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2015 SETEBAN – RO/AC TEOLOGIA CRISTÃ CURSO MODULAR CRISTOLOGIA Por Vlademir Fernandes

Apostila Cristologia_Prof Vlademir

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Doutrina de Cristo. Aspectos da teologia classica.

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2015

SETEBAN – RO/AC

TEOLOGIA CRISTÃ

CURSO MODULAR

CRISTOLOGIA

Por Vlademir Fernandes

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................... 03

CAPÍTULO I: Quem é Jesus?.............................................................................. 04

1.1- O que torna Jesus tão peculiar? .......................................................04

1.2- Senhor, mentiroso ou lunático?.........................................................05

1.3- Razões para crer ............................................................................... 06

CAPÍTULO II: Nomes e naturezas de Cristo ...................................................0 8

2.1- Os nomes de Cristo ............................................................................ 08

2.2- Humanidade: Filho do homem........................................................... 09

2.3- Deidade: Filho de Deus...................................................................... 10

2.4- União hipostática de Cristo................................................................ 13

2.5- Controvérsias acerca da pessoa de Cristo......................................... 13

CAPÍTULO III: Os estados de Cristo.................................................................. 18

3.1- O estado de humilhação..................................................................... 18

3.2- O estado de exaltação......................................................................... 20

CAPÍTULO IV: Os ofícios de Cristo.................................................................... 22

4.1- Profeta................................................................................................. 22

4.2- Sacerdote............................................................................................. 23

4.3- Rei........................................................................................................ 23

CAPÍTULO V: A obra de Cristo........................................................................... 25

5.1- Morte de Cristo................................................................................... 25

5.2- Ressurreição de Cristo........................................................................ 25

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 27

REFERÊNCIAS.................................................................................................... 28

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INTRODUÇÃO

Estudar sobre Cristo é adentrar numa das mais profundas doutrinas do

cristianismo. A pessoa singular de Jesus Cristo abalou todas as estruturas da

humanidade em termos sociais, políticos ou religiosos com uma influencia ímpar,

sagaz e arrebatadora. Por tal fato, e por Jesus ser o que é, temos justificativa

abundante para estudar e sistematizar o conhecimento que temos sobre ele.

A pessoa de Jesus Cristo foi alvo das maiores controvérsias teológicas que

já tivemos. Compreender sua humanidade e sua divindade não foi tarefa fácil

para igreja. Muito pior foi a missão de harmonizar ambas as naturezas em uma

única pessoa a fim de ser fiel às Escrituras e ter uma postura firme contra as

heresias.

Dentre todos os desafios talvez o maior continue sendo ser leal à

mensagem e imagem transparecida sabiamente e discretamente por Jesus

mostrando-se, não por soberba ou vaidade, como o Messias, o verdadeiro Deus

conosco.

Quanto ao texto podemos dizer que foi formatado em cinco capítulos que

distribuíram de forma quase equivalente os aspectos mais marcantes da vida e

obra do Senhor. Também devemos mencionar alguns pressupostos adotados para

construção da obra. Um deles e básico é que A Bíblia é a Palavra de Deus.

Mantemos a inspiração e autoridade divina das Escrituras e a consideramos como

fonte infalível do conhecimento de Deus. O outro é que mantemos a possibilidade

do sobrenatural, logo assumimos que Deus pode agir e interferir na história da

humanidade. Tais princípios influenciam decisivamente na maneira como

abordamos a Cristologia. Numa perspectiva anti-sobrenaturalista, por exemplo, a

pessoa de Cristo é vista numa perspectiva mais antropológica e natural, negando-

lhe a divindade e suas ações sobrenaturais e transformando-o num mero

reformador social ou religioso. Nada mais longe das pretensões do próprio Cristo!

Diante do exposto desejamos que o estudo seja produtivo.

Deus nos abençoe.

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CAPÍTULO I

QUEM É JESUS?

A pergunta sobre quem é Jesus tem intrigado a humanidade há quase dois

mil anos. As opiniões dividem-se nas mais diversas categorias possíveis. Alguns o

consideram um simples homem caridoso, outros, o próprio Deus. Um grupo

propôs a ideia de que tal figura nem mesmo tenha existido historicamente,

contudo, tal opinião não resistiu às evidências e caiu em descrédito.

Um fato não pode ser negado: a personalidade humilde e ao mesmo tempo

imponente de Jesus influenciou, de certa forma, toda a humanidade. Em cada época, o homem descobriu veios inesgotáveis de criatividade no

Novo Testamento e, se os primeiros seguidores de Jesus Cristo eram

simples pescadores galileus, depois, prostraram-se diante de sua cruz os

espíritos mais elevados de todos os povos. A sua revelação iluminou o

pensamento de Agostinho e de Pascal. O amor a ele fez surgirem os

maciços das catedrais levantados pelas mãos do homem, guiou o estro

criativo de poetas e artistas, suscitou as harmonias de sinfonias e corais.

A imagem do Filho do Homem inspirou as obras de um Andrei Rublev, de

Michelangelo, de Rembrandt. No alvorecer do Terceiro Milênio, o

Evangelho, que narra a vida terrena de Cristo, está traduzido em mais de

mil e quinhentos idiomas e lido em todo mundo. (VIDA CRITÃ, 2012

apud TEOLOGIA SISTEMÁTICA, 2014).

Ele também é reconhecido, à priori, sempre por qualidades boas. É

misericordioso, conselheiro, perdoador e pacifista. Qualidades recomendadas e

seguidas por seus discípulos.

No entanto, além das aparências e da fama somos convidados

constantemente a conhecer quem de fato é Jesus Cristo, pois Ele deixou claro que

suas declarações são de grande importância espiritual. Ele assumiu a

responsabilidade de que poderia dar “descanso a toda alma sobrecarregada”,

disse que era “o caminho, a verdade e a vida” além da máxima afirmação de ser o

próprio filho de Deus. A crença em Cristo é decisiva quanto à salvação. “Quem crê

já está salvo, mas quem não crer, sobre ele permanece a ira divina”.

Deste modo, temos uma missão a nível individual que envolve uma tomada

de decisão. Somos instados a responder à sua chamada, pois certamente Jesus

está perguntando a cada um de nós: “quem sou eu para você”?

1.1- O que torna Jesus tão peculiar?

O que torna Jesus tão peculiar? Se formos direto ao ponto, talvez seja a

afirmação feita por ele mesmo de que seu ser não era como outro qualquer. Na

verdade, Jesus declarou que era o próprio Deus! Ficou claro para os ouvintes que

suas proclamações o diferenciavam de um simples profeta ou mestre. Ele, em

certas ocasiões, fazia alusões claras acerca de sua divindade.

Tal fato torna a pessoa de Jesus sem igual na humanidade. Em certo

momento Jesus fez uma pergunta peculiar a seus discípulos: “Quem diz o povo

ser o Filho do Homem? (Mt 16.13). A resposta foi que o povo o identificava com

Elias, Jeremias ou algum outro profeta. Jesus perguntou aos discípulos, “mas vós,

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quem dizeis que eu sou?” (Mt 16.15). A resposta que agradou ao Senhor foi aquela

proferida por Pedro quando disse: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. (Mt

16.16). Reconhecer Jesus Cristo como o Filho do Deus vivo era aceitá-lo como

Messias e como o próprio Senhor. Este foi o objetivo de Jesus e desta maneira ele

queria ser reconhecido.

1.2- Senhor, mentiroso ou lunático?

Temos apenas três opções para classificar a Jesus, ou ele era Senhor,

mentiroso ou lunático. Quais dessas alternativas mais se coadunam com a

personalidade dele? Que Jesus afirmou que era o próprio Messias, ou seja, Deus,

é evidente. Dentre muitos textos bíblicos mostraremos apenas dois que são

bastante objetivos logo, conclusivos.

O primeiro deles situa-se no contexto da conversa que Jesus teve com a

mulher samaritana. A certa altura a mulher disse: “Eu sei, respondeu a mulher,

que há de vir o Messias, chamado Cristo; quando ele vier, nos anunciará todas as

coisas”. (Jo 4.25). A resposta foi: “Disse-lhe Jesus: Eu o sou, eu que falo contigo.”

(Jo 4.26). O Messias era o próprio Emanuel, ou seja, o Deus conosco. Assim, fica

claro que Jesus se identificava como o Messias e, portanto, como o próprio Deus.

Essa identificação também rendeu a própria morte do Senhor, este seria o outro

texto a se analisar: “E o sumo sacerdote lhe disse: Eu te conjuro pelo Deus vivo

que nos diga se tu és o Cristo, o Filho de Deus. Respondeu-lhe Jesus: Tu o

disseste; entretanto, eu vos declaro que, desde agora, vereis o Filho do Homem

assentado à direita do Todo-Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu. Então, o

sumo sacerdote rasgou as suas vestes, dizendo: Blasfemou! Que necessidade mais

temos de testemunhas? Eis que ouvistes agora a blasfêmia!” (Mt 26.63-65).

As palavras de Jesus foram interpretadas adequadamente pelo sumo

sacerdote. Jesus não se mostrou como uma pessoa qualquer. Nenhum homem

comum poderia falar em sã consciência que estaria à destra do Todo-Poderoso e

vindo sobre as nuvens do céu. Este é o tipo de declaração que pode ser encarada

como verdade, e neste sentido implica o reconhecimento do senhorio de Cristo. Ou

pode ser vista como a fala de um mentiroso. Jesus estaria mentindo? Ele não iria

às alturas se assentar à destra de Deus? Não viria nas nuvens? Será que Jesus

era um mentiroso?

O tipo de afirmação que Jesus pronunciava exige realmente uma tomada

de decisão por parte do ouvinte. Já vimos que ele se identificava como o Messias,

como Deus. Assim temos a obrigação de julgar tal afirmação como verdadeira ou

falsa, antes de qualquer coisa. Você pode silenciá-lo, julgando-o tolo; pode cuspir nele e matá-lo,

julgando-o um demônio; ou então, cair a seus pés e chama-lo Senhor e

Deus. Mas não me venha com tolices condescendentes, afirmando ser ele

um grande mestre humanista. Ele não nos deixou esta alternativa. Não

era sua intenção fazê-lo. (LEWIS apud MCDOWEL, 1980, p. 23).

Contudo, atribuir mentira a Jesus não se coaduna com o caráter dele. Dizer

que Jesus era corrupto, mentiroso ou enganador é uma afronta até para os

incrédulos. Logo, podemos assumir que ele não era mentiroso.

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Se for inconcebível que Jesus fosse mentiroso, não seria possível que ele

pensasse que era realmente Deus, mas que estivesse enganado? Afinal de contas,

muitas pessoas são sinceras, mas equivocadas em suas convicções. Uma pessoa que pensa que é Deus é como alguém que hoje se acredita

ser Napoleão. Ela estaria iludida, enganando a si própria, e,

provavelmente, seria encerrada num manicômio para não causar maiores

danos a si própria ou a outrem. (LEWIS apud MCDOWEL, 1980, p. 27).

Entretanto, em Jesus não vemos nenhuma anormalidade nem sintomas

que acompanham que tem alguma insanidade, pelo contrário, seu raciocínio e

perspicácia foram sempre rechegados de inteligência, sabedoria e lógica. Jesus

conseguiu produzir alguns dos pensamentos mais profundos já registrados neste

mundo. Será que tal intelecto – sempre claro como o cristal, revigorante como o

ar da montanha, agudo e penetrante como uma espada, totalmente sadio

e vigoroso, sempre pronto, e sempre no perfeito controle de si mesmo –

seria ele passível de cometer um engano tão radical e dos mais sérios com

relação ao seu próprio caráter e missão? Que pensamento terrível.

(SCHAFF apud MCDOWEL, 1980, p. 29).

Novamente temos que admitir que não há como nos convencermos de que

Jesus era um louco! Assim, nossa única alternativa seria considera-lo realmente o

Messias, o Filho de Deus, o Senhor nosso Deus.

1.3- Razões para crer

Queremos trabalhar neste tópico de um modo diferente. Talvez fosse

interessante apresentar alguns argumentos em favor da crença em Jesus Cristo.

Poderíamos falar da atitude dos discípulos de Cristo, que testemunharam

bravamente a respeito de Cristo entregando até mesmo suas próprias vidas por

esta causa como ocorreu com os apóstolos e muitos outros mártires no período de

perseguição. Poderíamos falar da inusitada conversão de Saulo, o que, corrobora

com a realidade do evangelho, uma vez que tal transformação de um perseguidor

da igreja em membro, foi tão miraculosa quanto transformar água em vinho.

Poderíamos tentar buscar dados e fatos arqueológicos que pudessem evidenciar a

história de Jesus em como sua obra, mas não iremos seguir este caminho.

Proporemos uma razão para crer baseada em argumentos pressuposicionais.

A apologética pressuposicional baseia-se no fato de termos de escolher um

pressuposto inicial para qualquer teoria. Tal pressuposto deve ser axiomático, ou

seja, completo em si e que não exija uma demonstração ou prova. Assim, na

Matemática, por exemplo, toma-se por axioma o ponto, a reta e o plano. O

pressuposicionalismo garante que todos se apropriam de pressupostos. Todos

partem de um determinado começo para formar sua cosmovisão a fim de

compreender o mundo.

O pressuposto que assumimos é a Palavra de Deus. Não exigimos provas

ou argumentações para aceitá-la, simplesmente a tomamos como pressuposto. Tal

método se adequa melhor com as exigências da fé, pois não cremos por meio de

raciocínios ou provas científicas. Acreditamos basicamente porque a autoridade

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de Deus está impressa nas declarações. Não deixamos a mente ter a palavra final

para aprovar ou reprovar uma mensagem espiritual, não abraçamos ao

racionalismo!

Neste sentido, assumindo a palavra de Deus como verdade a mensagem

bíblica, portanto, seria suficiente para esclarecer qualquer dúvida sobre a pessoa

de Cristo e estabelecer firmemente sua posição como Messias e Senhor.

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CAPÍTULO II

NOMES E NATUREZAS DE CRISTO

Há basicamente cinco nomes específicos atribuídos a Jesus que merecem

uma consideração especial. Eles descrevem em parte suas naturezas, em parte

sua posição oficial, e em parte a obra pela qual veio ao mundo.

2.1- Os nomes de Cristo

Jesus. O nome Jesus é a forma grega do hebraico Jehoshua, Joshua

ou Jeshua. A opinião comum é que deriva de um termo cuja raiz

indica salvar.

Cristo. É o nome oficial do Messias. É o equivalente de Mashiach do

Antigo Testamento. Significa “o ungido”. Normalmente os reis o os

sacerdotes eram ungidos na antiga dispensação. O óleo utilizado na

consagração simbolizava o Espírito de Deus e a unção representava

a transferência do Espírito Santo para a pessoa consagrada.

Filho do homem. Este nome é encontrado em Sl 8.4 e Dn 7.13. Era a

maneira mais comum de Jesus tratar-se a si próprio. Algo óbvio no

nome é que ele identifica Jesus com a humanidade. Este fato fez com

que alguns sugerissem que este nome “ocultava” justamente o

caráter messiânico de Jesus. De acordo com Berkhof (2012, p. 288): O Dr. Vos é de opinião que provavelmente Jesus preferiu este nome

porque ele fica bastante afastado de toda e qualquer prostituição judaica

do ofício messiânico. Chamando-se a si próprio Filho do homem, Jesus

infundiu à messianidade o seu espírito centralizado nas realidades

celestiais. E as alturas a que assim ele elevou a sua pessoa e a sua obra

bem podem ter tido algo a ver com a hesitação dos seus primeiros

seguidores quanto a chamá-lo pelo mais celestial de todos os títulos.

Filho de Deus. O nome Filho de Deus foi aplicado no Antigo

Testamento de diversas maneiras. Foi aplicado à Israel, serviu aos

oficiais de Israel, principalmente ao rei que descenderia de Davi, os

anjos também receberam tal denominação e pessoas piedosas em

geral. No Novo Testamento vemos Jesus apropriando-se do nome

que aparece em quatro sentidos: a) No sentido oficial ou messiânico,

o Messias pode ser chamado Filho de Deus como herdeiro e

representante de Deus, b) No sentido trinitário, às vezes o nome é

utilizado para mostrar a divindade essencial de Cristo, c) No sentido

natalício, Jesus é chamado Filho de Deus em virtude de seu

nascimento sobrenatural, d) No sentido ético-religioso, é neste

sentido que filho de Deus é aplicado aos crentes do Novo

Testamento.

Senhor. O nome “Senhor” (Kurios) é aplicado no Novo Testamento a

Jesus de forma tríplice. Num primeiro momento indicando uma

forma polida e respeitosa de tratamento. Depois, como expressão de

posso e autoridade sem nada implicar com o caráter e autoridade

divinos de Jesus. Por fim, com a máxima conotação de autoridade,

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expressando um caráter exaltado e, de fato, praticamente

equivalendo ao nome Deus.

Após estes pequenos comentários sobre os nomes atribuídos a Jesus

podemos agora falar um pouco sobre sua natureza. O fato é que a pessoa singular

de Jesus Cristo causou uma enorme dificuldade de “definição”. Afinal, quem era

Jesus? Afirmar que era apenas um homem seria um equívoco, bem como

identificá-lo apenas como o Senhor. A igreja desde muito cedo entendeu que Jesus

deveria ser compreendido como verdadeiro homem e verdadeiro Deus. O Concílio

de Calcedônia (451) cristalizou esta opinião da igreja. Não por ela ter

compreendido completamente este mistério, mas porque não admitia os visíveis

erros em limitar a natureza de Jesus a um dos extremos. Seria mais correto

consolidar a dupla natureza de Jesus em conformidade com as evidências

escriturísticas.

2.2- Humanidade: Filho do homem

O problema principal que distanciou o homem de Deus foi o pecado, a

transgressão da lei. Após a queda, o homem não tem condições, por si só, de se

achegar a Deus, de restabelecer um relacionamento com Deus. Há também um

abismo moral intrínseco à humanidade que é insolúvel aos homens. Portanto,

considerando estes fatores, seria preciso haver outro meio de união entre a

humanidade e Deus. Isso foi feito na encarnação de Cristo que é entendida como

a união da divindade com a humanidade. Caso Jesus não tivesse sido homem a

aplicabilidade de sua obra não contemplaria ao homem, pois não seria obra de

homem. Assim ele não estaria pagando o pecado do homem, nem mesmo “levando

suas dores” e muito menos teria validade para a reconciliação com Deus. Então, a

humanidade de Jesus está diretamente relacionada com nossa salvação.

A Bíblia nos indica em vários momentos a plena humanidade de Jesus. Ele

tinha um corpo como o nosso, ele nasceu como qualquer outra criança, apesar de

sua concepção ter sido sobrenatural, tudo indica que desse ponto em diante Jesus

se desenvolveu como qualquer outra criança. Sua vida nos mostra claramente a

natureza física humana que possuía. Vemos que ele crescia “em sabedoria,

estatura e graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2.52). ele sentia fome (Mt

4.2), sede (Jo 19.28) e ficava cansado (Jo 4.6). Por fim, Jesus sofreu fisicamente e

morreu. Outras características que podemos citar são as psicológicas. Jesus

possuía qualidades psicológicas como qualquer outro homem. Ele pensava,

raciocinava e sentia toda espécie de emoções humanas. Por exemplo, na morte de

seu amigo Lázaro quando Jesus viu Maria irmã de Lázaro, e seus companheiros

chorando, “agitou-se no espírito e comoveu-se” (Jo 11.33), chorou (Jo 11.35) e no

túmulo “agitou-se novamente” (Jo 11.38). Com isso fica claro que Jesus podia

sentir aflições tão profundas quanto nós.

Interessante também é a vida devocional de Jesus. Ele participava do culto

na sinagoga regularmente (Lc 4.16). Sua vida de oração indicava sua dependência

humana do Pai. Às vezes orava por longos períodos. Foi assim na noite anterior a

escolha dos discípulos, após seu batismo quando foi levado ao deserto e ali

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permaneceu por quarenta dias se dedicando ao jejum e oração e, também no

jardim do Jetsêmani antes de sua morte.

Finalizando, o próprio Jesus utilizou a palavra homem quando fazia

referência a si próprio como foi no caso em que Jesus respondeu aos judeus: “mas

agora procurais matar-me, a mim, homem que vos tem dito a verdade que de

Deus tem ouvido” (Jo 8.40).

2.3- Deidade: Filho de Deus

Analisando os evangelhos podemos perceber, através das palavras e

atitudes, o conceito que Jesus fazia de si mesmo. Essa observação é pertinente,

pois se Jesus não se considerava Deus, como muitos afirmam, então ele não era –

pois cremos em sua mensagem – no entanto, se ele deixou transparecer uma

auto-afirmação divina, então é Deus.

Devemos também considerar que Jesus não disse abertamente e com todas

as letras: “Eu sou Deus”, o que seria até um gesto arrogante. Mas suas alegações

e atitudes seriam totalmente impróprias se fossem feitas por alguém diferente de

Deus. Por exemplo: Jesus disse que enviaria “seus anjos” (Mt 13.41). Por acaso

algum homem comum tem anjos sob seu domínio? Algum homem pode decretar

ordens aos anjos? Mas em outras passagens os anjos são de Deus (Lc 12.8,9).

Algumas prerrogativas assumidas por Jesus são significativas. Sua atitude

de perdoar pecados soou de modo terrível nos ouvidos dos seus opositores, eles até

o chamaram de blasfemo, mas qual a atitude de Jesus? Ele simplesmente provou

que tem poder para perdoar pecados. “Ora, para que saibais que o Filho do

homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados, disse ao paralítico: a

ti te digo, levanta-te, toma o teu leito, e vai para tua casa” (Mc 2.10-11). A reação

dos escribas mostra o significado que eles entendiam da ação de Jesus. Isto é

blasfêmia, quem pode perdoar pecados senão um que é Deus, diziam eles.

A autoridade que Jesus reivindicou é claramente manifesta na questão do

sábado. O sábado era um dia santo para os judeus. Desde Moisés esta ordem era

cumprida. O zelo por este mandamento era impressionante a ponto de motivar a

criação de diversas tradições acerca do sábado tornando sua observância cada vez

mais penosa. Com certeza não era intenção do mandamento escravizar ou punir

as pessoas. Cristo veio mostrar o real significado do sábado e mostrar-se Senhor

do sábado. Em uma ocasião quando os fariseus acusaram a Jesus e seus

discípulos de violarem as leis do sábado Jesus responde: “O sábado foi

estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado; de sorte

que o Filho do homem é Senhor também do sábado” (Mc 2.27-28). Jesus estava na

prática redefinindo o valor do sábado, algo que só é possível para alguém igual a

Deus.

Admirável também é o relacionamento singular que Jesus tinha com o Pai.

No evangelho de João capítulo 14 ele afirma que conhecê-lo é conhecer também o

Pai; vê-lo é ver o Pai e completa afirmando que ele está no Pai e o Pai está nele!

Esta comunhão única indicava que Jesus detinha uma filiação especial;

proclamava a reivindicação de uma “igualdade” com Deus. Os judeus, percebendo

a dimensão desta assertiva, e avessos a ela, intentaram contra Jesus: “Por isso,

pois, os judeus ainda mais procuravam matá-lo, porque não somente violava o

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sábado, mas também dizia que Deus era seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus”

(Jo 5.18).

Continuando a falar sobre a divindade de Cristo, visto que essa é uma

doutrina fundamental. Sem a correta compreensão dela certamente, qualquer

tentativa de se conhecer o Pai será inútil. Também a salvação só será entendida e

efetivamente realizada na pessoa divina de Jesus Cristo. Apesar de as Escrituras

serem bem claras a esse respeito ainda é gerado confusão por parte de alguns em

torno da doutrina. Como podemos então estabelecer a definitiva e inevitável

conclusão de que Jesus Cristo é a Segunda Pessoa da Trindade.

A divindade de Cristo é expressa na Bíblia assim como sua humanidade.

Sua humanidade é declarada naturalmente quando se atribui a ele títulos

humanos, atributos humanos, ações humanas e relacionamentos humanos.

Semelhantemente sua divindade é revelada da mesma maneira atribuindo-lhe

títulos, atributos, ações e relacionamentos divinos.

Títulos Divinos

Alguns títulos divinos são aplicados a Jesus Cristo como: “Verbo” ou Logos,

“Deus”, “Senhor”, “Deus Forte”, “Pai da Eternidade”, “Emanuel” e “Filho de

Deus”.

Logos denota tanto “razão” quanto “linguagem”; assim Cristo é a

Expressão, o Revelador e Manifestador de Deus. O termo logos usado somente

pelo apóstolo João como um nome da Segunda Pessoa, mostra a eternidade de

Cristo, assim ele era no princípio, Ele estava com Deus e Ele era Deus. (Jo 1.1).

Deus é o título que expressamente afirma a divindade de Jesus Cristo.

Não há nada mais explícito acerca da doutrina como as atribuições do

nome Deus em relação a Jesus Cristo. O uso da designação inicia-se no Antigo

Testamento e se prolonga por todo o Novo Testamento. Isaías profetizava: “Eis a

voz do que clama: Preparai no deserto o caminho do Senhor, endireitai no ermo

uma estrada para o nosso Deus” (Is 40.3) e ainda escreveu: “Porque um menino

nos nasceu, um filho se nos deu; e o governo estará sobre os seus ombros; e o seu

nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz” (Is

9.6). Isaías fala daquele que viria a nascer de uma virgem e seu nome seria

Emanuel. Mateus interpreta o nome Emanuel como o “Deus Conosco” (Mt 1.23) o

que significa que Deus não apenas estaria presente com a humanidade, mas faria

parte da própria humanidade através da encarnação.

No Novo Testamento João inicia proclamando que o Verbo era Deus. Tomé,

outro discípulo de Jesus, ao ver as feridas do salvador disse: “Senhor meu e Deus

meu” (Jo 20.28). Essa declaração, caso fosse falsa, seria idolatria e repreensível,

contudo Cristo não o censurou. Tito o chama de grande Deus e Salvador (Tt 2.13).

Pedro na introdução de sua segunda epístola afirma: “... aos que conosco

alcançaram fé igualmente preciosa na justiça do nosso Deus e Salvador Jesus

Cristo” (2 Pe 1.1). Utilizando quase as mesmas palavras que Tito havia atribuído

a Jesus, Deus e Salvador. O apóstolo João dá outra contribuição expressiva em

sua primeira carta. Ele ensina sobre a divindade de Cristo para refutar algumas

heresias que circundavam a igreja e conclui com o versículo “...e nós estamos

naquele que é verdadeiro, isto é, em seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro

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Deus e a vida eterna.” (1 Jo 5.20). Apesar de existirem muitas outras referências

explícitas do título Deus se tratar de Cristo, estas nos são suficientes para

compreendermos a igualdade de Deus proclamada na pessoa de Jesus Cristo.

Ações Divinas

A criação de todas as coisas é diversas vezes atribuída a Jesus “Todas as

coisas foram feitas por ele e nada do que foi feito sem ele se fez” (Jo 1.3). “Ele

estava no mundo; e o mundo foi feito por ele, mas o mundo não o conheceu” (Jo

1.10). “Porque nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e

as invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam

potestades; tudo foi criado por Ele e para Ele”. Diante do exposto é difícil alguém

negar que Cristo é o criador de todas as coisas. Se Ele cria, Ele é Deus.

Perdoar pecados é outra ação de Jesus. Ninguém na terra tem o direito de

perdoar pecados. Os judeus foram ensinados que só Jeová podia perdoar pecados.

Ele é quem “apaga as nossas transgressões” e ficaram escandalizados com esta

declaração de Jesus: “Ora, para que saibais que o Filho do homem tem sobre a

terra autoridade para perdoar pecados disse então ao paralítico: levanta-te, toma

o teu leito, e vai para tua casa” (Mt 9.6). Então, visto que somente Deus perdoa

pecados e Cristo perdoou pecados, logo Ele é Deus.

A ressurreição dos mortos também é obra de Deus e o próprio Cristo

afirmava que era a ressurreição e a vida. “Declarou-lhe Jesus: Eu sou a

ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11.25).

Também era sabido que somente Deus é quem levantava os mortos. Portanto,

Cristo anunciou-se a si mesmo como Deus. De fato Ele ressuscitou a muitos e no

evento crucial de sua obra, após sua morte, ressurgiu reafirmando sua

autoridade.

Relacionamento Divino

Percebemos em Cristo um relacionamento singular estabelecido com o Pai.

Ele estava no Pai e o Pai estava nEle. As palavras que dizia eram palavras do

Pai. Ele manifestava a glória do Pai. Este é um relacionamento perfeito

estabelecido na Trindade. O Pai é igual em essência ao Filho, o Filho igual ao

Espírito. Nenhum é maior que o outro ou mais adorado que o outro. Para os que

crêem no testemunho bíblico da existência triuna da divindade não pode haver

dúvida de que Jesus Cristo é a Segunda Pessoa da Trindade, nem mesmo dúvidas

sobre se a Segunda Pessoa, em cada aspecto, é igual à Primeira ou à Terceira. Em

uma análise bíblica mais aprofundada conseguimos ver claramente as três

Pessoas agindo com a mesma autoridade, com o mesmo poder e com a mesma

eficácia.

Estas foram algumas considerações acerca da divindade de Cristo de forma

que fica claro o fato de que Jesus Cristo é Deus.

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2.4- União hipostática de Cristo

Conhecidas as naturezas humana e divina de Jesus, precisamos

compreender a relação existente entre elas em uma única pessoa, Jesus Cristo.

Esse é um dos temas mais difíceis para a Teologia, mas é de extrema

importância. Compreender que o homem e Deus estavam na pessoa de Jesus

Cristo é necessário para entendermos a eficácia da salvação.

Caso Jesus tivesse as duas naturezas separadas uma da outra poderíamos

concluir que não haveria união entre a humanidade e a divindade e, de certa

forma, o abismo que separa o homem de Deus ainda existiria e a obra de Jesus

seria ineficiente. Mas esta informação contradiz as Escrituras.

A questão se complica ainda mais por tratar-se de duas naturezas que

possuem atributos opostos. Enquanto a divindade é onipresente, onisciente,

onipotente e infinita, a característica humana não possuía conhecimento

ilimitado, não era onipresente e nem mesmo onipotente. Há uma visível limitação

na parte humana. Então como entender a união de duas naturezas em uma única

pessoa, Jesus. Essa é a chamada união hipostática de Cristo.

Podemos inferir através de textos bíblicos essa realidade. Existem alguns

textos que aludem a humanidade e a divindade simultaneamente. “E o Verbo se

fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14); “Deus enviou

seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gl 4.4); “Aquele que foi

manifestado na carne foi justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado

entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória”(1Tm 3.16). Outros textos

mostram a obra de Jesus e não a atribuem nem a divindade e nem a humanidade

exclusivamente, mas a Jesus como um todo. “Se todavia, alguém pecar, temos

Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo; e ele é a propiciação pelos nossos

pecados e não somente pelos nossos próprios, ainda pelos do mundo inteiro” (I Jo

2.1,2).

Essa obra de Jesus que necessita tanto da humanidade quanto da

divindade é obra de uma só pessoa. É interessante notar também que algumas

vezes um título divino referia-se a obra humana de Jesus e um título humano

relacionava-se a uma obra divina. “Ninguém subiu ao céu, senão aquele que de lá

desceu, a saber, o Filho do homem” e “nenhum dos poderosos deste século

conheceu a sabedoria secreta e oculta de Deus porque, se a tivessem conhecido,

jamais teriam crucificado o Senhor da glória” (I Co 2.8).

Podemos concluir que as referências mencionadas postulam o princípio de

que Jesus Cristo, uma única pessoa, é tanto homem como Deus,

simultaneamente.

2.5- Controvérsias acerca da pessoa de Cristo

Na reflexão para o entendimento das duas naturezas de Cristo e o

relacionamento entre elas, alguns proporam teorias que de certa forma

elucidavam algum questionamento, mas se desviavam de outros princípios

bíblicos pelo que não foram aceitas pela igreja. Desta forma a divindade e a

humanidade de Jesus foi questionada.

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Ebionismo

De acordo com os ebionitas, Jesus era um homem comum que possuía dons

incomuns, mas não sobrenaturais. Eles rejeitavam o nascimento virginal

afirmando que Jesus nascera de José e Maria. No evento do batismo Jesus

recebera o Cristo em forma de pomba o que se entende como o poder de Deus

agindo no homem Jesus. Próximo ao final da vida de Jesus o Cristo afastou-se

dele. Assim Jesus era homem, apesar de o poder de Deus agir nele, por

determinado tempo de forma incomum. O termo grego ebionaioi é a transliteração do verbo hebraico ebionim, que

significa “pobres”. Os ebionistas apareceram no ano 107 da Era Cristã e

eram [...] judeus-cristãos. Essa seita tinha um ensino exagerado sobre

pobreza. Como judeus, eles tinham dificuldade de aceitar a divindade de

Cristo – devido ao monoteísmo judaico. Não gostavam dos escrito de

Paulo, pois a teologia paulina prega a justificação pela fé, e os ebionistas

observaram a lei mosaica, inclusive a circuncisão. Consideravam, então,

Paulo um apóstata da lei mosaica. Negavam a divindade de Jesus e o

nascimento virginal, pois o Velho Testamento ordena que somente a

Deus se deve adorar [... Para eles, Jesus foi um homem como outro

qualquer, mas que observou a lei de forma especial, sendo assim

escolhido por Deus para ser o Messias. Jesus teria sido capacitado pelo

Espírito Santo, no batismo, para o cumprimento de uma tarefa divina,

assim logicamente Jesus não tem como ser preexistente. Nenhum concílio

condenou oficialmente o ebionismo, mas Tertuliano, Irineu, Hipólito,

Eusébio e Orígenes foram opositores de grande peso. (BUENO, 2012,

apud TEOLOGIA SISTAMÁTICA, 2014).

Arianismo

O ensino de Ário, presbítero alexandrino, se baseava na singularidade e

transcendência de Deus para mostrar que Jesus não era plenamente divino. Deus

é a única origem de todas as coisas, a única existência não criada em todo

universo. Tudo que não é Deus foi criado por ele. Só Deus é incriado e eterno. O

Verbo é um ser criado, embora seja o primeiro e o mais elevado dos seres, o Verbo

não tem existência própria. Ário tinha a ideia dominante que era o princípio monoteísta, ou seja, há

um só Deus eterno que não é criado, não gerado, não originado. Para

Ário, o logos era um espécie de energia divina que encarnara no homem

Jesus. Esse logos teve um princípio, um começo, uma criação. O verbo,

numa certa altura da história, foi criado para um devido propósito, fora

uma criação do nada como a criação do mundo [...] Jesus não tinha

essência divina, pois o logos que estava encarnado no homem Jesus é

uma criatura, a primeira criatura, feita por Deus Pai, e uma criatura não

pode ter a mesma essência/substância do Criador. A criação de Jesus foi

importante nessa doutrina, pois o surgimento do logos ajudou o Pai

eterno na criação do mundo. Jesus é um ser mutável e foi chamado Filho

de Deus devido a sua glória futura, à qual foi escolhido. O Filho não tem

como ser igual ao Pai, mas está acima de outras criaturas, inclusive,

inclusive o homem, por isso não e errado venerar o Filho. Ário via em

Jesus um ser intermediário entre Deus e os homens, mas Deus é somente

o Pai que é Uno e Indivisível. Ário abalou sua época com suas ideias,

porém não com argumentos vazios, mas usou as Esrituras para apoiar as

suas ideias [...] O Concílio de Niceia realizado em 325 condenou

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oficialmente o arianismo. (BUENO, 2012, apud TEOLOGIA

SISTAMÁTICA, 2014).

Docetismo

A carta de João é praticamente uma resposta contra o movimento doceta

que estava no meio dos cristãos difundindo heresias sobre a humanidade de

Jesus. O docetismo é um termo proveniente do grego dokeo que significa “parecer,

passar por”. Sua tese central era que Jesus se parecia ser humano. Deus não

poderia encarnar na matéria, pois, segundo eles, a matéria é inerentemente má.

Um Deus puro não haveria de se “misturar” com uma influência tão corruptora.

Sendo imutável, Deus não poderia passar por transformações em sua natureza,

coisa que teria ocorrido no caso de uma encarnação. Então, a humanidade de

Jesus era uma simples ilusão; ele era mais como um fantasma, uma aparição do

que ser humano. O docetismo [...] tem uma grande ligação com o gnosticismo que já havia

aparecido desde a época apostólica. Docetismo é uma palavra que vem do

grego, docew, que significa “parecer”. Essa referência grega dizia respeito

ao corpo aprisionado pelo aeon (poder angelical), em que esse corpo é um

fantasma ou uma sombra, não um corpo verdadeiro e real como de um

ser humano qualquer. Para os gnósticos, a metéria é ruim, e o logos, que

é o aeon, [...] não se envolveria com a matéria, que é o princípio do

pecado. Por isso Cristo parecia estar numa matéria carnal, mas na

verdade ele era diferente. Cristo era bom e a matéria é essencialmente

má, não havendo possibilidade de união entre o logos e um corpo terreno.

Os docetas, crendo assim, negavam a humanidade de Jesus, dizendo que

ele parecia ser humano, mas era divino. Não houve uma condenação

oficial a esse pensamento, mas Irineu e Hipólito foram os opositores

dessa ideia filosófica grega e pagã da época, mas que foi introduzida na

Igreja daqueles tempos. (BUENO, 2012, apud TEOLOGIA

SISTAMÁTICA, 2014).

Apolinarismo

Apolinário era bispo sírio do século IV. No raciocínio de Apolinário, se

Jesus tinha duas naturezas, então era necessário ele ter uma alma, mente (nous)

humana e uma nous divina. Tal coisa seria impossível. Então Apolinário formula

sua Cristologia com base em Jo 1.14 “o Verbo se fez carne” e conclui, numa

leitura radical, que a carne era o único aspecto envolvido na natureza humana.

Assim, Jesus era composto de uma parte humana (carne) e de uma mente, razão

divina. O logos divino assumiu o lugar da alma humana. Então Jesus era

humano fisicamente, mas não psicologicamente.

A exemplo das questões discutidas anteriormente, a união hipostática de

Jesus Cristo sofreu devido a posições errôneas que eram propagadas. Para Apolinário, a natureza humana de Jesus tinha qualidades divinas,

pois o logos é da mesma substância do Pai, não tendo como haver uma

espécie de simbiose entre duas naturezas totalmente opostas. Jesus

Cristo não teria então herança genética de Maria, pois se assim fosse, sua

carne [...] seria como a dos homens comuns, mas ele trouxe do céu uma

[...] carne celestial; o ventre de Maria seria apenas um lugar para o

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desenvolvimento do feto. (BUENO, 2012, apud TEOLOGIA

SISTAMÁTICA, 2014).

Nestorianismo

Nestório, patriarca de Constantinopla, observou que Deus não pode ter

uma mãe e certamente nenhuma criatura poderia ter gerado a divindade. Maria,

na verdade teria gerado um homem que era veículo para Deus. Embora Nestório

não defendesse conscientemente ou ensinasse abertamente a divisão da pessoa de

Cristo, foi isso que ele deixou transparecer implicitamente. Das afirmações de

Nestório surgiu o atual quadro do nestorianismo como heresia que divide o Deus-

homem em duas partes distintas. Nestório via o divino e o humano como antítese. Ele, na verdade, foi

defensor da teologia de Antioquia, que ensinava que as naturezas divina

e humana presentes na pessoa de Cristo não podem ser confundidas, pois

elas não se fundem, acontecendo na realidade ter Cristo duas partes ou

divisões, uma humana e outra divina. Essa teoria explica que quando

Cristo tinha fome, era a parte humana que estava em ação, mas quando

Jesus andou por sobre as águas ou fez milagres, o que estava em ação era

a parte divina. Jesus, então, era uma pessoa dividida em duas partes com

operações parceladas. A ideia de que Cristo agia com toda sua

personalidade era inaceitável para Nestório. Outra questão entre

Nestório e seu opositor Cirilo de Alexandria fora sobre a expressão

THEÓTOKOS, pois para Nestório, Maria deu à luz ao descendente de

Davi, no qual o logos residiu, por isso seria errado dizer que Maria é mãe

de Deus, ou seja, Maria fora mãe da parte humana de Jesus, sendo assim

impossível ela ser mãe da parte divina, em que está a divindade de Jesus.

Nestório preferia a expressão XRISTOTOKOS. (BUENO, 2012, apud

TEOLOGIA SISTAMÁTICA, 2014).

Eutiquianismo

Eutiques declarou que Jesus Cristo após a encarnação possuía uma única

natureza, a de Deus feito carne tornada humana. Embora rejeitasse a ideia de

duas naturezas, Eutiques concordava com o nascimento virginal e afirmava que

Cristo era Deus perfeito e homem simultaneamente, o que, dá um ar de confusão.

Sua alegação é que havia duas naturezas antes da encarnação e depois apenas

uma. Essa ideia deu corpo a um movimento que ensinava que a humanidade de

Jesus era de tal forma absorvida pela divindade que ficava praticamente

eliminada. Essa teoria ensinava que, devido à encarnação do logos, a natureza

humana de Jesus fora absorvida pela divina, tornando Jesus Cristo um

homem especial, ou seja, a humanidade de Cristo era diferente de um

homem comum, isso em nível de essência. (BUENO, 2012, apud

TEOLOGIA SISTAMÁTICA, 2014).

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Não podemos deixar de citar, ainda que rapidamente, duas outras heresias

comuns a respeito do ser de Jesus Cristo. Trata-se do monofisismo e o

monotelismo. No monofisismo a própria morfologia da palavra já indica do que se

trata, monos = único e physis = natureza, ou seja, Cristo tem uma só natureza,

que é composta. Afirma-se que uma energia única uniu as duas naturezas tão

perfeitamente de forma que não restou distinção entre as duas naturezas. Ou

ainda, a humanidade de Cristo foi transformada pela divindade, havendo um

espécie de simbiose, fazendo de Jesus um homem impecável e divino, ou seja, a

parte físico-humana de Jesus foi transformada numa natureza divina. No

monotelismo, do grego, monos = único e qelhsis = vontade, traz a ideia de que a

vontade pertence a pessoa e não à natureza. Assim, Cristo tinha apenas uma

vontade, negando que tinha vontade humana.

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CAPÍTULO III

OS ESTADOS DE CRISTO

Acompanhamos a definição de Berkhof (2012) quanto ao termo “estado”

quando o limita a nosso estudo no sentido de ser posição, categoria ou “status” na

vida e que se relacionada com o vínculo forense da pessoa com a lei. Em relação a

Cristo quer apontar para aqueles “status” pelos quais o Senhor passou antes,

durante e após sua encarnação. É nítido que tais posições foram diferenciadas.

Cristo antes da encarnação é visto em sua glória e majestade, reinando

universalmente e sem nenhuma limitação. Durante a encarnação vemos outra

posição de Jesus Cristo. Notamos certas limitações, sujeições e especialmente

uma humilhação. Após sua obra de morte e ressurreição Cristo é elevado às

nuvens, ao céu. Sua oração imediatamente anterior a este episódio dirige-se a

uma petição enfocando que seja restituído à glória de tinha antes da fundação do

mundo. Assim, tais momentos não podem passar despercebidos. Eles fazem parte

do que chamados de Estados de Cristo. Desses estados destacaremos os dois mais

proeminentes quais sejam os estados de humilhação e exaltação de Cristo.

3.1- O estado de humilhação

A Teologia Reformada distingue dois elementos na humilhação de Cristo. A

Kenosis (esvaziamento), que será melhor comentado logo abaixo, e a tapeinosis

(humiliatio) que consiste na submissão às exigências e maldição da lei.

A doutrina do Kenosis

Na tentativa de se compreender melhor a encarnação, surgiu no século XIX

uma “chave” para se abrir novos horizontes; trata-se da doutrina do Kenosis

(esvaziamento). Segundo essa concepção a expressão “[Jesus] a si mesmo se

esvaziou” (Fp 2.7) afirma que aquilo de que Jesus se esvaziou foram alguns

atributos divinos (Onipotência, Onipresença, Onisciência, etc) e assumiu, no

lugar deles, qualidades humanas. Então a encarnação passa a ser entendida

como uma troca de parte da natureza divina por qualidades humanas. Assim,

qualidades morais da divindade como amor e misericórdia foram mantidas e

outras já citadas, não. A doutrina ainda sustenta que Jesus não é Deus

simultaneamente, mas sucessivamente. Com relação a determinados atributos

ele é Deus, depois em relação a outros, é homem, depois Deus de novo. Embora

essa doutrina do kenosis traga algumas respostas e resolva algumas dificuldades

concernentes a encarnação, ela não condiz com as evidências, mencionadas pelos

discípulos e apóstolos, de que Jesus é plenamente homem e plenamente Deus

simultaneamente. Para entendermos melhor o sentido do esvaziamento (kenosis)

de Fp 2.5-11 podemos usar as palavras de Daillé, o notável Teólogo reformador

francês do século XVII: “Subsistir na forma de Deus significa não somente ser Rei, possuir

majestade e poder, mas também ter a insígnia da realeza, sua comitiva e

seu equipamento... Assim, anteriormente entre os romanos, nós

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poderíamos observar a forma e um cônsul, em que o equipamento e a

pompa com as leis e os costumes daquele povo investiam aqueles que

exerceram o ofício: a púrpura, a cadeira de marfim, os doze oficiais que

acompanham os magistrados em público com seus feixes e cetros, e coisas

como tais. Quando, então, o apóstolo aqui diz que o Senhor, antes de

tomar sobre si a nossa natureza, subsistia em forma de Deus, ele não

meramente supõe que Ele era Deus em si mesmo, e que Ele tinha a

verdadeira natureza da divindade, porém, ainda mais, que Ele possuía a

glória, e desfrutava toda a dignidade, majestade e grandeza devidas a tão

elevado nome. Isto é exatamente o que Nosso Senhor significa em João

pela glória que Ele diz que tinha com o Pai antes que houvesse mundo”.

Foi isto que Cristo renunciou em sua encarnação, “glória, majestade e

grandeza”. Ele não poderia esvaziar-se a si mesmo de suas perfeições, pois uma

delas é a própria imutabilidade.

No estado de humilhação ainda podemos enfatizar cinco elementos:

Encarnação. O preexistente filho de Deus assume a natureza

humana. Apesar de ser tal ato um milagre e benevolência sem igual,

não escapa da realidade de ser uma condição de humilhação. Para se

ter uma ideia da dimensão da humilhação do ato poderíamos fazer

uma comparação como se vestíssemos um rei de mendigo e o

colocássemos a esmolar por um dia na rua. Certamente o fato do

majestoso Senhor do Universo se tornar homem não foi menos

aviltante do que o exemplo anterior.

Sofrimento. Jesus Cristo sofreu durante toda sua vida humana. Sua

vida de servo obediente lhe conduziu ao sofrimento inevitável. Ele

sofreu investidas de Satanás, sofreu pelo ódio e incredulidade do

povo além da perseguição de seus inimigos. O clímax de seus

sofrimentos se concretizou em sua paixão. Na cruz do calvário o

Senhor sentiu o peso da ira de Deus contra o pecado.

Morte. Passar pela morte não é fácil para ninguém. A Bíblia fala da

morte como um inimigo e sabemos que ela surgiu a partir do pecado.

Ela é o “salário” do pecado. Morte é, portanto, separação de Deus.

Quando Cristo passou pela morte, sentiu-a e a viveu de um modo

diferente até porque ele não tinha pecado e não era merecedor de tal

punição. A morte de Cristo deve ser compreendida num sentido

judicial. Deus impôs judicialmente a sentença de morte no Mediador.

Segundo Berkhof (2012), a morte na cruz não foi tudo, Jesus esteve

sujeito, não somente à morte física mas também a morte eterna, se

bem que sofreu tal morte também de uma forma diferente. Não foi

extensivamente, mas intensivamente, ou seja, num momento todo o

peso e punição foi despejado instantaneamente sobre o Senhor. O

momento para isso pode ser identificado como aquele em que Cristo

agonizou no jardim e quando bradou na cruz, “Deus meu, Deus meu,

por que me desamparaste?”.

Sepultamento. O sepultamento também fez parte da humilhação de

Cristo. Notemos que voltar ao pó é descrito na Escritura como parte

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da punição contra o pecado. Outros textos indicam que a

permanência do Salvador na sepultura foi uma humilhação Sl 16.10.

Ser sepultado é ir para baixo, ou seja, uma humilhação. Talvez até

mesmo símbolo de impotência, de derrota. Alguns especulam que o

próprio Diabo acreditou para um momento que havia ganho a

batalha, pois Cristo estava morto e sepultado, à vista, impotente de

realizar sua grande promessa redentora.

Descida ao hades. O tema da descida de Cristo ao hades é bastante

controverso. Em nossos dias existe uma divulgação maciça de uma

decida literal de Cristo ao inferno. Segundo alguns lá ele teria até

mesmo pregado o evangelho para justificar a condenação dos

incrédulos. A Teologia Reformada tem um pensamento um pouco

diferente quanto a este quesito. Na verdade, a descida ao hades não

é interpretada literalmente como uma descida ao inferno. Mas,

quando se fala em descida se esta numa relação de oposição a uma

subida. Descida estaria relacionada simplesmente a encarnação de

Jesus e sua decida em missão à terra. Berkhof (2012) afirma: “Ora, o

oposto da ascensão é a encarnação. Daí, a maioria dos comentadores

entende que a expressão se refere simplesmente à terra. A expressão

pode derivar de Sl 139.15 e se refere mais particularmente à

encarnação.

3.2- O estado de exaltação

Podemos distinguir quatro estágios na exaltação de Cristo:

Ressurreição. A ressurreição de Jesus Cristo não se constituiu

meramente no retorno à vida, pois muitos homens passaram por

experiência de ressurreição até mesmo promovida por Cristo, como

foi o caso de Lázaro. Contudo, a ressurreição de Cristo foi um evento

de forma diferente. Podemos entender que nele, a natureza humana

foi reconstituída à sua original força, perfeição e propósito e elevada

a um nível superior. Diríamos até mesmo numa forma de

glorificação. Segundo Berkhof (2012), Paulo nos diz em 1Co 15.42-44

que os corpos futuros dos crentes serão incorruptíveis, isto é, não

terão possibilidade de sofrer decadência; gloriosos, o que significa

que resplandecerão de fulgor celestial; poderosos, isto é, cheios de

energia e, talvez, de novas faculdades; e espirituais, o que não

significa imateriais ou etéreos, mas adaptados aos seus respectivos

espíritos, cada corpo sendo um perfeito instrumento do espírito. É

interessante mencionar que os opositores racionalistas do evangelho

propuseram teorias para negar a realidade da ressurreição física de

Jesus. As mais conhecidas são: teoria da falsidade, afirmando que os

discípulos roubaram o corpo do túmulo e depois declararam que o

Senhor havia ressuscitado; teoria do desmaio, Jesus não havia

morrido realmente, apenas desfalecido, embora se pensasse que ele

estivesse realmente morto; teoria da visão, afirma que na excitação

do momento os discípulos fixaram tanto sua atenção no Salvador e

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na possibilidade do seu retorno que tiveram visões achando que

realmente o teriam visto; teorias míticas, se baseiam em lendas da

ressurreição importadas da Babilônia e doutros países orientais pelo

Judaísmo e colocam a ressurreição de Jesus no mesmo pé de

igualdade, ou seja, um mito.

Ascensão. O segundo passo na exaltação de Cristo envolvia deixar as

condições e reassumir seu lugar junto ao Pai. Jesus profetizou

diversas vezes seu retorno para o Pai. Lucas registra o relato mais

extenso sobre a ascensão em si. (Lc 24.50-51; At 1.6-11). Antes da Idade Moderna, costumava-se pensar na ascensão como uma

transição de um lugar (terra) para outro (céu). Sabemos agora, porém,

que o espaço é tal que o céu não é um simples lugar acima da terra, e

também parece provável que a diferença entre o céu e a terra não é

apenas geográfica. Não se pode chegar até Deus simplesmente viajando o

suficiente em distância e em tempo em algum tipo de nave espacial. Deus

está numa dimensão diferente de realidade, e a transição daqui para lá

exige não apenas uma mudança de lugar, mas de estado. A ascensão de

Jesus, portanto, não foi uma mera mudança física e espacial, mas

também espiritual. Naquela ocasião, Jesus passou pelo restante da

metamorfose que havia começado na ressurreição de seu corpo.

(ERICKSON, 1997, p. 315).

Assentar-se à destra de Deus. A ascensão de Jesus significa que

agora ele está à direita de Deus Pai. A ideia de estar à direita num

trono parece ser simbólica. Estar á direita significa que Jesus

assumiu uma posição de poder e autoridade junto ao Pai. Tiago e

João em determinado momento desejavam sentar à direita e à

esquerda de Cristo. O fato de Jesus se assentar também não deve

ser compreendido como descanso ou inatividade. Como evidenciamos

o caráter simbólico da construção gramatical não restam dúvidas

disso. Além do mais, é dito que Jesus continua intercedendo por nós

também à destra de Deus.

Volta física de Cristo. A Escritura indica inequivocamente que Jesus

Cristo irá retornar em uma data futura. O momento exato é

desconhecido. Temos algumas informações acerca desse retorno. Ela

será visível. “Todo olho verá”. Será uma vinda de vitória. Naquele

momento Jesus Cristo se mostrará grande vencedor sobre todos os

seus inimigos. Seu reino, que agora é oculto e está em crescimento,

alcançará plenitude e visibilidade. De fato, naquele momento “todo

joelho se dobrará”. A vinda será um glória (Mt 25.31). Aquele que

passou pela humildade e humilhação agora retornará em completa

exaltação.

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CAPÍTULO IV

OS OFÍCIOS DE CRISTO

Comumente a obra de Cristo é classificada em seus três ofícios: profeta,

sacerdote e Rei. É importante guardar as verdades de cada classificação desta,

pois realmente Jesus revelou Deus à humanidade, fez a reconciliação entre nós e

Deus, além de dominar no presente e no futuro sobre toda criação. “Como profeta,

Jesus revela o Pai e a verdade celestial; como rei, Jesus governa sobre todo o

universo; como sacerdote, ele torna possível nossa salvação” (ERICKSON, 1997,

p. 316).

4.1- Profeta

Quando falamos do ministério de Cristo é importante salientarmos a

função que ele desempenhou de revelar o Pai. Neste sentido Ele agiu como os

profetas do Antigo Testamento que eram comissionados por Deus para falarem ao

povo.

O profeta proclamava exclusivamente a vontade de Deus. Eles ensinavam

ao povo, profetizavam acerca dos acontecimentos futuros e realizavam obras

milagrosas permitidas por Deus como forma de dar credibilidade às mensagens e

ensinos ministrados.

Cristo agiu semelhantemente. Ensinou, profetizou eventos futuros e operou

milagres, por isso Ele mesmo se auto-afirmou profeta: “Não há profeta sem

honra, senão na sua terra e na sua casa” (Mt 13.57).

O povo também reconheceu seu ministério profético; quando Jesus entra

em Jerusalém, as multidões disseram: “Este é o profeta Jesus, de Nazaré da

Galiléia” (Mt 21.11). Apesar de existirem algumas semelhanças entre o

ministério profético de Cristo com o dos profetas do Antigo Testamento havia

uma diferença qualitativa.

Jesus veio da própria presença de Deus. Sua preexistência com o Pai foi

um fator importante em sua capacidade de revelação, assim João escreve com

propriedade: “Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do

Pai, é quem o revelou” (Jo 1.18) e Mateus ainda afirma: “Ninguém conhece o

Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o

Filho o quiser revelar.” (Mt 11.27).

A obra reveladora de Cristo abrange uma vasta dimensão de tempo e

formas. Primeiramente sua obra reveladora se manifestou antes da encarnação.

Como Logos Ele é a luz, como afirma João, e em certo sentido todas as verdades

vieram por meio dele. O período seguinte se manifestou em sua encarnação e no

período que esteve na terra. Nesta época a profecia foi ministrada de duas

formas. Jesus pronunciava a verdade com autoridade e Ele próprio era a verdade.

Mais que um simples pronunciamento, Jesus Cristo fazia uma demonstração da

verdade e realidade divina.

Após a ascensão, Cristo ainda continua sua obra profética por meio da

igreja. Ele deixou evidente que seu ministério seria continuado e completado pelo

Espírito Santo. O Espírito Santo seria enviado aos seus seguidores e os faria

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lembrar de tudo que Jesus lhes havia dito. (Jo 14.26). Portanto, de um modo bem

real Jesus continua sua obra reveladora na presente era. A obra reveladora final

e mais completa de Jesus acha-se no futuro. Quando Ele voltar o veremos como é

(1 Jo 3.2). Umas das palavras que representa a segunda vinda de Cristo é

“revelação” (apokalypsis). Então as grandes barreiras e limitações humanas serão

desfeitas e poderemos ter acesso ao conhecimento do Pai de forma ampla.

4.2- Sacerdote

O sacerdote no Antigo Testamento representava o povo diante de Deus.

Oferecia sacrifícios para remissão dos pecados e fazia intercessão pelo povo. A

função sacerdotal era mediadora entre Deus e os homens.

A intercessão foi característica do ministério de Jesus. Jesus por diversas

vezes intercedeu pelos seus discípulos enquanto estava sobre a terra. A mais

extensa é sua oração sacerdotal em João 17. Aqui, Jesus orou pela unidade dos

discípulos, para que fossem guardados do mau e por aqueles que viriam a crer.

As Escrituras afirmam que Jesus ainda continua intercedendo nos céus

pelos cristãos. Em Hebreus 7.25 diz-se que ele vive para interceder por aqueles

que se achegam a Deus por meio dEle e, em 9.24, diz-se que Ele comparece na

presença de Deus por nós. Qual é o motivo central dessa intercessão? Jesus

apresenta sua justiça ao Pai para nossa justificação. Ele assume a causa daqueles

que crêem e foram justificados, mas ainda pecam e intercede para que os crentes

sejam santificados e guardados do poder do tentador maligno. Outro aspecto da

obra sacerdotal de Cristo foi o sacrifício perfeito oferecido por Ele.

Diferente dos sacrifícios oferecidos pelos sacerdotes do Antigo Testamento,

que eram imperfeitos e transitórios, o sacrifício de Cristo foi perfeito, único e

eterno. “Quando, porém, veio Cristo como Sumo Sacerdote dos bens já realizados,

mediante o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não

desta criação, não por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu

próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas tendo obtido

eterna redenção” (Hb 9.11-12). “Assim também Cristo, tendo-se oferecido uma vez

para sempre para tirar os pecados de muitos...” (Hb 9.28). Cristo ofereceu seu

próprio corpo em sacrifício e foi este sacrifício que tornou possível nossa salvação.

O sacerdote perfeito cumpriu cabalmente sua missão de levar o homem a Deus.

4.3- Rei

Os evangelhos, e principalmente o de Mateus, retratam Jesus Cristo como

rei. Isaías profetiza um futuro rei que traria paz sem fim ao trono de Davi (Is

9.7). O autor de Hebreus aplicou o Salmo 45.6,7 ao Filho de Deus: “O teu trono, ó

Deus é para todo sempre. E: Cetro de equidade é o cetro do seu reino” (Hb 1.8). O

próprio Jesus disse que no novo mundo se assentaria sobre um trono glorioso. (Mt

19.28) e alegou que o reino do céu era dele (Mt 13.41). Precisamos entender

corretamente o significado do reino de Deus e sua manifestação para não

pensarmos que ele é exclusivamente um acontecimento futuro.

O reino de Deus foi estabelecido por Jesus e semeado no coração dos

discípulos e da igreja. Portanto, o governo de Jesus é exercido em sua igreja que é

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seu corpo. Ele como Rei guia e mantém seu povo para cumprir os propósitos

declarados. Jesus também exerce autoridade absoluta sobre o universo natural

uma vez que por meio dEle vieram a existir todas as coisas (Jo 1.3) e todas as

coisas subsistem (Cl 1.17). Então não pode haver desentendimento quanto à

realidade do exercício real de Cristo em nossa época, contudo o reinado visível e

pleno de Cristo efetivamente se dará no futuro. Então “Todos estarão sob seu

governo, quer com boa vontade e sinceridade, quer com má vontade e relutância”

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CAPÍTULO V

A OBRA DE CRISTO

A obra de Cristo certamente foi algo único e de imensurável valor. Toda

Escritura converge para Cristo e, portanto, sua obra ganha enorme importância.

Através dela podemos “entender” a misericórdia, o amor, a justiça e a graça de

nosso Deus.

A morte e a ressurreição são os eventos principais em sua vida e pontos

culminantes de sua obra. É tão importante compreender o significado da morte

como o da ressurreição, pois são ações complementares, uma completa a outra. Se

não houvesse morte a ressurreição não existiria; se não houvesse ressurreição a

morte não seria eficaz! Como Paulo disse: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa

pregação, e vã, a vossa fé” (Rm 15.14).

Enfatizaremos a obra de Cristo em sua morte e ressurreição. Lembramos

ainda que direta ou indiretamente a obra de Cristo alcança toda a humanidade. É

muito ampla e não caberia nestas páginas. O Espírito Santo continua aplicando a

obra de Cristo para salvar as vidas.

5.1- Morte de Cristo

Jesus começa a falar explicitamente sobre sua morte no final de seu

ministério. Ele tinha consciência e completa convicção de que sua obra era

necessariamente entregar sua vida. Ele interpretava a própria vida e morte como

cumprimento da profecia de Isaías 53. Na última ceia Ele disse: “Pois vos digo

que importa que se cumpra em mim o que está escrito: Ele foi contado com os

malfeitores. Porque o que a mim se refere está sendo cumprido” (Lc 22.37). Pelas

referências frequentes a seu sofrimento percebemos que Jesus via sua própria

morte como razão de sua vinda. Ele disse aos discípulos claramente que o Filho

do homem devia sofrer muitas coisas, ser rejeitado pelas autoridades religiosas e

ser morto. (Mc 8.31). Jesus compreendia sua obra como um resgate. “Tal como o

Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida

em resgate por muitos.” (Mt 20.28). Cristo também se via como substituto.

“Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor

dos seus amigos” (Jo 15.13). Isso Ele disse na véspera de sua morte. Ainda há

indicações de que Ele se via como um sacrifício. “E, por eles, a mim mesmo me

consagro para que sejam consagrados na verdade” o verbo aqui é comum em

contextos sacrificiais. A declaração de João Batista traz esse entendimento: “Eis o

cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (Jo 1.29). Portanto é evidente que

Jesus tinha plena consciência de sua morte e sabia as implicações de sua obra.

5.2- Ressurreição de Cristo

Temos consciência de que a ressurreição foi real e uma obra

importantíssima realizada por Cristo. Ele cumpriu cabalmente sua missão, fez a

perfeita expiação pelo homem oferecendo-se como sacrifício a Deus e, como sumo

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sacerdote, ressurgiu para estar ao lado do Pai intercedendo pelos que crêem.

Podemos listar algumas razões para sua ressurreição:

Por causa de quem Ele é

A morte de Jesus Cristo foi uma obra, como vimos anteriormente, repleta

de significado. Ele não morreu por fraqueza, ou por ter pecado, ou por não

conseguir vencer a morte. Ele morreu para cumprir a vontade do pai e, uma vez

satisfeita essa vontade, seria impossível a Segunda Pessoa da Trindade

permanecer na esfera da morte. Os grilhões da morte não segurariam aquele que

tem vida em si próprio (Jo 5.26). Sua natureza eterna é imortal. A morte não

conseguiria mudar tal natureza. Portanto, por causa do que é, Jesus Cristo

ressurgiu no tempo determinado por Ele mesmo.

Para cumprir o pacto davídico

Deus havia prometido a Davi um trono eterno, um Rei eterno e um reino

eterno. O caráter exato dessa promessa foi revelado a Davi e sua própria resposta

e impressão mostram que o que foi prometido era a perpetuação do trono

terrestre e do reino terreno de Davi. Sabemos que Jesus é da linhagem de Davi e

foi proclamado Rei. Portanto para que esse reinado fosse eterno era

imprescindível que Jesus não permanecesse na morte. Então, Jesus ressuscitou

também para cumprir o pacto que Jeová havia feito a Davi.

Por causa da justificação

Em Romanos 4.25 lemos: “...o qual foi entregue por causa das nossas

transgressões, e ressuscitou para a nossa justificação”. Não é de acordo com a sã

doutrina declarar que a justificação está baseada na ressurreição de Cristo, mas

sabemos que a justiça imputada ao crente advém de sua união com o Cristo

ressureto, então podemos entender que a justificação do crente está ligada à

ressurreição do Senhor.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluímos este breve curso de Cristologia, mas já enfatizamos que o

aprendizado não deve se limitar a este momento ou texto. Na verdade, a pessoa

de Cristo, sua vida e obra é tão vasta que não pode ser limitada nem mesmo a

uma centena de volumes.

Nosso foco nesta aula foi estudar a pessoa singular de Jesus Cristo.

Compreender sua humanidade e sua divindade foi tarefa inicial. Harmonizar

ambas as naturezas em uma única pessoa a fim de ser fiel às Escrituras e ter

uma postura firme contra as heresias foi o segundo passo. Estabelecer

solidamente a divindade de Jesus Cristo foi um terceiro passo que representou

lealdade à mensagem e imagem transparecida sabiamente e discretamente pelo

Mestre. Estados, ofícios e obras de Cristo constituíram-se em preciosos detalhes

analisados na vida do Senhor.

Nosso desejo é o mesmo do apóstolo Paulo que orava para que “Cristo fosse

formado” (Gl 4.19) nos seus discípulos. Assim também oramos para que Cristo

continue sendo formado em nossos corações, a cada dia, mediante a Palavra do

Senhor.

Deus nos abençoe.

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REFERÊNCIAS

(Consultadas e sugeridas)

BANCKOFT, Emery H. Teologia Elementar. 3ª. Edição. São Paulo: Editora

Batista Regular, 1995.

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 4 ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

CHAFER, Lewis Sperry. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2003.

CHEUNG, Vincent. Teologia Sistemática. Editora Monergismo, 2006.

ERICKSON, Millard J. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: Vida

Nova, 1997.

HODGE, Archibald Alexander. Esboços de Teologia Sistemática. São Paulo:

Publicações Evangélicas Selecionadas, 2001.

HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001.

LANGSTON, A. B. Esboço de Teologia Sistemática. 3 ed. São Paulo: Juerp,

1999.

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Betânia, 1980.

PACKER, James I. Teologia Concisa, síntese dos fundamentos históricos da fé

cristã. Campinas-SP: Editora Cultura Cristã, 1998.

PACKER, James I. TENNEY, Merril. WHITE, William. O Mundo do Novo

Testamento. São Paulo: Editora Vida, 1996.

SOARES, Esequias. Credos e confissões de fé, breve guia histórico do

cristianismo. Recife-PE: Editora Bereia, 2013.

STRONG, Augustus Hopkins. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2003.

TEOLOGIA SISTEMÁTICA. (Organização da Editora). Curitiba: InterSaberes,

2014.