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0 UNIVERSIDADE DE SOROCABA APOSTILA SOCIOLOGIA DO TRABALHO Profa. Andressa Silvério Terra França [email protected] *texto elaborado somente para fins didáticos, não pode ser reproduzido Sorocaba Janeiro/ 2014

Apostila-Sociologia Do Trabalho-Profa. Andressa

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Excelente apostila para disciplina da Sociologia do Trabalho

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UNIVERSIDADE DE SOROCABA

APOSTILA

SOCIOLOGIA DO TRABALHO

Profa. Andressa Silvério Terra França

[email protected]

*texto elaborado somente para fins didáticos, não pode ser reproduzido

Sorocaba Janeiro/ 2014

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AULA 1 DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA O Que é Sociologia1

A questão “O que é Sociologia?” apresenta várias

respostas possíveis. No início do século XIX, sociólogos e especialistas dos diversos ramos das Ciências Sociais tiveram amplos debates para definir o objeto de estudo da sociologia, delimitar seu espaço e estabelecer a atitude científica do sociólogo. Entretanto, analisando suas muitas definições, podemos perceber que elas partilham de um mesmo conteúdo comum, que é o estudo das interações sociais. Vejamos algumas delas:

“Sociologia é o estudo das interações e inter-relações humanas, suas condições e circunstâncias” (M. Ginsenberg)

“É a ciência do comportamento coletivo” (R.E. Park e E.W. Burgess) “É a ciência da sociedade ou dos fenômenos sociais” (Ward) “A sociologia pergunta o que acontece com os homens e quais as regras de seu

comportamento, não no que se refere ao desenvolvimento perceptível de duas existências individuais como um todo, porém, na medida em que formam grupos e são influenciados, devido às interações, por sua vida grupal” (Simmel)

Considerando as várias possibilidades para se explicar o campo de investigação da Sociologia, podemos dizer que ela utiliza métodos e técnicas de pesquisa para explicar, por meio de argumentos lógicos e fundamentados em um conjunto de teorias, o comportamento social dos grupos e as interações humanas, assim como os fatos sociais e as estruturas sociais que são criadas em decorrência dessas relações entre os indivíduos numa sociedade.

Manifestações políticas, culturais, estratificação social, preconceito, desigualdade, violência e controle social pelo Estado são exemplos de fenômenos estudados em Sociologia, assim como as estruturas representadas por instituições como a Família, a Escola, a Igreja.

Outras disciplinas podem estudar aspectos sociais da vida do homem; entretanto nenhuma apresenta como tema particular e específico o fato social no seu todo. Para o sociólogo, o fato social é estudado não porque é econômico, jurídico, político, turístico, educacional ou religioso, mas porque todos são ao mesmo tempo sociais, independentemente da especificidade de cada um, embora essa permita que possam ser abordados por disciplinas específicas.

A vida social dos seres humanos apresenta, assim, várias dimensões: econômica, jurídica, política, moral, religiosa etc., que ocorrem e se desenvolvem durante a existência social do homem, ou seja, quando os seres humanos estão interagindo uns com os outros. São essas interações, independentemente do aspecto que possam assumir, que se configuram como o objeto central de estudo da Sociologia.

1 Fonte: Adaptado de DIAS, Reinaldo. Introdução à Sociologia. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005, pp. 3-6.

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Breve Histórico da Sociologia2

A Sociologia não tem uma história muito longa, principalmente se comparada com disciplinas das Ciências Naturais, mas seu objeto de trabalho principal, as relações dos seres humanos em sociedade, pode-se dizer, é bastante antigo, pois, na Idade Média, o ser humano já se preocupava com tais relações. Santo Agostinho (354-430), Maquiavel (1469-1527) e Montesquieu (1689-1755) foram grandes expressões que retrataram essas relações humanas antes do surgimento da Sociologia.

A Filosofia e a religião exploravam os temas voltados para as relações sociais e assim foi até o século XIX, quando começou a aparecer a Sociologia. Augusto Comte (1798-1857), um filósofo francês, foi o primeiro a usar o termo “Sociologia”.

Para compreender seu surgimento, é preciso entender o contexto histórico em que ela aparece. O mundo, ao final do século XVIII e início do século XIX, encontrava-se em profundo processo de transformação, não uma transformação de regime político ou de dominação religiosa, uma grande mudança de mentalidade das pessoas médias acontecia com a Revolução Industrial e principalmente com a Revolução Francesa. A burguesia exercia um papel importante nessa época, pois secularizava as relações extremamente reguladas pela religião. O mundo deixava de ser feudal para transformar-se em capitalista. O domínio religioso estava enfraquecendo, e as pessoas começaram a se perceber como indivíduos e não mais como propriedades de um feudo, submissas a um senhor feudal e pressas à terra em que vivem.

Marx aborda, com profundidade, as relações internas do capitalismo que se inicia, percebendo e denunciando um novo processo de escravidão das pessoas na figura dos proletariados. Weber elabora seu livro “A Ética Protestante e o Espírito Capitalista”, explicando como uma conjugação de fatores históricos, econômicos, sociais e religiosos propiciaram a efetivação do capitalismo. Durkheim desenvolve uma análise da sociedade, criando os conceitos de “Solidariedade Orgânica”, em que observa uma mudança nas relações, que se complexificam.

Citando apenas os três autores, podemos perceber que eles apresentam um olhar peculiar da sociedade, o seu processo de transformação e sua influência sobre a vida das pessoas, dando à Sociologia uma ideia de parceira desse processo, ou seja, a Sociologia nasce ou surge, em meio a uma transformação do mundo, como instrumento de análise, de reflexão e argumento para ação da própria transformação.

Daí a posição peculiar da Sociologia na formação intelectual do mundo moderno. Os pioneiros e fundadores dessa disciplina se caracterizam pelo menos pelo exercício de atividades intelectuais socialmente diferenciadas, que pela participação mais ou menos ativa das grandes correntes de opi-nião dominantes na época, seja no terreno da reflexão ou da propagação de ideias, seja no terreno da ação. As ambições intelectuais de autores como Saint-Simon, Comte, Proudhon e Lê Play, ou de Howard, Malthus e Owen, ou de von Stein, Marx e Riehl iam além do conhecimento positivo da realidade social. Conservadores, reformistas ou revolucionários, aspiravam fazer do conhecimento sociológico um instrumento da ação. E o que pretendiam modificar não era a natureza humana em geral, mas a própria sociedade em que viviam. Existe, portanto, fundamento razoável para a interpretação segundo a qual a Sociologia constitui um produto cultural das fermentações intelectuais provocadas pelas revoluções industriais e político-sociais, que abalaram o mundo ocidental moderno.

2 Fonte: CASTRO, Ana Maria de; DIAS, Edmundo F. Introdução ao pensamento sociológico. 2. ed. Rio de Janeiro: Eldorado, 1974, p. 21. (Fragmento)

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A Importância da Sociologia3

Sociologia é o estudo do comportamento social das interações e organizações humanas. Na realidade, todos nós somos sociólogos porque você e eu estamos sempre analisando nossos comportamentos e nossas experiências interpessoais em situações organizadas. O objetivo da sociologia é tornar essas compreensões cotidianas da sociedade mais sistemáticas e precisas, à medida que suas percepções vão além de nossas experiências pessoais. Pois nós somos simplesmente pequenos jogadores num mundo imenso e complexo, com pessoas, símbolos e estruturas sociais, e somente ampliando nossa perspectiva além do “aqui e agora” é que podemos perceber as causas que moldam e limitam nossas vidas.

A ênfase na limitação choca-se com as crenças pessoais de indivíduos que gostam de se ver como inflexíveis, que usam seu livre arbítrio e iniciativa para moldar seu destino. Até certo ponto, nós todos podemos fazer isso, mas nem sempre estamos livres de restrições. Agimos num meio social que influencia profundamente nossa maneira de sentir e ser em relação a nós mesmos e ao mundo que nos cerca, como nós vemos e percebemos os acontecimentos, como agimos e pensamos, e onde e a que distância podemos ir na vida. Às vezes, a limitação é obvia, até mesmo opressiva e enfraquecedora; muito freqüentemente é sutil e até mesmo despercebida. Entretanto, ela está constantemente moldando nossos pensamentos, sentimentos e ações.

Examine a situação de um aluno de faculdade. Há grandes valores culturais e crenças que enfatizam a importância da educação e, desse modo, forçam os alunos a perceber e acreditar que eles devem ir à faculdade. Para alguns, há pressões e expectativas dos pais, tornando as pressões para ir à escola ainda maiores. Há limitações da própria escola – presença, fichas de leituras, provas – definindo o que se pode fazer. Há pressões de classe social – quanto dinheiro se tem para gastar -, que determinam se um aluno deve também trabalhar enquanto vai à escola. E, se o trabalho é necessário, há limitações do próprio local de trabalho, bem como os problemas de horário e conciliação entre escola e trabalho. A própria esposa e os filhos da pessoa podem limitá-la a um horário apertado. Existem restrições de economia e mercado de trabalho que afetam as decisões dos alunos sobre seus principais objetivos de carreira acadêmica e de vida. As políticas governamentais que afetam os fundos públicos para os alunos (empréstimos, doações, bolsas de estudo para pesquisas) e para a faculdade ou universidade como um todo. Essas restrições governamentais e econômicas são, por sua vez, amarradas à política econômica mundial como balanças da autoridade geopolítica e comércio econômico. Há um ponto que espero que esteja claro: todos nós vivemos numa teia complexa de causas que dita muito do que vemos, sentimos e fazemos. Nenhum de nós é totalmente livre; na verdade, podemos escolher nosso caminho na vida cotidiana, mas nossas opções são sempre limitadas. Isso reforça a idéia sociológica de que o homem é produto e produtor de sua cultura. Ele constrói o seu meio e é por ele construído.

A sociologia examina essas limitações e, como tal, é uma área muito ampla, pois estuda todos os símbolos culturais que os seres humanos criam e usam para interagir e organizar a sociedade; ela explora todas as estruturas sociais que ditam a vida social, examina todos os processos sociais, tais como desvio, crime, divergência, conflitos, migrações e movimentos sociais, que fluem através da ordem estabelecida socialmente; e busca entender as transformações que esses processos provocam na cultura e estrutura social.

Em tempos de mudança, em que a cultura e a estrutura estão atravessando transformações dramáticas, a sociologia torna-se especialmente importante (Nisbet,1969). Como a velha maneira de fazer as coisas se transforma, as vidas pessoais são interrompidas e, como conseqüência, as pessoas buscam respostas para o fato de as

3 Fonte: TURNER, Jonathan H. Sociologia: conceitos e aplicações. São Paulo: Pearson/ Makron Books, 2000, pp. 2-3.

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rotinas e fórmulas do passado não funcionarem mais. O mundo hoje está passando por uma transformação dramática: o aumento de conflitos étnicos, o desvio de empregos para países com mão-de-obra mais barata, as fortunas instáveis da atividade econômica e do comércio, a dificuldade de serviços de financiamento do governo, a mudança no mercado de trabalho, a propagação de uma doença mortal (síndrome da imunodeficiência adquirida -AIDS), o aumento da fome nas superpopulações, a quebra do equilíbrio ecológico, a redefinição dos papéis sociais dos homens e das mulheres e muitas outras mudanças. Enquanto a vida social e as rotinas diárias se tornam mais ativas, a percepção sociológica não é completamente necessária. Mas, quando a estrutura básica da sociedade e da cultura muda, as pessoas buscam o conhecimento sociológico. Isso não é verdade apenas hoje – foi a razão principal de a sociologia surgir em primeiro plano como uma disciplina diferente nas primeiras décadas do século XIX. A Sociologia do Trabalho4 A Sociologia, como sabemos, encontra-se subdividida em diversas áreas que, embora tenham princípios muito semelhantes diferem especialmente em seu objeto central de estudo. Se a Sociologia volta-se para análises da sociedade, da vida em sociedade e das relações sociais, a especificidade do ramo da Sociologia do Trabalho está no fato de esta voltar-se mais particularmente para a busca da compreensão da organização e evolução do mundo do trabalho na sociedade, as relações de trabalho e as implicações sociais dos mesmos. Desde o escravismo antigo, passando pelo artesanato, servidão, e tantas outras formas de trabalho até chegarmos aos moldes do trabalho industrial no mundo moderno acarretaram transformações que dizem respeito à própria vida em sociedade, organização desses sujeitos e relações de poder entre os proprietários dos meios de produção e aqueles que vendem sua força de trabalho. O impacto de novas tecnologias no mundo do trabalho, novas formas de organização, obsolescência de diversas profissões, o aumento do mecanismo de exclusão, a exigência de cada vez mais qualificação da mão de obras são fatores ainda presentes e que nos mostram o quanto o mundo do trabalho ainda encontra-se em contínuo processo de transformação. Contudo, o advento do capitalismo e as bruscas transformações acarretadas pela revolução industrial são ainda o grande ponto de transformação da lógica do trabalho. Essa transformação da forma de viver, destruição de costumes e instituições, a automação, a formação do proletariado etc., tudo isso fez com que se despertasse a atenção daqueles que observam cientificamente a sociedade. O estudo científico dessa sociedade resultou de fato no advento da Sociologia, e assim sendo vemos que a Sociologia do Trabalho é um campo de estudos e observações inerente ao próprio pensamento social, já que ambos foram originados a partir das mesmas preocupações. Os responsáveis por influenciar o que hoje se entende na Sociologia do Trabalho

O que hoje conhecemos como Sociologia do Trabalho sofre importante influencia de grandes nomes da Sociologia, como Marx, Weber e Durkheim que já pensavam as transformações nas relações de trabalho, na luta de classes, na vida do trabalhador e nas relações sociais compreendidas nesse universo. Nós iremos tratar de cada um deles nas próximas aulas.

4 Fonte: PORTAL SOCIOLOGIA. Disponível em: http://www.sociologia.com.br/sociologia-do-trabalho/

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A Sociologia do Trabalho e a alienação do trabalhador

Uma das grandes críticas que a Sociologia do Trabalho tece ao mundo moderno e ao modo capitalista de produção é de fato a alienação do trabalhador em relação à sua atividade. Esse conceito de alienação do trabalho mostra de fato como o trabalhador está posto como um mero vendedor de sua força de trabalho, estando muitas vezes colocado à parte da função de sua atividade e do produto final de seu esforço. Mais do que isso, na esmagadora maioria das vezes a remuneração auferida por esse trabalhador não é suficiente para que ele possa ter igual acesso àquilo que produziu.

Essa critica refere-se a um sistema de produção fragmentado, onde cada vez mais o trabalhador encontra-se forçosamente distanciado do produto de seu trabalho. Distancia-se por estar cada vez mais desenvolvendo uma atividade mínima, especializada e repetitiva, onde muitas vezes desconhece o produto final do qual resulta a junção de tantas pequenas tarefas. E distancia-se também pelo fato de muitas vezes a remuneração por ele auferida ser insuficiente para ter acesso àquilo que é produto de seu próprio trabalho.

O trabalhador, no capitalismo, é infinitamente diferente do artesão. Enquanto o artesão tinha total domínio sobre seu locar de trabalho, seus horários, atividades, matérias primas e valor monetário de seu produto o trabalhador hoje se encontra submetido aos horários, condições e atividades pré-determinados pelo patrão, detentor dos meios de produção. As relações nesse sistema são fortemente marcadas pelo poder.

Desta feita, a fim de complementar, o principal alvo da crítica da Sociologia do Trabalho deve-se ao fato de as transformações no mundo do trabalho ter-nos levado a uma condição onde uns são tão poderosos e detém tanto capital que podem comprar os outros que estão submetidos a condições tão degradantes que necessitam vender-se sob condições muitas vezes questionáveis.

QUESTÕES

1. Tomando como referência os textos anteriores, o grupo deve apresentar sua própria definição sobre “O que é Sociologia", fazendo as alterações que julgarem necessárias.

2. Discuta em grupo: “Quando um fenômeno pode ser considerado “social”? 3. Observando os diversos fatos/ acontecimentos do dia a dia, no Brasil e no mundo,

faça uma lista de alguns fenômenos sociais que podem ser estudados pela sociologia.

4. Como a Sociologia pode ajudar no seu trabalho?

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AULA 2 TEORIAS SOCIOLÓGICAS CLÁSSICAS: EMILE DURKHEIM (1858-1917)

Biografia

Durkheim é considerado o “pai da Sociologia”, pois é ele que vai estruturar, de fato, a sociologia como ciência na França, tendo dedicado toda sua carreira ao desenvolvimento desse ramo do conhecimento das Ciências Sociais. Nasceu na região francesa da Alsácia, em 1858. Descendente de judeus franceses e rabinos, frequentou grandes escolas e formou-se em Filosofia. Tornou-se professor e mais tarde foi estudar Ciências Sociais na Alemanha 1885, onde esses estudos estavam mais avançados. Ministrou o primeiro curso de Sociologia na École Normale Supérieure em 1879. Durante estes estudos, teve contatos com as obras de Augusto Comte e Herbert Spencer que o influenciaram significativamente na tentativa de buscar a cientificidade no estudo das humanidades.

Suas principais obras são: Da divisão do trabalho social, As regras do método sociológico, O suicídio, Formas elementares da vida religiosa, Educação e sociologia, Sociologia e filosofia. As condições históricas em que viveu

Émile Durkheim viveu a segunda metade do século XIX ao final da Primeira Grande Guerra (1914-1918). Na França, o momento era marcado pela instabilidade política e social. É o momento de reorganização política do estado, rompimento das tradições: separação Igreja/Estado, conflitos sociais grandes massa da população em péssimas condições de vida.

Por outro lado, havia um certo otimismo em virtude do progresso tecnológico e científico: é o momento de expansão do industrialismo, aumento da produção e melhorias em outras áreas,como a educação. Havia forte crença no racionalismo.

Surgem mudanças na forma de pensar e conhecer a natureza e a sociedade, marcados pelo rompimento com o pensamento dominante anterior da Igreja: fé cristã. Surge grande interesse pelo homem e sua história. O Pensamento de E. Durkheim

Apesar de ter sido Augusto Comte o primeiro a usar o termo “Sociologia”, foi Durkheim que se propôs a construir a Sociologia como uma ciência autônoma, com suas próprias regras e método de investigação específico.

A perspectiva funcionalista de Durkheim buscava na inspiração e na legitimidade do modelo teórico-metodológico das ciências biológicas fazer da Sociologia uma ciência social de fato, destituída das preocupações nitidamente políticas e ideológicas que havia na França, após a morte de Comte. Ele compara a sociedade com um corpo/ organismo: com suas partes em operação e cumprindo suas funções. E, caso a família, a igreja, o Estado, a escola, o trabalho, etc., que são instituições integradoras com funções específicas, venham

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a falhar no cumprimento delas, surge no corpo da sociedade aquilo que Durkheim chamou de “anomia” (ausência de normas, regras), ou seja: uma patologia.

Discordava das ideias socialistas e da ênfase dada aos fatos econômicos na explicação das crises de sua época. Em suas análises não utilizava conceito de classe social e não considerava importantes os fatores econômicos na compreensão dos fenômenos sociais. Para Durkheim a chave para entender a sociedade capitalista está na integração social.

Para este sociólogo, a nossa sociedade estaria doente, passando por problemas ordem moral. A anomia que desestabilizou a sociedade moderna, segundo Durkheim, seria esta: o individualismo exacerbado das pessoas. E a causa desta atitude seria a falta de normas e controle sobre a individualidade, normas e controle que nas sociedades de solidariedade mecânica funcionam com maior eficácia. Segundo esse pensador, para restabelecer a saúde da sociedade era necessário criar novos hábitos e comportamentos, ou seja, uma nova moral que garantisse a integração social. Esta nova moral estaria intrínseca ao mundo do trabalho que poderia exercer a regulamentação moral nas sociedades, ampliando a harmonia, a integração e a coesão na sociedade moderna.

Temas e conceitos fundamentais da Sociologia de Durkheim

1. Fato Social Para Durkheim, a Sociologia estuda os fatos sociais, ou seja: “toda maneira de agir,

fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou então, ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter”. (DURKHEIM, É. As regras do método sociológico. 11.ed. São Paulo: Nacional, 1984, p.11)

Desta definição, podemos perceber que os fatos sociais possuem três características fundamentais que são:

a) Coletivo ou geral – significa que o fenômeno é comum a todos os membros de um grupo;

b) Exterior – acontece independentemente da vontade individual; c) Coercitivo – impõe-se sobre os indivíduos, exercendo uma “coerção” a qual somos

obrigados a seguir. A educação seria um exemplo de fato social pois é impositora de valores e regras

sociais a serem assimiladas pelas novas gerações, no sentido de conservação social. O comportamento dos indivíduos é socialmente determinado e a educação é uma força essencial na conformação do indivíduo aos padrões morais e sociais de uma sociedade. São também exemplos de fatos sociais: o direito (o conjunto de leis), os dogmas religiosos, os sistemas financeiros, entre outros.

A sociedade e os grupos sociais exercem coerção sobre os indivíduos, fazendo-os assumirem papéis relacionados com um fenômeno em particular. Ao assumir o papel de torcedor de um time ou ao fazer parte de determinada religião, por exemplo, a pessoa toma atitudes especiais, que lhe são exteriores.

2. Solidariedade Mecânica e Solidariedade Orgânica

Para Durkheim, a sociedade só pode existir segundo a solidariedade ou sentimento

de interdependência que o ser humano possui em relação aos demais. Não é possível existir sociedade sem tal princípio, de tal maneira que a vida coletiva pressupõe, para este pensador, a formação de um contexto que possui vida própria, para além das vontades individuais. A sociedade se sobrepõe ao indivíduo. Assim, todo grupo existe segundo o desenvolvimento de regras comuns a partir das quais a vida social é possível.

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Durkheim identifica a existência na história das sociedades dois tipos de solidariedade: a mecânica e a orgânica.

A solidariedade mecânica surge nas sociedades simples e tradicionais, onde os indivíduos se identificam por meio da família, da religião, da tradição, dos costumes. É uma sociedade que tem coerência porque os indivíduos ainda não se diferenciaram e reconhecem os mesmos valores, os mesmos sentimentos, os mesmos objetos sagrados, porque pertencem a uma coletividade. Os indivíduos compartilham a tal ponto padrões de conduta que não há grande diferenciação entre eles, pois numa tribo ou cidade do interior, o padrão moral se efetiva sobre os indivíduos a tal ponto que o que é válido para um, também, é aos demais. Existe uma forte imposição moral nessas sociedades tradicionais.

A solidariedade orgânica surge nas sociedades mais complexas e modernas, onde existe uma maior divisão do trabalho e uma maior individualidade, pois as pessoas criam autonomia em relação à consciência coletiva. Por meio da divisão do trabalho social, os indivíduos tornam-se interdependentes, garantindo, assim, a união social, mas não pelos costumes, tradições. Assim, o efeito mais importante da divisão do trabalho não é o aumento da produtividade, mas a solidariedade que gera entre os homens.

No entanto, nas grandes cidades industriais observadas por Durkheim no final do século XIX e início do XX, as relações sociais não estavam pautadas pela intensa imposição moral presente nas sociedades simples e tradicionais. A presença do individualismo exacerbado havia causado a perda de coesão e do consenso da vida em sociedade.

3. Fato Social Normal e Patológico A partir do conceito de anomia, Durkheim caracterizou os fatos sociais em normais

ou patológicos: -Fato social normal: é geral, recorrente e favorece a integração social. -Fato social patológico: é excepcional, transitório e põe em risco a integração social. Exemplo: O crime é um fenômeno normal, pois é encontrado em todas as

sociedades de todos os tipos, é geral, e, ao mesmo tempo em que, ao se impor a punição, serve para lembrar e fortalecer os valores de toda sociedade.

Para ele, o suicídio também é um fato social normal, pois existe em todas as sociedades. Torna-se anormal se houver o aumento das taxas. Como Durkheim vê o trabalho na sociedade capitalista?

O desenvolvimento do capitalismo resulta em uma especialização do trabalho pela divisão do trabalho. Esse processo de especialização é ampliado no fordismo, em que as forças do trabalhador coletivo são somadas a uma organização “científica” do trabalho, visando a uma produtividade cada vez maior – a chamada produção em massa (ver a figura abaixo)

O trabalho torna-se mais complexo e gera a necessidade de “cooperação” entre os trabalhadores, ou seja, a divisão do trabalho na sociedade, de onde advém a necessidade dos especialistas. Durkheim considerava que a crescente divisão do trabalho, levava a um aumento da solidariedade entre os homens, pois a especialização das atividades dos indivíduos aumentava a dependência entre eles, unindo-os e reforçando a coesão e solidariedade social.

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Em sua obra A divisão do trabalho social, Durkheim relaciona a divisão do trabalho à

moral. A divisão do trabalho resultaria na relação de cooperação e de solidariedade entre os homens. No entanto, como as transformações socioeconômicas se tornavam mais aceleradas na sociedade capitalista, inexistia um novo e eficiente conjunto de idéias morais que pudesse guiar o comportamento dos indivíduos, isso levava ao mau funcionamento da sociedade.

A sociedade capitalista, alicerçada na solidariedade orgânica, não consegue manter a coesão social apenas sob os auspícios da “consciência coletiva” (o conjunto de crenças e dos sentimentos comuns à media dos membros de uma mesma sociedade), mecanismo suficiente para as sociedades tradicionais. Os laços na sociedade capitalista são mais elásticos e as relações sociais não são apenas relações coercitivas, mas também de interdependência entre os indivíduos e grupos.

Essa interdependência faz com que as relações sociais e os grupos tenham que conviver com as diferenças. Portanto, a solidariedade orgânica, somada à divisão do trabalho na sociedade, leva ao individualismo, contrário à coesão social almejada pelo autor.

QUESTÕES

1. De acordo com a leitura do texto, quais eram, para Durkheim os objetivos da sociologia?

2. Durkheim buscou definir a sociologia rigorosamente de forma científica. Em seus estudos, ele quis estabelecer uma forma de distinguir os fatos sociais normais dos fatos sociais patológicos. O desemprego se encaixa em qual categoria de fato social? Justifique.

3. Qual a importância da divisão do trabalho, segundo Durkheim, para a conquista da coesão social?

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AULA 3 TEORIAS SOCIOLÓGICAS CLÁSSICAS: MAX WEBER (1864-1920) Biografia

Max Weber nasceu na Alemanha, em 1864, em uma família da alta classe média. Filho de um renomado advogado, foi criado em uma atmosfera intelectualmente estimulante, voltado para os ensinamentos humanistas. Weber recebeu excelente educação em línguas, história e literatura clássica.

Formou-se em Direito pela Universidade de Heidelberg, onde seu pai havia estudado, frequentando também cursos de economia política, história e teologia.

Weber recebeu excelente educação em línguas, história e literatura clássica. Em 1884 voltou para casa paterna e se transferiu para a Universidade de Berlim,

onde obteve em 1889 o doutorado em Direito. Tornou-se professor na Universidade de Berlim e foi livre-docente, ao mesmo tempo em que servia como assessor do governo.

Suas principais obras são: A ética protestante e o espírito do capitalismo, Ensaios Reunidos de Sociologia da Religião, Parlamento e Governo na Alemanha reordenada, A ciência como vocação, Economia e Sociedade.

O pensamento de Weber

O pensamento de Max Weber é uma inesgotável fonte de reflexão para os problemas do mundo contemporâneo. De um lado, porque este pensador questionava a confiança no modelo positivista em se formular leis sociais. Para ele, não é possível produzir leis sobre os fenômenos sociais, pois a relação existente entre os homens e entre estes e as instituições sociais é desordenado, imprevisível e caótico, não existindo continuidade na história humana. O conhecimento da história é importante, no entanto isso não tornava possível a elaboração de leis e generalizações dos fenômenos sociais (como explicava o positivismo).

Por outro lado, Weber considerava a economia e as formas de produção importantes, mas não acreditava que os fatores econômicos explicavam as condições históricas em sua totalidade, ou seja, não acreditava que a economia tivesse papel preponderante sobre as demais esferas da realidade social (como explicava Marx, por exemplo). Para Weber, a sociedade capitalista é fruto dos processos de racionalização e burocratização que atinge diversos setores da sociedade: economia, direito, religião etc. Em relação ao mundo moderno, este sociólogo demonstrava um certo pessimismo e não encontrava saída para os problemas culturais que nele surgiam, assim como para a “prisão” na qual o homem se encontrava por causa do sistema capitalista.

Max Weber, ao contrário de Durkheim, acreditou na possibilidade de interpretação da sociedade “não olhando” para ela, mas sim, para o indivíduo que nela vive, pois entendia que aquilo que ocorre na sociedade seria a soma das ações das pessoas. Assim, parte da análise das ações sociais, ou seja, das ações que os indivíduos estabelecem entre si. Caberia então à sociologia a tarefa de entender e explicar tais ações sociais.

Temas e conceitos fundamentais da Sociologia de Weber

1. Tipos de ação social

Os tipos de ação social jamais são encontrados na realidade em toda a sua pureza, e, na maior parte dos casos, os quatro tipos de ação encontram-se misturados. Ação é social quando um determinado comportamento implica uma relação de sentido para quem age. Nem todo comportamento humano é social. É preciso que tenha sentido para o individuo que age. A ação social orienta-se pelo comportamento de outros. Os “outros” podem ser indivíduos e conhecidos ou uma multiplicidade de desconhecidos.

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Weber definiu quatro tipos de ação social:

a) Ação Tradicional: baseada na tradição, nos costumes. Exemplo: dar presentes no Natal, ir à missa todo domingo, obedecer aos pais, adoração a reis/ rainhas

b) Ação Afetiva : baseada em sentimentos e afetividade (não racional). Exemplo: torcer por um time, agir com raiva, amor, vingança, desespero, ciúme, amor etc.

c) Ação Racional com relação a fins: o importante é o resultado. Exemplo: empresa capitalista.

d) Ação Racional com relação a valores: também é um cálculo racional, mas diferentemente do primeiro tipo, aqui as ações são “orientadas” por valores ou convicções determinadas – políticas, religiosas, morais ou ideológicas, entre outras motivações possíveis. Exemplo: alistar-se para o exército, trabalho voluntário ou de um político, onde o retorno não é o dinheiro ou prestígio final, mas a missão. Esses tipos de ações sociais existem de formas diferentes nas sociedades humanas.

Nas sociedades antigas e feudais prevaleciam os tipos tradicionais e afetivos, daí a família e a igreja terem papel fundamental nessas sociedades. Já na sociedade capitalista predomina ação racional, com planejamento eficiente e com metas, orientada pra fins. A empresa do século XVIII para a atual sofreu várias modificações, mas seus fins e objetivos continuam os mesmos: lucro, acumulação econômica e otimização produtiva.

Esse tipo de comportamento social pautado na racionalidade é o que caracteriza a sociedade moderna e a que subordinam a tradição, os afetos e os valores à racionalidade. Isso leva ao “desencantamento do mundo”, pois o homem passa a maior parte do seu tempo realizando atividades buscando os efeitos esperados (racional) e não pautados em seus valores, suas tradições e afetividades.

2. Tipos de dominação

Existem três tipos puros de dominação:

a) Tradicional: respeita aos costumes e regras. É o tipo em que o indivíduo ocupa posição de autoridade independentemente do controle de um corpo administrativo. A autoridade e as prerrogativas pessoais são mais extensas. Ex: reis, príncipes, padre, marido, coronéis, pai de família.

b) Carismática: capacidade de liderança e comando, em que se almeja estabelecer uma nova ordem. Exemplo: Jesus, Napoleão, Ghandi, Hitler, Martin Luther King, Vargas.

c) Racional-legal: assentada na noção de direito que se liga aos aspectos racionais e técnicos da administração. Ex: juiz, delegado, funcionário público (atua baseado nas leis e regulamentos e precisa de formação técnica).

3. A Burocracia

Weber considerava que a sociedade moderna passava por um processo de crescente racionalização, intelectualização e “desencantamento do mundo”. O mundo através da ciência, da especialização, retirou a magia presente, por exemplo, no passado medieval. O fenômeno social que representa essa racionalização é a Burocracia.

Ao analisar o capitalismo moderno, este teórico percebeu que a burocracia passou a fazer parte da vida cotidiana e a penetrar em todas as atividades - na política, na religião, [e

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na educação, certo?]. Em “Ensaios de Sociologia” (capítulo VIII), Weber destaca as características da Burocracia:

I. Princípio das atribuições oficiais: As atribuições dos funcionários são estabelecidas por meio de normas e regulamentos, ou seja, por leis ou normas administrativas. Há uma distribuição das atividades – consideradas como deveres oficiais – necessárias para atingir os fins da organização. Os poderes de mando necessários para o cumprimento desses deveres encontram-se igualmente determinados.

II. Princípio da hierarquia funcional: é um sistema racionalmente organizado de mando e subordinação, mediante um controle dos inferiores pelos superiores.

III. Documentos escritos (“os arquivos”): A administração utiliza-se de documentos escritos e de um corpo de funcionários. O quadro de funcionários juntamente com seus arquivos – constituem uma “repartição” pública. Na empresa privada, a “repartição” é frequentemente chamada de “escritório”.

IV. Formação profissional: A atividade burocrática exige uma formação especializada e completa. Isso se dá tanto no âmbito público, quanto no privado.

V. Eficiência dos funcionários: a organização exige eficiência dos funcionários, estando determinado também o tempo que eles estão obrigados a permanecer no local de trabalho cumprindo com os deveres.

VI. Regras: o desempenho do cargo segue regras gerais, mais ou menos estáveis, mais ou menos exaustivas, e que podem ser aprendidas.

Para Weber, a burocracia é uma forma de organização que se aproxima dos ideais democráticos, pois promove a igualdade de oportunidades e premia o mérito pessoal. No entanto, apesar dos processos administrativos mais transparentes da burocracia, o intenso crescimento da racionalidade penetra em todas as áreas e gera uma excessiva especialização, construindo um mundo cada vez mais intelectual e artificial, sem criatividade e originalidade, guiado por normas e regulamentações.

Um exemplo que poderíamos dar seria o do Professor, que acabou se tornando um “burocrata da educação” – os professores passam muito tempo preenchendo formulários, diários de classe, requerimentos, relatórios, corrigindo provas, trabalhos etc. retirando toda a “magia” do ato de educar. Como Weber vê o trabalho na sociedade capitalista?

Se, para Durkheim, a divisão do trabalho e seus progressos constantes funcionaram

como uma nova fonte de “solidariedade orgânica” necessária para a integração do todo social, como Weber vê o trabalho na sociedade capitalista moderna?

Para responder a esta questão temos que recorrer a uma obra deste autor intitulada “A Ética Protestante e o Espírito Capitalista”. Nesta obra, Weber mostra como a mudança de visão em relação ao trabalho pode ter contribuído para o desenvolvimento do capitalismo na sua origem.

A emergência do trabalho como um valor, sem precedente na história da humanidade, é explicada pelo sociólogo a partir da mudança ocorrida na Europa a partir do século XVI com a Reforma Protestante. Weber procura demonstrar que, desde o início da Reforma assiste-se ao nascimento de uma concepção espiritual do trabalho, bem como ao

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aparecimento de uma ética profissional, as quais constituíram um aspecto central do espírito do capitalismo, que favoreceu seu desenvolvimento no Ocidente.

Até então, pela cultura judaico-cristã, o trabalho visto de maneira negativista. O trabalho era indispensável para a reprodução biológica e social da humanidade, mas era indesejável. Assim também a riqueza, a luxúria, que eram vistos como pecado.

Tomando dois tipos ideais– um econômico (capitalismo) e outro religioso (protestantismo) – buscou analisar as suas mútuas implicações. A hipótese de Weber é de que a ética protestante deu conteúdo a um espírito do capitalismo, tendo no “trabalho” um dos principais elementos. Nas relações entre a ascese protestante e o espírito do capitalismo, apresentadas por Weber, destacamos os seguintes pontos:

a) Riqueza: A riqueza como empreendimento de um dever vocacional é não só moralmente permitida mas diretamente recomendável. Querer ser pobre equivale a querer ser doente, pois é reprovável da perspectiva da glorificação do trabalho e derrogatório à glória de Deus;

b) Lucro: Quando surge a oportunidade de lucro é uma disposição de Deus. Esse chamado divino deve ser aproveitado com o propósito de cumprir a própria vocação;

c) Trabalho: o trabalho constitui o mais alto instrumento de ascese, pois é o preventivo específico contra todas as tentações. O trabalho identifica-se com a própria finalidade da vida. A falta de vontade de trabalhar é um sintoma da ausência de estado de graça.

d) Ascetismo e racionalização: o puritanismo baseava-se no ethos da organização racional do capital e do trabalho, adotando a ética judaica somente no que se adaptasse a esse propósito. De acordo com a mentalidade ascética, quanto maiores as posses, maior a responsabilidade de conservá-las integralmente, ou de aumentá-las por meio de infatigável trabalho para a glória de Deus.

O ascetismo secular protestante: - considerava a perda de tempo o primeiro e principal de todos os pecados; - condenava o uso racional da riqueza; - liberava a aquisição de bens e o desejo de lucro; - levava à conduta racional baseada na idéia de vocação. Assim, a visão protestante, para além de uma valorização religiosa do trabalho,

contribui para criar um “espírito” motivacional para o empreendedorismo. A contribuição de Weber é mostrar que o nascimento do capitalismo tinha, em sua base, uma concepção de trabalho vinculada ao ascetismo secular do protestantismo. Foi essa concepção de trabalho, que liberou moral e eticamente os homens – os capitalistas – à aquisição de bens, à obtenção do lucro, à cobrança de juros e à acumulação de capital.

Observa-se, portanto, que da completa desvalorização, o trabalho assume na sociedade moderna, uma mudança de sentido até se tornar referência para uma vida virtuosa. Num primeiro momento (na Idade Média), o trabalho é interpretado como castigo e não é valorizado. O ascetismo protestante alterou radicalmente o pensamento cristão sobre o trabalho e serviu, assim, de justificação à ascensão econômica da burguesia emergente.

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QUESTÕES

1. No que difere o raciocínio de Weber em relação ao de Durkheim sobre a maneira de

ver a sociedade capitalista moderna? Justifique.

2. Como Weber nos auxilia a compreender o trabalho no mundo moderno?

3. A partir das contribuições de Max Weber, faça uma breve análise da burocracia na

sociedade atual.

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AULA 4 TEORIAS SOCIOLÓGICAS CLÁSSICAS: KARL MARX (1818-1883) Biografia

Karl Heinrich Marx nasceu na Alemanha, filho de advogado em uma família abastada. Inicialmente cursou Direito, mas optou por Filosofia, tornando-se Doutor.

Marx abandonou a vida universitária, trabalhou em um jornal de tendência liberal, onde foi editor. Depois se transfere para Paris, onde conhece Friedrich Engels, com o qual desenvolveu a maioria de seus trabalhos até o final da vida. Entrou em contato com setores mais radicais do movimento operário e realizou um intenso trabalho político e teórico, até ser expulso.

Foi para Bruxelas, continuando sua atuação junto ao movimento operário, sendo novamente expulso. Retornou a Paris e depois para Alemanha, de onde foi expulso e, em 1949, aos 30 anos, seguiu para o seu último exílio, na Inglaterra, onde morreria em 1883.

Suas principais obras são: A ideologia Alemã, Manifesto Comunista, O 18 Brumário de Luis Bonaparte, O Capital. O pensamento de Marx

Karl Marx desenvolveu uma corrente de pensamento considerada a mais revolucionária da teoria social moderna: o materialismo dialético. As idéias desse teórico, destinavam-se a todos os homens pois, denunciavam as contradições básicas da sociedade capitalista, embasadas em um ideal revolucionário e numa proposta de ação política prática.

Segundo Marx, para conhecer a realidade era preciso compreender a relação dos homens com o mundo material. Também, era preciso compreender como esse mundo material e as idéias a ele relacionadas se transformavam e transformavam a realidade.

A chave para a compreensão dessa realidade é a organização social do trabalho e as relações estabelecidas entre os homens no mundo da produção. Ou seja, é na vida material que tudo acontece. Para Marx, na produção social de sua vida, os homens contraem determinadas relações – são as relações de produção. Essas relações são necessárias e independentes da vontade humana.

O conjunto das relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real de uma determinada sociedade. Sobre essa base real se levanta toda a superestrutura como o conjunto de leis, a política, a moral, a religião etc., que são responsáveis pela sua manutenção e reprodução (conceito de Infraestrutura X Superestrutura). Dizia ele: “não é consciência do homem que determina sua existência, pelo contrário, é sua existência que determina sua consciência.” (MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. 22. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, p.83).

A sociedade é, portanto, produto da ação recíproca entre os homens. As relações de produção, marcadas pela existência de classes sociais com posições

e interesses antagônicos, desenvolvem relação de conflito e esse conflito é a mola propulsora das transformações e mudanças históricas. Essa é a teoria da história para Marx.

Marx aplicou essa teoria e desvendou profundamente o modo de produção capitalista. Segundo suas análises, no capitalismo as relações de produção são fundamentadas na propriedade privada dos meios de produção e na força de trabalho assalariada.

Temas e conceitos fundamentais da Sociologia de Marx

1. Classes sociais A sociologia de Karl Marx é a sociologia da luta de classes. Para Marx, as classes

sociais são determinadas economicamente, sendo definidas pelo lugar que as pessoas

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ocupam no processo produtivo em relação aos meios de produção: se detém ou não esses meios, ou seja, as fábricas, as máquinas, os serviços etc.

Variando ao longo da história: senhores da terra/servos, burguês/assalariado, etc. a relação entre as classes sociais é marcada pela opressão de uma sobre a outra, pela exploração de uma sobre a outra. Dizia ele: “A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história da luta de classes.” (MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 5.ed. São Paulo: Boitempo, 2007, p.40).

No capitalismo as classes sociais se dividem em: – Burguesia: detentora dos meios de produção (donos das fábricas, das

fazendas, das minas, do grande comércio, dos bancos etc.) – Proletariado: detentores da força de trabalho (salário)

A resolução do conflito entre essas duas classes sociais e o fim da exploração de uma classe sobre a outra só pode ser conseguida por meio da revolução, que porá fim à propriedade privada dos meios de produção. Aí está formada a teoria do socialismo científico, que constitui o processo de transição pelo qual a sociedade tem que passar até a etapa final, o comunismo.

2. Modo de produção capitalista O capitalismo ganha esse nome devido à sua relação econômica primordial, o

capital. O modo de produção capitalista é marcado por relações sociais de produção em que uns são proprietários dos meios de produção – ferramentas, matérias-primas, conhecimentos – e outros são somente proprietários da força de trabalho – energia gasta no dia-a-dia e o conhecimento de como executar a sua tarefa no processo produtivo. Os donos dos meios de produção utilizam a força de trabalho para produzir mercadoria e é a força de trabalho que gera valor à mercadoria.

O capitalista (burguês) paga um salário ao trabalhador, mas esse salário nunca corresponde ao valor produzido pelo trabalhador. Este produz uma parte de trabalho que é paga pelo salário, a outra parte trabalhada fica com o empresário (que por sua vez, vai reinvestir no seu próprio negócio, valorizando ainda mais o seu capital). A esta quantidade de trabalho que não é remunerada, Marx chamou de “mais-valia”.

3. Mais Valia É a quantidade de trabalho não paga ao trabalhador (valor excedente produzido pelo

operário). Marx coloca que existem duas formas de extração da mais-valia: – Absoluta: quando o trabalho se estende em jornadas longas ou além da jornada

estipulada legalmente; – Relativa: é gerada pela produção de mais produtos via a utilização de novas

tecnologias que intensificam a produção. Como é esta riqueza que o capital emprega? Entenda que todo trabalhador para

executar suas atividades é contratado por um número X de horas que é a sua jornada de trabalho. Dentro desta jornada o que ele produz paga o seu salário, a matéria-prima, os impostos, água, luz, telefone, transporte da matéria-prima, do objeto produzido e às vezes do próprio trabalhador. Vamos supor que isto ocorra com metade das horas trabalhadas. A outra metade das horas, em que o trabalhador continua trabalhando é o lucro do patrão!

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E isto gera a mais-valia, isto é um valor a mais, que é o lucro do capitalista. Por exemplo, em uma jornada de oito horas, quatro horas trabalhadas todos os dias no mês pagam os custos com a produção; as outras quatro horas em que o trabalhador continua trabalhando é a mais-valia.

4. Exército industrial de reserva “Exército industrial de reserva” é um termo cunhado por Karl Marx e refere-se à

população trabalhadora excedente nas economias capitalistas, ou seja, desempregada. Para o bom funcionamento do sistema de produção capitalista e garantir o processo

de acumulação, é necessário que parte da população ativa esteja permanentemente desempregada. Esse contingente de desempregados atua, segundo a teoria marxista, como um inibidor das reivindicações dos trabalhadores e contribui para o rebaixamento dos salários. Quanto maior ele é, melhor para o capitalista que poderá assim afirmar ao proletário no caso deste fazer greve, que pode contratar outra pessoa a um custo menor fazendo o mesmo trabalho. Por isso, para Marx, o exército industrial de reserva é “a alavanca da acumulação capitalista, e mesmo condição de existência do modo de produção capitalista”. (K. Marx. O Capital (Livro Primeiro, vol. 2, cap. 13, “A Lei Geral da Acumulação Capitalista”).

Segundo este teórico, na busca de inovações tecnológicas que lhes propiciem uma vantagem temporária sobre os seus concorrentes, os capitalistas tendem a elevar a composição orgânica do capital, substituindo gradativamente a força de trabalho (que é parte do capital variável) por máquinas (que são parte do capital constante), o que resultaria num aumento do desemprego e do exército industrial de reserva.

Como Marx vê o trabalho na sociedade capitalista?

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O trabalho, na acepção marxista clássica, é a categoria fundante do mundo dos homens, porque é o complexo que a cumpre a função social de realizar o intercâmbio orgânico do homem da natureza. É o conjunto de relações sociais responsável pela produção e reprodução das condições objetivas e subjetivas que caracterizam a forma de vida especificamente humana, ou seja, encarregado da reprodução da base material da sociedade.

No entanto, o capitalismo transforma o trabalho em mercadoria, e deforma o trabalhador monstruosamente (física e espiritualmente), levando-o artificialmente a desenvolver uma habilidade parcial, fragmentada. A divisão do trabalho na sociedade transforma aquilo que era o momento de expressão da subjetividade do trabalhador e da possibilidade de pensar-se como ser social, em trabalho alienado (estranho ao próprio trabalhador). Transforma a capacidade de transformar a natureza e si próprio, em mais valia que é apropriada pelo capital e, em fetichismo. Dizia ele: “A subdivisão do trabalho é o assassinato de um povo” (K. Marx. O Capital, Livro Primeiro, vol.4, cap.12, "Divisão do trabalho e manufaturas", 5, "Caráter capitalista da manufatura")

O “Fetichismo da mercadoria” é o modo pelo qual Karl Marx denominou o fenômeno social e psicológico onde as mercadorias aparentam ter uma vontade independente de seus produtores. É como se as mercadorias fossem fruto de algum outro tipo de processo de criação que não o trabalho. A relação social do homem com o seu trabalho e dos homens em seu trabalho, a passa a se dar entre as coisas.

Os trabalhos concretos desaparecem e permanece apenas a mercadoria. As melhorias implantadas pelos trabalhadores, suas idéias e seus conhecimentos são transformadas em cifras ($) e estas cifras em produtos. E também seus trabalhos específicos são transformados em produtos e em números, lucro. Não se tem mais os trabalhos concretos do engenheiro e do operário, do pintor e do desenhista, e seus respectivos produtos. O que resta são produtos dotados de uma capacidade de, eles mesmos, estabelecer uma relação de troca e equivalência no mercado, tornando-se independentes dos seus produtores e do processo que os produziram.

Dessa forma, Marx introduz na compreensão da realidade o princípio do conflito e da contradição, buscando uma compreensão dialética do trabalho na sociedade capitalista moderna. Assim, ele vê o trabalho ao mesmo tempo como essência do homem, mas ao mesmo tempo como fonte de alienação na sociedade capitalista moderna. Segundo Marx, a alienação se refere a sentimentos de indiferença ou hostilidade não apenas em relação ao trabalho, mas também ao produto de seu trabalho.

Muitos trabalhadores industriais têm pouco (ou nenhum controle) sobre seus trabalhos, contribuindo apenas com uma pequena fração para a criação do produto final, e não têm influência sobre como ou para quem ele será vendido.

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TEXTO PARA DISCUSSÃO

TRABALHO ASSALARIADO E CAPITAL

Karl Marx

A força de trabalho em ação, o trabalho mesmo, é, portanto, a atividade vital peculiar ao operário, seu modo peculiar de manifestar a vida. E é esta atividade vital que ele vende a um terceiro para assegurar-se dos meios de subsistência necessários. Sua atividade vital não lhe é, pois, senão um meio de poder existir. Trabalha para viver. Para ele próprio, o trabalho não faz parte de sua vida; é antes um sacrifício de sua vida. É uma mercadoria que adjudicou a um terceiro. Eis porque o produto de sua atividade não é também o objetivo de sua atividade. O que ele produz para si mesmo não é a seda que tece, não é o ouro que extrai das minas, não é o palácio que constrói. O que ele produz para si mesmo é o salário, e a seda, o ouro, o palácio reduzem-se, para ele, a uma quantidade determinada de meios de subsistência, talvez uma jaqueta de algodão, alguns cobres ou o alojamento no subsolo. O operário que durante doze horas tece, fia, fura, torneia, constrói, maneja a pá, entalha a pedra, transporta-a etc., considera essas suas doze horas de tecelagem, fiação, furação, de trabalho de torno e de pedreiro, de manejo da pá ou de entalhe da pedra como manifestação de sua vida, como sua vida? Muito pelo contrário. A vida para ele principia quando interrompe essa atividade, à mesa, no albergue, no leito. Em compensação, ele não tem a finalidade de tecer, de fiar, de furar etc., nas doze horas de trabalho, mas a finalidade de ganhar aquilo que lhe assegura mesa, albergue e leito. Se o bicho-da-seda tecesse para suprir sua exigência de lagarta, seria um perfeito assalariado. A força de trabalho nem sempre foi uma mercadoria. O trabalho nem sempre foi trabalho assalariado, isto é, trabalho livre. O escravo não vendia sua força de trabalho ao possuidor de escravos, assim como o boi não vende o produto de seu trabalho ao camponês. O escravo é vendido, com sua força de trabalho, de uma vez para sempre, a seu proprietário. É uma mercadoria que pode passar das mãos de um proprietário para as de outro. Ele mesmo é uma mercadoria, mas sua força de trabalho não é sua mercadoria. O servo não vende senão uma parte de sua força de trabalho. Não é ele que recebe salário do proprietário da terra; antes, é o proprietário da terra que dele recebe tributo.

O servo pertence à terra e entrega aos proprietários frutos da terra. O operário livre, pelo contrário, vende a si mesmo, pedaço a pedaço. Vende, ao correr do martelo, 8, 10, 12, 15 horas de sua vida, dia a dia, aos que oferecem mais, aos possuidores de matérias-primas, dos instrumentos de trabalho e dos meios de subsistência, Isto é, aos capitalistas. O operário não pertence nem a um proprietário nem à terra, mas 8, 10, 12, 15 horas de sua vida diária pertencem a quem as compra. O operário abandona o capitalista ao qual se aluga tão logo o queira, e o capitalista o despede quando lhe apraz, desde que dele não extraia mais nenhum lucro ou não obtenha o lucro almejado. Mas o operário, cujo único recurso é a venda de sua força de trabalho, não pode abandonar toda a classe dos compradores, isto é, a classe capitalista, sem renunciar à vida. Não pertence a tal ou qual patrão, mas à classe capitalista e cabe-lhe encontrar quem lhe queira, isto é, tem de achar um comprador nessa classe burguesa. Fonte: MARX, Karl. Trabalho Assalariado e Capital. São Paulo, Global, 1980.

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QUESTÕES

1. Como a teoria de Marx nos ajuda a entender o trabalho na nossa sociedade?

2. Qual a relação que o autor faz entre divisão social do trabalho e alienação?

3. A pobreza, o desemprego, no Brasil, no mundo pode ser pensada como sendo uma das conseqüências do modo de produção capitalista? Por quê?

4. No que Marx diferencia-se dos demais autores vistos até aqui?

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AULA 5

IDEOLOGIA

Conceito de Ideologia

Você já parou para refletir por que agimos desta ou daquela maneira, quando estamos na escola, no trabalho, nas festas familiares? Ou por que você se veste deste ou daquele modo e por que quer comprar um celular ou um tênis novos que você viu na televisão?

Pois é, o mecanismo que se esconde por trás de nossas escolhas está ligado à ideologia que, de acordo com os interesses daqueles que dominam a sociedade, vai organizando o mundo à nossa volta.

O conceito de ideologia tem vários significados e sempre foi alvo de inúmeras controvérsias. Comecemos pelo conceito mais genérico segundo o qual ideologia significa o conjunto de ideias, concepções ou opiniões sobre algum tema sujeito a discussão, por exemplo, a ideologia burguesa, a ideologia de um partido político etc. Neste sentido, do ponto de vista prático, ideologia é o conjunto de ideias sistematizadas que servem para orientar a ação.

Historicamente, porém, o conceito de ideologia tem um sentido mais específico, divulgado por Karl Marx e seu parceiro Friedrich Engels. Para estes dois autores, a ideologia são valores que os homens criam segundo as suas condições materiais de existência. E esses valores são criados pela classe dominante com um fim bem específico, que não é o de explicar a realidade, mas manter o exercício de dominação em uma sociedade fundada

na luta de classes. Daí deriva a noção de Ideologia. Podemos encontrar essas afirmações na obra “A Ideologia Alemã” escrita em 1845-1846, na qual ele afirma: “As idéias [...] da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante”. E essas idéias possuem a característica de aparecerem para todos como universais e como sendo o interesse comum de todos os membros da sociedade.

A ideologia portanto, “inverte” a realidade, ocultando aos homens a verdadeira contradição que existe na sociedade. Ora, é justamente essa ideologia que oculta o processo de alienação do trabalhador e impede que estes se mobilizem contra os interesses e os valores da classe dominante. Sem recorrer à violência física, a ideologia mantém o consenso e a coesão social, ao esconder as distorções e mascarando as desigualdades sociais. Tomemos o pensamento da filósofa Marilena Chauí sobre esta questão:

“Como sabemos, a ideologia não é apenas a representação imaginária do real para servir ao exercício da dominação em uma sociedade fundada na luta de classes, como não é apenas a inversão imaginária do processo histórico na qual as idéias ocupariam o lugar dos agentes históricos reais. A ideologia, forma específica do imaginário social moderno, é a maneira necessária pela qual os agentes sociais representam para si mesmos o aparecer social, econômico e político, de tal sorte que essa aparência (que não devemos simplesmente tomar como sinônimo de ilusão ou falsidade), por ser o modo imediato e abstrato de manifestação do processo histórico, é o ocultamento ou a dissimulação do real. Fundamentalmente, a ideologia é um corpo sistemático de representações e de normas que nos “ensina” a conhecer e a agir”. (CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1997, p.3-4).

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Louis Althusser (filósofo francês de origem argelina), parafraseando o pensamento de Marx, escreve que a ideologia é o “sistema das idéias e das representações, que domina o espírito de um homem ou de um grupo social”. No entanto, o filósofo demonstra que a ideologia não se reduz a simples imposição de idéias, ela se efetiva em práticas sociais inscritas em instituições concretas, reguladas por rituais no seio dos aparelhos ideológicos do Estado que podem ser: - O AIE religioso (o sistema das diferentes Igrejas),

- O AIE escolar (o sistema das diferentes escolas públicas e particulares), - O AIE familiar, - O AIE jurídico, - O AIE político (o sistema político de que fazem parte os diferentes partidos), - O AIE sindical, - O AIE da informação (imprensa, rádio-televisão, etc.)

Estes aparelhos, juntamente com os aparelhos de coerção ( forças armadas, o aparelho jurídico, etc.) visam, sobretudo, assegurar o “status quo” da classe dominante, favorecendo os favorecidos e desfavorecendo os desfavorecidos. Ideologia na vida cotidiana

Podemos identificar a ideologia em várias situações no nosso cotidiano. A linguagem é um campo bastante fértil para a disseminação de ideias, porque os fatos podem ser facilmente distorcidos pelos agentes. Por exemplo, se um jornal noticia “invasão” de uma fazendo por integrantes do MST (Movimento dos Sem-Terra), outro jornal, simpatizante do movimento prefere usar o termo “ocupação”.

Examinemos agora mais um exemplo: o trabalhador braçal geralmente é semi-analfabeto, por não freqüentar escola ou abandonar os estudos muito cedo; ganha mal; não tem casa própria e não consegue melhorar seu padrão de vida. Seus filhos certamente reproduzirão seus passos. Uma interpretação ideológica desse caso justificaria a situação da seguinte maneira: ele é pobre porque quer; porque não tem competência para um serviço intelectualizado; não se esforçou para estudar; não gosta de trabalhar etc. No entanto, esquece-se que a exclusão e a evasão escolar não ocorrem porque as crianças pobres são pouco inteligentes ou são preguiçosas e não querem estudar, mas porque o direito à escola não é de fato igual para todos. Além disso, muitas crianças começam a trabalhar cedo e por este motivo são obrigados a abandonar os estudos.

O mesmo se dá com o discurso ideológico de que os negros são culpados pelas suas próprias desgraças. Esquece-se que o negro sofreu e ainda sofre diversas discriminações, quer seja no contexto escolar, quer seja no mercado de trabalho. Enfim, os exemplos são muitos.

As justificativas ideológicas são todas de cunho individual, ou seja, como se cada pessoa fosse responsável pelo seu destino, o que não é verdade: em sociedades de estrutura injusta as oportunidades NÃO são iguais para todos. Sendo assim, as pessoas não são conformistas porque querem livremente, mas porque a existência de um complexo que atua sobre elas vai conformando as suas ações e idéias. Este complexo, que é a ideologia, vai conservar o status do grupo que controla as decisões, como a classe que domina a sociedade.

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Ideologia no mundo do trabalho Podemos identificar a ideologia no trabalho também. Como vimos em Marx, o

trabalhador não percebe o processo de alienação a que está submetido no seu cotidiano. No emprego ele vai sendo sugado pela necessidade de garantir que as metas, prazos, cotas, produtividade, enfim, que os números sejam cumpridos. No campo a realidade não é diferente, há a exigência de melhor rentabilidade na colheita de tantos alqueires no dia, nas exigências de colher tantas toneladas de cana no dia etc. Prazos são estabelecidos e para garanti-los nós não pensamos muito, vamos fazendo, executando e obedecendo, sem questionar.

Mas como superar a ação dessa ideologia no trabalho? Por exemplo, você já deve ter ouvido falar em greve! Este é um direito, que no Brasil

é assegurado por lei a partir de 1988 com a promulgação da Constituição. Esse direito é exercido pelos trabalhadores organizados nos seus sindicatos, nos momentos em que precisam pressionar mais os seus empregadores – no meio rural e urbano, no setor de serviços ou produtivo, no setor público ou no privado, no Brasil e em muitos lugares do mundo.

Quando exercem este direito estão defendendo os seus interesses por melhores salários e melhores condições de trabalho. Esses interesses são diferentes dos seus empregadores, que no capitalismo, buscam economizar com o trabalho e aumentar o capital. Esse modo de confrontação ao ser exercida pelos trabalhadores na forma de greve faz com que os seus interesses se contraponham aos dos empregadores.

E é claro que aqueles que dominam a sociedade querem que sejamos conformistas, que aceitemos as regras que a ideologia dissemina na sociedade. Com a greve ou outra forma de contestação – manifestações, passeatas, operações para diminuir o ritmo do trabalho, faltas coletivas, denúncias na imprensa e no ministério público – os trabalhadores abrem brechas na ideologia dominante, possibilitando que outra forma de pensar e agir no cotidiano possa se desenvolver, o que pode possibilitar que um questionamento sobre a organização da sociedade ocorra.

Este desenvolvimento enfrentará a dominação ideológica pela ação da classe dominante, que ao utilizar todos os meios de comunicação, o aparato militar e disseminação de idéias, vai reforçar a ideologia predominante de que as pessoas “são baderneiras, gostam de confusão e querem prejudicar o país”. [Você já deve ter ouvido isso em algum canal de televisão, não é mesmo?].

Ideologia nos meios de comunicação de massa

Você já observou também, na televisão, as propagandas de carros que mostram todos felizes, vivendo aventuras, satisfeitos e realizados com a posse do automóvel? Ou ainda as propaganda de celulares (você têm um?) em que a satisfação se realiza tendo em vista a posse de um celular mais e mais sofisticado?

Pois é, Marx já havia alertado que o capitalismo tem essa capacidade de ressaltar a “magia” das mercadorias, criando nas pessoas o “desejo” pelos objetos (não importa quão supérfluo e desnecessário este seja). Assim as propagandas, os programas televisivos, os filmes e as novelas impõem com força da imagem, padrões de comportamento, de valores e até mesmo de padrões estéticos, ditando o que é certo e o que é errado, o que é belo e o que feio, na sociedade. A ideologia consumista presente nestes meios passa a idéia de que

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com a posse de objetos – celulares, tênis, roupas, mochilas, bonés, chaveiros, cosméticos, acessórios, eletrodomésticos – todos terão uma satisfação imediata e universal. Como se o fato de consumir garantisse felicidade e uma vida melhor.

Nas sociedades fundadas no modo de produção capitalista, os meios de comunicação de massa exercem funções econômicas e políticas fundamentais, atraindo também os governos na difusão de seus ideais. Na Alemanha nazista, a ideologia do III Reich através dos cinemas mostra o poderio de Adolf Hitler e as benfeitorias feitas pelo seu governo. E isso não ficou restrita à Europa, no Brasil o governo de Getúlio Vargas também utilizou os meios de comunicação como meio de propaganda ideológica (principalmente o rádio e o cinema). O DIP (Departamento de imprensa e propaganda) foi criado neste período para construir uma imagem positiva do governo produziu filmes que divulgavam ações do estadista. A valorização do samba, do carnaval, futebol será também uma estratégia discursiva bastante utilizada pelos governos no Brasil, para “camuflar” as verdadeiras contradições existentes na sociedade brasileira.

A análise dos conteúdos transmitidos pelos meios de comunicação de massa, entretanto, não pode deixar de ressaltar que o processo de inculcação ideológica encontra diversos obstáculos a seu êxito integral junto às classes subalternas, que não podem ser compreendidas como meras receptoras passivas das mensagens produzidas pela classe dominante. Os mecanismos de resistência existem e, embora não sejam, ainda, suficientemente conhecidos, não podem deixar de ser considerados, como mostrado na charge a seguir:

QUESTÕES

1. Leia as afirmações a seguir e justifique em que sentido elas podem ser consideradas ideológicas (ou não): - A verdade é que não falta trabalho, falta é gente com vontade de trabalhar - Quem espera sempre alcança. - O “Bolsa Família” estimula as pessoas pobres à dependência e a terem mais filhos. 2. Faça uma breve análise dos valores sócio-culturais e padrões tanto de beleza como de consumo que a sociedade capitalista transmite nas propagandas (outdoors, revistas, TV). Debatam em grupo tais padrões, questionando se estes reforçam características ideológicas. 3. É possível superar a ação da ideologia? Ou a conformação é um processo irreversível? Dê exemplos de espaços possíveis para o exercício da contra-ideologia.

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AULA 6

INSTITUIÇÕES SOCIAIS

Conceito de Instituições

Você já parou para pensar porque você sempre repete as mesmas ações todos os

dias: acordar cedo, levar as crianças para a escola, pegar o ônibus, ir para o trabalho, pagar as contas etc.? Por que as pessoas vão repetindo estas ações cotidianas? Há um conformismo nesta repetição? O que pensar sobre isto nos indica?

Quando se observa qualquer grupo social (seja a família, a Igreja, a escola ou uma empresa) verifica-se que eles subsistem graças à existência de regras e procedimentos padronizados, cujo objetivo fundamental é manter a coesão interna do grupo e satisfazer certas necessidades da sociedade da qual ele faz parte.

As estruturas sociais estáveis (ou formas de organizações) baseadas em regras e procedimentos padronizados, socialmente reconhecidos, aceitos, sancionados e seguidos pela sociedade são denominadas instituições sociais.

Assim, as instituições sociais são padrões sociais que aprendemos, que são geralmente aceitos e que usamos para guiar nossas decisões. Elas existem para garantir que os problemas sejam enfrentados com sucesso.

Diferença entre Instituição social e Grupo social

Os grupos sociais são reuniões de indivíduos com objetivos comuns, envolvidos num processo de interação mais ou menos contínuo. Já as instituições sociais se referem a regras e procedimentos que se aplicam a diversos grupos.

Por exemplo: o pai, a mãe e os filhos foram um grupo primário; as regras e os procedimentos que regulamentam essa relação fazem parte da instituição familiar.

Outro exemplo: os membros de uma empresa constituem um grupo social formado por acionistas, administradores, prestadores de serviços e empregados. As relações entre essas pessoas são reguladas por leis, regras e padrões que objetivam fazer a empresa funcionar. Essas normas caracterizam a instituição econômica, pois seus preceitos são igualmente aplicados em todas as empresas.

Assim, a “Votorantim” é um grupo social (também pode ser chamada de organização formal), a “empresa” é instituição econômica. A “Uniso” é igualmente um grupo social (ou talvez uma comunidade), formado por professores, alunos, funcionários etc.; A “universidade” é uma instituição educacional.

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Características das Instituições Sociais

a) Instituições são padrões sociais: É uma tradição importantíssima da sociedade – um tipo de ação, interação, papel ou organização que é especialmente importante. É uma maneira estabelecida de fazer alguma coisa.

b) As instituições sociais são as trilhas mais importantes da sociedade: Pense em uma instituição como uma trilha, um importante padrão da sociedade que aprendemos a seguir e a aceitar, algo que dirige muitas de nossas ações. A sociedade assim como qualquer outra organização, consiste em pessoas interagindo e formando padrões sociais.

c) Instituições são os modos principais por meio dos quais uma sociedade funciona e resolve seus problemas contínuos: Algo se torna instituição quando é fundamental para a sociedade. Instituições geralmente são respeitadas por aqueles que estão na sociedade como algo fundamental para a continuidade desta.

d) As instituições são amplamente aceitas e profundamente arraigadas: Quando descrevemos um padrão que já vigora há um certo período de tempo, usamos o termo institucionalizado. Dizer que um padrão foi institucionalizado é o mesmo que afirmar que ele foi formalizado e esta profundamente arraigado na organização.

e) As instituições sociais são forças reais que atuam sobre os atores: Elas existem, exatamente como algo físico existe. Assim como a estrutura e a cultura, as instituições assumem vida própria.

As principais instituições sociais: família, escola, Estado e religião

Como vimos em Durkheim, as instituições sociais cumprem sempre um papel social para manutenção da sociedade. Vamos agora pontuar alguns aspectos funcionais destas instituições.

Nascemos todos em algum lugar da sociedade: num bairro de periferia, num edifício no centro da cidade, numa favela, num condomínio fechado, e pertencemos quase sempre a algum tipo de família (instituição familiar). É dentro da família que aprendemos os primeiros valores do grupo e da sociedade a que pertencemos, principalmente a moral. A família é o principal agente da socialização primária, na qual as crianças aprendem os valores básicos da vida social, inclusive a linguagem falada, e, às vezes, até a escrita. É o grupo familiar que também vai nos indicar os caminhos escolares e profissionais. Para algumas famílias, percorrer toda a carreira escolar sem interrupção é algo indiscutível, e desviar-se deste caminho previsto pode ser traumático. Novamente não escolhemos, mas as escolhas já estão feitas. Quase sempre fazemos o que é esperado.

Passemos agora para a escola (instituições educacionais). A principal função desta instituição é viabilizar o acesso à cultura letrada. O saber espontâneo não depende da escola. Não precisamos dela para aprender a falar, andar e brincar. Mas é necessária toda uma estrutura para aprender a ler e a escrever, já que a escrita não é uma linguagem espontânea. Ela é codificada e precisa de processos formais de aquisição. A escola foi criada com esse papel de transmitir o saber formal e até hoje, apesar das críticas, não se descobriu um mecanismo melhor.

No que se refere ao Estado (instituições políticas), este desempenha igualmente um papel importante em quase todas as relações humanas. Umas das características da sociedade moderna é o desenvolvimento de instituições políticas especializadas tais como

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os tribunais, os partidos políticos, as agências governamentais, o exército, a parte executiva do governo, entre outras. Juntas, essas entidades formam o que os sociólogos chamam “o Estado”. O Estado hoje, participa da maior parte do tempo de vida das pessoas: o registro de nascimento, a carteira de trabalho, a de identidade, o casamento, o uso e a propriedade da terra e o atestado de óbito são exemplos que demonstram a importância da atividade reguladora do Estado.

Há uma outra instituição social com a qual você provavelmente também convive que é a igreja (instituições religiosas). Caso tenha sido batizado ou iniciado em alguma religião em sua infância, e tenha crescido seguindo os ensinamentos de sua igreja, você desenvolveu o que se chama de pensamento sagrado, ou seja, de crença em poderes sobrenaturais e misteriosos. Essa crença está associada a sentimentos de respeito, temor e veneração, se expressa em atitudes públicas destinadas a lidar com esses poderes. Geralmente, todas as religiões têm seu lugar de culto: igrejas, templos, mesquitas, sinagogas etc. Se, em algum momento de sua vida, você resolver se desligar de sua religião, esteja certo de que sofrerá forte pressão de seu grupo religioso, o qual muito o indagará a respeito de sua decisão, e mais do que isso, fará tudo para voltar de sua decisão.

Com esses exemplos é possível perceber o quanto as instituições direcionam nossas ações, às vezes de forma tão sutil que não percebemos que as situações vivenciadas cotidianamente são em sua maioria reproduções de antigas instituições sociais.

A empresa como instituição: Responsabilidade social das empresas

As empresas são também instituições importantes cuja principal função consiste na produção de bens e mercadorias. No entanto, as organizações empresariais, nos dias de hoje, não se limitam a gerir e manter recursos econômicos, técnicos e humanos, mas também se mostram igualmente preocupadas com diversos outros temas como a inclusão social, cidadania, as condições sociais e de saúde das comunidades, até a preservação do meio ambiente.

Vale lembrar que o novo papel desempenhado pela empresas hoje na sociedade, onde são percebidas como instituições responsáveis também por questões sociais mais amplas, amplia as responsabilidades da empresa incluindo grupos sobre os quais o empreendimento interfere, tornando a empresa responsável também por estes. Não no sentido paternalista, mas do ponto de vista de que à empresa cabem responsabilidades que vão alem de suas responsabilidades econômicas (conceito de Responsabilidade Social).

Isso faz com que as empresas passem a ser vistas como organizações de múltiplos objetivos (que não é simplesmente o objetivo econômico-financeiro ou a geração de lucros para os acionistas). Trata-se de um grande desafio que tem se colocado às empresas atualmente, onde elas passam a ser avaliada pelo conjunto de stakeholders com a qual deveriam se relacionar: comunidade, governo, clientes, fornecedores, funcionários etc.

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QUESTÕES

1. O texto a seguir nos dá notícia acerca da introdução de formas rígidas de organização das torcidas de futebol no Brasil.

Os integrantes de torcidas organizadas de todo o país terão que se cadastrar previamente para ter acesso aos estádios. No Rio de Janeiro, o procedimento começou hoje (13), com a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre as lideranças das torcidas, o Ministério Público e o Ministério do Esporte. O TAC prevê que as torcidas organizadas terão que se tornar pessoas jurídicas, com registro de seus estatutos em cartório. As que têm menos de 200 membros serão dispensadas de registro em cartório. As torcidas terão seis meses para enviar à autoridade policial cadastro contendo a identificação completa de seus integrantes, incluindo foto, endereço e assinatura. Para entrar nos estádios vestindo ou portando adereços de torcidas organizadas, eles terão de ter carteira padronizada. Caso seja descumprida a medida, a torcida organizada estará sujeita a sanções que vão desde multa de até R$ 10 mil ao banimento dos estádios por período de até três anos. (Vladimir Platonow. Torcidas organizadas começam a cadastrar integrantes para entrar em estádios. Jornal do Brasil. 13 jun. 2011, p.1. Disponível em: <http://www.jb.com.br/esportes/noticias/2011/06/13/torcidas-organizadas-comecam-a-cadastrar-integrantes-para-entrar-em-estadios/&gt;. Acesso em: 30 jun. 2011.

As torcidas organizadas de futebol constituem um grupo social ou uma instituição social? Justifique sua resposta.

2. Quais são as instituições mais importantes na sua vida? Tente classificá-las em instituições políticas, econômicas, educacionais, familiares, jurídicas etc.

3. Existem instituições que passaram por mudanças marcantes nas últimas décadas, uma delas é família. Em grupo, pesquise as principais transformações ocorridas nesta instituição, bem como as razões que explicam tal mudança.

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AULA 7 ESTRATIFICAÇÃO

Algumas pessoas conseguem mais do que outras nas sociedades – mais dinheiro,

mais prestígio, mais poder, mais vida, e tudo aquilo que os homens valorizam. Tais desigualdades criam divisões na sociedade – divisões com respeito a idade, sexo, riqueza, poder e outros recursos. Aqueles no topo dessas divisões querem manter sua vantagem e seu privilégio; aqueles no nível inferior querem mais e devem viver em um estado constante de raiva e frustração. Assim, a desigualdade é uma máquina que produz tensão nas sociedades humanas. É a fonte de energia por trás dos movimentos sociais, protestos, tumultos e revoluções. As sociedades podem, por um período de tempo, abafar essas forças separatistas, mas, se as severas desigualdades persistem, a tensão e o conflito pontuarão e, às vezes, dominarão a vida social. O que são estratos sociais

Refere-se à divisão da sociedade em camadas sendo que seus ocupantes têm acesso desigual a oportunidades sociais e/ou recompensas (dinheiro, prestígio, poder e outros recursos).

Em geral, a estratificação pode ser: a) Castas: é um sistema em que há um alto nível de estratificação, porque as

pessoas que nascem em uma determinada casta raramente (ou nunca) conseguem mobilidade social.

Exemplo: Índia b) Estamentos: São Camadas mais abertas do que as castas e menor do que no

sistema de classes sociais. É um tipo de estratificação ainda presente em algumas sociedades. Nessas, o indivíduo desde o nascimento está obrigado a seguir um estilo de vida predeterminado, reconhecidas por lei e geralmente ligadas ao conceito de honra, embora exista alguma mobilidade social.

Exemplo: Historicamente, os estamentos caracterizaram a sociedade feudal durante a Idade Média.

c) Classe Social: sistema em que as fronteiras de classe são vagas e mutáveis e existe mobilidade entre as classes (onde todos, em teoria, são “iguais perante a lei”). Baseado em critério econômico (faixas econômicas que vão de A até E).

Exemplo: Presente nas democracias ocidentais.

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d) Outras: por fatores étnicos, de gênero, de idade etc.

Sistema de classes e a origem das desigualdades sociais em Karl Marx Marx apresentou uma teoria da estratificação, como já foi visto anteriormente nas aulas, a partir da divisão da sociedade em duas classes sociais:

a) Burguesia: ou seja, os proprietários dos meios de produção (isto é, os recursos e capital usados para produzir mercadorias e utilidades) - são capazes de controlar o poder político, as atividades de trabalho e os estilos de vida dos outros.

b) Proletariado: não-proprietários dos meios de produção, proprietários apenas da força de trabalho.

Para Marx, a desigualdade social era um fenômeno causado pela divisão de classes e que por haverem, nessas divisões, classes dominantes, estas se utilizavam da miséria gerada pela desigualdade social como instrumento de manter o domínio estabelecido sobre as classes dominadas, numa espécie de círculo vicioso.

Daí a conclusão deste sociólogo que a desigualdade não é um mal temporário nem a pobreza um fenômeno resolúvel nas sociedades de capitalismo avançado, muito pelo contrário: a desigualdade e a pobreza são vitais para o funcionamento das economias capitalistas. O capitalismo se nutre disso para sobreviver.

Marx, apontava, ainda, uma solução para o problema das desigualdades, que seria a implantação do socialismo na sociedade, visto que este tipo de regime adotava a igualdade na distribuição de todos os recursos e a igualdade de oportunidade. Desigualdade por fatores étnicos (ou raciais)

As diferenças culturais (como línguas e as crenças religiosas, estilos de

comportamento e de organização), também podem ser fonte de desigualdade entre os homens. Normalmente esta desigualdade desemboca apenas em atitudes de discriminação, mas podem chegar até o genocídio de grupos étnicos (“minorias”).

Exemplo: os judeus na Alemanha, os índios no continente americano, os sérvios na antiga Iugoslávia etc.

Mais comum, entretanto, é a discriminação que envolve a segregação física e o isolamento econômico de um grupo.

Como vimos na aula anterior, pesquisas realizadas no Brasil apontam que os negros (incluindo pretos e pardos); recebem salários menores que os não-negros (brancos e amarelos), ocupam a maior parte dos postos de trabalho precários, estão mais sujeitos ao desemprego e mais distantes dos cargos de chefia.

No Brasil, além da discriminação contra negros e índios, é reconhecida a existência, por exemplo, de uma cultura discriminatória na região Sudeste, em relação a migrantes nordestinos, ou nas áreas fronteiriças com o Paraguai, em relação a trabalhadores imigrantes daquele país.

Desigualdade de gênero

Ser homem ou ser mulher, também implica diferentes quantidades de renda, poder,

prestígio e outros recursos de valor. Como vimos na aula anterior, esse sistema de estratificação por gênero tem

favorecido homens, que têm tido maior probabilidade em ocupar posições e desempenhar papéis que trazem mais poder, riqueza material e prestígio, embora mudanças venham ocorrendo no sentido de uma distribuição mais equitativa de oportunidades para ambos os sexos.

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Desigualdade de idade A discriminação contras as pessoas mais velhas mulheres se manifesta também em

diferentes esferas da vida,mas especialmente nas relações de trabalho. No Brasil, valoriza-se o trabalhador jovem e ativo em detrimento das pessoas mais

idosas(diferente do Japão, por exemplo) Tradicionalmente, as chances de emprego vão caindo de forma gradativa depois dos

quarenta anos, em especial para cargos executivos. A empresa de consultoria Catho, que atua no ramo de empregos e colocação de executivos, realizou pesquisa no Brasil com 7.002 executivos e encontrou apenas 15% dos cargos de gerência e 6,4% dos cargos de supervisor ocupados por pessoas com idade acima de cinqüenta anos.

Além disso, somente nos últimos anos os idosos (pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos) vêm conseguindo garantir seus direitos e benefícios sociais (Política Nacional do Idoso - Lei 8842/1994): gratuidade no transporte público urbano, atendimento preferencial, fornecimento gratuito de medicamento, entre outros.

Desigualdade de recursos (renda)

Embora o dinheiro “não seja tudo”, como concluiria um cínico, “ele pode tudo

comprar”. Enquanto a associação de pessoas a um grupo de status e o uso de poder podem funcionar independentemente do dinheiro, um indicador grosseiro do grau de desigualdade em uma sociedade é sua distribuição de riqueza.

Calcular ess dado é complicado, mesmo porque a verdadeira realidade vai além das questões numéricas. Mesmo assim os números muitas vezes aparecem como um choque para o leitor, como mostra a tabela seguinte que retrata a evolução temporal da distribuição de renda no Brasil:

Tabela 1: Evolução Temporal da Distribuição de renda no Brasil

1977 1983 1990 1998

40% mais pobres 7,7 8,1 7,3 8,0

10% mais ricos 51,6 47,9 49,2 47,9

Percentual de pobres 39,6 51,0 43,8 32,7

Percentual de indigentes 16,3 25,0 21,3 13,9

Coef. Gini 0,62 0,60 0,62 0,60 Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)

Como pode-se observar, a história no Brasil é marcada pela forte concentração de

renda, mesmo em períodos de grande crescimento econômico. O índice Gini (medição do grau de desigualdade a partir da renda per capita) sempre ficou em torno de 0,6 - quanto mais próximo de um, maior a desigualdade. Isso explica porque, apesar dos progressos registrados nos últimos anos, o Brasil continua entre os países mais desiguais do mundo. Mobilidade Social

Por mobilidade social pode-se entender o “deslocamento de indivíduos e grupos

entre posições socioeconômicas diferentes” (GIDDENS, 2005)

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Em uma sociedade aberta e democrática, é comum pessoas de um grupo social passarem para outro grupo, mais ou menos elevado na escala social.

A esse fenômeno, que tanto pode ser ascendente como descendente, dá-se o nome de mobilidade social. No Brasil, a chegada do ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, em janeiro de 2003 é expressão dessa mobilidade. Com ele, passaram a integrar o governo diversas pessoas provenientes das camadas mais baixas da sociedade. É o caso, por exemplo, de Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, que foi seringueira no Acre e só pôde estudar a partir dos 17 anos.

Estudos sobre Mobilidade Social no Brasil, como o realizado por José Pastore e Nelson do Valle Silva (“Mobilidade social no Brasil”. São Paulo: Makron Books, 2000) que examina o que aconteceu com as classes sociais ao longo de todo o século XX, revelam que a mobilidade entre as classes sociais no Brasil é intensa. No Brasil, entre os anos de 1900 e 1970, a mobilidade social girou em torno de 58%. Nos tempos mais recentes (1970-2000), aumentou para 63%.

Trata-se de um volume de mobilidade bastante expressivo e superior ao de vários países desenvolvidos como é o caso da Inglaterra onde a mobilidade é de 59%, da Suíça (55%), Áustria (52%), Alemanha e Itália (53%) e vários outros. A mobilidade social só é maior do que a do Brasil na Austrália (69%) e Estados Unidos (67%).

QUESTÕES

1. O que é classe? O que é estratificação social? O que é mobilidade? O que é desigualdade?

2. Quais são as mudanças mais notáveis ocorridas na sociedade brasileira no que diz respeito à desigualdade? Você concorda com a afirmação de que o Brasil é um país de todos?

3. Em sua opinião, as condições ao nascer fazem muita diferença no que as pessoas conquistam? Ou será o trabalho árduo, o esforço de cada um, que realmente faz as pessoas “subirem na vida”?

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AULA 8 AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO O que é trabalho?

Pensar sociologicamente o trabalho é pensar como essa atividade humana se

desenvolveu e se organizou nas diferentes sociedades, bem como o sentido que as pessoas dão a ele.

O trabalho é um fenômeno humano natural e necessário em todas as sociedades (ele forma a base econômica da sociedade). Ele existe para satisfazer as necessidades humanas, desde as mais simples, como as de alimento e abrigo, até as mais complexas, como as de lazer e crença, ou seja, necessidades físicas e espirituais. Porém, a sua valorização, o sentido dado pelas pessoas ao trabalho, varia ao longo do tempo.

Se observarmos o sentido do trabalho para as pessoas e para a sociedade, podemos perceber que ele vai se alterando e configurando distintas valorações. Em toda a sua história, sua conotação era negativa, o trabalho era considerado uma atividade inferior e sem valor algum. Sobre ele pesava uma condição de castigo e anulação da individualidade das pessoas. Basta lembrarmos que a palavra “trabalho” vem do Latim TRIPALIUM, que designava um instrumento de tortura cujo desenho felizmente se perdeu, mas que era formado por três estacas agudas!

A Reforma Protestante nos primórdios do século XVI muda radicalmente a visão sobre o trabalho conduzindo-o a seu pleno reconhecimento (como vimos em Max Weber). Assim, passa-se de uma subjetividade resignada (trabalho-redenção), própria dos primórdios da sociedade medieval para uma subjetividade afirmativa (trabalho- glorificação). Afirma-se aqui a idéia de trabalho como emancipação, no sentido de que não é mais fonte de vergonha, ou de sofrimento, mas a chave para a conquista da felicidade e de realização como ser social. Evidentemente que essa transição dos sentidos do trabalho é consoante a uma sociedade que se encontra no umbral da formação capitalista e serve, assim, de justificação à ascensão econômica da burguesia emergente. É por isso que dizemos que o sentido do trabalho sempre é socialmente construído e serve a algo, não está isolado ou pendurado acima da realidade social.

André Gorz, em sua obra intitulada “Metamorfoses do Trabalho”, explica que o que chamados hoje de “trabalho” é uma invenção da modernidade. A forma sob a qual conhecemos e praticamos, aquilo que é o cerne de nossa existência, individual e social, foi uma invenção mais tarde generalizada com o industrialismo. O “trabalho”, no sentido contemporâneo do tempo, não se confunde nem com os afazeres, repetidos dia após dia, necessários à manutenção e à reprodução da vida de cada um; nem com o labor que um indivíduo realiza para cumprir uma tarefa da qual ele mesmo e seus próximos serão os destinatárias os beneficiários; nem com o que empreendemos por conta própria, sem medir nosso tempo e esforço, cuja finalidade só interessa a nós mesmos, e que ninguém poderia realizar em nosso lugar. Se chamamos a essas atividades “trabalho” – o “trabalho doméstico”, o “trabalho do artista”, o “trabalho de autoprodução” – fazemos isso em um sentido radicalmente diferente do sentido que se empresta à noção de trabalho, fundamento da existência da sociedade, ao mesmo tempo sua essência e finalidade última.

A característica mais importante do trabalho – aquele que “temos”, “procuramos”, “oferecemos” – é ser uma atividade que se realiza na esfera pública solicitada, definida e reconhecida útil por outros além de nós e, além disso, remunerada. É pelo trabalho remunerado, pelo trabalho assalariado, que pertencemos à esfera pública, adquirimos uma existência e uma identidades sociais (isto é, uma profissão), inserimo-nos em uma rede de relações e de intercâmbios. O trabalho socialmente remunerado e determinado (mesmo para aqueles que não o têm), é de longe, o fator mais importante da socialização. Por isso, a

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sociedade industrial pode perceber a si mesma como uma “sociedade de trabalhadores”, distinta de todas as demais que a precederam.

O mais correto seria chamar este tipo de trabalho típico das sociedades capitalistas modernas de “emprego”, já que reflete a participação em um emprego remunerado formal. Em troca do trabalho que um indivíduo oferece a outro (ou uma organização) ele recebe um salário. Ocorre que o contrato implica não apelas a realização de um trabalho em troca de uma remuneração, mas também se estabelece um vínculo de subordinação do empregado em relação ao empregador. O trabalho na sociedade capitalista: Taylorismo e Fordismo Os sistemas produtivos foram se aprimorando desde o surgimento do capitalismo. No final do século XIX, Um engenheiro americano chamado Frederick Taylor propôs a aplicação de princípios científicos na organização do trabalho, buscando maior racionalização e otimização do processo produtivo. Henry Ford, em 1914, foi o primeiro a aplicar em sua fábrica o modelo proposto por Taylor.

A iniciativa de Ford inaugurou uma nova fase na produção industrial, a produção em massa, pois melhorou muito os resultados da produção. Na fábrica de automóveis produziam apenas um modelo de carro (modelo T), com uma única cor, única potencia, enfim totalmente padronizado, sem nenhuma variação. Foi estabelecida uma jornada de trabalho de 8 horas diárias - o que para época era muito atrativo, pois em outros lugares não tinham jornada fixa - com um salário fixo de 5 dólares por dia, o suficiente para suprir as necessidades do trabalhador e restar um pouco para o lazer.

Cada trabalhador realizava apenas um movimento na linha de montagem, ex: enroscar um parafuso, bater um prego, colar algo, etc. O automóvel ia ganhando forma no decorrer da linha de montagem e quando chegava ao final, estava pronto.

Este trabalhador não precisava possuir habilidades, nem pensar: bastava obedecer às ordens. Na fábrica fordista somente a gerência poderia pensar na organização da produção, sempre visando melhorar a eficiência, os trabalhadores eram apartados desse processo.

Esse tipo de organização do trabalho trouxe resultados surpreendentes no que se refere aos níveis de produção, mas, por outro lado, a produção em larga escala e dividida em etapas iria distanciar cada vez mais o trabalhador do produto final, já que cada grupo de trabalhadores passava a dominar apenas uma etapa da produção. Esse processo é descrito como “alienação”, que é a separação do trabalhador de seu próprio trabalho, como vimos em Karl Marx.

Podemos resumir as características do trabalho nesse sistema: – O trabalho é fragmentado (é dividido em varias partes); – Cada trabalhador executa apenas uma etapa ou movimento; – O trabalho é exaustivo; – Não é necessária muita qualificação; – O trabalhador é tratado como uma máquina que quase não precisa pensar; – São realizadas tarefas simples e repetitivas, com movimentos mecânicos que

dispensam reflexão e criatividade.

Essa é a forma como a produção se organizou até os anos 70, quando foi substituída por formas mais flexíveis de produção e trabalho. No entanto, esse antigo modelo de produção ainda pode ser encontrado em algumas empresas.

Globalização e o mundo do trabalho: a acumulação flexível

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Na década de 1970, com a recessão econômica causada pela crise do petróleo e o acirramento da concorrência global, os capitalistas desenvolveram novas formas de trabalho, visando diminuir os custos de produção e aumentar seus ganhos (ou seja, seus lucros). Muitos governos retiraram-se de suas obrigações, cortaram custos, privatizaram empresas públicas, enfim, renderam-se à lógica do mercado, e as empresas começaram a enxugar o seu quadro de funcionários, desregulamentando e flexibilizando os direitos trabalhistas, enfim, promovendo uma reestruturação produtiva. A preocupação reinante por parte do capital neste período era o corte de custos, o barateamento da produção, incluindo-se logicamente, da mão-de-obra.

O ideário neoliberal surge no contexto europeu, mas logo se espalha por todo o mundo. No campo das relações industriais, ele expressa uma reação à regulação fordista e aos acordos e contratos coletivos que se firmaram na Europa no período pós-guerra, em países com mercados de trabalho fortemente estruturados e com forte presença sindical. A idéia central é a “flexibilização”. Mas do que se trata esse fenômeno?

Flexibilização (ou acumulação flexível), se refere aos processos que o mundo do trabalho vem sofrendo no âmbito da produção, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. O antigo método fordista/ taylorista- que impunha um trabalho parcelizado, repetitivo, fragmentado, rotinizado, que havia desqualificado e mesmo destruído o saber de tantos trabalhadores - vai se mesclando ou em alguns casos até sendo substituídos por novos padrões de produção inspirados no modelo japonês.

O “Toyotismo” como é chamado esse novo modelo de acumulação, caracteriza-se pela flexibilidade e pela inovação em resgatar a subjetividade do trabalhador (o que o diferencia, em termos qualitativos, do fordismo/taylorismo). . As novas práticas gerenciais e empregatícias, tais como just-in-time/kan-ban, produção em equipe, controle de qualidade total e estímulo à criatividade e engajamento, levado a cabo pelas organizações japonesas, assumiram uma nova significação para o capital, uma nova forma de racionalizar o trabalho.

Agora o trabalhador é um “colaborador”, um “parceiro” da empresa. Anuncia-se pelo abandono dos rígidos padrões tayloristas-fordistas, e as empresas hoje demandam por um trabalhador capaz de resolver problemas e propor idéias criativas. O poder no chão da fábrica é descentralizado e ao empregado é conferida maior autonomia nos processos de decisão da empresa.

Todavia, estas técnicas não favorecem a classe operária, muito pelo contrário. Em meio a essas transformações, assistimos também à degradação das condições de trabalho. Muitos trabalhadores não têm carteira assinada, são mal-remunerados, não possuem estabilidade alguma e não têm nenhuma proteção social nem perspectivas reais de ascensão profissional. Ou seja: o trabalhador continua sendo explorado, porém por vias mais dóceis (gestão participativa, distribuição de prêmios/ bônus em função da competência ou metas atingidas, etc.). A suposta docilidade do capital em transformar o trabalhador em “parceiro” e “colaborador” não suprime o caráter alienante do trabalho. O ócio criativo

O ócio criativo (também conhecido como ócio produtivo) é uma nova maneira de

definir o trabalho, condizente com as grandes mudanças trazidas pela Era do Conhecimento.

O sociólogo italiano Domenico De Masi é o inventor deste termo e lançou uma reflexão acerca da maneira como relacionamos três aspectos fundamentais da existência humana: o trabalho, o conhecimento e o lazer.

É importante ressaltar que o ócio criativo é completamente diferente do ócio relacionado à preguiça, ele está sim relacionado com a produção de ideias. Através da disciplina, conseguimos transformar a leitura de um livro, os momentos navegando na internet, a saída com os amigos, uma ida ao shopping, ao cinema, ou mesmo algumas horas deitado em uma rede em rica bagagem de conhecimentos gerais que quando menos se espera, fazem surgir soluções ou ideias inovadoras.

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O teletrabalho

Com o avanço da tecnologia da informação e da comunicação e as mudanças da

sociedade, novas formas de flexibilização das relações de trabalho têm se disseminado, entre as quais o teletrabalho (homeoffice).

Uma das modalidades de teletrabalho é aquela em que o indivíduo executa as tarefas de casa, mantendo, porém, o vínculo de emprego formal com uma organização.

Em sua obra intitulada “O Ócio Criativo”, De Masi apresenta as vantagens do teletrabalho:

– Autonomia dos tempos e métodos, – coincidência entre o lar e o local de trabalho, – redução de custos e do cansaço provocado pelos deslocamentos, – melhoria da gestão da vida social e familiar, – relações de trabalho mais personalizadas, – além da possibilidade de redução das horas de trabalho.

Entre as vantagens do teletrabalho, pode-se citar:

– Visão preconceituosa de parentes, amigos e outros profissionais, alguns do mesmo setor.

– Isolamento social. – Distração com os membros familiares. – Gerenciamento falho do tempo em virtude da desatenção e desorganização

de horários de trabalho. – Menos chance para o desenvolvimento profissional e promoções, por não

estar próximo nem aos chefes, nem aos pares. – Mistura das esferas do trabalho e da família. – Excesso de controle por parte do Telempregador. – Trabalha-se mais quantitativamente com um ganho baixo na produtividade. – O teletrabalhador tende a virar um workaholic. – Elementos de autonomia e responsabilidade tendem a se transformar em

sentimento de obrigação e estresse. Férias, feriados e fins de semana podem se tornar dias de trabalho.

Fim do trabalho? Diante das intensas e constantes mudanças vivenciadas, o conceito de trabalho tem

se modificado e transformaram o cérebro humano na grande matéria-prima da era pós-industrial e o conhecimento em poderosa fonte de vantagem competitiva. Os trabalhos braçais, que exigiam muito do corpo e pouco da mente, foram deixados para as máquinas, e, segundo De Masi, “o coração desta sociedade é a informação, o tempo livre e a criatividade”. Enfim, a idéia hoje consiste em pessoas criativas e qualificadas que consigam oferecer soluções aos desafios.

Com a produção flexível, a forma tradicional de trabalho baseada no assalariamento e horário integral são cada vez mais raros vis-à-vis às tendências que fundamentam a atual transformação no mundo do trabalho: as categorias que mais crescem são: o trabalho temporário, o trabalho de meio-expediente, o trabalho autônomo, o teletrabalho etc.

Mas essa transformação não pode ser percebida nas categorias tradicionais de debates sobre o “fim do trabalho”. Ora, o trabalho é uma “necessidade eterna” para a existência social, portanto, a superação desta necessidade revela-se impossível.

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TEXTO PARA DISCUSSÃO

Empresa criativa?

A Shell é uma multinacional de origem anglo-holandesa, voltada para a prospecção e distribuição de combustíveis, presente em 140 países, com cerca de 102 mil funcionários. A Shell Brasil iniciou suas operações em 1913, atua em todo o território nacional e contava, à época do estudo, com aproximadamente 1.660 funcionários, dos quais 242 em home-office.

A implantação do teletrabalho na empresa ocorreu em 2000, como parte de um programa global. Inicialmente, foram realizadas palestras de conscientização dos funcionários, ministradas por consultores. Entre os principais objetivos declarados pela companhia, destacavam-se a redução de custos de aluguel, de energia e de impostos e ganhos de produtividade a serem obtidos com a melhor performance dos funcionários, que estariam mais próximos dos clientes e fornecedores. Num primeiro momento, as áreas prioritárias para a migração foram aquelas em que os funcionários já não frequentavam os escritórios diariamente, com rotina de visitas e viagens constantes. Posteriormente, houve ampliação para outras funções e algumas pessoas já foram contratadas para atuar nesse regime.

A empresa deixa claro que o regime home-office: (a) depende primordialmente do negócio e das condições de trabalho de uma determinada equipe; (b) só pode ocorrer por meio de um acordo entre o funcionário e a empresa. Além disso, a remuneração e a avaliação de desempenho do teletrabalhador devem ser semelhantes às do funcionário tradicional.

Para propiciar ao teletrabalhador as mesmas condições de trabalho do funcionário tradicional, a Shell garante os seguintes recursos: impressora e filtro de linha; notebook; caixa postal de correio convencional em nome da Shell, próximo à residência do teletrabalhador, para envio e recebimento de documentos; caixa postal de fax (fax virtual); telefone celular (se aplicável); verba de R$750 para adequação do espaço da residência, de modo a garantir as condições de segurança e ergonomia (concessão única); acesso à internet em banda larga; verba de R$150 mensais para despesas com energia elétrica e com telefonia fixa, podendo aumentar, se comprovados gastos superiores; reembolso de despesas com correio; e materiais de escritório.

A caixa postal de fax corresponde a um número de telefone em que um documento é recebido via fax e, depois de digitalizado por empresa terceirizada, anexado a um e-mail que segue para o funcionário. A companhia, entretanto, não fornece equipamento para envio de fax.

A empresa também define as responsabilidades do teletrabalhador e do seu supervisor. São atribuições do supervisor: registrar mudanças na forma de trabalho; priorizar a disciplina, o desenvolvimento próprio e o da equipe; implementar rotinas acordadas com a equipe; monitorar visitas ao campo; manter a equipe integrada e motivada; trabalhar as dificuldades de adaptação da equipe e incentivar os valores de autonomia, flexibilidade e eficácia; disseminar/seguir os princípios da companhia.

São atribuições do funcionário: priorizar a disciplina, a automedição e o desenvolvimento próprio; trabalhar suas deficiências de adaptação; realizar backups periódicos; garantir que o local de trabalho atenda às diretrizes de HSSE (healthy, safety, security and environment); e seguir os princípios da companhia.

A Shell recomenda, ainda, a realização de encontros presenciais entre supervisor e subordinados, de modo a promover a integração da equipe e garantir o alinhamento com a estratégia e os objetivos da empresa. Essas reuniões, que podem ser mensais, bimestrais ou trimestrais, são realizadas em hotéis, cafeterias e ou em restaurantes, sem que haja, no entanto, um acompanhamento formal por parte da empresa. Fonte: BARROS, Alexandre Moço; SILVA, José Roberto Gomes da. Percepções dos indivíduos sobre as consequências do teletrabalho na configuração home-office: estudo de caso na Shell Brasil.Cadernos Ebape, v. 8, n. 1, artigo 5, Rio de Janeiro, Mar. 2010 .

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QUESTÕES

1 Explique a diferença entre trabalho e ocupação. 2 Em grupo, faça uma pesquisa sobre o perfil do profissional exigido pelo mercado de

trabalho na atualidade. Liste as principais competências e habilidades demandadas nos dias de hoje e faça uma análise crítica das mesmas. Você se enquadraria neste perfil?

3 Pesquise na internet exemplos de empresas “criativas” que inovaram na sua forma de trabalho. Que tipo de profissional elas vêm buscando?

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PESQUISA DE CAMPO

1) “Trabalho e Ideologia”

- Colher entrevistas, depoimentos de diferentes pessoas sobre a participação em movimento grevista, fazendo as seguintes perguntas: a. Você já participou de alguma greve em sua vida? Se não, por quê? b. Para quem já participou - Foi fácil tomar a decisão de entrar em greve? c. Havia uma organização anterior – sindicato, Comissão Interna de Prevenção de

Acidentes (CIPA) e/ou outras ou ela começou com a necessidade de realizar a greve?

d. Quais eram as reivindicações? e. O que a empresa/ patrão propunha? f. Qual foi o resultado? Os grevistas tiveram suas propostas atendidas? Quais foram as

principais dificuldades?

2) “Os Sentidos do Trabalho” - Colher entrevistas, depoimentos de diferentes pessoas sobre os sentidos do trabalho na

nossa sociedade brasileira, fazendo as seguintes perguntas: a. O que é trabalho para você? b. Por que você trabalha? Qual o sentido do trabalho para você? c. Quantas horas por dia hoje costuma trabalhar? d. Você se sente feliz com o seu trabalho? e. Para você, o trabalho ideal seria.... f. Como você se imaginaria sem trabalho? g. Do que você sentiria mais falta se você não trabalhasse mais?

3) “Trabalho e Profissão na Sociedade Globalizada” - Colher entrevistas, depoimentos de diferentes pessoas sobre o trabalho e profissão na

nossa sociedade, fazendo as seguintes perguntas: a. Você se sente realizado com a sua profissão? b. Você acredita que um robô poderia futuramente realizar o seu trabalho? c. Você acredita ter uma estabilidade no emprego? Por quê? d. Na sua profissão, você consegue conciliar trabalho e lazer? e. Você considera o salário que recebe compatível com o trabalho que realiza? Por

quê? f. Qual o seu maior medo/temor/preocupação em relação ao seu trabalho no dia-a-dia? g. Como se imagina profissionalmente daqui a um ano?

- Fazer um relatório sobre as questões que foram analisadas com as entrevistas e uma conclusão a partir dos conceitos vistos nas aulas de sociologia. Apresente os resultados para a sala.

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Bibliografia básica indicada (consta no Plano de Ensino)

DIAS, Reinaldo. Sociologia e administração. Campinas: Alínea, 2001.

BERNARDES, Cyro; MARCONDES, Reynaldo C. Sociologia aplicada à administração. São Paulo: Saraiva, 2001.

GIDDENS, Antony. Sociologia. 6.ed. Porto Alegre: Artmed, 2012.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Sociologia geral. 7. ed., rev. ampl. São Paulo: Atlas, 1999.