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0 APOSTILA TEOLOGIA 2015/1 – FIT 1500 A05 [Nutrição] CONCEITOS BÁSICOS ................................................................................................................................... 1 HOMBRE MODERNO DEL SIGLO XXI........................................................................................................ 2 A JUSTIÇA DO HOMEM PEQUENO ............................................................................................................. 3 RELIGIÃO: CAMINHO PELA HISTÓRIA ..................................................................................................... 4 PAPEL SOCIAL DA RELIGIÃO NAS SOCIEDADES TRIBAIS............................................................. 4 FUNÇÃO SOCIAL DA RELIGIÃO NO FEUDALISMO .......................................................................... 6 A INSTITUIÇÃO RELIGIOSA NA MODERNIDADE.............................................................................. 8 A INSTITUIÇÃO RELIGIOSA EM MEIO À PÓS-MODERNIDADE ..................................................... 9 RELIGIÃO E CONSUMISMO: OS DEUSES NA VITRINE DA PÓS-MODERNIDADE .................. 11 FENÔMENO RELIGIOSO ............................................................................................................................. 13 EXPERIÊNCIA RELIGIOSA - O QUE É? COMO SE DÁ? ..................................................................... 13 MITO: ALGO REAL OU PURA INVENÇÃO?......................................................................................... 15 FENÔMENO RELIGIOSO: SEITAS E IGREJAS .................................................................................. 16 A FÉ QUE FAZ BEM À SAÚDE ................................................................................................................... 19 MARX E A Religião ........................................................................................................................................ 25 TRATAMENTO E CURA: AS ALTERNATIVAS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE..................................... 26 RAÍZES e INFLUÊNICAS RELIGIOSAS ..................................................................................................... 30 FÉ CEGA, FACA AMOLADA ....................................................................................................................... 31 O NOVO RETRATO DA FÉ NO BRASIL .................................................................................................... 34 Profa. Sandra Chaves [email protected]

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APOSTILA TEOLOGIA 2015/1 – FIT 1500 A05 [Nutrição]

CONCEITOS BÁSICOS ................................................................................................................................... 1

HOMBRE MODERNO DEL SIGLO XXI........................................................................................................ 2

A JUSTIÇA DO HOMEM PEQUENO ............................................................................................................. 3

RELIGIÃO: CAMINHO PELA HISTÓRIA ..................................................................................................... 4

PAPEL SOCIAL DA RELIGIÃO NAS SOCIEDADES TRIBAIS ............................................................. 4

FUNÇÃO SOCIAL DA RELIGIÃO NO FEUDALISMO .......................................................................... 6

A INSTITUIÇÃO RELIGIOSA NA MODERNIDADE .............................................................................. 8

A INSTITUIÇÃO RELIGIOSA EM MEIO À PÓS-MODERNIDADE ..................................................... 9

RELIGIÃO E CONSUMISMO: OS DEUSES NA VITRINE DA PÓS-MODERNIDADE .................. 11

FENÔMENO RELIGIOSO ............................................................................................................................. 13

EXPERIÊNCIA RELIGIOSA - O QUE É? COMO SE DÁ? ..................................................................... 13

MITO: ALGO REAL OU PURA INVENÇÃO?......................................................................................... 15

FENÔMENO RELIGIOSO: SEITAS E IGREJAS .................................................................................. 16

A FÉ QUE FAZ BEM À SAÚDE ................................................................................................................... 19

MARX E A Religião ........................................................................................................................................ 25

TRATAMENTO E CURA: AS ALTERNATIVAS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE ..................................... 26

RAÍZES e INFLUÊNICAS RELIGIOSAS ..................................................................................................... 30

FÉ CEGA, FACA AMOLADA ....................................................................................................................... 31

O NOVO RETRATO DA FÉ NO BRASIL .................................................................................................... 34

Profa. Sandra Chaves [email protected]

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CCOONNCCEEIITTOOSS BBÁÁSSIICCOOSS 1. TEOLOGIA

Etimologia/histórico: A palavra é de origem grega (Teo = Deus; Logia = estudo): o estudo de Deus. Os filósofos gregos utilizavam a palavra, mas restrita ao campo de articulação das idéias filosóficas. Pode ser: 1.1. Olhar interno: Esse aspecto estuda os textos sagrados e suas inplicações/interpretações. Este estudo é realizado pelo praticante da própria fé professada, ou seja, é o muçulmano estudando a Teologia do Corão, é o judeu estudando a Teologia da Torá, etc. No Cristianismo é a reflexão sobre o ser humano, à luz do projeto de Jesus Cristo, para orientar o crente a viver humanamente neste mundo em direção à plenitude da vida. 1.2. Olhar externo: É uma reflexão sistemática, organizada, metódica, que parte da fé e a ela pretende voltar. Sob esse olhar a Teologia se propõe a estudar toda e qualquer expressão religiosa a partir do olhar do crente, ou seja, não questiona ‘se’ tal fenômeno é possível ou não. Tal questionamento é dispensável. A partir do fenômeno apresentado, a teologia utiliza instrumentos de investigação como a Sociologia, a Psicologia, a Filosofia, a História e a Antropologia da religião.

2. RELIGIÃO Vem do latim ‘religar’, ‘atar’ o sagrado com o profano. A religião é um sistema qualquer de idéias que envolve fé e cultos. Consiste em crenças e práticas organizadas, formando algum sistema privado ou coletivo, mediante o qual uma pessoa ou um grupo de pessoas são influenciados.

Pode-se encontrar muitas crenças e filosofias diferentes. As diversas religiões do mundo são de fato muito diferentes entre si. Porém ainda assim é possível estabelecer uma característica em comum entre todas elas. É fato que toda religião possui um sistema de crenças no sobrenatural, geralmente envolvendo divindades ou deuses. As religiões costumam também possuir relatos sobre a origem do ‘Universo’, da ‘Terra’ e do ‘Ser Humano’, e o que acontece após a morte. A maior parte crê na vida após a morte.

A religião não é apenas um fenômeno individual, mas também um fenômeno social. Institucionalização da fé.

3. RELIGIOSIDADE A ‘atitude particular’ de uma consciência transformada pela experiência do numinoso. Fé praticada por meio

daquele que acredita. É a crença propriamente dita, vivida no cotidiano. Na forma confessional (em cada denominação religiosa), a experiência não é direta, mas mediada pelo sistema

simbólico de uma determinada religião, que fornece significados coletivos e relativamente fixos para a vivência do numinoso; a mediação pressupõe a crença, ou fé, pois que se dá através do estabelecimento de dogmas. Nos primórdios dos tempos o ser humano admite tanto as forças e atividades naturais como as sobrenaturais e procura usar ambas em seu próprio benefício. Mas agarra-se à magia sempre que tem de reconhecer a impotência do seu conhecimento e da sua técnica racional.

SAGRADO PROFANO NO SENTIDO SOCIOLÓGICO

Domínio da magia/religião Domínio da ciência e vivência do cotidiano, da vida civil. Reverência, temor, crença em forças sobrenaturais.

Força da razão, rudimentos da ciência inventando técnicas da caça, pesca, agricultura.

Relação religião e as ciências:

CIÊNCIA RELIGIÃO Nasce da experiência É construída através da tradição É norteada pela razão e corrigida pela observação Imune a ambas vive numa atmosfera de misticismo Está aberta a todos É oculta Assenta na concepção de forças naturais Desponta da idéia de um poder místico e impessoal.

REFERÊNCIAS http://www.alternex.com.br/~pilar/col-celso.htm#Ini01 acesso em: 20 abr 2001. http://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%A3o acesso em: 21 maio 2005. ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992. JUNG, C. G. Psicologia e religião. In Obras completas de C. G. Jung, (Vol. 11i). Petrópolis: Vozes, 1990. MALINOWSKI, Bronislaw. Magia, ciência e religião. Lisboa: Ed. 70, 1988. OTTO, Rudolf. O Sagrado. São Bernardo Campo: Imprensa Metodista, 1985.

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HHOOMMBBRREE MMOODDEERRNNOO DDEELL SSIIGGLLOO XXXXII

Con el paso de los siglos el ser humano ha incorporado nuevo valores que se ajustan a los tiempos que corren. A continuación Quino explica cuáles son los valores que dominan al hombre moderno.

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AA JJUUSSTTIIÇÇAA DDOO HHOOMMEEMM PPEEQQUUEENNOO Publicado: 07/08/2010 por Revista Espaço Acadêmico em colaborador(a) por JOSÉ DE SOUZA MARTINS*

http://espacoacademico.wordpress.com/ acesso em 08ago10

A enraizada prática do suborno entre nós só vem a lume com alguma intensidade na repercussão de episódios graves, como este de agora, ocorrido no Rio de Janeiro, relativo à compra da omissão de dois policiais militares em caso de atropelamento fatal. Não fosse a vítima filho de atriz conhecida, é pouco provável que o caso tivesse a repercussão que vem tendo e menos provável que os policiais envolvidos tivessem sido presos tão prontamente, como foram.

Um dos nossos grandes equívocos, nessa matéria, é o de pensar que a corrupção é apenas um defeito pessoal de caráter e uma exceção. Na verdade, a dificuldade para varrê-la de vez do cenário brasileiro está no fato de que o suborno, a propina e a corrupção em geral são aqui componentes da estrutura da sociedade. São mecanismos e artifícios para torná-la viável para os que consideram os rigores da lei um defeito social e político. Ou que as leis são feitas para relevá-las no difundido comércio do seu descumprimento. O vocabulário que designa os atos de cotidiana corrupção, que facilitam para os inescrupulosos o transcorrer do dia a dia, já é indicativo de como a anomalia está presente na consciência social: “molhar a mão”, “adoçar o bico”, “amaciar o motor”, “dar um jeito”, “esquecer”, “olhar para o outro lado”, “dar um agrado”. Todas elas expressões do entendimento de que a honestidade e a correção, sobretudo do funcionário público, é que são anômalas e injustas porque dificultam o arbítrio e a conveniência pessoais.

É essa consciência a do divórcio entre a sociedade e o Estado, expressão da insegurança social quanto à eficácia do poder público e, sobretudo, quanto ao funcionamento e à distribuição da justiça. É a descrença geral nas instituições que acaba sugerindo a cada um que se antecipe à aplicação da justiça para se inocentar preventivamente. É esse temor que faz do próprio cidadão, como neste caso, o corruptor daquele funcionário público de exceção que é incapaz de conceber-se como cumpridor impessoal da lei.

Os parâmetros pedagógicos dessa modalidade de delinqüência estão em toda a parte. Se os do mensalão podem, e não lhes acontece nada, e seu prestígio até cresce, por que não pode agir do mesmo modo o minúsculo funcionário, policial ou não? Se a lei da Ficha Limpa é diariamente flexibilizada em favor de poderosos de ficha suja, por que não pode o meganha da esquina agir como tribunal de Justiça, recebendo agrados para pré-interpretar a lei e fazê-la mais leve para os que se consideram mais iguais do que os mortais comuns? Se o próprio eleitorado reelege e consagra corruptos e cassados da grande corrupção, que mérito podem ter a honestidade e a correção do homem pequeno que em nome do Estado é o elo entre o poder e o cidadão da rua?

* JOSÉ DE SOUZA MARTINS é Professor Emérito da Universidade de São Paulo. Dentre outros livros, autor de A Sociabilidade do Homem Simples (Contexto, 2008), Sociologia da Fotografia e da Imagem (Contexto, 2008), A Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34, 2008), O Cativeiro da Terra (Contexto, 2010). Publicado em O Estado de S. Paulo [Caderno Aliás, A Semana Revista], domingo, 1º de agosto de 2010, p. J3.

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RREELLIIGGIIÃÃOO:: CCAAMMIINNHHOO PPEELLAA HHIISSTTÓÓRRIIAA PAPEL SOCIAL DA RELIGIÃO NAS SOCIEDADES TRIBAIS

Sociedades tribais: organização do trabalho (caça, pesca e coleta). Esta forma de produção exige um rígido controle do equilíbrio entre a densidade demográfica e a extensão de território disponível para extrair o alimento necessário à sobrevivência.

O principal meio de produção é a florestas, as águas e a terra. Tem como base um sistema de trocas regulado pelas relações de parentesco.

Organização social em famílias ou aldeias e clãs. O clã representa o espaço social, estruturado por um sistema de parentesco, que constitui a entidade social de referência à qual se identificam os indivíduos ou grupos.

É no nível do clã que se situa a instância da autoridade, que gera o uso do principal meio de produção (a terra), que resolve os conflitos importantes e ordena as atividades comuns ao conjunto dos grupos familiares. É no seio dos clãs que se dão os intercâmbios de mulheres.

As extensas famílias que compõem o clã possuem grande autonomia em relação à organização da vida material, de tal forma que se constituem em unidades auto-suficientes tanto no plano da organização da produção como no plano da distribuição do produto social.

As sociedades tribais são os primeiros sistemas em que aparecem as conotações religiosas como explicadoras e legitimadoras das relações sociais. As significações religiosas são de dois tipos: as que se elaboram em torno dos fenômenos da natureza e as ligadas às expressões sociais do grupo.

As representações religiosas elaboradas em torno das relações da pessoa humana com a natureza apresentam uma analogia. As forças da natureza são personificadas nos seres, tornando-os bons ou maus ou até mesmo ambivalentes.

Alguns clãs do sul da índia representavam as forças da natureza sob a forma de uma multidão de espíritos organizados por um chefe e dotados de uma vontade e uma inteligência superiores às das pessoas humanas.

Estes espíritos, ao seu bel-prazer, também eram eventualmente capazes de fazer o mal. Tratava-se sempre de espíritos ambivalentes, que podiam ser bons ou maus. O bem não era o contrário do mal, mas apenas sua ausência.

Desse modo a natureza apresentava-se como uma realidade boa em si mesma, que era perturbada por esses gênios na intenção de fazer o mal, não somente aos humanos, mas também aos animais e vegetais e a tudo aquilo que tem vida.

Por este motivo as pessoas procuravam se proteger de sua maldade, desenvolvendo práticas que visavam agradar ou afastar os perturbadores. Algumas vezes ofereciam alimentos a tais espíritos ou então, os criadores de gado imolavam uma vítima, na esperança de poupar outras.

Quando se tratava de preservar vidas humanas (em casos de doenças) intervinha no ritual um mediador capaz de entender e interpretar os sinais pelos quais a divindade (desta vez era a divindade e não os espíritos) comunicava o tratamento a ser seguido.

As religiões dos povos tribalistas são de caráter animista. Não procuram desvendar a relação entre causa e efeito que está na base da ordem das coisas.

Suas construções simbólicas têm a função de agir simplesmente ao nível dos efeitos. Neste sentido, o animismo corresponde às necessidades de sobrevivência imediata dos indivíduos e dos grupos. Trata-se de uma função de proteção desempenhada pela religião.

A vontade da pessoa humana pode influenciar as forças da natureza por meio de práticas rituais de natureza mágica. O objetivo destas práticas é o de neutralizar as forças adversas agindo direta e eficazmente sobre elas, o que geralmente exige a intervenção de um agente religioso, o feiticeiro, como mediador.

Atribuindo um sentido à natureza, a construção religiosa reduz a contradição que o grupo experimenta em sua vida cotidiana, dotando o próprio grupo de um meio para conjurar os efeitos de fenômenos cujas causas objetivas ele não domina. Assim, a religião preenche a função social de proteção e de reguladora das relações sociais de parentesco.

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As representações religiosas ligadas às expressões sociais do grupo têm como base o totem. O totem é um significante que remete a vários significados: representa o grupo enquanto unidade social; e, sendo o lugar de residência do divino, torna-se o meio através do qual é transmitida a vida cósmica ao grupo e a cada um de seus membros, na medida em que a ele se associam.

Como o totem é um elemento natural (planta ou animal), também constitui o ponto de encontro entre a ordem transcendental e a ordem da natureza: A vida (transcendental) permanece inatingível, e é representada pelo deus sem nome, na Tanzânia, ou pela floresta, pelos pigmeus. Mas encontrava em Cheyon (um totem) uma mediação eficaz, já que este se encontrava na fonte da vida concreta. O medium na transmissão da vida era a árvore totem, pois a divindade nela habitava.

Quando o clã é sedentário, o totem constitui também o lugar em que se articulam o passado e o presente: a presença dos antepassados do clã é simbolizada em torno do totem. É à unidade do clã que é concedido o sentido reproduzido em todas as linhagens pela mediação das práticas religiosas.

O intercâmbio de mulheres, prática necessária à sobrevivência das tribos, criava situações muito complicadas, uma vez que estes intercâmbios envolviam o acesso aos meios de produção ou a divisão destes. A unidade do clã, mesmo com o intercâmbio de mulheres com outros clãs, é indispensável para a sobrevivência do grupo.

É precisamente para superar as contradições criadas por ocasião dos intercâmbios de mulheres que intervém a produção simbólica. Esta construção se dá através do conceito de vida.

No caso dos Kuravas, da índia, a construção simbólica fazia o divino aparecer como catalisador da vida cósmica. Esta vida era transmitida pela mediação de um símbolo, o totem, que era o ponto de encontro entre o cosmos, a ordem social e a natureza.

É o conjunto do clã que recebe a vida; cada grupo familiar ou cada indivíduo só participa desse dom na medida em que pertença a essa totalidade.

Há, portanto, uma inter-relação entre a necessidade de sobrevivência dos clãs e a necessidade de sobrevivência de cada família ou indivíduo. Se um deles perecer, os outros também não sobreviverão.

Pode-se perceber, assim, a incidência do modo de organização social e a predominância do sistema de parentesco sobre a produção simbólica. A organização simbólica, por sua vez, também desempenha a função de acentuar o caráter harmonizador das relações sociais, desenvolvendo nos grupos familiares e nos indivíduos o sentimento de pertença à totalidade do clã.

Ela também expressa valores que correspondem à necessidade de sobrevivência do grupo (fecundidade e solidariedade). O sistema de crenças ao mesmo tempo em que vem criar e reforçar a unidade do grupo, também é reforçado por ela.

BIBLIOGRAFIA

HOUTART, François. Religião e modos de produção pré-capitalistas. Trad. Álvaro Cunha. São Paulo: Paulinas, 1982.

Sugestão de atividade complementar Leia individualmente o texto referente a esta aula e responda por escrito: 1. Quais eram as características das sociedades tribais? 2. Quais eram os principais problemas que enfrentavam e como os resolviam? Em grupo, escolha uma das

seguintes dificuldades enfrentadas pelas sociedades tribais e faça uma encenação sobre a forma como resolviam este problema com o auxílio da religião (máximo 4 minutos para cada grupo):

a) organização de uma saída para caçar, pescar ou coletar alimentos; b) escassez de alimentos; c) sobra de uns alimentos e falta de outros; d) desavenças no clã; e) clã muito grande; f) necessidades de arranjos matrimoniais; g) doença em um membro do clã.

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FUNÇÃO SOCIAL DA RELIGIÃO NO FEUDALISMO

O feudalismo é semelhante ao modo de produção tributário. Isto porque é ainda o poder político que organiza a economia e se apropria de um tributo em espécie e em serviço. Estas taxas são fixadas sobre a produção dos grupos de base.

No entanto, diferencia-se também do sistema tributário. A diferença se dá pelo fato de que a arrecadação do tributo apresenta-se como um direito, uma vez que os meios de produção pertencem às instâncias de poder (rei ou senhor feudal) e não mais às bases produtoras (camponeses).

O senhor é o proprietário do meio de produção (terra). O produtor possui os instrumentos de trabalho e o direito de uso dos meios de produção, mas que deve prestar serviços ao senhor.

As relações trabalhistas não têm mais como centro as aldeias, mas os indivíduos: senhor/camponês. No entanto, as aldeias continuam sendo quem organiza o trabalho, constituindo grupos nos quais se forjam as solidariedades.

O poder político-econômico não é exercido diretamente do rei ou senhor feudal para seus súditos. Existe uma hierarquia de delegação de poderes. O rei ou senhor feudal delega a função de oferecer favores ou punir seus dependentes a uma escala de intermediários. Esta escala vai desde o chefe do grande feudo, passa pelos chefes das federações de vilas, aos chefes de clãs, etc.

No feudalismo existe uma contradição que não encontra sua justificação ao nível da produção material do grupo; ou seja, uma vez que o grupo produz o necessário para sua sobrevivência sem o auxílio do senhor feudal, nada justifica que tenha a obrigação de repassar todo excedente para o dono do feudo.

Nas sociedades feudais, a cobrança do tributo não é justificada pela contrapartida de uma proteção, como nas sociedades tributárias. Assim, é preciso uma poderosa produção ideológica para que os servos o admitam como natural e necessário à sobrevivência da ordem social global.

Para conseguir justificativa para seu funcionamento, a sociedade feudal buscou a religião como um de seus apoios ideológicos. Os dirigentes buscavam a explicação e legitimação de sua própria excelência, enquanto os dominados encontravam razões para aceitar sua condição, na esperança de uma compensação de natureza pós-histórica.

Uma das formas de legitimar religiosamente o sistema feudal foi criar a idéia de panteão de deuses, organizados hierarquicamente. Neste sistema, a divindade principal normalmente tinha o poder de conceder favores ou fornecer castigos a seus fiéis. Este poder da divindade principal coincidia com os poderes que o rei ou o senhor feudal detinham sobre seus subordinados.

No caso de feudalismo Kandyano, do século XVII, no Sri Lanka, houve a formação de um sincretismo entre as religiões budista e hinduísta. O panteão criado neste sincretismo apresentava uma verdadeira pirâmide divina. No ápice da pirâmide estava Buda, considerado como ser sobrenatural, do qual não se podia esperar favores espirituais e materiais; mas abaixo de Buda podia-se encontrar as divindades.

Em primeiro lugar, Sakra, protetor do universo budista (a Sansana), que delega seus poderes a Saman. Este, juntamente com Vichnu, Skandha, Nata e Pattini, fazem parte do Hatara Varan Deiyo (panteão das divindades nacionais), encarregado de defender a fé e proteger o reino. Estes são deuses no sentido convencional do termo: podem conceder favores e punir pecados. Abaixo dessas divindades nacionais, encontram-se as divindades locais, correspondentes aos Patus (grupos de aldeias) ou às aldeias (que são so Bandara Deiyo ou deuses senhores) que protegem as comunidades locais.

No nível mais baixo da escala colocam-se os demônios, os pretas, espíritos maus dos ancestrais pecadores, punidos por causa do seu mau Karma. Eles são as causas de todos os males, considerados como punições não racionais. Entretanto, eles necessitam dos homens para serem resgatados. Essa hierarquia celeste é homóloga à hierarquia existente ao nível sócio-político, pois reproduz a estrutura do poder. As divindades do templo são representadas em uma posição idêntica àquelas que os homens são obrigados a guardar nas cerimônias de juramento aos reis ou aos senhores. O status da divindade corresponde ao seu nível moral, atingido pela acumulação de bens espirituais (seus méritos, adquiridos no curso de cada vida temporal).

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Se a divindade obtém seu status por seus méritos, subentende-se que os reis ou senhores feudais também. Por este motivo, assim como as divindades merecem respeito, consideração e oferendas, também os reis e senhores feudais merecem, pois fizeram o mesmo caminho que a divindade.

Desta forma, o rei ou senhor feudal continua sendo um homem, mas um homem especial, que depende diretamente das divindades protetoras: os reis são vistos como deuses e os deuses são vistos como reis.

Esta escala "moral" inclui não apenas as divindades, mas também o conjunto dos homens. Cada qual ocupa uma posição nesse espaço temporal-espiritual em função de seu Karma em uma vida anterior.

Nos países europeus, a legitimação do sistema feudal se deu via cristianismo. A lógica teológica criada no cristianismo não difere muito da fornecida pelo sincretismo budista e hinduísta. No período feudal europeu foi estabelecido a hierarquia celeste cristã que conhecemos até hoje.

Na hierarquia celeste cristã, acima de todos está o grande Deus, formado por três pessoas distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Estas três pessoas compõem uma única divindade que é, ao mesmo tempo, onipresente, onisciente e onipotente (tal como o rei ou o senhor feudal). Esta divindade tem o poder tanto de conceder favores espirituais e materiais como de punir os pecados da humanidade.

Embora não havendo divindades menores na teologia cristã, há no entanto, no âmbito do sagrado, entidades menores (anjos e santos). Estas têm a função de proteger a humanidade e interceder junto à divindade maior, visando obter seus favores ou acalmá-Ia para que não venha a punir seus fiéis.

Além dessas entidades intermediárias, existem outras entidades muito mais próximas das pessoas comuns, com as mesmas funções dos anjos e santos. Estas entidades próximas, por sua vez, também organizam-se de forma hierárquica. São os diferentes representantes da divindade aqui na terra, atuando concretamente na instituição Igreja: Papa, Cardeais, Arcebispos, Bispos, Padres, Religiosos/as (monges, freiras).

Por último, nesta hierarquia, encontram-se os simples mortais, que dependem da hierarquia divina para "ir bem" tanto nesta vida como em um tempo vindouro (pós-morte). Para conseguir estas graças, devem servir a todos os outros que se colocam acima deles na hierarquia divina.

Embora não haja no cristianismo a noção de Karma, há a noção de pecado/castigo. Se estou em uma posição inferior na sociedade é porque cometi (ou alguém de minha família cometeu) algum ato que desagradou a Deus, por isto estou sendo punido.

BIBLIOGRAFIA

HOUTART, François. Religião e modos de produção pré-capitalistas. São Paulo: Paulinas, 1982.

Sugestão de atividade complementar :Veja a letra do hino a seguir. 1. Compare a proposta de relações sociais contida nele com as relações sociais acima descrita. 2. Compare a concepção de religião presente no hino com a concepção de religião acima descrita.

Utopia 1-Quando o dia da paz renascer, quando o Sol da esperança brilhar, eu vou cantar... Quando o povo nas ruas sorrir e a roseira de novo florir, eu vou cantar... / Quando as cercas caírem no chão, Quando as massas se encherem de pão, eu vou cantar, Quando os muros que cercam os jardins forem destruidos, Então os jasmins vão perfumar... / Vai ser tão bonito se ouvir a canção Cantada de novo

No olhar do homem a certeza do irmão, Reinado do povo (bis) 2-Quando as armas da destruição, destruídas em cada nação, eu vou sonhar. E o decreto que encerra a opressão, assinado só no coração, vai triunfar / Quando a voz da verdade se ouvir, / E a mentira não mais existir, será enfim. / Tempo novo de eterna justiça, sem mais ódio, nem sangue, cobiça, Vai ser assim.

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A INSTITUIÇÃO RELIGIOSA NA MODERNIDADE

Escrito por Cláudia Sales de Alcântara[1]

[EXTRATO] [...] III – A MODERNIDADE E A SECULARIZAÇÃO DA SOC IEDADE A religião institucionalizada não conseguiu tornar a sociedade mais justa, livre e igualitária e nem conseguiu responder às questões existenciais da humanidade, fazendo com que o ser humano, insatisfeito com as imposições feitas pela igreja, buscasse encontrar explicações concretas para o que antes era explicado de forma abstrata. O aumento do comércio e, por conseguinte, o surgimento do capitalismo, o descobrimento de novos “mundos”, o aparecimento da imprensa (século XV) e de novas tecnologias, abalaram de vez o sistema feudal. A fragmentada sociedade feudal da Idade Média transforma-se então, em uma sociedade dominada, progressivamente, por instituições políticas centralizadas, com uma economia urbana e mercantil. Estas novas mudanças foram aos poucos modificando a mentalidade teocêntrica da humanidade; a célebre frase de René Descartes, "Cogito, ergo sum" (Penso, logo existo), resume o resultado dessas transformações. O Renascimento (século XIV) e o Iluminismo (século XVIII), a Reforma Protestante (século XVI) e a Revolução Industrial (século XVIII), consolidaram de vez o novo sistema que substituiria o antigo regime feudal: o Capitalismo. No campo do pensamento, o mito e a religião foram aos poucos substituídos pelo mito do progresso científico e tecnológico (positivismo de Comte). A ascensão da burguesia e de sua ideologia (Iluminismo) levou a humanidade a utilizar-se da razão não somente para descobrir o mundo, mas também, para entenderem a si mesmos no contexto da sociedade; surgia uma cultura laica, ou seja, sem a interferência da igreja. O homem agora voltaria a ser a medida de todas as coisas. Estas concepções, contudo, estavam carregadas de esperança, com a responsabilidade de propor novas cosmovisões em substituição as antigas representações religiosas.

A desmistificação dos dogmas pelo racionalismo, proporcionando a possibilidade de uma interpretação pessoal dos textos sagrados, e a necessidade de uma nova moral religiosa que atendesse aos interesses econômicos da burguesia em ascensão (já que a Igreja Católica condenava a usura, a avareza, a cobiça, e defendia a doutrina do "justo preço", o que contrariava o ideal burguês de obtenção do maior lucro possível), possibilitou a chamada Reforma Protestante.

A ética protestante, ao contrário da católica, valorizava a competitividade e a busca do lucro, ajustando-se, portanto, aos ideais burgueses daquele momento histórico em que se desenvolvia o capitalismo, como afirma Max Weber:

"Mas o que era ainda mais importante: a avaliação religiosa do infatigável, constante e sistemático labor vocacional secular, como o mais alto instrumento de ascese, e ao mesmo tempo, como o mais seguro meio de preservação da redenção da fé e do homem, deve ter sido presumivelmente a mais poderosa alavanca da expressão dessa concepção de vida que aqui apontamos como espírito do capitalismo". (WEBER, 1989, p. 123).

Por este motivo, aos poucos, a Igreja Católica Romana precisou rever suas concepções e

adequar-se a essa nova estrutura social, política e econômica com uma nova mentalidade, cada vez mais distante da medieval (Contra Reforma). Estas mudanças caracterizaram-se por um movimento de reafirmação dos princípios da doutrina e da estrutura da Igreja, corrigindo, desde o seio da Igreja, as fontes de descontentamento que alimentavam a Reforma Protestante. As instituições religiosas, contudo, perdem o poder de dar “as cartas” no mundo moderno; já não possuem a hegemonia da cultura, do Estado e das instâncias reguladoras do cotidiano. Nesta nova realidade, não era mais a religião que dava sentido ordenador da realidade social, com suas mediações, mas a própria interdependência de escolha racional centrada no ser humano. Deus estava agora presente na natureza, portanto no próprio homem, que poderia agora descobri-lo através da razão. Para encontrar Deus, bastaria levar uma vida piedosa e virtuosa (moral kantiana); a Igreja torna-se dispensável.

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A INSTITUIÇÃO RELIGIOSA EM MEIO À PÓS-MODERNIDADE

Mircea Eliade em seu livro, O sagrado e o Profano, a essência das religiões, afirma que “seja qual for o grau de dessacralização que o mundo tenha chegado, o homem que optou por uma vida profana não consegue abolir completamente o comportamento religioso” (Mircea Eliade, 2001, p. 27).

A moderna humanidade que passou por um grande processo de dessacralização e secularização, não conseguiu proporcionar um mundo mais justo através da razão. O avanço teológico e a ciência, em vez de proporcionarem a solução de todos os males da sociedade, mostraram-se incapazes de superar as contradições da convivência social. O desenvolvimento do capitalismo “selvagem”, as duas grandes guerras mundiais, a utilização da bomba atômica, os riscos da industrialização para a ecologia, entre outros, mostrou a ineficácia da razão como “salvadora da pátria”, fez-se então necessário um retorno aos antigos referenciais que tinham sido ignorados na modernidade; é neste contexto que nasce o que chamamos de pós-modernismo, como afirma Eduardo Subirats:

“Em torno de todo jargão do Pós-moderno desenvolvem-se atitudes culturais de signo regressivo. Assim se passa com o nacionalismo que se ampara por detrás dos historicismos nostálgicos ou dos diferentes regionalismos; assim, a busca de valores substanciais, de uma ordem ética ou estética transcendente, através da reivindicação do tradicional, do retorno a formas de pensamento religioso e da defesa de uma autonomia de princípios morais também de signo transcendente”. (SUBIRATS, 1991)

As igrejas tinham encastelado Deus a tal ponto que ele se tornou impotente diante das necessidades do mundo. Este período é então caracterizado pelo aumento da insegurança (pois todas as certezas em que estava embasada a sociedade “caíram por terra”), do relativismo de qualquer conhecimento (negação de verdades universais da racionalidade), da globalização e da retomada do interesse pelas concepções religiosas, como uma tentativa de “achar um sentido do mundo acessível à compreensão humana” (Max Weber 1982, p. 625). O retorno da religião (sentimento religioso) neste aspecto pode ser visto como um fenômeno periódico que se utiliza à religião em função de exigências de natureza social, como afirma Franco Crespi:

“De fato, a religião se apresenta como uma forma de mediação especifica, que leva em conta o caráter ilimitado do desejo humano e explica o mundo finito, colocando-o em relação com o horizonte infinito de um além-mundo, que assim se torna parte constitutiva da própria vida terrena”. (CRESPI, 1999, p. 15).

Embora as instituições religiosas, neste momento, continuassem não possuindo poder de regular o universo cultural, social e pessoal, os indivíduos continuaram a viver dimensões do sagrado de formas bem particulares (subjetividade), podendo ser estas dimensões observadas nas atitudes políticas, esportivas e culturais, ganhando assim uma nova dinâmica fora das Igrejas, tornando-se mais presente do que nunca na sociedade contemporânea ( nas Ong’s, manifestações culturais, associações comunitárias, no Greenpeace, nos clubes esportivos, etc.). Esta dimensão do sagrado é fortemente caracterizada por um retorno ao sentimento religioso (mostrado na primeira parte deste artigo), ou seja, um retorno às experiências emocionais, mesmo que o individuo não seja consciente do fato, como podemos observar na colocação de Mircea Eliade:

“Existem, por exemplo, locais privilegiados, qualitativamente diferente dos outros: a paisagem natal ou sítios dos primeiros amores, ou certos lugares na primeira cidade estrangeira visitada na juventude (...) são os “lugares sagrados” do seu universo privado (...)” (Mircea Eliade, 2001, p. 28).

Com o enfraquecimento da religião institucional, já pré-anunciada pelos teólogos da morte de Deus, o ser humano sente-se agora livre para buscar, de forma autônoma, seu próprio universo de significações em um mundo fragmentado (sincretismo). “Assim, o pluralismo religioso torna-se, simultaneamente, fator e resultado da secularização” (PIERUCCI, 1997, p. 115), abrindo caminho para a concorrência entre diversas instituições religiosas que se lançam em uma competitividade, utilizando-se das mesmas operações da economia de mercado capitalista e fazendo com que a religião, que no período medieval moldava o mundo, seja moldada pelo “gosto do freguês”. O que resta na sociedade pós-modernista é a presença simultânea de várias instituições religiosas (cristãs ou não), convivendo entre si, não mais influenciando o todo social, pois os

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seres humanos não se identificam mais com discursos universais, mas atuando de maneira coadjuvante, influindo, ainda que em menor escala, os fundamentos da sociedade.

São nesses momentos de “morte” institucional que a experiência religiosa ganha novos sabores. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como foi dito, a religião continua a existir na pós-modernidade nos ritos, crenças e atividades, grupos e projetos não explicitamente religiosos. As tradições continuam atuando conforme a subjetividade de cada indivíduo. A religião passa a existir na intimidade, produto da construção pessoal subjetiva e autônoma que não necessita prestar contas a uma instituição. É o fim da religião totalizante da sociedade, contudo, não significa o fim da religião na particularidade de cada indivíduo. BIBLIOGRAFIA CRESPI, Franco. A Experiência Religiosa na Pós-Modernidade. Bauru, SP: EDUSC, 1999. ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: A essência das religiões. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. PIERUCCI, Antônio Flávio. Reencantamento e dessecularização. A propósito do auto-engano em sociologia da religião. In: Novos Estudos Cebrap, n. 49, nov., 1997. SUBIRATS, Eduardo. Da Vanguarda ao Pós-Moderno. 4. ed. São Paulo: Nobel, 1991. WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 5 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1989. NOTAS [1] Arquiteta e urbanista, formada pela Universidade Federal do Ceará – UFC, teologa pelo Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos – ICEC/ Fortaleza e mestranda em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará. [10] A secularização de uma sociedade, em seu sentido radical, pode ser entendida como um processo pelo qual a religião deixa de ser a forma de integração da cultura, particularizando-se. Ela faz com que tal sociedade já não esteja mais determinada pela religião, mas restrita a um âmbito particularíssimo do ser humano. [11] René Descartes (1596 - 1650), também conhecido como Cartesius, foi um filósofo, um físico e matemático francês. Notabilizou-se sobre tudo pelo seu trabalho revolucionário da Filosofia, tendo também sido famoso por ser o inventor do sistema de coordenadas cartesiano, que influenciou o desenvolvimento do Cálculo moderno. [12] A filosofia positiva de Comte nega que a explicação dos fenômenos naturais, assim como sociais, provenha de um só princípio. A visão positiva dos factos abandona a consideração das causas dos fenômenos (Deus ou natureza) e torna-se pesquisa de suas leis, vistas como relações abstratas e constantes entre fenômenos observáveis. [13] Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798 - 1857) foi um filósofo francês e o pai da Sociologia. [14] Ele foi, juntamente com Karl Marx e Emile Durkheim, um dos modernos fundadores da Sociologia. É conhecido, sobretudo pelo seu trabalho sobre a Sociologia da religião. Escreveu a Ética protestante e o espírito do Capitalismo, nesse seu trabalho ele tinha a intenção de examinar as implicações das orientações religiosas na conduta econômica dos homens, procurando avaliar a contribuição da ética protestante, em especial o calvinismo, na promoção do moderno sistema econômico. [15] A dessacralização do mundo é uma característica fundamental da Modernidade, já que impulsiona o processo de secularização. [16] Nos anos 60 surgiu nos Estados Unidos uma formulação teológica conhecida exatamente como “teologia da morte de Deus”. A frase “Deus está morto”, aponta para uma constatação, a saber, a morte de valores absolutos na sociedade. [17] Sincretismo - Palavra originada do grego; significa sistema que consiste em conciliar os princípios de várias doutrinas ou filosofias. http://www.ftl.org.br/index.php?view=article&catid=35%3Aartigos-online&id=81%3Aa-instituicao-religiosa-na-posmodernidade&option=com_content&Itemid=75#_ftn14 acessado em 16 set 2010

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RELIGIÃO E CONSUMISMO: OS DEUSES NA VITRINE DA PÓS-MODERNIDADE

http://www.eternoretorno.com/2008/10/14/religiao-e-consumismo-os-deuses-nas-vitrines-da-pos-modernidade/ acessado 16 set10

No livro “Mal-estar na pós-modernidade“, Zygmunt Bauman, sociólogo polonês contemporâneo, irá discorrer sobre vários aspectos que marcam o período atual que vivemos, chamado por ele de “pós-modernidade“. Vale lembrar que este termo não é um consenso para designar a contemporaneidade, embora seja o mais usual. Como ponto de partida, Bauman faz uma releitura da clássica obra de Freud, “O mal-estar na civilização“. Freud, analisando o surgimento das primeiras civilizações, irá dizer que o homem trocou um quinhão de liberdade por um quinhão de segurança; já Bauman, olhando para o homem pós-moderno irá dizer que

este trocou um quinhão da segurança por um quinhão de felicidade. “Quinhão” aqui é uma forma de dizer, pois a busca pela felicidade não é quantificável, é uma profusa

característica marcante das pessoas nesse atual momento. Não que antes as pessoas não buscassem a felicidade, mas é que a felicidade inventada pelo modernismo, isto é, uma espécie de panacéia, torna-se peremptoriamente uma necessidade que deve ser buscada a qualquer custo por homens e mulheres pós-modernos. A dinâmica constante desse movimento se dá pelo fato da felicidade não ter um ponto de chegada, pelo contrário, a chegada parece guarnecer o cheiro do horror. Dessarte, o prazer é justamente a incessante e infrutífera busca: a ordem é obter as benesses da felicidade, mas marcada com a eterna – pelo menos no plano terreno – sensação de insatisfação, um dos principais espectros do pós-modernismo.

Consumismo e religião na pós-modernidade

Entre as várias faces da sociedade, analisadas por Bauman, que vêm passando por transformações, tais como a arte, a política, a cultura, entre outras, que perpassam sobretudo as relações humanas, também encontramos a religião. As novas organizações eclesiásticas também passam por reformulações, ou pelo menos a transformação de dogmas em eufemismos. Seus “clientes”, agora, são norteados pela necessidade de felicidade que implica em uma constante busca de “autos” realizações em vários dos aspectos “espirituais”, é possível verificar uma interessante semelhança entre o consumismo e a religião nas análises de Bauman.

Homens e mulheres pós-modernos, marcados pela crise da identidade, não precisam mais das promessas celestiais nem se importam com os castigos do fogo do inferno no mundo do além, estes já estão no plano concreto, tangível pelas capacidades de consumo de cada um. Porém, a busca pela felicidade duelando com as crises de identidade implicam em um rol de produtos de consumo para que os homens possam “curar suas personalidades”, de modo a estarem altamente capazes de beliscar as promessas de encanto que o capital oferece. Bauman nos diz que:

“A pós-modernidade é a era dos especialistas em “identificar problemas”, dos restauradores da personalidade, dos guias de casamento, dos autores dos livros de “auto-afirmação”: é a era do “surto de aconselhamento”.

Nesse sentido, homens e mulheres pós-modernos não precisam mais de padres, pastores e sacerdotes tradicionais que falam das fraquezas do homem, eles já estão fartos de suas fraquezas e precisam de “auto-afirmação”, e mais do que isso, precisam de uma “receita” breve, rápida, curta e para o agora de como podem resolver seus males e conseguir suas satisfações. (Nesse ponto quero fazer uma nota irresistível: a difusão dos blogs também se deve aos escatológicos títulos que o internauta deve bem conhecer, tais como “Saiba como…”, “Tudo sobre…”, “Os 10 melhores/maiores…”, “Descubra aqui como…”, essas breves notas despontam acenando aos desesperados que buscam consolo na leve virtualidade)

A efígie fluida do homem pós-moderno, isto é, a busca incessante pelo acúmulo de sensações de prazer, que se produz na teia das incertezas onde o paraíso e o inferno se entrelaçam no cotidiano, cria condições para uma procura crescente por “mestres”, “gurus”, “autoridades”, ou “deuses humanos” capazes de “vender” produtos que possam intensificar as sensações de prazer. Isso não implica que as “casas divinas” fechem suas portas, mas em novas diretrizes de adaptação a essa ordem do consumo para que não se tornem obsoletas. As instituições religiosas são, antes de tudo, empresas que se confrontam com as leis – agora humanas – da economia liberal na difícil competição do mercado, competem por almas potenciais que, em troca do “conselho” para se dar bem na trama social, oferecem o que podem no momento.

A religião não desaparece do cenário, pelo contrário, intensifica-se em múltiplas religiões. Multiplicam-se os sabores da experiência com algum plano espiritual que deixa de falar o tempo todo das fraquezas humanas e passa a fomentar um indivíduo capaz de vencer os dissabores sociais. Os discursos da penitência e das autoflagelações estão fora de moda, até o Vaticano tratou de escamotear seus discursos, e já apresenta em seu rol, alusões à juventude e à diversidade de crenças e culturas. Os fiéis exigem líderes capazes de fornecer pequenos – e fáceis – conselhos. Procuram antes de tudo um “guia espiritual” capaz de satisfazer questões que a vida cotidiana vai sufocando. O sujeito busca sua sobrevivência em um emprego, mantém uma rotina mais ou menos fixa: acordar, ir ao trabalho, voltar para

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casa, bater continência a rede Globo e dormir, por vezes um pequeno lazer no fim de semana antes de iniciar a repetição; só sobram então, questões que vão remoendo em angústias e, da mesma forma que se compra um medicamento para cefaléia, homens e mulheres pós-modernos saem em busca de “consumir” especialistas espirituais que tenham a oferecer, não mais um consolo espiritual, mas uma espécie de “produto” espiritual que possibilitará uma visão mais clara e segura para que os frutos da felicidade sejam colhidos em seu melhor momento.

Percebe-se, dentro desse viés de Bauman, uma ordem do consumo norteando as religiões. As religiões perdem aquela autoridade quanto a uma ordem fundamental que mais ou menos direcionavam a vida dos indivíduos como o foi na Idade Média; céu e inferno não deixam de prevalecer enquanto dogmas, mas a necessidade é falar menos dos horrores como forma de manutenção; devem-se exaltar, agora, as qualidades humanas, ou angariar elementos, mesmo que sejam de “outro mundo”, que possibilitem a “performance” espiritual, como se fosse o “essencial” que falta para dar o sentido de completude humana.

Por outro lado, aquelas “experiências máximas” que a religião tradicional prometia, isto é, a oferenda de uma vida eterna paradisíaca além da possibilidade de superação das abjeções da vida terrena, sai de cena dos palcos sagrados e vão desfilar nas alegorias privadas das empresas de todo e qualquer tipo de produto material. A “experiência completa”, o êxtase intenso, é agora deslocado para o plano da mercadoria; um carro zero de luxo é o suficiente para superar qualquer promessa obsoleta de vida eterna. A vida eterna permanece, é claro, nas idiossincrasias de cada um, mas deixa de ser uma questão elementar quanto o é um bem material. Marx já alertava no século XIX sobre a supremacia das mercadorias escravizando a vida dos homens, hoje elas destoam graciosamente definindo as identidades pessoais.

Bauman nos diz que a cultura pós-moderna, ao alcance de todo indivíduo, desde que ele possua a moeda de

troca, exige uma vida devotada ao consumismo. Longe de discursar sobre as fraquezas humanas e seus pecados, as mercadorias discursam sobre o aumento das potencialidades humanas em suas múltiplas formas e conteúdos.

Torna-se máxima das vitrines do paraíso na terra, atiçar a fragilidade dos homens e mulheres pós-modernos através de mensagens como “Você pode fazer isso”, “Todo o mundo pode fazê-lo”, “Cabe somente a você decidir”, “Se você deixa de fazê-lo, só tem de botar a culpa em você mesmo”. É fundamental no consumismo afastar qualquer projeção que não seja a ubíqua felicidade felicitando na vida terrena. Os novos profetas, diz Bauman, são aqueles recrutados da aristocracia do consumismo, que conseguiram transformar a vida numa obra de arte da acumulação e intensificação das sensações, dos bens materiais, da riqueza na terra. É desnecessário apresentações desses profetas, temos vários que estão no palco, em geral, com seus livros autobiográficos que mostram a trajetória da miséria à luxúria.

Considerações finais Aparentemente opostas, as intenções religiosas e consumistas se encontram e se abraçam num horizonte onde

os atores em busca da “experiência máxima” estão em constantes aventuras, espirituais e materiais, na eterna busca daquilo que um dia irá preenchê-los em totalidade psicofísica.

Se a religião tradicional oferecia a “experiência máxima” à custa de uma vida de miséria e privação, a versão pós-moderna da religião concilia os dogmas com a ordem liberal do consumo. Seus seguidores, embora não abandonem os dogmas, sabem muito bem que as ofertas de algum paraíso ou de um submundo de trevas já não os convencem mais a ponto de sacrificarem suas felicidades. São aceitáveis os elementos recrutados do mundo supra-sensível, como Deus, Jesus Cristo, santos e outros personagens, desde que eles sirvam para aumentar os potenciais psicológicos e físicos para conseguir acumular mais sensações de prazer oferecidas na vida terrena. Deuses e heróis mágicos perderam seu poder de sedução frente às mercadorias e à “religião do consumo”, estas sim, únicas e eficientes para promoverem a “experiência máxima” do prazer, mesmo que seja momentânea, a ponto do término de abrir uma embalagem, verificar o conteúdo, sentir o perfume do “novo” e se embriagar novamente em busca da próxima oferenda…

Assistir homens e mulheres pós-modernos em busca da felicidade é como assistir um burro correndo atrás de um alimento que vai a sua frente, bamboleando, de acordo com o trotar que afeta o montador que, em sua perniciosa astúcia, vai segurando o pedúnculo.

Referências: BAUMAN, Z. O mal-estar na pós-modernidade. São Paulo: Jorge Zahar, 1998. FREUD, S. O mal-estar na civilização (1930). 1ª edição, Rio de Janeiro, Imago, 1974

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FFEENNÔÔMMEENNOO RREELLIIGGIIOOSSOO EXPERIÊNCIA RELIGIOSA - O QUE É? COMO SE DÁ?

A experiência religiosa possibilita à pessoa identificar a hierofania (manifestação do sagrado) e declarar um objeto, um lugar ou um tempo como sagrados. A experiência religiosa é a própria relação da pessoa com o sagrado que ela identifica e/ou reconhece como tal. Segundo Eliade "a essência de qualquer religião é a experiência de uma realidade outra, que se manifesta na consciência do crente antes mesmo de ser incorporada nos ritos e nos mitos, e preservada por um grupo de especialistas". Se aceitarmos esta idéia, necessitamos concluir que, para um evento se tornar experiência religiosa, deve ocorrer a fusão entre a expressão cultural e o sagrado que a ela se acrescenta.

Podemos ver, através de um exemplo, como as pessoas fazem este cruzamento. No caso dos rituais de cura nos meios populares, o/a curandeiro/a conhece uma porção de chás que podem curar muitas doenças. Esta parte seria a cultura. No entanto, as pessoas não a procuram somente para fazer chás, mas também pelos rituais que ele/a realiza. Muitos/as curandeiros/as afirmam ter aprendido seus conhecimentos religiosos diretamente de Deus. Este é o elemento sagrado que, em fusão com a expressão cultural (conhecer os chás), faz com que suas práticas sejam uma experiência religiosa. Neste caso, tanto o/a curandeiro/a como as pessoas que o/a procuram estão realizando experiências religiosas: "A experiência religiosa se define, antes de tudo, como uma relação interior com a realidade transcendente, isto é, a partir da experiência do sagrado vivida interiormente...".

Este outro exemplo, observado em uma comunidade rural do interior do Paraná, ilustra o processo em que se dá o cruzamento entre experiência religiosa e outras expressões culturais. Trata-se do ritual usado para curar queimaduras. As palavras do ritual são as seguintes: "Santa Sofia tinha três filhas: uma fiava, outra cozia e a outra caiu no fogo e se queimou. Santa Sofia perguntou à Virgem Maria com que curaria. Virgem Maria respondeu: cuspa três vezes e reze três ave-marias". Ao pronunciar estas palavras, a benzedeira o faz em tom de oração, utiliza um ramo de chá molhado em água fresca e vai fazendo cruz com este ramo; e, ao terminar cada ave-maria, cospe três vezes sobre a queimadura.

Esta história pode muito bem ter acontecido em qualquer família. A saliva, o ramo de chá e a água são refrescantes e auxiliam na cura da queimadura. Isto pode ser aprendido em qualquer espaço em que a medicina popular seja praticada. No entanto, acrescenta-se o elemento sagrado à história e cria-se um rito. A família passa a ser a de Santa Sofia, a medicina natural passa a ser ensinada pela Virgem Maria. Um procedimento de medicina natural passa a ser um ritual religioso e é imputado ao sagrado a cura do mal.

É muito difícil descrever como se dá a experiência religiosa, uma vez que elementos objetivos e subjetivos se fazem presentes no processo da mesma. Otto a descreve como a relação com o sagrado, como um reconhecimento e apelo a seres superiores e transcendentes, como a experiência de uma realidade outra que se manifesta na consciência do crente. Esta experiência pode ser incorporada nos mitos e ritos e preservada por um grupo de especialistas (igrejas).

Na experiência religiosa vivida, um poder estranho, totalmente diferente, insere-se na vida da pessoa. Diante dela, a atitude da pessoa é primeiro de espanto, depois, de fé. A experiência religiosa não consiste apenas de afirmações racionais e de princípios morais; há no divino um aspecto inefável, percebido pelo sentimento como realidade sagrada, como mistério terrível e fascinante: "eu tenho medo dele e ao mesmo tempo ardo por ele" (Sto. Agostinho). A relação com o sagrado desperta no crente múltiplos sentimentos. Estes sentimentos não são produzidos pela consciência, mas são o efeito subjetivo da presença, no eu, de uma realidade diferente do próprio eu: o numinoso.

Segundo Otto, o numinoso é a absoluta potência e alteridade, o majestas, diante dele o crente se sente pó e cinza; é um mistério escondido, extraordinário, percebido pelo sentimento religioso, não pela razão; é um mistério tremendo: desperta sentimentos de temor e tremor, é a ira ou indignação de Javé, é a base para o conceito de justiça divina; é um mistério em que se manifesta uma absoluta energia, vitalidade, paixão; é um mistério fascinante, atrai porque é amor,

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misericórdia, piedade, conforto. A manifestação do numinoso pode despertar sentimentos de maravilha, estupor, surpresa, descontentamento, faz ficar sem palavras; é inquietante. O numinoso é Augustum, impõe respeito racional.

A experiência religiosa é um encontro com este "numinoso", com o "mysterium tremendum". Quando a alma se põe em contato com este, experiência um sentimento de ser criatura. Sentimento este que é a sombra do sentimento de medo, pelo fato de o "numinoso" ser um objeto que está fora da pessoa e dele emanar uma superioridade esmagadora de poder. O "numinoso" é de tal natureza que cativa e emudece a alma humana que o experimenta.

Na experiência religiosa ocorre o seguinte processo: sentimento de terror, terror que a manifestação do sagrado inspira, terror dos deuses: deus é um deus que castiga, vigia para ver seu procedimento, pune; sentimento de devoção: desencadeia um comportamento moral e de compromisso com o que a divindade espera do crente; adoração: o crente fica em êxtase diante da divindade e, como resposta, coloca-se em relação de amor com todas as criaturas. As pessoas, em suas experiências religiosas, podem se situar em qualquer uma destas fazes.

Muitas pessoas remetem as causas dos seus males, tais como: doenças ou qualquer situação difícil a alguma entidade sagrada. Esta prática faz com que as pessoas se sintam liberadas da necessidade de enfrentar suas próprias fragilidades. Se não são elas as responsáveis pelas calamidades que atingem suas vidas, mas a origem do bem e do mal está no sagrado, também será este sagrado que deverá solucionar seus problemas. O "Espírito mau" pode ser a origem do mal, enquanto o "que é de Deus", o "Espírito bom", pode ser a origem do bem e da solução do mal.

É na experiência do sagrado que se pode encontrar sentido para a vida, com seus males e seus bens. Este fator faz com que as pessoas, ao não querer ou não poder enfrentar suas fragilidades e responsabilizar-se para resolvê-Ias, possam também culpar o sagrado pelos seus fracassos. Isto Ihes permite permanecer de cabeça erguida mesmo nas situações mais difíceis.

Através da experiência religiosa, o sagrado se incorpora nas coisas, nas pessoas ou nas situações, tornando-as também sagradas. Uma vez que coisas, pessoas e situações pertencem ao âmbito do sagrado, ninguém é responsável por elas, pois o sagrado foge ao controle e não se deve interferir em seu curso normal. A partir desta concepção, a experiência religiosa pode legitimar a manutenção de uma situação de opressão (é Deus quem quer assim). Mas pode também legitimar a luta por mudanças sociais (esta situação não está conforme a vontade de Deus, portanto deve ser mudada).

BIBLIOGRAFIA

ELlADE, Mircea. O sagrado e o profano, a essência das religiões. Trad. Rogério Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 1992. MARTELLI, Stefano. A religião na sociedade pós-moderna: entre a secularização e a dessecularização. Trad. Euclides Martins Balancin. São Paulo: Paulinas, 1995. OTTO, Rudolf. O sagrado. Trad. Prócoro Velasques Filho. São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista & Ciências da Religião, 1985.

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MITO: ALGO REAL OU PURA INVENÇÃO?

A concepção de sagrado muitas vezes é traduzida através de mitos; e a forma de relações entre a pessoa e o sagrado normalmente é favorecida pelos diferentes ritos.

Segundo Eliade (1972, p.7-23), o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do "princípio". Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o cosmos, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma "criação": ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser.

O mito fala apenas do que "realmente" ocorreu, do que se manifestou plenamente. Os personagens dos mitos são os Entes Sobrenaturais. Eles são conhecidos, sobretudo pelo que fizeram no tempo prestigioso dos primórdios.

Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a sacralidade, ou simplesmente a "sobrenaturalidade" de suas obras. Em suma, os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado ou do sobrenatural no mundo. E mais, é em razão da intervenção dos Entes Sobrenaturais que o ser humano é o que é hoje, um ser mortal, sexuado e cultural.

O mito é considerado uma história sagrada e, portanto, uma "história verdadeira", porque sempre se refere a realidades que estão sendo vivenciadas pelas pessoas. O mito cosmogônico é verdadeiro, porque a existência do mundo aí está para comprová-Io; o mito da origem da morte é igualmente verdadeiro, porque é provado pela mortalidade humana, e assim por diante.

Pelo fato de relatar as "gesta" dos Entes Sobrenaturais e a manifestação de seus poderes sagrados, o mito se torna o modelo exemplar de todas as atividades humanas significativas.

Conhecendo o mito, conhecemos a origem das coisas, chegando-se conseqüentemente a dominá-Ias e a manipulá-Ias à vontade; não se trata de um conhecimento exterior, abstrato, mas de um conhecimento que é vivido ritualmente, seja narrando cerimonialmente o mito, seja efetuando o ritual ao qual ele serve de justificação.

Viver os mitos implica, pois, uma experiência religiosa, pois ela se distingue da experiência ordinária da vida quotidiana. Nessa experiência, deixa-se de existir no mundo de todos os dias e penetra-se num mundo transfigurado, auroral, impregnado dos Entes Sobrenaturais. Os mitos revelam que o mundo, as pessoas e a vida têm uma origem e uma história sobrenaturais, e que essa história é significativa, preciosa e exemplar.

Outra definição interessante de mitos que encontramos é a de Malinowski (1984, p.224-230). Este autor, ao tentar demonstrar a natureza e a função dos mitos nas sociedades primitivas, afirma que o mito é uma narrativa que faz reviver uma realidade primeira, que satisfaz as profundas necessidades religiosas, aspirações morais, as pressões e imperativos de ordem social, e mesmo as exigências práticas.

Nas civilizações primitivas, o mito desempenha uma função indispensável: ele exprime, enaltece e codifica a crença; salvaguarda e impõe os princípios morais; garante a eficácia do ritual e oferece regras práticas para a orientação humana. Mito, portanto, é um ingrediente vital da civilização humana. Longe de ser uma fabulação vã, ele é ao contrário, uma realidade viva, à qual se recorre incessantemente; não é absolutamente uma teoria abstrata ou uma fantasia artística, mas uma verdadeira codificação da religião primitiva e da sabedoria prática.

BIBLIOGRAFIA DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. S.P.: Paulinas, 1989. ELlADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Trad. Rogério Fernandes. S.P.: Martins Fontes, 1992. MALlNOWSKI, Bronislaw Kasper. Argonautas do Pacífico Ocidental. Trad. Anton P. Carr e Ligia Aparecida Cardieri Mendonça. São Paulo: Abril Cultural, 38 ed., 1984. O'DEA, Thomas F. Sociologia da religião. Trad. Dante Moreira Leite. São Paulo: Pioneira, 1969. OTTO, Rudolf. O sagrado. Trad. Prócoro Velasquez Filho. São Bernardo do Campo, Imprensa Metodista, 1985.

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COMPARAÇÃO ENTRE MITO – SÍMBOLO – RITO mitos símbolos ritos origem realidade humana

realidade social Há uma realidade humana e social cheias de interrogações, injustiças sofrimentos e

angústias; uma forma de dar sentido a elas é deixá-las em contato ou vinculá-las ao sagrado, assim deixa-se de precisar procurar os ‘porques’. Sendo assim, cria-se uma estória relacionada com a origem, ligada com uma entidade sagrada � mitos. Estes são gerados por um lento e amplo processo cultural e quando gestados são legitimados pelas questões colocadas pela própria cultura (presente com valores, sentidos e questões que a sociedade quer para si, isso a legitima). O mito é uma narração que por si só leva sua mensagem, se precisar dar explicações sobre o conteúdo do mito ou ele não está mais explicitando a realidade da sociedade ou a sociedade perdeu vínculo com ele. Quando se estuda os mitos, existem duas perguntas a serem respondidas: ‘qual a realidade social humana presente?’ e ‘qual o recado/mensagem que ele devolve para a sociedade?’

Símbolo vai invocar: Rito - o significado do mito - uma imagem - um sentimento - uma realidade humana e social - pode falar por ele mesmo, exemplo: o presépio evoca a história de Jesus

- através da ação, revive o conteúdo do mito; - atualiza, faz acontecer novamente o evento; - e junto com isso a realidade humana (� atualização � eficácia) e dá sentido a esta realidade

FENÔMENO RELIGIOSO: SEITAS E IGREJAS

As pessoas, nas diferentes comunidades, elegem um local privilegiado onde o sagrado se

concentra. Pode ser uma pessoa, um lugar, uma árvore, um rio, um objeto ou outro símbolo qualquer que evoque uma experiência religiosa primordial, e onde as pessoas crêem que o sagrado ali permanece. É nesses locais que o sagrado se manifesta, se revela, onde ocorre a hierofania.

A hierofania pode ir desde a manifestação do sagrado num objeto qualquer, uma pedra ou uma árvore, até a hierofania suprema para um cristão, que é a encarnação de Deus em Jesus Cristo. As almas, os deuses e os demônios, isto é, os poderes sobrenaturais na maioria das vezes são concebidos desta forma.

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A regulação entre estes seres sobrenaturais e as pessoas humanas é que constitui o domínio da ação religiosa, surgindo então o que denominamos como o fenômeno religioso. A palavra fenômeno vem do grego "tà phainàmenon", significa "aquilo que aparece", "aquilo que se mostra". Portanto, fenômeno religioso significa um sagrado que se mostra, que se revela.

Ao conjunto de concepções do sagrado, dos mitos que explicitam como se dá a presença do sagrado no mundo e dos rituais criados para favorecer as relações das pessoas com o sagrado é que se denomina "religião" Muitas pessoas: benzedeiras, pajés, curandeiros, pais e mães de santo, pregadores populares, puxadores de rezas etc. acreditam ser eles próprios os objetos da hierofania. A compreensão de que Deus se serve deles para se manifestar Ihes dá a certeza de legitimidade e de exclusividade ao realizar sua missão.

Uma vez entendendo-se como objetos da hierofania, as pessoas passam a desenvolver formas de conduzir outras pessoas a fazer parte de seu sistema de crenças. Para isto, criam uma série de gestos, palavras e objetos sagrados, ou seja, criam ritos que possam favorecer a experiência religiosa das outras pessoas e levá-Ias a alcançar as graças esperadas.

Muitas vezes estas pessoas que se acreditam como objetos da hierofania e criam ritos para favorecer a experiência religiosa de outras pessoas acabam por criar novas religiões. Weber denomina estas pessoas como carismáticas, ou seja, pessoa dotada de carisma. Segundo Weber (1991, 158-167), carisma se refere a qualidade pessoal, considerada extracotidiana, em virtude da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanos ou, pelo menos, poderes extracotidianos específicos, ou então se a toma como enviada de Deus, como exemplar, portanto, como líder. O reconhecimento de uma pessoa como carismática pode resultar em uma entrega crente e inteiramente pessoal, nascida do entusiasmo ou da miséria e esperança da pessoa que o reconhece como tal.

Weber (1991, 158-167) afirma ainda que, em sua forma genuína, a relação entre a pessoa carismática e seus seguidores é de caráter especificamente extracotidiano. É uma relação estritamente pessoal, ligada à validade carismática de determinadas qualidades pessoais do carismático e à prova destas. Quando esta relação assume o caráter de uma relação permanente, formando uma comunidade de correligionários, é necessária uma modificação substancial: institucionaliza-se o carisma.

A institucionalização do carisma se torna necessária, uma vez que há um interesse ideal e material dos seguidores, em continuar a existência da relação. A continuidade do exercício do carisma exige que este seja colocado sobre fundamentos cotidianos duradouros: organizado juridicamente e economicamente.

Esta necessidade se torna mais nítida quando desaparece a pessoa portadora do carisma e surge a necessidade da sucessão. O resultado da rotinização do carisma pode desembocar em instituições de tipo igrejas. Ou seja, os discípulos do carismático institucionalizam o carisma: criam um corpo doutrinal, práticas cultuais e uma organização sacerdotal, isto é, uma igreja.

A doutrina se distingue do mito por ser mais orgânica, argumentativa e racional, além de estar voltada para a interpretação da realidade. A passagem de mito à doutrina segue vários estágios: coletas dos mitos espalhados num único ciclo, formação de ciclos de mitos homogêneos, consolidação de um verdadeiro e próprio corpo doutrinal: a teologia.

Este discurso racional sobre o divino, a teologia, é guardada em livros sagrados. Os sacerdotes têm a função tanto de compor o discurso racional sobre a divindade como a de guardiões da tradição teológica. Os textos sagrados passam por um processo de interpretação e comentários, a fim de se tornarem mais compreensíveis mesmo nas mudanças de condições históricas.

Este processo de interpretações e comentários dos textos sagrados é realizado por diversas escolas teológicas, às vezes em forte conflito devido à preferência dada a uma ou outra das três questões principais da teologia:

Deus, o mundo e o homem. Este fator muitas vezes gera rupturas e a formação de outras igrejas.

Quanto as formas organizadas de ação na sociedade, as organizações religiosas se compõem em: Igreja, seita e misticismo.

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As igrejas se caracterizam mais por uma atitude de tolerância para com as estruturas do mundo que são "conseqüências do pecado", por tentativas de remediá-Ias, sem, contudo, deixar de rejeitá-Ias intimamente. As igrejas tendem à universalidade, isto é, ter a mesma extensão da sociedade; acolhem todas as pessoas e Ihes distribui os meios da graça. Esta função integradora das igrejas exige que estas mantenham um compromisso com as diversas formas de comportamento existentes numa dada sociedade e a aceitar os principais elementos presentes na estrutura social existentes. As igrejas caracterizam-se ainda por uma estruturação hierárquica interna.

As seitas apresentam-se como grupos que adotam atitudes de intransigências para com o "mundo", isto é, rejeitam comportamentos e instituições das sociedades às quais pertencem, julgando-os corruptos. Os membros das seitas se propõem à obediência literal dos textos sagrados, desprezando as adaptações aceitas pelas igrejas. Por não aceitarem compromissos com o mundo, chegam a se isolarem da sociedade, permanecendo na expectativa do iminente reino de Deus. Os membros da seita visam à perfeição individual e ao ascetismo. A seita é hostil ou indiferente ao Estado e contrária à ordem eclesiástica.

O Misticismo representa o polo da religiosidade de tipo individual; designa a procura de uma experiência religiosa de tipo íntimo que acontece freqüentemente em grupos bem pequenos, os quais se distanciam abertamente, bem mais que a seita, da tradição religiosa eclesial. O misticismo é a tradição individual do protesto contra a redução da experiência religiosa a formalismos nos ritos, a racionalismos nas doutrinas, a burocracias na organização eclesial.

BIBLIOGRAFIA

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Trad. Sergio Miceli et aI. São Paulo: Perspectiva, 1974. DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. Trad. Joaquim Pereira Neto. São Paulo: Paulinas, 1989. ELlADE, Mircea. O sagrado e o profano, a essência das religiões. Trad. Rogério Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 1992. MARTELLI, Stefano. A religião na sociedade pós-moderna: entre a secularização e a dessecularização. Trad. Euclides Martins Balancin. São Paulo: Paulinas, 1995. O'DEA, Thomas F. Sociologia da religião. Trad. Dante Moreira Leite. São Paulo: Pioneira, 1969. OTTO, Rudolf. O sagrado. Trad. Prócoro Velasques Filho. São Bernardo do Campo, Imprensa Metodista & Ciências da Religião, 1985. WEBER, Max. Economia e sociedade. Trad. Regis Barbosa e Karen Barbosa. Brasilia: Universidade de Brasília, 1991.

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AA FFÉÉ QQUUEE FFAAZZ BBEEMM ÀÀ SSAAÚÚDDEE Novos estudos mostram que o cérebro é ‘programado’ para acreditar

em Deus – e que isso nos ajuda a viver mais e melhor Letícia Sorg

A capacidade inata de procurar a explicação de um fenômeno é uma das diferenças entre o ser humano e outros animais. O homem primitivo não tinha como entender eventos mais complexos, como a erupção de um vulcão, um eclipse ou um raio. A busca de explicações sobrenaturais pode ser considerada natural. Mas por que ela desembocou na fé e no surgimento das religiões? Cientistas de diferentes áreas se debruçaram sobre a

questão nos últimos anos e chegaram a conclusões surpreendentes. Não só a fé parece estar programada em nosso cérebro, como teria benefícios para a saúde.

Com sua intuição genial, Charles Darwin, criador da teoria da evolução há 150 anos, já havia registrado ideia semelhante no livro A descendência do homem, em 1871: “Uma crença em agentes espirituais onipresentes parece ser universal”. “Somos predispostos biologicamente a ter crenças, entre elas a religiosa”, diz Jordan Grafman, chefe do departamento de neurociência cognitiva do Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e Derrame (leia a entrevista). Grafman é o autor de uma das pesquisas mais recentes sobre o tema, publicada neste mês na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences.

Em seu estudo, Grafman analisou o cérebro de 40 pessoas – religiosas e não religiosas – enquanto liam frases que confirmavam ou confrontavam a crença em Deus. Usando imagens de ressonância magnética funcional – que mede a oxigenação do cérebro –, o neurocientista descobriu que as partes ativadas durante a leitura de frases relacionadas à fé eram quase as mesmas usadas para entender as emoções e as intenções de outras pessoas. Isso quer dizer, segundo Grafman, que a capacidade de crer em um ser ou ordem superior possivelmente surgiu ao mesmo tempo que a habilidade de prever o comportamento de outra pessoa – fundamental para a sobrevivência da espécie e a formação da sociedade. E para estabelecer relações de causa e

efeito. A interferência de um ser muito poderoso seria uma explicação eficiente para aplacar a necessidade de entender o que não se consegue explicar com o conhecimento comum.

Mas o que levaria o ser humano, dotado de razão, a acreditar que um velhinho de barba branca, em cima de uma nuvem, atira raios sobre a Terra? Ou que 72 virgens aguardam os fiéis no Paraíso? “Tendemos a atribuir características humanas às coisas, inclusive ao ser divino”, diz Andrew Newberg, neurocientista da Universidade da Pensilvânia (leia a entrevista), autor de outro importante estudo sobre o poder da meditação e da oração. “A crença religiosa surgiu como um efeito colateral da maneira como nossa mente é organizada, da maneira como ela funciona naturalmente”, diz Justin Barrett, antropólogo e professor da Universidade de Oxford.

Para Barrett, autor do livro Why would anyone believe in God? (“Por que alguém acreditaria em Deus?”), há evidências de que os sistemas religiosos ajudam a manter comunidades unidas – a dividir, a confiar, a construir redes sociais mais fortes. Barrett afirma que a mente das crianças é um exemplo de como a fé se manifesta precocemente. Em uma das experiências, pesquisadores mostraram uma caixa de biscoitos às crianças e perguntaram a elas o que havia dentro. Como não são bobas, as crianças responderam: “Biscoitos”. Ao abrir a caixa, o que encontravam eram pedras. Então, os cientistas perguntaram às mesmas crianças o que suas mães achariam que havia dentro da lata e o que Deus diria se visse a lata. As crianças de 3 anos disseram que as mães, assim como Deus, diriam que havia pedras. A partir dos 5 anos, elas responderam que a mãe diria “biscoitos”, mas que Deus responderia “pedras”.

Já se chegou a pensar que uma espécie de curto-circuito na parte lateral do cérebro pudesse gerar casos de religiosidade extrema. Ficou famosa uma experiência do neurocientista americano Michael Persinger, batizada “O Capacete de Deus”: um capacete que estimulava eletricamente o cérebro do usuário. Segundo Persinger, oito em cada dez pessoas, qualquer que fosse a confissão religiosa, diziam experimentar um “sentimento religioso” ao vestir o aparato. Mas a maioria dos estudos científicos recentes – sejam eles baseados em imagens do cérebro ou no comportamento humano – afastou a

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hipótese de que a experiência religiosa seja o mero efeito de estímulos eletromagnéticos em uma parte específica do cérebro. O biólogo evolucionista pop e “ateu militante” Richard Dawkins chegou a usar o capacete para um documentário da BBC britânica. Não conseguiu “encontrar Deus” – só desconforto para respirar e mexer-se. Hoje, Persinger se defende das críticas a seu estudo. “A ‘estimulação religiosa’ reduz a ansiedade e pode ser útil para melhorar a cooperação social”, disse.

Em 2004, o cientista americano Dean Hamer chegou a divulgar que havia descoberto um gene ligado à fé. Publicou o livro O gene de Deus. Batizado vmat2, seria responsável pelo transporte de mensageiros cerebrais, entre eles a serotonina, além de gerar o pensamento religioso. Polêmico na academia desde que anunciou a descoberta de um “gene gay”, supostamente responsável pela homossexualidade masculina, Hamer e seu livro foram acolhidos com ceticismo. Para Jordan Grafman, explicações únicas são insuficientes para elucidar a origem da fé em algo divino. A imprensa batizou seu estudo de “God spot” (o “ponto de Deus”), um trocadilho com o suposto “ponto G”, responsável pelo orgasmo feminino. “O ‘ponto de Deus’ é tão mítico quanto o ponto G”, diz Grafman, irônico. Andrew Newberg também descarta explicações simplistas. Vários estudos demonstraram uma relação entre experiências religiosas e certos tipos de desordem cerebral. “Mas essas associações não podem ser a única resposta”, diz Newberg. Apenas uma pequena porcentagem das pessoas que sofrem de epilepsia no lobo temporal tem esse tipo de experiência.

Newberg, que estuda as manifestações cerebrais da fé há pelo menos 15 anos, descobriu que as práticas religiosas acionam, entre outras regiões do cérebro, os lobos frontais, responsáveis pela capacidade de concentração, e os parietais, que nos dão a consciência de nós mesmos e do mundo. Em seu novo livro, How God changes the brain (“Como Deus muda seu cérebro”), que será lançado nesta semana nos Estados Unidos, Newberg explora os efeitos da fé sobre o cérebro e a vida das pessoas. Segundo o neurocientista, os estudos anteriores olhavam para os efeitos de curto prazo de práticas como a meditação e a oração. Agora, ele e seu grupo encararam a difícil tarefa de responder à questão: o que acontecerá se você adotar, com frequência, uma prática como a meditação ou a prece?

FÉ UNIVERSAL No sentido horário, a partir do alto à esquerda, budistas, cristãos ortodoxos, muçulmanos e judeus oram e meditam. Darwin já notara a universalidade da crença religiosa

O grupo de Newberg analisou o cérebro de pessoas que meditam e oram rotineiramente e notou os resultados dessas práticas para o cérebro e para as pessoas. No livro, ele

lista nove técnicas de meditação (leia o quadro) que podem ser adotadas por crentes ou ateus. Numa delas, a pessoa se concentra em um tipo de diálogo interno. “Descobrimos que essa prática ajuda as pessoas a criar intimidade, a interagir com as outras e a se comunicar com quem elas conhecem ou não”, diz Newberg.

Ainda estão sendo feitos estudos para compreender melhor a meditação e a prece, mas a pesquisa de Newberg mostra que, durante essas atividades, o lobo frontal fica mais ativo, e o lobo parietal menos. Como essa parte do cérebro é responsável pela noção de tempo e espaço, “desligá-la” geraria a sensação de imersão no mundo e a de ausência de passado e futuro muitas vezes relatadas por religiosos. A maior atividade do lobo frontal, além de melhorar a memória, segundo vários estudos também estaria ligada à diminuição da ansiedade. “Quando a pessoa volta sua atenção para o momento presente, não há riscos porque não há futuro”, diz Paulo de Tarso

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Lima, médico especializado em medicina integrativa e complementar e responsável pela implantação da especialidade dentro do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. O simples fato de acreditar em um ser superior – seja ele qual for – reduziria a ansiedade. Grafman nega ter descoberto um “ponto de Deus”: “É um mito, como o ponto G” Dois estudos canadenses publicados neste mês mostram que quem crê em Deus tende a lidar melhor com os erros. O grupo de pesquisa, liderado pelo professor de psicologia Michael Inzlicht, da Universidade de Toronto, pediu a pessoas de várias orientações religiosas e também àquelas que não creem em Deus que elas dissessem os nomes das cores que apareciam a sua frente. Quando elas cometiam um erro, uma área do cérebro chamada “córtex cingulado anterior” era ativada. “Quanto mais forte a religiosidade e a crença em Deus dos participantes, menor era a resposta dessa região ao erro”, diz Inzlicht. Isso seria uma evidência de que as pessoas religiosas ficam mais calmas diante de um erro. “Suspeitamos que a crença religiosa protege contra a ansiedade porque dá um sentido para as pessoas. Ajuda-as

a saber como agir e, com isso, reduz a incerteza e o estresse”, afirma Inzlicht. MENTE ATIVA Um monge budista é submetido a um eletroencefalograma. Nos últimos anos, vários estudos analisaram a atividade cerebral de quem ora ou medita A influência da crença em Deus na redução do estresse já é quase um consenso entre os

médicos. “As doenças relacionadas ao estresse, especialmente as cardiovasculares, como a hipertensão, o infarto do miocárdio e o derrame, parecem ser as que mais se beneficiam dos efeitos de uma espiritualidade bem desenvolvida”, afirma Marcelo Saad, outro médico do Albert Einstein. Doutor em reabilitação, Saad é especializado em acupuntura e faz parte do programa de medicina integrativa e complementar do hospital. Para ser benéfica, a fé em Deus teria de ser associada à prática religiosa? Várias pesquisas mostram que participar de um grupo religioso estruturado – seja ele católico, budista, judeu, evangélico, umbandista – traz benefícios

por aumentar o suporte social à pessoa. “Esse apoio social é algo extremamente valioso para a saúde física, inclusive para a sobrevivência e a longevidade”, diz o psicólogo americano Michael McCullough, professor da Universidade de Miami que estuda a maneira como a religião molda a personalidade e influencia hábitos saudáveis e relacionamentos sociais. Ao realizar um “metaestudo” de 42 pesquisas diferentes, o psicólogo descobriu que as pessoas altamente religiosas tinham 29% a mais de chance de estar vivas, em determinado momento do futuro, que as demais. A religiosidade tornaria mais fácil resistir a tentações nocivas à saúde, como o álcool e o fumo. “Para pessoas que acreditam na vida após a morte, pode ser uma decisão racional postergar os prazeres de curto prazo em nome da recompensa eterna”, afirma McCullough.

Robert Hummer, sociólogo e professor da Universidade do Texas, acompanha um grupo de pessoas desde 1992 para tentar esclarecer, entre outras questões, a relação entre a religião e a saúde. Segundo sua pesquisa, quem nunca praticou uma religião tem um risco duas vezes maior de morrer nos próximos oito anos do que alguém que a pratica uma vez por semana. “As evidências da influência da fé na saúde são promissoras e mais que justificam o investimento em outros estudos”, afirma o neurologista brasileiro Jorge Moll, diretor do Centro de Neurociência da Rede Labs-D’Or, rede de laboratórios particular do Rio de Janeiro. Para Moll, o desafio é quantificar a influência da fé e tentar compará-la com o efeito de outras práticas sem conotação religiosa. “A prece e a meditação podem ter vários benefícios. Mas será que a ioga não tem o mesmo resultado?”, diz Moll, que colaborou com Jordan Grafman em vários estudos sobre o funcionamento do cérebro na tomada de decisões morais.

Como trazer isso para dentro dos consultórios e hospitais? Os pacientes não esperam que médicos conversem sobre a fé. Marcelo Saad, do Albert Einstein, reconhece que os profissionais de saúde não são treinados para discutir esse assunto, mas que podem iniciar o diálogo fazendo perguntas simples, como: “Quão importante é a fé em sua vida?” ou “Você gostaria de discutir assuntos religiosos?”. Conforme a resposta, o médico pode sugerir que ele retome a prática religiosa de sua preferência. “Não tem sentido negar a influência da religião na vida das pessoas, especialmente no Brasil,

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onde 99% da população acredita em Deus”, afirma o médico Paulo de Tarso Lima, que classifica como um desserviço não acolher esse elemento nos consultórios e nos hospitais. Isso significa que todos devem adotar a fé em nome da saúde, assim como se pratica esporte ou se faz dieta? Para quem crê, talvez a resposta seja sim. Mas, para as pessoas que não creem em uma força superior, não necessariamente. “Parece que os benefícios sobre a saúde são incidentais”, diz o psicólogo Michael McCullough. “Ironicamente, ser religioso em busca dos efeitos benéficos para a saúde não dá a ninguém a certeza de que isso vai surtir o efeito esperado.”

Como o cérebro reage à meditação e à oração

O neurocientista Andrew Newberg usou uma técnica especial de tomografia em pessoas orando e meditando para avaliar a atividade cerebral. Nas imagens abaixo, quanto mais próxima do vermelho, maior a atividade naquela área do cérebro

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O neurocientista fala sobre seu livro Como Deus muda seu cérebro

ÉPOCA – Como Deus pode mudar a estrutura cerebral das pessoas? Andrew Newberg – Os nossos estudos usando imagens do cérebro mostram que, no longo prazo, há alterações no lobo frontal (relacionado à memória e à regulação das emoções) e no sistema límbico (ligado às emoções). As pessoas tendem a conseguir controlar mais suas emoções e expressá-las. A meditação e a oração ajudam a melhorar a relação consigo mesmo e com os outros. Também especulamos que essas práticas alteram, inclusive, a química cerebral, como os níveis de serotonina e dopamina, que regulam nosso humor, nossa memória e o funcionamento geral de nosso corpo, mas ainda não temos provas disso. ÉPOCA – Em seu livro, o senhor fala bastante da meditação, uma prática tradicionalmente ligada às religiões orientais. Existe alguma diferença entre, por exemplo, o catolicismo e o budismo? Newberg – Não olhamos exatamente para as diferenças entre as religiões, mas para as diferentes práticas. A forma como você pratica a religião é mais importante que as ideias religiosas em si. ÉPOCA – Há um consenso entre os cientistas de que a fé pode ajudar na manutenção da saúde? Newberg – Muitos cientistas acreditam que a espiritualidade tem um papel na saúde. A pergunta é quem vai administrar isso e como os profissionais de saúde vão lidar com a espiritualidade de uma maneira apropriada e benéfica. Essas questões ainda não foram respondidas. ÉPOCA – Há alguma diferença neurológica entre aqueles que creem e os que não creem em Deus? Newberg – Encontramos algumas diferenças, sim, e também notamos diferenças dependendo do tipo de prática religiosa. O problema é que nunca sabemos se aquelas mudanças estão lá porque a pessoa é religiosa há muito tempo ou se ela nasceu daquela maneira e, por causa disso, procurou um tipo de religião ou meditação.

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Jordan Grafman - “A crença é necessária”

O neurocientista diz que o pensamento religioso nasceu junto com o cérebro humano

ÉPOCA – O senhor diria que a religião é um produto acidental de nosso processo evolutivo? Jordan Grafman – Eu não diria acidental. Existe

uma tendência para nós pensarmos de certa maneira, e essa maneira, de alguma forma, envolve a necessidade de ter um sistema de crenças. E esse sistema guia nosso comportamento social. Acredito que estamos constantemente criando novos tipos de sistema de crença e é muito provável que os primeiros tenham sido baseados em autoridades religiosas. ÉPOCA – Somos biologicamente predispostos à religião? Grafman – Eu diria que somos predispostos biologicamente a ter crenças, e a religiosa é uma delas, mas não a única. Classificaria a religião como uma forma primitiva de crença porque se baseia muito no que é desconhecido. Algumas das regras éticas vieram por meio da religião, mas só se estabeleceram porque ajudaram a ordenar a sociedade. Então, muitas regras tiveram sentido. A religião nasceu claramente de nossa necessidade de entender o que estávamos vendo. A crença religiosa surgiu no cérebro antes de outras crenças, segundo pesquisas ÉPOCA – Seu estudo comparou as áreas do cérebro envolvidas nas crenças religiosas e nas crenças políticas. Do ponto de vista neurológico, quais as diferenças entre o pensamento religioso e o político? Grafman – Ainda não temos uma resposta definitiva a essa pergunta, mas há fortes indicações de que as crenças políticas estão sempre ligadas ao “aqui e agora”, a nossa vida, enquanto as crenças religiosas não necessariamente. Há diferenças em comportamento e também nas áreas do

cérebro ativadas. No caso das crenças políticas, usamos as estruturas do cérebro que surgiram por último na evolução humana, enquanto no caso das crenças religiosas usamos áreas anteriores no desenvolvimento da espécie. Nossa hipótese é que a crença religiosa seja a primeira forma de sistema de crenças, que surgiu antes das outras. Nossos estudos mostram que as duas usam partes parecidas do cérebro, mas também que a religião veio antes da política.

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MMAARRXX EE AA RReelliiggiiããoo CRITICA IDEOLÓGICA

(concepção da pessoa humana)

CRITICA POLÍTICA

(relação indivíduo e Estado)

Não existe uma igualdade real

na sociedade o indivíduo tem uma diversidade hierarquizada

⇒ conflito entre si

CRITICA ECONÔMICA

(relação indivíduo –

modo de produção capitalista)

A mercadoria de valor prático foi acrescido de valor simbólico

felicidade

Estado Burguês representante DEUS

Onipresente

Onipotente

Onisciente

Bom

Justo ....

Mercadoria produzida

$

representa

a felicidade

Esta parte deveria dominar o mundo

Bom

Inteligente

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ALI

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TTRRAATTAAMMEENNTTOO EE CCUURRAA:: AASS AALLTTEERRNNAATTIIVVAASS DDEE AASSSSIISSTTÊÊNNCCIIAA ÀÀ SSAAÚÚDDEE Versão resumida e adapatada de: HELMAN, C.G. Cultura, saúde e doença. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994 (p. 70-80)

Na maior parte das sociedades, as pessoas que sofrem de algum desconforto físico ou abalo emocional têm

várias maneiras de se auto-ajudar ou buscar ajuda de outros. Podem, por exemplo, decidir descansar ou tomar um remédio caseiro; ou se aconselhar com um amigo, parente ou vizinho; consultar um pastor local, curandeiro ou uma pessoa tida como “sábia”; ou consultar um médico, se houver. Podem, também, passar por todas estas etapas, ou por uma ou duas delas, ou ainda segui-las em qualquer ordem. Quanto maior e mais complexa a sociedade na qual o indivíduo vive, maior a probabilidade da disponibilidade dessas alternativas terapêuticas, desde que o indivíduo possa pagar por elas. Nas sociedades modernas urbanizadas, ocidentais ou não, freqüentemente existe pluralismo médico. Nelas, há muitos grupos e indivíduos que oferecem ao paciente sua maneira particular de explicar, diagnosticar e tratar as doenças. Embora esses métodos terapêuticos coexistam, são geralmente baseados em premissas completamente distintas, podendo até ser originários de outras culturas, como no caso da Medicina ocidental na China, ou da acupuntura chinesa no mundo ocidental contemporâneo. Para o indivíduo doente, no entanto, a origem desses tratamentos importa menos do que sua eficácia em aliviar o sofrimento.

Aspectos Sociais E Culturais De Pluralismo Médico Os antropólogos ressaltam que um sistema médico de uma sociedade não pode ser estudado isoladarnente,

sem a consideração de outros aspectos daquela sociedade, especialmente sua organizacão social, religiosa, política e econômica. O sistema médico está interligado com tais aspectos e fundamentado nas mesmas suposições, valores e visão de mundo.

Um sistema médico possui dois aspectos inter-relacionados: um aspecto cultural, que inclui determinados conceitos básicos, teorias, práticas normativas e formas comuns de percepcão; e um aspecto social, incluindo sua organizacão em determinados papéis específicos (tais como o de “ médico “ e o de “paciente”) e princípios que regem as relações entre estes papéis em ambientes específicos (um hospital ou um consultário médico). Na maioria das sociedades, sempre há um método de atenção à saúde — como a Medicina científica no Ocidente — que predomina sobre os outros, e seus aspectos culturais e sociais são sustentados pela Lei.

Além deste sistema médico “oficiaI” geralmente existem sistemas menores, alternativos, tais como a homeopatia, o herbalismo e a cura espiritual, que podem ser denominados de subculturas médicas. Cada uma possui suas maneiras próprias de explicar e tratar as doenças, e os curandeiros de cada grupo estão organizados em associações profissionais, com regras de admissão, códigos de conduta e formas de relacionamento com o paciente. As subculturas médicas podem ser nativas de uma sociedade ou importadas de outra região; em muitos casos, os imigrantes de uma sociedade trazem consigo seus curandeiros para tratar suas doenças com um método culturalmente familiar.

As Três Alternativas Da Assisténcia À Saúde Arthur Kleinman sugeriu que, analisando qualquer sociedade complexa, é possível identificar três alternativas

de assistência à saúde, sobrepostas entre si: a informal, a popular e a profissional. Cada alternativa possui seus próprios meios de explicar e tratar as doenças, como também de definir quem cura e quem é o paciente, e especificar como ambos devem interagir em seu encontro terapêutico. 1. A alternativa informal

É o campo leigo, não-profissional e não-especializado da sociedade, onde as doenças são, em primeiro lugar, reconhecidas e definidas, para depois serem iniciadas as atividades de tratamento. Inclui todas as alternativas terapêuticas a que as pessoas recorrem sem pagamento e sem consultar curandeiros tradicionais ou médicos. Dentre essas alternativas, estão: autotratamento ou auto-medicação; conselho ou tratamento recomendado por um parente, amigo, vizinho ou colega de trabalho; atividades de cura ou assistência mútua em igrejas, cultos ou grupos de auto-ajuda; ou consulta a outra pessoa leiga que tenha experiência específica em uma desordem particular, ou em um tratamento de determinado estado físico. Neste setor, a arena principal da assistência à saúde é a família; nestes casos, a maior parte das doenças é identificada, e então, tratada. A família é a sede primeira da assistência à saúde em qualquer sociedade. Lá os principais responsáveis pela assistência à saúde são as mulheres, geralmente as mães ou as avós, que diagnosticam as doenças mais comuns e tratam-nos com os recursos que tiverem à disposição. Há estimativas de que cerca de 70% a 90% dos tratamentos de saúde ocorrem neste setor, tanto nas sociedades ocidentais quanto nas não-ocidentais.

As pessoas, quando “adoecem” , obedecem normalmente a uma “hierarquia de recursos”, que vai desde a automedicação até a consulta a outras pessoas. O autotratamento é baseado em crenças leigas sobre a estrutura e o funcionamento do corpo, e a origem e natureza das doenças. Tais crenças incluem diversas substâncias e tratamentos, tais como medicamentos industrializados, remédios tradicionais e dicas das “vovós”, além de mudanças na dieta e no comportamento. O alimento pode ser utilizado como uma forma de “medicação”, como, por exemplo, na América Latina, onde determinados alimentos são usados para neutralizar doenças “quentes” ou “frias” e para

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restaurar o equilíbrio do organismo. As mudanças de comportamento que acompanham as doenças variam desde preces especiais, rituais, confissões ou jejuns até o descanso numa cama quente para um resfriado ou gripe.

A alternativa informal geralmente inclui um conjunto de crenças sobre a conservação da saúde. São, normalmente, uma série de normas, específicas para cada grupo cultural, sobre o comportamento “correto” preventivo de doenças em si e nos outros. As normas incluem crenças sobre a maneira “saudável” de comer, beber, dormir, vestir-se, trabalhar, rezar e conduzir a vida em geral. Em algumas sociedades, a manutenção da saúde inclui também o uso de feitiços, amuletos e medalhões religiosos para afastar a má sorte, inclusive uma doença inesperada, e para atrair a boa sorte e a boa saúde.

A maioria dos tratamentos de saúde nesta alternativa ocorre entre pessoas ligadas uma à outra por laços de parentesco, amizade, residência comum ou de associações a organizações profissionais ou religiosas. Isto significa que o paciente e o curandeiro compartilham concepções semelhantes sobre saúde e doença, e que serão comparativamente raros os mal-entendidos entre ambos. A alternativa informal é constituida por uma série de relações de cura informais e não-pagas, de duração variável, que ocorrem na própria rede social do paciente, particularrnente na família. Os encontros terapêuticas acontecem sem regras determinadas de comportamento ou ambiente. Em outra ocasião os papéis podem ser invertidos: o paciente de bole poderá ser o curandeiro, amanhã. Há determinados indivíduos, contudo, que tendem a atuar como fontes de aconselhamento à saúde mais do que outros. São eles:

1. Aqueles com longa experiência em uma doença específica, ou num determinado tipo de tratamento. 2. Aqueles com larga experiência em acontecimentos da vida, como mulheres que criaram muitas crianças. 3. Os profissionais paramédicos (enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas ou recepcionistas de médicos), consultados informalmente a respeito de problemas de saúde. 4. Esposas ou maridos de médicos, que compartilham as experiências de seus cônjuges, às vezes até com algum treinamento na área. 5. Indivíduos tais como cabeleireiros, vendedores ou até gerentes de banco, que se relacionam com freqüência com o público e, algumas vezes, atuam como confidentes ou psicoterapeutas leigos. 6. Coordenadores de grupos de auto-ajuda. 7. Membros ou oficiantes de determinados cultos de cura ou igrejas. Todos eles são considerados como recursos de aconselhamento e assistência sobre questões de saúde por

amigos ou familiares. Suas credenciais são, principalmente, suas próprias experiências, mais do que instrução, status social ou poderes ocultos especiais. Uma mulher que já passou por várias gestações, por exemplo, pode aconselhar informalmente uma mulher mais jovem na primeira gravidez, falando a ela sobre os sintomas esperados e a forma de lidar com eles. Da mesma forma, uma pessoa com longa experiência com uma medicação específica poderá “emprestar” um pouco a um amigo com sintomas semelhantes.

As experiências com doenças e sofrimento são também compartilhadas em cultos de cura e igrejas. Nas sociedades não-ocidentais, os grupos de auto-ajuda também têm um fundamento religioso. Os cultos de “possessão espiritual”, por exemplo, são comuns em regiões da Africa, especialmente entre as mulheres. Neles, as mulheres que foram “possuidas” ou ficaram doentes devido a um tipo de espírito em particular, formam o que Victor Turner denominou de “uma comunidade de sofrimento”, cujos membros diagnosticam e tratam ritualmente aqueles que sofreram a possessão por parte do mesmo espírito maligno.

Todos os aspectos da alternativa informal (e das outras duas alternativas) podem ocasionalmente produzir efeitos negativos na saúde mental e física dos indivíduos. A família, por exemplo, poderá tanto facilitar quanto impedir a assistência à saúde.

Em geral, as pessoas doentes transitam livremente entre a alternativa informal e as outras duas, podendo voltar à primeira, especialmente quando o tratamento em uma alternativa não proporciona alívio ao desconforto físico ou abalo emocional. 2. A alternativa popular

Nesta alternativa, especialmente ampla nas sociedades não-ocidentais, determinados indivíduos tornam-se especialistas em métodos de cura, que podem ser sagrados, seculares ou uma combinação de ambos. Esses curandeiros não fazem parte do sistema médico “oficial”, e ocupam uma posição intermediária entre a alternativa informal e a profissional. Há diversos tipos de curandeiros populares em todas as sociedades, desde os puramente seculares até os experts em técnicas especiais, parteiras, extratores de dente ou herboristas, até curandeiros espirituais, clarividentes a shamans.

Grande parte das comunidades possui curandeiros populares seculares e sagrados. Os curandeiros espirituais — que não atuam em templos, igrejas ou lojas de religião — são especialmente comuns, e tratam de doenças que julgam ser causadas por feitiçarias ou punição divina. As doenças seculares são tratadas por automedicação ou por “vovós” ou herboristas locais.

Grande parte dos curandeiros populares compartilham os mesmos valores culturais básicos e visões de mundo das comunidades em que vivem, incluindo crenças sobre a origem, significado e tratamento de doenças. Nas sociedades em que as causas das doenças e outras formas de infortúnio são creditadas a forças sociais (bruxarias, feitiçarias, mau-olhado) ou sobrenaturais (deuses, espíritos ou fantasmas de ancestrais), os curandeiros populares

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sagrados são particularmente comuns. Sua abordagem é geralmente holística, pois trata de todos os aspectos da vida do paciente, inclusive seus relacionamentos com outras pessoas, com o meio ambiente natural e com poderes sobrenaturais, além de seus sintomas emocionais e físicos. Em muitas sociedades não-ocidentais, todos estes aspectos da vida fazem parte da definição de saúde, considerada fruto do equilíbrio entre o homem e seus meios social, natural e sobrenatural. Um distúrbio em qualquer um desses meios (comportamento imoral, conflitos familiares, ou falhas na observância das práticas religiosas) podem resultar em sintomas físicos ou emocionais, exigindo os serviços de um curandeiro popular sagrado. Curandeiros desse tipo, frente a uma doença, normalmente indagam sobre o comportamento do paciente antes de adoecer, e sobre eventuais conflitos com outras pessoas.

Numa sociedade menor, o curandeiro pode até ter conhecimento em primeira mão das dificuldades familiares do paciente através de boatos, o que pode ser útil para alcançar um diagnóstico. Além de reunir dados sobre a história recente do paciente e seu background social, o curandeiro pode empregar um ritual de adivinhação. Há várias formas de adivinhação pelo mundo todo, incluindo o uso de cartas, ossos e pedras especiais (cuja disposição aleatória é interpretada pelo curandeiro), o exame das entranhas de certos mamíferos e aves, e a consulta direta a espíritos ou seres sobrenaturais através do estado de transe. Em cada caso, a adinhação visa descobrir a causa sobrenatural da doença (bruxaria ou retribuição divina) através de técnicas sobrenaturais.

A adivinhação pelo transe é comum em sociedades não-industrializadas (mas também ocorre, no Ocidente, entre os médiuns). Este método é usado pelos shamans, que existem em várias culturas. Segundo a definição clássica, um shaman é “um homem ou uma mulher que domina os espíritos e é capaz de, segundo sua vontade, introduzi-los em seu próprio corpo”. A adivinhação acontece numa sessão espírita, na qual o curandeiro permite que os espíritos o penetrem e, através dele, diagnostiquem a doença e prescrevam o tratamento. Em alguns casos, ele só pode entrar em transe com o auxílio de drogas alucinógenas poderosas. Esta e outras formas de adivinhação ocorrem ocasionalmente na presença da família do paciente, seus amigos e conhecidos. Neste cenário público, o adivinho tem como objetivo trazer à tona os conflitos existentes na comunidade — e que podem ter levado à prática de feitiços ou bruxarias entre pessoas — e resolvê-los de forma ritual.

Os curandeiros sagrados também fornecem explicações e tratamento para sentimentos subjetivos de culpa, vergonha ou raiva — quando prescrevem, por exemplo, rezas, arrependimento ou resolução de problemas interpessoais como tratamento. As mesmo tempo, podem recomendar tratamentos físicos ou remédios.

A cura na alternativa popular oferece diversas vantagens a seus usuários, em comparação à Medicina científica moderna. Uma delas é o envolvimento freqüente da familia no diagnóstico e no tratamento. O foco de atenção não é somente o paciente (como acontece na Medicina ocidental), mas também a reação dos familiares e de outras pessoas à doença. O curandeiro é, geralmente, acompanhado de “ajudantes”, que participam da cerimônia dão explicações ao paciente e sua famiia e esclarecem qualquer dúvida. Sob uma perspectiva moderna, esse tipo de curandeiro, acompanhado de assistentes e dos familiares do paciente, forma uma equipe eficiente de atenção primária à saúde, especialmente por tratar também de problemas psicossociais.

Em geral, há proximidade, afeto, informalidade e visões de mundo semelhantes nas consultas, além do uso de linguagem coloquial; a família e outros membros da comunidades são envolvidos no tratamento. O curandeiro pode influenciar a sociedade como um todo, em particular as relações sociais do paciente, é capaz de influenciar o comportamento futuro do paciente, ressaltando a importância de seus atos passados na doença atual. O tratamento acontece num ambiente familiar — a casa do paciente ou um santuário religioso. Uma vez que os curandeiros populares articulam e reforçam os valores culturais da comunidade em que vivem, eles estão em vantagem em relação aos médicos ocidentais. Estes últimos estão geraImente separados de seus pacientes por classe social, posição econômica, gênero, educação especializada e, algumas vezes, por background cultural. Os curandeiros são mais aptos a definir e tratar uma “doença” — isto é, as dimensões sociais, psicológicas e morais associadas com a mesma ou com outras formas de infortúnio. Eles também fornecem explicações culturalmente familiares das causas e duração da doença, e sua relação com os mundos social e sobrenatural.

Em geral, os curandeiros populares possuem pouco treinamento formal, se comparados à escola médica ocidental. Eles adquirem determinadas habilidades através do aprendizado com um curandeiro mais velho, de experiências de determinadas técnicas e estados de saúde, ou de um ‘poder de cura’ adquirido ou nato.

Há várias maneiras de um individuo transformar-se em curandeiro popular, tais como: 1. Herança — por ter nascido numa familia de curandeiros. 2. Posição dentro da família, como no caso do “sétimo filho do sétimo filho” na Irlanda. 3. Sinais ou presságios no nascimento, como uma marca de nascença ou o “choro no útero”, ou ainda a membrana amniótica envolvendo o rosto. 4. Revelação — descoberta de que um individuo “tem o dom da cura”. A revelação pode ocorrer sob a forma de uma experiência emocional intensa durante uma doença, um sonho ou um estado de transe. Em casos extremos, a vocação pode ser anunciada através de “um estado de possessão inicialmente descontrolado: uma experiência traumática associada a um estado de êxtase ou de histeria”. 5. Aprendizado com outro curandeiro — costume comum em todas as regioes do mundo, embora o aprendizado possa durar muitos anos. 6. Aquisição de uma habilidade em particular por si mesmo.

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Na prática, os caminhos para as atividades de cura populares tendem a se sobrepor umas às outras: por exemplo, alguém nascido em uma famiia de curandeiros, que apresentou determinados sinais ao nascer ou foi objetos de determinados presságios, poderá, ainda, ter de refinar seu “dom” através de um aprendizado longo com um curandeiro mais velho.

Enquanto que a maior parte dos curandeiros populares trabalha sozinha, existem também associações e organizações informais de curandeiros, que contribuem para o intercâmbio de técnicas e conhecimento, além de controlar a conduta de cada um.

As relações entre os curandeiros populares e os profissionais são, normalmente marcadas pela desconfiança e descrédito mútuos. No mundo ocidental, a Medicina contemporânea vê a maioria dos curandeiros populares como charlatães ou “médicos feiticeiros”, um perigo à saúde do paciente. Embora a cura popular tenha realmente falhas e ofereça riscos, oferece, também, vantagens ao paciente, especialmente por tratar de problemas psicossociais.

Algumas vantagens da Medicina popular tradicional para a população terceiro mundista que não tem acesso a médicos foram reconhecidas pela OMS. Em 1978, a OMS recomendou a integração das práticas tradicionais de cura à Medicina moderna e enfatizou a necessidade de “garantir respeito, reconhecimento e colaboração entre os praticantes dos diversos sistemas de tratamento e cura.” Os recursos humanos que a OMS pretende incorporar do setor popular incluem: assistentes de parto tradicionais ; praticantes de Ayurvédica, Unãni ou Yoga; curandeiros chineses tradicionais, tais como acupunturistas e muitos outros. 3. O setor profissional

Este setor compreende as profissões sindicalizadas e sancionadas legalmente, como a Medicina científica ocidental ou alopatia. Esta inclui não só os médicos de vários tipos e especialidades, mas também as profissões paramédicas reconhecidas, tais como as de enfermeiros e fisioterapeutas. Na maior parte dos países, a Medicina científica é a base do setor profissional, mas os sistemas médicos tradicionais também podem ‘profissionalizar-se’, de certa forma. É importante admitir que a Medicina científica ocidental representa uma proporção pequena da assistência à saúde na maioria dos países do mundo. O potencial médico é um recurso escasso muitas vezes, sendo que grande parte da atenção à saúde ocorre nas alternativas informal e popular.

Além disso, a distribuição de médicos não é uniforme; em muitas sociedades não-industrializadas, eles tendem a se concentrar nas cidades, onde as instalações são melhores e a prática mais lucrativa, o que leva grande parte da população do interior a recorrer às alternativas informal e popular de tratamento.

Em grande parte dos países, os praticantes da Medicina científica constituem o único grupo de curandeiros cuja atividade é assegurada por lei. Eles gozam de status social mais alto, renda maior, além de direitos e obrigações mais claramente definidos do que os outros tipos de curandeiros. Têm o poder de interrogar e examinar seus pacientes, prescrever tratamentos e medicamentos poderosos e, algumas vezes, perigosos, e privar algumas pessoas de sua liberdade — confinando-as em hospitais — se estas forem diagnosticadas como psicoticos ou infecciosos. No hospital, eles podem controlar rigorosamente a dieta, comportamento, padrões de sono e medicação do paciente, além de introduzir uma variedade de exames — biópsias, radiografias etc.. Podem ainda rotular seus pacientes (em alguns casos, permanentemente) como doentes, incuraveis, simuladores, hipocondríacos ou plenamente recuperados — um rótulo que pode entrar em conflito com a perspectiva do paciente. Estes rótulos podem produzir efeitos importantes, tanto sociais (por confirmar o paciente no papel de doente) quanto econômicos (por influenciar os pagamentos de seguros de saúde e pensões).

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RRAAÍÍZZEESS ee IINNFFLLUUÊÊNNIICCAASS RREELLIIGGIIOOSSAASS [Compreensão Geral para os Seminários]

Edward Pimenta Jr. - Super Interessante n. 181-out 2002, p. 22-23.

Religiões Panteístas Mais antigas do mundo e a primeira etapa da evolução do pensamento

religioso (antes de 4000 a.C.). Sem base escrita. Deus está no sol, lua, vento,

forças da natureza. Animismo, xamanismo e totemismo: rituais ao ar

livre e culto aos antepassados.

Politeísmos Deuses criadores e

destruidores.

Religiões Orientais Revelação dos seres

iluminados, reencarnação e evolução por esforço ∆.

Religião Grega Deuses com

atributos humanos

Religião Egípcia Deuses com

atributos humanos

Hinduísmo Baseado no livro

do Vedas, abrange variações

monoteístas e politeístas.

Shintoísmo Antepassados como deuses

tutelares. 700 a.C.

Neopanteístas Resgatam símbolos e

mitos de diversas religiões (monista).

Mais comum a partir do séc. XVIII

Espiritismo Reencarnação e

evolução espiritual. Allan Kardec 1857.

Budismo Siddartha Gautama (600 a.C.). Vidas

passadas e presentes interligadas

Seicho-No-Ie Criada em 1930,

promove curas e graças. Bom e ruim depende da

atitude mental

Rosa Cruz Fraternidade mística, mais

divulgada a partir de 1909

Monoteísmos Último milênio a.C. com livros sagrados,

códigos de leis e verdades absolutas.

Judaísmo Povo escolhido por Deus. A Torá e o

Talmude são livros sagrados.

Cristianismo Crêem na existência de um Deus criador e no caráter divino da revelação de Jesus.

(54)

Hare Krishna Desdobramento do hinduísmo (1966). Baseado na devoção a

Vishnu e Krishna. Com mantras � fim da ansiedade e desenv. cs e do amor a Deus.

Umbanda Início do séc. XX, é

sincrético (Candomblé, catolicismo, espiritismo

e ameríndios).

Candomblé Origem africana no

Brasil (1700). O Orixá incorpora no pai ou mãe de santo. Cada entidade

com suas cantigas/danças

Sincretismos Afros As tribos africanas no Brasil

se separaram e tradições religiosas se misturaram.

Xangô, Tambor de Mina e Babaçuê.

Pentecostais Surgem nos EUA, séc. XX. Poder

de cura do Espírito Santo (Cristã do Brasil, Assembléia de Deus,

Evangelhos Quadrangular, O Brasil para Cristo, Deus é Amor...).

Protestantismo Rompe com a hierarquia de Roma (1517). Luteranos, calvinistas e anglicanos:

salvação pela graça de Deus, mediante a fé.

Presbiteriana Surgiu na Europa (1546),

inspiração calvinista. Influenciou na formação dos

EUA.

Catolicismo Do núcleo fundado

por Pedro, posterior/e dividido em

arquidioceses, dioceses, províncias eclesiásticas (150)

Igreja Ortodoxa Rompe com cristãos de Roma (1054), fiel

à mensagem primitiva. Valoriza a liturgia e preceitos

morais

Islamismo Maomé o último dos

profetas. (622). O Alcorão versa sobre

vida familiar, política e jurídica.

Influências: Judaica/Cristã.

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FFÉÉ CCEEGGAA,, FFAACCAA AAMMOOLLAADDAA Ódio gera ódio e escolhe seus alvos a esmo. Contra o radicalismo dos crimes cometidos em nome da religião,

a única arma deve ser um exercício radical de tolerância. Por André Santoro. Revistas das Religiões, ed. 15, nov.2004, p.30-35.

Fanático, de acordo com o dicionário Aurélio, é aquele que: “1) se considera inspirado por uma divindade, pelo espírito

divino; iluminado; 2) tem zelo religioso cego, excessivo; intolerante; 3) adere cegamente a uma doutrina, a um partido; é

partidários exaltado; faccioso; 4) tem dedicação, admiração ou amor exaltado a alguém ou algo; entusiasmo, apaixonado”. No

português, a palavra geralmente é usada em tom negativo. Mas a raiz latina do vocábulo esconde um sentido mais amplo, que vem

do latim fanaticus, uma variação de fanum, que significa templo ou lugar consagrado. “O fanaticus era aquele que freqüentava o

fanum”, diz José Rodrigues Seabra Filho, especialista em Letras Clássicas da Universidade de São Paulo.

A etimologia joga um facho de luz sobre a palavra que é pronunciada à exaustão em nossos dias. Fanático não é só o

homem-bomba que, por algum motivo obscuro, abre mão da própria vida par ceifar outras tantas. Nem apenas o terrorista que, na

esperança de alcançar o Paraíso, joga um avião contra um prédio. De acordo com o psicanalista Raymundo de Lima, professor da

Universidade Estadual de Maringá, no Paraná, o fanático – não apenas o religioso – pode ser detectado com base em alguns

sintomas, como a certeza de ser portador de uma verdade inquestionável, a tentativa de imposição tirânica desta mesma verdade,

cuja importância ultrapassaria o instinto de preservação da própria vida, e isolamento do grupo.

Qualquer semelhança com uma crença que extrapola os limites da fé e descamba para a fúria cega contra o próximo não é

mera coincidência. As religiões, aliás, sempre estiveram associadas a algum grau de fanatismo, por um motivo simples: elas só se

mantêm graças à partilha dos mesmos valores por uma determinada comunidade. É claro que os métodos de persuasão variam

bastante, o que significa dizer que nem todos os religiosos são fanáticos, no sentido pejorativo da palavra. “Mas a sensação da

certeza proporcionada pelas religiões abre espaço para a violência, mesmo que seja em nome da paz”, afirma o filósofo Luiz

Felipe Ponde, da PUC de São Paulo.

MEDO DO NOVO

A violência é um elemento que não pode ser dissociado da natureza humana. Quando o homem começou a manifestar

suas crenças em sistemas mais ou menos organizados, essa agressividade visceral passou a ser aliviada por uma válvula de escape:

o ritual do sacrifício. A teoria acima, elaborada pelo antropólogo francês René Girard, é uma explicação possível para os atos de

crueldade promovidos por alguns indivíduos que se dizem iluminados. Os sacrifícios, que podem resultar no derramamento de

sangue de um animal ou de uma multidão de pessoas inocentes, aplacariam a ira divina e fariam girar a roda da fé.

O pensador justifica sua visão de que a violência, longe de ser um simples efeito colateral, pode ser uma necessidade

interna das religiões. E busca as possíveis origens desse instinto de destruição no Antigo Testamento. “Talvez seja este, entre

outros, o significado da história de Caim e Abel. Caim cultiva a terra e oferece a Deus os frutos de sua colheita. Abel é um pastor

e sacrifica os primogênitos de seu rebanho. Um dos irmãos mata o outro – justamente o que não dispõe deste artifício contra a

violência”, escreveu Girard em seu livro A Violência e O Sagrado.

Em geral, a prática religiosa é permeada por atitudes positivas: o exercício da caridade, a pregação do diálogo e do

respeito ao outro, a valorização da ética, a celebração da partilha, entre outras. No entanto, todo credo baseia-se em algum tipo de

restrição ideológica. “Um dos pilares da construção religiosa é a crença coletiva em certos valores”, diz o pesquisador César

Vinícius Ornelas, da PUC de São Paulo, que prepara uma tese de doutorado sobre fundamentalismo religioso. O pensamento, ao

extremo, é mais ou menos assim: se eu creio na verdade e este é o caminho correto, o outro – que não segue minha doutrina – só

pode estar errado.

É claro que, mesmo com a adesão do grupo a princípios comuns, a fé pode andar longe das atitudes radicais. “A

religiosidade pressupõe uma experiência existencial e a busca de um sentido ético para a vida. Mas o sagrado e o profano são os

dois lados necessários da vida. Quando tudo se concentra no templo, há o risco do fanatismo”, afirma o rabino Alexandre Leone,

da Congregação Israelita Paulista.

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VOLTA ÀS RAÍZES

A tentativa de compreender o mundo exclusivamente através do prisma da religião pode desencadear um processo de

limitação das liberdades individuais. E costuma surgir como resposta a alguma ameaça externa. Em meados do século 19, alguns

seguidores do Protestantismo norte-americano passaram a se sentir ameaçados pelo impulso de mudança que tomava conta da

sociedade. Em oposição aos protestante mais liberais, eles começaram a defender uma interpretação literal da Bíblia – ou, na visão

da época, um retorno aos fundamentos do Cristianismo. Em 1915, um grupo de professores de Teologia da universidade de

Princeton publicou uma coleção intitulada Fundamentals: A Testimony of the Truth (Fundamentos: Um Testemunho da Verdade,

inédito no Brasil). A partir de então, os seguidores desse novo Protestantismo passaram a se denominar fundamentalistas.

O termo que hoje rotula grupos extremistas islâmicos e seguidores de seitas apocalípticas, entre outros, nasceu como uma

reação à modernização. “Não só modernização tecnológica, mas modernização dos espíritos, do liberalismo, da liberdade das

opiniões, contrastando fundamentalmente com a seguridade que a fé cristã oferecia”, escreveu o teólogo Leonardo Boff em seu

livro Fundamentalismo: a Globalização e o Futuro da Humanidade. Ser fundamentalista de acordo com Boff, “é assumir a letra

das doutrinas e normas sem cuidar de seu espírito e de sua inserção no processo sempre cambiante da História, que obriga a

contínuas interpretações a atualizações, exatamente para manter sua verdade essencial”.

O próprio fundamentalismo religioso pode ser interpretado de forma positiva, desde que deixemos de lado as

conseqüências mais sangrentas da interpretação inflexível dos mandamentos religiosos. “Quanto mais vamos aos fundamentos do

Cristianismo, do Judaísmo e do Islamismo, mais encontramos a dimensão libertária, o cuidado para com os pobres, o respeito para

com todas as pessoas e a veneração para com a natureza”, afirma Leonardo Boff. Encarada desta forma, a busca pelas raízes das

religiões pode ter uma causa nobre e humanista. Nem todo comportamento fundamentalista, portanto, é baseado em mecanismos

de intolerância e intransigência. Um exemplo seria a Teologia da Libertação, que retoma as bases do Cristianismo para promover

atitudes humanistas e democráticas.

Apesar de representar uma interpretação rígida de alguma doutrina, o fundamentalismo não dever ser confundido com

ortodoxia. “Cada religião baseia-se em um cerne dogmático de crenças. Às vezes, existe uma autoridade, como a do papa ou da

Congregação Romana, que determina que interpretações desviam-se desse dogma e, portanto, da ortodoxia”, escreveu o filósofo

Jürgen Habermas no livro Filosofia em Tempo de Terror. O ortodoxo defende a preservação da doutrina, mas não é,

necessariamente, fechado ao diálogo. E, acima de tudo, goza de boa reputação entre seus pares, algo que não costuma acontecer

com grupos fanáticos. “A maioria dos seguidores do Islamismo, Cristianismo, Judaísmo, Budismo, Sikhismo e Hinduísmo

considera que os fundamentalistas são uma minoria irresponsável”, afirma o historiador Robert Scott Appleby em The

Ambivalency of the Sacred (A Ambivalência do Sagrado, sem tradução para o português).

Muito antes dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, seguidores de diferentes religiões já

experimentaram algum tipo de fundamentalismo. “Ele não se limita aos grandes monoteísmos. Ocorre também entre budistas,

hinduístas e até confucionistas quando rejeitam muitas da conquistas da cultura liberal, lutam e matam em nome da religião e se

empenham em inserir o sagrado no campo da política e da causa nacional”, escreveu a teóloga e ex-freira católica Karen

Armstrong na obra Em nome de Deus.

Apesar de ter surgido oficialmente no século 19, a busca pelos fundamentos religiosos é um fenômeno que ganhou força

nas últimas duas décadas, especialmente após a queda do Muro de Berlim. Os discursos ideológicos, que se apoiavam num

mundo polarizado entre duas grandes forças políticas, perderam terreno para as justificativas religiosas. Hoje, matar em nome de

um regime de governo tornou-se tão menos contuntende – e freqüente – quanto cometer crimes usando a fé como pretexto.

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INTOLERÂNCIA EM NOME DA PAZ

Na manhã do dia 20 de março de 1995, membros de uma seita japonesa espalharam o venenoso gás sarin dentro de vagões

superlotados do metrô de Tóquio. O ataque matou 12 pessoas, intoxicou milhares de passageiros e foi atribuído ao movimento de

cunho terrorista Aun Shinrikyo (A Verdade Suprema). O líder da seita, Shoko Asahara, apresentava-se como um messias e

prometia uma batalha do fim dos tempos que lhe proporcionaria o domínio do Japão e do mundo.

Além da matança indiscriminada, o que mais assustou foi o fato de a seita basear-se em princípios de várias doutrinas que

pregam a paz e a tolerância, como o Budismo japonês, o Budismo tibetano e o Hinduísmo. “O fato de o Japão ter dado as costas à

sua espiritualidade tradicional e ter adotado uma mentalidade francamente materialista, para não dizer hostil à religião, ajudou a

tornar a juventude japonesa extremamente vulnerável a esse tipo de movimento”, afirma o reverendo Ricardo Mário Gonçalves,

do Instituto Budista de Estudos Missionários, em São Paulo.

Na linha budista japonesa, os movimentos de retorno aos fundamentos da doutrina surgiram no século 19 – assim como

no Protestantismo norte-americano – como reação ao processo de modernização pelo qual passava a sociedade japonesa. “Existe

fundamentalismo no Budismo, como em todas as grandes religiões”, afirma o reverendo Ricardo. E suas principais características,

de acordo com ele, são a simplificação extrema da doutrina para a solução de problemas materiais imediatos, o uso de técnicas

agressivas de propaganda para massificar a religião e a adoção de posições políticas conservadoras, desencorajando atitudes

críticas frente aos problemas sociais.

ORIGENS DO TERROR ISLÂMICO

Desde os atentados de 11 de setembro de 2001, os muçulmanos passaram a ser vistos com desconfiança pelo mundo ocidental. O

simples fato de ostentar um nome árabe tirou o sossego de muitos viajantes que desejavam entrar em países cristãos,

especialmente nos Estado Unidos. Muito já se falou sobre as passagens belicosas do Corão. “Matai os idólatras, onde quer que os

acheis; capturai-os, acossai-os e espreitai-os”, diz um trecho do livro sagrado do Islamismo. Por outro lado, várias passagens

pregam a alternativa da paz e do diálogo. Matar um inocente, com base nessa visão, seria o equivalente a matar a humanidade.

Mas, afinal, o Islã pode ser usado como justificativa para atos de terror? O historiador Bernard Lewis oferece uma possível

resposta a esta questão. A violência promovida atualmente por alguns grupos islâmicos, de acordo com o pesquisador, seria a

reedição de atos sangrentos praticados por uma seita de radicais surgida no Irã no século 10. A luta dos “Assassinos”, como eram

chamados, tinha como objetivo final a restauração da unidade do Islã, que havia sido abalada pela morte do profeta Muhammad.

Como muitos terroristas de hoje, eles também eram treinados para matar e morrer, na esperança de alcançar o Paraíso e todas as

suas benesses.

Apesar do valor histórico de sua pesquisa, o próprio Bernard Lewis faz uma advertência: os Assassinos tinham

características fundamentalistas e foram, talvez, o primeiro grande movimento de intolerância dentro do Islã. “Mas eles não

inventaram o assassinato, apenas emprestaram dele o nome. O homicídio, tal como é, é tão antigo quanto a raça humana”, afirma

o escritor em seu livro Os Assassinos: Os Primórdios do Terrorismo no Islã.

PERSPECTIVAS

Todos os dias somos bombardeados com notícias sobre novos atentados em tradicionais zonas de conflito. Repetindo o

eterno ciclo de violências que se arrasta desde as cruzadas, quando cristãos e muçulmanos digladiavam-se, facções religiosas

pregam o ódio mútuo – muitas vezes com a ajuda dos meios de coerção de seus próprios Estados – como forma de defender seus

dogmas. Em Israel, grupos judaicos fundamentalistas pleiteiam um Estado regido pelas leis da Tora em vez de um sistema de

governo laico. Segundo o rabino Alexandre Leone, por conta do apego desses grupos às próprias crenças, eles abominam qualquer

tipo de manifestação religiosa não judaica. A mesma lógica – de defesa dos fundamentos de sua fé – permeia os ataques de fiéis

evangélicos a cultos afros no Brasil. O argumento é de que esses fiéis se sentiriam ameaçados pelos rituais praticados no

Candomblé e na Umbanda, que, na visão deles, estariam associados a obras do demônio e iriam contra a vontade de Deus.

Talvez ainda sejamos obrigados a conviver com a rotina diária da religião a serviço do ódio – ou vice-versa –

durante um bom tempo. Há saída para o ciclo de intolerância dentro do qual a humanidade se encontra há vários milênios, mas o

caminho não é dos mais fáceis. “Ao terrorismo devemos responder com ações de justiça social em nível mundial, com relações

mais equânimes, com formas de inclusão e de diálogo com todas as culturas”, afirma Leonardo Boff. Utópico? Talvez. “A

pergunta que fica, dentre muitas outras, é se é possível resgatar o passado sem aniquilar o futuro. Podemos lidar com a tradição

sem violentar o presente?”, afirma César Ornelas. Cabe a nós encontrar as respostas. Sem demora.

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Comportamento REVISTA ISTO É| N° Edição: 2180 | 19.Ago.11 - 21:00 | Atualizado em 22.Ago.11 - 19:48 http://www.istoe.com.br/reportagens/152980_O+NOVO+RETRATO+DA+FE+NO+BRASIL acessado em 22 ago 11

OO NNOOVVOO RREETTRRAATTOO DDAA FFÉÉ NNOO BBRRAASSIILL Pesquisas indicam o aumento da migração religiosa entre os brasileiros, o surgimento dos evangélicos

não praticantes e o crescimento dos adeptos ao islã Rodrigo Cardoso

Conheça em vídeo a história de Silvio Garcia, que era pastor da igreja evangélica e hoje é pai de santo :

Acaba de nascer no País uma nova categoria religiosa, a dos evangélicos não praticantes. São os fiéis que creem, mas não pertencem a nenhuma denominação. O surgimento dela já era aguardado, uma vez que os católicos, ainda maioria, perdem espaço a cada ano para o conglomerado formado por protestantes históricos, pentecostais e neopentecostais. Sendo assim, é cada vez maior o número de brasileiros que nascem em berço evangélico – e, como muitos católicos, não praticam sua fé. Dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelaram, na semana passada, que evangélicos de origem que não mantêm vínculos com a crença saltaram, em seis anos, de insignificantes 0,7% para 2,9%. Em

números absolutos, são quatro milhões de brasileiros a mais nessa condição. Essa é uma das constatações que estatísticos e pesquisadores estão produzindo recentemente, às quais ISTOÉ teve acesso, formando um novo panorama religioso no País.

Isso só é possível porque o universo espiritual está tomado por gente que constrói a sua fé sem seguir a cartilha de uma denominação. Se outrora o padre ou o pastor produziam sentido à vida das pessoas de muitas comunidades, atualmente celebridades, empresários e esportistas, só para citar três exemplos, dividem esse espaço com essas lideranças. Assim, muitas vezes, os fiéis interpretam a sua trajetória e o mundo que os cerca de uma maneira pessoal, sem se valer da orientação religiosa. Esse fenômeno, conhecido como secularização, revelou o enfraquecimento da transmissão das tradições, implicou a proliferação de igrejas e fez nascer a migração religiosa, uma prática presente até mesmo entre os que se dizem sem religião (ateus, agnósticos e os que creem em algo, mas não participam de nenhum grupo religioso). É muito provável, portanto, que os evangélicos pesquisados pelo IBGE que se disseram desvinculados da sua instituição estejam, como muitos brasileiros, experimentando outras crenças. É cada vez maior a circulação de um fiel por diferentes denominações – ao mesmo tempo que decresce a lealdade a uma única instituição religiosa. Em 2006, um levantamento feito pelo Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris) e organizado pela especialista em sociologia da religião Sílvia Fernandes, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), verificou que cerca de um quarto dos 2.870 entrevistados já havia trocado de crença. Outro estudo, do ano passado, produzido pela

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professora Sandra Duarte de Souza, de ciências sociais e religião da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), para seu trabalho de pós-doutorado na Universidade de Campinas (Unicamp), revelou que 53% das pessoas (o universo pesquisado foi de 433 evangélicos) já haviam participado de outros grupos religiosos.

ALÁ Nogueira, muçulmano há um ano: no Rio, os convertidos saltaram de 15% da comunidade para 85% em 12 anos

“Os indivíduos estão numa fase de experimentação do religioso, seja ele institucionalizado ou não, e, nesse sentido, o desafio das igrejas estabelecidas é maior porque a pessoa pode escolher uma religião hoje e outra amanhã”, afirma Sílvia, da UFRRJ. “Os vínculos são mais frouxos, o que exige das instituições maior oferta de sentido para o fiel aderir a elas e permanecer. É tempo de mobilidade religiosa e pouca permanência.” Transitar por diferentes crenças é algo que já ocorre há

algum tempo. A intensificação dessa prática, porém, tem produzido novos retratos. Denominadores comuns do mapa da circulação da fé pregam que católicos se tornam evangélicos ou espíritas, assim como pentecostais e neopentecostais recebem fiéis de religiões afro-brasileiras e do protestantismo histórico. Estudos recentes revelam também que o caminho contrário a essas peregrinações já é uma realidade.

Em sua dissertação de mestrado sobre as motivações de gênero para o trânsito de pentecostais para igrejas metodistas, defendida na Umesp, a psicóloga Patrícia Cristina da Silva Souza Alves verificou, depois de entrevistar 193 protestantes históricos, que 16,5% eram oriundos de igrejas pentecostais. Essa proporção era de 0,6% (27 vezes menor) em 1998, como consta no artigo “Trânsito religioso no Brasil”, produzido pelos pesquisadores Paula Montero e Ronaldo de Almeida, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Para Patrícia, o momento econômico do Brasil, que registra baixos índices de desemprego e ascensão socioeconômica da população, reduz a necessidade da bênção material, um dos principais chamarizes de uma parcela do pentecostalismo. “Por outro lado, desperta o olhar para valores inerentes ao cristianismo, como a ética e a moral cristã, bastante difundidas entre os protestantes históricos”, afirma.

Em busca desses valores, o serralheiro paraibano Marcos Aurélio Barbosa, 37 anos, passou a frequentar a Igreja Metodista há um ano e meio. Segundo ele, nela o culto é ofertado a Deus e não aos fiéis, como acontecia na pentecostal Assembleia de Deus, a instituição da qual Barbosa foi devoto por 16 anos, sendo sete como presbítero. O serralheiro cumpria à risca os rígidos usos e costumes impostos pela denominação. “Eu não vestia bermuda nem dormia sem camisa, não tinha tevê em casa, não bebia vinho, não ia ao cinema nem à praia porque era pecado”, conta. Com o tempo, o paraibano passou a questionar essas proibições e acabou migrando. “Na Metodista encontrei um Deus que perdoa, não um justiceiro.”

AMÉM

É cada vez mais comum ex-pentecostais, como o atual metodista Barbosa, que foi pastor da Assembleia de Deus (acima), aderirem às protestantes

históricas

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A teóloga Lídia Maria de Lima irá defender até o final do ano uma dissertação de mestrado sobre o trânsito de evangélicos para religiões afro-brasileiras. A pesquisadora já entrevistou 60 umbandistas e candomblecistas e verificou que 35% deles eram evangélicos antes de entrar para os cultos afros. Preterir as denominações cristãs por religiões de origem africana é outro tipo de migração até então pouco comum. Não é, porém, uma movimentação tão traumática, uma vez que o currículo religioso dos ex-evangélicos convertidos à umbanda ou ao candomblé revela, quase sempre, passagens por grupos de matriz africana em algum momento de suas vidas. Pai de santo há dois anos, o contador Silvio Garcia, 52 anos, tem a ficha religiosa marcada por cinco denominações distintas – e a umbanda é uma delas. Foi aos 14 anos, frequentando reuniões na casa de uma vizinha, que Garcia, batizado na Igreja Católica, aprendeu as magias da umbanda. Nessa época, também era assíduo frequentador de centros espíritas. Aos 30, ele passou a cursar uma faculdade de teologia cristã e, com o diploma a tiracolo,

tornou-se presbítero de uma igreja protestante. Um ano depois, migrou para uma pentecostal, onde pastoreou fiéis por seis anos. “Mas essas igrejas comercializam a figura de Cristo e eu não me sentia feliz com a minha fé”, diz. A teóloga Lídia sugere que os sistemas simbólicos das religiões evangélica e afro-brasileira têm favorecido a circulação de fiéis da primeira para a segunda. “Há uma singularidade de ritos, como o fenômeno do transe. Um dos entrevistados me disse que muito do que presenciava na Igreja Universal (do Reino de Deus) ele encontrou na umbanda”, diz. Em suas pesquisas, fiéis do sexo feminino foram as que mais cometeram infidelidade religiosa (67%). Os motivos que levam homens e mulheres a migrar de religião (leia quadro à pág. 60) foram investigados pela professora Sandra, da Umesp. Em outubro, suas conclusões serão

publicadas em “Filosofia do Gênero em Face da Teologia: Espelho do Passado e do Presente em Perspectiva do Amanhã” (Editora Champanhat).

SALVAÇÃO

Homens pensam em si quando buscam uma nova crença:

Higuti, pastor da Bola de Neve, queria se livrar das drogas

Uma diferença básica entre os sexos é que as mulheres mudam de religião em busca de graça para quem está a sua volta (a cura para filhos e maridos doentes ou a recuperação do

casamento, por exemplo). Já os homens são motivados por problemas de fundo individual. Assim ocorreu com o empresário paulista Roberto Higuti, 45 anos, que se tornou evangélico para afastar o consumo e o tráfico de drogas de sua vida. Católico na infância, budista e adepto da Igreja Messiânica e da Seicho-No-Ie na adolescência, Higuti saiu de casa aos 15 anos e se tornou um fiel seguidor do mundo do crime. Sua relação com as drogas foi pontuada por internação em hospital psiquiátrico, prisão e duas tentativas de suicídio. Certo dia, cansado da falta de perspectivas, viu uma marca de cruz na parede, ajoelhou-se e disse: “Jesus, se tu existes mesmo, me tira dessa vida maldita.” Há cinco anos, o empresário é pastor da neopentecostal Igreja Bola de Neve, onde ministra dois cultos por semana. “Quero, agora, ganhar almas para o Senhor”, diz. Antes de se fixar na Bola de Neve, Higuti experimentou outras quatro denominações evangélicas. Mobilidades intraevangélicas como as dele ocorrem com aproximadamente 40% dos adeptos de igrejas pentecostais e neopentecostais, segundo a especialista em sociologia da religião Sílvia, da UFRRJ. Os neopentecostais, porém, possuem uma particularidade. Seus fiéis trocam de igreja como quem descarta uma roupa velha: porque ela não serve mais. São a homogeneização da oferta religiosa e a maior visibilidade de

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algumas denominações que produzem esse efeito. “Esse grupo, antigamente, era o tal receptor universal de fiéis, para onde iam todas as religiões. Hoje, a singularidade dele é o fato de receber membros de outras neopentecostais”, diz Sandra, da Umesp. “Quanto mais acirrada a concorrência, maior a migração.” A exposição na mídia, fundamentalmente na tevê, é a principal estratégia dos neopentecostais para roubar adeptos da concorrente direta. E cada vez mais as pessoas estabelecem uma relação utilitária com a religião. De acordo com a pesquisadora Sandra, se não há o retorno (material, na maioria das vezes), o fiel procura outra prestadora de serviço religioso. Estima-se, por exemplo, que 70% dos atuais adeptos da Igreja Mundial – uma dissidente da Universal – tenham migrado para lá vindos da denominação de Edir Macedo. “Entre os neopentecostais não se busca mais um líder religioso, mas um mago que resolva tudo num estalar de dedos”, diz Sandra. “Essa magia faz sucesso, mas tem vida curta, uma vez que o fiel se afasta, caso não encontre logo o que quer.”

SEM LAÇOS

Lucina não segue nenhum credo, mas quando quer alcançar uma graça procura algum serviço religioso: 30% fazem o mesmo anualmente

Cansada de pular de uma crença para outra, a artesã paulista Lucina Alves, 57 anos, não sente mais necessidade de pertencer a uma igreja. Há oito anos, ela diz ser do grupo dos sem-religião. No entanto, recorre a ritos de fé, principalmente católicos, espíritas e da Seicho-No-Ie, sempre que sente vontade de zelar pelo bem-estar de alguém. “Há um mês, fui até uma benzedeira ligada ao espiritismo para ajudar meu filho que passava por problemas conjugais”, diz. Dados do artigo “Trânsito religioso no Brasil” revelaram que 30,7% das pessoas que se encontram na categoria dos sem-religião frequentam algum serviço religioso anualmente e 20,3% fazem o mesmo mais de uma vez por mês. “Já participei de reuniões evangélicas de orações em casa de familiares”, conta Lucina.

A artesã não cultua santos, crê em Deus, Jesus Cristo e acende vela para anjos. No campo das ciências da religião, manifestações espirituais como as dela são recentes e vêm sendo tema de novos estudos. A migração de brasileiros para o islã é outro fenômeno que cresce no País. O número de convertidos na comunidade muçulmana do Rio de Janeiro, por exemplo, saltou de 15% em 1997 para 85% em 2009. Ex-umbandista que hoje atende por Ahmad Abdul-Haqq, o policial militar paulista Mario Alves da Silva Filho tem um inventário religioso de dar inveja.

Batizado no catolicismo, aos 9 anos estreou na umbanda em uma gira de caboclo e baianos. Um ano depois, juntando moedas que ganhava dos pais, comprou seu primeiro livro, sobre bruxaria. Aos 14, passou a frequentar a Federação Espírita paulista, onde fez cursos para trabalhar com incorporações e psicografia. Aos 17 anos, trabalhou em ordens esotéricas ao mesmo tempo que dava expediente na umbanda. O policial, mestrando em sociologia da religião na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), decidiu se converter ao islã quando fazia um retiro de padres jesuítas. Em uma noite, sonhou com um árabe que o indicava o islã como resposta para suas dúvidas. Aos 29 anos, ele entrou em uma mesquita e disse que queria ser muçulmano. Saiu dela batizado e, desde então, faz cinco orações e repete frases do “Alcorão” diariamente. “Descobri que sou uma criatura de Deus e voltarei ao seio do Criador.”

MECA

Migração atípica: o policial Filho, de currículo religioso extenso, trocou a umbanda pelo islã

Faz dez anos que o número de convertidos ao islã no País aumentou. E não são os atentados às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, que marcam esse novo fluxo, mas a novela “O Clone”, da Globo. Foi ela que “introduziu no imaginário cultural brasileiro imagens bastante positivas dos muçulmanos

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como pessoas alegres e devotadas à família”, como defende Paulo Hilu da Rocha Pinto em “Islã: Religião e Civilização – Uma Abordagem Antropológica” (Editora Santuário), de 2010. “De lá para cá, a conversão de brasileiros cresceu 25%. Em Salvador, 70% da comunidade é de convertidos”, diz a antropóloga Francirosy Ferreira, pesquisadora de comunidades muçulmanas da Universidade de São Paulo (USP), de Ribeirão Preto. Assistente financeiro, o paulista Luan Nogueira, 23 anos, tornou-se muçulmano há um ano. Por indicação de um amigo, passou a pesquisar o islã e descobriu que o discurso estigmatizado criado após o 11 de setembro, que relacionava a religião à intolerância e à violência, não era verdadeiro. “Encontrei na mesquita e no “Alcorão” a ética da boa conduta”, diz. “Me sinto mais próximo de Deus no islã.” Para o professor Frank Usarski, do Centro de Estudo de Religiões Alternativas de Origem Oriental, da PUC-SP, o atrativo do islã é o fato de não ter perdido, diferentemente de outras religiões, a competência da interpretação completa da vida. “Ele oferece um guarda-chuva de referências para esferas como economia e ciência”, diz Usarski.

ORIXÁS Ex-liderança evangélica, Garcia largou os cultos cristãos (abaixo) para se tornar pai de santo

Segundo o escritor Pinto, que também é professor de antropologia da religião na Universidade Federal Fluminense, o islã permite aos adeptos uma inserção e compreensão sobre questões atuais, como, por exemplo, a Palestina, a Guerra do Iraque e segurança internacional, para as quais outros sistemas religiosos talvez não deem respostas. “Se a adoção do cristianismo em contextos não europeus do século XIX pôde ser definida com uma conversão à modernidade, a entrada de brasileiros no islã pode ser vista como uma conversão à globalização”, escreve ele, em seu livro. É cada vez mais comum, no País, fiéis rezando com a cartilha da autonomia religiosa. Esse chega para lá na fé institucionalizada tem conferido características mutantes na relação do brasileiro com o sagrado, defende a professora Sandra, de ciências sociais e religião da Umesp. “Deus é constituído de multiplicidade simbólica, é híbrido, pouco ortodoxo, redesenhado a lápis, cujos contornos podem ser apagados e refeitos de acordo com a novidade da próxima experiência.” Agora é o fiel quem quer empunhar a escrita de sua própria fé.

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