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Biologia e Medicina Veterinária de Peixe-boi Marinho Biologia Sistemática Os peixes-bois pertencem à ordem Sirênia, que recebe este nome em referência as lendárias sereias da mitologia Grega (Berta e Sumich, 1999) A ordem Sirênia é composta por duas famílias: A Dugongidae, com apenas um representante existente, o dugongo ( Dugong dugon), pois a vaca marinha de Steller ( Hidrodamalis gigas), outro componente desta família, foi extinto em 1768, 27 anos após o seu descobrimento. A segunda família pertencente a essa ordem é a Trichechidae, representada pelos peixes-bois, sendo eles: peixe-boi africano (Trichechus senegalensis), peixe-boi amazônico ( Trichechus inunguis) e o peixe-boi marinho (Trichechus manatus), estando esta última subdividida em duas subespécies: o peixe-boi da Flórida ( T. m. latirostris) e o peixe-boi das Antilhas ( T. m. latirostris), que no Brasil é chamado de peixe-boi marinho (Reynolds e Odell, 1991). Fig. 1 Esquema Taxonômico dos Sirênios Sirênia Dugongidae Trichechidae Hidrodamalis gigas Dugong dugon Trichechus manatus Trichechus inunguis Trichechus senegalensis (Vaca marinha de Steller - † 1768) (Dugongo) (Peixe-boi africano) (Peixe-boi (Peixe-boi marinho) (Peixe-boi da Flórida) (Peixe-boi das Antilhas) Trich echus manatus latiro Trichechus manatus man

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Biologia e Medicina Veterinária de Peixe-boi Marinho

Biologia

Sistemática

Os peixes-bois pertencem à ordem Sirênia, que recebe este nome em

referência as lendárias sereias da mitologia Grega (Berta e Sumich, 1999)

A ordem Sirênia é composta por duas famílias: A Dugongidae, com apenas

um representante existente, o dugongo (Dugong dugon), pois a vaca marinha de

Steller (Hidrodamalis gigas), outro componente desta família, foi extinto em 1768, 27

anos após o seu descobrimento. A segunda família pertencente a essa ordem é a

Trichechidae, representada pelos peixes-bois, sendo eles: peixe-boi africano

(Trichechus senegalensis), peixe-boi amazônico (Trichechus inunguis) e o peixe-boi

marinho (Trichechus manatus), estando esta última subdividida em duas

subespécies: o peixe-boi da Flórida (T. m. latirostris) e o peixe-boi das Antilhas (T.

m. latirostris), que no Brasil é chamado de peixe-boi marinho (Reynolds e Odell,

1991).

Fig. 1 Esquema Taxonômico dos Sirênios

Sirênia

Dugongidae

Trichechidae

Hidrodamalis gigas

Dugong dugon

Trichechus manatus

Trichechus inunguis

Trichechus senegalensis

(Vaca marinha de Steller - † 1768)

(Dugongo)

(Peixe-boi africano)

(Peixe-boi

(Peixe-boi marinho)

(Peixe-boi da Flórida)

(Peixe-boi das Antilhas)

Trichechus manatus latirostris

Trichechus manatus manatus

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Evolução dos Sirênios

O sirênio mais primitivo conhecido é o Prorastomus sirenoides, encontrado na

Jamaica, vivente no período Eoceno (cerca de 50 milhões de anos atrás).

Inicialmente os sirênios eram herbívoros semiaquáticos, fluviais ou estuarinos, com

membros posteriores funcionais.

A história evolutiva dos sirênios ainda é muito discutida, não estando

devidamente esclarecida, alguns pesquisadores acreditam que exista uma relação

entre o peixe-boi, o elefante e o hirax (roedor semelhante ao um coelho), estas

afirmações são baseadas em estudos genéticos (Berta e Sumich, 1999;

Damasceno, 1999).

Distribuição dos Sirênios

Em contraste com os outros sirênios, a vaca marinha de Steller habitava as

águas frias próximo as ilhas do mar Bering. Este animal era o maior representante

desta ordem; media pelo menos 7,6 metros de comprimento e seu peso estimado

era entre 4 e 10 toneladas (Berta e Sumich, 1999).

Os dugongos possuem estrutura corporal semelhante aos peixes-bois,

diferindo apenas na sua nadadeira caudal - que se assemelha a dos cetáceos - e

não possuem ossos nasais. Os machos e eventualmente as fêmeas possuem os

primeiros dentes incisivos em forma de presas (Marsh et al., 2000). O dugongo é o

único que vive exclusivamente em águas marinhas, diferindo dos peixes-bois, que

habitam tanto águas marinhas como fluviais.

O peixe-boi africano (Trichechus senegalensis), segundo Marsh e Lefebvre

(1984), é encontrado na costa leste do continente africano, do Senegal a Angola.

Utiliza ambientes costeiros e estuarinos além de rios, pântanos e lagoas costeiras

(Reeves, 1992).

O peixe-boi amazônico é exclusivamente de águas fluviais, estando

amplamente distribuído na bacia amazônica, sendo encontrado desde a foz de rios

na Colômbia até a Ilha de Marajó no Brasil (Domning, 1981).

O peixe-boi marinho (Trichechus manatus) está distribuído ao longo da linha

costeira do oceano Atlântico, do sudeste dos Estados Unidos ao nordeste do Brasil,

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incluindo as Grandes Antilhas no mar do Caribe. O peixe-boi da Florida (Trichechus

manatus latirostris), uma das subespécies do Trichechus manatus, ocorre somente

no sudeste dos Estados Unidos, enquanto que o peixe-boi das Antilhas (Trichechus

manatus manatus), a outra subespécie, ocorre na América Central e do Sul. A

subespécie Trichechus manatus manatus, no Brasil é vulgarmente conhecida por

peixe-boi marinho.

Historicamente, esta subespécie ocorria no Brasil desde o litoral do Espírito

Santo até o Extremo Norte do país. Atualmente não ocorrem mais nos Estados do

Espirito Santo, Bahia e Sergipe. Nos demais Estados estão distribuídos de forma

descontínua (Lima, 1997).

Status de Conservação

O Peixe-boi marinho consta na Lista Oficial da Fauna Brasileira Ameaçada de

Extinção (Portaria IBAMA Nº 1.552, de 19 de dezembro de 1989) e do Apêndice I da

CITES (Convenção Internacional sobre o Comércio das Espécies da Fauna e Flora

em Perigo de Extinção). Encontra-se na categoria “Vulnerável” na classificação da

União Internacional para a Conservação da Natureza - IUCN (1996), e no Brasil

segundo o Plano de Ação para Mamíferos Aquáticos, está classificada como “Em

perigo crítico”, sendo a espécie de mamíferos aquáticos mais ameaçada de extinção

no Brasil (IBAMA, 1997, 2001).

O peixe-boi marinho é o mamífero aquático mais ameaçado de extinção no

Brasil, por estar sujeito tanto à morte intencional quanto à acidental. Na região

Nordeste, as principais ameaças são o encalhe de filhotes e a captura acidental em

redes de emalhe, tapagem, arrasto e currais de pesca, seguidos de morte

intencional. No litoral Norte a captura intencional com o arpão, mesmo proibida,

ainda é praticada correspondendo a aproximadamente 86% das capturas (IBAMA,

1997, 2001).

A estimativa populacional do peixe-boi marinho no Brasil é de apenas 278

animais na região nordeste e 207 na região norte, estando distribuídos entre os

Estados de Alagoas ao Amapá, com áreas de descontinuidade nos Estados de

Pernambuco, Ceará, Maranhão e Pará (Lima, 1997; Luna, 2001).

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A destruição dos habitas com o aterramento de manguezais, assoreando os

estuários e a poluição das águas, é outro sério problema, pois impedem o acesso

dos peixes-bois aos locais importantes para alimentação, reprodução e berçário.

Outros fatores que contribuem para o status em que se encontra o peixe-boi

marinho são: a baixa taxa reprodutiva e os longos períodos entre as gestações,

característicos desta espécie (Lima et al., 1992; Marsh et al., 1986).

Na Florida, uma das principais causas de mortalidade de peixes-bois são os

acidentes causados por barcos, lanchas e jet skies, o que até pouco tempo não

havia sido registrado no Brasil (IBAMA, 2001).

Características Anatômicas e Fisiológicas

Características Gerais

O peixe-boi marinho é um animal costeiro, habitando tanto ambiente estuarino

como marinho. Possui estrutura corporal achatada fusiforme, o tamanho estimado

de um animal adulto é de aproxima-se de 350 cm de comprimento e 500 kg de peso,

enquanto que os filhotes nascem pesando cerca de 31 kg e medindo 116 cm

(IBAMA, 2000).

Fig. 2 Anatomia interna (modificado de Geraci e Lounsbury, 1993).

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Sistema Digestório

Os lábios superiores são bilobulados, desenvolvidos e cobertos por

resistentes cerdas que auxiliam a apreensão dos alimentos e condução dos mesmos

ao interior da boca (Hartmann, 1979). Os peixes-bois apresentam rígidas placas

córneas de tecido queratinizado recobrindo a região sinfisal da mandíbula e maxila

(Husar, 1978).

Possuem apenas os dentes molariformes, os quais são constantemente

substituídos, sendo que os mesmos migram horizontalmente no sentido postero-

anterior, na ordem de aproximadamente 1mm/mês, variando de acordo com o

alimento consumido sendo provavelmente controlado pela ação mecânica da

mastigação (Domning e Hayek, 1984).

O estômago está localizado a direita do plano mediano com uma

característica peculiar, a existência da glândula cárdica, que desemboca próximo ao

esfíncter do cárdia, onde estão localizadas as células secretoras (Colares, 1994). O

intestino delgado que pode chegar a medir cerca de 20 m de comprimento estende-

se até o ceco, o qual apresenta dois divertículos, marcando a junção com o intestino

grosso (Bonde et al., 1988).

Sistema Respiratório

As narinas estão localizadas na região dorso-cranial do focinho. Possuem

dois orifícios nasais recoberto por tampões que se abrem quando o animal sobe a

superfície para respirar.

Os pulmões são estruturas saculares únicas, localizados em cada

hemidiafragma na região dorsal da cavidade pleural (Bonde et al., 1988).

Os peixes-bois aproveitam cerca de 50% do ar em seus pulmões, enquanto

que nos cetáceos o aproveitamento é de 80-90% e no homem somente 10-20%

(Hartman, 1979).

O ciclo respiratório médio é de dois a cinco minutos, podendo atingir 25

minutos de apnéia de mergulho (White e Francis-Floyd, 1990).

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Sistema Urogenital

Os sistemas genitais, feminino e masculino, estão localizados na porção

caudal da cavidade abdominal.

Nos machos os testículos localizados no interior da cavidade abdominal

(enorquídeos), próximo aos rins, não possuem glândula bulbo uretral e o pênis

encontra-se na cavidade prepucial no interior da cavidade abdominal, emergindo

pela abertura urogenital, quando ereto (Bonde et al., 1988).

Um par de glândulas mamárias encontra-se localizado na base de cada

nadadeira peitoral.

Os ovários estão juntos ao peritônio parietal. Nas fêmeas adultas os ovários

encontram-se envoltos por uma cápsula. O útero é bifurcado estreitando-se na

região da cérvix e a vagina apresenta-se ampla e longa, localizada próximo ao ânus.

O dimorfismo sexual dos peixes-bois é evidenciado pela localização da

abertura urogenital, visto que nos machos é próxima a cicatriz umbilical e nas

fêmeas junto ao ânus.

A maturidade sexual das fêmeas e dos machos ocorre entre 3 e 4 anos de

idade e o período gestacional é de aproximadamente 13 meses. A amamentação

perdura entre 1 e 2 anos, sendo o intervalo entre os partos de 2 a 5 anos,

conseqüentemente a taxa reprodutiva da espécie é extremamente baixa (White e

Francis-Floyd, 1990; Geraci e Lounsbury, 1993).

Sistema Esquelético

O esqueleto (figura 3) é composto por ossos extremamente densos,

paquiostáticos. O esqueleto axial completo é formado pelo crânio e duas mandíbulas

fusionadas; 3 ossos hióides; 46-54 vértebras (C6, T17-19, LSC23 a 29); 17-19 pares

de costelas, sendo usualmente 3 verdadeiras, 13 falsas e 1 flutuante; o esterno e 7-9

pares de ossos chevrons fixados por cartilagens a superfície ventral das primeiras 7-

9 vértebras caudais, os quais aumentam a área de inserção da musculatura caudal.

O esqueleto apendicular consiste de 2 ossos pélvicos vestigiais, e 2 nadadeiras

peitorais, formada por escápula, úmero, radio, ulna, 7-8 ossos do carpo e cinco

dígitos com a seguinte fórmula falangeana ( I:2, II:3, III:3, IV:3, V:2-3) (Bonde et al.,

1988).

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Fig. 3 Vista lateral do esqueleto (modificado de Bonde et al., 1988).

Medicina Veterinária

No Brasil, peixes-bois marinhos em cativeiro são encontrados somente nas

unidades do Centro Mamíferos Aquáticos/IBAMA (CMA), situadas na Ilha de

Itamaracá/PE e na Barra de Mamamguape/PB. A unidade de Pernambuco executa

um programa de Resgate, Reabilitação e Soltura de peixes-bois marinhos que

encalham, na maioria das vezes, órfãos e recém-nascidos. Sem dúvida este é,

atualmente, o principal problema relacionado à saúde e ao bem-estar da espécie no

Brasil.

Encalhe

A causa dos encalhes geralmente ocorre diante das ameaças ambientais,

pois os peixes-bois perdem os locais utilizados como berçários levando as fêmeas a

terem seus filhotes no mar, os quais são afastados de suas mães pela ação das

ondas e encalham nas praias.

No momento do encalhe o animal necessita permanecer em segurança sendo

removido para um local protegido do sol onde possa ser avaliado o seu estado de

saúde, mantendo sua pele umedecida constantemente com o objetivo de evitar a

desidratação e hipertermia (Geraci e Lounsbury 1993; IBAMA, 1999).

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Em casos de encalhes acidentais, uma das primeiras prioridades deve ser a

avaliação das condições de se efetuar a reintrodução imediata, sendo o exame

clínico fundamental e determinante para a opção da soltura. Caso o animal

necessite ser transportado para um Centro de Reabilitação, é importante

providenciar uma piscina ou tanque com água salgada enquanto o transporte é

providenciado. Deve-se ter o cuidado em observar a condição física do animal, se o

animal encontra-se com dificuldade para respirar então o nível da água deve

permanecer abaixo dos orifícios nasais (IBAMA, 2000).

Contenção Física

A contenção física é a técnica mais comum no manejo com peixes-bois para a

realização de exames clínicos, coletas de sangue etc. Os filhotes podem ser

colocados sobre um colchão de espuma, com uma ou duas pessoas segurando a

nadadeira caudal. Para os jovens e adultos são utilizados colchões molhados sobre

os animais, facilitando o trabalho de cerca de seis pessoas utilizadas na contenção.

É importante que este trabalho seja executado por pessoas com experiência em

manejo com peixes-bois, pois os animais podem se movimentar ativamente,

machucando-se ou as pessoas que estão trabalhando (White e Francis-Floyd,

1990).

Contenção Química

No tocante à contenção química, pouco se sabe sobre anestesias em

Sirênios. Entretanto tem sido utilizada com sucesso na subespécie encontrada na

Flórida (T. m. latirostris) para a obtenção de relaxamento, bem como para anestesia

local durante pequenos procedimentos cirúrgicos (Walsh e Bossart, 1999).

Transporte

Joseph et al. (1990) afirma que o transporte de Sirênios é menos complexo

que de cetáceos, pinípedes e outros animais marinhos porque são mais tolerantes a

altas temperaturas. Nas translocações efetuadas no Brasil, o animal é transportado

com o auxílio de uma maca, em um veículo, de preferência coberto, sem a

incidência de raios solares, evitando um quadro de desidratação.

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O peixe-boi é colocado sobre uma espuma previamente umedecida,

mantendo-se a pele úmida, com água ou óleo mineral, além de proteger os olhos

com compressas de gases umedecidas com solução fisiológicas. Nos transportes de

distâncias acima de 500 Km, é indicado que seja realizado por via aérea. Já nos

casos de transporte terrestre o horário preferencial é o noturno. Durante o transporte

a temperatura corpórea do animal (34,4 à 36,1 ºC) deve ser monitorada (White &

Francis-Floyd, 1990), caso haja queda da temperatura – como ocorre em transportes

de aeronaves – o animal deve ser aquecido com cobertores e/ou bolsas de água

quente (IBAMA, 2000).

Alimentação

Um dos fatores que determina a distribuição dos peixes-bois é a

disponibilidade de alimento.

Em vida livre têm sido observados alimentando-se de uma variedade de

plantas aquáticas e terrestres, fibrosas ou não, caracterizando-os como oportunistas

quanto à alimentação. Existem relatos eventuais de peixes-bois alimentando-se de

peixes (Hartman, 1979).

Na região nordeste do Brasil há registros de uma diversidade de plantas

aquáticas utilizadas pelos peixes-bois como fonte alimentar, tanto em cativeiro como

em vida livre, destacando-se: Halodule wrightii (capim-agulha), Gracilaria cornea,

Cryptonemia crenulata, Hypnea musciformes, entre outras. Alface, cenoura e

beterraba também podem compor a dieta de animais cativos (Paludo, 1997; Vianna

et al., 2000).

Em cativeiro, os filhotes são alimentados com fórmulas artificiais, a base de

leite em pó deslactosado, carne de coco e ovos (Vergara-Parente et al., 2000). O

fornecimento é realizado em mamadeiras, em média quatro vezes ao dia, em

quantidades variáveis de acordo com a idade e as condições físicas do animal.

A partir da segunda semana é também oferecido aos animais o alimento

encontrado em ambiente natural, capim-agulha (Halodule wrightii). A alimentação

em mamadeiras é oferecida até cerca de 15 meses, quando então se encontram

aptos a reintrodução (Picanço et al., 1998).

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Enfermidades

A incidência de doenças infecciosas em peixes-bois é relativamente baixa. Na

subespécie da Florida são relatados casos de septicemia fatal secundária a metrite,

enterites hemorrágicas, lesões de pele ulcerativas, onfalites, peritonite. Os principais

problemas enfrentados na Flórida estão relacionados aos traumatismos causados no

acidentes com barcos e o estresse causado pelo frio durante o inverno.

Diversas espécies de endoparasitos já foram descritas em peixes-bois,

entretanto são achados de necropsia, com o significado clínico desconhecido

(Wallach e Boever, 1983).

No Brasil, as enfermidades dos animais em cativeiro são geralmente

relacionadas ao sistema respiratório e digestivo.

Os tratamentos empregados e a medicação utilizada se assemelham as

outras espécies animais, como por exemplo: fluidoterapia, antibioticoterapia e

antinflamatórios, que são administrados geralmente por via oral ou intramuscular.

Tal procedimento deve ser feito por pessoas qualificadas, e de preferência, após a

realização de exames laboratoriais, como hemogramas, cultura e antibiograma,

aumentando assim, a eficácia do tratamento (IBAMA, 2000).

Mortalidade

No Brasil, segundo Vergara-Parente et al. (no prelo), a mortalidade registrada

nas últimas duas décadas está principalmente relacionada ao encalhe de filhotes

órfãos, seguido das questões relacionadas à qualidade de água dos oceanários.

Este último fator é de fundamental importância para o sucesso da estratégia de

conservação adotada no Brasil para a espécie, visto que a manutenção bem

sucedida dos peixes-bois em cativeiro está diretamente relacionada com a qualidade

da água do ambiente (White e Francis-Floyd, 1990).

Necropsia

É fundamental que toda a carcaça encontrada ou todo animal que morra em

cativeiro seja necropsiado. Muitas vezes isto não é possível, principalmente nos

casos de carcaças na praia em função da ausência de infra-estrutura e material

adequado, mas somente através da necropsia, com amostras biológicas

devidamente coletas e analisadas, é possível efetivar a identificação da causa mortis

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dos peixes-bois e conseqüentemente realizar ajustes no manejo da espécie em

cativeiro ou vida livre. Animais encalhados que morreram aparentemente em função

de um ataque de predador, pode ter sofrido de uma septicemia e sido atacado após

sua morte.

Qualidade de água

Em geral os parâmetros avaliados na água dos oceanários nos Centros de

Reabilitação são: pH, salinidade, temperatura, oxigênio dissolvido e controle dos

coliformes fecais (IBAMA, 2000). Esses parâmetros devem ser avaliados

diariamente ou semanalmente, no caso dos coliformes fecais, devendo ser mantidos

dentro dos limites estipulados pela legislação que regulamenta a manutenção de

mamíferos aquáticos em cativeiro.

Soltura

Após a completa reabilitação, desmame e adaptação dos animais à

alimentação natural, o ideal é que os peixes-bois sejam soltos no ambiente natural,

seguindo os critérios já estabelecidos por Lima e Castro (1998), sendo:

a) o local escolhido deve ser uma Área de Proteção Ambiental (APA), com

população nativa de peixes-bois;

b) realização prévia de campanha de divulgação, visando o envolvimento das

comunidades locais no processo de readaptação dos animais; e

c) monitoramento dos animais soltos realizado através de radiotelemetria

pelos sistemas de UHF e/ou VHF.

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Jociery Einhardt Vergara-Parente

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