apostila defensoria

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  • CRIMINOLOGIA PARA DEFENSOR PBLICO

    - PARAN -

    EXTRADO DA APOSTILA DE DEFENSOR PBLICO DO ESTADO DO PARAN

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    o dos direitos autorais crime previsto na Lei 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Cdigo Penal.

  • INTRODUO CRIMINOLOGIA

    ESCOLAS CRIMINOLGICAS

    EXPOENTES DA CRIMINOLOGIA

    VITIMOLOGIA

    PENOLOGIA

    GARANTISMO PENAL

    PROCESSO DE CRIMINALIZAO

    DIREITO PENAL DO INIMIGO

    CRIMINOLOGIA

  • Criminologia

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    01 INTRODUO CRIMINOLOGIA

    DELIMITAO INICAL E CONCEITUAO

    O fenmeno da criminalidade acompanha - pari passo - o desenvolvimento da humanidade desde os primrdios, e o tema, inegavelmente, desperta a curio-sidade, a ateno e a preocupao de toda a sociedade.

    As mais variadas pessoas, nos mais variados locais e pocas, constantemente buscam meios de entender, explicar e coibir o crime no seio social. Assim, ao longo da histria, diversas noes surgiram e se superaram, conformando ento uma cincia distinta e exclusiva-mente focada no estudo deste fenmeno: a criminolo-gia.

    Etimologicamente, criminologia origina-se do la-tim crimen (delito/crime) e do grego logo (trata-do). comum encontrar nos manuais de criminolo-gia a indicao de que foi o antroplogo francs Paul Topinard o primeiro a utilizar esta terminologia para designar este ramo do saber, em meados de 1879. Mas tambm certo que a palavra s se firmou em defini-tivo com Raffaele Garofalo, que em 1885 publicou o a obra intitulada Criminologia.

    Segundo usual conceituao doutrinria, a crimino-logia a cincia autnoma, emprica e interdisciplinar, que tem por objeto o estudo do crime, do delinquente, da vtima e do controle social do comportamento de-litivo. ela tambm quem nos oferta uma informao vlida sobre a gnese, a dinmica e as variveis do cri-me, enquanto fenmeno individual e social, possibi-litando ainda firmar parmetros para uma preveno eficaz, bem como para delimitar as formas, tcnicas e estratgias de reao contra o fato criminoso.

    Com isso, possvel concluir que a criminologia no almeja o estudo do crime enquanto fenmeno ju-rdico (como ilcito penal), mas sim o estudo de sua natureza, das suas origens e do seu processo de reali-zao e conteno, como fato humano e social.

    Ou seja, o saber criminolgico possibilita ao ope-rador do direito um conhecimento mais apropriado e prximo da realidade ftica que o cerca, pois lhe oferta dados que demonstram a extenso, a adequao e a eficincia das leis penais e processuais que disciplinam o crime.

    CINCIA AUTNOMA

    Por todo o exposto, possvel observar que a crimi-nologia no apenas uma sub-disciplina de algum ramo do direito, mas sim uma cincia autnoma, que oferta conhecimento vlido e til cincia jurdica em vrios parmetros.

    Trata-se de verdadeiro saber cientfico, e no mera impresso ou construo do saber popular, sem

    base tcnica alguma (estes saberes populares, inclusi-ve, que esto via de regra ligados a experincias pr-ticas e particulares de alguns agentes pblicos que atuam na rea do direito penal, acabam propagando situaes generalizadas e indevidas como verdades absolutas, totalmente desprovidas de cientificidade, e que no conformam o verdadeiro conhecimento crimi-nolgico). Por isso, inclusive, possvel dizer que a in-vestigao criminolgica reduz ao mximo a intuio e o subjetivismo, exatamente por submeter o fenmeno criminal a uma anlise rigorosa, com tcnicas adequa-das e prprias para cada situao.

    Ademais, a criminologia traz em si todo um ar-cabouo de conhecimentos prprios, os quais no se confundem com os conhecimentos de nenhuma das cincias jurdico-repressivas, como o direito penal, o processo penal e a poltica criminal.

    Inclusive, dentro desta perspectiva, plenamente possvel traar uma breve distino entre estas trs cincias - a criminologia, o direito penal e a poltica criminal. Vejamos:

    Enquanto a criminologia busca dados e demonstra-es fticas sobre o crime, o criminoso e a criminali-dade em geral, o direito penal apresenta-se como um conjunto de normas jurdicas que tem por objeto a de-terminao de infraes de natureza penal e suas res-pectivas sanes (penas e medidas de segurana). Ou seja, o direito penal v o crime exclusivamente como fenmeno jurdico (ilcito penal), no sendo objeto de seus estudos a origem, as causas e as consequncias sociais deste fato.

    Ao seu turno, a poltica criminal disciplina as me-didas que devem (ou podem) ser implementadas pelo Estado no combate criminalidade. Ou seja, est di-retamente ligada ao controle social do desviante, ao poder que o Estado oficial possui de definir um confli-to social como criminalidade e tomar as medidas ade-quadas para combat-lo. Assim, possvel perceber que os postulados da poltica criminal serviro como critrio de deciso a respeito dos sistemas dogmticos para a aplicao do direito e processo penal.

    So, enfim, cincias autnomas e que no se con-fundem, seja quanto ao objeto de estudo, quanto ao mtodo empregado, ou mesmo em relao as finalida-des perquiridas.

    O MTODO DA CRIMINOLOGIA

    Consoante anotado, a criminologia uma cincia emprica, de observao, anotao e concluso. Falar de empirismo o mesmo que falar de mtodo experi-mental, ou seja, aquele que evolui a partir da observa-o do mundo fenomnico.

    Tanto assim que a metodologia emprica tambm pode ser chamada de analtica ou indutiva, pois parte de um objeto para chegar a uma constatao, parte da coisa para chegar ideia.

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    Portanto, imperioso concluir que a criminologia no uma cincia formal, no uma cincia silogstica ou mesmo dedutiva, mas sim uma cincia de anlise e experimentao.

    INTERDISCIPLINARIDADE

    Interessante firmar que a criminologia tambm uma cincia interdisciplinar, porque conjuga o conhe-cimento de vrias outras cincias, muitas delas (inclu-sive) no jurdicas, como por exemplo: a biologia, a antropologia, a psicologia, a psiquiatria e a sociologia.

    A interdisciplinaridade surge como uma necessi-dade prtica de articulao de conhecimentos, e cons-titui um dos efeitos ideolgicos mais importantes so-bre o qual se constri esta cincia, exatamente porque permite romper barreiras estanques e conformar um saber conjugado. Os fenmenos surgem exatamente da integrao das partes constitutivas de cada cincia.

    At porque, tendo em vista que a criminologia en-tende o crime apenas como uma das vrias formas de comportamento humano (um episdio de desajusta-mento do homem s condies fundamentais da convi-vncia social), certo que sua estruturao depender dos conhecimentos oriundos de outros ramos do saber.

    OBJETOS DE ESTUDO

    Como visto, os objetos sobre os quais a criminolo-gia se debrua so os seguintes: o crime, o criminoso, a vtima e o controle social do delito.

    Destaca-se que alguns destes temas sero particu-larmente explorados adiante, consoante sua importn-cia para os concursos pblicos. Todavia, segue aqui breve explanao elucidativa sobre cada um deles.

    a) O delito:

    o primeiro objeto de estudo da criminologia, e tal-vez o tema central dos debates. Afinal, em torno dele que gira todas as construes tericas desta cincia.

    Vale destacar que o termo delito (aqui trabalha-do enquanto sinnimo de crime/infrao penal) no unvoco, no possui um s significado. Suas variantes dependem do ramo do conhecimento que o utiliza e o contexto que o emprega. Basta ver que para o direi-to penal, a palavra delito possui um contedo formal tcnico (o qual pode variar de acordo com a corrente: se bipartida, tripartite, quadripartite). Para a filosofia e para a tica, o delito possui um contedo estritamen-te moral e principiolgico. J a sociologia o enxerga como um fato social.

    Ao seu turno, a criminologia v o delito como fe-nmeno humano geral, como algo a ser decifrado e compreendido. E ao longo de sua evoluo terica, v-rias foram as formas utilizadas pela criminologia para explicar e delimitar o crime.

    b) O criminoso:

    O segundo objeto de anlise da criminologia foi percebido de formas variadas pelas correntes tericas.

    Para os clssicos, o homem nasce bom por nature-za, e criminoso aquele que optou pelo caminho do mal, embora pudesse e devesse respeitar a lei. Dentro dessa tica, que baseia toda a construo do contrato social (J.Rousseau), a pessoa teria o livre arbtrio para decidir se quer ser bom ou mal.

    Para os positivistas, o livre arbtrio um mito, e o homem no tem a opo de escolher entre o caminho do bem ou do mal. Fundam suas construes no de-terminismo, razo pela qual o criminoso passa a ser visto como algum doente, prisioneiro de sua prpria patologia ou de processos causais alheios.

    J para os correicionalistas o criminoso um fraco, um ser inferior, inapto ao convvio social, incapaz de dirigir - por si mesmo - sua vida. Assim, a sua debili-dade requer uma eficaz e desinteressada interveno estatal.

    Por fim, para os marxistas, o criminoso visto como vtima do processo econmico de explorao do homem pelo homem (trata-se de uma explicao ca-pitalista para o fenmeno, o qual tem na sociedade os fatores de criminalizao do agente).

    c) A vtima:

    O terceiro objeto de estudo recebeu um trato bas-tante variado ao longo das construes histricas da criminologia e suas cincias correlatas, e estas altera-es podem ser identificadas em trs momentos es-peciais (que nasce com sua valorizao, passa por um perodo de neutralizao e, por fim, de revalorizao).

    Num primeiro momento, que se operou desde os primrdios da civilizao at a Alta Idade Mdia, a v-tima possua um papel bastante importante na gne-se do delito, at porque vivamos um perodo em que reinava a lgica da vingana privada, da autotutela e da lgica do talio. Esta fase ficou conhecida como v-tima de ouro.

    Aps, ela passa por um perodo de neutralizao, em que ela totalmente descartada do processo crimi-nolgico. A vtima deixa de ter o poder de reao ao fato delituoso, que assumido e monopolizado pelo Estado soberano. A pena passa a ser uma garantia de ordem coletiva e no mais particular.

    Esta perspectiva de neutralizao nasceu ao final da idade mdia e perdura at o incio do perodo mo-derno, quando ento se passou a revalorizar o papel da vtima, inclusive no mbito jurdico-penal; basta ver que surgiram, aps, inmeros institutos no mbito do direito e processo penal que demandam a interven-o do ofendido (como, por exemplo: nas aes penais de iniciativa privada, que dependem da queixa-crime; nas pblicas condicionadas que dependem da repre-

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    sentao; a possibilidade de composio civil dos da-nos trazida pela Lei do Juizado Especial; etc.). Foi a partir da, inclusive, que nasceu o estudo da vitimolo-gia, enquanto brao especfico da criminologia.

    d) Controle social do delito:

    Por fim, o ltimo dos objetos da criminologia con-sagra o conjunto de mecanismos e de sanes sociais que pretendem submeter o indivduo aos modelos sociais comunitrios. Fala-se ento, dos controles for-mais e informais da criminalidade.

    Os primeiros (controles formais) so aqueles pertinentes ao Estado repressor, legtimo detentor do jus puniendi. J os segundos (controles informais) so aqueles pertinentes famlia, aos amigos, a igreja, etc., ou mesmo aos sistemas paralelos de represso (como, por exemplo, o crime organizado e as milcias particulares).

    Nesta toada, vale observar que a criminologia busca tambm uma justificao para o prprio Di-reito Penal (que cincia correlata).

    FINALIDADE DA CRIMINOLOGIA

    Com o resultado de suas investigaes, a crimi-nologia preocupa-se em fornecer explicaes vlidas para o fenmeno do crime e, com isso, auxiliar a de-senvolver mtodos para a reduo da criminalidade.

    Ou seja, por no ser uma cincia estanque, a cri-minologia visa apontar um ncleo seguro de conheci-mentos sobre cada um dos seus objetos de estudo.

    Assim, possvel concluir que as duas perguntas fundamentais da criminologia so as seguintes: Por que algum delinquiu? O que se pode fazer para minimizar a delinquncia?

    CARACTERSTICAS DA MODERNA CRIMINOLOGIA

    Veremos adiante que a criminologia modificou muito seu mbito de estudo e seus objetivos ao longo dos anos. E hoje, certo que ela conclama as seguintes premissas centrais:

    a) Acentua a orientao prevencionista do sa-ber criminolgico, diante da obsesso repressi-va explcita de outros modelos convencionais.

    b) Destaca a anlise e a avaliao dos modelos de reao ao delito como um dos seus objetos de estudo.

    c) Substitui o conceito de tratamento (cono-tao clnica e individual) por interveno (conotao dinmica, complexa e pluridimen-sional).

    d) Parte da caracterizao do crime como pro-blema (face humana e dolorosa do delito), e no como patologia do indivduo.

    e) Por fim, tenta reduzir o mbito tradicional dos seus objetos de estudo: antes, muito focado no crime de no criminoso; e hoje, mais focada no controle social da criminalidade.

    CONCLUSES PRELIMINARES

    Conceito: a criminologia uma cincia aut-noma, emprica e interdisciplinar, que cuida do crime, do infrator, da vtima e do controle social do delito, gerando informaes vlidas sobre a gnese, a dinmica e as variantes do fato delitivo, orientando a sua preveno e represso.

    Quanto ao mtodo: a criminologia uma ci-ncia emprica ( uma cincia de investigao, de anlise) e interdisciplinar (pois se vale do conheci-mento de outros ramos do saber, como a sociolo-gia, biologia e psicologia).

    Objeto da criminologia: o crime, o criminoso, a vtima e o controle social do delito.

    Funo (objetivo possvel): orientar uma res-posta para delimitao e para o controle do fen-meno da criminalidade.

    01 ESCOLAS CRIMINOLGICASAo longo da histria, vrias teorias procuraram es-

    tudar o crime e o criminoso, as quais acabaram con-formando verdadeiras correntes doutrinrias dentro da criminologia, ao que se pode batizar de escolas criminolgicas cada qual com suas premissas, suas bases tericas (ou filosficas) e seus defensores e cr-ticos. Dentre estas, possvel destacar trs momentos em especial: o da Escola clssica, da Escola positivista, e das Escolas ps-positivistas.

    Faamos agora breve anlise das premissas centrais de cada uma delas, bem como de seus maiores expoen-tes doutrinrios.

    ESCOLA CLSSICA

    Entende-se que durante todo o perodo da Antiguidade Clssica (mesmo com nomes como Homero, Hipcrates, Plato e Aristteles) e da Idade Mdia (com So Toms de Aquino, por exemplo) ain-da no se podia falar verdadeiramente em criminolo-gia - no ao menos enquanto cincia -, posto que no havia construes slidas ou teorias devidamente ela-boradas para delimitao efetiva dos objetos por ela tratados.

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    Assim, usual afirmar que a criminologia fru-to do pensamento iluminista, que nasceu no sculo XVIII (o Sculo das Luzes) com os ensaios cientficos de Baruch Spinoza (1632-1677), John Locke (1632-1704), Pierre Bayle (1647-1706), Isaac Newton (1643-1727), Voltaire (1694-1778), Montesquieu (1689-1755), e acabou culminando na Revoluo francesa tempos depois. Entende-se que este movimento filosfico-cul-tural encampado pela elite de intelectuais europeus, o qual procurou mobilizar o poder da razo a fim de reformar a sociedade e promover uma revoluo inte-lectual contra a intolerncia e os abusos da Igreja e do Estado, foi o grande responsvel pelo efetivo estopim da cincia criminolgica.

    Os iluministas entendiam que os seres humanos detinham plenas condies de melhorar o mundo, mediante a introspeco, o livre exerccio das capaci-dades e do engajamento poltico-social de todos. Para tanto, partiam de um pressuposto bsico e interessan-te, qual seja: o de que todos os seres humanos gozam do livre arbtrio, de modo que cada um pode escolher o caminho que deseja seguir.

    Estes pensamentos acabaram enraizando nos ide-ais dos doutrinadores que se debruavam sobre o es-tudo do crime e do criminoso poca, dentre os quais se destacou a figura de Cesare Bonesana, o conhecido Marqus de Beccaria, que nasceu em Milo e viveu entre os anos de 1738 a 1794.

    Cesare Beccaria foi um aguerrido crtico das arbi-trariedades cometidas pela justia da poca, a qual ain-da se valia de vrios mtodos herdados das prticas comuns na Idade mdia e no perodo absolutista que a seguiu (com as penas corporais, torturas, ordlias e santas punies). Assim, inspirado pelo ideal de li-bertao e auto-responsabilidade do ser humano, ele escreveu a sua grande obra clssica, Dos Delitos e das Penas, um verdadeiro manifesto da abordagem libe-ral do direito criminal, no qual defendia as seguintes premissas centrais:

    a) que somente as leis poderiam fixar as penas para os crimes;

    b) que somente os magistrados poderiam julgar os criminosos, nunca interpretando, mas apenas aplicando as leis penais vigentes;

    c) que as acusaes no devem ser secretas, e que o ru no pode ser considerado culpado at o final de seu justo julgamento;

    d) que a tortura no deve ser validade como meio de prova no processo;

    e) que deve haver uma proporo entre os deli-tos e as penas aplicveis;

    f) que a pena no deve ter por finalidade, a ideia de atormentar o culpado, mas sim de impedi-lo de agredir novamente a sociedade;

    g) e que as penas devem ser iguais para todos (sem distino de classes).

    Em suma, Beccaria entendia que as arbitrariedades se opunham aos interesses do bem pblico e da socie-dade, razo pela qual as penas deveriam ser mais jus-tas, moderadas e humanizadas. Ou seja, ele procurou fundamentar toda a legitimidade do poder de punir a partir dos postulados que embasavam o nascente ide-al do contrato social (seriam tidas como ilegtimas as penas que no respeitassem este postulado). E vale anotar que estas premissas acaram ento balizando a nascente criminologia, agora sim enquanto verdadeira cincia.

    Os clssicos, que utilizavam o mtodo abstrato e dedutivo (baseado no silogismo) partiam do pressu-posto que a responsabilidade penal do criminoso ba-seava-se sempre em sua responsabilidade moral, e se sustentava basicamente pelo livre arbtrio. Entendiam que o livre arbtrio era inerente ao ser humano, razo pela qual o criminoso seria aquele indivduo que teve a opo de escolher o caminho correto (do bem), mas fez uma opo diversa (pelo caminho do mal), razo pela qual poderia ser moralmente responsabilizado por suas escolhas equivocadas.

    Tambm eram adeptos do pensamento clssico, Francesco Carrara (com o clssico Programa de di-reito criminal), Filangieri, Carmignani, Romagnosi, Ortolan, Rossi, Pessina, dentre outros.

    ESCOLA POSITIVISTA

    O positivismo criminolgico surge em meados do sculo XIX, sob a batuta de Garfalo, Lombroso e Ferri, como crtica e alternativa criminologia clssica ento reinante.

    Apegados a um rigorismo emprico, entendiam que todos os fenmenos (at mesmo o da criminali-dade) poderiam ser entendidos, teorizados e compro-vados experimentalmente. Assim, abandonavam o mtodo abstrato-dedutivo dos clssicos para operar sua construo na observao dos fatos e anlise dos dados colhidos para chegar s suas concluses.

    Com isso, os positivistas acabaram tambm aban-donando as ideias de livre-arbtrio e responsabilidade moral dos indivduos, passando ento a conceber um rgido determinismo nas aes humanas. Entendiam que todos estavam sujeitos lei da causalidade (ato--efeito), e que nossos atos eram consequncias inter-nas ou externas, os quais independem da vontade do agente.

    A Escola de criminologia positivista italiana teve entre os seus grandes nomes as figuras de Lombroso e Ferri, os quais partiam exatamente destas premissas basilares para definir o crime e o criminoso, embora o tenham feito sob perspectivas distintas (o que, in-clusive, nos permite dizer que a Escola positivista ita-liana apresentou duas diretrizes opostas): enquanto Lombroso defendia a antropologia criminal, Ferri defendia a sociologia criminal.

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    (I) A antropologia criminal:

    Cesare Lombroso (1835-1909), mdico bastante in-fluente e respeitado poca, um estudioso da freno-logia e fisionomia, props sistematizar e organizar a antropologia criminal aps estudar aspectos compor-tamentais e fsicos de soldados veteranos de guerra, enfermos mentais e criminosos de diversas localidades da Europa, vivos e mortos.

    Lanou ento sua obra primordial, L`Uomo de-linquente (O homem delinquente), na qual traava uma anlise dos criminosos e dos delitos cometidos, considerando-os fruto do atavismo, herana gentica da idade primitiva e selvagem dos homens, o que se podia perceber na prpria compleio estrutural do sujeito.

    Lombroso encontrou no criminoso uma variedade especial que seria caracterizada por sinais fsicos e ps-quicos. Verdadeiros estigmas que constavam de parti-cularidades perceptveis na calota craniana e na face, bem como em detalhes do maxilar inferior, nas fartas sobrancelhas, molares proeminentes, orelhas grandes e deformadas, dessimetria corporal, grande enverga-dura de braos, mos e ps.

    Os sinais psquicos que o caracterizavam eram a insensibilidade dor (o que, segundo ele, tambm ex-plicava o porqu dos criminosos comumente se tatua-rem), a crueldade, a leviandade, a averso ao trabalho, a instabilidade, a vaidade, bem como as tendncias a supersties e precocidade sexual.

    Assim, construiu a ideia de que os criminosos for-mavam um tipo antropolgico unitrio, facilmente perceptvel por suas caractersticas fsicas e psquicas: nascia a figura do criminoso nato. De acordo com Lombroso, criminoso e no-criminoso se diferenciam entre si em virtude de uma rica gama de anomalias e estigmas de origem atvica ou degenerativa.

    Sua teoria foi to aceita - especialmente porque go-zava de ares de cientificidade emprica (visto que ele tinha dados catalogados dos crnios e corpos de vrios criminosos condenados) -, que influenciou fortemente a poltica criminal da poca, permitindo inclusive uma atuao prvia do Estado contra aquele que era um cri-minoso em potencial (afinal, estava comprovada por sua teoria que alguns indivduos possuam efetiva-mente uma predisposio criminalidade...!).

    Portanto, o crime seria resultante de foras incitan-tes que superavam as foras repulsivas existentes em cada indivduo. Ou seja: o criminoso era visto como um doente (algum que tem uma patologia), o crime era algo inevitvel em seu comportamento, e a pena deveria ser o remdio aplicado pelo Estado para tentar cur-lo e resguardar a sociedade.

    certo que Lombroso sofreu vrias crticas (espe-cialmente por acreditar na possibilidade de se desco-brir uma causa biolgica para o fenmeno criminal), mas igualmente certo que ele tambm firmou novas

    bases para o pensamento criminolgico, e influen-ciou o trabalho de vrios outros pensadores como Marro, Sergi, Virglio, Kurella, Corre, Zucarelli, Nina Rodrigues, dentre outros.

    (II) A sociologia criminal:

    Enrico Ferri (1856-1929) em sua obra Sociologia Criminal deu relevo no s aos fatores biolgicos, como tambm aos mesolgicos e sociolgicos na etio-logia da criminalidade.

    sua tambm a denominada Lei de Saturao Criminal, onde constata que as condies sociais in-fluenciam nos delitos praticados.

    Considerava trs causas possveis de um delito, ao que batizou de trinmio causal: a) fatores biolgicos (herana e constituio); b) fatores fsicos (influncia do clima); c) e fatores sociais (referentes s condies ambientais em que o indivduo estava engajado). Ou seja, havia fatores endgenos e exgenos determinan-tes na prtica de crimes.

    Veja que Ferri tambm no acreditava na liberda-de da vontade psquica do homem, e defendia a teoria jurdica da responsabilidade pessoal. Assim, recomen-dava que a legislao penal devesse ser construda com base na periculosidade do infrator, o qual pode-ria ser classificado em cinco variantes: os delinquentes natos, os loucos, o ocasional, o habitual e o passional.

    ESCOLAS PS-POSITIVISTAS

    Aps toda esta movimentao terica, o sculo XX se inicia sob o signo do ecletismo, exatamente por con-ta dos vrios caminhos que haviam sido abertos nos sculos passados neste ramo do saber.

    No campo especfico das explicaes sobre o delin-quente e a delinquncia, as teorias de matriz antropo-lgico-etiolgica comearam a ser abandonas em defi-nitivo, sendo substitudas num primeiro momento por teorias explicativas de ndole psicolgica, psicanaltica e psiquiatra

    Mas foi em momento posterior que se assistiu ao efetivo nascimento de uma nova fase na criminolo-gia, a qual fruto de dois eventos significativos: em primeiro lugar, ao aparecimento da sociologia criminal americana; em segundo lugar, a consolidao da crimi-nologia socialista (em sentido estrito).

    O estudo do crime e da criminalidade a partir dos princpios do marxismo-leninismo deu nova feio aos temas da criminologia, inaugurando um novo momen-to terico, batizado ps-positivista. Assim, a natureza e a estrutura das sociedades capitalistas, segundo esta nova Escola que surgia, era fator influente na anlise da criminalidade e suas causas.

    H neste momento, verdadeira ruptura de para-digmas, pois as atenes deixam de estar focadas na

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    figura do criminoso individualmente considerado, e passam a atentar figura do crime (do fato em si), en-quanto ato biossocial. Ademais, o estudo da microcri-minalidade perde flego, dando lugar ao estudo da macrocriminalidade. Ou seja: de um estudo focado no indivduo ou em pequenos grupos, a criminologia passa a se preocupar com a abordagem dos fatores que levam a sociedade como um todo a praticar ou no uma infrao penal.

    Mas importante destacar que com o surgimento destas teorias socialistas da criminalidade, houve uma bifurcao das pesquisas em dois grupos distintos. E vale notar que esta diviso leva em conta a forma pela qual os doutrinadores encaram a composio da socie-dade, se consensual ou conflitiva. Surgem, assim, as Teorias do consenso (tambm conhecidas como teoria da integrao ou funcionalistas) e as Teorias do conflito social.

    Vejamos agora algumas premissas e concepes de cada uma delas.

    (I) Teorias do consenso:

    Para os adeptos desta teoria, a finalidade da socie-dade s atingida quando h um perfeito funciona-mento de suas instituies, de modo que os indivdu-os compartilhem os objetivos comuns a todos os cida-dos, aceitando todas as normatizaes impostas em dada poca.

    Dentro deste grupo, podemos identificar algumas teorias, dentre as quais se destacam as seguintes: a Escola de Chicago; a Teoria da associao diferencial; a Teoria da anomia; e a Teoria da subcultura delinquente.

    a) A Escola de Chicago (1930):

    Pode-se dizer que foi uma das responsveis por inaugurar a criminologia americana, em meados das dcadas de 1920 e 1930. Partiu das construes tericas de Robert Park e Ernest Burguess (especialmente com as obras Introduction to the Science of Sociology e The City), que pugnavam pela observao do homem em seu habitat natural ao que, inclusive, se batizou de mtodo da observao participante, pois ia-se at um local especfico para observar os fenmenos cri-minais a partir das circunstncias que a prpria socie-dade local lhe fornecia; ou seja, o observador tomava parte do fenmeno social que estudava, in loco.

    Esta escola criminolgica encarava o crime como um fenmeno intimamente ligado a uma rea, a uma regio (por isso, inclusive, alguns chamam a constru-o de Park e Burguess de Teoria ecolgica).

    Vale lembrar que os Estados Unidos vivam neste momento um perodo de grandes migraes e de for-mao das grandes metrpoles. E foi focando a aten-o para os agrupamentos humanos que se formavam nos centros urbanos (os ghettos) que os tericos da Escola de Chicago traaram sua teoria. Diziam que as

    sucessivas ondas de imigrantes se aglutinavam segun-do critrios rigidamente tnicos, o que deu origem a comunidades distintas e estanques (bairros chineses, bairros mexicanos, bairros mulumanos, bairros ne-gros, etc.).

    Aps seus estudos, concluram que as grandes ci-dades so geratrizes de crime, especialmente por con-ta dos seguintes fatores: os controles sociais informais no funcionais, especialmente nos dias modernos em que as pessoas tm vnculos familiares e sociais mais reduzidos; os grupos familiares se deterioram nas grandes cidades; h uma alta mobilidade populacio-nal, o que enfraquece ainda mais os vnculos pesso-ais; h um estmulo ao consumo excessivo; h tambm uma proximidade tentadora aos centros comerciais; por fim, h uma superpopulao nas metrpoles.

    Em suma, o grande mrito do trabalho desenvol-vido por esta escola criminolgica foi o de explorar a relao entre a ocupao do espao urbano e a crimi-nalidade.

    b) A teoria da associao diferencial (1924):

    Desenvolvida inicialmente pelo socilogo Edwin Sutherland, procurou observar a criminalidade sob uma perspectiva distinta: no mais focada nos cha-mados crimes comuns (homicdios, furtos e estupros), mas sim num tipo de comportamento desviante que requeria conhecimento especializado e/ou habilidade, bem como a inclinao de alguns indivduos para tirar proveito de oportunidades para us-las de maneira desviante.

    Captou que este comportamento diferencial aprendido e promovido dentro de grupos variados, que vo desde gangues urbanas at grandes grupos empresariais (onde h fraudes mercantis, sonegaes fiscais ou utilizao de informaes privilegiadas de maneira indevida). Foi neste contexto, inclusive, que se cunhou a famosa expresso White collar crimes (crimes do colarinho branco), exatamente para desig-nar os autores destes crimes diferenciados.

    Sutherland afirmava que o homem capaz de aprender a conduta desviada e associar-se a ela. Ou seja, o indivduo observa e copia aquele que se con-seguiu alguma vantagem, mesmo que de maneira cri-minosa.

    Em suma, defendia que a complexidade dos crimes, aliada a seus efeitos difusos na sociedade, a tolerncia das autoridades e impunidade usual, gerariam as condies ideais para a delinquncia do indivduo.

    Portanto, a teoria da associao diferencial tinha em mente que o crime no pode ser definido simples-mente como uma disfuno ou inadaptao das pesso-as pertencentes a certas classes sociais menos favoreci-das. Afinal, sendo o crime um fenmeno social, certo que se pode encontr-lo em todos os seguimentos e classes.

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    c) A teoria da anomia (1938):

    Segundo seus doutrinadores, cujos expoentes fo-ram Emile Durkheim e Robert Merton, a anomia uma situao social onde falta coeso e ordem, espe-cialmente no tocante a normas e valores.

    Partem da ideia de que se uma norma definida de maneira demasiado abstrata, subjetiva, ambgua, ou ento se ela arbitrria e de ocasio (feita para tutelar situaes caticas de momento), esta norma gerar o isolamento e a autonomia do indivduo, a ponto inclu-sive das pessoas se identificarem muito mais com seus prprios interesses do que com os interesses coletivos, o que acaba resultando na situao de falta (inobser-vncia) de normas.

    A prpria ideia de bem e mal perde sentido dentro desta perspectiva, pois o indivduo passa a defender valores bastante particulares destas duas facetas (ele preferir o que bom para ele, individualmente, in-dependente de ser o melhor para a comunidade). H um enfraquecimento na conscincia coletiva do que certo e do errado, ao que se chama de fragilizao do consciente coletivo.

    Em suma, entendem que o problema est no fato de que as normas no tm efetividade, e que esta ausn-cia de regras para a regular as situaes sociais gera os conflitos e os desvios.

    Mas encaram que o crime um fenmeno normal e comum em toda a sociedade, mas que deixa de s-lo quando ultrapassa os seus limites e passa a agredir a prpria sociedade. Assim, at mesmo a punio seria saudvel, pois reafirma no consciente coletivo do que certo e do que errado, reafirma os valores que so caros sociedade: famlia, propriedade, tica, etc.

    Veja que, por esta teoria, o crime no um fe-nmeno exclusivo de uma classe social. Ao con-trrio, pois qualquer um pode, diante deste en-fraquecimento do coletivo e exacerbao do eu (individualismo), tornar-se um infrator da norma.

    A prpria nomenclatura explica a situao: ano-mia, como o prprio nome quer dizer, um estado de falta de objetivos e perda de identidade, provo-cado pelas intensas transformaes ocorrentes no mundo social moderno.

    c) A teoria da subcultura delinquente (1950):

    Foi inaugurada pelo socilogo norte-americano Albert K. Cohen, com o lanamento do livro Deliquent boys. Sua teoria sustenta trs ideias fundamentais: o carter pluralista e atomizado da ordem social; a co-bertura normativa da conduta desviada; e a semelhan-a estrutural, em sua gnese, do comportamento regu-lar e irregular.

    Assim, consagrava que subcultura no podia ser confundida com contracultura, pois os movimentos de subcultura reproduzem os valores tradicionais, mas

    com sinal invertido, com sinal negativo, sob o signo da intolerncia com quem diferente (ex.: como ocorreu com o movimento nazista); j a contracultura renega os valores tradicionais e prope algo para ficar no seu lugar (ex: como ocorreu com o movimento hippie).

    Cohen observou o comportamento da juventude americana ao final dos anos 1950 e constatou a frus-trao do american dreams, o sonho da prosperidade econmica. Ele percebeu que junto com essa frustrao veio uma forte onda de segregao racial, de desagre-gao familiar e criminalidade. Tudo isso fez nascer novos padres de comportamento, a partir das afini-dades inerentes a cada grupo, e a violncia firmou-se como marco caractersticos desde os grupos mais no-vos. As gangues (movimento de subcultura) surgiram ento como uma reao inacessibilidade aos bens da vida.

    (II) Teorias do conflito social:

    Diferente do que ocorria com as teorias do consen-so, para os adeptos desta teoria do conflito, a coeso e a ordem na sociedade so fundadas na fora e na coer-o, na dominao de alguns e na sujeio de outros. Ou seja, ignora-se a existncia de acordos em torno de valores de que depende o prprio estabelecimento da fora.

    Dentro deste grupo, podemos identificar algumas teorias, dentre as quais se destacam: a Teoria do labe-ling approach e a Teoria crtica.

    a) Labeling Approach (1960):

    Tambm conhecida como Teoria do etiquetamen-to, foi inicialmente firmada por Howard Becker e Erving Goffman, que entendiam que a criminalidade no devia ser lida como a qualidade de determinada conduta, mas sim como o resultado de um processo atravs do qual se atribui esta qualidade (um proces-so de estigmatizao). Em outras palavras, criminoso apenas um rtulo, uma etiqueta que a sociedade d a algum, e que por este recebia e incorporada.

    A teoria do labeling approach se insere no contex-to das teorias do processo social, ao lado das teorias de aprendizagem social e de controle social. Para ela, o crime uma funo das interaes psicosociais do indivduo e dos diversos processos da sociedade. Ou seja, no lhes interessa as causas do desvio, mas sim os processos de criminalizao que o gerara.

    uma corrente criminolgica prxima criminologia radical de cunho marxista, mas sem compartilhar, ao menos necessariamente, o modelo de sociedade configurado por esta.

    Insere-se na dogmtica como uma teoria crtica, pois desloca a ateno (antes focada no criminoso) para o sistema penal e suas interaes, tomando este sistema como o autntico fundamento do desvio. Por isso, inclusive, Alessandro Baratta a define como o novo paradigma criminolgico.

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    Fala-se de delito e delinquentes como consequncia de um processo de incriminao que levado a cabo por aqueles que exercem poder, e que voltado contra aqueles que so menos favorecidos, que por no terem representao ou voz ativa, e que acabam sendo taxa-dos de delinquentes.

    Mas vale tambm destacar que dentro do labeling approach coexiste duas perspectivas: uma radical e outra moderada. A tendncia radical exacerba a fun-o constitutiva ou criadora de criminalidade exercida pelo controle social: o crime uma etiqueta que a po-lcia, os promotores e os juzes (instncias do controle social formal) colocam sobre infrator, independente de sua conduta ou merecimento. J para a tendncia moderada, somente se pode asseverar que a justia pe-nal se integra na mecnica do controle social geral da conduta desviada.

    Tambm foram representantes desta teoria: Garfinkel, Erikson, Cicourel, Becker, Schur e Sack.

    Em concluso, os principais postulados e mritos do labeling approach foram os seguintes: deslocar o problema criminal da ao para a represso (enten-diam que o problema no estava na conduta, mas sim na forma em que se punia a conduta); a interveno da justia criminal gera ainda mais criminalidade, exa-tamente porque ela estigmatiza o desviante e impede que ele retorne sociedade; pessoas que sofrem com os mesmos estigmas tendem a agrupar-se para reagir a esse processo; por fim, o controle social do crime seletivo e discriminatrio.

    Veja ento que a teoria do labelling approach dispe-se a estudar, dentre outros aspectos do sistema punitivo, os mecanismos de reao social ao delito e a influncia destes na reproduo da criminalidade.

    b) Teorias crticas (1970):

    Foi assim batizada exatamente por se opor rigo-rosamente aos postulados da criminologia clssica e positivista. Tambm conhecida como teoria radical (ou nova criminologia), foi fortemente influenciados pela doutrina marxista, exatamente porque entende que o processo de criminalizao de determinadas condutas se relaciona com a disciplina da mo de obra no interesse do capital e com a conteno dos movi-mentos sociais.

    Defende que a construo do delito depende estri-tamente do modo de produo capitalista, e que a lei penal, ao seu turno, deriva e justifica esse modelo ( a famosa relao: crcere e fbrica).

    Para os crticos, o Direito no verdadeira cincia, mas sim ideologia. Fortemente inspirada pelas cons-trues de Michel Foucault, concebia que o Direito apenas uma forma de dominao, do forte pelo fraco. Assim, acaba-se criminalizando uma srie de condutas apenas para justificar o monoplio do Estado sobre a violncia.

    Esta lgica foi especialmente defendida por consa-grados autores como Georg Rusche e Otto Kirchheimer (Punio e estrutura social), Loc Wacquant (Punir os pobres e Prises das misrias), bem como por Dario Melossi e Massimo Pavarini (Crcere e fbrica).

    Seguindo estas mesmas premissas da criminologia crticas, acabaram se destacam outras construes te-ricas ps-positivas, como por exemplo:

    b.1) O Neorealismo de Jock Young (A socie-dade excludente): que propugnava pela anlise de novos aspectos como desemprego macio, o contraste entre a riqueza e a pobreza, bem como o surgimento de novas vtimas at ento invis-veis, como mulheres e crianas. Young prope uma reao ao marxismo exacerbado, dizendo que nem tudo tem a ver com a relao econ-mica.

    b.2) O Minimalistas de Martin Sanches: que prope uma contrao (reduo) do sistema penal em certas reas. Entendia que a crimina-lizao de certas condutas no eram relevantes para a sociedade, lembrando ainda que o Direi-to penal deveria ser visto, nestes casos, como a ltima ratio. Por outro lado, tambm props uma maior efetividade do Direito penal em ou-tras reas, especialmente naquelas de interesse supraindividual.

    b.3) O Abolicionismos de Thomas Mathiesen: que fez uma crtica arrasadora ao sistema penal, aduzindo que ele no resolve nada, que no ser-ve para nada, e que apenas gera maiores proble-mas. Trouxe em primeira mo a ideia de que as pessoas saem da cadeia pior do que entraram, e que se a aplicao da pena ao infrator, visando a reduo da criminalidade, o fundamento da prpria existncia do Direito penal, este ramo do saber jurdico falho e no cumpre sua mis-so oficial. Conclui sua tese aduzindo que, uma vez constatado que o Direito penal no cumpre sua misso, no h razo para sua existncia, ra-zo pela qual deve o mesmo ser abolido.

    03 EXPOENTES DA CRIMINOLOGIAAlm dos j citados Beccaria, Lombroso, Ferri, etc.,

    outros nomes se destacaram ao longo das construes tericas da criminologia. Sejam eles mdicos, antrop-logos, socilogos ou psiquiatras, de uma forma ou de outra contriburam para o desenvolvimento terico da matria.

    Assim, a ttulo de anotao, optou-se por trazer a lume breves consideraes sobre alguns deles, de acor-do com as perspectivas almejadas em seus trabalhos e estudos.

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    OS PENLOGOS

    Foram os primeiros a estudar o fenmeno da pena e o nascente direito penitencirio. Fizeram estudos sobre o comportamento penitencirio, a influncia do clima na prtica dos crimes, e as consequncias desas-trosas de um sistema punitivo abusivo. Dentre eles, destacaram-se:

    a) Jeremy Bentham (1748-1832): juntamente com Beccaria e outros, teve uma importante participao no trabalho de reforma penal que nasceu no perodo iluminista. Ele considerado o criador da Filosofia utilitarista, que alicera seu fundamento no seguinte postulado: O maior bem-estar para o maior nmero de pessoas. Nesta doutrina estaria inserida toda uma estratgia de profilaxia ou preveno de criminalida-de. Entendia que o interesse o nico mvel das aes humanas.

    Foi ele tambm que desenvolve toda a teoria en-torno da estrutura do panptico. Bentham estudou racionalmente o sistema penitencirio e criou ento um projeto de priso circular, onde um observador poderia ver todos os locais onde houvesse presos e control-los pela vigilncia constante. Foi este projeto, inclusive, que possibilitou a disseminao de disposi-tivos disciplinares, a exemplo do prprio panptico; ou seja, de um conjunto de dispositivos que permitiam vigilncia e controle social cada vez mais eficientes e menos custoso.

    b) John Howard (1726-1790): se revelou um exce-lente penitenciarista e se dedicou melhoria das pri-ses. Foi o responsvel pela abolio de uma prtica comum, que era a de manter encarcerados os que j haviam cumprido pena, ou daqueles que, mesmo ab-solvidos, no podiam pagar a hospedagem (visto que as prises eram exploradas por particulares). Ele escreveu a obra The State of Prisions, traando um sistema penitencirio que conseguia favorecer os en-carcerados. Por isso, comum encontrar menes no sentido de que ele foi o verdadeiro criador do sistema penitencirio moderno.

    c) Adolphe Quetelet (1796-1874): foi um matem-tico belga, e escreveu clebre a obra Fsica social, no qual trazia alguns conceitos penais, aduzindo que o crime era um fenmeno social influenciado pela mi-sria, analfabetismo, e especialmente pelo clima. Foi o criador da estatstica cientfica.

    Baseando-se em trs princpios, estabeleceu as cha-madas Leis trmicas de Quetelet, na qual procurou demonstrar que no inverno se praticam mais crimes contra a propriedade, que no vero so cometidos mais crimes contra a pessoa, e na primavera acontece mais crimes sexuais.

    Quetelet tambm distinguiu a criminalidade femi-nina da masculina, tentou correlacionar o crime ida-de cronolgica do criminoso, observando que a inci-

    dncia delitiva maior entre os 14 e 25 anos no homem e, na mulher, entre 16 e 17 anos.

    OS FISIOGNOMISTAS E FRENLOGOS

    Os primeiros estudaram o carter das pessoas de forma naturalista, especialmente pela anlise dos tra-os do rosto. Os segundos estudaram a configurao do crnio com suas preponderncias e depresses. Indicavam traos caractersticos na fisionomia e no crnio dos criminosos, e inspiraram a futura crimino-logia positivista. Neste campo, destacaram-se:

    a) Joo Batista Della Porta (1535-1615): escreveu a obra Fisionomia humana, no qual dizia que o ho-mem se caracteriza pela escassez de sinais. Assim, o ladro teria orelhas pequenas, sobrancelhas juntas e espessas, olhos mveis; o epiltico se caracteriza pela exoftalmina, os ombros agudos e delgados; os violentos pela fronte circular, com rugas e unidas no centro; etc.

    Relacionava a semelhana fisionmica dos crimino-sos com os animais selvagens (por exemplo, destacou a semelhana do ministro francs Talleyrand com a raposa; ou a semelhana de outro francs, o general Kleber, com um leo).

    b) Kaspar Lavater (1741-1801): desenvolveu a teoria da expresso da alma nos traos do rosto, baseando--se na crena de que o criminoso traz os sinais escritos em seu rosto. Valia-se do mtodo indutivo, examinan-do o perfil do rosto e gestos para traar um perfil do indivduo.

    c) Brocca (1824-1888): era mdico cirurgio, e foi ele quem descobriu o centro da linguagem no crebro humano, bem como a assimetria funcional dos dois hemisfrios: o esquerdo correspondendo intelign-cia, linguagem e cultura, o direito aos baixos instintos. Dizia que, em razo disso, predominada nos crimi-nosos o desenvolvimento do hemisfrio direito. Para ele, havia uma relao entre a personalidade do delin-quente e o ato delitivo.

    d) Franz Gall (1758-1828): considerado o criador da frenologia. dele tambm a teoria sobre vultos cra-nianos, que posteriormente veio a influenciar a teoria lombrosiana. Gall organizou um mapa dessas salin-cias a indicarem a conduta predominante no indiv-duo, desde a passividade absoluta rebeldia incontro-lvel, a bondade ou a maldade, a honestidade e sua inteligncia maior ou menor.

    Dizia que os delitos de sangue aconteciam mais co-mumente entre os indivduos com instinto carnvoro; o instinto da vagabundagem se manifestava por acen-tuadas rugas frontais; os larpios tinham uma proe-minncia da fossa temporal do osso frontal; os crimi-nosos sexuais tinham um desenvolvimento maior na parte posterior da cabea, com grande crescimento do crnio; etc.

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    e) Jean Lauvergne (1797-1859): estudou os conde-nados a trabalhos forados nas prises francesas, che-gando a concluses semelhantes s de Gall.

    f) P. Lucas (1805-1885): estudou as inclinaes para o crime em alguns indivduos, e chegou a concluses de que os mesmos tinham uma base congnita e here-ditria.

    OS PSIQUIATRAS

    Vale anotar que a psiquiatria (em sentido amplo) influenciou muito a construo da criminologia en-quanto cincia, e durante certo tempo ditou tendncia na seara penal. Dentre os psiquiatras, destacam-se:

    a) Felipe Pinel (1745-1826): criador da moderna psiquiatria, foi o responsvel pelo desacorrentar dos alienados mentais, que at ento eram tratados com rigorismo, segregao e sem tratamento adequado. Ele passou a trat-los como doentes, e no mais como objetos indesejados pela sociedade. Influenciou muito na estruturao dos manicmios judicirios e futuras medidas penais de segurana.

    Pinel recomendava que o louco deveria ser adequa-damente tratado e no sofrer violncias que s contri-buam para o agravamento de sua doena. clebre o episdio ligado ao paciente Chevign, um soldado encarcerado na La Sante, que segundo Pinel, quando foi desacorrentado chorava como uma criana ao se ver tratado como uma criatura humana.

    b) Domingo Esquirol (1772-1840): estudou um ele-vado nmero de criminosos doentes mentais, e tentou estabelecer uma ligao entre a loucura e o crime.

    Foi o criador do conceito de monomania, que gerou uma nova concepo psiquitrica da loucura moral, e acabou sendo definida ao final do sculo XVII pelo mdico Thomas Abercromby, como sendo caractersti-ca de algum com bom nvel de inteligncia, mas com graves defeitos ou transtornos morais.

    c) Prspero Despine (1812-1892): mostrou as taras degenerativas de crianas perversas e criminosas, fir-mando tambm uma ligao entre loucura e crime.

    OUTROS NOMES

    a) Raphael Garfalo (1852-1934): foi quem inaugu-rou a utilizao do termo criminologia para desig-nar essa cincia. Para Garfalo, a criminologia tinha uma trplice preocupao: o estudo da criminalidade, do delito e da pena. Mas de se ver que ele elaborou sua concepo de delito natural partindo da ideia lom-brosiana do criminoso nato.

    O Direito Penal no era monoplio dos juristas, mas tambm de interesses dos socilogos. Apregoava

    que os verdadeiros delitos ofendiam a moralidade ele-mentar e revelavam anomalias nos que os praticam.

    Entendia que existem duas espcies de delitos: os legais e os naturais, sendo que os primeiros eram va-riveis de pas para pas, e no eram necessariamente fruto de anomalias do indivduo. J os delitos naturais seriam aqueles que ofendem os sentimentos altrustas fundamentais de piedade e probidade, sendo portan-do frequente a presena de anomalias patolgicas.

    Para Garfalo, era possvel identificar quatro ca-tegorias de criminosos: 1) os assassinos (aqueles que agridem os sentimentos de piedade); 2) os ladres (que agridem os sentimentos de probidade); 3) os vio-lentos ou energticos (que infringem ambos os senti-mentos); 4) e os cnicos (que so aqueles que cometem os crimes sexuais).

    b) Augusto Comte (1798 - 1857): considerado o fundador da sociologia moderna, uma cincia abstrata que tem por fim a investigao das leis gerais que re-gem os fenmenos sociais.

    Sua ideia foi baseou-se no estudo do ser social, e tem como mtodo a observao e a induo.

    O alicerce fundamental da sua obra , indiscutivel-mente, a Lei dos Trs Estados, segundo a qual a hu-manidade avana de uma poca brbara e mstica para outra civilizada e esclarecida, em melhoramentos con-tnuos e, em princpio, infindveis - sendo essa marcha o que explicaria a marcha da histria.

    c) Lacassagne (1843 - 1924): tambm mdico, ops--se tese de Lombroso, pois via trs zonas diversas no crebro humano, cada uma com uma funo diversa - as quais seriam responsveis por reger as faculdades do indivduo: a zona frontal (responsvel pelos as-pectos intelectuais); a zona parental (responsvel por questes volitivas); e a zona occipital (que cuida de questes afetivas).

    Dizia que quando h perturbaes na zona frontal aparece o louco; na zona parietal advm a debilidade de vontade, o que permite o aparecimento do delin-quente ocasional; e na zona occipital, quando faculda-des afetivas ficam perturbadas, aparece o verdadeiro delinquente - ou seja, o indivduo predisposto para o crime, o qual, quando as condies do meio e/ou seu prprio egosmo o movam, desandar para o caminho da criminalidade.

    Entendia tambm que quanto maior fosse a desor-ganizao social, maior seria a criminalidade. Dizia que a sociedade como um meio de cultivo, e afirma-va que abriga em seu seio uma srie de micrbios (que so os delinquentes e que estes, no se desenvolvero, se o meio no lhes for propcio).

    Em suma, para Lacassagne, os fatores sociais atu-ando sobre um indivduo predisposto, o que pode dar origem ao fenmeno do crime.

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    d) Jean-Gabriel de Tarde (1843 1904) no acei-tava as ideias de Ferri sobre o trinmio criminogenti-co (fatores fsicos, sociais e biolgicos), e acrescentava que a influncia do clima no est comprovada como fator criminal.

    Tarde comea a sua carreira terica primeiro na Criminologia, publicando vrios artigos e ensaios, nos quais entra em polmica com Lombroso. Para alm da Criminologia, publica tambm artigos nas reas da Sociologia, Filosofia, Psicologia Social e Economia.

    e) Franz Von Liszt (1851 1919): considerado o pai da poltica criminal, e sua obra foi Princpios de Poltica Criminal, publicada em 1889. Entendia que a poltica criminal seria o conjunto sistemtico de prin-cpios segundo os quais o Estado e a sociedade devem organizar a luta contra o crime. Por isso, muitos dou-trinadores entendem a poltica criminal como cincia e a arte dos meios preventivos e repressivos de que o Estado, no seu trplice papel de Poder - Legislativo, Executivo e Judicirio - dispe para consecuo de seus objetivos na luta contra o crime.

    04 VITIMOLOGIA

    DELIMITAO DO TEMA

    A vitimologia o ramo da criminologia que estuda o comportamento da vtima de um crime, com a ava-liao das causas e dos efeitos da ao delitiva sobre ela e o incremento do risco da ocorrncia do delito.

    um brao da cincia criminolgica (embora al-guns digam que uma cincia autnoma) que foca suas atenes exclusivamente nas vtimas de um crime e nos processos de vitimizao.

    H quem diga nesta seara, que muitos delitos s so provocados pela atuao da prpria vtima. E esta ideia de que o comportamento da vtima muitas vezes pode at chamar a existncia de um crime, fez surgir uma cincia paralela, batizada de vitimo-dogmtica, a qual se ocupa especificamente da anlise minuciosa da participao do ofendido no incremento do risco da ocorrncia do delito.

    Alguns nomes importantes no estudo da vitimo-logia foram: o professor alemo de criminologia Von Hentig (que escreveu, em 1948, a obra O criminoso e suas vtimas), o mestre israelita Benjamin Mendelsohn, e os criminlogos mexicanos Luiz Rodriguez Manzanera e Maria de La Luz Lima.

    Quanto aos objetivos, pode-se dizer que a vitimo-logia procura alcanar trs perspectivas essenciais: 1) analisar e compreender a magnitude do problema que envolve a vtima de um crime; 2) explicar as causas de vitimizao; 3) desenvolver um sistema que possa reduzir a vitimizao e dar assistncia s vitimas.

    Em suma: a vitimologia deve ter como meta a orientao para a maior proteo dos indivduos, con-tribuindo para tornar a vida em sociedade mais segura e menos violenta.

    Por vtima, deve-se entender qualquer pessoa que tenha sofrido, fsica ou moralmente, alguma violao a bem jurdico seu provocado por ato de terceiro.

    Por vitimizao, deve-se entender o processo pelo qual algum (indivduo ou grupo) se autoviti-miza ou vitimiza outrem.

    Ao final, vale observar que a doutrina fala de uma trplice esfera no processo de vitimizao, a qual pode ser: primria, secundria e terciria.

    a) Vitimizao primria: so as consequncias do delito que atingem diretamente o ofendido. aquela provocada pela conduta violadora dos direitos da vtima pode causar danos mate-riais, fsicos, psicolgicos, dentre outros.

    b) Vitimizao secundria: tambm conhecida como sobrevitimizao, dizem respeito aos nus da burocracia; aquela causada pelas ins-tncias formais de controle social, no decorrer do processo de registro e apurao do crime. Ou seja, a vitimizao gerada pelo prprio Estado, inclusive quando demora a dar uma resposta ao crime (casos dos longos processos criminais, muitos quase infindveis no tempo).

    c) Vitimizao terciria: levada a cabo no mbito dos controles sociais, mediante o contato da vtima com o grupo familiar ou em seu meio ambiente social, como no trabalho, na escola, nas associaes comunitrias, na igreja ou no convvio social. Por outro lado, h autores que entendem que esta tambm pode referir-se ao prprio autor do fato criminoso (seria a hiptese em que o criminoso se torna vtima de uma punio desproporcional face as sevcias no crcere, crcere lotado, etc.).

    TRAOS HISTRICOS NO TRATO DA VTIMA

    Como visto no incio deste material, a vtima do cri-me recebeu trato bastante variado ao longo das cons-trues histricas da criminologia e suas cincias corre-latas (direito penal e processo penal), e essas alteraes podem ser identificadas em trs momentos especiais: uma primeira fase em que a vtima era valorizada, em que estava no centro das atenes; uma segunda fase de latncia, onde ela deixada totalmente de lado; e um terceiro momento, atual, de revalorizao.

    a) Primeira fase: a vtima de ouro.

    Em um primeiro momento, que se operou des-de os primrdios da civilizao at a Idade Mdia, possvel observar que a vtima possua um papel bas-

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    tante importante na gnese do delito, at porque viv-amos um perodo em que reinava a lgica da vingana privada, da autotutela e do talio (olho por olho, den-te por dente).

    Neste momento, o Estado ainda no estava estru-turado como o concebemos hoje, razo pela qual era o prprio particular o responsvel por tutelar seus inte-resses. Assim, se fosse vtima de um fato delitivo, com-petia-lhe (ou a algum de seus familiares) perquirir a res-ponsabilidade do infrator e sancion-lo, se fosse o caso.

    Esta fase ficou conhecida como vtima de ouro, dado o papel de destaque e relevncia em que ela se encontrava neste processo.

    b) Segunda fase: perodo de latncia.

    Ao trmino da Idade Mdia, com o advento dos Estados modernos, a vtima passa por uma fase de to-tal neutralizao. Ela deixa de ter o poder de reao so-bre o fato delituoso, que assumido e monopolizado pelo Estado soberano.

    tambm o momento em que a sano penal ganha nova feio: a pena passa a ser uma garantia para a ordem coletiva e no mais para o particular. Ou seja, a sano no era mais aplicada para proteo da vtima, mas do Estado e da sociedade.

    Assim, uma vez que a vtima no era mais a respon-svel por realizar a persecuo criminal e sancionar o infrator (o que, inclusive, lhe passou a ser proibido), ela acaba sendo renegada a um plano de indiferena sob a perspectiva jurdico-penal. Anota-se, inclusive, que muitas vezes ela sequer era chamada ao processo para prestar o seu depoimento.

    c) Terceira fase: revalorizao da vtima.

    Eis que a vtima passa, tempos depois, a retomar parte do lugar de destaque que ocupava antes. No em todos os casos e crimes, mas ao menos em alguns.

    De incio, ela comea a ser presena marcante nos atos de instruo, trazendo ao Juiz a sua verso dos fatos (mesmo sem o compromisso de dizer a verdade destes). Aps, com a criao de institutos que depende ou mesmo que autorizam a vtima a decidir pela reali-zao e continuidade da persecuo criminal.

    A ttulo de exemplo, podemos anotar os seguintes institutos: a necessria representao do ofendido nos casos de ao penal pblica condicionada; a necessida-de de ofertar queixa-crime nos casos de ao penal de iniciativa privada; a possibilidade de composio civil dos danos nos crimes de menor potencial ofensivo; a desistncia do direito de queixa/representao e o per-do do ofendido; etc.

    Diz-se, inclusive, que foi a partir deste momento que nasceu o estudo da vitimologia, enquanto brao especfico da criminologia.

    05 PENOLOGIA

    DELIMITAO DO TEMA

    A sano penal, como j observado, constitui um dos objetos de estudo das cincias criminolgicas, e por possuir toda uma srie de particularidades, pos-svel trabalh-la com uma abordagem prpria e indivi-dualizada, por meio da penologia o estudo da pena (em sentido amplo).

    MOMENTOS HISTRICOS

    possvel traar breve digresso acerca do trato das penas nos vrios ordenamentos jurdicos e naes ao longo dos tempos. Em suma, verifica-se que partimos de um perodo de vingana privada para chegar a um perodo que se pode batizar de nova defe-sa social. Vejamos alguns dos principais traos desses momentos:

    a) Perodo da vingana privada:

    Desde os primrdios da humanidade at o incio da Idade Mdia, figurou de maneira preponderante a lgica da vingana privada a qual, inclusive, chegou a estar expressamente institucionalizada em diplomas legislativos, como o Cdigo de Hammurabi.

    Neste primeiro momento histrico, o Estado ainda no estava devidamente estruturado, e a aplicao do Direito estava centrada nas mos do prprio particu-lar, que era o responsvel por realizar a persecuo criminal e aplicar a sano contra o infrator (consoante j observado).

    Mas de se anotar que no havia grande raciona-lidade na aplicao do Direito neste momento, tanto assim que passou a valer a lei do mais forte, afinal, somente estes conseguiam efetivamente resgatar seus dbitos perante um infrator.

    b) Perodo da vingana divina:

    Quando a Igreja medieval ascendeu ao poder (no apenas religioso, mas tambm poltico, jurdico e eco-nmico), o Direito passou a ser aplicado no mais em nome dos particulares, mas sim da prpria Igreja. Nesta toada, o particular deixado de lado na seara penal, encerrando-se o perodo da vingana privada e inaugurando-se o perodo da vingana divina.

    Quem passa a ditar as regras jurdicas Igreja, e a pena passa a ter como fundamento uma entidade su-perior: a divindade. A partir deste momento, a puni-o passa a ser aplicada no mais para recuperar um dbito da vtima, mas sim para aplacar a ira divina e purificar a alma do criminoso perante Deus.

    Foi o perodo da Inquisio, onde se confun-diam os interesses da Igreja com os jurdico-penais.

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    Instauraram-se os Tribunais do Santo Ofcio e as penas ficaram demasiado cruis: torturas ao longo do processo em busca de confisses, ordlias, provas de fogo, forca e esquartejamento eram prticas comuns e regulamentadas pelo Direito da poca.

    c) Perodo da vingana pblica:

    Eis que ento se iniciam revoltas contra os abusos da Igreja, e isso acaba desencadeando uma separao entre ela e o Estado, o qual avoca para si a responsabi-lidade de ditar o Direito e exercer com exclusividade o poder. Nascem assim os Estados soberanos e uma nova ideia: a pena no mais serviria para atender aos interesses dos particulares ou da Igreja, mas sim os in-teresses do prprio Estado, como forma de manter sua hegemonia e estrutura.

    o que a doutrina batiza de perodo da vingana pblica, pois a pena ainda no era aplicada para atender efetivamente aos clamores sociais, mas sim os desejos particulares do soberano - o que ainda legitimava a prtica de certas penas cruis.

    d) Perodo da humanizao:

    Com o advento do Iluminismo, nasceu tambm a criminologia enquanto cincia (Escola clssica), cla-mando ento por uma humanizao nas sanes pe-nais.

    Inspirados pelo pensamento filosfico da poca, os doutrinadores do direito penal passaram a defender que uma pena s seria justa se fosse necessria e pro-porcional.

    Esta preocupao com o indivduo passou a estar no centro das atenes, o que fez surgir o perodo hu-manitrio das penas.

    e) Perodo cientfico:

    Ocorre que logo aps, houve grande retrocesso no trato da pena, especialmente firmado com o advento da Escola positivista, que passou a ver o crime como uma doena, e a pena como o remdio para tal.

    Assim, a busca por uma pretenso cura acabou legitimando uma srie de intervenes diretas no cor-po do acusado, resgatando-se perspectivas cruis de punio, como - por exemplo - a prtica de lobotomia nos presos.

    f) Perodo da nova defesa social:

    Encerrado o apogeu do perodo cientfico, passou--se a propugnar por novos valores pena, e at mesmo numa forma de resgatar os valores centrais nascido ao longo do perodo humanitrio.

    A partir de ento, no mais se aplicaria a pena para vingana pessoal, da Igreja ou do Estado, e nem mes-

    mo para tentar curar o indivduo. Deste momento em diante, a pena deveria ser aplicada apenas em prol e na defesa da coletividade. O Estado e o Direito s se legitimam para a proteo dos interesses coletivos, e a pena deve ter o mesmo vis e finalidade.

    Trs so os postulados bsicos deste novo mo-mento histrico: 1) a pena no tem o carter apenas expiatrio, pois interessa tambm para a proteo da sociedade; 2) a pena, alm de ser exemplar e retribu-tiva, tem o escopo de melhorar o delinquente, de ree-duc-lo; 3) a justia penal deve ter sempre em mente a pessoa humana e sua dignidade, a qual no pode ser desrespeitada.

    MODELOS DE JUSTIFICAO

    Vrias foram as propostas apresentadas ao longo da histria para justificar a existncia e legitimar apli-cao de uma pena. Assim, possvel verificar que os cdigos e constituies propagaram discursos varia-dos para tentar responder seguinte questo: Qual a finalidade da pena?

    Neste af, o discurso oficial produziu trs grandes discursos (teorias) sobre o tema: teorias absolutas, teo-rias relativas e teorias mistas. Vejamos alguns detalhes de cada uma delas.

    a) Teorias Absolutas:

    Para os adeptos dessa teoria, a pena um instru-mento de retribuio ao crime. Ou seja, ela traduz a ideia de expiao, de reparao, de compensao do mal que um crime. Assim, a pena algo que serve exclusivamente para castigar o agente que infringiu uma norma penal.

    As primeiras aparies desta lgica remontam a Protgoras e Plato, que seguiam a mxima: punitur, quia peccatum est (pune-se quem pecou...!). E veja que esta ideia encontrava respaldo tambm na Lei talini-ca: olho por olho, dente por dente. Nesta toada, a pena seria a justa paga do mal que o crime concretizou.

    Vale destacar que alguns doutrinadores foram expoentes deste modelo de justificao. Entre eles, Immanuel KANT (A metafsica dos costumes), que qualificava a pena como um imperativo categrico (algo que tem em si mesmo sua justificao; no sen-tido de que ela existe porque deve existir); e tambm Georg W. Friedrich HEGEL (Princpios da filosofia do Direito), que dizia que o crime a negao do Direito (o qual, por sua vez, deve ser visto como a expresso racional do pensamento de uma sociedade), e que a pena serviria como forma de negao do crime, resta-belecendo a ordem jurdica abalada.

    Mas estas teorias foram alvos de vrias crticas, dentre as quais se destaca: o fato delas confundirem a noo de Justia com a noo de Direito (lembre-se que o primeiro conceito, diferente do segundo, no

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    varivel no tempo; razo pela qual no vlido defen-der que a pena serve para fazer justia). Ademais, no h um alegado direito natural de se aplicar uma pena ao criminoso, como querem os adeptos da teoria abso-luta; e mesmo que houvesse, tal seria um conceito in-seguro (pois dependeria de quem exercer o poder em dado momento). Por fim, as perspectivas que dizem que a pena figura como imperativo categrico, acabam por no delinear uma verdadeira funo pena. Ou seja, a pena no teria uma verdadeira finalidade sob este ponto de vista.

    b) Teorias Relativas:

    Para os adeptos desta teoria, a pena serve como ins-trumento de preveno delitiva. Essas teorias buscam um sentido social-positivo para a pena, partindo sem-pre do pressuposto que ela um instrumento de pol-tica criminal destinado a atuar no mundo real. Assim, ela sempre ter um fim maior a cumprir: a de profila-xia criminal.

    Tais teorias surgiram com a decadncia do Estado liberal e o advento do Estado social, onde novos enfo-ques foram propugnados para o Direito penal e para sua reprimenda. Neste modelo, passou-se a questionar a pena fundada unicamente na ideia de retribuio, e o argumento principal era o de que ela estaria carente de uma finalidade social. Assim, a ideia de utilidade passou a acompanhar a construes jurdicas sobre a pena, e tudo isso comeou com o trabalho de Beccaria (defensor do contratualismo, o qual entendia que a pena serviria exatamente para manter o contrato so-cial entre os cidados e o Estado). Ou seja, a pena, antes de castigar, deveria evitar a realizao de novos delitos.

    Mas de se destacar que existem duas perspectivas distintas de preveno: a preveno poderia ser geral ou especial. Vejamos.

    (b.1) Preveno geral: a pena vista como ins-trumento poltico-criminal destinado a atuar (psiquicamente) sobre a generalidade dos mem-bros da comunidade, afastando-os da prtica de crimes atravs da ameaa penal instituda pela lei, da realidade da aplicao judicial das penas e da efetividade da sua execuo. Ou seja, tida como preveno geral porque est voltada para toda a coletividade.

    Foi com Anselm Von Feuerbach que esta teoria se firmou cientificamente, com base na intitulada Doutrina da coao psicolgica. Dizia o jusfilsofo que a finalidade precpua da pena seria a de criar no esprito dos potenciais criminosos um motivador con-trrio forte o bastante para afast-lo do crime. Dizia tambm que a alma do criminoso potencial funciona-ria tal qual a arena, onde se digladiam as motivaes conducentes ao crime e as contra-motivaes deriva-das do conhecimento do mal da pena.

    E esta preveno geral pode ser identificada em duas frentes: (b.1.1) preveno geral negativa, tradu-zindo a ideia de intimidao (a pena seria uma forma de intimidar a coletividade, para que as outras pes-soas, atravs do mal que ela impe, no cometessem delitos); (b.1.2) preveno geral positiva, traduzindo a ideia de integrao (como defende Gnther Jakobs, a pena seria a forma pela qual o Estado mantm e refor-a a confiana da sociedade na validade e na vigncia de suas normas).

    Veja ento que com base na teoria da preven-o geral negativa que o legislador aumenta penas na crena de conter a criminalidade com a ajuda do Cdigo Penal.

    (b.2) Preveno especial: aqui, a pena vista como instrumento de atuao preventiva sobre a pessoa do infrator propriamente dito, com o fim de evitar que ele, no futuro, cometa novas infraes (seria, pois, uma verdadeira preven-o de reincidncia, nas palavras de Eser). Ou seja, no se volta para a coletividade, mas sim para o prprio indivduo.

    Tal ideia surge na segunda metade do sculo XIX, com a Escola correcionista Ibrica (especialmente com Krause e Roeder, que se baseavam nas ideias de que todo homem pode ser corrigido, e a pena serviria para dar este auxilio). Todavia, elas ganham expresso por fora das Escolas positivo-sociolgicas (especialmente as de origem italiana e alem, com Ferri e Von Liszt). Em suma, a ideia era de que a pena se mede com cri-trios preventivo-especiais, segundo os quais a aplica-o da reprimenda deve sempre obedecer a uma ideia de ressocializao e reeducao do infrator, intimi-dao daqueles que no necessitem ressocializar-se, e tambm para neutralizar os incorrigveis.

    E a preveno especial, a seu turno, se divide em:

    (b.2.1.) Preveno especial negativa, tradu-zindo a ideia de neutralizao (leia-se: de se-gregao individual - a pena teria um efeito de pura defesa social, atravs da separao do delinquente da sociedade);

    (b.2.2) Preveno especial positiva, traduzin-do a Idea de ressocializao do preso (a pena deve alcanar a reforma interior do infrator; emendando o criminoso para que incorpore valores conforme a ordem social, para s de-pois ser reintegrado sociedade livre).

    Mas essas teorias tambm foram alvo de crticas, em especial porque: ao aplicar a pena em nome de fins utilitrios ou pragmticos, o ser humano estaria se tor-nando mero objeto de expiao (e isso afronta o prima-do da dignidade). Uma segunda crtica aduz que apli-car a pena para defender a norma, em si considerada, poderia legitimar Estados totalitrios (como ocorreu no perodo do nazismo). Por fim, os crticos aduzem

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    que os fins de preveno so falsos, pois os ndices de criminalidade s tendem a crescer (at porque, no se pode crer que o sistema penitencirio tenha a possibi-lidade de tornar o infrator um sujeito socivel).

    Veja ento que, alm de atribuir pena priva-tiva de liberdade a finalidade reeducadora (algo inalcanvel segundo os crticos), atrs das ideias utilitrias da preveno especial sempre h uma confuso entre direito e moral e entre crime e pe-cado.

    c) Teorias Mistas:

    Tambm conhecidas como teorias unificadoras, conciliatrias ou eclticas, buscam uma conciliao entre as perspectiva anteriores, o que se d de duas formas: de uma pena preventiva, por meio da justa re-tribuio; ou ento, de uma pena retributiva, no seio da qual se procura realizar as ideias de preveno (ou seja, hora dando nfase preveno e hora a repres-so).

    O primeiro grande expoente desta lgica foi Merkel, ao aduzir que preveno e retribuio so aspectos distintos de um mesmo e complexo fenmeno: a pena. Tambm Maurach, ao defender que a pena deve ser vista como retribuio da culpabilidade e como forma de ressocializar o infrator. E a mesma lgica defendi-da por Figueiredo Dias e por Claus Roxin (que intitu-lou sua tese de Doutrina dicrnica dos fins da pena, dizendo que no momento da cominao legal, estaria ela exercendo a funo de preveno geral; no momen-to de sua aplicao no caso concreto, seria retributiva; por fim, no momento de sua execuo, estaria cum-prindo o papel de preveno especial.

    Mas como ocorre com as anteriores, as teorias mis-tas tambm foram criticadas: a principal crtica segue no sentido de que tais teorias tentam conciliar postula-dos eminentemente opostos (o que causa uma contra-dio). Ademais, aduzem os crticos que, quando no h um princpio unificador, no se pode sequer falar em verdadeiro sistema de penas.

    No obstante s crticas, de se ver que a teo-ria mista foi formalmente adotada pela legislao penal brasileira conforme se verifica da parte fi-nal do art. 59 do CP. Ento, no Brasil, a pena serve para reprimir e prevenir delitos.

    DISCURSOS CRTICOS DA PENA

    Por outro lado, vale observar que as teorias su-pramencionadas traduzem apenas o discurso oficial (aquele que propagado pelo Estado sua legislao). Ocorre que a doutrina crtica, especialmente baseada em estudos criminolgicos, aduz que tais discursos no se prestam a traduzir a real funo da pena. E dentre os vrios discursos crticos, vale anotar os se-guintes.

    a) Crtica agnstica da pena:

    Desenvolvida por Zaffaroni e Nilo Batsita, parte do pressuposto que a pena criminal um ato de poder po-ltico correspondente ao mesmo fundamento de uma guerra: a vingana (consoante nota histrica de Tobias Barreto). Aduz que nem a pena e nem o Direito pe-nal se prestam resolver problemas sociais, razo pela qual no h sentido em sua existncia, que no o argu-mento da vingana (do Estado e da sociedade contra o infrator). E se este o fim da pena, torna-se imperioso conceber que a pena baseada em um argumento ir-racional, contrrios aos clamores de um Estado demo-crtico de Direito.

    b) Crtica dialtica da pena:

    Teve como expoentes, Pasukanis, Rusche e Kirchheimer, Michel Foucault, Melossi, Pavarini e Alessandro Barata. Estes doutrinadores partem do pressuposto que a estrutura material das relaes eco-nmicas do capitalismo se baseia no princpio da re-tribuio equivalente, e isso ocorre em todos os nveis da vida social: do trabalho pelo salrio, na produo de bens e servios; da mercadoria pelo preo, na dis-tribuio dos bens e servios; etc. Logo, as formas jur-dicas tambm acabam se calcando nesta relao de re-tribuio equivalente, inclusive a pena. Assim, quando h carncia de mo-de-obra, necessria uma menor interveno punitiva do Estado, para que mais indiv-duos estejam livres e dispostos a suprir as lacunas do mercado de produo. Todavia, quando h excedente neste quadro, o Direito penal chamado a atuar, exa-tamente para segregar e excluir o indivduo que no se encaixa em nenhum dos vrtices do mercado de capi-tais (no consumidor, no produtor, e no conse-gue um posto como trabalhador) e a que entra a pena criminal.

    c) Crtica abolicionista da pena:

    Parte da ideia de que a pena no possui utilidade alguma, e que o nem mesmo o Direito penal o tem. E se assim o , no h razes para ter nenhum dos dois. A soluo seria, pois, abolir as penas e o prprio sistema penal. a ideia defendida, por exemplo, por Thomas Mathiesen, Nils Christie, Sebastian Scheerer e Louk Hulsman.

    TEORIAS DA PENA E OS FINS DO DIREITO PENAL

    Por fim, cabe anotar que a doutrina usualmente consagra que a funo outorgada pena acaba tam-bm deflagrando qual a misso do prprio Direito Penal. Assim, todos os discursos supramencionados acabam influenciando tambm nesta seara.

    Nada obstante, certo que em Estados Democrticos de Direito (garantistas), algumas concluses podem ser observadas desde j:

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    a) No compete ao Direito Penal atender os an-seios sociais de punio para pacificar conflitos. At porque, o Direito Penal balizado pelos princpios da interveno mnima e da fragmen-tariedade.

    b) O recurso pena no Direito Penal garantista est condicionado ao princpio da mnima inter-veno, assegurando aos cidados os direitos fundamentais individuais previstos constitucio-nalmente.

    c) Por outro lado, compete ao Direito Penal li-mitar a violncia da interveno punitiva do Es-tado (controlar o exerccio do jus puniendi, para que ele no seja exercido de maneira arbitrria).

    d) O sistema penal seletivo em vrios aspec-tos. Todavia, certo que ele no deve se legiti-mar por esta seletividade. At porque, se assim fosse, tal possibilitaria a adoo de um Direito Penal do Inimigo (Direito Penal do Autor), o que contraria um Direito Penal de garantias.

    e) O discurso jurdico-penal de justificao do Direito Penal no deve se pautar na ampla pos-sibilidade de soluo dos conflitos. At porque, como observado, nosso Direito Penal fragmen-trio (no se importa com todos os bens jurdi-cos, mas apenas com os mais relevantes para a sociedade).

    06 GARANTISMO PENAL um modelo jurdico proposto e defendido pelo

    professor italiano Luigi Ferrajoli (Direito e razo: a te-oria do garantismo penal), que pugna por uma tcnica legislativa especfica, dirigida a excluir (porque arbi-trrias e discriminatrias) as convenes penais referi-das no a fatos, mas diretamente a pessoas.

    Neste tocante, mister firmar que so duas as pre-missas que conformam o sistema garantista (SG): o convencionalismo e o cognitivismo, os quais so refle-tidos, respectivamente, nos princpios da estrita legali-dade e estrita jurisdicionalidade.

    Assim, a formalizao de um modelo de Direito penal fundado sob um marco garantista, demanda a constatao de certos axiomas, que podem ser tradu-zidos nas seguintes formulaes: no h sano sem crime, nem crime sem lei; s h lei se for necessrio e s h necessidade se houver ofensa; s h ofensa se houver ao e s se verifica a ao se constatada a cul-pa; tambm no h culpa se no houver juzo e no h juzo sem acusao; no h acusao sem prova e no h prova sem defesa.

    E veja que estes axiomas acabam conformando os seguintes princpios basilares do direito e processo penal garantista so eles: princpio da retributivida-de; princpio da legalidade; princpio da necessidade; princpio da lesividade; princpio da materialidade;

    princpio da culpabilidade pessoal; princpio da juris-dicionalidade; princpio acusatrio; princpio do nus da prova; princpio do contraditrio ou da defesa.

    Ademais, quando incorporados aos cdigos e Constituies, estes axiomas acabam tambm se con-vertendo em fundamentos jurdicos estruturantes do prprio Estado, que pode ento ser concebido como um Estado Democrtico de Direito (verdadeiro Estado Constitucional).

    Importa destacar que todos estes axiomas/princ-pios garantistas no expressam proposies assertivas, mas proposies prescritivas; no descrevem o que ocorre, mas prescrevem o que deve ocorrer; no enunciam as condies que um sistema penal efetivamente satisfaz, mas as que deve satisfazer em adeso aos seus princpios normativos internos e/ou a parmetros de justificao externa.

    Cada uma das implicaes denticas de que se compe um modelo de Direito penal enuncia, portan-to, uma garantia jurdica para a afirmao da respon-sabilizao na esfera penal e para a aplicao da cab-vel reprimenda.

    Note-se que tal implicao no torna a sano pe-nal compulsria, ao contrrio: em verdade ela impe uma barreira para que possa haver punio, bem como delimita onde se est vedado punir.

    Luigi Ferrajoli afirma que ao estarem conectados entre si os dez princpios do sistema garantista, cada um deles estar reforado e especificamente conotado pelos demais, no sentido de que o alcance garantista de cada um dos axiomas ser tanto maior quanto mais numerosas sejam suas conexes.

    Desta constatao tambm deriva a ideia de que o todo o sistema garantista resta debilitado quando alguma destas premissas seja olvidada. E com base nestas pilastras que se pode formular uma tipologia dos modelos tericos de Direito penal, segundo o n-mero ou o tipo de garantias asseguradas por ele (ou seja, segundo o grau em que se aproximam ou afastam de seu modelo garantista. Leia-se: quanto menor a preocupao com estas garantias, mais autoritrio um sistema penal).

    Em suma: para que se consagre um modelo garan-tista, a ideia de que a lei deve prescrever com taxativi-dade, anterioridade e preciso as hipteses empricas punveis, e que o juiz deve manter obedincia estrita a ela, assegurando ao cidado todas as garantias que lhe so previstas na Carta Magna, se faz imperioso, pois o modelo previsto nos Estados Democrticos de Direito.

    Aquele que se prepara para um concurso da DPE, deve dar especial ateno ao tema do ga-rantismo penal, afinal, o Defensor Pblico atuar via de regra em favor de indivduos desamparados e hipossuficientes, e os postulados garantistas, fruto de uma leitura constitucional do Direito pe-nal, orientaro o seu trabalho.

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    07 PROCESSO DE CRIMINALIZAO

    NOES GERAIS

    Ao trazer suas elucidaes sobre o poder punitivo, o jurista argentino Eugnio Ral Zaffaroni (na obra Direito penal brasileiro) nos adverte que todas as so-ciedades que institucionalizaram o poder selecionam um reduzido nmero de indivduos que sero sub-metidos sua coao com o fim de impor-lhes uma reprimenda.

    Tal situao, segundo o Zaffaroni, gera uma ver-dadeira seleo penalizante, batizada de processo de criminalizao, o qual no existe ao acaso, mas sim como resultado da gesto de um conjunto de agncias que formam o sistema penal.

    Neste contexto, ele passa a designar os vrios ges-tores deste processo os responsveis pela crimina-lizao de condutas e indivduos - de agncias, as quais atuam em dois momentos distintos (em duas etapas): em um processo de criminalizao primria e num processo de criminalizao secundria.

    CRIMINALIZAO PRIMRIA E SECUNDRIA

    Por criminalizao primria entende-se o ato e efei-to de sancionar uma lei penal material que incrimina ou permite a punio de certas pessoas.

    Ou seja, trata-se de um ato formal, o qual encam-pado pelas agncias polticas (poder executivo e legis-lativo). Trata-se de um programa extenso e inacabvel, pois as leis esto em constante criao e transformao.

    Mas de se ver que o dever criado abstratamente pela norma jurdica um programa que deve ser cum-prido por agncias diferentes daquelas que o formula-ram. Assim, passa-se a falar da interveno de novas agncias, as quais perfazem o segundo momento: o da criminalizao secundria.

    So agentes que operam na criminalizao secun-dria: policiais, promotores de justia, advogados, ju-zes, agentes penitencirios, etc.

    Mas de se anotar que a atuao destas agncias tambm restrita, at mesmo por conta de sua limi-tada capacidade operacional. Quer-se com isso dizer que a disparidade entre a quantidade de crimes que realmente acontecem numa sociedade e aquela parcela que chega ao conhecimento das agncias do sistema to grande e inevitvel que gera uma verdadeira cifra oculta da criminalidade (crimes que no so levados s autoridades e passam ao largo das estatsticas oficiais).

    Assim, a expresso cifra negra (ou oculta), refere-se porcentagem de crimes no solucio-nados ou punidos porque, num sistema seletivo, no caram sob a gide da polcia ou da justia ou da administrao carcerria, porque nos presdios no esto todos os que so.

    Por isso, considera-se natural que o sistema penal leve a cabo a seleo de criminalizao secundria apenas como realizao de uma parte nfima do pro-grama primrio, e isso tambm acaba gerando outros problemas, como por exemplo: passa-se a operar uma verdadeira orientao seletiva na atuao das agncias secundrias, que como no podem atender a todos os casos, acabam selecionando via de regra por fatores de vulnerabilidade e estigmatizao (ao que Zaffaroni chama de seleo vitimizante e seleo policiali-zante) quem iro perseguir e punir.

    Em suma: enquanto a criminalizao primria (elaborao de leis penais) uma declarao que, em geral, se refere a condutas e atos, a criminali-zao secundria a ao punitiva exercida sobre pessoas concretas, que acontece quando as agn-cias policiais detectam uma pessoa que supe-se tenha praticado certo ato criminalizado primaria-mente, a investigam, em alguns casos privam-na da liberdade, submetem-na agncia judicial, que legitima tais iniciativas e admitem um proces-so; no processo, discute-se publicamente se esse acusado praticou a conduta e, em caso afirmati-vo, autoriza-se a imposio de uma pena de certa magnitude, a qual ser executada por uma agn-cia penitenciria via de regra.

    08 DIREITO PENAL DO INIMIGO

    NOES GERAIS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO

    Dentre os modelos penais autoritrios (opostos ao garantismo), talvez o de maior expresso seja aquele que se identifica com os sistemas de Direito penal do autor, onde h sempre a figura de um inimigo.

    Tais modelos essencialmente subjetivistas e subs-tancialistas - esto sempre fundados em hipteses normativas de desvio sem ao e sem ofensa: a norma no observvel ou violvel pelo fato praticado pelo agente, mas por suas condies pessoais. Ou seja, a ti-pologia do autor/inimigo consagra uma lgica puniti-va que criminaliza e sanciona to somente um status pessoal do ru (quem ele , e no o que ele fez).

    Segundo Gnther JAKOBS, defensor e propagador destas ideias, o Direito penal deveria habilitar o po-der punitivo em duas frentes: de uma maneira para os cidados e de outra para os inimigos, reservando o carter de pessoa para os primeiros e o de criminoso (no-cidado) para os segundos. Para os primeiros (os cidados de bem), o Direito penal continuaria trabalhando dentro de uma perspectiva liberal, com todas as garantias que so inerentes ao cidado, e com uma sano que cumpra a funo de reafirmar a vi-gncia da norma; j para os segundos no, pois estes

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    devem receber um tratamento diferenciado, mais rigo-roso e sem garantias (tratamento de inimigo).

    E exatamente por isso que existe, nestes modelos, um carter totalmente discriminatrio e antiliberal, que veementemente criticado por aqueles que de-fendem a plenitude de um Estado Democrtico e de Direito.

    VELOCIDADES DO DIREITO PENAL

    Segundo construo dogmtica trazida por Jess-Mara SILVA SANCHEZ, professor da Universidade Pompeu Fabra, pode-se verificar trs paradigmas de atuao ao Direito Penal (ao que ele nomina de trs velocidades): fala-se de Direito penal de primeira, se-gunda e terceira velocidade.

    A primeira se refere s garantias conferidas pelo Direito clssico s penas privativas de liberdade. A segunda (batizada de Direito penal reparador) diz respeito s penas restritivas de direito e possibilida-de de flexibilizao das garantias clssicas, na exata proporo da gravidade de sua sano. Por fim, o au-tor admite uma terceira velocidade do Direito pe-nal (que diz respeito exatamente ideia de inimigo), a qual combinaria o Direito penal da priso com o da fle-xibilizao de garantias, em carter excepcional, para enfrentar fenmenos de criminalidade capazes de des-naturar o Estado (como os casos de terrorismo, crime organizado, etc.).

    Assim afirma o autor que ... em casos dessa na-tureza surgem dificuldad