas é que auto­riza a legitimidade ou transferên­cia do domínio. E nós temos um desvio da normalidade até certo ponto na disposição do Código Civil, a respeito da matéria que é bem sabido de que a disposição do Código Civil foi transplantada para o Direito Brasileiro pelo eminentíssimo Clóvis Bevilacqua, do Código Civil Alemão. Ali. a propriedade se transmite realmen­te pela inscrição ou pela trans­crição do título no cadastro imo­biliário, que vem de longa data, desde o tempo do registro latifun­diário da Idade Média. E tão im­portante é o ato que se terceiro demonstrar que a propriedade não pertence ao autor e foi trans­crito o título, nem assim recupera a propriedade, mas tão apenas perdas e danos, que tanto resol­vem a situação. Todavia, no re­gistro alemão, cada detalhe, por mínimo que seja, da propriedade, ou pequena que seja ela, pode ser fàcilmente esclarecido, desde o tempo do regime latifundiário da Idade Média. Compreende-se, portanto, a confiança absoluta e a contingência humana de uma afirmativa desta natureza no Có­digo Alemão, que considerou três ou quatro vêzes centenários. Já outro tanto, não podemos dizer que acontece no Brasil, para onde foi transposto o princípio, porque todos nós sabemos de experiência

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própria, senão documentada, da insegurança e incerteza que vêzes surgem, como resultado das trans­cricões ou inscricões no Registro Im~biliário. Isto,· sem precisar fa­zer referência a elementos ou da­dos históricos que teríamos, em determinadas circunstâncias, que revelar que isto seria uma sim­patia histórica e não jurídica, pelos primeiros que firmaram os princípios da territorialidade. Mas, também, não é permitido à Jus­tiça negar que a lei é explícita quando esclarece que a transcri­ção importa na aquisição do do­mínio, embora costume eu dizer que transcrição de título é mero processo integrativo da aquisição da propriedade e do domínio. Alu­di, também, daí a denominação que prefiro dar de processo inte­<trativa da aquisicão da proprie­dade. Mas ve~ ai o tem pêra ju­rídico consistente em afirmar que se tem pela transcrição uma mera presunção de pertencer a proprie­dade a quem a transcreveu, pres­crição juris tantum que admite prova em contrário.

Compreende-se, portanto. Vo­tando, não me sinto credenciado para ferir de frente, desde que a parte embargante não ofereceu, nos autos, prova escorreita que bastasse para o domínio resultan­te da transcrição. É a primeira parte do voto.,

Admito que o título transcrito ou o documento que prova a transcrição, no caso particular de que se cogita, basta.

Tanto mais que ao longo de tôda a primeira fase demarcató­ria não se pode esclarecer que aquêle registro devesse ser pêsto de lado. E então, a meu ver, êle

basta para instmir o pedido de­marcatório na aviventação de ru­mos que é, até certo ponto, no caso focalizado, o apoio do vene­rando Acórdão embargado.

Na questão pertinente a que se refere o Dec. n.o 893, de 1938, destaco o seguinte: aquela legis­lação de 1938 visou a regular a si­tuação dos ocupantes de terras da antiga Fazenda Santa Cruz, pro­priedade histórica da União. En­tão aquêles que ocupassem inde­vidamente ditas terras, apresenta­riam títulos, em que se funda seu direito, a uma das Comissões Es­peciais para exame, que liberaria ou declararia se as terras ocupadas faziam parte ou não do domínio da União. Isto jamais se fixou e determinou. Milhares de casos fo­ram estudados e examinados. Te­nho, no voto que estou proferindo, o direito de presumir que as terras questionadas ou demarcantes não foram tôdas controvertidas no to­cante ao que fôsse dos embargan­tes, dos réus ou partes embargan­tes da União. Até porque há pou­co o Subprocurooor-Geral da Re­pública, em duas fases diversas neste processo: a primeira, ao proferir seu Parecer quando opi­nou ao tempo em que o caso es­tava para ser julgado como re­curso de apelação, e assinalou os interêsses da União na demarca­tória; pela segunda, quando opi­nou sôbre os embargos aos Acór­dãos, S. Ex.a se referiu a seu pon­to de vista, pelo Parecer de fls. 397, a que me reportei no meu Relatório.

Portanto, opinando mais uma vez, em sentença a quo, pela con­firmação do Acórdão da Egrégia Primeira Turma, quanto a afir-

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mar a parte que a União veio propor uma ação ou iniciá-la no dia 20 de Agôsto dêste, pode ha­ver um choque - convenhamos em que até certo ponto há mesmo - entre os pontos de vista da União, ou pelas coletas de dados novos ou revendo os pontos de vista anteriores, teve de reivindi­car ° que fôsse seu. Mas em pri­meiro lugar não está documentado nos autos. Em segundo lugar, a propositura da ação não basta pa­ra que se diga que o direito é desta ou daquela. Há quando muito na forma do art. 76, do Código Ci­vil, uma presunção de legitimida­de de interêsses para aforar a de­manda. São êstes os argumentos e não há prova que venha con­trariá-los, não só o título como a pretensão que resulta dêste pro­cesso. Em conseqüência dêste pon­to de vista que resumo, para mi­nha consciência, o necessário pa­ra aboná-la, prefiro não proferir, mas a meu ver, como dever de ofício, adotar os dois votos ven­cidos do Min. Relator, os eminen­tes Mins. Cunha Vasconcellos e Sampaio Costa, que tiveram o cui­dado especial de pedir vista dos autos para só proferir seu voto na sessão subseqüente.

Quanto à controvérsia apanha­da pelo caminho, resultante de pa­recer que porventura tenha dado o Min. Djalma da Cunha Mello, lembro que S. Ex.a pode ter opi­nado em uma situação como opi­nou, mas opinou como represen­tante da parte e não como Juiz. Na situação em que se encontra, na qualidade de Ministro e pelas circunstâncias, tinha sido vencido, porque no Decreto n.o 9.893 se acha a prova de que S. Ex.a ti-

nha proferido como representan­te da União.

O Sr. Min. Rocha Lagoa - Pe­diria ao ilustre Sr. Min. Relator uma informação. A data em que teria sido feita, no Registro Imo­biliário, a transcrição dos títulos, foi anterior ou posterior ao Códi­go Civil?

O Sr. Min. Artur Marinho -Os títulos vêm sendo transcritos em diversas datas. Uma delas - a mais marcante de tôdas - é a de 1935: "Desmembrados da antiga Fazenda Paciência, na Estação do mesmo nome, lotes oito, nove e dez. Confrontações e caracterÍs­ticos dos imóveis: Terreno des­membrado da antiga Fazenda Pa­ciência". (fls. 300).

O Sr. Min. Rocha Lagoa -Êsse título abrange tôda a área? Não há nenhum título transcrito antes do Código Civil?

O Sr. Min. Artur Marinho -Antes do Código Civil, velhos tí­tulos que, vamos dizer, remon­tam a 1797 - e sab~damente os registros em causa foram mais ati­vados a partir de 1860 ou 1864 (leis ponto de partida) . quando pequenos negócios parCIaIS vi­nham sendo anotados para conhe­cimento de terceiros.

Voto

O Sr. Min. Abner de Vasconcel­los (Revisor) - Trata-se de uma demarcação em que, sendo eviden­te o interêsse patrimonial da União, os autores não lhe pediram a citação. Somente após a contes­tação foi que, ouvido o represen­tante da União, salientou o seu interêsse na causa, de que decor-

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reu a remessa dos autos para o Juízo da Fazenda Pública.

A ação correu cheia de irregu­laJri.dades comprometedoras. Os autores pediram uma aviventação de limites na parte de sua pro­priedade que confina com a dos réus. Entretanto, sua argumenta­ção na inicial é de quem preten­de grande deslocação da área ter­ritorial, o que só se consegue por uma ação em que se peça, com a demarcatória, a reivindicação de terrenos em poder alheio.

][sto, porém, não constituiu ob­jeto de pedido direto. E como os réus revidaram pedindo a reVlsao dos limites e recuperação de ter­renos, usaram da técnica proces­sual da reconvenção, repelida pelos autores e negada pelo Juiz a quo, por não admiti-la a ação de demarcação.

De fato, a forma era imprópria, mas se se atendesse à peculiari­dade da ação, de ser dúplice, em que as partes ocupam simultânea­mente o papel de autores e de réus, ter-se-ia visto ser também le­gítima a atitude de opor aos pro­moventes, na contestação, o pedi­do reivindicatório. Corrigir-se-ia o lapso de técnica, quanto à recon­venção, mas não se teria elimina­do a faculdade processual de ba­sear-se a defesa dos réus na rei­vindicação. Há, portanto, na ação, uma situação de desequilíbrio en­tre partes que têm a mesma re­presentação - de um poder rei­vindicar sem ser reivindicada. E quando tal ocorre, fica comprome­tida a igualdade jurídica dos que litigam, e nulo o processo por in­fringência substancial do direito de defesa.

Acrescente-se a isto a circuns­tância de que a União foi preju­dicada em sua defesa, sem que isso pudesse ser evitado com o aforamento da causa no seu Juízo privativo, já fora do momento próprio para a contestação. ~sses três defeitos do processo tornam inválida a ação e obsta a que os autores realizam, sob a capa dt! aviventação de limites, uma de­marcação reivindicatória, com sa­crifício do direito dos réus e da União.

Fico, data venia, com o brilhan­te e erudito voto do eminente Min. Armando Prado, e que é uma peça de destaque na juris­prudência da demarcatória. Nes­sas condições, recebo os embar­gos para decretar a nulidade da ação proposta.

Vista

o Sr. Min. Macedo Ludolf -Sr. Presidente, dada a relevância da matéria, e tendo em vista a di­vergência surgida, peço vista dos autos.

Voto

o Sr. Min. Sampaio Costa -Sr. Presidente, peço a palavra pela ordem. Não proferi, desde logo, meu voto, porque adoto sempre o sistema de, em havendo pedido de vista, aguardar. No entanto, havendo o Sr. Min. Cunha Vas­concellos se manifestado e não encontrando motivos que me le­vem a modificar meu pronuncia­mento anterior, passo a proferir meu voto.

Como o provecto Sr. Min. Ar­tur Marinho teve a bondade de

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assinalar, pedi vista dos autos -por ocasião do julgamento da Pri­meira Turma - em virtude de se encontrarem, então, em divergên­cia, os Srs. Mins. Relator e Revi­sor. Do exame que fiz dos autos, cheguei à evidência de que era de se confirmar a sentença de Pri­meira Instância e acompanhei, por conseguinte, o ponto de vista do Sr. Min. Relator. Nesse meu voto, que se encontra nos, autos, esclareci, suficientemente, as ra­zões de meu convencimento.

De forma que, mantenho o meu voto, nos têrmos precisos em que o elaborei, para o fim de rejeitar os embargos opostos por sua ma­nifesta improcedência.

Voto

o Sr. Min. Cunha Vasconcel1os Sr. Presidente, mantenho o

voto proferido, como Relator, por ocasião do julgamento da Turma.

Entendi tôda a matéria estu­dada com alta proficiência pelo Juiz de Primeira Instância. Às ra­zões de seu pronunciamento ali­nhei considerações que levaram a Turma a manter a decisão. Os embargos nada trouxeram aos autos digno de exame, nem me conduzem a modificar meu pen­samento.

A União Federal, conforme sa­lientou o nobre Min. Relator, nada alegou em apoio de seu di­reito. Ao contrário, sustentou a situação dos embargados. A cir­cunstância superveniente de ha­ver a União proposto uma ação, ainda o mês passado, sôbre ter­ras em que estaria incluída a área de que tratam os embargos, não obstante o crédito que devem me-

recer os advogados, quando fazem afirmações perante Tribunais, não me parece, Sr. Presidente, que possa ter influência na decisão a ser proferida no recurso, porque, evidentemente, êste Tribunal não vai prejulgar causa que ainda está na Primeira Instância.

Considerando o exposto e as ra­zões alinhadas pelo nobre Rel-s­tor, Min. Artur Marinho, despre­zo os embargos para manter o Acórdão.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Foi adiado o julga­mento por haver pedido vista o Sr. Min. Macedo Ludolf, depois de haverem votado, desprezando os embargos os Srs. Mins. Rela­tor, Cunha Vasconcellos e Sam­paio Costa, recebendo-os para anular a ação ab initio o Sr. Min. Abner de Vasconcellos. Impedi­dos os Srs. Mins. Djalma da Cunha Mello e Elmano Cruz . Usaram da palavra o advogado Letácio J ansen, por parte dos em­bargantes, e o advogado Jayme Soares de Souza Castro, pelos em­bargados.

Preliminar. de Impedimento

o Sr. Min. Macedo Ludolf -Tenho um ponto preliminar, que é o seguinte: como Juiz de Pri­meira Instância, então funcionan­do na s.a Vara Cível desta Ca­pital, tive ocasião de funcionar neste processo e me pronunciei, a fls. 321 a 321 v., no sentido de re­conhecer o interêsse da União na causa, embora isto não houvesse sido suscitado, e então me dec1a-

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rei incompetente, determinando o envio dos autos a uma das Varas da Fazenda Pública desta Capi­taL É uma questão de competên­cia, mas, encarando o assunto, eu me deparo, desde logo, com o art. 26, n.o I, letra b, do nosso Regimento Interno, que diz: (lê).

O nosso Tribunal, em casos idênticos anteriores, há entendido que o impedimento do Juiz de­corre somente da circunstância de ter o mesmo proferido decisão em Primei.ra Instância, solução que acolill com restrição, eis que, pelo Regi.mento, quer-me parecer que basta o funcionamento em Primei­ra Instância para determinar o impedimento em Segunda Instân­cia. Acabei, afinal, acompanhando o entendimento da maioria. Mas surge, agora, essa situação de exis­tir uma decisão minha, sôbre o aspecto de competência. Na oca­sião se discutia interêsse da União, interêsse êsse que era debatido por uma das partes em litígio, ati­tude que se veio mantendo até o término da causa. Não quero con­tribuir para um vício, uma irre­guliari.dade no julgamento. De sor­te que, ventilando a questão, gos­taria de ouvir a opinião dos meus eminentes colegas. É um ponto que surge e será bom o pronun­ciamento do Tribunal sôbre isso.

P'reliminar de Impedimento

o Sr. Presidente, Min. Afrânio Antônio da Costa - O Sr.' Min. Macedo Ludolf ventila uma ques­tão de impedimento. Atendendo à solicitação de S. Ex.a vou subme­ter o assunto ao Tribunal.

Preliminar de Impedimento

Voto

o Sr. Min. Sampaio Costa -Sr. Presidente. Em se tratando de despacho simples, sem maior re­percussão no feito, não vejo mo­tivo para impedir-se o Juiz que o proferiu, quando funcionando na Primeira Instância, de tomar par­te no julgamento por êste Tribu­nal, se nêle tiver assento em cará­ter efetivo ou como substituto.

S. Ex.a, o Sr. Min. Macedo Lu­dolf, esclarece, no entanto, que proferiu uma decisão e não sim­ples despacho.

Entendo,por isso, que há im­pedimento de S. Ex.a, na forma regimental.

Preliminar de Impedimento

Voto

o Sr. Min. Rocha Lagoa -Acompanho o Sr. Min. Sampaio Costa.

Preliminar de Impedimento

Voto

o Sr. Min. Cunha Vasconcellos - Sr. Presidente. Não vejo impe­dimento legal. Entretanto, admito que, além dos casos de suspeição definidos na lei e de impedimen­tos decorrentes da lei, há aquêles de fôro Íntimo. Entendo que fica a critério do próprio Juiz tomar deliberação. A meu ver, falta autoridade ao Tribunal para se pronunciar. Impedimento não há.

Voto, assim, no sentido de que fique ao critério do próprio Juiz.

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Preliminar de Impedimento

Voto

o Sr. Min. Artur Marinho -Não conheço do impedimento como operante, sobretudo quando o então Juiz da s.a Vara Cível, hoje Min. Macedo Ludolf, foi pela competência do Juiz da Fazenda Pública, que, afinal de contas, foi que venceu.

Preliminar de Impedimento

Voto

o Sr. Min. Abner de Vascon­cellos - Sr. Presidente. Em ge­ral, as leis de organização judi­ciária dispõem no sentido do im­pedimento do Juiz funcionar nu­ma instância quando, na inferior, tenha se manifestado a respeito. Entretanto, os Tribunais distin­guem conforme as circunstâncias. O impedimento, de fato, só se ve­rifica quando o Juiz se manifes­tou quanto ao mérito da questão ou, de qualquer forma, que possa ter comprometido o seu pensa­mento.

Ora, o Min. Macedo Ludolf despachou, nos autos, a respeito da competência local, ou federal, para a causa. Isto não afeta de maneira alguma o mérito da questão.

O Sr. Min. Rocha Lagoa -Mas a matéria poderia ter sido renovada na Justiça Federal.

O Sr. Min. Abner de Vascon­cellos - Como isso não pode in­fluir no mérito, não vejo como considerar S. Ex.a impedido.

O Sr. Min. Macedo Ludolt -Conforme pedido de vista na ses-

são anterior, li os autos com a de­vida atenção e, não obstante as considerações sempre judiciosas do nobre Min. Abner de Vascon­cellos, não me parece, data venia, que o voto divergente de S. Ex.a

condense a melhor solução da questão.

Em primeiro lugar, cumpre des­tacar que o argüido interêsse da União Federal, sem que houvesse o seu chamamento a Juízo, quan­do foi da propositura da causa, passou a constituir objeto de exa­me preferencial, na fase do des­pacho saneador, determinando-se, então, de acôrdo com o disposto no Código de Processo Civil, art. 91, a citação da mesma União, para vir integrar a contes­tação, o que realmente se verifi­cou a fls. 329, e isto depois de estarem os autos em Vara Priva­tiva da Fazenda Pública, para onde haviam sido remetidos, por deslocamento de competênci.a.

Daí por diante, o feito correu normalmente, assegurando-se a todos os litigantes a mais ampla defesa, consistente apenas nos de­bates que se travaram, eis que a produção de provas não foi assun­to de cogitação na devida opor­tunidade, segundo se vê da deci.­são a fls. 377, que passou em julgado, à falta de interposi.ção de recurso próprio.

Por outro lado, não se vi.slum­bra impropriedade de ação, como suponho ter sustentado o douto voto a que venho de aludir e ao qual empresto a homenagem do meu respeito e acatamento.

A demarcatória, em realidade, competindo a todo propri.etário contra seu confinante, para fixar até onde se estende o domínio de

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cada um - é evidente que com­partilha dos efeitos da reivindica­ção, pois obriga o invasor a res­tituir o terreno invadido ou usur­pado, na confusão de limites.

É ponto êsse incontroverso, quer na doutrina, quer na juris­prudência.

Inócua, por conseguinte, a re­convenção oposta pelos réus, com caráter reivindicatório, tendo-a re­pelido acertadamente o Juiz a quo, o que fêz, aliás, baseado na preceituação clara do citado Có­digo de Processo, art. 192, n.o V, de onde deflui a inadmissibilida­de da medida reconvencional nas ações que versarem sôbre imóveis ou direitos a êles relativos.

Não há, pois, que falar em nu­lidade, que, sôbre não estar for­malizada ou articulada nos embar­gos em aprêço, ainda ocorre que a mesma somente é decretável, à vista da sistemática vigorante no nosso direito adjetivo, quando fundada na existência de prejuízo, não verificado na hipótese, sob qualquer aspecto.

O que está apurado, segundo realçou o ilustre Min. Relator, é que os títulos de propriedade exi­bidos pelos autores, ora embarga­dos, subsistem em sua integrida­de, desde que nenhuma prova in­firmativa dêles ofereceram os réus, ora embargantes.

Aquêles títulos e respectivos re­gistros, como reconheceu a própria União Federal, interessada no li­tígio, são suficientes para dar lu­gar à demarcação pretendida (fls. 346 e 397), cuja finalidade está em traçar ou aviventar ru­mos na linha limítrofe entre as propriedades litigiosas, atenden-

do-se à extensão do direito de do­mínio dos confrontantes.

Os embargos não trouxeram ne­nhuma matéria nova capaz de in­fluir sôbre os votos vencedores no respeitável Acórdão embargado, limitando-se a reeditar os argu­mentos anteriores, com apoio na fundamentação do voto vencido que emitira o eminente Min.. Ar­mando Prado, voto êsse que, con­quanto substancioso e erudito, não se ajusta, no meu sentir, à realidade jurídica do caso con­creto.

Nestas condições, manifesto-me de acôrdo com o Sr. Min. Rela­tor, para ter Como improceden­tes os embargos de que se trata.

Vista

o Sr. Min. Rocha Lagoa Peço vista dos autos.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: pelo Sr. Min. Ma­cedo Ludolf foi levantada uma questão de ordem solucionada pelos votos dos Srs. Mins. Cunha Vasconcellos, Artur Marinho e Abner de Vasconcellos, contra os dos Srs. Mins. Rocha Lagoa e Sampaio Costa, entendendo-se não haver impedimento para o Sr. Min. Macedo Ludolf participar do julgamento. No mérito, foi adiado por haver pedido vista o Sr. Min. Rocha Lagoa, votou o Sr. Min. Macedo Ludolf desprezando os embargos. Impedido os Srs. Mins. Djalma da Cunha Mello e Elma­no Cruz.

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Voto

o Sr. Min. Rocha Lagoa - Se­nhor Presidente, foi proposta uma ação demarcatória por Francisco Sá Barreto e sua mulher, alegan­do serem senhores e possuidores de um imóvel desmembrado da antiga Fazenda da Paciência, que por sua vez constitui desmembra­mento da Fazenda da Pedra, que foi de propriedade da Ordem Car­melitana Fluminense e está nos li­mites da Fazenda do Piahy, des­membrada da Fazenda de Santa Cruz, CJlue pertenceu aos padres da Companhia de Jesus.

A linha que se vai aviventar, portanto, é a linha antiga de ru­mos entre a Fazenda da Pedra, pertencente à Ordem Carmelita­na Fluminense, e a de Santa Cruz, outrora de propriedade dos pa­dres da Companhia de Jesus.

Instruiu com uma planta. O processo seguiu seus trâmites nor­mais, embora com incidentes, en­tre os quais o desaparecimento do 1.0 volume dos autos. Há remes­sa dos autos àquela Comissão es­pecial destinada a apreciar os tí­tulos dos proprietários de terrenos que tenham pertencido à Fazenda de Santa Cruz, e, afinal, foi pro­ferida a sentença pelo nosso cole­ga Elmano Cruz, que julgou pro­cedente a ação intentada, "para efeito de determinar que se pro­ceda à demarcação limítrofe entre as Fazendas da Paciência, na par­te adquirida pelos autores, e Fa­zenda de Piahy, pertencente ao espólio-réu, na conformidade dos títulos de domínio constante dos autos, plantas e demais documen­tos úteis à fixação dos rumos, pro­cedendo-se ao rateio das custas e

despesas judiciais, na forma da lei" .

Os espólios de Manoel Lopes Ferreira e sua mulher recorreram dessa decisão, com a qual não se conformavam, alegando não estar esclarecido o histórico da proprie­dade, faltando domínio regular dos autores, quanto às terras que se pretende demarcar, afirmando, mesmo, que o registro imobiliário fôra fraudulento, eis que envolvia falsidade ideológica. Concluem pe­dindo provimento do seu agravo no auto do processo e de suas re­clamações, para que se façam (fls. 325): "1.0) - a perícia; 2.°) - a obrigação de juntada pelo autor de seus títulos ante­riores; 3.°) - O seu depoimento pessoal; 4.°) - a verificação da impossibilidade do levantamento da linha que o autor pretende, sem invasão de Piahy, sem inva­são, em seu prolongamento, de terras de Fazenda Nacional."

Vindos os autos, foram contra­-arrazoados. O Subprocurador-Ge­ral da República reportou-se ao Parecer de fls. 346, que fôra pro­ferido pelo eminente Themístocles Cavalcanti, então Procurador-Ge­ral da República, eis que os autos foram enviados diretamente àque­la Co lenda Côrte Judiciária. S. Ex.a diz (fls. 346): "Eventual é o interêsse da União neste pro­cesso. Trata-se de uma demarca­tória em sua fase preliminar, onde se discute se a prova do domínio é ou não necessária ao processo de demarcação.

Conquanto não se me afigure dispensável a prova do domínio, não é preciso, entretanto, uma prova tão completa como seria

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exigida, por exemplo, em uma rei­vindicatória .

A sentença apelada demonstrou, com muita lógica, que esta prova foi suficientemente feita e, se al­guma contestação a ela pode ser oposta, não é a demarcatória a ação própria.

Estou, portanto, pela confirma­ção de decisão de fls. 455 e se­guintes, para que, feita a demar­cação, verifique-se a invasão ou não pelos litigantes da Fazenda Nacional de Santa Cruz, secular­mente da União."

Aqui, os autos foram à Primei­ra Turma, que, por maioria, con­firmou a decisão. Foi Relator o Min. Cunha Vasconcellos, ficando vencido o Min. Armando Prado que proferiu longo e luminoso voto. S. Ex.a entende não estar provado o jus in re dos autores. Opostos os embargos infringentes foram apreciados em outra assen­tada. Daí o meu pedido de vista.

Sr. Presidente, o punctum sa­liens da controvérsia existente nestes autos é o alcance do re­gistro imobiliário. Sustentam os ora embargantes que os títulos que os autores e seus antecesso­res teriam levado ao registro imo­biliário, são títulos ideologicamen­te falsos e, por conseguinte, é na primeira fase demarcatória que se há de esmiuçar se êles têm ou não domínio. Devem trazer todos os títulos dos seus antecessores para, então, poder demarcar. E salien­to a grande importância disso por­que há uma determinada área, com certo número de braças, que não se sabe bem se fica à direi­ta ou à esquerda do imóvel. Tôda controvérsia gira exatamente em tôrno disso.

5 - 34137

Sr. Presidente, tenho voto co­nhecido, em sentido contrário, a respeito. Trouxe aqui a jurispru­dência do Tribunal de Apelação. No volume XI, a fls. 46, encon­tra-se um Acórdão que foi por mim relatado, cuja ementa é a se­guinte: "Conforme o disposto no art. 859, do Código Civil, presu­me-se pertencer o direito real à pessoa em cujo nome se inscre­veu ou transcreveu. A prova do direito real decorre, no caso con­creto, da transcrição em nome dos terceiros embargantes no Registro de Imóveis, e só poderá ser des­truída por meio de ação própria, se fôr ordenado por sentença o cancelamento da transcrição, caso fique provada a má-fé dos tercei­ros adquirentes a título oneroso."

Não tenho porque alterar o meu ponto de vista. É sabido que, em doutrina, há duas correntes, uma encabeçada pelo Prof. Soria­no Neto, de Pernambuco, em seu livro Registros Imobiliários, em que S. Ex.a sustenta que essa pre­sunção do art. 859 é uma presun­ção juâs tantum. A outra doutri­na, no entanto, mais numerosa, encabeçada por Filadelfo de Aze­vedo, Arnaldo Medeiros, Almeida Prado, que sustentam que esta presunção é juris tantum em re­lação aos adquirentes e vendedo­res, mas jure et jure em relação a terceiros. Filio-me a essa se­gunda corrente. Entendo que só por meio de ação própria é que se pode atacar o registro imobi­liário. Ali é que se há de fazer a prova de que o registro fôra frau­dulento. No caso em aprêço, os réus sustentam que os autores não

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têm direito de pedir a demarca­tória, porque seus titulos são fal­sos. Mas êsses titulos estão aco­bertados pelo art. 859 do Código Civil.

De sorte que, por êsse funda­mento, rejeito os embargos, por julgá-los improcedentes, manten­do o Acórdão embargado.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Foram despreza­dos os embargos contra o voto do Sr. Min. Abner de Vasconcellos que os recebia para anular ab ini­tio o processo. Impedidos os Srs. Mins. Djalma da Cunha Mello e Elmano Cruz.

APELAÇÃO CíVEL N.O 342 - DF.

Relator - O Ex.IDO Sr. Min. Cunha Vasconcellos Filho Apelantes - Os Espólios de Manoel Lopes Ferreira e D. Cân­

dida Arantes Lopes Apelados - Francisco Sá Barreto Costa, s/mulher e a União

Federal

Acórdão

É preciso pôr têrmo à ocupação de terras da Fazenda Nacional por meio de títulos inequívocos.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos da Apelação Cível n.o 342, em que são apelantes os espólios de Manoel Lopes Fer­reira e Cândida Arantes Lopes, sendo apelados Francisco Sá Bar­reto Costa e sua mulher:

Acordam os Juízes da Primeira Turma, por maioria, em negar provimento ao recurso, despreza­das as preliminares, para o efeito de confirmar a decisão recorrida pelos fundamentos constantes das notas taquigráficas anexas.

Rio de Janeiro, 16 de Dezem­bro de 1947. - Armando Prado, Presidente; Cunha Vasconcellos Filho, Relator.

Relatório

O Sr. Min. Cunha Vasconcellos (Relator) - No Juízo da 5.a Vara

Cível desta Capital, Francisco Sá Barreto Costa e sua mulher, Izinia Colaço Barreto Costa, propuse­ram contra os espólios de Manoel Lopes Ferreira e de sua mulher, Cândida Arantes Lopes, ação de demarcação para o efeito de avi­ventar e definir a linha limítrofe entre as fazendas Paciência, de propriedadé dêles autores e Piahy, de propriedade dos espólios. Com a contestação veio a reconvenção a fls. 91 do 1.0 volume, que foi contestada a fls. 114. Pelo des­pacho a fls. 164 v., admitindo eventual interêsse da União, man­dou o Juiz ouvir o Dr. 5.0 Pro­curador Regional da República, que opinou, em seguida, no sen­tido da existência dêsse interêsse (fls. 166 e 170). Reconhecendo­-se incompetente, o Dr. Juiz da 5?

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Vara Cível mandou remeter os autos ao Juízo da Fazenda pú· blica, cabendo, por distribuição, ao da l.a Vara (fls. 178).

Aquêle mesmo Procurador, já agora através do pronunciamento do nosso atual colega, Min. Djal­ma· da Cunha Mello, então em exerClClO interino, opinou, às fls. 180 e 181, no sentido de se­rem os autores declarados carece­dores da ação, sustentando, aliás, o entendimento já manifestado pelo titular efetivo do cargo. E porque se falou na Fazenda Na­cional de Santa Cruz, houve por bem o Juiz Substituto, com exer­cício na l.a Vara da Fazenda, em mandar ouvir a Comissão criada pelo Decreto-lei n.o 893, de 26 de Novembro de 1938 (fls. 182). Tal Comissão opinou às fls. 196 a 211. Conclusos os autos, veio o despa­cho saneador de fls. 226, de auto­ria do Dr. Elmano Cruz, então em exercício naquela Vara. E pelo ti­tular, em seguida, foi marcada a audiência de instrução e julga­mento, que não chegou a realizar­-se pelos motivos constantes de fls. 264. Novamente marcada rea­lizou-se, afinal, dita audiência, es­tando, novamente, com exercício na Vara, o então substituto, Dr. Elmano Cruz.

Nessa audiência, preliminar­mente, o advogado dos apelantes insistiu no depoimento pessoal do autor, conforme pediu anterior­mente, requerendo expedição de precatória à Justiça do Estado de Pernambuco, onde estava residin­do o autor, a fim de que se pro­duzisse, ali, seu depoimento. O Juiz indeferiu tal pedido "por tratar-se de matéria que deva ser decidida em face dos títulos de

domínio que se dizem em confli­to, em nada poderá influir, na ex­tensão e limites dos direitos reais controvertidos, o depoimento pes­soal da parte. Além disso, tal pro­va não foi detenuinada nem de­fluída no despacho saneador de fls. 377 e 378, do qual, aliás, não foi interposto qualquer recurso, tendo, assim, conforme jurispru­dência assente, transitado em julgado quanto a questões que fo­gem a seu objeto" (fls. 283 e 283 v.).

A fls. 286 há um têrmo de agravo no auto do processo, e dêsse têrmo consta que tal recur­so era interposto "dos despachos proferidos na audiência de hoje, relativamente ao indeferimento dos requerimentos feitos por par­te dos seus constituintes", ou seja, dos ora apelantes.

Proferiu, por fim, o Juiz, a lon­ga sentença a fls. 303 e seguintes, pela qual julgou a ação proce­dente para o fim de determinar se procedesse a demarcação da li­nha limítrofe entre as fazendas Paciência, na parte adquirida pelos autores e Piahy, pertencen­te aos espólios apelantes, na con­formidade dos títulos de domínio constantes dos autos.

Apelaram os espólios a fls. 316 e seguintes, fundamentando, nesse momento, o agravo tomado por têrmo a fls. 286. As razões dos apelados estão às fls. 331 a 334. O Dr. Procurador Regional da Re­pública falou a fls. 341.

Subindo os autos ao Egrégio Supremo Tribunal Federal, ali o Ex.mo Sr. Dr. Procurador-Geral da República ofereceu o Parecer de fls. 346, nos seguintes têrmos: "Eventual é o interêsse da União

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neste processo. Trata-se de uma demarcatória em sua fase prelimi­nar, onde se discute se a prova do domínio é ou não necessária ao processo de demarcação.

Conquanto não se me afigure dispensável a prova do domínio, não é preciso, entretanto, uma prova tão completa, como seria exigida, por exemplo, em uma rei­vindicatória.

A sentença apelada demons­trou, com muita lógica, que esta prova foi suficientemente feita e, se alguma contestação a ela pode ser oposta, não é a demarcatória ação própria.

Estou, portanto, pela confirma­ção da decisão de fls. 455 e se­guintes, para que, feita a demar­cação, verifique-se a invasão ou não, pelos litigantes, da Fazenda Nacional de Santa Cruz, secular­mente da União."

~ste Parecer foi Ex.mo Sr. Dl". (fls. 350).

Voto

subscrito pelo Subprocurador

o Sr. Min. Cunha Vasconcellos (Relator) Cumpre decidir, preliminarmente, o agravo no auto do processo. Como se expôs no Relatório, êsse recurso foi inter­posto contra o indeferimento de requerimentos feitos pelos ora apelantes, na audiência de instru­ção e julgamento. Ao que se vê do têrmo da audiência de fls. 283, êsses requerimentos consistiram: 1.0) num pedido de expedição de precatória para ser ouvido pela Justiça de Pernambuco o autor; 2.°) num pedido de requisição de processos administrativos.

o recurso não merece provi­mento. Fugindo aos imperativos do Código de Processo, os agra­vantes não precisaram, na contes­tação de fls. 90 a 92 v., as provas cuja produção se fazia necessária ao seu direito. Lê-se, nessa contes­tação, um protesto genérico por provas "admitidas em direito". Até o despacho saneador, confor­mada que foi a ação ao rito da­quele Código, por não haver a vi­gência dessa lei atingido o mo­mento mencionado no art 1.047 da nova lei processual, nem uma só vez manifestaram os agravan­tes seu propósito de ouvir, pes­soalmente, o autor, como dizem.

O Juiz, no saneador, deixou de ordenar a produção de qualquer depoimento pessoal, certamente por entender desnecessário, fren­te à circunstância de envolver a querela matéria só de direito, como, aliás, acentuou e se men­cionou. Demais, os então suplica­dos silenciaram diante daquela decisão datada de 25 de Feverei­ro de 1943, até 19 de Janeiro de 1944, na audiência frustada a que se refere o têrmo a fls. 264, quan­do, em face do mandado a fls 265, extraído sem qualquer determi­nação do Juiz, pediram o mencio­nado depoimento.

Designada, a 13 de Março de 1944, nova audiência, ainda uma vez os agravantes silenciaram até o dia 20, quando pediram, pela petição a fls. 282, a intimação de Francisco de Sá Barreto Costa para prestar depoimento na au­diência.

O exposto revela claramente a inoportunidade do requerido, não tendo havido, assim, qualquer agravo a ser reparado, isso por-

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que, quanto às requisições de pro­cessos, também não pedidas opor­tunamente, o Juiz justificou ple­namente sua decisão.

Quanto ao mérito, a sentença do Juiz Elmano Cruz é a seguin­te: (Ler de fls. 307, in fine, até fls. 311, quando se diz" ... sô­bre os limites de sua proprieda­de.").

Nada tenho a acrescentar à douta sentença, para confirmá-la, como a confirmo, por seus jurídi­cos fundamentos.

Voto (Vencido)

o Sr. Min. Armando Prado (Revisor) - Alegando serem se­nhores e possuidores de uma vas­ta área de terreno desmembrada da Fazenda da Paciência, a qual, por sua vez, resultara da divisão da Fazenda da Pedra, de proprie­dade da Ordem Carmelitana Flu­minense; alegando mais, que êsse imóvel está nos limites da Fazen­da Piahy, antigo Engenho do Piahy, pertencente ao espólio-réu ora apelante, e é um trato de ter­ra desmembrado da Fazenda San­ta Cruz, que pertence ao patri­mônio da Nação, os apelados, Francisco Sá Barreto Costa e sua mulher, propuseram a presente ação demarcatória com o propó­sito, segundo se diz na inicial, de aviventarem a linha divisória en­tre as duas porções de terra.

Asseveram, de início, que essa linha "parte de um marco coloca­do na Ilha de Guaraqueçaba, em demanda do Curral Falso, e daí segue ao Outeiro das Pedras", como consta de um memorial de medição, plantas e documentos que ofereceram com a inicial.

Que documentos são êsses? Pa­rece que deviam ser os títulos do jus in re dos autores perfeitamen­te entrosados até a sua origem mais remota, e, circunstância ca­pital para o caso dos autos, per­feitamente explícitos na descrição das linhas confinantes. Entretanto, não é isso o que aconteceu. Os títulos são todos referentes à Fa­zenda Piahy. Asseguram os auto­res que, ao ser desmembrada da Fazenda Santa Cruz, para ser ven­dida, a Fazenda Piahy, ou Enge­nho do Piahy, tinha exatamente como rumo com a Fazenda da Pedra a linha referida, a qual apa­rece nos autos com o nome de Li­nha de Guaraqueçaba.

Confesso que, ao ler a petição inicial do presente litígio, me cau­sou espécie a substituição que os autores fizeram dos seus títulos pelos dos réus. É que sempre me pareceu que a boa solução da controvérsia, em ações da nature­za desta de que estamos tratan­do, depende necessàriamente tio estudo que se possa fazer da fi­liação cronológica dos titulos do jus in re do autor e, o que é mais importante do que isso, do exa­me porfiado da caracterização do imóvel, sobretudo no concernente às suas linhas divisórias e aos seus confrontantes. Estudo idêntico se há de fazer com relação aos tí­tulos dos interessados no pleito, de modo que a comparação dos vários elementos chegue a eluci­dar o assunto o mais completa­mente que seja possível. Por mais reiteradas que fôssem as reclama­ções dos espólios-réus, os autores sempre se negaram a fornecer ao processo o último elemento a que me referi, isto é, os títulos origi-

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nais do jus in re e, sobretudo, os traços da confinidade dos qui­nhões que adquiriram e que fo­ram destacados da Fazenda da Paciência.

Esta ação foi proposta e con­testada na vigência do antigo Có­digo de Processo Civil e Comer­cial. Mas, depois, entrou a ser re­gulada pelo Código de Processo Civil ora em vigor. Por êsse mo­tivo, os autores, pela petição de fls. 125, alegando que todos os documentos deviam ser apensos aos autos, antes do despacho sa­neador, quando, pela lei antiga, a juntada era possível na dilação probatória, ofereceram várias có­pias de documentos para integra­ção de autos suplementares, visto que o primeiro volume do proces­so havia desaparecido de Cartó­rio. Não se encontram nesses autos os títulos de propriedade dos autores, com a descrição do imóvel e de suas linhas de divi­sa. Não a contém o documento oferecido por cópia a fls. 129, do­cumento êsse a que oportuna­mente me referirei.

Com a petição de fls. 335 ou 186 (uso desta dupla indicação porque as fôlhas do segundo vo­lume dos autos têm duas nume­rações), os autores apensaram ao processo a certidão de fls. 338 ou 189. ~sse papel apenas revela que, havendo o Oficial do Regis­tro de Imóveis levantado dúvida sôbre o registro de um dos títu­los de propriedade dos autores, por não ter sido apresentado o tí­tulo anterior, foi o assunto sub­metido ao estudo do Sr. Dr. Pro­motor dos Registros Públicos, cujo trabalho, porém, se limitou à filiação dos documentos. Da cer-

tidão não consta aquilo que repu­to indispensável para o esclareci­mento do objeto que ora nos prende a atencão. Refiro-me à descrição do imÓvel e à indicação precisa e autêntica de suas limi­tações e de seus confrontantes, feitas por intermédio de uma sé­rie de títulos cada vez mais an­tigos e sempre bem concatenados.

A fls. 448 ou 296, os apelados juntaram certidão de uma escri­tura pública pela qual adquiriram alguns quinhões desmembrados da Fazenda da Paciência. A escritu­ra é de 1935. A transcricão data de Outubro do mesmo ~ano. Os outorgantes vendedores disseram que haviam adquirido ditos qui­nhões em partilha julgada por sentença a 18 de Maio de 1934. Quanto a divisas e confrontações, a escritura limita-se às declara­ções feitas pelos alienantes. Com essa escritura, os títulos anterio­res não foram apensos aos autos. Essa escritura e transcricão de 1935 era o único título que os apelados haviam juntado com a sua inicial, conforme verifica-se do despacho de fls. 445 ou 293. ltsse foi o documento que a Co­missão criada pelo art. 2.°, do De­creto-lei 893, de 26 de Novem­bro de 1938, examinou e conde­nou, conforme a seu tempo se ve­rá. Além de ser título recente, encerra uma individuacão do imóvel que não me satisf~z, para o. entendimento da espécie em aprêço, porque meramente ates­tada pelas referências verbais não documentadas dos interessados na transação.

Sem dados precisos e indubità­veis, portanto sem a comparação dêles com os dados fornecidos

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pelos títulos da outra parte liti­gante, não se pode, a meu ver, chegar a conclusões seguras quan­to ao domínio dos autores nas áreas que entestam com as dos es­pólios-réus. O procedimento sin­gular e estranho dos autores, não aduzindo à controvérsia a íntegra dos títulos em que dizem assen­tar-se o seu direito, mas procuran­do substituí-lo por pareceres da Promotoria dos Registros Públi­cos, viola, segundo me parece, o estatuído no Código de Processo Civil, art. 415, segunda alínea, e 422. No primeiro se diz que a ação de demarcação compete ao proprietário ou ao condomínio de um prédio contra os possuidores do prédio confinante; no segun­do se ordena que, nas ações de divisão e de demarcação, a peti­ção inicial seja instruída com os títulos de propriedade. Aqui há apenas repercussão da regra ge­ral a que o citado Código, no art. 159, subordina a petição ini­cial da ação. Nem se diga que, não requerendo a absolvição da ins­tância, nos têrmos do art. 201, I, do Código de Processo Civil, o procedimento do autor deixou de merecer corretivo. A absolvição da instância é uma faculdade, é um favor que a lei concede: o in­teressado não é obrigado a reque­rê-la nem ao Juiz é lícito dá-la ex oificio. A regra processual é a do prosseguimento e a da aplica­ção de outras sanções, que não ficam abolidas só porque a par­te não se serviu do remédio que a lei lhe fornecia.

Esclarecido êste primeiro fato, passo a outro, não menos relevan­te. Não se trata, neste processa­do, de mera aviventação de ru-

mos. Trava-se aqui uma contro­vérsia muito grave acêrca da lo­calização de uma grande área in­tegrada na Fazenda Piahy e des­tacada da Fazenda Santa Cruz. No bôjo dêstes autos palpita vivaz uma questão de domínio e de posse que os autores pensam re­solver a seu favor e contra os réus se, porventura, conseguirem a demarcação da Linha de Gua­raqueçaba, objetivo de sua peti­ção inicial.

A Fazenda de Santa Cruz foi confiscada dos jesuítas, seus pri­mitivos donos. O Govêrno fracio­nou-a. Uma das suas parcelas, a Fazenda ou Engenho Piahy, foi posta em praça em 1806. Ao ar­rematá-la, Antônio José da Sil­va Braga subordinou o seu lan­ce a uma condição que foi a de se acrescentarem ao primitivo en­genho 630 braças de terreno, em vela latina, no fundo ou sertão das terras que êle adquiria. Me­dida e demarcada regularmente a área acrescida, entrou ela para o patrimônio do arrematante. É o que consta dos documentos exis­tentes nos autos de fls. 94 v. a 97, e 348 ou 199, n.o 5.

Essa é a área cuja localização é disputada pelos litigantes. Com efeito, os espólios recorrentes sus­tentam que Francisco de Sá Bar­reto e sua mulher, apelados, pre­tendem esbulhar terras de Piahy, localizando-se nas 630 braças a leste da Linha de Guaraqueçaba (fls. 91 v. e plantas de fls. 106 e 107). Os seus adversários asseve­ram que a área acrescida só po­dia ser tirada da Fazenda Santa Cruz e nunca, como querem os recorrentes, da propriedade que pertenceu à Ordem Carmelitana

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Fluminense, da qual êles, apela­dos, se dizem sucessores nos qui­nhões que compraram (fls. 115, memorial de medição :de fls. 7 e plantas de fls. 22 e fls. 365 v. ou 214 v.).

O estudo comparativo do me­morial de medição e das plantas acima referidas toma evidente as proporções e os intuitos do litígio. Declaram os autores, a fls. 365 v., ou 214 v., o seguinte: "O que se afirmou e se afirma é que a por­ção :disputada pelos réus, no local em que êles a colocam, como sen­do o tal acréscimo das 630 bra­ças, não constitui na realidade esta porção de terra e que, nestas condições, sendo ela noutro lugar, a terra tôda que os autores de­monstraram ser sua jamais per­tenceu à Fazenda Nacional e que, por isto, esta não tem intromis­são neste feito".

O memorial de me'dição e as plantas a que já me referi desva­necem quaisquer dúvidas a respei­to de que pretendem os autores. O memorial, a fls. 11 in tine, tem como locação das 630 braças a figura B' DEC, com a forma de vela latina. Acrescentando essa figura à do patrimônio do Piahy, chega a locar todo o imó­vel do seguinte modo: A, B, D, E, C, e A é igual a A B' C (área do engenho) e mais B' D E C (área acrescida). Essas figuras aparecem na planta de fls. 22. As 630 braças, nessa planta, estão a oeste da área do Engenho de Piahy, porque, situá-la a leste, diz o memorial, seria invadir terras da Fazenda da Pedra, da qual se desligaram as da Fazenda da Pa­ciência, sendo certo que a Fazen­da da Pedra dividia com a Fazen-

da de Santa Cruz pelos rumos Guaraqueçaba-Curral Falso-Outei­ro das Pedras. Eis porque os autores pediram, inicialmente, a demarcação dessa linha Com ela arrojariam as 630 braças para o ponto onde ela figura na planta de fls. 22, isto é, a oeste do En­genho do Piahy, e ficariam situa­dos na parte leste, onde os espó­lios apelantes colocam a área acrescida, ora em litígio.

O ponto de vista dos espólios apelantes aparece grafado na planta de fls. 106. Ali se vê a linha de Guaraqueçaba que êles reputam imaginada com prejuízo de foreiros da Fazenda Nacional. A leste dessa linha está a área das 630 braças, divisando com as estâncias. da Pedra e da Paciên­cia. Essa linha divisória coinci.de com a que é gizada pela planta cartográfica da Fazenda Naci.onal de Santa Cruz que o Ministério da Agricultura, dando execução ao disposto no art. 3.°, § 2.°, do Decreto-lei n.o 893, de 26 de No­vembro de 1938, anexou aos fo­lhetos que distribuiu em divulga­ção dêsse diploma legal, que fêz anteceder de considerandos, um dos quais é êste: é preciso jpÔr têrmo à ocupação indébita des­sas terras (da Fazenda Nacional de Santa Cruz) pertencentes à União por títulos inequívocos.

A contenda sôbre domínio me parece, pois, evidente. Claro é que envolve interêsse não pequeno da Fazenda Federal, responsá­vel aqui pela evicção (Cód. Civ., art. l.107). Com extraordinária insistência procuraram os apela­dos negar a realidade do interês­se nacional no caso em aprêço. Com igual teimosia, os espólios

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apelantes, depois de pedirem na contrariedade que os seus adver­sários fôssem havidos como care­cedores da ação, invocaram o am­paro do citado Decreto-lei núme­ro 893, do qual transfiro para êste voto os seguintes tópicos: "Art. 2.° - Os foreiros, arrenda­tários, ocupantes e quantos se jul­guem com direito a qualquer por­ção de terras na Fazenda Nacio­nal .de Santa Cruz e em outros imóveis da União situados na Baixada Fluminense, ficam obriga­dos a exibir os títulos em que fundam o seu direito a uma das comissões especiais qúe, para êsse fim, serão nomeadas pelo Presidente da República.

Parágrafo único: A exibição dos títulos será feita dentro do prazo de três meses, marcado por editais publicados no Diário Ofi­ciaI e em dois jornais de grande circwação.

Art. 4.° - Não apresentados os títulos, ou não reconhecidos como legítimos, a União se inves­tirá ipso facto na posse das terras, ressalvadas as preferências conce­didas por esta lei.

Parágrafo único: Não caberá, em conseqüência do disposto nes­te artigo, ação judicial para rei­vindicação de domínio".

Interveio, nesta altura da pen­dência, o Ministério Público Fe­deral, acentuando que a ação não podia prosseguir sem audiência da Comissão Especial Revisora de Títulos de Terras do Ministé­rio da Agricultura, em face do Decreto-lei n.o 893 (fls. 166 ou 315, 170 ou 319). O processo passou da Vara Cível, onde fôra ajuizado, para a Vara da Fazen­da Pública, em virtude de se ha-

ver declarado incompetente o Juiz do Cível (fls. 171 ou 320). Foi ter às mãos do Ex.mo Sr. Min. Djalma da Cunha Mello, ao tem­po Procurador da República no Estado do Rio, em exercício in­terino na 5.a Procuradoria do Distrito Federal. No Parecer que enunciou a fls. 180 ou 329, o ilustre Magistrado declarou que, observando a planta anexa ao De­creto-lei 893, notava-se de modo inconfundível que as tellTas cuja demarcação se pedia estavam lo­calizadas exatamente na zona considerada suspeita sendo, pois, de aplicar-se ao caso o art 2.° do Decreto-lei citado. Acrescentou que os autores não haviam aten­dido a essa indeclinável exigên­Fia, e forcejavam por negar que a mesma lhes dissesse respeito. Não podiam, em conseqüência, demandar em Juízo sôbre a posse e a propriedade das terras, antes de reexaminados pela Comissão competente os seus títulos, nos têrmos do art. 4.°, parágrafo úni­co, do citado Decreto-lei. São ain­da do aludido Parecer os seguin­tes períodos: "Nem se diga que a propriedade dos autores apenas confina com a Fazenda Santa Cruz, de vez que a ação de de­marcação (C. P. C., art 415, 2.a

parte), compete aos que têm qualidade de proprietário, ou de condomínio, e é uma ação que prescinde da reivindicatória, por obrigar a restituição de tratos de terreno porventura usurpados na confusão de limites. Pelo exposto, está em evidência que a ação pro­posta pelos autores de tod.o equi­vale a uma reivindicatória ... Prevenindo, acautelando, o De­creto-lei 893 vedou a via judiciá-

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ria para o trato do que se obje­tiva neste processo.

O Parecer opinou no sentido de serem os autores julgados, ab initio, carecedores de acão e condenados nas custas, ress~lvan­do-Ihes o direito de intentarem uma nova ação, depois de se ajus­tarem às exigências da lei, se tan­to lhes fôsse possível.

No despacho de fls. 331 v. ou 182 v., o MM. Juiz do feito, ve­rificando que os títulos de pro­priedade dos autores não haviam sido examinados pela Comissão Revisora e, por êsse motivo, não tinham tido a sua legitimidade firmada de acôrdo com a Lei nú­mero 601, de 18 de Setembro de 1850, e Decreto n.o 1.318, de 30 de Janeiro de 1854, como manda­va o art. 3.°, § 1.0, do Decreto-Iei n.o 893, achou que tais títulos "não poderiam em absoluto auto­rizar uma ação de demarcação, ex vi do art. 415 do Código de Processo Civil em vigor". Deter­minou, portanto, que se tomasse o parecer da aludida Comissão, devendo ela esclarecer se as ter­ras em questão estavam ou não, total ou parcialmente, compreen­didas na Fazenda Nacional de Santa Cruz.

Veio, em conseqüência, o Rela­tório que se encontra a fls. 346/ /197 e seguintes. Essa peça con­signa que o espólio de Manoel Lopes Ferreira, réu nesta ação, se apresentava como proprietário da Fazenda Piahy, cujas terras foram julgadas pela Comissão legalmen­te desmembradas do patrimônio nacional. Em relação às terras dos autores, nenhum pronunciamento houve perante a Comissão no prazo legal, sujeitando-se, por

isso, os interessados, às penalida­des cominadas no Decreto-lei 893, desde que ficasse provado pertencerem as mesmas à Nação. Os títulos apresentados pelos autores, no processo de demarca­ção em aprêço (o Relatório alu­de ao presente feito), são relati­vamente recentes em relação à Fazenda Paciência, de forma que não poderão elucidar o assunto. Uma fase da questão, que é ca­;pital, diz ainda o Relatório, e que poderá produzir efeitos decisivos, é a que se refere ao fato de não haverem os autores apresentado a esta Comissão os seus títulos de domínio referentes à faixa de terras em litígio, a qual está com­preendida na planta da antiga Imperial Fazenda de Santa Cruz, anexa ao Decreto-Lei 893, de 1938. Tais títulos não foram julgados pela Comissão e perde­ram, conseqüentemente, o seu valor jurídico para efeito de rei­vindicação de domínio, em rela­ção à União. Assim, se as terras em litígio não pertencerem aos réus, o seu domínio pleno volta­rá à Nação. Depois de tratar das 630 braças acrescidas e do local onde foram demarcadas, volta o Relatório a asseverar que as ter­ras em litígio estão dentro da an­tiga Fazenda de Santa Cruz e, se as mesmas não pertencerem aos réus, reverterão ao patrimônio na­cional. Como os autores não com­pareceram perante a Comissão, ficarão sujeitos às sanções previs­tas no referido Decreto-lei, caso as terras em litígio não perten­çam aos réus, cujos títulos foram, entretanto, julgados legítimos pela Comissão.

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o Decreto-Iei 893, de 1938, ve­dava a via judiciária para o tra­tamento da hipótese vertente. Po­dia fazê-lo porque a Constituição de 1937 não tinha dispositivo idêntico ao do art. 141, § 4.°, da Constituição de 1946, por fôrça do qual a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciá­rio qualquer lesão de direito in­dividual. Tenho para mim que as leis constitucionais são de aplica­ção imediata, quando declaram direitos individuais, como ocorre na espécie em aprêço. Parece-me, por isso, que já não podemos in­sistir no caráter radical de que se revestiu o Decreto-lei 893. A via judiciária está aberta para a apre­ciação do presente feito.

O Decreto-Iei 893 foi alterado, em certos pontos, pelo Decreto-lei 9.760, de 5 de Setembro de 1946, que dispõe sôbre os bens imóveis da União. ltste diploma, tratando da demarcação de terras interio­res, quando necessária a exata in­dividuação dos imóveis de domí­nio da União, e sua perfeita dis­criminação da propriedade de ter­ceiros, depois de determinar que sejam convidados os que se julga­rem com direito aos imóveis con­finantes a, dentro de 60 dias, ofe­recerem a exame do Serviço do Patrimônio da União os títulos em que se fundamentam, estatui o art. 18: "Não sendo atendido pelo confinante o convite mencio­nado, ou se êle se recusar a assi­nar o têrmo em que se compro­mete a aceitar a demarcação ad­ministrativa, oS. P . U. providen­ciará no sentido de se proceder à demarcação judicial, pelos meios ordinários.

A liberalidade se ace!ntua no art. 199, § 2.°, que faculta ao Go­vêrno conceder nôvo prazo para apresentação ao Conselho de Ter­ras da União dos títulos de que trata o art. 2.°, do Decreto-lei n.o 893, de 1938.

O Decreto-lei 893 tem o cará­ter de lei especial entremeada de disposições que contrariam a le­gislação comum. Lei especial e de caráter processual é também o Decreto-lei n.o 9.760. Por ter essa natureza processual, é exeqüível desde logo, de acôrdo com umas regras que se me afiguram exce­lentes e que foram compendiadas pelo Egrégio Min. do Supremo Tribunal Federal, Laudo de Ca­margo, nestes têrmos: "O proces­so é um conjunto de normas, de fórmulas, de atos sucessivos, re­gendo-se cada qual dêles pela lei do tempo em que a sua prática se deu. Essas normas, essas fór­mulas, êsses atos, enquanto ine­xistentes, por ainda não chama­dos à tela da contenda, serão por certo regidos pelas novas disposi­ções. Iniciado, porém, que seja o ato com determinada fórmula pela lei que o regule, não mais poderá ser regido por outra que o substitua. Do contrário, seria criar o tumulto e a anarquia pro­cessuais. .. Alguns exemplos me­lhor elucidam a matéria. Certa di­lação foi abreviada pela lei nova. O processo que ainda não a atin­giu, terá a dilação que a nova lei trouxe. Atingida, porém, a dila­ção, a dilação antiga e longa é que teria de subsistir. Certo re­curso foi extinto. Proferida a de­cisão, no regime em que o recur­so teve sua extinção, não mais poderá ser admitido. Mas, se a

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decisão foi anterior, o recorrente fêz jus a êle e pode usá-lo. (Ben­to de Faria - Aplicação e Retro­atividade da Lei, pág. 31, nota 10)".

Sendo assim, hão de regular-se pelas leis novas, na espécie em aprêço, os atos que se iniciarem sob a regência dessas leis. Não considero, pois, trancada a via ju­diciária. Se o Decreto-lei a vedou, o texto constitucional do art. 141, § 4.°, e o do Decreto-Iei 9.760 a reabriram para as novas fases do presente processo e não mais para aquelas que já estavam en­cerradas.

Outra, porém, é a minha opi­nião no tocante ao valor jurídico dos títulos dos autores apelados, Francisco Sá Barreto Costa e sua mulher. Perderam êles êsse valor para efeito de reivindicação con­tra o patrimônio da União, con­tra qualquer parcela da Fazenda Santa Cruz que se conserve nes­se patrimônio ou que haja sido regularmente alienada, como su­cede com as terras de Piahy e as 630 braças que lhes foram acrescentadas. As leis novas não revalidam êsses títulos de pro­priedade. No advento dessas leis, já estava consumado o ato em virtude do qual êsses papéis se inutilizaram, o Decreto-lei núme­ro 9.760 é de 5 de Setembro de 1946 e entrou em vigor na data da sua publicação. Em face do Decreto-lei 893, de 1938, era de três meses o prazo para a exi­bição dos títulos. O lapso de tem­po estava esgotado. Ora, o art. 4.° dêste Decreto-Iei determinava que, não apresentados os títulos no prazo, ou não reconhecidos como legítimos, a União se inves-

tiria, ipso facto, na posse das ter­ras, ressalvadas certas preferên­cias que, todavia, não se adequa­vam ao caso dos apelados.

Os terrenos em litígio estão dentro do âmbito da Fazenda de Santa Cruz, da qual foram des­membrados. Os apelados preten­dem que tais terras são suas e que as 630 braças devem ser toma­das, não a leste, mas a oeste do Engenho Piahy. Entra em lide o domínio dos autores. Os titulos dêsse direito não foram legitima­dos no prazo indicado pela lei então vigente. E não é só. Exa­minados tardiamente pela Comis­são Revisora, esta os condenou nos seguintes lances do Relatório apenso aos autos: "Os titulos apresentados pelos autores no processo de demarcação em aprê­ço são relativamente recentes em relação à Fazenda da Paciência, de forma que não poderão eluci­dar o assunto.

Uma face da questão que é ca­pital e poderá produzir efei.tos de­cisivos é a que se refere ao fato de não haverem os autores apre­sentado a esta Comissão os seus títulos de domínio referentes' à faixa de terras em litígio, a qual está compreendida na planta da antiga Imperial Fazenda de San­ta Cruz, anexa ao Decreto-lei nú­mero 893, de 26 de Novembro de 1938. Tais títulos não foram, por­tanto, julgados pela Comissão e perderam, conseqüentemente, o seu valor jurídico para efeito de reivindicação de domínio, em re­lação à União.

As terras em litígio estão den­tro da antiga Imperial Fazenda de Santa Cruz e, se as mesmas

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não pertencerem aos réus, rever­terão à Nação".

O problema que avento no to­cante aos títulos de propriedade dos apelados é a questão de do­mínio. Eis como, em pronuncia­ção liminar, a sentença recorrida o coloca, a fls. 305 ou 457 in fine: "No caso dos autos, surgiu a dis­cussão sôbre a extensão do títu­lo de domínio e sôbre a validade do mesmo título ...

Além disso, como bem ponde­raram os autores, a demarcatória vem sempre cumulada com uma reivindicação in fieri, isto é, jul­gada contra os réus a demarcató­ria, reivindicada estará a área compreendida nas linhas traçadas e a favor dêles estabelecida a li­nha perimetral. Sem necessidade de qualquer reconvenção, ser­-lhes-á atribuída a compreendida no perímetro".

A sentença rejeita a argüição de inexistência de interêsse da União no feito, por ter como cer­to que tal interêsse existe e é ima­nente ao caso sub judice. Afirma que a Fazenda de Piahy, de pro­priedade dos réus, foi desmem­brada da Fazenda Nacional de Santa Cruz, sendo incontroverso o fato e aceito pelas partes. Atesta, outrossim, que o desmembramen­to foi julgado legítimo pela Pri­meira Comissão Revisora de Tí­tulos e Terras, quando os proprie­tários de Piahy submeteram à aludida Comissão os seus títulos de domínio. Conclui, igualmente, que a União não só vendeu, como fêz boa, válida e segura, poste­riormente, a alienação, com as di­mensões constantes do título do­mínial dos réus. Entretanto, não se impressionando com o debate

que se travara sôbre a legitimi­dade e a validade dos títulos do­miniais dos autores, pois a ela não alude, a sentença admitiu a de. marcatória, reconhecendo, toda­via, que, se nela se viesse a apu­rar que a área da Fazenda Piahy é inferior àquela de que se jul­gam possuidores os seus proprie­tários, em razão das dimensões decorrentes do título de domínio e da alienação feita pela União Federal, era bem de ver que, res­salvadas as exceções cabíveis e porventura extintivas do direito do comprador, a êstes caberia, pela evicção, o direito de haver da União a diferença entre o que lhe foi prometido vender e o que efetivamente vieram a receber.

A sentença, como se verifica, reconhece aos autores o direito à ação, e não se deixa comover pela perda de significação jurídica que sofreram os seus títulos de jus in Te, por determinações do Decre­to-lei 893, de 1938, como já de­monstrei. Não penso e não deci­direi da mesma forma, ainda quando respeite as opiniões que divergirem da minha.

A motivação, que venho expon­do, embora seja a principal, não é a única que orienta o meu com­portamento com relação à espé­cie em análise. Já mostrei que os títulos dominiais dos apelados não foram exibidos neste processo de modo satisfatório, em sucessão concatenada. Não me parece ad­missível, segundo já declarei, a substituição dêsses títulos pelo do­cumento de fls. 338 ou 189 e se­guintes. Além disso, basta ler êsse documento para apurar-se a complicação e a obscuridade exis­tentes com relação aos ditos títu-

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los e sua filiação através do tem­po. Tanto é isto verdadeiro que a sentença recorrida assim se ma­nifesta no que concerne ao ponto: "Se as transcrições não corres­pondem à verdade, se o registro é ideologicamente falso, se a pro­priedade imobiliária não veio às mãos dos autores por via regu­lar, havendo um hiato ou uma fal­ta na cadeia dos registros, todos êsses fatos não são de decidir-se nesta demarcatória, prevalecendo o registro até que seja desfeito, anulado, ou por qualquer modo rescindido, em sua plenitude. É o que dispõe o Código Civil, em seu art. 859, regra essa mantida desde os primórdios da nossa le­gislação imobiliária, isto é, Decre­to n.O 370, de 2 de Maio de 1890, mantido no atual Decreto-lei n.0 4.857, de 9 de Novembro de 1939, com as modificações pos­teriores (art. 293)."

Afigura-se-me que a questão podia e devia ser derimida na fase contenciosa da presente de­marcatória. Em ações dessa espé­cie, é na fase a que aludo que se agitam tôdas as increpações ten­dentes a obstaculizar o procedi­mento, de modo que, desembara­çado de todos os entraves, possa o Juízo ingressar na fase adminis­trativa. O problema relativo aos títulos e o do domínio, que o abrange, e que foi enunciado e controvertido nos autos, não de­viam, segundo penso, ser trans­feridos para outra ocasião. Ques­tões dêsse teor, desde que surgem, constituem teses capitais no pe­ríodo contencioso das demarcató­rias. Esta ação, o Código de Pro­cesso Civil, no art. 415, segunda parte, só a outorga ao proprietá-

rio ou ao condômino. Já assim era em face do art. 642, do Decreto n.o 16.752, de 31 de Dezembro de 1924, em cuja vigência foi a ação ajuizada. O art. 422, do Có­digo de Processo Civil, exige que, nas ações de demarcação, a pe­tição inicial seja instruída com os títulos de propriedade. Não lhe basta, a meu ver, a presunção juris tantum que nasce de trans­crição, nos têrmos do art. 859 do Código Civil, nem uma última transcrição recente não entrosada com os que porventura a precede­ram, tal qual sucede com a de fls. 452 ou 300, nem apreciações de órgãos do Ministério Público, a respeito de registros anteriores, apreciações nas quais, como evi­denciei, ocorre completa ausência da descrição do imóvel e de suas linhas divisórias reiteradas, sem hiato, através da sucessão dos tí­tulos. A sentença de demarcação não é só declaratória. É atributi­va da propriedade. Segundo Cló­vis Bevilacqua, em comentário ao art. 532, I, do Código Civil, deve ser transcrita. Uma vez definida pela sentença a raia limítrofe na tinium regundorum, pode o pro­prietário pedir nova linha, dedu­zindo o êrro da primeira, mas corre o risco que advém do usu­capião. Extinto o domínio, com êle se extingue a ação de demar­cação. É o que igualmente ensina Virgílio de Sá Pereira, no Manual do Código Civil Brasileiro, de Paulo de Lacerda, voi. VIII, art. 569.

Robustece o meu entendimen­to na matéria o estatuído no art. 569, do Código Civil, verbis: "Todo o proprietário pode obrigar o seu confinante a proceder com

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êle à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apaga­dos e a renovar marcos destruí­dos ou arruinados".

Clóvis Bevilacqua, escoliando o inciso, afirma que "o Código Ci­vil considera o direito de exigir a demarcação como faculdade inerente ao domínio, e a obriga­ção de atender a essa exigência como limitação da propriedade decorrente da vizinhança". É tam­bém a lição de Virgílio de Sá Pe­reira, na obra e no lugar .citados. Éste mestre acrescenta que, "à maneira do que deixou estabele­cido ao tratar da reivindicação, a ação finium regundorum é im­prescritível, segue a natureza do domínio, que não se perde pele não uso". E mais, doutrina que "pelo nosso direito, é mister que, na petição inicial, o autor de­monstre o seu jus in re (Decreto n.o 720, de 5 de Setembro de 1890, art. 66)". "Quando a ação procede da incerteza da linha de­marcadora, escreve o mesmo ilus­tre civilista pátrio, presupõe-se, no dizer de Ricci, uma usurpação d.e um ou outro proprietário e, portanto, nela sempre se contém implicitamente a reivindicação". Em seguida, transcreve o lance em que êste diz que, certamente, a ação de regular confins assume o caráter de reivindicatória, quan­do o autor declara, em têrmos for­mais, que o vizinho usurpou uma parte da sua propriedade e, por meio da ação proposta, visa a re­cuperar a parte usurpada.

Na hipótese dos autos, é sensÍ­vel a queixa de usurpação. Os apelantes asseguram que a área de 630 braças se situa a leste do Engenho Piahy e da Linha de

Guaraqueçaba e que, localizando­-se nessa região, os apelados es­bulham terras de Piahy. Os ape­lados retrucam que esbulhadores são os seus adversários, porquan­to o seu pecúlio de 630 braças de chão demora a oeste da Fazenda de Piahy, na linha em que êste imóvel confronta com a Fazenda Nacional de Santa Cruz.

Deixei claros os motivos pelos quais entendo que os autores, ora apelados, não provaram a sua qualidade de proprietários, de ti­tulares de domínio, do qual de­correria o seu direito à ação de­marcatória.

Por esta razão e, sobretudo, porque os seus títulos perderam todo o valor em virtude do dis­posto no Decreto-lei n.o 893, de 1938, dou provimento à apelação dos espólios-réus, para considerar os autores carecedores da ação e condená-los nas custas.

Explicação de Voto

O Sr. Min. Cunha Vasconcellos (Relator) - O Tribunal acaba de ouvir o exaustivo voto de V. Ex. a em que tive a desventu­ra de notar a divergência em _que V. Ex.a entra com o Relator.

Desejo esclarecer, tão-somente, que, para minha conclusão me bastariam as circunstâncias apon­tadas na sentença, sem necessida­de de maior e mais ampla inda­gação.

Há nos autos a prova do domí­nio que é a certidão de transcri­ção dos títulos no Registro com­petente. Provaram, conseqüente­mente, os recorridos, sua condi­ção de proprietários. O Juiz fêz notar, e muito bem, que êsse re-

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gistro prevalecerá até sua anula­ção, de acôrdo com a legislação vigente, iniludível em sua letra e seu sentido. Essa anulação não se fêz e, portanto, os títulos pelos quais se prova a propriedade, subsistem. Logo, a legitimidade com que vieram bater à porta dos Juízes os autores, está perfeita. Com a inicial, juntaram êles certi­dão dêsse registro. Está transcri­ta na reconstituição do primeiro volume dos autos.

A questão, ou seja, a demarca­ção, ou como se diz, a aviventa­ção dos rumos, não importaria em reconhecer os direitos dos auto­res, exceto aquêles que seus títu­los efeti.vamente provassem. Por estas circunstâncias o Dr. Procu­rador, defensor máximo da União, não impugnou a ação.

O Juiz disse bem, e êle se li­mita ao alcance de seu julgado.

Diz êle: (lê à pág. 462). Havia divergência, e há diver­

gência entre os atuais proprietá­rios da Fazenda Paciência e a ré, da Fazenda Piahy. Havia incer­teza e insegurança de limites, e a ação demarcatória não terá outro objetivo senão a aviventa­ção dêsses limites. De forma que, o tão bem desenvolvido voto, bri­lhante e bem estudado, do nobre Revisor, a meu ver, contém ma­téria que será examinada na se­gunda parte dêste processo, e por êste Tribunal, se houver recurso devidamente interposto.

Eis a razão por que fiquei na parte preliminar.

Para se deferir a demarcação entendo e continuo a entender, data venia do brilhante voto di­vergente de V. Ex.a que as pro­vas existentes nos autos estão per-

feitamente condicionadas à exi­gência da legislação. O título sub­siste e é bastante, e o objetivo, o mérito, é a aviventação dos limi­tes entre as duas propriedades. Por estas razões, mantenho meu voto.

Vista

o Sr. Min. Sampaio Costa -Sr. Presidente, peço vista dos autos.

Decisão

Adiado o julgamento por ha­ver pedido vista dos autos o Sr. Min. Sampaio Costa, depois dos votos dos Srs. Mins. Cunha Vas­concellos, negando provimento à apelação, e Armando Prado, dan­do provimento ao recurso.

Voto

o Sr. Min. Sampaio Costa -Sr. Presidente, dada a divergên­cia entre os Srs. Mins. Rela­tor e Revisor, aquêle confirman­do a sentença apelada,' que julgou procedente a presente demarca­tória, e êste dando provimento à apelação para o fim de julgar os autores, ora apelados, carecedores da ação, pedi vista dos autos para maiores esclarecimentos antes de proferir o meu voto.

Do exame que fiz dos mesmos, fiquei convencido de que a sen­tença do-ilustrado Dr. Juiz a quo deve ser confirmada por seus fun­damentos.

Realmente, em nosso direito civil, uma das faculdades ineren­tes ao domínio é a de exigir a demarcação: "Todo proprietário

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- diz o Cód. Civ., art. 569 -pode obrigar o seu confinante a proceder com êle à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados, e a renovar mar­cos destruídos ou arruinados, repartindo-se, proporcionalmente, entre os interessados, as respecti­vas despesas".

Provado o jus in re e a neces­sidade de aviventar os rumos ou renovar os marcos destruídos ou arruinados entre as propriedades limítrofes, não há como recusar a demarcação pedida.

Ora, os autores, apelados, pro­puseram a presente demarcatória, justamente para fixar rumos e aviventar marcos da linha que se­param a sua propriedade, que é uma . vasta porção de terra des­membrada da antiga Fazenda da Paciência, outrora pertencente aos Frades da Ordem Carmeli­tina Fluminense, da propriedade dos réus, ora apelantes, denomi­nada Fazenda do Piahy, antigo engenho do Piahy, desmembrada da Fazenda de Santa Cruz, que pertenceu aos Frades da Compa­nhia de Jesus.

Instruindo o pedido, juntaram para prova de seu direito de pro­priedade sôbre as terras em ques­tão, desmembradas da Fazenda da Paciência, escrituras e títulos de transferência, devidamente re­gistrados no Registro de Imóveis, pelos quais se verifica se have­rem êles tornado sucessores dos primitivos titulares da referida Fazenda, a qual fazia limites com a Fazenda Nacional de Santa Cruz, de onde veio a ser desmem­brada a falada propriedade dos réus apelantes.

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Logo, é de julgar-se proceden­te a demarcatória requerida.

É verdade que os réus apelan­tes contestaram a ação alegando que "a propriedade dos autores apelados não lhes veio às mãos por via regular, havendo um hia­to ou falta na cadeia dos regis­tros", "sendo seus títulos inope­rantes por falsidade ideológica e mesmo objetiva".

A alegação, porém, não vem acompanhada de qualquer prova, e isso não basta. O que se evi­dencia dos autos é que os auto­res, por escritura pública, devida­mente registrada no Registro de Imóveis (does. de fls. 296/299 e 300/301) adquiriram do Capitão Oldemar Corrêa de Sá, sua mu­lher e outros, os falados terrenos, desmembrados da antiga Fazen­da da Paciência, na Estação do mesmo nome. Freguesia de Cam­po-Grande, desta Cidade, terrenos êsses havidos pelos vendedores no inventário de seus pais e so­gros, Francisco Corrêa de Sá e sua mulher, D. Josefa de Morais Cor­rêa de Sá, processado no Juízo da 2.a Vara de Orfãos, Cartório do 2.° Ofício, cuja partilha foi julga­da por sentença, transcrita no Re­gistro de Imóveis do 4.° Ofício, desta Cidade.

O documento de fls. 338 ou 189, certidão extraída da Vara de Registros Públicos, em processo levantado por ocasião da transcri­ção do título de domínio da pro­priedade dos apelados, reza o his­tórico do domínio da mesma pro­priedade e "estudado em harmo­nia com o roteiro das transcrições oferecidas às fls. 452 e 453, con­vence", como textualmente pon­dera o prolator da sentença ape-

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lada, "de que, no tocante à qua­lidade dos autores para intenta­rem a demarcação das terras que adquiriram, da antiga Fazenda Paciência, é esta incontestável, tendo o pedido obedecido ao que dispõe a lei".

Pelo sistema vigente em nosso Direito Civil, a propriedade imóvel adquire-se pela transcrição do tí­tulo de transferência no Registro de Imóveis, constituindo o regis­tro uma prova suficiente da mes­ma propriedade, ainda que possa ser destruída. Enquanto não eli­dida por prova em contrário, des­feito ou anulado o registro, ela subsiste.

Os réus apelantes não produzi­ram prova alguma capaz de des­fazer a presunção legal, juris tantum do jus in Te dos apelados. Limitaram-se a contestá-lo com

palavras e argumentos pertinen­tes a questões a serem apuradas na segunda fase da ação, ou seja, na fase executória.

As largas considerações expen­didas no voto do Sr. Min. Revi­sor, mau grado a autoridade de origem, também não me conven­ceram da carência de direito que atribuem aos apelados para pro­porem a ação que intentaram. Na fase preliminar em que se en­contra a demarcatória, repetimos, é intempestiva a apreciação sôbre as linhas e rumos a traçar. Con­firmo a sentença apelada.

Decisão

Por maioria de votos, a Primei­ra Turma negou provimento à apelação e confirmou a sentença, contra o voto do Sr. Min. Re­visor.

APELAÇÃO CíVEL N.O 524 - DF.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Henrique d'Ãvila Apelantes - Cia. de Seguros Marítimos e Terrestres Garan­

tia, Estrada de Ferro Central do Brasil Apelados - Os mesmos e a Rêde Mineira de Viação

Acórdão

No caso de transporte cumulativo, discipHnado pelo Decreto n.o 2.861, de 7 de Dezembro de 1912, pode a ação decorrente de perda, furto ou avaria, ser intentada, indiferentemente, contra a rêde ferrO­viária que aceitou a expedição ou contra a que en­tregou a mercadoria avariada.

Tendo ficado, no entretanto, cabalmente apu­rada no correr da ação a inequívoca responsabili­dade da litisconsorte, em atenção ao princípio da economia processual, assegura-se, desde logo, à ré, o direito que lhe assiste de ressarcir-se da impor­tância efetivamente paga à seguradora.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n.o 524, do Distrito Federal, em

que são apelantes a Companhia de Seguros Marítimos e Terrestres Garantia, e a Estrada de Ferro

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Central do Brasil, e apelados os mesmos e a Rêde Mineira de Viação:

Acorda o Tribunal Federal de Recursos, por sua Segunda Turma Julgadora, em dar, em parte, por unanimidade de votos, provimen­to à apelação da Central do Bra­sil, para envolver na responsabi­lidade Civil a litisconsorte, Rêde Mineira de Viação, tudo consoan­te ressalta das notas taquigráficas anexas, que constituem parte inte­grante da presente decisão. Custas ex lege.

Rio, 19 de Dezembro de 1947. - Abner de Vasconcellos, Presi­dente; Henrique d'Ávila, Relator.

Relatório

o Sr. Min. Henrique d'Ávila (Relator) - Perante ° Juízo da 3.a Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal foi, a 15 de Maio de 1944, proposta pela Cia. de Seguros Marítimos e Terrestres Garantia S.A., contra a Estrada de Ferro Central do Brasil, a pre­sente ação ordinária de indeniza­ção, com assistência da União Fe­deral. Alega a autora que, no exer­cício de suas atividades de segu­radora, pagou à Sociedade Expor­tadora Carioca Ltda., estabe­lecida à Rua da Quitanda n.O 11, 4.° andar, a importância de ... Cr$ 29.820,40; que, com o paga­mento dessa indenização decor­rente do contrato de seguro con­substanciado na apólice de fls., fi­cou ela, autora, sub-rogada em to­dos os direitos do segurado; que dito pagamento foi expressamen­te autorizado pelo Instituto de Resseguros do Brasil; que a inde-

nização a que se viu obrigada a autora a satisfazer, resultou da cir­cunstância de se haverem incen­diado 120 fardos de algodão im­prensados, transportados pela ré, sem as cautelas necessárias, em va­gão aberto, de Pôrto Ferreira a Curvelo; que, tratando-se, na es­pécie, de incêndio ocorrido duran­te o transporte em vagão aberto, não obstante ter sido requisitado vagão fechado, a responsabilidade da ré é agravada pela infração dos arts. 46, 47, 52 e 140 a 142 do Decreto n.O 15.683, de 7-9-1922" que disciplina a segurança, polícia e tráfego nas estradas de ferro. Termina a autora por pedir a con­denação da ré na quantia de Cr$ 35.912,70, visto tratar-se no caso de sub-rogação convencional, e mais juros de mora, custas e ho­norários de advogado.

Com a inicial foram juntos os documentos de fls. 8 a 18.

A ação foi contestada pela ré, Estrada de Ferro Central do Bra­sil, que, em síntese, alegou o se­guinte: a) que o sinistro não ocor­reu em suas linhas, mas nas da Rêde Mineira de Viação Ltda.; b) que, baseando-se a indenização em nosso Direito, no princípio subjetivo da culpa, não pode ser ela, ré, responsabilizada pelo even­to lesivo, porque só é obrigada a reparar o dano "aquêle que por ação ou omissão voluntária, negli­gência ou imprudência, violar di­reito ou causar prejuízo a outrem" (Código Civil, art. 159); c) que é certo que o art. 14, do Decreto n.O 2.681, de 1912, faculta no ca­so de transiP0rte acumulativo a propositura da demanda contra qualquer dos seus participantes, mas sem o caráter de solidarieda-

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de passiva, ao passo que o art. 15, § 1.0, do mesmo Decreto, determi­na que "será responsável pela per­da, furto ou avaria da mercadoria, a estrada em cuja linha se der o fato".

Citada a Rêde Mineira para in­tegrar a contestação, dado o seu inegável interêsse na causa, levan­tou esta as preliminares de incom­petência de Juízo e de prescrição, tendo sido ambas rejeitadas; a primeira pelo despacho de fI. 81, que transitou em julgado; e a se­gunda pela sentença final, objeto da apelação.

Após transitarem pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, foram os presentes autos, afinal, remeti­dos a êste Tribunal de Recursos, tornando competente, por deter­minação constitucional, para o exame e julgamento da causa, em grau de recurso.

Nesta Superior Instância, ma­nifestou-se o Ex.mo Sr. Dr. Sub­procUll"ador-Geral da República, em seu Parecer de fI. 156, pelo provimento da apelação da Estra­da de Ferro Central do Brasil.

Ê:sse é o Relatório. Ao Ex.mo

Sr. Min. Revisor.

Voto-preliminar

o Sr. Min. Henrique d'Ávila (Relator) - Improcede de todo a preliminar de prescrição deba­tida nestes autos. A prescrição se consumaria ao fim de um ano, a contar da data da entrega da mer­cadoria. E, a 29 de Maio de 1943, como salienta a decisão apelada, a mercadoria sinistrada ainda se encontrava nos armazéns da trans-

portadora. :Portanto, quando da propositura da ação a 22 de Maio de 1944, ainda não havia trans­corrido o lapso prescricional.

Voto-preliminar

a Sr. Min. Abner de Vasconcel­los - De acôrdo com o voto do Sr. Min. Relator, desprezo a pre­liminar de prescrição.

Voto-preliminar

a Sr. Min. Macedo Ludolf Sr. Presidente, antes de proferir o meu voto, desejava pedir alguns esclarecimentos ao Sr. Min. Rela­tor. Desejava saber quem alegou a preliminar?

a Sr. Min. Henrique d' Ávila -Foi a Central do Brasil.

a Sr. Min. Macedo Ludolf -E a litisconsorte?

a Sr. Min. Henrique d' Ávila -A Rêde Mineira de Viação? En­trou depois; não cogitou da preli­minar.

a Sr. Min. Macedo Ludolf -V. Ex.a diz que o prazo da pres­crição é de um ano?

a Sr. Min. Henrique d'Ávila­Sim, de acôrdo com o Decreto n.o 2.681.

a Sr. Min. Abner de Vasconcel­los - A parte de mercadoria que se salvou do incêndio ficou depo­sitada nos armazéns da Rêde }.VIi­neira de Viação.

a Sr. Min. Macedo Ludolf -A Companhia seguradora efetuou o pagamento da indenização, e essa Companhia é que moveu a ação?

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o Sr. Min. Henrique d'Avila­Exatamente. E nessa ação foi cha­mada a Rêde Mineira de Viação.

O Sr. Min. Macedo Ludolf -E a Central do Brasil alegou a prescrição de um ano?

O Sr. Min. Henrique d'Avila­Justamente.

O Sr. Min. Macedo Ludolf -A partir de quando?

O Sr. Min. Henrique d' Avila -A partir da entrega da mercado­ria. Mas verificou-se que a mer­cadoria não foi entregue.

O Sr. Min. Abner de Vasconcel­los - A mercadoria ficou detida nos armazéns da transportadora.

O Sr. Min. Macedo Ludolf -Só se poderia estabelecer o marco do prazo da prescrição a partir da entrega, e não houve entrega?

O Sr. Min. Henrique d'Avila­Perfeitamente.

O Sr. Min. Macedo Ludolf -Diante da explicação de V. Ex.a,

desprezo a preliminar de prescri­ção.

Voto-mérito

O Sr. Min. Henrique d'Aviia (Relator) - Pretende a Central do Brasil que a presente ação de­via ser dirigida contra a Rêde Mi­neira de Viação, em cujas linhas deu-se o sinistro gerador do direi­to da autora à indenização plei­teada. O art. 14, do Decreto n.0 2.681, Ide 7 de Janeiro de 1912, ao disciplinar o assunto em causa, isto é, a responsabilidade no caso do transporte acumulativo, esta­belece "que a ação de indenização terá lugar contra a Estrada que aceitou a expedição, ou contra a

que entregou a mercadoria ava­riada". Portanto, lícito era à au­tora escolher, livremente entre ::?s duas Estradas transportadoras, aquela contra a qual pretendesse fazer incidir a obrigação de inde­nizá-la dos prejuízos sofridos, fi­cando, como é óbvio, assegurado à preferida º direito regressivo, caso a culpa pela perda da mer­cadoria segurada não lhe caiba, total ou parcialmente.

A autora, segundo a documen­tação junta aos autos, pagou à se­gunda, Sociedade Exportadora Ca­rioca Ltda., apenas a importância de Cr$ 29.820,40, recebendo des­ta plena e geral quitação do pre­juízo sofrido pela mercadoria em­barcada pela ré-apelante. Impro­cede, portanto, sua pretensão de obter da apelante quantia maior sob o pretexto de tratar-se na es­pécie de sub-rogação convencio­naI. Não é justo, nem moral, que o segurador, como faz sentir a sen­tença apelada, venha a receber mais do que o despendido na li­quidação do sinistro. Tal impor­taria num enriquecimento ilícito, não autorizado pela lei e repudia­do pelo senso comum, a despeito das longas e eruditas razões, em sentido contrário, alinhadas pelo nobre patrono da primeira ape­lante. A sub-rogação convencio­nal não pode, nem deve, juridica­mente, em casos como o dos autos, produzir efeitos mais amplos e ex­tensos do que a legal. Ante ao ex­posto, nego provimento a ambas as apelações.

Voto-mérito

O Sr. Min. Abner de Vasconcel­los (Revisor) - A Companhia

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Seguradora Terrestres e Maríti­mos propôs, contra a Estrada de Ferro Central do Brasil, ação pa~ Ta recebimento de Cr$ 29.820,40 de indenização que pagou à So­ciedade Exportadora Carioca, pro­veniente de incêndio de mercado­rias despachadas naquela Estrada, ficando sub-rogada nos direitos da segurada. A apólice é de ..... Cr$ 35.000,00. A ré chamou a Rêde Mineira de Viação Ltda. à autoria, por ter sido em ramal desta que se verificou o incêndio. A sentença apelada julgou proce­dente a ação e improcedente a re­convenção. Mandou pagar à au­tora Cr$ 29.820,40, valor exato do prejuízo causado pelo incêndio da mercadoria. A Companhia de Seguros apelou para receber o valor do seguro, por se tratar de sub-rogação convencional, regula­da pelo Cód. Civil, art. 985/6, e não sub-rogação legal.

E invoca J. L. Alves, Clóvis e C. Santos, que fazendo a diferen­ciação frisam que a primeira dá lugar ao recebimento total do va­lor do seguro, independente dos danos. A Central quer afastar a sua responsabilidade, para trans­feri-la à Rêde Mineira.

. O Decreto 2. 681, de 7 de De­zembro de 1912, art. 14, dispõe que no caso de transporte cumu­lativo pode a ação decorrente de perda, furto ou avaria, ser inten­tada contra a rêde que aceitou a expedição, ou contra a que entre­gou a mercadoria avariada. E o art. 15 dispõe que será responsá­vel pelo prejuízo a Estrada em cuja linha se der o fato. O incên­dio se verificou no trecho da Rê­de Mineira, e o chamado à auto­ria integra-a na ação. O fôro, en-

tretanto, devia ser o da União e não o. de Minas, pela prevalência do primeiro. Não há que se falar de prescrição, de vez que a mer­cadoria incendiada continuou de­positada em armazéns da Rêde Mineira. O Decreto 2.681 tem de ser interpretado em seu siste­ma, e não por partes isoladas. O art. 14 prevê a responsabilidade solidária, o que permite à parte prejudicada pelo dano demandar qualquer das companhias de trans­porte. Entretanto, o art. 15 possi­bilita à que satisfez a indenização ter ação regressiva contra aquela em cuja rêde se verificou o pre­juízo. Diante disso, a Estrada de Ferro Central do Brasil foi bem demandada. A Companhia Segu­radora tem direito apenas ao va­lor do dano efetivo.

Pretender-se que, no caso, o di­reito do credor sub-rogado possa ir além da importância do que despendeu como indenização do prejuízo causado pelo incêndio, é incorrer na censura da moral e do direito.

C. de Mendonça, o civilista, tra­tando dos efeitos da sub-rogação, quer legal, quer convencional, diz que o sub-rogado não poderá exer­cer os direitos e ações do credor, senão até a soma que tiver desem­bolsado para desobrigar o deve­dor. E acrescenta que a conven­cional não pode conferir direitos mais amplos do que a legal. As­sim pensam, Duranton, Aubry et Rau, Mazzoni, Pothier e Demo­lombe. O grande civilista pátrio justifica-se dizendo que a conven­ção das partes, podendo modificar a sub-rogação convencional, não lhe pode dar efeitos mais exten-

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sos do que a que se faz por deter­minação da lei (Obrigações, 324).

Nas relações contratuais sôbre seguros de mercadorias, a obriga­cão de indenizar está sempre rela­~ionada com o resultado efetivo do prejuízo, limitado pelo valor da apólice. Essa circunstância restringe a compreensão do art. 986, !, do Código Civil. Assim, nego provimento às apelações.

Vista

o Sr. Min. Macedo LudoIf Sr. Presidente, houve um litiscon­sórcio passivo pelo chamamento da Rêde Mineira de Viação como co-ré, e, assim sendo, creio que a sentença devia ter abordado tam­bém êsse aspecto, para que não resultasse inócuo, como parece ter resultado, o ingresso da referida Rêde Mineira no processo.

Não me sentindo devidamente esclarecido para proferir o meu voto, peço vista dos autos a Vossa Excelência.

Decisão

Como consta da ata, a deCIsão foi a seguinte: Adiado o julga­mento a pedido do Ex.mo Sr. Min­Macedo Ludolf, depois de profe­ridos os votos dos Ex.mos Srs. Mins. Relator e Revisor, que ne­garam provimento. Pela Estrada de Ferro Central do Brasil usou da palavra o Sr. advogado Abe­lardo Barreto do Rosário.

Voto-mérito

° Sr. Min. Macedo Ludolf -Na hipótese, verificou-se um litis­consórcio passivo, considerado ne-

cessano, conforme a decisão de fI. 42, que foi reafirmada no des­pacho saneador a fI. 81, sem que houvesse, a respeito, a interposi­ção de qualquer recurso.

O que ocorreu foi exatamente o seguinte: a Rêde Mineira de Viação, chamada ao processo, nê­le ingressou na qualidade de co­ré, ao lado da outra co-ré, Estra­da de Ferro Central do Brasil, in­tegrando a primeira a contestação que pela segunda já havia sido oposta.

A causa prosseguiu em seus têr­mos regulares, com ampla defesa por parte dos interessados, sendo afinal proferido julgamento pelo DI'. Juiz a quo, em cuja sentença, por um de seus consideranda, se reconheceu e proclamou que o si­nistro de mercadorias, que faz ob­jeto do litígio, ocorrera nas linhas da referida Rêde Mineira, o que, em realidade, ficou fora de qual­quer dúvida, através dos debates travados, notando-se mesmo que a apontada Estrada, por ocasião de contestar o pedido ajuizado, não impugnou o fato daquele si­nistro, e nem tão pouco o arbitra­mento feito em relação aos pre­juízos verificados.

Limitou-se essa contestante a pontos preliminares, inteiramente desprezados pelo julgador na fase saneadora da lide, com o que ela contestante se conformou, diante do seu silêncio nesse tocante.

O litisconsórcio em questão, previsto no Código de Processo Civil, art. 91, tem lugar quando há entre os litigantes, autores de um lado, ou réus de outro, comu­nhão de interêsse com relação ao objeto do litígio.

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A existência de semelhante si­tuação é irrecusável no caso, ten­do-se em vista, ex vi do invocado Decreto 2.681, de 1912, art. 14, a solidariedade passiva das duas co-rés na realização do evento.

Efetivamente. Dispõe o citado art. 14, com relação ao transpor­te de mercadorias por mais de uma estrada de ferro, "que a ação de indenização terá lugar contra a Estrada que aceitou a expedi­ção, ou contra a que entregou a mercadoria avariada", asseguran­do o art. 15, seguinte, o direito reversivo, em favor daquela esco­lhida pelo prejudicado para o fim da cogitada indenização, quando a culpa do acidente recaia sôbre a outra.

Ora, inconteste como está a cul­pabilidade da Rêde Mineira, dês que o fato danoso se deu exata­mente por ocasião de se acharem as questionadas mercadorias em transporte pelo leito da dita Es­trada, nada mais resta senão en­volvê-Ia na responsabilidade do pagamento devido. Isto se impõe, independente, já agora, do emprê­go de qualquer outro procedimen­to judicial, por isso que o Dr. Juiz a quo, observando o princípio da economia processual, como um dos postulados dominantes na nossa atual legislação de direito adjetivo, bem andou ao fazer in­gressar na demanda a Estrada que vem de ser considerada cul­pada.

O decisório, não pode, é óbvio, excluir da condenação a Estrada de Ferro Central do Brasil, diante do aludido Decreto 2. 681, em seu dispositivo acima transcrito, do qual decorre a faculdade da parte autora de escolher a Estrada que

efetive a indenização devida, mas pode e deve o julgador assegurar, desde logo, à mencionada Central do Brasil, a situação jurídica lí­quida e certa de haver da Rêde Mineira de Viação a importância do pagamento a que ora é conde­nada a efetuar, valendo o julgado como título bastante a êsse fim, pois que, a não ser assim, resul­taria de todo inócua a medida do litisconsórcio que se estabeleceu, cuja determinação passou em jul­gado.

Pelo exposto, dou provimento em parte à apelação da Central do Brasil, para que se compreen­da também na sentença apelada a condenação da Rêde Mineir'3. de Viação, no sentido de ressarcir à apelante o pagamento a que es­ta fica sujeita a indenizar à com­panhia seguradora, como sub-ro­gada.

Quanto à apelação interpost~ pela referida Companhia, nego­lhe provimento, nos têrmos dos votos já proferidos.

Aditamento ao Voto

o Sr. Min. Henrique d'Ávila (Relator) - Diante do voto qUe acaba de ser proferido pelo Sr. Min. Macedo Ludolf, não tenho dúvida em reconhecer que a solu­ção proposta por S. Ex.a se com­padece melhor com a índole do litisconsórcio passivo. E desta for­ma, reconhecendo a inequívoca responsabilidade da Rêde Minei­ra de Viação, não tenho dúvida em modificar o meu voto, profe­rido na sessão anterior. Estou de inteiro acôrdo com S. Ex.a em permitir que a Central do Brasil fique, desde logo, com o direito

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de reaver da Rêde Mineira de Viação a importância paga à se­guradora. Dou provimento, para êsse fim.

Aditamento ao Voto .

o Sr. Min. Abner de Vasconcel­los - Acompanho o voto de V. Ex.a com a modificação que acaba de fazer.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Por unanimidade, a Turma deu provimento, em par­te, à apelação, para reformar a decisão apelada, a fim de envol­ver na responsabilidade civil a Rêde Mineira de Viação, pela ação regressiva a que alude o art. 15, do Decreto 2.681, de 1912. Adiado da sessão anterior.

APELAÇÃO CíVEL N.O 718 - DF.

Relator - O Ex. mo Sr. Min. Macedo Ludolf Apelante - The Liverpool & London Globe Insurance Co. Ltd Apelada - A União Federal

Acórdão

Juros de apólices federais. Fundo de reserva para depreciação de títulos. Incidência do Impôsto de renda oobre uma e outra hipótese.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível, do Distrito Federal, em que é ape­lante The Liverpool & London Globe Insurance Co. Ltd. e ape­lada a União Federal:

Acorda o Tribunal Federal de Recursos, por sua Segunda Tur­ma, e de acôrdo com as notas ta­quigráficas juntas, em negar pro­vimento à apelação interposta, para confirmar integralmente a decisão recorrida, vencido em par­te o Relator, que foi pela isenção do impêsto quanto aos juros de apólices, no caso configurado.

Custas ex lege. Rio, 26 de Fevereiro de 1948.

- Abner de Vasconcellos, Presi­dente; Macedo LudoIf. Relator.

Relatório

o Sr. Min. Macedo LudoIf (Re­lator) - Perante o Juízo da Fa­zenda Pública, no Distrito Fede­ral, propôs The Liverpool & Lon­don Globe Insurance Company Limited, uma ação ordinária con­tra a União Federal, a fim de ser decretada a nulidade da decisão proferida pelo 1.0 Conselho de Contribuintes, em virtude da qual ficara a autora obrigada ao paga-mento da importância de ..... . Cr$ 6 .893,30, correspondente à diferença do impôsto de renda en­contrada pela respectiva reparti­ção, na declaração prestada, a res-

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peito, pela mesma autora, em re­ferência ao exercício de 1938.

Como menciona a inicial, essa diferença prende-se à tributação de duas parcelàs, na base de 6% do impôsto, sendo a primeira re­lativa a juros de apólices de pro­priedade da declarante, que dei­xaram de ser computados como renda, e a segunda referente à glosa procedida pela Diretoria do Impôsto em questão, na verba de Cr$ 65.292,00, incluída no balan­ço da aludida autora, como "reser­va para depreciação de títulos".

Sustenta-se, no tocante aos ju­ros de apólices da dívida pública federal, haver completa isençãp do pagamento que ficou exigido, segundo a jurisprudência do Egré­gio Supremo Tribunal Federal.

Em atinência à "reserva para depreciação de títulos", argúi-se que não pode ser feita a cobrança pretendida pelo fisco, eis que, em caso contrário, haverá uma dupli­cidade de tributação, ou seja, o pagamento sôbre a mesma rendd, quando ela é transferida para a reserva, por determinação do Re­gulamento de Seguros, e nova­mente quando é extornada, dado o aumento da cotação dos títulos, isto é, a sua revalorização.

A União Federal, em sua con­testação, postula que a legislação do impôsto de renda não cogita da origem dos rendimentos, para o cálculo devido pelas pessoas ju­rídicas, acentuando não ter cabi­mento a pretensão ajuizada, em face dos dispositivos regulamen­tares que ficaram expressamente invocados naquela peça de defesa.

Na audiência de instrução e julgamento, depois de junto o do-

cumento de fI. 28, sôbre o qual houve o pronunciamento da parte contrária, sentenciou o então Dr. Juiz a quo, hoje eminente Minis­tro dêste Tribunal de Recursos, Dr. Cunha Vasconcellos, o que fêz no sentido da improcedência da ação proposta, condenando a au­tora nas custas. Nessa decisão, o s~u digno prolator, depois de refe­rir-se ao Decreto n.0 1.168, de 22 de Março de 1939, no qual fi­cou estabelecido incidir o impôsto de renda sôbre os juros de apóli­ces, qualquer que seja a data da emissão, salvo isenção expressa por lei, abordou o aspeto do caso em tela através dos julgados do nosso mais alto Tlribunal, termi­nando por considerar que, nessa parte, não pode ser reconhecido qualquer direito em favor da au­tora, porque: I - não provou que as apólices cujos juros teriam si­do taxados, são de emissão ante­rior à lei de criação do impôsto de renda, e nem tão pouco que sôbre êsses juros teria recaído o impôsto impugnado; II - não provou a data do lançamento su­plementar, o que era indispensá­vel em face do disposto no art. 26, do citado Decreto n.o 1.168 e da inteligência que lhe deu a Jus­tiça.

Relativamente à verba glosada pela repartição, lembra o aresto do art. 54, do Regulamento aplicável, para demonstrar que se toma im­possível a dedução que fizera a autora na sua renda total, porque isso lhe é vedado naquele disposi­tivo, consagrando a jurisprudên­cia, por seu turno, a regra inflexí­vel da incidência geral do impôs­to, encarada a isenção, portanto, restritamente.

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A autora, inconformada, inter­pôs apelação, como se vê a fls. 31, oferecendo longas razões, acom­panhadas dos documentos de fls. 40 a 44 v., com os quais visou a esclarecer a matéria que o julga­do de Primeira Instância apontou como não provada no curso da causa.

Recebido o recurso e ouvida em seguida a apelada, por seu repre­sentante (fI. 47), subiram os au­tos ao Egrégio Supremo Tribunal Federal, tendo ali exarado o Dr. Procurador-Geral da República seu Parecer, junto às fls. 54/55, no qual expendeu argumentos ten­dentes a mais destacar a afirma­tiva de não ter fundamento a lide em aprêço, opinando assim pelo não provimento do recurso.

Neste Tribunal, para o qual foi remetido o processo, em virtude de competência superveniente, pronunciou-se o Dr. Subprocura­dor-Geral na mesma conformida­de daquele Parecer.

É o Relatório.

Preferência

o Sr. Min. Abner de Vasconcel­los (Presidente) - Acaba de so­licitar a palavra o Sr. advogado.

(Fala o Sr. Dr. Advogado). O Sr. Min. Abner de Vasconcel­

los (Presidente) - Como V. Ex.as

acabam de ouvir, o requerimento do ilustre advogado pede prefe­para o julgamento da Apelação Cível 718, que está na pauta de hoje, em último lugar. Mas como os advogados dos dois primeiros processos ainda não estão presen­tes, pede à Egrégia Turma para que seja julgado em primeiro lu-

~ar o processo 718. Consulto e peço que se manifestem sôbre o assunto os Srs. Ministros.

Preferência-Voto

O Sr. Min. Macedo Ludolt (Re­lator) - Esta matéria de prefe­rência nos julgamentos já foi ob­jeto de decisão do Tribunal Ple­no. Ficou assentado que, quando se tratasse de causa que estivesse em pauta, e houvesse razão rele­vante que a justificasse, far-se-ia a concessão da preferência. Já há uma norma estabelecida neste Tribunal, e que deve ser observa­da, não só em Tribunal Pleno co­mo também em Turma. Verifica­se, no caso, que temos três julga­mentos, e sou justamente o Rela­tor dos três processos. Acho que podemos julgar todos êles ainda hoje. Diante disso, penso que não há inconveniente em que se inver­ta a pauta, adiando por momentos os outros dois julgamentos, sem que haja prejuízo.

Preferência-Voto

O Sr. Min. Artur Marinho (Re­visor) - Também estou de acôr­do, mesmo porque andei verifi­cando que dentre os processos em pauta o que se pretende passar para primeiro lugar é o de prepa­ro mais antigo na Secretaria do Supremo Tribunal; aplicar-se-ia, então, o § 1.0, do art. 60, do Regi­mento Interno.

Preferência-Voto

O Sr. Min. Henrique d'Ávila­Também estou de acôrdo.

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Voto (Vencido, em parte)

o Sr. Min. Macedo Ludolf (Re­lator) - É incontestável que a primitiva jurisprudência do Egré­gio Supremo Tribunal orientou-se, uniforme e torrencialmente, no sentido da isenção dos juros de apólices federais ao pagamento do impêsto de renda, quando ditas apólices tivessem sido emitidas em data anterior à instituição do cogitado impôsto (Lei 4.984, de 31-12-925 ).

Em razão mesma dêsse enten­dimento, cujos fundamentos são notórios, foi que surgiu, então, o Decreto-Iei n.o 1.168, de 1939, em cujo art. 26 se estabeleceu a incidência do questionado tributo sôbre aquêles juros, qualquer que seja a data da emissão do título, salvo expressa concessão, por lei, da imunidade fiscal.

Encarando tal dispositivo, ú

pronunciamento da Justiça foi pe­la negativa da existência de efeito retroativo que ao mesmo se que­ria emprestar. Construiu-se, em tômo do assunto, a exegese que se impunha, ou seja, que o nôvo preceito legal, em face de seus próprios têrmos, regulando para o futuro, só teria eficácia em rela­ção às declarações de renda cor­respondentes a exercícios poste­riores à sua vigência.

É a solução jurídica a que me filio, embora a maioria do nosso mais elevado Tribunal tenha, nos últimos tempos, em vários julga­dos, firmado o princípio de que não cabe a isenção ora pleiteada, a não ser quando esteja expressa a concessão da imunidade fiscal.

A sentença apelada, consideran­do os vários aspectos pertinentes

ao caso em aprêço, entendeu, f::

muito acertadamente, de negar à apelante o direito à pré-aludida isenção, eis que não havia com­provantes que amparassem a sua pretensão.

Todavia, com as razões do re­curso, a mesma apelante ofereceu as certidões de fls. 40, 43 v. e 44, das quais resulta evidente que as apólices envolvidas na lide foram emitidas antes de 1925, sem ter havido ainda a criação do tribu­to, e que, por outro lado, a exigên­cia fiscal impugnada é realmente de referência a essas apólices, ocorrendo, além disso, que o im­pêsto cobrado prende-se a lança­mento suplementar feito em 1938 (fls. 44 v.), ou seja, anterior ao citado Decreto-lei n. ° 1. 168, de 1939. Ditos documentos não so­freram qualquer restrição por parte da apelada, que apenas se limitou a insistir pela incidência do tributo sôbre as apólices de qualquer emissão e, mais ainda, qualquer que seja o exercício.

Entretanto, como já ficou ex­posto, intributáveis devem ser os títulos em espécie, dês que se veio a demonstrar, de modo cabal, con­correram em favor da apelante 2S

condições que o Dr. Juiz a quo definiu com justiça, a fim de se reconhecer o direito de não paga­mento na hipótese configurada. Nesta parte, portanto, não deve subsistir o julgado, dada a situa­ção superveniente surgida no pro­cesso.

Relativamente à parcela que a apelante diz destinar a fundo de "reserva para depreciação de ti­tulos", basta a invocação do art. 54, do Regulamento do Impôsto de Renda, no qual é vedada, taxa-

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tivamente, qualquer dedução nos rendimentos totais, sob aquela ru­brica fundo de reserva, qualquer que seja a designação que tiver. Diante disso, perde de importân­cia tôda a argumentação visando à isenção também pretendida, o que, aliás, já tem sido objeto de decisão, por mais de uma vez, em casos análogos. Todo e qualquer lucro proveniente da atividade dê pessoa física, ou jurídica, está su­jeito ao pagamento do impâsto de renda, admitindo-se a isenção restritamente, ou melhor, quando prevista em lei, por forma a não deixar dúvida. Assim, não há se­não subsistir o aresto no ponto que acaba de ser perquirido.

Nestas condições, dou provi­mento em parte à apelação, para excluir do impôsto cobrado so­mente os juros das apólices de propriedade da apelante, por esta­rem isentas de incidência fiscal na situação de que se trata.

Voto

o Sr. Min. Artur Marinho (Re­visor) - A sentença recorrida, lavrada pelo douto Juiz Cunha Vasconcellos, quando titular da 3.a Vara da Fazenda Pública, e hoje provecto Ministro dêste Tri­bunal, é uma brilhante ementa do que de melhor se poderia produ­zir sôbre a matéria nela versada. Sustenta-se, pois, por seus jurídi­cos fundamentos. A questão de prova específica a que acaba de referir-se o ilustre Sr. advogado da apelante, para mim é secundá­ria porque eu me coloco no terre­no de puros princípios.

Mantenho velha convicção acêr­ca do assunto ora em julgamento

e, por mais que procure reexami­nar estudos antigos, como agora mesmo tornei a fazer, não me ca­pacito de que deva mudar meu ponto de vista. Para mim, hoje, a única ressalva que adoto é a relativa às apólices referentes ao reajustamento econômico, visto lei expressa conferindo a isenção.

Precisamente numa ação entre as mesmas partes neste processo, tive que decidir idênticas relações de direito entre elas, por sentença de 20 de Novembro de 1939. Es­tava eu então no exercício da 1.a

Vara da Fazenda Pública, como Pretor, substituindo o eminente Nelson Hungria.

Reproduzo, como documentá­rio, meu trabalho de oito anos atrás, porque em tôrno do tema lavraram divergências tamanhas que se chegou ao extremo de uma prática, mal processada e também mal repelida, do art. 96, Parágra­fo único, da Carta de 1937. Fo­ram êstes os fundamentos da sen­tença que proferi naquele ano: "Assim sumariado o caso julgan­do, observo: I - Quando Juiz Fe­deral seccional, em 1937, vigoran­do ainda a Constituição de 1934, sentep.ciei reiteradamente pronun­ciando-me pela constitucionalida­de das leis relativas à incidência do tributo sôbre juros de apólices da dívida pública. Divergi, por­tanto, com a devida vênia, da ju­risprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal, lamentando com sinceridade essa divergência, que, para mim, persistiu após pa­ciente pesquisa nas fontes e de­morada meditação sôbre a tese da Insigne Instância. Minha respon­sabilidade era tamanha que so­mente motivando exaustivamente

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me era possível realçar minha fi­delidade para com o que reputei correto e justo. Mesmo assim, mi­nha divergência foi e continua sendo um convite respeitoso a um repensamento da jurisprudência firmada.

Hoje, seria cômodo considerar o assunto resolvido pelo direito positivo recente (art. 26 do De­creto-lei n.o 1.168), em face da possível retroação da lei à vista de interêsse nacional prevalecen­te, conforme o sistema da Carta de 1937, tão marcadamente posta .em destaque, nestes autos, pelo culto 2.° Procurador da Repúbli­ca, Dr. Luiz Gallotti. Volto, entre­tanto, a fundamentar a tese de meu sufrágio de outrora, até por­que não vejo com suficiente plau­sibilidade em que a Constituição nova possa determinar, automàti­mente, o cancelamento daquela jurisprudência, cuja tirada de cur­so me parece dever ser a obra de reestudo do próprio Judiciário, sempre esclarecido quando se co­gita de respeitar as leis e defen­der legítimos interêsses. É sinto­mático o eminente Min. Costa Manso, antes de deixar a cadeira que tanto honrou no Supremo, ter revisto seu modo de julgar ante­rior, concluindo: "reputo, pois, le­gítima a exigência fiscal, e, pois, embora pesaroso ,afasto-me da ju­risprudência estabelecida" (no Ag. de Pet. n. ° 8.331, dêste Distrito).

Portanto: a) Foi a Lei de 15 de Novembro de 1827 a primeira que, no Império, estabeleceu a isenção de impôsto sôbre apólices da dívida pública interna. Tex­tuais do art. 37: "as apólices se­rão isentas de impôsto sôbre he­ranças e legados".

Como então as apólices só fôs­sem tributadas ao serem transmi­tidas mortis causa, concluiu-se, ge­neralizando liberalmente, que a imunidade abrangia quaisquer ou­tros impostos, e até houve quem a vinculasse à natureza do título.

Vê-se, porém, ter a isenção pro­manada da lei, que a criou. Óbvio portanto, que, mesmo geral, havia de ter a vida da norma legislativa estabelecedora. Ora, o artigo foca­lizado desapareceu do comércio jurídico pela superveniência do 27, da Lei n.O 1.507, de 26 de Setembro de 1867, a saber: "fica revogado o art. 37 da lei de 17 de Novembro de 1827". Nada mais explícito.

E nunca mais a isenção ressur­giu em lei, quer para heranças ou legados, quer para outros impos­tos. Ao contrário: a tendência para a tributação, longamente preconizada com uma vitória ex­pressiva, tomou a dianteira à imu­nidade, antes mesmo da primeira lei sôbre impôsto de renda, outra tendo subordinado a transferência de tais documentos de fundos ao pagamento do sêlo proporcional (art. 11, da Lei n.o 813, de De­zembro de 1901, afastando dúvi­da oriunda de leis surgidas no in­terregno de 1827 a 1867, isto é, reafirmando o art. 11, § 9.°, a, da Lei n.o 1.114, de 1860, que dis­pôs em contrário ao art. 15, da Lei n.O 317, de 1843). Só o hipe­rindividualismo do direito pôde continuar a controverter o proble­ma, para tanto se valendo de in­terpretação extensiva, inoperante em matéria de isenções e privilé­gios.

Também afasto, desde já, uma questão de possível aparecimento

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em favor da sobrevivência do art. 37, da Lei de 15 de Novembro de 1827. Sendo essa lei geral, e a de n.O 1.507 orçamentária, "para o exercício de 1867-68 e 1868-69", dir-se-ia que o desaparecimento da última significaria a revigora­ção daquele art. 37. Em direito, entretanto, não é princípio defen­sável a volta ao vigor da lei revo­gada quando cessa a eficácia da vigorante. Para os próprios par­tidários dessa corrente de poucos prosélitos seria preciso, na dúvi­da, "a prova do propósito restau­rador, a declaração expressa, a legge ripristinatoria dos italianos", como já foi destacado pelo provec­to Carlos Maximiliano, enquanto que no tema versado se obtém o contrário dessa prova, por se esta­dear indisfarçável o ensinamento dos doutos em benefício da moti­vada tributação como verdadeira necessidade pública e prática de equitativo tratamento de contri­buintes. No Brasil, seria até fas­tidioso citar todos os grandes no­mes que, em estudos desinteressa­dos ou especulativos, ou na Admi­nistração e no Parlamento, enche­ram o último século, militando pela tributação. Menciono alguns: Jequitinhonha, São Vicente, Rio Branco, Itaboraí, Ouro-Prêto, Sou­za Franco, Lafaiete, Rui, Monte­negro, L. de Bulhões, Oscar Wins­chenck, Anísio de Abreu, Bento de Faria, Pontes de Miranda, Co­lares Moreira, Aníbal Freire, The­místocles Cavalcanti, Raul Fer­nandes, etc. Ademais, o preceito inscrito no art. 37, da Lei de 1827, sendo de exceção., como sempre acontece em isenções, nem ao me­nos participa da generalidade ds lei que, diante da ementa oficial,

é sôbre "reconhecimento e legali­zação da dívida pública, fundação da dívida interna e estabelecimen­to da Caixa de Amortização" na­quele comêço de nossa maiorida­de política nacio.nal.

Parece-me, sob o.utro aspecto, interessante, mas insustentável, que quando se costuma ligar a isencão à natureza do título, se o faz tendo em vista certos predica­mentos do chamado direito natu· ral. Assim supo.nho porque acom­panha invariàvelmente o. debate a ponderação de acatamento a com­promissos implícitos assumidos, ou congênitos com o título, idéia que realmente é de-fundo na par­te primária, ou imutável, do di­reito. natural. Se minha suposição tem cabimento, isto é, se os defen­sores da isenção recorrem, cons­ciente ou subconscientemente, à estruturação daquele direito, per­mito-me divergir. Porque a ques­tão é de puro direito positivo, a lei e talvez o contrato. sendo, co­mo são, as fontes isentatórias e também de seu perecimento: não há articulação alguma entre a idéia de títulos-apólices, mera criacão eco.nômico-financeira san­cion~da por leis positivas, e a es­sência da natureza humana ou a subsistência necessária do homem em sociedade, ou mesmo a persis­tência dos créditos coletivos. O debate se localizaria na outra par­te do próprio direito natural, isto é, na dedutível da primeira, que sabidamente varia ou é mutável conforme as necessidades da épo­ca e dos povos. Por que, pois, di­reitos implícitos vinculados aos chamados co.ntratos de apólices quanto à irredutibilidade de ju­ros? Ainda sem sair de noções

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primárias, aO's que se familiarizam cO'm O' pensamentO' dO's mestres dO' jusnaturalismO' mais próximO', nãO' escapa a cO'ncepçãO' de um Stam­ler sôbre O' cO'nteúdO' variável que infO'rma o direitO' natural ein naiurreeh mit welehselnden inhalt, O'u a de um Renard sôbre O' cO'nteúdO' prO'gressivO' do mes­mO' direitO' drO'it naturel en per­pétuel devenir, un drO'U naturel à eO'ntenu progressif: prO'gressif par assimilatiO'n des donnés historiques variables à une substance ratiO'n­nelle immunable (O'brs. de referên­cia: Wirtsehaft und Reeht, § 33; La ThéO'r de l'InstitutiO'n, pág. 70). Assim, mesmO' à luz dO' di­reitO' natural, nãO' seria possível fazer de apólices-títulO's que, por sua natureza O'U índO'le, rendessem jurO'S cuja integralidade fôsse um nO'Ze me tangere implicitamente irreduzível; b) Na espécie dO's au­tO's, ressai uma situaçãO' parti­cular interessante que evidenciareI afinal.

Uma cO'usa é lei, autO'rizandO' emissãO' de apólices, e O'utra é de­cretO', para executar a lei. PO'is bem: as leis permissivas de emis­sões nãO' autO'rizavam vantagens; mas O'S decretos, quase sempre, in­cluíam, em regra, nO's seus arts. 5.09 uma cláusula assim: "O'S títu­lO'S que fO'rem emitidO's gO'zarãO' de privilégiO's e isenções que as leis cO'ncedem às apólices O'ra em cir­culaçãO'''.

Essa cláusula, prudentemente acrescida para evitar excessO' r~­gulamentar O'U excessO' executóriO', harmônica cO'm a CO'nstituiçãO', só recO'nhece privilégiO's e isenções quandO' cO'nferidO's em leis, O' que é clássicO', e, cO'mO' se viu, nenhu­ma, a nãO' ser a revO'gada, isenta

as apólices dO' pagamentO' de im­pO'stO's.

Sei que se cO'stuma argumentar terem os decretos armadO' ciladas, prO'curandO' ludibriar O'S adquiren­tes de apólices. Diz-se que O'S arts. 5.°6 decretuais seriam inúteis se nãO' se recO'nhecesse a imunidade, aO' passO' que, na legislaçãO', nãO' se deve incluir disPO'sições O'U pala­vras inúteis. ImprO'cede O' argu­mentO'. As cláusulas decretuais nãO' eram tãO' inúteis assim. Bem ao cO'ntráriO', eram prudentes. DescubrO', pelO' menO's, um efeit-.:> para elas: nãO' ser possível, por exemplo, seqüestrO' e represália sô­bre apólices possuídas PO'r estran­geirO's cuja naçãO' entre porventu­ra em guerra cO'm O' Brasil, O' que é de lei, tratadO's e direitO' inter­naciO'nal si et in quantum vigO'­rante. Imprevidentes, istO' sim, sãO' O'S cO'mpradO'res de apólices que descO'nheçam as leis e O'S de­cretos-cO'ntratO's, se é mesmO' que semelhantes decretO's sãO' cO'ntra­tO'S de mútuO' e nãO' simplesmente fO'rmalizações para O' lançamentO' de apólices-mercadO'rias, nO' mer­cadO', cO'mO', recentemente, de­mO'nstrO'u Costa MansO'. Ignoran­eis juris nO'cet, e nãO' é O' Judiciá­riO' que se poderá afastar de rela­ções jurídicas certas para reparar semelhante imprevidência cO'ntrá­ria a direitO' positivO'.

Mas, dizia eu, a espécie dO'S au­tO'S apresenta uma situaçãO' parti­cular interessante: as apólices de­batidas foram autO'rizadas pela Lei n.o 3.232, de 5 de JaneirO' de 1917 (fls. 23 e O'utras). NãO' se diz qual O' decretO' O'U decretO's. De meus estudO's prO'lO'ngadO's da matéria, pO'rém, eu me infO'rmO' que, naquele anO', hO'uve O'S se-

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guintes Decretos: n.OS 12.447, 12.682 e 12.771 (aplicação es­trada de ferro), outros se seguindo nos próximos anos subseqüentes. Pois é curioso registrar que, a par­tir do primeiro dos decretos su­pra-aludidos, até 1926, desapare­ceu a própria cláusula que seria o engôdo do Poder Executivo con­tra os incautos. Nem disso, por­tanto, especificamente, tem a au­tora de que se queixar.

Se em tese e na própria hipó­tese não é condição preestabeleci­da inalterável não tributar os ju­ros das apólices, tais rendas, como quaisquer outras, se subordinam ao evento futuro dos atos jurídi­cos legislativos ou leis tributárias destinadas a prover legítimos in­terêsses nacionais prevalentes. Certamente tais atos não devem redundar em abuso. Siga-se, po­rém, o curso da fundamentacão jurídica acima utilizada, e ver-;e-á que a incidência não violando lei ou contrato, não havendo pois amoralidade, o fim ou limite tra­çado ao poder de tributar, aqui, é o sublinhado pelo esclarecido Amaro Cavalcanti: "a necessida­de de prover a despesa pública" como "fundamento racional, in­concurso, incontestável (EIs. de Finanças, n.o 56, fine)". Além do que, o direito a tão extremada ir­redutibilidade de juros só atinge a taxa para êles fixada, e essa a União satisfaz sem reduzí-Ia na fonte pagadora. Mais tarde, o im­pôsto recai sôbre renda de capi­tais produtivos por excelência, já autônoma porque incorporada ao patrimônio do contribuinte e seria odioso isentá-lo de um dever ge­ral que a todo cidadão cabe para

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o bem comum ligado ao próprio. Não se deve confundir o "princí­pio geral" com interpretações quase ~ouSS€launianas" de com­promissos estatais implícitos.

As considerações que aí ficam podem ser rematadas nesta sínte­se, por bem dizer institucional: 1.0) excluindo privilégio por mo­tivo de riqueza, a Fazenda promo­ve a prática do princípio da igual­dade perante a lei; 2.°) não con­correndo lei isentatória, nada obri­ga à mesma Fazenda a deixar de fazer a incidência e cobrança de impôsto. Eis assertivas que as Constituições nacionais sempre condensaram e que vêem sob me­dida para legitimar as leis ordiná­rias estabelecedoras da taxação.

II. Acêrca do outro fundamen­to da ação: As organizações ou firmas seguradoras são realmente obrigadas a empregar suas "reser­vas técnicas" em valôres predeter­minados, dentre os quais apólices da dívida pública, para garantia dos direitos de sua clientela (arts. 92 e 93, do Decreto n.o 21.828, de 1932). E a autora, comprov:=!­damente, assim agiu. Aquelas re­servas, entretanto, são capitais que não estão imobilizados no sentido pretendido pelo ilustre advogado da demandante, porquanto, empre­gados nas apólices, rendem os ju­ros estipulados. Nem se saberia porque, ainda que acessório, tais juros tivessem que ficar retidos com o capital que os produziu. Não consta que assim se proceda, isto é, que os rendimentos não possam ser retirados pela autora.

Exceto no tocante à "parte pro­porcional do impôsto", que não é taxada, a "renda global, sujeita à parte complementar progressiva

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de rendimento líquido.", paga o im­pôsto, conforme o. art. 1.°, § 3.°, b, do Decreto n.o 21.554, de 1932, a êsse respeito bem expresso.

É, pois, a própria combinação das leis invocadas pela autora que esclarece sôbre a improcedência de seu modo de ver e pleitear.

lII. Atendendo ao expôsto: Julgo a ação improcedente, man­tendo, portanto, o que estabeleceu a autoridade administrativa, e condeno a autora nas custas. Rio de Janeiro, 20 de Novembro de ll939."

Depois de tudo bem reexami­nado, nego provimento à apelação para confirmar a douta sentença apelada.

Voto

O Sr. Min. Henrique d'Avila­Sr. Presidente, também confirmo,

por seus próprios fundamentos, a sentença apelada.

Os juros de apólices, quaisquer que sejam as datas de sua emis­são, são tributáveis, a não ser que estejam isentos por texto expresso de lei. Portanto, de conformida­de com o voto do Sr. Min. Revi­sor, nego provimento à apelação, para manter por seus próprios fundamentos a sentença apelada.

Decisão

Como. consta da ata, a decisão foi a seguinte: Negou-se provi­mento à apelação para se confir­mar in totum a sentença apelada, por maioria de votos, tendo o Exmo. Sr. Min. Relator dado pro­vimento, em parte: Pela apelante usou da palavra o Sr. advogado Plínio Doyle.

APELAÇÃO CíVEL N.O 993 - DF. * (Embargos)

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Djalma da Cunha Mello Embargante - Juiz da 3.a Vara da Fazenda Pública, Banco do

Brasil S/A Embargado - José de Souza Chaves

Acórdão

Embargos. Versaram apenas matéria a respei­to de cujo entendimento não houve discrepância na Turma. Dêles, por isso, não pode ° Tribunal Pleno conhecer.

Vistos, relatados e discutidos êstes embargos infringentes do jullgado opostos na Apelação Cí­vel n.o 993, do Distrito Federal, em que é embargante o Banco do

:/: Nota da Redação - Confirmado O> Acórdão pelo Egrégio Supremo Tribu­nal Federal, que, pela sua Primeira Tllnna, à unanimidade, não conheceu do Recurso Extraordinário n.o 15.024,

Brasil e embargado José de Sou­za Chaves:

Acorda o Tribunal Pleno, por unanimidade de votos, em não

julgado a 25-7-1949, Relator Min. José Linhares. Ementa: "Não é embargável a decisão confirmatória de outra de Pri­meira Instância. Não cabimento do re­curso extraordinário". Acórdão publi­cado no Diário da Justiça de 19-5-1951, pág. 1.250.

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conhecer dos embargos opostos, o que faz nos têrmos do Relatório e notas taquigráficas de fls. 152 a 160, que ficam integradas neste. Rio de Janeiro, 29 de Novembro de 1948. - Edmundo Macedo Lu­dolf, Presidente ad hoc; Djalma da Cunha Mello, Relator.

Relatório

o Sr. Min. DjaIma' da Cunha Mello (Relator) - Em confor­midade com o disposto no art. 1.0, do Decreto-lei n.o 914, de 1.0 de Dezembro de 1938, o Banco do Brasil aposentou administrativa­mente, em 13 de Março de 1941, o funcionário José de Souza Cha­ves (vide doe de fls. 8) que, mais tarde, em 19 de Março de 1946, apresentou a despacho do Juiz da 3.a Vara da Fazenda Pública a petição inicial de uma ação con­tra o empregador referido, deman­da sôbre que versam êstes autos e em que êle objetivava anular aquêle ato e, "em conseqüência, a sua reversão ao serviço ativo e o pagamento dos vencimentos que deixou de receber, acrescidos dos juros e demais vantagens a que teria direito se não houvesse sido ilegalmente afastado de suas fun­ções". Na dita petição, o autor mencionou o tempo, qualidade e vulto dos seus serviços ao réu, e bem assim que, a despeito de um julgado trabalhista ter repudiado a acusação de falta grave, de emis­são de cheque sem fundo, que o estabelecimento de crédito cogi­tado lhe irrogou, foi afastado do seu cargo, sem base no Decreto­-lei n.O 914, que não é lei de efei­tos retroativos, foi. p5sto no qua-

dro de inativos (vide fls. 2 até 5). No tempo próprio (vide ih 20 usque 27), o Banco apresen­tou contestação, argüindo incom­petência de Juízo, face ao dispos­to na Consolidação das Leis do Trabalho, art. 643, prescrição, nos têrmos do art. 11, dessa mesma Consolidação, e do art. 13, da Lei n.o 221, de 1894, e, no mérito, as faltas do empregado e a legalida­de do ato impugnado, que o Ban­co baixou em rigorosa conformi­dade com o Decreto-lei n.o 914, citado, art. 1.0. Retrucou o autor. O Juiz, no despacho saneador, des­prezou a exceção de incompetên­cia, e também a prescrição argui­da (vide fls. 36 v., e 38). Foi manifestado agravo no auto de processo (vide fIs. 42 e 44). Velo para os autos certidão da pré-fa­lada sentença trabalhista (vide fls. 48 até 52). Percorridos os demais trâmites, assinalado que a União Federal, citada como assis­tente, acompanhou a lide, foi a mesma julgada procedente. Eis a parte substancial da sentenca: "Considerando que o autor -foi aposentado administrativamente pelo Banco do Brasil S. A., nos têrmos da autorização concedida pelo Sr. Presidente da República, ex vi do disposto no art 1.0, do Decreto-Iei n.o 914, de 1938; con­siderando que, anteriormente, fôra o autor processado administrati­vamente sob a acusação de falta grave, capitulada no art 93, le­tra a, do Decreto n.o 54, de 1934, por haver emitido um cheque sem fundo contra o réu, tendo, porém, a 3.a Câmara do Conselho Nacio­nal do Trabalho, tomado conhe­cimento do inquérito julgado, por

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decisão de 6 de Dezembro de 1938, improcedente a queixa, e determinado, em conseqüência, a readmissão do autor com tôdas as vantagens legais, decisão essa con­firmada pelo Conselho Nacional do Trabalho, que desprezou os em bargos opostos em sessão pIe­m! de 17 de Agôsto de 1939, fa­tos êstes alegados pelo autor na inicial e não contestados pelo réu; considerando que, segundo se vê a fls. 51 v., do documento junto por petição a fls. 47, tendo o réu recorrido da decisão acima refe­rida para o Sr. Ministro do Traba­lho Indústria e Comércio, resolveu S. Ex.a não conhecer do recurso, tendo, porém, em um dos consi­derandos, ressalvado ao Banco o direito de reconstituir uma das provas do inquérito, se para tal dispusesse de elementos; conside­rando que tem o Banco do Bra­sil, de acôrdo com o Decreto-lei n.o 914, de 1.0 de Dezembro de 1938, o direito de aposentar, in. dependentemente de inspeção de saúde, quando ocorram interêsse do serviço ou conveniência do ser­viço, os seus funcionários depen­dendo, porém, a decretação dessa aposentadoria de prévia aprova­ção do Sr. Presidente da Repú­blica; considerando, porém, que no caso sub judice a falta grave que teria sido praticada pelo au­tor já fôra julgada regularmente na-Justiça Trabalhista que, apre­ciando o inquérito instaurado, jul­gou improcedente a queixa e de­terminou a readmissão do autor aos quadros do Banco com tôdas as vantagens legais, o que foi cum­prido pelo réu; considerando que o ato praticado pelo réu, aposen-

tando administrativamente o au­tor, fundou-se em lei promulgada depois de já terem sido os fatos praticados e apreciados pela au­toridade competente que decidiu em favor do autor; considerando que o legislador ao promulgar o Decreto-lei 914, não lhe deu efei­to retroativo, e, assim sendo, não pode ser êle aplicado a faltas pra­ticadas antes de sua vigência, principalmente em se tratando de uma punição não prevista na lei vigente ao tempo dos fatos; con­siderando, finalmente, que o au­tor, indiscutivelmente, praticou faltas graves, as quais se bem que não autorizaram a sua demissão ou aposentadoria, devem ser to­madas em consideração pelo Ban­co-réu, quanto ao direito do au­tor às promoções, podendo o réu aplicar ao autor as penalidades regulamentares, apesar de não ter sido considerado suficiente para a demissão a prova colhida no in­quérito administrativo, segundo a autoridade competente para apre­ciar tal hipótese; considerando o mais que dos autos consta: Julgo procedente a presente ação, para anular o ato do réu que aposen­tou administrativamente o autor, com fundamento no disposto no art. 1.0, do Decreto-lei n.o 914, de 1.0 de Dezembro de 1938, de­terminando a reversão do mesmo ao serviço ativo e o pagamento da diferença de vencimentos que teria deixado de receber, acresci­da dos juros de mora. Custas pe­los réus. Recorro ex officio. P.R."

O réu, no prazo da lei, apelou, oferecendo as razões de fls. 81 usque 85. O autor apresentou con­tra-razões que figuram a fls. 89 e

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seguintes, até 96. Nesta Superior Instância o Dr. Subprocurador-Ge­ral da República fêz remissão às razões do recorrente, subscreven­do-as. Em sessão de 19 de De­zembro último, a Segunda Turma, por unanimidade de votos, rejei­tou as preliminares de incompe­tência e prescrição, e, por maioria de votos (vide fls. 123 e v.), negou provimento ao recurso ne­cessário, e, por igual, ao apêlo do Banco. No mérito, disse o Rela­tor, Min. Henrique d'Ávila (fls. 116): "A falta grave atribuída ao autor apelado, isto é, a emissão de cheque sem fundos para o res­gate, contra o réu apelante, que deu lugar à sua demissão do ser­viço, após inquérito administrati­vo, foi soberanamente apreciada e julgada pela única Justiça com­petente para o caso, a Trabalhista, que considerou improcedente a queixa e determinou a readmis­são do autor com tôdas as van­tagens legais. Reintegrado o au­tor, em obediência ao julgado tra­balhista, houve por bem o !réu apelante aposentá-lo com autori­zação do Sr. Presidente da Re­pública, e assento no Decreto n.o 914, de 1.0 de Dezembro de 1938, sem qualquer outra motiva­ção que a já antes invocada e cO'nsiderada insubsistente pela única autoridade competente para apreciá-la em ultima ratio.

Os mesmos fatos que serviram de base para a inconsiderada de­missão do autor vieram, afinal, a servir de arrimo e justificativa para o ato de sua aposentadoria administrativa decretada, e isto reveste-se de suma importância, de conformidade com disposições

legais promulgadas em data pos­terior a da ocorrência dos aludi­dos fatos.

As faltas praticadas pelo ape­lado, ainda que comprovada à sa­ciedade, não podiam, sem grave ofensa ao Direito, motivar sua aposentadoria por fôrça de lei su­perveniente, mormente, tratando­-se como se trata, no caso, de pu­nição não prevista na lei vigente ao tempo em que foram constata­dos. O réu apelante podia, como fêz, aplicar ao autor penalidades disciplinares como a relativa aO' direito a promoções, mas, vedado que lhe era afastá-lo definitiva­mente do serviço pela aposenta­doria em desacôrdo com prova colhida no inquérito e julgada in­suficiente por quem competia analisá-la em definitivo".

O Min. Macedo Ludolf (fls. 120 e 121): "Parece-me que o ob­jeto desta questão está na apli­cação do Decreto n.O 914, de 1938, que estabeleceu a possibilidade da aposentadoria dos funcionários do Banco, para cuja concessão o seu próprio presidente tem Po­dêres, dês que autorizado pelo Presidente da República. Confor­me esclareceu o Sr. Min. Relator, o que se conclui é que o autor teria sofrido a penalidade em vir­tude de fatos anteriores à vigên­cia do citado Decreto n. ° 914, como ficou demonstrado.

Embora partindo de govêrno detentor de podêres discricionários na época, não podia o Decreto ter efeito retroativo, senãO' dentro da matéria que diz respeito expres­samente ao citado dispO'sitivO' le­gal.

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Assim, se na ocaslao em que o fato foi atribuído ao apelado não existia a lei que permitia a apo­sentadoria, a qual surgiu poste­riormente, certo, essa lei não pode ser admitida com efeito retroati­vo, porque de seus têrmos não se infere tal efeito, sOmente aceitá­vel à luz do entendimento dado à Constituição de 37.

Niessa ocasião não havia dispo­sitivo expresso envolvendo retroa­tividade, e o invocado Decreto não poderia ter aplicação a fatos an­teriores. A aposentadoria em espé­cie foi, portanto, evidentemente ilegal, e da ilegalidade do ato de­corre o direito do apelado de plei­teai:" a reintegração com os pro­ventos correspondentes. Acho que esta solução se impõe.

Quanto ao aspecto abordado pelO Sr. Min. Revisor, parece-me que escapa à apreciação judiciá­ria. Ficará o assunto para exame posterior do próprio Banco. A êste competirá, se necessário, determi­nar o afastamento do autor de suas funções, como medida admi­nistrativa. O que estamos decidin­do agora é se cabe ou não a rein­tegração pedida. O Tribunal re­conhece êsse direito e, no tocante à conveniência ou não de per­manecer o autor em servico tra­ta-se de uma providência "d~ or­dem interna, que será ventilada pdo Banco oportunamente, se houver motivo para isso.

De forma que, sob o ponto de vista exposto, adoto o voto do Sr. Min. Relator, negando provimen­to à apelação."

E eis o voto vencido do Revi­sor, Min. Abner de Vasconcellos (fls. 118 e 119): "O autor ape-

lado, depois de resolvido o seu caso na Justiça do Trabalho, e de ter sido readmitido no servico do Banco do Brasil, foi apose;tado por falta de confiança, mediante ato de autoriza cão do Presidente da República, ~a forma do De­creto n.o 914, de 1.0 de Dezem­bro de 1938.

A ação visa a anular a aposen­tadoria, voltar ao cargo, e ter di­reito à percepção de vencimen­tos integrais.

A sentença deu totalmente ga­nho de causa ao autor, apelando a União e o Banco. O autor foi primeiramente demitido pela acusação de emitir cheque sem fundos contra o Banco. Reverteu­-o ao serviço. O Banco, sentindo a necessidade do seu afastamen­to, pelo rigor da disciplina inter­na, aposentou o funcionário. É in­discutível o direito que tem um estabelecimento bancário de afas­tar o funcionário que decai da confiança da diretoria, tornando­-se suspeito à ordem, .à disciplina e à moralidade do serviço. A Jus­tiça pode manter o direito à fun­ção, reintegrar o empregado, re­conhecer-lhe os proventos do tra­balho. Mas o empregador pode dispensar-lhe o servico. se suas conveniências assim o" induzirem , contanto que respeite a integrida­de do estipêndio. Nisto é que está o direito do empregado. A lei não pode forçar o empregador a acei­tar o trabalho de quem lhe pare­ça indesejável.

Quem paga e dispensa o ser­viço, não causa dano.

Dou provimento, em parte, para reconhecer ao empregado o direi-

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to a vencimentos integrais na apo­sentadoria".

O Banco do Brasil embargou o Acórdão, dizendo, a propósito, (fls. 125 usque 134), em suma que: (lê). Admitidos os embar­gos, disse sem desfavor dos mes­mos o embargado (fls. 137 até 140), em resumo: (lê). Distribuí­dos os autos ao Min. Abner de Vasconcellos, (fls. 136). S. Ex.a

apoiando-se no Regimento, art. 40, § 2.°, ponderou não lhe cabia nê­les oficiar na situação do Rela­tor. Nova distribuição resultou na minha escolha. O Dr. Subprocura­dor-Geral da República opinou pelo provimento dos embargos nos têrmos em que o embargante situou a controvérsia.

E é êste o relato que tenho a fazer.

Voto

o Sr. Min. Djalma da Cunha Mello (Relator) - A decisão em­bargada foi proferida pela Egré­gia Segunda Turma. Se dela fi­sesse parte, seria mais radical do que o foi o eminente Min. Abner de Vasconcellos. Teria dado pro­vimento ao apêlo para julgar a ação improcedente. Considero le­gítimo que um Banco afaste do seu serviço, pela aposentadoria, um funcionário que, tendo emi­tido cheque sem fundos, perdeu a confiança dêsse Banco. Toda­via, tenho de cifrar-me na hipó­tese em debate, e isso digo de vistas inda neste momento vol­tadas para os embargos, para o que nêles se sustenta à disposição rígida do Código de Processo Ci-

vil, com a redação que lhe deu o Decreto-lei n.O 8.570, de 8 de Janeiro de 1946, art. 833: "Além dos casos em que os permitem os arts. 783, § 2.°, e 839, admitir-se­-ão embargos de nulidade e in­fringentes do julgado quando não fôr unânime a decisão proferida em grau de apelação em ação res­cisória, e em mandado de segu­rança. Se o desacôrdo fôr parcial, os embargos serão restritos à ma­téria objeto de divergência".

A divergência entre os Juízes da Segunda Turma, no julgamen­to da apelação, cifrou-se ao se­guinte: enquanto que os Srs. Mins. Henrique d'Ávila e Macedo Ludolf negavam provimento à apelação, mantinham a sentença apelada em todos os seus têrmos, o Sr. Min. Abner de Vasconcellos dava provimento, em parte, ao re­curso para manter a aposentado­ria, mas com vencimentos inte­grais.

No entanto, ao invés de abor­dar êsse ponto, único sôbre que podiam versar os embargos, dêle se afastou por completo o embar­gante para ir, alhures, consumir­-se em pleitear provimento de em­bargos no concernente aos ângu­los da questão decididos pela Tur­ma, sem discrepância alguma. Nessa conformidade, face à lin­guagem terminante do precitado art. 833, não conheço dos embar­gos.

Voto

o Sr. Min. Elmano Cruz (Re­visar) - Sr. Presidente, também conheceria dos embargos se fôs­se caso dêles e os acolheria para

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reformar em parte a decisão de Primeira Instância, e, com ela, o Acórdão embargado, a fim de, mantida a anulação do ato de aposentadoria, determinar pura e simplesmente a readmissão do embargado, considerando como de suspensão o tempo do seu afas­tamento.

Entendo, como o Sr. Min. Ab­ner de Vasconcellos, voto venci­do na apelação, que a irregulari­dade da atuação do embargado não pode passar in albis, e assim o Banco tem o direito de se de­fender contra o mau funcionário.

Êste direito, porém, no caso, foi exercitado contra julgado da Jus­tiça Trabalhista, em pleito inten­tado pelo próprio Banco e que afinal lhe foi desfavorável. Aliás, no regime da Carta de 1937, a emissão de cheque sem fundo era até tolerada pelo Banco que te­ria baixado Portaria vedando tais emissões da data da Portaria em diante.

Também o legislador admitiu implicitamente tal prática com a expedição do Decreto-lei 1.703, de 24 de Outubro de 1939, que man­dou cobrar sêlo sôbre saldos de­vedores de saques bancários.

Assim, dando a readmissão do funcionário, tal como assentei no caso de Otávio Santos, ao mesmo tempo que comino uma pena ao mau servidor (perda de proven­tos durante a suspensão ou afas­tamento), restabeleço o seu direi­to nos têrmos em que o reconhe­ceu a Justiça do Trabalho.

No caso, porém, são inadmissí­veis, pois, opostos na parte em que o Acórdão foi unânime, pelo que dêles não conheço.

Voto

O Sr. Min. Sampaio Costa -Sr. Presidente, na forma regimen­tal, tenho que me abstrair daqui­lo que foi julgado e não foi ob­jeto do recurso. Dou por bem jul­gado, e a mim não compete apre­ciação a respeito. Quanto ao re­curso, nego provimento aos em­bargos na conformidade do voto do Sr. Min. Relator.

Voto

O Sr. Min. Cunha Vasconcellos - Sr. Presidente, não analiso o merecimento da decisão da Egré­gia Segunda Turma; atenho-me ao aspecto formal, puramente pro­cessual, levantado, inicialmente, pelo Sr. Min. Relator.

A Egrégia Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento aos recursos, havendo um voto di­vergente, em parte, que foi do Sr. Min. Revisor, o qual dava provi­mento para libertar o Banco do dever de reintegrar o funcionário.

Só nessa parte houve divergên­cia; no mais, tudo é unânime.

O Sr. Min. Relator admitiu os embargos, ao contrário do que fiz, em caso idêntico, de funcionário do mesmo Banco, em que êste in­cidiu no mesmo êrro. Preliminar­mente, não admiti os embargos, tendo o Banco agravado para o Tribunal que, composto de todos os seus Juízes, negou provimento a êsse agravo. Isso porque se está e se estava aplicando, na hipóte­se, os expressos têrmos do art. 833, do Código de Processo, segundo a redação do Decreto-lei n.o 8.570, de 8 de Janeiro de 1946, já ci­tado pelo Relator. Êsse disposi­tivo está transcrito no Regimen-

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to. Só se admitirão os embargos de nulidade e infringentes do jul­gado quando não fôr unânime a decisão proferida. Se o desacôrdo fôr parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de di­vergência.

Como disse, a decisão da Tur­ma foi unânime, exceção única na parte da reintegração. Li atenta­mente o memorial do Banco em­bargante, e verifiquei que os seus embargos versam precisamente sôbre a parte em que o Acórdão da Segunda Turma foi unânime, sem uma palavra quanto à parte da reintegração do funcionário. Não se diz uma palavra; não há embargos nessa parte.

Ora, o Código de Processo diz mais, em seu art 834: "Os em­bargos, que poderão ser opostos nos 10 dias seguintes ao da pu­blicação do acórdão no órgão ofi­cial, serão deduzidos por artigos e entregues ao funcionário do Tri­bunal encarregado do protocolo".

Quer dizer, a parte terá que dar as razões por que interpõe em­bargos, dizendo dos motivos por que entende errada, suscetível de alteração, a decisão da Turma. No caso presente, não o fêz. A con­clusão única, coerente, aliás, com o próprio pronunciamento unâni­me do Tribunal no ca~o anterior, é de se não conhecer dos embar­gos, por inadmissíveis, não obs­tante o despacho do Sr. Min. Re­lator, na Turma que os admitiu sem, certamente, examinar o as­pecto que posteriormente viemos a focalizar no Tribunal Pleno.

Por isso, meu voto, de acôrdo com a maioria que já se pronun-

ciou, também é pelo não conheci­mento dos embargos, por inadmis­síveis.

Voto

o Sr. Min. Artur Marinho -Sr. Presidente, estou de acôrdo com a conclusão que já está prà­ticamente vencedora.

Só me impressionou muito pro­fundamente a afirmativa feita da tribuna pelo Dr. Advogado de que a Turma disse que não tinha sido interposto agravo no auto do pro­cesso, quando, afirmou êle, exis­tia o agravo. Então, suprimiu-se o julgamento da preliminar.

O Sr. Min. Elmano Cruz - O despacho rejeitou e não discutiu.

O Sr. Min. Artur Marinho -O que se disse, porém, é que não existia agravo e, por isso, ° de­cidido passara em julgado. Teria sido engano evidente e ° julga­mento então seria nulo, por vio­lar, entre outros dispositivos, a re­gra do art. 852, do Código de Pro­cesso Civil, que manda apreciar preliminarmente o agravo no auto do processo.

O Dr. Advogado afirmou que existia o agravo e que o Tribunal negara a sua existência. Se exato, estaria o Tribunal incorrendo em falta; se não está exato, é uma leviandade que não se poderia per­doar.

Mas não posso criar embara­ços em conseqüência de possível falha, até porque tratar-se-ia de omissão que poderia ter sido elu­cidada mediante embargos decla­ratórios, não solicitados.

Neste caso, e feitas essas con­siderações que, compreendo, não

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devem constituir premissas para chegar à conclusão a que cheguei, estou de pleno acôrdo com o es­tabelecido pelo Sr. Min. Relator.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Não conheceram

dos embargos, unânimimente. Im­pedido o Sr. Min. Mourão Rus­se11. Usou da palavra o Sr. Advo­gado Eduardo Cossennalli, pelo embargado. Não tomou parte no julgamento o Sr. Min. Rocha La­goa. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Macedo Ludolf.

APELAÇÃO CÍVEL N.o 15.017 - CB.

Relator - O Ex.IDO Sr. Min. Henrique d'Ãvila Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Cândido Lôbo Apelante - Thomaz Corrêa Viana Apelada - União Federal

Acórdão

Militar. Promoção. O art. 33, §§ 1.0 e 3.°, da Lei n.o 2.370, de 1954, só assegura a reforma em pôsto imediato aos militares julgados incapazes para todo e qualquer serviço, ou seja, aos que não possam angariar seus próprios meios e subsistência.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível nú­mero 15.017, da Guanabara, ape­lante Thomaz Corrêa Viana e apelada a União Federal:

Acorda, por maioria, a Primei­ra Turma julgadora do Tribunal Federal de Recursos em negar provimento ao recurso, conforme consta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o Relatório, ficam fazendo parte integrante dêste julgado, apurado nos têrmos de fôlhas 103. Custas de lei.

Tribunal Federal de Recursos, 7 de Novembro de 1961. - Hen­rique d' Ávila, Presidente e Re­lator.

Relatório

O Sr. Min. Het1!rique d,'Ávila (Relator) - Cogita-se de ação

ordinária movida contra· a União Federal pelo 3.0 Sargento do Exér­cito, Thomaz Corrêa Viana, que objetiva sua promoção nos têrmos da Lei n.O 2.370, de 1954, por ter sido julgado definitivamente inca­paz para o serviço militar, não po­dendo possuir seus meios de sub­sistência.

O MM. Julgador a quo senten­ciando de fls. 75 a 78, reputou improcedente a ação, porque a Junta Superior de Saúde do Exér­cito, por último, considerou o autor incapaz, apenas para o ser­viço militar, acrescentando que o mesmo estava em condições de prover seus meios de subsistência, aplicando-se a outras atividades menos árduas que a militar.

Irresignado, apelou o autor com as razões de fls. 80 a 85: (lê).

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o recurso foi contra-arrazoado. E, nesta Superior Instância a

douta Subprocuradoria-Geral ofi­ciou nestes têrmos (fls. 96): (lê).

É o Relatório, com o qual pas­so os autos ao Ex.mo Sr. Min. Re­VISOr.

Voto

o Sr. Min. Henrique d'Ávila (Relator) - Nego provimento ao recurso. Embora as primeiras inspeções de saúde tivessem dado o autor como incapaz para todo o serviço, a Junta Superior de Saú­de do Exército, afinal o conside­rou apenas incapacitado para o serviço militar, podendo o autor granjear a sua subsistência em atividades menos árduas. E, assim sendo, não faz jus o autor à pro­moção pretendida.

Voto

o Sr. M in. Cândido Lôbo (Revisor) Data venia de V. Ex.a, dou provimento ao re­curso para julgar procedente a ação, visto como o laudo, embo­ra modificado mais tarde, mas não no sentido integral, reconhe­ceu a incapacidade permanente do apelante. Em 28 de Fevereiro de 1956 foi inspecionado para fins de amparo da Lei n.o 2.370/ /54 e nessa ocasião foi julgado definitivamente incapaz para o serviço militar, com a ressalva de que não podia prover os meios de

subsistência. Mantenho a senten­ça, julgando procedente a ação.

Decisão

Como consta da ata a decisão foi a seguinte: Depois dos votos do Relator, negando provimento, e do Sr. Min. Revisor, dando pro­vimento, pediu vista o Sr. Min. Márcio Ribeiro (Afrânio Costa). Presidiu o julgamento o Sr. Min. Henrique d'Ávila.

Voto

o Sr. Min. Márcio Ribeiro - Estou de acôrdo com o voto de V. Ex.a, o Sr. Presidente, data venia do Revisor.

Trata-se de militar que pleiteia promoção por ter sido julgado de­finitivamente incapaz para o ser­viço militar. O direito dêle estava condicionado a saber se era inca­paz apenas para o serviço mili­tar, ou para tôda e qualquer fun­ção. Convenci-me, como V. Ex.a ,

de que a incapacidade diz respei­to tão-somente ao serviço militar.

Decisão

Como consta da ata a decisão foi a seguinte: Prosseguindo-se no julgamento, negou-se provimento ao recurso contra o voto do Sr. Min. Revisor. O Sr. Min. Márcio Ribeiro (Afrânio Costa) acompa­nhou o Sr. Min. Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Henrique d'Ávila.

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APELAÇÃO CíVEL N." 15.027 - GB.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Sampaio Costa Revisor - O Ex. mo Sr. Min. Oscar Saraiva Recorrente - Juízo da Fazenda Pública, ex officio Apelante - IAPC Apelado - José Olympio Pereira Filho & Cia. Ltda., e outros

Acórdão

Taxa de 1 % devida ao IAPe e destinada ao seu SAM. Legitima-se a sua cobrança em face da lei permissiva anterior.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível nú­mero 15.027, da Guanabara, ape­lante Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários e ape­lado José Olympio Pereira Filho Cia. Ltda. e outros, assinalando­-se também recursos ex oificio:

Acorda, por maioria, a Terceira Turma julgadora do Tribunal Fe­deral de Recursos em dar provi­mento aos recursos, conforme consta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o Relatório de fIs., ficam fazendo parte inte­grante dêste julgado, apurado nos têrmos do resumo de fôlhas 324. Custas ex lege.

Tribunal Federal de Recursos, 12 de Dezembro de 1961. - Sam­paio Costa, Presidente; Oscar Sa­raiva, Relator designado para o Acórdão.

Relatório

O Sr. Min. Sampaio Costa (Re­lator) - Trata-se de ação de con­signação proposta por José Olym­pio Pereira Filho & Cia. Ltda. e outros contra o Instituto de Apo­sentadoria e Pensões dos Comer­ciários (IAPC), que se recusa a

receber das suplicantes as con­tribuições devidas sem a inclusão da taxa de 1 % destinada aos Ser­viços de Assistência Médica Hos­pitalar, inpondo-lhe multa e co­brando juros moratórios.

Posteriormente, vieram outras Companhias como litisconsórcio, fIs. 49, as quais foram admitidas.

O Instituto argüiu a preliminar de impropriedade da ação, fls. 285, e a respeito falaram as !'lutaras às fls. 289. A sentença de fIs. 30.0 a 303, houve por bem julgar proce­dente a ação, recorrendo de ofício.

O Instituto réu, inconformado, apelou para êste Egrégio Tribu­nal Federal de Recursos, às fls. 305/8, argüindo a preliminar de nulidade de processo por conside­rar irregular o mandado de cita­ção expedido ao réu, em 30 de Março de 1959, e só veio a ser junto aos autos em 16 de Setem­bro do mesmo ano, fls. 212 v., isto é, após a data fixada para o rece­bimento a que se refere o art. 314, do Código de Processo Civil. No mérito, diz: que dita cobrança é legal, pois que a mesma tem fun­damento no Decreto-lei n.o 2.122, de 1940, o que a sentença deixou de apreciar.

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Os autores ora apelados, con­tra-arrazoaram às fls. 310 a 311, pedindo a confirmação da sen­tença.

A União Federal, às fls. 312, dá apoio às razões da apelação, ob­jetivando a reforma da decisão de Primeira Instância.

A Subprocuradoria-Geral da República, no seu Parecer de fls. 317 é pelo provimento dos re­cursos.

É o Relatório.

Voto (Vencido)

O Sr. Min. Sampaio Costa (Re­lator) - Cogita-se de consigna­tória em pagamento visando a que o IAPC receba o que lhe de­vem os autores e litisconsortes, sem a taxa de 1 % para Serviço Médicos por considerar esta ile­gal e mesmo inconstitucional.

O Juiz julgou subsistente o de­pósito, e efetuado o pagamento quanto aos autores e, bem assim, procedente a ação proposta pelos litisconsortes anteriores, repelindo a preliminar de impropriedade de ação. A sentença é de ser confir­mada. A taxa de 1 %, em jôgo, é

ilegal e mesmo inconstitucional, como têm decidido êste Egrégio Tribunal Federal de Recursos e o Egrégio Supremo Tribunal Fe­deral.

Não há mister de maiores con­siderações. Nulidade alguma ine­xiste. O apelante foi citado em tempo, tornando-se revel. A ma­téria é preclusa.

Nego, assim, provimento aos re­cursos, para confirmar a decisão recorrida.

Voto

O Sr. Min. Oscar Saraiva -Sr. Presidente, dou provimento ao recurso para julgar improcedente a ação com apoio do Decreto-lei número 2.122, de 1940, autoriza­tivo da arrecadação da taxa ques­tionada.

Decisão

Como consta da ata a decisão foi a seguinte: por maioria de votos, deram provimento aos re­cursos, vencido o Sr. Min. Relator. a Vogal, Sr. Min. Amarílio Ben­jamin votou com o Sr. Min. Re. visor. Presidiu o julgamento o Sr. Mio. Sampaio Costa.

APELAÇÃO CíVEL N.O 15.054 - GB. Relator - a Ex.mo Sr. Min. Cândido Lôbo Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Márcio Ribeiro (Afrânio Costa) Apelante - Esther de Proença Lago Apelada - União Federal

Acórdão

IP ASE. Pensão: seu cálculo deve tomar por base os vencimentos que o servidor percebia à data do falecimento.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n.o 15.054, do Estatuto da Gua-

nabara, apelante Esther de Proen­ça Lago e apelada União Fe­deral:

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Acorda, por votação unânime, a Primeira Turma julgadora do Tribunal Federal de Recursos em negar provimento ao recurso, con­forme consta das notas taquigrá­ficas anexas, as quais, com o Re­latório, ficam fazendo parte inte­grante dêste julgado, apurado nos têrmos de fls. 51. Custas ex lege.

Tribunal Federal de Recursos, 5 de Dezembro de 1961. - Hen­rique d' Ávila, Presidente; Cândi­do Lôbo, Relator.

Relatório

o Sr. Min. Cândido Lôbo (Re­lator) - Esther de Proença Lago propôs a presente ação objetivan­do a condenação da União a pa­gar-lhe a diferença entre a pensão que recebe e a que correspondesse 45 % da remuneração dos servi­dores da classe de seu marido, nas épocas correspondentes, desde o dia em que terminou o prazo :de doze meses do art. 256, da Lei n.o 1.711, de 1952, até o dia 17 de Março de 1958, quando foi pu­blicada a Lei n.o 3.373, de 12 de Março de 1958.

A União Federal contestou a ação, sustentando que a autora teve a sua pensão calculada em forma legal e com base nos venci­mentos percebidos pelo marido à data do óbito, como apoio no art. 4.°, da Lei n.o 3.373, de 12 de Março de 1958; Réplica às fls. 15/17; Saneador às fls. 23 v.

A sentença julgou improceden­te a ação assinalando que a pre­tensão fundada na Lei 3.373, sOmente seria cabível contra o IPASE, que é Autarquia, com per­sonalidade jurídica distinta da União (fls. 27/28): (lê).

Inconformada, apelou a autora (fls. 30/35), contra-arrazoada às fls. 37/38.

Nesta Instância, a douta Sub­procuradoria-Geral da República opinou pelo não provimento (fls. 44).

Ê o Relatório.

Voto

o Sr. Min. Cândido Lóbo (Re­lator) - Sr. Presidente, pretende a apelante com fundamento no art. 4.°, da Lei n.O 3.373, de 12 de Março de 1958, o reajuste de sua pensão, para perceber 50% da remuneração dos servidores ati­vos, da classe de seu falecido ma­rido.

Diz aquêle artigo da lei que "é fixado em 50% do salário-base, sôbre o qual incide o desconto mensal compulsório para o IP ASE a soma das pensões à família do contribuinte, entendido como esta o conjunto de seus beneficiários que se habilitarem às pensões vi­talícias e temporárias".

Tal disposição não cogita de critérios outros que não os adota­dos para o cálculo que norteou a fixação de sua pensão.

Os 50% de que cogita a lei, incidem sôbre o salário-base, ob­jeto de desconto para o IPASE.

Desconto é a operação que se processa quando da atividade do segurado.

Falasse a lei em variações ou reajustamentos posteriores e esta­ria a apelante com a razão, por­que lei que tenha de ser regula­mentada só entra em vi.gor de­pois do Regulamento.

Ao tempo do falecimento do marido, seu vencimento era de

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Cr$ 8.400,00, e sôbre êle era cal­culado o seu desconto.

Apelante, juntamente com o outro beneficiário, - seu filho -, tinham a pensão correspondente à percentagem legal então vigente.

Ademais, quem lhe pagava be­nefício era o IPASE e não a União, que é parte ilegítima para responder aos têrmos da presente ação. A matéria não é de fato, é de direito, e nesse se discute pro­va. O que está em causa é a Lei n.o 3.373, de 12 de Março de 1958, e sua validade como lei fe­deral que é.

Voto

o Sr. Min. Márcio Ribeiro -O problema proposto na ação não

é o de aumento da percentagem da pensão, mas o da revisão desta quando houver aumento de ven­cimentos do cargo.

Essa revisão evidentemente só seria possível por determinação legaL A ação não poderia, pois, prosperar.

Nego provimento ao recurso.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte : Negou-se provi­mento ao recurso, por unanimi­dade. Os Srs. Mins. Márcio Ri­beiro (Revisor) e Henrique d'Ávi­la (Vogal) votaram com o Sr. Min. Relator. Presidiu o jul­gamento o Sr. Min. Henrique d'Avi/a.

APELAÇÃO CíVEL N.O 15J)86 - SP.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Aguiar Dias Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Henrique d'Ávila Recorrente - Juiz da Fazenda Nacional, ex oHicio Apelante - União Federal Apelada - "São Paulo" Organização Comercial Ltda. e outras

Acórdão

Taxa de despacho aduaneiro. Seu caráter -chamada taxa de despacho aduaneiro, pelos próprios têrmos em que foi criada, não tem caráter de taxa, mas de verdadeiro impôsto. Se êste está excluído por isenção, a cobrança daquela não tem legitimi­dade.

Vistos, relatados e discutidos ês­tes autos de Apelação Cível n.o 15 .086, do Estado de São Paulo, apelante União Federal e apelada "São Paulo" Organização Comer-

ciaI Ltda. e outras, assinalando-se também recursos ex oHicio:

Acorda, por maioria, a Primei­ra Turma julgadora do Tribunal Federal de Recursos, em negar

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provimento, conforme consta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o Relatório de fls., fi­cam fazendo parte integrante dês­te julgado, apurado nos têrmos do resumo de fôlhas 120. Custas ex lege.

Tribunal Federal de Recursos, 2 de Outubro de 1962. - Henri­que d'Ãvila, Presidente; Aguiar Dias, Relator.

Relatório

o Sr. Min. Aguiar Dias (Re­lator) - Decidiu a sentenca de Primeira Instância que a i~por­tação livre de direitos alfandegá­rios está, por igual, isenta da cha· mada taxa de despacho aduaneiro, que conceitua como verdadeiro impôsto.

Houve recurso de ofício e ape­lação da União, apoiados pela Subprocuradoria, que invoca, em prol da reforma da sentença, o art. 66, da Lei de Tarifas, susten­tando, ainda, que aquêle tributo tem caráter remuneratório.

É o Relatório.

Voto

o Sr. Min. Aguiar Dias (Rela­tor) - Nego provimento, Sr. Pre­sidente. A meu ver, a chamada taxa de despacho aduaneiro subs­tituiu um verdadeiro impôsto e não tem caráter remuneratório. É uma imposição fiscal sem o ca­ráter de retribuição a qualquer serviço, tanto assim que não se

consegue indicar especificamente a que serviço ela corresponde.

Voto (Vencido)

o Sr. Min. Amarílío Benjamin - Estou em divergência com os eminentes colegas. Temos decidi­do, até aqui, que a taxa de des­pacho aduaneiro tem aplicação a todos, não está ligada a qualquer isenção, seja de impôsto de impor­tação, de consumo ou previden­cial. Seguindo, porém, a jurispru­dência estabelecida pela magis­tratura paulista, examinamos a discriminação a que a própria lei submete a taxa de despacho adua­neiro, e excluimos as cotas ou per­centagens que correspondam às isenções específicas de que por­ventura goze o produto.

No caso presente, como não se alega qualquer isenção senão aquela de tributação geral, evi­dentemente não aceito a orienta­ção da sentença recorrida.

Meu voto é para que se dê pro­

vimento.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: negou-se provi­mento a ambos os recursos por maioria de votos. O Sr. Min. Hen­rique d'Ávila acompanhou o Sr. Min. Relator. Presidiu o jul­gamento o Sr. Min. Henrique d'Ávila. Vencido o Sr. Min. Ama­rílio Benjamin.

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APELAÇÃO CÍVEL N.o 15088 - GB.

Relator - O Ex.ll1O Sr. Min. Henrique d'Ávila Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Cândido Lôbo Apelantes - Edgard de Paula Oliveira e outros Apelada - União Federal

Acórdão

Militares. Promoção. A Lei n.o 1.982, de 1953, é particularíssima; refere-se, apenas, aos oficiais por ela expressamente nomeados; não pode, por isso, ser estendida por fôrça de compreensão ou similitude de militares em geral.

Vistos, relatados e discutidos ês­te!! autos de Apelação Cível n. o 15.088, do Estado da Guana­bara, apelantes Edgard de Paula Oliveira e outros e apelada União Federal:

Acorda, à unanimidade, a Pri­meira Turma julgadora do Tribu­nal Federal de Recursos, em negar provimento ao recurso, conforme consta das notas taquigráficas ane­xas, as quais, com o Relatório, fi­cam fazendo parte integrante dês­te julgado, apurado nos têrmos de fls. 100. Custas de lei.

Tribunal Federal de Recursos, 7 de Novembro de 1961. - Hen­rique d' Avila, Presidente e Re­lator.

Relatório

O Sr. Min. Henrique d'Avila (Relator) - O Almirante-de-Es­quadra Edgard de Paula Oliveira e outros Oficiais de Marinha ina­tivos, moveram a presente ação contra a União Federal para o fim de lhes ser assegurado direito à promoção ao pôsto imediato e à percepção de diferença de pro­vento.

, - 3413'1'

O MM. Julgador a quo, senten­ciando de fls. 76 a 80, reputou im­procedente a ação, acentuando o seguinte: "tenho por inaplicáveis à espécie quer o vetusto alvará de 16 de Dezembro de 1790, quer a Lei n.O 29, de 8 de Janeiro de 1892.

Trata-se de diplomas destinados a disciplinar situações que se al­teraram substancialmente, ao in­fluxo do decorrer dos anos.

O primeiro teve seu âmbito ampliado pelo art. 2.° da Lei n.o 1.215, de 11 de Agôsto de 1904, para abranger os oficiais graduados. O segundo beneficiou tão-somente os oficiais reformados pelos decretos que menciona.

Vale aqui repetir as palavras de Dernburg, citadas pelo jurista Carlos Maximiliano, a propósito da occasio legis: "os fenômenos novos exigem novas providências. Eis porque não granjeia simpatia, nem merece acatamento quem se obstina em valorizar antiquadas medidas e constranger os contem­porâneos com as fórmulas ressus­citadas do pó do sepulcro"

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(In hermenêutica e aplicação do direito, s.a edição, pálJ. 187).

Sôbre a Lei n.o 3.454, de 6 de Janeiro de 1918, cujo art. 55 os autores crêem revigorado, em tôda a sua plenitude, pela Lei n.o 1.982, de 11 de Setembro de 1953, con­vém refletir profundamente.

É indubitável que a primeira lei foi revogada pelas novas disposi­cões pertinentes ao assunto de que trata, ex vi do art. 2.°, § 1.0, segun­da parte, da Lei de Introdução ao Código Civil. Se não fôra a Lei n.o 1.982, não precisaria existir, porque não se pode cogitar de res­tauração de efeitos da lei vigente. Logo, admitir a tese dos autores sôbre o revigorameato implica a aquiescência à revogação.

Todavia, não se convence, data venia, o ponto de vista segundo o qual o art. 1.0, da Lei número L 982, visou ao restabelecimento dos direitos assegurados pela Lei n.o 3.454, de modo geral.

Existe aí uma sutileza de her­menêutica, bem sei. Estou certo, ainda, de que a redação do texto é obscura.

Parece-me, entretanto, que as duas primeiras orações do período, que constituiu o art. 1.0 do diplo­ma, têm o seu sentido estreitado pela última oração subordinada.

Os direitos que forem revigo­:rados, aos quais se referem os De­cretos de 19 de Março de 1937, são os que melhoraram as refor­mas dos dois generais em causa. Direitos reconhecidos a êsses dois oficiais por aquêles decretos, di­reitos dêles, que haviam sido re­formados em 1918, na vigência da Lei n.O 3.454. Estender aos de­mais os efeitos da lei não parece, data venia, de boa lógica. Se o Po-

der Legislativo intentasse a restau­ração dos efeitos plenos da Lei n.O 3.454, tê-la-ia realizado di­retamente, sem a menção expressa aos dois oficiais, que se beneficia­ram, então, de qualqu~r forma, das vantagens decorrentes.

Mas, tudo indica ter sido outro o objetivo do legislador. Col:imou­-se, por via legislativa, realmente o restabelecimento dos Decretos de 1937. O uso do torneio "são re­vigorados para todos os efeitos os direitos a que se referem os decre­tos" teve por escopo, certamente, a incolumidade do art. 36 da Constituição Federal.

Ainda que se aceitasse, para ar­gumentar, a interpretação preco­nizada pelos autores, a Lei n.o 1.982, não lhes poderia funda­mentar a pretensão porque já es­tavam êles, à época, na inativi­dade.

"A lei é expedida para discipli­nar fatos futuros. O passado esca­pa aIO seu império" (Washi~ton de Barros Monteiro, in Curso dé Direito Civil", parte geral, 2.a edi­ção, pág. 31).

O art. 193, da Lei Magna, não deve ser invocado, porque rege hi­pótese diferente, isto é, a revisão dos proventos da inatividade sem­pre que, em virtude de alteração do poder aquisitivo da moeda, se modificarem os vencimentos dos funcionários em atividade.

Também não se deve cogi.tar, neste âmbito de isonomia, uma vez que a aposentadoria (ou reforma) se regula pela lei em vigor na da ta de sua concessão.

Isto pôsto, julgo improcedente a ação e condeno os autores· nas custas."

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lrresignados, apelaram os auto­res com as razões de fls. 83 a 84 v: (lê).

E o recurso foi contra-arrazoa­do assim (fls. 86 a 87): (lê).

E, nesta Superior Instância, a douta Subprocuradoria-Geral emi­tiu o seguinte Parecer (fls. 93): (lê).

É o Relatório.

Voto

o Sr. Min. Henrique d'Ávi!a (Relator) - Nego provimento ao recurso, para manter a decisão re­corrida, por seus fundamentos, que se me afiguram acertados e jurí­dicos. Esta Turma, como o Tribu­nal Pleno, já apreciou a espécie em diversas oportunidades, con-

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c1uindo no mesmo sentido do Dr. Juiz ~ quo, ou seja, de que a Lei n.o 1.982, de 11 de Setembro de 1935, é particularíssima, refe­re-se apenas a dois oficiais, que são nominalmente por ela citados - e não pode, por qualquer mo­tivo, mormente por fôrça de iso­nomia, ser estendida aos militares em geral.

Decisão

Como consta da ata a decisão foi a seguinte: à unanimidade, ne­gou-se provimento ao recurso. Os Srs. Mins. Cândido Lôbo e Márcio Ribeiro (Afrânio Costa) votaram com o Sr. Min. Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Henrique d'Ávila.

APELAÇÃO CíVEL N.Q 15.092 - GB.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Márcio Ribeiro (Afrânio Costa) Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Henrique d'Ávila

Apelante - Jorge Carone

Apelado - IPASE

Acórdão

Carreira de Procurador - Deve-se atribuir aos têrmos cargo ou função referidos no art. 2.0, da Lei n.o 2.123, a acepção técnico-jurídica que aquêles vo­cábulos adquirem, quando interpretados à luz do di­reito administrativo.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n.o 15.092, da Guanabara, ape­lante Jorge Carone e apelado Ins­tituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado:

Acorda, por maioria, a Primeirs Turma julgadora do Tribunal Fe-

deral de Recursos, em negar pro­vimento, conforme consta das no­

tas taquigráficas anexas, as quais, com o Relatório, ficam fazendo parte integrante dêste julgado,

apurado nos têrmos de fls. 279. Custas de lei.

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Tribunal Federal de Recursos, 7 de Novembro de 1961. - Hen­rique d'Ãvila, Presidente; Márcio Ribeiro, Relator.

Relatório

o Sr. Min. Márcio Ribeiro (Re­lator) - Anoto o Relatório, às fls. 228/230, da sentença que, afi­nal, julgou o autor carecedor de ação contra a União e improce­dente a ação contra o IP ASE.

O vencido apelou, tempesti­vamente, às fls. 234/244. O IP ASE, em suas razões de ape­lado, às fls. 246/262 aos funda­mentos da sentença acrescenta que ocorre, na espécie, coisa jul­gada, por ter o autor participado do mandado de segurança reque­rido por Alfredo Mourão Russel c outros, com apreciação do mérito do pedido, idêntico ao da causa ord em exame.

A União Federal também arra­zoou o recurso, às fls. 264/265 e, nesta Instância, a douta Subpro­curadoria-Geral reporta-se simples­mente aos fundamentos da defe­sa da Autarquia.

À revisão.

V oto-preliminar

o Sr. Min. Márcio Ribeiro (Re­lator) - Sr. Presidente, no recur­so alega-se coisa julgada, porque, realmente, o impetrante tinha pos­tulado a mesma coisa em manda­do de segurança. Neste mandado houve voto vencido do Sr. Min. Vi­las Boas; passou, depois, a ser vo­to vencedor o Sr. Min. Sampaio Costa e, em seguida, o Sr. Min.

CândMo Mota Filho. Diz o se­guinte: (lê).

Sem a observação final do voto vencedor, do Sr. Min. Cândido Ma­ta, concluiria que o mérito estava definitivamente decidido.

Mas S. Ex.a disse: "Não há direito líquido e certo pois para ser amparado pela segurança. Pen­so que poderão, em recurso ordi­nário, pleitear o que não cabe nes­te remédio constitucional."

Portanto, não posso considerar, no caso, procedente a exceção de coisa julgada.

Voto-mérito

o Sr. Min. Márcio Ribeiro (Re­lator) - A controvérsia é, real­mente, sôbre questão de direito. A situação do autor como funcioná­rio da Autarquia, a forma e o tem­po de sua designação, por simples portaria, para exercer as funções de Assistente Jurídico (fls. 19), são fatos que não sofreram con­testação.

O problema é, pois, puramente de aplicação da Lei n.o 2.123, de 1953, art. 2.°, verbis: "os atuais cargos ou funções de Procurador, Consultor Jurídico, Advogado, As­sistente Jurídico, Adjunto de Con­sultor Jurídico e Assistente de Pro­curador, existentes nas Autarquias referidas no artigo anterior, serão transformados em cargos de Pro­curador e absorvidos na respectiva carreira, feito o enquadramento de seus ocupantes nas categorias cor­respondentes aos padrões em que Se encontram."

Trata-se de uma lei de execu­ção, mas não pessoal.

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Referindo-se 'a "cargos e funções existentes" nas autarquias, restrin­giu-se a lei evidentemente aos car­gos e funções já criados segundo a legislação vigente (Lei n.O 1. 711 de 1952, Decreto-lei n.O 5.175 de 1943). Não excedeu, portanto, aos quadros e tabelas existentes de efetivos e extranumerários. Alcan­çou apenas as funções legalmente criadas e existentes por si mesmas, independentemente de quem as exercesse no momento.

A simples designação para exer­cer função de assistência jurídica - mesmo regular - não estaria, pois, abrangida pela equiparaçã0 da Lei n.O 2. 123.

Nego, pois, provimento à apela­ção.

Voto-mérito (Vencido)

o Sr. Min. Cândido Lôbo Sr. Presidente. Em caso idêntico já me manifestei sôbre a hipótese e confirmo o meu entendimento an­terior: "em resumo, o fato é que aí está a lei que manda aprovei­tar os impetrantes, porque manda aproveitar aquêles que estão nas funções de Assistente Jurídico. Por que pesquisar, esmiuçar, sindi­car, antes de fazer o aproveita­mento ordenado pela lei, quanto às condições - com quê e porquê fo­ram os impetrantes designados -Assistentes J uridicos - cargo que ~ntão não existia. Por quê? Se não existiam êsses cargos, toda­via, dias depois da designação veio a lei e os criou e mandou que os impetrantes fôssem aproveita­dos. A meu ver, Sr. Presidente, ao Dr. Juiz a quo cumpria satis-

fazer os intuitos do legislador, quais os de aproveitar aquêles que estivessem nas funções de Assistentes Jurídicos. Isso êles eram, mal ou bem, eram. Eis porque, Sr. Presidente, data venia do Dr. Juiz a quo, de­firo a segurança na forma pedida na inicial, para que os impetrantes sejam enquadrados na forma or­denada pela lei aplicável, a Lei n.o 2.123, de 1.0 de Dezembro de 1953".

~sse foi o meu voto naquela oportunidade, isto é, no mandado de segurança. Não houve coisa julgada porque no recurso extraor­dinário de que foi Relator o Min. Vilas Boas, sustentou-se a mes­ma tese e, neste sentido, votou de acôrdo com o Relator, Min. Vi­las Boas, o eminente Min. Nelson Hungria.

Na própria decisão final no mandado de segurança, proferida pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, conforme consta dos vo­tos vencedores, foi reconhecido ao impetrante, ora apelante, a ressal­va de pleitear por ação própria o reconhecimento do seu direito.

A prova do fato se evidencia com a Portaria n.o 1.694/53, ane­xada aOs autos em cópia autenti­cada, pela qual o Sr. Presidente do IP ASE, usando das atribuições conferidas pelo art. 17, do Decreto­-lei n.o 2.865, de 12 de Dezembro de 1940, designou o apelante paf3 exercer as funções de Assistente Jurídico, portaria esta de data an­terior à vigência da citada lei. A prova feita nos alutos foi a se­guinte:

a) Documento de fls. 25. Exer­cício das funções de Assistente

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Jurídico: "Informo, assim que an­tes da vigência da Lei n.o 2. 123, de 1.° de Dezembro de 1953, es­têve o referido Jorge Carone no pleno exercício de suas funções de Assistente Jurídico, no antigo C. D . J. - IPASE, Terceira Pro­curadoria, Distrito Federal, em 26-9-57. (a) Derlópidas Corrêa de Melo - Procurador-chefe".

b) Outro documento de gran­de valor é o constante da certidão de fls. 24, de um memorando feito anteriormente à vigência da Lei n.O 2. 123/53, fornecida pelo pró­prio IPASE e que aqui transcre­crevemos: "Sr. Diretor do D. C. : Sugiro seja designado o Aprovisio­nador padrão "L", Jorge Carone, lotado no S. G . M., para exercer as funções de Assistente Jurídico. Saudações. Derlópidas Corrêa de Melo, Procurador-chefe".

c) Além disto, consta a fls. 182 declaração do seguinte teor: " . .. na qualidade de escrevente juramentada do 9.° Ofício de Notas desta Capital, lavrei escritu­ras em que foi parte o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE), na sede do mesmo, em data an­terior à vigência da Lei n.o 2 . 123, de 1.0 de Dezembro de 1953, sen­do acompanhada a leitura das mesmas, por parte desta Autar­quia, por Assistentes Jurídicos de­vidamente autorizados, entre êles, o Dl'. Jorge Carone. Rio de Ja­neiro, 23 de Julho de 1958. (a) Almerinda Farias Gama".

d) A fls. 189, encontramos ou­tro documento, declaração do Te­soureiro do IPASE: "declaro, na qualidaã,) de Tesoureiro do Ins-

tituto de Previdência e Assis­tência dos Servidores do Estado (IPASE), que compareci algumas vêzes a lavraturas de escrituras na sede do Instituto, em datas an­teriores a Dezembro de 1953 e mesmo posteriormente, para rea­lização de pagamentos referentes à aquisição de imóveis para segu­rados do Instituto, escrituras essas acompanhadas por parte do IP ASE, ora por Procuradores, ora por Assistentes Jurídicos, e dentre êstes o Dr. Jorge Carone, a quem autorizo fazer desta declaração o uso que lhe convier. Rio de Ja­neiro, 24 de Novembro de 1959. (a) Otavio Diniz".

Face ao exposto, fácil é verifi­car que ficou sobejamente prova­do que o apelante estava no exer­cício da função de Assistente Jurí­dico antes da vigência da Lei n.o 2.123, de 1.0 de Dezembro de 1953, devidamente designado por quem tinha qualidade para fazê-lo, e tal situação está ampa­rada pelo enquadramento orde­nado no art. 2.° da citada Lei n.o 2.123, de 1953.

Assim, dou provimento para o fim de julgar procedente a ação, sem honorários porque incabíveis na espécie.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: por maioria de vo­tos negou-se provimento ao recur­so, vencido o Sr. Min. Cândido Lôbo. O Sr. Min. Henrique d'Ávi­la votou com o Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Henrique d'Ávila.

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APELAÇÃO CíVEL N.o 15.112 - GB.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Cândido Lôbo Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Márcio Ribeiro (Afrânio A. da

Costa) Recorrente - Juízo da Fazenda Nacional, ex officio Apelantes - The Home Insurance Company e outros e Ci.a.

N ac. N aveg. Costeira Apeladas - As mesmas

Acórdão

É cabível a condenacão em honorários advoca­tícios nas ações de reembôlso de seguro pago por mercadorias extraviadas durante transporte maríti­mo . O transportador, porém, não responde pelos danos resultantes de defeitos de embalagem.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível de n.o 15.112, da Guanabara, em que são apelantes The Home Insuran­ce Company e outros, e Compa­nhia Nacional de Navegação Costeira - P.N. e apeladas as mesmas, assinalando-se também recursos ex officio:

Acorda, por unanimidade, a Pri­meira Turma julgadora do Tribu­nal Federal de Recursos, em ne­gar provimento, conforme consta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o Relatório de fls., fi­cam fazendo parte integrante dês­te julgado, apurado nos têrmos do resumo de fôlhas 186. Custas ex lege.

Tribunal Federal de Recursos, Distrito Federal, 3 de Outubro de 1961. - Henrique d'Ávila, Pre­sidente; Cândido Lôbo, Relator.

Relatório

o Sr. Min. Cândido Lôbo (Re­lator) - Sr. Presidente. Trata-se de ação ordinária proposta pelo segurador contra o transportador,

pela indenização paga aos segura­dos pela autora, devido à carga não entregue no pârto de destino porque extraviada a bordo.

A sentença de fls. 154 acolheu, em parte, a contestação oposta pela Companhia de Navegação Costeira, a Transportadora, em face da falta de cintos de segu­rança nas caixas que continham "chassis de caminhões", dando êsse ônus ao proprietário e não ao transportador, terminando, dita sentença, por julgar a ação pro­cedente, em parte, acrescida de juros de mora, custas e honorá­rios advocatícios arbitrados em 20% sôbre a condenação. Incon­formada, apelou a autora, na par­te em que a sentença atendeu à contestação da transportadora, sustentando que as caixas excluí­das da condenação, em verdade foram embarcadas sem a cinta, porém, que foram vioTadas a bordo e quando da sua descarga, chegaram, algumas delas, com si­nais evidentes de terem sido aber­tas e repregadas, além de quebra­das, o que demonstra falta de cui-

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dado no serviço de carga e des­carga, e não defeito na embala­gem das mercadorias.

Apelou a Transportadora, Com­panhia Costeira, pedindo a refor­ma da sentença apelada, inclusive quanto a honorários advocatícios que incabíveis na espécie dos autos.

A Subprocuradoria-Geral, no Parecer de fls. 177, pôs-se de acôr­do com o atendimento da Autar­quia. Nada mais.

É o Relatório. Ao Sr. Min. Re­visor.

Voto

o Sr. Min. Cândido Lôbo (Re­lator) - Sr. Presidente, trata-se, no presente recurso, de assunto muito versado nesta Turma, eis que a apelação abrange questão de carga não entregue pelo trans­portador, cujos respectivos seguros foram pagos pela autora da ação a seus segurados. A matéria de fato ficou devidamente comprova­da nos autos. Apelou, entretanto, a Companhia de Seguros, autora, da parte da sentença que excluiu al­gumas verbas, porque representa­vam carga entregue à transporta­dora com defeito na embalagem, e, assim, sem culpa da transporta­dora, a sua quebra. A autora re­corre dessa parte, vale dizer, de vários itens excludentes fixados na sentença, quanto à condena­ção, argumentando que essa ex­clusão não podia ter sido feita porque essas caixas estavam vio­ladas e quebradas com evidentes sinais de terem sido repregadas a bordo, além do péssimo serviço de carga e descarga da transpor­tadora, inclusive quanto às caixas

que continham chassis de auto­móveis.

A ré, por sua vez, pleiteia a diminuição da condenação, inclu­sive quanto a honorários advoca­tícios que entende incabíveis. Le­vando em consideração meus inú­meros votos proferidos nesta Tur­ma em casos idênticos, rejeito am­bos os apelos para por-me de ple­no acôrdo com a sentença apela­da, mesmo no que se refere à con­denação em honorários advocatí­cios, que entendo perfeitamente cabíveis na espécie em debate nos autos, além de módica e usual­mente arbitrados pela sentença recorrida.

Além disso, a vistoria se serve para amparar as razões da ape­lada por parte da Companhia Se­guradora, autora, também serve para amparar o que sustenta na ação a ré transportadora, e assim, havendo a sentença se colocado eqüidistante das razões oferecidas pelos interessados, um contra o outro, preferiu ratificar o resulta­do da aludida vistoria, e, assim sendo, excluiu o que dessa prova resultou, exclusões feitas na fixa­ção da condenação, ora contra a autora, ora contra a ré. Com êsse entendimento, nada a censurar no procedimento do Dr. Juiz a quo, que com equilíbrio pôs-se dentro do problema dos autos, resolven­do-o com propriedade e na forma legal competente, inclusive quan­to à condenação em honorários, como já salientamos.

Isto pôsto, nego provimento a ambos os recursos.

Voto

O Sr. Min. Márcio Ribeiro -Dou provimento, em parte, ao re-

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curso das seguradoras para incluir, na condenação, as reclamações comprovadas pelos laudos de fls. 15, 34, 56 e 57 e 92 - também por deficiência de embalagem.

Nego provimento à apelação da armadora que se limita a negar validade às vistorias, confirman­do, em tudo mais, a sentença re­corrida, inclusive no tocante a ho­norários.

Voto

o Sr. Min. He;nóque d'Ávila - Data venia, dou provimento,

em parte, ao recurso ex ofticio e ao voluntário da ré transportado­ra para excluir honorários de ad­vogado.

Decisão

Como consta da ata a decisão foi a seguinte: negou-se provi­mento aos recursos, vencido em parte o Revisor no tocante ao re­curso da autora, e o Presildente que provia o apêlo da ré para ex­cluir honorários de advogado. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Henrique d'Ávila.

APELAÇÃO CíVEL N.O 15.114 - GB. (Embargos)

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Aguiar Dias Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Cunha Vasconcellos Embargante - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Embargados - Alsorino Machado e outros

Acórdão

Lei n.o 2.123, de 1953. Sentido da expressão "funções" - Na Lei n.o 2.123, a expressão "funções" foi tomada em sentido comum e não no sentido téc­nico que tem no serviço público. São, portanto, por ela beneficiados, os servidores que, embora titulares de outros cargos, desempenhavam atribuições no ser­viço jurídico.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de apelação Cível n.o 15.114, da Guanabara, em grau de embargos de nulidade e infringentes do julgado, em que embargante Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e em­bargado AIsorino Machado e outros:

Acordam os Juízes do Tribu­nal Federal de Recursos, em ses­são plena, por maioria de votos, em rejeitar os embargos, na con­formidade do Relatório e notas taquigráficas precedentes, que fi­cam fazendo parte integrante do presente julgado. Custas ex lege.

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Brasília, 15 de Outubro de 1962. - Sampaio Costa, Presi­dente; Aguiar Dias, Relator.

Relatório

O Sr. Min. Aguiar Dias (Re­lator) - Com base no voto ven­cido do eminente Min. Cunha Meno, opõe o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística embar­gos à decisão de fls. 165, que de­cirliiu., de acôrdo com a sentença de Primeira Instância, pela proce­dência de ação movida por servi­dores. do Instituto, nos têrmos da Lei n.o 2.123, de 1.0 de Dezembro de 1952. Tôda a questão está em saber se a expressão "funções", em­pregada na lei, o foi em sentido rigorosamente técnico, em obe­diência ao sistema administrativo, ou se o foi no sentido vulgar. A maioria inclinou-se pelo segundo critério, e o douto voto vencido pela primeira orientação.

É o Relatório.

Voto

O Sr. Min. Aguiar Dias (Re­lator) - A decisão da Turma foi tomada pelos votos dos Srs. Mins. Cândido Lôbo, Relator, e Godoy Ilha, Vogal, que reconheceram ao embargado o direito ao enqua­dramento decretado pela Lei n.o 2.123/53.

Também êste foi sempre o meu pensamento a respeito do assun­to. A Lei n.o 2.123/53, reconhe­cendo uma situação de fato irre­gular, procurou remediá-la, regu­larizá-la, através das providências que tomou, chamando ao serviço jurídico aquêles que, efetivamen­te, prestavam serviços de nature­za jurídica.

É certo que, no serviço públi­co, a expressão "função", corres­ponde aos encargos exercidos, es­pecificamente, pelos extranume­ranos designados, diretamente, para a função de que se cogita. Entretanto, dado o caráter da lei, que, como já disse, foi de regu­larização de uma situação anor­mal, a expressão "função" pode, com inteira cabida, ser interpre­tada como no sentido vulgar, isto é, como dirigida àqueles que, em­bora ocupassem no serviço públi­co outros cargos, estivessem de­signados para o serviço jurídico.

A matéria de fato não é dis­cutida nos autos. Não se nega que os embargados exerceram, efetiva­mente, funções de serviço jurídi­co e, assim, a meu ver, data venia das opiniões em contrário, tem in­teira razão e direito ao enqua­dramento pela Lei n.o 2.123. Por outro lado, nem se pode alegar que o Judiciário estaria, no caso, criando funções porque, como as­sinalou o eminente Min. Cândido Mota Filho, limitou-se ao cumpri­mento da lei, a interpretá-la de acôrdo com a melhor exegese.

Rejeito os embargos.

Voto

o Sr. Min. Cunha Vasconcellos (Revisor) - Sr. Presidente, meu voto, como Revisor, no caso, re­porta-se à jurisprudência assente sôbre a matéria. Assim, como disse a fls. 161: "Com efeito, a fls. 72 está a certidão de um julgado em que, contra os votos dos Mins. Queiroz e Estellita, êste Tribunal decidiu que os Auxiliares de Pro­curadores de Autarquias estão enquadrados na Lei n.o 2. 123,

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art. 2.°; e, na certidão a fls. 67 e seguinte, o Egrégio Supremo Tri­bunal Federal, por unanimidade, não conheceu do recurso extraor­dinário n.o 42.547, interposto de decisão dêste Tribunal Federal de Recursos, no sentido da pri­meira (fls. 67). O voto do Rela­tor é êste: cogita-se, no caso, de simples interpretação da lei, cuja vigência acentuada pelo Min. João José de Queiroz, decorre de saber se o art. 2.°, da Lei n.o 2.123, e §, inclui no benefí­cio cargos e funções a que se re­fere, ou se devem ser considera­das funções, no sentido técnico, somente as constantes de tabelas numéricas. Ao passo que cargos, em sentido estrito, são apenas os criados em lei; admite-se todavia, que a enumeração legal é mera­mente exemplificativa, e que a referência a "cargos e funções" é feita no sentido comum do têr­mo. O Acórdão recorrido dá in­teligência ao texto legal com êsse entendimento mais amplo verbis: expressão "função", usada na sen­tença, atribui aos impetrantes o direito na mesma assegurado. Não seria justo que a lei beneficiasse os Assistentes de Procuradores e deixasse sem o seu benefício os Auxiliares de Procuradores. As ex­pressões são equivalentes e não há uma razão para exclusão ( fls. 51) . O que daí resulta é mera adequação do caso à pre­visão legal, sem deturpação do fim a que teve em vista o legis­lador.

Também no recurso extraordi­nário n.o 25.927, por certidão às fls. 75 a 78, o mesmo entendimen­to foi prestigiado por aquêle Co­lendo Tribunal."

E, da tribuna, acaba o advoga­do de mencionar outras decisões nesse sentido.

Trata-se, portanto, de matéria tranqüilizada no Judiciário, nota­damente pelo Supremo Tribunal Federal, que diz a última palavra.

Com o Relator.

Voto (Vencido)

o Sr. Min. Henrique d' Ávila - Sr. Presidente, lamento dissen­tir. Data venia, recebo os embar­gos. A questão foi muito debatida neste Tribunal. A Lei n.o 2.123, de 1953, é uma das muitas leis de favor que têm servido para anarquizar o Serviço Público Fe­deral, burlando o princípio do mérito, ou seja, a admissão de servidores, quando fôr o caso, por via de concurso, como acontece com relação aos procuradores das autarquias. Em seu art. 2.°, a referida lei alude a "cargo ou funções". É evidente que dita ex­pressão deve ser interpretada em sentido técnico-administrativo, car­gos e funções criadas por lei ou constantes de tabelas numéricas. Na espécie, cogita-se de funcio­nários burocráticos que, por se­rem bacharéis em Direito, foram lotados no serviço jurídico do Instituto. E, às vêzes esporàdica­mente ocupam-se de estudo de assunto jurídico, por solicitação dos respectivos procuradores. A lei não cogita de semelhantes funções, caso essa motlalidade pudesse ser conceituada como função no sentido vulgar do têrmo.

O Sr. Min. Cunha Vasconcellos - Permite-me V. Ex.a? Eram de-

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signados para acompanhar pro­cessos - designados até por por­taria.

O Sr. Min. Henrique! d"Ávila - Não vejo qualquer direito de os impetrantes serem aproveita­dos como procuradores da Autar­quia, nos têrmos do art. 2.°, da l.ei n.O 2.123, de 1953. Tenho sempre votado nesse sentido em casos análogos; não me curvo de forma alguma à pretendida juris­prudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal. Se ela existe, só pode justificar-se por excessivo li­beralismo e compadrio, amplifi­cadores da demagogia empreguis­ta que medra no Congresso como alavanca de desprestígio e desmo­ralização do Serviço Público Fe­deral.

Recebo, data venia, os em­bargos.

Voto

o Sr. Min. Amarílio Benjamin - Srs. Ministros, não conhecemos, em pormenores, o caso dos autos. Entretanto, temos opinião firma­da a respeito da tese em <lebate.

Cumprindo nossa mlSsao de Juiz, de dar à lei seu sentido exa­to, temos refletido no alcance da expressão "cargos ou funções", usada pela lei, e chegamos à con­clusão de que, realmente, ao de­terminar a lei o aproveitamento dos profissionais do serviço jurí­dico como Procuradores, relacio­nando "cargos e funções", dirigiu­-se a todos os servidores que exer­ciam funções diretamente ligadas ao serviço jurídico.

Dissemos, inicialmente, que não conhecíiamos o caso dos autos, nos

seus pormenores. Temos, porém, agora, os autos em mãos, e veri­ficamos que os embargados, em­bora servidores administrativos, foram nomeados para o cargo de "Auxiliar Técnico Jurídico". Ora, evidentemente, não se trata de simples designação de funcionário a'dministrativo ...

O Sr. Min. Cunha Vasconcellos - Acentuei no meu voto êsse as­pecto.

O Sr. Min. Amarílio Benja­min - ... para exercer, a título precário, funções específicas de serviço jurídico. O cargo para que foram nomeados os autores re­presenta uma particularização do serviço jurídico, que, embora não esteja mencionado na lei, também deve ser por ela alcançado.

O Sr. Min. Henrique d' Ávila - Mas mantiveram a função bu­rocrática, juntamente com essa função jurídica.

O Sr. Min. Amarílio Benjamin - Está aqui um ato de nomea­ção, a fls. 9. Diz assim: " ... no­mear, de acôrdo com o art. 12, item lI, da Lei n.o 1.711, de 28 de Outubro de 1952, Alsorino Ma­chado, para exercer, em caráter efetivo, o cargo isolado, pa­drão "O", de Auxiliar Técnico Ju­rídico, do Quadro l, Parte Suple­mentar, do Conselho Nacional de Estatística, criado pelo Decreto n.o 44.766, de 30 de Outubro de 1958".

Então, temos que, na verdade, os autores pertencem ao serviço jurídico; e, embora a lei, na enu­meração, nã0 mencione, expressa­mente, a situação dos autores, o cargo que ocupam deve ser, ao menos por eqüidade, colocado en-

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tre aquêles com direito ao enqua­dramento decretado pela Lei n.o 2.123/53.

Noutro julgamento, salvo enga­no, da Estrada de Ferro Santos­Jundiaí, também verificamos que o interessado não exercia nenhu­ma das categorias expressamente consignadas em lei; mas como apuramos que exercia função que se enquadrava no serviço jurí­dico, julgamos a ação procedente.

Acompanhamos o Relator, para rejeitar os embargos.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: por maioria de vo­tos, rejeitaram os embargos. Não tomou parte no julgamento o S1". Min. Oscar Saraiva. Os Srs. Mins. Cunha Vasconcellos, Henrique d' Ávila, Godoy Ilha e Amarílio 'Benjamin votaram com o Sr. Min. Relator. Não compareceu, por motivo justificado, o Sr. Min. Cândido Lôbo. Presidiu o julga­mento o Sr. Min. Sampaio Costa.

APELAÇÃO CÍVEL N.O 15.132 - GB.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Amarílio Benjamin Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Aguiar Dias Recorrente - Juiz da 2.a Vara da Fazenda Pública, ex oificio Apelante - União Federal Apelado - Luiz Gonzaga dos Santos

Acórdão

Militar. Direitos a serem reparados. Se a Ad­ministracão reconheceu os direitos do militar recla­mante, ; mandou proceder as retificações correspon­dentes, é claro que o interessado não pode deixar de receber as respectivas vantagens financeiras.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n.O 15.132, do Estaido da Gua­nabara, em que é apelante a União Federal e apelado Luiz Gonzaga dos Santos, assinalando-se tam­bém recurso ex oHicio:

Acorda, à unanimidade, a Pri­meira Turma julgadora do Tribu­nal Federal de Recursos, em ne­gar provimento a ambos os recur­sos, conforme consta das notas ta­quigráficas anexas, as quais, com o Relatório de fls.,· ficam fazendo parte integrante dêste julgado,

apurado nos têrmos do resumo de fls. 92. Custas ex lege.

Tribunal Federal de Recursos, 5 de Setembro de 1962. - Hen­rique d'Ávila, Presidente; Amari-1io Benjamin, Relator.

Relatório

o Sr. Min. Amarílio Benjarnil'R (Relator) - Luiz Gonzaga dos Santos ajuizou a presente ação or­dinária contra a União Federal, visando à obtenção do seguinte: a) diferença de vencimentos arra-

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sados, relativa às suas promoções a 3.°, 2.° e 1.0 sargento, que se operaram por decisão administra­tiva: b) promoção aos postos de 2.° tenente, 1.0 tenente e capi­tão, respectivamente em 8-11-46, 27-7-51 e 25 de Agôsto de 1957; c) custas, juros e honorários de 20%.

O autor obteve administrativa­mente a retificação das datas de suas promoções no nível de sar­gento, em virtude de sua inclusão no Quadro de Identificador Da­tiloscopista (QID), mas sem di­reito a atrasados, medida essa do Ministro da Guerra, que o autor considera lesiva aos seus direitos. Como decorrência da retificação das datas de suas promoções como sargento, quer o autor pro­mocões ao oficialato, até o pôsto de ~capitão, alegando que colegas seus, em idênticas condições, tive­ram êsse direito reconhecido por decisões do Tribunal Federal de Recursos.

Finaliza assim a sentença a fls. 70: "Se a autoridade admi­nistrativa reconheceu ao autor di­reito à correção pretendida, nu­ma demonstração de que corrigia um êrro, teria, forçosamente, de admitir tôdas as conseqüências dessa retificação, como uma de­corrência normal e irretorquível de tal atitude. A concessão de um e a negativa de outro são atos que se entrechocam, que não se coadunam, que se contrapõem, que se anulam. Há uma profunda in­coerência, que agora o Poder Ju­diciário tem de corrigir.

Por tudo isso e mais pelo que dos autos consta, julgo proceden­te a presente ação ordinária, na forma do pedido inicial."

Sobem os autos com recurso de ofício e apelação da União. Con­tra-razões a fls. 77. Nesta Ins­tância, falou a Subprocuradoria­Geral a fls. 85.

É o Relatório.

Voto

o Sr. Min. Amarílio Benjamin (Relator) - Consta dos autos que o autor, antigo sargento do Exército Nacional, possuindo o curso de "identificador-datilosco­pista", equiparado ao de "coman­dante de pelotão", julgou-se pre­terido na inclusão tardia de seu nome no quadro respectivo, e requereu as devidas retificações às autoridades superiores; estas o atenderam, sendo então fixa­da a data inicial em 24 de Junho de 1940, de onde pro­vieram assim as retificações nos acessos verificados. Todavia, a de­cisão administrativa não lhe deu direito à percepção de vencimen­tos e vantagens atrasados. A con­trovérsia consiste nessa pretensão. De nossa parte, também concluí­mos com a sentença apelada. Se a administracão aquiesceu no pe­dido do aut~r, reconhecendo que havia injustiça no tratamento que lhe fôra dado, se, em verdade, o autor tinha direito ao que plei­teava, é indubitável que a restri­cão não tem cabimento. As reti­ficacões devem, portanto, produ­zir todos os seus efeitos, inclusi­ve vencimentos e vantagens, de acôrdo com a data de cada pro­mocão ou situacão. É contra o di­reit~ invocar_se' a eqüidade, para restringir. A eqüidade não repre­senta arbítrio; pode até significar "criacão" mas sõmente quanto à solução ~u fórmula a ser aplica-

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da ao caso, desde que êste deve possuir dados certos e manifesta fôrça jurídica.

Decisão Como consta da ata, a decisão

foi a seguinte: Por unanimidade,

negou-se provimento a ambos os recursos. Os Srs. Mins. Aguiar Dias e Henrique d' Ávila votaram com o Sr. Min. Relator. Presidiu

o julgamento o Sr. Min. Henrique d'Ávila.

APELAÇÃO CÍVEL N.O 16.074 - GB.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Armando Rollemberg Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Djalma da Cunha Meno Apelante - Manoel Francisco de Azevedo Apelada - União Federal

Acórdão

Militar - Simples serviços de socorro e as­sistência médica não ensejam a promoção a que se refere a Lei n.O 1.267, de 1950.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n.0 16.074, da Guanabara, apelan­te Manoel Francisco de Azevedo e apelada União Federal:

Acorda, por unanimidade, a Se­gunda Turma julgadora do Tri­bunal Federal de Recursos, em ne­gar provimento, conforme consta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o Relatório, ficam fa­zendo parte integrante dêste jul­gado, apurado nos têrmos de fls. 47. Custas ex lege.

Tribunal Federal de Recursos, 8 de Novembro de 1963. - Djal­ma da Cunha Mello, Presidente; Armando Rollemberg, Relator.

Relatório

O Sr. Min. Armando Rollem­berg (Relator) - Manoel Fran­cisco de Azevedo, General-de­Brigada, propôs ação ordinária contra a União para o fim de ob­ter promoção ao pôsto imediato,

com fundamento na Lei n.o 1.267, de 1950.

Alegou que, na qualidade de médico do Hospital Central do Exército, prestou serviços de as­sistência e socorro aos feridos quando do movimento revolucio­nário de 1935.

Devidamente processado o fei­to, proferiu o MM. Juiz a sen­tença de fls. 25 e 36, julgando a ação improcedente.

Inconformado, apelou o autor, tendo apresentado contra-razões à União (fls. 34 e 35).

Nesta Instância, opinou a dou­ta Subprocuradoria pela mamllten­ção da sentença.

É o Rel,atório.

Voto

O Sr. Min. Armando Rollem­berg (Relator) - O apelante pretende ser beneficiado pela regra do art. 1.°, da Lei 1.267,

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de 1950, que é do seguinte teor: "Os oficiais e praças das Fôrças Armadas que na La e 7.a Regiões Militares tenham tomado parte em suas unidades de combate con­tra a revolução comunista de 1935, cumprido missões e cooperado com as mesmas; se deslocado de sua sede com seus Corpos para os mesmos fins, ou tenham ofere­cido resistência comprovada nas corporações rebeladas, quando transferidos para a reserva remu­nerada, serão, em seguida, promo­vidos ao pôsto imediato, com os respectivos vencimentos integrais, sem prejuízo das demais vanta­gens legais a que tiveram direito".

Da análise da disposição trans­crita se verifica que manda a lei sejam promovidos ao pôsto ime­diato os que: a) tenham partici­pado de combate contra a revo­lução comunista; cumprido mis­sões: ou cooperado com estas; b) hajam se deslocado de sua sede, com seus Corpos, para dar com~ bate à mesma revolução; c) te­nham oferecido resistência com-

provada nas corporações rebe­ladas.

Como declara o apelante na ini­cial da ação, os serviços que pres­tou foram de socorro' e assistên­cia aos feridos, no Hospital Cen­tral do Exército, não havendo, em consequencia, como capitulá-los em qualquer das hipóteses previs­tas no art. 1.0, da Lei n.o 1.267, que examinamos.

Decidiu, portanto, com acêrto, o MM. Juiz de Direito, quando julgou a ação improcedente.

Nego provimento à apelação para manter a sentença por seus jurídicos fundamentos.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Negou-se provi­mento, decisão unânime. Os Srs. Mins. Djalma da Cunha Mello e Oscar Saraiva votaram com o Sr. Min. Relator. Presidiu o jul­gamento o Sr. Min. Djalma da Cunha Mello.

APELAÇÃO CíVEL N.O 16.481 - GB.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Cândido Lôbo Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Amarílio Benjamin Apelante - Hylda da Silva Oliveira Apelada - União Federal

Acórdão

Militar. Promoção excepcional da Lei n.O 1.267, de 1950, requisitos.

Vistos, relatados e discutidos ês­tes autos de Apelação Cível n.O 16.481, do Estado da Guana-

bara, apelante Hylda da Silva Oliveira e apelada União Fe­deral:

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Acorda, por unanimidade, a Primeira Turma julgadora do Tri­bunal Federal de Recursos em dar provimento, para o fim de ser jul­gada procedente a ação, salvo quanto a honorários que não são devidos na espécie, conforme cons­ta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o Relatório, ficam fa­zendo parte integrante dêste jul­gado, apurado nos têrmos de fls. 58. Custas ex lege.

Tribunal Federal de Recursos, 24 de Julho de 1962 - Cândido Lôbo, Presidente e Relator.

Relatório

o Sr. Min. Cândido Lôbo (Re­lator) - Sr. Presidente, Hylda da Silva Oliveira propôs a pre­sente ação ordinária contra a União Federal, na qualidade de viúva do Capitão Perseverando da Silva Oliveira, com o fim de ob­ter a promoção post mortem de seu referido marido, que desem­penhou missão importante na re­belião comunista de 1935, receben­do elogios de seus superiores.

Na contestação, a União Fe­deral, levantou a "preliminar de prescrição" e, de meritis, sustenta que o pedido não tem adequação legal, nem juriSprudencial.

O Juiz a quo, pela sentença de fls. 32, examinando a controvérsia decidiu que a "preliminar de pres­crição" não tinha fundamento le­gal já que não está em discussão, senão, o direito da autora que, aliás, não tem direito às presta­ções patrimoniais prescritas, diz o Juiz a quo, que continua: alega a autora que seu finado marido recebeu de seus superiores hierár-

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quicos ordens para cumprir mis­sões, quando da revolta comunis­ta de 1935, conforme o elogio de seu comandante verbis: "Além de suas funções profissionais cum­priu mais a missão por mim de­terminada de relacionar os nomes de todos os oficiais e praças da­quele regimento, que, transpondo o Morro Cara de Cão, foram apri­sionados pelas patrulhas da For­taleza, missão essa que cumpriu à contento do Comando".

Pondera então a sentença, que essa missão de forma alguma po­dia enquadrar o finado marido da autora nos casos de promoção previstos pela lei, já que não tra­duz essa ação serviços relevantes através de missões especiais e ex­cepcionais. Daí, concluiu o Juiz a quo pela total improcedência da ação. Houve recurso da parte a fls. 37 em que se sustenta a efi­ciência da cooperação do falecido marido da autora no combate ao comunismo, cooperação que é comprovada pelos atestados de seus superiores, salientando-se o do Marechal Agostinho dos San­tos, então comandante do 3.0 Re­gimento de Infantaria. O marido da autora falecera dias depois da intentona comunista, isto é, em 8 de Dezembro, e não foi promovi­do: Capitão que era, Capitão fi­cou.

A viúva, autora, quer na pre­sente ação, simplesmente, a apli­cação do art. 1.0, da Lei n.o 1.949, de 53, que manda estender as pro­moções previstas em Lei 1.267, para efeito de pensão, aos mili­tares já falecidos. E na espécie dos autos, o que se procura obter é essa melhoria de pensão, de-

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pendente, porém, que é ela, da promoção post mortem a Major. Há peculiaridades no caso em aprêço.

Subiram os autos, e a Subpro­curadoria-Geral emitiu seu Pare­cer de fls. 50, pedindo a manuten­ção do julgado recorrido.

É o Relatório.

Voto

o Sr. Min. Cândido Lôbo (Re­lator) - Sr. Presidente. Tudo está dependendo, no desfecho do presente caso, do fato de saber se a ação do marido da autora está ou não dentro do que pres­creve a Lei n.o 1.267, de 1950, em seu art. 1.0, regulamentada pelo Dec. 37.856, de 1955. O ma­rido da autora, segundo diz o ates­tado do Marechal Santos, real­mente foi ao Morro do Cão e aprisionou comunistas, em 1935, estando êle como integrante da respectiva patrulha que efetuou a Idiligência. Eis o fato, e agora cum­pre aplicar o direito. Preliminar­mente: quanto à prescrição, es­tou com a segurança apelada, re­jeitando-a, por isso que a autora não veio reclamar de ato algum, ou do não cumprimento de algum direito seu, deferido e violado. Não. Sua postulação envolve es­tritamente matéria de direito que estaria em condições de ser re­conhecida judicialmente, mas que não foi objeto de qualquer reque­rimento às autoridades, e muito menos que tal requerimento ti­vesse sido indeferido. Não. Nada disso. O que pretende a autora é simplesmente a aplicação do art. 2.°, da Lei n.o 1.267 de 1950,

que determina que os oficiais e praças desde que satisfaçam as exigências do artigo anterior, se­jam promovidos ao pâsto imedia­to, mediante requerimento.

Diz a autora que está perfei­tamente nessas condições.

Assim, não quer falar em pres­crição, e por isso rejeito a preli­minar, como a rejeitou a senten­ça apelada.

De me.ritis: Fácil é verificar, pelo Relatório, a matéria de que ~e trata na espécie, já do conhe­cimento contínuo desta Turma em sucessivos acórdãos. O ponto cen­tral da tese defendida pela au­tora está no documento junto a fls. 20, que corresponde aos as­sentamentos do marido da auto­ra, que era Capitão-Dentista. Ora, êsse dec. de fls. 20, prova elogio ao marido da autora, Capitão-Den­tista, por ter dotado o seu gabi­nete de todos os melhoramentos; que o mesmo havia falecido em sua residência aos 8 de Dezem­bro de 1953, e aí segue-se o pon­to culminante do documento, ver­bis: "Consoante êste Comando teve ensejo de declarar em seu Ofício n.o 1.335 de 7 do corrente, o Capitão Perseverando, a 27 de Novembro findo, tendo se ofere­cido espontâneamente para rela­cionar e conduzir prisioneiros do 3.° R.I. então rebelado contra as instituições vigentes do país, deu cabal desempenho àquela tarefa de não pequena responsabilidade, tornando-se digno de encômios pela presteza, segurança e habili­dade com que se houve no cumpri­mento de sua missão, até a ma­drugada do dia seguinte. Quartel

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da Fortaleza de S. João, Tte.-Cel. José Agostinho dos Santos, 2.° Grupo de Artilharia de Costa, em 1.° de Janeiro de 1936". Diante disso, quer a viúva, com a presente ação, verbis: "Com fundamento nas Leis 1.949, de 19 de Agôsto de 53, e 1.267, de 9 de Dezembro de 50, a promo­ção de seu marido post mortem, a fim de que seja melhorada a sua pensão que é de Capitão e passaria à de Major em face do reajustamento. Realmente, o mari­do da autora, pelo que diz o Tte.­Cel. José Agostinho dos Santos,· tornou-se digno de encômios pela presteza, segurança e habilidade com que se houve no cumprimen­to da missão que lhe foi confiada pelo comandante da Fortaleza de S. João, na madrugada de 27 de Novembro de 1935, quando do le­vante comunista na Praia Verme­lha, vindo a falecer dias depois, em 8 de Dezembro, com colapso cardíaco, sabe Deus se não em consequencia do cumprimento com presteza das ordens recebi­das de seus superiores, face às responsabilidades assumidas.

Trata-se apenas de obter exten­são para efeito de pensão. Nada mais do que isso. E o que precei­tua o art 1.0, da Lei n.o 1.949, de 19 de Agôsto de 53, que diz: "As promoções de que trata a Lei n.o 1.267, de 9 de Dezembro de 1950, são extensivas para efeito de pensão, aos militares já fale­cidos que, em idênticas condições, hajam tomado parte no combate a que se refere o art. 1.0 daquela lei".

Essa expressão "hajam tomado parte no combate" tem que ser in-

terpretada, face aos demais têrmos da lei em outros dispositivos, de acôrdo com a intenção do legis­lador, eis que êsse próprio diplo­ma legal em outras passagens fixa condição da obtenção de seus fa­vores, não só "o cumprimento de missões", como também "a co­operação com as mesmas", bem assim "o deslocamento de sua sede com seus Corpos". Tudo isso está na lei aplicável, fazendo um todo a interpretar em seu con­junto, e nunca isoladamente.

Na espécie em debate, indis­cutíveis as alegações feitas nos autos de que o marido da autora havia cumprido diversas missões, com presteza, segurança e habi­lidade; que havia se deslocado com seu Corpo; que havia rela­cionado e conduzido prisioneiros; que tudo isso se verificara na ma­drugada de 27 de Novembro de 1935, precisamente o dia da cha­mada Revolução Comunista da Praia Vermelha.

Ao meu ver, nada mais justo e nada mais legal do que a pro­moção post rnortern dêsse oficial ao pôsto de Major, indeferida apenas, como diz o respectivo des­pacho do Ministro da Guerra, ver­bis, por não ter amparo na Lei 1.267.

Isto pôsto: dou provimento para julgar procedente a ação na forma do pedido, porém sem con­denação em honorários.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Foi dado provi­mento, para o fim de ser julgada procedente a ação, salvo quanto

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a honorários que não são devidos na espécie, tudo por votação unâ­nime. Os Srs. Mins. Amarílio Ben-

jamin e Aguiar Dias votaram com o Sr. Min. Relator. Presidiu o jul­gamento o Sr. Min. Cândido Lôbo.

APELAÇÃO CÍVEL N.O 18.767 - DF.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Armando Rollemberg Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Djalma da Cunha Meno Recorrente - Juiz da Fazenda Pública, ex oUieio Apelante - IAP. dos Bancários Apelado - José Lourenço Mendes

Acórdão

Previdência social. Cargos isolados. Exigência de concurso estabelecida no art. 126, da Lei 3.807. Há de ser seguida jurisprudência assente do Egré­gio Supremo Tribunal Federal sôbre o assunto.

Tesoure'iros-Auxiliares. Majoração de 440/0, do art. 9.°, da Lei 3.826/60; inadmissív'el sua incidên­cia sôbre os símbolos fixados na Lei 4.061/62.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n.o 18.767, do Distrito Federal, em que apelante IAP. dos Ban­cários e apelado José Lourenço Mendes, assinalando-se também recurso ex offieio:

Acorda, por maioria, a Segun­da Turma julgadora do Tribunal Federal de Recursos em negar provimento, conforme consta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o Relatório de fls., fi­cam fazendo parte integrante dês­te julgado, apurado nos têrmos do resumo de fôlhas 64. Custas ex lege.

Tribunal Federal de Recursos, 30 de Outubro de 1963 - Djal­ma da Cunha MeIlo, Presidente; Armando Rollemberg, Relator.

Relatório

O Sr. Min Armando Rollem­berg (Relator) - Sr. Presidente.

Perfeito como é o relatório d)o processo, contido na sentença ape­lada, passo a fazer a sua leitura: "Vistos, etc.

José Lourenço Mendes, quali­ficado na inicial, propôs a presen­te ação ordinária contra o Insti­tuto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários, a fim de ser rein­tegrado no cargo de Tesoureiro­Auxiliar, padrão M, do qual foi exonerado, em medida de ordem geral, sob o fundamento da nuli­dade das nomeações para cargos isolados, de provimento efetivo, depois do advento da Lei Orgâ­nica da Previdência Social, cujo art. 126 proibiria tais nomeações.

Instruem a inicial os documen­tos de fls. 5 a 24.

Contestou a Autarquia ré (fls. 28 a 34) dizendo, em síntese, que: a) é fora de qualquer dúvida, pois, que a partir de 12-7-1960, impossível seria a nomeação, no

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Instituto dos Bancários, para car­gos isolados, dada a inexistência dos mesmos face à legislação em vigor; b) por não se respeitar a lei, vários atos de nomeação fo­ram baixados pelo então presi­dente da entidade autárquica, dentre os quais o do autor que, por serem nulos e de nenhum efei­to, estavam a merecer a indispen­sável correção; c) nem se alegue que o art. 126, da Lei Orgânica da Previdência Social, antes ci­tada, somente entrou em vigor à data de seu Regulamento, face o que dispõem os arts. 139, § 2.°, e 178, da mesma lei; d) no tocan­te ao acréscimo de 44% sôbre os vencimentos do símbolo vigen­te à época do Plano de Classifi­cação, não se conhece pretensão mais absurda, e, no particular, o ínclito Juiz dessa mesma Vara já se manifestou contràriamente, no mandado de segurança impetrado por Edvaldo Frias e outros con­tra o Presidente do IAPB;e) não há qualquer direito do autor, no caso da procedência da ação de ter os vencimentos corresponden­tes ao símbolo respectivo da Lei n.o 4.061, acrescidos de 44%, porque não há qualquer lei a au­torizar tal entendimento.

Despacho saneador irrecorrido (fls. 37), e audiência sem provas (fls. 39).

Tudo examinado e bem ponde­rado, decido: a tese de nulidade, que sustentei nesses casos de no­meação sem concurso, não foi acolhida nas Instâncias Superiores, e até, recentemente, foi rechaça­da, à unanimidade, no plenário do Tribunal Maior.

Assim, se o Judiciário, em de­cisão final, reconheceu que nulos não eram os atos de exoneração idênticos aos do autor, é o caso típico de reintegração, com todos os ressarcimentos, como se não houvesse anulação da nomeação do mesmo autor, cujo pedido acô­lho e amparo, porque: 1.°) não tendo a pretensão de ser o de­tentor da verdade, acato e home­nageio o referido Aresto Supre­mo; 2.°) outros servidores, que sofreram percalços idênticos, já foram reconduzidos ao statu quo ante; 3.°) seria injusto insistir em tese vencida, para efeito só de procrastinar a recondução fatal de servidor ao cargo do qual foi des­pejado.

No que respeita à majoração de 44% de que trata o art. 9.°, da Lei n.o 3.826, de 1-12-960, os cargos de tesouraria tiveram-na reconhecida por êste Juízo, mas até o advento da Lei n.O 4.061, de 8-5-962, tão-sàmente, porque esta lei fixou, especificamente, os símbolos e os vencimentos da­queles cargos, de tal sorte que dita vantagem de 44% ficou di­luída ou compreendida nos no­vos símbolos da precitada Lei n.o 4.061, que não é inconstitu­cional, e que, portanto, não pode ser desobedecida.

Por essas razões de decidir jul­go a ação procedente, e condeno a ré a reintegrar o autor no car­go isolado de Tesoureiro-Auxiliar e a pagar-lhe todos os vencimen­tos e vantagens daquele cargo, a partir da exoneração e custas. Nego honorários de advogado, por indevidos."

É o Relatório.

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Voto

o Sr. Min. Armando Rollem­berg (Relator) - Tal como o eminente Juiz prolator da senten­ça, entendo que as nomeações fei­tas sem concurso, após a data da Lei 3.807, de 26 de Agôsto de 1960, são nulas, e, assim, não as­sistiria ao apelante o direito à re­integração no cargo de que fôra demitido.

No entanto, tal como S. Ex.a, curvo-me ao entendimento do Egrégio Supremo Tribunal Fe­deral, que firmou jurisprudência em contrário.

Quanto ao pedido de majo­ração de 44% sôbre os vencimen­tos, tenho também como bem re­solvido pela sentença apelada, pois efetivamente considero que tal aumento foi absorvido nos vencimentos dos símbolos fixados pela Lei 4.061, de 8-5-62.

Assim sendo, nego provimento aos recursos e mantenho a sen­tença apelada em tôda a sua L.+J.­teireza.

Voto (Vencido)

O Sr. Min. Djalma da Cunha Mello - Pelos motivos da sen­tença reformada por seu prolator, que me parecem incensuráveis, dou provimento às apelações, para haver a ação como impro­cedente.

Voto

O Sr. Min. Godoy Ilha -V. Ex.a tem tôda razão mas já se tranqüilizou êsse entendimento tanto aqui neste Tribunal como no Egrégio Supremo Tribunal, de modo que, dada essa circunstân­cia, acompanho o Relator.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Por maioria de vo­tos, negou-se provimento, vencido o Sr. Min. Revisor. O Sr. Min. Godoy Ilha votou como o Sr. Min. Relator. Presidiu o julga­mento o Sr. Min. Dja/ma da Cunha Mello.

HABEAS CORPUS N.O 811 - DF.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Cunha Vasconcellos Paciente - Renato Menezes Monteiro da Costa Impetrante - Haryberto de Miranda Jordão

Acórdão

Prisão preventiva não decretada nem pedida. Existência de presunção de criminalidade e não ex­clusão categórica de participação do paciente no crime. Denegação do pedido de habeas corpus tam­bém em vista do prosseguimento da ação penal.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Habeas Corpus n.o 811, do Distrito Federal, em

que é paciente Renato Menezes Monteiro da Costa e impetrante Haryberto de Miranda J ordão: