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CURSO PREPARATÓRIO PMGO 2017 DIREITO PENAL MILITAR APOSTILA DE DIREITO PENAL MILITAR Autor: THIAGO DE FREITAS STECCA – TEN. PMGO FREITAS. WhatsApp (62) 9 8510-0458 /Facebook Thiago Freitas Aluno: ______________________________________ 2017 Goiânia

APOSTILA DE DIREITO PENAL MILITAR - Tese · PDF file3 DIREITO PENAL MILITAR – PARTE GERAL CAPÍTULO I – CONCEITO E PRINCÍPIOS 1. Nota introdutória A vida em sociedade exige um

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CURSO PREPARATÓRIO PMGO 2017

DIREITO PENAL MILITAR

APOSTILA DE

DIREITO PENAL MILITAR Autor: THIAGO DE FREITAS STECCA – TEN. PMGO FREITAS.

WhatsApp (62) 9 8510-0458 /Facebook Thiago Freitas

Aluno: ______________________________________

2017

Goiânia

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EDITAL PMGO - 2016

1-Aplicação da lei penal militar ( Art. 1 ao 28);

2-Do Crime ( Art. 29 ao 47);

3-Da Imputabilidade Penal (art. 48 ao 52);

4-Concurso de agentes ( art. 53 ao 54);

5-Das penas principais ( Art. 55 ao 68);

6-Das Penas acessórias ( Art. 98 ao 108);

7-Efeitos da condenação ( Art. 109 );

8-Ação penal ( Art. 121 e 122);

9-Extinção da punibilidade ( Art. 123 ao 135);

10-Dos crimes militares em tempo de paz.

a) Dos crimes contra a autoridade ou disciplina militar ( art. 149

ao 182);

b) Dos crimes contra o serviço e o dever militar( art. 183 ao 204);

c) Dos crimes contra a Administração Militar ( art. 298 ao 339)

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DIREITO PENAL MILITAR – PARTE GERAL

CAPÍTULO I – CONCEITO E PRINCÍPIOS

1. Nota introdutória

A vida em sociedade exige um complexo de normas disciplinadoras que estabeleça as regras indispensáveis ao convívio entre os indivíduos que a compõem, o conjunto dessas regras, é denominado direito positivo, à reunião das normas jurídicas pelas quais o Estado proíbe determinadas condutas, sob ameaça de sanção penal, estabelecendo ainda os princípios gerais e os pressupostos para a aplicação das penas e das medidas de segurança, dá-se o nome de direito penal ou direito penal militar.

2. Conceito de direito penal militar

Como o Estado não pode aplicar as sanções penais arbitrariamente, na legislação penal são definidos esses fatos graves, que passam a serem ilícitos penais (crimes ), estabelecendo-se as penas e as medidas de segurança aplicáveis aos infratores dessas normas.

O direito penal militar tem um caráter fragmentário, pois não encerra um sistema exaustivo de proteção aos bens jurídicos, mas apenas elege, conforme o critério do “merecimento da pena”, determinados pontos essenciais.

Pode-se dizer que o fim do direito penal militar é a proteção das instituições militares, e, mais precisamente, a preservação dessa ordem jurídica militar, aonde preponderam à hierarquia e a disciplina, a defesa dos bens jurídicos fundamentais (autoridade, a disciplina, a hierarquia, o serviço e o dever militar, etc.).

Assim, podemos conceituar Direito Penal Militar como um “complexo de normas jurídicas destinadas a assegurar a realização dos fins das instituições militares, cujo principal é a defesa armada da Pátria”. A preservação dessa ordem jurídica militar aonde prepondera à hierarquia e a disciplina, exige obviamente do Estado, mirando a seus possíveis violadores, um elenco de sanções de naturezas diversas, de acordo com os diferentes bens tutelados: administrativas (disciplinares), civis e penais. As penais surgem com o Direito Penal Militar.

3. Princípio da Legalidade

Nos termos do artigo 5º, XXXIV,CF e o art. 1º, CPM, “Não há crime sem lei (reserva legal) anterior (anterioridade) que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal” .

O artigo preceitua dois princípios basilares do Direito Penal Brasileiro, seja ele militar e comum: princípio da reserva legal “não há crime sem lei” e o princípio da anterioridade: “não há crime sem lei anterior”. Ou seja, o princípio da legalidade é a soma do princípio da reserva legal e da anterioridade.

4. Princípio da anterioridade

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Não há crime sem lei anterior que o defina, sendo que lei nova só retroagirá para beneficiar o réu ( princípio da irretroatividade penal e princípio da retroatividade benéfica) .

5. Princípio da reserva legal

Não haverá crime se não houver lei escrita definida infração penal.

No Brasil é pacifico o entendimento de que apenas a lei (ordinária e complementar) em sentido formal pode incriminar condutas (Princípio da Reserva Legal), tratando-se de competência privativa da união (art. 22, I, CF/88). Nessa linha o STF já havia se manifestado no sentido de que medidas provisórias não podem incriminar condutas. A emenda constitucional nº 32/2001 trouxe vedação expressa ao tema no art. 62, § 1º, I, b, CF/88.

Obs.: convém lembrar que nada impede a edição de Medidas Provisórias a fim de tratar matéria penal, desde que seja para dar tratamento mais benéfico ao acusado, a exemplo da MP n° 417/08, que alterou o Estatuto do Desarmamento (abolitio criminis temporária, que concedeu novo prazo para regularização e entrega de armas).

6. Princípio da taxatividade

O Princípio da Legalidade também se desdobra na exigência da Taxatividade, a qual impõe que a lei penal deve ser certa, não admitindo descrições vagas e imprecisas da conduta proibida. Historicamente, é sabido que o Princípio da Legalidade nasceu da necessidade de limitar o poder sancionador do Estado, tal garantia foi efetivada com a determinação de que a conduta incriminada estivesse previamente definida em lei (Princípio da Anterioridade). O enunciado do princípio da legalidade diz respeito não só à incriminação de condutas, mas também à cominação das respostas penais – penas e medidas de segurança.

7. Princípio da Insignificância (bagatela)

O legislador seleciona os direitos mais importantes para a vida em sociedade, elevando-os à categoria de bens jurídicos e, para tutela-los, enuncia uma norma, a qual se concretiza em um tipo penal. Assim, a tipicidade penal requer que a conduta, além de enquadrar-se no tipo legal, viole a norma de proteção e afete o bem jurídico. Não se concebe, portanto, a existência de condutas típicas que não afete o bem jurídico.

Haverá tipicidade material quando a conduta for ofensiva a bens de relevo para o Direito Penal, ficando afastados aqueles inexpressivos. Segundo jurisprudência do pretório excelso, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado “princípio da insignificância” e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada pela ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social.

No Direito Penal Militar o princípio da insignificância tem aplicação mais restrita em face de sua especialidade em razão das naturezas dos bens jurídicos tutelados. Contudo, é importante destacar que a exposição de motivos do CPM reconhece que “entre os crimes de lesão corporal, inclui-se o de lesão levíssima, o qual, segundo o ensino da violência militar,

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pode ser desclassificado pelo juiz para infração disciplinar, poupando se em tal caso, o pesado encargo de um processo penal para fato de tão pequena monta”. Nesse cenário, rendendo homenagem ao princípio da insignificância, deve-se proferir sentença absolutória, com lastro na atipicidade da conduta, por não constituir o fato infração penal. Quanto ao furto atenuado, o artigo 240 §1° do CPM afirma que “se o agente é primário e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminui-la de um a dois terços ou considerar a infração como disciplinar. Entende-se pequeno o valor que não exceda a um décimo da quantia do mais alto salário mínimo do País”.

Por fim, tema polêmico e de grande relevância refere-se à aplicação do Princípio da Insignificância ao crime de porte de pequena quantidade de substância entorpecente para consumo pessoal em lugar sujeito à administração militar, previsto no art. 290, CPM. Após um período de divergência entre as turmas do supremo, o tema foi afetado ao plenário que conforme noticiado no informativo n° 605, por apertada maioria, nos autos do HC 103684/DF (21.10.2010) decidiu que a posse, por militar, de reduzida quantidade de substância entorpecente em lugar sujeito a administração militar não autoriza a aplicação do princípio da insignificância.

CAPÍTULO II – APLICAÇÃO DA LEI PENAL MILITAR

1. Aplicação da lei penal no tempo

O direito penal militar segue o princípio tempus regit actum, a lei rege, em geral, os fatos praticados durante a sua vigência. Não pode, em tese, alcançar fatos ocorridos em período anterior ao início de sua vigência nem ser aplicada àqueles ocorridos após a sua revogação. Entretanto, por disposição expressa do próprio diploma legal, é possível a ocorrência da retroatividade e da ultratividade da lei. Denomina-se retroatividade o fenômeno pelo qual uma norma jurídica é aplicada a fato ocorrido antes do início de sua vigência e ultratividade à aplicação dela após a sua revogação.

2. Regras do Conflito aparente de Leis no Tempo

2.1 Irretroatividade da lei penal

A novatio legis incriminadora (lei nova que torna conduta que antes era permitida) e a lex gravior ou novatio legis in pejus (nova lei mais gravosa) nunca retroagirão. Assim, o juiz é obrigado a aplicar a lei anterior, vigente ao tempo do crime, mesmo depois de revogada. Trata-se da eficácia ultrativa da norma mais benéfica, que deve prevalecer por força do que prescreve o art. 5°, XL, CF/88.

2.2 Abolitio Criminis – descriminalização de condutas (art. 2°, CPM)

Ocorre a chamada abolitio criminis quando a lei nova já não incrimina fato que anteriormente era considerado como ilícito penal. A nova lei, que se presume ser mais perfeita

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que a anterior, demonstrando não haver mais, por parte do estado, interesse na punição do autor de determinado fato, retroage para alcança-lo.

Ao dispor sobre a lei supressiva de incriminação, o art. 2° do CPM afirma que “ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando, em virtude dela, a própria vigência da sentença condenatória irrecorrível”. Pela abolitio criminis se fazem desaparecer o delito e todos os seus reflexos penais, permanecendo apenas os civis.

2.3 Retroatividade da Lei Mais Benigna – Lex Mitior ou Novatio Legis in Mellius

A última hipótese é a da lei nova mais favorável que a anterior. Além da abolitio criminis, a lei nova pode favorecer o agente de várias maneiras. “A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. É considerada benéfica, por exemplo, a lei que reduz a pena, permite a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, facilita a progressão de regime etc.

2.4 Vacatio Legis

A doutrina entende que a lei penal mais benéfica pode ser aplicada imediatamente, mesmo no período de vacatio legis, porque este instituto é protetivo e visa dar à sociedade um tempo de adaptação à nova ordem legal, não podendo limitar a garantida da retroatividade prevista na Constituição Federal.

2.5 Apuração da Maior Benignidade

A lei melhor é aquela que atenua a resposta penal, reduzindo o tempo de encarceramento ou a quantidade de pena, por exemplo. É possível que uma nova lei pareça mais gravosa em abstrato, mas no caso concreto, efetivamente seja mais benéfica, devendo retroagir. Portanto, a benignidade da nova lei deve ser sempre aferida no caso concreto, cabendo exclusivamente ao juiz comparar a lei em confronto de per si e decidir qual é a mais benéfica. Nessa linha, o art. 2°, §2° do CPM orienta que, “para se reconhecer qual a mais favorável, a lei posterior e a anterior devem ser consideradas separadamente, cada qual no conjunto de suas normas aplicáveis ao fato”.

2.6 Combinação de Leis

A doutrina dominante e a jurisprudência dos tribunais superiores (súmula 501, STJ) têm orientação consolidada no sentido de que não é possível a combinação de elementos benéficos de leis distintas, uma vez que agindo assim, o juiz estaria criando uma terceira lei (lex tercia). Conforme já anotado no tópico anterior, o Código Penal Militar expressamente veda a combinação de leis, afirmando que a verificação da maior benignidade de cada lei deve ser feita em separado, à luz do conjunto de suas normas aplicáveis ao fato.

2.7 Leis Excepcionais ou Temporária

A Lei Temporária é aquela que traz em seu texto um período prefixado de duração, delimitando de antemão o lapso temporal em que estará em vigor. Já a Lei Excepcional é

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aquela que tem vigência enquanto persistirem determinadas circunstancias excepcionais, pois objetiva atender a situações extraordinárias, de anormalidade social ou de emergência. O Código Penal Militar, à semelhança do Código Penal Comum, dispõe que “a lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstancias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência” (art. 4°, CPM). Segundo a lei castrense, se alguém praticou uma infração penal durante a vigência da lei excepcional ou temporária, mas só vem a ser julgado em momento posterior a sua revogação, já em período de normalidade, deve-se submeter-se àquela norma, ainda que mais gravosa. Portanto, a referida lei tem efeitos ultra-ativos.

2.8 Competência para aplicação da lei mais benéfica

A aplicação da lei mais favorável cabe ao magistrado que presidir o processo enquanto não houver proferido sentença, ou, se o feito já estiver sentenciado, ao Tribunal que julgar eventual recurso.

Realização do

fato

(ATÍPICO)

Lei

posterior

Fato crime IRRETROATIVIDADE-

(Art. 1º, CPM)

Realização do

fato

(CRIMINOSO)

Lei

posterior

Aumenta a pena IRRETROATIVIDADE-

ULTRATIVIDADE

(Art. 1º, CPM)

Realização do

fato

(CRIMINOSO)

Lei

posterior

Supressão da figura

criminosa

(Abolitio criminis)

RETROAGE

(Art. 2º, CPM)

Realização do

fato

(CRIMINOSO)

Lei

posterior

Diminui a pena

(Novatio legis in mellius)

RETROAGE

(Art. 2º,CPM )

No quadro acima se observa que no primeiro e segundo caso a lei não retroagirá para prejudicar o autor, assim, tivemos a ultratividade, já no terceiro e quarta situação a lei retroagirá por ser mais benéfica. 3.0 Tempo do crime

Quando no tempo o crime se considera praticado? Menor no momento da conduta e maior no momento do resultado? ECA ou CP ?

Temos três teorias:

a) Teoria da atividade- considera praticado o crime no momento da conduta (art. 5º, CPM)

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b) Teoria do resultado – considera-se praticado o crime no momento do resultado.

c) Teoria mista ou ubiquidade- considera-se praticado o crime no momento da conduta ou do resultado.

Para definir o tempo do crime, o Código Penal Militar adotou a Teoria da Atividade, “considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o do resultado” (art. 5°). Nesse ponto, o estatuto penal castrense adota o mesmo critério do Código Penal Comum. Obs.: Sumula n° 711, STF – “a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado e ao crime permanente, se sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou permanência”.

4.0 Lugar do crime

O Direito Penal Militar, diferentemente do Direito Penal comum, para o lugar do crime adotou duas teorias. A conduta realizada por ação, considera-se lugar do crime onde se desenvolveu a atividade criminosa, bem como onde se produziu ou poderia produzir o resultado (teoria da ubiquidade), já nos crimes omissivos o fato considera-se praticado no lugar em que deveria realizar-se a ação omitida (teoria da atividade).

Art. 6º - Art. 6º Considera-se praticado o fato, no lugar em que se desenvolveu a atividade criminosa, no todo ou em parte, e ainda que sob forma de participação, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Nos crimes omissivos, o fato considera-se praticado no lugar em que deveria realizar-se a ação omitida.

5.0 Aplicação da lei penal no espaço

Mais uma vez, diversamente do tratamento adotado no Código Penal Comum, o Direito Penal Militar adota a territorialidade e a extraterritorialidade incondicionada igualmente como regras de aplicação da lei penal no espaço. Segundo o caput do artigo 7° do CPM, “aplica-se a lei penal militar, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no todo ou em parte no território nacional ou fora dele, ainda que neste caso, o agente esteja sendo processado ou tenha sido condenado pela justiça estrangeira”.

5.1 Princípio da territorialidade

Aplica-se o referido princípio de forma temperada, uma vez que a aplicação da lei penal militar brasileira ocorrerá “sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional”.

Em sentido estrito (material), território abrange o solo e subsolo sem solução de continuidade e com limites reconhecidos, as águas interiores, o mar territorial (12 milhas), e o espaço aéreo correspondente.

5.2 Território por extensão

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Território por extensão (ou ficção) - para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as aeronaves e os navios brasileiros, onde quer que se encontrem, sob comando militar ou militarmente utilizados ou ocupados por ordem legal de autoridade competente, ainda que de propriedade privada (art. 7ª, § 1º, CPM).

5.3 Aeronaves ou navios estrangeiros

O Código Penal Militar vai além e amplia a sua incidência para aplicar-se “ao crime praticado a bordo de aeronaves ou navios estrangeiros, desde que em lugar sujeito à administração militar, e o crime atente contra as instituições militares” (art. 7°, §2°, CPM).

5.4 Pena cumprida no estrangeiro

Art. 8° A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.

Com a finalidade de se evitar o famoso “bis in idem”, punir duas vezes uma pessoa pelo mesmo crime militar na mesma esfera, é proibido no Brasil cumprir duas penas pelo mesmo delito militar.

5.5 Princípio da extraterritorialidade irrestrita ou incondicionada

Aplica-se a lei penal militar ao crime cometido fora do território nacional, ainda que, neste caso, o agente esteja sendo processado ou tenha sido julgado pela justiça estrangeira. A extraterritorialidade da Lei Penal Militar justifica-se como regra pela própria natureza da atividade militar e pelos bens jurídicos tutelados, sendo suficiente para sua aplicação fora do território nacional o Princípio da Soberania ou Defesa da Pátria, uma vez que o deslocamento de militares fora do território nacional e o interesse das instituições militares representam a soberania do Estado Brasileiro.

6.0 Aplicação da lei penal militar quanto as pessoas

6.1 Definição de Militar para efeito de aplicação da Lei Penal Militar

Nos termos do artigo 22 do CPM, é “considerado militar, para efeito de aplicação deste Código, qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporada às forças armadas, para nelas servir em posto, graduação, ou sujeição à disciplina militar”.

Para aplicação do crime militar é importante destacar as seguintes definições:

a) Militar da ativa – são aqueles militares que estão no exercício pleno das atividades.

b) Militar da reserva - são militares já aposentados, geralmente por cumprirem o tempo de serviço necessário , em caso de necessidade podem ser revertidos ao serviço ativo novamente.

c) Militar reformado - estes também são aposentados, mas que já atingiram determinada idade ou possuem algum impedimento diferente para o exercício da profissão, e que não poderá ser revertido mais à ativa.

d) Militar em serviço – é o militar da ativa no desempenho de suas funções. e) Militar da União- Militar das forças armadas (exercito, marinha e aeronáutica).

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f) Militar dos Estados - Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.

Obs.: o artigo 12 do Código Penal Militar afirma que o “militar da reserva ou reformado, empregado na administração militar, equipara-se ao militar em situação de atividade, para o efeito da aplicação da lei penal militar”. Nessa esteira, o artigo 13, CPM, dispõe que “o militar da reserva ou reformado, conserva as responsabilidades e prerrogativas do posto ou graduação, para o efeito da aplicação da lei penal militar, quando pratica ou contra ele é praticado crime militar”.

Obs.: O artigo 14, CPM diz que o “o defeito do ato de incorporação não exclui a aplicação da lei penal militar, salvo se alegado ou conhecido antes da pratica do crime”.

6.2 Militares Estrangeiros

De acordo com o artigo 11 do Código Penal Militar, “os militares estrangeiros quando em comissão ou estágio nas forças armadas, ficam sujeitos à lei pena militar brasileira, ressalvados o disposto em tratados ou convenções internacionais”.

Obs. Não define local, esse estágio das forças armadas pode ocorrer até fora do Brasil, ou seja, onde quer que se encontrem as forças armadas a lei penal brasileira irá incidir, ressalvado o disposto em tratados e convenções internacionais.

6.3 Referência a Brasileiro ou Nacional

O art. 26 Código Penal Militar traz uma nota explicativa: “quando a lei penal militar se refere a brasileiro ou nacional, compreende as pessoas enumeradas como brasileiros na Constituição do Brasil”. Nos termos do artigo 12 da Constituição, o termo “brasileiro” é gênero que comporta duas espécies: os brasileiros natos e os naturalizados. Logo, não há diferença quando a lei penal militar refere-se a nacional ou a brasileiro (nato ou naturalizado).

6.4 Equiparação a estrangeiros

O parágrafo único do artigo 26, CPM, explica que, “para os efeitos da lei penal militar, são considerados estrangeiros os apátridas e os brasileiros que perderam a nacionalidade”. A condição jurídica de estrangeiro corresponde aquelas pessoas que não nasceram em território nacional nem adquiriram a nacionalidade brasileira nos termos do artigo 12 da Constituição, sendo regidos pela lei 6.815/80.

6.5 Comandante

Comando é a soma de autoridade, deveres e responsabilidades de que o militar é investido legalmente quando conduz homens ou dirige uma organização militar. O comando é vinculado ao grau hierárquico e constitui uma prerrogativa impessoal, em cujo exercício o militar se define e se caracteriza como chefe. Segundo o artigo 23 do CPM “equipara-se ao comandante, para o efeito da aplicação da lei penal militar, toda autoridade com função de direção”.

Obs. São comandantes por equiparação as nomenclaturas chefe, diretor e prefeito.

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6.6 Superior A condição de superior é fundamental em algumas normas penais militares, daí o artigo 24, CPM esclarecer que “o militar que, em razão de função, exerce autoridade sobre outro de igual posto ou graduação, considera-se superior, para efeito da aplicação da lei penal militar”.

Obs. Para o direito administrativo existem dois critérios de superior: ordenação a hierarquia é verticalizada. Antiguidade, se dois ocupam o mesmo posto, considera pra fins de superior o mais antigo no posto. Para o art. 24, CPM, dois militares de igual posto, considera superior pelo critério funcional aquele que em virtude da função, exerce autoridade sobre o outro.

6.7 Infrações disciplinares

Art. 19. Este Código não compreende as infrações dos regulamentos disciplinares.

6.8 Crimes praticados em tempo de guerra

Art. 20. Aos crimes praticados em tempo de guerra, salvo disposição especial, aplicam-se as penas cominadas para o tempo de paz, com o aumento de um terço.

6.9 Casos de prevalência do Código Penal Militar

Art. 28. Os crimes contra a segurança externa do país ou contra as instituições militares, definidos neste Código, excluem os da mesma natureza definidos em outras leis.

Obs. A aplicação do CPM no que se refere a crimes contra a segurança externa do país ou contra as instituições militares definidos no CPM, excluem a aplicação da lei especial de segurança nacional.

7.0 Justiça Militar

7.1 Justiça Militar dos Estados

Art. 125,§ 3º, C.F A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes.

a)1º instância: conselho de justiça ou juiz de direito; 2º instância: Tribunal de Justiça ou Tribunal de Justiça Militar.

§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada, a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

a) A Justiça Militar Estadual julga apenas crimes militares, cometido por militares dos Estados (art. 125, § 4º, CF). Como se vê, os critérios utilizados para definir a

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competência da Justiça Militar Estadual são em razão da matéria (ratione materiae – crimes militares) e em razão da pessoa (ratione personae – militar estadual).

b) A Justiça Militar Estadual tem competência civil competência para julgar ações judiciais contra atos disciplinares militares.

§ 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares.

a) Na Justiça Militar Estadual, o Presidente do Conselho de Justiça é o Juiz de Direito do Juízo Militar.( na União é o militar mais graduado).

b) Na Justiça Militar Estadual, a par da competência do Conselho de Justiça, o Juiz de Direito tem competência singular. ( na União só o colegiado tem poder jurisdicionado). Com efeito, compete ao Juiz de Direito do Juízo Militar julgar singularmente os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares. Ao Conselho de Justiça compete o julgamento dos demais crimes (competência residual).

7.2 Justiça Militar da União

Art. 124, CF, “A Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei”.

a) A Justiça Militar da União pode julgar tanto civis quanto militares que cometerem crimes militares (art. 124, CF). Como se vê, o critério utilizado para definir a competência da Justiça Militar da União é apenas em razão da matéria (ratione materiae – crimes militares), sendo indiferente a qualidade do agente (civil ou militar).

b) A Justiça Militar da União não tem competência civil.

c)1º instância: Conselho de justiça ( único órgão jurisdicional da justiça militar da união, ou seja, juiz auditor nunca julga sozinho). 2º instância: Superior Tribunal Militar.

Justiça Militar da União Justiça Militar Estadual

Competência criminal: Crime militar definido em lei (CPM).

Crime militar definido em lei (CPM).

Não tem competência para o processo e julgamento de ações judiciais contra atos disciplinares.

Tem competência para o processo e julgamento de ações judiciais contra atos disciplinares militares.

Sujeito ativo: Militares e Civis Militares

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CAPÍTULO III – CRIMES MILITARES

1.0 Conceito

De acordo com art. 124 da CF, preceitua que compete a Justiça Militar julgar os crimes militares definidos em lei. Desta forma, segundo estudiosos a classificação do que seja crime militar se dá em razão da lei, ratione legis, ou seja, será crime militar aquela conduta que estiver previsto no Código Penal Militar.

O direito penal Militar é especial em virtude dos bens jurídicos tutelados: as instituições militares, a hierarquia e a disciplina, o serviço militar e o dever militar, bem como a condição de militar como sujeito ativo ou passivo. É a própria Constituição da República que aponta a especialidade dos Crimes Militares e da Justiça competente para seu processo e julgamento, remetendo ao legislador ordinário a tarefa de defini-los (art. 124, CF e Art. 125, §4°, CF).

1.1 No Aspecto Material, o crime militar caracteriza uma acentuada violação do dever militar e dos valores das instituições militares, enquanto a transgressão disciplinar configura, pelo menos em tese, uma afronta mais branda àqueles valores, o que autoriza seu processamento pela via administrativa.

1.2 No aspecto formal, diferentemente do sistema penal comum, o Direito Penal Militar não adota o sistema bipartite, que classifica as infrações penais em crime e contravenções penais. O Código Castrense somente se ocupa dos crimes militares, já que, nos termos de seu art. 19, afirma-se expressamente que “este código não compreende as infrações dos regulamentos disciplinares”. As transgressões disciplinares ficam a cargo dos regulamentos internos das instituições militares.

2.0 Classificação doutrinária

A doutrina mais moderna divide o crime militar em apenas dois grupos: propriamente e impropriamente militares.

2.1 Crime propriamente militar é aquele cujo bem jurídico tutelado é inerente ao meio militar e estranho a sociedade civil (autoridade, dever, serviço, hierarquia, disciplina, etc.) e somente pode ser praticado militar da ativa. Assim, é crime previsto somente no Código Penal Militar, pois o tipo penal é criado especificamente para proteger interesses jurídicos exclusivos da vida militar e o sujeito ativo só pode ser militar da ativa, uma vez que tal qualidade do agente é essencial ao tipo.

2.2 Crime Impropriamente Militar por afetar bens jurídicos comuns às esferas militar e civil (vida, integridade corporal, patrimônio, etc.), tem previsão legal tanto no Código Penal Militar quanto na legislação comum e pode ser praticado por militar ou por civil, mas só serão considerados militares se for praticada nas condições expressas no Código Castrense.

3. Critérios Determinantes

De acordo com a doutrina, o Código Castrense não apresenta uma definição do crime militar, apenas enumera alguns critérios para orientar o interprete na sua identificação.

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Prevalece o critério objetivo (ratione legais): é crime militar aquele elencado no Código Penal Militar.

Contudo, deve-se combinar o critério legal com alguma das hipóteses apontadas no art. 9° e 10 do CPM: ratione personae, ratione loci, ratione materiae ou ratione temporis.

• Ratione Personae: crime militar é aquele cujo sujeito ativo é militar. • Ratione loci: crime militar é aquele que ocorre em lugar sujeito à administração militar. • Ratione Materiae: exige-se dupla qualidade de militar - no ato e no sujeito. Crime cometido por militar em serviço ou em razão do serviço, mesmo que fora do lugar sujeito à administração militar.

• Ratione Temporis: crime militar é aquele cometido em determinada época ou circunstância (tempo de guerra, período de exercícios ou manobras).

4. Crime Militar em tempo de paz (art. 9°, CPM)

4.1 Art. 9°, inciso I, do Código Penal Militar

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial; ( independe do agente)

Consiste em crime definido no CPM, quando definido de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previsto, qualquer que seja o agente (civil ou militar). Ex.: deserção (art. 187, CPM); Ingresso clandestino – art. 302; Motim e Revolta (art. 149 a 153, CPM); Violência contra superior (art. 157 e forma qualificada - art. 159, CPM); Reunião ilícita (art. 165, CPM); Recusa de Obediência (art. 163, CPM); Omissão de oficial (art. 194, CPM); Abandono de posto e outros crimes em serviço (art. 195 a 203, CPM);

4.2 Art. 9°, inciso II, do Código Penal Militar

Art. 9º, inciso II, alínea a, CPM:

II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:

a)por militar em situação de atividade, contra militar na mesma situação ; trata-se de crime impropriamente militar praticado por militar da ativa contra outro militar da ativa, não havendo necessidade de que um saiba da condição do outro, nem que os envolvidos estejam em situação de serviço, tampouco em lugar sujeito à administração militar. Ex. Militar da ativa x militar da ativa

b) por militar em situação de atividade, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; trata-se de crime impropriamente militar (ratione legis), com definição idêntica no Código Penal Comum, mas que só poder ser praticado por militar da ativa (ratione personae) contra alguém que não

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ostente essa condição (militar da reserva, reformado ou civil) em lugar sujeito a administração militar (ratione loci). Considera-se local sujeito à administração militar aquele que pertence ao patrimônio das instituições militares ou que se encontra sob sua administração por disposição legal ou ordem de autoridade competente. Compreende nesse conceito bens imóveis e os móveis (veiculo, embarcação ou aeronave).

Obs. Quando o código fala atividade quer dizer militar da ativa, serviço ele menciona função ou próprio serviço.

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;

Obs. Crime contra civil fora da administração militar, não basta que o militar seja da ativa, exige-se que ele esteja em serviço.

d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;

e) por militar em situação de atividade, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar. - nessa hipótese, para configura-se o crime militar, é necessário que o militar da ativa cause lesão ao patrimônio ou à ordem administrativa militar.

Obs. A luz do Código Penal Militar (art. 22), perante a Justiça Militar da União, o militar estadual ( Policial Militar e Bombeiro Militar) não é considerado militar propriamente dito. De outro lado, os militares das forças armadas não são julgados perante as justiças Militares Estaduais, uma vez que essas julgam os militares dos Estados que pratiquem crimes militares.

4.3 Art. 9°, inciso III, do Código Penal Militar

Art. 9º, inciso III, CPM:

III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

Nos termos do Art. 9°, III, do CPM “consideram-se crimes militares em tempos de paz (…) os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado ou civil, contra as instituições militares…”.

O referido inciso somente se aplica na esfera da Justiça Militar da União, uma vez que, como já registrado, a Justiça Militar Estadual somente julga militares dos Estados por expressa disposição constitucional (125, §4°, CF).

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar; - O roubo praticado por civil contra o patrimônio sob administração militar é crime militar, consoante o artigo 9°, inciso III, alínea “a”, do Código Penal Militar, sendo irrelevante o local em que a ação se desenvolveu para a caracterização do delito. Portanto há crime militar no caso de civis que, agindo em conjunto, em local público,

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abordam militar e, sob ameaça de emprego de violência, roubam-lhe o carro e a arma que portava, pertencente ao Exército Brasileiro. (STM. Apelação 2005.01.049923-7/SP).

Ex.: estelionato praticado por filho de pensionista.

b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo.- Conforme entendimento do STM, caracteriza-se os crimes militares de difamação e injúria, previstos nos artigos 215 e 216, CPM, na situação em que “um oficial da reserva e outro civil, pai e filho, por meio de reiterados documentos encaminhados a diversas autoridades militares, nos quais invariavelmente ofendiam a dignidade e a honra de uma praça e um oficial, ambos do Exército Brasileiro. Tendo as ofensas se consumado no interior das Organizações Militares às quais foram encaminhados os documentos e dirigidos aos militares no pleno exercício das suas atividades. (Apelação n. 0000011-75.2007.7.03.0303/RS).

Obs. Crime cometido por civil em lugar sujeito à administração militar contra militar na ativa. Ex.: motociclista efetua disparos contra sentinela (crime militar de tentativa de homicídio).

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;

Ex.: desacato contra militares que fazem a segurança do Papa em visita ao Brasil.

d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior. - O civil que descumpre ordem de soldado do Exército em serviço externo de policiamento de trânsito de fronte a quartel responde por delito de desobediência (art. 301, CPM), consoante a alínea “d” inciso III do artigo 9° do CPM, uma vez que o militar teria agido, na garantia e na preservação da ordem pública, a partir do poder de polícia, que a segurança pública propriamente dita poderia implementar.

(HC 115671/RJ - STF). No âmbito da Justiça Militar da União, o homicídio doloso praticado por civil contra militar em situação de serviço configura crime militar. a jurisprudência Supremo Tribunal Federal é no sentido de ser constitucional o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de militar em serviço pela justiça castrense, sem a submissão destes crimes ao Tribunal do Júri, nos termos do art. 9°, inc. III, “d” do CPM. (HC 91003/BA).

5.0 Homicídio doloso praticado por militar contra civil (art. 9°, parágrafo único do CPM)

§ único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica (tiro de abate)

Tabela referente ao art. 9º I,II,III, CPM

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Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;

Militar da ativa, reserva, reformado, civil.

Crimes diversos da lei penal comum ou apenas no CPM

Ex. deserção, insubordinação

II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:

Militar da ativa x Militar da ativa Militar da ativa “Área militar” Reserva, reformado ou civil Militar em serviço x Reserva, reformado ou civil Militar em manobra x Reserva, reformado ou civil Militar da ativa x Patrimônio sob adm.

Militar ou ordem adm. militar

Obs. O STF já decidiu que nem todo militar da ativa que comete crime contra outro militar da ativa seja crime militar. Pois além deles serem militares exige que o crime esteja relacionado ou motivado por interesse de serviço ou valores da caserna.

Obs. Alíne “f” que já foi revogada dizia que militar mesmo não estando de serviço que cometesse crime com arma de fogo, utensilio, ou objeto pertencente à instituição seria crime militar. Apesar de ter sido revogado continua caindo em serviço, em fim, esses instrumentos por si só não torna o crime militar. Ex, usar cinto do fardamento, ou arma de fogo.

III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

Reserva, reformado ou civil x Patrimônio sob adm. Militar ou ordem adm. militar

Reserva, reformado ou civil “Área militar” Militar da ativa Reserva, reformado ou civil x Militar em formatura,

prontidão Reserva, reformado ou civil x Militar em serviço

§ único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma doart. 303 da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica

Obs. Perguntas para caracterização do Crime Militar em tempo de Paz

1) O crime está presente na parte especial do CPM?

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2)O sujeito da conduta está enquadrado no art. 9º, CPM ?

3) O sujeito ativo pode responder perante a Justiça Militar ?

6.0 Crime Militar em tempo de Guerra

Nos exatos termos do artigo 15 do CPM, “o tempo de guerra, para os efeitos da aplicação da lei penal militar, começa com a declaração ou o reconhecimento do estado de guerra, ou com o decreto de mobilização se nele estiver compreendido aquele reconhecimento”.

O tempo de guerra termina quando ordena a cessação das hostilidades (art. 15, in fine, CPM), competindo ao Presidente da República celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do congresso nacional (art. 84, XX, CF).

Para definir os crimes militares em tempo de guerra, o legislador castrense deu primazia aos critérios ratione legis e ratione temporis. Assim, à luz das balizas indicadas no art. 10 do CPM, qualquer delito pode ser considerado crime militar em tempo de guerra, senão vejamos:

• os crimes especialmente previstos no Código Penal Militar para o tempo de guerra estão elencados no livro II da parte especial do CPM, do artigo 355 em diante;

• os crimes propriamente militares previstos para o tempo de paz, agregando-se a circunstância temporal: se praticados em tempo de guerra;

• os crimes impropriamente militares (previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum ou especial, qualquer que seja o agente) quando praticados em: território nacional, ou estrangeiro, militarmente ocupado; qualquer lugar, se comprometerem ou poderem comprometer a preparação, a eficiência ou as operações militares ou, de qualquer outra forma, atentam contra a segurança externa do país ou podem expô-la a perigo.

• os crimes comuns (definidos na lei penal comum ou especial, embora não previstos no CPM), quando praticados: em zona de efetivas operações militares; em território estrangeiro, militarmente ocupados;

Perguntas para caracterização do Crime Militar em tempo de Guerra

1)Crime definido ou não na parte especial do CPM.

+

2) Circunstância do art. 10, CPM.

CAPÍTULO IV – TEORIA GERAL DO CRIME

1.0 Conceito analítico de crime

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Sob o aspecto formal, crime é toda conduta que atenta contra a lei penal editada pelo Estado. No sentido material, crime é a conduta que viola os bens jurídicos mais importantes. Todavia, essas duas abordagens não são suficientes para traduzir com precisão a ideia de crime, fazendo-se necessário desenvolver um conceito analítico de crime, que exponha seus elementos constitutivos.

A doutrina hoje dominante sustenta que o conceito analítico de crime apresenta três pressupostos (teoria tripartite): conduta típica, antijurídica e culpável. Há quem acrescente um quarto elemento (teoria quadripartite): a punibilidade. Tal orientação é criticada, pois se trata, a rigor, de consequência do crime e não de elemento constitutivo.

Adotando-se a concepção tripartite, neste trabalho serão estudados três elementos com suas respectivas características: o fato típico (conduta, tipicidade, relação de causalidade e resultado), a ilicitude (relação de antagonismo entre a conduta típica e o ordenamento jurídico) e a culpabilidade (juízo de reprovação pessoal que se faz sobre a conduta típica e ilícita do agente).

2.0.Fato Típico: O fato típico é o comportamento humano ( fato humano indesejado) que se enquadra perfeitamente nos elementos descritos na norma penal. É composto de conduta, resultado, nexo causal e tipicidade (formal e material).

2.1Elementos do Fato típico: a) Conduta (dolosa ou culposa); b) Resultado; c) Nexo causal; d) Tipicidade formal e material (ajuste do fato a norma incriminadora). Obs. Não se confunde tipicidade com tipo penal. O tipo penal descreve o comportamento proibido pela norma. A Tipicidade é o ajuste do fato à norma. 2.2 Conduta a) conceito É todo comportamento humano (ação ou omissão), dotado de voluntariedade e consciência e que tenha dado causa (dirigida finalisticamente) à produção de um resultado típico (jurídico). b) Formas de manifestação (ação ou omissão)

Na conduta comissiva (ação), o comportamento penalmente relevante se manifesta de forma ativa. Na visão causalista, a ação é um movimento qualquer do agente percebido no mundo exterior, o agente direciona sua conduta a uma finalidade específica.

Em Direito Penal, a conduta comissiva pressupõe a existência de um tipo penal proibindo-a (norma proibitiva). No crime comissivo o tipo penal exige de todos uma abstenção (não fazer algo).

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Já a conduta omissiva (omissão), ocorre à abstenção de uma atividade imposta pela lei ao agente. Há uma atividade juridicamente exigida e o sujeito manifesta uma atitude psicológica e física de não atendimento da ação esperada, quando devia e podia ser praticada. Pune-se a inércia, pois a ordem jurídica penal exige uma ação (norma mandamental).

O crime é omissivo próprio (puro ou simples) quando descreve no próprio tipo penal uma conduta negativa, de não fazer o que a lei determina (ex.: omissão de eficiência, art. 198, CPM). A omissão caracteriza a transgressão da norma jurídica, independentemente de qualquer resultado naturalístico.

No crime omissivo impróprio (comissivo por omissão ou omissão qualificada), a ação esperada é dirigida especialmente a uma pessoa que tem o dever especial de preservação do bem jurídico. A omissão não esta descrita no tipo, só será penalmente relevante quando o sujeito estiver na posição de garantidor.

As situações de agente garantidor são elencadas na norma de extensão do art. 29 § 2º do CPM: quem por força de lei tem obrigação de cuidado, proteção ou vigilância ou de outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado ou, ainda, quem, com seu comportamento anterior, criou o risco de sua superveniência.

c)Voluntariedade e consciência

Na visão finalista, se não houver vontade dirigida a uma finalidade, não há conduta. A conduta é voluntária quando a ação ou omissão tenham derivado livremente da vontade do agente, sem imposição de qualquer força exterior. Por ausência de voluntariedade, não há conduta nas seguintes hipóteses:

• força física irresistível (vis absoluta), que pode ser proveniente de evento da natureza ou do acaso ou de ação humana. Por exemplo, sujeito empurrado por alguém, choca-se com uma pessoa causando-lhe lesões corporais. Note-se que a coação é física irresistível, o coator é quem atua com vontade e é o autor imediato, enquanto que aquele que causa o dano ou lesão é mero instrumento.

• movimentos reflexos, quando a ação deriva de reflexos ou impulsos naturais, que o sujeito não possa controlar, como por exemplo, ao tocar em um fio desencapado ou em superfície quente.

• impossibilidade física de agir nos crimes omissivos (próprios ou impróprios). Além da voluntariedade, a consciência é requisito fundamental para a existência de conduta penalmente relevante. Condutas praticadas em estado de inconsciência, sendo ativas ou passivas, não tem relevância jurídico-penal. Por exemplo sujeito sonâmbulo ou epilético ou em estado de hipnose que causa lesões corporais em outrem.

2.3 Tipicidade Penal Requer que a conduta, além de enquadrar-se no tipo legal, viole a norma de proteção e

afete o bem jurídico. Não se concebe, portanto, a existência de condutas típicas que não afete o bem jurídico.

a)Tipicidade Legal ou formal

Pode-se dizer que a conduta é típica quando se amolda perfeitamente a um modelo abstrato previsto na lei (tipo penal). A norma estabelece um modelo abstrato de comportamento proibido ou esperado e esse modelo deve ser realizado no caso concreto para que haja uma conduta típica. Esse juízo de adequação da conduta pode ocorrer de forma direta ou indireta:

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• Adequação típica direta – há uma subsunção direta (linear) da conduta ao tipo penal. Por exemplo, com a intenção de matar um soldado atira em um colega e este vem a falecer. Assim a conduta se adequou diretamente à norma do artigo 205, do CPM.

• Adequação típica indireta – a conduta se amolda ao tipo penal por meio de uma norma de extensão (relação triangular), que viabiliza a adequação típica, ampliando os limites da tipicidade. Se no exemplo anterior, a vítima não morresse, a conduta não encontraria adequação típica linear à norma do artigo 205, CPM, mas, mesmo assim o agente seria responsabilizado pela tentativa, porque a norma de extensão do art. 30, II, CPM viabilizaria a adequação típica indireta.

b) Tipicidade Material

Só há tipicidade material quando a conduta é ofensiva a bens de relevo para o Direito Penal. Portanto, não se pode conceber a existência de uma conduta típica que não afete a um bem jurídico.( princípio da insignificância).

2.4 Teoria do Tipo Penal a) Conceito

Tipo penal é a descrição precisa do comportamento humano, feita pela lei. Trata-se de um instrumento legal necessário, de natureza predominantemente descritiva, que tem por finalidade individualizar condutas humanas que apresentem relevância penal. b) Elementares e Circunstâncias

Elementares são dados essenciais à figura típica, sem os quais pode ocorrer a atipicidade absoluta (tornando se um indiferente penal) ou relativa (desclassificação). Trata-se de elementos integrantes do tipo penal incriminador básico.

Já as circunstâncias são elementos periféricos, que gravitam ao redor da figura típica básica, não alterando a sua definição, mas somente interferindo na delimitação da pena.

As circunstâncias objetivas (materiais ou reais) relacionam-se com o fato delituoso em sua materialidade e atuam sobre à magnitude do injusto (modo de execução, uso de determinados instrumentos, espécie, meios, lugar, tempo, ocasião, qualidade da vítima) ex.: art. 157 § 2º do CPM e art. 149, parágrafo único do CPM.

De outro lado, as circunstâncias subjetivas (pessoais) são condições ou qualidades que se referem à pessoa do agente, nada tendo a ver com a materialidade do delito, portanto, atuam sobre a medida da culpabilidade (motivos determinantes, condições ou qualidades pessoais) ex.: art. 205, § 1º, CPM.

d)Elementos que integram o tipo

O tipo objetivo é composto de elementos cuja finalidade é descrever a ação, o objeto da ação e, em sendo o caso, o resultado, as circunstâncias externas do fato e a pessoa do autor e do sujeito passivo. Tais elementos subdividem-se:

• Elementos descritivos têm a finalidade de evidenciar dados que, com simplicidade, podem ser percebidos pelo intérprete.

• Elementos normativos são aqueles para cuja compreensão se faz necessário um juízo de valor ético ou jurídico, podendo variar de acordo com a interpretação de cada pessoa ou em virtude do sentido que lhe dá a norma. (Dignidade e decoro, sem justa causa, indevidamente). O tipo subjetivo compõe-se de elementos anímicos do agente: o dolo –

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consciência e vontade de realizar o tipo objetivo; os elementos objetivos especiais, como intenções ou mesmo motivações excepcionais – especial fim de agir; e a culpa.

d)Elementos específicos do tipo penal:

• Núcleo é o verbo que descreve a conduta proibida pela lei penal, com a finalidade de evidenciar o comportamento que se procura evitar ou impor. Os tipos podem ser uninucleares (art. 205, CPM) ou plurinucleares também denominados crimes de ação múltipla ou conteúdo variado (art. 290, CPM). • Sujeito ativo é a pessoa que pode praticar a conduta descrita no tipo. Classifica-se em:

-Crime comum, quando a infração, por sua natureza, pode ser cometida por qualquer pessoa. Ex.: Incitamento – art. 155, CPM; homicídio – art. 205, CPM. – Crime próprio, quando o tipo penal exige qualidade ou condição especial do sujeito ativo e somente pode ser praticado por determinada pessoa em virtude de circunstâncias pessoais, admitindo delegação e autoria mediata. Ex.: motim – art. 149, CPM; conspiração – art. 152, CPM. – Crime de mão própria, quando o crime é personalíssimo e só pode ser praticado diretamente por aquele sujeito ativo e mais ninguém, não admitindo coautoria, mas admite a participação. Ex.: abandono de posto – art. 195, CPM; embriaguez em serviço – art. 202, CPM; deserção – art. 187, CPM. • Sujeito passivo – Formal, constante ou mediato é o Estado, que é atingido todas as vezes que suas leis são descumpridas. – Material, eventual ou imediato é o titular do bem ou interesse juridicamente tutelado sobre o qual recai a conduta criminosa, que em alguns casos pode ser o próprio Estado. • Objeto material é a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta delituosa do agente. Em alguns casos pode ocorrer de o sujeito passivo coincidir com o objeto material (homicídio). Porém, não se pode confundir o objeto material com o objeto jurídico (bem ou interesse juridicamente tutelado). Nem todos crimes possuem objeto material, mas todos possuem objeto jurídico.

2.5 Tipo subjetivo

a) Tido doloso A conduta, elemento do fato típico, pode ser dolosa ou culposa:

Dolo (conceito doutrinário de dolo): é a consciência e vontade de realizar os requisitos objetivos do tipo. Art. 18. Diz-se o crime: Crime doloso I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

O dolo é contemporâneo da conduta, tendo em vista que ele deve existir na hora da conduta (ação ou omissão).

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Exceção: há uma única exceção em que o dolo está fora da conduta, que é o caso da actio libera in causa (ação livre em sua causa). Ex. o sujeito bebe propositadamente para matar, ou seja, na hora que bebeu sabia o que fazia, mas na hora da facada que causou a morte não sabia. O dolo aqui é o antecedente, que não estava presente na hora da conduta, mas na hora que o agente bebia. Esse dolo é válido no direito penal. b)Espécies de dolo - Dolo direto de primeiro grau: retrata a finalidade principal do agente. - Dolo direto de segundo grau ou dolo indireto: ocorre em relação aos efeitos colaterais decorrente dos meios escolhidos. Ex. navio incendiado. Sujeito dono de um navio que estava à beira da falência e fez o seguro. Mandou certo dia alguém pôr fogo no navio. Ocorre que havia várias pessoas no navio. A sua finalidade principal era o estelionato (dolo direto de primeiro grau). As mortes ocasionadas refletem o dolo direto de segundo grau. - Dolo eventual: ocorre quando o sujeito representa o resultado; aceita o resultado, ou seja, assume o risco de produzi-lo e atua com indiferença frente ao bem jurídico.

Dolo eventual X dolo de segundo grau

O dolo de segundo grau é direto, o agente quer o resultado. Existe menosprezo em relação ao bem jurídico. Já no dolo eventual existe indiferença quanto ao resultado.

c)Tipo culposo O artigo 33, II, CPM define o crime culposo, “quando o agente deixando de empregar a cautela, atenção, ou diligência ordinária, ou especial, a que estava obrigado em face das circunstâncias, não prevê o resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe levianamente que não se realizaria ou que poderia evita-lo”.

A estrutura do tipo culposo é completamente diversa do tipo do crime de dolo. Enquanto neste se observa claramente a distinção entre o elemento objetivo e subjetivo, o tipo culposo é incongruente, já que a vontade do sujeito não se dirige à concretização do resultado ilícito. Ao contrário, a definição da culpa parte do pressuposto de que o sujeito não quis nem assumiu o risco da produção do resultado.

A vontade no tipo culposo é orientada para a prática de uma conduta lícita, atípica, mas o resultado típico ocorre porque o sujeito se comportou manifestando falta de cuidado frente ao bem jurídico. Na culpa, o resultado típico decorre de uma vontade defeituosa.

Segundo entendimento de parte da doutrina, a divisão do tipo em partes objetiva e subjetiva só faria sentido na modalidade dolosa. Assim, por ser uno, o tipo culposo não conteria parte subjetiva e, nessa linha, a culpa não seria elemento subjetivo do tipo, mas sim elemento normativo. Para a tipificação de um crime culposo é, necessária a conjugação de vários elementos: • A conduta humana voluntária comissiva (imprudência), omissiva (negligência) ou inapta (imperícia). • A inobservância de um dever objetivo de cuidado (negligência, imprudência ou imperícia); • resultado lesivo não desejado, tampouco risco assumido pelo agente; • Nexo de causalidade entre a conduta descuidada do agente e o resultado dela advindo; • A previsibilidade objetiva (mesmo que, em alguns casos, o sujeito sequer consiga prever subjetivamente o resultado – culpa inconsciente);

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• A tipicidade f)Princípio da excepcionalidade

Conforme dispõe o parágrafo único do artigo 33, CPM, “salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente”. Se não houver previsão de tipo penal fazendo menção explicita à punição culposa, só haverá punição pela modalidade dolosa, daí porque se diz que o dolo é elemento subjetivo implícito do tipo penal. Se não houver previsão por conduta culposa, o fato é atípico. g)Dever objetivo de cuidado

Para que a sociedade possa desenvolver sem que bens jurídicos fundamentais sejam vulnerados, deve-se exigir de todos os seus membros, indistintamente, que observem o dever de cuidado. A culpa se evidencia quando alguém atua com violação de dever de cuidado e desse comportamento resulta lesão a bens jurídicos essenciais.

A doutrina dominante defende que a conduta culposa corresponde à violação do dever de cuidado objetivo. Importante, também, salientar que a compensação de culpas não é admitida no Direito Penal a fim de isentar o sujeito de punição, como, por exemplo, em um acidente de trânsito em que os dois motoristas causam lesões corporais recíprocas. Havendo a concorrência de culpas, o grau de culpa de cada um será apreciado no momento da fixação da pena-base (art. 69, CPM – circunstâncias judiciais). h)Espécies de culpa

Voltando ao artigo 33, II, CPM, ao afirmar que o sujeito “não prevê o resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe levianamente que não se realizaria ou que poderia evitá-lo”, o legislador distingue duas espécies de culpa. • A culpa inconsciente é despida de previsão subjetiva, já que o sujeito “não prevê o resultado que podia prever”. Há sempre a previsibilidade objetiva, que corresponde à possibilidade que o homem médio, naquele contexto, prever o resultado. Se não existir a previsibilidade objetiva, haverá um acontecimento inusitado, um acontecimento fortuito. O imprevisível exclui a culpa. • Já a culpa consciente, prevendo o resultado, o sujeito supõe levianamente que não realizaria o que poderia evitá-lo. Havendo previsão objetiva, pois, antes ou durante a prática da conduta, o sujeito representa a ocorrência do resultado, mas acredita sinceramente que esse não ocorrerá, sem assumir o risco de produzi-lo por ser autoconfiante. Não se deve confundir culpa consciente com o dolo eventual.

O ponto de semelhança reside em que ambos há previsibilidade subjetiva. O sujeito representa, antes de agir, a possibilidade da produção do resultado. Mas a diferença evidencia-se quando, no dolo eventual, o sujeito prevê a possibilidade de produzir o resultado e aceita, manifestando desprezo pelo bem jurídico tutelado (assume o risco). Na culpa consciente, apesar de antecipar mentalmente a possibilidade de ocorrência do resultado, o sujeito sinceramente crê que ele não irá ocorrer.

i)Formas de manifestação da culpa

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O resultado culposo pode ocorrer mediante diversas modalidades de condutas que exteriorizam a inobservância do seu exigível dever de cuidado. • A imprudência é a conduta comissiva que corresponde à pratica de um ato perigoso sem os cuidados que o caso requer. • A negligência é a conduta omissiva, de deixar de fazer aquilo que a diligência normal exigia. • A imperícia é a inaptidão, momentânea ou não, para o exercício de arte, profissão ou oficio. Normalmente está ligada a uma atividade profissional e pode derivar de uma inobservância de regra técnica. 2.5 Resultado: a) Conceito Em sede doutrinaria o conceito de resultado é disputado por duas teorias: • A teoria normativista defende que todo crime tem resultado (jurídico), pois este representa lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico. O resultado tem natureza normativa, pois exige um juízo de valor em cada caso para se verificar se o bem jurídico protegido pela norma entrou no raio de ação dos riscos criados pela conduta. • Teoria naturalística define resultado como a modificação do mundo exterior causada pela conduta. Assim, sustenta-se que nem todo crime tem resultado, pois este é estudado sob o ponto de vista naturalístico, como algo destacado da conduta, representando a alteração no mundo exterior. b) Classificação quanto ao resultado naturalístico e momento consumativo • Crime material: o tipo penal exige a prática da conduta e a produção do resultado material (naturalístico) previsto para que haja consumação. Ex.: homicídio (art. 205, CPM) e lesão corporal (art. 209, CPM). • Crime formal (ou de consumação antecipada): o tipo penal prevê o resultado naturalísitco, mas o crime consuma-se de forma antecipada, com a prática da conduta, independentemente da ocorrência do resultado. Se ocorrer o resultado, há exaurimento do crime. Ex.: corrupção passiva (art. 308, CPM) e concussão (art. 305, CPM). • Crime de mera conduta: o tipo penal não prevê qualquer resultado do ponto de vista naturalístico, só exige a previsão da conduta. Logo, o crime se consuma com a prática da conduta. Ex.: abandono de posto (art. 195, CPM). 2.6 Relação de causalidade ( nexo causal)

a) Conceito Ocorre entre a conduta e o resultado (causa e efeito), que consiste no plano da

causação. O nexo de causalidade é aplicável aos crimes materiais comissivos. Isso porque jamais

se fala em nexo de causalidade em crimes omissivos, sejam eles próprios ou impróprios.

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No plano naturalístico se pode fazer um elo entre a omissão e a morte. No plano jurídico não existe nexo de causalidade entre omissão e resultado, uma vez

que nos crimes omissivos o nexo de causalidade é irrelevante. O critério normativo é o usado para se responsabilizar o autor do crime. O que importa

é o dever de agir e o sujeito não age. O nexo causal está disciplinado no art.29 do CPM:

b)Teoria da equivalência dos antecedentes causais ou Conditio Sine Qua Non

Art. 29. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

A doutrina critica esse artigo porque afirma que a omissão está inserida indevidamente no texto. A teoria acolhida pelo artigo 29 é a Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais (conditio sine qua non). Essa teoria diz que tudo que concorre para o resultado é causa do resultado. Não há, pois, diferença entre causa e concausa.

Deve-se atentar para a questão do regressus ad infinitum. Ou seja, não se deve denunciar todos que deram causa (quem deu a facada e quem fez a faca, por exemplo). Logo, essa teoria é limitada.

Toda parte material se consiste em limite para o nexo de causalidade. Mesmo havendo nexo de causalidade, a conduta pode ser desvalorada, logo não existe o resultado. Limites da Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais: - § 1.º do art. 29: Superveniência de causa independente § 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

Em direito penal, ao lado da causa principal, podem ocorrer concausas, que são as causas paralelas.

c)Espécies de causas que contribuem ou não para o resultado Concausa absolutamente independente

Concausa relativamente independente

A causa efetiva do resultado não se origina da causa concorrente.

A causa efetiva do resultado origina direta ou indiretamente da causa concorrente.

a)Preexistente: Ex. A dispara contra o peito de B e este vem a falecer(c.c.), não em virtude do disparo, mas em virtude de ter ingerido veneno para se suicidar (c.e.). B morreu envenenado, logo, o resultado não pode ser imputando a CC, este responde por tentativa.

a)Preexistente. Ex. “a “ é portador de hemofilia, “B” dá um golpe de faca ( c.c.) para matar “A”, gera um pequeno corte, porém pela grande quantidade de sangue “A” morre por ser hemofílico (c.e.).Resp. “B” responde por crime consumado.

b)Concomitante. EX. as 15:00 hs o “A” envenena “B”. As 15:00 “B” é atingido por uma bala perdida. “B” morre em face do disparo.

b)Concomitante: “A” atira contra “B” ( c.c), que em razão do susto tem um ataque cardíaco (c.e.) e morre. Obs. A c.e. origina-se da c.c.. Resp. “A” responde por crime consumado.

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c)superveniente. Ex. as 15:00 hs “ A” envenenou “B”. As 16:00 queda da árvore. “b” morre de traumatismo craniano.

c)superveniente: Superveniência de causa independente Art.29 § 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

c)Concausa relativamente independente superveniente: Art.29 § 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

A expressão “por si só” significa que somente aqueles resultados que se encontram como um desdobramento natural da ação é que poderão ser imputados ao agente. Se a causa superveniente relativamente independente, por si só, produzir o resultado, por não estar na mesma linha de desdobramento físico da ação, há rompimento da cadeia causal e o agente só responde pelos atos praticados compreendidos por seu dolo (tentativa). “ aquela que por si só produziu o resultado” a)O resultado (c. e.) sai da linha de desdobramento causal normal da causa concorrente ( a c.e. é evento imprevisível). b)A causa concorrente não é adequada ao resultado. Ex. teto do hospital desabou. Responderá apenas por tentativa de homicídio. “ aquela que não por si só produziu o resultado” a)o resultado (c.e.) está na linha de desdobramento causal normal da causa concorrente ( a c.e. é evento previsível). b)A causa concorrente é adequada ao resultado Ex. erro médico, infecção hospitalar, capotamento de ambulância. Responderá por homicídio consumado. Obs. Se adotássemos a causalidade simples, observa-se que nas duas hipóteses, o tiro seria causa determinante para produzir o resultado. Ele só não responde por homicídio na primeira hipóteses porque vc trabalha com causalidade adequada. 2.7 Iter Criminis a) Conceito

É o caminho do crime, ou seja, o conjunto de etapas que se sucedem, cronologicamente, no desenvolvimento do delito. Trata-se de instituto exclusivo dos crimes dolosos. De acordo com a doutrina, o Iter Criminis comporta as seguintes fases:

1º fase – Cogitação (cogitatio), que se passa na mente do agente, quando este define a

infração penal que deseja praticar, representando e antecipando o resultado almejado. Por força do principio da ofensividade, não pune cogitação, uma vez que o Direito Penal não pode incidir sobre atitudes interiores, que não atingem a esfera jurídica de terceiros.

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2º fase – Preparação (conatus remotus), após decidir pela realização do delito, o sujeito passa aos atos preparatórios, necessários ao êxito da empreitada criminosa. Assim, o agente providencia os meios, escolhe o local apropriado para realizar o ato etc. Os atos preparatórios, em regra, também não são puníveis pois o inciso II do artigo 30 do CPM exige início de execução para que seja punida a tentativa. Entretanto, em algumas hipóteses, o legislador optou por punir de forma autônoma condutas que, a princípio, poderiam ser considerados atos preparatórios. Por exemplo, no crime de conspiração, previsto no art. 152, CPM, pune-se antecipadamente a conduta de concertarem-se militares para a prática do crime previsto no artigo 149 (motim). 3º fase – Execução (conatus proximus), quando o agente ingressa nos atos executórios do crime. Há polêmica quanto à definição do que vem a ser ato de execução, havendo diversas teorias que disputam o tema: • Teoria objetivo-formal (adotada pelo Código Penal Militar) – ato executório é o comportamento descrito no tipo penal objetivo. Todos os atos anteriores, que conduzem à realização da conduta descrita no tipo penal, são considerados atos preparatórios. Assim, a título de exemplo, no homicídio com emprego de arma de fogo, a ação de matar começaria com o acionamento do gatilho da arma de fogo carregada e apontada para a vítima. Já no furto, o ato de execução seria a ação de remover a carteira do bolso da vítima.

4º fase – Consumação (summatum opus), diz-se consumado o crime quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal (art. 30, I, CPM). A consumação depende da natureza do delito

• Nos crimes materiais, culposos e omissivos impróprios, o momento consumativo

ocorre com a produção do resultado naturalístico. • Os crimes formais (ou de consumação antecipada) consumam-se com a prática da

conduta descrita no núcleo do tipo, independentemente da obtenção do resultado previsto. Caso este venha a ocorrer, há mero exaurimento.

• Nos crimes de mera conduta, a consumação se dá com a realização do simples comportamento previsto no tipo penal, não havendo previsão de resultado naturalístico.

• Nos crimes omissivos próprios consumam-se com a abstenção do comportamento imposto ao sujeito ativo.

• Nos crimes permanentes, enquanto durar a permanência, o delito estará em consumação, pois essa se prolonga no tempo.

5º fase – Exaurimento, para maioria da doutrina, o exaurimento é a fase posterior a

consumação do delito, esgotando-o completamente.

b)Tentativa

Nos exatos termos do artigo 30, II, CPM, “diz-se o crime tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias a vontade da agente. O artigo 30, II, do CPM é uma norma de extensão que amplia a figura típica, de modo a abranger situações não previstas expressamente no tipo penal. Trata-se de adequação típica mediata, sem a qual seria impossível a punição do agente cuja infração penal não se consumasse. c)Espécies de tentativa

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• Tentativa perfeita (tentativa acabada ou crime falho) – o agente esgota toda a fase executória, empregando, segundo seu entendimento, todos os meios que tinha a sua disposição para alcançar a consumação do crime, que não ocorre por motivos alheios a sua vontade. Ex.: “A” com dolo de matar, dispara cinco tiros contra “B”, atingindo-o em região letal, porém a vítima é socorrida e sobrevive. • Tentativa imperfeita (tentativa inacabada) – o agente não exaure toda a sua potencialidade lesiva, ou seja, não realiza todos os atos executórios que entendia necessários ao alcance da consumação. O sujeito é interrompido durante os atos de execução, antes de esgotar todos os meios que pretendia inicialmente empregar para consumar o crime. Ex.: “A” com dolo de matar almeja disparar cinco tiros contra “B”, mas após efetuar dois disparos, é interrompido por “C”, sendo que a vítima é socorrida e sobrevive. • Tentativa branca (incruenta) – o agente não consegue atingir o objeto material (a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta). É preciso pesquisar o dolo do agente para determinar-se o crime tentado. • Tentativa cruenta – o agente consegue atingir o objeto material, mas não consuma o delito pretendido. d) Hipóteses em que não se admitem tentativa • Nos crimes culposos, não há tentativa, pois não há vontade dirigida à finalidade a causar o resultado lesivo. A tentativa é instituto exclusivo dos delitos dolosos. Contundo, convém atentar para a chamada culpa imprópria, incidente no erro de fato vencível (art. 36, § 1º, CPM), onde o sujeito, embora agindo dolosamente, é punido a título de culpa, em virtude de sua falsa representação da realidade. • Nos crimes preterdolosos, há dolo na conduta antecedente e o resultado agravador advém de culpa, logo não há o que se falar em tentativa (lesão corporal seguida de morte – artigo 209, § 3º, CPM). • Nos crimes unissubsistentes, não havendo fracionamento do Inter Criminis, não há possibilidade de tentativa, pois o crime se realiza num único ato (injuria verbal – artigo 216, CPM). • Nos crimes omissivos próprios, a simples omissão já configura a consumação. Se o sujeito pratica o comportamento previsto no comando da lei, não pratica fato típico (descumprimento de missão – art. 196, CPM). • Nos crimes de atentado ou de empreendimento, o comportamento típico já inclui diretamente a tentativa, que é punida com a mesma pena da modalidade consumada (tentar evadir-se mediante violência contra a pessoa – art. 180, CPM). • Nos crimes Habituais, segundo o entendimento majoritário, não cabe tentativa, porque o crime se aperfeiçoa com a reiteração da conduta, que considerada de forma isolada, é um irrelevante penal. e) Aplicação da pena na tentativa

De acordo com o parágrafo único do artigo 30 do Código Castrense, “pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime, diminuída de um a dois terços, podendo o juiz, no caso de excepcional gravidade, aplicar a pena do crime consumado”. Conforme se depreende do dispositivo acima, adotou-se a teoria objetiva temperada (ou matizada), pois o Código prevê a causa de diminuição de pena para o crime tentado. Todavia, diferentemente do Código Penal Comum, o estatuo repressivo militar adota também a teoria subjetiva, autorizando o juiz, no caso de excepcional gravidade, a aplicar a pena da figura típica consumada ao crime tentado.

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f) “Tentativa” qualificada – desistência voluntária e arrependimento eficaz

Dispõe o artigo 31, do CPM que o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir

na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados”.

• Na desistência voluntária (tentativa abandonada ou “ponte de ouro”), é necessário que o agente já tenha ingressado nos atos de execução e, sem esgotar todos os meios que tinha à disposição para consumar o crime (quadro de tentativa imperfeita), desista voluntariamente de prosseguir com a ação. O sujeito não deseja mais o crime, pois mudou de proposito.

Ex.: “A”, com animus necandi, pretende disparar cinco tiros contra “B”. Após efetuar o primeiro disparo, fica sensibilizado com os pedidos de clemencia da vítima e interrompe a execução, não efetuando os demais disparos que pretendia fazer. Não ocorrendo o resultado morte, o sujeito não responde pela tentativa de homicídio, mas somente pelas lesões corporais.

• No arrependimento eficaz, depois de esgotar todos os meios executórios de que pretendia utilizar para chegar à consumação da infração penal (quadro de tentativa perfeita), o sujeito arrepende-se e atua em sentido contrário, evitando a produção do resultado por ele pretendido inicialmente.

Ex.: após uma intensa discussão, “A” lança “B” ao mar, para que esse morra afogado, eis que não sabe nadar. Pouco depois, arrependido, “A” resolve salvar a vítima, atirando-lhe um salva-vidas. Se a vítima sofrer alguma lesão corporal, está será atribuída ao agente, que não responde pela tentativa de homicídio. A diferença entre a desistência voluntária e o arrependimento eficaz está em que, na primeira, o processo de execução ainda está curso (o agente está diante de uma situação de tentativa imperfeita) e, no segundo, a fase de execução já foi encerrada (quadro de tentativa perfeita).

Na desistência voluntária, há uma omissão, pois, o agente deixa de prosseguir na execução. No arrependimento eficaz, há uma ação, já que, esgotada a execução, o sujeito age para impedir o resultado. Em ambos os casos, se houver a produção do resultado, o sujeito não será beneficiado pelos institutos acima, mas responderá pelo crime consumado.

Mesmo tendo desistido de prosseguir na ação, sua conduta foi apta a produzir o resultado. Mesmo havendo arrependimento e ação no sentido de impedir o resultado, a conduta não foi eficaz. Contudo, essas circunstâncias serão relevantes na análise da culpabilidade, no momento da aplicação da pena-base.

g)Arrependimento posterior

O Código castrense não contempla o arrependimento posterior como causa obrigatória de redução de pena. Diferentemente do previsto no artigo 16 do Código Penal Comum, não há previsão de diminuição de pena de um a dois terços, pela restituição da coisa ou reparação do dano por ato voluntário do agente antes do recebimento da inicial acusatória.

Registre-se que a reparação do dano é elencada no artigo 72, III, “b”, do CPM no rol de circunstâncias atenuantes, podendo beneficiar o agente se realizada antes do julgamento.

Na parte especial do Código Penal Militar, há previsão de diminuição de pena de um a dois terços, no caso de furto (art. 240, § 2º, CPM), se o acusado é primário e restitui a coisa ou repara o dano voluntariamente, antes de iniciada a ação penal. O mesmo benefício se repete

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para os crimes de apropriação indébita (art. 250, CPM), estelionato (art. 253, CPM), receptação (art. 254, CPM) e dano (art. 260, CPM).

No peculato culposo, extingue-se a punibilidade se a reparação do dano precede a sentença irrecorrível. A pena é reduzida da metade, se a reparação é posterior ao transito em julgado (art. 303, § 4º, CPM). O mesmo benefício se repete no Código Penal Comum (art. 312, § 3º, CP).

h) Crime impossível (tentativa inidônea ou inadequada ou quase-crime)

Estatui o artigo 32 do CPM, “quando, por ineficácia absoluta do meio empregado ou

por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime, nenhuma pena é aplicável”. Na mesma linha do Código Penal Comum, o Código castrense adotou a teoria Objetiva temperada, que afasta a punibilidade da tentativa somente quando houver ineficácia absoluta do meio empregado ou absoluta impropriedade do objeto. Se os meios são relativamente ineficazes e os objetos são relativamente impróprios, há alguma possibilidade de o agente alcançar o resultado pretendido, portanto, pune-se a tentativa.

• Se meio é todo recurso empregado pelo agente capaz de conduzi-lo ao à produção do resultado pretendido, absolutamente ineficaz é aquele meio que não possui a mínima aptidão para produzir os efeitos pretendidos, como, por exemplo, um revólver sem munição ou com munição já detonada, bem como uma falsificação grosseira destinada à obtenção de vantagem ilícita. • Objeto é a pessoa ou coisa contra a qual se dirige a conduta do agente. Se o objeto é absolutamente impróprio, o resultado jamais será alcançado, como, por exemplo, no caso de se atirar num cadáver ou na ingestão de substância abortiva sem haver gravidez em curso. Outro tema que merece lembrança é a hipótese de crime impossível em virtude de flagrante preparado. (Provocado).

Na esteira militar aplica-se o enunciado da súmula 145, STF: “não há crime, quando a preparação pelo flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação. O flagrante preparado ocorre quando alguém (agente provocador), de forma insidiosa, provoca o sujeito ativo à pratica de um crime e, ao mesmo tempo, adota providências a fim de que o mesmo não venha não venha a se consumar.

i) Pena agravada pelo resultado

O Código Penal Militar consagrou o princípio da culpabilidade (nullum crimen sine

culpa), ao prever que ninguém pode ser punido por um resultado mais grave se não o tiver causado pelo menos a título de culpa. Dispõe o artigo 34 do Código Castrense que “pelos resultados que agravam especialmente as penas só responde o agente quando os houver causado, pelo menos, culposamente”. A doutrina desenvolve o tema do crime qualificado pelo resultado, apontando as hipóteses de tipificação complexa, que podem ser:

• Crimes de dupla tipicidade dolosa (dolo + dolo) – há dolo na conduta antecedente

e na ocorrência do resultado agravador (lesões corporais qualificadas – art. 209, §§ 1º e 2º, CPM).

• Crimes preterdolosos (dolo + culpa) – a ação é, ao mesmo tempo típica de rime doloso, em razão de sua finalidade, e de um tipo culposo, em face da violação de um dever de cuidado. O resultado vai além da intenção do agente. Há dolo na conduta antecedente e culpa na consequente (lesão corporal seguida de morte – art. 209, § 3º, CPM e na rixa qualificada – artigo 211, p. único, CPM).

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• Crime de dupla tipicidade culposa (culpa + culpa) – há culpa na conduta antecedente e no resultado agravador (incêndio culposo – crime de perigo comum – com resultado lesão corporal ou morte – art. 269 § 2º c/c art. 277, parte final, ambos do CPM) 3. Ilicitude (antijuridicidade) 3.1 Conceito

Ilicitude é a relação de contrariedade entre o fato humano e as exigências do ordenamento jurídico em sentido amplo, representando uma lesão ou ameaça de lesão a bens jurídicos protegidos. Em regra, verificada a ocorrência de um fato típico, há um juízo condicionado de ilicitude, que se confirmará se não houver incidência de nenhuma das causas de justificação previstas no ordenamento jurídico. 3.2 Causas de Exclusão da ilicitude (descriminantes, justificativas ou causas de

justificação) a)Espécies de causas de exclusão da ilicitude

O Código Penal Militar apresenta um rol meramente enumerativo de excludentes de ilicitude. Cediço que a lista de causas de justificação não pode ser exaustiva, pois não se trata de questão exclusiva da esfera penal, mas do ordenamento jurídico. De acordo com o artigo 42 do estatuto penal militar, não há crime quando o agente pratica o fato em: • estado de necessidade;• legítima defesa; • estrito cumprimento do dever legal;• exercício regular de direito

No parágrafo único do referido artigo, há uma causa de justificação exclusiva do comandante de navio, aeronave ou praça de guerra, que na iminência de perigo ou grave calamidade, compele os subalternos, por meios violentos, a executar serviços e manobras urgentes, para salvar a unidade ou vidas, ou evitar o desânimo, a desordem, a rendição, a revolta ou o saque.

Importante registrar que o consentimento do ofendido não encontra aplicação na esfera penal militar, diferentemente do que ocorre no Direito Penal comum, onde é reconhecido pela doutrina como causa supralegal de exclusão da ilicitude. A razão é simples, os bens jurídicos tutelados no regime castrense são indisponíveis (hierarquia, disciplina, bom funcionamento das instituições militares), daí porque a ação penal é sempre pública, conforme reza o artigo 121, do CPM. 3.3 Estado de necessidade justificante

Considera-se em estado de necessidade quem pratica um fato típico sacrificando um bem jurídico, para salvar de perigo atual direito próprio ou de terceiro, cujo sacrifício nas circunstâncias não era razoável existir. SE HÁ DOIS BENS EM PERIGO DE LESÃO, o Estado permite que seja sacrificado um deles, pois, diante do caso concreto, a tutela não pode salvaguardar a ambos.

Estado de necessidade, como excludente do crime

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Art. 43. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para preservar direito seu ou alheio, de perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, desde que o mal causado, por sua natureza e importância, é consideràvelmente inferior ao mal evitado, e o agente não era legalmente obrigado a arrostar o perigo.

a)Requisitos do estado de necessidade - O perigo deve ser atual – não abrange perigo iminente. Perigo iminente é perigo do perigo, situação distante para permitir sacrifício de bem jurídico alheio. Obs. o perigo não tem destinatário certo. - Que a situação do perigo não tenha sido causado voluntariamente – prevalece que não pode alegar Estado de Necessidade o causador doloso do perigo ( o culposo pode). - Não podia de outro modo evitar (inevitabilidade do comportamento lesivo) – é preciso que o único meio para salvar o direito em perigo seja sacrificando bem jurídico. Se há possibilidade de evitar o perigo sem sacrificar bem jurídico não há que se falar em estado de necessidade Ex. fuga. - Salvar direito próprio ou alheio- E.N próprio e o E.N. de terceiro. - Proporcionalidade entre bem protegido e bem sacrificado – Se for desproporcional responderá pelo crime com redução de pena. - Não pode alegar E.N. quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo – Num incêndio o primeiro a sair correndo é o bombeiro, não pode, ele tem que enfrentar o fogo enquanto o fogo comportar enfrentamento. Ex.: Navio afundando em que há apenas uma tábua para se salvar e um toma esta tábua do outro, que vem a morrer.

Estado de necessidade, com excludente de culpabilidade

Art. 39. Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe era razoàvelmente exigível conduta diversa.

Vale ressaltear que o estado de necessidade exculpante (art. 39, CPM), somente autoriza agir em estado de necessidade de terceiros quando o sujeito estiver a ele “ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição”. Lembrando que é uma previsão legal que existe apenas no direito penal militar e que exclui a culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa.

3.3 Legítima defesa a)Conceito Nos exatos termos do artigo 44 do Código Penal Militar, “entende-se em legitima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. De acordo com a doutrina, a legitima defesa traduz-se na possibilidade de reação direta do sujeito em defesa de um direito próprio ou de terceiro, em face da impossibilidade de intervenção tempestiva do Estado, que tem igualmente por fim que interesses dignos de tutela não sejam afetados.

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b)Requisitos da legítima defesa -Agressão injusta - é a conduta humana que ataca ou coloca em perigo bens jurídicos de alguém. Obs. Ataque de um animal é EN ou LD? -Atual ou iminente- agressão atual é a presente, já a iminente está prestes a ocorrer. Obs. Reação contra agressão passada é vingança. Obs. Agir para evitar agressão futura e incerta não configura LD, é mera suposição. -A direito seu ou de outrem- Legítima defesa própria ou de terceiro. Obs. O direito protegido pode ser a vida, a saúde corporal, a honra, o patrimônio, etc. -Uso moderado dos meios necessários – Por meio necessário entende-se o menos lesivo dentre os meios a disposição do agredido, porém capaz de repelir a injusta agressão. Uso moderado atira no chão, na perna, caso não seja suficiente atira no tórax. Obs.: Matar alguém que esteja oferecendo risco iminente a vida de outrem se enquadra aqui como legítima defesa de outrem, entretanto “não se lava honra com sangue alheio” somente. c)Diferença do estado de necessidade e legítima defesa ESTADO DE NECESSIDADE

LEGÍTIMA DEFESA

Há conflito entre vários bens jurídicos diante de uma situação de perigo.

Há ameaça ou ataque a um bem jurídico.

O perigo decorre de fato humano, animal ou da natureza.

Trata-se de agressão injusta humana.

O perigo não tem destinatário certo

Tem destinatário certo

Os interesses em conflito são legítimos. Por isso que é possível estado de necessidade X estado de necessidade. ex. dois náufragos brigando por um colete salva vidas

O interesse do agressor é ilegítimo. Por isso que não é possível a legitima defesa contra a legitima defesa, pois o interesse de um deles inicialmente é ilegítima.

3.4 Estrito cumprimento de dever legal a)Conceito

De acordo com o artigo 42, III, CPM, “não há crime quando alguém pratica os atos estritamente necessários para o cumprimento de um dever previsto em norma jurídica”. Conforme entendimento da doutrina, o estrito cumprimento do dever legal, em regra, abrange o dever de intervenção dos agentes públicos na esfera particular com o fito de garantir o cumprimento da lei ou de ordens de superiores do poder público, o que autoriza a realização justificada de algumas condutas típicas (coação, privação da liberdade, violação de domicílio, lesão corporal). Dever legal é aquele previsto em norma jurídica de caráter geral, penal ou extrapenal, incluindo normas jurídico-administrativas (decretos, portarias, regulamentos). Não

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se confunde com dever social, moral ou religioso. Além disso, a ação justificada deve ser realizada obedecendo estritamente às condições objetivas a que esteja subordinada, nos termos vinculados pela disposição legal. Exige-se, ainda, a orientação de ânimo do agente (elemento subjetivo) que envolve a consciência do dever imposto pela norma legal e a vontade de cumpri-lo.

Na esfera militar, merece especial atenção o cumprimento do dever militar referente à segurança de área militar. Nessa linha, já decidiu o Superior Tribunal Militar que “não caracteriza constrangimento ilegal o ato de oficial militar que, em estrito cumprimento do dever legal, adverte civis que invadem área proibida, durante uma festividade.

3.5 Exercício regular de direito

a)Conceito

Dispõe também o artigo 42, CPM que “não há crime quando o agente pratica o fato em exercício regular de direito”. Nessa causa de justificação, o sujeito usufrui de uma faculdade conferida pelo ordenamento jurídico, desempenhando uma atividade ou realizando uma conduta autorizada.

O exercício regular de um direito compreende ações do cidadão comum autorizadas pela existência de direito definido em lei e condicionadas à regularidade do exercício desse direito. Ex.: flagrante facultativo (art. 301, CPP “qualquer um do povo poderá prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”), castigo familiar (educação, exercício do poder familiar, observar limites da lei da palmada), violência desportiva (lutas livres, boxe), brinco. Obs.: O Exercício regular de direito é complementado por lei, está dirá quais são os direitos permissivos. Obs.: O ofendículo quando instalado está no exercício regular de um direito, já quando ele é ativado para a proteção do patrimônio o proprietário está amparado pela excludente de legítima defesa. Os Tribunais tem entendimento que ofendículo oculto não exclui a ilicitude. Ex. fazer armadilhas com disparo de arma de fogo. 3.6 Excludente de ilicitude do comandante (art. 42, p. único, CPM)

Em algumas situações excepcionais, na iminência ou perigo de calamidade, o comandante de navio, aeronave ou praça de guerra é autorizado a constranger, por meios violentos, seus subalternos a executarem serviços ou manobras urgentes, de modo a salvar a unidade ou vidas, ou evitar o desânimo, o terror, a desordem, a rendição, a revolta ou o saque.

Há uma combinação de estado de necessidade com estrito cumprimento do dever legal,

uma vez que o comandante é legalmente obrigado, em situação de perigo, a empregar todos os meios seu alcance para evitar a perda, destruição ou inutilização de instalações militares, navio aeronave ou engenho de guerra motomecanizado.

Em ocasião de incêndio, naufrágio, encalhe, colisão, ou outro perigo semelhante, o

comandante é obrigado a tomar as providências adequadas para salvar seus comandados e minorar as consequências do sinistro, devendo ser o ultimo a sair de bordo ou a deixar a

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aeronave ou quartel ou sede militar sobre seu comando. Se assim não fizer, incorrerá no delito previsto no artigo 200, CPM.

3.7 Excesso nas causas de justificação a)Excesso culposo

A ação justificada deve ater-se aos limites impostos pela lei, quanto à sua intensidade e à sua extensão. Conforme assenta o artigo 45, CPM, o agente que, em qualquer dos casos de exclusão de crime, excede culposamente os limites da necessidade, responde pelo fato, se este é punível, a titulo de culpa.

Há excesso culposo em sentido estrito quando o sujeito, em função de sua má avaliação da situação fática, atua com uma intensidade além do necessário para afastar o perigo, defender-se de injusta agressão, cumprir um dever ou exercitar um direito. Nesse contexto, o chamado excesso intensivo ocorre quando o agente, durante a ação justificada, podendo fazê-lo de forma menos lesiva, intensifica-a de forma imoderada.

Parte do pressuposto de que a agressão e o perigo são atuais, mas a ação defensiva poderia e deveria ter sido menos gravosa, mas o sujeito, por medo, susto ou consternação, acaba excedendo-se na medida requerida para a defesa. Portanto, o excesso se refere à espécie dos meios empregados ou ao grau de sua utilização.

Também pode haver o excesso culposo por erro de fato vencível, quando o agente, em função de sua má avaliação dos fatos, não consegue identificar o limite da causa de justificação, ou seja, o momento em que cessa a situação de perigo ou a injusta agressão. Assim, acreditando que ainda está sob o manto da causa de justificação, o sujeito dá continuidade à sua ação, ocorrendo em excesso extensivo.

Nesse caso, responde pelo fato, se este é punível a título de culpa. Por exemplo, após fazer cessar a injusta agressão, o agente dá continuidade à repulsa, quando essa já não é mais necessária, por não estarem mais presentes os pressupostos da legitima defesa.

b) Excesso exculpante ou escusável

Diferentemente do Código Penal comum, o Código castrense prevê de forma

expressa o excesso exculpante, que não é punível quando resulta de escusável surpresa ou perturbação de ânimo, em face da situação (art. 45, p. único, CPM).

Enquanto no Direito Penal comum, o excesso escusável é reconhecido pela doutrina como causa supralegal, o Direito Penal Militar o trata como causa legal de exclusão da culpabilidade do agente por inexigibilidade de conduta diversa.

A perturbação psíquica decorrente do pavor experimentado no caso concreto pelo sujeito durante a situação de perigo ou agressão suprime-lhe a capacidade de avaliar perfeitamente a intensidade de sua reação. Assim, não há que se falar em resposta excessiva em razão de uma postura dolosa ou culposa, mas sim decorrente de perturbação emocional do agredido ou necessitado, daí não se poder exigir do agente conduta diversa.

Nem todo excesso intensivo é exculpante. É necessário que as circunstancias do caso concreto evidenciem que a perturbação psíquica retirou do sujeito a possibilidade de avaliar corretamente a intensidade de sua reação defensiva. Afastada essa situação peculiar, responde pelo excesso culposo.

c) Excesso doloso

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Há duas modalidades de excesso doloso: em sentido estrito e decorrente de erro de direito. O excesso doloso em sentido estrito ocorre quando o agente, após iniciar sua conduta conforme o direito, conscientemente e voluntariamente extrapola os limites de sua atuação, desejando o resultado ilícito. Sabendo que não podia prosseguir, por não ser mais necessário, voluntariamente, o sujeito da continuidade. Em consequência deve responder pelo resultado antijurídico decorrente do seu excesso intencional. O excesso doloso decorrente de erro de direito acontece quando, após iniciada a ação justificada, em virtude de erro de interpretação da lei quanto aos limites da causa de justificação, o sujeito acredita que pode prosseguir albergado pela excludente. É somente nessa situação de erro de direito que se aplica o artigo 46 do Código Penal Militar, que dispõe que o juiz pode atenuar a pena ainda quando punível o fato por excesso doloso. Nesse caso o agente responde pelo resultado a título de dolo, sendo facultada ao juiz aplicação de atenuante. 3.8 Elementos não constitutivos do crime (art. 47, CPM)

Considerando que a hierarquia e a disciplina são fundamentos da instituição militar, em alguns crimes propriamente militares, a confrontação entre superiores e subordinados é importante tanto para sua tipificação quanto para a aplicação da pena.

Em alguns crimes contra a autoridade ou disciplina militar (ex.: art. 157, 158, 168, 174, 175 e 176, CPM) é necessária a consciência dessa condição pessoal do sujeito passivo para a caracterização do delito.

Por óbvio, deixam de ser elementos constitutivos do crime a qualidade de superior ou a de inferior, quando não conhecida do agente (art. 47, I, CPM). Nesse caso, pode haver, desclassificação do crime de violência contra superior para lesões corporais (art. 209, CPM). Já na hipótese do artigo 47, II, CPM embora sabendo da condição pessoal, o militar reage a uma injusta agressão. Não cometerá crime, pois se encontra em legítima defesa. Todavia, se houver excesso, será responsabilizado na forma dos artigos 45 (culposo) e 46 (doloso), do Código Penal Militar, desconsiderando-se como elementos do crime a qualidade de superior ou a de inferior, a de oficial de dia, de serviço ou de quarto, ou a de sentinela, vigia ou plantão.

4.0. Culpabilidade 4.1 Conceito

A Culpabilidade passa a ser juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente. Por encerrar um juízo individual, todos os fatores, internos e externos, devem ser considerados a fim de se apurar se o agente, nas circunstâncias em que se encontrava, podia submeter-se às determinações e proibições do Direito. Na visão finalista, os elementos da culpabilidade são: a imputabilidade penal; a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. 4.2 Imputabilidade (Capacidade de Culpabilidade) a) Conceito

A imputabilidade é a aptidão psíquica do agente em relação à compreensão do ilícito e à capacidade de determinar seu comportamento. Configura o conjunto das condições de maturidade e sanidade mental que permitem ao agente conhecer o caráter ilícito de seu ato e

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determinar-se de acordo com este entendimento. Por ter plena capacidade de entender e querer, o imputável responde por seus atos, sendo dotado de responsabilidade criminal. A imputabilidade penal desdobra-se em dois aspectos: • Cognoscitivo (intelectivo), que é a capacidade genérica de compreender as proibições ou determinações jurídicas, levando a que o agente possa prever as repercussões de sua conduta no mundo social. • Volitivo (determinação da vontade), evidenciando na capacidade de dirigir a sua conduta de acordo com o entendimento ético-jurídico. O sujeito deve ter condições de valorar o motivo e o valor inibitório da ameaça penal e atuar de acordo com essa compreensão. b) Causas de exclusão da imputabilidade (causas de inimputabilidade) b.1) inimputabilidade por alienação mental (art. 48, CPM)

O artigo 48, do Código Penal Militar estatui “não é imputável quem, no momento da ação ou omissão, não possui a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento, em virtude de doença mental, de desenvolvimento mental incompleto ou retardado.

À semelhança do Código Penal comum, adotou-se na esfera militar o Critério (sistema) Biopsicológico ou misto, que atende tanto às causas biológicas que produzem a imputabilidade como às suas consequências na esfera psicológica do agente.

A imputabilidade caracteriza-se pela combinação de dois elementos: presença de anomalias mentais e a completa incapacidade de entendimento e determinação. O Código Penal Militar adota o sistema vicariante em caso de inimputabilidade por alienação mental, devendo o juiz aplicar medida de segurança em lugar de pena, sendo-lhe vedada a imposição simultânea ou concorrente das duas respostas penais. Assim, o inimputável que apresenta periculosidade submete-se ao disposto no artigo 112, CPM: “quando o agente é inimputável (art. 48), mas suas condições pessoais e o fato praticado revelam que ele oferece perigo à incolumidade alheia, o juiz determina sua internação em manicômio judicial”.

Todavia, se a doença ou deficiência mental não suprime, mas diminui consideravelmente a capacidade de entendimento da ilicitude do fato ou a de autodeterminação, não fica excluída a imputabilidade, porém a pena pode ser atenuada.

Trata-se de uma redução da reprovação penal, que deve ser proporcional à capacidade de culpabilidade. Assim constatada tal circunstância o juiz deve atenuar a pena, devendo-se interpretar a expressão “pode” à luz das frações previstas no artigo 73, CPM, que dispõe quando a lei determina a agravação ou atenuação da pena sem mencionar o quantum, deve o juiz fixa-lo entre um quinto (1/5) e um terço (1/3), guardados os limites da pena cominada ao crime.

Ademais, se o juiz verificar que o semi -imputável necessita de tratamento curativo, deve aplicar o parágrafo único do artigo 48 do CPM, em homenagem ao sistema vicariante, substituindo a pena já atenuada por medida de segurança de internação em estabelecimento psiquiátrico.

b.2) inimputabilidade por embriaguez acidental completa (art. 49, CPM)

Nos termos do artigo 49 do Código Penal Militar, “não é igualmente imputável o agente que, por embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. Embriaguez é o distúrbio físico-mental (perturbação psicológica) resultante de intoxicação por álcool ou substância de efeito análogo, que afeta o sistema nervoso central como depressivo ou narcótico.

A causa de inimputabilidade exige que a embriaguez seja involuntária. Quando decorrente de caso fortuito (imprevisibilidade – evento do acaso), o sujeito desconhece o

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efeito inebriante da substância, que associada a sua particular condição fisiológica, causa estado de embriaguez.

Na segunda hipótese, a embriaguez é decorrente de força maior quando alguém é coagido física ou moralmente por outrem (ação humana) a ingerir bebida alcoólica ou substância de efeitos análogos. Além disso, para que seja excluída a imputabilidade penal, exige-se que a embriaguez seja completa, suficiente para provocar a incapacidade total de entendimento e determinação.

Caso a incapacidade seja apenas relativa, haverá causa de redução de pena. Conforme disposto no paragrafo único do artigo 49, CPM, a “pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou omissão, a plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

Cumpre registrar, ainda, que o Código Castrense, assim como o Código Penal Comum, adota a teoria da “actio libera in causa” (ação livre na causa), segundo a qual é imputável ao sujeito que, em estado de embriaguez, é causador, por ação ou omissão de um resultado punível, desde que se tenha colocado naquele estado de embriaguez de forma voluntária ou culposa. A aferição da imputabilidade é transferida para o momento anterior ao do estado de embriaguez e não no momento da prática delitiva. Há três situações que caracterizam a aplicação da teoria da Actio Libera in Causa:

• Embriaguez voluntária em sentido estrito: o estado de embriaguez é desejado pelo sujeito, que faz a ingestão da substância com a finalidade de embriagar-se, sem necessariamente haver intenção de praticar crimes.

• Embriaguez Preordenada: voluntariamente o sujeito coloca-se em estado de embriaguez a fim de praticar infrações penais.

• Embriaguez Culposa: o estado de embriaguez, apesar de não ser desejado, é previsível pelo sujeito, pois este, sem observar o dever de cuidado, ingere álcool em quantidade suficiente para coloca-lo naquele estado.

O tema tem relevância, pois o Código Penal Militar trata a embriaguez não acidental do militar sempre como circunstância agravante (art. 70, II, “c”, CPM). Se o agente for civil, a pena será agravada somente no caso de embriaguez preordenada, conforme ressalva do parágrafo único do mesmo artigo 70, CPM.

Por fim, atente-se para o fato de que, no Código Castrense, a embriaguez em serviço é tipificada como crime contra o dever militar (art. 202, CPM). O tipo penal descreve duas condutas voluntárias: embriagar-se o militar estando de serviço ou apresentar-se para prestar o serviço embriagado. Note-se que não basta a simples ingestão de bebida alcoólica ou substâncias de efeitos análogos, sendo necessária a comprovação efetiva do estado de embriaguez, em regra, através de perícia de dosagem alcoólica ou, na falta dessa, de outra prova idônea, de acordo com o conjunto probatório. b.3) inimputabilidade por menoridade (art. 228, CF)

A Constituição da República adota a presunção absoluta de imputabilidade do menor de 18 anos, sujeitando-o às normas da legislação especial. O legislador constitucional acolheu o critério biológico puro, por questões de política criminal, para presumir a inimputabilidade dos menores de 18 anos. Somente por meio de um procedimento qualificado de emenda à Constituição, a menoridade penal pode ser reduzida, não cabendo ao legislador ordinário alterar tal critério.

O menor de dezoito anos fica sujeito às disposições específicas do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), respondendo pela prática de ato infracional e submetendo-se às medidas de proteção e medidas socioeducativas. Assim, as ressalvas e equiparações dos artigos 50 a 52 do Código Penal Militar não foram recepcionadas pela atual ordem

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constitucional. De outro lado, na esfera penal, considera-se que o sujeito com idade entre 18 e 21 anos ainda não completou sua formação psicológica e, apesar de imputável, merece menor reprovação, o que se traduz na atenuação da pena (art. 72, I, 1ª parte, CPM) e redução do prazo prescricional pela metade (art. 129, CPM). b.4) Emoção e paixão

Segundo a doutrina, a emoção é um sentimento intenso e passageiro que altera o estado psicológico do indivíduo (angustia, medo, vingança, tristeza).

Já a paixão é considerada uma emoção-sentimento, ou seja, uma ideia permanente ou crônica por algo (cupidez, amor, ódio, ciúme). O Código Penal Militar adota o critério puramente psicológico. Portanto, os estados emotivos ou passionais não excluem a imputabilidade, salvo quando patológicos (art. 48, caput, CPM).

Todavia, em certas circunstâncias, a emoção pode caracterizar circunstância atenuante (art. 72, III, “c”, CPM “cometido o crime sob a influência de violenta emoção...”) ou causa de diminuição de pena de 1/6 a 1/3 (artigo 205, §1º, CPM – Homicídio privilegiado e artigo 209, §9º, CPM – Lesão corporal privilegiada: “sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima”). 4.3 Potencial consciência da ilicitude a) Conceito

A consciência da ilicitude é a capacidade que o agente de uma conduta proibida tem, na situação concreta, de apreender a ilicitude de seu comportamento. Trata-se de uma consciência profana do injusto, constituída do conhecimento da antisocialidade, da imoralidade ou lesividade de sua conduta, a partir das normas de cultura, dos princípios morais e éticos, dos conhecimentos adquiridos na vida em sociedade No Direito Penal Militar, a consciência da ilicitude não precisar ser real, sendo bastante a possibilidade que o agente apresentava, no caso concreto, de alcançar este conhecimento (potencial consciência).

b) Erro de direito

A consciência da ilicitude é adotada no Código Castrense de forma diversa do Código Penal Comum, já que sua disciplina envolve o chamado Erro de Direito, previsto no artigo 35 do CPM, que determina que a “pena pode ser atenuada ou substituída por outra menos grave quando o agente, salvo em tratando de crime que atente contra o dever militar, supõe lícito o fato, por ignorância ou erro de interpretação da lei, se escusável”.

Erro é a falsa representação da realidade ou o falso ou equivocado conhecimento de um objeto. Já a ignorância é a falta de representação da realidade ou o desconhecimento total do objeto. Percebe-se que, ao definir o erro de direito, o Código Penal Militar dá igual tratamento à ignorância da lei (falta de conhecimento – aspecto negativo) e ao erro de interpretação da lei (falsa representação da realidade – aspecto positivo).

No erro de direito, o autor tem domínio da situação fática, pois sabe o que está fazendo, mas não tem consciência de que aquele comportamento é reprovável do ponto de vista penal. O sujeito, ao praticar o fato, supõe-no lícito porque ignora a norma ou porque, apesar de conhece-la, interpreta-a de forma equivocada.

O erro de direito do CPM é semelhante ao erro de proibição do Código Penal (art. 21, CP), pois também recai sobre a consciência da ilicitude, já que o sujeito “supõe lícito o fato”. Por exemplo, o agente invade um compartimento não aberto ao público onde alguém exerce profissão, pensando que não se trata de domicílio (por equívoco na interpretação do termo casa) – art. 226, § 4º, III, CPM.

Diferentemente do Código Penal Comum, o Código Penal Militar não isenta de pena o agente que supõe lícito o fato por ignorância ou por erro de direito escusáveis. Nesse caso, a

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pena pode ser atenuada de 1/5 a 1/3, à luz do artigo 73, CPM, ou substituída por outra menos grave, como, por exemplo, de reclusão por detenção. Todavia, não se pode alegar erro de direito em se tratando de crime que atente contra o dever militar, porque nesse caso o agente tem a obrigação de conhecer a norma castrense e interpreta-la corretamente. Os crimes contra o dever militar estão elencados entre os artigos 187 e 204 do CPM.

c) Erro de fato

De outro lado o artigo 36 do Código Penal Militar dispõe acerca do erro de fato, afirmando que é “isento de pena quem, ao praticar o crime, supõe, por erro plenamente escusável, a inexistência de circunstância de fato que o constitui ou existência de situação de fato que tornaria a ação legitima”.

O erro de fato do estatuto penal castrense não se confunde com o erro de tipo do Código Penal comum, que é mais amplo, pois recai não só sobre os elementos fático-descritivos do tipo, como também sobre os elementos jurídico-normativos. O erro de tipo do caput do artigo 20 do Código Penal incide sobre as elementares ou qualquer outro dado que se agregue a determinada figura típica, por isso sempre exclui o dolo, seja evitável ou não, por que nele a vontade é baseada na premissa inidônea à luz do tipo penal.

Já o erro de fato do Direito Penal Militar, o sujeito equivoca-se quanto a algum elemento do plano fático, pois, ao praticar o crime, supõe a inexistência de circunstância de fato que o constitui. Por exemplo, o agente subtrai a mochila de um colega de farda, supondo-a própria por ser idêntica à sua mochila (situação fática).

Interessante notar que o estatuto repressivo castrense insere no mesmo dispositivo o erro sobre descriminante putativa (supõe a existência de situação de fato que tornaria a ação legítima), conferindo-lhe o mesmo regramento do erro de fato sobre o elemento constitutivo do tipo. Por exemplo, um soldado de serviço de sentinela, acreditando tratar-se de uma invasão ao quartel, mata um civil que, fugindo de um assalto, correra em direção à área militar em busca de abrigo.

Na hipótese de erro de fato invencível ou plenamente escusável, o agente não tinha como evitá-lo, nas circunstâncias em que se encontrava, mesmo tomando todas as cautelas necessária. Assim qualquer pessoa naquela mesma situação teria incorrido naquele erro. A solução adotada pelo Código Castrense nesse caso é distinta daquela apresentada no Código Comum: o agente é isento de pena.

De outra sorte, se o erro de fato é vencível ou inescusável, quando verificado que o agente, se tivesse atuado com diligência exigida, teria evitado o erro. Embora não seja isento de pena, há um tratamento mais brando, pois, o fato poderá ser-lhe atribuído a titulo de culpa se houver previsão legal de modalidade culposa.

É assim que o Código Penal Militar define a hipótese de erro de fato culposo, em seu artigo 36, §1º: “se o erro deriva de culpa a este titulo responde o agente, se o fato for punível como crime culposo”. A doutrina fala em culpa imprópria ou culpa por assimilação nessa situação em que o agente, em virtude de erro evitável pelas circunstâncias, realiza voluntariamente a conduta típica, mas responde como se tivesse praticado um delito culposo.

d) Erro determinado por terceiro

De acordo com o § 2º do artigo 36, CPM, “se o erro é provocado por terceiro, responderá este pelo crime, a titulo de dolo ou culpa, conforme o caso”. Se o terceiro determina o erro dolosamente, deve-se verificar se o agente incidiu em erro escusável ou inescusável. Na primeira hipótese, haverá autoria mediata, pois, o terceiro utiliza o instrumento inculpável (isento de pena) para realização material do delito. Por exemplo, um oficial medico ordena que ao enfermeiro que injete determinado “remédio” no paciente, o que é feito prontamente. O paciente vem a falecer, eis que, de fato, se tratava de poderoso veneno.

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No caso de erro inescusável, ter-se-á um caso de autoria colateral heteróloga, pois aquele que terminou o erro dolosamente responderá pelo erro dolosamente responderá por crime doloso, enquanto que o sujeito que praticou o fato induzido a erro culposo, responderá a título de culpa, se houver previsão legal. Como exemplo, um soldado desafia um colega míope a mostrar sua boa pontaria disparando sua arma em direção a um “tronco”, que na verdade era outro militar, o qual vem a falecer em virtude do ferimento.

O soldado que determinou o erro responde por homicídio doloso, enquanto que o que disparou a arma responde por homicídio culposo. Se o terceiro determina o erro culposamente, responde a título de culpa, sem prejuízo de se verificar se o agente incorreu em erro escusável (isento de pena) ou inescusável (culpa imprópria).

d)Erros Acidentais

O erro acidental não isenta de pena, pois não faz o agente julgar licita a ação criminosa. O sujeito atua com consciência da antijuridicidade de seu comportamento, mas apenas se equivoca quanto a um elemento não essencial do fato ou erra no seu movimento de execução. Há três modalidades de erro acidental previstas no artigo 37 do Código Penal Militar:

• Erro sobre a pessoa (erro in personam) • Erro na execução (aberratio ictus) • Erro quanto ao bem jurídico (aberratio criminis) No erro obre a pessoa (erro in personam) o agente, por erro de percepção, atinge

uma pessoa em vez de outra e, portanto, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela que pretendia atingir. Há substituição das pessoas que se viram envolvidas no fato.

A execução é correta, mas a pessoa tem uma falha de percepção na identificação da vítima, o que nada modifica a classificação do crime cometido.

Não se consideram as qualidades da vítima real, mas sim da vítima virtual, que realmente pretendia ofender. Por exemplo, um soldado pretendia praticar violência contra superior hierárquico (superior), mas confunde-se e golpeia no escuro outro soldado. A doutrina dá maior elasticidade ao conceito acima e reconhece a hipótese de erro sobre o objeto (erro in objecto), quando o agente, tendo vontade e consciência de praticar uma conduta típica e ilícita, erra na identificação do objeto. Por exemplo, pretendendo subtrair uma arma de fogo, o sujeito furta uma réplica (simulacro). Responde como se tivesse praticado o crime contra aquela coisa que realmente pretendia atingir.

O erro na execução (aberratio ictus), previsto na segunda parte do caput do artigo 37, CPM, ocorre quando o agente, por erro no uso dos meios de execução, ou outro acidente, atinge pessoa diversa da pretendida. A expressão aberratio ictus pode ser traduzida por “desvio de golpe”. Assim, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela pessoa que realmente pretendia atingir. Por exemplo, um soldado querendo matar um colega, dispara sua arma, vindo a acertar outro militar que passava pelo mesmo local naquele momento.

O erro quanto ao bem jurídico (resultado diverso do pretendido ou aberratio criminis) (art. 37 § 1º) ocorre quando, por erro ou outro acidente na execução, é atingido bem jurídico diverso do visado pelo agente, que responderá por culpa se houver previsão legal.

A única hipótese juridicamente plausível é considerar erro de coisa para pessoa. Por exemplo, o sujeito arremessa uma pedra a fim de danificar uma vidraça do alojamento de praças, mas erra o alvo e acaba atingindo um militar que transitava pela alameda do quartel.

Não responde pela tentativa de dano, mas pela lesão culposa. Pensar o inverso significaria premiar o infrator, pois em vez de responder pela tentativa de crime contra a pessoa, seria punido pelo crime culposo contra a coisa. Para ilustrar o absurdo: com a intenção

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de matar um colega de farda, o sujeito dispara sua arma, mas erra o alvo, vindo a danificar equipamento militar. Não obstante haver previsão de dano culposo no Código castrense, inviável afastar-se a tentativa de homicídio para que o agente responda pelo crime contra o patrimônio a título de culpa. Tanto no erro na execução quanto no erro quanto ao bem jurídico, se houver duplicidade do resultado aplica se a regra do concurso formal próprio (art. 79, CPM). 4.4 Exigibilidade de conduta diversa a) Conceito: a exigibilidade de conduta diversa é a possibilidade de alguém comportar-se de acordo com o direito, considerando sua particular condição de pessoa humana frente a circunstâncias do caso concreto. Em outras palavras, é a possibilidade, determinada pelo ordenamento jurídico, de atuar de uma forma distinta e melhor do que aquela que o sujeito decidiu. Na inexigibilidade de conduta diversa, há uma impossibilidade de determinar-se conforme o direito, em que pese estar presente a consciência da ilicitude. b)Causas legais de inexigibilidade de conduta diversa

O Código Penal Militar elenca quatro causas legais de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa: • Coação irresistível (art. 38) • Obediência hierárquica (art. 38) • Estado de necessidade exculpante (art. 39) • Excesso escusável (art. 45) c) Coação irresistível

Nos termos do artigo 38, CPM, não é culpado quem comete o crime sob coação irresistível ou que lhe suprima a faculdade de agir segundo a própria vontade. Deve-se distinguir duas situações: a coação moral irresistível (vis compulsiva), que exclui a culpabilidade e a coação física irresistível (vis absoluta), que afasta a própria tipicidade, uma vez que não há conduta, por ausência de voluntariedade.

Na coação moral irresistível, o comportamento é voluntário, mas a vontade é viciada, já que o agente não pode determinar-se livremente. A irresistibilidade da coação é aferida pela gravidade do mal prenunciado, conforme o poder do coator em cumpri-lo. A ameaça de mal pode ser dirigida ao próprio coagido ou a alguém a ele relacionado. Por exemplo, um soldado é obrigado a subtrair munições do quartel, caso contrário, seu filho que está em poder de traficantes, será morto.

Não se exige que o coagido se oponha para atuar conforme o Direito. Só é punível o autor da coação. O coagido é mero instrumento nas mãos do coator e pratica um fato típico e antijurídico, embora não seja culpável. Não há que se falar em concurso de pessoas, pois trata-se de autoria imediata.

Nos crimes em que há violação do dever militar (artigo 187 a 204, CPM), o agente não pode invocar coação moral irresistível. O motivo da vedação diz respeito à própria natureza da atividade castrense, que exige que os militares suportem as mais diversas pressões para assegurar o cumprimento do dever militar. De outro lado, se a coação é física ou material, não há conduta, por ausência de vontade. Assim, mesmo em crimes contra o dever militar, o sujeito não pode ser responsabilizado, daí a ressalva da parte final do artigo 40, CPM. Por fim, se era possível resistir a coação, o juiz, tendo em vista as condições pessoais do réu, pode atenuar a pena.

d) Obediência hierárquica

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De acordo com o Código Penal Militar não é culpado quem comete o crime em estrita obediência a ordem direta de superior hierárquico, em matéria de serviços. Na hipótese, há autoria mediata, respondendo pelo crime somente o autor da ordem.

Para que seja inculpável, é necessário que o executor seja subordinado hierarquicamente àquela pessoa que deu diretamente a ordem. Além disso, deve trata-se de ordem vinculada à matéria de serviço e não manifestamente criminosa. Se a ordem do superior tem por objeto a pratica de ato manifestamente criminoso, é punível também o inferior se a ordem não for manifestamente criminosa, o subalterno deve obedecer ao superior hierárquico, não lhe cabendo questionar, pois se presume legal.

A ordem legal deve ser cumprida, pois corresponde ao Direito e o militar que se recusa a cumprir ordens superiores responde por insubordinação (art. 163, CPM). Todavia, havendo fundada dúvida quanto à legalidade da ordem (não era manifestamente criminosa), o juiz, tendo em vista as condições pessoais do réu, pode atenuar a pena (art. 41, 1º parte, CPM).

Por fim, o executor da ordem deve ater-se estritamente aos limites dessa. Se o agente extrapola esses limites, não pode ser beneficiado com causa de exclusão da culpabilidade, respondendo pelo excesso tanto nos atos quanto na forma da execução (art. 38, § 2º, CPM). d)Estado de necessidade exculpante

De acordo com o artigo 39, CPM, “não é igualmente culpado que, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe era razoavelmente exigível conduta diversa”. O estado de necessidade exculpante elimina a culpabilidade, quando o bem protegido é de valor igual ou inferior que o bem sacrificado. Trata-se de hipótese de inexigibilidade de conduta diversa. f) Excesso exculpante ou escusável

Diante de determinadas situações de perigo ou agressão injusta, a perturbação psíquica experimentada pelo sujeito retira-lhe a capacidade de avaliar perfeitamente a intensidade da reação. Nesses casos, o Direito Penal Militar reconhece o excesso escusável como causa legal de exclusão da culpabilidade do agente por inexigibilidade de conduta diversa. De acordo com o parágrafo único do artigo 45, CPM, o excesso não é punível quando resulta escusável perturbação de ânimo, em face da situação. Não há que se falar em reação excessiva em razão de uma postura dolosa ou culposa, mas sim de corrente de perturbação emocional do agredido ou necessitado, dai não se poder exigir do agente conduta diversa. CAPÍTULO V – CONCURSO DE PESSOAS 1. Introdução

Os crimes podem ser classificados em unissubjetivos ou plurissubjetivos. Nos crimes unissubjetivos, basta um único sujeito ativo para a realização do tipo penal. Entretanto, pode ocorrer que reúnam-se duas ou mais pessoas para a prática da infração penal. Nesse caso, há o concurso eventual de pessoas. Os crimes plurissubjetivos exigem a presença de duas ou mais pessoas para a configuração do tipo penal, ou seja, são crimes de concurso necessário. Nesse caso, não há que se falar em concurso eventual de pessoas, pois a conduta plural é tipicamente obrigatória. Temos como exemplos, os crimes de motim e revolta, previstos no artigo 149, CPM.

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2. Teorias acerca do concurso de pessoas a) Teoria Monística (ou monista, ou unitária ou igualitária)

A teoria monista pura é consequência da Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais (conditio sine qua non) e da tratamento igualitário para todos concorrentes. Segundo a teoria unitária, o crime é uno e indivisível e mantem essa unidade em razão da convergência objetiva e subjetiva das ações dos concorrentes. Portanto, há um crime único atribuído a todos os que contribuem para ele.

A participação não é entendida como acessória: o partícipe é considerado coautor e responde inteiramente pelo evento. O Código Penal Militar, ao dispor em seu artigo 53 que “quem, de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas a este cominadas”, adotou a teoria monista. Mas o fez de forma matizada ou temperada, já que estabeleceu algumas exceções, como, por exemplo, a atenuante para a participação de menor importância. O Código Castrense consagrou o princípio constitucional da individualização da pena, ao estabelecer que a “punibilidade de qualquer dos concorrentes é independente da dos outros, determinando-se segundo a sua própria culpabilidade”. b) Teoria Dualista

A teoria dualista distingue o crime praticado pelo autor daquele praticado pelo participe. Não é a regra do sistema penal militar, mas pode ser identificado em algumas situações excepcionais em que o legislador optou por romper com a regra monista. É o caso por exemplo, do crime de incitamento em que a conduta típica é “incitar à desobediência, à indisciplina ou à pratica de crime militar”. Assim quem incita o motim responde pelo crime do artigo 155, CPM enquanto que o amotinado responde pelo artigo 149 do mesmo Código. c) Teoria pluralista De acordo com essa teoria, haverá tantas infrações penais quantos forem os concorrentes. Os crimes de corrupção passiva e ativa, previstos respectivamente nos artigos 308 e 309, CPM, configuram exceção pluralista à regra monista do Código Castrense. 3. Requisitos do concurso de pessoas de acordo com a teoria monista. a) Pluralidade de pessoas e de condutas: deve haver uma pluralidade de agentes praticando diversas condutas. b) Relevância causal da conduta: exige-se um nexo causal eficaz de cada conduta para a produção do resultado. c) Liame subjetivo ou psicológico entre as pessoas: deve haver um vínculo psicológico entre os concorrentes, que traduz na comum resolução para fato. A convergência subjetiva corresponde à consciência e à vontade que devem ser comuns, ou seja, na unidade de desígnios para todos os concorrentes e contribuir para uma obra coletiva. Não há necessidade de ajuste prévio entre os concorrentes. d) Identidade do ilícito penal: o delito deve ser idêntico ou uma unidade jurídica para todos. Os agentes, unidos pelo liame subjetivo, concorrem para a realização da mesma infração penal. 4. Comunicabilidade e incomunicabilidade das condições pessoais

De acordo com o art. 53, § 1º, CPM, “não se comunicam, outrossim, as condições ou circunstancias de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.

4.1 Incomunicabilidade das circunstâncias de caráter pessoal

Circunstâncias são dados periféricos que gravitam ao redor da figura típica básica, somente interferindo na graduação da pena. A existência da circunstância não altera a

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definição do tipo-base, mas apenas reflete no aumento ou diminuição da pena. Assim, as circunstâncias podem ser classificadas como qualificadoras, privilegiadoras, causas de aumento ou redução de pena, agravantes ou atenuantes. As circunstâncias subjetivas ou pessoais são aquelas que atuantes na medida da culpabilidade. Trata-se de condições ou qualidades que se referem a à pessoa do agente, nada tendo a ver com a materialidade do delito. Elas seguem a regra da incomunicabilidade. 4.2 Circunstâncias objetivas As circunstâncias objetivas (reais ou materiais) relacionam-se com o fato delituoso em sua materialidade e atuam sobre a magnitude do injusto, como por exemplo, os meios e modos de execução, o uso de determinados instrumentos, espécie, lugar, tempo, ocasião, qualidade da vítima. Por serem objetivas, tais circunstâncias comunicam-se a todos que concorrem para o crime, se ingressarem na sua esfera de conhecimento. É necessário verificar se a circunstância pode ser havida como materialmente causada pelo concorrente e se é abrangida por seu dolo (direito ou eventual). 5. Autoria 5.1 Conceito de autor

De acordo com a teoria objetivo-formal, adotada pelo Código Penal Militar, autor é quem realiza a figura típica, já participe é aquele que comete ações fora do tipo, limitando-se a instigar, induzir ou auxiliar e vinculando-se ao fato por meio da norma de extensão do concurso eventual de pessoas – art. 53, CPM. 5.2 Distinção entre autoria mediata e imediata

Autor direto (imediato) é aquele que tem o domínio do fato, na forma do domínio da ação, pela pessoal (de mão própria) e dolosa (consciência e vontade) realização da conduta típica. É quem pratica o faro típico pessoalmente e diretamente.

Autor direto pode ser o executor, se realiza pessoalmente (direta/materialmente) a ação típica, ou o autor intelectual, se a domina dolosamente por completo, delegando ao coautor a sua realização material. Autor indireto (mediato) é aquele que, possuindo o domínio do fato, pelo domínio da vontade, para a realização material do delito, serve-se de terceiro, geralmente inculpável, que atua como mero instrumento.

Se na instigação ocorre a corrupção do homem livre e, portanto, há concurso de pessoas, na autoria mediata, há o abuso do homem não-livre e, através deste abuso, o autor mediato controla o fato. O autor mediato sofre a incidência da agravante prevista no artigo 53, §2º, CPM. Ex.: utilização de inimputável (doente mental, menor de dezoito anos, ou embriaguez voluntária e completa), coação irresistível e estrita obediência hierárquica. Obs.: não se admite autoria mediata nos crimes culposos, de mão própria e nos crimes omissivos. 5.3 Autoria colateral ou acessória

A autoria colateral não integra o concurso de pessoas, em face da ausência de vínculo subjetivo (liame psicológico) entre os concorrentes. Tal situação de dá quando duas ou mais pessoas, simultaneamente, contribuem para a produção de um evento típico de modo independente, sem atuarem conjunta e conscientemente. Diz-se que a autoria colateral é incerta quando não é possível identificar quem foi o produtor do resultado. Assim, ambos os agentes respondem pela tentativa. Quando sequer se sabe quem são autores, diz-se que há autoria desconhecida.

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6. Participação 6.1 Conceito

É a contribuição dolosa (livre e consciente), sem o domínio do fato, em fato punível doloso alheio. Conforme já registrado, para a teoria objetivo-formal, partícipe é aquele que comete ações fora do tipo, limitando-se a instigar, induzir ou auxiliar o autor.

A participação requer um elemento objetivo, que é o comportamento no sentido de auxiliar, contribuir com o crime alheio, bem como o elemento subjetivo, evidenciando na vontade livre e consciente de concorrer com a própria conduta, na ação delitiva de outrem.

6.2 Punibilidade da participação

De acordo com a teoria da promoção, o fundamento da punibilidade da participação

está simplesmente no desvalor intrínseco da colaboração prestada a um fato socialmente intolerável. Mesmo não realizando o comportamento descrito no tipo penal, o partícipe promove o delito, induzindo, instigando ou auxiliando.

A participação é sempre acessória, dependendo de um fato principal. Para a teoria da da acessoriedade limitada, adotada pelo Código Penal Militar segundo a orientação dominante da doutrina, entende que é suficiente que a conduta do autor seja típica e ilícita para que o partícipe seja responsabilizado.

6.3 Impunibilidade da participação

Nos termos do artigo 54, CPM, o “ajuste, a determinação, ou instigação e ao auxilio, salvo disposição em contrário, não são puníveis se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.

O ajuste é o acordo ou pacto celebrado entre pessoas, enquanto que a determinação é a decisão tomada para alguma finalidade.

Instigação é a sugestão ou estimulo à realização de algo e o auxilio ajuda ou assistência material ou intelectual dada a alguém.

A impunibilidade da participação diz respeito ao fato e não ao agente. Trata-se de causa de atipicidade, que afasta incidência da norma de extensão do art. 53, CPM. Como a participação tem caráter meramente acessório, sua punição sempre dependerá da conduta do autor.

De acordo com o princípio da executividade, é necessário que, pelo menos, o autor inicie os atos executórios, não havendo punição do participe, se aquele apenas ficou na cogitação ou nos atos preparatórios. O artigo 54, CPM faz a ressalva em relação aos delitos de fusão, quando há previsão de crime autônomo nucleado em condutas que originariamente seriam de participação. São as hipóteses, por exemplo, de favorecimento pessoal (art. 350, CPM) e de favorecimento real (art. 351, CPM). 7. Punibilidade no concurso de agentes (sentido amplo) 7.1 Atenuante da participação de menos importância (53, §2º, CPM)

A pena é atenuada com relação ao agente, cuja participação no crime é de somenos importância. Trata-se de atenuante obrigatória de pena somente aplicável na participação em sentido estrito, não alcançando a coautoria. Assim, o partícipe que pouco tomou parte na empreitada criminosa, colaborando minimamente, deve receber a pena atenuada obedecendo-se aos parâmetros do artigo 73, CPM (1/5 a 1/3).

7.2Agravantes do concurso de pessoas

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O artigo 53, §2º, CPM aponta quatro situações no concurso de pessoas em que a pena é agravada. Se o agente promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes ou coage outrem à execução material do crime. A aplica-se também a agravante a quem instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade, ou não punível em virtude de condição ou qualidade pessoal ou se executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa (torpeza). 7.3 Cabeças Nos parágrafos 4º e 5º do artigo 53, o Código Penal Militar apresenta uma nora explicativa, definindo o conceito de “cabecas” a) Crimes de concurso necessário (plurissubjetivos) – cabeça é aquele que dirige, provoca, instiga ou excita a ação, seja ele oficial ou praça. b) Em qualquer hipótese (crime de concurso necessário ou eventual) – cabeça é o oficial, quando delinquir junto com inferiores. Estes últimos também são considerados cabeças, se exercem função de oficial (ex.: sargento comandando pelotão). 7.4 Cooperação dolosamente distinta (participação em crimes menos graves ou desvio subjetivo de conduta)

Embora o CPM não tenha feito menção expressa à cooperação dolosamente distinta, prevista no artigo 29, §2º do Código Penal Comum, boa parte da doutrina entende que seria cabível a aplicação subsidiária dessa disposição comum na esfera militar, sob pena de operar-se odiosa responsabilidade objetiva.

A expressão “concorrente” tem sentido amplo, aplicando-se à coautoria e à participação. Na hipótese, há divergência entre o elemento subjetivo de um dos concorrentes e a conduta realizada pelo outro. Se um dos intervenientes queria participar de delito menos grave, sua culpabilidade deverá ser mensurada individualmente, com a aplicação proporcional da pena daquele delito. A luz do artigo 29, §2º do Código Penal Comum, há uma mitigação da teoria monista em que o coautor/participe responderá pelo crime menos grave e não pela concretização do crime mais grave pelo comparsa. Se previsível objetivamente o resultado mais grave, mesmos assim responderá com a pena do crime menos grave, que será aumentada até a metade. CAPÍTULO VI- PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA 1.Introdução O Direito Penal Militar possui um sistema sancionatório próprio. Há previsão de penas e medidas de segurança. As penas são classificadas em principais e acessórias. As penas acessórias dependem da imposição de uma pena principal, sendo aplicadas cumulativamente. O Código Castrense não prevê a pena de multa nem a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos.

De acordo com a orientação do Supremo Tribunal Federal, não se aplica aos crimes militares a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, prevista no art. 44 do Código Penal, pois o art. 59 do Código Penal Militar disciplinou de modo diverso as hipóteses de substituição cabíveis sob sua égide. (HC 94083, 12.03.2010).

Na mesma linha é o entendimento dominante do Superior Tribunal Militar de que, diante do princípio da especialidade, descabe cogitar da substituição da pena restritiva de liberdade imposta por outra de restrição de direitos, uma vez que o instituto não foi consagrado no ordenamento penal e processual penal militar.

Segundo parte da doutrina, em relação aos civis condenados pela Justiça Militar da União, nada impede a substituição da pena privativa de liberdade em pena restritiva de

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direitos, já que aqueles cumprem pena em estabelecimento comum e que não há qualquer afronta direta à hierarquia e à disciplina militares. Importante também registrar que as penas privativas de liberdade aplicadas e executadas na esfera da Justiça Militar são cumpridas em regime fechado, não havendo previsão de progressão de regime no Código Penal Militar.

A orientação do STM é de que o regime deve ser fechado, sujeitando-se o condenado que cumpre pena em estabelecimento militar ao regramento da legislação castrense. A Lei de Execução Penal não se aplicaria enquanto o sujeito mantivesse a condição de militar. Todavia, recentes julgados do STF têm mitigado esse rigor da legislação militar.

A primeira turma, nos autos do RHC 92746/2008, concedeu a ordem para que um oficial cumprisse pena privativa de liberdade superior a dois anos em regime aberto, no estabelecimento militar, sem que houvesse a decretação da perda do estado de militar. A condenação na primeira instância fixa o regime inicial aberto caso o condenado viesse a adquirir a condição de civil.

Em outra decisão, a segunda turma do STF concedeu parcialmente ordem de habeas corpus para determinar ao juízo da execução penal que promova a avaliação das condições objetivas e subjetivas para a progressão de regime prisional, na concreta situação do paciente, e que aplique, para tanto, o Código Penal e a Lei 7.210/84 naquilo que for omissa a Lei Castrense.

A turma entendeu que “os militares, indivíduos que são, não foram excluídos da garantia constitucional da individualização da pena” sendo “contrária ao texto constitucional a exigência do cumprimento de pena privativa de liberdade sob o regime integralmente fechado em estabelecimento militar, seja pelo invocado fundamento da falta de previsão legal na lei especial, seja pela necessidade do resguardo da segurança ou do respeito à hierarquia e à disciplina no âmbito castrense. (HC 104174 – 18.05.2011).

2. Penas principais

O artigo 55 do Código Penal Militar elenca sete penas principais conforme o quadro abaixo:

PENAS PRINCIPAIS Morte Restritivas deliberdade Restritivas de liberdade Restritivas de dirieto Reclusão Impedimento Suspensão Detenção Reforma Prisão

2.1 Pena de Morte A pena de morte aplica-se somente em caso de guerra declarada (art. 5º, XLVII c/c art.

84, XIX, CF). Nos termos do artigo 56 do CPM, a pena de morte é executada por fuzilamento, sendo o procedimento delineado no artigo 707 do Código de Processo Penal Militar. O condenado militar deverá deixar a prisão com uniforme sem as insígnias, e o condenado civil deverá estar vestido decentemente. O condenado, civil ou militar, deverá estar de olhos vendados no momento da execução, salvo se o recusar.

A lei penal castrense exige que a sentença definitiva de condenação à morte seja comunicada, logo que passe em julgado, ao Presidente da República, e não pode ser executada senão depois de sete dias após a comunicação (art. 57, CPM). O prazo justifica-se em razão da possibilidade de concessão de indulto ou comutação da pena (art. 84, XII, CF).

Todavia, se a pena é imposta em zona de operações de guerra pode ser imediatamente executada, quando o exigir o interesse da ordem e da disciplina militares. A prescrição da pretensão punitiva dos crimes a que cominada a pena de morte se dá com o decurso do prazo de 30 anos, de acordo com o artigo 125, CPM.

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2.2 Penas Privativas de liberdade O Código Penal Militar não faz distinção substancial entes as penas de reclusão e

detenção. A diferença é meramente formal e evidencia-se nos seus limites genéricos, conforme estatuído no artigo 58, CPM: o mínimo da pena da reclusão é de um ano e o máximo de trinta anos, enquanto o mínimo da pena de detenção é de trinta dias e máximo de dez anos.

A)Penas privativas de liberdade aplicada a militar A pena privativa de liberdade (reclusão ou detenção) até dois anos aplicada a militar é

obrigatoriamente convertida em prisão (art. 59). Se não for possível a suspensão condicional da pena (sursis).

A prisão deverá ser cumprida em recinto de estabelecimento militar se o condenado for oficial. Se o condenado for praça, a pena será cumprida em estabelecimento militar. Nesse caso, deve-se observar a separação entre a praça que cumpre pena de prisão e aquelas que cumprem sanção disciplinar e pena superior a dois anos, bem como atender-se hierarquia (praças especiais e graduadas).

Nos exatos termos do artigo 61, “a pena privativa de liberdade por mais de dois anos, aplicada a militar, é cumprida em penitenciária militar e, na falta dessa, em estabelecimento prisional civil, ficando o recluso ou detento sujeito ao regime conforme a legislação penal comum, de cujos benefícios e concessões, também, poderá gozar.

Se a pena aplicada a militar for superior a 2 (dois) anos, não haverá substituição por prisão e será cumprida em penitenciária militar. Se não houver penitenciária militar, a pena será executada em estabelecimento comum, sujeitando-se o condenado ao regramento da Lei de Execução Penal. Todavia, deve-se alertar que, para cumprimento da pena em estabelecimento comum, é necessário que o condenado tenha perdido a condição de militar. Assim, se for praça, primeiro deverá haver a exclusão e, se for oficial, deverá ter havido a perda do posto e da patente.

O militar da ativa jamais cumprirá pena em presidio comum juntamente com outros presos civis. O juiz-auditor é competente para a execução das penas aplicadas pela Justiça Militar e cumpridas em estabelecimento militar, sendo cabível a transferência de presos de uma região para outra (art. 68, CPM).

Conforme já alertado, se a pena é cumprida em estabelecimento militar, o regime de cumprimento é fechado, não havendo previsão legal de progressão de regime. Do cárcere o militar passa ao livramento condicional, desde que atendidos os requisitos legais. Relembre-se a controvérsia entre o STM e o STF, no tocante a progressão de regime, com aplicação do Código Penal e da Lei de Execução Penal já mencionada na introdução deste capítulo. Para efeito de detração, computam-se na pena privativa de liberdade o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, e o de internação em hospital ou manicômio, bem como o excesso de tempo, reconhecido em decisão judicial irrecorrível, no cumprimento da pena, por outro crime, desde que a decisão seja posterior ao crime de que se trata (art. 67, CPM). B)Pena privativa de liberdade aplicada a civil

Qualquer que seja a quantidade de pena, o civil condenado pela Justiça Militar sempre é executado em estabelecimento comum, submetendo-se inteiramente a Lei de Execução Penal (art. 62). Aplicam-se as disposições da Súmula 192, do STJ e do artigo 2º, p. único, LEP.

Excepcionalmente, o Código Penal Militar afirma que o civil condenado por Crime Militar praticado em tempo de guerra poderá cumprir a pena, no todo ou em parte, em penitenciária militar, se em beneficio da segurança nacional assim determinar a sentença.

Segundo orientação de parte da doutrina, tal ressalva não tem aplicação, pois os crimes contra a segurança nacional são considerados crimes políticos, de competência da Justiça

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Federal comum e tratados em lei própria (Lei 7.170/83), não se sujeitando às regras do Código Castrense.

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2.3 Impedimento A pena de impedimento sujeita o condenado a permanecer no recinto da unidade, sem

prejuízo da instrução militar (art. 63). Trata-se de pena de natureza restritiva da liberdade, em que não há encarceramento. A pena de impedimento é cominada exclusivamente ao crime de insubmissão (art. 183) e tem duração de três meses a um ano. 2.4 Suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função pública

A pena de suspensão consiste na agregação, no afastamento ou licenciamento temporário do condenado (art. 64). Trata-se de pena principal, de natureza restritiva de direitos que acarreta a suspensão do exercício de posto (oficial), graduação (praça) ou cargo (civil), pelo prazo determinado na sentença.

Em que pese o apenado ser obrigado a comparecer regularmente à sede do serviço, o tempo de cumprimento da pena de suspensão não é computado como tempo de serviço. A pena de suspensão é prevista, por exemplo, para os crimes de ordem arbitrária de invasão (art. 170) e de exercício de comércio por oficial (art. 204). De acordo com o p. único do artigo 64, CPM, se o condenado, quando proferida a sentença, já estiver na reserva, ou reformado ou aposentado, a pena de suspensão será convertida em pena de detenção, de três meses a um ano. 2.5 Reforma

A pena de reforma sujeita o militar estável condenado à situação de inatividade compulsória, com proventos proporcionais ao tempo de serviço, não podendo perceber mais de 1/25 (um vinte cinco avos) do soldo por anos de serviço, nem receber importância superior à do soldo (art. 65). Trata-se de pena de natureza restritiva de direitos prevista para alguns crimes militares como, por exemplo, ordem arbitrária de invasão (art. 170) e exercício de comercio por oficial (art. 204). Obviamente, que os militares sem estabilidade não se submetem à pena de reforma, o que configura um verdadeiro prêmio pela prática de infração penal.

3. Penas acessórias

A aplicação das penas acessórias depende da imposição de uma pena principal. Não se trata de penas alternativas aplicadas em substituição às penas privativas de liberdade. As penas acessórias são aplicadas cumulativamente com as penas principais, de acordo com a natureza do crime. O artigo 98 do Código Castrense apresenta um rol taxativo de oito penas acessórias:

PENAS ACESSÓRIAS Para oficiais Para praças Para civis Suspensão Perda de posto ou patente

Exclusão das forças armadas

Inabilitação para o exercício da função pública

Poder familiar, tutela e curatela

Indignidade para o oficialato

Perda da função publica

Direitos políticos

Incompatibilidade para o oficialato

3.1 Perda de posto e patente (art. 99)

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Nos termos do artigo 99 do CPM, a perda de posto e patente do oficial resulta da condenação a pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos e importa a perda das condecorações.

O artigo 107 do CPM, afirma que a imposição da perda de posto e patente não precisa constar expressamente da sentença. Entretanto segundo parte a doutrina, essa pena acessória não tem aplicação imediata e automática porque os oficiais das forças armadas são vitalícios e só podem perder o posto e a patente por decisão do STM (art. 142, §3º, VI, CF).

Nos termos da Constituição da República, há dois caminhos possíveis para a decretação da perda do posto e da patente do oficial das forças armadas: a) Decisão administrativa do Conselho de Justificação confirmada pelo STM. b) Decisão judicial condenatória a pena privativa de liberdade superior a dois anos e representação do Procurador Geral da Justiça Militar ao Superior Tribunal Militar. 3.2 Declaração de indignidade para o oficialato (art. 100)

Conforme determina o artigo 100 do CPM, fica sujeito à declaração de indignidade para o oficialato o militar condenado, qualquer que seja a pena, nos crimes de traição, espionagem, ou cobardia, ou em qualquer dos definidos nos artigos 161, 235, 240, 242, 243, 244, 245, 251, 252, 303, 304, 311 e 312, todos do Código Penal Militar. Trata-se de rol taxativo, que vincula a aplicação da pena acessória de declaração de indignidade para o oficialato. 3.3 Declaração de incompatibilidade com o oficialato

A pena de declaração de incompatibilidade com o oficialato aplica-se ao militar condenado aos crimes dos artigos 141 e 142 do Código Penal Militar. Obs.: Indigno é o oficial cuja conduta mostra repulsiva abjeta, torpe, ou seja, aquele que não merece ostentar a dignidade constitucional de Oficial Militar. Já incompatível é aquele que, por sua conduta mostra-se inconciliável com o Oficialato. 3.4 Pena de exclusão das forças armada

Na literalidade do artigo 102 do CPM, a condenação da praça a pena privativa de liberdade, por tempo superior a dois anos, importa sua exclusão das forças armadas. Nos termos do artigo 107 do CPM, a imposição da pena acessória de exclusão deve constar expressamente da sentença.

Convém asseverar que compete à Justiça Militar Estadual decidir sobre a perda da graduação de praças somente quando se tratar de crime militar. Porém, em caso de crime comum, a perda do cargo público constitui efeito da condenação, quando a pena privativa de liberdade é superior a 4 anos de reclusão, sendo decidido tal questão na própria sentença condenatória, sem a necessidade de instauração de procedimento específico para esse fim perante o Tribunal Militar.

O crime de tortura, tipificado na lei 9.455/97, não se qualifica como de delito de natureza castrense, achando se incluído, por isso mesmo, na esfera de competência penal da Justiça Comum, ainda que praticado por militar. Nesse caso a perda do cargo constitui efeito extrapenal secundário obrigatório da sentença, dispensando inclusive a motivação. 3.5 Perda da função pública

De acordo com o artigo 103 do CPM, incorre na perda da função pública o civil condenado a pena privativa de liberdade por crime cometido com abuso de poder ou violação de dever inerente à função pública ou condenado a qualquer crime a pena privativa de liberdade superior a dois anos. Nos termos do artigo 107 do CPM, a imposição dessa pena

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acessória não precisa constar expressamente na sentença, portanto trata-se de pena automática.

3.6 Inabilitação para o exercício de função pública

A pena de inabilitação para exercício de função pública aplica-se ao condenado à pena privativa de liberdade de reclusão superior a quatro anos, em virtude de crime praticado com abuso de poder ou violação do dever militar ou inerente à função pública. O prazo da inabilitação para o exercício de função pública varia de dois a vinte anos e começa ao termino da execução da pena ou medida de segurança. Computam-se no prazo das inabilitações temporárias o tempo de resultante da suspenção condicional da pena ou do livramento condicional, se não sobrevém revogação (art. 108).

3.7 Suspensão do poder familiar, tutela ou curatela

O condenado a pena privativa de liberdade por mais de dois anos, seja qual for o crime praticado, fica suspenso (art. 105) do exercício do poder familiar, tutela ou curatela, enquanto dura a execução da pena ou medida de segurança imposta em substituição. Caso necessário, o juiz pode decretar a suspensão provisória ainda durante o processo. 3.8 Suspensão dos direitos políticos

Durante a execução da pena privativa de liberdade ou da medida de segurança imposta em substituição, ou enquanto perdurar a inabilitação para função pública, o condenado não pode votar, nem ser votado. Nos termos do artigo 107 do CPM, a imposição dessa pena acessória não precisa constar expressamente da sentença.

4. Medidas de Segurança O artigo 110 do Código Penal Militar apresenta o rol de medidas de segurança mais

amplo do que aqueles previstos no Código Penal comum. Na esfera castrense, as medidas de segurança dividem-se em pessoais e patrimoniais. Por sua vez, as medidas de segurança pessoais dividem-se em detentivas (internação) e não detentivas (restritivas de direito).

MEDIDAS DE SEGURANÇA

Pessoais detentivas Pessoais não-detentivas Patrimoniais Internação manicômio judicial

Cassação de licença para direção de veículos

Interdição de estabelecimento

Exílio local confisco Proibição de frequentar

determinados locais

Conforme determina o artigo 111 do CPM, em regra, as medidas de segurança

somente podem ser impostas aos civis e aos militares que tenham perdido essa condição em virtude de condenação a pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos ou de outro modo hajam perdido posto e patente ou hajam sido excluídos das forças armadas.

Aos militares aplica-se a medida de segurança de internação, no caso de inimputabilidade por doença mental e a cassação de licença para dirigir veículos motorizados. A medida de segurança é imposta em sentença, que lhe estabelecerá as condições, nos termos da lei penal militar, não impedindo a expulsão do estrangeiro (art. 120, CPM).

4.1 Internação em manicômio judiciário

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O artigo 112 do Código Penal Militar determina a internação em manicômio judiciário do agente inimputável por alienação mental que oferece perigo à incolumidade alheia em razão de suas condições pessoais e do fato praticado. A lei penal castrense adota o sistema vicariante que, em oposição ao sistema do duplo binário, rejeita a possibilidade de aplicação cumulativa ou sucessiva de pena e medida de segurança de internação.

Assim, aplica-se medida de segurança em lugar de pena, caso o autor do fato típico e ilícito seja imputável e perigoso. Em caso de semi-imputabilidade, haverá condenação com pena reduzida, podendo o juiz substitui-la por internação em estabelecimento psiquiátrico anexo ao manicômio judiciário ou estabelecimento penal, ou seção especial de um ou de outro, caso o sujeito necessite de especial tratamento curativo (art. 113). Todavia, se o sujeito já cumpriu integramente a pena imposta em homenagem ao sistema vicariante, não se admite a aplicação de medida de segurança, ainda que persista sua periculosidade.

O caso recomendaria tratamento em estabelecimento de saúde comum, fora da esfera do manicômio judiciário. O Código Penal Militar não prevê expressamente medida de segurança de tratamento ambulatorial para o inimputável.

A doutrina sugere aplicação subsidiária do Código Penal comum, sempre que a providência for benéfica ao acusado. Semelhantemente ao Código comum, o Código Penal Militar estabelece o prazo mínimo de internação de um e três anos. Nesse período serão realizados exames para a verificação da cessação da periculosidade. Salvo determinação da instância superior, a perícia médica é realizada ao término do prazo mínimo fixado à internação e, não sendo esta revogada, a perícia deve ser repetida de ano em ano.

Não há prazo máximo. A internação é por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade do internado. De acordo om a orientação do Supremo Tribunal Federal, o prazo máximo de internação é de 30 anos, que equivale o limite de unificação das penas privativas de liberdade.

Importante salientar que o Superior Tribunal de Justiça editou recentemente a Súmula 527, limitando o máximo da medida de segurança ao teto da pena abstratamente cominada à infração penal praticada. O condenado a que sobrevenha doença mental deve ser recolhido em manicômio judiciário ou, na falta deste, a outro estabelecimento adequado, onde lhe seja assegurada custódia e tratamento (art. 66). Trata-se de internação não definitiva, daí porque, sobrevindo a cura, pode o internado ser transferido para o estabelecimento penal, não ficando excluído o seu direito a livramento condicional, sendo computado o tempo de internação como pena cumprida. Se verificando que o estado mórbido é permanente, converte-se a pena em medida de segurança, vigorando esta por tempo indeterminado. 4.2 Cassação da licença para dirigir veículos motorizados

Nos exatos termos do artigo 115 do CPM, ao condenado por crime cometido na direção ou relacionado à direção de veículos motorizados, deve ser cassada a licença para tal fim, pelo prazo mínimo de um ano, se as circunstâncias do caso e os antecedentes do condenado revelarem a sua inaptidão para essas atividades e consequentemente perigo para a incolumidade alheia. O prazo da interdição se conta do dia em que termina a execução da pena privativa de liberdade ou da medida de segurança detentiva. A cassação da licença deve ser determinada ainda no caso de absolvição do réu em razão de inimputabilidade. 4.3 Exílio local

O exílio local consiste na proibição de que o condenado resida ou permaneça, durante um ano, pelo menos, na localidade, município ou comarca em que o crime foi praticado, em face da necessidade de garantir a ordem pública ou para o próprio bem do condenado (art. 116). O exílio deve ser cumprido logo que cessa ou é suspensa condicionalmente a execução da pena privativa de liberdade.

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4.4 Proibição de frequentar determinados locais

A proibição de frequentar determinados lugares consiste em privar o condenado, durante um ano, pelo menos, da faculdade de acesso a lugares que favoreçam, por qualquer motivo, seu retorno à atividade criminosa. O cumprimento da proibição inicia-se logo que cessa ou é suspensa condicionalmente a execução da pena privativa de liberdade. 4.5 Interdição de estabelecimento, sociedade ou associação

Segundo dispõe o artigo 118 do CPM, a interdição de estabelecimento comercial ou industrial, ou sociedade ou associação, pode ser decretada por tempo não inferior a quinze dias, nem superior a seis meses, se o estabelecimento, sociedade ou associação serve de meio ou pretexto para a pratica de infração penal A interdição consiste na proibição de exercer no local o mesmo comércio ou indústria, ou a atividade social. A sociedade ou associação, cuja sede é interditada, não pode exercer em outro local as suas atividades. 4.6 Confisco

A medida de segurança prisional de confisco prevista no artigo 119 do CPM, determina que o juiz, embora não apurada a autoria, ou ainda quando o agente é inimputável, ou não punível, deve ordenar o confisco dos instrumentos e produtos do crime, desde que constam em coisas:

• cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitui fato ilícito; • que pertencendo às forças armadas ou sendo de uso exclusivo de militares, estejam

em poder ou em uso do agente, ou de pessoa não devidamente autorizada. • abandonadas, ocultas ou desaparecidas.

4.7 Efeitos da condenação

O artigo 109 do Código Penal Militar repete a redação do artigo 91 do Código Penal comum elencando os efeitos genéricos da condenação. O primeiro efeito automático é o dever de indenizar, pois o trânsito em julgado da sentença condenatória torna certa a obrigação de reparar o dano resultante do crime. Além disso, ressalvado o direito do lesado ou de terceiros de boa-fé, a condenação definitiva também gera a perda, em favor da Fazenda Nacional, dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito, bem como do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a sua pratica.

CAPÍTULO VII – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

1.Introdução A punibilidade é a consequência natural da prática de crime. A possibilidade de punir

o autor de uma infração penal pertence exclusivamente ao Estado e esse interesse reflete uma pretensão que se define como: • Pretensão punitiva: obter um provimento judicial condenando o réu ao cumprimento de uma sanção penal. • Pretensão executória: executar o título judicial obtido após o trânsito em julgado, impondo efetivamente a sanção penal. 2. Causas de extinção da punibilidade

Após a ocorrência do delito podem surgir situações que impedem a aplicação ou a execução da sanção respectiva. A punibilidade do fato cessa em razão de certas contingências ou por motivos de conveniência e oportunidade política. Em determinadas situações

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expressamente previstas em lei, o Estado pode abrir mão do direito de punir ou até mesmo perder a pretensão punitiva. O Código Penal Militar apresenta um rol de causas de extinção da punibilidade distinto daquele previsto no Código Penal comum:

CAUSAS EXTINTIVAS DA PUNIBILIDADE

Parte geral do CPM Parte especial do CPM Morte Perdão judicial na receptação culposa Anistia ou indulto Abolitios criminis Ressarcimento do dano no peculato culposo

Reabilitação As causas de extinção da punibilidade devem ser previstas expressamente em lei, não

se admitindo, em regra, utilização de analogia para a integração de supostas lacunas na lei penal militar. A extinção de um crime que é pressuposto, elemento constitutivo ou circunstância agravante de outro, não se estende a este. Nos crimes conexos, a extinção de um deles não impede, quanto aos outros, a agravação da pena resultante da conexão (art. 123). 2.1 Extinção da punibilidade pela morte do agente.

De acordo com o princípio da intranscendência da pena, previsto no artigo 5º, XLV da Constituição Federal, “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendida aos sucessores e contra eles executadas até o limite do valor do patrimônio transferido”. A responsabilidade penal é pessoal, não podendo passar do agente que praticou o ilícito, sem prejuízo da obrigação de reparar o dano e da perda de bens.

A pena é uma medida de caráter estritamente pessoal, sobretudo por se caracterizar uma ingerência ressocializadora sobre o condenado. A comprovação da morte se dá mediante a apresentação de documento contábil (certidão de óbito).

2.2 Extinção da punibilidade pela anistia ou pelo indulto a)Anistia

A anistia, também chamada de clemência soberana, corresponde ao esquecimento jurídico de crimes pelo Estado. Essa causa de extinção da punibilidade é irrevogável e tem por objeto fatos e não pessoas, sendo concedida por meio de Lei do Congresso Nacional com sanção presidencial, nos termos dos artigos 21, XVII e 48, VIII, da CF, com efeitos retroativos.

É cediço que a anistia não se aplica aos crimes hediondos e equiparados, nos termos do art. 5º, XLIII da CF. Porém, vale lembrar que os crimes militares não integram o rol de crimes hediondos e equiparados da lei 8.072/90. Assim, mesmo que se trate, por exemplo, de homicídio qualificado ou estupro previstos no Código Penal Militar, não há vedação de concessão de anistia. b)Indulto

O indulto extingue a pena imposta a uma pessoa, sendo concedido mediante decreto presidencial ou de autoridade com delegação, como por exemplo, o Ministro da Justiça ou o Advogado Geral da União, nos termos do artigo 84, XII e parágrafo único da Constituição.

O indulto fulmina apenas a pretensão executória, não atingindo os demais efeitos penais (reincidência) e extrapenais (dever de indenizar).

Apesar de não haver referência à graça no Código Penal Militar, não há óbice à sua concessão, eis que, na essência, tem a mesma natureza do indulto. A diferença esta em que, enquanto o indulto tem caráter coletivo, dirigindo-se a um grupo indeterminado de condenados e sendo delimitado pela natureza do crime e quantidade da pena aplicada, a graça

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tem caráter individual, sendo direcionada especificamente a determinado condenado. Por fim, mesmo não havendo disposição expressa, admite-se também a comutação (diminuição) de penas, pois equivale a um indulto parcial.

2.4 Extinção da punibilidade pela retroatividade de lei que não mais considera o fata

como criminoso – abolitio criminis A abolitio criminis não desfaz a existência do crime já cometido, mas extingue a sua

punibilidade, afastando todos os efeitos penais (primário e secundários) da sentença condenatória, mesmo com trânsito em julgado. Nesse caso, extingue-se a pretensão executória, mas não são afastados os efeitos civis, como por exemplo, o dever de indenizar por eventuais danos causados. Antes do trânsito em julgado, a abolitio criminis também impede a incidência dos efeitos civis, já que, faltando o título executivo judicial, não há possibilidade de executá-lo diretamente, sendo necessário a propositura da ação de conhecimento na esfera civil. 2.5 Reabilitação

Diferentemente do Direito Penal comum, a reabilitação na esfera penal militar é tratada como causa de extinção de punibilidade, alcançando quaisquer penas impostas por sentença definitiva (art. 134). Enquanto o Código Penal comum estabelece o prazo de dois anos, o prazo exigido no CPM para requerer a reabilitação é de cinco anos contados do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena principal ou terminar a execução desta ou da medida de segurança aplicada em substituição (art. 113), ou do dia em que terminar o prazo da suspensão condicional da pena ou do livramento condicional, desde que o condenado seja domiciliado no País, no prazo acima referido e tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado.

Além disso, exige-se que o sujeito tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre absoluta impossibilidade de fazê-lo até o dia do pedido, ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da divida.

Não se concede reabilitação em favor dos que foram reconhecidos perigosos, salvo prova cabal em contrário, e em relação aos atingidos pelas penas acessórias de suspensão do exercício do poder familiar, tutela ou curatela, se o crime for de natureza sexual em detrimento de filho, tutelado ou curatelado.

Negada a reabilitação, não pode ser novamente requerida senão após o decurso de dois anos. Mais uma vez, o Código castrense difere do Código Penal comum, que permite a renovação do pedido a qualquer tempo, desde que com nova fundamentação. Se o reabilitado for definitivamente condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, a reabilitação será revogada de oficio ou a requerimento do Ministério Público.

Nos termos do artigo 135 do CPM, declarada a reabilitação, serão cancelados, mediante averbação, os antecedentes criminais. Concedida a reabilitação, o registro oficial de condenações penais não pode ser comunicado senão à autoridade policial ou judiciária, ou penal que venha a ser instaurado contra o reabilitado. 2.6 Ressarcimento do dano no peculato culposo

No caso de peculato culposo, a reparação do dano antes da sentença irrecorrível é causa de extinção da punibilidade (art. 303, §4º, CPM). O Código Penal Militar traz disposição idêntica à do Código Penal comum (art. 312, §3º, CP). Se a reparação é posterior ao trânsito, não há extinção da punibilidade, mas reduz-se de metade a pena imposta. 2.7Perdão Judicial

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Apesar de não mencionado no rol do artigo 123 do Código Penal Militar, há previsão de perdão judicial, no caso de RECEPTAÇÃO CULPOSA (art. 255), podendo o juiz deixar de aplicar a pena se o agente é primário e o valor da coisa não é superior a um décimo do salário mínimo. 2.7 Prescrição 2.7.1 Conceito

A prescrição é a perda da pretensão punitiva do estado, pelo decurso de tempo, em razão do seu não exercício no prazo fixado em lei. Trata-se de instituto jurídico de natureza penal mediante o qual o Estado, por não ter capacidade de fazer valer seu direito de punir em determinado lapso temporal previsto em lei, faz com que ocorra a extinção da punibilidade. O próprio Estado estabelece critérios limitadores para o exercício do direito de punir e, levando em conta a gravidade da conduta delituosa e da resposta penal correspondente, fixa o lapso temporal dentro do qual estará legitimado a aplicar a sanção correspondente.

Por ser matéria de ordem pública, a prescrição, embora não alegada, deve ser declarada de ofício (art. 133). Trata-se de questão preliminar, que antecede o mérito (súmula 241, TFR) De acordo com o artigo 124 do Código Penal Militar, a prescrição refere-se à ação penal ou à execução da pena. A prescrição antes do trânsito, impropriamente chamada de prescrição da ação penal, diz respeito à pretensão punitiva (ius puniendi), que se traduz na possibilidade de formar o título executivo. Após o trânsito em julgado, a prescrição é da pretensão executória (ius punitionis).

CAPÍTULO XIII- AÇÃO PENAL

Nos termos do artigo 121 do Código Penal Militar, a ação penal somente pode ser

promovida por denúncia do Ministério Público Militar. Assim, a ação penal na esfera militar é sempre pública e, em regra incondicionada. Excepcionalmente, conforme o artigo 122 do Código Castrense, nos crimes contra a segurança externa do país (art. 136 a art. 141), a ação penal é pública condicionada a requisição do Ministro da Defesa ao Procurador Geral da Justiça Militar quando o autor do crime for militar.

Afirma também o estatuto repressivo que, no caso do artigo 141, quando o agente for civil e não houver coautor militar, a requisição será do Ministro da Justiça. Em virtude da indisponibilidade dos bens jurídicos tutelados na esfera penal militar, não há previsão de ação penal condicionada à representação do ofendido, nem ação penal privada originária. Mesmo não havendo disposição expressa na lei militar, é perfeitamente cabível ação penal privada subsidiária da pública em caso de inércia do Ministério Público Militar, nos termos do art. 5º, LIX da Constituição Federal da República.

Também não se aplicam à esfera militar as disposições contidas na Lei 9.099/95, que trata dos juizados Especiais Criminais (art. 90-A, da Lei 9.099/95). Segundo entendimento doutrinário, não haveria incompatibilidade na aplicação da lei 9.099/95 ao civil processado pela Justiça Militar da União, pois não afetaria a disciplina e a hierarquia militar. Todavia, em julgado recente, envolvendo civil acusado de desacato e desobediência praticados contra militar das Forças Armadas no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública a primeira turma do Supremo Tribunal Federal relembrou que o plenário declarou a constitucionalidade do art. 90-A da Lei 9.099/95, com redação dada pela Lei 9.839/99, daí a inaplicabilidade da lei dos juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Militar. (HC 1131218 – 20.02.2014).

Convém salientar que, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a superveniência da Lei 9.839 não se aplica a fatos delituosos ocorridos antes da sua vigência

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em virtude da garantia constitucional da irretroatividade da lei penal in pejus. (HC 80099 – 16.06.2000).

PARTE ESPECIAL:

CRIMES MILITARES EM TEMPO DE PAZ DOS CRIMES CONTRA AUTORIDADE OU DISCIPLINA MILITAR

1. DO MOTIM E DA REVOLTA 1.1. Motim • Tipo legal Art. 149. Reunirem-se militares ou assemelhados: I – agindo contra a ordem recebida de superior, ou negando-se a cumpri-la; II – recusando obediência a superior, quando estejam agindo sem ordem ou praticando violência; III – assentindo em recusa conjunta de obediência, ou em resistência ou violência, em comum, contra superior; IV – ocupando quartel, fortaleza, arsenal, fábrica ou estabelecimento militar, ou dependência de qualquer deles, hangar, aeródromo ou aeronave, navio ou viatura militar, ou utilizando-se de qualquer daqueles locais ou meios de transporte, para ação militar, ou prática de violência, em desobediência a ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar: Pena – reclusão, de quatro a oito anos, com aumento de um terço para os cabeças. • Objetividade jurídica: o bem jurídico protegido por este tipo penal é a disciplina militar, pois é inequívoco que um grupo de militares que desobedecem à ordem superior e à ordem pública a atinja frontalmente. Da mesma forma, tutela-se a autoridade militar, tanto a do superior que teve sua determinação descumprida quanto a da lei ou norma que venha a ser violada. • Sujeitos do delito: trata-se de crime plurissubjetivo, sendo delito de concurso necessário, condição que fica clara pela utilização dos termos no plural (“militares” e “assemelhados”), bastando que existam dois militares para que seja possível o cometimento do delito. A norma impõe como autores militares ou assemelhados, na atualidade inexiste a segunda figura, restando, dessa forma, tão só, os militares como sujeitos ativos. O elemento típico “militar”, aqui designado no plural, deve ser compreendido nos termos do art. 22 do CPM, ou seja, como militar em situação de atividade. Figura no polo passivo o titular do bem jurídico atingido, a saber, a Instituição Militar, seja ela federal ou estadual, mesmo porque a autoridade e a disciplina constituem sua própria essência. • Elementos objetivos: o motim, como crime de coautoria necessária, implica a reunião de militares (já deixamos de mencionar os assemelhados por inexistirem no ordenamento jurídico atual) para que, unidos pelos mesmos propósitos, pratiquem atos contrários à ordem. O tipo menciona “reunirem-se militares”, não especificando o número mínimo de autores. O mesmo silêncio se opera no art. 53 do CPM, ao discorrer sobre a coautoria. Assim, resta-nos aceitar, como acima suscitado, que o número de amotinados em uma mesma ação poderá partir de dois, ou seja, são suficientes dois militares para se caracterizar este delito. Cabeças – No crime de motim a pena dos cabeças é majorada de um terço, cumprindo esclarecer que a definição de “cabeças” está nos §§ 4º e 5º do art. 53 do CPM. Elemento subjetivo: é o dolo, a vontade livre e consciente de macular a autoridade e a

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disciplina militares, seja pelo descumprimento de ordens dadas, seja pela prática de atos sem ordem, seja com a ocupação de instalações ou o uso de viaturas para essa finalidade. O dolo, nesse caso, é direto, pois razão não há para falar em assunção de risco de eventual prática delituosa, uma vez que é inequívoco que qualquer dessas condutas caracteriza infração penal, e essa certeza elide o pretenso risco. • Consumação: o iter criminis do delito se completa com a execução do verbo de cada qual das condutas descritas. Consuma-se, portanto, com a ação ou omissão contrária à ordem, com a negativa de obediência, com o consentimento diante do ato delituoso do grupo, com a ocupação delituosa do quartel (sentido amplo) ou da viatura militar. • Tentativa: é possível nas formas comissivas, exceto no anúncio verbal do não cumprimento da ordem e na mera anuência do inciso III, por se tratar de formas unissubsistentes. • Crime propriamente militar • Ação penal: é pública incondicionada. 1.2. Revolta • Tipo legal Parágrafo único. Se os agentes estavam armados: Pena – reclusão, de oito a vinte anos, com aumento de um terço para os cabeças.

A revolta, nome dado ao motim qualificado pela presença de armas, passa a existir, tecnicamente, quando, em meio ao grupo de amotinados, existirem dois agentes, pelo menos, que estejam armados. Note-se que o verbo nuclear é utilizado no plural (“estavam”), o que conduz à interpretação de que, se apenas um dos agentes estiver armado, o delito de motim não se qualificará como revolta. Para que se verifique a presente qualificadora, basta que os militares do Estado estejam armados, ainda que não utilizem as armas efetivamente, podendo estar em punho, no coldre, sobre as vestes etc.; é necessário, no entanto, que os militares conheçam a condição de estar armado dos demais, ou, do contrário, aqueles que ignorarem a presença de armas responderão pelo tipo base (motim). A qualificadora em questão deverá ser aplicada inclusive àqueles que não estão armados, pois, evidentemente, a presença de pelo menos duas pessoas armadas aumenta consideravelmente o potencial ofensivo do grupo dos amotinados, fator de sensível importância e repercussão ao falarmos de atentados contra a autoridade e disciplina militares.

Assim como no motim, a pena dos cabeças é majorada, cumprindo esclarecer que a definição de “cabeças” está nos §§ 4º e 5º do art. 53 do CPM.

1.3. Organização de grupo para a prática de violência • Tipo legal Art. 150. Reunirem-se dois ou mais militares ou assemelhados, com armamento ou material bélico, de propriedade militar, praticando violência à pessoa ou à coisa pública ou particular em lugar sujeito ou não à administração militar: Pena – reclusão, de quatro a oito anos. • Objetividade jurídica: os bens jurídicos protegidos por este tipo penal são a disciplina militar – pois, como já dito, é inequívoco que um grupo de militares recalcitrantes à ordem superior e à ordem pública a atinja frontalmente – e a autoridade militar, em face da violação da lei. • Sujeitos do delito: os sujeitos ativos (delito de coautoria necessária) são os militares, federais ou estaduais, sendo válidos aqui os comentários consignados para o delito de motim, exceto no que concerne às modalidades omissivas, uma vez que o delito ora estudado somente admite forma comissiva. No polo passivo figura o titular do bem jurídico atingido, a saber, também a exemplo do crime de motim, a Instituição Militar, seja ela federal ou estadual. • Elementos objetivos: o delito em estudo, como o de motim, é de coautoria necessária. Significa dizer que implica a reunião de militares (pelo menos 2) que, movidos pelos mesmos propósitos, praticam atos de violência (física) contra a pessoa ou coisa, desde que portando –

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não necessariamente empregando – armamento ou material bélico, elemento típico do crime. Redundante foi o legislador ao consignar a expressão “armamento ou material bélico, de propriedade militar”, porquanto o conceito deste contém o daquele, ou seja, a compreensão de material bélico engloba a de armamento • Elemento subjetivo: é o dolo, a vontade livre e consciente de macular a autoridade e a disciplina militares através de atos de violência física contra a pessoa ou coisa, obviamente conhecendo a circunstância de estarem, pelo menos por um dos consortes, munidos de armamento ou de material bélico. • Consumação: ainda que o nomen juris possa indicar um delito formal, quando se exigiria apenas a organização do grupo para a prática de violência, os elementos do tipo permitem a conclusão por delito material, significando dizer que o crime se consuma com a efetiva prática do ato de violência contra pessoa ou coisa. • Tentativa: é possível, por exemplo, no caso de os agentes investirem contra a pessoa ou coisa, sendo impedidos por terceiros. • Crime propriamente militar. • Ação penal: é pública incondicionada. 1.4Conspiração • Tipo legal Art. 152. Concertarem-se militares ou assemelhados para a prática do crime previsto no art. 149: Pena – reclusão, de três a cinco anos. Isenção de pena Parágrafo único. É isento de pena aquele que, antes da execução do crime e quando era ainda possível evitar lhe as consequências, denuncia o ajuste de que participou. • Objetividade jurídica: o bem jurídico protegido é a disciplina militar, pois, ao se reunirem para planejamento de motim ou revolta, os militares ferem a estrutura, a ordem castrense. Em vista do ato que se prepara, pode-se ver também em prejuízo a autoridade militar, caso o delito implique afronta a superiores, atingindo a hierarquia. • Sujeitos do delito: os sujeitos ativos (delito de coautoria necessária ou plurissubjetivo) são os militares, federais ou estaduais, sendo válidos aqui os comentários consignados para o delito de motim, exceto no que concerne às modalidades omissivas, uma vez que o delito ora estudado, ainda que possa visar à futura modalidade omissiva de motim, importa em preparação, exigindo condutas comissivas (reunião, planejamento etc.). No polo passivo, figura o titular do bem jurídico atingido, a saber, também a exemplo do crime de motim, a Instituição Militar, seja ela federal ou estadual. • Elementos objetivos: o núcleo do tipo é “concertar”, ou seja, entrar em acordo, ajustar, pactuar, cotejar, harmonizar. Aqui os militares se ajustam para a prática das modalidades delituosas do art. 149, a saber, o motim e a revolta. É a combinação, o preparo do motim, qualificado ou não. Não caracteriza o delito em estudo a mera conversa sobre o assunto ou manifestação de insatisfação, mas sim a determinação, com atos preparatórios para o delito (reunião, planejamento etc.). Há, na verdade, a criminalização autônoma de atos preparatórios de um delito, transmitindo um zelo extremado do legislador, antecipando a tutela do bem jurídico, o que denota a afronta que essa modalidade de crime provoca às Instituições Militares. Ressalte-se que não se trata de punição de atos preparatórios de motim, mas de criminalização de atos preparatórios. • Elemento subjetivo: só admite o dolo, a intenção, a vontade livre e consciente de concertarem-se os militares, porém com o fim certo de praticar o crime de motim (o elemento subjetivo especial do injusto ou antigo dolo é específico). • Consumação: o delito se consuma quando os autores se reunirem conscientes da finalidade do encontro. Se porventura algum, dentre eles, desconhecer o motivo da reunião, não estará cometendo o delito, mas tão logo o conheça e permaneça integrando o grupo já se torna

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coautor. Não se exige resultado de qualquer ordem; bastando que o grupo se forme com o escopo de prática futura de motim (ou de revolta). • Tentativa: não é possível, tendo em vista que é delito de consumação instantânea. Ou se participa da reunião para planejamento de motim, ou não se participa. A intenção de juntar-se ao grupo sem a efetiva participação não tipificará o crime em estudo, pois não passa de mera cogitação. • Isenção de pena: o tipo em estudo, em seu parágrafo único, dispõe que é “isento de pena aquele que, antes da execução do crime e quando era ainda possível evitar-lhe as consequências, denuncia o ajuste de que participou”. Trata-se de uma escusa absolutória, que leva à extinção da punibilidade. • Crime propriamente militar. • Ação penal: é pública incondicionada. 1.5. Incitamento • Tipo legal Art. 155. Incitar à desobediência, à indisciplina ou à prática de crime militar: Pena – reclusão, de dois a quatro anos. Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem introduz, afixa ou distribui, em lugar sujeito à administração militar, impressos, manuscritos ou material mimeografado, fotocopiado ou gravado, em que se contenha incitamento à prática dos atos previstos no artigo. • Objetividade jurídica: tutela-se a disciplina militar, pois o autor, ao buscar levar terceiros à prática de crime militar, de atos de indisciplina ou de desobediência em geral, fere, igualmente, a estrutura, a ordem castrense; atinge também a autoridade quando se prega a desobediência. • Sujeitos do delito: aqui também o sujeito ativo é qualquer pessoa, civil ou militar. No caso de sujeição ativa de um civil, deve-se frisar que somente será possível a ocorrência do delito em âmbito federal. Do contrário, caso o alvo do incitador seja militar estadual, a tipificação seria buscada na legislação penal comum, por exemplo, o art. 286 do CP comum. O sujeito passivo, titular dos bens jurídicos aviltados, é a própria Instituição Militar. • Elementos objetivos: como já mencionamos acima, incitar significa “impelir, mover, instigar” ou “estimular (alguém) [a realizar algo]; instigar, impelir, encorajar”, empurrar à prática que caracterize desobediência, indisciplina ou crime militar, não compreendendo, em nossa visão e respeitando as notáveis opiniões em sentido oposto, o induzimento, a geração da ideia. A ideia é preexistente, sendo reforçada, encorajada pelo agente. Em verdade, o crime militar abrange a indisciplina e a desobediência, do que se depreende que o legislador quis aqui tutelar o incitamento não só de atitudes que caracterizem crime castrense, como também de infrações administrativas disciplinares de desobediência e de indisciplina que não chegarem a configurar crime, mas cuja instigação, sim, é de tutela penal militar. É pertinente lembrar que se o delito que se está incitando for comum, não resvalando em desobediência ou em indisciplina, o incitamento configurará crime comum capitulado no art. 286 do CP comum. Ocorre que será impossível que alguém insufle um militar à prática de ilícito penal comum sem que isso importe em ato de indisciplina, porquanto, em regra, os regulamentos disciplinares militares consideram o respeito e acatamento às leis uma manifestação essencial da disciplina. • Elemento subjetivo: só admite o dolo, a intenção, a vontade livre e consciente. • Consumação: o delito se consuma, como no delito anterior, com a concordância do receptor (militar) da mensagem que caracteriza o incitamento, a instigação para a prática de atitudes de indisciplina, desobediência ou crime militar. Da mesma forma, não é necessário que o militar pratique qualquer conduta, pois a mera aceitação já perturba a disciplina e consuma o presente delito. A prática de conduta afim por parte daquele que foi instigado é mero exaurimento.

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• Tentativa: é possível quando o autor envia mensagem ao militar alvo e ela é interceptada ou não surte o efeito de excitar a ideia preexistente. • Crime impropriamente militar. • Ação penal: é pública incondicionada. 2. DA VIOLÊNCIA CONTRA SUPERIOR OU MILITAR DE SERVIÇO 2.1. Violência contra superior • Tipo legal Art. 157. Praticar violência contra superior: Pena – detenção, de três meses a dois anos. Formas qualificadas § 1º Se o superior é comandante da unidade a que pertence o agente, ou oficial general: Pena – reclusão, de três a nove anos. § 2º Se a violência é praticada com arma, a pena é aumentada de um terço. § 3º Se da violência resulta lesão corporal, aplica-se, além da pena da violência, a do crime contra a pessoa. § 4º Se da violência resulta morte: Pena – reclusão, de doze a trinta anos. § 5º A pena é aumentada da sexta parte, se o crime ocorre em serviço. • Objetividade jurídica: certamente, tanto a autoridade do superior atingido como a disciplina militar são os bens tutelados por este tipo penal. A autoridade do superior agredido é maculada tanto perante o inferior hierárquico que o agrediu como perante terceiros que tenham assistido ou sabido da ocorrência. Quanto à disciplina, não são necessários maiores comentários, pois a agressão física de subordinado contra superior perturba a regularidade, a ordem disciplinar vigente. • Sujeitos do delito: o sujeito ativo é o inferior hierárquico ou funcional (este por compreensão do art. 24 do CPM), o que restringe o cometimento do delito ao militar, federal ou dos Estados. Não se utilizou o legislador da expressão “militar”, mas sim “superior”, significando que o delito pode ser perpetrado por militares da ativa ou por inativos, desde que contra um superior. Nessa construção, o militar inativo poderá perpetrar este delito, exceto na compreensão de superior funcional, porquanto não está ele, em inatividade, no desempenho de função, ressalva feita se estiver sendo empregado na Administração Militar, conforme expõe o art. 12 do CP castrense. Deve-se, ademais, verificar que para o inativo, não equiparado a militar da ativa, cometer este delito, devem incidir também as circunstâncias do inciso III do art. 9º, já estudadas na Parte Geral. Qualquer pessoa, à exceção, pode perpetrar este delito se em concurso com um militar inferior ao sujeito passivo, quando a circunstância pessoal inferior (hierárquico ou funcional), que é implicitamente uma elementar do tipo, comunica-se aos consortes (art. 53, § 1º, segunda parte, do CPM). O sujeito passivo, titular dos bens jurídicos aviltados, é a própria Instituição Militar, mas não podemos esquecer do próprio superior agredido, ainda que inativo, que é vítima secundária (ofendido), configurando se, ademais, sujeito passivo mediato. Sujeito passivo, as instituições militares, e ofendido, o superior hierárquico. • Elementos objetivos: o conceito de “superior”, já consignamos várias vezes, possui duas compreensões. Inicialmente, há a concepção que se infere de uma organização militar, onde vinga o conceito hierárquico – o General de Exército é superior ao General de Divisão, que é superior ao General de Brigada, que o é ao Coronel, que o é ao Tenente Coronel, e assim por diante. Todavia, para evitar distorções na compreensão do escopo trazido pelo CPM, a própria lei traz outro conceito de superior, aquele atrelado à função, que somente vingará quando houver igualdade de posto ou de graduação. O conceito de superior funcional está na Parte Geral do Código Penal Militar (art. 24), e abrange aquele que, em face de um par, está desempenhando função de posto ou graduação superior de ambos.

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Obs.: Ainda acerca da temática da elementar superior, conforme dispusemos no estudo da Parte Geral, não entendemos haver vínculo de subordinação capaz de preencher o tipo penal entre militares das Polícias Militares (ou Corpos de Bombeiros Militares) e os militares das Forças Armadas. Por outro lado, exceto no que tange à superioridade funcional, é perfeitamente possível – pela doutrina dominante, esquecendo-se do nosso tão caro pacto federativo discutido na Parte Geral – vínculo hierárquico entre militares de Força Armada diversa (p. ex.: um do Exército e outro da Marinha) e de Instituições Militares Estaduais de Unidades Federativas distintas (p. ex.: militar do Estado de São Paulo que agride superior da Polícia Militar do Rio Grande do Norte). O tipo diz praticar violência contra superior. Violência consiste na força física empregada, no caso, contra o corpo do superior. Trata-se da vis corporalis, quando o agente utiliza o próprio corpo, ou da vis physica, quando o agente utiliza um instrumento para praticar a violência. Dessa forma, considera-se violência não só o empurrão, mas também o arremesso de um objeto, a ordem para um animal atacar ou investidas similares, porquanto, nesses casos, apesar de o autor não atingir a vítima secundária pessoalmente, foi ele o responsável pela conduta, assim como pelo resultado. Não há falar na ocorrência do delito quando a violência é praticada contra coisa, por exemplo, atingir o veículo no qual se encontra o superior. Por outro lado, ministrar substâncias que afetem o organismo do superior pode constituir o crime. Em suma, como exemplos de violência contra superior podemos citar o empurrão caracterizador de vias de fato, como acima referido, “a bofetada, a esputação”, o ato de “arrancar distintivo, botão do bolso ou outra parte do fardamento ou do traje civil, dar tapa na cobertura, lançando-a ao chão ou simplesmente deslocando-a, assim como empurrar o superior com o corpo ou com um objeto, segurar-lhe o braço, bater-lhe com a mão ou com qualquer objeto ou ‘coscientemente e volontariamente trattiene per un braccio il superiore’”. Por outro lado, não se configura violência contra superior o ato de cuspir sobre ele, conduta que poderá caracterizar outros delitos, como o desrespeito a superior (art. 160 do CPM) ou mesmo o desacato a superior (art. 298 do CPM). Não se exige para a configuração do delito que haja a lesão corporal, mas, sim, que haja o deslocamento de energia atingindo o corpo do superior de modo a afetá-lo, adaptando-se ao conceito de violência. • Formas qualificadas Havendo a lesão, ou mesmo resultado mais grave, o crime poderá ingressar naquilo que a lei intitulou, de forma equivocada, de formas qualificadas. Assim, vejamos as formas qualificadas e as majorantes do crime de violência contra superior. Forma do §1º - A primeira delas, grafada no §1º, consiste em uma forma qualificada, em que o superior agredido é o Comandante da Unidade Militar a que pertence o autor do fato. Essa previsão tem amparo no fato de que o Comandante é a personificação da autoridade militar no quartel, a autoridade máxima daquela célula de tropa. Além disso, por questão hierárquica, é cada vez menor o acesso que o militar tem a seus superiores à medida que o grau hierárquico vai se elevando. Investir fisicamente contra o baluarte da disciplina e da autoridade militar cujo acesso é o mais restrito representa, certamente, lesão ao bem jurídico sensivelmente maior que a de um soldado que agride um cabo. Forma do §2º - A outra espécie das chamadas “formas qualificadas”, prevista no §2º, é, em verdade, uma majorante ou causa especial de aumento de pena. Segundo ela, a pena será aumentada de um terço se houver o uso de arma. A arma, aqui, é de notar, pode ser própria ou imprópria, mas deverá ser utilizada na prática da violência, não bastando que o militar agressor a porte ou a utilize como objeto potencializador de uma grave ameaça. A razão para essa majorante é simples e repousa no fato de que a arma aumenta o potencial ofensivo do autor em desfavor do ofendido, acentuando-se, pois, a reprovação da conduta. Forma do §3º - Conforme inteligência do § 3º do art. 157, a pena será afetada também no caso de lesão corporal resultar da violência. Em verdade, trata-se de uma regra que objetiva o concurso formal dos crimes de violência contra superior e o de lesão corporal, uma vez que a

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ação atinge bens jurídicos diversos, tutelados por dispositivos diferentes. Forma do §4º - A morte resultante da violência também qualifica o delito, nos termos do § 4º, elevando os limites, mínimo e máximo, para os mesmos cominados ao homicídio qualificado (art. 205, § 2º, do CPM). Não se trata de regra de concurso de crimes, mas de qualificadora. Interessante notar que não se fala aqui, como, aliás, também no caso do resultado lesão corporal, em crime preterdoloso, cuja possibilidade será estudada quando da análise do art. 159 do CPM. Há, sim, dolo no antecedente e dolo no consequente, descrevendo, pois, uma progressão criminosa em que o agente, primeiro, desejou meramente agredir o superior e, posteriormente, decidiu dar cabo de sua vida. Forma do §5º - Por fim, haverá causa especial de aumento de pena, e não qualificadora, segundo o § 5o do artigo estudado, se o crime ocorrer em serviço. Serviço, aqui, deve ser entendido de forma ampla, segundo a qual estará em serviço o militar que esteja desempenhando funções em sua Corporação, ainda que em caráter precário, sem escala de serviço, mas, por adesão, em face de uma situação repentina que o chame a atuar. Para o tipo penal, tanto faz estarem em serviço o autor, o ofendido ou ambos, pois o fato em questão prejudicará o serviço em qualquer dessas hipóteses, sem contar a eventual presença de outros militares, o que faria a repercussão do evento ser maior, promovendo danos mais sensíveis à disciplina e à autoridade. • Elemento subjetivo: o tipo penal em estudo só admite o dolo, a intenção, a vontade livre e consciente de investir fisicamente contra o superior. É preciso frisar que neste delito a ação incriminada é a violência empregada contra o superior, não importando o resultado, que pode somente qualificar o delito. A condição de superior deve ser conhecida pelo agente ou, de outra forma, não haverá conformação típica subjetiva, desconstituindo-se esta infração, por ausência do elemento subjetivo (inciso I do art. 47 do CPM). Na verdade, à letra da lei penal militar, estaria afastada a própria tipicidade objetiva (“deixam de ser elementos constitutivos do crime”), mas preferimos entender que há a afetação do dolo. • Consumação: o delito se consuma quando o autor atinge fisicamente o superior, seja direta, seja indiretamente. • Tentativa: é possível no caso em que o agente investe contra a vítima, mas circunstâncias alheias à sua vontade o impedem de atingi-la. Visão interessante é trazida por Célio Lobão, entendendo que o simples fato de o agente segurar um objeto, um tinteiro, como exemplo, sem arremessá-lo efetivamente, não configura a modalidade tentada do art. 157 do CPM, mas, sim, consumada, do delito capitulado no art. 160, sob a rubrica “desrespeito a superior”. Com efeito, não havendo, ao menos, a tentativa branca pelo arremesso do objeto, não há por que fazer a construção da tipicidade indireta da tentativa, quando o tipo do art. 160 subsume perfeitamente o fato. Há, mais uma vez, a aplicação de uma norma prevalente em face do princípio da especialidade. • Crime propriamente militar. • Ação penal: é pública incondicionada. 3. DO DESRESPEITO A SUPERIOR E A SÍMBOLO NACIONAL OU A FARDA 3.1. Desrespeito a superior • Tipo legal Art. 160. Desrespeitar superior diante de outro militar: Pena – detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave. Desrespeito a comandante, oficial-general ou oficial de serviço. Parágrafo único. Se o fato é praticado contra o comandante da unidade a que pertence o agente, oficial general, oficial de dia, de serviço ou de quarto, a pena é aumentada da metade. • Objetividade jurídica: ainda aqui, a objetividade do crime em estudo continua sendo a autoridade militar, personificada no superior hierárquico que é desrespeitado, e a disciplina militar, ordem essencial que permite a regularidade das atividades da Instituição Militar.

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• Sujeitos do delito: o sujeito ativo, novamente, é o inferior hierárquico ou funcional (este por compreensão do art. 24 do CPM), o que restringe o cometimento do delito por militar, federal ou dos Estados. Também aqui não se utilizou o legislador da expressão “militar”, mas sim “superior”, significando que o delito pode ser perpetrado por militares da ativa ou por inativos, desde que contra um superior. É possível, para a maioria da doutrina, o desrespeito entre militares de Unidades Federativas distintas, em que o sujeito ativo é Policial ou Bombeiro Militar de um Estado e o ofendido, de outro, sendo o juízo competente a Auditoria do Estado a que pertence o acusado. Somente para ilustração, imagine que um Policial Militar de São Paulo esteja fazendo curso de especialização na Polícia Militar de Santa Catarina e lá desrespeite um superior hierárquico. Por outro lado, inviável, o desrespeito entre militares estaduais contra federais e vice versa. Deve-se ter em mente que o crime tem por escopo a tutela da autoridade e da disciplina militares, portanto, o militar que presencia a atitude desrespeitosa há de ser integrado ao corpo da ativa ou, do contrário, não haveria sequer potencial lesão à disciplina do ambiente de caserna. Por essa razão, a palavra “militar” grafada no tipo deve seguir a definição trazida pelo art. 22 do CPM. Esse militar da ativa que presencia o desrespeito deverá possuir cargo semelhante ao dos sujeitos do delito. Assim, caso o desrespeito se dê, por exemplo, de um soldado da Polícia Militar de Minas Gerais contra um superior da mesma Milícia, porém presenciado por um soldado da Polícia Militar do Estado de São Paulo, o fato estará subsumido pelo tipo pena. Com o testemunho do militar estadual a estrutura das Milícias estaduais foi abalada. Igual compreensão, até mesmo para mantermos coerência de raciocínio, não se pode ter quando o fato, praticado por militar estadual contra outro do mesmo Estado, é presenciado por militar federal. Não há lesão, nem mesmo potencial, à disciplina de ambas as instituições no caso citado. O militar federal que presenciou o fato terá a compreensão de que nas Milícias a disciplina está enfraquecida, porém não duvidará que, se repetir o ato em um quartel de sua Força, sofrerá as severas consequências de sua indisciplina. O raciocínio também é empregado em situação inversa, ou seja, o desrespeito por militar federal presenciado por militar estadual. • Elemento subjetivo: só se admite o dolo, a intenção, a vontade livre e consciente de ofender aquele que se sabe ser superior hierárquico. Aqui também são válidos os comentários acerca do art. 47 do CPM, a afastar o dolo pelo desconhecimento da condição de superior (inciso I), bem como quando a ação desrespeitosa é praticada em repulsa a agressão, valendo, aqui, os comentários já consignados para o art. 157 do CPM. Na verdade, à letra da lei penal militar, estaria afastada a própria tipicidade objetiva (“deixam de ser elementos constitutivos do crime”), mas preferimos entender que há a afetação do dolo. • Consumação: o delito se consuma quando o autor ofende a vítima secundária, seja de que forma for. • Tentativa: hipoteticamente, poderia ser aceita, exceto se perpetrada por gesto, por imitação, palavra ou qualquer outro meio que se exaura em si mesmo. Ocorre que, na prática, esse delito decorre, quase sempre, de perda de controle emocional por parte do autor, sendo raras as vezes em que é premeditado e praticado por escrito ou outro meio melhor trabalhado. • Crime propriamente militar. • Ação penal: é pública incondicionada. 3.2. Desrespeito a símbolo nacional • Tipo legal Art. 161. Praticar o militar diante da tropa, ou em lugar sujeito à administração militar, ato que se traduza em ultraje a símbolo nacional: Pena – detenção, de um a dois anos. • Objetividade jurídica: a objetividade jurídica deste crime é, particularmente, a disciplina militar, pois um desvio de conduta usando símbolo nacional depõe contra a ordem mínima necessária à normalidade da vida disciplinada de caserna.

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• Elementos objetivos: desrespeitar é sinônimo, como o próprio tipo faz concluir, de ultrajar, que significa ofender, injuriar, insultar, aviltar, vilipendiar, menosprezar, faltar com o respeito, podendo ser praticado por palavras, gestos, desenhos, escritos etc. O desrespeito deve recair sobre os símbolos nacionais, que, segundo o art. l3, § 1º, da CF, são a Bandeira, o Hino, as Armas e o Selo Nacionais. Os dois primeiros estão presentes na vida de todo brasileiro, mas os dois últimos não. Entretanto, deve o militar lembrar que não pode desconhecer seus significados, mesmo porque esse conhecimento integra os cursos de formação dos postos (Oficiais) e graduações (Praças) de quaisquer das carreiras militares existentes no Brasil, incutindo-se, como já afirmado, o valor do patriotismo. Por óbvio, em interpretação restritiva da lei penal militar, estão fora do tipo estudado os símbolos dos Estados-Membros, porquanto se fala em “símbolo nacional”. Caso um militar, por exemplo, cuspa na Bandeira do Estado de São Paulo, não estará em prática deste delito, o que não exime sua responsabilidade disciplinar pelo fato. É imprescindível que este delito ocorra diante de tropa ou em lugar sob a Administração Militar. • Elemento subjetivo: assim como no delito anterior, só admite o dolo. • Consumação: o delito se consuma quando o autor pratica o ato de desrespeito ao Símbolo Nacional. • Tentativa: é possível, exceto se praticada por gesto, palavra ou qualquer outra conduta instantânea. • Crime propriamente militar. • Ação penal: é pública incondicionada. 3.3. Despojamento desprezível • Tipo legal Art. 162. Despojar-se de uniforme, condecoração militar, insígnia ou distintivo, por menosprezo ou vilipêndio: Pena – detenção, de seis meses a um ano. Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se o fato é praticado diante da tropa, ou em público. • Objetividade jurídica: novamente, a objetividade é particularmente a disciplina militar, pois um desvio de conduta, usando símbolos militares, depõe contra a ordem mínima necessária à normalidade da vida disciplinada de caserna. A farda, as condecorações, as insígnias e os distintivos são signos da vida militar, cultuados como elementos formadores do brio militar, sendo, portanto, sua conspurcação, uma ofensa ímpar à disciplina. • Sujeitos do delito: da leitura do tipo penal poder-se-á inclinar pela conclusão de que não há restrições ao sujeito ativo do presente delito, principalmente porque as condecorações militares podem ser conferidas a civis. Todavia, há que se verificar que o bem jurídico especificamente focado pelo tipo penal é a disciplina militar, que não estará abalada com a prática da conduta descrita por um civil. Diferentemente de alguns crimes deste capítulo, como já vimos e veremos adiante, não se busca a tutela da autoridade militar ou da disciplina por meio da conduta de militares, o que poderia levar à sujeição ativa por civil. Nesse sentido, adequadas as palavras de Célio Lobão, que sustenta: “Embora a condecoração militar possa ser concedida a civil, evidentemente, este não se inclui como agente do delito, porquanto a lei penal tutela a disciplina militar, à qual o civil não se encontra subordinado”. • Elementos objetivos: despojar-se é retirar de si, despir-se. Naturalmente, o tipo exige que a conduta do militar seja direcionada a seu uniforme, a seu distintivo etc., não comportando a possibilidade de um terceiro praticar o ato em um militar. Dessa forma, não haverá o crime se um militar arrancar, por menosprezo, o distintivo de Unidade de um outro militar, atirando-o ao solo. Poderá o fato ser subsumido em outro tipo penal, por exemplo, o delito de violência contra superior, já estudado, ou de ofensa aviltante a inferior (art. 176 do CPM). Exige o tipo, no entanto, que esse despojamento ocorra por menosprezo ou vilipêndio. Menosprezo é a falta de estima, de apreço, o desdém para com o uniforme, a condecoração, a

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insígnia ou o distintivo. Vilipêndio é o ato de tornar o uniforme, a condecoração, a insígnia ou o distintivo algo vil, rebaixado, indigno. Uniforme é o conjunto de peças de vestimenta que compõem a identidade visual de uma força militar. O conjunto de peças pode variar de instituição para instituição e, dentro de uma mesma instituição, pode variar de acordo com o órgão ou ocasião. As condecorações são distinções honoríficas ou recompensas por algum serviço prestado ou ato praticado, com que se agracia alguém, a exemplo das medalhas. Podem ser conferidas aos militares e aos civis em reconhecimento à prática de atos de extrema relevância para a organização militar. Insígnia, para o tipo em estudo, é o símbolo que representa o posto ou a graduação do militar, bem como a arma ou o serviço a que está vinculado (quadros de saúde, combatente, auxiliar, especialista, arma de artilharia etc.). Distintivo, também na compreensão do tipo em estudo, é o símbolo que representa curso frequentado pelo militar, a Unidade em que ele está lotado, a função que ocupa (como os alamares) etc. • Elemento subjetivo: assim como no delito anterior, só admite o dolo, porém direcionado ao menosprezo ou ao vilipêndio do uniforme, condecoração, insígnia ou distintivo. Há, portanto, um elemento subjetivo específico do tipo penal a ser preenchido (antigo dolo específico). • Consumação: o delito se consuma quando o autor arranca, por menosprezo (desdém, falta de consideração, falta de estima) ou por vilipêndio (repulsa, asco, indignidade), no todo ou em parte, uniforme, condecoração militar, insígnia ou distintivo que ele próprio ostenta. Na modalidade qualificada, como já exposto, exige-se que haja a apreensão do fato pela tropa ou pelo público. Note-se que essa exigência se assemelha ao que sustentamos no desrespeito a superior (art. 160) e no desrespeito a símbolo nacional (art. 161). • Tentativa: é possível somente quando o autor anuncia sua intenção, tenta despojar-se, mas é impedido por terceiro. • Crime propriamente militar. • Ação penal: é pública incondicionada. 4. DA INSUBORDINAÇÃO 4.1. Recusa de obediência • Tipo legal Art. 163. Recusar obedecer a ordem do superior sobre assunto ou matéria de serviço, ou relativamente a dever imposto em lei, regulamento ou instrução: Pena – detenção, de um a dois anos, se o fato não constitui crime mais grave. • Objetividade jurídica: inserida ainda no mesmo título, o objeto jurídico continua sendo a autoridade militar (traduzida no descumprimento da ordem do superior), bem como a disciplina militar (perturbada por esse descumprimento). • Sujeitos do delito: o sujeito ativo é o inferior hierárquico ou funcional (este por compreensão do art. 24 do CPM), o que restringe o cometimento do delito ao militar, federal ou dos Estados. Aqui, também, a exemplo do art. 157 do CPM, não se utilizou no tipo penal a expressão “militar”, mas sim “superior”, significando que o delito pode ser perpetrado por militares da ativa ou inativos, desde que contra um superior. • Elementos objetivos: inicialmente, cabe uma observação acerca do termo “insubordinação”, o qual ecoa nas casernas como sinônimo de recusa de obediência e, na definição mais simplista, representa “o motim de um só”, enquanto, ao revés, diz-se que o motim é a “insubordinação coletiva”. Atualmente, o nosso o Código Penal Militar entendeu a insubordinação como gênero do qual a recusa de obediência (art. 163), a oposição à ordem de sentinela (art. 164), a reunião ilícita (art. 165) e a publicação ou crítica indevida (art. 166) são espécies. Portanto, a priori, não há o crime de insubordinação, mas os crimes de insubordinação. Partindo agora para a análise do tipo penal, o núcleo da conduta é recusar, negar acatamento, obediência à ordem superior, o que pode materializar-se por uma conduta omissiva (simplesmente permanecer inerte sem acatar o que lhe foi determinado) ou

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comissiva (agir de forma contrária ao determinado, fazer quando o superior manda não fazer). • Elemento subjetivo: só admite o dolo, a intenção, a vontade livre e consciente de recusar obediência ao superior, afrontando a autoridade e disciplina militares. A excludente de dolo prevista no inciso I do art. 47 também é aplicável ao tipo em estudo, ou seja, se o subordinado ignorar a qualidade de superior do emitente da ordem não haverá dolo de recusa de obediência. Exemplificativamente, pode-se citar o Primeiro-Tenente PM, Comandante de Pelotão que, ignorando que seu par, outro Primeiro-Tenente, está na função de Comandante de Companhia (de sua Companhia), recusa-se a cumprir a ordem por este emitida. Também é possível que a excludente de dolo do inciso II do art. 47 seja aplicada neste tipo estudado. Assim, o militar que descumpre ordem emitida por superior, verbalizada com impropérios, não estará cometendo o delito, por falta do elemento subjetivo (ex.: “vá fazer a ronda, seu lixo!”). • Consumação: o delito se consuma quando o autor recusa obediência à ordem, seja por ação, seja por omissão, contudo sempre acompanhado de afronta à autoridade que determinou ou que está fazendo cumprir a ordem, bem como afronta à disciplina. • Tentativa: não é possível, em razão de o crime ser unissubsistente. • Crime propriamente militar. • Ação penal: é pública incondicionada. 4.2. Reunião ilícita • Tipo legal Art. 165. Promover a reunião de militares, ou nela tomar parte, para discussão de ato de superior ou assunto atinente à disciplina militar: Pena – detenção, de seis meses a um ano a quem promove a reunião; de dois a seis meses a quem dela participa, se o fato não constitui crime mais grave. • Objetividade jurídica: o bem jurídico tutelado é a disciplina militar; acresça-se a autoridade militar se a discussão versar sobre ordem de superior. • Sujeitos do delito: o sujeito ativo é o militar, federal ou dos Estados, bem como, apenas nas modalidades de promoção da reunião ou de tomar parte para discussão de assunto atinente à disciplina, o civil, porém, nesse caso, somente se no âmbito federal. Entendemos, apesar de ilustres posicionamentos contrários, que o civil pode promover e ainda tomar parte da reunião que discute assuntos próprios da disciplina da caserna, embora, por uma análise superficial, possamos ser levados a crer que o assunto é totalmente estranho aos interesses dos particulares (civis). Ocorre que, não raramente, deve-se advertir, percebemos civis embrenhados nas questões militares. • Elementos objetivos: antes de passarmos ao estudo dos elementos objetivos do tipo, pedimos vênia para firmar nossa posição pela constitucionalidade do tipo estudado, de sorte que foi ele recepcionado pela nova ordem constitucional, desde que com a interpretação adequada. Ao enumerar os direitos e deveres individuais e coletivos, no Capítulo I, especificamente no inciso XVI do art. 5º, a Lei Maior garantiu a todos o direito de reunião pacífica, nos seguintes termos: “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. Sacramenta-se, portanto, o direito de reunião como um direito individual e ao mesmo tempo uma garantia coletiva, “uma vez que consiste tanto na possibilidade de determinados agrupamentos de pessoas reuniremse para livre manifestação de seus pensamentos, quanto na livre opção do indivíduo participar ou não dessa reunião” Como bem sabemos, no entanto, nenhum direito grafado no Texto Maior possui caráter absoluto. Nesse sentido, devemos entender que os “direitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5o da Constituição Federal, não podem

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ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito. O tipo penal, contudo, da forma como está grafado, permite a interpretação de que toda e qualquer reunião, para discutir ato de superior ou para discutir assunto atinente à disciplina, constituir-se-ia em reunião direcionada a um fim ilícito, o que, absurdamente, abrangeria também a discussão elogiosa do ato de superior ou de assunto afeto à disciplina. Um grupo de militares que se reunissem para elogiar a ordem emitida por um superior, ou para elogiar a nova postura disciplinar de uma Corporação, estaria, em tese, em prática do delito. Aqui, no entanto, pensamos que deve haver a interpretação conforme o sistema do Código Penal Militar e da própria Constituição Federal, no sentido de restringir o elemento típico discussão ao entendimento de que somente haverá o delito se a discussão significar afronta à disciplina ou à autoridade, o que só se alcança pela discussão que desprestigie, critique negativamente os assuntos referidos no tipo. Pode-se chegar a essa compreensão, primeiramente, pela já consignada objetividade jurídica, significando que o escopo protetor do tipo são a disciplina e a autoridade. Ora, se a reunião se propõe a elogiar, não há afetação dos bens jurídicos protegidos, significando que não há falar no cometimento do crime estudado. • Os núcleos do tipo são “promover” e “tomar parte”. Promover significa organizar, acionar, convocar ou mobilizar outras pessoas, tornando a reunião real para, no caso do tipo, discutir os assuntos grafados (ato de superior ou assunto atinente à disciplina). Essa compreensão afasta o delito se houver o convite recusado pelo convidado, porquanto a reunião não foi promovida. Tomar parte significa participar, estar presente de forma engajada. A reunião se configurará, em face da ausência de disposição em sentido contrário, com a participação de, no mínimo, dois militares. Ato de superior deve ser compreendido como qualquer atitude, no bojo das relações afetas ao serviço, que contenha decisão, deliberação, opinião etc., podendo ser esse ato praticado gestualmente, por escrito, por palavras ou outras formas. Além do ato de superior, a reunião também pode versar sobre assunto atinente à disciplina. Essa expressão é muito ampla, mas é certo que o cerne da questão continua sendo o choque, o desrespeito, a afronta dos mesmos bens através daquela discussão. • Elemento subjetivo: só admite o dolo, a intenção, a vontade livre e consciente de promover a reunião ou dela tomar parte com um fim específico: discutir ato de superior ou assunto afeto à disciplina. Há, portanto, uma finalidade específica, configurando-se um elemento subjetivo específico do tipo penal (antigo dolo específico). Caso o militar seja chamado à reunião e, sem conhecer os seus motivos, lá compareça, não poderá ser incriminado até o momento em que se anuncie o que se pretende com a reunião, isso se deliberar pela permanência e por tomar parte na discussão. Até este momento, falta-lhe o dolo de afrontar os bens jurídicos tutelados e, portanto, não há falar em crime. • Consumação: o delito se consuma quando a reunião acontece, pois, até então, não há falar em “promover”, já que não existiu, nem em “tomar parte”, pelo mesmo motivo. Não se exige, no entanto, como já ressaltamos, que ocorra a efetiva discussão dos assuntos grafados no tipo. • Tentativa: não cabe em nenhuma das previsões, por se configurar delito unissubsistente. • Crime impropriamente militar. • Ação penal: é pública incondicionada. 4.3. Publicação ou crítica indevida • Tipo legal Art. 166. Publicar o militar ou assemelhado, sem licença, ato ou documento oficial, ou criticar publicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do Governo:

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Pena – detenção, de dois meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave. • Objetividade jurídica: assim como no delito anterior, o bem jurídico protegido é a disciplina militar perturbada pela afronta da publicação ou da crítica; entretanto, se o alvo da conduta for ato de superior, teremos também o ferimento à autoridade de quem o praticou. • Sujeitos do delito: o sujeito ativo é o militar (federal ou estadual), que deve ser compreendido, nos termos do art. 22 do CPM, como o militar em situação de atividade. O militar inativo e o civil podem perpetrar este delito se em concurso com um militar da ativa, quando a circunstância pessoal militar, que é elementar do tipo, comunica-se aos consortes (art. 53, § 1º, segunda parte, do CPM). O militar inativo, ademais, poderá perpetrar este delito se estiver sendo empregado na Administração Militar, conforme expõe o art. 12 do Código Castrense. O sujeito passivo, titular dos bens jurídicos aviltados, é a própria Instituição Militar, que se vê lesada em sua disciplina. Ademais, na forma de crítica de ato de superior, o praticante do ato é atingido pela conduta nuclear, sendo, portanto, sujeito passivo mediato. • Elementos objetivos: as condutas nucleares são publicar e criticar. Publicar é tornar público, levar a conhecimento, o que pode ser de viva voz, por escrito, diretamente ou por qualquer outro meio de comunicação, como televisão, jornal, e-mail etc. Irrelevante para o crime sob exame se o público que poderia ser alcançado pelo ato de publicação é composto de civis (público externo) ou de militares (público interno). A publicação, ademais, para ser delituosa, pressupõe a ausência de licença, de autorização de autoridade competente, reconhecendo-se, aqui, um elemento normativo do tipo, em que o aplicador do Direito Penal Militar deverá investigar muito bem tal elemento e, somente o confirmando, concluir pela perfeita subsunção. O objeto da publicação é o ato ou documento oficial. A segunda possibilidade é a de criticar publicamente. Faz-se necessário, neste ponto, a mesma advertência feita quando do estudo do tipo anterior. Com efeito, tal qual a discussão, vista anteriormente, a crítica pode comportar conteúdo positivo ou negativo. Por óbvio, a crítica positiva não ameaçará os bens tutelados e, por consequência, não se bastará ao preenchimento do tipo penal estudado. A crítica, para ser delituosa, recairá sobre três objetos, a saber: a) o ato de superior, b) o assunto atinente à disciplina e c) a resolução do governo. • Elemento subjetivo: só admite o dolo, a vontade livre e consciente de praticar as condutas descritas. Caso o agente publique o ato ou documento, por autorização de pessoa que pense ser competente para tanto, sem que de fato o seja, haverá hipótese de erro de fato que afastará o dolo e, se plenamente escusável, isentará o agente de pena (art. 36 do CPM), sem prejuízo de responsabilização da pessoa que, indevidamente, autorizou e provocou o erro (art. 36, § 2º, do CPM). • Consumação: o delito se consuma quando ocorre a publicação do ato ou documento em questão, sendo indiferente para o tipo estudado que alguém tenha acesso à publicação; basta que, potencialmente, possa ela chegar ao conhecimento de alguém, configurando-se, pois, em crime de perigo abstrato, o que também leva à conclusão de que não se exige para a configuração do delito que a veiculação da informação lese efetivamente a disciplina ou a autoridade militares; é suficiente a simples conduta, sendo presumido o risco de lesão. Na modalidade de se fazer crítica, o crime se consuma com a externalização do pensamento crítico, desde que publicamente, exigindo-se, porém, nessa modalidade, que pessoas apreendam as críticas publicadas (crime de perigo concreto). O advérbio “publicamente” é sinônimo da expressão “em público”, equiparando a compreensão deste artigo àquela consignada nos comentários à consumação da forma majorada do delito de despojamento desprezível. Diferente seria se a norma consignasse a expressão “em local público”, quando a referência ao local, e não à assistência pelo modo como se pratica o ato, levaria à conclusão de que o risco seria presumido, bastando a prática da conduta no local indicado. • Tentativa: é admissível nos casos em que se tomam todas as providências para efetivar a publicação e esta acaba por não acontecer por fatores alheios à vontade do autor. No caso

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específico da crítica, é inadmissível por se tratar de modalidade unissubsistente. • Crime propriamente militar. • Ação penal: é pública incondicionada. 4.4. Uso indevido por militar de uniforme, distintivo ou insígnia • Tipo legal Art. 171. Usar o militar ou assemelhado, indevidamente, uniforme, distintivo ou insígnia de posto ou graduação superior: Pena – detenção, de seis meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave. • Objetividade jurídica: a disciplina militar é o alvo de proteção dessa previsão legal, pois a ordem é perturbada com a aparição pública de militar com indumentária que não lhe é pertinente. Como a peça indevida pertence a superior, há afronta, também, à autoridade do posto ou da graduação que está sendo violado, sendo ela, a autoridade militar, também objeto de proteção. • Sujeitos do delito: o sujeito ativo é o militar (federal ou estadual), que deve ser compreendido, nos termos do art. 22 do CPM, como o militar em situação de atividade. Afastamos, desde nossos comentários à Parte Geral, a possibilidade do cometimento de delito militar por assemelhado, por entendermos não mais existir essa figura no cenário jurídico. Militar inativo e civil podem perpetrar este delito se em concurso com um militar da ativa, quando a circunstância pessoal “militar”, que é elementar do tipo, comunica-se aos consortes (art. 53, § 1º, segunda parte, do CPM). No concurso, no entanto, somente será possível a participação, por tratar-se de crime de mão própria. O militar inativo, ademais, poderá perpetrar este delito se estiver sendo empregado na Administração Militar, conforme expõe o art. 12 do Código Castrense. O sujeito passivo, titular dos bens jurídicos aviltados, é a própria Instituição Militar. • Elementos objetivos: o núcleo da conduta é “usar”, que significa utilizar, no caso uniforme, distintivo ou insígnia de posto ou graduação superior. Evidentemente, exige-se que a utilização seja em público, pois o uso de uniforme ou de suas peças e distintivos de forma velada, às escondidas, com o fim único de analisar-se em frente a um espelho, por exemplo, é mero desejo pueril e não afronta os valores tutelados. Ademais, ausente estará o elemento subjetivo exigido pelo tipo em estudo. O uso deve ser indevido, o que implica desconformidade com os regulamentos e ordens vigentes e estar desabrigado pela autorização superior (p. ex.: autorização de uso para teatralização em um treinamento ou até mesmo para um evento de cunho artístico). Quanto aos demais elementos típicos, o agente deve usar uniforme, distintivo ou insígnia de posto ou graduação superior. Uniforme é o fardamento constituído pela roupa, cobertura, calçados, equipamentos e acessórios como cinto, meias, quepes, capacetes e outras peças que assim forem definidas em regulamento. Distintivo é o símbolo sobreposto ao uniforme, indicativo de curso (brevê), da Unidade Militar (brasão), ou de função desempenhada pelo militar (p. ex., o alamar). Insígnia é o símbolo também sobreposto ao uniforme, geralmente nas golas, ombreiras ou mangas de camisa, indicativo de quadro, arma, posto ou graduação. Por essa compreensão, aquele que se utiliza de peças avulsas do uniforme não estará em prática delitiva, resolvendo-se a questão apenas na esfera disciplinar. Com efeito, o crime visa tutelar a disciplina e a autoridade militares, exigindo que aquele que pratique a conduta nuclear esteja hábil a passar-se por superior. A utilização dos elementos acima deve ser capaz de provocar o engodo, de levar à confusão, sem o que os bens tutelados não estarão em risco. Não significa dizer, por outro lado, que o uniforme deve estar completo e com todas as insígnias e distintivos para caracterização do delito, bastando a utilização de peça(s) que possa(m) levar a confusão – obviamente somada ao elemento subjetivo. Dessa forma, por exemplo, não está em prática delitiva, mas de simples transgressão disciplinar, aquele que sobrepõe ao seu casaco, não pertencente ao fardamento (casaco de couro, jeans etc.), uma insígnia de Oficial Superior,

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quando detém o posto de Primeiro-Tenente. • Elemento subjetivo: só admite o dolo, a intenção, a vontade livre e consciente do autor de usar uniforme, distintivo ou insígnia de superior, capaz de provocar o engodo, não necessariamente praticando atos em que pretensamente se passe por superior. O dolo está ausente; portanto inexiste o delito se o ato for praticado por brincadeira (animus jocandi), em peças teatrais, trotes etc. Caso a “brincadeira” ou a peça tenha sido autorizada, nada restará ao agente; porém, não havendo a autorização, a questão se resolverá na esfera administrativo-disciplinar, não havendo falar em crime, pela ausência do elemento subjetivo, mas em mera transgressão disciplinar. Também não há elemento subjetivo, não prevalecendo, portanto o crime na conduta do Aspirante a Oficial que, em data de promoção, pensa ter sido sua promoção ao posto de Segundo-Tenente publicada em Diário Oficial, quando, em verdade, por qualquer motivo, a publicação não foi efetivada. Todavia, uma vez conhecendo a ausência de publicação e, ainda assim, insistindo na ostentação da insígnia do posto de Segundo-Tenente, estará, em tese, incorrendo neste delito. • Consumação: o delito se consuma quando o autor usa peça (própria de superior) a que não faz jus, independentemente de praticar ou não o ato de passar-se por superior; basta, como já suscitamos, a demonstração de que sua conduta era capaz de confundir os que com ele eventualmente interagissem, gerando, portanto, um risco à disciplina e à autoridade militares (crime de perigo concreto). • Tentativa: não é possível em vista de ser crime unissubsistente. • Crime propriamente militar. • Ação penal: é pública incondicionada. 4.5. Uso indevido de uniforme, distintivo ou insígnia militar por qualquer pessoa • Tipo legal Art. 172. Usar, indevidamente, uniforme, distintivo ou insígnia militar a que não tenha direito: Pena – detenção, até seis meses. • Objetividade jurídica: o bem jurídico tutelado é a autoridade militar, que pode ser lesada diante do engodo criado pelo uso indevido de uniforme, distintivo ou insígnia. Também visa, o tipo, resguardar a disciplina militar afetada pelo uso indevido dessas peças por um militar. • Sujeitos do delito: o sujeito ativo é qualquer pessoa, civil ou militar (da ativa ou inativo). No caso de sujeição ativa de um civil, deve-se frisar que somente será possível a ocorrência do delito em âmbito federal. Do contrário, caso o uniforme (insígnia ou distintivo) utilizado seja das Milícias estaduais, a tipificação seria buscada na legislação penal comum, especificamente na Lei de Contravenções Penais (Dec.- Lei n. 3.688, de 3-10-1941), art. 46. O sujeito passivo, titular do bem jurídico aviltado, é a própria Instituição Militar. • Elementos objetivos: a descrição da conduta é idêntica à do delito anterior, diferindo apenas no fato de que naquele a conduta recai sobre uniforme, distintivo ou insígnia próprios de superior, enquanto nesta a utilização pode recair sobre qualquer uniforme, insígnia ou distintivo, excetuando-se, obviamente, aquele referente a um superior, quando haveria subsunção pelo tipo precedente. Assim, incorreria no delito o Oficial que, para afrontar a disciplina, vestisse uniforme com insígnias de Sargento. • Elemento subjetivo: só admite o dolo, a intenção, a vontade livre e consciente de usar indevidamente o objeto. Nesse sentido, se o militar possui a crença fiel de que faz jus ao uniforme, distintivo ou insígnia, o dolo não poderá ser reconhecido. Assim, por exemplo, aquele que crê que a mera habilitação em veículo automotor e o fato de ter sido escalado como motorista o permitem utilizar o brevê do curso de direção defensiva de veículos policiais, não cometerá o delito por ausência do elemento subjetivo. Também exclui o dolo a utilização indevida de fardamento por brincadeira (animus jocandi). Nessa linha, havendo a utilização por um civil de uniforme das Forças Armadas para frequentar um baile a fantasia, o

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fato não será típico por falta do elemento subjetivo. Obviamente, não sendo o fato típico, não há falar, como expusemos acima, em participação daquele que emprestou o uniforme ao civil. • Consumação: o delito se consuma quando o autor usa uniforme, distintivo ou insígnia a que não faz jus, independentemente de ele, se civil, praticar ou não ato passando-se por militar ou, se militar, praticar ato especificamente respaldado por curso, estágio, classificação em Unidade, função, representados pelo distintivo ou insígnia, bastando, como no tipo anterior, a demonstração de que sua conduta era capaz de confundir os que com ele eventualmente interagissem, gerando, portanto, risco à disciplina e à autoridade militares (crime de perigo concreto). • Tentativa: não é possível em vista de ser delito unissubsistente. • Crime impropriamente militar. • Ação penal: é pública incondicionada. 4.6. Rigor excessivo • Tipo legal Art. 174. Exceder a faculdade de punir o subordinado, fazendo-o com rigor não permitido, ou ofendendo-o por palavra, ato ou escrito: Pena – suspensão do exercício do posto, por dois a seis meses, se o fato não constitui crime mais grave. • Objetividade jurídica: tutela-se pelo tipo penal a autoridade militar daquele que exercita mal seu poder e perde ascendência sobre seus subordinados, assim como a disciplina militar, atingida pela quebra da relação funcional sadia entre as partes. • Sujeitos do delito: o sujeito ativo é o superior, hierárquico ou funcional (nos termos do art. 24 do CPM), exigindo-se ainda que ele tenha ascendência disciplinar que resulte em poder de punir um subordinado. A utilização do termo “subordinado” exclui, de pronto, a sujeição ativa por civil, porquanto somente os militares possuem superiores e subordinados, segundo o exigido pelo Código Penal Militar. Embora o tipo não use expressamente a palavra “militar”, há a presunção de que o sujeito ativo tem o poder de punir o subordinado, excluindo-se também da sujeição ativa a figura do militar que não pertença mais ao serviço ativo das instituições militares, porquanto não possuem eles poder disciplinar sobre outros militares. Obviamente, a exclusão do inativo não ocorrerá se ele estiver sendo empregado de forma regular na Administração Militar, quando poderá haver construção que lhe confira poder de punir a um subordinado. Também neste tipo penal a análise do preceito secundário conduz à interpretação de que o superior capaz de praticar o delito há de ser Oficial, não havendo subsunção para o fato se o autor for Praça ou Praça Especial. Com efeito, embora o preceito primário não deixe tal situação clara, a pena do delito, ao ser fixada em suspensão do exercício do posto por dois a seis meses, atrela o cometimento do delito aos Oficiais, já que somente eles possuem posto. Ademais, a previsão do delito alinha-se aos postulados trazidos pelos Regulamentos Disciplinares que, em sua totalidade, no Brasil, conferem o poder de punir apenas a Oficiais, geralmente ocupantes de funções, no mínimo, de Capitão. • Elementos objetivos: o núcleo da conduta é “exceder”, que significa passar do limite legal, ultrapassar a possibilidade técnica trazida pela lei ou regulamento. Como já esboçamos, em razão de o excesso se verificar no ato de punir, o autor deve ser necessariamente alguém que possua atribuição para punir seus subordinados no campo disciplinar, circunstância delimitada por lei ou regulamento fomentado por uma lei. À guisa de exemplo, tomemos o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar Paulista (Lei Complementar n. 893, de 9-3-2001), que restringe essa possibilidade legal ao Oficial de posto igual ou superior ao de Capitão, ou àquele que, embora detentor de posto inferior, esteja em funções referentes aos postos de Capitão a Coronel. Assim, somente quem estiver na função de Capitão ou de Oficial de posto superior é que pode exceder no ato de punir seus subordinados. Necessário esclarecer que a expressão “faculdade de punir o subordinado” deve

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ser tomada em uma acepção mais abrangente – o que não significará interpretação extensiva, mas compreensão do significado trazido pela Lei –, incluindo não somente a primeira autoridade disciplinar que impõe a sanção disciplinar, mas também aquela que, tomando por base uma punição imposta, a agrava de forma exacerbada. Essa compreensão devese ao entendimento de que o ato de punir é, em sua quase totalidade, um ato administrativo complexo que exige, para ter seu termo, não só a imposição da sanção, mas, também, a anuência de uma autoridade superior que, nesse momento, poderá não concordar com a dosimetria e agravar a punição. Vários são os detalhes que podem ser consignados acerca dos momentos do ato punitivo, o que seria interessante se nos detivéssemos nesta obra ao Direito Administrativo Disciplinar Militar, bastando ao nosso escopo que firmemos o entendimento de que o excesso criminoso poderá ocorrer não só por aquele que impõe o corretivo em fase inicial como ainda por aquele que, em segundo momento, agrava a sanção aplicada. • Elemento subjetivo: só admite o dolo, a intenção, a vontade livre e consciente de atacar seu subordinado mediante a aplicação de punição excessiva ou ilegal. • Consumação: o delito se consuma quando o autor publica a punição indevida ou quando ofende seu subordinado por palavra ou ato, ou, ainda, quando lhe impõe o cumprimento do corretivo em local incompatível com a sobrevivência humana digna. • Tentativa: é possível na primeira modalidade, no caso de a infração ter sido praticada por escrito, enviada à publicação e interceptada por motivos alheios à vontade do acusado, ou ainda no caso de o rigor excessivo ter sido determinado, mas impedido no momento da execução. • Crime propriamente militar. • Tipicidade indireta: como o delito só pode ser perpetrado propriamente por militares da ativa, especificamente os Oficiais dotados de atribuição disciplinar para punir, para se ter a completa compreensão da tipicidade deste crime, deve-se verificar o inciso I do art. 9o do CPM, que trará ao intérprete o entendimento de que, para a subsunção do fato a este delito, basta que sejam encontrados os elementos grafados no tipo penal da Parte Especial. • Ação penal: é pública incondicionada. 4.7. Violência contra inferior • Tipo legal Art. 175. Praticar violência contra inferior: Pena – detenção, de três meses a um ano. Resultado mais grave Parágrafo único. Se da violência resulta lesão corporal ou morte é também aplicada a pena do crime contra a pessoa, atendendo-se, quando for o caso, ao disposto no art. 159. • Objetividade jurídica: o tipo penal em foco visa tutelar a autoridade que é lesada quando o superior pratica violência contra seu subordinado, uma vez que sua ascendência sobre ele e tantos outros que conhecerem o fato estará sensivelmente prejudicada depois desse evento. A disciplina igualmente será atingida com a conduta, pois a estética militar terá um de seus elos quebrados. Subsidiariamente, protege-se também a integridade física do ofendido. • Sujeitos do delito: o sujeito ativo é o superior hierárquico ou funcional (este por compreensão do art. 24 do CPM), o que restringe o cometimento do delito ao militar, federal ou dos Estados. Não se utilizou o legislador da expressão “militar”, mas sim do termo “inferior”, significando que o delito pode ser perpetrado por militares da ativa ou inativos, desde que contra um inferior. Nessa construção, o militar inativo poderá perpetrar este delito, exceto na compreensão de superior funcional, porquanto não está ele, em inatividade, no desempenho de função, ressalva feita se estiver sendo empregado na Administração Militar, conforme expõe o art. 12 do Código Castrense. Deve-se, ademais, verificar que para o inativo, não equiparado a militar da ativa, cometer este delito, devem incidir também as circunstâncias do inciso III do art. 9º, já estudadas na Parte Geral. Qualquer pessoa, à exceção, pode perpetrar este delito se em concurso com um militar superior ao sujeito passivo, quando a circunstância pessoal “superior” (hierárquico ou funcional), que é implicitamente uma

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elementar do tipo, comunica-se aos consortes (art. 53, § 1º, segunda parte, do CPM). O sujeito passivo, titular dos bens jurídicos aviltados, é a própria Instituição Militar. Há o sujeito passivo mediato, personificado no inferior que sofreu a violência. • Elementos objetivos: a conduta cinge-se à prática de violência contra inferior hierárquico ou funcional. Já estudamos, por mais de uma ocasião, o significado para o CPM do termo violência, sendo possível afirmar que toda vez que a lei se utiliza dessa palavra quer significar a agressão de ordem exclusivamente física. Portanto, nesta previsão, o superior hierárquico ataca fisicamente o seu subordinado, respondendo ele por este delito mesmo que a agressão não deixe qualquer vestígio. Por outro bordo, caso resulte da agressão lesão corporal ou mesmo a morte do sujeito passivo mediato, teremos o cúmulo material das penas. Conforme já dispusemos ao comentar o resultado lesão corporal na violência contra superior (§ 3º do art. 157 do CPM), em verdade a regra trazida pelo parágrafo único – que unifica a premissa tanto para a lesão corporal como para o resultado morte, o que não se verifica na violência contra superior, visto que o resultado morte qualifica o delito —, trata-se de uma regra que objetiva o concurso formal dos crimes de violência contra inferior e o de lesão corporal ou de homicídio; porém, aqui também há uma regra própria, diversa daquela estipulada pelo art. 79 do CPM, impondo sempre o cúmulo material, ainda que se trate de espécies diversas, o que deflui da análise da palavra “também”, que indica soma, afastando-se, pois, a exasperação. É de notar que se fôssemos aplicar a regra do art. 79 no crime de violência contra inferior que resultasse em morte, teríamos, para o primeiro fato, a pena de detenção e, para o segundo, ainda que homicídio simples, a pena de reclusão, portanto, penas de espécies diversas que deveriam, pela regra do concurso de crimes, ser unificadas pela exasperação, e não pela simples soma. Aproveitam-se também ao tipo penal militar em estudo os comentários feitos ao art. 159, uma vez que, por imposição do parágrafo único do art. 175, aquele dispositivo deve, quando for o caso, ser atendido. Como exemplo, temos o caso do superior que dá um soco em seu subordinado por uma discussão sobre questão qualquer, vindo este a cair ao solo, falecendo em razão de ter batido sua cabeça contra o meio-fio. Destaque-se, por fim, que o art. 42 do CPM exclui o crime quando o “comandante de navio, aeronave ou praça de guerra, na iminência de perigo ou grave calamidade, compele os subalternos, por meios violentos, a executar serviços e manobras urgentes, para salvar a unidade ou vidas, ou evitar o desânimo, o terror, a desordem, a rendição, a revolta ou o saque”. A exclusão da antijuridicidade aqui está calcada na iminência de perigo ou grave calamidade. • Elemento subjetivo: só admite o dolo, a intenção, a vontade livre e consciente de investir fisicamente contra o subordinado (inferior hierárquico ou funcional). É importante frisar que neste delito a ação incriminada é a violência empregada contra o inferior, não importando o resultado, que pode somente qualificar o delito. Destarte, a condição de inferior deve ser conhecida pelo agente ou, de outra forma, não haverá conformação típica subjetiva, desconstituindo-se, esta infração, por ausência do elemento subjetivo (inciso I do art. 47 do CPM). Na verdade, à letra da lei penal militar, estaria afastada a própria tipicidade objetiva (“deixam de ser elementos constitutivos do crime”), mas preferimos entender que há a afetação do dolo. O mesmo art. 47 do CPM possui outra causa excludente do elemento subjetivo, especificamente em seu inciso II, que dispõe não se configurar elementar do tipo “a qualidade de superior ou a de inferior, a de oficial de dia, de serviço ou de quarto, ou a de sentinela, vigia, ou plantão, quando a ação é praticada em repulsa a agressão”. • Consumação: o delito se consuma quando o autor atinge o subordinado fisicamente. • Tentativa: é possível no caso de o autor investir fisicamente contra seu subordinado, sendo impedido por um terceiro. • Crime propriamente militar. • Ação penal: é pública incondicionada.

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4.8. Ofensa aviltante a inferior • Tipo legal Art. 176. Ofender inferior, mediante ato de violência que, por natureza ou pelo meio empregado, se considere aviltante: Pena – detenção, de seis meses a dois anos. Parágrafo único. Aplica-se o disposto no parágrafo único do artigo anterior. • Objetividade jurídica: assim como na violência contra inferior, o tipo penal protege a autoridade e a disciplina militares, bem como a integridade física do ofendido e sua honra. • Sujeitos do delito: o sujeito ativo é o superior hierárquico ou funcional (este por compreensão do art. 24 do CPM), o que restringe o cometimento do delito ao militar, federal ou dos Estados. Aqui também não se utilizou o legislador da expressão “militar”, mas sim do termo “inferior”, significando que o delito pode ser perpetrado por militares da ativa ou inativos, desde que contra um inferior. Nessa construção, o militar inativo poderá perpetrar este delito, exceto na compreensão de superior funcional, porquanto não está ele, em inatividade, no desempenho de função, ressalva feita se estiver sendo empregado na Administração Militar, conforme expõe o art. 12 do Código Castrense. Deve-se, ademais, verificar que para o inativo, não equiparado a militar da ativa, cometer este delito, devem incidir também as circunstâncias do inciso III do art. 9º, já estudadas na Parte Geral. Qualquer pessoa, à exceção, pode perpetrar este delito se em concurso com um militar superior ao sujeito passivo, quando a circunstância pessoal “superior” (hierárquico ou funcional), que é implicitamente “uma elementar do tipo, comunica-se aos consortes (art. 53, § 1º, segunda parte, do CPM)”. O sujeito passivo, titular dos bens jurídicos aviltados, é a própria Instituição Militar. Há o sujeito passivo mediato, personificado no inferior que sofreu a conduta delitiva. • Elementos objetivos: a conduta em si é idêntica àquela tipificada no delito de violência contra inferior. Ocorre, todavia, que aqui o tipo de agressão é humilhante, afronta a honra do ofendido, inferioriza, desvaloriza, ataca a dignidade (atributos morais) e/ou o decoro (atributos físicos e intelectuais), além de lhe atingir a integridade física. São exemplos: bater no rosto do inferior com luvas; com uma sandália de borracha na mão, bater nas nádegas do inferior, colocando-o como se criança fosse; puxar as orelhas do subordinado; despir o subordinado diante de todos; imobilizar o subordinado para que outrem lhe cuspa no rosto; desferir golpe de rebenque com o intuito de humilhar o subordinado; dar um tapa no rosto do subordinado acompanhado de comentários e realizado de forma tal que dê a conotação de subjugo de um pelo outro; em síntese, são investidas físicas com objetivo moral. É irrelevante o local dos fatos e se as partes estão ou não uniformizadas. Deve-se ter em foco que os atos configuradores de ofensa aviltante são os mesmos caracterizadores da injúria real. Nesse sentido, pode-se firmar que a diferenciação entre os delitos repousa, inicialmente, na questão objetiva de haver um superior contra um inferior na ofensa aviltante, enquanto a injúria real não exige qualidades específicas dos sujeitos ativo e passivo. Ademais, outro ponto de diferenciação está no aspecto subjetivo da tipicidade, como abaixo aduziremos. Por fim, no caso de advir lesão corporal ou morte, os parâmetros para a caracterização do delito com a consequente imposição da pena obedecerão aos moldes da violência contra inferior, conforme dispõe o parágrafo único do art. 176 do CPM. • Elemento subjetivo: no delito em estudo, exige-se a caracterização da vontade guiada por dois vetores: primeiro, o desejo de aviltar, humilhar, vulnerando moralmente o inferior, utilizando-se de meio violento (violência física); há que reconhecer também o desejo de avilte direcionado a um inferior hierárquico ou funcional. Exige-se, portanto, um dolo específico (na atual compreensão doutrinária, um elemento subjetivo específico do tipo) para a configuração do crime. Por essa compreensão, não se reconhecendo a vontade de utilizar a violência como meio de aviltar o inferior, e sim como fim – ou seja, a violência é o fim almejado pelo autor –, estaremos diante do delito capitulado no art. 175, e não diante de hipótese de ofensa aviltante. A linha traçada, ademais, permite excluir o delito, assim como no caso de violência contra

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superior, quando a relação superior-inferior estiver fora da cognição ou da vontade do agente, como nos casos das já mencionadas hipóteses dos incisos do art. 47 do CPM e da relação entre pai e filho, entre cônjuges etc. Eventualmente, afastada a elementar “inferior”, poderá ocorrer hipótese de injúria real, capitulada no art. 217 do Código Castrense. • Consumação: o delito se consuma quando o autor atinge o subordinado fisicamente por conduta que o ofenda. • Tentativa: é possível no caso de o autor investir fisicamente contra seu subordinado e ser impedido por terceiro. • Crime propriamente militar. • Ação penal: é pública incondicionada. 5.DA FUGA, EVASÃO, ARREBATAMENTO E AMOTINAMENTO DE PRESO 5.1. Fuga de preso ou internado • Tipo legal Art. 178. Promover ou facilitar a fuga de pessoa legalmente presa ou submetida a medida de segurança detentiva: Pena – detenção, de seis meses a dois anos. Formas qualificadas § 1º Se o crime é praticado a mão armada ou por mais de uma pessoa, ou mediante arrombamento: Pena – reclusão, de dois a seis anos. § 2º Se há emprego de violência contra pessoa, aplica-se também a pena correspondente à violência. § 3º Se o crime é praticado por pessoa sob cuja guarda, custódia ou condução está o preso ou internado: Pena – reclusão, até quatro anos. • Objetividade jurídica: o tipo penal tutela a autoridade militar personificada no Comandante do presídio, Comandante de Unidade encarregada da escolta ou de quem os represente, porquanto as prisões militares constituem Unidades regularmente previstas na organização das Instituições Militares. Curioso notar que o delito correspondente no Código Penal comum (art. 351) – assim como os demais que o seguem, tratando da evasão, do arrebatamento ou do amotinamento de presos – possui outra objetividade jurídica, visto que está capitulado entre os crimes contra a Administração da Justiça, enquanto o crime militar em análise está incluído nos crimes contra a autoridade ou disciplina militares. • Sujeitos do delito: o sujeito ativo poderá ser qualquer pessoa, civil ou militar. No caso de sujeição ativa de um civil, deve-se frisar que somente será possível a ocorrência do delito em âmbito federal. Do contrário, caso a fuga ocorra em estabelecimento prisional militar estadual, ou quando o favorecido estiver sob a guarda de autoridade militar estadual, a tipificação deverá ser buscada na legislação penal comum, especificamente no art. 351 do CP comum. O sujeito passivo, titular dos bens jurídicos aviltados, é a própria Instituição Militar. • Elementos objetivos: os núcleos da conduta em questão são “promover” ou “facilitar” a fuga de preso ou internado. Promoção de fuga significa originar, iniciar, causar ou provocar a fuga de preso ou internado. Já na facilitação, embora o agente não seja o desencadeador do plano de fuga, toma parte no esquema montado, favorecendo-a, tornando-a fácil, facultando-a, por exemplo, pela remoção de obstáculo. Como muito bem anota Mirabete, na segunda modalidade a iniciativa é do favorecido, ao que adere o agente, “auxiliando-o com instrumentos, meios de disfarces, informações etc.”, ou mesmo se omitindo quando se tem o dever de obstar a fuga. É de notar que o tipo penal fala em pessoa presa ou submetida a medida de segurança detentiva, levando à conclusão de que o favorecido deve estar sob jurisdição de autoridade judiciária. Em outras palavras, somente é elemento típico a prisão por crime (provisória ou definitiva) e a prisão civil por dívida nas exceções permitidas pela Constituição Federal (não pagamento de prestação alimentícia e depositário infiel), excluindose, pois, o delito em estudo se a promoção ou favorecimento for de uma fuga de militar preso, por força de previsão disciplinar, podendo, no entanto, haver a prática de outro delito, a exemplo daquele capitulado no § 2º do art. 308 do CPM. Por outro bordo, como o crime tutela a autoridade e a disciplina militares, entendemos haver o delito em foco quando a

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conduta se dá em circunstâncias fora de estabelecimento prisional, porém sob autoridade de escolta militar. Assim, estará caracterizado o crime do art. 178 do CPM se, por exemplo, militar integrante da escolta de um preso à disposição da justiça (comum ou militar) promover ou facilitar fuga. O crime sob exame possui formas qualificadas que se justificam por si só Qualifica o delito, inicialmente, o emprego de arma (própria ou imprópria), a prática por mais de uma pessoa ou com o arrombamento de instalação (§ 1º). Justifica-se a maior reprovação porque tais modalidades facilitam o exercício da ação ilícita. Também é qualificado o delito se for praticado por pessoa sob cuja guarda, custódia ou condução está o preso ou internado (§ 3º), justificando-se a maior reprovação porque aquele que recebeu a incumbência estatal de guardar, que deveria, por força de seu ofício, estar comprometido com a causa, faltou com lealdade para com a autoridade militar. Ademais, mais simples se torna a fuga quando quem tem o dever de guarda com ela concorda, merecendo, pois, pena maior. Embora concebido sob uma forma qualificada, o § 2º, em verdade, trata-se de uma regra especial que traz em seu bojo o concurso de infrações penais militares (concurso material e não formal, conforme vimos no estudo dos arts. 153, 157, 158, § 2º, e 175, parágrafo único). Embora aqui exista o concurso material, ao contrário do que vimos quando estudamos os arts. 153, 157, 158, § 2º, e 175, parágrafo único, todos do CPM, em que verificamos concurso formal de infrações, há uma regra própria, diversa daquela estipulada pelo art. 79 do referido diploma, impondo sempre o cúmulo material, ainda que se trate de espécies diversas, o que deflui da análise da palavra “também”, que indica soma, afastando-se, pois, a exasperação. Como se fôssemos aplicar a regra do art. 79 na facilitação de fuga que resultasse em morte, teríamos, para o primeiro fato, a pena de detenção e, para o segundo, ainda que homicídio simples, a pena de reclusão, portanto, penas de espécies diversas que deveriam, pela regra do concurso de crimes do art. 79, ser unificadas pela exasperação, e não pela simples soma. • Elemento subjetivo: só admite o dolo, a intenção de promover ou facilitar a fuga. • Consumação: o delito se consuma quando o preso ou submetido à medida de segurança detentiva foge, mesmo que seja capturado em seguida. • Tentativa: é possível no caso em que se perpetram as ações em questão mas a pessoa acaba por não fugir ou, ainda, é capturada na tentativa, antes que consiga desvencilhar-se da esfera de vigilância do Estado. • Crime impropriamente militar. • Ação penal: é pública incondicionada. 5.2. Modalidade culposa • Tipo legal Art. 179. Deixar, por culpa, fugir pessoa legalmente presa, confiada à sua guarda ou condução: Pena – detenção, de três meses a um ano. • Objetividade jurídica: da mesma forma que o artigo anterior, busca-se proteger a autoridade militar, representada pelo Diretor ou Comandante do recinto militar que possua prisão, ou da Unidade responsável pela guarda e locomoção de presos, ou quem os represente. • Sujeitos do delito: pela leitura do tipo penal, o sujeito ativo poderia ser qualquer pessoa, civil ou militar, cabendo anotar que no caso de sujeição ativa de um civil, somente será possível a ocorrência do delito em âmbito federal. Por outro lado, conforme sustentamos nos comentários afetos ao inciso III do art. 9º, o civil, assim como o militar inativo, para poderem perpetrar crimes militares, devem com sua conduta afrontar a própria instituição militar (a que pertencem, no caso dos inativos, ou a instituição militar visada, no caso dos civis), exigindo-se, pois, um elemento subjetivo especial do tipo, na espécie de delito de intenção. Ora, se tratamos de modalidade culposa, obviamente devemos descartar o elemento subjetivo especial do tipo, porquanto a conduta não seria dirigida a um fim típico, consignado no artigo. Dessa construção, e em resumo, podemos firmar que a modalidade culposa em estudo somente pode ser perpetrada por militares da ativa, seja em âmbito federal ou estadual. Caso um militar

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inativo ou um civil colaborem culposamente para fuga, deve-se buscar subsunção no Código Penal comum, especialmente no § 4º do art. 351. O sujeito passivo, titular dos bens jurídicos aviltados, é a própria Instituição Militar. • Elementos objetivos: o núcleo da conduta em questão é “deixar”, por culpa, fugir pessoa presa confiada à guarda do autor. Como se trata de postura omissiva, a culpa se verifica na modalidade de negligência. No tipo em estudo, portanto, o autor não adota as cautelas necessárias, fomentando, ainda que não deseje isso, a fuga de pessoa presa confiada à sua guarda (vigilância estática em determinado local) ou condução (escolta). Note-se que não é figura típica do crime em estudo a fuga de pessoa submetida a medida de segurança, restringindo-se somente à fuga de pessoa presa que, assim como no delito anterior, limita-se à prisão por crime (provisória ou definitiva) e à prisão civil por dívida nas exceções permitidas pela Constituição Federal (não pagamento de prestação alimentícia e depositário infiel), não abrangendo a fuga, em face de restrição ou privação de liberdade por razões disciplinares. Assim como no crime anterior, caso a fuga se opere em estabelecimento penal comum, não se falará em crime militar. Por outro lado, nada impede que ocorra o delito na forma culposa em transporte (escolta) de preso civil que tenha cometido crime comum ou militar, ou então de um civil que, por questões de política penitenciária, cumpra pena ou prisão provisória em estabelecimento militar (prisional ou não). • Elemento subjetivo: como se trata de modalidade culposa, irrelevante se torna o elemento subjetivo, bastando a culpa, no caso do tipo em estudo, por negligência. • Consumação: o delito se consuma quando o preso foge, mesmo que seja capturado em seguida. • Tentativa: é impossível por se tratar de delito culposo. • Crime propriamente militar. • Ação penal: é pública incondicionada.  5.3. Amotinamento • Tipo legal Art. 182. Amotinarem-se presos, ou internados, perturbando a disciplina do recinto de prisão militar: Pena – reclusão, até três anos, aos cabeças; aos demais, detenção de um a dois anos. Responsabilidade de partícipe ou de oficial Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem participa do amotinamento ou, sendo oficial e estando presente, não usa os meios ao seu alcance para debelar o amotinamento ou evitar-lhe as consequências. • Objetividade jurídica: neste delito, diversamente dos anteriores, a disciplina militar é trazida ao primeiro plano da proteção da norma, por ser indispensável ao bom funcionamento de um recinto de prisão militar. Evidentemente, de forma adjacente, sai maculada também a autoridade dos militares comandantes ou dirigentes da Unidade prisional ou da Unidade em que se localiza a prisão. • Sujeitos do delito: crime de autoria coletiva, exige-se pluralidade de pessoas para configurá-lo. Em nosso entender, ante a não definição expressa do tipo penal, basta a prática da conduta nuclear por duas pessoas para que o delito ocorra. O sujeito ativo na figura do caput do artigo poderá ser qualquer pessoa, civil ou militar, desde que esteja preso em estabelecimento prisional militar (ou Unidade com dependência de prisão). Curioso notar que, embora o tipo penal preveja a possibilidade de o internado submetido à medida de segurança praticar o delito, ele (tipo) exige a turbação da disciplina em recinto de prisão militar e não consagra a turbação da disciplina em manicômio judiciário ou em estabelecimento psiquiátrico anexo ao manicômio judiciário, hoje condensados no hospital de custódia. Teríamos, pois, uma incongruência no tipo penal, uma vez que, em primeira análise, não é possível alguém submetido a medida de segurança turbar a disciplina de prisão militar,

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porquanto não é esta destinada ao acolhimento daqueles a quem foi imposto esse tipo de sujeição. A nós nos parece, contudo, que o tipo penal buscou delinear possibilidades em que internados pudessem cometer o delito, das quais consignamos alguns exemplos: a) primeiro, o tipo penal em estudo não menciona presídio militar, mas recinto de prisão militar, que poderá ser encontrado em hospital de custódia para a contenção de casos extremos de inimputáveis agressivos, que coloquem em risco a vida dos demais internados; nesse caso, sendo o hospital de custódia uma Unidade militar, o recinto destinado às celas será recinto de prisão militar; b) outra possibilidade consiste no fato de o hospital de custódia localizarse em área adstrita a presídio, possibilitando que o internado tenha acesso a prisão militar, podendo, pois, amotinar-se; c) não se pode esquecer também da possibilidade de um preso, por doença mental superveniente, ter sua pena convertida em medida de segurança, permanecendo no presídio militar até sua remoção para o hospital de custódia. O sujeito passivo, titular dos bens jurídicos aviltados, é a própria Instituição Militar. • Elementos objetivos: o núcleo da conduta é “amotinar-se”, ou seja, rebelar-se, perturbar a ordem vigente no recinto de prisão militar, negando-se a sair ou a voltar para as celas, fazendo algazarra, tomando terceiro qualquer como refém, em suma, alterando indevidamente a regularidade das atividades do estabelecimento que contenha prisão militar. Recinto de prisão militar, para Célio Lobão, inclui o “local fora das grades, onde os presos trabalham ou estudam ou tomam sol, como tombadilho do navio, pátio interno da penitenciária militar, além de outros locais do estabelecimento castrense, onde se encontram os presos em recreação, fazendo exercício, além de atividades diversas, destinadas a amenizar as agruras do recolhimento à prisão”. Essa construção, com a qual pactuamos, reforça nossa visão de que o tipo penal foi além da compreensão de estabelecimento prisional, consistindo a expressão “recinto de prisão militar” em toda e qualquer instalação em que existam pessoas presas em cumprimento de pena, prisão provisória, prisão civil, nos casos constitucionalmente permitidos, ou eventualmente com privação de liberdade em cela durante o desconto de medida de segurança. O preceito secundário do tipo-base comina pena com aumento para os “cabeças”, definidos no art. 53, §§ 4º e 5º, do CPM. Embora a previsão da pena não o consagre expressamente, como o faz a sua correlata no Código Penal comum, o resultado de violência no curso do amotinamento importará em delito autônomo, ao qual o agente responderá em concurso material de delitos, vingando a regra do art. 79 do CPM. A lei penal militar, no parágrafo único do artigo em estudo (primeira parte), previu casos assimilados, equiparando-os ao amotinamento do caput. Assim, na mesma pena incorre quem, embora não preso ou internado, participa, de qualquer forma, dos atos de amotinamento, previsão despicienda na perspicaz visão de Jorge César de Assis, em face da regra definidora do concurso de pessoas (coautoria) do art. 53 do CPM. Por força da segunda parte do parágrafo único do art. 182, também se equipara ao tipo-base a conduta de Oficial (da ativa ou equiparado) que, estando presente no momento do amotinamento, deixa de usar todos os meios possíveis para debelar o movimento ou evitar suas consequências. • Elemento subjetivo: o tipo em estudo só admite a modalidade dolosa, caracterizada pela intenção, vontade livre e consciente de desencadear ou participar do amotinamento. • Consumação: o delito se consuma com a deflagração do amotinamento, com a prática de atos que perturbem a disciplina do recinto. • Tentativa: por ser delito plurissubsistente, é admissível quando os sujeitos ativos, em fase inicial da execução, não conseguirem seu intento (tomar o recinto, p. ex.). • Crime impropriamente militar. • Ação penal: é pública incondicionada. 6. SURSIS, LIVRAMENTO CONDICIONAL E LIBERDADE PROVISÓRIA

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No Código Penal Militar, os delitos de aliciação (art. 154), incitamento (art. 155),

violência contra superior (art. 157), violência contra oficial de dia, de serviço ou de quarto, sentinela, vigia ou plantão (art. 158), desrespeito a superior (art. 160), desrespeito a símbolo nacional (art. 161), despojamento desprezível (art. 162) e de recusa de obediência (art. 163), todos comentados neste capítulo, são insuscetíveis de suspensão condicional da pena, conforme expõe o art. 88, II, a e b, do citado diploma. Não há, perceberá o atento estudioso, construção técnica da lei penal que nos permita firmar que as disposições do art. 88 refiram-se a capítulos, e não a delitos. Por vezes, temos a impressão de que há menção ao delito isoladamente, como no caso do crime de violência contra oficial de dia, de serviço ou de quarto, sentinela, vigia ou plantão. Em outros pontos, parece que o CPM buscou abranger o capítulo, como no caso da insubordinação. Dada a péssima construção da lei, que não seguiu rigor técnico, aliada ao fato de não se mencionar a palavra “capítulo”, optamos por uma visão menos gravosa, restringindo-nos aos delitos isoladamente para reconhecer a impossibilidade de concessão de sursis. O livramento condicional nos crimes de motim ou de revolta (art. 149, caput, e parágrafo único, do CPM), de aliciação (art. 154), de incitamento (art. 155), violência contra superior (art. 157) ou militar de serviço somente é cabível após o cumprimento de dois terços da pena, nos termos do art. 97 do Código Castrense. Também no caso do livramento condicional, a falta de rigor técnico nos leva a uma construção mais benéfica, buscando apenas entender que o cumprimento de dois terços é exigido para os crimes, isoladamente, e não para os capítulos. Versando dispositivos do CPM, a liberdade provisória também não poderá ser concedida nos delitos de violência contra superior (art. 157), desrespeito a superior (art. 160), desrespeito a símbolo nacional (art. 161), despojamento desprezível (art. 162), recusa de obediência (art. 163), oposição à ordem de sentinela (art. 164), publicação ou crítica indevida (art. 166), abuso de requisição militar (art. 173), ofensa aviltante a inferior (art. 176), resistência mediante ameaça ou violência (art. 177) e fuga de preso ou internado (art. 178), nos termos da alínea b do parágrafo único do art. 270 do CPPM. Diferentemente do Código Penal Militar, o Código de Processo Penal Militar, na previsão da concessão de liberdade provisória, foi mais claro, prevendo os artigos expressamente, não dando, pois, margem a dúvida.

DOS CRIMES CONTRA O SERVIÇO E O DEVER MILITAR

1.DA INSUBMISSÃO 1.1. Insubmissão • Tipo legal Art. 183. Deixar de apresentar-se o convocado à incorporação, dentro do prazo que lhe foi marcado, ou, apresentando-se, ausentar-se antes do ato oficial de incorporação: Pena – impedimento, de três meses a um ano. Caso assimilado § 1º Na mesma pena incorre quem, dispensado temporariamente da incorporação, deixa de se apresentar, decorrido o prazo de licenciamento. Diminuição da pena § 2º A pena é diminuída de um terço: a) pela ignorância ou a errada compreensão dos atos da convocação militar, quando escusáveis; b) pela apresentação voluntária dentro do prazo de um ano, contado do último dia marcado para a apresentação. • Objetividade jurídica: o tipo em estudo, embora inaugure o capítulo dos crimes contra o serviço e o dever militares, tutela apenas o serviço militar, uma vez que aquele que é convocado não está ainda atado ao dever militar. • Sujeitos do delito: o sujeito ativo é o civil convocado, porquanto em nenhuma das condutas descritas no tipo exige-se que o sujeito ativo esteja incorporado à Instituição Militar. Portanto,

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de forma sui generis, no diploma castrense, este delito limita a sujeição ativa apenas a quem não é militar. Cumpre-nos neste ponto identificar um iter a ser seguido na identificação do convocado. A Lei n. 4.375, de 17 de agosto de 1964 (“Lei do Serviço Militar”), define uma figura preliminar ao convocado, qual seja, o refratário. O art. 24 da referida Lei dispõe que o “brasileiro que não se apresentar para a seleção durante a época de seleção do contingente de sua classe ou que, tendo-o feito, se ausentar sem a ter completado, será considerado refratário”. O art. 25 da mesma Lei dispõe que “o convocado selecionado e designado para incorporação ou matrícula, que não se apresentar à Organização Militar que lhe for designada, dentro do prazo marcado ou que, tendo-o feito, se ausentar antes do ato oficial de incorporação ou matrícula, será declarado insubmisso”. Agora, resta verificar quem é o convocado. É considerada convocada à incorporação a pessoa selecionada para tanto e designada para a incorporação ou matrícula em Organização Militar, devendo apresentar-se no prazo que lhe for fixado. Essas definições são complementadas pelo Decreto n. 57.654, de 20 de janeiro de 1966, que regulamenta a “Lei do Serviço Militar”. Assim, o Decreto em relevo define, em seu art. 3o, as expressões e termos acima utilizados. Em resumo e simplificadamente, portanto, teríamos uma primeira condição de irregularidade que não configuraria ilícito penal militar, a situação do jovem que não se alista, não comparece para a seleção ou dela não participa até o fim, considerado refratário. Uma vez selecionado, no entanto, e tendo designadas Organização Militar e data para se apresentar para a incorporação ou matrícula, o cidadão ocupará a figura do convocado, sendo, pois, passível de cometimento do delito de insubmissão. Apenas para se ter o completo iter, o convocado incorporado passa à condição de militar, podendo, por exemplo, caso se ausente ilegalmente por mais de oito dias do lugar onde presta o serviço militar, praticar o delito de deserção, que estudaremos adiante. Cumpre observar, em instância final da composição do sujeito ativo, que a figura do convocado como acima delineado inexiste nas Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares do Brasil, os quais possuem um sistema de voluntariado na prestação do serviço da Instituição, conforme comanda o art. 11 do Decreto-Lei n. 667, de 2 de agosto de 1969. Nessa ordem, o delito em estudo não ocorre no âmbito das milícias estaduais. É dizer, em outros termos, que, por exemplo, na Milícia paulista, o candidato aprovado que não se apresentar para tomar posse no cargo será considerado desistente e abrirá vaga para o próximo classificado; caso se apresente, por outro bordo, e efetive sua admissão, saindo em seguida e não mais retornando, será considerado ausente, tendo início a contagem de prazo para sua deserção. O sujeito passivo, titular do bem jurídico aviltado, é a própria Instituição Militar. • Elementos objetivos: como se pode inferir, o delito em estudo visa alcançar o civil que, convocado, busca escapulir da prestação do serviço militar, iniciado com o ato de incorporação ou de matrícula. O serviço militar no Brasil, nos termos do caput do art. 143 da CF, é obrigatório, segundo os parâmetros dados por lei específica. Essa lei é exatamente a supracitada “Lei do Serviço Militar”, que define, em seu art. 1º, o serviço militar como o exercício de atividades específicas desempenhadas nas Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), compreendendo, na mobilização, todos os encargos relacionados com a defesa nacional. Para aqueles que alegarem imperativo de consciência (escusas de consciência), a própria Constituição Federal prevê o serviço alternativo, que eximirá tais pessoas de atividades de caráter essencialmente militar. Nesse prisma foi editada a Lei n. 8.239, de 4 de outubro de 1991, que conferiu ao Estado-Maior das Forças Armadas, em coordenação com os ministérios militares, a competência para atribuir serviço alternativo, o que foi regulado pela Portaria COSEMI n. 2.681, de 28 de julho de 1992, em vigência. São duas as condutas reprimidas por este tipo. A primeira delas é deixar de se apresentar e a segunda é ausentar-se. Na primeira possibilidade, o autor, convocado para incorporação à Força, deixa de apresentar-se à Instituição Militar no prazo que lhe foi determinado.

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Já na segunda, ele se apresenta à Força no prazo determinado, mas, em seguida, ausenta-se antes da formalização de sua incorporação. No § 1º do artigo em estudo consagrou-se um caso assimilado, dispondo que incorrerá na mesma pena aquele que, dispensado temporariamente da incorporação, deixa de se apresentar, findo o prazo de licenciamento. Em verdade, a “Lei do Serviço Militar” fala em adiamento do serviço militar, e não em dispensa temporária de incorporação. Tais casos estão enumerados no art. 29 da referida Lei. Por fim, o § 2º do dispositivo em estudo prevê minoração da pena em um terço, com base na ignorância ou errada compreensão dos atos da convocação militar, quando escusáveis ou quando há o arrependimento posterior do agente, que se apresenta voluntariamente dentro do prazo de um ano, contado do último dia marcado para a apresentação. No primeiro caso vemos a plena materialização do princípio ignorantia legis neminen excusat, ou seja, o dogma de que a ignorância da lei é inescusável e, ainda que o seja, a culpabilidade do agente não estará afastada. Essa construção, aliás, é muito frequente no Código Penal Militar, que, já no art. 35, ao tratar do erro de direito – que não se aplica à insubmissão, visto que se trata de crime contra o serviço militar –, prevê que a pena pode ser atenuada ou substituída por outra menos grave quando o agente, salvo em se tratando de crime que atente contra o dever militar, supõe lícito o fato, por ignorância ou erro de interpretação da lei, se escusáveis. Note-se que o dispositivo passa ao largo de uma escusa a isentar de pena mas, tão somente, permite a atenuação da culpabilidade. • Elemento subjetivo: só admite o dolo, a intenção, a vontade livre e consciente de se furtar ao serviço militar, deixando de apresentar-se ou ausentando-se após sua apresentação. Por admitir somente a modalidade dolosa, por óbvio, para que o crime se verifique, o autor deve necessariamente saber o dia, a hora e o local da apresentação, o que deverá estar expresso em documento que recebeu na vez anterior em que esteve em seleção. • Consumação: o delito se consuma quando o autor deixa de comparecer à Instituição Militar no limite do tempo que lhe foi concedido para tal ou quando se ausenta, tendo já se apresentado para a incorporação que ainda não foi oficializada. • Tentativa: não é possível em vista de a conduta ser omissiva (1ª hipótese) e de mera conduta (2ª hipótese). • Crime propriamente militar: uma observação deve ser trazida à análise do leitor. A teoria clássica, ao classificar os delitos militares em próprios e impróprios, vê na insubmissão uma exceção, por ser o único crime militar que somente o civil pode cometer. Justifica-se essa exceção pelo fato de que, apesar de ser praticado por um civil, a incorporação do faltoso, portanto a condição de militar, é condição de punibilidade ou de procedibilidade, nos termos do art. 464, § 2º, do CPPM. Vale dizer que, antes de adquirir a qualidade de militar, com sua inclusão nas Forças Armadas, não cabe ação penal contra o insubmisso. Foi justamente essa excepcional condição da insubmissão que fez com que Jorge Alberto Romeiro idealizasse outra teoria para definir os crimes propriamente militares, firmando que crime propriamente militar traduz-se por aquele “cuja ação penal somente pode ser proposta contra militar. • Ação penal: é pública incondicionada. Contudo, há que lembrar da necessidade de prévia incorporação do insubmisso para que se possa desencadear a ação penal (condição de procedibilidade). 1.2Deserção (art. 187 – 194). “Ausência não autorizada do serviço militar, por parte de um oficial ou de uma praça, com a intenção de não mais voltar” “Deserção” “Art. 187. Ausentar-se o militar, sem licença, da Unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias: Pena – detenção de seis meses a dois anos; se oficial, a pena é agravada”.

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O art. 187 trata da chamada deserção propriamente dita e é por isso que se diz que tal artigo traz a definição legal de deserção. A lei não estipula o quantum do agravamento desta pena, aplica-se o disposto no art. 73 do CPM, agravando-a de um quinto a um terço. “Casos assimilados” “Art. 188. Na mesma pena incorre o militar que: I – não se apresenta no lugar designado, dentro de oito dias, findo o prazo de trânsito ou férias; II – deixa de se apresentar à autoridade competente, dentro do prazo de oito dias, contados daquele que termina ou é cassada a licença ou agregação ou em que é declarado o estado de sítio ou de guerra; III – tendo cumprido a pena, deixa de se apresentar, dentro do prazo de oito dias; IV – consegue exclusão do serviço ativo ou situação de inatividade, criando ou simulando incapacidade”. “Deserção especial” “Art. 190. Deixar o militar de apresentar-se no momento da partida do navio ou aeronave, de que é tripulante, ou da partida ou deslocamento da unidade ou força em que serve: Pena – detenção até três meses, se após a partida ou deslocamento, se apresentar, dentro de vinte e quatro horas, à autoridade militar do lugar, ou, na falta desta, à autoridade policial, para ser comunicada a apresentação a comando militar da região, distrito ou zona”. “Deserção por evasão ou fuga” “Art. 192. Evadir-se o militar do poder da escolta, ou de recinto de detenção ou de prisão, ou fugir em seguida à prática de crime para evitar prisão, permanecendo ausente por mais de oito dias. Pena – detenção, de seis meses a dois anos”. Momento consumativo. É quando se completam os oito dias de ausência, consoante o art. 187 do CPM. Ausência. Antes da consumação do crime de deserção, o militar é considerado ausente por oito dias. Caso retorne ao serviço nesse período de ausência, não há falar-se em crime, mas em mera transgressão disciplinar, devendo nessa esfera o fato ser tratado. Prazo de graça. É o lapso de tempo de oito dias que a lei concede ao ausente, oportunizando-lhe o desistência (“arrependimento”) e a consequente apresentação, não vindo, assim, a consumar o crime de deserção. Afora a deserção tipificada no art. 190 do CPM, uma vez que esta trata da chamada deserção instantânea. A contagem dos dias de ausência, à luz do art. 451 do CPPM, “iniciar-se-á à zero hora do dia seguinte àquele em que for verificada a falta injustificada do militar ...”. Ex.: Se a falta injustificada ocorreu no dia 10, inicia-se a contagem do prazo à zero hora do dia 11 e consumar-se-á a deserção a partir da zero hora do dia 19. Parte de ausência. Deverá ser elaborada pelo chefe imediato do ausente e serve para: a) dar conhecimento do fato ao escalão superior; b) registrar o início da contagem do prazo de graça; c) provocar a elaboração do inventário dos bens deixados ou extraviados pelo ausente. Despacho do Comandante. Na parte de ausência, o comandante irá emitir um despacho, mandando inventariar o material permanente da Fazenda Pública Estadual, deixado ou extraviado pelo ausente, com a assistência de duas testemunhas idôneas e mandando publicar em BIO a parte de ausência e o próprio despacho. É de praxe incluir-se no inventário os bens particulares deixados pelo ausente. Inventário. Destina-se a arrecadar os bens da Fazenda Pública Estadual deixados ou extraviados, bem como os bens particulares deixados pelo ausente. Parte de deserção. Documento elaborado pelo comandante da subunidade do militar ausente, ou autoridade correspondente, por meio do qual encaminhará o termo de inventário e participará ao comandante, chefe ou diretor que tal ausência já conta de oito dias, configurando o crime de deserção.

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Despacho do comandante. Recebida a parte de deserção, o comandante proferirá um despacho designando alguém (pode ser praça ou oficial) para lavrar o termo de deserção. Temo de deserção. No termo de deserção, que será subscrito (assinado) pelo comandante e por duas testemunhas idôneas, de preferência oficiais, será formalizada a instrução provisória do processo de deserção devendo ser mencionadas todas as circunstâncias do fato, de forma a fornecer os elementos necessários à propositura da ação penal (oferecimento da denúncia pelo Ministério Público). Uma vez publicado o termo de deserção, estará configurado o delito, que classificasse como sendo permanente, razão pela qual autoriza, a partir de então, a prisão em flagrante do desertor onde quer que for capturado. Despacho no termo de deserção. Concluído o termo de deserção, o comandante despachará mandando que: a) sejam publicados o termo de deserção e o próprio despacho em BIO; b) sejam juntados os assentamentos do desertor; c) seja oficiado ao Comandante Geral encaminhando o termo de deserção e solicitando a demissão (se praça não-estável) ou a agregação (se oficial ou praça estável); d) manda realizar diligências para localizar o desertor e determina a publicação do resultado destas; e) seja arquivada cópia autêntica dos autos; f) seja remetido os autos ao Ministério Público.

CONTAGEM DO PRAZO PARA CONSUMAÇÃO DA DESERÇÃO (art. 451, §1º):

1 2 3 4 5 6 7 8 ___________________________________________ 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 DF 0:00 0:00 00:00 Expediente 1 2 3 4

DF. Dia da Falta ► PM escalado às 8 horas do dia 15;

1. 0:00 do dia 16 ► Início da contagem da ausência;

2. 0:00 do dia 17 ► Parte de Ausência;

3. 0:00 do dia 24 ► Consumação da deserção; 4. Expediente do dia 24 ► Parte acusatória e Termo de Deserção.

1.3 Embriaguez em serviço (art. 202). “Art. 202. Embriagar-se o militar, quando em serviço, ou apresentar-se embriagado para prestá- lo. Pena – detenção, de seis meses a dois anos”. O delito de embriaguez apresenta duas modalidades: Na primeira o militar encontra-se em serviço e, nessa qualidade embriaga-se. Caso ingira bebida alcoólica e não se embriague, inexiste o delito, mas certamente subsistirá a transgressão disciplinar. Da mesma forma, se a embriaguez ocorre fora do serviço, resolve-se também no âmbito disciplinar. Na segunda modalidade, a de apresentar-se embriagado para prestar serviço, é necessário que o sujeito ativo tenha ciência de que iria entrar em serviço. Nem sempre é possível a execução do exame de dosagem alcoólica , valendo então, em seu lugar, a prova testemunhal que evidencie de modo preciso o estado do acusado na ocasião, com todas as circunstâncias demonstrativas da situação em que o mesmo se encontrava.

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Assim, a embriaguez em serviço tem como consequência imediata, no mínimo, a falta de atenção e prejuízo ao desempenho do serviço que o agente está realizando, já que não podemos aceitar que a ingestão de álcool melhore o desempenho funcional de quem quer que seja. Essa falta de atenção pode evoluir até mesmo para a incapacidade total para a continuação e realização do serviço, quando o agente perde a coordenação motora, predomina a confusão psíquica, apresentam-se perturbações sensoriais como a visão dupla, zumbido de ouvido, ilusões (percepções erradas), palavra difícil e pastosa, inconveniência de atitudes, chegando mesmo ao coma alcoólico nos casos mais graves. A comprovação da embriaguez, portanto, poderá ser efetivada pelo exame de dosagem alcoólica (exame de alcoolemia, exame de sangue) ou pelo exame clínico (exame de embriaguez, “exame visual”). Em qualquer dos casos o exame deve ser feito sempre por médico perito oficial e, na ausência deste, por médico a ser designado pela autoridade militar. 1.4Dormir em serviço (art. 203). “Dormir em serviço” “Art. 203. dormir o militar, quando em serviço, como oficial de quarto ou de ronda, ou em situação equivalente, ou não sendo oficial, em serviço de sentinela, vigia, plantão às máquinas, ao leme, de ronda ou em qualquer serviço de natureza semelhante. Pena – detenção, de três meses a um ano”. O militar tem o dever de utilizar todos os meios possíveis para evitar que adormeça e quando esses meios se apresentem deficientes, cumpre participar ao superior hierárquico a fim de que sejam adotadas providências cabíveis. O delito de dormir em serviço é sempre doloso, o que vale dizer que a conduta culposa não caracteriza o delito, podendo configurar mera transgressão disciplinar. 1.5Condescendência criminosa (art. 322). “Condescendência criminosa” “Art. 322. Deixar de responsabilizar subordinado que comete infração no exercício do cargo, ou, quando lhe falta competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente. Pena – se o fato foi praticado por indulgência, detenção até seis meses; se por negligência, detenção até seis meses”. A condescendência criminosa está prevista no art.320 do Código Penal comum e, por isso, será crime militar impróprio quando presentes as condições exigidas pelo CPM. O presente artigo apresenta duas modalidades de crime; o indulgente doloso e o culposo: a) o culposo, pela referência à negligência; b) o indulgente (doloso), que o crime praticado por indulgência. INDULGÊNCIA é a qualidade do indulgente, ou seja, é a clemência, a misericórdia, a tolerância demasiada, a benevolência. NEGLIGÊNCIA é o desleixo, descuido, incúria, desatenção, menosprezo, preguiça. É crime que só pode ser cometido pelo superior hierárquico em relação ao seu subordinado infrator. O superior neste caso tem competência para punir o subordinado. Já quando o superior não tem competência para punir o subordinado deve informar imediatamente à autoridade competente para a punição, sob pena de cometer o crime de condescendência criminosa. O Regulamento Disciplinar da PMBA traz textualmente a exigência de uma pronta atuação do superior que presenciar ato contrário à disciplina ou ao decoro da instituição, devendo, assim, sujeitar o subordinado à prisão disciplinar ou à prisão em flagrante delito.