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A INFLUÊNCIA DE GIL VICENTE NO TEATRO DE

JOÃO CABRAL DE MELO NETO

Universidade Paulista – UNIP Campus: Vergueiro

Carolina Maria Iria de Almeida Moreira R.A.: B96iJD-0

Joselane de Sousa Leão R.A.: B96875-3

Tatiana Gomes Fuza R.A.: B920GE-6

Graduação Letras (Licenciatura Português / Inglês) Turma: LL2A02

Disciplina: Literatura Portuguesa – Poesia

Blog: http://amantesdeletras.blogspot.com.br/

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo realizar uma análise comparativa entre

as poesias dramáticas de Gil Vicente e João Cabral de Melo Neto, buscando

similaridades e entendendo a evolução do teatro até os dias atuais. Através de

conteúdos teóricos estudados nas disciplinas Teoria Literária e Literatura Portuguesa –

Poesia, serão analisadas as características formais e estéticas das obras dos autores,

além do conteúdo tratado por eles em suas peças.

Palavras-chave: Teatro; Gil Vicente; João Cabral de Melo Neto; Morte e Vida

Severina; O Auto da Barca do Inferno; Poesia Dramática.

1. Introdução

O tema deste trabalho foi determinado a partir de proposta da disciplina

Literatura Portuguesa – Poesia, onde tivemos o conhecimento sobre a introdução do

teatro em Portugal. A partir de conteúdo abordado nessa disciplina, bem como na

disciplina de Teoria Literária, será feita uma análise dos aspectos da poesia dramática

de Gil Vicente, com destaque para sua obra O Auto da Barca do Inferno. Buscaremos

fazer uma comparação entre as características do teatro vicentino com a poesia

dramática de João Cabral de Melo Neto, mais especificamente a obra Morte e Vida

Severina.

A influência do autor português no teatro atual é inegável e mesmo se tratando

de obras de muitos séculos atrás, é possível encontrarmos aspectos contemporâneos.

Entender a evolução dessa arte e as mudanças enfrentadas no decorrer do tempo é a

proposta desse trabalho.

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2. Gil Vicente

A biografia de Gil Vicente é incerta. Informações como sua data de nascimento

e morte, cidade natal e profissão divergem entre os estudiosos. Acredita-se que tenha

nascido entre 1465 e 1470 e morrido entre 1536 e 1540. Apesar de ser um poeta do

Renascimento, Gil Vicente ainda conservava muito do pensamento medieval,

marcando a transição entre os dois períodos.

Seu primeiro trabalho a ser conhecido foi o Auto da Visitação, encenado em

1502 nos aposentos da rainha D. Maria em celebração ao nascimento de seu filho e

inspirado na história do nascimento de Cristo. Além de escrever a peça, Gil Vicente

também atuou. Passou então a ser protegido por Dona Leonor, viúva de D. João II, e

ficou responsável pela organização de eventos no palácio.

É considerado o introdutor do teatro em Portugal, com grande influência do

espanhol Juan del Encina. Além da composição de autos, Gil Vicente também

escreveu farsas, mistérios, comédias e tragicomédias, por vezes sendo possível

encontrar mais de um estilo na mesma peça.

O teatro vicentino é considerado realista, já que mostra situações com pessoas

comuns, social, por ser acessível a todos os públicos, e de ideias, por não se tratar

apenas de entretenimento, mas passar um conteúdo social e moral à plateia. Também

é poético, por ser escrito em versos. Seus personagens costumam representar os

vícios e virtudes da sociedade, de uma classe específica, raramente assumem

aspecto individual, como aconteceu com a romântica e sonhadora Inês Pereira,

personagem mais moderna de Gil Vicente.

Segundo Rosenfeld (1965, pg.47) “muitas de suas peças são moralidades em

que, por exemplo, o mundo é apresentado como uma grande feira, cujas mercadorias

são as virtudes e os vícios que se vendem a bom dinheiro. Ou então o mundo vira

floresta em que os personagens se caçam mutuamente. Seus autos, contudo, não têm

a rigidez das moralidades da época; as alegorias transformam-se em vida, em

personagens saborosos”.

Através de sua visão crítica da sociedade, expondo, satirizando e criticando os

vícios da sociedade, mas poupando suas instituições, o autor aborda temas que ainda

hoje continuam atuais. Muito religioso, Gil Vicente opunha-se a certas práticas de

clérigos, mas nunca à própria Igreja Católica, e expressa bem em suas peças seu

pensamento de exaltação das virtudes e oposição aos vícios.

O humor, seja no caráter dos personagens, na linguagem da peça ou mesmo

na situação abordada, é uma das características mais importantes em seus trabalhos,

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destacando sua originalidade. Em suas obras, Gil Vicente mostrou bem o perfil da

sociedade portuguesa do início do século XVI e continua a influenciar o teatro

contemporâneo, como afirma Rosenfeld (1965, pg.48), “essa maneira paradoxal de

julgar cria certo efeito de distanciamento, do qual, ao que tudo indica, Gil Vicente é um

predecessor remoto e eficaz. Na linha da obra vicentina encontra-se uma peça

moderna como o Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, que nela uniu à

temática universal o elemento regional, oriundo de fontes folclóricas nordestinas”.

O Auto da Barca do Inferno

Esta peça de Gil Vicente foi representada pela primeira vez em 1917 e é a

primeira de sua Trilogia das Barcas, seguida de O Auto da Barca do Purgatório e O

Auto da Barca da Glória. Apesar da proximidade com o gênero farsa, essa obra é

classificada como auto de moralidade. O enredo consiste basicamente no julgamento

das almas, a exposição de seus pecados e a condenação da maior parte delas ao

Inferno.

Por se tratar de um auto (composição teatral de apenas um ato), a peça é

dividida em cenas conforme o aparecimento dos personagens. O movimento comum a

quase todos é o de falar ao Diabo, tentar convencer o Anjo a irem para o Céu e

depois, aceitando sua condenação, retornar à barca do Inferno.

Em O Auto da Barca do Inferno, Gil Vicente critica os costumes dos indivíduos

com o intuito de “educar” ou “moralizar” a sociedade. Os personagens nos são

apresentados e através de cenas cômicas têm de aceitar seu destino junto ao Diabo

na barca que tem como destino o Inferno. Cada personagem representa uma classe

na sociedade ou uma profissão e seus pecados são revelados para justificar sua

condenação, fazendo um paralelo com alguns pecados capitais. Cada um aparece em

cena trazendo algo que simbolize seus pecados e tentam persuadir o Diabo para não

embarcarem para o Inferno, mas sim para o Céu.

Com exceção do Parvo e dos Cavaleiros, todos os demais personagens têm o

mesmo destino: o Inferno. O Parvo é o elemento cômico da peça, comentando e

satirizando o Diabo, usando uma linguagem simples e por vezes obscena, mas sua

inocência e ingenuidade lhe garante um lugar na barca da Glória. Os Quatro

Cavaleiros representam na peça aqueles que morreram nas Cruzadas, a religiosidade.

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3. João Cabral de Melo Neto

Nascido em 1920 em Recife, Pernambuco, João Cabral de Melo Neto é

considerado um dos maiores poetas brasileiros.

Seu primeiro livro, Pedra do sono, foi lançado em 1942 em edição particular.

Em 1945 ingressou no Itamaraty, onde exerceu a carreira diplomática em vários

países, até se aposentar em 1990.

Em 1956 é lançado Duas águas, contendo todos os seus livros lançados até

então e os inéditos Morte e vida severina, Paisagens com figuras e Uma faca só

lâmina.

Morte e vida severina é encenada em 1966, com música de Chico Buarque, no

teatro da Universidade Católica de São Paulo (Tuca), sendo posteriormente

apresentada em outras cidades do país e em Portugal e França.

Em 1968, com a morte de Assis Chateaubriand, é eleito para ocupar a cadeira

de número 37 na Academia Brasileira de Letras. Também fez parte da Academia

Pernambucana de Letras e ao longo de sua carreira recebeu vários prêmios

importantes, dentre eles o Prêmio Camões, em 1990, considerado um dos mais

importantes da literatura em língua portuguesa. Faleceu em 9 de Outubro de 1999, no

Rio de Janeiro, aos 79 anos.

Com uma sintaxe única, João Cabral obriga o leitor a despertar e usar sua

inteligência e razão. Em seus versos, é predominantemente utilizada a primeira

pessoa do singular, narrando experiências e sentimentos. Também podemos

encontrar a fusão entre sujeito e objeto, unidos em um só. O uso de formas

interrogativas de linguagem também é uma forte característica do autor.

A poesia cabralina utiliza uma linguagem simples e despretensiosa, apesar de

por vezes utilizar uma sintaxe complexa, e busca poesia nas coisas simples do dia a

dia.

Apesar de ter pertencido à Geração 45, João Cabral seguiu uma linha diferente

dos demais poetas da época, negando o confessionalismo, o transcendentalismo e o

subjetivismo enfático, assumindo um estilo particular e único na poesia nacional.

O realismo social se inicia em sua carreira com a trilogia O cão sem plumas, O

rio e Morte e vida severina, com a presença da imagem da viagem simbolizando uma

peregrinação. Essa identificação poética de João Cabral com a paisagem do sertão

nordestino e com o retirante estabelece em sua obra uma visão mais humana e

pessoal.

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Morte e Vida Severina

Escrito em 1955, foi um pedido de Maria Clara Machado para seu teatro. Tem

como subtítulo “Auto de Natal Pernambucano” e já nasceu como poema dramático,

com inspiração dos autos de Natal de tradição pastoril, com a predominância de

versos em redondilha maior, que permite uma fácil assimilação, presentes tanto na

tradição medieval quanto na cultura popular nordestina.

O enredo consiste na história de um migrante nordestino em sua jornada rumo

ao litoral, em busca de melhores condições de vida. Passando por várias paisagens,

onde são introduzidos muitos personagens, o poema narra o percurso de Severino,

seu sofrimento, suas desilusões. Além da conversa direta com o leitor, o diálogo entre

personagens dão vida à obra. A presença constante no poema é do Rio Capibaribe,

que serve como guia de Severino ao seu destino.

A obra pode ser dividida em duas partes, a primeira anterior à chegada ao

Recife, o caminho percorrido pelo personagem, a fuga da morte. A segunda é em sua

chegada ao seu destino, o encontro com a vida.

O título da obra mostra um significado social. A ordem invertida de “vida e

morte” é uma referência ao sofrimento de um povo, em uma vida onde a morte possui

presença constante. A palavra severina, aqui, é utilizada como adjetivo. Essa

adjetivação de substantivos é comum nas obras de João Cabral e, nesse caso,

podemos pensar que o protagonista, Severino, representa na verdade toda uma

classe, a de retirantes nordestinos em busca de uma vida melhor. Severino insiste no

caráter comum de seu nome, passando de substantivo próprio à comum.

Encenado pela primeira vez em 1966 no Teatro da Universidade Católica de

São Paulo, ganhou destaque internacional ao ser encenado em Portugal e França.

Essa receptividade, tanto ao poema quanto ao espetáculo, difundiu e popularizou o

nome de João Cabral de Melo Neto no mundo todo.

É interessante perceber a contemporaneidade da obra, já que o assunto

abordado em seus versos continua sendo comum em parte de nosso país. Uma

realidade triste e dura que inspirou esse maravilhoso poeta, além de muitos outros

grandes nomes de nossa literatura.

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4. Análise Comparativa

Analisando as duas obras, a primeira e mais notável característica em comum

que encontramos é o fato de serem escritas em versos. A poesia dramática existe

desde a Antiguidade Clássica, apesar de hoje em dia ser menos comum. Segundo

Moisés (2012, p.657) “o sincretismo do diálogo dramático ainda derrama luz sobre

uma característica fundamental do texto teatral: o de suas relações com a poesia. Em

primeiro lugar, esse aspecto do diálogo se amolda perfeitamente à essência da

poesia, marcada pelo máximo de concentração verbal e de efeito semântico: o mínimo

de palavras e o máximo de sentido, decorrente da utilização regular da metáfora”.

Sobre Morte e vida severina, podemos atentar ao subtítulo, “Auto de Natal

Pernambucano”. O termo “auto” liga a obra ao teatro da Idade Média, principalmente

Ibérico, de Gil Vicente. Há também uma mistura de elementos contemporâneos e

medievais.

A linguagem utilizada em ambas as obras também possui traços de

semelhança. Na peça de Gil Vicente, a posição social dos personagens fica evidente

através dos diálogos, alguns deles próximos à língua falada, em tom coloquial, outros

mais rebuscados, representando a condição social mais elevada do personagem. Da

mesma forma, no poema de João Cabral é utilizada uma linguagem simples que

evidencia a situação social vivida pelos personagens. Assim como o teatro de Gil

Vicente é popular, acessível a todos, podemos dizer o mesmo com relação à Morte e

vida severina. Seu conteúdo é de fácil assimilação e nos identificamos com a história.

Em Morte e vida severina, a maior parte do poema é narrada pelo protagonista,

em forma de diálogo com outros personagens ou mesmo com o leitor. Já Gil Vicente

escreve em terceira pessoa, com a predominância dos diálogos entre personagens.

Os versos na obra de João Cabral são estruturados em redondilhas maiores,

comuns na Literatura de Cordel. Em O Auto da Barca do Inferno, apesar de não

possuir estrutura definida, a predominância também é da redondilha maior.

Outra semelhança clara entre as duas obras está em seu conteúdo social. O

retrato do sofrimento e da busca por melhores condições de vida dos retirantes

nordestinos é o tema tratado por João Cabral, problema comum até os dias de hoje.

Em O Auto da Barca do Inferno, dado como sátira social, é clara a intenção do autor

em expor os grandes vícios humanos. Isso é feito através dos personagens, almas

que se apresentam em busca de transporte para seus respectivos destinos.

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Assim como Gil Vicente usa seus personagens para simbolizar instituições,

profissões e seus vícios, na obra de João Cabral o personagem principal, Severino,

também é usado para simbolizar toda a classe dos retirantes e as dificuldades que

encontram. Nas duas obras as personagens são pessoas comuns.

É interessante notar a mudança de paisagens que ocorre em Morte e vida

severina, acompanhada da mudança pessoal do próprio Severino ao percorrer o

Sertão, o Agreste, a Zona da Mata até chegar ao litoral de Recife. Na obra de Gil

Vicente, não há alterações de cenário, apenas o desfile dos personagens.

Como podemos notar, é clara a influência de Gil Vicente no trabalho de João

Cabral de Melo Neto, mesmo separados por mais de quatro séculos, uma herança rica

e que encanta e engrandece a literatura e dramaturgia nacional.

5. Conclusão

Através desse trabalho, pudemos reconhecer toda a importância de Gil Vicente

para a dramaturgia até os dias de hoje. Suas obras influenciaram grandes autores e

mesmo tanto tempo após sua criação, continuam atuais.

Apesar de, a princípio, não apresentarem semelhanças além de o fato de

serem classificadas como autos e escritas em versos, pudemos reconhecer muitas

características comuns às duas obras. A riqueza na retratação do aspecto social é o

que as torna mais atraentes na atualidade.

Assim como a peça de Gil Vicente, Morte e vida severina também é uma obra

que continua atual e que ainda encanta a todos. As duas peças ainda são encenadas

e apreciadas, pois o tempo só as torna mais significativas e valorizadas.

Apesar de não ser mais comum a criação de peças teatrais escritas em versos,

a encenação de clássicos como esses mantém viva na cultura mundial a essência da

origem do teatro. Nomes como Gil Vicente, João Cabral de Melo Neto, William

Shakespeare, Almeida Garrett, entre outros, ajudam a manter a tradição teatral e

levam grandes públicos a conhecerem suas obras não só por meio de encenações

modernas, mas também registros escritos de sua arte.

A história humana é contada através da arte, e valorizar e preservar suas

origens nos ajuda a entender nosso passado e nos inspira a construir nossa própria

identidade artística, representando nosso presente.

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6. Referências Bibliográficas

ACHCAR, Francisco. ANDRADE, Fernando Teixeira de. Os livros da FUVEST – I. São

Paulo: Editora Sol, 1999.

D’ONOFRIO, Salvatore. Teoria do texto 2 – teoria da lírica e do drama. São Paulo:

Ática, 2005.

MOISÉS, Massaud. A análise literária. São Paulo: Cultrix, 2007.

_____. A criação literária: poesia e prosa. São Paulo: Cultrix, 2012.

NETO, João Cabral de Melo. Morte e Vida Severina e outros poemas. Rio de Janeiro:

Objetiva, 2007.

ROSENFELD, Anatol. O teatro épico. São Paulo: São Paulo Editora, 1965.

VICENTE, Gil. Auto da barca do inferno, Farsa de Inês Pereira, Auto da Índia. São

Paulo: Ática, 2011.

Sites Consultados (26.05.2014)

http://pt.slideshare.net/antonius3/auto-da-barca-do-inferno-analise-total-da-ob

http://poesiaeescrita.blogspot.com.br/2013/05/analise-morte-e-vida-severina-de-joao.html

http://www.passeiweb.com/estudos/livros/auto_da_barca_do_inferno