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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS CURSO DE LETRAS PROF. DR. EDUARDO KENEDY APOSTILA DO CURSO FUNDAMENTOS DE LINGÜÍSTICA Esta apostila é distribuída gratuitamente aos alunos do curso através do site www.eduardokenedy.net . Sua reprodução é permita desde que as citações das fontes (Universidade, Departamento e Autor) sejam preservadas. Direitos reservados. Eduardo Kenedy ©

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UNIVERSIDADE FEDERAL

DA PARAÍBA

DEPARTAMENTO DE LETRAS

CLÁSSICAS E VERNÁCULAS

CURSO DE LETRAS

PROF. DR. EDUARDO KENEDY

APOSTILA DO CURSO

FUNDAMENTOS

DE

LINGÜÍSTICA

Esta apostila é distribuída gratuitamente aos alunos do curso

através do site www.eduardokenedy.net. Sua reprodução é

permita desde que as citações das fontes (Universidade,

Departamento e Autor) sejam preservadas.

Direitos reservados. Eduardo Kenedy ©

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Fundamentos de Lingüística

- Um exercício que vai demonstrar alguns aspectos priorizados no curso: (i) análise e visão critica; (ii) coerência e compromisso científico; (iii) percepção e conhecimento do “novo”. Como é possível, a partir dos textos abaixo, obtermos uma “definição de bolso” de Lingüística? * Bechara (1999, p.52): “Cabe à gramática normativa, que não é uma disciplina com finalidade científica e sim pedagógica, elencar os fatos recomendados como modelares da exemplaridade idiomática para serem utilizados em circunstâncias especiais de convívio social. A gramática normativa recomenda como se deve falar e escrever segundo o uso e autoridade dos escritores corretos e dos gramáticos e dicionaristas esclarecidos”. * Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) (1960): - Aspectos que devem ser atendidos: (a) terminologia simples, adequada e uniforme; (b) exatidão científica do termo; (c) sua vulgarização internacional; (d) sua tradição na vida escolar brasileira. Fonte: Dicionário brasileiro da língua portuguesa (p.34). São Paulo : Globo. 1993.

(i) * Vamos começar pelo texto de Bechara. Podemos representá-lo esquematicamente da seguinte forma:

Gramática Normativa Objeto: Os fatos recomendados...

Objetivo: Pedagógico Base: O uso e autoridade...

* Vemos que se trata de uma disciplina com um objeto restrito (são apenas os fatos recomendados da língua e não a língua como um todo), com um objetivo definido (ensinar, o que não significa necessariamente pensar sobre) e construída sobre uma base estabelecida (os escritores corretos e os gramáticos e dicionaristas esclarecidos). (ii) * A oposição destacada por Bechara é reveladora: em muitos sentidos, uma atividade pedagógica não é uma atividade científica. Quando um professor quer ensinar algo, ele limita o tema, faz simplificações, evita abordar questões pouco entendidas, etc. - Um exemplo é a divisão do átomo. Nas aulas de Física e Química, aprendemos que um átomo é dividido em elétrons, prótons e nêutrons. Isso basta para resolver as questões que nos são apresentadas. Hoje, no entanto, já se sabe que o átomo é dividido em quarks, que se dividem em 4 tipos, e em leptons, que se dividem em 2 tipos. Um próton é a união de 2 quarks-top e 1 quark-bottom, um nêutron é a união de 1 quark-top e 2 quarks-bottom. Um elétron é um tipo de lepton. Nosso professor de Física é “culpado” por não ter ensinado isso? Essa pergunta faz sentido diante do que ele se propõe a fazer? O mesmo acontece com o professor de Gramática Normativa. * Ao privilegiar o lado pedagógico, a Gramática Normativa deixa aberta a porta para uma disciplina que privilegie o lado científico. Essa disciplina será a Lingüística.

• Aceitar o compromisso científico significa cumprir uma série de exigências, como se verá mais adiante. Isso fará com que a

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Lingüística vá se diferenciar da Gramática Normativa não só pelo seu objetivo, mas também pelo seu objeto e sua base.

(iii) * Podemos esquematizar esse novo ponto de vista da seguinte forma:

Lingüística Objeto: “Língua”

Objetivo: Científico Base: Pesquisas

* Resumidamente, temos nossa “definição de bolso” de Lingüística:

A Lingüística vai ser o que a Gramática Normativa não é: um estudo científico de Língua, realizado a partir de pesquisas.

* Ao tomar a postura científica, a Lingüística se torna uma atividade essencialmente crítica. Ela somente aceitará aquilo que apresentar coerência e compromisso científicos. * Podemos exemplificar essa visão crítica analisando os principais aspectos que serviram de base para a formulação da Nomenclatura Gramatical Brasileira, a NGB. A questão chave é saber se é possível obter um consenso sobre um determinado termo atendendo às exigências de (a) a (d). * Outro exemplo da visão crítica da Lingüística pode ser visto na análise de algumas definições de sujeito, dadas pelas Gramáticas Escolares: (a) Sujeito é o elemento que realiza a ação; (b) Sujeito é o elemento sobre o qual se faz uma declaração. * Podemos comprovar que essas definições são inadequadas ao aplicá-las às seguintes orações: - Pedro levou um tiro de Paulo. - O copo quebrou. - O João, a Maria não quer ver nem pintado de ouro. - Choveu muito ontem no Rio.

* Essas críticas fazem surgir uma questão: “Acima foi dito que Lingüística e Gramática Normativa são duas disciplinas distintas. Podem elas conviver pacificamente ou haverá um curto-circuito entre elas?” Dizer que as pessoas falam errado é: (a) um equívoco lingüístico, pois ignora o fato de que a língua está variando. (b) um desrespeito humano, pois humilha e desvaloriza a pessoa que recebe a quali- ficação de que fala errado. (c) um erro político, pois ao se rebaixar a auto-estima lingüística de uma pessoa ou de uma comunidade contribui-se para amedrontá-la e torná-la passiva.

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1. Limpando o terreno: métodos e conceituações * Neste tópico do curso, veremos: (I) algumas noções sobre Ciência e como aplicá-las; (II) definições de termos que serão úteis para o restante do curso; (I) * Podemos começar com a pergunta “Por que fazer ciência?”. Afinal de contas, quem escolheu Letras provavelmente estava fugindo das Ciências Exatas, Biológicas, etc. Mas veja se o texto abaixo, retirado da prova de Português Instrumental do Vestibular da Uerj para 2003, pode mudar sua opinião: O DEFEITO Note algo muito curioso. É o defeito que faz a gente pensar. Se o carro não tivesse parado, você teria continuado sua viagem calmamente, ouvindo música, sem sequer pensar que automóveis têm motores. O que não é problemático

não é pensado. Você nem sabe que tem fígado até o momento em que ele funciona mal. Você nem sabe que tem coração até que ele dá umas batidas diferentes. Você nem toma consciência do sapato, até que uma pedrinha entre lá dentro. Quando está escrevendo, você se esquece da ponta do lápis até que ela quebra. Você não sabe que tem olhos – o que significa que eles vão muito bem. Você toma consciência dos olhos quando eles começam a funcionar mal. Da mesma forma que você não toma consciência do ar que respira, até que ele começa a feder... Fernando Pessoa diz que “pensamento é doença dos olhos”. É verdade, mas nem toda. O mais certo seria “pensamento é doença do corpo”. Todo pensamento começa com um problema. Quem não é capaz de perceber e formular problemas com clareza não pode fazer ciência. Não é curioso que nossos processos de ensino de ciência se concentrem mais na capacidade do aluno para responder? Você já viu alguma prova ou exame em que o professor pedisse que o aluno formulasse o problema? (...) Freqüentemente, fracassamos

no ensino da ciência porque apresentamos soluções perfeitas para problemas que nunca chegaram a ser formulados e compreendidos pelo aluno.” (ALVES,Rubem.Filosofia da ciência:introdução ao jogo e suas regras.São Paulo:Brasiliense,1995.)

* O autor menciona várias fontes de “defeito” que fazem surgir o pensar. Não precisamos ir muito longe para descobrir que quando se fala sobre Língua Portuguesa também podemos encontrar muitos “defeitos” (é só voltar duas páginas!!). * Portanto, parece que a necessidade da ciência está justificada. Mas agora, a pergunta seguinte é como fazer ciência (e claro, como fazer ciência pensando nos temas de língua). * Vamos “treinar” um pouco. Abaixo estão duas notícias que foram publicadas ano passado. Vamos analisá-las: (a) “Atores da novela O Clone estão contraindo o vírus da dengue. Já se fala de uma “maldição da novela” nos bastidores”. - Como é possível dizer que essa maldição não existe? (b) “Ensinar faz mal à saúde: Pesquisa revela que 80% dos profissionais de ensino têm problemas como stress, nervosismo, etc.” - Vamos admitir que a pesquisa foi bem feita; o que essa notícia não nos revela? (c) “Jogadores brasileiros fazem 10% dos gols no Campeonato Espanhol”. - Esse resultado é bom ou ruim? O que precisamos saber para chegar a uma resposta?

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* É através da análise impessoal e total do problema que a ciência se desenvolve. Veja o texto abaixo, retirado do 1º Exame de Qualificação do vestibular da Uerj para 2003: POR QUE ACREDITO MAIS NA CIÊNCIA DO QUE NA RELIGIÃO Eu acredito na ciência porque ela não pede que acreditemos nela. A ciência nos diz honestamente que conhece apenas parte da natureza. Assume tranqüilamente que não tem todas as respostas e que nunca as terá. A ciência não exige fé, mas convencimento. Sabe ser reflexo de todos os preconceitos e fraquezas das sociedades que a produziram, mas procura transcendê-los. Sabe que é falha, limitada e mutável, e nisso consistem sua força e sua beleza. Por tudo isso, não é que eu acredite na ciência. Eu, simplesmente, confio nela. (NOGUEIRA,Renata Nascimento.Folha de São Paulo,outubro de 2001.)

* Estamos, então, em uma encruzilhada: por um lado, temos consciência de que o caminho da ciência parece ser o mais adequado; por outro lado, devemos ter em mente que esse caminho não leva a uma “resposta final”, à “verdade”. * Mesmo assim, parece que não temos escolha, a não ser fazer ciência. Por sinal, a Universidade é o templo da ciência por excelência. Dificilmente, você encontrará (e produzirá) algo parecido com o texto a seguir, também retirado 1º Exame de Qualificação do vestibular da Uerj para 2003: POR QUE ACREDITO MAIS NA RELIGIÃO DO QUE NA CIÊNCIA Coincidência. Acaso. Destino. Tantas explicações que não explicam muito, quando a gente fala de uma coisa que nos intriga e para a qual sabemos que não existe mesmo uma explicação. Acho que a religião supera em muito a ciência porque se apega à capacidade mais indômita do ser humano – a de acreditar. Gosto de saber que existe alguém comigo o tempo todo, que me ouve, que me faz estar neste ou naquele lugar na

hora certa por este ou aquele motivo. É o inesperado, o salto no escuro. Quem não acredita, fica vagando somente entre as possibilidades. Eu prefiro contar com o impossível que, convenhamos, vive cruzando nosso caminho. Além do mais, a quem você gostaria de recorrer na hora daquele aperto, a um Deus misericordioso que pode te ouvir e dessa vez – só dessa vez! – livrar sua cara ou ao Einstein, com aquela baita língua de fora? (RODRIGUES,Angela Guagnelli.Folha de São Paulo,outubro de 2001.)

(II) * Podemos, agora, começar a aplicar a discussão acima sobre ciência a temas de relevância para o nosso curso. O objetivo dessa parte é analisar alguns termos e chegar a um consenso sobre as definições que daremos a cada um deles e que serão utilizadas no decorrer do curso. * O primeiro termo que precisamos definir é linguagem. Como em 99% das vezes nós associamos esse termo como sendo um conjunto de elementos que está a serviço da comunicação, vamos ficar com essa definição em mente. * Desse modo, não só os seres humanos têm linguagem, mas os animais (ver os exemplos das abelhas, macacos, golfinhos, seu animal de estimação, etc.) também têm. Além disso, uma linguagem pode surgir mesmo a partir de elementos inanimados: a linguagem do sinal de trânsito, das flores, da moda, etc. * O que a nossa definição acima não revelou é que o conjunto de elementos é estruturado. Isso quer dizer, por exemplo, que sempre a luz verde vai estar debaixo da luz amarela, em qualquer sinal de qualquer rua. A dança das abelhas também obedece a uma organização.

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<< Ler texto teórico sobre

Linguagem humana X Comunicação animal >>

* Note que o autor não utiliza o termo linguagem para os animais. No entanto, confere a eles a posse de um sistema que serve para fins comunicativos. Nesse curso, nós vamos chamar esse sistema de Linguagem. * Note, também, que o autor utiliza a expressão “linguagem humana”. De algum modo, ele quer enfatizar que um dos tipos de linguagem que somente os seres humanos utilizam é diferente dos demais tipos de linguagem. Em outras palavras, a linguagem humana é aquilo a que vamos nos referir como sendo Língua. Uma definição mais detalhada de língua será apresentada mais adiante; * Há algumas evidências de que a Língua não é somente um sub-sistema da Linguagem, mas um sub-sistema especial. Tão especial que acabou merecendo uma ciência só para ele... * O próprio texto 4 se ocupa em abordar algumas dessas evidências, que vamos esquematizar a seguir:

Linguagem Língua Pode ser produzida

sem estímulos? NÃO SIM

É possível o uso da criatividade?

NÃO SIM

Pode-se analisá-la em componentes?

NÃO SIM

Está relacionada com o pensamento?

NÃO SIM

* Vamos testar esse esquema e classificar: (a) o choro dos bebês: _________________ (b) os sinais dos surdos: ________________

<< Pausa para enfatizar que NÃO estamos tratando da escrita, que é apenas uma codificação gráfica e é sempre secundária >>

* Uma evidência pouco mencionada, mas igualmente válida, é o famoso caso do “Sr. Tan”... * Antes de passarmos adiante, vale notar que essas definições são nossas. Isso não significa que estamos isolados dos demais autores e estudiosos. Pelo contrário, a cada livro que consultarmos vamos encontrar definições diferentes de Linguagem e Língua. O que acontece é que todos estão dando nomes diferentes para os mesmos conceitos. Que existam sistemas para fins comunicativos e que o sistema que o ser humano usa é específico e diferente dos demais é ponto pacífico entre os estudiosos. * Vamos nos deter mais no termo Língua e em como se dá o uso da Língua pelos seus falantes. Estando eles em sociedade, temos como conseqüência que a Língua será usada de acordo com as divisões que existirem nessa sociedade. No nosso caso, podemos de imediato identificar as seguintes:

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(a) geográfica (Nordeste, Sudeste, Sul, etc.); (b) econômica (nível alto/baixo de renda familiar); (c) educacional (nível alto/baixo de escolaridade); (d) etária (jovens, adultos e idosos). * A cada um dos usos feito por um desses grupos podemos dar o nome de Norma. Assim, a Língua tal como é falada no Nordeste é a “norma do Nordeste”, tal como é falada pelos jovens é a “norma dos jovens”. Note que Norma está sendo usado com sentido daquilo que é “normal, habitual” do grupo, não como uma imposição (ninguém obriga um carioca a falar o [s] chiado...). * Além dessas divisões, pelo menos uma é de interesse para nós: a divisão entre ambiente formal e informal. O nome que é dado à norma utilizada em ambientes formais é “Norma Culta”. Outra norma que recebe um nome especial é a “norma geográfica”, que é chamada de Dialeto. * Para completar as definições, devemos lembrar que embora vivamos em grupos, cada um de nós possui particularidades no modo de usar a Língua. É fácil perceber isso: quando ligamos para casa e alguém conhecido atende já identificamos a pessoa, bastando apenas um “alô” (a situação inversa se dá quando a ligação cai errado...). A esse modo individual de usar a Língua chamamos de Idioleto. * Podemos esquematizar essas definições:

LINGUAGEM

↓ ↓ HUMANA ANIMAL ORAL/VISUAL ↓ LÍNGUA ↓ Normas ↓ idioletos

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* Apenas para servir de gancho para o próximo tópico e para provocar: (a) como classificar a Língua Portuguesa falada no Brasil e em Portugal (e nos demais países de LP)? Podemos dizer que já são línguas diferentes? (b) se Espanhol, Francês, Italiano e Português são derivados do Latim, podemos dizer que são “dialetos do Latim”?

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2. Todas as questões em um só lugar: a contribuição de Saussure * Localizando Saussure na pronúncia:

Saussure [sôsir] * Localizando Saussure no tempo e no espaço:

Começo do século XX Europa * Localizando Saussure intelectualmente: Estudos lingüísticos do final do século XIX eram historicistas.

No começo do século XX, “fazer Ciência” estava em alta.

- Qualquer semelhança com “Romantismo” x “Realismo” não é mera coincidência. * Saussure percebeu que os estudos lingüísticos de sua época incorriam em um grave erro. Vejamos suas palavras: “Tal escola, porém, que teve o mérito incontestável de abrir um campo novo e fecundo, não chegou a constituir a verdadeira ciência da Lingüística. Jamais se preocupou em determinar a natureza do seu objeto de estudo. Ora, sem essa operação elementar, uma ciência é incapaz de estabelecer um método para si própria”. (CLG, ed. bras., p.10). * Pode-se ver desde já qual a tarefa que Saussure se propôs a realizar. Mas... acima foi dito “suas palavras”?? Isso é impossível e por um motivo bem simples: o texto que contém as idéias de Saussure sobre a Lingüística enquanto uma ciência não foi escrito por ele...

* Esse texto se chama “Curso de Lingüística Geral” (CLG) e foi publicado em 1916, três anos após a morte de Saussure, por seus alunos com base em suas aulas, dadas entre 1908 e 1910. * O CLG, portanto, se assemelha a textos como os Evangelhos, em que a palavra de uma pessoa é transcrita por outra, gerando contradições, mal-entendidos, confusões, etc. - Apenas a título de exemplo, veja a última frase do livro (mas não por isso a menos importante, pelo contrário, talvez para quem está lendo, parece ser a mais importante): “(...) a idéia fundamental deste curso: a Lingüística tem por único e verdadeiro

objeto a língua considerada em si mesma e por si mesma.” (CLG, ed. bras., p.271). - Pouco mais de 50 anos mais tarde, em 1967, descobriu-se que essa frase não havia sido dita por Saussure... * Uma abordagem ao CLG que tente desviar dos problemas internos ao texto pode seguir a proposta apresentada no prefácio da edição brasileira: “O Curso de Lingüística Geral não é uma “bíblia” da Lingüística moderna, que dê a última palavra sobre os fatos, mas é ainda o ponto de partida de uma problemática que continua na ordem do dia” (destaque meu). * No entanto, antes de dar prosseguimento a essa abordagem vale a leitura dos seguintes textos da apostila: Texto: “A vida e as idéias geniais e dicotômicas do pai da ciência lingüística Ferdinand de Saussure”, José Lira, 4 p.

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* Nosso interesse em estudar as idéias de Saussure nesse curso está, portanto, relacionado ao fato de essas idéias serem não apenas as fundadoras da Lingüística enquanto ciência no século XX, mas muito mais porque essas idéias vão nos levar às questões principais da Lingüística hoje, fazendo com que tenhamos um entendimento muito mais claro da Lingüística contemporânea. * Uma das principais preocupações de Saussure era com a visão historicista que dominava os estudos lingüísticos do final do século XIX. Segundo essa visão, o objetivo do lingüista seria traçar comparações entre as línguas para se descobrir regularidades nas mudanças lingüísticas e para se determinar como teria sido a língua que deu origem ao Latim, ao Grego e ao Hindu, o Indo-Europeu. * Uma das características dessa visão é que ela determinava que a compreensão de uma língua em um dado momento no tempo somente poderia ser alcançada retomando a história dessa língua. Saussure notou alguns problemas dessa visão: (a) nem sempre temos acesso fácil à história das línguas; (b) o falante de um determinado momento no tempo não tem acesso a informações históricas; (c) vestígios históricos não têm papel nenhum na estruturação da língua em um determinado momento no tempo.

Ex.: somente estudiosos sabem que “fidalgo” é o resultado histórico de uma aglutinação de “filho de algo”. Se um falante de Português classifica “fidalgo” como uma palavra que não é resultado de uma derivação é porque é assim que essa palavra se encontra na organização do sistema. - Outro exemplo de que podemos abrir mão da história é o da classificação do verbo “pôr” como sendo da segunda conjugação. Em vez de apelar para o Latim (ponere), podemos estabelecer que um verbo será da 2ª conjugação se no presente do indicativo, a vogal após o radical que aparecer mais vezes for o [e] (ponho, você põe, ele põe, a gente põe, vocês põem, eles põem). * Saussure chamou o estudo histórico de DIACRÔNICO e o estudo de um momento no tempo de SINCRÔNICO. Toda vez que assistimos uma novela de época, estamos vendo um estudo sincrônico (para que os atores falem aproximadamente como no século XVIII, por exemplo, bastou alguém pesquisar somente o século XVIII). * Para firmar sua oposição aos estudos historicistas, Saussure propôs (ou melhor, o CLG propôs) que a Lingüística fosse essencialmente uma ciência sincrônica, por oposição a uma Lingüística diacrônica que seria secundária em relação à primeira.

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* Havia outra razão para Saussure privilegiar a Sincronia em detrimento da Diacronia. Essa razão estava ligada à definição de Língua, que era confusa entre os historicistas do século XIX. Isso porque eles misturavam aspectos de mudança lingüística com aspectos do sistema lingüístico. Saussure enfatizou a importância de se diferenciar a ESTRUTURA do USO DA ESTRUTURA. * O termo ESTRUTURA pode ser entendido como o conjunto de informações que todo falante possui em sua mente/cérebro de sua língua. Essa Estrutura é que vai ser responsável pela possibilidade de comunicação entre falantes da mesma língua. Na verdade, trata-se de um círculo: a Estrutura vem do contato com a sociedade e permite, por sua vez, o contato com a sociedade. * Essa Estrutura seria comum a todos os falantes de uma língua e a ela Saussure chamou de LANGUE. * Por outro lado, Saussure tinha consciência de que o USO dessa Estrutura seria variável, a depender de cada indivíduo em cada situação. Ao USO da Estrutura Saussure chamou de PAROLE (ou Fala). Podemos entender o termo Fala como englobando os termos que vimos anteriormente (Normas e Idioletos). * Essa variação seria o motor da mudança: a concretização da Estrutura (ou seja, a Fala) com seu caráter variável levaria a interpretações distintas, desencadeando o processo de mudança.

* Podemos, nesse momento, imaginar qual das duas opções (Langue ou Parole) Saussure vai escolher para ser o objeto de estudo da Lingüística. Será aquela que estiver relacionada à Sincronia, ou seja, a Langue. A Parole está intimamente relacionada à Diacronia. Seu estudo só faz sentido se for feito diacronicamente. * Mais uma vez, relembramos que apesar de usarmos sempre “Saussure escolheu..., propôs..., observou..., etc”, temos apenas o texto do CLG como fonte. Isso significa que, apesar de termos visto sempre os dois lados (Sincronia e Diacronia, Langue e Parole), houve uma orientação para que o estudo da Langue sincronicamente fosse encarado como a Lingüística propriamente dita, enquanto que o estudo da Parole diacronicamente fosse relegado a segundo plano. * Uma possível razão para essa orientação é encontrada na última frase do CLG (que não é de Saussure). Somente o estudo sincrônico da Langue toma a língua em si mesma; realizar um estudo diacrônico (e por sua vez focalizar a mudança lingüística) é uma atividade que envolve outros conteúdos, tais como História, Sociologia, Psicologia, etc. Por isso, a Lingüística propriamente dita foi chamada de Lingüística Interna e a Lingüística que utiliza emprestado conteúdos de outras ciências foi chamada de Lingüística Externa.

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* Parece ser interessante fazer um esquema do que foi apresentado até agora das idéias de Saussure. Faça-o.

* Todas as correntes que veremos a seguir no curso representam uma tomada de posição em relação às questões colocadas por Saussure. Essas questões são sinalizadoras de possibilidades de compreensão do fenômeno lingüístico. Não há nenhum trabalho prático feito por Saussure nem ninguém que hoje seja “Saussuriano” (no sentido de fazer pesquisas lingüísticas estritamente de acordo com o pensamento de Saussure). * As questões, tendo sido lançadas, foram obtendo diversas respostas ao longo do século XX e foram se modificando, se complicando, se entremeando. * Nas 3 páginas seguintes, você vai encontrar: (a) as áreas com que a Lingüística se relaciona (além da Lingüística por si, é claro). Esse esquema faz surgir a seguinte pergunta: “Se a Lingüística é uma ciência, a qual área ela pertence (Exatas, Biológicas ou Humanas)?” (b) um pequeno manual do “lingüista completo”; (c) uma linha do tempo contendo as principais correntes lingüísticas do século XX.

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Filosofia ↓

Filosofia da Linguagem

Matemática ↓

Lógica

Informática ↓

Lingüística Computacional

Inteligência Artificial

↓ Processamento

Psicologia ↓

Psicolingüística (Aquisição e

perda)

Sociologia ↓

Sócio-lingüística

Genética ↓

Evolução da Linguagem

P R A G M Á T I C A

USOS

DA LÍNGUA

LINGÜÍSTICA NUCLEAR:

SONS ESTRUTURAS

SENTIDO

USOS

DA LÍNGUA

P R A G M Á T I C A

Antropologia ↓

Lingüística de Campo

Clínica ↓

Terapia da Fala

História ↓

Lingüística Histórica

Línguas clássicas ↓

Estilística

Línguas Estrangeiras

↓ Ensino de LE

Direito ↓

Lingüística Forense

Medicina e Biologia ↓

Neurolingüística

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O “lingüista completo”... (a) preocupa-se com o estudo das línguas em particular como fins em si mesmas, para poder produzir suas descrições completas e corretas; (b) estuda as línguas como um meio para um fim posterior, de modo a obter informações sobre a natureza da linguagem em geral; (c) quer descobrir com a linguagem “funciona”, e isto ele faz através do estudo de línguas específicas; (d) procura ser tão objetivo quanto possível e busca evitar falsos conceitos sobre a natureza da linguagem e das línguas que, neste sentido, foram predominantes; (e) concentra sua atenção nos hábitos de fala de uma comunidade, e, só em segunda instância, nos hábitos da escrita; (f) tenta descrever cada língua dentro de seus próprios termos – não interpretando considerações aplicáveis somente a uma outra língua qualquer – e todos os estilos ou níveis de uso daquela língua, não se concentrando somente nos estilos formal ou literário; (g) esforça-se para manter os critérios de descrição lingüística que se originem unicamente da natureza da linguagem, e não introduz critérios de outros aspectos do comportamento humano, como os que se assentam na lógica, na estética, ou mesmo no mérito literário, para explicar pontos de uso; (h) mantém clara em sua mente a distinção entre a informação histórica e a não-histórica e não permite que informações irrelevantes sobre o uso passado influenciem a sua avaliação de qualquer um dos estágios da língua; (i) evita ser prescritivo; (j) evita fazer julgamentos descuidados e de caráter impressionista sobre o que ele pensa que acontece na linguagem e leva em consideração o uso dos falantes nativos em exames; (l) tenta sistematizar suas observações sobre uma língua, estabelecendo uma relação de todas as línguas com uma teoria lingüística delineada para este fim; (m) tenta ir além dos aspectos superficiais da estrutura da língua para ver quais são as forças realmente importantes que estão operando sobre e dentro da língua. (extraído de Crystal, D. O que é a lingüística?. Ao livro Técnico : Rio de Janeiro. 1981. p.17)

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╠⇒ L I N G Ü Í S T I C A C O N T E M P O R Â N E A → → →

Estruturalismos Gerativismo Sociolingüística Funcionalismos Sociolingüística Paramétrica

1916-1957 1957 - hoje década 60 - hoje década 70 - hoje década de 80 - hoje Como um método da Lingüística vai fazer

você ser capaz de descobrir os fonemas

e os morfemas do Turco, Hausa,

Japonês e qualquer outra língua falada

em qualquer lugar da Terra.

Como dizer que em “Chove” tem sujeito ajuda a entender por que as pessoas dizem “Chegou dois alunos”

e ainda explica diferenças entre Inglês, Francês,

Italiano e Português.

Falta de concordância verbal e nominal é

coisa de brasileiro (= “índio e negro”)?

Uma prova empírica de que a falta de

concordância vem de Portugal, muito antes

de Cabral!

Como e por que sua fala é condicionada por fatores extra-

lingüísticos e você nem percebe, ou

melhor, “finge” que não percebe ou

quando sabe, utiliza isso a seu favor!!

Portugueses e brasileiros falam a

mesma língua? Estudos diacrônicos e sincrônicos revelam diferenças profundas entre os dialetos (ou línguas?) brasileiro e

português.

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3. Observar, analisar, descrever: o modelo estruturalista * As décadas seguintes à publicação do CLG assistiram ao surgimento e o predomínio de um modelo de fazer Lingüística que privilegiava a Langue (logo ESTRUTURA) como objeto de estudo e a Sincronia, como método. * É impossível nesse curso traçar a história do modelo estruturalista com todas as suas correntes, desde as que surgiram na Europa na década de 20 ainda sob a influência direta do CLG até as correntes norte-americanas que dominavam os estudos no começo da década de 50. * A leitura desse texto revela a ampla gama de variadas correntes estruturalistas. O texto foi escrito pelo primeiro lingüista brasileiro, J. Mattoso Câmara Jr., que foi um estruturalista que “bebeu” em várias fontes (tanto a européia quanto a norte-americana). * Podemos nos restringir a duas idéias, dentre as muitas que marcaram (e marcam até hoje) os estudos lingüísticos, que nos darão uma dimensão do projeto estruturalista, que por sua vez, contém em si o germe do seu declínio. (1) Um método para a descrição * Uma das bandeiras do Estruturalismo foi a afirmação da Lingüística como sendo uma ciência descritivista, por oposição à

Gramática Normativa, uma atividade prescritivista em sua essência. * O ímpeto descritivista tornou-se a marca registrada do Estruturalismo. A idéia era que dada uma língua X, ao entrar em contato com os fenômenos lingüísticos dessa língua (o que se pode chamar de dados), seria possível descrever a estrutura da língua. << Obs.: os estruturalistas norte-americanos desempenharam

papel muito importante na documentação das línguas indígenas americanas em extinção >>

* Deixando propositalmente de lado a Sintaxe, podemos nos concentrar nos métodos utilizados pelos estruturalistas no campo da Morfologia e da Fonologia. * Os elementos que constituem esses dois campos (o morfema e o fonema, respectivamente) representam o que conhecemos por “dupla articulação da linguagem”, um conceito desenvolvido pelo lingüista André Martinet: em um primeiro plano, temos forma e conteúdo (o morfema, união de som e sentido) e em um segundo plano temos apenas a forma (o fonema, esvaziado de sentido). A pergunta “Qual é o significado do fonema /a/?” é absurda, enquanto que a pergunta “Qual é o significado do morfema [in-]?” possui uma resposta plausível. Martinet argumentou que apenas a linguagem humana possui a “dupla articulação”.

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* O método para “descobrir” os fonemas de uma língua é simples (embora, o processo de descoberta muitas vezes não seja): escolhem-se dois sons semelhantes; (a) se a troca de um por outro ocasionar mudança de significado, são fonemas; (b) se eles ocuparem as mesmas posições na palavra, são alofones; (c) se um aparecer em um contexto fonológico em que o outro não aparece, um é alofone condicionado do outro. - Exemplificando cada situação: (a) Os sons [k] e [x] são fonemas em Grego: [kano] “fazer” [kori] “filha” [krima] “vergonha” [xano] “perder” [xori] “dança” [xrima] “dinheiro” (b) Os sons [r] e [l] são alofones em Kalabá: [naro] “odiar” [rarol] “roubar” [meruso] “cego” [nalo] “odiar” [ralol] “roubar” [meluso] “cego” (c) O som [z] é alofone condicionado do [s] em Japonês: [higazi] “leste” [sensei] “professor” [san] “três” [futatsu] “dois” [simazu] “fazer” [soda] “céu”

* Em Morfologia, o método era igualmente simples: a comparação de formas em vários contextos levaria ao estabelecimento de seu significado. - Exemplos: (a) Sabendo que em Turco, “kilim” significa “tapete” e que: “kilimler” “tapetes” “kilimde” “no tapete” “kilimlerde” “nos tapetes”, e sabendo que “deniz” significa “oceano” e “resim” significa “desenho”, é possível saber quais são as formas para “oceanos”, “no oceano”, “nos oceanos”, “desenhos”, “no desenho” e “nos desenhos”. (b) Hausa é uma das principais línguas da África Ocidental.É falada como primeira língua por aproximadamente 22 milhões de pessoas e como segunda língua por aproximadamente 16 milhões de pessoas. A maioria dos falantes de Hausa vive na Nigéria. A Nigéria é um dos países mais diversos linguisticamente no planeta. A maioria dos nigerianos fala pelo menos três línguas: sua língua nativa, uma língua de comércio e o Inglês. Há 470 línguas indígenas faladas na Nigéria hoje. Todos os cavalariços são homens.

Preencha a tradução em Português: 1. mace za hura wuta ‘A mulher vai começar o fogo’ 2. mace ta hura wuta ‘A mulher começou o fogo’ 3. make za hura wuta ‘O cavalariço vai começar o fogo’ 4. macera za hura wuta ‘As mulheres vão começar o fogo’ 5. makera za hura wuta

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(c) O Quechua é uma língua sul-americana falada por cerca de 8 milhões de pessoas, a maioria vivendo nos Andes (Peru, Bolívia e Equador). O Quechua foi a língua oficial do Tawantinsuyu, ou Império Inca, antes da invasão espanhola em 1532. Por centenas de anos, Cuzco, onde agora é o Peru, foi a capital do Império Inca. As frases abaixo representam a variedade de Quechua correntemente falada em Cuzco e na área vizinha

ao Lago Titicaca. As frases abaixo estão em Quechua com suas traduções fora de ordem. Indique qual tradução serve para qual frase: 1. Antukaq chakranpiqa t'ikashanmi papa. ____ 2. Siskuq chakranpiqa wiñashanmi sara. ____ 3. Siskuq chakranpiqa rurushansi kiwña. ____ 4. Antukaq chakranpiqa t'ikashanchá kiwña.____ 5. Siskuq chakranpiqa wiñashansi sara. ____ 6. Antukaq chakranpiqa wiñashanchá papa. ____ A. Batatas podem estar crescendo no campo de Antuka. B. Margarida pode estar florescendo no campo de Antuka. C. Milho está crescendo no campo de Sisku. D. Ouvi que milho está crescendo no campo de Sisku. E. Ouvi que margarida está sendo florindo no campo de Sisku. F. Batatas estão florescendo no campo de Antuka. Agora, forneça as traduções das seguintes frases em Quechua: 7. Istuchaq chakranpiqa t'ikashansi sara. 8. Sawinaq chakranpiqa wiñashanchá kiwña. 9. Tumasaq chakranpiqa rurushanmi papa. 10. Kusiq chakranpiqa t'ikashanchá papa. 11. Inashuq chakranpiqa rurushansi kiwña.

* Esses métodos para a descrição eram feitos língua a língua, ou seja, embora houvesse a idéia de que os métodos serviriam para qualquer língua, o resultado obtido em uma poderia (ou deveria) ser tratado diferentemente da outra. - Exemplo: em Português, o morfema zero surge em determinados contextos (presente do indicativo, masculino, singular, etc.). Em outras línguas, pode haver um número menor ou maior de morfemas zero e em muitos outros contextos. * Podemos, então, visualizar duas características, que se tornariam duas grandes limitações, do modelo estruturalista: (a) o produto final do trabalho era uma lista com as formas existentes em uma língua; (b) as listas eram construídas por língua, independente de outras.

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(2) Uma base teórica para entender aquisição * Uma das idéias mais conhecidas e difundidas (até hoje) do Estruturalismo pertenceu a sua corrente norte-americana. Foi a idéia de que a aquisição de linguagem (entenda linguagem como sendo o nosso conceito de língua) se dava através de um conjunto de hábitos (em outras palavras, por imitação). * Vamos construir o esquema da aquisição da linguagem, segundo uma visão behaviorista:

* Por trás da idéia de que a aquisição da linguagem se dá do mesmo modo que qualquer aquisição de comportamento, estão duas outras idéias que estão relacionadas entre si: (a) ao nascer, a criança é como uma “folha em branco”: todos os conhecimentos e seu desenvolvimentos serão fruto da experiência; (b) se (a) for verdadeiro, então o conceito de “mente” pode ser dispensado, pois tudo poderia ser explicado fazendo-se menção a processos fisiológicos do corpo humano. * Que a idéia de que a aquisição (ou aprendizado, para eles não havia diferença) seria resultado de um conjunto de hábitos é ainda amplamente difundida ainda hoje é visível em cursos de idioma que, alegando uma base lingüística (a estruturalista), direcionam sua metodologia para a repetição de estruturas. Essa repetição formaria os hábitos e com o tempo o aluno apreenderia, como um “reflexo”, as estruturas da língua. - Essa adaptação não está livre de problemas, pois: (a) o esquema behaviorista foi construído para a aquisição de língua materna, não estrangeira; (b) ela se opõe a teorias que privilegiam o papel do sujeito (o Construtivismo Piagetiano, por exemplo); (c) ela desconsidera a existência de Noam Chomsky e suas idéias (o que é um crime tão grande quanto desconsiderar as idéias de Freud e Darwin, por exemplo).

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1. A ambição da explicação: a hipótese gerativista * Pode-se dizer que a hipótese gerativista surge para resolver de modo unificado dois grandes problemas do Estruturalismo (a saber, o descritivismo excessivo, que não dá espaço para explicação e a teoria de aquisição de linguagem, que se revelará falsa). * O primeiro “ataque” vem no livro de Chomsky “Estruturas Sintáticas”, escrito em 1957, cujas idéias são ampliadas em um livro posterior, de 1965. Segundo a idéia principal, o que a descrição de uma língua nos mostra é o conjunto de formas e a organização dessas formas na língua. O que uma descrição não mostra é como uma criança chegou a possuir essa descrição. * Em outras palavras, a descrição de uma língua, a que vamos chamar de GRAMÁTICA PARTICULAR, deve estar atrelada à questão da aquisição. Nesse ponto, Chomsky inicia o segundo “ataque” ao Estruturalismo, focalizando essa questão. * Evidências de que a aquisição de uma língua não se dá pela formação de um conjunto de hábitos podem ser vistas nos seguintes casos: (a) a situação significativa representada na tira “Zoé e Zezé” (Texto 9); (b) o fato de crianças produzirem formas que não foram apresentadas a ela (“Eu sabo”, “Eu fazeu”, e inúmeros outros); (c) as descobertas de Roman Jakobson: crianças adquirindo qualquer língua passam pelos mesmos estágios em Fonologia.

* No entanto, foi uma observação do próprio Chomsky que começou a transformar os “ataques” ao Estruturalismo em uma hipótese plausível de trabalho. A observação era que uma teoria lingüística deveria ser capaz de explicar a rapidez no processo de aquisição da língua, levando-se em conta que a criança não tem acesso a todas as informações possíveis sobre a língua que ela está adquirindo. * Temos então um desafio: como uma criança sabe tanto (uma língua!!!) em tão pouco tempo (por volta de 3, 4 anos) e com tão pouca informação? Chomsky percebeu que essa questão se assemelhava ao que ele chamou de “Problema de Platão” (saber muito com poucas fontes). * A solução que Chomsky propôs também foi “platônica”, ou mais especificamente “racionalista”: ele formulou a hipótese de que haveria um conjunto de informações inatas específicas sobre língua, que serviriam como base para uma criança adquirir qualquer língua. Seria, de fato, uma dotação genética que somente o ser humano possui. Essa hipótese foi formulada na década de 50. * Que o ser humano possua informações inatas é praticamente um consenso hoje. O que diferencia as várias correntes é o que se propõe como seja o grau de especificidade das informações inatas: no caso de Chomsky, as informações são altamente especificas (um lado oposto é representado por Piaget, para quem as informações inatas não são específicas).

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* De posse de informações sobre língua (mas não sobre uma língua), uma criança, ao entrar em contato com um ambiente lingüístico, começaria a desenvolver a estrutura da língua com a qual ela está em contato. * Vamos organizar a relação entre inato e meio:

INATO MEIO CHOMSKY ***** **

PIAGET *** *** * Portanto, apesar de termos as informações inatas, somente com o contato com um meio lingüístico é que essas informações se desenvolvem. Uma evidência de que as informações são inatas vêm de casos de crianças que foram privadas do contato com um meio lingüístico nos primeiros anos de suas vidas. Mais tarde, ao entrar em contato, com um meio lingüístico, elas adquiriram apenas em parte uma língua. Isso significa que as informações não são apenas inatas, mas seguem um programa genético. * A esse conjunto de informações inatas, Chomsky chamou de PRINCÍPIOS (ou GRAMÁTICA UNIVERSAL). Após o contato com o meio, essas informações tornam-se específicas de uma língua e conjunto de informações específicas são os PARÂMETROS (ou GRAMÁTICAS PARTICULARES).

* Espaço para discussões sobre inatismo, meio, evidências, etc.:

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* A seguir, vamos ver um exemplo de como formular “Princípios e Parâmetros” (ou P&P, como ficou conhecido o modelo de Chomsky). (1) O problema * Algumas gramáticas dão a seguinte definição de sujeito: “Sujeito é um dos termos essenciais da oração”. * No entanto, logo em seguida, elas classificam orações como “Chove” e “Há duas pessoas na sala” de orações sem sujeito. * O problema é a distância entre teoria (a definição) e a prática (a classificação das orações). Temos dois caminhos: (a) a definição está errada (e o sujeito não é um termo essencial da oração e as orações acima são sem sujeito mesmo); (b) a definição está correta (e o sujeito é um termo essencial da oração e as orações acima TÊM sujeito). * Vamos escolher.... (b)!! Por que? Ora, se estamos querendo descobrir Princípios, estamos atrás de informações genéricas que sirvam para qualquer estrutura de qualquer língua e a definição acima é uma forte candidata. A Lingüística, sendo uma ciência, tem o saudável hábito de não rejeitar de cara o que é estranho; aceita-se uma proposta nova, estranha e se verifica se ela consegue explicar os fatos. Se conseguir, nós a adotamos. - É claro que existe um limite para o conceito de “estranheza”...

(2) O começo da solução * É estranho dizer que em “Chove” e “Há duas pessoas aqui” há sujeito. Mas tem pelo menos duas razões para começar a pensar que essa idéia não é tão estranha: (a) nós aceitamos que em “Fui” e “Gostamos de cinema” tem sujeito, mesmo ele não “aparecendo”; (b) as orações em questão têm sujeito em línguas como o Inglês e o Francês (It rains/Il pleut, There are two people here/Il y a deux personnes ici). * Note que (a) desmonta a idéia da estranheza e (b) nos remete à questão dos Princípios. * Além de as orações em questão deverem ter sujeito em Inglês e Francês, notamos que as orações “Fui” e “Gostamos de cinema” também têm seus sujeitos expressos nessas línguas: “I went, Je suis allé” e “We like movies” e “Nous aimons le cinema”. Como em línguas como o Português e o Espanhol não há necessidade de expressar o sujeito nessas orações, podemos chegar à seguinte situação descritiva: (i) em línguas como o Inglês e o Francês, o sujeito deve estar sempre expresso nas orações; (ii) em línguas como o Português e o Espanhol, o sujeito pode não ser expresso nas orações. * E é claro que “nas orações” inclui “Chove” e “Há duas pessoas aqui”. Vemos que a definição da gramática está correta. A representação dessas orações seria: “__ Chove” e “__ Há duas pessoas aqui” exatamente como “__ Fui” e “__ Gostamos de...”.

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* Vamos esquematizar isso em forma de Princípios e Parâmetros: (3) Vantagens da solução * Embora a discussão anterior já tenha resolvido o problema, podemos investigar se ela nos traz vantagens. Se trouxer, será mais evidência de que nossa solução, apesar de inicialmente estranha, está correta. * A evidência vem do padrão de concordância verbal que encontramos em estruturas relacionadas àquelas que estamos investigando nas línguas em questão. São construções em que há “sujeito” expresso em Inglês em Francês, mas não em Português e Espanhol...:

* Vamos estabelecer que esse padrão vai depender do tipo de sujeito da oração. (I) “There” em Inglês: concordância à direita - “There are two people here” - “There have arrived two people” (II) “Il” em Francês: concordância à esquerda - “Il y a deux personnes ici” - “Il est arrivé deux personnes” - “Il est sept heures” (III) “It” em Inglês: concordância à esquerda - “It has appeared two people” - “It is seven o’clock”. (IV) Ø1 em Espanhol: concordância à esquerda - “Ø Hay dos personas aqui” (V) Ø2 em Espanhol: concordância à direita - “Llegaron dos personas” - “Son las siete” (VI) Ø1 em Português: concordância à esquerda - “Ø Há/Tem duas pessoas aqui” (VII) Ø2 em Português: concordância à ESQUERDA - “Chegou duas pessoas” - “É sete horas”

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* Você pode estar se perguntando “Mas que Português é esse?”. Obviamente, não é o registro formal (Norma Culta), mas o registro que é o resultado da aquisição natural de uma Gramática Particular, um fato que acontece por volta dos 3, 4 anos. Apenas mais tarde, determinadas formas pertencentes à Norma Culta serão aprendidas (ex.: “João a viu”, “A menina cujo pai não veio”, etc.). * Essa discussão levanta a questão do objeto de estudo da Lingüística, de acordo com Chomsky: como a hipótese é de que as informações inatas são especificadas, o objeto seria esse conjunto de informações e objetivo seria descobri-las. Isso será feito através de estudos de aquisição, mudança e comparativos entre línguas (visto que as informações são universais). * Isto posto, cabe ressaltar que não está interessando a Chomsky o USO que se faz da Gramática Particular e sim o seu CONHE-CIMENTO. Essa distinção, logicamente herdeira da distinção langue-parole de Saussure, é natural: podemos investigar, por exemplo, o que é necessário (e como se organiza isso) para andar de bicicleta e podemos por outro lado investigar os vários modos de andar de bicicleta (todos respeitando o que é necessário). Ainda, a análise da fala não é suficiente para nos revelar o conhecimento de um falante. * Chomsky chamou o conhecimento da Gramática de COMPETÊNCIA e seu uso de PERFORMANCE (ou DESEMPENHO). Claro está, Competência é um outro nome para o objeto de estudo da Lingüística, segundo Chomsky.

* A abordagem chomskyana ainda resolvia um certo problema “filosófico”: se nós somos capazes de formar um número infinito de frases, deveríamos ter em nossa mente um número infinito de regras. Ora, isso é impossível, dado que nós (e nossa mente) somos finitos. A solução foi propor que haveria um número limitado de regras capaz de GERAR (daí o nome GERATIVISMO) um número ilimitado de frases. * Podemos, agora, retomar o contexto em que Chomsky surgiu na Lingüística. Era um contexto dominado pelo modelo Estruturalista, puramente descritivista e radicalmente anti-mentalista. As idéias de Chomsky representaram um salto qualitativo ao passar do descritivismo para a tentativa de explicação dos fenômenos lingüísticos e aos encaixá-los em uma perspectiva mentalista. << Nota: Chomsky foi o 8º mais citado, e o único ainda vivo,

no índice de Citações de Artes e Humanidades: Marx, Lênin, Shakespeare, Aristóteles, a Bíblia, Platão,

Freud, Chomsky, Hegel e Cícero Fonte: http://mitpress.mit.edu/e-books/Chomsky/contents.html>> * Para encerrar, uma questão: Se o Gerativismo possui, grosso modo, o mesmo objeto de estudo do Estruturalismo (o que pode ser revelado pelo título do primeiro livro de Chomsky “Estruturas Sintáticas”), pode-se dizer que se trata de uma continuação do Estruturalismo (um aperfeiçoamento) ou representa uma ruptura com esse modelo?

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2. Variação e regularidade: o método sociolingüístico * Até agora, vimos uma linha de pensamento coerente com a eleição do SISTEMA como objeto de estudo e da autonomia da SINCRONIA como critério para observar esse objeto. Apesar das diferenças flagrantes entre o pensamento seminal de Saussure, os descaminhos do Estruturalismo e a revolução chomskyana, vimos uma unidade em relação às questões mais gerais da Lingüística. * Essa unidade é quebrada no decorrer da década de 60 com os estudos de William Labov, nos Estados Unidos. Pode-se dizer que a maior contribuição de Labov foi terminar com o mito (que durava 50 anos) de que a fala (parole, desempenho) apresentava um grau de variação tão alto que impossibilitaria um lingüista de estudá-la. * Um exemplo de estudo de Labov foi o da produção do [r] em final de sílaba em Inglês norte-americano. Desde há algum tempo, se sabia que esse [r] variava. O que Labov questionou foi a hipótese de essa variação ser individual, incontrolável, aleatória. Ele percebeu, estudando uma loja de departamentos com vários andares, que os vendedores do 2º andar falam o [r] diferente dos vendedores do 4º andar. Como explicar isso, já que os vendedores vinham de várias classes sociais, faixas etárias, regiões, etc? A resposta estava no produto que cada andar vendia: jóias e perfumes no 2º andar e material esportivo no 4º andar. A variação estava explicada: o vendedor produzia o [r] de acordo com o status social do seu comprador. A produção do [r] estava, portanto, ligada à classe social do falante.

* O exemplo acima, bem simplificado, foi apenas o primeiro passo para a compreensão do fenômeno da fala: embora se reconheçam as individualidades de cada falante, a concretização da língua está sujeita a um conjunto determinado de fatores. * A idéia central é portanto que existe “regularidade na variação”. Embora essa expressão pareça contraditória à primeira vista, podemos exemplificar um caso bem simples de “variação regular”: Maria nunca vem para a aula com a mesma cor de camisa durante uma semana (isso é variação); no entanto, seus colegas notaram que às segundas ela usa branco, às terças azul, etc. (isso é regularidade). * No caso da fala, a regularidade é determinada por fatores lingüísticos e sociais (daí o nome Sociolingüística). * Exemplos desses fatores são: (a) escolaridade (b) idade (c) região (d) contexto (e) sexo (?) (f) o fonema seguinte (ex. o [r] do infinitivo) (g) a posição no sintagma (ex.: o [s] plural)

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* Vamos ver um exemplo de pesquisa sociolingüística. Nesse caso os fatores sociais não são atuantes, mas o “espírito” variacionista está presente. 1-) O fato * O Português falado no Brasil se diferencia do Português falado em Portugal pela variação na concordância verbal (além de outros fenômenos). - Ex.: “Chegou dois alunos”, “Os meus amigo gosta de mim”. 2-) Uma explicação * Uma explicação que é fornecida para esse fato busca nas diferenças históricas entre Brasil e Portugal a fonte da diferença: no Brasil houve a miscigenação entre brancos, índios e negros. Esses dois grupos não tinha o Português como língua materna e portanto ao aprender essa língua o fizeram sem utilizar a regra de concordância. 3-) Desafiando a explicação * Como bons cientistas, vamos duvidar da explicação acima, já que ela parece ser tão eficaz... Como podemos verificar se os elementos indígenas e africanos tiveram ou não influência no Português falado no Brasil? * A regra de concordância verbal parece ser variável no Português do Brasil (não é o caso de um falante *nunca* fazer concordância). Se negros e índios não tiveram influência, então essa regra variável já deveria existir antes da Descoberta do Brasil. Estranho? Que bom, vamos em frente.

4-) Primeiros passos * O primeiro passo é investigar os fatores que estão atuando para determinar a presença ou ausência de concordância verbal. * As pesquisas realizadas apontam para o fator escolaridade como sendo o fator extra-lingüístico mais forte determinando a ausência de concordância verbal: quanto menor a escolaridade, menor a presença de concordância verbal. No entanto, os resultados também mostram que falantes de escolaridade alta por vezes deixam de realizar a concordância verbal em determinados contextos lingüísticos. - Esses são: (a) a posição do verbo (chegou dois alunos x dois alunos chegaram); (b) a presença de um elemento no singular entre o sujeito e o verbo (as amigas da Paula não veio x as amigas das meninas não vieram); (c) a forma do verbo no singular não ser muito diferente da forma do verbo no plural (Eles ficava(m) x Eles foram(foi) - Alguns exemplos reais: (a) “SAIRÁ das Associações de Docentes caravanas para o congresso...” 5-) A comparação * Por fim, deve-se realizar uma pesquisa em textos escritos em Português antes da descoberta do Brasil. Essa pesquisa foi feita e o que se encontrou foram os mesmos fatores lingüísticos atuando para determinar a ausência de concordância verbal. - Vejamos alguns exemplos reais de textos do século XIII e XIV :

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09-" e nom lhe FAZIA nehuu embargo nem nojo as espinhas" pg.9, par. 21 [3,b] (5) 334-", nem SOBIU em coraçom de homem , aquelas cousas que o Senhor Deus tem prestes" pg.284, par.651 [62,b] (123) 21-", e TIINHA ambos huu templo" pg.23, l.10 55-"Entom os parentes OUVE conselho e confessaron" 1.24.23 386-"Pelos feitos que aos vivos ACONTECE" 4.lxvii.3 (239) 34-"e muytas cousas que em elle STAUA." vi,15 6-) A conclusão * O estudo revelou que os fatores que determinam a ausência de concordância verbal no Português do Brasil falado no século XXI são os mesmos que determinam a ausência de concordância verbal no Português Arcaico escrito dos séculos XIII e XIV. * A explicação da miscigenação cai por terra: a “culpa” (se há culpa...) não é dos índios nem dos negros; ela vem já de Portugal antes da época dos descobrimentos. Uma pergunta que surge é: por que em Portugal hoje não há mais essa variação? Uma explicação pode ser o surgimento de gramáticas em Portugal desde o século XVI, enquanto que o Brasil só foi ter sua “norma” estabelecida no século XIX após a Independência. * Esse exemplo revelou um caráter essencial da Sociolingüística: sua relação com a mudança (DIACRONIA). Estudar a variação em um determinado período de tempo é importante, mas mais do que isso interessa ao sociolinguista desvendar os mecanismos envolvidos na mudança lingüística.

* É um tipo de estudo que nem estruturalistas nem gerativistas quiseram fazer. O envolvimento de fatores extra-lingüísticos impediu essas duas correntes de realizar tal tarefa. A Sociolingüística se propõe a realizá-la. * Descobrir os fatores envolvidos em mudanças lingüísticas pode ajudar a prever se o que hoje é variação um dia se tornará mudança. Vamos a dois exemplos simplificados: (a) A variação “nós” e “a gente” (números fictícios sobre o uso de “a gente”)

1925 1950 1975 2000 15 anos: 40% 15 anos: 60% 15 anos: 80% 15 anos: 90% 65 anos: 5% 65 anos: 15% 65 anos: 20% 65 anos: 35%

* Pelos números do ano 2000: - a mudança está praticamente implantada; - uma dúvida: por que os jovens da década de 50 que usavam “a gente” 60% das vezes hoje (2000) só usam 35%? (b) A variação entre “você”, “ocê” e “cê”: podemos prever que brevemente“cê” vai substituir “você”? (do mesmo modo que “você” substituiu “vosmecê”, “vossa mercê”??) * A Sociolingüística constituiu uma grande “virada” nos estudos lingüísticos: abriu um leque de possibilidades não visualizado por estruturalistas e gerativistas. O forte apego a aspectos sociais levou essa corrente da Lingüística a ganhar adeptos onde quer que forças sociais estejam atuando fortemente (no Brasil, p.ex.).

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* No entanto, é esse mesmo apego que constitui um dos pontos fracos da Sociolingüística: ela é um método para se estudar variação e mudança, mas não é uma teoria sobre o SISTEMA. Com isso, alguns estudiosos propõem que a Sociolingüística não seja vista como um ramo da Lingüística, mas como uma ciência à parte. Outros buscaram uma teoria (ou criaram uma) para embasar os estudos sobre o USO do sistema. * Se a Sociolingüística se mantém como método para o estudo do USO, então ela pode ser vista como complementar, à parte, dos modelos do SISTEMA. No entanto, se partindo do estudo do USO se chega a um modelo do SISTEMA, então, temos um modelo que difere do que nós já conhecemos (o gerativista).

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3. Desafiando a hipótese gerativista: as hipóteses funcionalistas * Como vimos, a Sociolingüística abriu dois caminhos alternativos à linha Saussure-Estruturalismo-Gerativismo. Um seria o estudo do USO por si sem referência a um SISTEMA internalizado e o outro seria a proposta de um modelo de SISTEMA alternativo, que partisse do USO. * Podemos dizer que as hipóteses funcionalistas se unem por privilegiar questões do USO e se diferenciam pelos seus objetivos. Ou como disse uma funcionalista: “Não existe uma corrente funcionalista unificada. O único consenso que existe é a rebeldia contra a autoridade do Papa (= Chomsky)” (Elizabeth Bates). * Iniciamos pelas correntes que estudam o USO por si. Mais uma vez estamos diante de uma pluralidade de correntes. Esse fato não deve nos surpreender, já que estamos diante de todas as possibilidades e contextos que o uso da língua possui (ver o quadro da p.17). * Uma dessas correntes é a Análise do Discurso (ou simplesmente AD) da linha francesa. A AD considera o termo “discurso” como sendo um complexo que envolve o emissor tanto no sentido individual quanto no histórico e a mensagem. Esse ponto de vista está explicitamente fazendo menção a algumas bases teóricas da AD francesa: a Psicanálise, o Marxismo e a Lingüística (no sentido estrito).

* Alguns exemplos de análise baseada na AD: (a) debates políticos (Lula x Collor 1989...) (b) eventos políticos (Fala de Lula na campanha de 1994 na cidade de Antônio Conselheiro (Canudos): “O vermelho da bandeira do PT é o vermelho do sangue de Cristo na cruz”). (c) manchetes de jornal (“Lula vence Serra e o governo FHC” x “Serra e governo FHC perdem para Lula”. (d) situações de sala de aula (...) * Outra corrente que privilegia o uso é a Pragmática. Uma das correntes (de novo...) da Pragmática estuda as condições existentes durante a troca de intenções comunicativas entre falantes. Essas condições são conhecidas como Máximas de Grice e são as seguintes: 1-) A máxima da qualidade: a) não diga o que você acredita ser falso b) não diga algo para o qual falta evidência. 2-) A máxima da quantidade: a)dê o número de informação exigida pelos objetivos da conversa b) não exceda esse número. 3-) A máxima da relevância: a) faça sua contribuição relevante. 4-) A máxima do estilo: a) não seja obscuro b) evite ambiguidade c) seja breve d) seja organizado.

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- Em outras palavras: fale sincera e claramente algo relevante, não deixando de dar nenhuma informação (ou dando informações a mais) ; seja cooperativo. - Atenção: !!! As máximas de Grice não são leis, nem normas, nem regras. São fatos que acontecem naturalmente nas situações comunicativas e que todo falante domina !!! * Os falantes, no entanto, violam constantemente essas máximas, já que o ouvinte pode deduzir a informação sem que o falante tenha que produzir seu enunciado “amarrado” pelas máximas. A violação proposital de uma máxima pode acarretar um efeito humorístico, constrangedor, opressor, afetivo, etc. * Violações das máximas: - Relevância: “Você pode tomar o que quiser, menos S-O-R-V-E-T-E” ; A: Eu acho essa aula um saco. B: (percebendo que o professor se aproxima) Tá frio hoje, não é ? - Qualidade: “João tem duas faculdades mas eu não acredito” “O presidente é feito de ferro” A: Teerã é na Turquia ? B: Londres é na França ? - Quantidade: A: Como foi o Édson no julgamento ? B: Ele foi bem. “Guerra é guerra” - Estilo: “Levante, vá até a porta, gire a maçaneta, e puxe a porta” “O grupo de pagode produziu uma série de sons que correspondem basicamente a uma música”

- E veja mais esses exemplos: (a) “Conserto de carros nacionais e importados” (b) A: “Você está bem?”, B: “Considerando que agora eu estou trabalhando...” (c) “Você tem horas?” “Tenho, qual você quer?” (d) “Meu filho, um dia você vai ficar velho” ; “Eu não vou ficar velho!” * Passamos agora para as correntes funcionalistas que, de algum modo, propõem um MODELO para o SISTEMA. Essas correntes seguem a hipótese de que o SISTEMA é modelado a partir do USO. Em outras palavras, a FORMA seria determinada pela FUNÇÃO (daí o nome Funcionalismo!). * Que haja correlações entre Função e Forma é inegável (até mesmo para os gerativistas). A questão é investigar sobre a organização interna do Sistema. Ele pode ser moldado para uma determinada função (a comunicação) e para isso ter que se organizar de um modo independente da função. Essa é a visão gerativista. * A visão funcionalista prevê que, em maior ou menor grau, o modo de organização é dependente da função. - Podemos exemplificar essa idéia do seguinte modo. Toda língua (até mesmo o Latim) tem uma ordem canônica (básica) de palavras. A questão é: por que? Uma resposta funcionalista seria que a existência de uma ordem canônica facilita a comunicação (e também a aquisição).

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* Uma corrente funcionalista que constrói o modelo do Sistema a partir do Uso é a Lingüística Cognitiva. O próprio nome já menciona a interface que está em jogo: linguagem e conhecimento. - Um exemplo de estudo dessa corrente está no: * Existe uma corrente funcionalista que é conhecida como Funcionalismo (propriamente dito), pois leva às últimas conseqüências a idéia de a Gramática ser moldada a partir do Uso. * A palavra Gramática foi citada propositalmente. Por ter como alvo a organização interna da língua, essa corrente se coloca em confronto frontal ao Gerativismo. * Como exemplo de um estudo funcionalista, temos o trabalho sobre a ordem VS em Português. De acordo com os resultados encontrados, a ordem VS surge quando o sujeito não é o item de que se está falando. Se essa é a restrição principal, então podemos esperar casos em que verbos transitivos apresentem a ordem OVS, determinada no discurso. [Apenas para comparação, um estudo gerativista propôs que a ordem VS seja restrita a verbos intransitivos]. * Para finalizar, podemos investigar como o Funcionalismo lida com a questão da aquisição da linguagem. Se a forma é determinada pela função, e a função surge no-do contexto lingüístico e social, então passa a ser difícil pensar que existem

informações lingüísticas inatas (dado que essas informações seriam anteriores ao contexto, contrariando a teoria). * Isso significa que os funcionalistas se opõem logicamente à hipótese gerativista e se enquadram mais em um modelo piagetiano que prevê que o surgimento da forma vem da interação do indivíduo com o meio. - Com isso, os funcionalistas “ganham” o problema de ter que explicar a rapidez na aquisição, como ela se dá com tão pouca informação disponível e na mesma ordem sempre. * O debate (ou melhor embate) entre Funcionalistas e Gerativistas é ao mesmo tempo o mais fascinante e o mais infrutífero na Lingüística atualmente: eles debatem de fato o “X” da questão, mas não há argumento convincente até o momento para nenhum dos dois lados. Eles continuam seguindo hipóteses.

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4. Um casamento teórico brasileiro: a sociolingüística paramétrica * Na seção anterior, foi visto como o destaque ao USO, enfatizado primeiramente pela Sociolingüística, levou ao surgimento de correntes que exploraram por outros pontos de vista o USO em si e correntes que utilizaram o USO para a modelagem de um SISTEMA. * A oposição, notada no final da seção, entre Gerativismo e Funcionalismo coloca em relevo uma das lacunas do Gerativismo, qual seja, o cuidado em excesso que se tem com dados provenientes de USO. No entanto, sendo uma teoria que busca universais lingüísticos, o Gerativismo se aplica a estudos diacrônicos e de aquisição. Esses estudos, claramente, trabalham como o USO. * Uma idéia de unir o aspecto de USO da Sociolingüística ao aspecto do SISTEMA do Gerativismo surgiu no Brasil, no final da década de 80, com os trabalhos de Fernando Tarallo(†), um sociolinguista, e Mary Kato, uma gerativista. * Note que o que temos aqui é a Sociolingüística a serviço de uma teoria do Sistema. É o preenchimento da lacuna observada na seção 2. Note, também, que ao pressupor o Gerativismo (e o modelo de Princípios e Parâmetros, daí o nome Sociolingüística Paramétrica!), esse “casamento” teórico brasileiro se diferencia das correntes funcionalistas vistas na seção anterior.

* A busca da Sociolingüística Paramétrica (SP) é pelos fatores que estão condicionando a variação e podem vir a ocasionar a mudança na marcação de um parâmetro. * Uma idéia bastante interessante, mas que é anterior à SP, é a de que a mudança se inicia na aquisição. Com dados que possuam estruturas ambíguas, uma criança pode escolher uma das interpretações possíveis, enquanto outra criança pode escolher a outra. Durante um tempo, isso não terá importância, pois as frases serão pronunciadas da mesma forma. Mas no decorrer do tempo, uma escolha pode predominar sobre a outra. * Um exemplo de ambigüidade existente hoje é a variação entre “para eu ler” e “para mim ler”. Essa ambigüidade é resultado da escolha variável de qual item está determinando a forma do pronome. O fato de que “*para me ler” é impossível mostra que essa forma não é livre. Ela pode ser determinada: (a) pela preposição (= mim; “Ela olhou para mim”); (b) pelo verbo (= eu; “Eu falar com ela? Nunca!”). - Podemos estipular que se trata de uma escolha de direção: se é o elemento da esquerda (a preposição) ou o da direita (o verbo) quem determina a forma do pronome. * E o método que vai nos ajudar a descobrir o que está acontecendo com essa construção (variação, variação a caminho da mudança) é fornecido pela Sociolingüística: a análise de um corpus de fala, diacrônico ou sincrônico (desde que envolva faixas etárias distintas).

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* A mudança está sendo entendida como alteração na marcação de um parâmetro. Consideramos que o número de Princípios (as informações lingüísticas inatas) é reduzido (por volta de uma dezena) e cada um pode ter uma marcação binária (se são 12 os Princípios, há 4 096 combinações possíveis). Uma língua é um conjunto único de marcações. Assim:

P1 P2 P3 ... Inglês + + - ...

Francês + - - ... Espanhol - + + ... Italiano - + - ...

* Certamente, o Português terá uma combinação exclusiva. No entanto, dadas as características históricas e geográficas dessa língua, a questão sobre sua unidade se coloca. - Mesmo que a resposta seja totalmente óbvia, a pergunta ainda existe. - Essa questão também se coloca para o Inglês (Inglaterra, EUA, Austrália, etc.), Francês (França e Canadá) e Espanhol (Espanha, América Latina), entre outras línguas. * Vamos nos concentrar especificamente em Portugal e no Brasil. A questão é saber se a Gramática Particular dos brasileiros possui a mesma combinação da Gramática Particular dos portugueses. * Note que não estamos falando nem das construções em comum entre as línguas nem de entendimento mútuo. Também não estamos falando de Fonologia nem de Morfologia...

* Isso pode (e deve) ser discutido:

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* Podemos iniciar nossa investigação procurando por estruturas que possuem status diferentes no Brasil e em Portugal. Entenda os termos gramatical e agramatical abaixo como sendo equivalentes, respectivamente, a “possível de ser gerado pela Gramática”, “impossível de ser gerado pela Gramática”:

Brasil Portugal “O que que você

quer?” Gramatical Agramatical

“O João que veio, não o Pedro”

Gramatical Agramatical

“Ao corvo, a raposa roubou-lhe o queijo”

Agramatical Gramatical

“Imagina que a Ana, o João jantou com

ela ontem”

Gramatical Agramatical

“Essa mesa, ela é bonita”

Ela pode ser a mesa Ela não pode ser a mesa

“O João disse que ele é bonito”

Ele pode ser João Ele não pode ser João

“Telefonaram os teus amigos”

Resposta improvável à

pergunta “Quem telefonou?”

Resposta comum à pergunta “Quem

telefonou?”

Oração relativa “A menina que eu conheço o pai”

“A menina cujo pai eu conheço”

* Esses são os primeiros indícios de Gramáticas distintas...

* Podemos também focalizar um determinado parâmetro e investigar como ele está sendo marcado para brasileiros e portugueses. Vamos verificar o “parâmetro do sujeito nulo”, visto na seção 1. * Parece fácil concluir que o Português, tanto lá como cá, permite que o sujeito não seja expresso: (a) “Chove” x “It rains” (b) “Há duas pessoas aqui” x “There are two people here” * Portanto, a marcação seria a mesma, tanto lá como cá. No entanto, uma língua que tem a possibilidade de não expressar o sujeito utiliza essa possibilidade sempre que possível. Vejamos um exemplo natural do Espanhol (língua que também tem a possibilidade de não expressar o sujeito): - “Maria fue a la playa ayer. __ Encontró muchas amigas y __ charló por toda la mañana. Despues, __ volvió a su casa e __ se fue a la Universidad”. * A tradução literal desse exemplo também é natural em Portugal: - “Maria foi á praia ontem. Lá, Ø encontrou muitas amigas e Ø ficou conversando a tarde toda. Depois, Ø voltou para casa e Ø foi para a Faculdade estudar” * No entanto, estudos quantitativos (eis a Sociolingüísticas) indicam que uma “versão brasileira” dessa frase teria os sujeitos expressos. Vejamos um caso real: - “Eu não posso mais ficar aqui a tarde toda não. Eu tirei quatro notas vermelhas. Eu preciso dar um jeito na minha vida”.

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* O que os dados mostram é uma tendência brasileira, desde pelo menos o século XIX, a não utilizar a possibilidade de não expressar o sujeito. Isso faz surgir construções como: (a) “Sarney conversa com dissidentes para que eles aceitem negociação” (em Espanhol e em Portugal o eles é dispensável: os falantes vão saber que são os dissidentes e não os dissidentes e Sarney); (b) “O pecado mora ao lado e o paraíso.... ele paira no ar” (letra de música); (c) “Tem um bichinho que ele é dez!!” (apresentadora de TV). * Mesmo que estudos revelem cada vez mais a freqüência da expressão do sujeito, parece haver algumas construções que permanecem intocadas: (a) __ Chove; (b) __ Há duas pessoas aqui; (c) __ Parece que o Pedro saiu. * No entanto, mesmo essas parecem estar sujeitas à tendência brasileira: (a) “Petrópolis chove para caramba no verão”; (b) “A Tijuca tem muitos shoppings” e “Para sair é fácil: primeiro, você vira à esquerda, depois você tem a cantina, aí dobra a direita e já está nos elevadores”; (c) “Você parece que bebe” e “Vermelho e preto está usando à beça”.

* O que é crucial para a argumentação de que algo de (muito) diferente está acontecendo na Gramática Particular dos brasileiros é que as construções acima não são de modo algum aceitas em línguas que têm a possibilidade de não expressar o sujeito, como o Espanhol, o Italiano e... o Português Europeu. * Podemos então dizer que a marcação do parâmetro do sujeito nulo mudou no Português Brasileiro? A resposta mais adequada parece ser: ainda não, mas está a caminho de mudar. Alguns fatos dão suporte a essa resposta: (a) essa tendência começa a afetar outras construções, como as de tópico (A minha blusa está lavando, agramatical em Portugal) e as de objeto sem ser expresso (A Maria disse que viu __, agramatical em Portugal); (b) se na maioria dos casos o sujeito é expresso, então uma criança adquirindo o Português no Brasil não vai ter como “informação” que é possível deixar de expressar o sujeito; (c) o caminho que o Português no Brasil está trilhando é idêntico ao do Francês Arcaico (que utilizava a possibilidade de não expressar o sujeito) para o Francês Contemporâneo.

<< Como obra de consulta vale a pena ler “Português ou Brasileiro: um convite à pesquisa”,

Bagno, M. (2001), Parábola : São Paulo. >>

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5. O fim é o começo

Chegamos ao final do curso de Fundamentos de Lingüística.

Se tudo deu certo, nesse momento você está de posse de vários conhecimentos que não tinha antes: uma postura

crítica em relação à Gramática Normativa, a visão de que o ponto de vista científico embasa as pesquisas em língua, um

pouco do começo da história da Lingüística no século XX, as principais correntes e, talvez mais importante, algumas

análises de fenômenos lingüísticos do Português do Brasil.

Nesse sentido, esse final é um começo. Afinal de contas, esse é apenas o 1º período do curso. Você verá que as

análises discutidas no curso podem ser estendidas e relacionadas a outras que não foram apresentadas. Assim é que

grande parte dos professores do Departamento de Estudos da Linguagem trabalham com assuntos da seção 3 da 3ª

parte. Há espaço para estudos sobre aquisição, estrutura interna da língua (temas da seção 2) e comparações entre

Português Brasileiro e Europeu (tema da seção 4).

Mais uma vez, o fim é o começo...

Até a próxima!