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APLICAÇÃO DO MODELO DE BIELAS E TIRANTES EM BLOCOS DE CONCRETO ARMADO UTILIZADOS NA TRANSIÇÃO ENTRE PILARES ROTACIONADOS A PARTIR DE ANÁLISES NUMÉRICAS Rafael A. Guillou a, ,Hevânio D. de Almeida a b , Aline da S. R. Barboza a b a CTEC, Departamento de Engenharia Civil, Universidade Federal de Alagoas, Campus A. C. Simõess/n, Tabuleiro dos Martins , 57072-970, Maceió, AL, Brasil,http://www.ctec.ufal.br b LCCV, Laboratório de Computação Científica e Visualização, Universidade Federal de Alagoas, Campus A. C. Simões s/n, Tabuleiro dos Martins,57072-970, Maceió, AL, Brasil, http://www.lccv.ufal.br Palavras Chave: concreto armado, blocos de transição, pilares, modelo de bielas e tirantes. Resumo. Por motivos arquitetônicos, em alguns dos sistemas estruturais de edifícios, surge a necessidade de modificar a direção de pilares de um pavimento para o outro. Uma das soluções adotadas na zona de transição de mudança de direção é a utilização de um bloco de concreto armado para auxiliar a transferência das cargas entre os pilares. Esta solução é proposta por analogia aos blocos utilizados na transição da superestrutura à infraestrutura de uma edificação, comumente chamado de blocos de fundação. Dessa forma, justifica-se a necessidade de estudos específicos para a avaliação de comportamento estrutural desta solução. Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo propor um modelo de bielas e tirantes aplicado ao dimensionamento de blocos de concreto armado para transição entre pilares rotacionados, a partir de análises numéricas para a distribuição das tensões. Para tais análises será utilizado um programa computacional baseado no Método dos Elementos Finitos. Com os resultados do trabalho, pretende-se contribuir com a busca da solução mais adequada para esta transição entre pilares rotacionados, que apesar de comum na prática ainda se constata escassez de trabalhos na área acadêmica.

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APLICAÇÃO DO MODELO DE BIELAS E TIRANTES EM BLOCOS DE

CONCRETO ARMADO UTILIZADOS NA TRANSIÇÃO ENTRE

PILARES ROTACIONADOS A PARTIR DE ANÁLISES NUMÉRICAS

Rafael A. Guilloua,,Hevânio D. de Almeida

a b, Aline da S. R. Barboza

a b

aCTEC, Departamento de Engenharia Civil, Universidade Federal de Alagoas, Campus A. C.

Simõess/n, Tabuleiro dos Martins , 57072-970, Maceió, AL, Brasil,http://www.ctec.ufal.br

bLCCV, Laboratório de Computação Científica e Visualização, Universidade Federal de Alagoas,

Campus A. C. Simões s/n, Tabuleiro dos Martins,57072-970, Maceió, AL, Brasil,

http://www.lccv.ufal.br

Palavras Chave: concreto armado, blocos de transição, pilares, modelo de bielas e tirantes.

Resumo. Por motivos arquitetônicos, em alguns dos sistemas estruturais de edifícios, surge a

necessidade de modificar a direção de pilares de um pavimento para o outro. Uma das

soluções adotadas na zona de transição de mudança de direção é a utilização de um bloco de

concreto armado para auxiliar a transferência das cargas entre os pilares. Esta solução é

proposta por analogia aos blocos utilizados na transição da superestrutura à infraestrutura de

uma edificação, comumente chamado de blocos de fundação. Dessa forma, justifica-se a

necessidade de estudos específicos para a avaliação de comportamento estrutural desta

solução. Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo propor um modelo de bielas e

tirantes aplicado ao dimensionamento de blocos de concreto armado para transição entre

pilares rotacionados, a partir de análises numéricas para a distribuição das tensões. Para tais

análises será utilizado um programa computacional baseado no Método dos Elementos

Finitos. Com os resultados do trabalho, pretende-se contribuir com a busca da solução mais

adequada para esta transição entre pilares rotacionados, que apesar de comum na prática ainda

se constata escassez de trabalhos na área acadêmica.

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1 INTRODUCÃO

Os projetistas estruturais locam os pilares de acordo com a arquitetura do edifício e em

algumas ocasiões não encontram uma solução estrutural adequada para satisfazer os layouts

de todos os pavimentos ao mesmo tempo. Algumas destas ocasiões podem ser resolvidas com

a mudança de direção ou rotação do pilar entre pavimentos, como ilustra a Figura 1, não

sendo necessária a mudança completa de concepção estrutural nem abdicar do modelo

arquitetônico

Figura1: Rotação dos pilares entre os pavimentos

Como forma de assegurar a transferência de cargas entre os pilares rotacionados, uma das

soluções adotadas pelos profissionais é a utilização de um bloco de concreto armado na zona

de transição entre os mesmos.

Estes são dimensionados analogamente aos blocos utilizados na transição da superestrutura

à infraestrutura de uma edificação, comumente chamado de blocos de fundação. Desta forma

justifica-se a necessidade de estudos específicos verificando a distribuição de tensões ao

longo dos blocos, levando em conta as diversas situações e condições possíveis.

A norma brasileira NBR 6118:2003 define os blocos sobre estacas como estruturas de

volume usadas para transmitir as cargas de fundação às estacas. Uma vez que as dimensões da

seção transversal dos mesmos não são suficientemente menores que a dimensão longitudinal,

torna-se inadequada a utilização da hipótese simplificadora de Bernoulli, a qual afirma que as

seções retas das vigas permanecem planas e perpendiculares ao eixo fletido do elemento

durante o processo de deformação. No item 22.5.3 da referida norma, é afirmado que para o

dimensionamento dos blocos são aceitos modelos tridimensionais, lineares ou não, e modelos

biela-tirante tridimensionais, este preferível por definir melhor a distribuição de esforços

pelos tirantes. Nesta norma inexiste roteiro para verificações e dimensionamento destes

elementos.

Silva (2000) afirma que os modelos de bielas e tirantes são representações discretas dos

campos de tensão nos elementos estruturais de concreto armado. No modelo, os campos de

tensão de compressão no concreto são representados pelas bielas e campos de tensão de tração

pelos tirantes, que são absorvidos pela armadura. Tanto as bielas como os tirantes são

representados por barras, que são ligadas por nós.

Os modelos de bielas e tirantes podem ser projetados pelo fluxo de tensões da estrutura,

usando o processo de caminho de carga. É possível determinar este fluxo a partir de análises

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numéricas como o método dos elementos finitos. Com as tensões e suas direções principais é

imediato o desenvolvimento do modelo. Conhecendo-se um modelo adequado as forças nas

bielas e tirantes são calculadas automaticamente por meio de equilíbrio de forças internas e

externas. A partir das forças resultantes faz-se o dimensionamento seguido do detalhamento.

Segundo Munhoz (2004) blocos sobre uma estaca, também chamados de blocos de

transição, são tratados como blocos parcialmente carregados quando a dimensão da estaca e o

carregamento são grandes. Os blocos utilizados na transição de pilares rotacionados são

dimensionados analogamente a estes.

São chamados blocos parcialmente carregados aqueles em que forças concentradas ou

distribuídas em uma área relativamente pequena atuam sobre. Segundo Fusco (2003), pelo

fato da força ser aplicada numa área parcial, o material do bloco fica sujeito a estados

múltiplos de tensão. Isto acontece até que após um certo comprimento de introdução (ou de

regularização), se produz uma distribuição uniforme de tensões. A região descrita é

denominada região de perturbação de St. Venant.

Fusco (2003) ainda afirma que ao longo do eixo da peça, na direção longitudinal, a tensão

σx será sempre de compressão. Nas duas direções transversais, as tensões σy e σz serão de

compressão apenas nas imediações da face de carregamento, sendo de tração no restante do

comprimento de perturbação.

Leonhardt (1978) diz que estas tensões transversais são chamadas de tensões de

fendilhamento. Lembra também que surgem nos chamados “cantos mortos” próximos à área

carregada, tensões de tração oblíquas e, nas superfícies externas, tensões de tração de bordo,

capazes de provocar o rompimento do concreto.

2 METODOLOGIA

A análise numérica foi feita utilizando o software ABAQUS e contemplava as seguintes

características.

2.1 Geometria

Os sistemas modelados são compostos de dois trechos que simulam os pilares e um

trecho que caracteriza o bloco. Para os pilares foram adotadas dimensões de 15x80cm na

seção transversal e 1,5m de altura, simulando metade do pé-direito de um pavimento usual,

conforme indicações de projetos usuais.

Foram adotados blocos de seção quadrada com lado medindo 110,0cm, valor resultante

do somatório da maior dimensão do pilar e de duas vezes a menor (Figura 2). A altura do

bloco foi considerada uma variável nas simulações do modelo. Considerando uma espessura

de laje de 15,0cm, a altura do bloco variou multiplicando-se esta dimensão por um número

natural “n”, no intervalo de 1 a 6 (Tabela 1).

A rotação relativa adotada para os pilares foi de 90º, de forma concêntrica, mantendo-se o

mesmo eixo para os pilares e o bloco.

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Figura 2: Geometria

Tabela1: Alturas dos modelos.

Modelo 1 2 3 4 5 6

h(cm) 15 30 45 60 75 90

2.2 Malha de Elemento Finito

O elemento finito adotado é identificado como C3D20 (Continuum 3D, 20 nodes) e é um

hexaedro, também denominado como Brick pelo software, pertencente à família 3D Stress.

(Figura 3).

Figura 3: Hexaedro (brick), “serendipity”, de vinte nós.

Segundo LIU e QUEK (2003) o resultado de simulações utilizando elementos hexaédricos

é mais preciso do que com elementos tetraédricos, e que a desvantagem em utilizar esses

elementos é a dificuldade de gerar a malha em geometrias mais complexas. Como o sistema

modelado tem forma simples, a escolha de um elemento hexaedrico para a simulação foi

imediata.

O programa oferece a opção de utilizar interpolação de primeira ou segunda ordem. De

acordo com o Manual Teórico do Abaqus os elementos de segunda ordem são capazes de

representar todos os campos de tensão lineares, ao contrário dos elementos de primeira ordem.

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Por isso, em caso de problemas elípticos, como elasticidade, esse é o mais recomendado. O

manual esclarece também, que ordens maiores que a segunda não oferecem ganhos

representativos, com exceção de casos especiais.

A biblioteca de elementos isoparamétricos de segunda ordem do software inclui elementos

do tipo “serendipity” (brick de 20 nós) e do tipo “FullLagrange” (brick de 27 nós). LIU e

QUEK (2003) afirmam que o segundo não é vastamente utilizado por possuir nós no interior

do elemento. Já o primeiro possui oito nós nos cantos e doze nós nos pontos centrais das

arestas, como ilustrado também na Figura 3.

Não foi necessária a utilização de formulação hibrida, pois o coeficiente de Poisson do

material é menor que 0,49999. No programa computacional também está disponível a opção

de utilizar integração completa ou reduzida para esse tipo de elemento, onde a maior

vantagem da segunda é o menor custo computacional. Como o sistema modelado é

relativamente pequeno, não houve problema com tempo de processamento e por isso optou-se

por utilizar a integração completa.

Para a geração da malha de elementos finitos, utilizou-se o gerador do Abaqus/CAE. Foi

adotado um tamanho global aproximado de 5,0 cm para os elementos, considerado suficiente

para conceber resultados satisfatórios. A técnica utilizada para a geração da malha é chamada

de Structured.

Esta técnica gera malhas estruturadas a partir de malhas pré-definidas de elementos

simples, como um quadrado ou um cubo (Figura 4). Esta técnica dá um maior controle sobre a

malha, porém a maioria dos sólidos são muito complexos para utilizar as malhas pré-

estabelecidas. A solução para tal problema é a partição do sistema em modelos mais simples.

Figura 4: Padrões de malhas estruturadas em duas dimensões.

Para a geração da malha do modelo deste trabalho, foi necessário particionar o bloco nos

planos das faces dos pilares. O resultado foi que nas regiões próximas aos mesmos, os

elementos ficaram com dimensões menores do que o restante, porém sem nenhum prejuízo à

análise feita.

2.3 Materirais

Considerou-se um material elástico linear isotrópico, e as suas propriedades foram

adotadas conforme a NBR 6118:2003. O coeficiente de Poisson (ν) de 0,2 e o módulo de

elasticidade a partir da Eq. (1), considerando fck = 30MPa.

→ (1)

2.4 Ações e Condições de Contorno

Foram considerados apenas as solicitações verticais advindas do peso próprio do sistema e

de uma carga atuando no pilar superior simulando o carregamento provindo da estrutura do

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edifício.

Para o peso próprio foi adotada uma carga de tipo Body force, uniformemente distribuída e

valor igual ao peso especifico do concreto armado (25,0kN/m3).

Para a tensão atuante no pilar superior, foi considerado um peso de 200,0tf, o tipo de carga

Pressure e também uniformemente distribuída. O valor da tensão resultou em 1,667kN/cm2.

Quanto às condições de contorno, na face inferior foram impedidos os deslocamentos em

todas as direções, enquanto que na face superior deixou-se livre apenas o deslocamento na

direção vertical.

3 RESULTADOS

A partir das análises observamos que a propagação ou caminho das tensões é

semelhante para os casos estudados, conservando características advindas da teoria dos

blocos parcialmente carregados (Fusco, 2003), porém, apresentando alguns aspectos

particulares.

Para teoria citada, é sabido que no bloco a tensão principal é de compressão. È

observado nos modelos que a tensão provinda da seção superior do pilar se espraia

tendendo a uniformizar-se e depois torna a concentrar-se na seção inferior. A Figura 5

ilustra como este fenômeno ocorre no bloco com altura igual a 60,00cm, mostrando a

distribuição de tensões verticais ao longo da altura do bloco.

Figura 5: Tensão vertical de compressão ao longo da altura do Modelo 4

Nas superfícies do bloco (Planos 1 e 5) percebemos uma concentração de compressão na

região de interseção com o pilar e o restante da área com tensões quase nulas. Neste caso

forma-se uma circunferência de tração envolvendo a região de compressão concentrada,

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enquanto que nas bordas aparecem tensões de compressão. Aparecem também, picos de

tensões nas bordas do pilar, resultantes do efeito de canto.

Adentrando 15,00cm no bloco (Plano 2) é visível tensões de compressão mais uniformes

em um formato de elipse com a maior dimensão na direção X. O Plano 4, adentrando

45,00cm, é idêntico ao 2, porém, mudando de direção. Neste as tensões estão concentrando-se

em torno da seção inferior do pilar. Por fim também observamos que a compressão nos cantos

do bloco é substituída por tração.

No centro do bloco (3) vemos que as tensões não estão totalmente uniformes, porém, já

bem espraiadas. Sabemos que quanto mais alto o bloco, maior a uniformização da tensão,

porém o objetivo do bloco não é uniformizar as tensões por completo e sim o suficiente.

O comportamento descrito acima é comum a todos os modelos, porém como a altura

influencia no espraiamento da carga, é óbvio que haverá diferenças quanto à uniformização

das tensões. A Figura 6 ilustra a diferença entre tensões verticais nos planos centrais dos

blocos de 15,00cm e 90,00cm de altura.

Figura 6: Uniformização das tensões verticais no plano XZ central

Por esta imagem fica clara a diferença na distribuição de tensões, resultante da variação da

altura do bloco. No Modelo 1 (imagem “a”), semelhante com o que acontece no Modelo 2, é

evidente que a altura não é suficiente para as tensões se espraiarem, resultando em uma

concentração muito grande na parte central, área de intersecção dos pilares. Vemos também

que uma grande área do bloco torna-se inútil, com tensões quase nulas.

Já no Modelo 6 (imagem “b”), observa-se uma região de tensão quase uniforme no centro e

ao seu redor compressões com valores inferiores. São visíveis também os cantos mortos

descritos por Leonhardt (1978). Apesar das tensões estarem bem uniformes, devemos levar

em conta que foi necessária uma altura muito grande e talvez esta torne a solução

inapropriada e impraticável em muitas situações.

Ainda demonstrando a diferença entre as tensões verticais nos planos centrais dos blocos,

foi elaborada a Tabela 2 que relaciona o valor da tensão utilizada como carregamento externo

à compressão máxima neste plano de cada modelo.

Tabela 2:Tensões verticais máximas nos planos centrais em relação à tensão de carregamento.

Modelo 1 2 3 4 5 6

σy (%) 156,97 81,42 54,36 40,62 32,76 27,00

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Fica claro que a compressão máxima diminui ao passo que a altura aumenta, variando de

157%, quando a altura é menor, a 27% quando a altura é maior. É interessante o fato de que

no bloco com 15,00cm de altura a compressão é maior que a tensão aplicada. Isto acontece

devido ao efeito de confinamento acentuado que ocorre no modelo.

Se visualizarmos esta distribuição por outro plano melhora nossa compreensão. A Figura 7

mostra a distribuição de tensões no plano ZY central dos blocos de 15,00cm, 60,00cm e

90,00cm.

Figura 7: Distribuições das tensões principais de compressão no plano ZY central

No Modelo 1 (imagem “a”) vemos que a carga se espraia no pilar devido à falta de altura

no bloco. Isto é um efeito indesejado e uma das principais funções do bloco é evitar que isto

ocorra. Observe, no entanto, que nos outros dois blocos acontece uma perturbação na

interseção do bloco com a seção inferior do pilar, isto acontece devido ao efeito punção. Este

efeito causa uma concentração de compressão que tende a se espraiar no pilar, porém de

forma muito mais suave.

Segundo Fusco (2003) o espraiamento das cargas resulta no surgimento de tensões

transversais. Continuando a análise no plano ZY central do bloco, que nos casos estudados é

igual ao eixo da interseção dos pilares, observamos estas tensões a partir da Figura 8.

Figura 8: Comportamento das tensões transversais no plano ZY central do Modelo 4

É comprovado então, que no eixo do elemento as tensões se comporta exatamente como

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Fusco (2003) prediz. A tensão na direção longitudinal será sempre de compressão, enquanto

que nas direções transversais acontecerá compressão nas imediações da face de carregamento

e tração no restante do bloco.

Comparando as imagens vemos a semelhança do comportamento, porém é verificado nas

análises que o valor destas tensões diminui quando a altura aumenta (Tabela 3), o que não é

levado em conta no dimensionamento da armadura de fendilhamento pela teoria dos blocos

parcialmente carregados. Porém, observamos também, que a partir do Modelo 4 o valor das

Tabela3:Tensões transversais máximas no plano central ZY

Modelo 1 2 3 4 5 6

σz,c (%) 24,42 6,96 5,46 5,16 5,16 4,98

Nos Modelos 1 e 2, além dos valores serem maiores, estas tensões de fendilhamento ocorrem

no pilar, já que é onde acontece o espraiamento. Esta é uma particularidade destes dois

modelos, o que nos leva a crer que para a carga utilizada, a altura mínima do bloco para que

não haja fendilhamento no pilar está entre 30,00cm e 45,00cm. É necessário estudos para ver

como este fenômeno se comporta diante da variação da carga. A Figura 9 ilustra a

particularidade descrita no bloco com 15,00cm de altura.

Figura 9: Tensões de fendilhamento no pilar (plano ZY central do Modelo 1)

Como as seções dos pilares têm as mesmas dimensões, os resultados tornam-se simétricos.

Isto pode ser verificado na Figura 10 que mostra as tensões comentadas nos planos XY e ZY

do bloco com 60,00cm de altura.

Apesar dos comportamentos ao longo do eixo destes blocos de transição serem

semelhantes ao da teoria dos blocos parcialmente carregados (Fusco, 2003), ao nos afastarmos

do centro percebemos trações transversais relevantes que não são consideradas na teoria

citada. A Figura 11 ilustra como estas tensões se comportam quando nos afastamos do centro

do Modelo 4.

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Figura 10: Simetria das tensões entre os planos ZY e XY

Figura 11: Tensão transversal fora do eixo de transição

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Como pode ser observada, a tração se concentra na superfície próxima ao pilar, e se

espalha ao longo da altura do bloco ao passo que se afasta do centro. No mais, é fato que os

maiores valores se encontram na superfície, o que leva a conclusão de que é preciso armadura

na superfície superior do bloco, na direção X. Por simetria também concluímos que será

necessária armadura na superfície inferior, na direção Z.

Se dividirmos o bloco e considerarmos as seções do pilar como cargas, como ilustra a

Figura 12, estaremos vendo um sistema em balanço, no qual o bloco se comporta como um

console, tracionando na horizontal e comprimindo no diagonal.

Figura 12: Comportamento do bloco semelhante a um consolo.

Ao analisar as tensões na direção Z na superfície superior do bloco, foram constatadas

tensões de tração como ilustra a Figura 11.

Figura 13: Tensões de tração na direção Z, na face superior do bloco.

Estas tensões se concentram na face superior do bloco e se distribuem apenas

superficialmente. Seus valores são inferiores aos das tensões na direção X, logo é possível

afirmar que a face superior do bloco deverá ter uma malha de armadura, onde a armadura

principal estaria na direção X. Por simetria, o oposto aconteceria na face inferior.

Os valores das tensões citadas também diminuem ao aumentar-se a altura do bloco. A

Tabela 4 e a Figura 14 demonstram como é que acontece esta variação.

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Figura 14: Tensões na direção X, atuando na face superior dos blocos nos Modelos 3, 4 e 5

Tabela 4:Tensões transversais máximas fora da zona de intersecção dos pilares

Modelo σx,s (%) σz,s (%)

1 109,74 22,68

2 49,74 10,20

3 26,16 7,80

4 16,56 7,14

5 11,34 6,30

6 10,80 5,88

Também foram verificadas as tensões de bordo e de canto, as quais Leonhardt (1978)

afirma que dependendo da força aplicada pode atingir valores consideráveis. A Figura 15

ilustra as faces dos blocos e como essas tensões se comportam em blocos com alturas

diferentes servindo de comparação.

As tensões verticais nas faces do bloco tendem a ser nulas, porém quando a altura do bloco

é suficiente para distribuir estas tensões por todo o bloco resulta numa compressão no centro

da face. Também há o surgimento de tração nas bordas, porém os cantos permanecem com

tensões próximas ao nulo. As tensões transversais não agem efetivamente nas bordas,

havendo apenas tração no centro da face. A Tabela 5 mostra a variação dos valores dessas

tensões quando modificada a altura.

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Tabela 5:Tensões características da face e das bordas

Modelo Tração transversal

naface – σx/z,f (%)

Compressão

vertical naface –

σ1

y,f (%)

Tração vertical

naface – σ1

y,f (%)

Tração vertical nas

bordas – σy,b (%)

1 50,64 0,30 0,00 0,00

2 39,36 0,06 3,72 0,42

3 22,86 0,30 3,72 1,92

4 13,32 2,64 3,84 4,56

5 7,74 5,82 3,72 5,52

6 7,56 8,76 3,60 3,90

Figura 15: Tensões verticais e transversais, respectivamente, nas bordas e nas faces

Verificamos que a tração transversal na face decresce com o aumento da altura. Vemos

também que os valores da compressão vertical indicam que nos três primeiros modelos a

tensão principal de compressão não utilizou a área transversal total do bloco, enquanto que os

outros ultrapassaram os contornos resultando em uma tensão crescente de compressão na face.

Excetuando-se o Modelo 1, a tração vertical na face, manteve-se constante. Já a tração nas

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bordas tende a crescer quando aumenta a altura, porém o valor no Modelo 6 indica um erro de

modelo, um pico na curva ou outros fatores atuando nesta variação.

Por fim é disposta a Figura 16, que ilustra as deformações e deslocamentos ocorridos nos

sistemas, mostrando como o aumento da altura e conseqüentemente da rigidez diminui a

deformação do elemento.

Figura 16: Deslocamentos e deformações dos modelos

É possível ver que quando há o aumento da altura as deformações tendem a não existir,

existindo deslocamentos praticamente uniformes. No Modelo 1 (imagem “a”) são verificadas

deformações acentuada e o bloco comportando-se como uma laje.

Considerando a análise, descrita acima, foi aplicado o processo do caminho das cargas, a

fim de elaborar um esboço do modelo de bielas e tirantes. Este esboço servirá para

comparação com outros modelos, derivados de análises complementares, e conseqüentemente

chegar a um modelo otimizado.

Na Figura 17 estão as imagens que serviram de referência para a aplicação do processo. A

imagem (a) mostra o plano XY no centro do bloco e as tensões verticais que nele atuam. Com

esta entendemos o caminhamento das ações principais externas. A imagem (b) Ilustra as

tensões transversais no centro do bloco (plano XY) e a imagem (c) revela estas tensões fora

da zona de interseção dos pilares. Com estas conseguimos entender o comportamento das

tensões transversais e saber onde seriam necessários tirantes.

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Figura 17: Imagensreferência para aplicação do processo do caminho das cargas

O processo do caminho das cargas é dividido em cinco etapas que são ilustradas pela

Figura 18. Primeiro toma-se conhecimento da estrutura e suas ações de contorno. Depois a

carga distribuída é substituída por forças concentradas equivalente e daí são determinados os

caminhamentos das ações externas e estes caminhos são simplificados em um polígono. A

partir deste é encontrado o modelo de bielas e tirantes e por fim é verificado o equilíbrio nos

nós.

Para a seção inferior do pilar (ou a menor dimensão), foi adotado um par de cargas

concentradas, cada uma com 50% do valor da resultante total. Já na seção superior (de maior

dimensão), foram adotadas três cargas concentradas. As da extremidade teriam valores iguais

a um quarto da resultante total, enquanto que a central dois quartos.

Observe que o modelo é composto por tirantes na parte superior, responsáveis por resistir

às tensões de tração que acontecem fora da zona de interseção dos pilares (σx,sup ou σz,inf).

Existem também tirantes na parte central, que resistem ao fendilhamento (σz,c ou σx,c), e

tirantes na parte inferior que absorveriam as tensões secundárias das superfícies (σx,inf ou

σz,sup). Os tirantes que aparecem na diagonal serve para dar equilíbrio ao modelo e para

evitar fissuras decorrentes de pequenas trações que acontecem nessa região.

Como podem ver o modelo encontrado é plano, porém durante a aplicação do processo

concluímos que talvez um modelo tridimensional seja mais adequado ao caso, ficando como

sugestão para futuros trabalhos.

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Figura 18: Processo do caminho de carga: (a) a estrutura e suasações de contorno; (2) o caminhamento das ações

externas; (c) as linhas do polígono; (d) o modelo; e (e) o equilíbrio de nós

4 CONCLUSÕES

Este trabalho teve como objetivo a análise de um bloco de concreto armado utilizado na

rotação de pilares e elaborar um esboço de modelo de bielas e tirantes com os resultados

encontrados. A escassez de trabalhos científicos foi o grande desafio enfrentado, porém

fazendo analogia a teorias utilizadas em elementos semelhantes encontramos a direção que

deveríamos seguir.

Comparando nossos resultados à teoria dos blocos parcialmente carregados (Fusco, 2003)

encontramos semelhanças, porém com algumas particularidades. Concluímos que estas

particularidades se devem principalmente ao fato de que os blocos utilizados para o fim em

estudo, são relativamente pequenos quando comparados aos blocos de fundação, por exemplo.

Como o pilar é retangular e uma dimensão é consideravelmente maior que a outra, boa

parte do pilar se posiciona fora da zona de interseção e o sistema passa a simular balanços

resultando em trações com valores altos nas faces superior e inferior do bloco. Esta situação

revela que a teoria dos blocos parcialmente carregados se torna inadequada quando a altura é

relativamente menor.

Como o trabalho está apenas no início, surgem muitas sugestões para trabalhos futuros,

como a análise dos efeitos da variação da carga que age sobre o bloco, a aplicação de mísulas

nos cantos dos pilares visando diminuir os efeitos de canto, análises não-lineares, rotação

excêntrica, aplicação de momentos no bloco, dentre diversas outras.

REFERENCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto de estruturas

Page 17: APLICAÇÃO DO MODELO DE BIELAS E TIRANTES EM … · análises será utilizado um programa computacional baseado no Método dos Elementos Finitos ... entre pilares rotacionados, que

de concreto - Procedimento. Rio de Janeiro. 2003.

SILVA, R. C.; GIONGO, J. S.. Modelos de Bielas e Tirantes Aplicados a Estruturas de

Concreto Armado. São Carlos: EESC-USP, 2000.

FUSCO, P. Técnica de Armar Estruturas de Concreto. Editora PINI, 1ª edição, 2003.

LEONHARDT, F.; MÖNNING, E.. Construções de Concreto Vol. 2 - Casos Especiais de

Dimensionamento de Estruturas de Concreto Armado. Editora Interciência, 1ª edição, 1978.

MUNHOZ, F. S.. Análise do comportamento de blocos de concreto armado sobre estacas

submetidos à ação de força centrada. São Carlos-SP. 2004. Dissertação (Mestrado em

Engenharia de Estruturas) – EESC-USP.

SOUZA, R. A. Concreto estrutural: análise e dimensionamento de elementos com

descontinuidades. São Paulo-SP. 2004. Tese (Doutorado em Engenharia) – USP.

LIU, G.R.; QUEK, S.S. The Finite Element Method - A practical course. Elsevier Science

Ltd., 1ª edição, 2003.

ABAQUS/CAE RELEASE 6.4, 2003. User’s Manual

ABAQUS RELEASE 6.4, 2003. Theory Manual