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E m pleno século 21, não res- tam dúvidas sobre a impor- tância das Tecnologias da In- formação e da Comunicação (TICs). Contudo, no ano em que as telecomunicações completam duas décadas de privatização no Brasil, os desafios para a continui- dade de expansão são tão grandes quantos as conquistas. A alta car- ga tributária, a legislação defasa- da e a baixa prioridade nas agen- das legislativa e governamental preocupam os agentes do setor, que se reuniram nos dias 22, 23 e 24 de maio, em Brasília, no Painel Telebrasil 2018. No evento, foi lan- çada uma carta de propostas, que será apresentada aos candidatos à Presidência da República. Nos últimos 20 anos, o avanço das telecomunicações garantiu uma revolução tecnológica no mundo e, no Brasil, com a privati- zação, os serviços se tornaram dis- poníveis e baratos, segundo o pre- sidente da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil), Luiz Alexandre Garcia. “A telefonia fixa foi universalizada e o celular é hoje o principal meio de conexão na internet. Não falamos mais de orelhão, mas de TICs, Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês). Mas, infelizmente, o marco regu- latório é de 1997 e não acompa- nhou a evolução do setor”, afirma. Garcia expli- ca que as obri- gações das em- presas estão de- satualizadas. “A elevada carga tributária, que representa qua- se 50% da conta dos clientes, é a maior do mun- do e o dobro da do segundo co- locado, a Argen- tina”, lamenta. O presidente da Telebrasil lem- bra que o setor investiu quase R$ 1 trilhão em duas décadas, emprega 500 mil trabalhadores e contribui com R$ 60 bilhões em tri- butos anuais. “Nossos serviços estão no dia a dia das pessoas e garantem produtividade e ganho de escala na economia. Embora o poder público tenha iniciado um processo de trans- formação digital, sobram barreiras para a entrada plena do Brasil na era do conhecimento, da IoT, da In- teligência Artificial (AI) e das tecno- logias disruptivas”, revela. Planejamento Para Garcia, a revolução digital é a oportunidade que o Brasil tem para dar um salto de eficiência, com benefício para os cidadãos e aumento da competitividade do país. “A iniciativa privada está pre- parada e ávida para contribuir. Po- rém, precisamos de políticas pú- blicas para fazer nossa parte”, alerta. O setor de telecomunica- ções defende, numa carta de pro- posição de políticas públicas vi- sando maior eficiência e desenvol- vimento das TICs, que todos os brasileiros estejam conectados, com mais cobertura celular, uso intensivo de IoT e implantação de cidades inteligentes. Se todas as propostas e as me- didas elencadas pela Telebrasil (v ve ej ja a n no o q qu ua ad dr ro o) forem adotadas, o presidente da entidade diz que a indústria das telecomunicações será capaz de garantir, até 2022, 10 milhões de novos domicílios com internet em banda larga, instala- ção de 50 mil novas antenas de ce- lular e internet móvel, 100 milhões de dispositivos de IoT, serviços de cidades inteligentes, 100 mil novos empregos e qualificação de 1 mi- lhão de profissionais. “Nosso setor acredita no país e entende que o futuro é agora. O Brasil digital co- meça aqui”, sentencia Garcia. Para o ministro de Ciência, Tec- nologia, Inovações e Comunica- ções (MCTIC), Gilberto Kassab, presente à cerimônia de abertura do Painel Telebrasil 2018, o Brasil das telecomunicações é o país que deu certo. “O pequeno filme re- lembrando 20 anos atrás, quando se definiu a privatização, mostra que as políticas públicas deram certo. O Brasil pouco deve à maior parte de outros países. Antes, as coisas chegavam aqui com atraso. Hoje, quando discutimos IoT ou 4G, sabemos que os avanços estão ombreados com a maior parte das nações, fruto de uma política pú- blica que nos permitiu chegar aos dias de hoje”, diz. Contudo, alerta Kassab, é preciso planejar os próximos 20 anos. “Po- demos estar otimistas em relação a diversos aspectos, mas temos de es- tar atentos, porque não existe um grau de conscientização compatível com o que dese- jamos para avan- çar”, pondera. Kassab reforça a necessidade de se aprovar no Congresso Na- cional do PLC 79/2016, já avali- zado pela Câma- ra, que moderni- za a Lei Geral das Telecomunica- ções, criada em 1997, principal pleito do setor. Além de Kas- sab, os minis- tros da Justiça, Torquato Jar- dim, e do Supe- rior Tribunal Militar, Péricles de Lima Queiroz, participaram da abertura solene do Painel Tele- brasil 2018, na qual vários parla- mentares ressaltaram a impor- tância do setor. O senador Walter Pinheiro (PT/BA), que completa 39 anos de telecomunicações, diz que “não há como falar em futuro sem olhar o que foi feito”, diz. Para o deputado Vitor Lippi (PSDB/SP), presidente da Frente Parlamentar Mista de Apoio às Ci- dades Inteligentes, não é possível imaginar o Brasil sem banda larga e internet. Relator de projeto sobre isenção de tributos para dispositi- vos máquina a máquina, com pa- recer favorável, o deputado Eduar- do Cury (PSDB-SP) afirma que o papel dos parlamentares é fazer com que a agenda do futuro seja mais rapidamente trazida para realidade a fim de “construir o Brasil do amanhã”. Após a premiação de Uberlân- dia (MG), líder no ranking Cidades Amigas da Internet, de Ponta Gros- sa (PR), pelo avanço no mesmo le- vantamento, e de Juiz de Fora (MG), pela maior oferta de serviços inte- ligentes entre as 100 maiores cida- des, o presidente da Frente Nacio- nal de Prefeitos, Jonas Donizette, chefe do Executivo de Campinas (SP), elogiou o desempenho das três filiadas à entidade. Pleitos Atualização legal e regulatória Aprovação do PLC 79/2016. Simplificação da regulamentação e dos licenciamentos. Estímulo à autorregulação setorial. Licitações não arrecadatórias para novas frequências. Mesmas regras para serviços similares aos prestados pelas OTTs (aplicações Over the Top, que operam em cima da rede, como Whatsapp e Netflix). Alteração da lei do Fundo para Universalização dos Serviços de Telecomunições (Fust). Criação do Sistema S para as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Promoção da inclusão digital Desoneração de tributos para acessos de domicílios de baixa renda e em áreas carentes. Uso do Fust para subsidiar a contratação de serviços por usuários de baixa renda e em áreas carentes, inclusive rurais. Isenção do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) para estações de satélite para atendimento a domicílios rurais. Redução de tributos também para smartphones. Redução das barreiras aos investimentos do setor privado Incentivo fiscal, incluindo ICMS e Fiestel, para instalação de antenas em distritos não atendidos. Aplicação plena da Lei Geral das Antenas (Lei 13.113/2015) pelos municípios. Isenção de Fistel, Condecine e CFRP das antenas instaladas em rodovias. Cessão não onerosa de áreas para instalação de antenas e direito de passagem em rodovias. Definição de uma política industrial com foco em competitividade futura. Relevância Privatizado há 20 anos, o setor de telecomunicações é responsável por uma revolução tecnológica Fonte: Associação Brasileiras de Telecomunicações (Telebrasil) Situação atual Em conjunto com as tecnologias da informação, as telecomunicações representam cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Desde a privatização, em 1998, os investimentos do setor totalizaram R$ 885 bilhões. Atualmente, emprega 500 mil trabalhadores. A contribuição anual em tributos é de aproximadamente R$ 60 bilhões. Efeitos Se todas as medidas forem adotadas, o setor produzirá em quatro anos, até 2022, os seguintes resultados: Atendimento a 10 milhões de novos domicílios com internet em banda larga. Instalação de 50 mil novas antenas de celular e internet móvel no país. Ativação de mais de 100 milhões de dispositivos IoT (Internet das Coisas, na sigla em inglês). Implantação de serviços de cidades inteligentes em municípios com mais de 500 mil habitantes. Criação de 100 mil empregos. Qualificação de mais de 1 milhão de profissionais especializados. Thiago Fagundes/CB/D.A Press APRESENTA CORREIO BRAZILIENSE 8/9 Brasília, terça-feira, 5 de junho de 2018 Serviços bons e baratos Preso a modelos antigos e a um arcabouço regulatório anacrônico, o Brasil precisa, urgentemente, definir estratégia e políticas voltadas ao no- vo ciclo de transformações da era di- gital. E as telecomunicações são o pilar essencial para implementar o ecossistema digital, explica Leonar- do Euler, conselheiro da Agência Na- cional de Telecomunicações (Ana- tel). Segundo ele, a digitalização dos processos produtivos tem uma cen- tena de ações para os próximos qua- tro anos, que vão gerar impacto para mais de 10 setores e serão decisivas para aumentar a produtividade e a competitividade do país. “A infraestrutura de rede fornece conectividade para todo os setores. O que dá liga é a conectividade. En- tão, temos de colocar a banda larga no centro da política pública. E isso requer a aprovação de medidas le- gislativas”, diz Euler. Sergio Paulo Gallindo, presidente da Brasscom, destaca que vários projetos no Con- gresso têm potencial para destravar os investimentos. “Transformação digital pressupõe integração de ca- deias antigas. É a união de todos os atores e subsetores. Por isso, preci- samos de união para construir essa agenda estratégica”, diz. Christian de Castro, presidente da Agência Nacional do Cinema (Ancine), explica que o órgão trata de conteúdo e toda a cadeia de valor que isso re- presenta, num mundo digital: mídia, entretenimento e educação. “Quando isso dá certo, a exponencialidade acontece, com a propagação da cultu- ra”, afirma. “Temos de dar atenção às tecnologias para ter essa propagação e a exponencialidade”, completa. Indutor da economia como um to- do, o setor de telecomunicações tem o desafio de ser mais horizontal do que vertical, assinala o vice-presidente de Estratégia da Eriscsson, Vinicius Dal- ben. “É preciso se integrar mais aos demais setores da sociedade. A indús- tria tem de ser capaz de personalizar o atendimento, de integrar os seg- mentos. Hoje, há máquinas altamen- te desenvolvidas no campo sendo co- nectadas com 2G”, lembra. Para ele, a capacidade de orquestração do mer- cado local é tão importante quanto a implantação da infraestrutura. Agenda estratégica Estúdio de produção de conteúdo para estratégias de comunicação de marcas Nos últimos 20 anos, o avanço das telecomunicaçõesgarantiu uma revolução tecnológica.No Brasil, com a privatização, os consumidores passaram a ter acesso ao que há de mais moderno para se comunicar. Empresas apresentam propostas a presidenciáveis “A telefonia fixa foi universalizada e o celular é hoje o principal meio de conexão na internet” Luiz Alexandre Garcia, presidente da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil) A transformação a partir das TICs O Brasil precisa se preparar para a revolução que as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) está promovendo no mundo. E isso começa com um olhar diferenciado para as telecomunicações, que precisam ser encaradas como solução e não problema, explica Claudia Viegas, sócia da LCA Consultores. Segundo ela, as TICs têm potencial de disseminar ganhos de competitividade em toda a economia. Para isso, no entanto, é preciso acelerar as condições para investimentos privados. “Os fundos setoriais e tributos arrecadaram mais de R$ 63 bilhões em 2016. Porém, de 1997 a 2015, apenas 4,9% arrecadados pelo Fistel foram usados na fiscalização das telecomunicações, objetivo do fundo, e somente 1,2% do Fust, aplicados na universalização do acesso”, revela Claudia, com base em relatório do Tribunal de Contas da União (TCU). Luis Nova/Esp. CB/D.A Press Cidades amigas da internet V Ve ej ja a o o r ra an nk ki in ng g d do os s m mu un ni ic cí íp pi io os s q qu ue e m ma ai is s f fa ac ci il li it ta am m a a i in ns st ta al la aç çã ão o d de e i in nf fr ra ae es st tr ru ut tu ur ra a 1 Uberlândia (MG) 2 Várzea Grande (MT) 3 Rio Branco (AC) 4 São José dos Campos (SP) 5 Guarulhos (SP) 6 Cuiabá (MT) 7 Duque de Caxias (RJ) 8 Rio de Janeiro (RJ) 9 Palmas (TO) 10 Cascavel (PR) Após 20 anos de privatização, as operadoras de telecomunicações es- tão com margens de receita cada vez menores, carga tributária crescente e problemas que continuam sem solu- ção, como a legislação defasada e obrigações que não fazem mais sen- tido, como manutenção de orelhões. Para driblar esse cenário, a saída pa- ra as prestadoras ganharem compe- titividade no ambiente digital é inves- tir em serviços de conteúdo com foco na experiência do cliente. A reco- mendação é da sócia da McKinsey Marina Cigarini, que apresentou o painel CEOs: 20 anos de privatização e o começo de um novo ciclo. Marina explica que os avanços na prestação de serviços são considerá- veis, com investimentos de mais de R$ 880 bilhões em duas décadas, mas o quadro ainda é bastante desa- fiador para os investidores. “Há uma pressão cada vez maior na receita das operadoras, a carga tributária é excessiva e o ambiente regulatório não é o ideal, com modelos de con- cessão”, ressalta. A maioria das em- presas ainda não teve retorno sobre o capital investido, segundo ela. A especialista destaca que algu- mas iniciativas governamentais são relevantes, como o plano de Internet das Coisas (IoT), que o secretário de Telecomunicações do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), André Bor- ges, garante que sairá do papel. “Os planos precisam ir além dos ci- clos políticos, para não depende- rem de um governo ou de outro. Algumas coisas também devem ser repensadas, como o modelo de concessão”, afirma. Marina diz que o setor tem de se programar para investir, mas não apenas em infraestrutura. “As opera- doras, historicamente, competem pe- lo espectro e nas lojas, mas hoje o ní- vel de competição evoluiu. As teles estão sentadas na mina de ouro dos dados, mas outros players estão sur- gindo e ganhando relevância no ecos- sistema digital”, alerta, referindo-se às impresas de internet OTTs (aplica- ções over the top, com o Whatsapp e Netflix, que operam em cima da co- nexão de banda larga). “Conteúdo e coletividade são fundamentais. É ne- cessário a iniciativa privada e o poder público acelerarem decisões para pe- garem uma fatia desse setor. No Bra- sil, tudo é lento. A velocidade dos ou- tros players é 10 vezes maior.” Entraves Para iniciar um novo ciclo, no entanto, o setor precisa, primeiro, se desvencilhar de obstáculos his- tóricos. Dentre os principais entra- ves, está a modernização da Lei Ge- ral de Telecomunicações, de 1997. O secretário André Borges diz que o PLC 79/2016, que atualiza a legisla- ção, está no Congresso há quase dois anos, mas deve ser aprovado ainda em 2018. “É difícil explicar a paralisa- ção de um projeto tão importante. Do ponto de vista do governo, todos os termos são positivos e convergentes em vários ministérios”, justifica. “Ho- je, bem ou mal, aparece como priori- dade do governo”, destaca. Eduardo Navarro, presidente da Telefônica do Brasil, diz que o setor não precisa de dinheiro público. “Esta- mos queimando dinheiro velho. O que queremos é mudar obrigações velhas por novas. Temos que destravar isso”, ressalta. O executivo lembra que a Te- lefônica comprou a Telesp fixa, há 20 anos, por US$ 20 bilhões. “Depois dis- so, compramos mais empresas. Hoje, não vale os US$ 20 bilhões pagos pela primeira aquisição. Não há arrependi- mento, e faríamos de novo, mas, na hora de tomar decisões de investi- mentos, temos que olhar o retorno so- bre capital. Isso pode ser decisivo nos próximos 20 anos”, pondera. O presidente da Oi, Eurico Teles, observa que o setor é regulado e pre- cisa de modernidade na legislação. “De 2003 a 2016, a Oi recolheu R$ 30 bilhões em tributos. Imposto que sai na fonte e não se credita. Se o cliente não pagar, a empresa já pagou”, su- blinha. Teles acredita que o PLC 79 tem de estar aprovado até julho. “A lei não pode deixar de passar este ano. O Brasil parece que é autossus- tentável. Que pode parar porque tem eleição, futebol”, lamenta. Ele ressalta que, apesar de dois anos não ser um período muito longo pa- ra decisões do Congresso, para a economia é muito tempo. “Pode ma- tar uma empresa”, alerta. No entender de Luiz Alexandre Garcia, presidente do Grupo Algar, é preciso uma liderança e um projeto de governo para que não se discuta, daqui a um ano, o mesmo PCL 79, que já foi alvo de discussão no ano passado. “Parece déjà-vu, estamos discutindo as mesmas coisas do pas- sado. Temos que transformar o que todos querem fazer num projeto de governo”, sugere. Para Garcia, que também é presidente da Associação Brasileira de Telecomunicações (Te- lebrasil), falta conectividade nas áreas rurais e remotas, mas existem milhares de empresas regionais no país. “Já existe alguma flexibilidade regulatória para essas empresas, que estão no Simples, mas elas precisam ter incentivos para implementar suas redes onde não existe”, assinala. Otimista, o CEO da Claro, Paulo Cesar Teixeira, diz que quem vivenciou o modelo estatal e, depois, o privado reconhece que a mudança é espeta- cular. “O amanhã sempre será me- lhor. A tecnologia impulsiona isso e faz com que sejamos demandados. Mas estou preocupado, porque o PLC 79 está há dois anos no Congresso e não há conscientização da importân- cia da sua aprovação. Depois, vi o presidente da Anatel (Agência Nacio- nal de Telecomunicações, Juarez Quadros) mencionar que ainda te- mos 2 mil distritos não atendidos e não vi nenhuma iniciativa de atendê- los”, sentencia. Teixeira pede por von- tade política. “Acredito em etapas mais curtas. Claro que dá para fazer alguma coisa este ano. Prestamos serviços relevantes e queremos re- torno do investimento”, defende. Stefano de Angelis, presidente da Tim Brasil, comenta que não são pe- ríodos curtos de crises que abalam o setor. “A característica principal são investimentos de vários anos. Três, quatro meses de volatilidade preocu- pam, claro, mas não são movimentos de longo prazo. A pior situação para a economia é não saber o que vai ocor- rer”, ressalta. Segundo ele, nada do que se esperava ocorreu, como a re- forma previdenciária, e o setor conti- nuou investindo. “Não podemos pa- rar investimentos. A gente tenta re- duzir custos. Agora, precisamos de reformas estruturais para criar um círculo virtuoso”, acrescenta. Atualização da legislação é urgente As telecomunicações, apesar de serem um serviço essencial, do qual ninguém pode prescindir, são tribu- tadas como produtos supérfluos, com alíquotas altíssimas, que tiram a competitividade do setor e o impe- dem de oferecer produtos e serviços mais baratos para os consumidores. Para Cesar Rômulo Silveira Neto, se- cretário-geral da Confederação Na- cional da Tecnologia da Informação e Comunicação (Contic), o Brasil Digital precisa ser inteligente, inclusivo, ino- vador e competitivo, e, para isso, os usuários precisam ter acesso ao sis- tema de telecomunicações. “No en- tanto, o Estado se apropria de 60% da riqueza gerada pelo setor por meio dos impostos”, afirma, lembrando que, em função disso, o retorno sobre o capital investido no país é um dos piores do mundo, em torno de 4%, o que reduz a capacidade de investi- mento do setor e impacta diretamen- te no custo do serviço. No entender de Fernando Rezen- de, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empre- sas (Ebape) e da Fundação Getulio Vargas (FGV), o Brasil está aprisiona- do numa armadilha montada em 1988. “O nosso futuro está ameaçado porque os dois insumos básicos são serviços de telecomunicações e ener- gia elétrica, que é base do funciona- mento dos equipamentos. Mas temos de conviver com a armadilha da má- quina tributária há 30 anos, desde os debates da Constituinte”, sustenta. Conforme o especialista, extin- guiram-se os impostos únicos, e is- so foi incorporado na base do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mer- cadorias e Serviços). O argumento, na época, era bonito, mas houve privatização dos serviços, e os esta- dos se concentraram em tributar. Essa armadilha é muito difícil de desarmar”, alerta. Diretor do The Boston Consulting Group (BCG) e membro-pleno das práticas de Telecom e de Tecnologia Digital do Brasil, Otávio Dantas res- salta que as pessoas estão dispostas a abrir mão de muitas coisas para garantir a internet. “Mas o Brasil pre- cisa ampliar sua cobertura. O atual nível de investimento não permite es- se crescimento, porque parte dos re- cursos é capturada pelos tributos”, pondera. Dantas diz que o Estado é o principal acionista da indústria de te- lecom. “Só com fundos setoriais (Fust e Fistel), foram arrecadados R$ 84 bi- lhões. Apenas 7% são reinvestidos na indústria. Muito se perde com isso.” Máquina de arrecadação Seminário promovido pela Telebrasil traçou um panorama dos avanços conquistados após a privatização do setor de telefonia Está na hora de o país fazer uma revisão de tributos Estúdio de produção de conteúdo para estratégias de comunicação de marcas Luis Nova/Esp. CB/D.A Press Big data e os benefícios para a sociedade Ao redor do mundo, prestadoras de serviços de telecomunicações apostam cada vez mais no Big data — a geração gigantesca de dados da era digital — para criar aplicações capazes de melhorar a vida das pessoas. Esforços conjuntos resultam em programas humanitários relevantes, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). No Painel Telebrasil 2018, Jeanine Vos, do Accelerator GSMA, apresentou iniciativas em andamento que envolvem a participação das prestadoras móveis em programas públicos. Um dos exemplos mostrou que a empresa de telecomunicações Airtel é parceira dos órgãos de saúde na Índia no combate à tuberculose. No Japão, as prestadoras avisam a população sobre casos de terremoto. No Brasil, também há ações importantes. Recentemente, as operadoras deram início ao sistema de alerta de desastres naturais via SMS. O serviço, ofertado desde fevereiro, conquistou 2,3 milhões de cadastros e encaminhou 43 milhões de mensagens de alerta. O Big data é um grande lago onde se pode mergulhar, navegar, sondar e usar os dados. Em um país onde se multipli- cam anomalias tributárias, o setor de telecomunicações defende uma revisão capaz de eliminar alíquotas tão distintas quanto in- justas para que o Brasil possa avançar na era digital. Em São Paulo, estado rico, a incidência de impostos é menor do que em Ron- dônia, uma das unidades da fede- ração mais pobres, na qual a tri- butação das telecomunicações supera os 60%. “No geral, a carga tributária passou de 35% em 2002 para 44,2% 15 anos depois. É im- possível conviver com isso em um setor que demanda investimen- tos”, afirma Vasco Gruber Franco, diretor Tributário da Telefônica. Diretor do Centro de Cidadania Fiscal (C.Cif), Eurico Marcos Diniz de Santi explica que a instituição desenvolve, há quatro anos, uma proposta de unificação de tributos sobre consumo e serviços. “De- fendemos a criação de um gran- de tributo, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), no modelo IVA (Imposto sobre Valor Agregado)”, diz. Para isso, o C.Cif definiu cin- co valores: simplicidade para o contribuinte, transparência, neu- tralidade, equidade e arrecadação. “Temos um sistema que man- tém privilégios. Queremos um que arrecade de forma mais justa. Com uma base ampla de bens e servi- ços, crédito abrangente e ressarci- mento em 60 dias, desoneração completa das exportações, cobran- ça no destino, incidência sobre o valor líquido e alíquota única para cada unidade federativa, sem isen- ções, sem privilégios ou diferencia- ções entre bens, mercadorias ou setores”, elenca Santi. A definição do IBS tem apenas cinco páginas e empresas e pobres não pagariam o tributo. Com ele, também ficariam revogados os principais impostos: PIS, Cofins, ICMS, IPI e ISS. Para o relator da reforma tribu- tária, deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), o sistema tributário brasileiro é anárquico e caótico. “Fi- zeram do nosso sistema um verda- deiro manicômio tributário”, afir- ma. “O ponto central é encontrar um denominador comum”, explica. Segundo ele, o sistema brasileiro gera R$ 500 bilhões em renúncias por ano, R$ 460 bilhões em sone- gação, R$ 2 trilhões em contencio- sos e R$ 3 trilhões em dívida ativa. Hauly diz que o governo federal, na verdade, nunca se preocupou com a reforma. “Se depender do Executivo, não faremos a reforma. Todas as tentativas dos últimos 30 anos não foram aprovadas”, la- menta. O deputado ressalta que o Imposto sobre Circulação de Mer- cadorias e Serviços (ICMS) é mal cobrado no Brasil. “Há renúncia, guerra fiscal, alíquota por dentro. Daí, derivam todos os problemas. Por isso, nossas discussões giram em torno do imposto único, o Im- posto sobre Valor Agregado (IVA)”, esclarece. De cada R$ 100 da conta do celular, R$ 46,86 são tributos. Além disso, são cobradas taxas e contribuições, como o Fistel. Professor de Direito Tributário da Universidade de São Paulo, Luís Eduardo Schoueri aponta que as propostas que contemplam a re- dução de tributos de uma forma geral são sensatas. “No entanto, preocupa a separação de tributos entre bens e serviços. Hoje, não se sabe mais o que é mercadoria ou serviços com a difusão da Internet das Coisas (IoT)”, pontua. O espe- cialista lembra que o modelo bra- sileiro caminha mais para tributar o consumo do que a renda. “Isso afeta os mais pobres”, alerta.

APRESENTA Serviçosbonsebaratos … · elevada carga tributária, que representa qua-se 50% da conta dos clientes, é a maior do mun-do e o dobro da do segundo co-locado,aArgen-tina”,

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Em pleno século 21, não res-tam dúvidas sobre a impor-tância das Tecnologias da In-formação e da Comunicação

(TICs). Contudo, no ano em que astelecomunicações completamduas décadas de privatização noBrasil, os desafios para a continui-dade de expansão são tão grandesquantos as conquistas. A alta car-ga tributária, a legislação defasa-da e a baixa prioridade nas agen-das legislativa e governamentalpreocupam os agentes do setor,que se reuniram nos dias 22, 23 e24 de maio, em Brasília, no PainelTelebrasil 2018. No evento, foi lan-çada uma carta de propostas, queserá apresentada aos candidatos àPresidência da República.

Nos últimos 20 anos, o avançodas telecomunicações garantiuuma revolução tecnológica nomundo e, no Brasil, com a privati-zação, os serviços se tornaram dis-poníveis e baratos, segundo o pre-sidente da Associação Brasileirade Telecomunicações (Telebrasil),Luiz Alexandre Garcia. “A telefoniafixa foi universalizada e o celular éhoje o principal meio de conexãona internet. Não falamos mais deorelhão, mas de TICs, Internet dasCoisas (IoT, na sigla em inglês).Mas, infelizmente, o marco regu-latório é de 1997 e não acompa-nhou a evolução do setor”, afirma.

Garcia expli-ca que as obri-gações das em-presas estão de-satualizadas. “Aelevada cargatributária, querepresenta qua-se 50% da contados clientes, é amaior do mun-do e o dobro dado segundo co-locado, a Argen-tina”, lamenta.O presidente daTelebrasil lem-bra que o setorinvestiu quaseR$ 1 trilhão emduas décadas,emprega 500 mil trabalhadores econtribui com R$ 60 bilhões em tri-butos anuais. “Nossos serviços estãono dia a dia das pessoas e garantemprodutividade e ganho de escala naeconomia. Embora o poder públicotenha iniciado um processo de trans-formação digital, sobram barreiraspara a entrada plena do Brasil naera do conhecimento, da IoT, da In-teligência Artificial (AI) e das tecno-logias disruptivas”, revela.

PlanejamentoPara Garcia, a revolução digital

é a oportunidade que o Brasil tempara dar um salto de eficiência,com benefício para os cidadãos eaumento da competitividade dopaís. “A iniciativa privada está pre-parada e ávida para contribuir. Po-rém, precisamos de políticas pú-blicas para fazer nossa parte”,alerta. O setor de telecomunica-ções defende, numa carta de pro-posição de políticas públicas vi-sando maior eficiência e desenvol-vimento das TICs, que todos osbrasileiros estejam conectados,com mais cobertura celular, usointensivo de IoT e implantação decidades inteligentes.

Se todas as propostas e as me-didas elencadas pela Telebrasil(vveejjaa nnoo qquuaaddrroo) forem adotadas, opresidente da entidade diz que aindústria das telecomunicações

será capaz de garantir, até 2022, 10milhões de novos domicílios cominternet em banda larga, instala-ção de 50 mil novas antenas de ce-lular e internet móvel, 100 milhõesde dispositivos de IoT, serviços decidades inteligentes, 100 mil novosempregos e qualificação de 1 mi-lhão de profissionais. “Nosso setoracredita no país e entende que ofuturo é agora. O Brasil digital co-meça aqui”, sentencia Garcia.

Para o ministro de Ciência, Tec-nologia, Inovações e Comunica-ções (MCTIC), Gilberto Kassab,presente à cerimônia de aberturado Painel Telebrasil 2018, o Brasildas telecomunicações é o país quedeu certo. “O pequeno filme re-lembrando 20 anos atrás, quandose definiu a privatização, mostraque as políticas públicas deramcerto. O Brasil pouco deve à maiorparte de outros países. Antes, ascoisas chegavam aqui com atraso.Hoje, quando discutimos IoT ou4G, sabemos que os avanços estãoombreados com a maior parte dasnações, fruto de uma política pú-blica que nos permitiu chegar aosdias de hoje”, diz.

Contudo, alerta Kassab, é precisoplanejar os próximos 20 anos. “Po-demos estar otimistas em relação adiversos aspectos, mas temos de es-tar atentos, porque não existe umgrau de conscientização compatível

com o que dese-jamosparaavan-çar”, pondera.Kassab reforça anecessidade dese aprovar noCongresso Na-cional do PLC79/2016, já avali-zado pela Câma-ra, que moderni-za a Lei Geral dasTelecomunica-ções, criada em1997, principalpleito do setor.

Além de Kas-sab, os minis-tros da Justiça,Torquato Jar-dim, e do Supe-

rior Tribunal Militar, Péricles deLima Queiroz, participaram daabertura solene do Painel Tele-brasil 2018, na qual vários parla-mentares ressaltaram a impor-tância do setor. O senador WalterPinheiro (PT/BA), que completa39 anos de telecomunicações, dizque “não há como falar em futurosem olhar o que foi feito”, diz.

Para o deputado Vitor Lippi(PSDB/SP), presidente da FrenteParlamentar Mista de Apoio às Ci-dades Inteligentes, não é possívelimaginar o Brasil sem banda largae internet. Relator de projeto sobreisenção de tributos para dispositi-vos máquina a máquina, com pa-recer favorável, o deputado Eduar-do Cury (PSDB-SP) afirma que opapel dos parlamentares é fazercom que a agenda do futuro sejamais rapidamente trazida pararealidade a fim de “construir oBrasil do amanhã”.

Após a premiação de Uberlân-dia (MG), líder no ranking CidadesAmigas da Internet, de Ponta Gros-sa (PR), pelo avanço no mesmo le-vantamento, e de Juiz de Fora (MG),pela maior oferta de serviços inte-ligentes entre as 100 maiores cida-des, o presidente da Frente Nacio-nal de Prefeitos, Jonas Donizette,chefe do Executivo de Campinas(SP), elogiou o desempenho dastrês filiadas à entidade.

Pleitos

Atualização legal e regulatória○ Aprovação do PLC 79/2016.○ Simplificação da regulamentação e dos licenciamentos.○ Estímulo à autorregulação setorial.○ Licitações não arrecadatórias para novas frequências.○ Mesmas regras para serviços similares aos prestados pelas OTTs (aplicaçõesOver the Top, que operam em cima da rede, como Whatsapp e Netflix).○ Alteração da lei do Fundo para Universalização dos Serviços deTelecomunições (Fust).○ Criação do Sistema S para as Tecnologias de Informação e Comunicação(TICs).

Promoção da inclusão digital○ Desoneração de tributos para acessos de domicílios de baixa renda e emáreas carentes.○ Uso do Fust para subsidiar a contratação de serviços por usuários de baixarenda e em áreas carentes, inclusive rurais.○ Isenção do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) para estaçõesde satélite para atendimento a domicílios rurais.○ Redução de tributos também para smartphones.

Redução das barreiras aos investimentos do setor privado○ Incentivo fiscal, incluindo ICMS e Fiestel, para instalação de antenas emdistritos não atendidos.○ Aplicação plena da Lei Geral das Antenas (Lei 13.113/2015) pelos municípios.○ Isenção de Fistel, Condecine e CFRP das antenas instaladas em rodovias.○ Cessão não onerosa de áreas para instalação de antenas e direito depassagem em rodovias.○ Definição de uma política industrial com foco em competitividade futura.

RelevânciaPrivatizado há 20 anos, o setor de telecomunicações é responsável por uma revolução tecnológica

Fonte: Associação Brasileiras de Telecomunicações (Telebrasil)

Situação atual○ Em conjunto com as tecnologias dainformação, as telecomunicaçõesrepresentam cerca de 10% doProduto Interno Bruto (PIB).

○ Desde a privatização, em 1998, osinvestimentos do setor totalizaramR$ 885 bilhões.

○ Atualmente, emprega 500 miltrabalhadores.

○ A contribuição anual em tributos éde aproximadamente R$ 60 bilhões.

EfeitosSe todas as medidas forem adotadas,o setor produzirá em quatro anos, até2022, os seguintes resultados:

○ Atendimento a 10 milhões de novosdomicílios com internet em bandalarga.○ Instalação de 50 mil novas antenasde celular e internet móvel no país.○ Ativação de mais de 100 milhões dedispositivos IoT (Internet das Coisas,na sigla em inglês).○ Implantação de serviços de cidadesinteligentes em municípios com maisde 500 mil habitantes.○ Criação de 100 mil empregos.○ Qualificação de mais de 1 milhão deprofissionais especializados.

Thiago Fagundes/CB/D.A Press

APRESENTA

CORREIO BRAZILIENSE8/9 Brasília, terça-feira, 5 de junho de 2018

Serviços bonsebaratos

Preso a modelos antigos e a umarcabouço regulatório anacrônico, oBrasil precisa, urgentemente, definirestratégia e políticas voltadas ao no-vo ciclo de transformações da era di-gital. E as telecomunicações são opilar essencial para implementar oecossistema digital, explica Leonar-do Euler, conselheiro da Agência Na-cional de Telecomunicações (Ana-tel). Segundo ele, a digitalização dosprocessos produtivos tem uma cen-tena de ações para os próximos qua-tro anos, que vão gerar impacto paramais de 10 setores e serão decisivaspara aumentar a produtividade e acompetitividade do país.

“A infraestrutura de rede fornececonectividade para todo os setores.O que dá liga é a conectividade. En-tão, temos de colocar a banda largano centro da política pública. E issorequer a aprovação de medidas le-gislativas”, diz Euler. Sergio PauloGallindo, presidente da Brasscom,destaca que vários projetos no Con-gresso têm potencial para destravaros investimentos. “Transformaçãodigital pressupõe integração de ca-deias antigas. É a união de todos osatores e subsetores. Por isso, preci-samos de união para construir essaagenda estratégica”, diz.

Christian de Castro, presidente daAgência Nacional do Cinema (Ancine),explica que o órgão trata de conteúdoe toda a cadeia de valor que isso re-presenta, num mundo digital: mídia,entretenimento e educação. “Quandoisso dá certo, a exponencialidadeacontece, com a propagação da cultu-ra”, afirma. “Temos de dar atenção àstecnologias para ter essa propagaçãoe a exponencialidade”, completa.

Indutor da economia como um to-do, o setor de telecomunicações tem odesafio de ser mais horizontal do quevertical, assinala o vice-presidente deEstratégia da Eriscsson, Vinicius Dal-ben. “É preciso se integrar mais aosdemais setores da sociedade. A indús-tria tem de ser capaz de personalizaro atendimento, de integrar os seg-mentos. Hoje, há máquinas altamen-te desenvolvidas no campo sendo co-nectadas com 2G”, lembra. Para ele, acapacidade de orquestração do mer-cado local é tão importante quanto aimplantação da infraestrutura.

Agendaestratégica

Estúdio de produção de conteúdo para estratégias de comunicação de marcas

Nos últimos 20 anos, o avanço das telecomunicaçõesgarantiu uma revolução tecnológica.No Brasil, com a privatização, osconsumidores passaram a ter acesso ao que há de mais moderno para se comunicar. Empresas apresentam propostas a presidenciáveis

“A telefonia fixa foiuniversalizada e o

celular é hoje oprincipal meio de

conexão na internet”

Luiz Alexandre Garcia,presidente da Associação

Brasileira deTelecomunicações (Telebrasil)

A transformação apartir das TICsO Brasil precisa se preparar para arevolução que as Tecnologias daInformação e Comunicação (TICs)está promovendo no mundo. Eisso começa com um olhardiferenciado para astelecomunicações, que precisamser encaradas como solução e nãoproblema, explica Claudia Viegas,sócia da LCA Consultores.Segundo ela, as TICs têm potencialde disseminar ganhos decompetitividade em toda aeconomia. Para isso, no entanto, épreciso acelerar as condições parainvestimentos privados. “Os fundossetoriais e tributos arrecadarammais de R$ 63 bilhões em 2016.Porém, de 1997 a 2015, apenas4,9% arrecadados pelo Fistelforam usados na fiscalização dastelecomunicações, objetivo dofundo, e somente 1,2% do Fust,aplicados na universalização doacesso”, revela Claudia, combase em relatório do Tribunal deContas da União (TCU).

Luis Nova/Esp. CB/D.A Press

Cidades amigasda internet

VVeejjaa oo rraannkkiinngg ddoossmmuunniiccííppiiooss qquuee mmaaiiss ffaacciilliittaammaa iinnssttaallaaççããoo ddee iinnffrraaeessttrruuttuurraa

1 Uberlândia (MG)2 Várzea Grande (MT)3 Rio Branco (AC)4 São José dos Campos (SP)5 Guarulhos (SP)6 Cuiabá (MT)7 Duque de Caxias (RJ)8 Rio de Janeiro (RJ)9 Palmas (TO)10 Cascavel (PR)

Após 20 anos de privatização, asoperadoras de telecomunicações es-tão com margens de receita cada vezmenores, carga tributária crescente eproblemas que continuam sem solu-ção, como a legislação defasada eobrigações que não fazem mais sen-tido, como manutenção de orelhões.Para driblar esse cenário, a saída pa-ra as prestadoras ganharem compe-titividade no ambiente digital é inves-tir em serviços de conteúdo com focona experiência do cliente. A reco-mendação é da sócia da McKinseyMarina Cigarini, que apresentou opainel CEOs: 20 anos de privatizaçãoe o começo de um novo ciclo.

Marina explica que os avanços naprestação de serviços são considerá-veis, com investimentos de mais deR$ 880 bilhões em duas décadas,mas o quadro ainda é bastante desa-fiador para os investidores. “Há umapressão cada vez maior na receitadas operadoras, a carga tributária éexcessiva e o ambiente regulatórionão é o ideal, com modelos de con-cessão”, ressalta. A maioria das em-presas ainda não teve retorno sobre ocapital investido, segundo ela.

A especialista destaca que algu-mas iniciativas governamentais sãorelevantes, como o plano de Internetdas Coisas (IoT), que o secretário deTelecomunicações do Ministério daCiência, Tecnologia, Inovações e

Comunicações (MCTIC), André Bor-ges, garante que sairá do papel.“Os planos precisam ir além dos ci-clos políticos, para não depende-rem de um governo ou de outro.Algumas coisas também devemser repensadas, como o modelo deconcessão”, afirma.

Marina diz que o setor tem de seprogramar para investir, mas nãoapenas em infraestrutura. “As opera-doras, historicamente, competem pe-lo espectro e nas lojas, mas hoje o ní-vel de competição evoluiu. As telesestão sentadas na mina de ouro dosdados, mas outros players estão sur-gindoeganhandorelevâncianoecos-sistema digital”, alerta, referindo-seàs impresas de internet OTTs (aplica-ções over the top, com o Whatsapp eNetflix, que operam em cima da co-nexão de banda larga). “Conteúdo ecoletividade são fundamentais. É ne-cessário a iniciativa privada e o poderpúblico acelerarem decisões para pe-garem uma fatia desse setor. No Bra-sil, tudo é lento. A velocidade dos ou-tros players é 10 vezes maior.”

EntravesPara iniciar um novo ciclo, no

entanto, o setor precisa, primeiro,se desvencilhar de obstáculos his-tóricos. Dentre os principais entra-ves, está a modernização da Lei Ge-ral de Telecomunicações, de 1997.

O secretário André Borges diz que oPLC 79/2016, que atualiza a legisla-ção, está no Congresso há quase doisanos, mas deve ser aprovado aindaem 2018. “É difícil explicar a paralisa-ção de um projeto tão importante. Doponto de vista do governo, todos ostermos são positivos e convergentesem vários ministérios”, justifica. “Ho-je, bem ou mal, aparece como priori-dade do governo”, destaca.

Eduardo Navarro, presidente daTelefônica do Brasil, diz que o setornão precisa de dinheiro público. “Esta-mos queimando dinheiro velho. O quequeremos é mudar obrigações velhaspor novas. Temos que destravar isso”,

ressalta. O executivo lembra que a Te-lefônica comprou a Telesp fixa, há 20anos, por US$ 20 bilhões. “Depois dis-so, compramos mais empresas. Hoje,não vale os US$ 20 bilhões pagos pelaprimeira aquisição. Não há arrependi-mento, e faríamos de novo, mas, nahora de tomar decisões de investi-mentos, temosqueolharoretornoso-bre capital. Isso pode ser decisivo nospróximos 20 anos”, pondera.

O presidente da Oi, Eurico Teles,observa que o setor é regulado e pre-cisa de modernidade na legislação.“De 2003 a 2016, a Oi recolheu R$ 30bilhões em tributos. Imposto que saina fonte e não se credita. Se o cliente

não pagar, a empresa já pagou”, su-blinha. Teles acredita que o PLC 79tem de estar aprovado até julho. “Alei não pode deixar de passar esteano. O Brasil parece que é autossus-tentável. Que pode parar porquetem eleição, futebol”, lamenta. Eleressalta que, apesar de dois anosnão ser um período muito longo pa-ra decisões do Congresso, para aeconomia é muito tempo. “Pode ma-tar uma empresa”, alerta.

No entender de Luiz AlexandreGarcia, presidente do Grupo Algar, épreciso uma liderança e um projetode governo para que não se discuta,daqui a um ano, o mesmo PCL 79,que já foi alvo de discussão no anopassado. “Parece déjà-vu, estamosdiscutindo as mesmas coisas do pas-sado. Temos que transformar o quetodos querem fazer num projeto degoverno”, sugere. Para Garcia, quetambém é presidente da AssociaçãoBrasileira de Telecomunicações (Te-lebrasil), falta conectividade nasáreas rurais e remotas, mas existemmilhares de empresas regionais nopaís. “Já existe alguma flexibilidaderegulatória para essas empresas, queestão no Simples, mas elas precisamter incentivos para implementar suasredes onde não existe”, assinala.

Otimista, o CEO da Claro, PauloCesar Teixeira, diz que quem vivenciouo modelo estatal e, depois, o privado

reconhece que a mudança é espeta-cular. “O amanhã sempre será me-lhor. A tecnologia impulsiona isso efaz com que sejamos demandados.Mas estou preocupado, porque o PLC79 está há dois anos no Congresso enão há conscientização da importân-cia da sua aprovação. Depois, vi opresidente da Anatel (Agência Nacio-nal de Telecomunicações, JuarezQuadros) mencionar que ainda te-mos 2 mil distritos não atendidos enão vi nenhuma iniciativa de atendê-los”, sentencia. Teixeira pede por von-tade política. “Acredito em etapasmais curtas. Claro que dá para fazeralguma coisa este ano. Prestamosserviços relevantes e queremos re-torno do investimento”, defende.

Stefano de Angelis, presidente daTim Brasil, comenta que não são pe-ríodos curtos de crises que abalam osetor. “A característica principal sãoinvestimentos de vários anos. Três,quatro meses de volatilidade preocu-pam, claro, mas não são movimentosde longo prazo. A pior situação para aeconomia é não saber o que vai ocor-rer”, ressalta. Segundo ele, nada doque se esperava ocorreu, como a re-forma previdenciária, e o setor conti-nuou investindo. “Não podemos pa-rar investimentos. A gente tenta re-duzir custos. Agora, precisamos dereformas estruturais para criar umcírculo virtuoso”, acrescenta.

Atualização da legislação é urgente

As telecomunicações, apesar deserem um serviço essencial, do qualninguém pode prescindir, são tribu-tadas como produtos supérfluos,com alíquotas altíssimas, que tiram acompetitividade do setor e o impe-dem de oferecer produtos e serviçosmais baratos para os consumidores.Para Cesar Rômulo Silveira Neto, se-cretário-geral da Confederação Na-cional da Tecnologia da Informação eComunicação (Contic), o Brasil Digitalprecisa ser inteligente, inclusivo, ino-vador e competitivo, e, para isso, osusuários precisam ter acesso ao sis-tema de telecomunicações. “No en-tanto, o Estado se apropria de 60% dariqueza gerada pelo setor por meiodos impostos”, afirma, lembrandoque, em função disso, o retorno sobreo capital investido no país é um dospiores do mundo, em torno de 4%, oque reduz a capacidade de investi-mento do setor e impacta diretamen-te no custo do serviço.

No entender de Fernando Rezen-de, professor da Escola Brasileira deAdministração Pública e de Empre-sas (Ebape) e da Fundação GetulioVargas (FGV), o Brasil está aprisiona-do numa armadilha montada em1988. “O nosso futuro está ameaçadoporque os dois insumos básicos são

serviços de telecomunicações e ener-gia elétrica, que é base do funciona-mento dos equipamentos. Mas temosde conviver com a armadilha da má-quina tributária há 30 anos, desde osdebates da Constituinte”, sustenta.

Conforme o especialista, extin-guiram-se os impostos únicos, e is-so foi incorporado na base do ICMS(Imposto sobre Circulação de Mer-cadorias e Serviços). O argumento,na época, era bonito, mas houveprivatização dos serviços, e os esta-dos se concentraram em tributar.Essa armadilha é muito difícil dedesarmar”, alerta.

Diretor do The Boston ConsultingGroup (BCG) e membro-pleno daspráticas de Telecom e de TecnologiaDigital do Brasil, Otávio Dantas res-salta que as pessoas estão dispostasa abrir mão de muitas coisas paragarantir a internet. “Mas o Brasil pre-cisa ampliar sua cobertura. O atualnível de investimento não permite es-se crescimento, porque parte dos re-cursos é capturada pelos tributos”,pondera. Dantas diz que o Estado é oprincipal acionista da indústria de te-lecom. “Só com fundos setoriais (Fuste Fistel), foram arrecadados R$ 84 bi-lhões. Apenas 7% são reinvestidos naindústria. Muito se perde com isso.”

Máquina de arrecadação

Seminário promovido pelaTelebrasil traçou um panorama dos

avanços conquistados após aprivatização do setor de telefonia

Está na hora de o país fazer uma revisão de tributos

Estúdio de produção de conteúdo para estratégias de comunicação de marcas

Luis Nova/Esp. CB/D.A Press

Big data e os benefícios para a sociedadeAo redor do mundo, prestadoras de serviços de telecomunicações apostamcada vez mais no Big data — a geração gigantesca de dados da era digital —para criar aplicações capazes de melhorar a vida das pessoas. Esforçosconjuntos resultam em programas humanitários relevantes, como osObjetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas(ONU). No Painel Telebrasil 2018, Jeanine Vos, do Accelerator GSMA,apresentou iniciativas em andamento que envolvem a participação dasprestadoras móveis em programas públicos. Um dos exemplos mostrou que aempresa de telecomunicações Airtel é parceira dos órgãos de saúde na Índiano combate à tuberculose. No Japão, as prestadoras avisam a populaçãosobre casos de terremoto. No Brasil, também há ações importantes.Recentemente, as operadoras deram início ao sistema de alerta de desastresnaturais via SMS. O serviço, ofertado desde fevereiro, conquistou 2,3 milhõesde cadastros e encaminhou 43 milhões de mensagens de alerta. O Big data éum grande lago onde se pode mergulhar, navegar, sondar e usar os dados.

Em um país onde se multipli-cam anomalias tributárias, o setorde telecomunicações defendeuma revisão capaz de eliminaralíquotas tão distintas quanto in-justas para que o Brasil possaavançar na era digital. Em SãoPaulo, estado rico, a incidência deimpostos é menor do que em Ron-dônia, uma das unidades da fede-ração mais pobres, na qual a tri-butação das telecomunicaçõessupera os 60%. “No geral, a cargatributária passou de 35% em 2002para 44,2% 15 anos depois. É im-possível conviver com isso em umsetor que demanda investimen-tos”, afirma Vasco Gruber Franco,diretor Tributário da Telefônica.

Diretor do Centro de CidadaniaFiscal (C.Cif), Eurico Marcos Dinizde Santi explica que a instituiçãodesenvolve, há quatro anos, umaproposta de unificação de tributossobre consumo e serviços. “De-fendemos a criação de um gran-de tributo, o Imposto sobre Bense Serviços (IBS), no modelo IVA(Imposto sobre Valor Agregado)”,diz. Para isso, o C.Cif definiu cin-co valores: simplicidade para o

contribuinte, transparência, neu-tralidade, equidade e arrecadação.

“Temos um sistema que man-tém privilégios. Queremos um quearrecade de forma mais justa. Comuma base ampla de bens e servi-ços, crédito abrangente e ressarci-mento em 60 dias, desoneraçãocompleta das exportações, cobran-ça no destino, incidência sobre ovalor líquido e alíquota única paracada unidade federativa, sem isen-ções, sem privilégios ou diferencia-ções entre bens, mercadorias ousetores”, elenca Santi. A definiçãodo IBS tem apenas cinco páginas eempresas e pobres não pagariam otributo. Com ele, também ficariamrevogados os principais impostos:PIS, Cofins, ICMS, IPI e ISS.

Para o relator da reforma tribu-tária, deputado Luiz Carlos Hauly(PSDB/PR), o sistema tributáriobrasileiro é anárquico e caótico. “Fi-zeram do nosso sistema um verda-deiro manicômio tributário”, afir-ma. “O ponto central é encontrarum denominador comum”, explica.Segundo ele, o sistema brasileirogera R$ 500 bilhões em renúnciaspor ano, R$ 460 bilhões em sone-

gação, R$ 2 trilhões em contencio-sos e R$ 3 trilhões em dívida ativa.

Hauly diz que o governo federal,na verdade, nunca se preocupoucom a reforma. “Se depender do

Executivo, não faremos a reforma.Todas as tentativas dos últimos 30anos não foram aprovadas”, la-menta. O deputado ressalta que oImposto sobre Circulação de Mer-cadorias e Serviços (ICMS) é malcobrado no Brasil. “Há renúncia,guerra fiscal, alíquota por dentro.Daí, derivam todos os problemas.Por isso, nossas discussões giramem torno do imposto único, o Im-posto sobre Valor Agregado (IVA)”,esclarece. De cada R$ 100 da contado celular, R$ 46,86 são tributos.Além disso, são cobradas taxas econtribuições, como o Fistel.

Professor de Direito Tributárioda Universidade de São Paulo, LuísEduardo Schoueri aponta que aspropostas que contemplam a re-dução de tributos de uma formageral são sensatas. “No entanto,preocupa a separação de tributosentre bens e serviços. Hoje, não sesabe mais o que é mercadoria ouserviços com a difusão da Internetdas Coisas (IoT)”, pontua. O espe-cialista lembra que o modelo bra-sileiro caminha mais para tributaro consumo do que a renda. “Issoafeta os mais pobres”, alerta.