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de votos, negou-se provimento. Os Srs. Mins. Oscar Saraiva e Cunha Vasconcellos acompanharam o Sr.
Min. Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Cunha Vasconcellos.
APELAÇÃO CíVEL N.O 1 - DF.
Relator - O Ex.mo Sr. Min. Djalma da Cunha Mello Apelante - Anderson Clayton & Cia. Ltda. Apelada - União Federal
Acórdão
Impôsto de renda.
Se lucros de vários exercícios, creditados ao fundo de reserva, são daí retirados, dum jacto, para conta de capital, decuplicando-se, dêsse modo, e confessadamente, o capital, decuplicando-se cada quota, claro, é devido, pelo movimento contábil, importante numa distribuição de lucros, tributo concernente à renda distribuída.
Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n.o 1, do Distrito Federal, apelante Anderson Clayton & Cia. Ltda., apelada União Federal:
Acorda o Tribunal Federal de Recursos, Primeira Turma, por maioria de votos, integrando neste o Relatório de fls. 236 usque 249 e na conformidade das notas taquigráficas de fls. 251 até 268, em negar provimento à apelação, pagas as custas na forma da lei.
Rio de Janeiro, 2 de Setembro de 1948. - Amando Sampaio Costa, Presidente; - Dja/ma da Cunha Mello, Relator.
Relatório
o Sr. Min. Djalma da Cunha MeIlo (Relator) - Nestes autos foi proferida a seguinte sen-
tença: "Anderson Clayton & Companhia Limitada, sociedade por quotas de responsabilidade limitada, com sede em São Paulo e estabelecida nesta Capital, propôs a presente ação ordinária contra a União Federal, para anular o ato da Delegacia do Impôsto de Renda de S. Paulo, confirmado pelo Primeiro Conselho de Contribuintes, pelo qual a autora foi condenada a pagar a importância de Cr$ 7.200.000.,00, a título de impôsto de renda qua· lificado pelas autoridades como impôsto de "majoração de quotas" resultante de aumento de capital, impôsto êsse, segundo alega, não previsto na legislação fiscal.
Alega a autora que foi organizada em 1934 e tem funcionado normalmente desde então, desenvolvendo suas atividades no be-
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nefidamento e comércio de algodão; que durante vários anos levou os lucros apurados nos balanços anuais à conta de "fundo de li"eserva", depois de pago, regularmente o impôsto de renda à taxa de 6%, de acôrdo com o preceituado na legislação fiscal vigente, montando êsses impostos nos exercícios de 1939 a 1943, na impressi.onante soma de ...... . Cr$ 7.149.932,30; que um único dividendo foi distribuído aos quotistas, pessoas jurídicas residentes no exterior, na importância de .. Cr$ 11.996.400,00 sendo, então, descontado pela autora e pago ao Tesouro o impôsto de 8%, na importância de Cr$ 959.712,00; que os lucros apurados, excetuados: êsses dividendos, foram sempre aplicados em instalações de máq[uinas, para o beneficiamento do algodão e seus subprodutos, usinas de destilação de óleo de caroço de algodão, vagões-tanques e outros materiais, mas continuaram lançados na conta "fundo de reserva", verificada, assim, uma situação contraditória entre o que figll.ll.fava na escrita e o que, realmente, ocorria, uma vez que tôdas: as importâncias creditadas ria referida conta estavam incorporadas, por consenso dos sócios, ao patrimônio da sociedade, impossibiliitada, assim, a sua distribuição aos quotistas; que, com o objetivo único de corrigir essa aparente irregularidade e para que a escrita traduza a realidade dos fatos ocorridos, resolveu transferir para a conta de capital os valôres lançados no título "fundo de reserva", na importância de .... Cr$ 90.000.000,00, os quais, desde mui.to haviam sido invertidos
em bens integrantes do acervo social e, assim sendo, o valor efetivo de todo o acervo era de .. Cr$ 100.000.000,00, antes do aumento de capital e idêntico valor teria depois do aumento, pois as quotas dos sócios neste acervo, em nada se modificaram e em nada foi o acervo modificado; que resolvendo fazer tal modificação nos lançamentos de seus livros, não alterou o destino dos valôres referidos que estavam de fato e continuaram incorporados ao acervo social, nem ficaram êles sujeitos a qualquer sanção fiscal desde que nas épocas próprias fôra pago o impôsto de renda de 6% sôbre cada uma das verbas de lucros apuradas nos balanços anuais; e que, tanto é isso verdade que se não houvesse feito, como norma reiterada, a inversão de tais lucros em bens da sociedade e os conservasse em caixa, ou depositados em espécie, nada impediria em aplicar êsses lucros em novos investimentos, instalações e aquisições em benefício do desenvolvimento da sua indústria, sem que isso a obrigasse ao pagamento de outros impostos de renda, além dos 6 % pagos por ocasião da verificação dos lucros e, assim, o impôsto reclamado não resultou, na realidade, da inversão operada mas de uma ficção decorrente de um lançamento destinado a corrigir a aparente irregularidade da escrita. Alega, ainda, e sustenta a autora que, na espécie em debate, a inversão dos lucros em bens da sociedade foi contrária aos interêsses particulares dos sócios quotistas, porque podendo tais lucros ser distribuídos como dividendos, passando ao
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patrimônio disponível dos SaCIaS,
foram lançados no aleatório dos negócios comuns, pois a distribuição dêsses lucros aos sócios tornou-se impossível por não existir em caixa a sua importância que foi incorporada ao acervo social; que, na espécie em debate, os quotistas não receberam importância alguma, não houve distribuicão de novas quotas, nem integralização das quotas anteriores, pois o capital de cada sócio foi integralmente realizado ao se constituir a sociedade e o fato de ter sido alterado o lançamento para melhor exprimir a realidade da si· tuação, não transferiu do patrimônio social para o dos sócios, qualquer importância; que, nas sociedades de responsabilidade limitada, misto de sociedade de pessoas e sociedade de capital, os sócios ficam solidàriamente responsáveis pela totalidade do capital; que, consultando a Divisão do Impôsto de Renda de S. Paulo 00-bre se era devido qualquer impôsto, recebeu a resposta, na qual qualificou a repartição em causa, arbitràriamente, o lançamento feito como "majoração de quotas", resolvendo ser o impôsto devido, de acôrdo com o disposto nos arts. 8.°, letra d, e 97, letra a, do Decreto-lei n.o 4.178, de 13 de Março de 1942, entretanto, nenhum dos dispositivos invocados autoriza a exigência do impôsto porque "não houve distribuição de ações novas" e para que haja o desconto na fonte é necessário a remessa para o estrangeiro de rendimentos, o que não ocorreu; que o Primeiro Conselho de Contribuintes sustentou o resolvido pela Divisão do Impôs-
to de Renda e, pedida reconsideração da decisão, foi mantido o acórdão anterior, ficando, assim, esgotados todos os recursos na instância administrativa. Discute a autora, ainda, na inicial, o fato de ser uma sociedade por quotas e não uma sociedade por ações, e que a expressão "majoração de quotas" é desconhecida pelas leis e jurisprudência fiscais. Discute a autora, longamente, a não aplicabilidade do art. 8.°, letra d, do Decreto-lei 4.178, de 1942, por não existir qualquer semelhança entre as ações das sociedades e as quotas de responsabilidade limitada, citando autores nesse sentido. Alega, finalmente, a autora, que a prevalecer a interpretação dada pela Delegacia do Impôsto de Renda, segundo a qual ter-se-ia verificado "uma majoração das quotas", conforme declarou, por inadvertida apreciação dos fatos, para exigir o impôsto, forçoso é compreender que essa "majoração" teria sido, apenas, nominal, porquanto o valor real das quotas não se alterou, por ser êsse valor representado, antes como depois do lançamento, pelo acervo social e, segundo preceito imperativo dos arts. 10 e 32, do citado Decreto-lei n.o 4.178, os contribuintes do Impôsto de Renda só serão tributados de acôrdo com os ganhos ou lucros reais verificados e, se fôsse tolerada como legítima a pretendida taxação, não haveria mais possível barreira contra a ganância do Estado. Pediu a autora a anulação do ato impugnado e, em conseqüência, seja julgado não devido ° impôsto reclamado, com tôdas as cominações de direito, inc1usÍ-
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ve o pagamento dos honorários dos advogados e custas.
Com a inicial foram juntos os documentos de fls. 31 a 45 e, posteriormente, os documentos às fls. 85 e 86.
Citada a ré, União Federal, contestou ação, alegando que não tem razão a autora, porque esqueceu-se de considerar o fato de construir novas instalações sem dispor do seu "fundo de reserva", acumulado depois de haver distribuído dos seus quotistas altos dividendos, pois que foram os lucros levados a fundo de reserva que permitiram o aumento das suas instalações para o beneficiamento do algodão e dos seus subprodutos e se não fôssem tais lucros levados a fundo de reserva é claro que teria a autora de apelar para os quotistas, tirando do bôlso dêles o numerário necessário ao custeio daquelas novas instalações; que houve majoraç20 de quotas e essa majoração só é fictícia na imaginação da autora, pois, de fato ° seu capital cresceu de vulto e êsse crescimento, beneficiando o patrimônio comum, não pode, evidentemente, deixar de beneficiar o patrimônio individual de cada sócio, representado pelas suas quotas; que não são passíveis de reforma as decisões administrativas proferidas contra a autora, porque impuseram o pagamento do impâsto sôbre um impressionante lucro que foi invertido em novas instalações; a sociedade enriqueceu o seu patrimônio, aumentou as suas possibilidades econômicas, tornando, destarte, mais valorizadas as quotas de seus acionistas.
No despacho saneador proferido a fls. 82, foi o processo declarado em ordem, estando apensado aos autos os do depósito feito pela autora, remetidos a êste Juízo pelo da l.a Vara da Fazenda Pública desta Capital.
Não tendo as partes provas a serem produzidas, além das que foram juntas aos autos, foi designada a audiência de instrução e julgamento, a qual se realizou como consta a fls. 90, sendo autorizada a juntada dos memoriais que se encontram a fls. 91 a 100 e 101 a 107.
A autora sustentou, longamente, o seu direito, trazendo aos autos novos elementos em apoio de sua pretensão, respondendo, também, à contestação da ré. Desenvolveu a ré, por intermédio do Dr. 6.° Procurador, o seu ponto de vista sustentado na contestação, esclarecendo, entre outras cousas, ser regra universal, pacífica e incontestável na sua própria essência, que os lucros realizados por quaisquer entidades que exerçam atividade comercial, industrial ou mesmo profissional, estão sujeitos ao pagamento anual do impôsto sôbre a renda e que é, insofismàvelmente certo e lógico que a inversão do "fundo de reserva" para a "conta de capital", importa numa verdadeira distribuição das reservas acumuladas, passando do patrimônio da sociedade (pessoa jurídica) para o dos portadores das quotas. Sustentou, ainda, o Dr. Procurador, a tese da aplicação do processo analógico às leis tributárias pela extensão de um preceito da lei a casos nela não enumerados\ citando a opinião de Vanam, pu-
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blicista e professor de finanças na Universidade de Cagliari, na Itália, e, também, ser evidente a impossibilidade de se recorrer às leis causuísticas, dada a multiplicidade inumerável das fontes do impôsto sôbre a renda, pois, em caso contrário, seria assombrosa a evasão do impôsto pelas malhas dos casos não previstos, resultando a taxação do simples fato da existência comprovada de uma determinada renda, sôbre a qual deve incidir, no ano em que ela se verificou, o impôsto.
Por despacho de fls. 109 v., foi o julgamento convertido em diligência para que a autora juntasse o contrato social, vigente na época da incidência do impôsto ora em discussão, o que foi cumprido, como se vê a fls. 111 e seguintes e, ouvido o Dr. Procurador sôbre os documentos juntos, declarou s. s.a nada ter a opor, sendo, então, designada a audiência de leitura e publicação da sentença.
Isto pôsto: Considerando que se trata, na hipótese dos autos, de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, que durante vários anos levou a "fundo de reserva" lucros na importância de Cr$ 90.000.00.0,00, lucros êsses que, com a concordância unânime dos seus sócios, transferiu para a "conta de capi. tal", passando o capital de ... . Cr$ 10.000.000,00, para ...... . Cr$ 100..000.000,00.
Considerando que a autora propôs a presente ação porque considera não ser devido o impôsto de renda cobrado pela ré e qualificado pelas autoridades fiscais como impôsto de "majoração de
quotas" resultante de aumento de capital porque a legislação fiscal não prevê tal incidência;
Considerando que a ré exigiu o pagamento não de um impôsto de "majoração de quotas", mas sim sôbre a majoração de quotas proveniente do aumento do capital com recursos tirados do "fundo de reserva";
Considerando que deve, fora de dúvida, ser a importância de .... Cr$ 90.000.000,00 levada a "fundo de reserva", proveniente de lucros não distribuídos por conveniência dos quotistas, os quais por deliberação unânime, resolveram valorizar as suas quotas na sociedade, mediante a transferência integral das reservas acumuladas para a conta de capital, sendo indiscutível que, conforme salientou o Acórdão do Primeiro Conselho de Contribuintes, junto a fls. 34, "a distribuição de reservas por meio de quotas do capital é uma das formas de pagamento de lucros acumulados";
Considerando que, conforme muito bem salientou o Dr. Procurador da República, na audiência de instrução e julgamento, os lucros realizados por quaisquer entidades que exerçam atividade comercial, industrial ou mesmo profissional, estão sujeitos ao pagamento anual do impôsto sôbre a renda e a inversão do "fundo de reserva" para a "conta de capital", importa numa verdadeira distribuicão das reservas acumuladas, passando do patrimônio da sociedade (pessoa jurídica), para o dos portadores de quotas;
Considerando que não interessa à discussão da hipótese a alegação da autora de que o aumen-
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to de capital, com a aplicação do "fundo de reserva" não trouxe modificação alguma ao acervo social, fato êste sôbre o qual não há dúvida porque o acervo social continuou o mesmo, pois o capital foi aumentado com lucros acumulados que estavam depositados como "fundo de reserva" na sociedade, lucros êsses que passaram, integralmente de uma conta para a outra;
Considerando que na letra a, do art. 8.°, do Decreto-lei n.O 4.178, de 13 de Março de 1942, aplicável à hipótese, quando a lei trata da tributação das pessoas físicas e classifica os rendimentos em cédulas diz: "Na cédula F serão classificados os rendimentos sujeitos à taxação proporcional em poder das pessoas jurídicas, a saber: a) os lucros, computando-se o lucro presumido de que trata o art. 40, quando não fôr apurado o real" e não há dúvida de que a autora, como pessoa jurídica, acumulou lucros que levou a "fundo de reserva" e, agora, levando-os a "conta de capital", proporcionando a majoração das quotas, distribuiu-os aos sócios, ou seja, a inversão do "fundo de reserva" para a "conta de capital", importou numa verdadeira distribuição das reservas acumuladas, passando tais lucros do patrimônio da sociedade (pessoa jurídica) para o dos portadores das quotas, conforme acima já ficou dito;
Considerando que com a transferência feita pela autora do "fundo de reserva" para a "conta de capital", praticou ela um verdadeiro ato duplo, pois para tal transferência foi necessária a de-
liberação dos sócios quotistas, porque, ao invés de receberem êles os lucros que estavam acumulados na sociedade, decidiram aumentar o capital social, o que equivale a terem recebi.do tais lucros e, ato contínuo, os aplicados no aumento do capital da sociedade;
Considerando que se fôsse permitida a transferência do "fundo de reserva" para a "conta de capital", em qualquer espécie de sociedade, sem o pagamento do impãsto de renda, fácil seria burlar o fisco que deixaria de receber o impôsto que incide sôbre os lucros, devido pelas pessoas físicas;
Considerapdo que o fato de ter sido aplicada em instalações de máquinas e outros melhoramentos da indústria, a importância de Cr$ 90.000.000,00, de lucros acumulados, levada a "fundo de reserva", por convenlencia dos sócios, nenhuma influência tem no julgamento da causa porque foi, apenas, uma irregularidade que a autora, com o ato da transferência do "fundo de reserva" para a "conta de capital", por deliberação unânime de todos os sócios, veio a corrigir;
Considerando que o n.o 11, da letra d, do art 8.°, já citado, classifica como rendimentos sujeitos à taxação proporcional em poder das pessoas jurídicas, o aumento do capital com recursos tirados de quaisquer fundos, princípio êste aplicável a qualquer espécie de sociedade;
Considerando que se fôsse dada a interpretação pretendida pela autora de que não se aplica às sociedades por quotas o princípio contido na letra d, do já citado
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art. 8.°, por se referir o mesmo às sociedades por ações, chegaríamos à hipótese absurda de que o legislador pretendeu dar soluções diversas a hipóteses idênticas, pois é inteiramente idêntica a situacão do valor das ações novas distribuídas aos portadores de ações nominativas à majoração das quotas, quando o aumento do capital é feito com recursos tirados de quaisquer fundos;
Considerando que, conforme se vê da alteração do contrato social da autora, junto por certidão a fls. 112, o capital social foi elevado, conservando o mesmo número de dez mil quotas, aumentado, porém, o valor nominal de cada uma, de Cr$ 1.000,00, para Cr$ 10.000,00;
Considerando que a incidência do impôsto de renda exigido pela ré está prevista no art. 8.°, letras a e d, do Decreto-lei n.o 4.178, de 13 de Março de 1942, que regula a espécie em causa e que o mesmo é devido pela autora, ex vi do disposto no art. 97 letra a, do mesmo Decreto;
Considerando o mais que dos autos consta:
Julgo improcedente a presente ação e condeno a autora nas custas" (fls. 120 usque 128).
No tempo próprio, o autor apelou. Suas razões constam de fls. 133 e seguintes até 151. Eis, em suma, o que está dito nas mesmas: (lê). A União Federal oferece contra-razões, fls. 156 até 162, que assim resumo: (lê)
Vindo o processo a esta Superior Instância, nêle foi pedido e deferido (fls. 196, 201, 205, 220 e 233), o seguinte: (lê).
Falando nos autos, emitiu o Subprocurador-Geral da República, a respeito do recurso, o seguinte Parecer (fls. 211 até 219): (lê).
É o Relatório.
Voto
o Sr. Min. Djalma da Cunha Mello (Relator) - Nada impede o conhecimento do recurso, manifestado no tempo próprio e com observância do disposto no Código de Processo Civil, arts. 820 e 821. Passo, por conseguinte, a perquirir-lhe o mérito.
Uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, feito o balanço anual, lançava à conta de "fundo de reserva" avultados lucros do seu comércio e indústria, após pagar impôsto de renda de 6% sôbre tais auferimentos.
Por êsse caminho, ao fim de cinco anos, creditara ao "fundo de reserva" Cr$ 90.000.000,00.
Tiveram por bem, então, nessa altura, os sócios, pretextando necessidade de corrigir contradições e aparente irregularidade da escrituração da casa, passar, êsses Cr$ 90.000.000,00 do "fundo de reserva" para conta de capital.
E assim foi feito sem' estado larvar algum, de um jacto.
Para o contribuinte, di.sso lhe não poderiam advir reclamos fazendários, exigências tributárias.
Havia pago, sôbre os lucros, antes de escriturá-los na conta "fundo de reserva", os preditos 6% de impôsto de renda. Nada mais devia.
O Erário Federal, todavia, se eriçou com o gesto "simplório" de
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emprêsa em referência, e veio cobrar, da mesma, de diferença de impôsto de renda sôbre os mencionados Cr$ 90.000.000,00, ... Cr$ 7.200.000,00.
Apegou-se a autoridade fiscal à circunstância de que, após aquêles movimentos de contabilidade, o capital da firma, que era de .. Cr$ 10.000.000,00, subira a .... Cr$ 100.000.000,00, e bem assim ao fato de que cada quota social ficara valendo dez vêzes mais.
Procede a pretensão do Tesouro .
O impôsto de renda, ao tempo dos fatos sôbre que versa a dema:qda, era regulado pelo Decreto-lei n.o 4.178, de 13 de Março de 1942, que tributava sociedade e sócio, êste pela renda que lhe fôsse distribuída, aquela pela renda realizada.
A própria petição que deu comêço à lide apresenta um exemplo que bem auxilia a rápida compreensão do assunto.
Tendo distribuído um dividendo aos quotistas, pessoas residentes no Exterior, a firma pagou 8% de impôsto de renda sôbre o quantum respectivo, ou seja, .. . Cr$ 959.712,00 por .......... . Cr$ 11.996.400,00 remetidos. Isso, acrescente-se, sem embargo dos 6% de impôsto de renda que antes havia desembolsado a sociedade, pela renda realizada.
Desta feita, a distribuição mon-tava a quantia de ........... . Cr$ 90.000.000,00 e custaria, de impôsto de renda complemento, aos sócios, Cr$ 7.200.000,00.
Cogitou-se então de corrigir escrita, de aumentar capital social e valor de quotas. O dinheiro pas-
saria do "fundo de reserva" para a "conta de capital", vindo aumentar de Cr$ 10.000.000,00 para Cr$ 100.000.000,00 êsse capita~ e vindo dar um valor nominal dez vêzes maior a cada quota. Nenhum impôsto a pagar pretendia a apelante, afirmando que "os quotistas não receberam importância alguma, não houve distribuição de novas quotas, nem integralização das anteriores".
Mostrou-se, entretanto, atilada a diretoria do Impôsto de Renda, conforme mencionamos.
Em voto proferido em 30 de Abril de 1945, no julgamento da Apelação Cível n.o 8.449, do Rio Grande do Sul, um Juiz da Suprema Côrte, o ínclito Aníbal Freire, teve ensejo de dizer, ao propósito de integralização de ações com recursos tirados do fundo de reserva, e dizer sem qualquer contradita dos seus eminentes Pares, que "o essencial é o exame do nosso regime fiscal. Por êste, segundo a sua expressão legal, tudo que provier do fundo de reserva, seja qual fôr a sua forma, está sujeito à tributação. Não se contesta que o fundo de reserva do Banco ficou desfalcado de enorme parcela em favor dos acionistas. Êstes tiveram efetivo incremento do valor do seu patrimônio, princípio diretor da imposição fiscal em debate".
Ali, eram apenas .......... . Cr$ 12.500.000,00. Aqui, são .. . Cr$ 90.000.000,00.
Num caso e noutro, o "fundo de reserva" recebeu, padeceu terrível sangria em favor dos acionistas naquele, dos quotistas neste.
Quotista que teve com dinheiro do "fundo de reserva" aumen-
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tado de dez vêzes o valor nominal da sua quota, não teve efetivo incremento do valor do seu patrimônio, "princípio diretor da imposição fiscal em debate?"
De responder com palavras de Filadelfo Azevedo, no mesmo julgamento do Supremo Tribunal há pouco citado: "Realmente, não seria possível destacar a hipótese dos autos para diferenciá-la do princípio de que o lucro evidentemente distribuído aos acionistas estaria sujeito à taxação. Não importa que o capital tivesse aumentado ou que fôsse o lucro dado de prêmio e às antigas ações; equivaleria isto ao pagamento do que o acionista ainda devia, para integralizar as suas próprias ações. Fazer a separação entre "fruto" e "capital", para considerar as reservas como "capital", seria sustentar uma espécie de geração espontânea; capital gerado sem causa.
Nem o argumento usado de que, no caso da fiança, quando o fiador deixa de pagar isso, importaria em aumento do seu patrimônio, improcede pela evidente ausência de lucros. De qualquer maneira, a distribuição do "fundo de reserva", na sua íntegra ou em parte, em benefício do acionista que poderia, assim, transmitir a terceiros ações integralizadas ou, pelo menos, com débito inferior ao existente antes da distribuição, constituiria lucros.
De modo que, se não houve imediato aumento do preço na cotação do mercado de títulos, isso não importa em negar a, vantagem advinda ao acionista, que poderia alienar ditas acões sem o débito correspondente, o que cor-
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robora a intenção do fisco de, legitimamente, reclamar a participação do impôsto.
Restaria ainda um argumento que, a meu ver, poderia prevalecer em tese: o de que a reserva já estava constituída antes que se criasse tal tributação. Entretanto, como o seu nome indica, o fundo de reserva é constituído por somas condicionadas às necessidades de certos fins como os de suprir prejuízos e atender a circunstâncias supervenientes. Enquanto ditas reservas estivessem subordinadas ou dependentes de tais condições, não estariam sujeitas à tributação por anteriores à lei; mas, desde que se apartaram da sociedade, evidentemente não mais podiam atender aos fins eventuais da pessoa jurídica, passando à propriedade dos próprios sócios componentes da sociedade. Na realidade, êste foi o fato nôvo, sem conexão com a anterior separação de lucros para um "fundo de reserva", com fins eventuais previstos pela assembléia ou com fins a que a própria lei atende, obrigando tôda a sociedade anônima a ter certa reserva, - segundo firmou a nova lei sôbre o assunto" .
Ponha-se de parte as nugas que diferenciam as hipóteses.
Importa ressaltar, nos dois votos referidos, o seguinte:
1.0) - Tudo que provier do "fundo de reserva", seja qual fôr a forma", está sujeito à tributação.
2.°) - Do momento em que com dinheiro do "fundo de reserva" o sócio aumentou de dez vêzes o valor da sua quota, podendo transmiti-la a terceiros com lucro enormíssimo é inconcutível,
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houve uma distribuição evidente dle lucros, com desfalque do fundia de reserva, com efetivo incremento do valor do patrimônio dia sócio, princípio diretor da imposição fiscal.
No seu livro Pareceres e Votos (ed. 1948, págs. 193 e 194), o pr0-prio Min. Aníbal Freire escreve sôbre sociedade por quotas de responsabilidade limitada, deixando evidente como é fácil ao sócio, em uma tal sociedade, deixá-la, embolsado da sua quota pelo nôvo valor:
"Em relação, aliás, às sociedadles por quotas, de responsabilidade limitada, o assunto está regulado de modo expresso. O art. 15, dia Decreto n.o 3.708, de 1.0 de Janeiro de 1919, confere aos sódos que divergirem da alteração dia contrato social "a faculdade de se retirarem da sociedade, obtendo o reembôlso da quantia correspondente ao seu capital, na proporção do' último balanço aprovado".
Há neste sentido manifestações positivas da jurisprudência pátria. A então Côrte de Apelação do Distrito Federal, em Acórdão de Jl4 de Maio de 1935, no Agravo dle Petição n.o 9.842, decidiu:
"Nas sociedades de capital limitado, a decisão da maioria, modificando o contrato, obriga a minoria, e esta, não se conformando, tem o seu direito assegumdo pelo art. 15, do Decreto n.o 3.708, de 1919, como muito bem ensina Villemor Amaral no seu livro Sociedades Limitadas, D.o 257 e 214 (Arquivo Judiciário, volume XXXV, pág. 223)".
No Agravo Comercial n.o 2.221, o Tribunal de Relação do Estado do Rio, em Acórdão de 19 de Agôsto de 1930, em relação ao pedido de um sócio para a dissolução de uma sociedade por quotas, sentenciou que a maioria tem o poder de decidir, competindo apenas ao sócio dissidente, se lhe aprouver, retirar-se com a quota e lucros existentes (Arquivo Judiciário, voI. XV, pág. 511).
Não é para desprezar a consideração que a sociedade em aprêço de sociedade por quotas de responsabilidade limitada passe a ser sociedade anônima. Conheci.das as afinidades entre êsses dois tipos de sociedade, verifica-se que a decisão da maioria nem sequer atenta contra quaisquer princípios doutrinários. (Heinsheimer Derecho Mercantil, versão espanhola, 1933; Navarrini, TraUato di Diritto Commerciale, tomo 2.0, 1937).
A propósito, Carvalho de Mendonça ensina que as sociedades por quotas constituem uma variedade da sociedade anônima, porquanto na sociedade anônima o capital. é dividido por ações e na sociedade limitada por quotas, locuções que têm o mesmo valor, diferença meramente formal (Tratado de Direito Comercial, tomo 3.°, número 358)".
Aqui, na situação in concreto, sairia o sócio embolsado duma quota tornada dez vêzes maior com lucros tirados do "fundo de reserva", lucros escapos ao impôsto de renda, se a Fazenda não tivesse vindo, solícita, reclamar o tributo, logo que ciente das aliterações que o contribuinte procedera em sua contabilidade, em
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seus livros, para corngIr a situação, que achava contraditória, da sua escrita.
Curioso é que já nesta demanda, a autora defende a intangibilidade do capital social, defesa que seria dispensável, se o capital social não estivesse enriquecido por lucros tirados do "fundo de reserva" . .. Vê-se, daí, que o Fisco estava num dilema: ou exigir o impôsto de renda na ocaSlao diante da metamorfose contábil aludida, ou nunca mais poderia tocar no assunto, especialmente depois de cinco anos ...
O estatuto do contribuinte não é passível de entendimento - diverso do estatuto de qualquer devedor.
Nos países anglo-saxônios, tributa-se a renda produzida na sociedade de molde a compensar sua exoneração do tributo complemento.
A capitalização dos lucros é por isso isenta de nova tributação. Já se . pagou, por ela, antecipada e previdentemente.
Entre nós a capitalização dos lucros e reservas é fiscalmente assimilada a uma distribuiçã10 de lucros. O Erário carece de exercer uma maior vigilância.
Não receberam, os- sócios que integram a apelante, nas primeiJraS oportunidades, os lucros. Acumularam êsses lucros, sem dispender, é claro, a segunda parte do impôsto, o impôsto sôbre o sócio, descontável na fonte (êles residem no Exterior), pois que foram creditados êsses lucros ao "fundo de reserva". Mais tarde, com êsses lucros do "fundo de reserva", aumentaram de dez vêzes o capital,
de dez vêzes o valor das quotas e pretendem, nesta demanda, que um Juiz declare que êsses fatos não importaram numa distribuiçã0 de lucros, não acarretaram vanta· gens à sociedade e aos sócios!?
Quota de Cr$ 1.000,00, com lucros retirados ao "fundo de reserva", ficou valendo, nominalmente, Cr$ 10.000,00, e o quotista não teve vantagem?
Capital social passa de ..... . Cr$ 10.000.000.,00, para ...... . Cr$ 90.000.000,00, com dinheiro, com lucros tirados da conta "fundo de reserva" e a sociedade e sócios não tiveram vantagem?
A sentença apelada não poderia dizer que sim. Se o fizesse, teria entrado a colidir com a lei, com os fatos e com os algarismos, teria fechado os olhos à noção, tão rudimentar, de lucros taxáveis.
Atuou com acêrto, com justeza, o Juiz a quo, tendo por improcedente a ação.
Nego provimento ao apêlo.
Antecipação ao Voto
o Sr. Min. Elmano Cruz Sr. Presidente, como antecipação de voto, e porque tenho o ma::! hábito de tomar notas do que diz o advogado da tribuna e do que sustenta o Subprocurador-Geral, desejo esclarecer dois pontos.
O depósito em apenso foi deferido por mim, na l.a Vara da Fazenda Pública, e os autos foram enviados para a 3.a Vara da Fazenda. Por isso, entretanto, não me julgo impedido.
O depósito foi deferido com assento na lei, com assento na jurisprudência do próprio Ministro
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da Fazenda, e com assento na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. O Acórdão, citado pelo Dr. Subprocurador no seu Parecer, constitui solus peregrinus na jurisprudência do 8,apremo, e hoje o próprio Supremo não pode julgar senão diferentemente, porque há um dispositivo de lei regulando a matéria. Hoje o depósito pode ser feito em obrigações de guerra por fôrça de disposição legal: Lei 154, de 1947.
Disse S. Ex.a que o Acórdão também não se refere à questão do fato, quanto a ter influído, possIvelmente, no julgamento a não percepção de percentagem pelo Procurador da República, no caso de ser proposta a ação anulatória com fôrça - elidente do Executivo. É claro que o Acórdão do Supremo não mencionou essa circunstância, nem poderia mencionar, porque não era a questão discutida.
Eram os reparos que tinha a fazer ao Parecer do Dr. Subprocurador-Geral.
a ilustre advogado da apelante teve a bondade de enviar-me, sem embargo de ser eu o Revisor do feito, dois memoriais que li atentamente. Num dêles vem citado o parecer do professor Tullio Ascarelli, com remissão à Revista de Direito Administrativo, voI. VII, de Janeiro de 1947. Devo, de princípio, esclarecer que, em regra, os pareceres encomendados dos jurisconsultos não me trazem nenhum contingente, como orientação. E, no caso concreto, se o parecer fôsse subscrito pelo ilustre advogado da apelante, me mereceria muito mais acatamento do que sendo do professor Asca-
relli. Aliás, êsse parecer - não aproveita, totalmente, ao ponto de vista da apelante. Se é certo que, no trecho salientado com rara habilidade e transcrito no memorial sob a denominação "opinião valiosa", se insinuam, pontos favoráveis à apelante, o mesmo parecer é, sob vários aspectos, desfavorável à própria apelante. O trecho dado como preponderante é aquêle que se encontra a fls. 27 do referido parecer, em que o autor ensina que essa tributação dupla, de uma parte de rendimentos em poder da pessoa jurídica e outra 'em poder do sócio, "essa tributação encontra geralmente, na doutrina, explicação diversa: a de que a capitalização das reservas se desdobraria em duas operações, ou seja, uma distribuição de lucros e o seu reinvestimento em um aumento do capital da sociedade". Então, conclui: "Essa explicação parece-me inexata."
Ora, no caso dos autos isso não aproveita, em face da própria lição do autor do parecer, porque, em outra passagem êle assinala que, dada a natureza da nossa tributação em que foi escolhido nôvo sistema, o de tributar parcialmente a sociedade e parcialmente o sócio, é intuitivo, não só que a renda da sociedade constitui a própria renda do sócio, como também que a retenção dessa renda em poder da sociedade, se exonera a sociedade do pagamento do impôsto, não constitui motivo para que se exonere o SOC10
dêsse mesmo pagamento. É o trecho que se encontra a fls. 25, in fine, e 26: "Por isso, tributando a sociedade no que respeita à
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renda por esta realizada, e o sócio no que respeita à renda que lhe fôr distribuída, e assim cindindo o tributo em um tributo sôbre a renda realizada de (sociedade) e um tributo sôbre a renda "distribuída (ao sócio), fica parcialmente isenta de tributação a renda social que não seja distribuída, mas ao contrário permaneça (como reserva ou lucro suspenso) no patrimônio social, ou seja, fica isento o rendimento "poupado", ao passo que, no que respeita à pessoa física, o fato de haver sido economizada uma parcela do rendimento não constitui motivo bastante para a sua isenção do impôsto". E mais adiante, noutra passagem, contrária à tese da autora: "Na verdade é quase intuitivo. .. (fls. 22) ... participação".
~sse parecer tem muita importância porque se fôsse eu o Juiz de Primeira Instância, teria julgado a autora carecedora de direito de ação. O que a autora está querendo impedir é a tributação de rendimento de seu sócio. Ela é simples fonte captora. Ela deveria ter captado o impôsto antes de empregada a renda em benefício do verdadeiro titular do rendimento. Portanto, admitida a hipótese de que a autora venha a perder esta ação, ainda assim, ela nada perde porque o impâsto recolhido é o do sócio, e no uso do direito regressivo ela vai buscar êsse impôsto porque ela não fêz mais do que antecipar ao fisco o impâsto, o tributo que o sócio deveria pagar. Julgaria a autora carecedora de ação e examinaria na ação própria, proposta pelo sócio e acolheria o fundamento ou não
do direito que alegasse. Isso não fêz o Juiz a quo; julgou legítimas as partes e não houve o recurso ex oHício para deslindar, para saber se êsse recurso proíbe a discussão ou não sôbre o saneador, transitado em julgado. De sorte que teremos que apreciar o mérito. Um dos argumentos lançados da tribuna diz respeito à álea que envolve o lucro invertido - na formação do acervo, álea essa, em que os sócios podem ter-se excluÍdo dela, desde que recebessem lucros e não os invertessem em instalações magníficas. Realmente a todo o tempo pode ocorrer um fracasso no desenvolvimento dos negócios da emprêsa. Agora o que não se pode exigir é que o fisco vá correr êsse risco junto com os sócios. Que os sócios corram é natural, estão metidos no negócio, agora o fisco é que não deve sofrer.
Há um outro argumento de que o Ministro da Fazenda teria aconselhado: a conversão de lucros suspensos em certificado de equipamento como uma decorrência do fim da guerra. Parece-me que há certo engano do nobre advogado quanto ao fim da guerra. Esta terminou em 45 e êsse "conselho" foi dado em 42, ao tempo da expedição do Decreto-lei que tratou do certificado de equipamento. Mas isso em nada influiu, ainda porque, o "conselho" do Ministro não infirma a lei. Feitos êsses reparos à margem da sustentação do Parecer do Dr. Procurador e do advogado, meu voto é o seguinte (lê).
Voto O Sr. Min. Elmano Cruz (Re
visor - Da decisão do eminen-
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te Juiz da 3.a Vara da Fazema Pública do Distrito Federal -recorreu a sociedade por quotas - Anderson Clayton - para êste Tribunal, pleiteando a sua reforma por entender que a referida decisão mal aplicou a lei, na espécie decidida.
Assim não entendo, e nego provimento à apelação para manter a decisão recorrida em todos os seus têrmos.
Sustenta a apelante, que o fato de haver sido aplicado em "instalações de máquinas para beneficiamento de algodão e seus subprodutos, usinas de destilação de óleo de caroço de algodão, vagões-tanques e outros materiais" o lucro atribuído ao "fundo de reserva" não importa na obrigação do recolhimento na fonte do impôsto de renda de residente no exterior, sócio quotista da sociedade.
Arrima-se a apelante em dois pontos fundamentais: 1.0) que não constitui tal prática do ato tributável, mas simples operação contabilística destinada por a escrita da sociedade de acôrdo com a realidade, eis que, de vários anos a esta parte, vem sendo feita a inversão, embora a escrita continue mencionando o recolhimento ao fundo de reserva dos lucros efetivamente invertidos nas instalações; 2.°) por não ser aplicável às sociedades por quotas, o dispositivo do regulamento do impôsto de renda, referente às sociedades por ações, pois inconfundíveis os dois tipos de sociedade.
Com relação ao primeiro aspecto, tenho como inteiramente infundada a pretensão da apelante, sem embargo do brilho e da
pugnacidade com que sustentou o seu ponto de vista, o seu douto patrono.
O acervo social se valorizou paulatinamente com as inversões nêle feitas dos lucros retidos para constituição do fundo de reserva, e que, mais tarde, por deliberação dos sócios, passaram à conta de capital, alterando-se o valor das quotas.
Assim, os lucros a princípio levados ao "fundo de reserva," foram, por deliberação dos quotistas, empregados para ampliação das instalações, vale dizer para aumento do acervo societário.
Pertencem é certo ao acervo social, mas sendo a sociedade uma comunhão de interêsses dos sócios que a compõem, sem embargo da sua distinta personalidade jurídica, o engrandecimento do acervo social importa matemàticamente na elevação ou mais valia do quinhão do sócio, e aí esta elevação se opera pela inversão de lucros até então retidos, obviamente o emprêgo a que se refere o art. 100, Ido Decreto-lei n.o 4.178, de 1942, terá lugar, e tributável se torna a operação.
Note-se, aliás, que para fazer a alteração do contrato, isto é, a elevação do capital, foi necessário deliberação expressa dos sócios, que não se exige numa simples transferência de verbas em determinada escrita, operação sujeita, em regra, a só orientação do guarda-livros.
Da própria escritura de alteração do capital, resulta inequívoco o emprêgo dos lucros até então retidos, e a benefício dos sócios quotistas.
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Assim é que a cláusula que cogita da elevação do capital, informa que essa elevação se faz "com fundos disponíveis em poder da sociedade", indicando claramente que são fundos não pertencentes à sociedade, mas apenas em seu poder.
Assim a incidência prevista no art. 100, do Decreto-lei citado, é incontestável.
Quanto à alegação de não poderem as sociedades por quotas, ser abrangidas por dispositivo referente às sociedades "por ações", também não me parece que haja necessidade de analogia para justificar a inclusão.
Já o Decreto 20.900, de 1931, mandara estender às sociedades por quotas, normas pertinentes às sociedades por ações.
É certo que são inconfundíveis quanto às suas características próprias, mas ambas são sociedades intuito capital e não intuito persone, pelo que, a discriminação tributária que a uma e outra situar em pé de igualdade, não arrepia qualquer cânone jurídico.
A decisão recorrida, a meu ver, bem decidiu, pelo que a confirmo.
Voto
o Sr. Min. Sampaio Costa -Recebi ontem, pela manhã, um memorial do advogado dos apelantes mas em hora já avançada e por isso, não tive oportunidade de lê-lo. Isso pouco importa dado o Relatório minucioso, feito pelo eminente. Relator, como assim, o uso da palavra pelo advogado provecto, de brilho e proficiência conhecidíssimos no Fôro desta Ca-
pita I, que me inteira por completo do assunto, inclusive, de parte, e respeitante aos interêsses da Fazenda, a oração do provecto Subprocurador da República. Os votos dos colegas que me precederam elucidaram perfeitamente a causa. Verifico que, na realidade, se trata de impôsto exigido ou a exigir em virtude de renda auferida por sócios de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Com uma argumentação notável o ilustre advogado procurou demonstrar que com a alteração de valorização do capital ou da quota, não houve a transposição de qualquer lucro real ao sócio quotista. Verifico, no entanto, que, examinada devidamente a questão, há que atender que o impôsto de renda incide sôbre o lucro da sociedade parcialmente, e, parcialmente, sôbre o lucro dos sócios. A sociedade auferiu, durante certo ano, determinados lucros, e sôbre êsses lucros, em cada exercício, pagou os respectivos impostos. Mas os lucros que seriam deferidos aos sócios, êsses foram postos em fundo de reserva, aumentando o acervo da companhia que, de moeda o transformou em maquinaria. Pela última alteração e para reajustamento de uma escrita, como explica o eminente advogado, os sócios, em assembléia, resolveram, para retificação dessa contabilidade, que os fundos de reserva fôssem transferidos para a conta de capital, revertessem, para que maior fôsse o valor nominal de cada quota. Com a operação, se não houve lucro para a sociedade, houve, evidentemente, o lucro do sócio. Nesse ponto não tenho a menor dúvida que a tran-
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sação ou a inversão do fundo de reserva, a título de capital, implicou num recebimento de lucro do quotista e inversão dêsse lucro no capital. Mas aí é que distingo. Se estou de pleno acôrdo a êsse propósito, assaltam-me dúvidas de referência à pretensão do fisco, e assaltam-me dúvidas, não porque tal lucro não se verificasse, mas porque a lei tributária não o consignou de maneira clara e incisiva para a incidência do impôsto. As leis tributárias, as leis de direito financeiro, todos nós sabemos, leis de direito público, não sofrem interpretação por analogia ou paridade. Cultores avançados do direito financeiro sustentam - e para mim com muita procedência - que não há razão para êsse entendimento rigoroso, porque elas podem e devem sofrer essa inteligência, ou por outra, devem sofrer essa interpretação, por analogia ou paridade, e acredito que aquêles que se têm mais distinguido no direito financeiro atual militam e tecem suas armas nessa direção. No entanto, devo reconhecer que a jurisprudência e a doutrina dominantes no Brasil têm sido no sentido de que essas leis devem ser interpretadas estritamente. Tenho dúvidas, por isso, na aplicação quanto à incidência do impôsto. O fato, não o contesto. Não se pode negar a existência de auferição de lucro, mas não reputo que se possa aplicar à espécie, a lei invocada pelo Fisco, senão por analogia ou paridade. O eminente Sr. Min. Cunha Mello, para sustentar, em bases mais sólidas, o seu voto, enveredou um pouco no caminho dos doutrinadores que sustentam
a possibilidade e a perfeita exeqüibilidade da interpretação analógica.
O Sr. Min. Djalma da Cunha Mello - Mas disse que não era necessário no caso de que se trata.
O Sr. Min. Sampaio Costa -Perfeitamente. O Sr. Min. EImano Cruz sustentou o seu voto eximindo-se até dessa questão, porque verificava - salvo não ter entendido perfeitamente - que não havia necessidade de interpretação analógica diante dos textos da lei.
O Sr. Min. Elmano Cruz Muito bem.
O Sr. Min. Sampaio Costa Mas, permitam-me S. Ex.as
, com seu alto espírito de cultura e de experiência no traquejo do julgar, que divirja não empanando o brilho dos votos produzidos, e fique à margem, vencido, por uma convicção de ordem doutrinária. Assim, julgo procedente a ação, porque tenho para mim que não posso aplicar ao caso a lei invocada pelo Fisco, por meio de interpretação analógica ou por paridade. Não vejo na lei dispositivo que taxe o sócio, e aí seria o caso de taxação do sócio, nem que se reporte ao caso, claramente, para sujeitá-lo à incidência tributária. J ulgando-a, porém, procedente, eu não eximo do pagamento o sócio contribuinte, se, porventura, o Fisco tiver razão e fôr buscá-lo. O que eu contesto, ou por outra, o que não aceito é que, com fundamento no art. 8.°, do Decreto-lei n.o 4.178, de 1942, se proceda à cobrança fiscal, tal como foi feita.
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Decisão
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: A Turma, por maioria de votos, negou provimento ao recurso, contra o voto do Sr. Min. Sampaio Costa que
dava provimento ao mesmo, para julgar procedente a ação. Usaram da palavra o advogado André de Faria Pereira, pelos apelantes e o Ex.mo Sr. Dr. Alceu Barbêdo, Subprocurador-Geral da República, pela União Federal.
APELAÇÃO CíVEL N.O 1 - DF. 4
(Embargos)
Relator - O Ex.mo Sr. Min. Henrique d'Ávila Embargantes - Anderson Clayton & Cia. Ltda. Embargada - União Federal
Acórdão
Impôsto sôbre a renda. Exegese do preceituado nos arts. 8.°, letra d, e 97, letra a, do Decreto-lei n.O 4.178, de 13 de Março de 1942, em consonância com () disposto no art. 100, do mesmo Decreto.
Sociedade por quotas. Aumento do valor nominal dessas às expensas
de recursos retirados ao fundo de reserva social. Semelhante operação, face a legislação pertinente, não pode deixar de ser havida como verdadeira distribuição de lucros acumulados, sujeitos, por isso mesmo, à tributação.
Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Embargos na Apelação Cível n.o 1, do Distrito Fe-
* Nota da Redacão - Confirmado o Acórdão pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, que, pela sua Primeira Turma, à unanimidade, não conheceu do Recurso Extraordinário n.o 15.949, julgado em 18-9-50, Relator Min. Macedo Ludolf. Ementa: "Impôsto de Renda; sua incidência legítima sôbre lucros acumulados de sociedade comercial distribuídos a sócios residentes no estrangeiro, como aumento de capital individual; conceituação legal a respeito de capital individual; conceituação legal a respeito, sem caracterizar-se o aspecto da interpretação extensiva, por analogia ou paridade, realmente vedada em matéria fiscal; extraordinário incabível". Acórdão publicado no Diário de Justiça de 16-7-1952, pág. 3.113/4.
deral, em que são embargantes Anderson Clayton & Cia. Ltda., e, embargada, a União Federal:
Acordam os Ministros do Tribunal Federal de Recursos, em desprezar, por maioria de votos, os embargos, em conformidade com as notas taquigráficas juntas que constituem parte integrante do presente julgado. Custas ex lege.
Rio de Janeiro, 2 de Junho de 1949. - Afrânio Antônio da Costa, Presidente; Henrique d' Avila, Relator.
Relatório
O Sr. Min. Henrique d'Avila (Relator) - A ora embargante
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promoveu ação ordinári.a contra a União para anular o ato da Delegada do Impôsto de Renda de São Paulo, pelo qual foi compelida a pagar a importância de Or$ 7.200.000,00, a título de impôsto de renda, decorrente de aumento de capital, tributo êsse, no seu entender, indevido frente a legislação fiscal em vigor.
A ação em aprêço, após correr seus: trâmites legais, veio afinal a ser julgada improcedente pela vene:randa decisão, que decorre de fls. 120 a 128 dos autos.
Inconformada, apelou a autora, ora embargante, tempestivamente, para êste Tribunal de Recursos, que pelo Acórdão de fls. 269 - proferido a 2 de Setembro de 1949 por sua Egrégia Primeira Turma, e da lavra do eminente e culto Min. Cunha Mello, negou provimento ao recurso interposto, por maioria de votos, desde que vencido ficou o eminente Min. Sampaio Costa, que dava pelo procedência da ação. Daí, os presentes embargos, tempestivamente oferecidos pela autora e articulados exaustiva e eruditamente por seu patrono, de fls. 270 a 292. Pretende a embargante com êles a reforma do venerando julgado pelos motivos já aduzidos no correr do pleito, e que podem ser resumidos como se segue: que a embargante é uma sociedade por quotas; que, seus sócios, ao invés de retirarem seus lucros lançados ao fundo de reserva, resolveram aplicá-los, à proporção que eram apurados em balanços anuais, na indústria da própria emprêsa -instalação de maquinismos para beneficiamento de algodão e seus subprodutos, usinas para distila-
ção de óleo de caroço de algodão, vagões-tanques para o seu depósito e transporte - aperfeiçoando destarte a produção para o consumo interno e para exportação, concorrendo, assim, para a prosperidade nacional; que os lucros apurados, sôbre os quais foram pagos regularmente os impostos de renda devidos, atingiram durante vários exercícios, a soma de Cr$ 90.000.000,00 e foram, integralmente, invertidos na indústria da embargante, mas continuaram não obstante lançados na conta "fundo de reserva"; que êsse fundo de reserva, como é óbvio, deixou pràticamente de existir, razão por que ela, embargante, para corrigir essa anomalia de sua escrita, resolveu transferir a importância em questão para a conta de capital, elevando, na mesma proporção, o valor nominal das quotas; que com a adocão de semelhante expediente ~ão sofreu qualquer alteração o valor real ,das quotas, deixando, ,apenas, a escrita de consignar a existência de um fundo de reserva em dinheiro que inexistia, uma vez que houvesse sido, anteriormente, empenhado na aquisição de bens sociais; que, assim sendo, só por inadmissível ficção, se pode deduzir daquele lançamento o aumento do valor real das quotas; que, agindo, como sempre, com observância das leis e acatamento às
autoridades, consultou, ela, embargante, a Delegação Regional do Impôsto de Renda de -São Paulo, que resolveu ser devido o impôsto de acôrdo com os arts. 8, letra d e 97, letra a, do Decreto-lei n.o 4. 178, de 13 de Março de 1942; que, não obstante, não po-
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de ela, embargante, conformar-se com semelhante entendimento, certa como está, de que o ganho do sócio só é tributável quando se incorpora ao seu patrimônio individual, isto é, quando a sociedade lhe paga, credita, emprega, remete ou entrega o rendimento (art. 100, do Decreto-lei 4.178); que, na espécie, nada disso ocorreu; que, tanto a sentença apelada como o venerando Acórdão que a confirmou, aplicaram à hipótese dispositivo fiscal que regula o impôsto devido por acionistas de sociedades anônimas, quando tais sociedades são inteiramente diversas e inconfundíveis com as de responsabilidade limitada e por quotas; que é princípio consagrado pela nossa tradição jurídica que as leis penais e fiscais se interpretam restritivamente e não se aplicam por analogia; que o impôsto reclamado, e arbitTàriamente designado de "majoração de quotas" não se ampara, assim, nos postulados da legislação fiscal, e procura abrigo em preceitos de analogia e paridade, inaceitáveis na espécie em debate.
Passando à crítica propriamente dita do aresto embargado, assevera a embargante, em síntese, o seguinte: que o voto do eminente e ilustre Relator afirma que o capital foi aumentado de 10 para Cr$ 100.000.000,00, o que é verdade, o mesmo não se podendo dizer entretanto quanto à segunda afirmação contida naquele voto, de que as quotas sociais ficaram valendo dez vêzes mais; que, na espécie, é verdade, a incidência teria resultado do fato do aumento de capital ter sido realizado com
lucros retirados do fundo de reserva, mas, não é menos certo, que êsse fundo de reserva não saiu do acervo social para se incorporar ao patrimônio individual dos sócios; que, no caso referido pelo eminente Relator, objeto de Acórdão do Egrégio Supremo Tribunal Federal, o fundo de reserva saiu do patrimônio social e passou ao do sócio, hipótese em que é devido, sem sombra de dúvida, o impôsto de renda; que os votos proferidos naquele Acórdão do Tribunal Excelso esclarecem bem a hipótese controvertida, e de modo a invalidar a interpretação que lhe deu o nobre Relator do Acórdão embargado; que o eminente Min. Castro Nunes, afinando com o pronunciamento de seus pares, advertiu que: "A integralização de ações com recursos tirados do fundo de reserva é lucro tributável."
E o Min. Aníbal Freire, por sua vez, asseverou que: "Não se contesta que o fundo de reserva do Banco ficou desfalcando de enorme parcela em favor dos acionistas. Êstes tiveram efetivo incremento do valor do seu patrimônio, princípio direto da imposição fiscal."
E, finalmente, conclui a embargante por afirmar que, na espécie tendo havido mero aumento do valor nominal das ações, por isso que o fundo de reserva não saiu do ativo social, mas continuou nêle, transformado em maquinaria e benfeitorias, não é possível a equiparação de duas situações distintas para idêntico julgamento.
Acrescentando a seguir que: I - O voto vencido sintetizou,
com sabedoria, a doutrina que ela
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embargante veio sustentando desde o início do feito e manteve o princípio da não aplicação analógica da lei fiscal; razão por que espera sejam recebidos seus embargos para os efeitos visados.
O ilustrado Dr. Subprocurador Geral de fls. 296 a 298, impugnou ditos embargos nos têrmos que se seguem, na íntegra: "Apaixonado demais no debate, como se esta fôsse, também noutro aspecto,. a Apelação n.o 1 da sua longa,. d~gna e brilhante atuação prOflSSlOnal, o ilustre advogado leu de mais ou leu de menos no Parecer da Subprocuradoria-Geral da República, desde que nêle encontrou a confissão de que a lei fôra aplicada por analogia, blasfêmia que fêz eriçar a fina sensibilidade jurídica do nobre advogado da Apelação n.o 1, a teor do que, geralmente, acontece quando o giz corre enviesado na lousa ...
Entretanto, escrevemos certo. A fls. 219, citamos, expressa
mente, o dispositivo (art. 8.°, letra a, do Dec.-Iei n.o 4.178, de 13 de Março de 1942) que, a nosso ver, ampara a pretensão fiscal.
Analogia - extraída da letra d, n.o 11, do mesmo artigo - bem como alusões aos lucros astronômicos auferidos pela firma - e foram realmente, astronômicos -, ., surgiram no debate a simples ti-tulo de maior explanação do assunto granum salis com que habitualmente são temperados pareceres e arrazoados.
E aliás o nobre advogado não , , escapou a essa boa norma, q~a?do procurou aguçar o nosso CIVI~mo e principalmente, o dos JUlzes: c~ntando a benemerência dos fins a que se destinaram os ....
Cr$ 90.000.000,00 pertencentes ao fundo de reserva da firma agora embargante. Também granum salis.
Per nari refedur ... H - O voto incisivo e brilhan
te do eminente Min. Djalma da Cunha Mello apreciou com notável acuidade o caso dos autos.
Dentro da finalidade do impôsto de renda, que é a de taxar o lucro, venha donde vier, não há como enveredar em sentido diverso do prevalente no venerando Acórdão embargado, porque, como relembra o Min. Cunha Mello, decidir de forma diversa representaria "colisão com a lei, com os fatos e com os algarismos", fechando-se os olhos "à noção, tão rudimentar, dos lucros taxáveis."
E, afinal, o que a autora pretende é tirar do lucro, cuja existência, em algum momento, nem ela mesma contesta, a feição própria e imanente, por um simples e simplista jôgo de escrituração, como se fôsse possível - dissemos no parecer de fls. 211/219 - pela alteração do rótulo, considerar que é água o vinho contido no recipiente.
IH - O próprio voto vencido do eminente Min. Sampaio Costa - de quem divergimos sempre com pesar, pela estima e admiração que lhe consagramos - não nega, como não podia negar, a existência de lucro.
Leia-se a fls. 266, textualmente: "não se pode negar a existência de auferição de lucro" etc.
Ora, havendo lucro, há impôsto. Isto é da essência do tributo,
consagrado já no art. 1.0 do Regulamento então vigente e em
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todos os outros, anteriores e posteriores àquele.
E, dispensando o impôsto, apesar disso ter-se-ia por analogia ou paridade, admitido uma isenção.
Mas, nesse passo, outra dificuldade mais séria e profunda se apresentaria dentro do conceito velho e conhecido de que em tema de isenção há de exigir-se referência expressa da lei.
Então sim - admitida a isenção - o giz escreveria enviesado ... " (fls. 296 a 298).
Os votos vencedores e o ven-cido serão por mim lidos e analisados por ocasião do julgamento.
É o Relatório.
Voto
O Sr. Min. Henrique d'Avila (Relator) Sr. Presidente, a embargada exigiu, na espécie controvertida nos autos, da embargante, o pagamento do impôsto de renda correspondente à majoração nominal em décuplo das quotas de seus sócios; majoração essa feita às expensas de seu vultoso fundo de reserva estimado no valor de Cr$ 90.000.000,00.
Tal fundo de reserva, como é óbvio, se constituiu. de importâncias provenientes de lucros não distribuídos por conveniência dos sócios, e, por isso, não tributados quando verificados pelos meios contábeis regulares.
O aumento, portanto, das quotas ou ações à conta de recursos retirados do fundo de reserva, não pode dei:z;ar de setr considerado para os efeitos fiscais como verdadeira distribuição de reservas acumuladas, de vez que tais re-
cursos passam, indiscutivelmente, do patrimônio social para o dos portadores de quotas ou acões.
Sem dúvida alguma que ~ houve valorização das quotas, decorrente do próprio acréscimo do acervo social e da ampliação e aperfeiçoamento dos meios com que passou a operar a embargante, com possibilidades multiplicadas de êxito em sua indústria. E do enriquecimento do patrimônio comum resultou, sem dúvida, a maior valia do patrimônio individual dos co-participantes. O eminente Sr. Min. Relator do Acórdão embargado lembrou, com muita propriedade, citando a propósito o erudito pronunciamento de Aníbal Freire, em seu trabalho Pareceres e Votos, edição de 1948, que nas sociedades de capital limitado, a decisão da maioria, modificando o contrato, obriga a minoria, e, esta, não se conformando, resta-lhe, apenas, o direito assegurado pelo art. 15, do Decreto n.o 3.708, de 1919, ou seja, o de retirar-se da sociedade obtendo o reembôlso da quantia correspondente ao seu capital, na proporção do último balanço aprovado; o que importaria no caso concreto em se admitir uma vez vitoriosa a tese brilhantemente sustentada pelo insigne patrono da embargante, pudesse qualquer quotista retirar-se, com seu patrimônio individual decuplicado, às expensas de lucros subtraídos ao fundo de reserva, e a coberto de qualquer tributação fiscal. Desprocede a alegação de que só por analogia ou paridade se poderia estender às sociedades por quotas as normas disciplinadoras das sociedades por ações. O Decreto
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n.O 20.900, de 1931, como muito bem salientou o Sr. Min. Elmano Cruz, já mandava estender a tais sociedades as normas pertinentes às sociedades por ações. A questão, em meu entender, Sr. Presidente, não se reveste da complexidade que lhe pretende emprestar o nobre patrono da embargante. Foi ela bem apreciada e decidida pelo venerando Acórdão embargado. A incidência do tributo prevista no art. 100, do Decreto-lei n.o 4. 178, na hipótese controvertida, se me afigura legítima, a cavaleiro de qualquer dúvida razoável, razão por que, mantenho, Sr. Presidente, por seus próprios e jurídicos fundamentos, ° julgado incriminado, rejeitando os presentes embargos.
É o meu voto.
Voto
O Sr. Min. Djalma da Cunha Mello - No julgamento da Apelação Cível n.o 1, que teve lugar em 2-9-48 e de que fui Relator, proferi o voto seguinte:
"Nada impede o conhecimento do recurso manifestado no tempo próprio e com observância do disposto no Código de Processo Civil, arts. 820 e 821. Passo, por conseguinte, a perquirir-lhe o mérito.
Uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, feito o balanço anual, lançava à conta de "fundo de reserva" avultados lucros do seu comércio e indústria, após pagar impôsto de renda de 6% sôbre tais auferimentos.
Por êsse caminho, ao fim de cinco anos, creditara ao "fundo de reserva" Cr$ 90.000.000,00.
Tiveram por bem, então, nessa altura, os sócios, pretextando ne-
cessidade de corrigir contradições e aparente irregularidade da escrituração da casa, passar êsses Cr$ 90.000.000,00 do "fundo de reserva" para conta de capital.
E assim foi feito, sem estado larvar algum, de um jato.
Para o contribuinte, disso lhe não poderiam advir reclamos fazendários, exigências tributárias.
Havia pago, sôbre os lucros, antes de escriturá-los na conta "fundo de reserva", os preditos 6 % de impôsto de renda. Nada mais devia.
O Erário Federal, todavia, se eriçou com o gesto simplório da emprêsa em referência, e veio cobrar, da mesma, de diferença de impôsto de renda sôbre os mencionados Cr$ 90.000.000,00, .... Cr$ 7.200.000,00.
Apegou-se a autoridade fiscal à circunstância de que, após aquêles movimentos de contabilidade, o capital da firma, que era de .. Cr$ 10.000.000,00, subira a .... Cr$ 100.000.000,00, e bem assim ao fato de que cada quota social ficara valendo dez vêzes mais.
Procede a pretensão do Tesouro.
O impôsto de renda, ao tempo dos fatos sôbre que versa a demanda, era regulado pelo Decreto-lei n.o 4.178, de 13 de Março de 1942, que tributava sociedade e sócio, êste pela renda que lhe fôsse distribuída, aquela pela renda realizada.
A própria petição que deu co- . mêço à lide apresenta um exemplo, que bem auxilia a rápida compreensão do assunto.
Tendo distribuído um dividendo aos quotistas, pessoas residentes no Exterior, a firma pagou 8%
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de impôsto de renda sôbre o quantum respectivo, ou seja, .. . Cr$ 959.712,00, .............. . Cr$ 11.996.400,00, remetidos. Isso acrescente-se, sem embargo dos 6% de impôsto de renda, que antes havia desembolsado a sociedade, pela renda realizada.
Desta feita, a distribuição mon-tava à quantia de ............ . Cr$ 90.000.000,00 e custaria, de impôsto de renda complemento, aos sócios, Cr$ 7.200.000,00.
Cogitou-se então de corrigir a escrita, de aumentar capital social e valor de quotas. O dinheiro passaria do "fundo de reserva" para a conta de capital, vindo aumentar de Cr$ 10.000.000,00, para Cr$ 100.000.000,00, êsse capital e vindo dar um valor "nominal", dez vêzes maior, a cada quota. Nenhum impôs to a pagar pretendia a apelante, afirmando que "os quotistas não receberam importância alguma, não houve distribuição de novas quotas, nem integralização das anteriores".
Mostrou-se entretanto atilada a diretoria do Impôsto de Renda, conforme mencionamos.
Em voto proferido em 30 de Abril de 1945, no julgamento da Apelação Cível n.o 8.449, do Rio Grande do Sul, um Juiz da Suprema Côrte, o ínclito Aníbal Freire, teve ensejo de dizer, ao propósito de integralização de ações com recursos tirados do fundo de reserva, e dizer sem qualquer contradita dos seus eminentes Pares, que - "o essencial é o exame do nosso regime fiscal". "Por êste, segundo a sua expressão legal, tudo que provier do fundo de reserva, seja qual fôr a sua forma, está sujeito à tributação. Não se con-
testa que o fundo de reserva do Banco ficou desfalcado de enorme parcela em favor dos acionistas. 1!:stes tiveram efetivo incremento do valor do seu patrimôniQ, princípio diretor da imposição fi.scal em debate".
Ali, eram apenas .......... . Cr$ 12.500.000,00. Aqui, são .. . Cr$ 90.000.000,00.
Num caso e noutro, o "fundo de reserva" recebeu, padeceu terrível sangria em favor dos acionistas naquele, dos quotistas neste.
Quotista que teve com dinheiro do. "fundo de reserva" aumentado de dez vêzes o valor "nominal" da sua quota, não teve efetivo incremento do valor do seu patrimônio, "princípio diretor da imposição fiscal em debate?"
De respo.nder com palavras de Filadelfo Azevedo, no mesmo julgamento do Supremo Tribunal, há pouco citado: "Realmente, não seria possível destacar a hipótese dos autos para diferenciá-la do princípio de que o lucro evidentemente distribuído aos acionistas estaria sujeito à taxação. Não importa que o capital tivesse aumentado ou que fôsse o lucro dado de prêmio às antigas ações; equivaleria isto ao pagamento do que o acionista ainda devia, para integralizar as suas próprias ações. Fazer a separação entre "fruto" e "capital", para considerar as reservas como "capital" seria sustentar uma espécie de geração espontânea: capital gerado sem causa.
Nem o argumento usado, de que, no caso da fiança, quando o fiador deixa de pagar isso, importaria em aumento do seu patrimônio, improcede pela evidente
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ausência de lucros. De qualquer maneira, a distribuição do "fundo de reserva" na sua íntegra ou em parte, em benefício do acionista que poderia, assim, transmitir a terceiros ações integralizadas ou, pelo menos, com débito inferior ao existente antes da distribuição, constituiria lucros.
De modo que, se não houve imediato aumento do preço na cotação do mercado de títulos, isso não importa em negar a vantagem advinda ao acionista, que poderia alienar ditas acões sem o débito correspondente; o que corrobora a intenção do fisco de, legitimamente, reclamar a participação do impôsto.
Restaria ainda um argumento que, a meu ver, poderia prevalecer em tese: o de que a. reserva já estava constituída antes que se criasse tal tributação. Entretanto, como o seu nome indica, o "fundo de reserva" é constituído por somas condicionadas às necessidades de certos fins como os de suprir prejuízos e atender a circunstâncias supervenientes. Enquanto ditas reservas estivessem subordinadas ou dependentes de tais condições, não estariam sujeitas à tributação por anteriores à lei; mas, dês que se apartaram da sociedade, evidentemente não mais podiam atender aos fins eventuais da pessoa jurídica, passando à propriedade dos próprios sócios componentes da sociedade. Na realidade, êste foi o fato nôvo, sem conexão com a anterior separação de lucros para um fundo de reserva, com fins eventuais previstos pela assembléia, ou com fins a que a própria lei atende, obrigando tôda a sociedade anônima a
ter certa reserva, segundo firmou a nova lei sôbre o assunto".
Ponha-se de parte as nugas que diferenciam as hipóteses. Importa ressaltar, nos dois votos referidos, o seguinte:
1.0) - Tudo que provier do "fundo de reserva, seja qual fôr a forma", está sujeito à tributação.
2.°) - Do momento em que com dinheiro do "fundo de reserva" o sócio aumentou de dez vêzes o valor da sua quota, podendo transmiti-la a terceiros com lucro enorm~ssimo, é inconcutível, houve uma distribuição evidente de lucros, com desfalque do fundo de reserva, com efetivo incremento do valor do patrimônio do sócio, princípio diretor da imposição fiscal.
No seu livro Pareceres e Votos (ed. 1948, págs. 193 e 194), o próprio Min. Aníbal Freire escreve sôbre sociedade por quotas de responsabilidade limitada, deixando evidente como é fácil ao sócio, em uma tal sociedade, deixá-la, embolsado da sua quota pelo nôvo valor:
"Em relação, aliás, às sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, o assunto está regulado de modo expresso. O art. 15, do Dec. n.O 3.708, de 1.0 de Janeiro de 1919, confere aos sócios que divergirem da alteração do contrato social "a faculdade de se retirar da sociedade, obtendo o reembôlso da quantia correspondente ao seu capital, na proporção do último balanço aprovado".
Há neste sentido manifestacões positivas da jurisprudência pátria. A então Côrte de Apelacão do Distrito Federal, em Acórdão de
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14 de Maio de 1935, no Agravo de Petição n.o 9.842, decidiu:
"Nas sociedades de capital limitado, a decisão da maioria, modificando o contrato, obriga a minoria, e esta não se conformando, tem o seu direito assegurado pelo art. 15, do Dec. n.o 3.708, de 1919, como muito bem ensina Villemor Amaral, no seu livro Sociedades Limitadas, n.OS 247 e 214 (Arquivo Jt..-diciário, volume XXXV, pág. 223)".
No Agravo Comercial n.o 2.221, o Tribunal de Relação do Estado do Rio, em Acórdão de 19 de Agôsto de 1930, em relação ao pedido de um sócio para a dissolução de uma sociedade por quotas, sentenciou que a maioria tem o poder de decidir, competindo apenas ao sócio dissidente, se lhe aprouver, retirar-se com a quota e lucros existentes (Arquivo Judiciário, vol. XV, pág. 511).
Não é para desprezar a consideração que a sociedade em aprêço de sociedade por quotas de responsabilidade limitada passe a ser sociedade anônima. Conhecidas as afinidades entre êsses dois tipos de sociedade, verifica-se que a decisão da maioria nem sequer atenta contra quaisquer princlplOs doutrinários (Reinsheimer -Derecho Mercantil, versão espanhola, 1933; Navarrini, Trattado di Diritto Commerciale, tomo 2.°, 1937).
A propósito, Carvalho de Mendonça ensina que as sociedades por quotas constituem uma variedade da sociedade anônima, porquanto na sociedade anônima o capital é dividido por ações e na sociedade limitada por quotas, 10-
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cuções que têm o mesmo valor, diferença meramente formal. (Tratado de Direito Comercial, tomo 3.°, n.o 358)".
Aqui, na situação in concreto, sairia o sócio embolsado duma quota tornada dez vêzes maior, com lucros tirados do "fundo de reserva", lucros escapos ao impôsto de renda, se a Fazenda não tivesse vindo, solícita, reclamar o tributo, logo que ciente das alterações que o contribuinte procedera em sua contabilidade, em seus livros, para corrigir a situação, que achava contraditória, da sua escrita.
Curioso é que, já nesta demanda, a autora defende a intangibi!idade do capital social, defesa que seria dispensável se o capital social não estivesse enriquecido por lucros tirados do "fundo de reserva"... Vê-se, daí, que o Fisco estava num dilema - ou exigir o impôsto de renda na ocasião diante da metamorfose contábil aludida, ou nunca mais poderia tocar no assunto, especialmente depois de cinco anos ...
O estatuto do contribuinte não é passível de entendimento diverso do estatuto de qualquer devedor.
Nos países anglo-saxônios, tributa-se a renda produzida na sociedade de molde a compensar sua exoneração do tributo complemento.
A capitalização dos lucros é por isso isenta de nova tributação. Já se pagou, por ela, antecipada e previdentemente.
Entre nós a capitalização dos lucros e reservas é fiscalmente assimilada a uma distribuição de lu-
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cros. o Erário carece de exercer uma maior vigilância.
Não receberam, os sócios que integram a apelante, nas primeiras oportunidades, os lucros. Acumularam êsses lucros, sem despender, é claro, a segunda parte do impôsto, o impôsto sôbre o sócio, descontável na fonte (êles residem no Exterior), pois que foram creditados êsses lucros ao "fundo de reserva". Mais tarde, com êsses lucros do "fundo de reserva", aumentaram de dez vêzes o capital, de dez vêzes o valor das quotas, e pretendem, nesta demanda, que um Juiz declare que êsses fatos não importaram numa distribuição de lucros, não acarretaram vantagens à sociedade e aos ,. lO;>
SOCIOS •••
Quota de Cr$ 1.000,00, com lucros retirados ao "fundo de reserva", ficou valendo, nominalmente, Cr$ 10.000,00, e o quotista não teve vantagem?
Capital social passa de ..... . Cr$ Cr$ 10.000.000,00 para ... . Cr$ 90.000.000,00, com dinheiro, com lucros tirados da conta "fundo de reserva" e a sociedade e sócios não tiveram vantagem?
A sentença apelada não poderia dizer que sim. Se o fizesse, teria entrado a colidir com a lei, com os fatos e com os algarismos, teria fechado os olhos à noção, tão
rudimentar, de lucros taxáveis. Atuou com acêrto, com justeza,
o Juiz a quo, tendo por improcedente a ação.
Nego provimento ao apêlo."
Rejeito os embargos com base nesse voto, cujos fundamentos o ilustre patrono da embargante não conseguiu abalar.
Voto (Vencido)
o Sr. Min. Artur MarinhoSr. Presidente, os autos me vieram às mãos dias atrás, por engano, na suposição de que era o Revisor. Também nesse pressuposto, cheguei a examiná-los, fiz estudos e tomei notas, para atuar como Revisor. Começo salientando que o fato narrado pelo advogado, da Tribuna, acêrca da história primitiva até chegar à majoração de cotas, é exato. Está provado. Fêz-se a história do que aconteceu até se chegar a dez vêzes mais o valor nominal das cotas, uma transformação de fundo estritamente econômico, dessas que tanto o fisco como outros setores da vida e da Administração podem bem alegar como verdadeiro interêsse público. Como entraria uma noção de interêsse público em situação assim? Naquelas reservas que se guardam nas grandes organizações para reequipamento de seu material, função econômico-social típica, sem a qual desapareciam as grandes emprêsas que produzem o benefício não só dos que estão aderentes a seu legítimo interêsse mas, também, do fisco e da riqueza pública em geral, que disso se entretém. Tanto é assim que, certa vez, quando se pretendia taxar lucros excessivos ou extraordinários, o produto havia que reverter para o equipamento do maquinario indispensável a que se mantivesse uma indústria como elemento de riqueza nacional. Meu espírito sempre propenso a examinar questões de interêsse econômico, que entendo constituírem a estrutura social sem a qual não pode pas-
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sar o administrador, leva-me a fazer êste primeiro registro. Realmente - e o exame da escrita o demonstra - ao invés de dissiparem o dinheiro que perceberam, os interessados foram deixando que êsse dinheiro se acumulasse, e depois aquêle mesmo dinheiro foi transformado em maquinaria, elemento social de riqueza, insisto em dizer. Mais tarde, verificando-se que existia êrro técnico de escrita, aquêle mesmo êrro de escrita foi corrigido. Na correção, o patrimônio da sociedade se manteve íntegro, sem maior nem menor enriquecimento, enriquecendo, entretanto - eis a verdade, e é daí que resulta um embaralhamento das circunstâncias - valôres ou elementos econômicos que, mais tarde, reverteram em lucro de maior, pela movimentação do capital e do trabalho, em favor de quem os estava dirigindo. Foi isto que, muito adequadamente, neste instante, o Relator chamou de mais valia. Mais valia no sentido clássico e não no sentido de um famoso manifesto de 1848. Ora, Sr. Presidente, se esta história expressiva e documentada nos autos é mesmo assim e se todo lucro deve, naturalmente, dar sua contribuição para o fisco, que não pode sofrer evasão, teríamos que procurar, dentro dos elementos da lei fixadora do fenômeno econômico, em casos como êste, como taxar. Então entrariam em causa os arts. 8.°, b, do Decreto-lei n. ° 4.178, e, em seguida, subsidiàriam ente, os arts. 97 e 100 dêsse mesmo Decreto-Iei. Certa feita, Miguel Couto dava uma aula a seus alunos - não fui aluno de Medicina de Miguel Couto, mas
li sua obra Clínica Médica - e disse mais ou menos que por uma receita se poderia julgar da significação ou valor profissional de um clínico. Então, se essa receita se enche de ingredientes que fazem do doente verdadeira cobaia, salvo os casos permitidos, o médico nada sabe. A natureza fica tonta com êsse excesso de ingredientes e não sabe a que ordem obedecer. O caso dos autos é uma situação perfeitamente parecida, um excesso de invocação de disposições legais, que tornam tontos o aplicador da lei, o seu intérprete e os puros observadores. Essa a situação de luxo de citações legais, que, ao ver do fisco. têm, cada uma, função específica. mas que, em conjunto, nada significam, porque o significado básico do art. 8.° é mesmo aquêle que se refere apenas à majoração de quotas, problema exposto em têrmos simples e que não se poderia, sem mudança daquilo que vimos mantendo em preceito, transformar em valor de ações novas. Não direi, do ponto de vista comum, como o eminente advogado, da Tribuna, que o fisco inventou a majoração de quotas mas direi alguma coisa que, afinal de contas, dá no mesmo: o fisco interpretou o que é valor de ações novas em majoração de quotas - e foi isto que impressionou profundamente o eminente Sr. Min. Sampaio Costa, que cedeu a um princípio clássico de direito, entendendo que, num caso. dessa natureza, não se interpretaria o direito fiscal por analogia. Não conheço interpretação analógica mais bem caracterizada do que aquela com que o fisco bai-
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xou a tese da lei ao caso concretizado nos autos, porque, realmente, quando se considera que ação é mesmo uma coisa e quota é outra, nem há dúvida, em princípio, de que aí começou a interpretação extensiva. Não é somente porque a ação é alguma coisa que se traduz num direito real - quer dizer, a posse de um título -enquanto que a quota não. Não é ainda por aí. Não é, também, pelo fato de, aos casos de sociedades por quotas, se aplicarem muitas das regras de sociedades anônimas, porque é uma verdade que, antes de ser legislada em 1931, já era um lastro de doutrina.
De modo que o eminente Sr. Min. Elmano Cruz, quando lembrou a legislação de 1931, fêz muito bem.
O Sr. Min. Elmano Cruz - Perdôe-me V. Ex.a A legislação de 1931 é específica do impôsto de renda. A de 1919 mandou aplicar, pelo Decreto 3.708, às sociedades por ações. A lei já é anterior, é de 1919.
O Sr. Min. Artur Marinho - Antes da lei sôbre sociedades por quotas, de 1919, já existia a regra de doutrina que, no ponto, inspirou a lei. Sociedade intermediária entre a de pessoas e a sociedade por capital. E é nisso que eu quero tocar. Se admitirmos a legislação, quer a específica, quer a fiscal, quer a geral, verificamos que muitos princípios são comuns a tôdas. Era ponto pacífico de todos os doutrinadores que os principios eram similares, numa como noutra situação.
O Sr. Min. Elmano Cruz -Mas como se trata de lei fiscal,
não quis procurar analogias, fiquei com a lei.
O Sr. Min. Artur Marinho -Mas não eram analogias porque a lei já existia.
O Sr. Min. Elmano Cruz Mas, em construção doutrinária, segundo a interpretação de V. Ex.a, não se pode cobrar o impôsto.
O Sr. Min. Artur Marinho -Não interpretação extensiva.
O Sr. Min. Elmano Cruz - Dá no mesmo porque, pelo que V. Ex.a acaba de expor, a construção doutrinária não autorizava a cobrança do impôsto.
O Sr. Min. Artur Marinho -Não dá no mesmo, V. Ex.a me perdôe. Eu digo: não é pelo fato de se aplicarem muito as tais regras em comum às duas naturezas de sociedade; não é pelo fato das ações representarem títulos, que cedem a direito real, e as quotas não; não é por nada disso que se chega à conclusão a que estou chegando. Logo, V. Ex.a
vem em socorro do ponto de vista que estou sustentando. Ninguém poderia transformar quotas em ações, majorações de quotas em ações novas.
O Sr. Min. Elmano Cruz - O artigo fala em "ações novas" distribuídas aos portadores de ações nominativas ou "os interêsses superiores aos lucros e dividendos". Essa segunda parte do artigo, por inadvertência, não foi lida nem por V. Ex.a nem pelo advogado.
O Sr. Min. Artur Marinho -Estou falando no que é substancial. Considero a parte final dêsse dispositivo perfeitamente impertinente à elucidação da espé-
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cie. Basta a sua leitura para demonstrá-Io.
Em conseqüência, Sr. Presidente, entendo, data venia dos doutos votos vencedores, que é de lógica sem jaça que os embargos devem ser recebidos, para restaurar-se uma situação de direito. Ouvi, também, que o dinheiro que se foi acumulando não foi distribuído, por conveniência dos sócios. É claro que sim. Mas já mostrei que essa conveniência dos sócios era coincidente, em substância, não só com um interêsse da sociedade a que êles pertencem, mas também com o da economia nacional. E isso, para mim, é tudo, porque lucra o fisco enriquecendo aos particulares e reequipando a indústria, com isso ajudando ao aumento de riquezas e conseqüente crescimento da capacidade tributária, que avulta em contribuições para manter os encargos do Estado.
O contrário é êrro: é o que vem fazendo em várias emprêsas, como a Leopoldina, por exemplo, em que acionistas dissiparam até as reservas técnicas destinadas à renovação de material. E o resultado é essa melancolia, isso que o direito não poderia apoiar.
O direito é apenas um fato social como outro qualquer, apenas mais fixo porque elemento conservador por excelência. E é a seu serviço que tôda a engrenagem que constitui interêsse fiscal serve para atender aos altos fins do Estado.
É em nome dêsses princípios elevados, e que cedem à lei e à interpretação legítima dada ao assunto pelo Sr. Min. Sampaio Costa, que, data venia do brilho com
que se conduziram os Srs. Ministros que votaram em contrário, recebo os embargos.
Voto
O Sr. Min. Elmano Cruz -Sr. Presidente, no voto proferido por ocasião da apelação, assinalei que tenho o mau hábito de tomar notas do que diz o advogado da tribuna e, com relação ao advogado que falou neste caso, tenho também o dever, porque ao tempo em que S. Ex.a pontificava na s.a Câmara do Tribunal de Justiça, sempre me ouviu com atenção. Prestando atenção ao que S. Ex.a disse, concluí que incorreu em grave equívoco atribuindo-me afirmação que não fiz, ao contrário, disse exatamente o oposto.
Declarou S. Ex.a que eu afirmara pertencer o fundo de reserva ao sócio e não à sociedade. No meu voto eu disse precisamente o contrário: (lê)
" Pertencem, é certo, ao "acervo social", mas sendo a sociedade uma comunhão de interêsse dos sócios que a compõem, sem embargo de sua distinta personalidade jurídica, o engrandecimento do acervo social importa matemàticamente na elevação ou mais valia do quinhão do sócio e se esta elevação se opera pela inversão de lucros até então retidos, obviamente o "emprêgo" a que se refere o art. 100, do Decreto-lei n.o 4.178, de 1942, terá lugar, e tributável se torna a operacão".
Naturalmente, concluiu que eu tinha afirmado o oposto quando transcrevi um trecho do parecer do Professor Ascarelli. De fato, o
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parecer do Professor Ascarelli, citado pelo próprio advogado da embargante, diz isso, mas a conclusão é outra. Declarei, aliás, que se o parecer fôsse subscrito pelo ilustre advogado da embargante, me mereceria muito mais acatamento do que sendo do Professor Ascarelli.
Como declarei ao votar na apelação, no caso dos autos não aproveito ° trecho dado como preponderante, no parecer citado, porque ° seu próprio autor, em outro trecho, assinala que, dada a natureza da nossa tributação, em que foi escolhido nôvo sistema - o de tributar parcialmente a sociedade e parcialmente o sócio - é intuitivo não só que a renda da sociedade constitui a própria renda do sócio, como também que a retenção dessa renda em poder da sociedade, aí exonera a sociedade do pagamento do impôsto, não constitui motivo para que se exonere o sócio dêsse mesmo pagamento.
Se eu fôsse o Juiz de Primeira Instância, teria julgado a autora carecedora de direito à ação, porque o que ela está querendo impedir é pagamento de impêsto que não lhe cabe pagar. O fisco está cobrando impêsto devido pelo sócio da sociedade, e não pela sociedade.
Eu, que voto, sistemàticamente, contra a taxação pela remessa dos lucros das filiais de sociedades que estão no estrangeiro, não o posso fazer neste caso porque o que se cobra é o impôsto sôbre lucros dos sócios, individualmente considerados, e não sôbre os lucros da sociedade, porque esta o teria pago.
O que ocorre no caso é o seguinte: a sociedade separou, ano a ano, uma importância que se converteu em fundo de reserva. Essa importância foi invertida em instalações. E disse o advogado, da tribuna, que essa importância não é tributável na fonte porque aquêle dinheiro fica confundido no acervo social. Confundido, no caso, significa "incorporado" ao acervo social. De modo que ocorreria a seguinte situação: a sociedade teria um patrimônio de Cr$ 10.000.000,00. Com o acúmulo de lucros constituindo fundos de reserva durante 10 anos êsse patrimônio atingiria ......... . Cr$ 100.000.000,00. Aplicadas ou invertidas essas reservas acumuladas, o acervo se elevaria logo a Cr$ 110.00.0.000,00. É claro ... Cr$ 100.000.000,00 invertidos e mais Cr$ 10.000..000,00 de capital. Trata-se de simples questão de Aritmética. É como se fôsse um prédio na Avenida Presidente Vargas, que tivesse, originàriamente, dois andares, fôsse demolido e construído outro de 22 andares, com a aplicação de fundo de reserva. Evidentemente o acervo da sociedade se elevou na proporção dos andares do prédio; evidentemente o patrimônio da sociedade se engrandeceu e, õbviamente, também se engnmj:1eceu o patrimônio dos sócios. E ~s!P sem pagar impôsto não é possível.
Não vejo porque tenha sido a lei aplicada, como se diz, por analogia, pois na verdade em mais de um dispositivo do Decreto-lei n.o 5.844, de 1943, encontro base legítima para a cobrança do impôsto. Assim, no art. 8.°, que tra-
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ta de discriminação das cédulas, se prevê a cobrança por efeito de valorização do acervo; o art 97, regula a oportunidade da cobrança. Não sei, portanto, em face de tão claros dispositivos, porque havia o Fisco de recorrer à analogia. Reitero, neste momento, o meu voto proferido na Apelação, rejeitando assim os embargos.
Voto (Vencido)
o Sr. Min. Sampaio Costa Sr. Presidente. O meu voto já foi lido pelo eminente Sr. Min. Relator; foi, também, citado pelo nobre advogado. Estou de acôrdo com o voto do Sr. Min. Artur Marinho e não tenho absolutamente porque modificar o meu entendimento. Outrossim, acho que a Lei foi aplicada por analogia. Verifica-se quanto à espécie que não houve nenhuma majoração de capital; houve uma valorização nominal de ações. Nenhum dispositivo da Lei autoriza a taxação dêste ato. Muito menos o art 8.°, do Decreto-lei n.o 5.844, de 1943.
O Sr. Min. Djalma da Cunha M eIlo - Se êle vender a quota vai vender pelo mesmo preço?
O Sr. Min. Sampaio Costa -Se a Lei taxar na ocasião em que houver tal pagamento ...
O Sr. Min. Djalma da Cunha Mello - A lei tem um sentido social.
O Sr. Min. Sampaio Costa -. .. Como dizia, Sr. Presidente, reputo a taxação feita pelo Fisco como sendo por paridade, ou aplicação analógica. A invocação de que as sociedades por quotas se
regem também, nos casos omissos, pelos preceitos constantes da Lei das Sociedades Anônimas, nada tem que ver com o caso; essa norma diz respeito à constituição e vida dessas sociedades. Trata-se de questão diferente, isto é, da possibilidade de aplicação por analogia da lei fiscal. Estamos em face de um caso concreto - trata-se de sociedade - a que o Fisco quis impor um determinado tributo, dando-a como incursa em determinados artigos: 1.°) essa incidência não se verificou; o 2.°) - não se trata de valorização de novas ações, nem é caso de aplicação de quaisquer fundos superiores aos dividendos.
O Sr. Min. E1mano Cruz. -Perdão. Houve aplicação de fundos e houve valorização do ativo.
O Sr. Min. Sampaio Costa -Acho que o impôsto cobrado aqui é sôbre sociedade.
O Sr. Min. Elmano Cruz -Ao contrário, o impôsto é exigido dos sócios e não da sociedade.
O Sr. Min. Sampaio Costa -Sr. Presidente. Reporto-me ao meu voto anteriormente proferido para receber os embargos.
Voto
O Sr. Min. Rocha LagoaSr. Presidente. Ouvi, com a maior a tenção, a brilhante tese exposta no voto do Sr. Min. Sampaio Costa, não só por ser meu dever inteirar-me das alegações, aliás dever de todo o Juiz, como principalmente por ser advogado de uma das partes, antigo colega meu do Tribunal de Apelação, a quem tributo especial considera-
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ção. Ouvi, então, S. Ex.a dizer que há uma distinção manifesta entre a sociedade por quota e sociedade por ações, antigamente chamada sociedade anônima.
Já o Sr. Min. Elmano Cruz, se não me falha a memória, retificou êsse ponto invocando o que está expresso no art. 18, da Lei de 1919: "Serão observadas quanto às sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, no que não fôr regulado no estatuto social, e na parte aplicável, as disposições da lei das sociedades anônimas.
Evidentemente há um grande parentesco entre elas e, embora cada uma tenha sua fisionomia distinta, entendo, Sr. Presidente, que a questão não comporta a controvérsia que se pretende levantar em tômo disso. Sintetizo, em poucas palavras: Trata-se de emprêsa que anualmente aufere lucros; ao invés de distribuí-los na sua totalidade, entendeu, por medida de previdência muito justificada, ir acumulando-os para determinada finalidade. Em certa ocasião, dado o vulto dêsse lucro - cêrca de Cr$ 90.000.000,00 -resolveu a direção da emprêsa aproveitá-lo, investindo-o na aquisição de maquinario para renovação de seu material. Em conseqüência, uma quota que valia X ficou valendo X vêzes dez. Os dados concretos foram confessados pelo eminente advogado. Não existe, pois, controvérsia sôbre tal circunstância. Ora, sabemos bem que tais quotas são transferíveis desde que haja indisposição entre os sócios, obedecidas as cláusulas
constantes de seus Estatutos, na parte relativa à preferência na aquisição de quotas. E não é difícil ao detentor de um certo número de quotas transferi-las para terceiros. Nesse caso, uma quota, digamos, que valia Cr$ 10.000,00 passaria a valer Cr$ 100.000,00, valoriza-se, sem dúvida, extraordinàriamente, ocasionando, por conseguinte, o enriquecimento do quotista, porque, aquilo que figurava em nome da pessoa jurídica, do corpo moral, passará a ser lucro, enriquecimento da pessoa física detentora da quota.
Entendo, por isso, perfeitamente aplicável à espécie, o disposto no art. 8.°, lido há pouco pelo Sr. Min. Elmano Cruz, o qual tributa os lucros nos têrmos que menCiona. Estou, assim, de acôrdo com o voto do Sr. Min. Relator, acho cabível a cobrança.
Voto (Vencido)
o Sr. Min. Cunha Vasconcellos - Sr. Presidente, também recebo os embargos. Não me impressiona a circunstância do enriquecimento, acaso havida, de sócio quotista e sim o fato de não encontrar, na lei, dispositivo que autorize a cobrança, senão na forma por que se a fêz: por aplicação analógica. Jamais admiti, ou admitirei, a aplicação analógica da lei fiscal. A meu ver, a exigência há que ser expressa para efeito de cobrança de impostos. Para não alongar mais os debates, dado que a hora já vai adiantada, voto de acôrdo com os eminentes Mins. Artur Marinho e Sampaio Costa.
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Decisão
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Foram desprezados os embargos, contra os votos dos Srs. Mins. Artur Marinho, Sampaio Costa e Cunha Vascon-
cellos. Usaram da palavra o advogado André de Faria Pereira, pelos embargantes e o Ex.mo Sr. Dr. Alceu Barbêdo, Subprocurador -Geral da República, pela União. Impedido o Ex.mo Sr. Min. Mourão Russell.
APELAÇÃO CíVEL N.o 130 - RS.
Relator - O Ex.mo Sr. Min. Artur Marinho Apelante - Victor Adalberto Kessler Apelada - União Federal
Acórdão
Das rendas brutas de contribuinte do impôsto de renda não são "dedutíveis" despesas ou verbas que a pessoa física tenha desembolsado em conseqüência de prejuízo pago à firma comercial em liquidação, a que pertencia. Aquelas despesas não são consideradas perdas extraordinárias no sentido do direito, e se o fôssem seriam "abatidas", o que é coisa diversa de "dedução".
Confirma-se a sentença apelada por seus jurídicos fundamentos, além do mais em refôrço, constante dos votos vencedores.
Vistos, examinados, relatados e discutidos os presentes autos de Apelação Cível n.o 130, do Rio Grande do Sul, sendo apelante Victor Adalberto Kessler e apelada a União Federal, no julgamento não tendo tomado parte o Sr. Min. Macedo Ludolf, em face do constante do art. 72, letra a, do· Regimento Interno:
Acordam os Ministros do Tribunal Federal de Recursos, em Segunda Turma, por unanimidade de votos, em negar provimento à apelação, conforme o constante das notas ta qui gráficas anexas.
Distrito Federal, em 31 de Outubrode 1947. - Abner de Vasconcellos, Presidente; Artur Marinho, Relator.
Relatório
o Sr. Min. Artur Marinho (Relator) - Victor Adalberto Kessler (autor-apelante) pretende a inteira reforma da sentença de fls. 68171, do Juiz Sílvio WaHace Duncan, do Rio Grande do Sul, julgando improcedente a ação por êle intentada contra a União Federal (ré apelada).
Sócio da firma Aristides Almeida & Cia., em liquidação, o apelante impugna os lançamentos suplementares que a Delegacia do Impôsto de Renda daquele Estado houve de fazer para cobrar-lhe os impostos respectivos correspondentes aos exercícios fiscais de 1935 a 1939, visto como, alega,
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deduziu as importâncias corres. pondentes ao declarar suas rendas porque: a) tais importâncias foram perdas extraordinárias que êle teve de pagar àquela razão social; b) assim o fêz fundado em interpretação administrativa do 1.0 Conselho de Contribuintes e decisão de Ministro de Estado competente, com adequado entendimento da legislação fiscal, entendimento só modificado depois, por outro Ministro da Fazenda, quando já o ato anterior produzira efeitos regulares para o passado, de modo a escapar sua apreciação, de meritis, ao contrôle do Judiciário, salvo ilegalidade que não ocorreu em concreto: o ato administrativo de origem se tornara irrevogável dado seu discricionarismo sensu juris. Em suma: o prejuízo extraordinário é mesmo dedutível e, no caso, foi deduzido conforme direito positivo, interpretação legítima, e em harmonia com a exata finalidade das leis sôbre impôsto de renda. Em tôrno dêsses fatos e temas o apelante desenvolve extensas considerações em defesa de seu recurso (fls. 73 e segs.), da mesma maneira por que já o fizera em peças anteriores, juntas aos autos.
Para inteira elucidação do que se há de julgar, é proveitoso saber como o Dr . Juiz a quo situou as questões de interêsse decisório e ponderou-as para sentenciar. É esta a sentença recorrida (fls. cits.) , firmada pelo Dr. Sílvio Wallace Ducan: "Vistos etc. Victor Adalberto Kessler, comerciante, residente nesta Cidade, propôs, contra a Fazenda Federal, esta acão ordinária, pleiteando a anul;ção dos lançamentos suplemen-
tares que a Delegacia do Impôsto de Renda procedeu em Maio de 1940, glosando as deduções dos prejuízos que o autor sofreu na sociedade Aristides Almeida & Cia.; em liquidação, manifestados nas declarações de renda relativas aos exercícios fiscais de 1935, 1936, 1937, 1938 e 1939.
Diz o suplicante que a glosa daquelas deduções contravém o dispositivo dos §§ 5.°, letra d, e 11, da Lei 4.984, de 31 de Dezembro de 1925 (que alterou o inciso e do item 3.°, do art. 31, da Lei 4.625, de 31 de Dezembro de 1922), na parte em que permitia a dedução para o cálculo da renda global, das perdas extraordinárias que não tiverem sido compensadas por seguros ou outras indenizações; que, além do exposto, as questionadas deduções obedeceram à jurisprudência até então uniforme do Primeiro Conselho de Contribuintes e despachos do Delegado Geral do Impôsto sôbre a Renda e do Ministro da Fazenda, Sr. Oswaldo Aranha (cf. Diário Oficial, de 11 de Janeiro de 1934), firmando a regra de que "prejuízos havidos na liquidação de firmas comerciais das quais o contribuinte é sócio, são dedutíveis de sua renda global"; que, embora não se enquadrassem no conceito de perdas extraordinárias os prejuízos mencionados, de acôrdo com o julgado do Conselho de Contribuintes, mantendo o ato da Delegacia do Impôsto de Renda, fls. 15, 18, 20 v., 23 e 25 v., restaria, como ponto incontroverso na doutrina e jurisprudência fiscais, que "o contribuinte que tenha procedido em consonância com as decisões
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proferidas em última instância pelas autoridades administrativas, não pode ser compelido a fazer quaisquer pagamentos em virtude de nova orientação que se venha a adotar, em substituição de decisões anteriores"; que, portanto, se ao Judiciário também parecer verdadeira a última inteligência dada a lei em exame pelo Ministro da Fazenda, não deve a dita interpretação ser aplicada ao autor com efeito retroativo porque a revogação dos atos administrativos é sempre recebida ex nunc e jamais ex tunc, e, como conseqüência, a dedução deve ser confirmada ao menos em relação aos exercícios de 1935, 1936 e 1937, época em que prevalecia a decisão ministerial que a admitia.
O autor instruiu seu pedido com as certidões dos processos de declaração de renda nos aludidos exercícios fiscais; dos lançamentos suplementares cuja nulidade invoca; das decisões administrativas, referentes aos lançamentos em exame, proferidas pelo Delegado do Impôsto de Renda e Conselho de Contribuintes; e das guias de recolhimento, em depósito, para os efeitos do Decreto-Iei n.o 42, dos impostos exigidos.
A ré, representada pelo Dr. Procurador da República, alega, na contestação de fls. 41: que o conceito exato de perdas extraordinárias fixado pelo legislador no inciso c, do art. 31, da Lei 4.625, deve ser sempre subentendido na legislação posterior, citada pelo autor apesar de nesta não se repetir a exemplificação da primeira, fazendo-a derivar de casos fortuitos ou de fôrça maior, como incêndio, tempestade, naufrágio e
acidentes semelhantes a êstes, desde que tais perdas não sejam compensadas por seguros ou indenizações; que perdas extraordinárias só poderão ser oriundas de circunstância estranha à natureza de negócio do contribuinte, não sendo de se compreender como de tal natureza a que está sujeito o comerciante nas transações normais de seu negócio; que, em contraposição à jurisprudência fiscal que o autor cita, há muitos outros acórdãos confortando a tese esposada pela contestante.
ítstes, em resumo, os pontos da controvérsia amplamente explanados no memorial do autor, que serão examinados a seguir.
Não há dúvida de que os prejuízos sofridos pelo autor, na sociedade comercial de Aristides Almeida & Cia., nada tiveram de extraordinários. ítles refogem ao conceito de perdas extraordinárias, consignado na legislação fiscal do impôsto sôbre a renda, porque não podem ser admitidos como inesperados nas especulações do comércio_
É exato que o escopo de lucro alinha-se como um dos característicos do comércio, mas não se desfigura o ato de comércio em que falha aquela esperança. Pouco importa que o lucro seja ou não realizado. Para caracterizá-lo, basta a sua probalidade, o desejo de auferi-Io. Por isso é que a especulação não assegura o êxito da operação, esperando apenas consegui-lo.
O lucro no comércio, sendo aleatório, jamais se poderá conceituar como extraordinário o prejuízo que o comercian!te ex-
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perimente em seus negócios. 1tle não espera ter prejuízos, mas basta estar sempre adstrito a tê-los para que se não enquadrem os mesmos entre as perdas extraordinárias a que se refere qualquer dos diplomas legais citados pelo autor. As leis posteriores à de n.o 4.625, não alteraram o sentido do preceito contido na letra c, item 3.0, do art. 31, ao ponto pretendido pelo autor.
As deduções admitidas na renda global são unicamente as que a lei menciona e, entre elas, não se poderá incluir a dedução pretendida.
Por outro lado, enquanto não ocorresse a' prescrição, tinha a ré o direito de rever as declarações de renda e de proceder ao lançamento suplementar para cobrança do impôsto devido. Esta faculdade lhe está assegurada pela lei, como se verifica do respectivo Regulamento, art. 179 e seus parágrafos, e não podia ser coartada por interpretações inexatas de qualquer autoridade administrativa. Não se pode falar aqui de direito adquirido, nem de ato irrevogável porque, na esfera administrativa, todos os atos fiscais podem ser revistos, até que sofram a crítica do Judiciário.
Quanto ao impôsto de renda, a reforma de interpretação mais favorável ao contribuinte também não fere nenhum direito adquirido, pois o contribuinte que paga o impôsto devido, em virtude de interpretação nova, é pela mesma forma onerado, como se desde o princípio essa fôsse a interpretação adotada (Tito Rezende Manual do Imp. de Renda, 2.a
ed., pág. 231).
Isso pôsto, e considerando que os prejuízos havidos pelo autor na sociedade Aristides Almeida & Cia., nos anos de 1934, 1935, 1936, 1937 e 1938, não podem ser conceituados como perdas extraordinárias, para o efeito de serem deduzidos de sua renda global; considerando que, não obstante ter sido a dedução dêsses prejuízos feita ao amparo de decisões administrativas, podia a Delegacia do Impôsto de Renda glosá-la ao efetuar a revisão dos lançamentos que lhe deram origem, pois a faculdade de proceder a nôvo lançamento ou lançamento suplementar, só é obstada pela prescrição qüinqüenal, contada da terminação do exercício em que se fizer o lançamento primitivo (art. 179, § 1.0, do Regulamento);
Considerando que a dedução pretendida pelo autor não tem assento em lei, e o mais que dos autos consta: Julgo improcedente a ação intentada e condeno o autor nas custas do processo. Publicada em audiência, em 19 de Setembro de 1941".
O ponto de vista da ré é o produzido às fls. 93/94, sustentando aquela sentença, que reconheceu sua defesa anterior (fls. 41/45 e 65/66). Ao tempo em que o julgamento do recurso era da competência do Egrégio Supremo Tribunal Federal, o Sr. Dr. Procurador-Geral da República opinou da seguinte maneira (fls. 10 1 ) :
"A ilustrada senfença fundamentou com muita segurança a tese várias vêzes proclamada pela jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal, de que os prejuízos comerciais não são "as perdas extraordinárias" dedutíveis no lan-
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çamento do impôsto sôbre a renda, o qual se refere a perdas imprevisíveis, causadas por fôrça maior, por um acontecimento ou fato que não esteja na previsibilidade normal, que não seja de ocorrência comum. A sentença merece, pois, ser confirmada por seus jurídicos fundamentos".
Perante êste Egrégio Tribunal, tornado competente, o Sr. Dr. Subprocurador-Geral da República reportou-se ao Parecer supratranscrito (fls. 104 v.), adotando-o.
É o Relatório.
Voto
o Sr. Min. Artur Marinho (Relator) - Na legislação brasileira referente ao impôsto de renda, sempre foram autorizadas deduções nas rendas brutas de contribuintes, desde que as despesas ou verbas respectivas a deduzir concorressem ou se tornassem necessárias à percepção do rendimento tributável. Sem certos gastos explicáveis, o contribuinte não produz, ou produz mais ou menos. Anulada ou diminuída sua capacidade produtiva, extinguir-se-ia ou decresceria o quinhão arrecadável para o Erário. Prejuízo para ambos os lados, o que não é o aspirado pelo direito. Foi considerando razões como essas que as leis estatuíram quais as quotas dedutíveis, conciliando legítimos interêsses de contribuintes com os do Fisco: possibilitar, estimular e reconhecer meios adequados para alcançar fins proveitosos.
Já outra coisa é abatimento que, em linguagem comum, se confunde com dedução, sem con-
tudo ter o mesmo sentido técnico. O direito impõe a distinção que não me consta se tenha procurado fazer até agora na prática. Abate-se da renda bruta tudo aquilo que, em última análise, não é o ordinário na formação de monta mor, ou o que se torna estritamente inseparável de necessidades de produtor como indivíduo sem, entretanto, repercutir direta ou imediatamente no negócio, atividade ou fonte produtiva de contribuinte.
Na categoria do não-ordinário estão as perdas, objeto de debate nesta demanda? Não me parece. O qualificativo extraordinário nas leis é bem marcante. Prejuízos comuns no comércio, como o oposto incômodo ao lucro, que êsse é o intuito de comerciante ao negociar ou ao praticar atos de comércio como profissional, são elimináveis do bruto no processo de cálculo, rematável em apurado tributável, mas não como deducão nem como abate. Já as perda; extraordinárias comportam outro sentido autônomo: em realidade só são mesmas as derivadas do fortuito ou da fôrça maior, oriundas, pois, de fatos, acontecimentos ou fenômenos imprevistos, acabrunhantes, acima do homem e de sua capacidade de prever e prevenir, donde devem ser abatidas do bruto como uma conduta de profunda justiça, que concilia o direito com a vida. O homem empobreceu-se não porque o quisesse ou jogasse discricionàriamente com a sorte, não porque administrasse mal seus negócios, haveres e interêsses, ou resolvesse correr riscos visando a lucros que não vieram. Numa situação as-
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sim, repito, as perdas são extraordinárias, e o abatimento é permitido, salvo se o prejuízo foi compensado por seguros ou indenizações. Aliás, êsse último detalhe, pôsto em ressalva legal, confirma o modo por que aqui se concebe o problema, interpretando a lei ou, mais do que isto, o direito mesmo.
Nem seria necessário que as leis exemplificassem quais as perdas que se contemplam entre as extraordinárias, para serem compreendidas . Uma das primeiras resolveu exemplificar (v.g. art. 31, c, da Lei n.O 4.625, de 31-12-1922) e outra recente voltou ao critério exemplificativo (art. 20, c, do Decreto-Iei n. ° 4.178, de 13 de Março de 1942, com orientação continuada pelo Decreto-lei n.o 5.844, de 23-9-1943, art. 20, c) : as que ficaram de permeio consignaram o princípio e isso bastava, até porque, em regra, o exemplo é uma mera maneira de facilitar a inteligência das normas.
Exemplos como aquêles não se revogam por leis posteriores que os não consignem, destarte, ruindo argumentos a respeito. Nem sempre exemplos são taxativos. Quando o são, a regra é enumerativa e não propriamente exemplificativa, nisso residindo a diferença de fundo entre alguns conceitos destinados a interpretar leis. Na hipótese dos autos, a primeira daquelas leis era puramente exemplificativa e não enumerativa, taxando casos excludentes doutros. A lei recente voltou a exemplificar para ficar à margem de desentendimentos subjetivos ou argumentos pessoais . variáveis, tais os surgidos quando as leis torna-
ram-se sóbrias dando lugar a dúvidas fundamentalmente indefensáveis.
Foi no domínio de controvérsias como as que acabo de acentuar que surgiram as interpretações administrativas indevidas, logrando mesmo o beneplácito passageiro do próprio Judiciário, apanhado menos prevenido. l!:sse último foi o caso do Agravo n.o 6.269, do Egrégio Supremo Tribunal Federal, onde, a meu ver, data venia, a idéia de dedução não se destaca da de abate, e onde o exemplificativo simples surge como se fôra taxativo.
A interpretação administrativa, sem fundo legal, não lograria ganhar foros de cidade, nem pode ser invocada como ato administrativo discricionário (sentido técnico) irrevogável, tanto mais quando toca a uma questão de legalidade fundamental pesquisável pelo Judiciário e não a mérito de causa do apelante, gerando-Ihe direitos reconhecidos no administrativo. Nesse terreno, a situação em concreto é só esta: o apelante, em que pese o brilho de seu digno patrono, um expositor de altas qualidades e erudito, pretende que interpretação genérica de autoridades administrativas em um certo momento tome o lugar à lei e à sua orientação escorreita, o que não é de encampar. A questão da boa-fé que conduziria a uma prática de eqüidade em Direito Fiscal é bem outra, e aqui não foi posta em causa. Talvez prevalecesse, mas não por iniciativa do Judiciário, não provocado.
Essas razões e as expostas na sentença recorrida, em verdade muito bem lançada, me levam a
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ratificar a conclusão do ilustre Dr. Juiz a quo. Nego provimento ao recurso.
Voto
o Sr. Min. Henrique d'Ávila (Revisor) - Sr. Presidente, Victor Adalberto Kessler, em suas declarações para o efeito do pagamento do impôsto de renda, dos exercícios de 1935 a 1939, feitas à Delegacia de Impôsto de Renda do Estado do Rio Grande do Sul, pretendeu deduzir de sua renda global os prejuízos que sofreu nos anos imediatamente anteriores, com a liquidação da Sociedade Aristides Almeida & Cia., da qual era sócio. A Delegacia do Impôsto de Renda, ao proceder a revisão das declarações do contribuinte em questão, glosou as deduções pretendidas com as s~ guintes considerações: "foi glosada a dedução prejuízo em firma, visto não se enquadrar no conceito de perdas extraordinárias, conforme decisão do Ex.mo Sr. Ministro da Fazenda, publicada à pág. 8 da Revista Fiscal de 1938 e jurisprudência do Primeiro Conselho de Contribuintes, formada em vários e recentes acórdãos, como o de n.O 8.866, publicado no Diário Oficiai de 18 de Maio de 1940".
Com semelhante entendimento não se conformou Victor Adalberto Kessler, que intentou a presente ação ordinária perante o Juízo dos Feitos da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Sul, para anular o débito fiscal na forma do Decreto-lei n.o 42, de 6 de Dezembro de 1937, e obter a restituição das importâncias julga-
das indevidas e previamente depositadas. A ação foi contestada e seguiu seus trâmites legais sendo, afinal, julgada improcedente pela longa e bem deduzida sentença datada de 19 de Setembro de 1941.
Com essa decisão não se conformou o autor, que apelou. O Dr. Procurador-Geral da República opina pela confirma cão da sentença apelada. Como· muito bem acentuaram, não só o Dr. Alceu Barbedo, então Procurador da República do Rio Grande do Sul, e que hoje honra êste Tribunal de Recursos, como SubprocuradorGeral, com sua cultura e aprimorada inteligência, mas também o MM. Juiz prolator da decisão apelada, não é possível confundir "perdas extraordinárias" previstas, para efeito de dedução, na letra c, item 3.°, do art. 31, da Lei n.0 4.625, de 31 de Dezembro de 1922, com o simples prejuízo sofrido pelo contribuinte no giro normal e natural da atividade comercial.
Como "perdas extraordinárias" só se podem conceituar as decorrentes de fatos imprevisíveis ou inesperados, como as resultantes de incêndios, inundações, etc., que não cobertas por seguro, darão inequivocamente lugar a dedução na forma da legislação fiscal do impôsto de renda. Porém, as perdas resultantes de operações naturais do comércio não são abrangidas pelo favor legal, de vez que, tanto essas como os lucros, são sempre aleatórios e ocorrentes na atividade mercantil.
Por êsses motivos, nego provimento à apelação, para manter a decisão de Primeira Instância, in-
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teiramente conforme o direito e a prova constante dos autos.
Vista
o Sr. Min. Abner de Vasconcellos - Srs. Ministros, está em jôgo um assunto do qual não me inteirei completamente, alheio que fui à revisão. E como não quero tolher a possibilidade de um recurso que ainda se vislumbra à parte apelante, deixo, no momento, de confirmar, como V. Ex.us, a sentença apelada a fim de fazer o estudo do feito. Não altera o julgamento, mas poderá, de futuro, modificar algum aspecto da sentença. Por isso, determino o adiamento do julgamento.
Voto
o Sr. Min. Abner de Vasconcellos - O apelante, que parece exercer múltiplas atividades profissionais, pretende computar para as deduções do impôsto de renda e para a apuração global dos rendimentos, o prejuízo verificado em determinada profissão. Como interessado numa firma comercial em liquidação nos anos de 1935 a 1939, obteve sucessivos prejuízos. O impôsto de renda, com a aquiescência do Ministro da Fazenda, descontou êsses prejuízos da renda global do contribuinte.
Acontece, porém, que o sucessor do titular da Fazenda, pensando de modo diferente, autorizou a revisão dos lançamentos de que resultou a cobrança de im-postos que orçam por ........ . Cr$ 40.000,00.
Antes de entrar no mérito da questão o apelante aprecia a fal-
ta de atribuição administrativa do Ministro da Fazenda, para anular atos de seus antecessores.
Em Direito Administrativo, todo ato por sua natureza é revogável, desde que se verifique qualquer vício que o atinja em seus elementos intrínsecos ou extrínsecos, afirma Themístoc1es Cavalcanti, in Direito Administrativo, voI. 2.° pág. 291. O obstáculo que a isso se opõe é a lei. Desde que o contribuinte, anteriormente beneficiado pela dedução do impôsto de renda, não possa opor à União a prescrição que o acoberte, constituindo assim um direito a não ser revisto em seus lançamentos, está latente a faculdade administrativa de decretar a revisão. Foi o que ocorreu com o apelante.
A decisão do Ministro da Fazenda não consolidou direito em relação ao contribuinte. Como especifica Roger Bonnard, Direito Adm. pág. 104, o Ministro pode ter função jurisdicional, e, entre nós, há o semicontencioso administrativo, com recursos normais para aquela autoridade. Fora dês-
. se aspecto, os atos de administração podem ser alterados, ficando para os prejudicados a via judiciária comum.
Não tem razão jurídica a alegação do apelante. Quanto ao mérito, a lei do impâsto de renda especifica as deduções que cada cédula comporta mas, além disso, permite ainda uma dedução da renda global.
Para que isso se verifique, a lei condiciona a fatos extraordinários que a doutrina do direito fiscal especifica como tôdas as despesas provenientes de casos
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fortuitos ou de fôrça maior, como incêndio, tempestade, naufrágio, acidentes semelhantes, desde que não sejam compensados por seguros ou indenizações (Plácido e Silva Fin. e Dir. Fiscal pág. 201).
Desde que a lei faz depender de um fato anormal da natureza a imputação de um prejuízo nos lucr,()s de outras procedências, foge à hipótese de o intérprete estendê-la a todos os casos ordinárÍlos em que não se observe êxito econômico nas ativ~dades lucrativas. Mais acertado seria que assim prescrevesse o direito posi-
tivo. A sentença que dá à lei o seu verdadeiro sentido objetivo, merece confirmação.
Voto, pois, de acôrdo com o Sr. Min. Relator.
Decisão
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: depois dos Mins. Relator e Revisor terem proferido votos confirmando a decisão apelada, o Presidente adiou o seu voto para a sessão seguinte.
Proferido na sessão de hoje o voto do Presidente, foi negando provimento, por unanimidade, à sentença apelada.
APELAÇÃO CÍVEL N.o 217 - SP.
Relator - O Ex.mo Sr. Min. Cunha Vasconcellos Filho Apelantes - Juízo da Fazenda Pública, ex officio; Agência
de Transportes Pestana Limitada, e a Estrada de Ferro Central do Brasil
Apelada - Independência Cia. de Seguros Gerais
Acórdão
Em havendo concurso de emprêsas no transporte de mercadorias, respondem as mesmas solidàriam ente pelos danos causados.
Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n.o 211, do Estado de São Paulo, em que são apelantes a Estrada de Ferro Central do Brasil e a Agência de Transportes Pestana Limitada e recorrente o Dr. Juiz da Fazenda Pública, sendo apelada Independência Cia. de Seguros Gerais:
Acordam os Juízes da Primeira Turma do Tribunal Federal de Recunos, por unanimidade, em
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negar provimento às apelações e ao recurso de ofício, para o efeito de manter a sentença recorrida, por seus próprios fundamentos, desprezado o agravo por têrmo a fls. 182, tudo na conformidade das notas taquigráficas de fls. 237 a 240, condenados os apelantes nas custas respectivas.
Rio, 16 de Fevereiro de 1948. - Armando Prado, Presidente; Cunha VasconcelloS' Filho, Re-lator.
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Relatório
o Sr. Min. Cunha Vasconcellos (Relator) - A Independência Companhia de Seguros Gerais, com sede na Cidade de São Paulo, propôs, contra a Agência Pestana de Transportes Limitada, no Juízo da 15.a Vara Cível, da Capital do Estado bandeirante, uma ação cível, com as seguintes razões e finalidades: 1.0 - "Textil Paulo de Abreu S. A. entregou à Agência Pestana de Transportes, firma comissária de transportes, mercadorias no valor de Cr$ 6.062,40, para serem transportadas para Divinópolis, Estado de Minas Gerais, como se vê dos inclusos documentos n.OS H e IH. 2.° - Além do preço acima indicado, a firma em questão teve outras despesas, tais como frete, seguro, etc., de forma que o total do que gastou a remetente montou em Cr$ 6.163,50 (does. IH e V). 3.° - Também a firma comercial Casimiras Adriática Ltda. entregou à ré mer-cadorias no valor de ......... . Cr$ 3.079,00, para que esta as transportasse para a Cidade de São Lourenço, também no Estado de Minas Gerais, conforme explicam os documentos VI e VH. 4.° - Ambas as mercadorias, até esta data, não chegaram ao seu destino, motivo por que presumem-se extraviadas na forma da lei. 5.° - Como ambos os despachos tivessem sido segurados pelas firmas remetentes na Companhiaautora (does. IV e VIII), foram elas indenizadas pela seguradora, como se verifica pelos documentos n.OS V e IX, que se sub-rogou, desta forma, em todos os direitos e ações que as cedentes
tinham contra quem de direito (Código Comercial, art. 728 e Código Civil, arts. 985, IlI, 986, I, 1524 e seguintes e 1432 e seguintes). 6.° - O valor total dêsses despachos monta, portanto, a Cr$ 9.242,50, por cujo ressarcimento é inteiramente responsável a suplicada, nos têrmos do disposto nos art. 99 e seguintes do Código Comercial, 159 e 1056 do Código Civil, e Decreto 19.473, de 10 de Dezembro de 1930 (Rev. dos Tribunais 80/232, 83/408, 115/315, etc.). 7.° - Nos têrmos do que dispõe o art. 64, do Código de Processo Civil, a ré deve ser condenada a pagar os honorários de advogado da autora, além do pedido, juros de mora, e custas.
Nestas condições, quer a suplicante propor, como proposto tem, contra a suplicada, a presente ação ordinária de cobrança dos prejuízos acima referidos no montante de Cr$ 9.242,50, com fundamento nos incisos legais indicados, pelo que requer se digne V. Ex.a mandar citá-la, na pessoa de seu representante legal, para, no prazo legal que correrá em cartório, oferecer a contestação que tiver, sob pena de revelia, e acompanhar a ação em todos os seus têrmos até final em que pede seja ela condenada a pagar a importância de Cr$ 9.242,50, juros de mora, custas, e 20% sôbre o total para honorários de advogados como é da lei" (fls. 2 e 3).
Contestou a referida supHcada o pedido às fls. 21 a 25, argüindo a preliminar de ilegitimidade de párte da autora para propor a ação e dela contestante para ser demandada, pedindo sua absolvi-
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ção de instância na forma dos arts. 160, 201 n.o VI e 294, do Código de Processo.
Entendeu o Juiz da 15.a Vara de S. Paulo, que a Estrada de Ferro Central do Brasil deveria ser Citada para integrar a contestação e mandou, pelos despachos às fls. 55 e 91, que tal citação fôsse feita, estando a contestação às fls. 131 e 132. Decidiu por fim aquêle Juiz, depois de torturada marcha processual feita durante cêrca de sete meses, mandar remeter os autos ao Juízo da Fazenda que, reconhecendo sua competência pelo despacho saneador de fls. 175, designou audiência para instrução e julgamento da causa.
Não se conformou a Agência Pestana com a decisão do Juiz da Fazenda, mantendo-a nos autos, e agravou pelo parecer constante de petição a fls. 178, razões a fls. 179 e têrmo a fls. 182.
A sentença, na parte decisória e conclusão, está assim concebida: "Não ocorreu, na hipótese, a prescrição do direito de pedir indenização pelas perdas das mercadorias embarcadas. Um ano não era decorrido (Decreto Legislativo n.O 2.681, de 7-12-1912), quando se sub-rogou a autora nos direitos dos segurados (Código Comercial, art. 728). Extinguiu-se, assim, a antiga obrigação (cf. Carvalho de Mendonça, M.I., Obrigações, 1908, n.O 313), por essa forma de pagamento (Código Civil, art. 988), surgindo nova (cf. Lacerda de Almeida, Obrigações, 1897, § 14), agora a contar com a prescrição ordinária (cf. Carvalho de Mendonça, ob. dt. n.o 315), não mais a especial
(Revista dos Tribunais, vols. 111/ /330, 114/353, 120/193 e 160/ /621). Aliás a propósito já falou o Egrégio Supremo Tribunal Federal (Acórdãos nas Apelações Cíveis, n.OS 8.861 e 8.871, de São Paulo, in Diário da Justiça da União, de 13-2-1947, págs. 286/ /287).
A ré, Agência Pestana de Transportes, não se mostra na mera dependência da Estrada de Ferro Central do Brasil, mas sim como uma emprêsa autônoma, visando a indústria de transportes, como está a indicar o nome, embora faça o movimento das mercadorias que recolhe nesta Capital associada à Estrada de Ferro Central do Brasil (fls. 30). Diversa não será a significação do arranjo entre as duas, vigente ou não o contrato que mantêm, que deixa inalterada a situação de fato existente. Responsáveis permanecem tôdas as emprêsas a intervir nos transportes, ainda demonstrada qual a autora do desvio (cf. Aguiar Dias. Da Responsabilidade Civil, ed. Revista Forense, vaI. 1.°, n.o 107, pág. 225), ressalvada a competente ação regressiva de futuro (Decreto Legislativo n.o 2.681, de 7-12-1912, art. 15) . Nem se diga, como pretende a autora, fique exclusivamente a Agência Pestana de Transportes Limitada a responder pelas conseqüências. Ambas as rés responsabilizam-se pelo transporte, conjuntamente, ao receberem a carga, associadas (Código Civil, art. 1.363), uma, angariando-a em seu estabelecimento à luz do dia, outra ao encampar tal procedimento, fornecendo impressos de seu uso e recebendo os volumes
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que encaminhava diàriamente. Os despachantes das mercadorias, de seu lado, não ignoravam que a condução delas não estava afeta tão-só à Agência Pestana pelos próprios comprovantes que aceitavam, como prova da recepção. Por êles verificavam que a condução rar-se-ia por estrada de ferro, apresentando-se como aceitantes da expedição, em conjunto a Agêacia Pestana de Transportes Limitada e a Estrada de Ferro Central do Brasil (fls. 5). Anuíram dessa forma a um contrato de transporte ferroviário, subordinado à legislação peculiar (Decreto Legislativo n.o 2.681 de 7-12-1912, art. 9.°) .
Não se livra a Agência Pestana com exibir-se simples proposta da Estrada de Ferro Central do Brasil. Não o era, como se viu, pois especulava "com a sua própria intervenção", tornando-se verdadeira empresana de transportes (cf. Carvalho de Mendonça, J. X., Tratado de Direito Comercial Brasileiro, vaI. VI, parte lI, n.o 1.100). Atraindo os embarques de parceria com a Estrada, tirava diretamente os seus proveitos, pondo-se em privilegiada posição. Como apanhar as vantagens, desprezando os maus resultados? Sequer o contrato, colocando a Central como responsável pelos transportes, eximiria a Agência Pestana, também participante da discussão, estranhos os demais à combinação acima.
Aplicando-se a legislação referente às estradas de ferro ao caso, apresentam-se ambas as rés, como expedidoras em conjunto, cabendo a que cobrir os danos ação reversiva contra as restantes con-
correntes no transporte cumulativo (Decreto Legislativo n.o 2.681, de 7-12-1912, art. 15).
Duas as expedidoras, forçosamente contra as duas, litisconsortes necessárias passivas, deveria ser a ação dirigida ( cf. Jorge Americano, Código de Processo Civil, vaI. 1.0, pág. 176) como se providenciou, com indiscutível acêrto. Responsabilizaram-se pelo transporte, como aceitantes conjuntas da expedição (Decreto Legislativo n.o 2.681, de 7-12-1912, art. 14, primeira parte), descabendo a escolha de uma só parte para isso, a pretexto de facilidade na liquidação, ou contrato com uma, já que iludidos não foram os remetentes, certos de negociarem com a Estrada de Ferro Central do Brasil, intervindo na avença a Agência Pestana, coletora dos objetos despachados. Justificava-se, em conseqüência, o chamamento oficioso da esquecida (cf. Pedro Baptista Martins Código de Processo Civil, ed. Revista Forense vaI. 1.0, n.o 235), como faculta a lei (CPC, art. 91).
Resta, por fim, verificar a regularidade das ligações constantes da inicial. Não há dúvida, confessou a emprêsa recebedora das mercadorias a entrega delas de parte dos interessados (fls. 28/31) E, solvendo a importância do seguro, em face do extravio verificado, sub-rogou-se a autora nos direitos dos segurados (Código Comercial, art. 728), com amparo na lei (Código Civil, art. 988 - Decreto Legislativo n.o 2.681, de 7-12-1912, art. 1.0).
Falou a ré, Estrada de Ferro Central do Brasil, na defesa em coisa julgada. Às ações a que alu-
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de estêve alheiada, não se beneficiando com elas, conforme a licão de Chiovenda, sempre seguida: " ... a resolução judicial das questões lógicas, longe de conduzir em si o sêlo da verdade eterna, não exclui que a questão se possa sempre renovar em subseqüentes processos, tôda a vez que se possa fazer isso sem atender contra a integridade da situação das partes, fixadas pelo Juiz com respeito ao bem da vida controvertido" (Instituições de Direito Processual Civil, ed. Saraiva, -trad. Menegale, vaI. 1.0, pág. 519).
Por todo o expendido, julgo procedente a ação contra ambas as rés, a quem fica ressalvado o disposto no art. 15, do Decreto Legislativo n.o 2.681, de 7 de Dezembro de 1912, condenando-as no pedido, juros de mora, honorários de advogado na base de 20%, e custas.
Estando condenada a Estrada de Ferro Central do Brasil, patrimônio da União, recorro de ofício para o Egrégio Supremo Tribunal Federal (Constituição, DispOSlçoes Transitórias, art. 14 § 3.°), que entende hábil a medida (Acórdãos nas Apelações Cíveis n.OS 8.861, 8.871, de São Paulo, in Diário da Justiça da União, de 13-2-1947, págs. 286/ /287), subindo os autos decorrido o prazo do apêlo das partes" (fls. 190 a 193).
Apelaram ambas as suplicadas (fls. 195 e 208), oficiando, nesta Instância, o Dr. Procurador, nos seguintes têrmos: "Opinamos pelo provimento da apelação da Estrada de Ferro Central do Brasil, de conformidade com as razões do seu ilustre patrono" (fls. 230 v.).
Rio de Janeiro, 20 de Outubro de 1947. - Cunha Vasconcellos Filho, Relator.
Voto
o Sr. Min. Cunha Vasconcellos (Relator) - Decidindo sôbre o pedido de absolvição de instância formulado em sua contestação pela primeira apelante, o DI'. Juiz de Primeira Instância o desprezou porque, tanto ela como a segunda, verbis: "surgem partes legítimas para serem demandadas, partícipes que foram na condução das mercadorias ( contrato, cláusula 7.a )", conforme está no despacho saneador de fls. 175. Fora de dúvida realmente que, no transporte da mercadoria desviada, houve concurso de em prêsas. Os segurados, como se infere dos documentos às fls. 7 e 11, entregaram a fazenda à Agência Pestana, e contra ela preferiram investir judicialmente. Entre esta e a Estrada de Ferro subsistiu, como situação de fato, o contrato anteriormente firmado, qual acentuou a sentença. A Agência não se comprometera a entregar a mercadoria à Estrada, mas a promover o seu transporte, em comum com esta. Não há, assim, como se dar a absolvição de instância, por ilegitimidade de parte e de aplicação do art. 201, VI, combinado com o art. 160, do Código de Processo.
Nego, pois, provimento ao agravo no auto do processo.
Quanto à prescrição em que insiste a Estrada de Ferro, na apelacão e ao mérito do pedido, <:onfi;mo a sentença por seus próprios fundamentos.
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Voto
o Sr. Min. DjaIma da Cunha Mello - A apelação pretende que o direito de ressarcimento da seguradora, quanto ao primeiro des~ pacho, estava prescrito que à Agência Pestana e não à Estrada de Ferro Central do Brasil é que cabia responsabilidade pelos dois extravios de mercadorias.
Não é assim. Houve uma sub~ -rogação que alterou 0' prazo prescricional, e dos autos se vê, sem discrepância possível, que tanto a Agência quanto a Estrada são culpadas pelo extravio, e estão na conjuntura de indenizá-las.
A sentença, assim dispondo, não mais fêz do que aplicar a lei, se~
guir ensinamentos dos doutrinadores, e orientar-se pela jurisprudência do Supremo Tribunal.
Nego, por isso, e pelos próprios fundamentos do julgado a quo, provimento à apelação.
Voto
o Sr. Min. Armando Prado - Nego provimento à apelação.
Decisão
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Por unanimidade de votos negou-se provimento ao agravo no auto do processo e à apelação, para confirmar-se a sen~ tença recorrida.
APELAÇÃO CíVEL N.O 342 - DF.
(Embargos)
;Relator - O Ex.mo Sr. Min. Artur Marinho Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Abner de Vasconcellos Embargantes - Espólio de Manoel Lopes Ferreira e Outro Embargados - Francisco Sá Barreto, s/mulher e a União Fe~
dera! Acórdão
Presumindo-se o direito de proprietário a quem tiver por si a transcrição do título no Registro Geral de Imóveis, sem prova em contrário capaz de afastar aquela presunção iuris tantum o referido título, ilustrado por outros detalhes, basta para legitimar a demarcatória OU a orientação de marco que se pretenda.
O Decreto-lei n.o 893, de 1938, no caso, não controverteria, por si só, o direito de quem o tives~ se: na espécie, presume-se que a dos embarg9.dos não s·ofreu decesso ou dúvida resultante de preceitos daquele diploma.
Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n.o 342, já em embargos ao'
Acórdão, tudo dêste Distrito F~ deral, sendo embargantes os espólios de Manoel Lopes Ferreira e
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de D. Cândida Arantes Lopes, e sendo embargados Francisco de Sá Barreto e sua mulher:
Acordam os Ministros componentes do Tribunal Federal de Recursos, em sessão plena, por maioria (voto divergente o do Sr. Min. Abner de Vasconcellos), em desprezar aquêles embargos, tudo conforme se fundamenta nas notas taquigráficas juntas.
Distrito Federal, 20 de Setembro de 1948. - Afrânio Antônio da Costa, Presidente; Artur Marinho, Relator.
Relatório
o Sr. Min. Artur Marinho (Relator) - Pelo venerando Acórdão de fls. 385, cujas notas taquigráficas fundamentadoras são as de fls. 357 e seguintes, a maioria da Egrégia Primeira Turma (voto vencido o do eminente Sr. Min. Armando Prado, Revisor) confirmou a sentença do Juízo a quo) proferida a fls. 303 a 312, julgando procedente a demarcatória entre partes.
Foram opostos embargos de nulidade e infringentes, tudo nos têrmos do consignado a fls. 388 a 392. Os embargantes propugnam pela exclusão do julgado superior e, conseqüentemente, pelo do Juízo a quo, pretendendo a prevalência do douto voto vencido ao alto mencionado. Em substância: continuam os embargantes, réus na ação, a sustentar que os embargados, autores no procedimento, não têm direito à demarcatória porque os títulos de propriedade com que se apresentaram não têm suficiente idoneidade para o pretendido. :í!:sse ponto prevaleceu no voto
restaurado, visto como entendeu seu emérito prolator, falta àqueles títulos notícia apropriada do encadeamento histórico que os firmaria intrinsecamente; e ainda porque êles perderam todo valor, ex vi de normas contidas no Decreto-lei n.o 693, de 1938. Enquanto assim sustentam os votos vencedores do eminente Relator, Sr. Min. Cunha Vasconcellos, e do provecto Sr. Min. Sampaio Costa, que, conforme documentário adequado, os embargados provaram domínio porque demonstraram que aquêles títulos estão regularmente transcritos no Registro Imobiliário: presunção-prova de domínio, preponderante, porque juris tantum, sem prova em contrário. Que, enfim, no pertinente ao relacionado com as normas do Decreto-lei citado, a interessada direta (União Federal) não tem reivindicação a conduzir. Essa última afirmativa é, aliás, reiterada pela emérita Subprocuradoria-Geral da República que, em Parecer específico, propugna pela manutenção do Acórdão ora em causa (fls. 397).
Creio que isso condensa os pontos nucleares da decisão por tomar.
É o Relatório.
Aditamento ao Relatório
O Sr. Min. Artur Marinho (Relator) - :í!:ste é o Relatório e, como condensei, a matéria debatida ou em controvérsia, é exclusiva no tocante ao fundamental: saber se o título de propriedade dos autores basta ou não para justificar a demarcatória. Foi junto o título de transcrição no Registro Imobiliário. Os doutos Juízes que apoia-
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ram a sentença a quO' entenderam que esta era bastante, enquanto que o Sr. Min. Armando Prado, voto vencido, exigia não só a certidão do registro no cadastro imobiliário mas, também, que fôsse feito o histórico da propriedade demarcada. Esta é a controvérsia de fundo e a outra é a de que o Decreto 893, de 1938, acêrca da regularização de terras da propriedade Santa Cruz, também estava em causa, não assumindo caráter de maior porque a própria União entendeu que não tinha interêsse direto no assunto, visto como propugnou pela confirmação da sentença, na causa, e propugnou pela confirmação do Acórdão embargado, na mesma causa. Êstes são os dois pontos, um dos quais bem destacado, a debater. E dou por findo o Relatório.
Voto
o Sr. Min. Artur Marinho (Relator) - Sr. Presidente, o advogado da parte embargante, relativamente a fatos, na tribuna, foi exato. Quando o advogado dos embargados resumiu o ponto de vista de seu ilustre opositor o fêz com fidelidade, arrolando duas questões fundamentais, as quais eu já destacara no Relatório, acrescentaoo.o uma terceira que, no momento, a sua memória não ajudou a fixar. Fixo-a eu, que prestei atenção à tribuna. A terceira questão é nova e meramente ilustrativa, que é aquela que dizia respeito a uma ação iniciada e proposta ou aforada no dia 28 de Agôsto dêste ano pela Fazenda Nacional. Essa é a terceira questão ilustrativa.
Sr. Presidente, sempre fui, e tenho dito em vários votos e sentenças anteriores, um devoto da afirmativa de que a mera transcrição do Registro Imobiliário não basta para transmitir o dom'ínio ou para adquirir a propriedade. A meu ver, sempre a validade intrínseca dos titulas é que autoriza a legitimidade ou transferência do domínio. E nós temos um desvio da normalidade até certo ponto na disposição do Código Civil, a respeito da matéria que é bem sabido de que a disposição do Código Civil foi transplantada para o Direito Brasileiro pelo eminentíssimo Clóvis Bevilacqua, do Código Civil Alemão. Ali. a propriedade se transmite realmente pela inscrição ou pela transcrição do título no cadastro imobiliário, que vem de longa data, desde o tempo do registro latifundiário da Idade Média. E tão importante é o ato que se terceiro demonstrar que a propriedade não pertence ao autor e foi transcrito o título, nem assim recupera a propriedade, mas tão apenas perdas e danos, que tanto resolvem a situação. Todavia, no registro alemão, cada detalhe, por mínimo que seja, da propriedade, ou pequena que seja ela, pode ser fàcilmente esclarecido, desde o tempo do regime latifundiário da Idade Média. Compreende-se, portanto, a confiança absoluta e a contingência humana de uma afirmativa desta natureza no Código Alemão, que considerou três ou quatro vêzes centenários. Já outro tanto, não podemos dizer que acontece no Brasil, para onde foi transposto o princípio, porque todos nós sabemos de experiência
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própria, senão documentada, da insegurança e incerteza que vêzes surgem, como resultado das transcricões ou inscricões no Registro Im~biliário. Isto,· sem precisar fazer referência a elementos ou dados históricos que teríamos, em determinadas circunstâncias, que revelar que isto seria uma simpatia histórica e não jurídica, pelos primeiros que firmaram os princípios da territorialidade. Mas, também, não é permitido à Justiça negar que a lei é explícita quando esclarece que a transcrição importa na aquisição do domínio, embora costume eu dizer que transcrição de título é mero processo integrativo da aquisição da propriedade e do domínio. Aludi, também, daí a denominação que prefiro dar de processo inte<trativa da aquisicão da propriedade. Mas ve~ ai o tem pêra jurídico consistente em afirmar que se tem pela transcrição uma mera presunção de pertencer a propriedade a quem a transcreveu, prescrição juris tantum que admite prova em contrário.
Compreende-se, portanto. Votando, não me sinto credenciado para ferir de frente, desde que a parte embargante não ofereceu, nos autos, prova escorreita que bastasse para o domínio resultante da transcrição. É a primeira parte do voto.,
Admito que o título transcrito ou o documento que prova a transcrição, no caso particular de que se cogita, basta.
Tanto mais que ao longo de tôda a primeira fase demarcatória não se pode esclarecer que aquêle registro devesse ser pêsto de lado. E então, a meu ver, êle
basta para instmir o pedido demarcatório na aviventação de rumos que é, até certo ponto, no caso focalizado, o apoio do venerando Acórdão embargado.
Na questão pertinente a que se refere o Dec. n.o 893, de 1938, destaco o seguinte: aquela legislação de 1938 visou a regular a situação dos ocupantes de terras da antiga Fazenda Santa Cruz, propriedade histórica da União. Então aquêles que ocupassem indevidamente ditas terras, apresentariam títulos, em que se funda seu direito, a uma das Comissões Especiais para exame, que liberaria ou declararia se as terras ocupadas faziam parte ou não do domínio da União. Isto jamais se fixou e determinou. Milhares de casos foram estudados e examinados. Tenho, no voto que estou proferindo, o direito de presumir que as terras questionadas ou demarcantes não foram tôdas controvertidas no tocante ao que fôsse dos embargantes, dos réus ou partes embargantes da União. Até porque há pouco o Subprocurooor-Geral da República, em duas fases diversas neste processo: a primeira, ao proferir seu Parecer quando opinou ao tempo em que o caso estava para ser julgado como recurso de apelação, e assinalou os interêsses da União na demarcatória; pela segunda, quando opinou sôbre os embargos aos Acórdãos, S. Ex.a se referiu a seu ponto de vista, pelo Parecer de fls. 397, a que me reportei no meu Relatório.
Portanto, opinando mais uma vez, em sentença a quo, pela confirmação do Acórdão da Egrégia Primeira Turma, quanto a afir-
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mar a parte que a União veio propor uma ação ou iniciá-la no dia 20 de Agôsto dêste, pode haver um choque - convenhamos em que até certo ponto há mesmo - entre os pontos de vista da União, ou pelas coletas de dados novos ou revendo os pontos de vista anteriores, teve de reivindicar ° que fôsse seu. Mas em primeiro lugar não está documentado nos autos. Em segundo lugar, a propositura da ação não basta para que se diga que o direito é desta ou daquela. Há quando muito na forma do art. 76, do Código Civil, uma presunção de legitimidade de interêsses para aforar a demanda. São êstes os argumentos e não há prova que venha contrariá-los, não só o título como a pretensão que resulta dêste processo. Em conseqüência dêste ponto de vista que resumo, para minha consciência, o necessário para aboná-la, prefiro não proferir, mas a meu ver, como dever de ofício, adotar os dois votos vencidos do Min. Relator, os eminentes Mins. Cunha Vasconcellos e Sampaio Costa, que tiveram o cuidado especial de pedir vista dos autos para só proferir seu voto na sessão subseqüente.
Quanto à controvérsia apanhada pelo caminho, resultante de parecer que porventura tenha dado o Min. Djalma da Cunha Mello, lembro que S. Ex.a pode ter opinado em uma situação como opinou, mas opinou como representante da parte e não como Juiz. Na situação em que se encontra, na qualidade de Ministro e pelas circunstâncias, tinha sido vencido, porque no Decreto n.o 9.893 se acha a prova de que S. Ex.a ti-
nha proferido como representante da União.
O Sr. Min. Rocha Lagoa - Pediria ao ilustre Sr. Min. Relator uma informação. A data em que teria sido feita, no Registro Imobiliário, a transcrição dos títulos, foi anterior ou posterior ao Código Civil?
O Sr. Min. Artur Marinho -Os títulos vêm sendo transcritos em diversas datas. Uma delas - a mais marcante de tôdas - é a de 1935: "Desmembrados da antiga Fazenda Paciência, na Estação do mesmo nome, lotes oito, nove e dez. Confrontações e caracterÍsticos dos imóveis: Terreno desmembrado da antiga Fazenda Paciência". (fls. 300).
O Sr. Min. Rocha Lagoa -Êsse título abrange tôda a área? Não há nenhum título transcrito antes do Código Civil?
O Sr. Min. Artur Marinho -Antes do Código Civil, velhos títulos que, vamos dizer, remontam a 1797 - e sab~damente os registros em causa foram mais ativados a partir de 1860 ou 1864 (leis ponto de partida) . quando pequenos negócios parCIaIS vinham sendo anotados para conhecimento de terceiros.
Voto
O Sr. Min. Abner de Vasconcellos (Revisor) - Trata-se de uma demarcação em que, sendo evidente o interêsse patrimonial da União, os autores não lhe pediram a citação. Somente após a contestação foi que, ouvido o representante da União, salientou o seu interêsse na causa, de que decor-
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reu a remessa dos autos para o Juízo da Fazenda Pública.
A ação correu cheia de irregulaJri.dades comprometedoras. Os autores pediram uma aviventação de limites na parte de sua propriedade que confina com a dos réus. Entretanto, sua argumentação na inicial é de quem pretende grande deslocação da área territorial, o que só se consegue por uma ação em que se peça, com a demarcatória, a reivindicação de terrenos em poder alheio.
][sto, porém, não constituiu objeto de pedido direto. E como os réus revidaram pedindo a reVlsao dos limites e recuperação de terrenos, usaram da técnica processual da reconvenção, repelida pelos autores e negada pelo Juiz a quo, por não admiti-la a ação de demarcação.
De fato, a forma era imprópria, mas se se atendesse à peculiaridade da ação, de ser dúplice, em que as partes ocupam simultâneamente o papel de autores e de réus, ter-se-ia visto ser também legítima a atitude de opor aos promoventes, na contestação, o pedido reivindicatório. Corrigir-se-ia o lapso de técnica, quanto à reconvenção, mas não se teria eliminado a faculdade processual de basear-se a defesa dos réus na reivindicação. Há, portanto, na ação, uma situação de desequilíbrio entre partes que têm a mesma representação - de um poder reivindicar sem ser reivindicada. E quando tal ocorre, fica comprometida a igualdade jurídica dos que litigam, e nulo o processo por infringência substancial do direito de defesa.
Acrescente-se a isto a circunstância de que a União foi prejudicada em sua defesa, sem que isso pudesse ser evitado com o aforamento da causa no seu Juízo privativo, já fora do momento próprio para a contestação. ~sses três defeitos do processo tornam inválida a ação e obsta a que os autores realizam, sob a capa dt! aviventação de limites, uma demarcação reivindicatória, com sacrifício do direito dos réus e da União.
Fico, data venia, com o brilhante e erudito voto do eminente Min. Armando Prado, e que é uma peça de destaque na jurisprudência da demarcatória. Nessas condições, recebo os embargos para decretar a nulidade da ação proposta.
Vista
o Sr. Min. Macedo Ludolf -Sr. Presidente, dada a relevância da matéria, e tendo em vista a divergência surgida, peço vista dos autos.
Voto
o Sr. Min. Sampaio Costa -Sr. Presidente, peço a palavra pela ordem. Não proferi, desde logo, meu voto, porque adoto sempre o sistema de, em havendo pedido de vista, aguardar. No entanto, havendo o Sr. Min. Cunha Vasconcellos se manifestado e não encontrando motivos que me levem a modificar meu pronunciamento anterior, passo a proferir meu voto.
Como o provecto Sr. Min. Artur Marinho teve a bondade de
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assinalar, pedi vista dos autos -por ocasião do julgamento da Primeira Turma - em virtude de se encontrarem, então, em divergência, os Srs. Mins. Relator e Revisor. Do exame que fiz dos autos, cheguei à evidência de que era de se confirmar a sentença de Primeira Instância e acompanhei, por conseguinte, o ponto de vista do Sr. Min. Relator. Nesse meu voto, que se encontra nos, autos, esclareci, suficientemente, as razões de meu convencimento.
De forma que, mantenho o meu voto, nos têrmos precisos em que o elaborei, para o fim de rejeitar os embargos opostos por sua manifesta improcedência.
Voto
o Sr. Min. Cunha Vasconcel1os Sr. Presidente, mantenho o
voto proferido, como Relator, por ocasião do julgamento da Turma.
Entendi tôda a matéria estudada com alta proficiência pelo Juiz de Primeira Instância. Às razões de seu pronunciamento alinhei considerações que levaram a Turma a manter a decisão. Os embargos nada trouxeram aos autos digno de exame, nem me conduzem a modificar meu pensamento.
A União Federal, conforme salientou o nobre Min. Relator, nada alegou em apoio de seu direito. Ao contrário, sustentou a situação dos embargados. A circunstância superveniente de haver a União proposto uma ação, ainda o mês passado, sôbre terras em que estaria incluída a área de que tratam os embargos, não obstante o crédito que devem me-
recer os advogados, quando fazem afirmações perante Tribunais, não me parece, Sr. Presidente, que possa ter influência na decisão a ser proferida no recurso, porque, evidentemente, êste Tribunal não vai prejulgar causa que ainda está na Primeira Instância.
Considerando o exposto e as razões alinhadas pelo nobre Rel-stor, Min. Artur Marinho, desprezo os embargos para manter o Acórdão.
Decisão
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Foi adiado o julgamento por haver pedido vista o Sr. Min. Macedo Ludolf, depois de haverem votado, desprezando os embargos os Srs. Mins. Relator, Cunha Vasconcellos e Sampaio Costa, recebendo-os para anular a ação ab initio o Sr. Min. Abner de Vasconcellos. Impedidos os Srs. Mins. Djalma da Cunha Mello e Elmano Cruz . Usaram da palavra o advogado Letácio J ansen, por parte dos embargantes, e o advogado Jayme Soares de Souza Castro, pelos embargados.
Preliminar. de Impedimento
o Sr. Min. Macedo Ludolf -Tenho um ponto preliminar, que é o seguinte: como Juiz de Primeira Instância, então funcionando na s.a Vara Cível desta Capital, tive ocasião de funcionar neste processo e me pronunciei, a fls. 321 a 321 v., no sentido de reconhecer o interêsse da União na causa, embora isto não houvesse sido suscitado, e então me dec1a-
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rei incompetente, determinando o envio dos autos a uma das Varas da Fazenda Pública desta CapitaL É uma questão de competência, mas, encarando o assunto, eu me deparo, desde logo, com o art. 26, n.o I, letra b, do nosso Regimento Interno, que diz: (lê).
O nosso Tribunal, em casos idênticos anteriores, há entendido que o impedimento do Juiz decorre somente da circunstância de ter o mesmo proferido decisão em Primei.ra Instância, solução que acolill com restrição, eis que, pelo Regi.mento, quer-me parecer que basta o funcionamento em Primeira Instância para determinar o impedimento em Segunda Instância. Acabei, afinal, acompanhando o entendimento da maioria. Mas surge, agora, essa situação de existir uma decisão minha, sôbre o aspecto de competência. Na ocasião se discutia interêsse da União, interêsse êsse que era debatido por uma das partes em litígio, atitude que se veio mantendo até o término da causa. Não quero contribuir para um vício, uma irreguliari.dade no julgamento. De sorte que, ventilando a questão, gostaria de ouvir a opinião dos meus eminentes colegas. É um ponto que surge e será bom o pronunciamento do Tribunal sôbre isso.
P'reliminar de Impedimento
o Sr. Presidente, Min. Afrânio Antônio da Costa - O Sr.' Min. Macedo Ludolf ventila uma questão de impedimento. Atendendo à solicitação de S. Ex.a vou submeter o assunto ao Tribunal.
Preliminar de Impedimento
Voto
o Sr. Min. Sampaio Costa -Sr. Presidente. Em se tratando de despacho simples, sem maior repercussão no feito, não vejo motivo para impedir-se o Juiz que o proferiu, quando funcionando na Primeira Instância, de tomar parte no julgamento por êste Tribunal, se nêle tiver assento em caráter efetivo ou como substituto.
S. Ex.a, o Sr. Min. Macedo Ludolf, esclarece, no entanto, que proferiu uma decisão e não simples despacho.
Entendo,por isso, que há impedimento de S. Ex.a, na forma regimental.
Preliminar de Impedimento
Voto
o Sr. Min. Rocha Lagoa -Acompanho o Sr. Min. Sampaio Costa.
Preliminar de Impedimento
Voto
o Sr. Min. Cunha Vasconcellos - Sr. Presidente. Não vejo impedimento legal. Entretanto, admito que, além dos casos de suspeição definidos na lei e de impedimentos decorrentes da lei, há aquêles de fôro Íntimo. Entendo que fica a critério do próprio Juiz tomar deliberação. A meu ver, falta autoridade ao Tribunal para se pronunciar. Impedimento não há.
Voto, assim, no sentido de que fique ao critério do próprio Juiz.
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Preliminar de Impedimento
Voto
o Sr. Min. Artur Marinho -Não conheço do impedimento como operante, sobretudo quando o então Juiz da s.a Vara Cível, hoje Min. Macedo Ludolf, foi pela competência do Juiz da Fazenda Pública, que, afinal de contas, foi que venceu.
Preliminar de Impedimento
Voto
o Sr. Min. Abner de Vasconcellos - Sr. Presidente. Em geral, as leis de organização judiciária dispõem no sentido do impedimento do Juiz funcionar numa instância quando, na inferior, tenha se manifestado a respeito. Entretanto, os Tribunais distinguem conforme as circunstâncias. O impedimento, de fato, só se verifica quando o Juiz se manifestou quanto ao mérito da questão ou, de qualquer forma, que possa ter comprometido o seu pensamento.
Ora, o Min. Macedo Ludolf despachou, nos autos, a respeito da competência local, ou federal, para a causa. Isto não afeta de maneira alguma o mérito da questão.
O Sr. Min. Rocha Lagoa -Mas a matéria poderia ter sido renovada na Justiça Federal.
O Sr. Min. Abner de Vasconcellos - Como isso não pode influir no mérito, não vejo como considerar S. Ex.a impedido.
O Sr. Min. Macedo Ludolt -Conforme pedido de vista na ses-
são anterior, li os autos com a devida atenção e, não obstante as considerações sempre judiciosas do nobre Min. Abner de Vasconcellos, não me parece, data venia, que o voto divergente de S. Ex.a
condense a melhor solução da questão.
Em primeiro lugar, cumpre destacar que o argüido interêsse da União Federal, sem que houvesse o seu chamamento a Juízo, quando foi da propositura da causa, passou a constituir objeto de exame preferencial, na fase do despacho saneador, determinando-se, então, de acôrdo com o disposto no Código de Processo Civil, art. 91, a citação da mesma União, para vir integrar a contestação, o que realmente se verificou a fls. 329, e isto depois de estarem os autos em Vara Privativa da Fazenda Pública, para onde haviam sido remetidos, por deslocamento de competênci.a.
Daí por diante, o feito correu normalmente, assegurando-se a todos os litigantes a mais ampla defesa, consistente apenas nos debates que se travaram, eis que a produção de provas não foi assunto de cogitação na devida oportunidade, segundo se vê da deci.são a fls. 377, que passou em julgado, à falta de interposi.ção de recurso próprio.
Por outro lado, não se vi.slumbra impropriedade de ação, como suponho ter sustentado o douto voto a que venho de aludir e ao qual empresto a homenagem do meu respeito e acatamento.
A demarcatória, em realidade, competindo a todo propri.etário contra seu confinante, para fixar até onde se estende o domínio de
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cada um - é evidente que compartilha dos efeitos da reivindicação, pois obriga o invasor a restituir o terreno invadido ou usurpado, na confusão de limites.
É ponto êsse incontroverso, quer na doutrina, quer na jurisprudência.
Inócua, por conseguinte, a reconvenção oposta pelos réus, com caráter reivindicatório, tendo-a repelido acertadamente o Juiz a quo, o que fêz, aliás, baseado na preceituação clara do citado Código de Processo, art. 192, n.o V, de onde deflui a inadmissibilidade da medida reconvencional nas ações que versarem sôbre imóveis ou direitos a êles relativos.
Não há, pois, que falar em nulidade, que, sôbre não estar formalizada ou articulada nos embargos em aprêço, ainda ocorre que a mesma somente é decretável, à vista da sistemática vigorante no nosso direito adjetivo, quando fundada na existência de prejuízo, não verificado na hipótese, sob qualquer aspecto.
O que está apurado, segundo realçou o ilustre Min. Relator, é que os títulos de propriedade exibidos pelos autores, ora embargados, subsistem em sua integridade, desde que nenhuma prova infirmativa dêles ofereceram os réus, ora embargantes.
Aquêles títulos e respectivos registros, como reconheceu a própria União Federal, interessada no litígio, são suficientes para dar lugar à demarcação pretendida (fls. 346 e 397), cuja finalidade está em traçar ou aviventar rumos na linha limítrofe entre as propriedades litigiosas, atenden-
do-se à extensão do direito de domínio dos confrontantes.
Os embargos não trouxeram nenhuma matéria nova capaz de influir sôbre os votos vencedores no respeitável Acórdão embargado, limitando-se a reeditar os argumentos anteriores, com apoio na fundamentação do voto vencido que emitira o eminente Min.. Armando Prado, voto êsse que, conquanto substancioso e erudito, não se ajusta, no meu sentir, à realidade jurídica do caso concreto.
Nestas condições, manifesto-me de acôrdo com o Sr. Min. Relator, para ter Como improcedentes os embargos de que se trata.
Vista
o Sr. Min. Rocha Lagoa Peço vista dos autos.
Decisão
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: pelo Sr. Min. Macedo Ludolf foi levantada uma questão de ordem solucionada pelos votos dos Srs. Mins. Cunha Vasconcellos, Artur Marinho e Abner de Vasconcellos, contra os dos Srs. Mins. Rocha Lagoa e Sampaio Costa, entendendo-se não haver impedimento para o Sr. Min. Macedo Ludolf participar do julgamento. No mérito, foi adiado por haver pedido vista o Sr. Min. Rocha Lagoa, votou o Sr. Min. Macedo Ludolf desprezando os embargos. Impedido os Srs. Mins. Djalma da Cunha Mello e Elmano Cruz.
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Voto
o Sr. Min. Rocha Lagoa - Senhor Presidente, foi proposta uma ação demarcatória por Francisco Sá Barreto e sua mulher, alegando serem senhores e possuidores de um imóvel desmembrado da antiga Fazenda da Paciência, que por sua vez constitui desmembramento da Fazenda da Pedra, que foi de propriedade da Ordem Carmelitana Fluminense e está nos limites da Fazenda do Piahy, desmembrada da Fazenda de Santa Cruz, CJlue pertenceu aos padres da Companhia de Jesus.
A linha que se vai aviventar, portanto, é a linha antiga de rumos entre a Fazenda da Pedra, pertencente à Ordem Carmelitana Fluminense, e a de Santa Cruz, outrora de propriedade dos padres da Companhia de Jesus.
Instruiu com uma planta. O processo seguiu seus trâmites normais, embora com incidentes, entre os quais o desaparecimento do 1.0 volume dos autos. Há remessa dos autos àquela Comissão especial destinada a apreciar os títulos dos proprietários de terrenos que tenham pertencido à Fazenda de Santa Cruz, e, afinal, foi proferida a sentença pelo nosso colega Elmano Cruz, que julgou procedente a ação intentada, "para efeito de determinar que se proceda à demarcação limítrofe entre as Fazendas da Paciência, na parte adquirida pelos autores, e Fazenda de Piahy, pertencente ao espólio-réu, na conformidade dos títulos de domínio constante dos autos, plantas e demais documentos úteis à fixação dos rumos, procedendo-se ao rateio das custas e
despesas judiciais, na forma da lei" .
Os espólios de Manoel Lopes Ferreira e sua mulher recorreram dessa decisão, com a qual não se conformavam, alegando não estar esclarecido o histórico da propriedade, faltando domínio regular dos autores, quanto às terras que se pretende demarcar, afirmando, mesmo, que o registro imobiliário fôra fraudulento, eis que envolvia falsidade ideológica. Concluem pedindo provimento do seu agravo no auto do processo e de suas reclamações, para que se façam (fls. 325): "1.0) - a perícia; 2.°) - a obrigação de juntada pelo autor de seus títulos anteriores; 3.°) - O seu depoimento pessoal; 4.°) - a verificação da impossibilidade do levantamento da linha que o autor pretende, sem invasão de Piahy, sem invasão, em seu prolongamento, de terras de Fazenda Nacional."
Vindos os autos, foram contra-arrazoados. O Subprocurador-Geral da República reportou-se ao Parecer de fls. 346, que fôra proferido pelo eminente Themístocles Cavalcanti, então Procurador-Geral da República, eis que os autos foram enviados diretamente àquela Co lenda Côrte Judiciária. S. Ex.a diz (fls. 346): "Eventual é o interêsse da União neste processo. Trata-se de uma demarcatória em sua fase preliminar, onde se discute se a prova do domínio é ou não necessária ao processo de demarcação.
Conquanto não se me afigure dispensável a prova do domínio, não é preciso, entretanto, uma prova tão completa como seria
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exigida, por exemplo, em uma reivindicatória .
A sentença apelada demonstrou, com muita lógica, que esta prova foi suficientemente feita e, se alguma contestação a ela pode ser oposta, não é a demarcatória a ação própria.
Estou, portanto, pela confirmação de decisão de fls. 455 e seguintes, para que, feita a demarcação, verifique-se a invasão ou não pelos litigantes da Fazenda Nacional de Santa Cruz, secularmente da União."
Aqui, os autos foram à Primeira Turma, que, por maioria, confirmou a decisão. Foi Relator o Min. Cunha Vasconcellos, ficando vencido o Min. Armando Prado que proferiu longo e luminoso voto. S. Ex.a entende não estar provado o jus in re dos autores. Opostos os embargos infringentes foram apreciados em outra assentada. Daí o meu pedido de vista.
Sr. Presidente, o punctum saliens da controvérsia existente nestes autos é o alcance do registro imobiliário. Sustentam os ora embargantes que os títulos que os autores e seus antecessores teriam levado ao registro imobiliário, são títulos ideologicamente falsos e, por conseguinte, é na primeira fase demarcatória que se há de esmiuçar se êles têm ou não domínio. Devem trazer todos os títulos dos seus antecessores para, então, poder demarcar. E saliento a grande importância disso porque há uma determinada área, com certo número de braças, que não se sabe bem se fica à direita ou à esquerda do imóvel. Tôda controvérsia gira exatamente em tôrno disso.
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Sr. Presidente, tenho voto conhecido, em sentido contrário, a respeito. Trouxe aqui a jurisprudência do Tribunal de Apelação. No volume XI, a fls. 46, encontra-se um Acórdão que foi por mim relatado, cuja ementa é a seguinte: "Conforme o disposto no art. 859, do Código Civil, presume-se pertencer o direito real à pessoa em cujo nome se inscreveu ou transcreveu. A prova do direito real decorre, no caso concreto, da transcrição em nome dos terceiros embargantes no Registro de Imóveis, e só poderá ser destruída por meio de ação própria, se fôr ordenado por sentença o cancelamento da transcrição, caso fique provada a má-fé dos terceiros adquirentes a título oneroso."
Não tenho porque alterar o meu ponto de vista. É sabido que, em doutrina, há duas correntes, uma encabeçada pelo Prof. Soriano Neto, de Pernambuco, em seu livro Registros Imobiliários, em que S. Ex.a sustenta que essa presunção do art. 859 é uma presunção juâs tantum. A outra doutrina, no entanto, mais numerosa, encabeçada por Filadelfo de Azevedo, Arnaldo Medeiros, Almeida Prado, que sustentam que esta presunção é juris tantum em relação aos adquirentes e vendedores, mas jure et jure em relação a terceiros. Filio-me a essa segunda corrente. Entendo que só por meio de ação própria é que se pode atacar o registro imobiliário. Ali é que se há de fazer a prova de que o registro fôra fraudulento. No caso em aprêço, os réus sustentam que os autores não
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têm direito de pedir a demarcatória, porque seus titulos são falsos. Mas êsses titulos estão acobertados pelo art. 859 do Código Civil.
De sorte que, por êsse fundamento, rejeito os embargos, por julgá-los improcedentes, mantendo o Acórdão embargado.
Decisão
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Foram desprezados os embargos contra o voto do Sr. Min. Abner de Vasconcellos que os recebia para anular ab initio o processo. Impedidos os Srs. Mins. Djalma da Cunha Mello e Elmano Cruz.
APELAÇÃO CíVEL N.O 342 - DF.
Relator - O Ex.IDO Sr. Min. Cunha Vasconcellos Filho Apelantes - Os Espólios de Manoel Lopes Ferreira e D. Cân
dida Arantes Lopes Apelados - Francisco Sá Barreto Costa, s/mulher e a União
Federal
Acórdão
É preciso pôr têrmo à ocupação de terras da Fazenda Nacional por meio de títulos inequívocos.
Vistos, relatados e discutidos êstes autos da Apelação Cível n.o 342, em que são apelantes os espólios de Manoel Lopes Ferreira e Cândida Arantes Lopes, sendo apelados Francisco Sá Barreto Costa e sua mulher:
Acordam os Juízes da Primeira Turma, por maioria, em negar provimento ao recurso, desprezadas as preliminares, para o efeito de confirmar a decisão recorrida pelos fundamentos constantes das notas taquigráficas anexas.
Rio de Janeiro, 16 de Dezembro de 1947. - Armando Prado, Presidente; Cunha Vasconcellos Filho, Relator.
Relatório
O Sr. Min. Cunha Vasconcellos (Relator) - No Juízo da 5.a Vara
Cível desta Capital, Francisco Sá Barreto Costa e sua mulher, Izinia Colaço Barreto Costa, propuseram contra os espólios de Manoel Lopes Ferreira e de sua mulher, Cândida Arantes Lopes, ação de demarcação para o efeito de aviventar e definir a linha limítrofe entre as fazendas Paciência, de propriedadé dêles autores e Piahy, de propriedade dos espólios. Com a contestação veio a reconvenção a fls. 91 do 1.0 volume, que foi contestada a fls. 114. Pelo despacho a fls. 164 v., admitindo eventual interêsse da União, mandou o Juiz ouvir o Dr. 5.0 Procurador Regional da República, que opinou, em seguida, no sentido da existência dêsse interêsse (fls. 166 e 170). Reconhecendo-se incompetente, o Dr. Juiz da 5?
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Vara Cível mandou remeter os autos ao Juízo da Fazenda pú· blica, cabendo, por distribuição, ao da l.a Vara (fls. 178).
Aquêle mesmo Procurador, já agora através do pronunciamento do nosso atual colega, Min. Djalma· da Cunha Mello, então em exerClClO interino, opinou, às fls. 180 e 181, no sentido de serem os autores declarados carecedores da ação, sustentando, aliás, o entendimento já manifestado pelo titular efetivo do cargo. E porque se falou na Fazenda Nacional de Santa Cruz, houve por bem o Juiz Substituto, com exercício na l.a Vara da Fazenda, em mandar ouvir a Comissão criada pelo Decreto-lei n.o 893, de 26 de Novembro de 1938 (fls. 182). Tal Comissão opinou às fls. 196 a 211. Conclusos os autos, veio o despacho saneador de fls. 226, de autoria do Dr. Elmano Cruz, então em exercício naquela Vara. E pelo titular, em seguida, foi marcada a audiência de instrução e julgamento, que não chegou a realizar-se pelos motivos constantes de fls. 264. Novamente marcada realizou-se, afinal, dita audiência, estando, novamente, com exercício na Vara, o então substituto, Dr. Elmano Cruz.
Nessa audiência, preliminarmente, o advogado dos apelantes insistiu no depoimento pessoal do autor, conforme pediu anteriormente, requerendo expedição de precatória à Justiça do Estado de Pernambuco, onde estava residindo o autor, a fim de que se produzisse, ali, seu depoimento. O Juiz indeferiu tal pedido "por tratar-se de matéria que deva ser decidida em face dos títulos de
domínio que se dizem em conflito, em nada poderá influir, na extensão e limites dos direitos reais controvertidos, o depoimento pessoal da parte. Além disso, tal prova não foi detenuinada nem defluída no despacho saneador de fls. 377 e 378, do qual, aliás, não foi interposto qualquer recurso, tendo, assim, conforme jurisprudência assente, transitado em julgado quanto a questões que fogem a seu objeto" (fls. 283 e 283 v.).
A fls. 286 há um têrmo de agravo no auto do processo, e dêsse têrmo consta que tal recurso era interposto "dos despachos proferidos na audiência de hoje, relativamente ao indeferimento dos requerimentos feitos por parte dos seus constituintes", ou seja, dos ora apelantes.
Proferiu, por fim, o Juiz, a longa sentença a fls. 303 e seguintes, pela qual julgou a ação procedente para o fim de determinar se procedesse a demarcação da linha limítrofe entre as fazendas Paciência, na parte adquirida pelos autores e Piahy, pertencente aos espólios apelantes, na conformidade dos títulos de domínio constantes dos autos.
Apelaram os espólios a fls. 316 e seguintes, fundamentando, nesse momento, o agravo tomado por têrmo a fls. 286. As razões dos apelados estão às fls. 331 a 334. O Dr. Procurador Regional da República falou a fls. 341.
Subindo os autos ao Egrégio Supremo Tribunal Federal, ali o Ex.mo Sr. Dr. Procurador-Geral da República ofereceu o Parecer de fls. 346, nos seguintes têrmos: "Eventual é o interêsse da União
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neste processo. Trata-se de uma demarcatória em sua fase preliminar, onde se discute se a prova do domínio é ou não necessária ao processo de demarcação.
Conquanto não se me afigure dispensável a prova do domínio, não é preciso, entretanto, uma prova tão completa, como seria exigida, por exemplo, em uma reivindicatória.
A sentença apelada demonstrou, com muita lógica, que esta prova foi suficientemente feita e, se alguma contestação a ela pode ser oposta, não é a demarcatória ação própria.
Estou, portanto, pela confirmação da decisão de fls. 455 e seguintes, para que, feita a demarcação, verifique-se a invasão ou não, pelos litigantes, da Fazenda Nacional de Santa Cruz, secularmente da União."
~ste Parecer foi Ex.mo Sr. Dl". (fls. 350).
Voto
subscrito pelo Subprocurador
o Sr. Min. Cunha Vasconcellos (Relator) Cumpre decidir, preliminarmente, o agravo no auto do processo. Como se expôs no Relatório, êsse recurso foi interposto contra o indeferimento de requerimentos feitos pelos ora apelantes, na audiência de instrução e julgamento. Ao que se vê do têrmo da audiência de fls. 283, êsses requerimentos consistiram: 1.0) num pedido de expedição de precatória para ser ouvido pela Justiça de Pernambuco o autor; 2.°) num pedido de requisição de processos administrativos.
o recurso não merece provimento. Fugindo aos imperativos do Código de Processo, os agravantes não precisaram, na contestação de fls. 90 a 92 v., as provas cuja produção se fazia necessária ao seu direito. Lê-se, nessa contestação, um protesto genérico por provas "admitidas em direito". Até o despacho saneador, conformada que foi a ação ao rito daquele Código, por não haver a vigência dessa lei atingido o momento mencionado no art 1.047 da nova lei processual, nem uma só vez manifestaram os agravantes seu propósito de ouvir, pessoalmente, o autor, como dizem.
O Juiz, no saneador, deixou de ordenar a produção de qualquer depoimento pessoal, certamente por entender desnecessário, frente à circunstância de envolver a querela matéria só de direito, como, aliás, acentuou e se mencionou. Demais, os então suplicados silenciaram diante daquela decisão datada de 25 de Fevereiro de 1943, até 19 de Janeiro de 1944, na audiência frustada a que se refere o têrmo a fls. 264, quando, em face do mandado a fls 265, extraído sem qualquer determinação do Juiz, pediram o mencionado depoimento.
Designada, a 13 de Março de 1944, nova audiência, ainda uma vez os agravantes silenciaram até o dia 20, quando pediram, pela petição a fls. 282, a intimação de Francisco de Sá Barreto Costa para prestar depoimento na audiência.
O exposto revela claramente a inoportunidade do requerido, não tendo havido, assim, qualquer agravo a ser reparado, isso por-
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que, quanto às requisições de processos, também não pedidas oportunamente, o Juiz justificou plenamente sua decisão.
Quanto ao mérito, a sentença do Juiz Elmano Cruz é a seguinte: (Ler de fls. 307, in fine, até fls. 311, quando se diz" ... sôbre os limites de sua propriedade.").
Nada tenho a acrescentar à douta sentença, para confirmá-la, como a confirmo, por seus jurídicos fundamentos.
Voto (Vencido)
o Sr. Min. Armando Prado (Revisor) - Alegando serem senhores e possuidores de uma vasta área de terreno desmembrada da Fazenda da Paciência, a qual, por sua vez, resultara da divisão da Fazenda da Pedra, de propriedade da Ordem Carmelitana Fluminense; alegando mais, que êsse imóvel está nos limites da Fazenda Piahy, antigo Engenho do Piahy, pertencente ao espólio-réu ora apelante, e é um trato de terra desmembrado da Fazenda Santa Cruz, que pertence ao patrimônio da Nação, os apelados, Francisco Sá Barreto Costa e sua mulher, propuseram a presente ação demarcatória com o propósito, segundo se diz na inicial, de aviventarem a linha divisória entre as duas porções de terra.
Asseveram, de início, que essa linha "parte de um marco colocado na Ilha de Guaraqueçaba, em demanda do Curral Falso, e daí segue ao Outeiro das Pedras", como consta de um memorial de medição, plantas e documentos que ofereceram com a inicial.
Que documentos são êsses? Parece que deviam ser os títulos do jus in re dos autores perfeitamente entrosados até a sua origem mais remota, e, circunstância capital para o caso dos autos, perfeitamente explícitos na descrição das linhas confinantes. Entretanto, não é isso o que aconteceu. Os títulos são todos referentes à Fazenda Piahy. Asseguram os autores que, ao ser desmembrada da Fazenda Santa Cruz, para ser vendida, a Fazenda Piahy, ou Engenho do Piahy, tinha exatamente como rumo com a Fazenda da Pedra a linha referida, a qual aparece nos autos com o nome de Linha de Guaraqueçaba.
Confesso que, ao ler a petição inicial do presente litígio, me causou espécie a substituição que os autores fizeram dos seus títulos pelos dos réus. É que sempre me pareceu que a boa solução da controvérsia, em ações da natureza desta de que estamos tratando, depende necessàriamente tio estudo que se possa fazer da filiação cronológica dos titulos do jus in re do autor e, o que é mais importante do que isso, do exame porfiado da caracterização do imóvel, sobretudo no concernente às suas linhas divisórias e aos seus confrontantes. Estudo idêntico se há de fazer com relação aos títulos dos interessados no pleito, de modo que a comparação dos vários elementos chegue a elucidar o assunto o mais completamente que seja possível. Por mais reiteradas que fôssem as reclamações dos espólios-réus, os autores sempre se negaram a fornecer ao processo o último elemento a que me referi, isto é, os títulos origi-
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nais do jus in re e, sobretudo, os traços da confinidade dos quinhões que adquiriram e que foram destacados da Fazenda da Paciência.
Esta ação foi proposta e contestada na vigência do antigo Código de Processo Civil e Comercial. Mas, depois, entrou a ser regulada pelo Código de Processo Civil ora em vigor. Por êsse motivo, os autores, pela petição de fls. 125, alegando que todos os documentos deviam ser apensos aos autos, antes do despacho saneador, quando, pela lei antiga, a juntada era possível na dilação probatória, ofereceram várias cópias de documentos para integração de autos suplementares, visto que o primeiro volume do processo havia desaparecido de Cartório. Não se encontram nesses autos os títulos de propriedade dos autores, com a descrição do imóvel e de suas linhas de divisa. Não a contém o documento oferecido por cópia a fls. 129, documento êsse a que oportunamente me referirei.
Com a petição de fls. 335 ou 186 (uso desta dupla indicação porque as fôlhas do segundo volume dos autos têm duas numerações), os autores apensaram ao processo a certidão de fls. 338 ou 189. ~sse papel apenas revela que, havendo o Oficial do Registro de Imóveis levantado dúvida sôbre o registro de um dos títulos de propriedade dos autores, por não ter sido apresentado o título anterior, foi o assunto submetido ao estudo do Sr. Dr. Promotor dos Registros Públicos, cujo trabalho, porém, se limitou à filiação dos documentos. Da cer-
tidão não consta aquilo que reputo indispensável para o esclarecimento do objeto que ora nos prende a atencão. Refiro-me à descrição do imÓvel e à indicação precisa e autêntica de suas limitações e de seus confrontantes, feitas por intermédio de uma série de títulos cada vez mais antigos e sempre bem concatenados.
A fls. 448 ou 296, os apelados juntaram certidão de uma escritura pública pela qual adquiriram alguns quinhões desmembrados da Fazenda da Paciência. A escritura é de 1935. A transcricão data de Outubro do mesmo ~ano. Os outorgantes vendedores disseram que haviam adquirido ditos quinhões em partilha julgada por sentença a 18 de Maio de 1934. Quanto a divisas e confrontações, a escritura limita-se às declarações feitas pelos alienantes. Com essa escritura, os títulos anteriores não foram apensos aos autos. Essa escritura e transcricão de 1935 era o único título que os apelados haviam juntado com a sua inicial, conforme verifica-se do despacho de fls. 445 ou 293. ltsse foi o documento que a Comissão criada pelo art. 2.°, do Decreto-lei 893, de 26 de Novembro de 1938, examinou e condenou, conforme a seu tempo se verá. Além de ser título recente, encerra uma individuacão do imóvel que não me satisf~z, para o. entendimento da espécie em aprêço, porque meramente atestada pelas referências verbais não documentadas dos interessados na transação.
Sem dados precisos e indubitàveis, portanto sem a comparação dêles com os dados fornecidos
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pelos títulos da outra parte litigante, não se pode, a meu ver, chegar a conclusões seguras quanto ao domínio dos autores nas áreas que entestam com as dos espólios-réus. O procedimento singular e estranho dos autores, não aduzindo à controvérsia a íntegra dos títulos em que dizem assentar-se o seu direito, mas procurando substituí-lo por pareceres da Promotoria dos Registros Públicos, viola, segundo me parece, o estatuído no Código de Processo Civil, art. 415, segunda alínea, e 422. No primeiro se diz que a ação de demarcação compete ao proprietário ou ao condomínio de um prédio contra os possuidores do prédio confinante; no segundo se ordena que, nas ações de divisão e de demarcação, a petição inicial seja instruída com os títulos de propriedade. Aqui há apenas repercussão da regra geral a que o citado Código, no art. 159, subordina a petição inicial da ação. Nem se diga que, não requerendo a absolvição da instância, nos têrmos do art. 201, I, do Código de Processo Civil, o procedimento do autor deixou de merecer corretivo. A absolvição da instância é uma faculdade, é um favor que a lei concede: o interessado não é obrigado a requerê-la nem ao Juiz é lícito dá-la ex oificio. A regra processual é a do prosseguimento e a da aplicação de outras sanções, que não ficam abolidas só porque a parte não se serviu do remédio que a lei lhe fornecia.
Esclarecido êste primeiro fato, passo a outro, não menos relevante. Não se trata, neste processado, de mera aviventação de ru-
mos. Trava-se aqui uma controvérsia muito grave acêrca da localização de uma grande área integrada na Fazenda Piahy e destacada da Fazenda Santa Cruz. No bôjo dêstes autos palpita vivaz uma questão de domínio e de posse que os autores pensam resolver a seu favor e contra os réus se, porventura, conseguirem a demarcação da Linha de Guaraqueçaba, objetivo de sua petição inicial.
A Fazenda de Santa Cruz foi confiscada dos jesuítas, seus primitivos donos. O Govêrno fracionou-a. Uma das suas parcelas, a Fazenda ou Engenho Piahy, foi posta em praça em 1806. Ao arrematá-la, Antônio José da Silva Braga subordinou o seu lance a uma condição que foi a de se acrescentarem ao primitivo engenho 630 braças de terreno, em vela latina, no fundo ou sertão das terras que êle adquiria. Medida e demarcada regularmente a área acrescida, entrou ela para o patrimônio do arrematante. É o que consta dos documentos existentes nos autos de fls. 94 v. a 97, e 348 ou 199, n.o 5.
Essa é a área cuja localização é disputada pelos litigantes. Com efeito, os espólios recorrentes sustentam que Francisco de Sá Barreto e sua mulher, apelados, pretendem esbulhar terras de Piahy, localizando-se nas 630 braças a leste da Linha de Guaraqueçaba (fls. 91 v. e plantas de fls. 106 e 107). Os seus adversários asseveram que a área acrescida só podia ser tirada da Fazenda Santa Cruz e nunca, como querem os recorrentes, da propriedade que pertenceu à Ordem Carmelitana
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Fluminense, da qual êles, apelados, se dizem sucessores nos quinhões que compraram (fls. 115, memorial de medição :de fls. 7 e plantas de fls. 22 e fls. 365 v. ou 214 v.).
O estudo comparativo do memorial de medição e das plantas acima referidas toma evidente as proporções e os intuitos do litígio. Declaram os autores, a fls. 365 v., ou 214 v., o seguinte: "O que se afirmou e se afirma é que a porção :disputada pelos réus, no local em que êles a colocam, como sendo o tal acréscimo das 630 braças, não constitui na realidade esta porção de terra e que, nestas condições, sendo ela noutro lugar, a terra tôda que os autores demonstraram ser sua jamais pertenceu à Fazenda Nacional e que, por isto, esta não tem intromissão neste feito".
O memorial de me'dição e as plantas a que já me referi desvanecem quaisquer dúvidas a respeito de que pretendem os autores. O memorial, a fls. 11 in tine, tem como locação das 630 braças a figura B' DEC, com a forma de vela latina. Acrescentando essa figura à do patrimônio do Piahy, chega a locar todo o imóvel do seguinte modo: A, B, D, E, C, e A é igual a A B' C (área do engenho) e mais B' D E C (área acrescida). Essas figuras aparecem na planta de fls. 22. As 630 braças, nessa planta, estão a oeste da área do Engenho de Piahy, porque, situá-la a leste, diz o memorial, seria invadir terras da Fazenda da Pedra, da qual se desligaram as da Fazenda da Paciência, sendo certo que a Fazenda da Pedra dividia com a Fazen-
da de Santa Cruz pelos rumos Guaraqueçaba-Curral Falso-Outeiro das Pedras. Eis porque os autores pediram, inicialmente, a demarcação dessa linha Com ela arrojariam as 630 braças para o ponto onde ela figura na planta de fls. 22, isto é, a oeste do Engenho do Piahy, e ficariam situados na parte leste, onde os espólios apelantes colocam a área acrescida, ora em litígio.
O ponto de vista dos espólios apelantes aparece grafado na planta de fls. 106. Ali se vê a linha de Guaraqueçaba que êles reputam imaginada com prejuízo de foreiros da Fazenda Nacional. A leste dessa linha está a área das 630 braças, divisando com as estâncias. da Pedra e da Paciência. Essa linha divisória coinci.de com a que é gizada pela planta cartográfica da Fazenda Naci.onal de Santa Cruz que o Ministério da Agricultura, dando execução ao disposto no art. 3.°, § 2.°, do Decreto-lei n.o 893, de 26 de Novembro de 1938, anexou aos folhetos que distribuiu em divulgação dêsse diploma legal, que fêz anteceder de considerandos, um dos quais é êste: é preciso jpÔr têrmo à ocupação indébita dessas terras (da Fazenda Nacional de Santa Cruz) pertencentes à União por títulos inequívocos.
A contenda sôbre domínio me parece, pois, evidente. Claro é que envolve interêsse não pequeno da Fazenda Federal, responsável aqui pela evicção (Cód. Civ., art. l.107). Com extraordinária insistência procuraram os apelados negar a realidade do interêsse nacional no caso em aprêço. Com igual teimosia, os espólios
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apelantes, depois de pedirem na contrariedade que os seus adversários fôssem havidos como carecedores da ação, invocaram o amparo do citado Decreto-lei número 893, do qual transfiro para êste voto os seguintes tópicos: "Art. 2.° - Os foreiros, arrendatários, ocupantes e quantos se julguem com direito a qualquer porção de terras na Fazenda Nacional .de Santa Cruz e em outros imóveis da União situados na Baixada Fluminense, ficam obrigados a exibir os títulos em que fundam o seu direito a uma das comissões especiais qúe, para êsse fim, serão nomeadas pelo Presidente da República.
Parágrafo único: A exibição dos títulos será feita dentro do prazo de três meses, marcado por editais publicados no Diário OficiaI e em dois jornais de grande circwação.
Art. 4.° - Não apresentados os títulos, ou não reconhecidos como legítimos, a União se investirá ipso facto na posse das terras, ressalvadas as preferências concedidas por esta lei.
Parágrafo único: Não caberá, em conseqüência do disposto neste artigo, ação judicial para reivindicação de domínio".
Interveio, nesta altura da pendência, o Ministério Público Federal, acentuando que a ação não podia prosseguir sem audiência da Comissão Especial Revisora de Títulos de Terras do Ministério da Agricultura, em face do Decreto-lei n.o 893 (fls. 166 ou 315, 170 ou 319). O processo passou da Vara Cível, onde fôra ajuizado, para a Vara da Fazenda Pública, em virtude de se ha-
ver declarado incompetente o Juiz do Cível (fls. 171 ou 320). Foi ter às mãos do Ex.mo Sr. Min. Djalma da Cunha Mello, ao tempo Procurador da República no Estado do Rio, em exercício interino na 5.a Procuradoria do Distrito Federal. No Parecer que enunciou a fls. 180 ou 329, o ilustre Magistrado declarou que, observando a planta anexa ao Decreto-lei 893, notava-se de modo inconfundível que as tellTas cuja demarcação se pedia estavam localizadas exatamente na zona considerada suspeita sendo, pois, de aplicar-se ao caso o art 2.° do Decreto-lei citado. Acrescentou que os autores não haviam atendido a essa indeclinável exigênFia, e forcejavam por negar que a mesma lhes dissesse respeito. Não podiam, em conseqüência, demandar em Juízo sôbre a posse e a propriedade das terras, antes de reexaminados pela Comissão competente os seus títulos, nos têrmos do art. 4.°, parágrafo único, do citado Decreto-lei. São ainda do aludido Parecer os seguintes períodos: "Nem se diga que a propriedade dos autores apenas confina com a Fazenda Santa Cruz, de vez que a ação de demarcação (C. P. C., art 415, 2.a
parte), compete aos que têm qualidade de proprietário, ou de condomínio, e é uma ação que prescinde da reivindicatória, por obrigar a restituição de tratos de terreno porventura usurpados na confusão de limites. Pelo exposto, está em evidência que a ação proposta pelos autores de tod.o equivale a uma reivindicatória ... Prevenindo, acautelando, o Decreto-lei 893 vedou a via judiciá-
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ria para o trato do que se objetiva neste processo.
O Parecer opinou no sentido de serem os autores julgados, ab initio, carecedores de acão e condenados nas custas, ress~lvando-Ihes o direito de intentarem uma nova ação, depois de se ajustarem às exigências da lei, se tanto lhes fôsse possível.
No despacho de fls. 331 v. ou 182 v., o MM. Juiz do feito, verificando que os títulos de propriedade dos autores não haviam sido examinados pela Comissão Revisora e, por êsse motivo, não tinham tido a sua legitimidade firmada de acôrdo com a Lei número 601, de 18 de Setembro de 1850, e Decreto n.o 1.318, de 30 de Janeiro de 1854, como mandava o art. 3.°, § 1.0, do Decreto-Iei n.o 893, achou que tais títulos "não poderiam em absoluto autorizar uma ação de demarcação, ex vi do art. 415 do Código de Processo Civil em vigor". Determinou, portanto, que se tomasse o parecer da aludida Comissão, devendo ela esclarecer se as terras em questão estavam ou não, total ou parcialmente, compreendidas na Fazenda Nacional de Santa Cruz.
Veio, em conseqüência, o Relatório que se encontra a fls. 346/ /197 e seguintes. Essa peça consigna que o espólio de Manoel Lopes Ferreira, réu nesta ação, se apresentava como proprietário da Fazenda Piahy, cujas terras foram julgadas pela Comissão legalmente desmembradas do patrimônio nacional. Em relação às terras dos autores, nenhum pronunciamento houve perante a Comissão no prazo legal, sujeitando-se, por
isso, os interessados, às penalidades cominadas no Decreto-lei 893, desde que ficasse provado pertencerem as mesmas à Nação. Os títulos apresentados pelos autores, no processo de demarcação em aprêço (o Relatório alude ao presente feito), são relativamente recentes em relação à Fazenda Paciência, de forma que não poderão elucidar o assunto. Uma fase da questão, que é ca;pital, diz ainda o Relatório, e que poderá produzir efeitos decisivos, é a que se refere ao fato de não haverem os autores apresentado a esta Comissão os seus títulos de domínio referentes à faixa de terras em litígio, a qual está compreendida na planta da antiga Imperial Fazenda de Santa Cruz, anexa ao Decreto-Lei 893, de 1938. Tais títulos não foram julgados pela Comissão e perderam, conseqüentemente, o seu valor jurídico para efeito de reivindicação de domínio, em relação à União. Assim, se as terras em litígio não pertencerem aos réus, o seu domínio pleno voltará à Nação. Depois de tratar das 630 braças acrescidas e do local onde foram demarcadas, volta o Relatório a asseverar que as terras em litígio estão dentro da antiga Fazenda de Santa Cruz e, se as mesmas não pertencerem aos réus, reverterão ao patrimônio nacional. Como os autores não compareceram perante a Comissão, ficarão sujeitos às sanções previstas no referido Decreto-lei, caso as terras em litígio não pertençam aos réus, cujos títulos foram, entretanto, julgados legítimos pela Comissão.
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o Decreto-Iei 893, de 1938, vedava a via judiciária para o tratamento da hipótese vertente. Podia fazê-lo porque a Constituição de 1937 não tinha dispositivo idêntico ao do art. 141, § 4.°, da Constituição de 1946, por fôrça do qual a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual. Tenho para mim que as leis constitucionais são de aplicação imediata, quando declaram direitos individuais, como ocorre na espécie em aprêço. Parece-me, por isso, que já não podemos insistir no caráter radical de que se revestiu o Decreto-lei 893. A via judiciária está aberta para a apreciação do presente feito.
O Decreto-Iei 893 foi alterado, em certos pontos, pelo Decreto-lei 9.760, de 5 de Setembro de 1946, que dispõe sôbre os bens imóveis da União. ltste diploma, tratando da demarcação de terras interiores, quando necessária a exata individuação dos imóveis de domínio da União, e sua perfeita discriminação da propriedade de terceiros, depois de determinar que sejam convidados os que se julgarem com direito aos imóveis confinantes a, dentro de 60 dias, oferecerem a exame do Serviço do Patrimônio da União os títulos em que se fundamentam, estatui o art. 18: "Não sendo atendido pelo confinante o convite mencionado, ou se êle se recusar a assinar o têrmo em que se compromete a aceitar a demarcação administrativa, oS. P . U. providenciará no sentido de se proceder à demarcação judicial, pelos meios ordinários.
A liberalidade se ace!ntua no art. 199, § 2.°, que faculta ao Govêrno conceder nôvo prazo para apresentação ao Conselho de Terras da União dos títulos de que trata o art. 2.°, do Decreto-lei n.o 893, de 1938.
O Decreto-lei 893 tem o caráter de lei especial entremeada de disposições que contrariam a legislação comum. Lei especial e de caráter processual é também o Decreto-lei n.o 9.760. Por ter essa natureza processual, é exeqüível desde logo, de acôrdo com umas regras que se me afiguram excelentes e que foram compendiadas pelo Egrégio Min. do Supremo Tribunal Federal, Laudo de Camargo, nestes têrmos: "O processo é um conjunto de normas, de fórmulas, de atos sucessivos, regendo-se cada qual dêles pela lei do tempo em que a sua prática se deu. Essas normas, essas fórmulas, êsses atos, enquanto inexistentes, por ainda não chamados à tela da contenda, serão por certo regidos pelas novas disposições. Iniciado, porém, que seja o ato com determinada fórmula pela lei que o regule, não mais poderá ser regido por outra que o substitua. Do contrário, seria criar o tumulto e a anarquia processuais. .. Alguns exemplos melhor elucidam a matéria. Certa dilação foi abreviada pela lei nova. O processo que ainda não a atingiu, terá a dilação que a nova lei trouxe. Atingida, porém, a dilação, a dilação antiga e longa é que teria de subsistir. Certo recurso foi extinto. Proferida a decisão, no regime em que o recurso teve sua extinção, não mais poderá ser admitido. Mas, se a
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decisão foi anterior, o recorrente fêz jus a êle e pode usá-lo. (Bento de Faria - Aplicação e Retroatividade da Lei, pág. 31, nota 10)".
Sendo assim, hão de regular-se pelas leis novas, na espécie em aprêço, os atos que se iniciarem sob a regência dessas leis. Não considero, pois, trancada a via judiciária. Se o Decreto-lei a vedou, o texto constitucional do art. 141, § 4.°, e o do Decreto-Iei 9.760 a reabriram para as novas fases do presente processo e não mais para aquelas que já estavam encerradas.
Outra, porém, é a minha opinião no tocante ao valor jurídico dos títulos dos autores apelados, Francisco Sá Barreto Costa e sua mulher. Perderam êles êsse valor para efeito de reivindicação contra o patrimônio da União, contra qualquer parcela da Fazenda Santa Cruz que se conserve nesse patrimônio ou que haja sido regularmente alienada, como sucede com as terras de Piahy e as 630 braças que lhes foram acrescentadas. As leis novas não revalidam êsses títulos de propriedade. No advento dessas leis, já estava consumado o ato em virtude do qual êsses papéis se inutilizaram, o Decreto-lei número 9.760 é de 5 de Setembro de 1946 e entrou em vigor na data da sua publicação. Em face do Decreto-lei 893, de 1938, era de três meses o prazo para a exibição dos títulos. O lapso de tempo estava esgotado. Ora, o art. 4.° dêste Decreto-Iei determinava que, não apresentados os títulos no prazo, ou não reconhecidos como legítimos, a União se inves-
tiria, ipso facto, na posse das terras, ressalvadas certas preferências que, todavia, não se adequavam ao caso dos apelados.
Os terrenos em litígio estão dentro do âmbito da Fazenda de Santa Cruz, da qual foram desmembrados. Os apelados pretendem que tais terras são suas e que as 630 braças devem ser tomadas, não a leste, mas a oeste do Engenho Piahy. Entra em lide o domínio dos autores. Os titulos dêsse direito não foram legitimados no prazo indicado pela lei então vigente. E não é só. Examinados tardiamente pela Comissão Revisora, esta os condenou nos seguintes lances do Relatório apenso aos autos: "Os titulos apresentados pelos autores no processo de demarcação em aprêço são relativamente recentes em relação à Fazenda da Paciência, de forma que não poderão elucidar o assunto.
Uma face da questão que é capital e poderá produzir efei.tos decisivos é a que se refere ao fato de não haverem os autores apresentado a esta Comissão os seus títulos de domínio referentes' à faixa de terras em litígio, a qual está compreendida na planta da antiga Imperial Fazenda de Santa Cruz, anexa ao Decreto-lei número 893, de 26 de Novembro de 1938. Tais títulos não foram, portanto, julgados pela Comissão e perderam, conseqüentemente, o seu valor jurídico para efeito de reivindicação de domínio, em relação à União.
As terras em litígio estão dentro da antiga Imperial Fazenda de Santa Cruz e, se as mesmas
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não pertencerem aos réus, reverterão à Nação".
O problema que avento no tocante aos títulos de propriedade dos apelados é a questão de domínio. Eis como, em pronunciação liminar, a sentença recorrida o coloca, a fls. 305 ou 457 in fine: "No caso dos autos, surgiu a discussão sôbre a extensão do título de domínio e sôbre a validade do mesmo título ...
Além disso, como bem ponderaram os autores, a demarcatória vem sempre cumulada com uma reivindicação in fieri, isto é, julgada contra os réus a demarcatória, reivindicada estará a área compreendida nas linhas traçadas e a favor dêles estabelecida a linha perimetral. Sem necessidade de qualquer reconvenção, ser-lhes-á atribuída a compreendida no perímetro".
A sentença rejeita a argüição de inexistência de interêsse da União no feito, por ter como certo que tal interêsse existe e é imanente ao caso sub judice. Afirma que a Fazenda de Piahy, de propriedade dos réus, foi desmembrada da Fazenda Nacional de Santa Cruz, sendo incontroverso o fato e aceito pelas partes. Atesta, outrossim, que o desmembramento foi julgado legítimo pela Primeira Comissão Revisora de Títulos e Terras, quando os proprietários de Piahy submeteram à aludida Comissão os seus títulos de domínio. Conclui, igualmente, que a União não só vendeu, como fêz boa, válida e segura, posteriormente, a alienação, com as dimensões constantes do título domínial dos réus. Entretanto, não se impressionando com o debate
que se travara sôbre a legitimidade e a validade dos títulos dominiais dos autores, pois a ela não alude, a sentença admitiu a de. marcatória, reconhecendo, todavia, que, se nela se viesse a apurar que a área da Fazenda Piahy é inferior àquela de que se julgam possuidores os seus proprietários, em razão das dimensões decorrentes do título de domínio e da alienação feita pela União Federal, era bem de ver que, ressalvadas as exceções cabíveis e porventura extintivas do direito do comprador, a êstes caberia, pela evicção, o direito de haver da União a diferença entre o que lhe foi prometido vender e o que efetivamente vieram a receber.
A sentença, como se verifica, reconhece aos autores o direito à ação, e não se deixa comover pela perda de significação jurídica que sofreram os seus títulos de jus in Te, por determinações do Decreto-lei 893, de 1938, como já demonstrei. Não penso e não decidirei da mesma forma, ainda quando respeite as opiniões que divergirem da minha.
A motivação, que venho expondo, embora seja a principal, não é a única que orienta o meu comportamento com relação à espécie em análise. Já mostrei que os títulos dominiais dos apelados não foram exibidos neste processo de modo satisfatório, em sucessão concatenada. Não me parece admissível, segundo já declarei, a substituição dêsses títulos pelo documento de fls. 338 ou 189 e seguintes. Além disso, basta ler êsse documento para apurar-se a complicação e a obscuridade existentes com relação aos ditos títu-
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los e sua filiação através do tempo. Tanto é isto verdadeiro que a sentença recorrida assim se manifesta no que concerne ao ponto: "Se as transcrições não correspondem à verdade, se o registro é ideologicamente falso, se a propriedade imobiliária não veio às mãos dos autores por via regular, havendo um hiato ou uma falta na cadeia dos registros, todos êsses fatos não são de decidir-se nesta demarcatória, prevalecendo o registro até que seja desfeito, anulado, ou por qualquer modo rescindido, em sua plenitude. É o que dispõe o Código Civil, em seu art. 859, regra essa mantida desde os primórdios da nossa legislação imobiliária, isto é, Decreto n.O 370, de 2 de Maio de 1890, mantido no atual Decreto-lei n.0 4.857, de 9 de Novembro de 1939, com as modificações posteriores (art. 293)."
Afigura-se-me que a questão podia e devia ser derimida na fase contenciosa da presente demarcatória. Em ações dessa espécie, é na fase a que aludo que se agitam tôdas as increpações tendentes a obstaculizar o procedimento, de modo que, desembaraçado de todos os entraves, possa o Juízo ingressar na fase administrativa. O problema relativo aos títulos e o do domínio, que o abrange, e que foi enunciado e controvertido nos autos, não deviam, segundo penso, ser transferidos para outra ocasião. Questões dêsse teor, desde que surgem, constituem teses capitais no período contencioso das demarcatórias. Esta ação, o Código de Processo Civil, no art. 415, segunda parte, só a outorga ao proprietá-
rio ou ao condômino. Já assim era em face do art. 642, do Decreto n.o 16.752, de 31 de Dezembro de 1924, em cuja vigência foi a ação ajuizada. O art. 422, do Código de Processo Civil, exige que, nas ações de demarcação, a petição inicial seja instruída com os títulos de propriedade. Não lhe basta, a meu ver, a presunção juris tantum que nasce de transcrição, nos têrmos do art. 859 do Código Civil, nem uma última transcrição recente não entrosada com os que porventura a precederam, tal qual sucede com a de fls. 452 ou 300, nem apreciações de órgãos do Ministério Público, a respeito de registros anteriores, apreciações nas quais, como evidenciei, ocorre completa ausência da descrição do imóvel e de suas linhas divisórias reiteradas, sem hiato, através da sucessão dos títulos. A sentença de demarcação não é só declaratória. É atributiva da propriedade. Segundo Clóvis Bevilacqua, em comentário ao art. 532, I, do Código Civil, deve ser transcrita. Uma vez definida pela sentença a raia limítrofe na tinium regundorum, pode o proprietário pedir nova linha, deduzindo o êrro da primeira, mas corre o risco que advém do usucapião. Extinto o domínio, com êle se extingue a ação de demarcação. É o que igualmente ensina Virgílio de Sá Pereira, no Manual do Código Civil Brasileiro, de Paulo de Lacerda, voi. VIII, art. 569.
Robustece o meu entendimento na matéria o estatuído no art. 569, do Código Civil, verbis: "Todo o proprietário pode obrigar o seu confinante a proceder com
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êle à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados".
Clóvis Bevilacqua, escoliando o inciso, afirma que "o Código Civil considera o direito de exigir a demarcação como faculdade inerente ao domínio, e a obrigação de atender a essa exigência como limitação da propriedade decorrente da vizinhança". É também a lição de Virgílio de Sá Pereira, na obra e no lugar .citados. Éste mestre acrescenta que, "à maneira do que deixou estabelecido ao tratar da reivindicação, a ação finium regundorum é imprescritível, segue a natureza do domínio, que não se perde pele não uso". E mais, doutrina que "pelo nosso direito, é mister que, na petição inicial, o autor demonstre o seu jus in re (Decreto n.o 720, de 5 de Setembro de 1890, art. 66)". "Quando a ação procede da incerteza da linha demarcadora, escreve o mesmo ilustre civilista pátrio, presupõe-se, no dizer de Ricci, uma usurpação d.e um ou outro proprietário e, portanto, nela sempre se contém implicitamente a reivindicação". Em seguida, transcreve o lance em que êste diz que, certamente, a ação de regular confins assume o caráter de reivindicatória, quando o autor declara, em têrmos formais, que o vizinho usurpou uma parte da sua propriedade e, por meio da ação proposta, visa a recuperar a parte usurpada.
Na hipótese dos autos, é sensÍvel a queixa de usurpação. Os apelantes asseguram que a área de 630 braças se situa a leste do Engenho Piahy e da Linha de
Guaraqueçaba e que, localizando-se nessa região, os apelados esbulham terras de Piahy. Os apelados retrucam que esbulhadores são os seus adversários, porquanto o seu pecúlio de 630 braças de chão demora a oeste da Fazenda de Piahy, na linha em que êste imóvel confronta com a Fazenda Nacional de Santa Cruz.
Deixei claros os motivos pelos quais entendo que os autores, ora apelados, não provaram a sua qualidade de proprietários, de titulares de domínio, do qual decorreria o seu direito à ação demarcatória.
Por esta razão e, sobretudo, porque os seus títulos perderam todo o valor em virtude do disposto no Decreto-lei n.o 893, de 1938, dou provimento à apelação dos espólios-réus, para considerar os autores carecedores da ação e condená-los nas custas.
Explicação de Voto
O Sr. Min. Cunha Vasconcellos (Relator) - O Tribunal acaba de ouvir o exaustivo voto de V. Ex. a em que tive a desventura de notar a divergência em _que V. Ex.a entra com o Relator.
Desejo esclarecer, tão-somente, que, para minha conclusão me bastariam as circunstâncias apontadas na sentença, sem necessidade de maior e mais ampla indagação.
Há nos autos a prova do domínio que é a certidão de transcrição dos títulos no Registro competente. Provaram, conseqüentemente, os recorridos, sua condição de proprietários. O Juiz fêz notar, e muito bem, que êsse re-
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gistro prevalecerá até sua anulação, de acôrdo com a legislação vigente, iniludível em sua letra e seu sentido. Essa anulação não se fêz e, portanto, os títulos pelos quais se prova a propriedade, subsistem. Logo, a legitimidade com que vieram bater à porta dos Juízes os autores, está perfeita. Com a inicial, juntaram êles certidão dêsse registro. Está transcrita na reconstituição do primeiro volume dos autos.
A questão, ou seja, a demarcação, ou como se diz, a aviventação dos rumos, não importaria em reconhecer os direitos dos autores, exceto aquêles que seus títulos efeti.vamente provassem. Por estas circunstâncias o Dr. Procurador, defensor máximo da União, não impugnou a ação.
O Juiz disse bem, e êle se limita ao alcance de seu julgado.
Diz êle: (lê à pág. 462). Havia divergência, e há diver
gência entre os atuais proprietários da Fazenda Paciência e a ré, da Fazenda Piahy. Havia incerteza e insegurança de limites, e a ação demarcatória não terá outro objetivo senão a aviventação dêsses limites. De forma que, o tão bem desenvolvido voto, brilhante e bem estudado, do nobre Revisor, a meu ver, contém matéria que será examinada na segunda parte dêste processo, e por êste Tribunal, se houver recurso devidamente interposto.
Eis a razão por que fiquei na parte preliminar.
Para se deferir a demarcação entendo e continuo a entender, data venia do brilhante voto divergente de V. Ex.a que as provas existentes nos autos estão per-
feitamente condicionadas à exigência da legislação. O título subsiste e é bastante, e o objetivo, o mérito, é a aviventação dos limites entre as duas propriedades. Por estas razões, mantenho meu voto.
Vista
o Sr. Min. Sampaio Costa -Sr. Presidente, peço vista dos autos.
Decisão
Adiado o julgamento por haver pedido vista dos autos o Sr. Min. Sampaio Costa, depois dos votos dos Srs. Mins. Cunha Vasconcellos, negando provimento à apelação, e Armando Prado, dando provimento ao recurso.
Voto
o Sr. Min. Sampaio Costa -Sr. Presidente, dada a divergência entre os Srs. Mins. Relator e Revisor, aquêle confirmando a sentença apelada,' que julgou procedente a presente demarcatória, e êste dando provimento à apelação para o fim de julgar os autores, ora apelados, carecedores da ação, pedi vista dos autos para maiores esclarecimentos antes de proferir o meu voto.
Do exame que fiz dos mesmos, fiquei convencido de que a sentença do-ilustrado Dr. Juiz a quo deve ser confirmada por seus fundamentos.
Realmente, em nosso direito civil, uma das faculdades inerentes ao domínio é a de exigir a demarcação: "Todo proprietário
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- diz o Cód. Civ., art. 569 -pode obrigar o seu confinante a proceder com êle à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados, e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se, proporcionalmente, entre os interessados, as respectivas despesas".
Provado o jus in re e a necessidade de aviventar os rumos ou renovar os marcos destruídos ou arruinados entre as propriedades limítrofes, não há como recusar a demarcação pedida.
Ora, os autores, apelados, propuseram a presente demarcatória, justamente para fixar rumos e aviventar marcos da linha que separam a sua propriedade, que é uma . vasta porção de terra desmembrada da antiga Fazenda da Paciência, outrora pertencente aos Frades da Ordem Carmelitina Fluminense, da propriedade dos réus, ora apelantes, denominada Fazenda do Piahy, antigo engenho do Piahy, desmembrada da Fazenda de Santa Cruz, que pertenceu aos Frades da Companhia de Jesus.
Instruindo o pedido, juntaram para prova de seu direito de propriedade sôbre as terras em questão, desmembradas da Fazenda da Paciência, escrituras e títulos de transferência, devidamente registrados no Registro de Imóveis, pelos quais se verifica se haverem êles tornado sucessores dos primitivos titulares da referida Fazenda, a qual fazia limites com a Fazenda Nacional de Santa Cruz, de onde veio a ser desmembrada a falada propriedade dos réus apelantes.
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Logo, é de julgar-se procedente a demarcatória requerida.
É verdade que os réus apelantes contestaram a ação alegando que "a propriedade dos autores apelados não lhes veio às mãos por via regular, havendo um hiato ou falta na cadeia dos registros", "sendo seus títulos inoperantes por falsidade ideológica e mesmo objetiva".
A alegação, porém, não vem acompanhada de qualquer prova, e isso não basta. O que se evidencia dos autos é que os autores, por escritura pública, devidamente registrada no Registro de Imóveis (does. de fls. 296/299 e 300/301) adquiriram do Capitão Oldemar Corrêa de Sá, sua mulher e outros, os falados terrenos, desmembrados da antiga Fazenda da Paciência, na Estação do mesmo nome. Freguesia de Campo-Grande, desta Cidade, terrenos êsses havidos pelos vendedores no inventário de seus pais e sogros, Francisco Corrêa de Sá e sua mulher, D. Josefa de Morais Corrêa de Sá, processado no Juízo da 2.a Vara de Orfãos, Cartório do 2.° Ofício, cuja partilha foi julgada por sentença, transcrita no Registro de Imóveis do 4.° Ofício, desta Cidade.
O documento de fls. 338 ou 189, certidão extraída da Vara de Registros Públicos, em processo levantado por ocasião da transcrição do título de domínio da propriedade dos apelados, reza o histórico do domínio da mesma propriedade e "estudado em harmonia com o roteiro das transcrições oferecidas às fls. 452 e 453, convence", como textualmente pondera o prolator da sentença ape-
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lada, "de que, no tocante à qualidade dos autores para intentarem a demarcação das terras que adquiriram, da antiga Fazenda Paciência, é esta incontestável, tendo o pedido obedecido ao que dispõe a lei".
Pelo sistema vigente em nosso Direito Civil, a propriedade imóvel adquire-se pela transcrição do título de transferência no Registro de Imóveis, constituindo o registro uma prova suficiente da mesma propriedade, ainda que possa ser destruída. Enquanto não elidida por prova em contrário, desfeito ou anulado o registro, ela subsiste.
Os réus apelantes não produziram prova alguma capaz de desfazer a presunção legal, juris tantum do jus in Te dos apelados. Limitaram-se a contestá-lo com
palavras e argumentos pertinentes a questões a serem apuradas na segunda fase da ação, ou seja, na fase executória.
As largas considerações expendidas no voto do Sr. Min. Revisor, mau grado a autoridade de origem, também não me convenceram da carência de direito que atribuem aos apelados para proporem a ação que intentaram. Na fase preliminar em que se encontra a demarcatória, repetimos, é intempestiva a apreciação sôbre as linhas e rumos a traçar. Confirmo a sentença apelada.
Decisão
Por maioria de votos, a Primeira Turma negou provimento à apelação e confirmou a sentença, contra o voto do Sr. Min. Revisor.
APELAÇÃO CíVEL N.O 524 - DF.
Relator - O Ex.mo Sr. Min. Henrique d'Ãvila Apelantes - Cia. de Seguros Marítimos e Terrestres Garan
tia, Estrada de Ferro Central do Brasil Apelados - Os mesmos e a Rêde Mineira de Viação
Acórdão
No caso de transporte cumulativo, discipHnado pelo Decreto n.o 2.861, de 7 de Dezembro de 1912, pode a ação decorrente de perda, furto ou avaria, ser intentada, indiferentemente, contra a rêde ferrOviária que aceitou a expedição ou contra a que entregou a mercadoria avariada.
Tendo ficado, no entretanto, cabalmente apurada no correr da ação a inequívoca responsabilidade da litisconsorte, em atenção ao princípio da economia processual, assegura-se, desde logo, à ré, o direito que lhe assiste de ressarcir-se da importância efetivamente paga à seguradora.
Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n.o 524, do Distrito Federal, em
que são apelantes a Companhia de Seguros Marítimos e Terrestres Garantia, e a Estrada de Ferro
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Central do Brasil, e apelados os mesmos e a Rêde Mineira de Viação:
Acorda o Tribunal Federal de Recursos, por sua Segunda Turma Julgadora, em dar, em parte, por unanimidade de votos, provimento à apelação da Central do Brasil, para envolver na responsabilidade Civil a litisconsorte, Rêde Mineira de Viação, tudo consoante ressalta das notas taquigráficas anexas, que constituem parte integrante da presente decisão. Custas ex lege.
Rio, 19 de Dezembro de 1947. - Abner de Vasconcellos, Presidente; Henrique d'Ávila, Relator.
Relatório
o Sr. Min. Henrique d'Ávila (Relator) - Perante ° Juízo da 3.a Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal foi, a 15 de Maio de 1944, proposta pela Cia. de Seguros Marítimos e Terrestres Garantia S.A., contra a Estrada de Ferro Central do Brasil, a presente ação ordinária de indenização, com assistência da União Federal. Alega a autora que, no exercício de suas atividades de seguradora, pagou à Sociedade Exportadora Carioca Ltda., estabelecida à Rua da Quitanda n.O 11, 4.° andar, a importância de ... Cr$ 29.820,40; que, com o pagamento dessa indenização decorrente do contrato de seguro consubstanciado na apólice de fls., ficou ela, autora, sub-rogada em todos os direitos do segurado; que dito pagamento foi expressamente autorizado pelo Instituto de Resseguros do Brasil; que a inde-
nização a que se viu obrigada a autora a satisfazer, resultou da circunstância de se haverem incendiado 120 fardos de algodão imprensados, transportados pela ré, sem as cautelas necessárias, em vagão aberto, de Pôrto Ferreira a Curvelo; que, tratando-se, na espécie, de incêndio ocorrido durante o transporte em vagão aberto, não obstante ter sido requisitado vagão fechado, a responsabilidade da ré é agravada pela infração dos arts. 46, 47, 52 e 140 a 142 do Decreto n.O 15.683, de 7-9-1922" que disciplina a segurança, polícia e tráfego nas estradas de ferro. Termina a autora por pedir a condenação da ré na quantia de Cr$ 35.912,70, visto tratar-se no caso de sub-rogação convencional, e mais juros de mora, custas e honorários de advogado.
Com a inicial foram juntos os documentos de fls. 8 a 18.
A ação foi contestada pela ré, Estrada de Ferro Central do Brasil, que, em síntese, alegou o seguinte: a) que o sinistro não ocorreu em suas linhas, mas nas da Rêde Mineira de Viação Ltda.; b) que, baseando-se a indenização em nosso Direito, no princípio subjetivo da culpa, não pode ser ela, ré, responsabilizada pelo evento lesivo, porque só é obrigada a reparar o dano "aquêle que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem" (Código Civil, art. 159); c) que é certo que o art. 14, do Decreto n.O 2.681, de 1912, faculta no caso de transiP0rte acumulativo a propositura da demanda contra qualquer dos seus participantes, mas sem o caráter de solidarieda-
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de passiva, ao passo que o art. 15, § 1.0, do mesmo Decreto, determina que "será responsável pela perda, furto ou avaria da mercadoria, a estrada em cuja linha se der o fato".
Citada a Rêde Mineira para integrar a contestação, dado o seu inegável interêsse na causa, levantou esta as preliminares de incompetência de Juízo e de prescrição, tendo sido ambas rejeitadas; a primeira pelo despacho de fI. 81, que transitou em julgado; e a segunda pela sentença final, objeto da apelação.
Após transitarem pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, foram os presentes autos, afinal, remetidos a êste Tribunal de Recursos, tornando competente, por determinação constitucional, para o exame e julgamento da causa, em grau de recurso.
Nesta Superior Instância, manifestou-se o Ex.mo Sr. Dr. SubprocUll"ador-Geral da República, em seu Parecer de fI. 156, pelo provimento da apelação da Estrada de Ferro Central do Brasil.
Ê:sse é o Relatório. Ao Ex.mo
Sr. Min. Revisor.
Voto-preliminar
o Sr. Min. Henrique d'Ávila (Relator) - Improcede de todo a preliminar de prescrição debatida nestes autos. A prescrição se consumaria ao fim de um ano, a contar da data da entrega da mercadoria. E, a 29 de Maio de 1943, como salienta a decisão apelada, a mercadoria sinistrada ainda se encontrava nos armazéns da trans-
portadora. :Portanto, quando da propositura da ação a 22 de Maio de 1944, ainda não havia transcorrido o lapso prescricional.
Voto-preliminar
a Sr. Min. Abner de Vasconcellos - De acôrdo com o voto do Sr. Min. Relator, desprezo a preliminar de prescrição.
Voto-preliminar
a Sr. Min. Macedo Ludolf Sr. Presidente, antes de proferir o meu voto, desejava pedir alguns esclarecimentos ao Sr. Min. Relator. Desejava saber quem alegou a preliminar?
a Sr. Min. Henrique d' Ávila -Foi a Central do Brasil.
a Sr. Min. Macedo Ludolf -E a litisconsorte?
a Sr. Min. Henrique d' Ávila -A Rêde Mineira de Viação? Entrou depois; não cogitou da preliminar.
a Sr. Min. Macedo Ludolf -V. Ex.a diz que o prazo da prescrição é de um ano?
a Sr. Min. Henrique d'ÁvilaSim, de acôrdo com o Decreto n.o 2.681.
a Sr. Min. Abner de Vasconcellos - A parte de mercadoria que se salvou do incêndio ficou depositada nos armazéns da Rêde }.VIineira de Viação.
a Sr. Min. Macedo Ludolf -A Companhia seguradora efetuou o pagamento da indenização, e essa Companhia é que moveu a ação?
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o Sr. Min. Henrique d'AvilaExatamente. E nessa ação foi chamada a Rêde Mineira de Viação.
O Sr. Min. Macedo Ludolf -E a Central do Brasil alegou a prescrição de um ano?
O Sr. Min. Henrique d'AvilaJustamente.
O Sr. Min. Macedo Ludolf -A partir de quando?
O Sr. Min. Henrique d' Avila -A partir da entrega da mercadoria. Mas verificou-se que a mercadoria não foi entregue.
O Sr. Min. Abner de Vasconcellos - A mercadoria ficou detida nos armazéns da transportadora.
O Sr. Min. Macedo Ludolf -Só se poderia estabelecer o marco do prazo da prescrição a partir da entrega, e não houve entrega?
O Sr. Min. Henrique d'AvilaPerfeitamente.
O Sr. Min. Macedo Ludolf -Diante da explicação de V. Ex.a,
desprezo a preliminar de prescrição.
Voto-mérito
O Sr. Min. Henrique d'Aviia (Relator) - Pretende a Central do Brasil que a presente ação devia ser dirigida contra a Rêde Mineira de Viação, em cujas linhas deu-se o sinistro gerador do direito da autora à indenização pleiteada. O art. 14, do Decreto n.0 2.681, Ide 7 de Janeiro de 1912, ao disciplinar o assunto em causa, isto é, a responsabilidade no caso do transporte acumulativo, estabelece "que a ação de indenização terá lugar contra a Estrada que aceitou a expedição, ou contra a
que entregou a mercadoria avariada". Portanto, lícito era à autora escolher, livremente entre ::?s duas Estradas transportadoras, aquela contra a qual pretendesse fazer incidir a obrigação de indenizá-la dos prejuízos sofridos, ficando, como é óbvio, assegurado à preferida º direito regressivo, caso a culpa pela perda da mercadoria segurada não lhe caiba, total ou parcialmente.
A autora, segundo a documentação junta aos autos, pagou à segunda, Sociedade Exportadora Carioca Ltda., apenas a importância de Cr$ 29.820,40, recebendo desta plena e geral quitação do prejuízo sofrido pela mercadoria embarcada pela ré-apelante. Improcede, portanto, sua pretensão de obter da apelante quantia maior sob o pretexto de tratar-se na espécie de sub-rogação convencionaI. Não é justo, nem moral, que o segurador, como faz sentir a sentença apelada, venha a receber mais do que o despendido na liquidação do sinistro. Tal importaria num enriquecimento ilícito, não autorizado pela lei e repudiado pelo senso comum, a despeito das longas e eruditas razões, em sentido contrário, alinhadas pelo nobre patrono da primeira apelante. A sub-rogação convencional não pode, nem deve, juridicamente, em casos como o dos autos, produzir efeitos mais amplos e extensos do que a legal. Ante ao exposto, nego provimento a ambas as apelações.
Voto-mérito
O Sr. Min. Abner de Vasconcellos (Revisor) - A Companhia
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Seguradora Terrestres e Marítimos propôs, contra a Estrada de Ferro Central do Brasil, ação pa~ Ta recebimento de Cr$ 29.820,40 de indenização que pagou à Sociedade Exportadora Carioca, proveniente de incêndio de mercadorias despachadas naquela Estrada, ficando sub-rogada nos direitos da segurada. A apólice é de ..... Cr$ 35.000,00. A ré chamou a Rêde Mineira de Viação Ltda. à autoria, por ter sido em ramal desta que se verificou o incêndio. A sentença apelada julgou procedente a ação e improcedente a reconvenção. Mandou pagar à autora Cr$ 29.820,40, valor exato do prejuízo causado pelo incêndio da mercadoria. A Companhia de Seguros apelou para receber o valor do seguro, por se tratar de sub-rogação convencional, regulada pelo Cód. Civil, art. 985/6, e não sub-rogação legal.
E invoca J. L. Alves, Clóvis e C. Santos, que fazendo a diferenciação frisam que a primeira dá lugar ao recebimento total do valor do seguro, independente dos danos. A Central quer afastar a sua responsabilidade, para transferi-la à Rêde Mineira.
. O Decreto 2. 681, de 7 de Dezembro de 1912, art. 14, dispõe que no caso de transporte cumulativo pode a ação decorrente de perda, furto ou avaria, ser intentada contra a rêde que aceitou a expedição, ou contra a que entregou a mercadoria avariada. E o art. 15 dispõe que será responsável pelo prejuízo a Estrada em cuja linha se der o fato. O incêndio se verificou no trecho da Rêde Mineira, e o chamado à autoria integra-a na ação. O fôro, en-
tretanto, devia ser o da União e não o. de Minas, pela prevalência do primeiro. Não há que se falar de prescrição, de vez que a mercadoria incendiada continuou depositada em armazéns da Rêde Mineira. O Decreto 2.681 tem de ser interpretado em seu sistema, e não por partes isoladas. O art. 14 prevê a responsabilidade solidária, o que permite à parte prejudicada pelo dano demandar qualquer das companhias de transporte. Entretanto, o art. 15 possibilita à que satisfez a indenização ter ação regressiva contra aquela em cuja rêde se verificou o prejuízo. Diante disso, a Estrada de Ferro Central do Brasil foi bem demandada. A Companhia Seguradora tem direito apenas ao valor do dano efetivo.
Pretender-se que, no caso, o direito do credor sub-rogado possa ir além da importância do que despendeu como indenização do prejuízo causado pelo incêndio, é incorrer na censura da moral e do direito.
C. de Mendonça, o civilista, tratando dos efeitos da sub-rogação, quer legal, quer convencional, diz que o sub-rogado não poderá exercer os direitos e ações do credor, senão até a soma que tiver desembolsado para desobrigar o devedor. E acrescenta que a convencional não pode conferir direitos mais amplos do que a legal. Assim pensam, Duranton, Aubry et Rau, Mazzoni, Pothier e Demolombe. O grande civilista pátrio justifica-se dizendo que a convenção das partes, podendo modificar a sub-rogação convencional, não lhe pode dar efeitos mais exten-
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sos do que a que se faz por determinação da lei (Obrigações, 324).
Nas relações contratuais sôbre seguros de mercadorias, a obrigacão de indenizar está sempre rela~ionada com o resultado efetivo do prejuízo, limitado pelo valor da apólice. Essa circunstância restringe a compreensão do art. 986, !, do Código Civil. Assim, nego provimento às apelações.
Vista
o Sr. Min. Macedo LudoIf Sr. Presidente, houve um litisconsórcio passivo pelo chamamento da Rêde Mineira de Viação como co-ré, e, assim sendo, creio que a sentença devia ter abordado também êsse aspecto, para que não resultasse inócuo, como parece ter resultado, o ingresso da referida Rêde Mineira no processo.
Não me sentindo devidamente esclarecido para proferir o meu voto, peço vista dos autos a Vossa Excelência.
Decisão
Como consta da ata, a deCIsão foi a seguinte: Adiado o julgamento a pedido do Ex.mo Sr. MinMacedo Ludolf, depois de proferidos os votos dos Ex.mos Srs. Mins. Relator e Revisor, que negaram provimento. Pela Estrada de Ferro Central do Brasil usou da palavra o Sr. advogado Abelardo Barreto do Rosário.
Voto-mérito
° Sr. Min. Macedo Ludolf -Na hipótese, verificou-se um litisconsórcio passivo, considerado ne-
cessano, conforme a decisão de fI. 42, que foi reafirmada no despacho saneador a fI. 81, sem que houvesse, a respeito, a interposição de qualquer recurso.
O que ocorreu foi exatamente o seguinte: a Rêde Mineira de Viação, chamada ao processo, nêle ingressou na qualidade de coré, ao lado da outra co-ré, Estrada de Ferro Central do Brasil, integrando a primeira a contestação que pela segunda já havia sido oposta.
A causa prosseguiu em seus têrmos regulares, com ampla defesa por parte dos interessados, sendo afinal proferido julgamento pelo DI'. Juiz a quo, em cuja sentença, por um de seus consideranda, se reconheceu e proclamou que o sinistro de mercadorias, que faz objeto do litígio, ocorrera nas linhas da referida Rêde Mineira, o que, em realidade, ficou fora de qualquer dúvida, através dos debates travados, notando-se mesmo que a apontada Estrada, por ocasião de contestar o pedido ajuizado, não impugnou o fato daquele sinistro, e nem tão pouco o arbitramento feito em relação aos prejuízos verificados.
Limitou-se essa contestante a pontos preliminares, inteiramente desprezados pelo julgador na fase saneadora da lide, com o que ela contestante se conformou, diante do seu silêncio nesse tocante.
O litisconsórcio em questão, previsto no Código de Processo Civil, art. 91, tem lugar quando há entre os litigantes, autores de um lado, ou réus de outro, comunhão de interêsse com relação ao objeto do litígio.
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A existência de semelhante situação é irrecusável no caso, tendo-se em vista, ex vi do invocado Decreto 2.681, de 1912, art. 14, a solidariedade passiva das duas co-rés na realização do evento.
Efetivamente. Dispõe o citado art. 14, com relação ao transporte de mercadorias por mais de uma estrada de ferro, "que a ação de indenização terá lugar contra a Estrada que aceitou a expedição, ou contra a que entregou a mercadoria avariada", assegurando o art. 15, seguinte, o direito reversivo, em favor daquela escolhida pelo prejudicado para o fim da cogitada indenização, quando a culpa do acidente recaia sôbre a outra.
Ora, inconteste como está a culpabilidade da Rêde Mineira, dês que o fato danoso se deu exatamente por ocasião de se acharem as questionadas mercadorias em transporte pelo leito da dita Estrada, nada mais resta senão envolvê-Ia na responsabilidade do pagamento devido. Isto se impõe, independente, já agora, do emprêgo de qualquer outro procedimento judicial, por isso que o Dr. Juiz a quo, observando o princípio da economia processual, como um dos postulados dominantes na nossa atual legislação de direito adjetivo, bem andou ao fazer ingressar na demanda a Estrada que vem de ser considerada culpada.
O decisório, não pode, é óbvio, excluir da condenação a Estrada de Ferro Central do Brasil, diante do aludido Decreto 2. 681, em seu dispositivo acima transcrito, do qual decorre a faculdade da parte autora de escolher a Estrada que
efetive a indenização devida, mas pode e deve o julgador assegurar, desde logo, à mencionada Central do Brasil, a situação jurídica líquida e certa de haver da Rêde Mineira de Viação a importância do pagamento a que ora é condenada a efetuar, valendo o julgado como título bastante a êsse fim, pois que, a não ser assim, resultaria de todo inócua a medida do litisconsórcio que se estabeleceu, cuja determinação passou em julgado.
Pelo exposto, dou provimento em parte à apelação da Central do Brasil, para que se compreenda também na sentença apelada a condenação da Rêde Mineir'3. de Viação, no sentido de ressarcir à apelante o pagamento a que esta fica sujeita a indenizar à companhia seguradora, como sub-rogada.
Quanto à apelação interpost~ pela referida Companhia, negolhe provimento, nos têrmos dos votos já proferidos.
Aditamento ao Voto
o Sr. Min. Henrique d'Ávila (Relator) - Diante do voto qUe acaba de ser proferido pelo Sr. Min. Macedo Ludolf, não tenho dúvida em reconhecer que a solução proposta por S. Ex.a se compadece melhor com a índole do litisconsórcio passivo. E desta forma, reconhecendo a inequívoca responsabilidade da Rêde Mineira de Viação, não tenho dúvida em modificar o meu voto, proferido na sessão anterior. Estou de inteiro acôrdo com S. Ex.a em permitir que a Central do Brasil fique, desde logo, com o direito
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de reaver da Rêde Mineira de Viação a importância paga à seguradora. Dou provimento, para êsse fim.
Aditamento ao Voto .
o Sr. Min. Abner de Vasconcellos - Acompanho o voto de V. Ex.a com a modificação que acaba de fazer.
Decisão
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Por unanimidade, a Turma deu provimento, em parte, à apelação, para reformar a decisão apelada, a fim de envolver na responsabilidade civil a Rêde Mineira de Viação, pela ação regressiva a que alude o art. 15, do Decreto 2.681, de 1912. Adiado da sessão anterior.
APELAÇÃO CíVEL N.O 718 - DF.
Relator - O Ex. mo Sr. Min. Macedo Ludolf Apelante - The Liverpool & London Globe Insurance Co. Ltd Apelada - A União Federal
Acórdão
Juros de apólices federais. Fundo de reserva para depreciação de títulos. Incidência do Impôsto de renda oobre uma e outra hipótese.
Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível, do Distrito Federal, em que é apelante The Liverpool & London Globe Insurance Co. Ltd. e apelada a União Federal:
Acorda o Tribunal Federal de Recursos, por sua Segunda Turma, e de acôrdo com as notas taquigráficas juntas, em negar provimento à apelação interposta, para confirmar integralmente a decisão recorrida, vencido em parte o Relator, que foi pela isenção do impêsto quanto aos juros de apólices, no caso configurado.
Custas ex lege. Rio, 26 de Fevereiro de 1948.
- Abner de Vasconcellos, Presidente; Macedo LudoIf. Relator.
Relatório
o Sr. Min. Macedo LudoIf (Relator) - Perante o Juízo da Fazenda Pública, no Distrito Federal, propôs The Liverpool & London Globe Insurance Company Limited, uma ação ordinária contra a União Federal, a fim de ser decretada a nulidade da decisão proferida pelo 1.0 Conselho de Contribuintes, em virtude da qual ficara a autora obrigada ao paga-mento da importância de ..... . Cr$ 6 .893,30, correspondente à diferença do impôsto de renda encontrada pela respectiva repartição, na declaração prestada, a res-
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peito, pela mesma autora, em referência ao exercício de 1938.
Como menciona a inicial, essa diferença prende-se à tributação de duas parcelàs, na base de 6% do impôsto, sendo a primeira relativa a juros de apólices de propriedade da declarante, que deixaram de ser computados como renda, e a segunda referente à glosa procedida pela Diretoria do Impôsto em questão, na verba de Cr$ 65.292,00, incluída no balanço da aludida autora, como "reserva para depreciação de títulos".
Sustenta-se, no tocante aos juros de apólices da dívida pública federal, haver completa isençãp do pagamento que ficou exigido, segundo a jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal.
Em atinência à "reserva para depreciação de títulos", argúi-se que não pode ser feita a cobrança pretendida pelo fisco, eis que, em caso contrário, haverá uma duplicidade de tributação, ou seja, o pagamento sôbre a mesma rendd, quando ela é transferida para a reserva, por determinação do Regulamento de Seguros, e novamente quando é extornada, dado o aumento da cotação dos títulos, isto é, a sua revalorização.
A União Federal, em sua contestação, postula que a legislação do impôsto de renda não cogita da origem dos rendimentos, para o cálculo devido pelas pessoas jurídicas, acentuando não ter cabimento a pretensão ajuizada, em face dos dispositivos regulamentares que ficaram expressamente invocados naquela peça de defesa.
Na audiência de instrução e julgamento, depois de junto o do-
cumento de fI. 28, sôbre o qual houve o pronunciamento da parte contrária, sentenciou o então Dr. Juiz a quo, hoje eminente Ministro dêste Tribunal de Recursos, Dr. Cunha Vasconcellos, o que fêz no sentido da improcedência da ação proposta, condenando a autora nas custas. Nessa decisão, o s~u digno prolator, depois de referir-se ao Decreto n.0 1.168, de 22 de Março de 1939, no qual ficou estabelecido incidir o impôsto de renda sôbre os juros de apólices, qualquer que seja a data da emissão, salvo isenção expressa por lei, abordou o aspeto do caso em tela através dos julgados do nosso mais alto Tlribunal, terminando por considerar que, nessa parte, não pode ser reconhecido qualquer direito em favor da autora, porque: I - não provou que as apólices cujos juros teriam sido taxados, são de emissão anterior à lei de criação do impôsto de renda, e nem tão pouco que sôbre êsses juros teria recaído o impôsto impugnado; II - não provou a data do lançamento suplementar, o que era indispensável em face do disposto no art. 26, do citado Decreto n.o 1.168 e da inteligência que lhe deu a Justiça.
Relativamente à verba glosada pela repartição, lembra o aresto do art. 54, do Regulamento aplicável, para demonstrar que se toma impossível a dedução que fizera a autora na sua renda total, porque isso lhe é vedado naquele dispositivo, consagrando a jurisprudência, por seu turno, a regra inflexível da incidência geral do impôsto, encarada a isenção, portanto, restritamente.
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A autora, inconformada, interpôs apelação, como se vê a fls. 31, oferecendo longas razões, acompanhadas dos documentos de fls. 40 a 44 v., com os quais visou a esclarecer a matéria que o julgado de Primeira Instância apontou como não provada no curso da causa.
Recebido o recurso e ouvida em seguida a apelada, por seu representante (fI. 47), subiram os autos ao Egrégio Supremo Tribunal Federal, tendo ali exarado o Dr. Procurador-Geral da República seu Parecer, junto às fls. 54/55, no qual expendeu argumentos tendentes a mais destacar a afirmativa de não ter fundamento a lide em aprêço, opinando assim pelo não provimento do recurso.
Neste Tribunal, para o qual foi remetido o processo, em virtude de competência superveniente, pronunciou-se o Dr. Subprocurador-Geral na mesma conformidade daquele Parecer.
É o Relatório.
Preferência
o Sr. Min. Abner de Vasconcellos (Presidente) - Acaba de solicitar a palavra o Sr. advogado.
(Fala o Sr. Dr. Advogado). O Sr. Min. Abner de Vasconcel
los (Presidente) - Como V. Ex.as
acabam de ouvir, o requerimento do ilustre advogado pede prefepara o julgamento da Apelação Cível 718, que está na pauta de hoje, em último lugar. Mas como os advogados dos dois primeiros processos ainda não estão presentes, pede à Egrégia Turma para que seja julgado em primeiro lu-
~ar o processo 718. Consulto e peço que se manifestem sôbre o assunto os Srs. Ministros.
Preferência-Voto
O Sr. Min. Macedo Ludolt (Relator) - Esta matéria de preferência nos julgamentos já foi objeto de decisão do Tribunal Pleno. Ficou assentado que, quando se tratasse de causa que estivesse em pauta, e houvesse razão relevante que a justificasse, far-se-ia a concessão da preferência. Já há uma norma estabelecida neste Tribunal, e que deve ser observada, não só em Tribunal Pleno como também em Turma. Verificase, no caso, que temos três julgamentos, e sou justamente o Relator dos três processos. Acho que podemos julgar todos êles ainda hoje. Diante disso, penso que não há inconveniente em que se inverta a pauta, adiando por momentos os outros dois julgamentos, sem que haja prejuízo.
Preferência-Voto
O Sr. Min. Artur Marinho (Revisor) - Também estou de acôrdo, mesmo porque andei verificando que dentre os processos em pauta o que se pretende passar para primeiro lugar é o de preparo mais antigo na Secretaria do Supremo Tribunal; aplicar-se-ia, então, o § 1.0, do art. 60, do Regimento Interno.
Preferência-Voto
O Sr. Min. Henrique d'ÁvilaTambém estou de acôrdo.
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Voto (Vencido, em parte)
o Sr. Min. Macedo Ludolf (Relator) - É incontestável que a primitiva jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal orientou-se, uniforme e torrencialmente, no sentido da isenção dos juros de apólices federais ao pagamento do impêsto de renda, quando ditas apólices tivessem sido emitidas em data anterior à instituição do cogitado impôsto (Lei 4.984, de 31-12-925 ).
Em razão mesma dêsse entendimento, cujos fundamentos são notórios, foi que surgiu, então, o Decreto-Iei n.o 1.168, de 1939, em cujo art. 26 se estabeleceu a incidência do questionado tributo sôbre aquêles juros, qualquer que seja a data da emissão do título, salvo expressa concessão, por lei, da imunidade fiscal.
Encarando tal dispositivo, ú
pronunciamento da Justiça foi pela negativa da existência de efeito retroativo que ao mesmo se queria emprestar. Construiu-se, em tômo do assunto, a exegese que se impunha, ou seja, que o nôvo preceito legal, em face de seus próprios têrmos, regulando para o futuro, só teria eficácia em relação às declarações de renda correspondentes a exercícios posteriores à sua vigência.
É a solução jurídica a que me filio, embora a maioria do nosso mais elevado Tribunal tenha, nos últimos tempos, em vários julgados, firmado o princípio de que não cabe a isenção ora pleiteada, a não ser quando esteja expressa a concessão da imunidade fiscal.
A sentença apelada, considerando os vários aspectos pertinentes
ao caso em aprêço, entendeu, f::
muito acertadamente, de negar à apelante o direito à pré-aludida isenção, eis que não havia comprovantes que amparassem a sua pretensão.
Todavia, com as razões do recurso, a mesma apelante ofereceu as certidões de fls. 40, 43 v. e 44, das quais resulta evidente que as apólices envolvidas na lide foram emitidas antes de 1925, sem ter havido ainda a criação do tributo, e que, por outro lado, a exigência fiscal impugnada é realmente de referência a essas apólices, ocorrendo, além disso, que o impêsto cobrado prende-se a lançamento suplementar feito em 1938 (fls. 44 v.), ou seja, anterior ao citado Decreto-lei n. ° 1. 168, de 1939. Ditos documentos não sofreram qualquer restrição por parte da apelada, que apenas se limitou a insistir pela incidência do tributo sôbre as apólices de qualquer emissão e, mais ainda, qualquer que seja o exercício.
Entretanto, como já ficou exposto, intributáveis devem ser os títulos em espécie, dês que se veio a demonstrar, de modo cabal, concorreram em favor da apelante 2S
condições que o Dr. Juiz a quo definiu com justiça, a fim de se reconhecer o direito de não pagamento na hipótese configurada. Nesta parte, portanto, não deve subsistir o julgado, dada a situação superveniente surgida no processo.
Relativamente à parcela que a apelante diz destinar a fundo de "reserva para depreciação de titulos", basta a invocação do art. 54, do Regulamento do Impôsto de Renda, no qual é vedada, taxa-
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tivamente, qualquer dedução nos rendimentos totais, sob aquela rubrica fundo de reserva, qualquer que seja a designação que tiver. Diante disso, perde de importância tôda a argumentação visando à isenção também pretendida, o que, aliás, já tem sido objeto de decisão, por mais de uma vez, em casos análogos. Todo e qualquer lucro proveniente da atividade dê pessoa física, ou jurídica, está sujeito ao pagamento do impâsto de renda, admitindo-se a isenção restritamente, ou melhor, quando prevista em lei, por forma a não deixar dúvida. Assim, não há senão subsistir o aresto no ponto que acaba de ser perquirido.
Nestas condições, dou provimento em parte à apelação, para excluir do impôsto cobrado somente os juros das apólices de propriedade da apelante, por estarem isentas de incidência fiscal na situação de que se trata.
Voto
o Sr. Min. Artur Marinho (Revisor) - A sentença recorrida, lavrada pelo douto Juiz Cunha Vasconcellos, quando titular da 3.a Vara da Fazenda Pública, e hoje provecto Ministro dêste Tribunal, é uma brilhante ementa do que de melhor se poderia produzir sôbre a matéria nela versada. Sustenta-se, pois, por seus jurídicos fundamentos. A questão de prova específica a que acaba de referir-se o ilustre Sr. advogado da apelante, para mim é secundária porque eu me coloco no terreno de puros princípios.
Mantenho velha convicção acêrca do assunto ora em julgamento
e, por mais que procure reexaminar estudos antigos, como agora mesmo tornei a fazer, não me capacito de que deva mudar meu ponto de vista. Para mim, hoje, a única ressalva que adoto é a relativa às apólices referentes ao reajustamento econômico, visto lei expressa conferindo a isenção.
Precisamente numa ação entre as mesmas partes neste processo, tive que decidir idênticas relações de direito entre elas, por sentença de 20 de Novembro de 1939. Estava eu então no exercício da 1.a
Vara da Fazenda Pública, como Pretor, substituindo o eminente Nelson Hungria.
Reproduzo, como documentário, meu trabalho de oito anos atrás, porque em tôrno do tema lavraram divergências tamanhas que se chegou ao extremo de uma prática, mal processada e também mal repelida, do art. 96, Parágrafo único, da Carta de 1937. Foram êstes os fundamentos da sentença que proferi naquele ano: "Assim sumariado o caso julgando, observo: I - Quando Juiz Federal seccional, em 1937, vigorando ainda a Constituição de 1934, sentep.ciei reiteradamente pronunciando-me pela constitucionalidade das leis relativas à incidência do tributo sôbre juros de apólices da dívida pública. Divergi, portanto, com a devida vênia, da jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal, lamentando com sinceridade essa divergência, que, para mim, persistiu após paciente pesquisa nas fontes e demorada meditação sôbre a tese da Insigne Instância. Minha responsabilidade era tamanha que somente motivando exaustivamente
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me era possível realçar minha fidelidade para com o que reputei correto e justo. Mesmo assim, minha divergência foi e continua sendo um convite respeitoso a um repensamento da jurisprudência firmada.
Hoje, seria cômodo considerar o assunto resolvido pelo direito positivo recente (art. 26 do Decreto-lei n.o 1.168), em face da possível retroação da lei à vista de interêsse nacional prevalecente, conforme o sistema da Carta de 1937, tão marcadamente posta .em destaque, nestes autos, pelo culto 2.° Procurador da República, Dr. Luiz Gallotti. Volto, entretanto, a fundamentar a tese de meu sufrágio de outrora, até porque não vejo com suficiente plausibilidade em que a Constituição nova possa determinar, automàtimente, o cancelamento daquela jurisprudência, cuja tirada de curso me parece dever ser a obra de reestudo do próprio Judiciário, sempre esclarecido quando se cogita de respeitar as leis e defender legítimos interêsses. É sintomático o eminente Min. Costa Manso, antes de deixar a cadeira que tanto honrou no Supremo, ter revisto seu modo de julgar anterior, concluindo: "reputo, pois, legítima a exigência fiscal, e, pois, embora pesaroso ,afasto-me da jurisprudência estabelecida" (no Ag. de Pet. n. ° 8.331, dêste Distrito).
Portanto: a) Foi a Lei de 15 de Novembro de 1827 a primeira que, no Império, estabeleceu a isenção de impôsto sôbre apólices da dívida pública interna. Textuais do art. 37: "as apólices serão isentas de impôsto sôbre heranças e legados".
Como então as apólices só fôssem tributadas ao serem transmitidas mortis causa, concluiu-se, generalizando liberalmente, que a imunidade abrangia quaisquer outros impostos, e até houve quem a vinculasse à natureza do título.
Vê-se, porém, ter a isenção promanada da lei, que a criou. Óbvio portanto, que, mesmo geral, havia de ter a vida da norma legislativa estabelecedora. Ora, o artigo focalizado desapareceu do comércio jurídico pela superveniência do 27, da Lei n.O 1.507, de 26 de Setembro de 1867, a saber: "fica revogado o art. 37 da lei de 17 de Novembro de 1827". Nada mais explícito.
E nunca mais a isenção ressurgiu em lei, quer para heranças ou legados, quer para outros impostos. Ao contrário: a tendência para a tributação, longamente preconizada com uma vitória expressiva, tomou a dianteira à imunidade, antes mesmo da primeira lei sôbre impôsto de renda, outra tendo subordinado a transferência de tais documentos de fundos ao pagamento do sêlo proporcional (art. 11, da Lei n.o 813, de Dezembro de 1901, afastando dúvida oriunda de leis surgidas no interregno de 1827 a 1867, isto é, reafirmando o art. 11, § 9.°, a, da Lei n.o 1.114, de 1860, que dispôs em contrário ao art. 15, da Lei n.O 317, de 1843). Só o hiperindividualismo do direito pôde continuar a controverter o problema, para tanto se valendo de interpretação extensiva, inoperante em matéria de isenções e privilégios.
Também afasto, desde já, uma questão de possível aparecimento
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em favor da sobrevivência do art. 37, da Lei de 15 de Novembro de 1827. Sendo essa lei geral, e a de n.O 1.507 orçamentária, "para o exercício de 1867-68 e 1868-69", dir-se-ia que o desaparecimento da última significaria a revigoração daquele art. 37. Em direito, entretanto, não é princípio defensável a volta ao vigor da lei revogada quando cessa a eficácia da vigorante. Para os próprios partidários dessa corrente de poucos prosélitos seria preciso, na dúvida, "a prova do propósito restaurador, a declaração expressa, a legge ripristinatoria dos italianos", como já foi destacado pelo provecto Carlos Maximiliano, enquanto que no tema versado se obtém o contrário dessa prova, por se estadear indisfarçável o ensinamento dos doutos em benefício da motivada tributação como verdadeira necessidade pública e prática de equitativo tratamento de contribuintes. No Brasil, seria até fastidioso citar todos os grandes nomes que, em estudos desinteressados ou especulativos, ou na Administração e no Parlamento, encheram o último século, militando pela tributação. Menciono alguns: Jequitinhonha, São Vicente, Rio Branco, Itaboraí, Ouro-Prêto, Souza Franco, Lafaiete, Rui, Montenegro, L. de Bulhões, Oscar Winschenck, Anísio de Abreu, Bento de Faria, Pontes de Miranda, Colares Moreira, Aníbal Freire, Themístocles Cavalcanti, Raul Fernandes, etc. Ademais, o preceito inscrito no art. 37, da Lei de 1827, sendo de exceção., como sempre acontece em isenções, nem ao menos participa da generalidade ds lei que, diante da ementa oficial,
é sôbre "reconhecimento e legalização da dívida pública, fundação da dívida interna e estabelecimento da Caixa de Amortização" naquele comêço de nossa maioridade política nacio.nal.
Parece-me, sob o.utro aspecto, interessante, mas insustentável, que quando se costuma ligar a isencão à natureza do título, se o faz tendo em vista certos predicamentos do chamado direito natu· ral. Assim supo.nho porque acompanha invariàvelmente o. debate a ponderação de acatamento a compromissos implícitos assumidos, ou congênitos com o título, idéia que realmente é de-fundo na parte primária, ou imutável, do direito. natural. Se minha suposição tem cabimento, isto é, se os defensores da isenção recorrem, consciente ou subconscientemente, à estruturação daquele direito, permito-me divergir. Porque a questão é de puro direito positivo, a lei e talvez o contrato. sendo, como são, as fontes isentatórias e também de seu perecimento: não há articulação alguma entre a idéia de títulos-apólices, mera criacão eco.nômico-financeira sancion~da por leis positivas, e a essência da natureza humana ou a subsistência necessária do homem em sociedade, ou mesmo a persistência dos créditos coletivos. O debate se localizaria na outra parte do próprio direito natural, isto é, na dedutível da primeira, que sabidamente varia ou é mutável conforme as necessidades da época e dos povos. Por que, pois, direitos implícitos vinculados aos chamados co.ntratos de apólices quanto à irredutibilidade de juros? Ainda sem sair de noções
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primárias, aO's que se familiarizam cO'm O' pensamentO' dO's mestres dO' jusnaturalismO' mais próximO', nãO' escapa a cO'ncepçãO' de um Stamler sôbre O' cO'nteúdO' variável que infO'rma o direitO' natural ein naiurreeh mit welehselnden inhalt, O'u a de um Renard sôbre O' cO'nteúdO' prO'gressivO' do mesmO' direitO' drO'it naturel en perpétuel devenir, un drO'U naturel à eO'ntenu progressif: prO'gressif par assimilatiO'n des donnés historiques variables à une substance ratiO'nnelle immunable (O'brs. de referência: Wirtsehaft und Reeht, § 33; La ThéO'r de l'InstitutiO'n, pág. 70). Assim, mesmO' à luz dO' direitO' natural, nãO' seria possível fazer de apólices-títulO's que, por sua natureza O'U índO'le, rendessem jurO'S cuja integralidade fôsse um nO'Ze me tangere implicitamente irreduzível; b) Na espécie dO's autO's, ressai uma situaçãO' particular interessante que evidenciareI afinal.
Uma cO'usa é lei, autO'rizandO' emissãO' de apólices, e O'utra é decretO', para executar a lei. PO'is bem: as leis permissivas de emissões nãO' autO'rizavam vantagens; mas O'S decretos, quase sempre, incluíam, em regra, nO's seus arts. 5.09 uma cláusula assim: "O'S títulO'S que fO'rem emitidO's gO'zarãO' de privilégiO's e isenções que as leis cO'ncedem às apólices O'ra em circulaçãO'''.
Essa cláusula, prudentemente acrescida para evitar excessO' r~gulamentar O'U excessO' executóriO', harmônica cO'm a CO'nstituiçãO', só recO'nhece privilégiO's e isenções quandO' cO'nferidO's em leis, O' que é clássicO', e, cO'mO' se viu, nenhuma, a nãO' ser a revO'gada, isenta
as apólices dO' pagamentO' de impO'stO's.
Sei que se cO'stuma argumentar terem os decretos armadO' ciladas, prO'curandO' ludibriar O'S adquirentes de apólices. Diz-se que O'S arts. 5.°6 decretuais seriam inúteis se nãO' se recO'nhecesse a imunidade, aO' passO' que, na legislaçãO', nãO' se deve incluir disPO'sições O'U palavras inúteis. ImprO'cede O' argumentO'. As cláusulas decretuais nãO' eram tãO' inúteis assim. Bem ao cO'ntráriO', eram prudentes. DescubrO', pelO' menO's, um efeit-.:> para elas: nãO' ser possível, por exemplo, seqüestrO' e represália sôbre apólices possuídas PO'r estrangeirO's cuja naçãO' entre porventura em guerra cO'm O' Brasil, O' que é de lei, tratadO's e direitO' internaciO'nal si et in quantum vigO'rante. Imprevidentes, istO' sim, sãO' O'S cO'mpradO'res de apólices que descO'nheçam as leis e O'S decretos-cO'ntratO's, se é mesmO' que semelhantes decretO's sãO' cO'ntratO'S de mútuO' e nãO' simplesmente fO'rmalizações para O' lançamentO' de apólices-mercadO'rias, nO' mercadO', cO'mO', recentemente, demO'nstrO'u Costa MansO'. Ignoraneis juris nO'cet, e nãO' é O' JudiciáriO' que se poderá afastar de relações jurídicas certas para reparar semelhante imprevidência cO'ntrária a direitO' positivO'.
Mas, dizia eu, a espécie dO'S autO'S apresenta uma situaçãO' particular interessante: as apólices debatidas foram autO'rizadas pela Lei n.o 3.232, de 5 de JaneirO' de 1917 (fls. 23 e O'utras). NãO' se diz qual O' decretO' O'U decretO's. De meus estudO's prO'lO'ngadO's da matéria, pO'rém, eu me infO'rmO' que, naquele anO', hO'uve O'S se-
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guintes Decretos: n.OS 12.447, 12.682 e 12.771 (aplicação estrada de ferro), outros se seguindo nos próximos anos subseqüentes. Pois é curioso registrar que, a partir do primeiro dos decretos supra-aludidos, até 1926, desapareceu a própria cláusula que seria o engôdo do Poder Executivo contra os incautos. Nem disso, portanto, especificamente, tem a autora de que se queixar.
Se em tese e na própria hipótese não é condição preestabelecida inalterável não tributar os juros das apólices, tais rendas, como quaisquer outras, se subordinam ao evento futuro dos atos jurídicos legislativos ou leis tributárias destinadas a prover legítimos interêsses nacionais prevalentes. Certamente tais atos não devem redundar em abuso. Siga-se, porém, o curso da fundamentacão jurídica acima utilizada, e ver-;e-á que a incidência não violando lei ou contrato, não havendo pois amoralidade, o fim ou limite traçado ao poder de tributar, aqui, é o sublinhado pelo esclarecido Amaro Cavalcanti: "a necessidade de prover a despesa pública" como "fundamento racional, inconcurso, incontestável (EIs. de Finanças, n.o 56, fine)". Além do que, o direito a tão extremada irredutibilidade de juros só atinge a taxa para êles fixada, e essa a União satisfaz sem reduzí-Ia na fonte pagadora. Mais tarde, o impôsto recai sôbre renda de capitais produtivos por excelência, já autônoma porque incorporada ao patrimônio do contribuinte e seria odioso isentá-lo de um dever geral que a todo cidadão cabe para
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o bem comum ligado ao próprio. Não se deve confundir o "princípio geral" com interpretações quase ~ouSS€launianas" de compromissos estatais implícitos.
As considerações que aí ficam podem ser rematadas nesta síntese, por bem dizer institucional: 1.0) excluindo privilégio por motivo de riqueza, a Fazenda promove a prática do princípio da igualdade perante a lei; 2.°) não concorrendo lei isentatória, nada obriga à mesma Fazenda a deixar de fazer a incidência e cobrança de impôsto. Eis assertivas que as Constituições nacionais sempre condensaram e que vêem sob medida para legitimar as leis ordinárias estabelecedoras da taxação.
II. Acêrca do outro fundamento da ação: As organizações ou firmas seguradoras são realmente obrigadas a empregar suas "reservas técnicas" em valôres predeterminados, dentre os quais apólices da dívida pública, para garantia dos direitos de sua clientela (arts. 92 e 93, do Decreto n.o 21.828, de 1932). E a autora, comprov:=!damente, assim agiu. Aquelas reservas, entretanto, são capitais que não estão imobilizados no sentido pretendido pelo ilustre advogado da demandante, porquanto, empregados nas apólices, rendem os juros estipulados. Nem se saberia porque, ainda que acessório, tais juros tivessem que ficar retidos com o capital que os produziu. Não consta que assim se proceda, isto é, que os rendimentos não possam ser retirados pela autora.
Exceto no tocante à "parte proporcional do impôsto", que não é taxada, a "renda global, sujeita à parte complementar progressiva
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de rendimento líquido.", paga o impôsto, conforme o. art. 1.°, § 3.°, b, do Decreto n.o 21.554, de 1932, a êsse respeito bem expresso.
É, pois, a própria combinação das leis invocadas pela autora que esclarece sôbre a improcedência de seu modo de ver e pleitear.
lII. Atendendo ao expôsto: Julgo a ação improcedente, mantendo, portanto, o que estabeleceu a autoridade administrativa, e condeno a autora nas custas. Rio de Janeiro, 20 de Novembro de ll939."
Depois de tudo bem reexaminado, nego provimento à apelação para confirmar a douta sentença apelada.
Voto
O Sr. Min. Henrique d'AvilaSr. Presidente, também confirmo,
por seus próprios fundamentos, a sentença apelada.
Os juros de apólices, quaisquer que sejam as datas de sua emissão, são tributáveis, a não ser que estejam isentos por texto expresso de lei. Portanto, de conformidade com o voto do Sr. Min. Revisor, nego provimento à apelação, para manter por seus próprios fundamentos a sentença apelada.
Decisão
Como. consta da ata, a decisão foi a seguinte: Negou-se provimento à apelação para se confirmar in totum a sentença apelada, por maioria de votos, tendo o Exmo. Sr. Min. Relator dado provimento, em parte: Pela apelante usou da palavra o Sr. advogado Plínio Doyle.
APELAÇÃO CíVEL N.O 993 - DF. * (Embargos)
Relator - O Ex.mo Sr. Min. Djalma da Cunha Mello Embargante - Juiz da 3.a Vara da Fazenda Pública, Banco do
Brasil S/A Embargado - José de Souza Chaves
Acórdão
Embargos. Versaram apenas matéria a respeito de cujo entendimento não houve discrepância na Turma. Dêles, por isso, não pode ° Tribunal Pleno conhecer.
Vistos, relatados e discutidos êstes embargos infringentes do jullgado opostos na Apelação Cível n.o 993, do Distrito Federal, em que é embargante o Banco do
:/: Nota da Redação - Confirmado O> Acórdão pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, que, pela sua Primeira Tllnna, à unanimidade, não conheceu do Recurso Extraordinário n.o 15.024,
Brasil e embargado José de Souza Chaves:
Acorda o Tribunal Pleno, por unanimidade de votos, em não
julgado a 25-7-1949, Relator Min. José Linhares. Ementa: "Não é embargável a decisão confirmatória de outra de Primeira Instância. Não cabimento do recurso extraordinário". Acórdão publicado no Diário da Justiça de 19-5-1951, pág. 1.250.
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conhecer dos embargos opostos, o que faz nos têrmos do Relatório e notas taquigráficas de fls. 152 a 160, que ficam integradas neste. Rio de Janeiro, 29 de Novembro de 1948. - Edmundo Macedo Ludolf, Presidente ad hoc; Djalma da Cunha Mello, Relator.
Relatório
o Sr. Min. DjaIma' da Cunha Mello (Relator) - Em conformidade com o disposto no art. 1.0, do Decreto-lei n.o 914, de 1.0 de Dezembro de 1938, o Banco do Brasil aposentou administrativamente, em 13 de Março de 1941, o funcionário José de Souza Chaves (vide doe de fls. 8) que, mais tarde, em 19 de Março de 1946, apresentou a despacho do Juiz da 3.a Vara da Fazenda Pública a petição inicial de uma ação contra o empregador referido, demanda sôbre que versam êstes autos e em que êle objetivava anular aquêle ato e, "em conseqüência, a sua reversão ao serviço ativo e o pagamento dos vencimentos que deixou de receber, acrescidos dos juros e demais vantagens a que teria direito se não houvesse sido ilegalmente afastado de suas funções". Na dita petição, o autor mencionou o tempo, qualidade e vulto dos seus serviços ao réu, e bem assim que, a despeito de um julgado trabalhista ter repudiado a acusação de falta grave, de emissão de cheque sem fundo, que o estabelecimento de crédito cogitado lhe irrogou, foi afastado do seu cargo, sem base no Decreto-lei n.O 914, que não é lei de efeitos retroativos, foi. p5sto no qua-
dro de inativos (vide fls. 2 até 5). No tempo próprio (vide ih 20 usque 27), o Banco apresentou contestação, argüindo incompetência de Juízo, face ao disposto na Consolidação das Leis do Trabalho, art. 643, prescrição, nos têrmos do art. 11, dessa mesma Consolidação, e do art. 13, da Lei n.o 221, de 1894, e, no mérito, as faltas do empregado e a legalidade do ato impugnado, que o Banco baixou em rigorosa conformidade com o Decreto-lei n.o 914, citado, art. 1.0. Retrucou o autor. O Juiz, no despacho saneador, desprezou a exceção de incompetência, e também a prescrição arguida (vide fls. 36 v., e 38). Foi manifestado agravo no auto de processo (vide fIs. 42 e 44). Velo para os autos certidão da pré-falada sentença trabalhista (vide fls. 48 até 52). Percorridos os demais trâmites, assinalado que a União Federal, citada como assistente, acompanhou a lide, foi a mesma julgada procedente. Eis a parte substancial da sentenca: "Considerando que o autor -foi aposentado administrativamente pelo Banco do Brasil S. A., nos têrmos da autorização concedida pelo Sr. Presidente da República, ex vi do disposto no art 1.0, do Decreto-Iei n.o 914, de 1938; considerando que, anteriormente, fôra o autor processado administrativamente sob a acusação de falta grave, capitulada no art 93, letra a, do Decreto n.o 54, de 1934, por haver emitido um cheque sem fundo contra o réu, tendo, porém, a 3.a Câmara do Conselho Nacional do Trabalho, tomado conhecimento do inquérito julgado, por
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decisão de 6 de Dezembro de 1938, improcedente a queixa, e determinado, em conseqüência, a readmissão do autor com tôdas as vantagens legais, decisão essa confirmada pelo Conselho Nacional do Trabalho, que desprezou os em bargos opostos em sessão pIem! de 17 de Agôsto de 1939, fatos êstes alegados pelo autor na inicial e não contestados pelo réu; considerando que, segundo se vê a fls. 51 v., do documento junto por petição a fls. 47, tendo o réu recorrido da decisão acima referida para o Sr. Ministro do Trabalho Indústria e Comércio, resolveu S. Ex.a não conhecer do recurso, tendo, porém, em um dos considerandos, ressalvado ao Banco o direito de reconstituir uma das provas do inquérito, se para tal dispusesse de elementos; considerando que tem o Banco do Brasil, de acôrdo com o Decreto-lei n.o 914, de 1.0 de Dezembro de 1938, o direito de aposentar, in. dependentemente de inspeção de saúde, quando ocorram interêsse do serviço ou conveniência do serviço, os seus funcionários dependendo, porém, a decretação dessa aposentadoria de prévia aprovação do Sr. Presidente da República; considerando, porém, que no caso sub judice a falta grave que teria sido praticada pelo autor já fôra julgada regularmente na-Justiça Trabalhista que, apreciando o inquérito instaurado, julgou improcedente a queixa e determinou a readmissão do autor aos quadros do Banco com tôdas as vantagens legais, o que foi cumprido pelo réu; considerando que o ato praticado pelo réu, aposen-
tando administrativamente o autor, fundou-se em lei promulgada depois de já terem sido os fatos praticados e apreciados pela autoridade competente que decidiu em favor do autor; considerando que o legislador ao promulgar o Decreto-lei 914, não lhe deu efeito retroativo, e, assim sendo, não pode ser êle aplicado a faltas praticadas antes de sua vigência, principalmente em se tratando de uma punição não prevista na lei vigente ao tempo dos fatos; considerando, finalmente, que o autor, indiscutivelmente, praticou faltas graves, as quais se bem que não autorizaram a sua demissão ou aposentadoria, devem ser tomadas em consideração pelo Banco-réu, quanto ao direito do autor às promoções, podendo o réu aplicar ao autor as penalidades regulamentares, apesar de não ter sido considerado suficiente para a demissão a prova colhida no inquérito administrativo, segundo a autoridade competente para apreciar tal hipótese; considerando o mais que dos autos consta: Julgo procedente a presente ação, para anular o ato do réu que aposentou administrativamente o autor, com fundamento no disposto no art. 1.0, do Decreto-lei n.o 914, de 1.0 de Dezembro de 1938, determinando a reversão do mesmo ao serviço ativo e o pagamento da diferença de vencimentos que teria deixado de receber, acrescida dos juros de mora. Custas pelos réus. Recorro ex officio. P.R."
O réu, no prazo da lei, apelou, oferecendo as razões de fls. 81 usque 85. O autor apresentou contra-razões que figuram a fls. 89 e
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seguintes, até 96. Nesta Superior Instância o Dr. Subprocurador-Geral da República fêz remissão às razões do recorrente, subscrevendo-as. Em sessão de 19 de Dezembro último, a Segunda Turma, por unanimidade de votos, rejeitou as preliminares de incompetência e prescrição, e, por maioria de votos (vide fls. 123 e v.), negou provimento ao recurso necessário, e, por igual, ao apêlo do Banco. No mérito, disse o Relator, Min. Henrique d'Ávila (fls. 116): "A falta grave atribuída ao autor apelado, isto é, a emissão de cheque sem fundos para o resgate, contra o réu apelante, que deu lugar à sua demissão do serviço, após inquérito administrativo, foi soberanamente apreciada e julgada pela única Justiça competente para o caso, a Trabalhista, que considerou improcedente a queixa e determinou a readmissão do autor com tôdas as vantagens legais. Reintegrado o autor, em obediência ao julgado trabalhista, houve por bem o !réu apelante aposentá-lo com autorização do Sr. Presidente da República, e assento no Decreto n.o 914, de 1.0 de Dezembro de 1938, sem qualquer outra motivação que a já antes invocada e cO'nsiderada insubsistente pela única autoridade competente para apreciá-la em ultima ratio.
Os mesmos fatos que serviram de base para a inconsiderada demissão do autor vieram, afinal, a servir de arrimo e justificativa para o ato de sua aposentadoria administrativa decretada, e isto reveste-se de suma importância, de conformidade com disposições
legais promulgadas em data posterior a da ocorrência dos aludidos fatos.
As faltas praticadas pelo apelado, ainda que comprovada à saciedade, não podiam, sem grave ofensa ao Direito, motivar sua aposentadoria por fôrça de lei superveniente, mormente, tratando-se como se trata, no caso, de punição não prevista na lei vigente ao tempo em que foram constatados. O réu apelante podia, como fêz, aplicar ao autor penalidades disciplinares como a relativa aO' direito a promoções, mas, vedado que lhe era afastá-lo definitivamente do serviço pela aposentadoria em desacôrdo com prova colhida no inquérito e julgada insuficiente por quem competia analisá-la em definitivo".
O Min. Macedo Ludolf (fls. 120 e 121): "Parece-me que o objeto desta questão está na aplicação do Decreto n.O 914, de 1938, que estabeleceu a possibilidade da aposentadoria dos funcionários do Banco, para cuja concessão o seu próprio presidente tem Podêres, dês que autorizado pelo Presidente da República. Conforme esclareceu o Sr. Min. Relator, o que se conclui é que o autor teria sofrido a penalidade em virtude de fatos anteriores à vigência do citado Decreto n. ° 914, como ficou demonstrado.
Embora partindo de govêrno detentor de podêres discricionários na época, não podia o Decreto ter efeito retroativo, senãO' dentro da matéria que diz respeito expressamente ao citado dispO'sitivO' legal.
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Assim, se na ocaslao em que o fato foi atribuído ao apelado não existia a lei que permitia a aposentadoria, a qual surgiu posteriormente, certo, essa lei não pode ser admitida com efeito retroativo, porque de seus têrmos não se infere tal efeito, sOmente aceitável à luz do entendimento dado à Constituição de 37.
Niessa ocasião não havia dispositivo expresso envolvendo retroatividade, e o invocado Decreto não poderia ter aplicação a fatos anteriores. A aposentadoria em espécie foi, portanto, evidentemente ilegal, e da ilegalidade do ato decorre o direito do apelado de pleiteai:" a reintegração com os proventos correspondentes. Acho que esta solução se impõe.
Quanto ao aspecto abordado pelO Sr. Min. Revisor, parece-me que escapa à apreciação judiciária. Ficará o assunto para exame posterior do próprio Banco. A êste competirá, se necessário, determinar o afastamento do autor de suas funções, como medida administrativa. O que estamos decidindo agora é se cabe ou não a reintegração pedida. O Tribunal reconhece êsse direito e, no tocante à conveniência ou não de permanecer o autor em servico trata-se de uma providência "d~ ordem interna, que será ventilada pdo Banco oportunamente, se houver motivo para isso.
De forma que, sob o ponto de vista exposto, adoto o voto do Sr. Min. Relator, negando provimento à apelação."
E eis o voto vencido do Revisor, Min. Abner de Vasconcellos (fls. 118 e 119): "O autor ape-
lado, depois de resolvido o seu caso na Justiça do Trabalho, e de ter sido readmitido no servico do Banco do Brasil, foi apose;tado por falta de confiança, mediante ato de autoriza cão do Presidente da República, ~a forma do Decreto n.o 914, de 1.0 de Dezembro de 1938.
A ação visa a anular a aposentadoria, voltar ao cargo, e ter direito à percepção de vencimentos integrais.
A sentença deu totalmente ganho de causa ao autor, apelando a União e o Banco. O autor foi primeiramente demitido pela acusação de emitir cheque sem fundos contra o Banco. Reverteu-o ao serviço. O Banco, sentindo a necessidade do seu afastamento, pelo rigor da disciplina interna, aposentou o funcionário. É indiscutível o direito que tem um estabelecimento bancário de afastar o funcionário que decai da confiança da diretoria, tornando-se suspeito à ordem, .à disciplina e à moralidade do serviço. A Justiça pode manter o direito à função, reintegrar o empregado, reconhecer-lhe os proventos do trabalho. Mas o empregador pode dispensar-lhe o servico. se suas conveniências assim o" induzirem , contanto que respeite a integridade do estipêndio. Nisto é que está o direito do empregado. A lei não pode forçar o empregador a aceitar o trabalho de quem lhe pareça indesejável.
Quem paga e dispensa o serviço, não causa dano.
Dou provimento, em parte, para reconhecer ao empregado o direi-
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to a vencimentos integrais na aposentadoria".
O Banco do Brasil embargou o Acórdão, dizendo, a propósito, (fls. 125 usque 134), em suma que: (lê). Admitidos os embargos, disse sem desfavor dos mesmos o embargado (fls. 137 até 140), em resumo: (lê). Distribuídos os autos ao Min. Abner de Vasconcellos, (fls. 136). S. Ex.a
apoiando-se no Regimento, art. 40, § 2.°, ponderou não lhe cabia nêles oficiar na situação do Relator. Nova distribuição resultou na minha escolha. O Dr. Subprocurador-Geral da República opinou pelo provimento dos embargos nos têrmos em que o embargante situou a controvérsia.
E é êste o relato que tenho a fazer.
Voto
o Sr. Min. Djalma da Cunha Mello (Relator) - A decisão embargada foi proferida pela Egrégia Segunda Turma. Se dela fisesse parte, seria mais radical do que o foi o eminente Min. Abner de Vasconcellos. Teria dado provimento ao apêlo para julgar a ação improcedente. Considero legítimo que um Banco afaste do seu serviço, pela aposentadoria, um funcionário que, tendo emitido cheque sem fundos, perdeu a confiança dêsse Banco. Todavia, tenho de cifrar-me na hipótese em debate, e isso digo de vistas inda neste momento voltadas para os embargos, para o que nêles se sustenta à disposição rígida do Código de Processo Ci-
vil, com a redação que lhe deu o Decreto-lei n.O 8.570, de 8 de Janeiro de 1946, art. 833: "Além dos casos em que os permitem os arts. 783, § 2.°, e 839, admitir-se-ão embargos de nulidade e infringentes do julgado quando não fôr unânime a decisão proferida em grau de apelação em ação rescisória, e em mandado de segurança. Se o desacôrdo fôr parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência".
A divergência entre os Juízes da Segunda Turma, no julgamento da apelação, cifrou-se ao seguinte: enquanto que os Srs. Mins. Henrique d'Ávila e Macedo Ludolf negavam provimento à apelação, mantinham a sentença apelada em todos os seus têrmos, o Sr. Min. Abner de Vasconcellos dava provimento, em parte, ao recurso para manter a aposentadoria, mas com vencimentos integrais.
No entanto, ao invés de abordar êsse ponto, único sôbre que podiam versar os embargos, dêle se afastou por completo o embargante para ir, alhures, consumir-se em pleitear provimento de embargos no concernente aos ângulos da questão decididos pela Turma, sem discrepância alguma. Nessa conformidade, face à linguagem terminante do precitado art. 833, não conheço dos embargos.
Voto
o Sr. Min. Elmano Cruz (Revisar) - Sr. Presidente, também conheceria dos embargos se fôsse caso dêles e os acolheria para
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reformar em parte a decisão de Primeira Instância, e, com ela, o Acórdão embargado, a fim de, mantida a anulação do ato de aposentadoria, determinar pura e simplesmente a readmissão do embargado, considerando como de suspensão o tempo do seu afastamento.
Entendo, como o Sr. Min. Abner de Vasconcellos, voto vencido na apelação, que a irregularidade da atuação do embargado não pode passar in albis, e assim o Banco tem o direito de se defender contra o mau funcionário.
Êste direito, porém, no caso, foi exercitado contra julgado da Justiça Trabalhista, em pleito intentado pelo próprio Banco e que afinal lhe foi desfavorável. Aliás, no regime da Carta de 1937, a emissão de cheque sem fundo era até tolerada pelo Banco que teria baixado Portaria vedando tais emissões da data da Portaria em diante.
Também o legislador admitiu implicitamente tal prática com a expedição do Decreto-lei 1.703, de 24 de Outubro de 1939, que mandou cobrar sêlo sôbre saldos devedores de saques bancários.
Assim, dando a readmissão do funcionário, tal como assentei no caso de Otávio Santos, ao mesmo tempo que comino uma pena ao mau servidor (perda de proventos durante a suspensão ou afastamento), restabeleço o seu direito nos têrmos em que o reconheceu a Justiça do Trabalho.
No caso, porém, são inadmissíveis, pois, opostos na parte em que o Acórdão foi unânime, pelo que dêles não conheço.
Voto
O Sr. Min. Sampaio Costa -Sr. Presidente, na forma regimental, tenho que me abstrair daquilo que foi julgado e não foi objeto do recurso. Dou por bem julgado, e a mim não compete apreciação a respeito. Quanto ao recurso, nego provimento aos embargos na conformidade do voto do Sr. Min. Relator.
Voto
O Sr. Min. Cunha Vasconcellos - Sr. Presidente, não analiso o merecimento da decisão da Egrégia Segunda Turma; atenho-me ao aspecto formal, puramente processual, levantado, inicialmente, pelo Sr. Min. Relator.
A Egrégia Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento aos recursos, havendo um voto divergente, em parte, que foi do Sr. Min. Revisor, o qual dava provimento para libertar o Banco do dever de reintegrar o funcionário.
Só nessa parte houve divergência; no mais, tudo é unânime.
O Sr. Min. Relator admitiu os embargos, ao contrário do que fiz, em caso idêntico, de funcionário do mesmo Banco, em que êste incidiu no mesmo êrro. Preliminarmente, não admiti os embargos, tendo o Banco agravado para o Tribunal que, composto de todos os seus Juízes, negou provimento a êsse agravo. Isso porque se está e se estava aplicando, na hipótese, os expressos têrmos do art. 833, do Código de Processo, segundo a redação do Decreto-lei n.o 8.570, de 8 de Janeiro de 1946, já citado pelo Relator. Êsse dispositivo está transcrito no Regimen-
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to. Só se admitirão os embargos de nulidade e infringentes do julgado quando não fôr unânime a decisão proferida. Se o desacôrdo fôr parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência.
Como disse, a decisão da Turma foi unânime, exceção única na parte da reintegração. Li atentamente o memorial do Banco embargante, e verifiquei que os seus embargos versam precisamente sôbre a parte em que o Acórdão da Segunda Turma foi unânime, sem uma palavra quanto à parte da reintegração do funcionário. Não se diz uma palavra; não há embargos nessa parte.
Ora, o Código de Processo diz mais, em seu art 834: "Os embargos, que poderão ser opostos nos 10 dias seguintes ao da publicação do acórdão no órgão oficial, serão deduzidos por artigos e entregues ao funcionário do Tribunal encarregado do protocolo".
Quer dizer, a parte terá que dar as razões por que interpõe embargos, dizendo dos motivos por que entende errada, suscetível de alteração, a decisão da Turma. No caso presente, não o fêz. A conclusão única, coerente, aliás, com o próprio pronunciamento unânime do Tribunal no ca~o anterior, é de se não conhecer dos embargos, por inadmissíveis, não obstante o despacho do Sr. Min. Relator, na Turma que os admitiu sem, certamente, examinar o aspecto que posteriormente viemos a focalizar no Tribunal Pleno.
Por isso, meu voto, de acôrdo com a maioria que já se pronun-
ciou, também é pelo não conhecimento dos embargos, por inadmissíveis.
Voto
o Sr. Min. Artur Marinho -Sr. Presidente, estou de acôrdo com a conclusão que já está pràticamente vencedora.
Só me impressionou muito profundamente a afirmativa feita da tribuna pelo Dr. Advogado de que a Turma disse que não tinha sido interposto agravo no auto do processo, quando, afirmou êle, existia o agravo. Então, suprimiu-se o julgamento da preliminar.
O Sr. Min. Elmano Cruz - O despacho rejeitou e não discutiu.
O Sr. Min. Artur Marinho -O que se disse, porém, é que não existia agravo e, por isso, ° decidido passara em julgado. Teria sido engano evidente e ° julgamento então seria nulo, por violar, entre outros dispositivos, a regra do art. 852, do Código de Processo Civil, que manda apreciar preliminarmente o agravo no auto do processo.
O Dr. Advogado afirmou que existia o agravo e que o Tribunal negara a sua existência. Se exato, estaria o Tribunal incorrendo em falta; se não está exato, é uma leviandade que não se poderia perdoar.
Mas não posso criar embaraços em conseqüência de possível falha, até porque tratar-se-ia de omissão que poderia ter sido elucidada mediante embargos declaratórios, não solicitados.
Neste caso, e feitas essas considerações que, compreendo, não
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devem constituir premissas para chegar à conclusão a que cheguei, estou de pleno acôrdo com o estabelecido pelo Sr. Min. Relator.
Decisão
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Não conheceram
dos embargos, unânimimente. Impedido o Sr. Min. Mourão Russe11. Usou da palavra o Sr. Advogado Eduardo Cossennalli, pelo embargado. Não tomou parte no julgamento o Sr. Min. Rocha Lagoa. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Macedo Ludolf.
APELAÇÃO CÍVEL N.o 15.017 - CB.
Relator - O Ex.IDO Sr. Min. Henrique d'Ãvila Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Cândido Lôbo Apelante - Thomaz Corrêa Viana Apelada - União Federal
Acórdão
Militar. Promoção. O art. 33, §§ 1.0 e 3.°, da Lei n.o 2.370, de 1954, só assegura a reforma em pôsto imediato aos militares julgados incapazes para todo e qualquer serviço, ou seja, aos que não possam angariar seus próprios meios e subsistência.
Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível número 15.017, da Guanabara, apelante Thomaz Corrêa Viana e apelada a União Federal:
Acorda, por maioria, a Primeira Turma julgadora do Tribunal Federal de Recursos em negar provimento ao recurso, conforme consta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o Relatório, ficam fazendo parte integrante dêste julgado, apurado nos têrmos de fôlhas 103. Custas de lei.
Tribunal Federal de Recursos, 7 de Novembro de 1961. - Henrique d' Ávila, Presidente e Relator.
Relatório
O Sr. Min. Het1!rique d,'Ávila (Relator) - Cogita-se de ação
ordinária movida contra· a União Federal pelo 3.0 Sargento do Exército, Thomaz Corrêa Viana, que objetiva sua promoção nos têrmos da Lei n.O 2.370, de 1954, por ter sido julgado definitivamente incapaz para o serviço militar, não podendo possuir seus meios de subsistência.
O MM. Julgador a quo sentenciando de fls. 75 a 78, reputou improcedente a ação, porque a Junta Superior de Saúde do Exército, por último, considerou o autor incapaz, apenas para o serviço militar, acrescentando que o mesmo estava em condições de prover seus meios de subsistência, aplicando-se a outras atividades menos árduas que a militar.
Irresignado, apelou o autor com as razões de fls. 80 a 85: (lê).
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o recurso foi contra-arrazoado. E, nesta Superior Instância a
douta Subprocuradoria-Geral oficiou nestes têrmos (fls. 96): (lê).
É o Relatório, com o qual passo os autos ao Ex.mo Sr. Min. ReVISOr.
Voto
o Sr. Min. Henrique d'Ávila (Relator) - Nego provimento ao recurso. Embora as primeiras inspeções de saúde tivessem dado o autor como incapaz para todo o serviço, a Junta Superior de Saúde do Exército, afinal o considerou apenas incapacitado para o serviço militar, podendo o autor granjear a sua subsistência em atividades menos árduas. E, assim sendo, não faz jus o autor à promoção pretendida.
Voto
o Sr. M in. Cândido Lôbo (Revisor) Data venia de V. Ex.a, dou provimento ao recurso para julgar procedente a ação, visto como o laudo, embora modificado mais tarde, mas não no sentido integral, reconheceu a incapacidade permanente do apelante. Em 28 de Fevereiro de 1956 foi inspecionado para fins de amparo da Lei n.o 2.370/ /54 e nessa ocasião foi julgado definitivamente incapaz para o serviço militar, com a ressalva de que não podia prover os meios de
subsistência. Mantenho a sentença, julgando procedente a ação.
Decisão
Como consta da ata a decisão foi a seguinte: Depois dos votos do Relator, negando provimento, e do Sr. Min. Revisor, dando provimento, pediu vista o Sr. Min. Márcio Ribeiro (Afrânio Costa). Presidiu o julgamento o Sr. Min. Henrique d'Ávila.
Voto
o Sr. Min. Márcio Ribeiro - Estou de acôrdo com o voto de V. Ex.a, o Sr. Presidente, data venia do Revisor.
Trata-se de militar que pleiteia promoção por ter sido julgado definitivamente incapaz para o serviço militar. O direito dêle estava condicionado a saber se era incapaz apenas para o serviço militar, ou para tôda e qualquer função. Convenci-me, como V. Ex.a ,
de que a incapacidade diz respeito tão-somente ao serviço militar.
Decisão
Como consta da ata a decisão foi a seguinte: Prosseguindo-se no julgamento, negou-se provimento ao recurso contra o voto do Sr. Min. Revisor. O Sr. Min. Márcio Ribeiro (Afrânio Costa) acompanhou o Sr. Min. Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Henrique d'Ávila.
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APELAÇÃO CíVEL N." 15.027 - GB.
Relator - O Ex.mo Sr. Min. Sampaio Costa Revisor - O Ex. mo Sr. Min. Oscar Saraiva Recorrente - Juízo da Fazenda Pública, ex officio Apelante - IAPC Apelado - José Olympio Pereira Filho & Cia. Ltda., e outros
Acórdão
Taxa de 1 % devida ao IAPe e destinada ao seu SAM. Legitima-se a sua cobrança em face da lei permissiva anterior.
Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível número 15.027, da Guanabara, apelante Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários e apelado José Olympio Pereira Filho Cia. Ltda. e outros, assinalando-se também recursos ex oificio:
Acorda, por maioria, a Terceira Turma julgadora do Tribunal Federal de Recursos em dar provimento aos recursos, conforme consta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o Relatório de fIs., ficam fazendo parte integrante dêste julgado, apurado nos têrmos do resumo de fôlhas 324. Custas ex lege.
Tribunal Federal de Recursos, 12 de Dezembro de 1961. - Sampaio Costa, Presidente; Oscar Saraiva, Relator designado para o Acórdão.
Relatório
O Sr. Min. Sampaio Costa (Relator) - Trata-se de ação de consignação proposta por José Olympio Pereira Filho & Cia. Ltda. e outros contra o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários (IAPC), que se recusa a
receber das suplicantes as contribuições devidas sem a inclusão da taxa de 1 % destinada aos Serviços de Assistência Médica Hospitalar, inpondo-lhe multa e cobrando juros moratórios.
Posteriormente, vieram outras Companhias como litisconsórcio, fIs. 49, as quais foram admitidas.
O Instituto argüiu a preliminar de impropriedade da ação, fls. 285, e a respeito falaram as !'lutaras às fls. 289. A sentença de fIs. 30.0 a 303, houve por bem julgar procedente a ação, recorrendo de ofício.
O Instituto réu, inconformado, apelou para êste Egrégio Tribunal Federal de Recursos, às fls. 305/8, argüindo a preliminar de nulidade de processo por considerar irregular o mandado de citação expedido ao réu, em 30 de Março de 1959, e só veio a ser junto aos autos em 16 de Setembro do mesmo ano, fls. 212 v., isto é, após a data fixada para o recebimento a que se refere o art. 314, do Código de Processo Civil. No mérito, diz: que dita cobrança é legal, pois que a mesma tem fundamento no Decreto-lei n.o 2.122, de 1940, o que a sentença deixou de apreciar.
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Os autores ora apelados, contra-arrazoaram às fls. 310 a 311, pedindo a confirmação da sentença.
A União Federal, às fls. 312, dá apoio às razões da apelação, objetivando a reforma da decisão de Primeira Instância.
A Subprocuradoria-Geral da República, no seu Parecer de fls. 317 é pelo provimento dos recursos.
É o Relatório.
Voto (Vencido)
O Sr. Min. Sampaio Costa (Relator) - Cogita-se de consignatória em pagamento visando a que o IAPC receba o que lhe devem os autores e litisconsortes, sem a taxa de 1 % para Serviço Médicos por considerar esta ilegal e mesmo inconstitucional.
O Juiz julgou subsistente o depósito, e efetuado o pagamento quanto aos autores e, bem assim, procedente a ação proposta pelos litisconsortes anteriores, repelindo a preliminar de impropriedade de ação. A sentença é de ser confirmada. A taxa de 1 %, em jôgo, é
ilegal e mesmo inconstitucional, como têm decidido êste Egrégio Tribunal Federal de Recursos e o Egrégio Supremo Tribunal Federal.
Não há mister de maiores considerações. Nulidade alguma inexiste. O apelante foi citado em tempo, tornando-se revel. A matéria é preclusa.
Nego, assim, provimento aos recursos, para confirmar a decisão recorrida.
Voto
O Sr. Min. Oscar Saraiva -Sr. Presidente, dou provimento ao recurso para julgar improcedente a ação com apoio do Decreto-lei número 2.122, de 1940, autorizativo da arrecadação da taxa questionada.
Decisão
Como consta da ata a decisão foi a seguinte: por maioria de votos, deram provimento aos recursos, vencido o Sr. Min. Relator. a Vogal, Sr. Min. Amarílio Benjamin votou com o Sr. Min. Re. visor. Presidiu o julgamento o Sr. Mio. Sampaio Costa.
APELAÇÃO CíVEL N.O 15.054 - GB. Relator - a Ex.mo Sr. Min. Cândido Lôbo Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Márcio Ribeiro (Afrânio Costa) Apelante - Esther de Proença Lago Apelada - União Federal
Acórdão
IP ASE. Pensão: seu cálculo deve tomar por base os vencimentos que o servidor percebia à data do falecimento.
Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n.o 15.054, do Estatuto da Gua-
nabara, apelante Esther de Proença Lago e apelada União Federal:
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Acorda, por votação unânime, a Primeira Turma julgadora do Tribunal Federal de Recursos em negar provimento ao recurso, conforme consta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o Relatório, ficam fazendo parte integrante dêste julgado, apurado nos têrmos de fls. 51. Custas ex lege.
Tribunal Federal de Recursos, 5 de Dezembro de 1961. - Henrique d' Ávila, Presidente; Cândido Lôbo, Relator.
Relatório
o Sr. Min. Cândido Lôbo (Relator) - Esther de Proença Lago propôs a presente ação objetivando a condenação da União a pagar-lhe a diferença entre a pensão que recebe e a que correspondesse 45 % da remuneração dos servidores da classe de seu marido, nas épocas correspondentes, desde o dia em que terminou o prazo :de doze meses do art. 256, da Lei n.o 1.711, de 1952, até o dia 17 de Março de 1958, quando foi publicada a Lei n.o 3.373, de 12 de Março de 1958.
A União Federal contestou a ação, sustentando que a autora teve a sua pensão calculada em forma legal e com base nos vencimentos percebidos pelo marido à data do óbito, como apoio no art. 4.°, da Lei n.o 3.373, de 12 de Março de 1958; Réplica às fls. 15/17; Saneador às fls. 23 v.
A sentença julgou improcedente a ação assinalando que a pretensão fundada na Lei 3.373, sOmente seria cabível contra o IPASE, que é Autarquia, com personalidade jurídica distinta da União (fls. 27/28): (lê).
Inconformada, apelou a autora (fls. 30/35), contra-arrazoada às fls. 37/38.
Nesta Instância, a douta Subprocuradoria-Geral da República opinou pelo não provimento (fls. 44).
Ê o Relatório.
Voto
o Sr. Min. Cândido Lóbo (Relator) - Sr. Presidente, pretende a apelante com fundamento no art. 4.°, da Lei n.O 3.373, de 12 de Março de 1958, o reajuste de sua pensão, para perceber 50% da remuneração dos servidores ativos, da classe de seu falecido marido.
Diz aquêle artigo da lei que "é fixado em 50% do salário-base, sôbre o qual incide o desconto mensal compulsório para o IP ASE a soma das pensões à família do contribuinte, entendido como esta o conjunto de seus beneficiários que se habilitarem às pensões vitalícias e temporárias".
Tal disposição não cogita de critérios outros que não os adotados para o cálculo que norteou a fixação de sua pensão.
Os 50% de que cogita a lei, incidem sôbre o salário-base, objeto de desconto para o IPASE.
Desconto é a operação que se processa quando da atividade do segurado.
Falasse a lei em variações ou reajustamentos posteriores e estaria a apelante com a razão, porque lei que tenha de ser regulamentada só entra em vi.gor depois do Regulamento.
Ao tempo do falecimento do marido, seu vencimento era de
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Cr$ 8.400,00, e sôbre êle era calculado o seu desconto.
Apelante, juntamente com o outro beneficiário, - seu filho -, tinham a pensão correspondente à percentagem legal então vigente.
Ademais, quem lhe pagava benefício era o IPASE e não a União, que é parte ilegítima para responder aos têrmos da presente ação. A matéria não é de fato, é de direito, e nesse se discute prova. O que está em causa é a Lei n.o 3.373, de 12 de Março de 1958, e sua validade como lei federal que é.
Voto
o Sr. Min. Márcio Ribeiro -O problema proposto na ação não
é o de aumento da percentagem da pensão, mas o da revisão desta quando houver aumento de vencimentos do cargo.
Essa revisão evidentemente só seria possível por determinação legaL A ação não poderia, pois, prosperar.
Nego provimento ao recurso.
Decisão
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte : Negou-se provimento ao recurso, por unanimidade. Os Srs. Mins. Márcio Ribeiro (Revisor) e Henrique d'Ávila (Vogal) votaram com o Sr. Min. Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Henrique d'Avi/a.
APELAÇÃO CíVEL N.O 15J)86 - SP.
Relator - O Ex.mo Sr. Min. Aguiar Dias Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Henrique d'Ávila Recorrente - Juiz da Fazenda Nacional, ex oHicio Apelante - União Federal Apelada - "São Paulo" Organização Comercial Ltda. e outras
Acórdão
Taxa de despacho aduaneiro. Seu caráter -chamada taxa de despacho aduaneiro, pelos próprios têrmos em que foi criada, não tem caráter de taxa, mas de verdadeiro impôsto. Se êste está excluído por isenção, a cobrança daquela não tem legitimidade.
Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n.o 15 .086, do Estado de São Paulo, apelante União Federal e apelada "São Paulo" Organização Comer-
ciaI Ltda. e outras, assinalando-se também recursos ex oHicio:
Acorda, por maioria, a Primeira Turma julgadora do Tribunal Federal de Recursos, em negar
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provimento, conforme consta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o Relatório de fls., ficam fazendo parte integrante dêste julgado, apurado nos têrmos do resumo de fôlhas 120. Custas ex lege.
Tribunal Federal de Recursos, 2 de Outubro de 1962. - Henrique d'Ãvila, Presidente; Aguiar Dias, Relator.
Relatório
o Sr. Min. Aguiar Dias (Relator) - Decidiu a sentenca de Primeira Instância que a i~portação livre de direitos alfandegários está, por igual, isenta da cha· mada taxa de despacho aduaneiro, que conceitua como verdadeiro impôsto.
Houve recurso de ofício e apelação da União, apoiados pela Subprocuradoria, que invoca, em prol da reforma da sentença, o art. 66, da Lei de Tarifas, sustentando, ainda, que aquêle tributo tem caráter remuneratório.
É o Relatório.
Voto
o Sr. Min. Aguiar Dias (Relator) - Nego provimento, Sr. Presidente. A meu ver, a chamada taxa de despacho aduaneiro substituiu um verdadeiro impôsto e não tem caráter remuneratório. É uma imposição fiscal sem o caráter de retribuição a qualquer serviço, tanto assim que não se
consegue indicar especificamente a que serviço ela corresponde.
Voto (Vencido)
o Sr. Min. Amarílío Benjamin - Estou em divergência com os eminentes colegas. Temos decidido, até aqui, que a taxa de despacho aduaneiro tem aplicação a todos, não está ligada a qualquer isenção, seja de impôsto de importação, de consumo ou previdencial. Seguindo, porém, a jurisprudência estabelecida pela magistratura paulista, examinamos a discriminação a que a própria lei submete a taxa de despacho aduaneiro, e excluimos as cotas ou percentagens que correspondam às isenções específicas de que porventura goze o produto.
No caso presente, como não se alega qualquer isenção senão aquela de tributação geral, evidentemente não aceito a orientação da sentença recorrida.
Meu voto é para que se dê pro
vimento.
Decisão
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: negou-se provimento a ambos os recursos por maioria de votos. O Sr. Min. Henrique d'Ávila acompanhou o Sr. Min. Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Henrique d'Ávila. Vencido o Sr. Min. Amarílio Benjamin.
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APELAÇÃO CÍVEL N.o 15088 - GB.
Relator - O Ex.ll1O Sr. Min. Henrique d'Ávila Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Cândido Lôbo Apelantes - Edgard de Paula Oliveira e outros Apelada - União Federal
Acórdão
Militares. Promoção. A Lei n.o 1.982, de 1953, é particularíssima; refere-se, apenas, aos oficiais por ela expressamente nomeados; não pode, por isso, ser estendida por fôrça de compreensão ou similitude de militares em geral.
Vistos, relatados e discutidos êste!! autos de Apelação Cível n. o 15.088, do Estado da Guanabara, apelantes Edgard de Paula Oliveira e outros e apelada União Federal:
Acorda, à unanimidade, a Primeira Turma julgadora do Tribunal Federal de Recursos, em negar provimento ao recurso, conforme consta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o Relatório, ficam fazendo parte integrante dêste julgado, apurado nos têrmos de fls. 100. Custas de lei.
Tribunal Federal de Recursos, 7 de Novembro de 1961. - Henrique d' Avila, Presidente e Relator.
Relatório
O Sr. Min. Henrique d'Avila (Relator) - O Almirante-de-Esquadra Edgard de Paula Oliveira e outros Oficiais de Marinha inativos, moveram a presente ação contra a União Federal para o fim de lhes ser assegurado direito à promoção ao pôsto imediato e à percepção de diferença de provento.
, - 3413'1'
O MM. Julgador a quo, sentenciando de fls. 76 a 80, reputou improcedente a ação, acentuando o seguinte: "tenho por inaplicáveis à espécie quer o vetusto alvará de 16 de Dezembro de 1790, quer a Lei n.O 29, de 8 de Janeiro de 1892.
Trata-se de diplomas destinados a disciplinar situações que se alteraram substancialmente, ao influxo do decorrer dos anos.
O primeiro teve seu âmbito ampliado pelo art. 2.° da Lei n.o 1.215, de 11 de Agôsto de 1904, para abranger os oficiais graduados. O segundo beneficiou tão-somente os oficiais reformados pelos decretos que menciona.
Vale aqui repetir as palavras de Dernburg, citadas pelo jurista Carlos Maximiliano, a propósito da occasio legis: "os fenômenos novos exigem novas providências. Eis porque não granjeia simpatia, nem merece acatamento quem se obstina em valorizar antiquadas medidas e constranger os contemporâneos com as fórmulas ressuscitadas do pó do sepulcro"
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(In hermenêutica e aplicação do direito, s.a edição, pálJ. 187).
Sôbre a Lei n.o 3.454, de 6 de Janeiro de 1918, cujo art. 55 os autores crêem revigorado, em tôda a sua plenitude, pela Lei n.o 1.982, de 11 de Setembro de 1953, convém refletir profundamente.
É indubitável que a primeira lei foi revogada pelas novas disposicões pertinentes ao assunto de que trata, ex vi do art. 2.°, § 1.0, segunda parte, da Lei de Introdução ao Código Civil. Se não fôra a Lei n.o 1.982, não precisaria existir, porque não se pode cogitar de restauração de efeitos da lei vigente. Logo, admitir a tese dos autores sôbre o revigorameato implica a aquiescência à revogação.
Todavia, não se convence, data venia, o ponto de vista segundo o qual o art. 1.0, da Lei número L 982, visou ao restabelecimento dos direitos assegurados pela Lei n.o 3.454, de modo geral.
Existe aí uma sutileza de hermenêutica, bem sei. Estou certo, ainda, de que a redação do texto é obscura.
Parece-me, entretanto, que as duas primeiras orações do período, que constituiu o art. 1.0 do diploma, têm o seu sentido estreitado pela última oração subordinada.
Os direitos que forem revigo:rados, aos quais se referem os Decretos de 19 de Março de 1937, são os que melhoraram as reformas dos dois generais em causa. Direitos reconhecidos a êsses dois oficiais por aquêles decretos, direitos dêles, que haviam sido reformados em 1918, na vigência da Lei n.O 3.454. Estender aos demais os efeitos da lei não parece, data venia, de boa lógica. Se o Po-
der Legislativo intentasse a restauração dos efeitos plenos da Lei n.O 3.454, tê-la-ia realizado diretamente, sem a menção expressa aos dois oficiais, que se beneficiaram, então, de qualqu~r forma, das vantagens decorrentes.
Mas, tudo indica ter sido outro o objetivo do legislador. Col:imou-se, por via legislativa, realmente o restabelecimento dos Decretos de 1937. O uso do torneio "são revigorados para todos os efeitos os direitos a que se referem os decretos" teve por escopo, certamente, a incolumidade do art. 36 da Constituição Federal.
Ainda que se aceitasse, para argumentar, a interpretação preconizada pelos autores, a Lei n.o 1.982, não lhes poderia fundamentar a pretensão porque já estavam êles, à época, na inatividade.
"A lei é expedida para disciplinar fatos futuros. O passado escapa aIO seu império" (Washi~ton de Barros Monteiro, in Curso dé Direito Civil", parte geral, 2.a edição, pág. 31).
O art. 193, da Lei Magna, não deve ser invocado, porque rege hipótese diferente, isto é, a revisão dos proventos da inatividade sempre que, em virtude de alteração do poder aquisitivo da moeda, se modificarem os vencimentos dos funcionários em atividade.
Também não se deve cogi.tar, neste âmbito de isonomia, uma vez que a aposentadoria (ou reforma) se regula pela lei em vigor na da ta de sua concessão.
Isto pôsto, julgo improcedente a ação e condeno os autores· nas custas."
lrresignados, apelaram os autores com as razões de fls. 83 a 84 v: (lê).
E o recurso foi contra-arrazoado assim (fls. 86 a 87): (lê).
E, nesta Superior Instância, a douta Subprocuradoria-Geral emitiu o seguinte Parecer (fls. 93): (lê).
É o Relatório.
Voto
o Sr. Min. Henrique d'Ávi!a (Relator) - Nego provimento ao recurso, para manter a decisão recorrida, por seus fundamentos, que se me afiguram acertados e jurídicos. Esta Turma, como o Tribunal Pleno, já apreciou a espécie em diversas oportunidades, con-
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c1uindo no mesmo sentido do Dr. Juiz ~ quo, ou seja, de que a Lei n.o 1.982, de 11 de Setembro de 1935, é particularíssima, refere-se apenas a dois oficiais, que são nominalmente por ela citados - e não pode, por qualquer motivo, mormente por fôrça de isonomia, ser estendida aos militares em geral.
Decisão
Como consta da ata a decisão foi a seguinte: à unanimidade, negou-se provimento ao recurso. Os Srs. Mins. Cândido Lôbo e Márcio Ribeiro (Afrânio Costa) votaram com o Sr. Min. Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Henrique d'Ávila.
APELAÇÃO CíVEL N.Q 15.092 - GB.
Relator - O Ex.mo Sr. Min. Márcio Ribeiro (Afrânio Costa) Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Henrique d'Ávila
Apelante - Jorge Carone
Apelado - IPASE
Acórdão
Carreira de Procurador - Deve-se atribuir aos têrmos cargo ou função referidos no art. 2.0, da Lei n.o 2.123, a acepção técnico-jurídica que aquêles vocábulos adquirem, quando interpretados à luz do direito administrativo.
Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n.o 15.092, da Guanabara, apelante Jorge Carone e apelado Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado:
Acorda, por maioria, a Primeirs Turma julgadora do Tribunal Fe-
deral de Recursos, em negar provimento, conforme consta das no
tas taquigráficas anexas, as quais, com o Relatório, ficam fazendo parte integrante dêste julgado,
apurado nos têrmos de fls. 279. Custas de lei.
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Tribunal Federal de Recursos, 7 de Novembro de 1961. - Henrique d'Ãvila, Presidente; Márcio Ribeiro, Relator.
Relatório
o Sr. Min. Márcio Ribeiro (Relator) - Anoto o Relatório, às fls. 228/230, da sentença que, afinal, julgou o autor carecedor de ação contra a União e improcedente a ação contra o IP ASE.
O vencido apelou, tempestivamente, às fls. 234/244. O IP ASE, em suas razões de apelado, às fls. 246/262 aos fundamentos da sentença acrescenta que ocorre, na espécie, coisa julgada, por ter o autor participado do mandado de segurança requerido por Alfredo Mourão Russel c outros, com apreciação do mérito do pedido, idêntico ao da causa ord em exame.
A União Federal também arrazoou o recurso, às fls. 264/265 e, nesta Instância, a douta Subprocuradoria-Geral reporta-se simplesmente aos fundamentos da defesa da Autarquia.
À revisão.
V oto-preliminar
o Sr. Min. Márcio Ribeiro (Relator) - Sr. Presidente, no recurso alega-se coisa julgada, porque, realmente, o impetrante tinha postulado a mesma coisa em mandado de segurança. Neste mandado houve voto vencido do Sr. Min. Vilas Boas; passou, depois, a ser voto vencedor o Sr. Min. Sampaio Costa e, em seguida, o Sr. Min.
CândMo Mota Filho. Diz o seguinte: (lê).
Sem a observação final do voto vencedor, do Sr. Min. Cândido Mata, concluiria que o mérito estava definitivamente decidido.
Mas S. Ex.a disse: "Não há direito líquido e certo pois para ser amparado pela segurança. Penso que poderão, em recurso ordinário, pleitear o que não cabe neste remédio constitucional."
Portanto, não posso considerar, no caso, procedente a exceção de coisa julgada.
Voto-mérito
o Sr. Min. Márcio Ribeiro (Relator) - A controvérsia é, realmente, sôbre questão de direito. A situação do autor como funcionário da Autarquia, a forma e o tempo de sua designação, por simples portaria, para exercer as funções de Assistente Jurídico (fls. 19), são fatos que não sofreram contestação.
O problema é, pois, puramente de aplicação da Lei n.o 2.123, de 1953, art. 2.°, verbis: "os atuais cargos ou funções de Procurador, Consultor Jurídico, Advogado, Assistente Jurídico, Adjunto de Consultor Jurídico e Assistente de Procurador, existentes nas Autarquias referidas no artigo anterior, serão transformados em cargos de Procurador e absorvidos na respectiva carreira, feito o enquadramento de seus ocupantes nas categorias correspondentes aos padrões em que Se encontram."
Trata-se de uma lei de execução, mas não pessoal.
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Referindo-se 'a "cargos e funções existentes" nas autarquias, restringiu-se a lei evidentemente aos cargos e funções já criados segundo a legislação vigente (Lei n.O 1. 711 de 1952, Decreto-lei n.O 5.175 de 1943). Não excedeu, portanto, aos quadros e tabelas existentes de efetivos e extranumerários. Alcançou apenas as funções legalmente criadas e existentes por si mesmas, independentemente de quem as exercesse no momento.
A simples designação para exercer função de assistência jurídica - mesmo regular - não estaria, pois, abrangida pela equiparaçã0 da Lei n.O 2. 123.
Nego, pois, provimento à apelação.
Voto-mérito (Vencido)
o Sr. Min. Cândido Lôbo Sr. Presidente. Em caso idêntico já me manifestei sôbre a hipótese e confirmo o meu entendimento anterior: "em resumo, o fato é que aí está a lei que manda aproveitar os impetrantes, porque manda aproveitar aquêles que estão nas funções de Assistente Jurídico. Por que pesquisar, esmiuçar, sindicar, antes de fazer o aproveitamento ordenado pela lei, quanto às condições - com quê e porquê foram os impetrantes designados -Assistentes J uridicos - cargo que ~ntão não existia. Por quê? Se não existiam êsses cargos, todavia, dias depois da designação veio a lei e os criou e mandou que os impetrantes fôssem aproveitados. A meu ver, Sr. Presidente, ao Dr. Juiz a quo cumpria satis-
fazer os intuitos do legislador, quais os de aproveitar aquêles que estivessem nas funções de Assistentes Jurídicos. Isso êles eram, mal ou bem, eram. Eis porque, Sr. Presidente, data venia do Dr. Juiz a quo, defiro a segurança na forma pedida na inicial, para que os impetrantes sejam enquadrados na forma ordenada pela lei aplicável, a Lei n.o 2.123, de 1.0 de Dezembro de 1953".
~sse foi o meu voto naquela oportunidade, isto é, no mandado de segurança. Não houve coisa julgada porque no recurso extraordinário de que foi Relator o Min. Vilas Boas, sustentou-se a mesma tese e, neste sentido, votou de acôrdo com o Relator, Min. Vilas Boas, o eminente Min. Nelson Hungria.
Na própria decisão final no mandado de segurança, proferida pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, conforme consta dos votos vencedores, foi reconhecido ao impetrante, ora apelante, a ressalva de pleitear por ação própria o reconhecimento do seu direito.
A prova do fato se evidencia com a Portaria n.o 1.694/53, anexada aOs autos em cópia autenticada, pela qual o Sr. Presidente do IP ASE, usando das atribuições conferidas pelo art. 17, do Decreto-lei n.o 2.865, de 12 de Dezembro de 1940, designou o apelante paf3 exercer as funções de Assistente Jurídico, portaria esta de data anterior à vigência da citada lei. A prova feita nos alutos foi a seguinte:
a) Documento de fls. 25. Exercício das funções de Assistente
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Jurídico: "Informo, assim que antes da vigência da Lei n.o 2. 123, de 1.° de Dezembro de 1953, estêve o referido Jorge Carone no pleno exercício de suas funções de Assistente Jurídico, no antigo C. D . J. - IPASE, Terceira Procuradoria, Distrito Federal, em 26-9-57. (a) Derlópidas Corrêa de Melo - Procurador-chefe".
b) Outro documento de grande valor é o constante da certidão de fls. 24, de um memorando feito anteriormente à vigência da Lei n.O 2. 123/53, fornecida pelo próprio IPASE e que aqui transcrecrevemos: "Sr. Diretor do D. C. : Sugiro seja designado o Aprovisionador padrão "L", Jorge Carone, lotado no S. G . M., para exercer as funções de Assistente Jurídico. Saudações. Derlópidas Corrêa de Melo, Procurador-chefe".
c) Além disto, consta a fls. 182 declaração do seguinte teor: " . .. na qualidade de escrevente juramentada do 9.° Ofício de Notas desta Capital, lavrei escrituras em que foi parte o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE), na sede do mesmo, em data anterior à vigência da Lei n.o 2 . 123, de 1.0 de Dezembro de 1953, sendo acompanhada a leitura das mesmas, por parte desta Autarquia, por Assistentes Jurídicos devidamente autorizados, entre êles, o Dl'. Jorge Carone. Rio de Janeiro, 23 de Julho de 1958. (a) Almerinda Farias Gama".
d) A fls. 189, encontramos outro documento, declaração do Tesoureiro do IPASE: "declaro, na qualidaã,) de Tesoureiro do Ins-
tituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE), que compareci algumas vêzes a lavraturas de escrituras na sede do Instituto, em datas anteriores a Dezembro de 1953 e mesmo posteriormente, para realização de pagamentos referentes à aquisição de imóveis para segurados do Instituto, escrituras essas acompanhadas por parte do IP ASE, ora por Procuradores, ora por Assistentes Jurídicos, e dentre êstes o Dr. Jorge Carone, a quem autorizo fazer desta declaração o uso que lhe convier. Rio de Janeiro, 24 de Novembro de 1959. (a) Otavio Diniz".
Face ao exposto, fácil é verificar que ficou sobejamente provado que o apelante estava no exercício da função de Assistente Jurídico antes da vigência da Lei n.o 2.123, de 1.0 de Dezembro de 1953, devidamente designado por quem tinha qualidade para fazê-lo, e tal situação está amparada pelo enquadramento ordenado no art. 2.° da citada Lei n.o 2.123, de 1953.
Assim, dou provimento para o fim de julgar procedente a ação, sem honorários porque incabíveis na espécie.
Decisão
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: por maioria de votos negou-se provimento ao recurso, vencido o Sr. Min. Cândido Lôbo. O Sr. Min. Henrique d'Ávila votou com o Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Henrique d'Ávila.
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APELAÇÃO CíVEL N.o 15.112 - GB.
Relator - O Ex.mo Sr. Min. Cândido Lôbo Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Márcio Ribeiro (Afrânio A. da
Costa) Recorrente - Juízo da Fazenda Nacional, ex officio Apelantes - The Home Insurance Company e outros e Ci.a.
N ac. N aveg. Costeira Apeladas - As mesmas
Acórdão
É cabível a condenacão em honorários advocatícios nas ações de reembôlso de seguro pago por mercadorias extraviadas durante transporte marítimo . O transportador, porém, não responde pelos danos resultantes de defeitos de embalagem.
Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível de n.o 15.112, da Guanabara, em que são apelantes The Home Insurance Company e outros, e Companhia Nacional de Navegação Costeira - P.N. e apeladas as mesmas, assinalando-se também recursos ex officio:
Acorda, por unanimidade, a Primeira Turma julgadora do Tribunal Federal de Recursos, em negar provimento, conforme consta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o Relatório de fls., ficam fazendo parte integrante dêste julgado, apurado nos têrmos do resumo de fôlhas 186. Custas ex lege.
Tribunal Federal de Recursos, Distrito Federal, 3 de Outubro de 1961. - Henrique d'Ávila, Presidente; Cândido Lôbo, Relator.
Relatório
o Sr. Min. Cândido Lôbo (Relator) - Sr. Presidente. Trata-se de ação ordinária proposta pelo segurador contra o transportador,
pela indenização paga aos segurados pela autora, devido à carga não entregue no pârto de destino porque extraviada a bordo.
A sentença de fls. 154 acolheu, em parte, a contestação oposta pela Companhia de Navegação Costeira, a Transportadora, em face da falta de cintos de segurança nas caixas que continham "chassis de caminhões", dando êsse ônus ao proprietário e não ao transportador, terminando, dita sentença, por julgar a ação procedente, em parte, acrescida de juros de mora, custas e honorários advocatícios arbitrados em 20% sôbre a condenação. Inconformada, apelou a autora, na parte em que a sentença atendeu à contestação da transportadora, sustentando que as caixas excluídas da condenação, em verdade foram embarcadas sem a cinta, porém, que foram vioTadas a bordo e quando da sua descarga, chegaram, algumas delas, com sinais evidentes de terem sido abertas e repregadas, além de quebradas, o que demonstra falta de cui-
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dado no serviço de carga e descarga, e não defeito na embalagem das mercadorias.
Apelou a Transportadora, Companhia Costeira, pedindo a reforma da sentença apelada, inclusive quanto a honorários advocatícios que incabíveis na espécie dos autos.
A Subprocuradoria-Geral, no Parecer de fls. 177, pôs-se de acôrdo com o atendimento da Autarquia. Nada mais.
É o Relatório. Ao Sr. Min. Revisor.
Voto
o Sr. Min. Cândido Lôbo (Relator) - Sr. Presidente, trata-se, no presente recurso, de assunto muito versado nesta Turma, eis que a apelação abrange questão de carga não entregue pelo transportador, cujos respectivos seguros foram pagos pela autora da ação a seus segurados. A matéria de fato ficou devidamente comprovada nos autos. Apelou, entretanto, a Companhia de Seguros, autora, da parte da sentença que excluiu algumas verbas, porque representavam carga entregue à transportadora com defeito na embalagem, e, assim, sem culpa da transportadora, a sua quebra. A autora recorre dessa parte, vale dizer, de vários itens excludentes fixados na sentença, quanto à condenação, argumentando que essa exclusão não podia ter sido feita porque essas caixas estavam violadas e quebradas com evidentes sinais de terem sido repregadas a bordo, além do péssimo serviço de carga e descarga da transportadora, inclusive quanto às caixas
que continham chassis de automóveis.
A ré, por sua vez, pleiteia a diminuição da condenação, inclusive quanto a honorários advocatícios que entende incabíveis. Levando em consideração meus inúmeros votos proferidos nesta Turma em casos idênticos, rejeito ambos os apelos para por-me de pleno acôrdo com a sentença apelada, mesmo no que se refere à condenação em honorários advocatícios, que entendo perfeitamente cabíveis na espécie em debate nos autos, além de módica e usualmente arbitrados pela sentença recorrida.
Além disso, a vistoria se serve para amparar as razões da apelada por parte da Companhia Seguradora, autora, também serve para amparar o que sustenta na ação a ré transportadora, e assim, havendo a sentença se colocado eqüidistante das razões oferecidas pelos interessados, um contra o outro, preferiu ratificar o resultado da aludida vistoria, e, assim sendo, excluiu o que dessa prova resultou, exclusões feitas na fixação da condenação, ora contra a autora, ora contra a ré. Com êsse entendimento, nada a censurar no procedimento do Dr. Juiz a quo, que com equilíbrio pôs-se dentro do problema dos autos, resolvendo-o com propriedade e na forma legal competente, inclusive quanto à condenação em honorários, como já salientamos.
Isto pôsto, nego provimento a ambos os recursos.
Voto
O Sr. Min. Márcio Ribeiro -Dou provimento, em parte, ao re-
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curso das seguradoras para incluir, na condenação, as reclamações comprovadas pelos laudos de fls. 15, 34, 56 e 57 e 92 - também por deficiência de embalagem.
Nego provimento à apelação da armadora que se limita a negar validade às vistorias, confirmando, em tudo mais, a sentença recorrida, inclusive no tocante a honorários.
Voto
o Sr. Min. He;nóque d'Ávila - Data venia, dou provimento,
em parte, ao recurso ex ofticio e ao voluntário da ré transportadora para excluir honorários de advogado.
Decisão
Como consta da ata a decisão foi a seguinte: negou-se provimento aos recursos, vencido em parte o Revisor no tocante ao recurso da autora, e o Presildente que provia o apêlo da ré para excluir honorários de advogado. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Henrique d'Ávila.
APELAÇÃO CíVEL N.O 15.114 - GB. (Embargos)
Relator - O Ex.mo Sr. Min. Aguiar Dias Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Cunha Vasconcellos Embargante - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Embargados - Alsorino Machado e outros
Acórdão
Lei n.o 2.123, de 1953. Sentido da expressão "funções" - Na Lei n.o 2.123, a expressão "funções" foi tomada em sentido comum e não no sentido técnico que tem no serviço público. São, portanto, por ela beneficiados, os servidores que, embora titulares de outros cargos, desempenhavam atribuições no serviço jurídico.
Vistos, relatados e discutidos êstes autos de apelação Cível n.o 15.114, da Guanabara, em grau de embargos de nulidade e infringentes do julgado, em que embargante Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e embargado AIsorino Machado e outros:
Acordam os Juízes do Tribunal Federal de Recursos, em sessão plena, por maioria de votos, em rejeitar os embargos, na conformidade do Relatório e notas taquigráficas precedentes, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Custas ex lege.
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Brasília, 15 de Outubro de 1962. - Sampaio Costa, Presidente; Aguiar Dias, Relator.
Relatório
O Sr. Min. Aguiar Dias (Relator) - Com base no voto vencido do eminente Min. Cunha Meno, opõe o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística embargos à decisão de fls. 165, que decirliiu., de acôrdo com a sentença de Primeira Instância, pela procedência de ação movida por servidores. do Instituto, nos têrmos da Lei n.o 2.123, de 1.0 de Dezembro de 1952. Tôda a questão está em saber se a expressão "funções", empregada na lei, o foi em sentido rigorosamente técnico, em obediência ao sistema administrativo, ou se o foi no sentido vulgar. A maioria inclinou-se pelo segundo critério, e o douto voto vencido pela primeira orientação.
É o Relatório.
Voto
O Sr. Min. Aguiar Dias (Relator) - A decisão da Turma foi tomada pelos votos dos Srs. Mins. Cândido Lôbo, Relator, e Godoy Ilha, Vogal, que reconheceram ao embargado o direito ao enquadramento decretado pela Lei n.o 2.123/53.
Também êste foi sempre o meu pensamento a respeito do assunto. A Lei n.o 2.123/53, reconhecendo uma situação de fato irregular, procurou remediá-la, regularizá-la, através das providências que tomou, chamando ao serviço jurídico aquêles que, efetivamente, prestavam serviços de natureza jurídica.
É certo que, no serviço público, a expressão "função", corresponde aos encargos exercidos, especificamente, pelos extranumeranos designados, diretamente, para a função de que se cogita. Entretanto, dado o caráter da lei, que, como já disse, foi de regularização de uma situação anormal, a expressão "função" pode, com inteira cabida, ser interpretada como no sentido vulgar, isto é, como dirigida àqueles que, embora ocupassem no serviço público outros cargos, estivessem designados para o serviço jurídico.
A matéria de fato não é discutida nos autos. Não se nega que os embargados exerceram, efetivamente, funções de serviço jurídico e, assim, a meu ver, data venia das opiniões em contrário, tem inteira razão e direito ao enquadramento pela Lei n.o 2.123. Por outro lado, nem se pode alegar que o Judiciário estaria, no caso, criando funções porque, como assinalou o eminente Min. Cândido Mota Filho, limitou-se ao cumprimento da lei, a interpretá-la de acôrdo com a melhor exegese.
Rejeito os embargos.
Voto
o Sr. Min. Cunha Vasconcellos (Revisor) - Sr. Presidente, meu voto, como Revisor, no caso, reporta-se à jurisprudência assente sôbre a matéria. Assim, como disse a fls. 161: "Com efeito, a fls. 72 está a certidão de um julgado em que, contra os votos dos Mins. Queiroz e Estellita, êste Tribunal decidiu que os Auxiliares de Procuradores de Autarquias estão enquadrados na Lei n.o 2. 123,
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art. 2.°; e, na certidão a fls. 67 e seguinte, o Egrégio Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, não conheceu do recurso extraordinário n.o 42.547, interposto de decisão dêste Tribunal Federal de Recursos, no sentido da primeira (fls. 67). O voto do Relator é êste: cogita-se, no caso, de simples interpretação da lei, cuja vigência acentuada pelo Min. João José de Queiroz, decorre de saber se o art. 2.°, da Lei n.o 2.123, e §, inclui no benefício cargos e funções a que se refere, ou se devem ser consideradas funções, no sentido técnico, somente as constantes de tabelas numéricas. Ao passo que cargos, em sentido estrito, são apenas os criados em lei; admite-se todavia, que a enumeração legal é meramente exemplificativa, e que a referência a "cargos e funções" é feita no sentido comum do têrmo. O Acórdão recorrido dá inteligência ao texto legal com êsse entendimento mais amplo verbis: expressão "função", usada na sentença, atribui aos impetrantes o direito na mesma assegurado. Não seria justo que a lei beneficiasse os Assistentes de Procuradores e deixasse sem o seu benefício os Auxiliares de Procuradores. As expressões são equivalentes e não há uma razão para exclusão ( fls. 51) . O que daí resulta é mera adequação do caso à previsão legal, sem deturpação do fim a que teve em vista o legislador.
Também no recurso extraordinário n.o 25.927, por certidão às fls. 75 a 78, o mesmo entendimento foi prestigiado por aquêle Colendo Tribunal."
E, da tribuna, acaba o advogado de mencionar outras decisões nesse sentido.
Trata-se, portanto, de matéria tranqüilizada no Judiciário, notadamente pelo Supremo Tribunal Federal, que diz a última palavra.
Com o Relator.
Voto (Vencido)
o Sr. Min. Henrique d' Ávila - Sr. Presidente, lamento dissentir. Data venia, recebo os embargos. A questão foi muito debatida neste Tribunal. A Lei n.o 2.123, de 1953, é uma das muitas leis de favor que têm servido para anarquizar o Serviço Público Federal, burlando o princípio do mérito, ou seja, a admissão de servidores, quando fôr o caso, por via de concurso, como acontece com relação aos procuradores das autarquias. Em seu art. 2.°, a referida lei alude a "cargo ou funções". É evidente que dita expressão deve ser interpretada em sentido técnico-administrativo, cargos e funções criadas por lei ou constantes de tabelas numéricas. Na espécie, cogita-se de funcionários burocráticos que, por serem bacharéis em Direito, foram lotados no serviço jurídico do Instituto. E, às vêzes esporàdicamente ocupam-se de estudo de assunto jurídico, por solicitação dos respectivos procuradores. A lei não cogita de semelhantes funções, caso essa motlalidade pudesse ser conceituada como função no sentido vulgar do têrmo.
O Sr. Min. Cunha Vasconcellos - Permite-me V. Ex.a? Eram de-
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signados para acompanhar processos - designados até por portaria.
O Sr. Min. Henrique! d"Ávila - Não vejo qualquer direito de os impetrantes serem aproveitados como procuradores da Autarquia, nos têrmos do art. 2.°, da l.ei n.O 2.123, de 1953. Tenho sempre votado nesse sentido em casos análogos; não me curvo de forma alguma à pretendida jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal. Se ela existe, só pode justificar-se por excessivo liberalismo e compadrio, amplificadores da demagogia empreguista que medra no Congresso como alavanca de desprestígio e desmoralização do Serviço Público Federal.
Recebo, data venia, os embargos.
Voto
o Sr. Min. Amarílio Benjamin - Srs. Ministros, não conhecemos, em pormenores, o caso dos autos. Entretanto, temos opinião firmada a respeito da tese em <lebate.
Cumprindo nossa mlSsao de Juiz, de dar à lei seu sentido exato, temos refletido no alcance da expressão "cargos ou funções", usada pela lei, e chegamos à conclusão de que, realmente, ao determinar a lei o aproveitamento dos profissionais do serviço jurídico como Procuradores, relacionando "cargos e funções", dirigiu-se a todos os servidores que exerciam funções diretamente ligadas ao serviço jurídico.
Dissemos, inicialmente, que não conhecíiamos o caso dos autos, nos
seus pormenores. Temos, porém, agora, os autos em mãos, e verificamos que os embargados, embora servidores administrativos, foram nomeados para o cargo de "Auxiliar Técnico Jurídico". Ora, evidentemente, não se trata de simples designação de funcionário a'dministrativo ...
O Sr. Min. Cunha Vasconcellos - Acentuei no meu voto êsse aspecto.
O Sr. Min. Amarílio Benjamin - ... para exercer, a título precário, funções específicas de serviço jurídico. O cargo para que foram nomeados os autores representa uma particularização do serviço jurídico, que, embora não esteja mencionado na lei, também deve ser por ela alcançado.
O Sr. Min. Henrique d' Ávila - Mas mantiveram a função burocrática, juntamente com essa função jurídica.
O Sr. Min. Amarílio Benjamin - Está aqui um ato de nomeação, a fls. 9. Diz assim: " ... nomear, de acôrdo com o art. 12, item lI, da Lei n.o 1.711, de 28 de Outubro de 1952, Alsorino Machado, para exercer, em caráter efetivo, o cargo isolado, padrão "O", de Auxiliar Técnico Jurídico, do Quadro l, Parte Suplementar, do Conselho Nacional de Estatística, criado pelo Decreto n.o 44.766, de 30 de Outubro de 1958".
Então, temos que, na verdade, os autores pertencem ao serviço jurídico; e, embora a lei, na enumeração, nã0 mencione, expressamente, a situação dos autores, o cargo que ocupam deve ser, ao menos por eqüidade, colocado en-
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tre aquêles com direito ao enquadramento decretado pela Lei n.o 2.123/53.
Noutro julgamento, salvo engano, da Estrada de Ferro SantosJundiaí, também verificamos que o interessado não exercia nenhuma das categorias expressamente consignadas em lei; mas como apuramos que exercia função que se enquadrava no serviço jurídico, julgamos a ação procedente.
Acompanhamos o Relator, para rejeitar os embargos.
Decisão
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: por maioria de votos, rejeitaram os embargos. Não tomou parte no julgamento o S1". Min. Oscar Saraiva. Os Srs. Mins. Cunha Vasconcellos, Henrique d' Ávila, Godoy Ilha e Amarílio 'Benjamin votaram com o Sr. Min. Relator. Não compareceu, por motivo justificado, o Sr. Min. Cândido Lôbo. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Sampaio Costa.
APELAÇÃO CÍVEL N.O 15.132 - GB.
Relator - O Ex.mo Sr. Min. Amarílio Benjamin Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Aguiar Dias Recorrente - Juiz da 2.a Vara da Fazenda Pública, ex oificio Apelante - União Federal Apelado - Luiz Gonzaga dos Santos
Acórdão
Militar. Direitos a serem reparados. Se a Administracão reconheceu os direitos do militar reclamante, ; mandou proceder as retificações correspondentes, é claro que o interessado não pode deixar de receber as respectivas vantagens financeiras.
Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n.O 15.132, do Estaido da Guanabara, em que é apelante a União Federal e apelado Luiz Gonzaga dos Santos, assinalando-se também recurso ex oHicio:
Acorda, à unanimidade, a Primeira Turma julgadora do Tribunal Federal de Recursos, em negar provimento a ambos os recursos, conforme consta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o Relatório de fls.,· ficam fazendo parte integrante dêste julgado,
apurado nos têrmos do resumo de fls. 92. Custas ex lege.
Tribunal Federal de Recursos, 5 de Setembro de 1962. - Henrique d'Ávila, Presidente; Amari-1io Benjamin, Relator.
Relatório
o Sr. Min. Amarílio Benjarnil'R (Relator) - Luiz Gonzaga dos Santos ajuizou a presente ação ordinária contra a União Federal, visando à obtenção do seguinte: a) diferença de vencimentos arra-
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sados, relativa às suas promoções a 3.°, 2.° e 1.0 sargento, que se operaram por decisão administrativa: b) promoção aos postos de 2.° tenente, 1.0 tenente e capitão, respectivamente em 8-11-46, 27-7-51 e 25 de Agôsto de 1957; c) custas, juros e honorários de 20%.
O autor obteve administrativamente a retificação das datas de suas promoções no nível de sargento, em virtude de sua inclusão no Quadro de Identificador Datiloscopista (QID), mas sem direito a atrasados, medida essa do Ministro da Guerra, que o autor considera lesiva aos seus direitos. Como decorrência da retificação das datas de suas promoções como sargento, quer o autor promocões ao oficialato, até o pôsto de ~capitão, alegando que colegas seus, em idênticas condições, tiveram êsse direito reconhecido por decisões do Tribunal Federal de Recursos.
Finaliza assim a sentença a fls. 70: "Se a autoridade administrativa reconheceu ao autor direito à correção pretendida, numa demonstração de que corrigia um êrro, teria, forçosamente, de admitir tôdas as conseqüências dessa retificação, como uma decorrência normal e irretorquível de tal atitude. A concessão de um e a negativa de outro são atos que se entrechocam, que não se coadunam, que se contrapõem, que se anulam. Há uma profunda incoerência, que agora o Poder Judiciário tem de corrigir.
Por tudo isso e mais pelo que dos autos consta, julgo procedente a presente ação ordinária, na forma do pedido inicial."
Sobem os autos com recurso de ofício e apelação da União. Contra-razões a fls. 77. Nesta Instância, falou a SubprocuradoriaGeral a fls. 85.
É o Relatório.
Voto
o Sr. Min. Amarílio Benjamin (Relator) - Consta dos autos que o autor, antigo sargento do Exército Nacional, possuindo o curso de "identificador-datiloscopista", equiparado ao de "comandante de pelotão", julgou-se preterido na inclusão tardia de seu nome no quadro respectivo, e requereu as devidas retificações às autoridades superiores; estas o atenderam, sendo então fixada a data inicial em 24 de Junho de 1940, de onde provieram assim as retificações nos acessos verificados. Todavia, a decisão administrativa não lhe deu direito à percepção de vencimentos e vantagens atrasados. A controvérsia consiste nessa pretensão. De nossa parte, também concluímos com a sentença apelada. Se a administracão aquiesceu no pedido do aut~r, reconhecendo que havia injustiça no tratamento que lhe fôra dado, se, em verdade, o autor tinha direito ao que pleiteava, é indubitável que a restricão não tem cabimento. As retificacões devem, portanto, produzir todos os seus efeitos, inclusive vencimentos e vantagens, de acôrdo com a data de cada promocão ou situacão. É contra o direit~ invocar_se' a eqüidade, para restringir. A eqüidade não representa arbítrio; pode até significar "criacão" mas sõmente quanto à solução ~u fórmula a ser aplica-
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da ao caso, desde que êste deve possuir dados certos e manifesta fôrça jurídica.
Decisão Como consta da ata, a decisão
foi a seguinte: Por unanimidade,
negou-se provimento a ambos os recursos. Os Srs. Mins. Aguiar Dias e Henrique d' Ávila votaram com o Sr. Min. Relator. Presidiu
o julgamento o Sr. Min. Henrique d'Ávila.
APELAÇÃO CÍVEL N.O 16.074 - GB.
Relator - O Ex.mo Sr. Min. Armando Rollemberg Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Djalma da Cunha Meno Apelante - Manoel Francisco de Azevedo Apelada - União Federal
Acórdão
Militar - Simples serviços de socorro e assistência médica não ensejam a promoção a que se refere a Lei n.O 1.267, de 1950.
Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n.0 16.074, da Guanabara, apelante Manoel Francisco de Azevedo e apelada União Federal:
Acorda, por unanimidade, a Segunda Turma julgadora do Tribunal Federal de Recursos, em negar provimento, conforme consta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o Relatório, ficam fazendo parte integrante dêste julgado, apurado nos têrmos de fls. 47. Custas ex lege.
Tribunal Federal de Recursos, 8 de Novembro de 1963. - Djalma da Cunha Mello, Presidente; Armando Rollemberg, Relator.
Relatório
O Sr. Min. Armando Rollemberg (Relator) - Manoel Francisco de Azevedo, General-deBrigada, propôs ação ordinária contra a União para o fim de obter promoção ao pôsto imediato,
com fundamento na Lei n.o 1.267, de 1950.
Alegou que, na qualidade de médico do Hospital Central do Exército, prestou serviços de assistência e socorro aos feridos quando do movimento revolucionário de 1935.
Devidamente processado o feito, proferiu o MM. Juiz a sentença de fls. 25 e 36, julgando a ação improcedente.
Inconformado, apelou o autor, tendo apresentado contra-razões à União (fls. 34 e 35).
Nesta Instância, opinou a douta Subprocuradoria pela mamlltenção da sentença.
É o Rel,atório.
Voto
O Sr. Min. Armando Rollemberg (Relator) - O apelante pretende ser beneficiado pela regra do art. 1.°, da Lei 1.267,
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de 1950, que é do seguinte teor: "Os oficiais e praças das Fôrças Armadas que na La e 7.a Regiões Militares tenham tomado parte em suas unidades de combate contra a revolução comunista de 1935, cumprido missões e cooperado com as mesmas; se deslocado de sua sede com seus Corpos para os mesmos fins, ou tenham oferecido resistência comprovada nas corporações rebeladas, quando transferidos para a reserva remunerada, serão, em seguida, promovidos ao pôsto imediato, com os respectivos vencimentos integrais, sem prejuízo das demais vantagens legais a que tiveram direito".
Da análise da disposição transcrita se verifica que manda a lei sejam promovidos ao pôsto imediato os que: a) tenham participado de combate contra a revolução comunista; cumprido missões: ou cooperado com estas; b) hajam se deslocado de sua sede, com seus Corpos, para dar com~ bate à mesma revolução; c) tenham oferecido resistência com-
provada nas corporações rebeladas.
Como declara o apelante na inicial da ação, os serviços que prestou foram de socorro' e assistência aos feridos, no Hospital Central do Exército, não havendo, em consequencia, como capitulá-los em qualquer das hipóteses previstas no art. 1.0, da Lei n.o 1.267, que examinamos.
Decidiu, portanto, com acêrto, o MM. Juiz de Direito, quando julgou a ação improcedente.
Nego provimento à apelação para manter a sentença por seus jurídicos fundamentos.
Decisão
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Negou-se provimento, decisão unânime. Os Srs. Mins. Djalma da Cunha Mello e Oscar Saraiva votaram com o Sr. Min. Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Djalma da Cunha Mello.
APELAÇÃO CíVEL N.O 16.481 - GB.
Relator - O Ex.mo Sr. Min. Cândido Lôbo Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Amarílio Benjamin Apelante - Hylda da Silva Oliveira Apelada - União Federal
Acórdão
Militar. Promoção excepcional da Lei n.O 1.267, de 1950, requisitos.
Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n.O 16.481, do Estado da Guana-
bara, apelante Hylda da Silva Oliveira e apelada União Federal:
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Acorda, por unanimidade, a Primeira Turma julgadora do Tribunal Federal de Recursos em dar provimento, para o fim de ser julgada procedente a ação, salvo quanto a honorários que não são devidos na espécie, conforme consta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o Relatório, ficam fazendo parte integrante dêste julgado, apurado nos têrmos de fls. 58. Custas ex lege.
Tribunal Federal de Recursos, 24 de Julho de 1962 - Cândido Lôbo, Presidente e Relator.
Relatório
o Sr. Min. Cândido Lôbo (Relator) - Sr. Presidente, Hylda da Silva Oliveira propôs a presente ação ordinária contra a União Federal, na qualidade de viúva do Capitão Perseverando da Silva Oliveira, com o fim de obter a promoção post mortem de seu referido marido, que desempenhou missão importante na rebelião comunista de 1935, recebendo elogios de seus superiores.
Na contestação, a União Federal, levantou a "preliminar de prescrição" e, de meritis, sustenta que o pedido não tem adequação legal, nem juriSprudencial.
O Juiz a quo, pela sentença de fls. 32, examinando a controvérsia decidiu que a "preliminar de prescrição" não tinha fundamento legal já que não está em discussão, senão, o direito da autora que, aliás, não tem direito às prestações patrimoniais prescritas, diz o Juiz a quo, que continua: alega a autora que seu finado marido recebeu de seus superiores hierár-
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quicos ordens para cumprir missões, quando da revolta comunista de 1935, conforme o elogio de seu comandante verbis: "Além de suas funções profissionais cumpriu mais a missão por mim determinada de relacionar os nomes de todos os oficiais e praças daquele regimento, que, transpondo o Morro Cara de Cão, foram aprisionados pelas patrulhas da Fortaleza, missão essa que cumpriu à contento do Comando".
Pondera então a sentença, que essa missão de forma alguma podia enquadrar o finado marido da autora nos casos de promoção previstos pela lei, já que não traduz essa ação serviços relevantes através de missões especiais e excepcionais. Daí, concluiu o Juiz a quo pela total improcedência da ação. Houve recurso da parte a fls. 37 em que se sustenta a eficiência da cooperação do falecido marido da autora no combate ao comunismo, cooperação que é comprovada pelos atestados de seus superiores, salientando-se o do Marechal Agostinho dos Santos, então comandante do 3.0 Regimento de Infantaria. O marido da autora falecera dias depois da intentona comunista, isto é, em 8 de Dezembro, e não foi promovido: Capitão que era, Capitão ficou.
A viúva, autora, quer na presente ação, simplesmente, a aplicação do art. 1.0, da Lei n.o 1.949, de 53, que manda estender as promoções previstas em Lei 1.267, para efeito de pensão, aos militares já falecidos. E na espécie dos autos, o que se procura obter é essa melhoria de pensão, de-
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pendente, porém, que é ela, da promoção post mortem a Major. Há peculiaridades no caso em aprêço.
Subiram os autos, e a Subprocuradoria-Geral emitiu seu Parecer de fls. 50, pedindo a manutenção do julgado recorrido.
É o Relatório.
Voto
o Sr. Min. Cândido Lôbo (Relator) - Sr. Presidente. Tudo está dependendo, no desfecho do presente caso, do fato de saber se a ação do marido da autora está ou não dentro do que prescreve a Lei n.o 1.267, de 1950, em seu art. 1.0, regulamentada pelo Dec. 37.856, de 1955. O marido da autora, segundo diz o atestado do Marechal Santos, realmente foi ao Morro do Cão e aprisionou comunistas, em 1935, estando êle como integrante da respectiva patrulha que efetuou a Idiligência. Eis o fato, e agora cumpre aplicar o direito. Preliminarmente: quanto à prescrição, estou com a segurança apelada, rejeitando-a, por isso que a autora não veio reclamar de ato algum, ou do não cumprimento de algum direito seu, deferido e violado. Não. Sua postulação envolve estritamente matéria de direito que estaria em condições de ser reconhecida judicialmente, mas que não foi objeto de qualquer requerimento às autoridades, e muito menos que tal requerimento tivesse sido indeferido. Não. Nada disso. O que pretende a autora é simplesmente a aplicação do art. 2.°, da Lei n.o 1.267 de 1950,
que determina que os oficiais e praças desde que satisfaçam as exigências do artigo anterior, sejam promovidos ao pâsto imediato, mediante requerimento.
Diz a autora que está perfeitamente nessas condições.
Assim, não quer falar em prescrição, e por isso rejeito a preliminar, como a rejeitou a sentença apelada.
De me.ritis: Fácil é verificar, pelo Relatório, a matéria de que ~e trata na espécie, já do conhecimento contínuo desta Turma em sucessivos acórdãos. O ponto central da tese defendida pela autora está no documento junto a fls. 20, que corresponde aos assentamentos do marido da autora, que era Capitão-Dentista. Ora, êsse dec. de fls. 20, prova elogio ao marido da autora, Capitão-Dentista, por ter dotado o seu gabinete de todos os melhoramentos; que o mesmo havia falecido em sua residência aos 8 de Dezembro de 1953, e aí segue-se o ponto culminante do documento, verbis: "Consoante êste Comando teve ensejo de declarar em seu Ofício n.o 1.335 de 7 do corrente, o Capitão Perseverando, a 27 de Novembro findo, tendo se oferecido espontâneamente para relacionar e conduzir prisioneiros do 3.° R.I. então rebelado contra as instituições vigentes do país, deu cabal desempenho àquela tarefa de não pequena responsabilidade, tornando-se digno de encômios pela presteza, segurança e habilidade com que se houve no cumprimento de sua missão, até a madrugada do dia seguinte. Quartel
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da Fortaleza de S. João, Tte.-Cel. José Agostinho dos Santos, 2.° Grupo de Artilharia de Costa, em 1.° de Janeiro de 1936". Diante disso, quer a viúva, com a presente ação, verbis: "Com fundamento nas Leis 1.949, de 19 de Agôsto de 53, e 1.267, de 9 de Dezembro de 50, a promoção de seu marido post mortem, a fim de que seja melhorada a sua pensão que é de Capitão e passaria à de Major em face do reajustamento. Realmente, o marido da autora, pelo que diz o Tte.Cel. José Agostinho dos Santos,· tornou-se digno de encômios pela presteza, segurança e habilidade com que se houve no cumprimento da missão que lhe foi confiada pelo comandante da Fortaleza de S. João, na madrugada de 27 de Novembro de 1935, quando do levante comunista na Praia Vermelha, vindo a falecer dias depois, em 8 de Dezembro, com colapso cardíaco, sabe Deus se não em consequencia do cumprimento com presteza das ordens recebidas de seus superiores, face às responsabilidades assumidas.
Trata-se apenas de obter extensão para efeito de pensão. Nada mais do que isso. E o que preceitua o art 1.0, da Lei n.o 1.949, de 19 de Agôsto de 53, que diz: "As promoções de que trata a Lei n.o 1.267, de 9 de Dezembro de 1950, são extensivas para efeito de pensão, aos militares já falecidos que, em idênticas condições, hajam tomado parte no combate a que se refere o art. 1.0 daquela lei".
Essa expressão "hajam tomado parte no combate" tem que ser in-
terpretada, face aos demais têrmos da lei em outros dispositivos, de acôrdo com a intenção do legislador, eis que êsse próprio diploma legal em outras passagens fixa condição da obtenção de seus favores, não só "o cumprimento de missões", como também "a cooperação com as mesmas", bem assim "o deslocamento de sua sede com seus Corpos". Tudo isso está na lei aplicável, fazendo um todo a interpretar em seu conjunto, e nunca isoladamente.
Na espécie em debate, indiscutíveis as alegações feitas nos autos de que o marido da autora havia cumprido diversas missões, com presteza, segurança e habilidade; que havia se deslocado com seu Corpo; que havia relacionado e conduzido prisioneiros; que tudo isso se verificara na madrugada de 27 de Novembro de 1935, precisamente o dia da chamada Revolução Comunista da Praia Vermelha.
Ao meu ver, nada mais justo e nada mais legal do que a promoção post rnortern dêsse oficial ao pôsto de Major, indeferida apenas, como diz o respectivo despacho do Ministro da Guerra, verbis, por não ter amparo na Lei 1.267.
Isto pôsto: dou provimento para julgar procedente a ação na forma do pedido, porém sem condenação em honorários.
Decisão
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Foi dado provimento, para o fim de ser julgada procedente a ação, salvo quanto
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a honorários que não são devidos na espécie, tudo por votação unânime. Os Srs. Mins. Amarílio Ben-
jamin e Aguiar Dias votaram com o Sr. Min. Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Cândido Lôbo.
APELAÇÃO CÍVEL N.O 18.767 - DF.
Relator - O Ex.mo Sr. Min. Armando Rollemberg Revisor - O Ex.mo Sr. Min. Djalma da Cunha Meno Recorrente - Juiz da Fazenda Pública, ex oUieio Apelante - IAP. dos Bancários Apelado - José Lourenço Mendes
Acórdão
Previdência social. Cargos isolados. Exigência de concurso estabelecida no art. 126, da Lei 3.807. Há de ser seguida jurisprudência assente do Egrégio Supremo Tribunal Federal sôbre o assunto.
Tesoure'iros-Auxiliares. Majoração de 440/0, do art. 9.°, da Lei 3.826/60; inadmissív'el sua incidência sôbre os símbolos fixados na Lei 4.061/62.
Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Apelação Cível n.o 18.767, do Distrito Federal, em que apelante IAP. dos Bancários e apelado José Lourenço Mendes, assinalando-se também recurso ex offieio:
Acorda, por maioria, a Segunda Turma julgadora do Tribunal Federal de Recursos em negar provimento, conforme consta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o Relatório de fls., ficam fazendo parte integrante dêste julgado, apurado nos têrmos do resumo de fôlhas 64. Custas ex lege.
Tribunal Federal de Recursos, 30 de Outubro de 1963 - Djalma da Cunha MeIlo, Presidente; Armando Rollemberg, Relator.
Relatório
O Sr. Min Armando Rollemberg (Relator) - Sr. Presidente.
Perfeito como é o relatório d)o processo, contido na sentença apelada, passo a fazer a sua leitura: "Vistos, etc.
José Lourenço Mendes, qualificado na inicial, propôs a presente ação ordinária contra o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários, a fim de ser reintegrado no cargo de TesoureiroAuxiliar, padrão M, do qual foi exonerado, em medida de ordem geral, sob o fundamento da nulidade das nomeações para cargos isolados, de provimento efetivo, depois do advento da Lei Orgânica da Previdência Social, cujo art. 126 proibiria tais nomeações.
Instruem a inicial os documentos de fls. 5 a 24.
Contestou a Autarquia ré (fls. 28 a 34) dizendo, em síntese, que: a) é fora de qualquer dúvida, pois, que a partir de 12-7-1960, impossível seria a nomeação, no
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Instituto dos Bancários, para cargos isolados, dada a inexistência dos mesmos face à legislação em vigor; b) por não se respeitar a lei, vários atos de nomeação foram baixados pelo então presidente da entidade autárquica, dentre os quais o do autor que, por serem nulos e de nenhum efeito, estavam a merecer a indispensável correção; c) nem se alegue que o art. 126, da Lei Orgânica da Previdência Social, antes citada, somente entrou em vigor à data de seu Regulamento, face o que dispõem os arts. 139, § 2.°, e 178, da mesma lei; d) no tocante ao acréscimo de 44% sôbre os vencimentos do símbolo vigente à época do Plano de Classificação, não se conhece pretensão mais absurda, e, no particular, o ínclito Juiz dessa mesma Vara já se manifestou contràriamente, no mandado de segurança impetrado por Edvaldo Frias e outros contra o Presidente do IAPB;e) não há qualquer direito do autor, no caso da procedência da ação de ter os vencimentos correspondentes ao símbolo respectivo da Lei n.o 4.061, acrescidos de 44%, porque não há qualquer lei a autorizar tal entendimento.
Despacho saneador irrecorrido (fls. 37), e audiência sem provas (fls. 39).
Tudo examinado e bem ponderado, decido: a tese de nulidade, que sustentei nesses casos de nomeação sem concurso, não foi acolhida nas Instâncias Superiores, e até, recentemente, foi rechaçada, à unanimidade, no plenário do Tribunal Maior.
Assim, se o Judiciário, em decisão final, reconheceu que nulos não eram os atos de exoneração idênticos aos do autor, é o caso típico de reintegração, com todos os ressarcimentos, como se não houvesse anulação da nomeação do mesmo autor, cujo pedido acôlho e amparo, porque: 1.°) não tendo a pretensão de ser o detentor da verdade, acato e homenageio o referido Aresto Supremo; 2.°) outros servidores, que sofreram percalços idênticos, já foram reconduzidos ao statu quo ante; 3.°) seria injusto insistir em tese vencida, para efeito só de procrastinar a recondução fatal de servidor ao cargo do qual foi despejado.
No que respeita à majoração de 44% de que trata o art. 9.°, da Lei n.o 3.826, de 1-12-960, os cargos de tesouraria tiveram-na reconhecida por êste Juízo, mas até o advento da Lei n.O 4.061, de 8-5-962, tão-sàmente, porque esta lei fixou, especificamente, os símbolos e os vencimentos daqueles cargos, de tal sorte que dita vantagem de 44% ficou diluída ou compreendida nos novos símbolos da precitada Lei n.o 4.061, que não é inconstitucional, e que, portanto, não pode ser desobedecida.
Por essas razões de decidir julgo a ação procedente, e condeno a ré a reintegrar o autor no cargo isolado de Tesoureiro-Auxiliar e a pagar-lhe todos os vencimentos e vantagens daquele cargo, a partir da exoneração e custas. Nego honorários de advogado, por indevidos."
É o Relatório.
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Voto
o Sr. Min. Armando Rollemberg (Relator) - Tal como o eminente Juiz prolator da sentença, entendo que as nomeações feitas sem concurso, após a data da Lei 3.807, de 26 de Agôsto de 1960, são nulas, e, assim, não assistiria ao apelante o direito à reintegração no cargo de que fôra demitido.
No entanto, tal como S. Ex.a, curvo-me ao entendimento do Egrégio Supremo Tribunal Federal, que firmou jurisprudência em contrário.
Quanto ao pedido de majoração de 44% sôbre os vencimentos, tenho também como bem resolvido pela sentença apelada, pois efetivamente considero que tal aumento foi absorvido nos vencimentos dos símbolos fixados pela Lei 4.061, de 8-5-62.
Assim sendo, nego provimento aos recursos e mantenho a sentença apelada em tôda a sua L.+J.teireza.
Voto (Vencido)
O Sr. Min. Djalma da Cunha Mello - Pelos motivos da sentença reformada por seu prolator, que me parecem incensuráveis, dou provimento às apelações, para haver a ação como improcedente.
Voto
O Sr. Min. Godoy Ilha -V. Ex.a tem tôda razão mas já se tranqüilizou êsse entendimento tanto aqui neste Tribunal como no Egrégio Supremo Tribunal, de modo que, dada essa circunstância, acompanho o Relator.
Decisão
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Por maioria de votos, negou-se provimento, vencido o Sr. Min. Revisor. O Sr. Min. Godoy Ilha votou como o Sr. Min. Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Dja/ma da Cunha Mello.
HABEAS CORPUS N.O 811 - DF.
Relator - O Ex.mo Sr. Min. Cunha Vasconcellos Paciente - Renato Menezes Monteiro da Costa Impetrante - Haryberto de Miranda Jordão
Acórdão
Prisão preventiva não decretada nem pedida. Existência de presunção de criminalidade e não exclusão categórica de participação do paciente no crime. Denegação do pedido de habeas corpus também em vista do prosseguimento da ação penal.
Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Habeas Corpus n.o 811, do Distrito Federal, em
que é paciente Renato Menezes Monteiro da Costa e impetrante Haryberto de Miranda J ordão: