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0 APOSTILA TEOLOGIA C C u u r r s s o o s s á á r r e e a a S S a a ú ú d d e e FIT 1500-C01 2 2 0 0 1 1 8 8 - - 1 1 CONCEITOS BÁSICOS ..................................................................................................................... 1 A FÉ QUE FAZ BEM À SAÚDE ........................................................................................................ 2 FENÔMENO RELIGIOSO ................................................................................................................. 7 - Experiência Religiosa ........................................................................................................................ 7 - Mito – Rito – Símbolo ....................................................................................................................... 9 - Seitas e Igrejas ................................................................................................................................. 10 RELIGIÃO E ESPIRITUALIDADE: UM OLHAR DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE......... 13 RELIGIÃO: CAMINHO PELA HISTÓRIA ..................................................................................... 25 - Sobrevivência, Saúde e Sagrado nas Sociedades Tribais ................................................................ 25 - Natureza E Religião No Feudalismo ............................................................................................... 27 - Religião, Ciências e saúde na Modernidade .................................................................................... 29 - A Instituição Religiosa Em Meio a Pós-Modernidade..................................................................... 30 ALIMENTAÇÃO E RELIGIÃO ....................................................................................................... 34 RAÍZES e INFLUÊNICAS RELIGIOSAS ................................................................................... 39 MARX E A Religião .......................................................................................................................... 40 FREUD E A RELIGIÃO .................................................................................................................... 41 ECOESPIRITUALIDADE NO CARIRI CEARENSE: ............................................................... 42 Profa. Sandra Chaves [email protected]

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APOSTILA TEOLOGIA CCCuuurrr sssooosss ááárrr eeeaaa SSSaaaúúúdddeee

FIT 1500-C01 222000111888---111

CONCEITOS BÁSICOS ..................................................................................................................... 1

A FÉ QUE FAZ BEM À SAÚDE ........................................................................................................ 2

FENÔMENO RELIGIOSO ................................................................................................................. 7

- Experiência Religiosa ........................................................................................................................ 7

- Mito – Rito – Símbolo ....................................................................................................................... 9

- Seitas e Igrejas ................................................................................................................................. 10

RELIGIÃO E ESPIRITUALIDADE: UM OLHAR DE PROFISSIONA IS DE SAÚDE ......... 13

RELIGIÃO: CAMINHO PELA HISTÓRIA ..................................................................................... 25

- Sobrevivência, Saúde e Sagrado nas Sociedades Tribais ................................................................ 25

- Natureza E Religião No Feudalismo ............................................................................................... 27

- Religião, Ciências e saúde na Modernidade .................................................................................... 29

- A Instituição Religiosa Em Meio a Pós-Modernidade..................................................................... 30

ALIMENTAÇÃO E RELIGIÃO ....................................................................................................... 34

RAÍZES e INFLUÊNICAS RELIGIOSAS ................................................................................... 39

MARX E A Religião .......................................................................................................................... 40

FREUD E A RELIGIÃO .................................................................................................................... 41

ECOESPIRITUALIDADE NO CARIRI CEARENSE: ............................................................... 42

Profa. Sandra Chaves [email protected]

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CCOONNCCEEIITTOOSS BBÁÁSSIICCOOSS

1. TEOLOGIA Etimologia/histórico: A palavra é de origem grega (Teo = Deus; Logia = estudo): o estudo de Deus. Os filósofos gregos utilizavam a palavra, mas restrita ao campo de articulação das idéias filosóficas. Pode ser: 1.1. Olhar interno: Esse aspecto estuda os textos sagrados e suas inplicações/interpretações. Este estudo é realizado pelo praticante da própria fé professada, ou seja, é o muçulmano estudando a Teologia do Corão, é o judeu estudando a Teologia da Torá, etc. No Cristianismo é a reflexão sobre o ser humano, à luz do projeto de Jesus Cristo, para orientar o crente a viver humanamente neste mundo em direção à plenitude da vida. 1.2. Olhar externo: É uma reflexão sistemática, organizada, metódica, que parte da fé e a ela pretende voltar. Sob esse olhar a Teologia se propõe a estudar toda e qualquer expressão religiosa a partir do olhar do crente, ou seja, não questiona ‘se’ tal fenômeno é possível ou não. Tal questionamento é dispensável. A partir do fenômeno apresentado, a teologia utiliza instrumentos de investigação como a Sociologia, a Psicologia, a Filosofia, a História e a Antropologia da religião.

2. RELIGIÃO Vem do latim ‘religar’, ‘atar’ o sagrado com o profano. A religião é um sistema qualquer de idéias que envolve fé e cultos. Consiste em crenças e práticas organizadas, formando algum sistema privado ou coletivo, mediante o qual uma pessoa ou um grupo de pessoas são influenciados.

Pode-se encontrar muitas crenças e filosofias diferentes. As diversas religiões do mundo são de fato muito diferentes entre si. Porém ainda assim é possível estabelecer uma característica em comum entre todas elas. É fato que toda religião possui um sistema de crenças no sobrenatural, geralmente envolvendo divindades ou deuses. As religiões costumam também possuir relatos sobre a origem do ‘Universo’, da ‘Terra’ e do ‘Ser Humano’, e o que acontece após a morte. A maior parte crê na vida após a morte.

A religião não é apenas um fenômeno individual, mas também um fenômeno social. Institucionalização da fé.

3. RELIGIOSIDADE A ‘atitude particular’ de uma consciência transformada pela experiência do numinoso. Fé praticada por meio

daquele que acredita. É a crença propriamente dita, vivida no cotidiano. Na forma confessional (em cada denominação religiosa), a experiência não é direta, mas mediada pelo sistema

simbólico de uma determinada religião, que fornece significados coletivos e relativamente fixos para a vivência do numinoso; a mediação pressupõe a crença, ou fé, pois que se dá através do estabelecimento de dogmas. Nos primórdios dos tempos o ser humano admite tanto as forças e atividades naturais como as sobrenaturais e procura usar ambas em seu próprio benefício. Mas agarra-se à magia sempre que tem de reconhecer a impotência do seu conhecimento e da sua técnica racional.

SAGRADO PROFANO NO SENTIDO SOCIOLÓGICO

Domínio da magia/religião Domínio da ciência e vivência do cotidiano, da vida civil. Reverência, temor, crença em forças sobrenaturais.

Força da razão, rudimentos da ciência inventando técnicas da caça, pesca, agricultura.

Relação religião e as ciências:

CIÊNCIA RELIGIÃO Nasce da experiência É construída através da tradição É norteada pela razão e corrigida pela observação Imune a ambas vive numa atmosfera de misticismo Está aberta a todos É oculta Assenta na concepção de forças naturais Desponta da idéia de um poder místico e impessoal.

REFERÊNCIAS http://www.alternex.com.br/~pilar/col-celso.htm#Ini01 acesso em: 20 abr 2001. http://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%A3o acesso em: 21 maio 2005. ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992. JUNG, C. G. Psicologia e religião. In Obras completas de C. G. Jung, (Vol. 11i). Petrópolis: Vozes, 1990. MALINOWSKI, Bronislaw. Magia, ciência e religião. Lisboa: Ed. 70, 1988. OTTO, Rudolf. O Sagrado. São Bernardo Campo: Imprensa Metodista, 1985.

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AA FFÉÉ QQUUEE FFAAZZ BBEEMM ÀÀ SSAAÚÚDDEE

Novos estudos mostram que o cérebro é ‘programado’ para acreditar em Deus – e que isso nos ajuda a viver mais e melhor Letícia Sorg

A capacidade inata de procurar a explicação de um fenômeno é uma das diferenças entre o ser humano e outros animais. O homem primitivo não tinha como entender eventos mais complexos, como a erupção de um vulcão, um eclipse ou um raio. A busca de explicações sobrenaturais pode ser considerada natural. Mas por

que ela desembocou na fé e no surgimento das religiões? Cientistas de diferentes áreas se debruçaram sobre a questão nos últimos anos e chegaram a conclusões surpreendentes. Não só a fé parece estar programada em nosso cérebro, como teria benefícios para a saúde.

Com sua intuição genial, Charles Darwin, criador da teoria da evolução há 150 anos, já havia registrado ideia semelhante no livro A descendência do homem, em 1871: “Uma crença em agentes espirituais onipresentes parece ser universal”. “Somos predispostos biologicamente a ter crenças, entre elas a religiosa”, diz Jordan Grafman, chefe do departamento de neurociência cognitiva do Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e Derrame (leia a entrevista). Grafman é o autor de uma das pesquisas mais recentes sobre o tema, publicada neste mês na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences. Em seu estudo, Grafman analisou o cérebro de 40 pessoas – religiosas e não religiosas – enquanto liam frases que confirmavam ou confrontavam a crença em Deus. Usando imagens de ressonância magnética funcional – que mede a oxigenação do cérebro –, o neurocientista descobriu que as partes ativadas durante a leitura de frases relacionadas à fé eram quase as mesmas usadas para entender as emoções e as intenções de outras pessoas. Isso quer dizer, segundo Grafman, que a capacidade de crer em um ser ou ordem superior possivelmente surgiu ao mesmo tempo que a habilidade de prever o comportamento de outra pessoa – fundamental para a sobrevivência da espécie e a formação da sociedade. E para estabelecer relações de causa e efeito. A interferência de um ser muito poderoso seria uma explicação eficiente para aplacar a necessidade de entender o que não se consegue explicar com o conhecimento comum.

Mas o que levaria o ser humano, dotado de razão, a acreditar que um velhinho de barba branca, em cima de uma nuvem, atira raios sobre a Terra? Ou que 72 virgens aguardam os fiéis no Paraíso? “Tendemos a atribuir características humanas às coisas, inclusive ao ser divino”, diz Andrew Newberg, neurocientista da Universidade da Pensilvânia (leia a entrevista), autor de outro importante estudo sobre o poder da meditação e da oração. “A crença religiosa surgiu como um efeito colateral da maneira como nossa mente é organizada, da maneira como ela funciona naturalmente”, diz Justin Barrett, antropólogo e professor da Universidade de Oxford. Para Barrett, autor do livro Why would anyone believe in God? (“Por que alguém acreditaria em Deus?”), há evidências de que os sistemas religiosos ajudam a manter comunidades unidas – a dividir, a confiar, a construir redes sociais mais fortes. Barrett afirma que a mente das crianças é um exemplo de como a fé se manifesta precocemente. Em uma das experiências, pesquisadores mostraram uma caixa de biscoitos às crianças e perguntaram a elas o que havia dentro. Como não são bobas, as crianças responderam: “Biscoitos”. Ao abrir a caixa, o que encontravam eram pedras. Então, os cientistas perguntaram às mesmas crianças o que suas mães achariam que havia dentro da lata e o que Deus diria se visse a lata. As crianças de 3 anos disseram que as mães, assim como Deus, diriam que havia pedras. A partir dos 5 anos, elas responderam que a mãe diria “biscoitos”, mas que Deus responderia “pedras”. Já se chegou a pensar que uma espécie de curto-circuito na parte lateral do cérebro pudesse gerar casos de religiosidade extrema. Ficou famosa uma experiência do neurocientista americano Michael Persinger, batizada “O Capacete de Deus”: um capacete que estimulava eletricamente o cérebro do usuário. Segundo Persinger, oito em cada dez pessoas, qualquer que fosse a confissão religiosa, diziam experimentar um “sentimento religioso” ao vestir o aparato. Mas a maioria dos estudos científicos recentes – sejam eles baseados em imagens do cérebro ou no comportamento humano – afastou a hipótese de que a experiência religiosa seja o mero efeito de estímulos eletromagnéticos em uma parte específica do cérebro. O biólogo evolucionista pop e “ateu militante” Richard Dawkins chegou a usar o capacete para um documentário da BBC britânica. Não conseguiu “encontrar Deus” – só desconforto para respirar e mexer-se. Hoje, Persinger se defende das críticas a seu estudo. “A ‘estimulação religiosa’ reduz a ansiedade e pode ser útil para melhorar a cooperação social”, disse.

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Em 2004, o cientista americano Dean Hamer chegou a divulgar que havia descoberto um gene ligado à fé. Publicou o livro O gene de Deus. Batizado vmat2, seria responsável pelo transporte de mensageiros cerebrais, entre eles a serotonina, além de gerar o pensamento religioso. Polêmico na academia desde que anunciou a descoberta de um “gene gay”, supostamente responsável pela homossexualidade masculina, Hamer e seu livro foram acolhidos com ceticismo. Para Jordan Grafman, explicações únicas são insuficientes para elucidar a origem da fé em algo divino. A imprensa batizou seu estudo de “God spot” (o “ponto de Deus”), um trocadilho com o suposto “ponto G”, responsável pelo orgasmo feminino. “O ‘ponto de Deus’ é tão mítico quanto o ponto G”, diz Grafman, irônico. Andrew Newberg também descarta explicações simplistas. Vários estudos demonstraram uma relação entre experiências religiosas e certos tipos de desordem cerebral. “Mas essas associações não podem ser a única resposta”, diz Newberg. Apenas uma pequena porcentagem das pessoas que sofrem de epilepsia no lobo temporal tem esse tipo de experiência.

Newberg, que estuda as manifestações cerebrais da fé há pelo menos 15 anos, descobriu que as práticas religiosas acionam, entre outras regiões do cérebro, os lobos frontais, responsáveis pela capacidade de concentração, e os parietais, que nos dão a consciência de nós mesmos e do mundo. Em seu novo livro,

How God changes the brain (“Como Deus muda seu cérebro”), que será lançado nesta semana nos Estados Unidos, Newberg explora os efeitos da fé sobre o cérebro e a vida das pessoas. Segundo o neurocientista, os estudos anteriores olhavam para os efeitos de curto prazo de práticas

como a meditação e a oração. Agora, ele e seu grupo encararam a difícil tarefa de responder à questão: o que acontecerá se você adotar, com frequência, uma prática como a meditação ou a prece?

FÉ UNIVERSAL No sentido horário, a partir do alto à esquerda, budistas, cristãos ortodoxos, muçulmanos e judeus oram e meditam. Darwin já notara a universalidade da

crença religiosa O grupo de Newberg analisou o cérebro de pessoas que meditam e oram rotineiramente e notou os resultados dessas práticas para o cérebro e para as pessoas. No livro, ele lista nove técnicas de meditação (leia o quadro) que podem

ser adotadas por crentes ou ateus. Numa delas, a pessoa se concentra em um tipo de diálogo interno. “Descobrimos que essa prática ajuda as pessoas a criar intimidade, a interagir com as outras e a se comunicar com quem elas conhecem ou não”, diz Newberg.

Ainda estão sendo feitos estudos para compreender melhor a meditação e a prece, mas a pesquisa de Newberg mostra que, durante essas atividades, o lobo frontal fica mais ativo, e o lobo parietal menos. Como essa parte do cérebro é responsável pela noção de tempo e espaço, “desligá-la” geraria a sensação de imersão no mundo e a de ausência de passado e futuro muitas vezes relatadas por religiosos. A maior atividade do lobo frontal, além de melhorar a memória, segundo vários estudos também estaria ligada à diminuição da ansiedade. “Quando a pessoa volta sua atenção para o momento presente, não há riscos porque não há futuro”, diz Paulo de Tarso Lima, médico especializado em medicina integrativa e complementar e responsável pela implantação da especialidade dentro do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. O simples fato de acreditar em um ser superior – seja ele qual for – reduziria a ansiedade. Grafman nega ter descoberto um “ponto de Deus”: “É um mito, como o ponto G”.

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Dois estudos canadenses publicados neste mês mostram que quem crê em Deus tende a lidar melhor com os erros. O grupo de pesquisa, liderado pelo professor de psicologia Michael Inzlicht, da Universidade de Toronto, pediu a pessoas de várias orientações religiosas e também àquelas que não creem em Deus que elas dissessem os nomes das cores que apareciam a sua frente. Quando elas cometiam

um erro, uma área do cérebro chamada “córtex cingulado anterior” era ativada. “Quanto mais forte a religiosidade e a crença em Deus dos participantes, menor era a resposta dessa região ao erro”, diz Inzlicht. Isso seria uma evidência de que as pessoas religiosas ficam mais calmas diante de um erro. “Suspeitamos que a crença religiosa protege contra a ansiedade porque dá um sentido para as pessoas. Ajuda-as a saber como agir e, com isso, reduz a incerteza e o estresse”, afirma Inzlicht. MENTE ATIVA Um monge budista é submetido a um eletroencefalograma. Nos últimos anos, vários estudos analisaram a atividade cerebral de quem ora ou medita A influência da crença em Deus na redução do estresse já é quase um consenso entre os médicos. “As doenças relacionadas ao estresse, especialmente as cardiovasculares, como a hipertensão, o infarto do miocárdio e o derrame, parecem ser as que mais se beneficiam dos efeitos de uma espiritualidade bem desenvolvida”, afirma Marcelo Saad, outro médico do Albert Einstein. Doutor em reabilitação, Saad é especializado em acupuntura e faz parte do programa de medicina integrativa e complementar do hospital. Para ser benéfica, a fé em Deus teria de ser associada à prática religiosa? Várias pesquisas mostram que participar de um grupo religioso estruturado – seja ele católico, budista, judeu, evangélico, umbandista – traz benefícios por aumentar o suporte social à pessoa. “Esse apoio social é algo extremamente valioso para a saúde física, inclusive para a sobrevivência e a longevidade”, diz o psicólogo americano Michael McCullough, professor da Universidade de Miami que estuda a maneira como a religião molda a personalidade e influencia hábitos saudáveis e relacionamentos sociais. Ao realizar um “metaestudo” de 42 pesquisas diferentes, o psicólogo descobriu que as pessoas altamente religiosas tinham 29% a mais de chance de estar vivas, em determinado momento do futuro, que as demais. A religiosidade tornaria mais

fácil resistir a tentações nocivas à saúde, como o álcool e o fumo. “Para pessoas que acreditam na vida após a morte, pode ser uma decisão racional postergar os prazeres de curto prazo em nome da recompensa eterna”, afirma McCullough.

Robert Hummer, sociólogo e professor da Universidade do Texas, acompanha um grupo de pessoas desde 1992 para tentar esclarecer, entre outras questões, a relação entre a religião e a saúde. Segundo sua pesquisa, quem nunca praticou uma religião tem um risco duas vezes maior de morrer nos próximos oito anos do que alguém que a pratica uma vez por semana. “As evidências da influência da fé na saúde são promissoras e mais que justificam o investimento em outros estudos”, afirma o neurologista brasileiro Jorge Moll, diretor do Centro de Neurociência da Rede Labs-D’Or, rede de laboratórios particular do Rio de Janeiro. Para Moll, o desafio é quantificar a influência da fé e tentar compará-la com o efeito de outras práticas sem conotação religiosa. “A prece e a meditação podem ter vários benefícios. Mas será que a ioga não tem o mesmo resultado?”, diz Moll, que colaborou com Jordan Grafman em vários estudos sobre o funcionamento do cérebro na tomada de decisões morais.

Como trazer isso para dentro dos consultórios e hospitais? Os pacientes não esperam que médicos conversem sobre a fé. Marcelo Saad, do Albert Einstein, reconhece que os profissionais de saúde não são treinados para discutir esse assunto, mas que podem iniciar o diálogo fazendo perguntas simples, como: “Quão importante é a fé em sua vida?” ou “Você gostaria de discutir assuntos religiosos?”. Conforme a resposta, o médico pode sugerir que ele retome a prática religiosa de sua preferência. “Não tem sentido negar a influência da religião na vida das pessoas, especialmente no Brasil, onde 99% da população acredita em Deus”, afirma o médico Paulo de Tarso Lima, que classifica como um desserviço não acolher esse elemento nos consultórios e nos hospitais. Isso significa que todos devem adotar a fé em nome da saúde, assim como se pratica esporte ou se faz dieta? Para quem crê, talvez a resposta seja sim. Mas, para as pessoas que não creem em uma força superior, não necessariamente. “Parece que os benefícios sobre a saúde são incidentais”, diz o psicólogo Michael McCullough. “Ironicamente, ser religioso em busca dos efeitos benéficos para a saúde não dá a ninguém a certeza de que isso vai surtir o efeito esperado.”

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Como o cérebro reage à meditação e à oração

O neurocientista Andrew Newberg usou uma técnica especial de tomografia em pessoas orando e meditando para avaliar a atividade cerebral. Nas imagens abaixo, quanto mais próxima do vermelho, maior a atividade naquela área do cérebro

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O neurocientista fala sobre seu livro Como Deus muda seu cérebro ÉPOCA – Como Deus pode mudar a estrutura cerebral das pessoas? Andrew Newberg – Os nossos estudos usando imagens do cérebro mostram que, no longo prazo, há alterações no lobo frontal (relacionado à memória e à regulação das emoções) e no sistema límbico (ligado às emoções). As pessoas tendem a conseguir controlar mais suas emoções e expressá-las. A meditação e a oração ajudam a melhorar a relação consigo mesmo e com os outros. Também especulamos que essas práticas alteram, inclusive, a química cerebral, como os níveis de serotonina e dopamina, que regulam nosso humor, nossa memória e o funcionamento geral de nosso corpo, mas ainda não temos provas disso. ÉPOCA – Em seu livro, o senhor fala bastante da meditação, uma prática tradicionalmente ligada às religiões orientais. Existe alguma diferença entre, por exemplo, o catolicismo e o budismo? Newberg – Não olhamos exatamente para as diferenças entre as religiões, mas para as diferentes práticas. A forma como você pratica a religião é mais importante que as ideias religiosas em si. ÉPOCA – Há um consenso entre os cientistas de que a fé pode ajudar na manutenção da saúde? Newberg – Muitos cientistas acreditam que a espiritualidade tem um papel na saúde. A pergunta é quem vai administrar isso e como os profissionais de saúde vão lidar com a espiritualidade de uma maneira apropriada e benéfica. Essas questões ainda não foram respondidas. ÉPOCA – Há alguma diferença neurológica entre aqueles que creem e os que não creem em Deus? Newberg – Encontramos algumas diferenças, sim, e também notamos diferenças dependendo do tipo de prática religiosa. O problema é que nunca sabemos se aquelas mudanças estão lá porque a pessoa é religiosa há muito tempo ou se ela nasceu daquela maneira e, por causa disso, procurou um tipo de religião ou meditação.

Jordan Grafman - “A crença é necessária” O neurocientista diz que o pensamento religioso nasceu junto com o cérebro humano ÉPOCA – O senhor diria que a religião é um produto acidental de nosso processo evolutivo? Jordan Grafman – Eu não diria acidental. Existe uma tendência para nós pensarmos de certa maneira, e essa maneira, de alguma forma, envolve a necessidade de ter um sistema de crenças. E esse sistema guia nosso comportamento social. Acredito que estamos constantemente criando novos tipos de sistema de crença e é muito provável que os primeiros tenham sido baseados em autoridades religiosas.

ÉPOCA – Somos biologicamente predispostos à religião? Grafman – Eu diria que somos predispostos biologicamente a ter crenças, e a religiosa é uma delas, mas não a única. Classificaria a religião como uma forma primitiva de crença porque se baseia muito no que é desconhecido. Algumas das regras éticas vieram por meio da religião, mas só se estabeleceram porque ajudaram a ordenar a sociedade. Então, muitas regras tiveram sentido. A religião nasceu claramente de nossa necessidade de entender o que estávamos vendo. A crença religiosa surgiu no cérebro antes de outras crenças, segundo pesquisas

ÉPOCA – Seu estudo comparou as áreas do cérebro envolvidas nas crenças religiosas e nas crenças políticas. Do ponto de vista neurológico, quais as diferenças entre o pensamento religioso e o político? Grafman – Ainda não temos uma resposta definitiva a essa pergunta, mas há fortes indicações de que as crenças políticas estão sempre ligadas ao “aqui e agora”, a nossa vida, enquanto as crenças religiosas não necessariamente. Há diferenças em comportamento e também nas áreas do cérebro ativadas. No caso das crenças políticas, usamos as estruturas do cérebro que surgiram por último na evolução humana, enquanto no caso das crenças religiosas usamos áreas anteriores no desenvolvimento da espécie. Nossa hipótese é que a crença religiosa seja a primeira forma de sistema de crenças, que surgiu antes das outras. Nossos estudos mostram que as duas usam partes parecidas do cérebro, mas também que a religião veio antes da política.

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FFEENNÔÔMMEENNOO RREELLIIGGIIOOSSOO

- Experiência Religiosa A experiência religiosa possibilita à pessoa identificar a hierofania (manifestação do

sagrado) e declarar um objeto, um lugar ou um tempo como sagrados. A experiência religiosa é a própria relação da pessoa com o sagrado que ela identifica e/ou reconhece como tal. Segundo Eliade "a essência de qualquer religião é a experiência de uma realidade outra, que se manifesta na consciência do crente antes mesmo de ser incorporada nos ritos e nos mitos, e preservada por um grupo de especialistas". Se aceitarmos esta idéia, necessitamos concluir que, para um evento se tornar experiência religiosa, deve ocorrer a fusão entre a expressão cultural e o sagrado que a ela se acrescenta.

Podemos ver, através de um exemplo, como as pessoas fazem este cruzamento. No caso dos rituais de cura nos meios populares, o/a curandeiro/a conhece uma porção de chás que podem curar muitas doenças. Esta parte seria a cultura. No entanto, as pessoas não a procuram somente para fazer chás, mas também pelos rituais que ele/a realiza. Muitos/as curandeiros/as afirmam ter aprendido seus conhecimentos religiosos diretamente de Deus. Este é o elemento sagrado que, em fusão com a expressão cultural (conhecer os chás), faz com que suas práticas sejam uma experiência religiosa. Neste caso, tanto o/a curandeiro/a como as pessoas que o/a procuram estão realizando experiências religiosas: "A experiência religiosa se define, antes de tudo, como uma relação interior com a realidade transcendente, isto é, a partir da experiência do sagrado vivida interiormente...".

Este outro exemplo, observado em uma comunidade rural do interior do Paraná, ilustra o processo em que se dá o cruzamento entre experiência religiosa e outras expressões culturais. Trata-se do ritual usado para curar queimaduras. As palavras do ritual são as seguintes: "Santa Sofia tinha três filhas: uma fiava, outra cozia e a outra caiu no fogo e se queimou. Santa Sofia perguntou à Virgem Maria com que curaria. Virgem Maria respondeu: cuspa três vezes e reze três ave-marias". Ao pronunciar estas palavras, a benzedeira o faz em tom de oração, utiliza um ramo de chá molhado em água fresca e vai fazendo cruz com este ramo; e, ao terminar cada ave-maria, cospe três vezes sobre a queimadura.

Esta história pode muito bem ter acontecido em qualquer família. A saliva, o ramo de chá e a água são refrescantes e auxiliam na cura da queimadura. Isto pode ser aprendido em qualquer espaço em que a medicina popular seja praticada. No entanto, acrescenta-se o elemento sagrado à história e cria-se um rito. A família passa a ser a de Santa Sofia, a medicina natural passa a ser ensinada pela Virgem Maria. Um procedimento de medicina natural passa a ser um ritual religioso e é imputado ao sagrado a cura do mal.

É muito difícil descrever como se dá a experiência religiosa, uma vez que elementos objetivos e subjetivos se fazem presentes no processo da mesma. Otto a descreve como a relação com o sagrado, como um reconhecimento e apelo a seres superiores e transcendentes, como a experiência de uma realidade outra que se manifesta na consciência do crente. Esta experiência pode ser incorporada nos mitos e ritos e preservada por um grupo de especialistas (igrejas).

Na experiência religiosa vivida, um poder estranho, totalmente diferente, insere-se na vida da pessoa. Diante dela, a atitude da pessoa é primeiro de espanto, depois, de fé. A experiência religiosa não consiste apenas de afirmações racionais e de princípios morais; há no divino um aspecto inefável, percebido pelo sentimento como realidade sagrada, como mistério terrível e fascinante: "eu tenho medo dele e ao mesmo tempo ardo por ele" (Sto. Agostinho). A relação com o sagrado desperta no crente múltiplos sentimentos. Estes sentimentos não são produzidos pela consciência, mas são o efeito subjetivo da presença, no eu, de uma realidade diferente do próprio eu: o numinoso.

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Segundo Otto, o numinoso é a absoluta potência e alteridade, o majestas, diante dele o crente se sente pó e cinza; é um mistério escondido, extraordinário, percebido pelo sentimento religioso, não pela razão; é um mistério tremendo: desperta sentimentos de temor e tremor, é a ira ou indignação de Javé, é a base para o conceito de justiça divina; é um mistério em que se manifesta uma absoluta energia, vitalidade, paixão; é um mistério fascinante, atrai porque é amor, misericórdia, piedade, conforto. A manifestação do numinoso pode despertar sentimentos de maravilha, estupor, surpresa, descontentamento, faz ficar sem palavras; é inquietante. O numinoso é Augustum, impõe respeito racional.

A experiência religiosa é um encontro com este "numinoso", com o "mysterium tremendum". Quando a alma se põe em contato com este, experiência um sentimento de ser criatura. Sentimento este que é a sombra do sentimento de medo, pelo fato de o "numinoso" ser um objeto que está fora da pessoa e dele emanar uma superioridade esmagadora de poder. O "numinoso" é de tal natureza que cativa e emudece a alma humana que o experimenta.

Na experiência religiosa ocorre o seguinte processo: sentimento de terror, terror que a manifestação do sagrado inspira, terror dos deuses: deus é um deus que castiga, vigia para ver seu procedimento, pune; sentimento de devoção: desencadeia um comportamento moral e de compromisso com o que a divindade espera do crente; adoração: o crente fica em êxtase diante da divindade e, como resposta, coloca-se em relação de amor com todas as criaturas. As pessoas, em suas experiências religiosas, podem se situar em qualquer uma destas fazes.

Muitas pessoas remetem as causas dos seus males, tais como: doenças ou qualquer situação difícil a alguma entidade sagrada. Esta prática faz com que as pessoas se sintam liberadas da necessidade de enfrentar suas próprias fragilidades. Se não são elas as responsáveis pelas calamidades que atingem suas vidas, mas a origem do bem e do mal está no sagrado, também será este sagrado que deverá solucionar seus problemas. O "Espírito mau" pode ser a origem do mal, enquanto o "que é de Deus", o "Espírito bom", pode ser a origem do bem e da solução do mal.

É na experiência do sagrado que se pode encontrar sentido para a vida, com seus males e seus bens. Este fator faz com que as pessoas, ao não querer ou não poder enfrentar suas fragilidades e responsabilizar-se para resolvê-Ias, possam também culpar o sagrado pelos seus fracassos. Isto Ihes permite permanecer de cabeça erguida mesmo nas situações mais difíceis.

Através da experiência religiosa, o sagrado se incorpora nas coisas, nas pessoas ou nas situações, tornando-as também sagradas. Uma vez que coisas, pessoas e situações pertencem ao âmbito do sagrado, ninguém é responsável por elas, pois o sagrado foge ao controle e não se deve interferir em seu curso normal. A partir desta concepção, a experiência religiosa pode legitimar a manutenção de uma situação de opressão (é Deus quem quer assim). Mas pode também legitimar a luta por mudanças sociais (esta situação não está conforme a vontade de Deus, portanto deve ser mudada).

BIBLIOGRAFIA

ELlADE, Mircea. O sagrado e o profano, a essência das religiões. Trad. Rogério Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 1992. MARTELLI, Stefano. A religião na sociedade pós-moderna: entre a secularização e a dessecularização. Trad. Euclides Martins Balancin. São Paulo: Paulinas, 1995. OTTO, Rudolf. O sagrado. Trad. Prócoro Velasques Filho. São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista & Ciências da Religião, 1985.

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- Mito – Rito – Símbolo A concepção de sagrado muitas vezes é traduzida através de mitos; e a forma de

relações entre a pessoa e o sagrado normalmente é favorecida pelos diferentes ritos. Segundo Eliade (1972, p.7-23), o mito conta uma história sagrada; ele relata um

acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do "princípio". Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o cosmos, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma "criação": ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser.

O mito fala apenas do que "realmente" ocorreu, do que se manifestou plenamente. Os personagens dos mitos são os Entes Sobrenaturais. Eles são conhecidos, sobretudo pelo que fizeram no tempo prestigioso dos primórdios.

Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a sacralidade, ou simplesmente a "sobrenaturalidade" de suas obras. Em suma, os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado ou do sobrenatural no mundo. E mais, é em razão da intervenção dos Entes Sobrenaturais que o ser humano é o que é hoje, um ser mortal, sexuado e cultural.

O mito é considerado uma história sagrada e, portanto, uma "história verdadeira", porque sempre se refere a realidades que estão sendo vivenciadas pelas pessoas. O mito cosmogônico é verdadeiro, porque a existência do mundo aí está para comprová-Io; o mito da origem da morte é igualmente verdadeiro, porque é provado pela mortalidade humana, e assim por diante.

Pelo fato de relatar as "gesta" dos Entes Sobrenaturais e a manifestação de seus poderes sagrados, o mito se torna o modelo exemplar de todas as atividades humanas significativas.

Conhecendo o mito, conhecemos a origem das coisas, chegando-se conseqüentemente a dominá-Ias e a manipulá-Ias à vontade; não se trata de um conhecimento exterior, abstrato, mas de um conhecimento que é vivido ritualmente, seja narrando cerimonialmente o mito, seja efetuando o ritual ao qual ele serve de justificação.

Viver os mitos implica, pois, uma experiência religiosa, pois ela se distingue da experiência ordinária da vida quotidiana. Nessa experiência, deixa-se de existir no mundo de todos os dias e penetra-se num mundo transfigurado, auroral, impregnado dos Entes Sobrenaturais. Os mitos revelam que o mundo, as pessoas e a vida têm uma origem e uma história sobrenaturais, e que essa história é significativa, preciosa e exemplar.

Outra definição interessante de mitos que encontramos é a de Malinowski (1984, p.224-230). Este autor, ao tentar demonstrar a natureza e a função dos mitos nas sociedades primitivas, afirma que o mito é uma narrativa que faz reviver uma realidade primeira, que satisfaz as profundas necessidades religiosas, aspirações morais, as pressões e imperativos de ordem social, e mesmo as exigências práticas.

Nas civilizações primitivas, o mito desempenha uma função indispensável: ele exprime, enaltece e codifica a crença; salvaguarda e impõe os princípios morais; garante a eficácia do ritual e oferece regras práticas para a orientação humana. Mito, portanto, é um ingrediente vital da civilização humana. Longe de ser uma fabulação vã, ele é ao contrário, uma realidade viva, à qual se recorre incessantemente; não é absolutamente uma teoria abstrata ou uma fantasia artística, mas uma verdadeira codificação da religião primitiva e da sabedoria prática. BIBLIOGRAFIA DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. S.P.: Paulinas, 1989. ELlADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Trad. Rogério Fernandes. S.P.: Martins Fontes, 1992. MALlNOWSKI, Bronislaw Kasper. Argonautas do Pacífico Ocidental. Trad. Anton P. Carr e Ligia Aparecida Cardieri Mendonça. São Paulo: Abril Cultural, 38 ed., 1984. O'DEA, Thomas F. Sociologia da religião. Trad. Dante Moreira Leite. São Paulo: Pioneira, 1969. OTTO, Rudolf. O sagrado. Trad. Prócoro Velasquez Filho. São Bernardo do Campo, Imprensa Metodista, 1985.

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COMPARAÇÃO ENTRE MITO – SÍMBOLO – RITO

mitos símbolos ritos origem realidade humana

realidade social Há uma realidade humana e social cheias de interrogações, injustiças

sofrimentos e angústias; uma forma de dar sentido a elas é deixá-las em contato ou vinculá-las ao sagrado, assim deixa-se de precisar procurar os ‘porques’. Sendo assim, cria-se uma estória relacionada com a origem, ligada com uma entidade sagrada � mitos. Estes são gerados por um lento e amplo processo cultural e quando gestados são legitimados pelas questões colocadas pela própria cultura (presente com valores, sentidos e questões que a sociedade quer para si, isso a legitima). O mito é uma narração que por si só leva sua mensagem, se precisar dar explicações sobre o conteúdo do mito ou ele não está mais explicitando a realidade da sociedade ou a sociedade perdeu vínculo com ele. Quando se estuda os mitos, existem duas perguntas a serem respondidas: ‘qual a realidade social humana presente?’ e ‘qual o recado/mensagem que ele devolve para a sociedade?’

Símbolo vai in vocar: Rito

- o significado do mito - uma imagem - um sentimento - uma realidade humana e social - pode falar por ele mesmo, exemplo: o presépio evoca a história de Jesus

- através da ação, revive o conteúdo do mito; - atualiza, faz acontecer novamente o evento; - e junto com isso a realidade humana (� atualização � eficácia) e dá sentido a esta realidade

- Seitas e Igrejas As pessoas, nas diferentes comunidades, elegem um local privilegiado onde o

sagrado se concentra. Pode ser uma pessoa, um lugar, uma árvore, um rio, um objeto ou outro símbolo qualquer que evoque uma experiência religiosa primordial, e onde as pessoas crêem que o sagrado ali permanece. É nesses locais que o sagrado se manifesta, se revela, onde ocorre a hierofania.

A hierofania pode ir desde a manifestação do sagrado num objeto qualquer, uma pedra ou uma árvore, até a hierofania suprema para um cristão, que é a encarnação de Deus em Jesus Cristo. As almas, os deuses e os demônios, isto é, os poderes sobrenaturais na maioria das vezes são concebidos desta forma.

A regulação entre estes seres sobrenaturais e as pessoas humanas é que constitui o domínio da ação religiosa, surgindo então o que denominamos como o fenômeno religioso. A palavra fenômeno vem do grego "tà phainàmenon", significa "aquilo que aparece", "aquilo

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que se mostra". Portanto, fenômeno religioso significa um sagrado que se mostra, que se revela.

Ao conjunto de concepções do sagrado, dos mitos que explicitam como se dá a presença do sagrado no mundo e dos rituais criados para favorecer as relações das pessoas com o sagrado é que se denomina "religião" Muitas pessoas: benzedeiras, pajés, curandeiros, pais e mães de santo, pregadores populares, puxadores de rezas etc. acreditam ser eles próprios os objetos da hierofania. A compreensão de que Deus se serve deles para se manifestar Ihes dá a certeza de legitimidade e de exclusividade ao realizar sua missão.

Uma vez entendendo-se como objetos da hierofania, as pessoas passam a desenvolver formas de conduzir outras pessoas a fazer parte de seu sistema de crenças. Para isto, criam uma série de gestos, palavras e objetos sagrados, ou seja, criam ritos que possam favorecer a experiência religiosa das outras pessoas e levá-Ias a alcançar as graças esperadas.

Muitas vezes estas pessoas que se acreditam como objetos da hierofania e criam ritos para favorecer a experiência religiosa de outras pessoas acabam por criar novas religiões. Weber denomina estas pessoas como carismáticas, ou seja, pessoa dotada de carisma. Segundo Weber (1991, 158-167), carisma se refere a qualidade pessoal, considerada extracotidiana, em virtude da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanos ou, pelo menos, poderes extracotidianos específicos, ou então se a toma como enviada de Deus, como exemplar, portanto, como líder. O reconhecimento de uma pessoa como carismática pode resultar em uma entrega crente e inteiramente pessoal, nascida do entusiasmo ou da miséria e esperança da pessoa que o reconhece como tal.

Weber (1991, 158-167) afirma ainda que, em sua forma genuína, a relação entre a pessoa carismática e seus seguidores é de caráter especificamente extracotidiano. É uma relação estritamente pessoal, ligada à validade carismática de determinadas qualidades pessoais do carismático e à prova destas. Quando esta relação assume o caráter de uma relação permanente, formando uma comunidade de correligionários, é necessária uma modificação substancial: institucionaliza-se o carisma.

A institucionalização do carisma se torna necessária, uma vez que há um interesse ideal e material dos seguidores, em continuar a existência da relação. A continuidade do exercício do carisma exige que este seja colocado sobre fundamentos cotidianos duradouros: organizado juridicamente e economicamente.

Esta necessidade se torna mais nítida quando desaparece a pessoa portadora do carisma e surge a necessidade da sucessão. O resultado da rotinização do carisma pode desembocar em instituições de tipo igrejas. Ou seja, os discípulos do carismático institucionalizam o carisma: criam um corpo doutrinal, práticas cultuais e uma organização sacerdotal, isto é, uma igreja.

A doutrina se distingue do mito por ser mais orgânica, argumentativa e racional, além de estar voltada para a interpretação da realidade. A passagem de mito à doutrina segue vários estágios: coletas dos mitos espalhados num único ciclo, formação de ciclos de mitos homogêneos, consolidação de um verdadeiro e próprio corpo doutrinal: a teologia.

Este discurso racional sobre o divino, a teologia, é guardada em livros sagrados. Os sacerdotes têm a função tanto de compor o discurso racional sobre a divindade como a de guardiões da tradição teológica. Os textos sagrados passam por um processo de interpretação e comentários, a fim de se tornarem mais compreensíveis mesmo nas mudanças de condições históricas.

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Este processo de interpretações e comentários dos textos sagrados é realizado por diversas escolas teológicas, às vezes em forte conflito devido à preferência dada a uma ou outra das três questões principais da teologia:

Deus, o mundo e o homem. Este fator muitas vezes gera rupturas e a formação de outras igrejas.

Quanto as formas organizadas de ação na sociedade, as organizações religiosas se compõem em: Igreja, seita e misticismo.

As igrejas se caracterizam mais por uma atitude de tolerância para com as estruturas do mundo que são "conseqüências do pecado", por tentativas de remediá-Ias, sem, contudo, deixar de rejeitá-Ias intimamente. As igrejas tendem à universalidade, isto é, ter a mesma extensão da sociedade; acolhem todas as pessoas e Ihes distribui os meios da graça. Esta função integradora das igrejas exige que estas mantenham um compromisso com as diversas formas de comportamento existentes numa dada sociedade e a aceitar os principais elementos presentes na estrutura social existentes. As igrejas caracterizam-se ainda por uma estruturação hierárquica interna.

As seitas apresentam-se como grupos que adotam atitudes de intransigências para com o "mundo", isto é, rejeitam comportamentos e instituições das sociedades às quais pertencem, julgando-os corruptos. Os membros das seitas se propõem à obediência literal dos textos sagrados, desprezando as adaptações aceitas pelas igrejas. Por não aceitarem compromissos com o mundo, chegam a se isolarem da sociedade, permanecendo na expectativa do iminente reino de Deus. Os membros da seita visam à perfeição individual e ao ascetismo. A seita é hostil ou indiferente ao Estado e contrária à ordem eclesiástica.

O Misticismo representa o polo da religiosidade de tipo individual; designa a procura de uma experiência religiosa de tipo íntimo que acontece freqüentemente em grupos bem pequenos, os quais se distanciam abertamente, bem mais que a seita, da tradição religiosa eclesial. O misticismo é a tradição individual do protesto contra a redução da experiência religiosa a formalismos nos ritos, a racionalismos nas doutrinas, a burocracias na organização eclesial.

BIBLIOGRAFIA

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Trad. Sergio Miceli et aI. São Paulo: Perspectiva, 1974. DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. Trad. Joaquim Pereira Neto. São Paulo: Paulinas, 1989. ELlADE, Mircea. O sagrado e o profano, a essência das religiões. Trad. Rogério Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 1992. MARTELLI, Stefano. A religião na sociedade pós-moderna: entre a secularização e a dessecularização. Trad. Euclides Martins Balancin. São Paulo: Paulinas, 1995. O'DEA, Thomas F. Sociologia da religião. Trad. Dante Moreira Leite. São Paulo: Pioneira, 1969. OTTO, Rudolf. O sagrado. Trad. Prócoro Velasques Filho. São Bernardo do Campo, Imprensa Metodista & Ciências da Religião, 1985. WEBER, Max. Economia e sociedade. Trad. Regis Barbosa e Karen Barbosa. Brasilia: Universidade de Brasília, 1991.

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13

Rev. Latino-Am. Enfermagem 18(6):[08 telas]

nov-dez 2010 www.eerp.usp.br/rlae

Artigo Original

RREELLIIGGIIÃÃOO EE EESSPPIIRRIITTUUAALLIIDDAADDEE:: UUMM OOLLHHAARR DDEE PPRROOFFIISSSSIIOONNAAIISS DDEE

SSAAÚÚDDEE1

Joelma Ana Espíndula2

Elizabeth Ranier Martins Do Valle3 Angela Ales Bello4

O estudo teve por objetivos compreender como profissionais de saúde significam religiosidade e fé dos pacientes em tratamento de câncer, e como experienciam esse fenômeno. Trata- se de pesquisa qualitativa-descritiva, sob o referencial de análise fenomenológica em Stein e Ales Bello, um modo de compreender o ser humano na sua totalidade - física, psíquica e espiritual. A maioria dos profissionais de saúde se diz espiritualista, dois são católicos, um médico se diz budista e uma médica espírita. Acreditam que a religião é inerente a todo ser humano. Os convictos de suas religiões creem na proteção divina e reconhecem a religiosidade como sustento e conforto para o paciente e seus familiares enfrentarem a situação de adoecimento. Eles esperam que esses enfermos vivam a sua fé com prudência e sempre aderindo à realidade. Descritores: Neoplasias; Religião; Espiritualidade; Pessoal de Saúde.

1 Artigo extraído da tese de doutorado “O significado da religiosidade para pacientes com câncer e para profissionais de saúde”, apresentada a Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, processo nº 05/53574-8, e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, processo nº 0670/07-3.

2 Psicóloga, Doutor em Ciências. E-mail: [email protected]. 3 Psicóloga, Livre-Docente, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro

Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: [email protected].

4 Filósofa, Professor Doutor, Universidade Pontifícia Lateranense de Roma, Itália. E-mail: [email protected].

Endereço para correspondência:

Joelma Ana Espíndula

Rua Gentil Dias da Silva, 284 B

Bairro Nossa Senhora das Graças

CEP: 35060-190 Governador Valadares, MG, Brasil E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

Atuar com pessoas com câncer é sempre

um desafio devido à complexidade da

situação. Exige o trabalho de diferentes

profissionais, trabalhando juntos com o

mesmo paciente e a família, quando preciso.

Sabe-se que a doença - significa uma ameaça à

vida - golpeia, atinge cada pessoa envolvida

em sua totalidade biopsicossocial, mas,

igualmente, nos aspectos espirituais.

Portanto, a assistência necessita abranger

estas dimensões: afetiva/ emocional,

psicossocial e espiritual desse paciente e dos

cuidadores (familiares e profissionais de

saúde).

O artigo teve por objetivo, sob a visão da

antropologia filosófica de Stein(1-2)

, apresentar

um modo de compreender como os

profissionais de saúde (dentista, médicos

residentes e contratados, enfermeira, auxiliar

de enfermagem, psicóloga) percebem a

religiosidade e a espiritualidade de seus

pacientes, em tratamento de câncer, e como

esses profissionais vivenciam a sua própria

espiritualidade.

Estudos sobre temas referentes à psico-

oncologia, religiosidade e espiritualidade vêm

crescendo no Brasil e no exterior.

Estudo qualitativo-descritivo, através de

levantamento bibliográfico, enfoca, como

objetivo, questões sobre a morte e o morrer

na avaliação bioética, feita pelos profissionais

da saúde. Apresenta- se indispensável ao

profissional de saúde superar as dificuldades

inerentes à relação médico/paciente baseada na

“tentação tecnológica”, isto é, de ver o paciente

apenas por partes. Deve-se buscar reunir os

fragmentos e compor, novamente, o todo desse

indivíduo, muitas vezes, tão violentado e, desse

modo, estabelecer compromisso com a vida,

entendida como o bem maior de cada ser e digna

de respeito. Questões limites sobre vida e morte

como “até quando prolongar a vida?” ou “qual o

objetivo da medicina: cuidar de índices

fisiológicos ou de pessoas?”, “e quando o

tratamento causa mais sofrimento do que

benefício?”. Questões que se apresentam aos

profissionais de saúde (sobretudo ao médico) que

percebem não encontrar respostas prontas,

provenientes de sua formação acadêmica, pois se

trata de questões relacionadas à condição

humana, sua finitude, incerteza e

transitoriedade(3)

.

Mesmo que a cura não ocorra, os cuidados

paliativos podem trazer qualidade ao restante de

vida do paciente. É importante mencionar que a

definição de cuidados paliativos da Organização

Mundial de Saúde, além da dimensão

biopsicossocial, abrange a dimensão espiritual.

De acordo com estudos realizados, segundo

relatos, as recomendações práticas são melhores

com a implementação do cuidado espiritual no

tratamento paliativo. Para muitos, a questão da

espiritualidade ocorre dentro do contexto de

uma tradição religiosa explícita; para outros pode

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ser como um jogo de princípios filosóficos ou

de experiências significativas(4-5)

Realizado importante estudo para

investigar a influência da espiritualidade na

saúde, foi aplicada a 464 universitários (dos

cursos de medicina e direito) de Pelotas, RS,

uma escala sobre bem-estar espiritual

(SWBS), por psicólogos ou estudantes de

psicologia, levando-se em consideração que,

hoje, o bem- estar espiritual é fator de

segurança para evitar o desencadeamento de

transtornos psiquiátricos menores nesses

futuros profissionais. Os resultados

mostraram que 80% dos alunos responderam

ter crença religiosa ou espiritual e 86,5%

deles faziam uma ou mais atividades

espirituais como, por exemplo: oração,

meditação, leituras de textos religiosos

(cristianismo, judaísmo e islamismo). O

estudo destaca que, no grupo dos estudantes

de direito e de medicina, frequentam

religiões proféticas, monoteístas e espíritas. A

contribuição dessa pesquisa, segundo os

autores, foi promover a saúde mental e

sugerir aos futuros profissionais exercitar as

suas atividades espirituais, o que poderia

influenciar, psicodinamicamente, sentimentos

positivos como a autoestima, os aspectos

psicossociais e espirituais. Experienciar uma

filosofia de vida positiva possibilita à pessoa

ter maior consciência e responsabilidade das

coisas que tem a fazer, não eliminando os

conflitos surgidos, mas, ao mesmo tempo, se

não busca resolvê-los não realiza os desejos, as

necessidades e as exigências que cada de um tem

no mais íntimo de seu ser(6)

.

Um estudo, feito com psicólogos em

atendimento a pacientes com câncer, buscou

identificar o significado da fé religiosa para eles

em seu trabalho, através de entrevistas

semiestruturadas. Alguns psicólogos, em seus

discursos, revelaram que não se pode falar de

religião durante a sessão, pois não acreditam que

a fé religiosa seja o melhor caminho para

proporcionar sentimentos de conforto e bem-

estar. Já outros psicólogos valorizaram a fé

religiosa, fazendo parte da rotina desse

profissional, sendo chamada, pelo autor “energia

transformadora, esperança”. A pesquisa concluiu

que metade dos psicólogos acredita que ter fé

religiosa seja o melhor recurso para enfrentar a

situação de adoecimento e que é possível existir

espaço tanto para a ciência como para os

aspectos psicoespirituais. Em alguns serviços de

oncologia, já se reconhece a necessidade de,

além do psicólogo, o capelão fazer parte da

equipe, independente de uma ordem religiosa.

Estudo qualitativo foi realizado com cinco

capelães (dois católicos, dois pastores e um

rabino) para identificar o significado da fé

religiosa, no seu trabalho com pacientes idosos

com câncer, e como veem a fé religiosa dos seus

pacientes. Foram realizadas entrevistas

semiestruturadas com esses capelães, e o

primeiro resultado se apoia na fé, e essa passa a

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ser a resposta para todas as circunstâncias e

instantes da vida, direcionando seu sentido(7)

.

Foi realizado, de forma sistemática, um

método de atendimento ao paciente

terminal, servindo de modelo para que outros

profissionais da área da saúde pudessem

também vir a utilizar essa técnica com seus

próprios pacientes. Sete profissionais de

saúde, incluindo dois enfermeiros, uma

médica, três psicólogas e uma voluntária

atenderam, cada um, dois pacientes terminais

em 2004, no hospital, seguindo as etapas para

o desenvolvimento de intervenção

psicoterapêutica. O objetivo desse estudo foi

aplicar e avaliar um programa de treinamento

(curso de capacitação) para os profissionais de

saúde, através da intervenção terapêutica

para doentes terminais “relaxamento,

imagens mentais e espiritualidade” (RIME),

ressignificando a dor espiritual dos pacientes.

Os resultados desse estudo quantitativo e

qualitativo foram que todos os profissionais

se sentiram bem utilizando essa nova técnica.

Os profissionais de saúde mostraram melhor

enfrentamento do seu luto pessoal e do seu

crescimento psicoespiritual, tanto no âmbito

profissional como pessoal. Um dado relevante

é que essa técnica (RIME) se dirige aos

pacientes que acreditam na vida espiritual

após a morte(8-9)

.

Pode-se concluir que os estudos

apresentam a necessidade de o profissional

de saúde estar atento à fé religiosa de seu

paciente, ou seja, reconhecer sua dimensão

espiritual, na medida em que essa lhe traz

estímulo, coragem e esperança para encarar a

própria doença. Sinalizam também que é

importante ter um psicólogo e um capelão

preparados para ouvir os pacientes e procurarem

estar em sintonia espiritual (transcendente) com

esses, porque essa postura pode ter o papel de

auxiliar os pacientes a construir um sentido ao

viver um sofrimento inerente à doença, o que

poderia facilitar, para os profissionais de saúde, a

dimensão do cuidado ao enfermo.

O presente estudo é inovador no Brasil e no

exterior na área da saúde, especificamente em

oncologia, religiosidade e espiritualidade

fundamentadas sob o referencial de análise em

Stein(10)

, na interpretação de Ales Bello, uma vez

que ainda não existem pesquisas sob essa visão

nessa área da saúde e, dessa forma,

possibilitando novo olhar para a realidade.

O método fenomenológico foi escolhido para

responder às perguntas que deram origem a essa

pesquisa, considerando ser adequado à reflexão

sobre profissionais de saúde, como percebem a

espiritualidade de seu paciente e conhecer as

vivências deles (profissionais) em relação à

religiosidade e à espiritualidade.

Espera-se, aqui, que possa inspirar os

profissionais da área de saúde, assim como os

professores a desenvolverem nos alunos a sua

humanidade e prepará- los para lidar com a tríade

paciente-equipe-família.

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MÉTODO

O referencial teórico-metodológico de

Stein(10), conforme Ales Bello, privilegia o

aspecto subjetivo e intersubjetivo,

destacando a unidade da pessoa, buscando

ampliar o foco científico, imprescindível, nesse

caso, envolvendo profissionais de saúde. A

metodologia de orientação fenomenológica se

apresenta como recurso apropriado para

pesquisar as vivências (percepção, memória,

reflexão, decisão) e possibilita ampliar a

compreensão em relação ao fenômeno

vivido. Focaliza a experiência vivida e capta o

significado atribuído pela pessoa a essa

vivência. No presente estudo, está dirigida

para as percepções que os sujeitos têm

daquilo que está sendo investigado: a vivência

de profissionais de saúde, como percebem a

religiosidade e espiritualidade de seus

pacientes e como vivenciam a sua própria(11)

.

Uma concepção sobre a pessoa é ela

possuir uma dimensão corporal, psíquica e

espiritual, e, nessa unidade, as dimensões são

externamente independentes dela, e

internamente completam-se num organismo

que se ordena e subordina por uma natureza

própria. Concluindo, a alma humana é o

centro do ser que tem uma natureza

tridimensional: espiritual, psíquica e física. O

ser humano não é somente psicofísico, é

também espiritual - esse é o ponto essencial -

e é a partir dessa dimensão que se mostram

as outras partes do indivíduo, pois a alma (ou

psique) tem apenas um núcleo. Pode-se dizer que

toda a trilogia da pessoa (espiritual, psíquica e

física) está predisposta a esse processo de

desenvolvimento, pois a pessoa somente pode se

tornar algo daquilo que já tem marcado em seu

ser pessoal. Ao experimentar em si o mundo

externo, a pessoa é influenciada e formada pelo

ambiente cultural que se encontra e na

possibilidade de mudar a direção desse ambiente

formador(12)

.

Quando qualquer pessoa está diante de uma

coisa ou pessoa, ocorrem reações externas e

internas, que podem se tornar sentimentos,

desejos e intenções. Uma experiência simples,

vivida por todos, é a de ter algum objeto diante

de si: por exemplo, um copo de água, o que

percebo? Um conjunto de sensações. Ao

experienciar algo dentro de si mesmo (copo), a

pessoa percebe sua vivência (erlebnis) diante

desse objeto, o que pode possibilitar ao

pesquisador identificar estruturas no sujeito que

faz a experiência e apreende as características

particulares desse objeto que está fora dele

(sujeito)(13)

. O que foi dito se refere ao conceito

de vivência consciencial, e se pode observar isso

aplicado às ciências (psicologia, enfermagem,

nutrição, medicina, assistência social, terapia

ocupacional, dentre outras).

A atitude fenomenológica parte da

experiência entre o pesquisador e o sujeito. A

análise da estrutura da vivência do sujeito

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possibilita compreender horizontes

existenciais onde a experiência possa se

desenvolver. A análise fenomenológica se

apoia no sentido das experiências vividas para

chegar à essência dessas vivências, enquanto

descrição que não para na factualidade, mas

que quer conhecer intuitiva e imediatamente

esse dado essencial (vivências) na etapa em

que o método fenomenológico chama

redução eidética. E é pela redução

transcendental que, subjetivamente, o

pesquisador chega à experiência vivencial

do(s) sujeito(s) do estudo, fazendo suas

reflexões. Esse processo reflexivo compara-se

a uma escavação: inicialmente é feito em

nível da consciência, através da percepção, da

memória e, também, em nível passivo (aquilo

que já havia sido apreendido anteriormente)

que pode ser objeto de uma “escavação”(14)

Nessa visão de alma, a psique é

apreendida estruturalmente como uma psique

unida e alterada pelo espírito. Essa dimensão

(espírito) é identificada como atividade do eu

que atualiza as capacidades de se voltar para

os objetos interiores, constituídos a partir das

vivências da pessoa, que envolve apreensão,

elaboração de significados e posicionamento

livre diante dessas experiências, ou para os

objetos externos do mundo cultural ou

natural. As vivências da psique estão

simultaneamente influenciadas pela vida

espiritual, que capta o significado apreendido

pela corporeidade, pelo estado vital (saúde ou

doença), pela intensidade da força vital sensível

(como percebe as coisas, a potencialidade com

que as compartilha com as outras pessoas,

podendo atualizá-las ou não) e pela tensão da

pessoa (que apreende os objetos e se posiciona

voluntariamente frente a eles). A expressão

empatia ou intropatia é usada frequentemente

quando se fica no lugar do outro, ou seja, viver a

experiência do outro, não a distinguindo entre

estrutura e conteúdo das experiências vividas.

Nessa visão, distingue que o ato empático é a

possibilidade de reconhecer a vivência

compartilhada pelas pessoas sem perguntar ao

outro o que sente. Já se capta precedentemente,

antes de dizer qualquer coisa, justamente por

causa da estrutura universal do ser humano.

Entretanto, o conteúdo daquilo que é a coisa

vivida é individual (pertence ao mundo de cada

um). Sob essa perspectiva, o sentir do outro não

me pertence. Por exemplo, ao recordar os relatos

desses profissionais de saúde, retoma-se algo que

não é nosso e, consequentemente, transcende e

se busca compreendê- los dentro de seu

mundo/vida naquela circunstância vivida(15)

.

PARTICIPANTES

O critério de seleção para a concretização

deste estudo foi entrevistar os profissionais da

equipe de oncologia que atendem no

ambulatório CEON (Centro Especializado de

Oncologia) do Hospital Beneficência Portuguesa,

em Ribeirão Preto, Estado de São Paulo. Foram

realizadas 11 entrevistas com esses profissionais

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da oncologia (3 médicos, 4 residentes, 1

enfermeira, 1 auxiliar de enfermagem, 1

dentista e 1 psicooncologista). Inicialmente, a

pesquisadora procurava agendar com eles um

horário viável para que pudessem participar

do estudo, mas, às vezes, não era possível ser

realizado o encontro, devido às muitas

atividades desses e à sua falta de

disponibilidade; nesse caso, sempre era

remarcado um novo horário. A maioria das

entrevistas foi realizada no próprio

consultório desses profissionais. Apenas com

a enfermeira e com a auxiliar de

enfermagem a entrevista foi realizada numa

das salas de atendimento médico disponível

do ambulatório.

PROCEDIMENTO

A pesquisa foi avaliada e aprovada pelo

Comitê de Ética da Escola de Enfermagem de

Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, e

só depois de sua aprovação foi iniciada a

coleta de dados.

Realizou-se a partir de uma aproximação

da pesquisadora aos profissionais de saúde,

em seu local de trabalho, ocasião em que era

solicitada a assinatura pelos participantes do

termo de consentimento livre e esclarecido,

que explicitava os objetivos da pesquisa e

seus procedimentos, além de garantir sigilo,

tendo os seus nomes, utilizados neste

estudo, fictícios. A partir daí, a pesquisadora

iniciava a entrevista com as perguntas:

“como o senhor percebe a questão da

religiosidade e da fé para os pacientes com câncer?

Como o senhor vê a fé na sua vida?”. Os

participantes podiam falar livremente e eram

feitas intervenções no decorrer da fala dos

profissionais para ampliar e aprofundar as suas

respostas com outras questões, quando fossem

necessárias e relevantes para o estudo.

Para obter o material discursivo, foco do

estudo de compreensão das vivências dos

profissionais de saúde, foram realizadas as

gravações das entrevistas com o uso do MP3

(gravador digital). Logo após cada entrevista, era

feita a transcrição na íntegra de suas falas. Todos

os participantes convidados aceitaram livremente

participar do estudo.

Para a análise compreensiva não é

preestabelecida a definição do número de

entrevistas a serem realizadas com os

profissionais de saúde. As entrevistas cessam

quando o pesquisador percebe nelas as

convergências de temas - falas comuns aos

entrevistados, o que indica que se está chegando

à essência da experiência vivida. As divergências

também são consideradas, tendo em vista o

objetivo do estudo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com base na análise do pensamento de Edith

Stein, considerou-se, aqui, importante

aprofundar o conhecimento e compreensão que

os profissionais de saúde (dentista, médicos:

residentes e contratados, enfermeira, auxiliar de

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enfermagem, psicóloga) têm a respeito da

experiência religiosa e espiritual de seus

pacientes com câncer(15)

.

Serão descritos esses elementos

estruturais da pessoa humana (corpo,

psíquico e espiritual) que estão entrelaçados

numa mesma unidade consciencial, impedindo

o pesquisador de omitir sua atenção da

materialidade, dar ênfase ao psíquico ou

desvalorizando a razão e a liberdade do outro.

Assim, analisa os sujeitos do estudo na sua

constituição estrutural e essencial de pessoa.

Num esforço interpretativo dessa filosofia

antropológica, como “instrumento” de

compreensão a respeito das estruturas da

pessoa (profissionais de saúde), descrever-se-

ão os três momentos tridimensionais, sendo

que, às vezes, se mostram juntos para melhor

compreensão de sua unidade, mas eles podem

ser “ativados” simultaneamente em cada

instante vivido.

Segundo a análise estrutural, e essencial à

luz da fenomenóloga Stein, emerge o núcleo

(tipologia) significativo – os profissionais

significam a fé e a religiosidade de pacientes

com câncer.

OS PROFISSIONAIS SIGNIFICAM A FÉ E

A RELIGIOSIDADE DE PACIENTES

COM CÂNCER

Os profissionais de saúde expressam a

sua opinião sobre a religião, seus dogmas e

crenças. Uma dentista diz: eu acredito nessa

proteção divina, mas eu não abro mão da

proteção da luva. Sempre que o paciente sai, eu

faço higiene na cadeira e nos materiais utilizados.

Procuro sempre me relacionar com a pessoa que

está ali, não com o aidético, com o canceroso ...

trato sempre assim, com asseio, de um para o

outro (Maria, dentista). Maria parece mostrar

não somente atendimento científico (técnico)

com seu paciente, mas também afetivo,

auxiliando-o a pensar, refletir, avaliar e fazer um

juízo verdadeiro da sua situação, que pode

parecer difícil se for olhado só por ele.

O profissional de saúde, ao tomar consciência

da própria experiência vivida em sua

corporeidade, vivencia a percepção do outro

semelhante a si, como alter ego, alguém que tem

uma estrutura humana semelhante à sua. Dentro

dela tem um ser que precisa se posicionar no

mundo. O ato da percepção está atrelado ao ato

específico da empatia. Essa operação é anterior

ao refletir e ao elaborar a vivência. Empatia é

captar o outro como sendo um “eu” como o do

próprio sujeito que capta um alter ego que acolhe

o outro na sua intersubjetividade(16)

.

Frente a isso, os profissionais de saúde falam

sobre como percebem a fé em Deus ou em Algo

Superior em seus pacientes com câncer. Uma fala

significativa da enfermeira: a maioria dos

pacientes fala que fizeram muita oração em

Nossa Senhora Aparecida. Mostram muita fé

em Nossa Senhora ... que foram curados não só

pela fé ... mas, junto, os pacientes falam de

aceitar fazer o tratamento (Sueli, chefe,

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enfermagem). A enfermeira mostra que, ao

se sentir motivada interiormente, no

relacionamento com o paciente numa postura

de amor e de atenção, vai além da

preocupação física de como está reagindo o

enfermo à doença e ao tratamento.

Cuida também dos aspectos

afetivo/emocional, psicossocial e espiritual.

Um outro profissional ainda questiona:

“o que é compaixão?”. Em suas palavras: o

significado é compartilhar a vida de Cristo

(...) A vida não é um Calvário?

Quando se compartilha dessa paixão com o

outro, tenta-se fazer com que esse Calvário

não seja tão pesado ... Ao invés de só Cristo

carregar a cruz ... Ela ficaria menos pesada ...

(João, radioterapeuta). Para ele, a fé pessoal é

um apoio para suportar e compartilhar a

jornada sofrida com o outro.

Alguns profissionais de saúde questionam

que Algo atua e traz mudanças de atitudes e de

comportamentos aos pacientes, quando esses

querem. Eles dizem, ainda, que esse Algo - a

fé e os milagres - ainda não são reconhecidos

pela ciência. O que está chamando de

religião? A religião é uma experiência de

ligação com alguma coisa Superior. Acho que

é inerente ao ser humano. Agora se vai ser o

catolicismo, o protestantismo, a pentecostal,

aquela expectativa que possa interferir no

processo aqui (tratamento)

... Creio que existe Algo Superior que guia a

sua própria vida (Paulo, chefe, oncologia).

Nenhum profissional de saúde pôde ser

considerado como ateu. A vivência religiosa

de cada um deles varia conforme o modo de

apreender o sentido da vida e o da morte, o da

doença e o da saúde. Alguns desses profissionais

não frequentam nenhuma religião. Alguns se

dizem espiritualistas, mas acreditam que a religião

é inerente a todo ser humano. Acreditam nos

valores humanos e trazem sua experiência

“religiosa pessoal”. Mostram “acreditar” nos

milagres da Igreja, através de um “processo”, por

meio do qual a pessoa consegue mudar o modo de

olhar as coisas, rever seus conceitos e seus

comportamentos. Pode-se viver a religiosidade

pessoalmente, mas parece impossível uma

espiritualidade que não esteja em comunidade, em

relação com o outro, porque a vida não pode ser

realizada por si mesma.

No geral, os profissionais de saúde significam

como percebem o papel da religião e da

espiritualidade na vida de pacientes com câncer.

Um médico diz: sei que os pacientes têm isso (fé

em Deus) como a tábua da salvação. Essa é a

maneira também que eles têm para fazer tudo que

eles podem, porque nós sabemos que o tratamento é

mesmo limitado. Não tem nenhum “dom mágico”

para tratar a doença ... Tenho muita fé no ser

humano ... (Rafael, oncologista contratado). Aqui,

Rafael procura olhar para os valores humanos de

seu paciente, olha para singularidade de cada um,

que tem um nome, sobrenome e uma história de

vida. Outra citação de uma enfermeira: tem alguns

pacientes que são rígidos ... não olham quando

estou puncionando. Eles nem olham para

televisão, nem piscam ... Eles colocam a mão na

frente para impedirem que os olhos vejam a

televisão. Eles seguem à risca o que a igreja pede

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... Alguns até abandonam o tratamento e

acreditam que serão curados (Sueli, chefe,

enfermagem). Ela descreve que alguns

pacientes são influenciados pelos discursos

dos pastores das igrejas que frequentam. Os

pacientes acreditam que serão curados apenas

fazendo orações, que não precisam seguir o

tratamento oncológico.

Quando não há abertura para a formação

de um vínculo, os profissionais de saúde se

queixam da falta de colaboração e de adesão

dos pacientes às orientações necessárias para o

bom andamento do tratamento. Diante disso,

os profissionais manifestam sentimentos de

tristeza, parecendo se sentir frustrados em seu

papel a ser desempenhado.

A vida é um mistério infinito, cada sujeito

é muito mais que o seu próprio limite, tem um

“núcleo pessoal” ou “centro da pessoa” que

pode sempre se desenvolver e crescer. Sob

essa visão, a pessoa percebe sua exigência de

ser e de se posicionar no mundo porque possui

uma força vital. É através dessa força que cada

um se posiciona e se situa nas circunstâncias

no mundo da vida. Mas, ela não é apenas

espiritual, ou apenas psicológica, ou apenas

biológica. A força da pessoa é uma unidade,

entre dimensões do espírito e dimensões

naturais(17)

.

Os profissionais de saúde relatam suas

experiências religiosas. Um relato da dentista

diz: a minha vida é toda movida pela fé ... os

meus relacionamentos ... as coisas que faço ...

Sinto que é uma fé madura ... Antes, eu

acreditava que era preciso alcançar isso para

ter fé; hoje não, eu me doo sem esperar nada em

troca. Só de ver os pacientes bem e poder

contribuir com meu trabalho, isso já me faz bem

(Maria, dentista). Ela expressa sua experiência

vivida com emoção e paixão, ao realizar a

profissão com fé religiosa junto aos pacientes e

aos outros profissionais. Sueli ainda diz: tem hora

que se estivesse sozinha não suportaria. Sei que o

Senhor está comigo, Ele me ajuda muito ... sei que

algo está guiando minhas ações ... (Sueli,

enfermeira chefe). Ela acredita na proteção divina.

Tem, na palavra de Deus, proteção e sustento para

suas ações. Ela reza cotidianamente no próprio

trabalho para ser fortalecida por Deus e por Nossa

Senhora Aparecida para que seja guiada, no

caminho da vida, com fé e proteção Deles.

A religião é vivenciada por Maria (dentista) e

Sueli (enfermeira) como dimensão mais humana e

verdadeira de si mesmas. Relatam experiência

de fé e conforto no trabalho. Elas concebem suas

vivências como um momento espiritualmente

intenso e de crescimento pessoal. Ainda podem

ser exemplos de modelo no trabalho, pois mostram

vivê-lo com amor, ao se aproximar e se “jogar” por

inteiro na relação com os pacientes e com os

outros profissionais da equipe. Assim, elas

mostram como conseguem superar a jornada

cotidiana na oncologia, com alegria e esperança

no rosto.

Para se ter experiência religiosa é preciso

partir da sua própria vivência. Essa não se pode

jamais destacar totalmente de seu

condicionamento religioso e da sua cultura vivida.

A característica essencial do Cristianismo é o

amor. Então, ao se perceber a potência em uma

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figura específica, se pode crer na encarnação

de Deus em forma humana, ou seja,

apresentado aqui na Terra como figura

humana. “Deus é essencialmente vontade,

desce e dirige a salvação em si mesmo”.

Parece que o ser humano busca viver o senso

religioso de algo ou de alguma coisa - o mais

abrangente e profundo sentido que possa

encontrar em sua vida. E esse sentido último é

o religioso. O homem religioso busca poderes

superiores (poder absoluto) para compreender

e governar a sua vida. O homem sabe que é

finito na temporalidade e na espacialidade e,

por isso, procura Algo que o ultrapasse(18)

.

No geral, os profissionais de saúde

significam a importância do apoio espiritual e

religioso para os pacientes com câncer e sua

família, mas essas experiências devem ser

vividas como sustento, proteção e prudência,

sempre aderindo à realidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A maioria da equipe apresenta um modo

naturalista e pragmático de ver as coisas, sendo

que isso parece ser influência do pensamento

científico que predomina na mentalidade dos

profissionais de nossa cultura. Com a pós-

modernidade, a biotecnologia, a biologia

molecular, a descoberta de tantos novos

produtos farmacêuticos para a cura da doença,

e, embora esteja havendo evolução nessa área

médico/medicamentosa, está se perdendo a

dimensão humana. Precisa-se levar a sério

isso, e a primeira coisa a se pensar é que, para

trabalhar com seres humanos, é necessário que

se saiba quem é esse ser humano que se estuda.

Há muitas visões de homem e de mundo. Deve-

se, então, conhecer que concepção cada

profissional traz para o trabalho e que

consequências isso pode criar.

Parece ser essencial que todos os integrantes

de uma equipe atuem com a mesma filosofia e

meta de trabalho. Que cada um compartilhe com

seu grupo as possibilidades de decisões, sempre

partindo da ideia do que é melhor para o seu

paciente no momento em que esse solicita ajuda e

apoio. Nesse sentido, é importante que, desde a

sua formação, o profissional aprenda a olhar para

seu paciente e se permita escutar o outro dentro de

si. Deve sempre pensar que cada paciente é único

e se perguntar: qual é a melhor conduta, nesse

momento, para esse paciente?

O profissional de saúde deveria ser o meio

para ajudar o paciente a retomar o sentido de sua

vida, mesmo com uma doença grave, como é o

câncer. Como se poderia fazer isso? Ajudando-o a

se perceber e a se conhecer nesse processo. Além

disso, que a equipe multiprofissional proporcione

apoio, conforto e esperança de um futuro para o

paciente e sua família, mesmo que, às vezes, a

cura não ocorra. Nenhum ser humano vive no

mundo sem alguma esperança na vida.

Espera-se, aqui, que todos os profissionais de

saúde (psicólogos, médicos, nutricionistas,

fisioterapeutas, capelães, enfermeiros e auxiliares,

dentre outros) se perguntem se não terão o direito

de buscar o apoio de uma religião, assim como o

de outras comunidades, para melhor conviverem

com a situação de doença em si mesmos, tal como

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em seus semelhantes, para viverem a possibilidade de uma “morte suave” e digna.

REFERÊNCIAS

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EDUSC; 1998.

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profissionais de saúde: algumas reflexões. Bioethikos. 2007;1(1):68-75.

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current theory. New York: John Wiley;1982. p. 224-35.

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espiritual e transtornos psiquiátricos menores: estudo transversal. Rev Saúde

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Bauru (SP): EDUSC; 2004.

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Laterza; 2009.

14. Ales Bello A. Il percorso umano e intellettuale di Edith Stein. In: Shahid M,

Alfieri F. Il percorso intellettuale di Edith Stein. Bari: Giuseppe Laterza; 2009.

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RREELLIIGGIIÃÃOO:: CCAAMMIINNHHOO PPEELLAA HHIISSTTÓÓRRIIAA

- Sobrevivência, Saúde e Sagrado nas Sociedades Tribais Sociedades tribais: organização do trabalho (caça, pesca e coleta). Esta forma de

produção exige um rígido controle do equilíbrio entre a densidade demográfica e a extensão de território disponível para extrair o alimento necessário à sobrevivência.

O principal meio de produção é a florestas, as águas e a terra. Tem como base um sistema de trocas regulado pelas relações de parentesco.

Organização social em famílias ou aldeias e clãs. O clã representa o espaço social, estruturado por um sistema de parentesco, que constitui a entidade social de referência à qual se identificam os indivíduos ou grupos.

É no nível do clã que se situa a instância da autoridade, que gera o uso do principal meio de produção (a terra), que resolve os conflitos importantes e ordena as atividades comuns ao conjunto dos grupos familiares. É no seio dos clãs que se dão os intercâmbios de mulheres.

As extensas famílias que compõem o clã possuem grande autonomia em relação à organização da vida material, de tal forma que se constituem em unidades auto-suficientes tanto no plano da organização da produção como no plano da distribuição do produto social.

As sociedades tribais são os primeiros sistemas em que aparecem as conotações religiosas como explicadoras e legitimadoras das relações sociais. As significações religiosas são de dois tipos: as que se elaboram em torno dos fenômenos da natureza e as ligadas às expressões sociais do grupo.

As representações religiosas elaboradas em torno das relações da pessoa humana com a natureza apresentam uma analogia. As forças da natureza são personificadas nos seres, tornando-os bons ou maus ou até mesmo ambivalentes.

Alguns clãs do sul da índia representavam as forças da natureza sob a forma de uma multidão de espíritos organizados por um chefe e dotados de uma vontade e uma inteligência superiores às das pessoas humanas.

Estes espíritos, ao seu bel-prazer, também eram eventualmente capazes de fazer o mal. Tratava-se sempre de espíritos ambivalentes, que podiam ser bons ou maus. O bem não era o contrário do mal, mas apenas sua ausência.

Desse modo a natureza apresentava-se como uma realidade boa em si mesma, que era perturbada por esses gênios na intenção de fazer o mal, não somente aos humanos, mas também aos animais e vegetais e a tudo aquilo que tem vida.

Por este motivo as pessoas procuravam se proteger de sua maldade, desenvolvendo práticas que visavam agradar ou afastar os perturbadores. Algumas vezes ofereciam alimentos a tais espíritos ou então, os criadores de gado imolavam uma vítima, na esperança de poupar outras.

Quando se tratava de preservar vidas humanas (em casos de doenças) intervinha no ritual um mediador capaz de entender e interpretar os sinais pelos quais a divindade (desta vez era a divindade e não os espíritos) comunicava o tratamento a ser seguido.

As religiões dos povos tribalistas são de caráter animista. Não procuram desvendar a relação entre causa e efeito que está na base da ordem das coisas.

Suas construções simbólicas têm a função de agir simplesmente ao nível dos efeitos. Neste sentido, o animismo corresponde às necessidades de sobrevivência imediata dos indivíduos e dos grupos. Trata-se de uma função de proteção desempenhada pela religião.

A vontade da pessoa humana pode influenciar as forças da natureza por meio de práticas rituais de natureza mágica. O objetivo destas práticas é o de neutralizar as forças adversas agindo direta e eficazmente sobre elas, o que geralmente exige a intervenção de um agente religioso, o feiticeiro, como mediador.

Atribuindo um sentido à natureza, a construção religiosa reduz a contradição que o grupo experimenta em sua vida cotidiana, dotando o próprio grupo de um meio para conjurar os efeitos de fenômenos cujas causas objetivas ele não domina. Assim, a religião preenche a função social de proteção e de reguladora das relações sociais de parentesco.

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As representações religiosas ligadas às expressões sociais do grupo têm como base o totem. O totem é um significante que remete a vários significados: representa o grupo enquanto unidade social; e, sendo o lugar de residência do divino, torna-se o meio através do qual é transmitida a vida cósmica ao grupo e a cada um de seus membros, na medida em que a ele se associam.

Como o totem é um elemento natural (planta ou animal), também constitui o ponto de encontro entre a ordem transcendental e a ordem da natureza: A vida (transcendental) permanece inatingível, e é representada pelo deus sem nome, na Tanzânia, ou pela floresta, pelos pigmeus. Mas encontrava em Cheyon (um totem) uma mediação eficaz, já que este se encontrava na fonte da vida concreta. O medium na transmissão da vida era a árvore totem, pois a divindade nela habitava.

Quando o clã é sedentário, o totem constitui também o lugar em que se articulam o passado e o presente: a presença dos antepassados do clã é simbolizada em torno do totem. É à unidade do clã que é concedido o sentido reproduzido em todas as linhagens pela mediação das práticas religiosas.

O intercâmbio de mulheres, prática necessária à sobrevivência das tribos, criava situações muito complicadas, uma vez que estes intercâmbios envolviam o acesso aos meios de produção ou a divisão destes. A unidade do clã, mesmo com o intercâmbio de mulheres com outros clãs, é indispensável para a sobrevivência do grupo.

É precisamente para superar as contradições criadas por ocasião dos intercâmbios de mulheres que intervém a produção simbólica. Esta construção se dá através do conceito de vida.

No caso dos Kuravas, da índia, a construção simbólica fazia o divino aparecer como catalisador da vida cósmica. Esta vida era transmitida pela mediação de um símbolo, o totem, que era o ponto de encontro entre o cosmos, a ordem social e a natureza.

É o conjunto do clã que recebe a vida; cada grupo familiar ou cada indivíduo só participa desse dom na medida em que pertença a essa totalidade.

Há, portanto, uma inter-relação entre a necessidade de sobrevivência dos clãs e a necessidade de sobrevivência de cada família ou indivíduo. Se um deles perecer, os outros também não sobreviverão.

Pode-se perceber, assim, a incidência do modo de organização social e a predominância do sistema de parentesco sobre a produção simbólica. A organização simbólica, por sua vez, também desempenha a função de acentuar o caráter harmonizador das relações sociais, desenvolvendo nos grupos familiares e nos indivíduos o sentimento de pertença à totalidade do clã.

Ela também expressa valores que correspondem à necessidade de sobrevivência do grupo (fecundidade e solidariedade). O sistema de crenças ao mesmo tempo em que vem criar e reforçar a unidade do grupo, também é reforçado por ela.

BIBLIOGRAFIA

HOUTART, François. Religião e modos de produção pré-capitalistas. Trad. Álvaro Cunha. São Paulo: Paulinas, 1982.

Sugestão de atividade complementar Leia individualmente o texto referente a esta aula e responda por escrito: 1. Quais eram as características das sociedades tribais? 2. Quais eram os principais problemas que enfrentavam e como os resolviam? Em grupo, escolha uma das

seguintes dificuldades enfrentadas pelas sociedades tribais e faça uma encenação sobre a forma como resolviam este problema com o auxílio da religião (máximo 4 minutos para cada grupo):

a) organização de uma saída para caçar, pescar ou coletar alimentos; b) escassez de alimentos; c) sobra de uns alimentos e falta de outros; d) desavenças no clã; e) clã muito grande; f) necessidades de arranjos matrimoniais; g) doença em um membro do clã.

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- Natureza E Religião No Feudalismo O feudalismo é semelhante ao modo de produção tributário. Isto porque é ainda o poder

político que organiza a economia e se apropria de um tributo em espécie e em serviço. Estas taxas são fixadas sobre a produção dos grupos de base.

No entanto, diferencia-se também do sistema tributário. A diferença se dá pelo fato de que a arrecadação do tributo apresenta-se como um direito, uma vez que os meios de produção pertencem às instâncias de poder (rei ou senhor feudal) e não mais às bases produtoras (camponeses).

O senhor é o proprietário do meio de produção (terra). O produtor possui os instrumentos de trabalho e o direito de uso dos meios de produção, mas que deve prestar serviços ao senhor.

As relações trabalhistas não têm mais como centro as aldeias, mas os indivíduos: senhor/camponês. No entanto, as aldeias continuam sendo quem organiza o trabalho, constituindo grupos nos quais se forjam as solidariedades.

O poder político-econômico não é exercido diretamente do rei ou senhor feudal para seus súditos. Existe uma hierarquia de delegação de poderes. O rei ou senhor feudal delega a função de oferecer favores ou punir seus dependentes a uma escala de intermediários. Esta escala vai desde o chefe do grande feudo, passa pelos chefes das federações de vilas, aos chefes de clãs, etc.

No feudalismo existe uma contradição que não encontra sua justificação ao nível da produção material do grupo; ou seja, uma vez que o grupo produz o necessário para sua sobrevivência sem o auxílio do senhor feudal, nada justifica que tenha a obrigação de repassar todo excedente para o dono do feudo.

Nas sociedades feudais, a cobrança do tributo não é justificada pela contrapartida de uma proteção, como nas sociedades tributárias. Assim, é preciso uma poderosa produção ideológica para que os servos o admitam como natural e necessário à sobrevivência da ordem social global.

Para conseguir justificativa para seu funcionamento, a sociedade feudal buscou a religião como um de seus apoios ideológicos. Os dirigentes buscavam a explicação e legitimação de sua própria excelência, enquanto os dominados encontravam razões para aceitar sua condição, na esperança de uma compensação de natureza pós-histórica.

Uma das formas de legitimar religiosamente o sistema feudal foi criar a idéia de panteão de deuses, organizados hierarquicamente. Neste sistema, a divindade principal normalmente tinha o poder de conceder favores ou fornecer castigos a seus fiéis. Este poder da divindade principal coincidia com os poderes que o rei ou o senhor feudal detinham sobre seus subordinados.

No caso de feudalismo Kandyano, do século XVII, no Sri Lanka, houve a formação de um sincretismo entre as religiões budista e hinduísta. O panteão criado neste sincretismo apresentava uma verdadeira pirâmide divina. No ápice da pirâmide estava Buda, considerado como ser sobrenatural, do qual não se podia esperar favores espirituais e materiais; mas abaixo de Buda podia-se encontrar as divindades.

Em primeiro lugar, Sakra, protetor do universo budista (a Sansana), que delega seus poderes a Saman. Este, juntamente com Vichnu, Skandha, Nata e Pattini, fazem parte do Hatara Varan Deiyo (panteão das divindades nacionais), encarregado de defender a fé e proteger o reino. Estes são deuses no sentido convencional do termo: podem conceder favores e punir pecados. Abaixo dessas divindades nacionais, encontram-se as divindades locais, correspondentes aos Patus (grupos de aldeias) ou às aldeias (que são so Bandara Deiyo ou deuses senhores) que protegem as comunidades locais.

No nível mais baixo da escala colocam-se os demônios, os pretas, espíritos maus dos ancestrais pecadores, punidos por causa do seu mau Karma. Eles são as causas de todos os males, considerados como punições não racionais. Entretanto, eles necessitam dos homens para serem resgatados. Essa hierarquia celeste é homóloga à hierarquia existente ao nível sócio-político, pois reproduz a estrutura do poder. As divindades do templo são representadas em uma posição idêntica àquelas que os homens são obrigados a guardar nas cerimônias de juramento aos reis ou aos senhores. O status da divindade corresponde ao seu nível moral, atingido pela acumulação de bens espirituais (seus méritos, adquiridos no curso de cada vida temporal).

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Se a divindade obtém seu status por seus méritos, subentende-se que os reis ou senhores feudais também. Por este motivo, assim como as divindades merecem respeito, consideração e oferendas, também os reis e senhores feudais merecem, pois fizeram o mesmo caminho que a divindade.

Desta forma, o rei ou senhor feudal continua sendo um homem, mas um homem especial, que depende diretamente das divindades protetoras: os reis são vistos como deuses e os deuses são vistos como reis.

Esta escala "moral" inclui não apenas as divindades, mas também o conjunto dos homens. Cada qual ocupa uma posição nesse espaço temporal-espiritual em função de seu Karma em uma vida anterior.

Nos países europeus, a legitimação do sistema feudal se deu via cristianismo. A lógica teológica criada no cristianismo não difere muito da fornecida pelo sincretismo budista e hinduísta. No período feudal europeu foi estabelecido a hierarquia celeste cristã que conhecemos até hoje.

Na hierarquia celeste cristã, acima de todos está o grande Deus, formado por três pessoas distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Estas três pessoas compõem uma única divindade que é, ao mesmo tempo, onipresente, onisciente e onipotente (tal como o rei ou o senhor feudal). Esta divindade tem o poder tanto de conceder favores espirituais e materiais como de punir os pecados da humanidade.

Embora não havendo divindades menores na teologia cristã, há no entanto, no âmbito do sagrado, entidades menores (anjos e santos). Estas têm a função de proteger a humanidade e interceder junto à divindade maior, visando obter seus favores ou acalmá-Ia para que não venha a punir seus fiéis.

Além dessas entidades intermediárias, existem outras entidades muito mais próximas das pessoas comuns, com as mesmas funções dos anjos e santos. Estas entidades próximas, por sua vez, também organizam-se de forma hierárquica. São os diferentes representantes da divindade aqui na terra, atuando concretamente na instituição Igreja: Papa, Cardeais, Arcebispos, Bispos, Padres, Religiosos/as (monges, freiras).

Por último, nesta hierarquia, encontram-se os simples mortais, que dependem da hierarquia divina para "ir bem" tanto nesta vida como em um tempo vindouro (pós-morte). Para conseguir estas graças, devem servir a todos os outros que se colocam acima deles na hierarquia divina.

Embora não haja no cristianismo a noção de Karma, há a noção de pecado/castigo. Se estou em uma posição inferior na sociedade é porque cometi (ou alguém de minha família cometeu) algum ato que desagradou a Deus, por isto estou sendo punido.

BIBLIOGRAFIA

HOUTART, François. Religião e modos de produção pré-capitalistas. São Paulo: Paulinas, 1982.

Sugestão de atividade complementar :Veja a letra do hino a seguir. 1. Compare a proposta de relações sociais contida nele com as relações sociais acima descrita. 2. Compare a concepção de religião presente no hino com a concepção de religião acima descrita.

Utopia 1-Quando o dia da paz renascer, quando o Sol da esperança brilhar, eu vou cantar... Quando o povo nas ruas sorrir e a roseira de novo florir, eu vou cantar... / Quando as cercas caírem no chão, Quando as massas se encherem de pão, eu vou cantar, Quando os muros que cercam os jardins forem destruidos, Então os jasmins vão perfumar... / Vai ser tão bonito se ouvir a canção Cantada de novo

No olhar do homem a certeza do irmão, Reinado do povo (bis) 2-Quando as armas da destruição, destruídas em cada nação, eu vou sonhar. E o decreto que encerra a opressão, assinado só no coração, vai triunfar / Quando a voz da verdade se ouvir, / E a mentira não mais existir, será enfim. / Tempo novo de eterna justiça, sem mais ódio, nem sangue, cobiça, Vai ser assim.

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- Religião, Ciências e saúde na Modernidade Escrito por Cláudia Sales de Alcântara[1]

[EXTRATO] [...] III – A MODERNIDADE E A SECULARIZAÇÃO DA SOC IEDADE A religião institucionalizada não conseguiu tornar a sociedade mais justa, livre e igualitária e nem conseguiu responder às questões existenciais da humanidade, fazendo com que o ser humano, insatisfeito com as imposições feitas pela igreja, buscasse encontrar explicações concretas para o que antes era explicado de forma abstrata. O aumento do comércio e, por conseguinte, o surgimento do capitalismo, o descobrimento de novos “mundos”, o aparecimento da imprensa (século XV) e de novas tecnologias, abalaram de vez o sistema feudal. A fragmentada sociedade feudal da Idade Média transforma-se então, em uma sociedade dominada, progressivamente, por instituições políticas centralizadas, com uma economia urbana e mercantil. Estas novas mudanças foram aos poucos modificando a mentalidade teocêntrica da humanidade; a célebre frase de René Descartes, "Cogito, ergo sum" (Penso, logo existo), resume o resultado dessas transformações. O Renascimento (século XIV) e o Iluminismo (século XVIII), a Reforma Protestante (século XVI) e a Revolução Industrial (século XVIII), consolidaram de vez o novo sistema que substituiria o antigo regime feudal: o Capitalismo. No campo do pensamento, o mito e a religião foram aos poucos substituídos pelo mito do progresso científico e tecnológico (positivismo de Comte). A ascensão da burguesia e de sua ideologia (Iluminismo) levou a humanidade a utilizar-se da razão não somente para descobrir o mundo, mas também, para entenderem a si mesmos no contexto da sociedade; surgia uma cultura laica, ou seja, sem a interferência da igreja. O homem agora voltaria a ser a medida de todas as coisas. Estas concepções, contudo, estavam carregadas de esperança, com a responsabilidade de propor novas cosmovisões em substituição as antigas representações religiosas.

A desmistificação dos dogmas pelo racionalismo, proporcionando a possibilidade de uma interpretação pessoal dos textos sagrados, e a necessidade de uma nova moral religiosa que atendesse aos interesses econômicos da burguesia em ascensão (já que a Igreja Católica condenava a usura, a avareza, a cobiça, e defendia a doutrina do "justo preço", o que contrariava o ideal burguês de obtenção do maior lucro possível), possibilitou a chamada Reforma Protestante.

A ética protestante, ao contrário da católica, valorizava a competitividade e a busca do lucro, ajustando-se, portanto, aos ideais burgueses daquele momento histórico em que se desenvolvia o capitalismo, como afirma Max Weber:

"Mas o que era ainda mais importante: a avaliação religiosa do infatigável, constante e sistemático labor vocacional secular, como o mais alto instrumento de ascese, e ao mesmo tempo, como o mais seguro meio de preservação da redenção da fé e do homem, deve ter sido presumivelmente a mais poderosa alavanca da expressão dessa concepção de vida que aqui apontamos como espírito do capitalismo". (WEBER, 1989, p. 123).

Por este motivo, aos poucos, a Igreja Católica Romana precisou rever suas concepções e

adequar-se a essa nova estrutura social, política e econômica com uma nova mentalidade, cada vez mais distante da medieval (Contra Reforma). Estas mudanças caracterizaram-se por um movimento de reafirmação dos princípios da doutrina e da estrutura da Igreja, corrigindo, desde o seio da Igreja, as fontes de descontentamento que alimentavam a Reforma Protestante. As instituições religiosas, contudo, perdem o poder de dar “as cartas” no mundo moderno; já não possuem a hegemonia da cultura, do Estado e das instâncias reguladoras do cotidiano. Nesta nova realidade, não era mais a religião que dava sentido ordenador da realidade social, com suas mediações, mas a própria interdependência de escolha racional centrada no ser humano. Deus estava agora presente na natureza, portanto no próprio homem, que poderia agora descobri-lo através da razão. Para encontrar Deus, bastaria levar uma vida piedosa e virtuosa (moral kantiana); a Igreja torna-se dispensável.

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- A Instituição Religiosa Em Meio a Pós-Modernidade Mircea Eliade em seu livro, O sagrado e o Profano, a essência das religiões, afirma que “seja qual for o grau de dessacralização que o mundo tenha chegado, o homem que optou por uma vida profana não consegue abolir completamente o comportamento religioso” (Mircea Eliade, 2001, p. 27).

A moderna humanidade que passou por um grande processo de dessacralização e secularização, não conseguiu proporcionar um mundo mais justo através da razão. O avanço teológico e a ciência, em vez de proporcionarem a solução de todos os males da sociedade, mostraram-se incapazes de superar as contradições da convivência social. O desenvolvimento do capitalismo “selvagem”, as duas grandes guerras mundiais, a utilização da bomba atômica, os riscos da industrialização para a ecologia, entre outros, mostrou a ineficácia da razão como “salvadora da pátria”, fez-se então necessário um retorno aos antigos referenciais que tinham sido ignorados na modernidade; é neste contexto que nasce o que chamamos de pós-modernismo, como afirma Eduardo Subirats:

“Em torno de todo jargão do Pós-moderno desenvolvem-se atitudes culturais de signo regressivo. Assim se passa com o nacionalismo que se ampara por detrás dos historicismos nostálgicos ou dos diferentes regionalismos; assim, a busca de valores substanciais, de uma ordem ética ou estética transcendente, através da reivindicação do tradicional, do retorno a formas de pensamento religioso e da defesa de uma autonomia de princípios morais também de signo transcendente”. (SUBIRATS, 1991)

As igrejas tinham encastelado Deus a tal ponto que ele se tornou impotente diante das necessidades do mundo. Este período é então caracterizado pelo aumento da insegurança (pois todas as certezas em que estava embasada a sociedade “caíram por terra”), do relativismo de qualquer conhecimento (negação de verdades universais da racionalidade), da globalização e da retomada do interesse pelas concepções religiosas, como uma tentativa de “achar um sentido do mundo acessível à compreensão humana” (Max Weber 1982, p. 625). O retorno da religião (sentimento religioso) neste aspecto pode ser visto como um fenômeno periódico que se utiliza à religião em função de exigências de natureza social, como afirma Franco Crespi:

“De fato, a religião se apresenta como uma forma de mediação especifica, que leva em conta o caráter ilimitado do desejo humano e explica o mundo finito, colocando-o em relação com o horizonte infinito de um além-mundo, que assim se torna parte constitutiva da própria vida terrena”. (CRESPI, 1999, p. 15).

Embora as instituições religiosas, neste momento, continuassem não possuindo poder de regular o universo cultural, social e pessoal, os indivíduos continuaram a viver dimensões do sagrado de formas bem particulares (subjetividade), podendo ser estas dimensões observadas nas atitudes políticas, esportivas e culturais, ganhando assim uma nova dinâmica fora das Igrejas, tornando-se mais presente do que nunca na sociedade contemporânea ( nas Ong’s, manifestações culturais, associações comunitárias, no Greenpeace, nos clubes esportivos, etc.). Esta dimensão do sagrado é fortemente caracterizada por um retorno ao sentimento religioso (mostrado na primeira parte deste artigo), ou seja, um retorno às experiências emocionais, mesmo que o individuo não seja consciente do fato, como podemos observar na colocação de Mircea Eliade:

“Existem, por exemplo, locais privilegiados, qualitativamente diferente dos outros: a paisagem natal ou sítios dos primeiros amores, ou certos lugares na primeira cidade estrangeira visitada na juventude (...) são os “lugares sagrados” do seu universo privado (...)” (Mircea Eliade, 2001, p. 28).

Com o enfraquecimento da religião institucional, já pré-anunciada pelos teólogos da morte de Deus, o ser humano sente-se agora livre para buscar, de forma autônoma, seu próprio universo de significações em um mundo fragmentado (sincretismo). “Assim, o pluralismo religioso torna-se, simultaneamente, fator e resultado da secularização” (PIERUCCI, 1997, p. 115), abrindo caminho para a concorrência entre diversas instituições religiosas que se lançam em uma competitividade, utilizando-se das mesmas operações da economia de mercado capitalista e fazendo com que a religião, que no período medieval moldava o mundo, seja moldada pelo “gosto do freguês”. O que resta na sociedade pós-modernista é a presença simultânea de várias instituições religiosas (cristãs ou não), convivendo entre si, não mais influenciando o todo social, pois os

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seres humanos não se identificam mais com discursos universais, mas atuando de maneira coadjuvante, influindo, ainda que em menor escala, os fundamentos da sociedade.

São nesses momentos de “morte” institucional que a experiência religiosa ganha novos sabores. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como foi dito, a religião continua a existir na pós-modernidade nos ritos, crenças e atividades, grupos e projetos não explicitamente religiosos. As tradições continuam atuando conforme a subjetividade de cada indivíduo. A religião passa a existir na intimidade, produto da construção pessoal subjetiva e autônoma que não necessita prestar contas a uma instituição. É o fim da religião totalizante da sociedade, contudo, não significa o fim da religião na particularidade de cada indivíduo. BIBLIOGRAFIA CRESPI, Franco. A Experiência Religiosa na Pós-Modernidade. Bauru, SP: EDUSC, 1999. ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: A essência das religiões. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. PIERUCCI, Antônio Flávio. Reencantamento e dessecularização. A propósito do auto-engano em sociologia da religião. In: Novos Estudos Cebrap, n. 49, nov., 1997. SUBIRATS, Eduardo. Da Vanguarda ao Pós-Moderno. 4. ed. São Paulo: Nobel, 1991. WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 5 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1989. NOTAS [1] Arquiteta e urbanista, formada pela Universidade Federal do Ceará – UFC, teologa pelo Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos – ICEC/ Fortaleza e mestranda em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará. [10] A secularização de uma sociedade, em seu sentido radical, pode ser entendida como um processo pelo qual a religião deixa de ser a forma de integração da cultura, particularizando-se. Ela faz com que tal sociedade já não esteja mais determinada pela religião, mas restrita a um âmbito particularíssimo do ser humano. [11] René Descartes (1596 - 1650), também conhecido como Cartesius, foi um filósofo, um físico e matemático francês. Notabilizou-se sobre tudo pelo seu trabalho revolucionário da Filosofia, tendo também sido famoso por ser o inventor do sistema de coordenadas cartesiano, que influenciou o desenvolvimento do Cálculo moderno. [12] A filosofia positiva de Comte nega que a explicação dos fenômenos naturais, assim como sociais, provenha de um só princípio. A visão positiva dos factos abandona a consideração das causas dos fenômenos (Deus ou natureza) e torna-se pesquisa de suas leis, vistas como relações abstratas e constantes entre fenômenos observáveis. [13] Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798 - 1857) foi um filósofo francês e o pai da Sociologia. [14] Ele foi, juntamente com Karl Marx e Emile Durkheim, um dos modernos fundadores da Sociologia. É conhecido, sobretudo pelo seu trabalho sobre a Sociologia da religião. Escreveu a Ética protestante e o espírito do Capitalismo, nesse seu trabalho ele tinha a intenção de examinar as implicações das orientações religiosas na conduta econômica dos homens, procurando avaliar a contribuição da ética protestante, em especial o calvinismo, na promoção do moderno sistema econômico. [15] A dessacralização do mundo é uma característica fundamental da Modernidade, já que impulsiona o processo de secularização. [16] Nos anos 60 surgiu nos Estados Unidos uma formulação teológica conhecida exatamente como “teologia da morte de Deus”. A frase “Deus está morto”, aponta para uma constatação, a saber, a morte de valores absolutos na sociedade. [17] Sincretismo - Palavra originada do grego; significa sistema que consiste em conciliar os princípios de várias doutrinas ou filosofias. http://www.ftl.org.br/index.php?view=article&catid=35%3Aartigos-online&id=81%3Aa-instituicao-religiosa-na-posmodernidade&option=com_content&Itemid=75#_ftn14 acessado em 16 set 2010

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RELIGIÃO E CONSUMISMO: OS DEUSES NA VITRINE DA PÓS- MODERNIDADE

http://www.eternoretorno.com/2008/10/14/religiao-e-consumismo-os-deuses-nas-vitrines-da-pos-modernidade/ acessado 16 set10

No livro “Mal-estar na pós-modernidade“, Zygmunt Bauman, sociólogo polonês contemporâneo, irá discorrer sobre vários aspectos que marcam o período atual que vivemos, chamado por ele de “pós-modernidade“. Vale lembrar que este termo não é um consenso para designar a contemporaneidade, embora seja o mais usual. Como ponto de partida, Bauman faz uma releitura da clássica obra de Freud, “O mal-estar na civilização“. Freud, analisando o surgimento das primeiras civilizações, irá dizer que o homem trocou um quinhão de liberdade por um quinhão de segurança; já Bauman, olhando para o homem pós-moderno irá dizer que

este trocou um quinhão da segurança por um quinhão de felicidade. “Quinhão” aqui é uma forma de dizer, pois a busca pela felicidade não é quantificável, é uma profusa

característica marcante das pessoas nesse atual momento. Não que antes as pessoas não buscassem a felicidade, mas é que a felicidade inventada pelo modernismo, isto é, uma espécie de panacéia, torna-se peremptoriamente uma necessidade que deve ser buscada a qualquer custo por homens e mulheres pós-modernos. A dinâmica constante desse movimento se dá pelo fato da felicidade não ter um ponto de chegada, pelo contrário, a chegada parece guarnecer o cheiro do horror. Dessarte, o prazer é justamente a incessante e infrutífera busca: a ordem é obter as benesses da felicidade, mas marcada com a eterna – pelo menos no plano terreno – sensação de insatisfação, um dos principais espectros do pós-modernismo.

Consumismo e religião na pós-modernidade

Entre as várias faces da sociedade, analisadas por Bauman, que vêm passando por transformações, tais como a arte, a política, a cultura, entre outras, que perpassam sobretudo as relações humanas, também encontramos a religião. As novas organizações eclesiásticas também passam por reformulações, ou pelo menos a transformação de dogmas em eufemismos. Seus “clientes”, agora, são norteados pela necessidade de felicidade que implica em uma constante busca de “autos” realizações em vários dos aspectos “espirituais”, é possível verificar uma interessante semelhança entre o consumismo e a religião nas análises de Bauman.

Homens e mulheres pós-modernos, marcados pela crise da identidade, não precisam mais das promessas celestiais nem se importam com os castigos do fogo do inferno no mundo do além, estes já estão no plano concreto, tangível pelas capacidades de consumo de cada um. Porém, a busca pela felicidade duelando com as crises de identidade implicam em um rol de produtos de consumo para que os homens possam “curar suas personalidades”, de modo a estarem altamente capazes de beliscar as promessas de encanto que o capital oferece. Bauman nos diz que:

“A pós-modernidade é a era dos especialistas em “identificar problemas”, dos restauradores da personalidade, dos guias de casamento, dos autores dos livros de “auto-afirmação”: é a era do “surto de aconselhamento”.

Nesse sentido, homens e mulheres pós-modernos não precisam mais de padres, pastores e sacerdotes tradicionais que falam das fraquezas do homem, eles já estão fartos de suas fraquezas e precisam de “auto-afirmação”, e mais do que isso, precisam de uma “receita” breve, rápida, curta e para o agora de como podem resolver seus males e conseguir suas satisfações. (Nesse ponto quero fazer uma nota irresistível: a difusão dos blogs também se deve aos escatológicos títulos que o internauta deve bem conhecer, tais como “Saiba como…”, “Tudo sobre…”, “Os 10 melhores/maiores…”, “Descubra aqui como…”, essas breves notas despontam acenando aos desesperados que buscam consolo na leve virtualidade)

A efígie fluida do homem pós-moderno, isto é, a busca incessante pelo acúmulo de sensações de prazer, que se produz na teia das incertezas onde o paraíso e o inferno se entrelaçam no cotidiano, cria condições para uma procura crescente por “mestres”, “gurus”, “autoridades”, ou “deuses humanos” capazes de “vender” produtos que possam intensificar as sensações de prazer. Isso não implica que as “casas divinas” fechem suas portas, mas em novas diretrizes de adaptação a essa ordem do consumo para que não se tornem obsoletas. As instituições religiosas são, antes de tudo, empresas que se confrontam com as leis – agora humanas – da economia liberal na difícil competição do mercado, competem por almas potenciais que, em troca do “conselho” para se dar bem na trama social, oferecem o que podem no momento.

A religião não desaparece do cenário, pelo contrário, intensifica-se em múltiplas religiões. Multiplicam-se os sabores da experiência com algum plano espiritual que deixa de falar o tempo todo das fraquezas humanas e passa a fomentar um indivíduo capaz de vencer os dissabores sociais. Os discursos da penitência e das autoflagelações estão fora de moda, até o Vaticano tratou de escamotear seus discursos, e já apresenta em seu rol, alusões à juventude e à diversidade de crenças e culturas. Os fiéis exigem líderes capazes de fornecer pequenos – e fáceis – conselhos. Procuram antes de tudo um “guia espiritual” capaz de satisfazer questões que a vida cotidiana vai sufocando. O sujeito busca sua sobrevivência em um emprego, mantém uma rotina mais ou menos fixa: acordar, ir ao trabalho, voltar para

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casa, bater continência a rede Globo e dormir, por vezes um pequeno lazer no fim de semana antes de iniciar a repetição; só sobram então, questões que vão remoendo em angústias e, da mesma forma que se compra um medicamento para cefaléia, homens e mulheres pós-modernos saem em busca de “consumir” especialistas espirituais que tenham a oferecer, não mais um consolo espiritual, mas uma espécie de “produto” espiritual que possibilitará uma visão mais clara e segura para que os frutos da felicidade sejam colhidos em seu melhor momento.

Percebe-se, dentro desse viés de Bauman, uma ordem do consumo norteando as religiões. As religiões perdem aquela autoridade quanto a uma ordem fundamental que mais ou menos direcionavam a vida dos indivíduos como o foi na Idade Média; céu e inferno não deixam de prevalecer enquanto dogmas, mas a necessidade é falar menos dos horrores como forma de manutenção; devem-se exaltar, agora, as qualidades humanas, ou angariar elementos, mesmo que sejam de “outro mundo”, que possibilitem a “performance” espiritual, como se fosse o “essencial” que falta para dar o sentido de completude humana.

Por outro lado, aquelas “experiências máximas” que a religião tradicional prometia, isto é, a oferenda de uma vida eterna paradisíaca além da possibilidade de superação das abjeções da vida terrena, sai de cena dos palcos sagrados e vão desfilar nas alegorias privadas das empresas de todo e qualquer tipo de produto material. A “experiência completa”, o êxtase intenso, é agora deslocado para o plano da mercadoria; um carro zero de luxo é o suficiente para superar qualquer promessa obsoleta de vida eterna. A vida eterna permanece, é claro, nas idiossincrasias de cada um, mas deixa de ser uma questão elementar quanto o é um bem material. Marx já alertava no século XIX sobre a supremacia das mercadorias escravizando a vida dos homens, hoje elas destoam graciosamente definindo as identidades pessoais.

Bauman nos diz que a cultura pós-moderna, ao alcance de todo indivíduo, desde que ele possua a moeda de

troca, exige uma vida devotada ao consumismo. Longe de discursar sobre as fraquezas humanas e seus pecados, as mercadorias discursam sobre o aumento das potencialidades humanas em suas múltiplas formas e conteúdos.

Torna-se máxima das vitrines do paraíso na terra, atiçar a fragilidade dos homens e mulheres pós-modernos através de mensagens como “Você pode fazer isso”, “Todo o mundo pode fazê-lo”, “Cabe somente a você decidir”, “Se você deixa de fazê-lo, só tem de botar a culpa em você mesmo”. É fundamental no consumismo afastar qualquer projeção que não seja a ubíqua felicidade felicitando na vida terrena. Os novos profetas, diz Bauman, são aqueles recrutados da aristocracia do consumismo, que conseguiram transformar a vida numa obra de arte da acumulação e intensificação das sensações, dos bens materiais, da riqueza na terra. É desnecessário apresentações desses profetas, temos vários que estão no palco, em geral, com seus livros autobiográficos que mostram a trajetória da miséria à luxúria.

Considerações finais Aparentemente opostas, as intenções religiosas e consumistas se encontram e se abraçam num horizonte onde

os atores em busca da “experiência máxima” estão em constantes aventuras, espirituais e materiais, na eterna busca daquilo que um dia irá preenchê-los em totalidade psicofísica.

Se a religião tradicional oferecia a “experiência máxima” à custa de uma vida de miséria e privação, a versão pós-moderna da religião concilia os dogmas com a ordem liberal do consumo. Seus seguidores, embora não abandonem os dogmas, sabem muito bem que as ofertas de algum paraíso ou de um submundo de trevas já não os convencem mais a ponto de sacrificarem suas felicidades. São aceitáveis os elementos recrutados do mundo supra-sensível, como Deus, Jesus Cristo, santos e outros personagens, desde que eles sirvam para aumentar os potenciais psicológicos e físicos para conseguir acumular mais sensações de prazer oferecidas na vida terrena. Deuses e heróis mágicos perderam seu poder de sedução frente às mercadorias e à “religião do consumo”, estas sim, únicas e eficientes para promoverem a “experiência máxima” do prazer, mesmo que seja momentânea, a ponto do término de abrir uma embalagem, verificar o conteúdo, sentir o perfume do “novo” e se embriagar novamente em busca da próxima oferenda…

Assistir homens e mulheres pós-modernos em busca da felicidade é como assistir um burro correndo atrás de um alimento que vai a sua frente, bamboleando, de acordo com o trotar que afeta o montador que, em sua perniciosa astúcia, vai segurando o pedúnculo.

Referências: BAUMAN, Z. O mal-estar na pós-modernidade. São Paulo: Jorge Zahar, 1998. FREUD, S. O mal-estar na civilização (1930). 1ª edição, Rio de Janeiro, Imago, 1974

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AALLIIMMEENNTTAAÇÇÃÃOO EE RREELLIIGGIIÃÃOO

um estudo antropológico no movimento alternativo Profa.Ms. Paula Rondinelli-Unicapital-SP.

Pretende-se, aqui apresentar uma primeira reflexão, ainda em fase exploratória, sobre um estudo

que venho desenvolvendo cujo tema é a alimentação no movimento alternativo.

O ato de alimentar-se não é um objeto de interesse recente da Antropologia, como mostrou Mintz

(2001). Estudos etnográficos sobre os modos de vida de populações específicas e que descreviam seus

hábitos alimentares, já foram realizados inclusive por autores clássicos dessa área como Evans-Pritchard

(2002). Tratada sob outro viés, a alimentação também tem espaço na obra de Lévi-Strauss (2004) quando

este autor enxerga nos modos práticos de se tratar o alimento – comê- lo cru, assado, cozido ou defumado –

o simbolismo que expressa a estrutura interna das sociedades. Além disso, esse tema vem instigando

debates na Antropologia contemporânea, visíveis, por exemplo, nos trabalhos de Collaço (2003) em um

estudo sobre os restaurantes de comida rápida.

Atualmente, em nossa sociedade, deve-se observar que alimentar-se não é simplesmente o mesmo

que comer. Segundo Carneiro (2003), “a fome biológica distingue-se dos apetites, expressões dos variáveis

desejos humanos e cuja satisfação não obedece apenas ao curto trajeto que vai do prato à boca, mas se

materializa em hábitos, costumes, rituais, etiquetas. [...] O que se come é tão importante quanto quando se

come, onde se come e com quem se come.” (p. 1-2)

No que se refere ao campo das religiões, a alimentação tem um papel fundamental no cotidiano de

seus adeptos: permissões, proibições e jejuns são regulações religiosas simbólicas constantemente

exercidas. Flandrin e Montanari (1998) no livro História da Alimentação, apresentam um panorama da

alimentação no mundo, desde a pré-história até os tempos atuais. Abrangem, portanto, observações acerca

das regras religiosas, que são apresentadas atravessando as normas islâmicas, judias, católicas romanas e

cristãs ortodoxas, assim como suas preferências e proibições alimentares.

Nas palavras de Carneiro, também é possível verificar a importância da alimentação nas religiões:

“As regras alimentares servem como rituais instauradores de disciplinas, de técnicas de autocontrole que

vigiam a mais insidiosa, diuturna e permanente tentação. Domá-la é domar a si mesmo, daí a importância

da técnica religiosa dos jejuns, cujo resultado também permite a obtenção de estados de consciência

alterada propícios ao êxtase. As regras disciplinares sobre alimentação podem ser anti-hedonistas, evitando

o prazer produzido pelo alimento tornando-o o mais insípido possível, ou podem ser pragmáticas, ao evitar

alimentos que sejam demasiadamente ‘quentes’ ou ‘passionais’. Os herbários medievais identificavam em

diversos alimentos, tais como as cenouras ou alcachofras, fontes de excitação sexual. As regras budistas

eliminam até mesmo a cebola, a cebolinha e o alho, por considerarem que essas inflamam as paixões.”

(1993, p.119)

Assim, uma vez que a alimentação exerce papel relevante nas mais diversas religiões, e estas

influenciam os modos de agir, sentir e pensar das sociedades em diferentes contextos históricos, acredita-se

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que o mesmo ocorra com os participantes do movimento alternativo. Ora, se Guerriero (2003), baseado nos

resultados do último censo, observa que os novos movimentos religiosos têm sido o terceiro tipo de religião

com maior número de adeptos no Brasil, e se o movimento alternativo está inserido nos novos movimentos

religiosos, pode-se entender então que a adesão aos estilos de vida do tipo alternativo é um objeto

antropológico relevante.

O movimento alternativo não tem ainda uma denominação definida por parte de seus pesquisadores:

Amaral (1996) o chama de Nova Era, Soares (1989) de cultura alternativa, Magnani (1998) de movimento

neo-esotérico e Tavares (1998) de nebulosa místico-esotérica. Talvez, esta discórdia se dê pela própria

natureza desordenada do evento: um tipo de religiosidade que tem muitas características diferentes e se

utiliza das mais diversas práticas, como ressalta Magnani (1999): “Da crença em duendes nórdicos ao uso

de florais canadenses; do consumo do incenso indiano à prática da acupuntura chinesa; da meditação

tibetana ao shiatsu japonês; dos livros de auto-ajuda americanos ao xamanismo siberiano; da bruxaria celta

aos rituais dos índios da Amazônia [...]”. (p.18)

Optar-se-á pela identificação proposta por Albuquerque (1998) de movimento alternativo, já que o

termo “movimento” proporciona a idéia de mutação, de oposição ao que é estático. Ao mesmo tempo,

“alternativo” se apresenta como opção outra ao que está instaurado na sociedade ocidental moderna. Além

disso, o termo adotado mostra um distanciamento necessário entre o pesquisador e o discurso nativo.

Foi Luis Eduardo Soares em seu artigo “Religioso por Natureza: cultura alternativa e misticismo

ecológico no Brasil”, publicado em 1989, quem primeiro indicou a presença emergente do movimento

alternativo em nosso país, e delineou alguns de seus elementos mais aparentes como a noção de energia,

obrigatoriamente presente em discursos alternativos; a tentativa de seu participante estabelecer um vínculo

subjetivo com a natureza nos moldes pré-modernos; além de observar a existência de uma tentativa

modernamente inusitada, de integrar corpo/mente/espírito e/ou alma.

A partir das características organizadas por Soares (1989), outros autores posteriormente se

debruçaram sobre o estudo desse novo movimento religioso. Magnani (1999), por exemplo, mapeou os

“espaços ideológicos e físicos” do movimento alternativo, na cidade de São Paulo, apresentando

regularidades tanto no discurso dos participantes como na distribuição dos “espaços” – categoria usada

pelo autor, para indicar os locais voltados às práticas alternativas.

Amaral (1998), outra autora de referência nos estudos do movimento alternativo, percebeu a forma

mutante do movimento. Segundo ela, o movimento alternativo não apresenta limites definidos e,

constantemente, novos elementos vão sendo inseridos a este universo, reformulando o seu contorno. Tal

característica é denominada, pela autora, de “sincretismo em movimento”.

Albuquerque (2001) observou a orientalização das práticas utilizadas no movimento. Segundo a

autora, uma característica marcante do movimento alternativo é a apropriação de práticas advindas de

vários locais do Oriente e, muitas vezes, mesclando-as com outras ocidentais, rearranjando, dessa forma, o

seu significado original.

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Muito embora o contexto histórico atual seja motivo de discussão entre alguns estudiosos –

modernidade ou pós-modernidade?- Bauman (1997), ao se voltar para uma reflexão acerca da sociedade

pós-moderna, observa o movimento alternativo como um tipo de religiosidade que carrega características

próprias da pós- modernidade, como a tentativa de aliar valores modernos aos pré-modernos. Tais valores

se refletem em um estudo sobre as mulheres participantes do universo alternativo: verificou-se que elas têm

um estilo de vida moderno – voltado ao mercado de trabalho e, conseqüentemente, à independência

financeira – e, por meio das práticas desse universo, elas buscam aliar seu modo de vida a um resgate de

valores pré-modernos – como a maternidade, a sensualidade, a feminilidade, entre outros – resultando em

uma mulher tipicamente pós-moderna. (RONDINELLI, 2002)

A relação das características anteriormente apresentadas do movimento alternativo pode dar a idéia

de que esse seja uma religiosidade homogênea, com regras dadas, rituais claros e crenças universais. No

entanto, a autonomia talvez seja o mais importante de seus elementos, já que ela influencia na forma com a

qual o indivíduo se relaciona com a sua religiosidade: é apresentado ao seu integrante um extenso leque

de práticas e crenças, das quais ele tem a opção de selecionar algumas

– conforme seu interesse – para então montar a sua religiosidade da forma como quiser. (CAROZZI, 2000)

No que se refere à alimentação no universo alternativo, pode-se afirmar que é um assunto indicado,

mas não desenvolvido por seus estudiosos. Este tema é apontado por Magnani (1999), ao apresentar a

“feira de produtos orgânicos”, localizada no Parque da Água Branca, na cidade de São Paulo, como um

espaço constantemente freqüentado por alternativos, devido ao seu caráter “natural”: além de vender

produtos sem agrotóxicos e/ou sem hormônios, ainda oferece café da manhã colonial “natural” todos os

sábados. Martins (1998) também dá a sua contribuição a partir de seu estudo quantitativo sobre o estilo de

vida dos alternativos na cidade de Recife. Neste, observou que o consumo de alimentos naturais é um dos

produtos alternativos mais consumidos entre eles.

Porém, é Soares (1989) quem procura lançar um olhar analítico sobre o fato do consumo de

alimentos tidos como naturais, pois por meio deste emerge a noção de pureza no homem alternativo.

Assim, “[...] a idéia de pureza é decisiva seja para a alimentação, seja para as terapias [...]. Pureza conduz à

depuração do que é artificial e/ou poluído: o resíduo dilapidado é a natureza. No homem, puro é o

espontâneo que advém de uma subjetividade equilibrada e, portanto, em certo sentido, dessubjetivizada,

isto é, integrada ao corpo, ao ecossistema e ao cosmos”. (p.203)

Esta noção de pureza indicada por Soares (1989) tanto para as terapias quanto para a alimentação,

vem se mostrando presente, também, para além dos limites do universo alternativo. Observa-se,

atualmente, nas grandes cidades brasileiras que se tem dado preferência pelo consumo de produtos naturais

em relação aos industrializados. Isso não se refere somente ao ato de alimentar-se por si só, mas, também, à

substituição de medicamentos com finalidades curativas por alimentos com princípios supostamente

preventivos e curativos. Acontecimento relevante ou não, pode-se afirmar que tal tendência vem sendo

incentivada, inclusive, pela mídia televisiva à medida que as acreditadas propriedades dos alimentos têm

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sido tema de diversos episódios do programa “globo repórter” da rede globo de televisão. Nesses

programas são constantes as entrevistas com médicos ou terapeutas alternativos, com o intuito de buscar

legitimidade científica para o assunto.

Nesse sentido, a preocupação os hábitos alimentares vem sendo interesse da população urbana

como um todo. E, a partir disso, verificou-se de maneira exploratória que o cuidado alimentar é um aspecto

relevante do movimento alternativo e que seus participantes fazem uso de dietas específicas. Tal fato não

apenas é percebido por meio dos textos acadêmicos citados, ou pelo contato com os participantes do

movimento alternativo. Este também se reflete nas estantes das livrarias em livros como: A culinária da

nova era (BONTEMPO, 1994), A arte da cura pela alimentação (PEREIRA, 1999), Emagrecendo pelo

poder do espírito (COPUDILUPO, 2002), Dieta Tao (CHUANG, 2002), A dieta do Yin e do Yang

(CURVO, 1998), A energia da dieta dos sucos (SERURE, 1997), A dieta do seu tipo sangüíneo

(D’ADAMO, 2002), Gastronomia mágica para o amor (NOGUEIRA, 2002), presentes nas classificações

“esotéricos e auto-ajuda”, “medicina e saúde – dietas”, “nutrição” e “gastronomia – culinária”. Ademais,

muitos sites na internet fornecem regras para dietas alimentares do universo alternativo, como é o caso de

Macrobiótica, Diplomacia Vegan e Medicina Natural.

Portanto, o cuidado com a alimentação se mostra como uma regularidade entre os integrantes do

movimento alternativo. Ora, se a natureza da religiosidade estudada é heterogênea, ao menos

aparentemente a opção de seu integrante por sua alimentação também se apresenta da mesma forma: as

preferências alimentares se voltam para diferentes dietas quer sejam vegetariana, macrobiótica, ayurvédica,

orgânica, entre outras. Enfim, no múltiplo universo alternativo, as opções alimentares também são

múltiplas mas apontam para um normas e regras internas com propósitos interessantes que devo atingi-los

com o desenvolvimento de meu estudo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

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a) livros:

BONTEMPO, M. A culinária da Nova Era. Rio de Janeiro: Ediouro, 1994. CHUANG, K.T. A dieta do Tao. 3 ed. São Paulo: Master Book, 2002. COPODILUPO, L. Emagrecendo pelo poder do espírito. São Paulo: Cultrix, 2002. CURVO, J. A dieta do Yin e do Yang. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. D’ADAMO, P. A dieta dos tipos sangüíneos. Rio de Janeiro: Campus, 2002. NOGUEIRA, M.F. Gastronomia mágica para o amor: receitas e rituais. São Paulo: Anablume, 2002. PEREIRA, G. A arte da cura pela alimentação. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. SERURE, P. A energia da dieta dos sucos: como desintoxicar, fortalecer o corpo e a mente. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

b) sites: Casa Gourmet – [diponível em www.casagourmet.com.br, 2005] Macrobiótica – [disponível em www. brazil.skepdic.com/macrobiotica.html, 2004] Medicina Natural – [disponível em www.gerolimich.hpg.com.br/med/macro/macro01.htm, 2004] Receitas Vegetarianas – [disponível em www.comezainas.clix.pt/receitas, 2004] Dieta Vegan – [disponível em www.vegetarianismo.com.br/diplomaciavegan, 2004] Spa holístico Viktoria Garten - [disponível em http://www.spashop.com.br/nossos_spas_viktoria_garten.htm, 2005] Spa holístico Chácara das Rosas - [disponível em http://www.chacaradasrosas.com.br, 2005]

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RRAAÍÍZZEESS ee IINNFFLLUUÊÊNNIICCAASS RREELLIIGGIIOOSSAASS [Compreensão Geral para os Seminários]

Edward Pimenta Jr. - Super Interessante n. 181-out 2002, p. 22-23.

Religiões Panteístas Mais antigas do mundo e a primeira etapa da evolução do pensamento

religioso (antes de 4000 a.C.). Sem base escrita. Deus está no sol, lua, vento,

forças da natureza. Animismo, xamanismo e totemismo: rituais ao ar

livre e culto aos antepassados.

Politeísmos Deuses criadores e

destruidores.

Religiões Orientais Revelação dos seres

iluminados, reencarnação e evolução por esforço ∆.

Religião Grega Deuses com

atributos humanos

Religião Egípcia Deuses com

atributos humanos

Hinduísmo Baseado no livro

do Vedas, abrange variações

monoteístas e politeístas.

Shintoísmo Antepassados como deuses

tutelares. 700 a.C.

Neopanteístas Resgatam símbolos e

mitos de diversas religiões (monista).

Mais comum a partir do séc. XVIII

Espiritismo Reencarnação e

evolução espiritual. Allan Kardec 1857.

Budismo Siddartha Gautama (600 a.C.). Vidas

passadas e presentes interligadas

Seicho-No-Ie Criada em 1930,

promove curas e graças. Bom e ruim depende da

atitude mental

Rosa Cruz Fraternidade mística, mais

divulgada a partir de 1909

Monoteísmos Último milênio a.C. com livros sagrados,

códigos de leis e verdades absolutas.

Judaísmo Povo escolhido por Deus. A Torá e o

Talmude são livros sagrados.

Cristianismo Crêem na existência de um Deus criador e no caráter divino da revelação de Jesus.

(54)

Hare Krishna Desdobramento do hinduísmo (1966). Baseado na devoção a

Vishnu e Krishna. Com mantras � fim da ansiedade e desenv. cs e do amor a Deus.

Umbanda Início do séc. XX. É

sincrético (Candomblé, catolicismo, espiritismo

e ameríndios).

Candomblé Origem africana no

Brasil (1700). O Orixá incorpora no pai ou mãe de santo. Cada entidade

com suas cantigas/danças

Sincretismos Afros As tribos africanas no Brasil

se separaram e tradições religiosas se misturaram.

Xangô, Tambor de Mina e Babaçuê.

Pentecostais Surgem nos EUA, séc. XX. Poder

de cura do Espírito Santo (Cristã do Brasil, Assembléia de Deus,

Evangelhos Quadrangular, O Brasil para Cristo, Deus é Amor...).

Protestantismo Rompe com a hierarquia de Roma (1517). Luteranos, calvinistas e anglicanos:

salvação pela graça de Deus, mediante a fé.

Presbiteriana Surgiu na Europa (1546),

inspiração calvinista. Influenciou na formação dos

EUA.

Catolicismo Do núcleo fundado

por Pedro, posterior/e dividido em

arquidioceses, dioceses, províncias eclesiásticas (150)

Igreja Ortodoxa Rompe com cristãos de Roma (1054), fiel

à mensagem primitiva. Valoriza a liturgia e preceitos

morais

Islamismo Maomé o último dos

profetas. (622). O Alcorão versa sobre

vida familiar, política e jurídica.

Influências: Judaica/Cristã.

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MMAARRXX EE AA RReelliiggiiããoo

CRITICA IDEOLÓGICA

(concepção da pessoa humana)

CRITICA POLÍTICA

(relação indivíduo e Estado)

Não existe uma igualdade real

na sociedade o indivíduo tem uma diversidade hierarquizada

⇒ conflito entre si

CRITICA ECONÔMICA

(relação indivíduo –

modo de produção capitalista)

A mercadoria de valor prático foi acrescido de valor simbólico

felicidade

Estado Burguês representante

DEUS

Onipresente

Onipotente

Onisciente

Bom

Justo ....

Mercadoria produzida

$

representa

a felicidade/sucesso

Esta parte deveria dominar o mundo

Bom

Inteligente

Forte

Criativo

ALI

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ÃO

relig

ião

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essa

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ião

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est

ado

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ÃO

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ÃO

Direitos e

Deveres

�� Trabalha e

produz a

mercadoria

�� ��

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FFRREEUUDD EE AA RREELLIIGGIIÃÃOO

Em O futuro de uma ilusão e O mal-estar na cultura, Freud vai voltar o seu olhar para a religião e para a cultura. Levando em conta que passara a vida ocupado em demolir ilusões, o que pergunta agora é: a que se deve o forte pendor dos homens à ilusão religiosa? Resposta: deve-se à necessidade do pai.

Como ele chegou a essa conclusão? Para o ser humano a vida é mesmo difícil de suportar: a natureza, diz Freud, é cruel, destrói o homem fria e

incansavelmente, e a debilidade do corpo não o ajuda a enfrentá-la. A cultura, através da qual o homem se defende da natureza e dos outros homens, também lhe impõe privações.

Para tornar tolerável o seu desamparo, o homem tenta dar à vida um propósito mais elevado. A partir daí, tudo o

que acontece no mundo passa a ser visto como ‘expressão das intenções de uma inteligência superior’. Este Todo-Poderoso (Pai), embora ‘escreva por linhas tortas’, ordenaria tudo – segundo a visão religiosa – para o melhor. “A própria morte não é uma extinção, não constitui um retorno ao inanimado inorgânico, mas o começo de um novo tipo de existência que se acha no caminho da evolução para algo mais elevado”. Ao final, todo o bem estaria recompensado e todo o mal, punido, se não na realidade pelo menos em existências que iniciariam após a morte. Assim todos os sofrimentos e as agruras da vida estariam destinados a se desfazer.

‘A religião é uma tentativa de obter domínio do mundo perceptível no qual nos situamos, através do mundo dos desejos que desenvolvemos dentro de nós em conseqüência de necessidades biológicas e psicológicas. Mas a religião não pode conseguir isso. Suas doutrinas conservam a marca dos tempos em que surgiram, dos tempos de ignorância da infância da humanidade. Seu consolo não merece fé. A experiência nos ensina que o mundo não é um aposento de criancinhas.’ (conferências Freud)

QUESTÃO - Por que a explicação da origem do universo faz parte de todos os sistemas religiosos? Porque esse deus-criador é chamado de pai, o mesmo pai que, com toda a sua magnificência, aparecia para a criancinha. Freud completa: ‘O homem religioso imagina a criação do universo assim como imagina sua própria origem’. E por isso se ilude. Uma ilusão não é necessariamente um erro. É sim algo que deriva de fantasias de tal modo prementes que o homem despreza a verificação e as relações com a realidade. Por exemplo: sabemos que a Terra tem a forma esférica, resultado de um processo de pensamento baseado na observação, lógica e inferências. Porém, se alguém ainda assim desejar passar pelo mesmo processo, o caminho para adquirir uma convicção pessoal permanece aberto. É isto que não acontece com a religião. Quando indagamos em que ela se funda, as respostas são: devemos acreditar por os antepassados já acreditava; possuímos provas que nos foram transmitidas desde os tempos primitivos; é proibido questionar a autenticidade. É crer ou não crer. E pronto. Aqui entra a fé. Freud sabia que a religião negava muito ao homem, acenando-lhe com satisfações futuras. A pulsão, entretanto, deve alcançar alguma satisfação direta na vida. Funções da Religião:

1. satisfazer a sede de conhecimento do homem; 2. garantir conforto na desventura; 3. estabelecer preceitos, proibições e restrições.

A religião estaria entre as medidas adotadas pelo homem para abolir o mal-estar na cultura. Porém, não é de ilusão que o ser humano deve viver. Ninguém está livre de iludir-se, mas isso é o mesmo que dizer que é de ilusão que se vive. Ao se contrapor às ilusões, que trazem sempre um conjunto de receitas para a felicidade, Freud propõe que cada um possa encontrar a felicidade a seu modo. “Não existe uma regra de ouro que se aplique a todos: todo homem tem de descobrir por si mesmo de que modo específico ele pode ser salvo”. Os argumentos racionais que Freud propõe não têm o objetivo de domar as pulsões. São apenas para que o homem possa enfrentar ‘a vida hostil’ entregue a seus próprios recursos. Que decida por si mesmo, sem as muletas e os narcóticos da religião. Ao se contrapor às ilusões religiosas, Freud está propondo uma nova concepção ética, baseada no valor que dá ao desejo e na primazia da sexualidade para a vida humana. A posição de Freud é: se o homem não recusasse seus desejos e suas pulsões, recalcando-os, poderia inclusive fazer uma escolha. - Texto com referências tiradas dos livros:

O futuro de uma ilusão. Sigmund Freud. O mal-estar na cultura. Sigmund Freud. ; e Freud e a religião. Sérgio Nazar David. Rio de janeiro: Zahar, 2003.

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EECCOOEESSPPIIRRIITTUUAALLIIDDAADDEE NNOO CCAARRIIRRII CCEEAARREENNSSEE:: SSOOLL II DDII FFII CCAAÇÇÃÃOO DDEE UUMM EESSPPAAÇÇOO DDEE ((CCOOMM ))VVII VVÊÊNNCCII AA

Renan Alves Silva1; Ana Lígia Neves da Luz Luna2; Geni Oliveira Lopes3; Francisco Elizaudo de Brito Júnior4

INTRODUÇÃO

Na atualidade, verifica-se um retorno para a visão milenar e ancestral de cuidar do indivíduo de

forma integral e complexa, percebendo os diversos aspectos ao seu entorno como: emocionais, psicossociais,

afetivos e espirituais. Esses aspectos podem ser considerados fatores que afetam a saúde proporcionando o

desencadeamento de alterações funcionais e morfológicas em todo o corpo físico. Constata-se que, os países

ocidentais passam por um momento de redescobertas nas ciências da saúde por acreditarem nas terapias

integrativas e complementares como métodos de auxiliar o indivíduo no seu processo de adoecimento e cura

(ALVIM et al., 2013).

As Terapias alternativas, também nomeadas como Complementares e/ou Integrativas, são

denominadas pela Organização Mundial da Saúde como medicina tradicional e compreendem um grupo de

práticas de atenção à saúde não alopáticas. As principais atividades são: acupuntura, naturopatia, fitoterapia,

meditação, reiki, terapia floral, entre outras.

Verifica-se que essas terapias visam compreender o indivíduo de forma holística, baseado na

confiança e no vínculo terapêutico. Elas vêm crescendo muito, tanto nos países desenvolvidos como nos

países em desenvolvimento. Este crescimento tem gerado questionamentos sobre a eficácia, eficiência,

segurança e qualidade destas práticas, oportunizando muitos estudos sobre este tema (ALVIM et al., 2013).

O Ministério da Saúde, seguindo a diretriz da Organização Mundial da Saúde, aprovou em maio de

2006, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde. Legitimou,

desta forma, a oferta destas práticas oferecidas por profissionais nas Unidades Básicas de Saúde, bem como

das equipes de Saúde da Família, beneficiando uma parcela considerável da população usuária do Sistema

Único de Saúde. (BRASIL, 2006; 2012).

A Política Nacional de Práticas Integrativas pretende desenvolver abordagens à saúde que busquem

estimular a promoção, prevenção e recuperação da saúde utilizando métodos naturais, pautados na escuta, no

acolhimento e no desenvolvimento de vínculos terapêuticos entre usuário, família e profissional de saúde, de

modo a auxiliar no entendimento do conceito ampliado de saúde e no autocuidado. (BRASIL, 2006).

1 Enfermeiro. Docente do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Regional do Cariri. E-mail: [email protected]

2 Enfermeira. Preceptora da Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva da Universidade Regional do Cariri. E- mail: [email protected]

3 Enfermeira. Docente do Curso de Graduação em Enfermagem do Centro Universitário Leão Sampaio. E-mail:

[email protected]

4 Fisioterapeuta. Docente do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Regional do Cariri. E-mail: [email protected]

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Neste foco de atenção à saúde, deve-se que nos últimos nos anos vem crescendo exponencialmente a

busca por essas práticas em todo o país. No entanto, convém destacar que a implementação das PICs ainda

não acontece em todos os serviços da atenção básica. Desse modo, percebe-se que as experiências exitosas

quanto a utilização das terapias integrativas e complementares são frutos da construção de espaços holísticos

com vistas a fortalecer a disseminação dessa prática de saúde. Ainda, no tocante a região caririense cearense

constata-se uma fragilidade da implementação dos recursos aplicados na política nacional de práticas

integrativas e complementares em saúde.

Com isso, torna-se fundamental relatar o processo histórico da implementação de um espaço holístico

direcionado a comunidade local para o fortalecimento dessa corrente e prática de cuidar a partir da criação

do Lar de Francisco.

Diante do exposto, o foco do presente relato é descrever as experiências de trabalho do Lar de

Francisco como um espaço de cuidado holístico a população caririense cearense. Destarte, pretende-se

contribuir para uma melhor compreensão das práticas integrativas e complementares a saúde por meio do

eixo da ecoespiritualidade.

DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA

O presente trabalho, de caráter descritivo, relata a experiência da prática de cuidados holísticos a

população caririense cearense, por meio da criação e solidificação de um espaço baseado na

ecoespiritualidade no município do Crato, Ceará; bem como, compartilhar as vivências ao longo dos últimos

anos.

Torna-se necessário salientar que espaço nasceu da ousadia, motivação, comprometimento e

responsabilidade dos seus membros por acreditarem que ações nesse caráter promove melhor a qualidade de

vida da população local.

O Lar de Francisco se caracteriza como um espaço de convivência e acolhimento voltado para

promoção da qualidade de vida e apoio terapêutico biopsicoespiritual das pessoas em estado de

vulnerabilidade. É uma instituição sem fins lucrativos, fundado em maio de 2011, por um grupo de amigos,

com o propósito de se constituir uma escola de vida, autoconhecimento e um espaço terapêutico integrativo.

Inicialmente, esse projeto foi motivado pelas necessidades e aspirações dos integrantes do grupo fundador.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante o ano de 2011, o grupo fundador cumpriu uma agenda de reuniões semanais para estudos de

temas relacionados à espiritualidade, autoconhecimento, terapia comunitária integrativa. Nos anos

subsequentes até 2016, foram realizadas várias atividades voltadas para as pessoas que procuraram o Lar em

busca de autoconhecimento e liberdade interior. Atividades na forma de palestras e oficinas, sobre temas

diversos voltados para melhoria da qualidade de vida através do autoconhecimento e do autocuidado. Como

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também, foram ofertadas práticas terapêuticas complementares e integrativas, incluindo a aplicação de Reiki,

regeneração celular e passe terapêutico; bem como, rodas de conversa terapêuticas.

No período entre 2015 e 2016 foi realizado um curso de capacitação em terapias energéticas com um

grupo de 20 colaboradores do Lar, onde vários temas foram trabalhados, incluindo, o sistema de cura

prânica, cromoterapia, cristais, aromaterapia, fitoenergética, meditação e terapia comunitária integrativa.

Essa formação ampliou a capacidade de atendimento no Lar.

A partir de janeiro de 2017 começamos a trabalhar com a metodologia dos ciclos terapêuticos. Cada

ciclo correspondendo a uma jornada de autoconhecimento na perspectiva da ecoespiritualização. Leonardo

Boff¹ define assim a Ecoespiritualidade sem se reportar a nenhuma religião:

“A espiritualidade ecológica é um meio para se adquirir uma consciência ecológica. Uma consciência que não é apenas saber intelectual, mas saber do coração, sabedoria que nasce de dentro. Conscientizar-se de que somos parte do planeta, do universo, uns dos outros e que, com todos os seres vivos, formamos a grande comunidade de vida. A consciência ecológica, nascida da Contemplação, é o início de uma jornada muito longa. Assim como a árvore gigante nasce de uma semente minúscula, a experiência seminal da contemplação, nos torna, gradativamente, seres ecológicos. A linha divisória entre o meu mundo interior e o mundo exterior começa a diminuir na medidaem que aprofundamos o nível de contemplação, no qual nos contemplamos a nós mesmos enquanto seres viventes e parte de um todo maior. Em outras palavras, a dualidade entre contemplador e contemplado desaparece na unidade de um fluxo integrador de consciência de ser parte de um todo. Quanto mais formos humanos, mais seremos espirituais e ecológicos.”

Em cada ciclo são acolhidas 10 pessoas. Estruturamos uma agenda anual de 5 ciclos terapêuticos

bimestrais, o que possibilita que um total de 50 pessoas possam vivenciar as jornadas terapêuticas.

Cada jornada inicia com um momento de acolhimento fraterno onde é realizada uma avaliação terapêutica

energética individual, com o objetivo de conhecer qual a busca e motivação para participar das atividades do

ciclo e verificar quais aspectos físicos, psíquicos e espirituais estão fragilizados e necessitam de cuidados. A

jornada de dois meses corresponde a um conjunto de atividades terapêuticas, dentre as quais podemos citar:

Aplicação de terapias energéticas (cura prânica, Reiki e passe terapêutico), cromoterapia, meditação com

canalização da energia dos 7 raios, terapia comunitária integrativa, palestras sobre temas relacionados a

espiritualidade e autoconhecimento e vivências de ecoespiritualização. E no final de cada ciclo é realizado um

encontro para construção da Mandala da Gratidão, onde cada um pode expressar as suas percepções e

sentimentos relativos ao processo vivenciado.

CONCLUSÃO

Constata-se que, o Lar de Francisco é um espaço baseado na utilização das práticas integrativas e

complementares que favorece o autoconhecimento, a liberdade interior. Ainda, verifica-se que o mesmo é espaço

de acolhimento e vínculo terapêutico para a comunidade caririense cearense.

REFERÊNCIAS ALVIM, M. A. T. et al. Práticas integrativas e complementares no cuidado: aplicabilidade e implicações para a enfermagem. 17º Seminário de Pesquisa em Enfermagem. Natal, Rio Grande do Norte, 2013.

BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Práticas Integrativas e complementares no SUS. 2006 BOFF, L. Ética e Eco-espiritualidade. Editora Vozes. 2011.

Brasil. Ministério da Saúde. Cadernos de Atenção Básica. Práticas integrativas e complementares. Plantas medicinais e fitoterapia na atenção básica. Ministério da Saúde: Brasília, 2012.

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