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Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB Pós-Graduação em Linguística – PPGLin MARIA ANTONIETA PEREIRA TIGRE ALMEIDA AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS Vitória da Conquista / BA 2013

AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

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Page 1: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB

Pós-Graduação em Linguística – PPGLin

MARIA ANTONIETA PEREIRA TIGRE ALMEIDA

AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA

BRASILEIRA DE SINAIS

Vitória da Conquista / BA

2013

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Aquisição da estrutura frasal

na língua brasileira de sinais

Maria Antonieta Pereira Tigre Almeida

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Área de concentração: Aquisição da Linguagem. Orientadora: Profa. Dra. Adriana Stella Lessa-de-Oliveira.

Vitória da Conquista / BA

18 de fevereiro de 2013

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Elinei Carvalho Santana – CRB-5/1026

Bibliotecária - UESB – Campus de Vitória da Conquista-BA

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB

Programa de Pós-Graduação em Linguística - PPGLin

 

A449a Almeida, Maria Antonieta Pereira Tigre.

Aquisição da estrutura frasal na língua brasileira de sinais / Maria Antonieta Pereira Tigre, 2013.

91f.: il.:

Orientador (a): Adriana Stella Cardoso Lessa- de-Oliveira.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Pós-GraduaçãoemLingüística,Vitória da Conquista,BA, 201

Referências: f. 77-80.

1. Aquisição de linguagem. 2. Gramática Gerativa. 3. Libras. 4. Escrita SEL. 5. Surdo. I. Lessa-de-Oliveira, Adriana Stella Cardoso. II. UniversidadeEstadual do Sudoeste da Bahia. III. T.

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BANCA EXAMINADORA

_____________________________ Profa. Dra. Adriana Stella Cardoso Lessa-de-Oliveira (UESB)

(Orientadora)

_________________________________________________________

Profa. Dra. Cristiane Namiuti Temponi (UESB)

_________________________________________________

Profa. Dra. Irenilza Oliveira e Oliveira (UNEB)

Suplentes

_________________________________________________

Profa. Dra. Consuelo de Paiva Godinho Costa (UESB)

________________________________________________

Profa. Dra. Heloisa Maria Moreira Lima-Salles (UnB)

Local e Data da Defesa de Dissertação: Vitória da Conquista, 18/02/2013. Resultado: Aprovada

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O fim de uma viagem é apenas o começo

de outra. É preciso ver o que não foi visto,

ver outra vez o que se viu já, ver na

primavera o que se vira no verão, ver de

dia o que se viu de noite, com o sol onde

primeiramente a chuva caía ver a seara

verde, o fruto maduro, a pedra que mudou

de lugar, a sombra que aqui não estava. É

preciso voltar aos passos que foram

dados, para repetir e para traçar caminhos

novos ao lado deles. É preciso recomeçar a

viagem. Sempre. (José Saramago)

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Aos companheiros inseparáveis de jornada: meus filhos Pedro Henrique e João Vitor, que, mesmo na inocência pueril, quando necessitavam de apoio acalentavam-se: “minha mãe está estudando”.

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Agradecimentos

Agradeço à Profa. Dra. Adriana Stella Lessa-de-Oliveira por suas

orientações com firmeza e doçura, sempre com palavras de incentivo

nos momentos mais difíceis. O seu otimismo foi o componente básico

para a realização deste projeto, suas orientações eram aulas que levarei

por toda a minha vida, me sinto agraciada por ter partilhado do seu

conhecimento.

Agradeço a Profa. Dra. Cristiane Namiuti Temponi por suas aulas

de sintaxe conteúdo que tive que desvendar para continuar este projeto

de mestrado.

Agradeço a Profa. Dra. Cristiane Namiuti Temponi e a Profa. Dra.

Consuelo de Paiva Godinho Costa pelas sugestões apresentadas na

minha banca de qualificação.

Agradeço a UESB que, por meio do Programa de Pós-Graduação

em Linguística me oportunizou desenvolver este estudo.

Agradeço a Profa. Andrea Cleoni ex-diretora do Colégio Estadual

Abdias Menezes, que soube compreender as minhas necessidades de

frequentar as aulas do mestrado.

Agradeço a minha comadre, amiga e diretora da Escola Especial

Lions Clube Centro onde tudo começou e consegui a autorização para

desenvolver parte da minha pesquisa com os alunos surdos.

Agradeço aos amigos surdos Gabriel Oliveira, Henrique Teodoro, Joziel Rodrigues, Magno Prates e Carolina Oliveira por colaborarem diretamente com a minha pesquisa ao produzirem a narrativa da “Cinderela Surda”, do qual retirei as sentenças para a analise e produção da dissertação.

Agradeço a minha família, principalmente ao meu esposo Isaías

Jose de Almeida Neto pela compreensão de que eram necessárias tantas

horas de estudo, aos meus filhos Pedro Henrique e João Vitor que,

apesar de pequenos, entenderam que a dedicação a este estudo era por

um tempo determinado.

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ix 

 

Agradeço aos meus pais Maria Pereira de Sousa e Antônio Arifa

Tigre a lição de que na vida é preciso lutar.

Agradeço às amigas Edivanda Trindade Damsceno pela ajuda ao

ler meus textos com seu olhar de linguista que via o conjunto, à amiga

Vanessa Mutti pelo incentivo em continuar estudando, a Tálita Lessa

pelo apoio nos momentos mais difíceis, ela estava lá sempre pronta a

colaborar, e a Sílvia Maria, colega de mestrado e agora amiga, com

quem discuti todos os problemas encontrados durante este mestrado.

Agradeço a Deus pela oportunidade de ter realizado este projeto

de mestrado, apesar das dificuldades. Esta é mais uma etapa em minha

vida.

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Resumo

Esta dissertação tem como objetivo apresentar uma análise da

aquisição da libras por surdos que tiveram seus processos de aquisição

estabelecidos em três contextos diferentes: a) aquisição natural na

infância (ANI), tendo como input a libras como primeira língua (L1)

desde o nascimento; b) aquisição na infância de família ouvinte (IFO),

tendo como input a libras de falantes de segunda língua (L2), a partir

dos 4 anos de idade; e c) aquisição tardia (AT), tendo como input a libras

de falantes de segunda língua (L2) e seus colegas surdos, a partir dos 8

anos de idade. O quadro teórico que fundamenta este estudo é a

Gramática Gerativa, com sua hipótese inatista de aquisição da

linguagem. Para definição do signo linguístico da libras (o sinal),

assumimos a hipótese da unidade MLMov de Lessa-de-Oliveira (2012).

A autora identifica esta unidade como o elemento de composição

articulatória do sinal. Utilizamos o sistema de escrita SEL, também

desenvolvido por Lessa-de-Oliveira (de 2009 a 2012) na transcrição dos

dados, optando por uma escrita direta. Esta metodologia de transcrição

criou condições para uma análise de dados mais próxima da forma

como estes dados foram articulados pelos informantes. Este recurso

possibilitou uma análise mais detalhadas das características da língua,

que demonstra uma variedade de possibilidades de predicação, ora

relacionadas à condição de articulação espacial tridimensional própria

de línguas de sinais ora relacionadas a aspectos de uma sequência

linear, mais de acordo com o que se encontra em línguas orais.

Concluímos, assim, que a estrutura argumental das libras se utiliza de

quatro processo de predicação: saturação por categorias lexicais,

saturação por categorias vazias, saturação por Localizadores (Locs.) e

autossaturação. A comparação desses quatro tipos de predicação entre

os três perfis de informantes acima demonstra que a diferença de

qualidade do input não interfere na aquisição da língua como L1. Tal

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xi 

 

resultado reforça a hipótese inatista, ilustrada pelo Problema de Platão,

pois verificamos que a partir de um input fragmentado, impreciso, tardio

(após os 8, 10 anos de idade) é possível adquirir a língua como nativo.

Mas, os dados põem em questão a hipótese de que o período crítico de

aquisição da linguagem estaria circunscrito aos 6 anos de idade.

Palavras-chave: Aquisição da Linguagem. Escrita SEL. Gramática

Gerativa. Libras. Surdo.

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Abstract

This dissertation aims to present an analysis of the acquisition of

LIBRAS by deaf which had their acquisition processes established in

three different contexts: a) natural acquisition in childhood (ANI), taking

as input the LIBRAS as a first language (L1) from birth; b) acquisition in

the childhood with family listener (IFO), taking as input the LIBRAS of

second language speakers (L2), from 4 years old; and c) late acquisition

(TA), taking as input the LIBRAS of second language speakers (L2)

and his deaf schoolmates, from the 8 years old. The theoretical

framework underpinning this study is the Generative Grammar, with its

innatist hypothesis of language acquisition. For definition of the

linguistic sign of LIBRAS (the signal), we assume the hypothesis of

MLMov unit of Lessa-de-Oliveira (2012). The author identifies this unit

as an element of the signal articulatory composition. We use the SEL

writing system, also developed by Lessa-de-Oliveira (2009 to 2012) in

the transcription of data, because we opt for do transcription by direct

writing. This methodology of transcription created conditions for an

analysis of data nearest the way these data were articulated by the

informants. This resource allowed a more detailed analysis of the

characteristics of the language, which shows a variety of possible

predication related to the three-dimensional articulation condition own

of sign languages or related to aspects of a linear sequence, more

consistent with what is found in oral languages. We therefore conclude

that the argumental structure of LIBRAS uses four process of

predication: lexical categories saturation, empty categories saturation,

saturation by locators (Locs.) and self-saturation. A comparison of these

four types of predication between the three profiles of informants above

demonstrates that the difference in quality of the input does not

interfere in the acquisition of language as L1. This result reinforces the

innatist hypothesis, illustrated by Plato's Problem, because verified that

it is possible to acquire a native language from the fragmented,

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inaccurate and late (after 8, 10 years old) input. But the data puts in

question the hypothesis that the critical period of language acquisition

would be limited to the 6 years old.

Keywords: Language Acquisition. Writing SEL. Generative Grammar.

Libras. Deaf.

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Nota

No apêndice, encontram-se as regras e os caracteres do sistema de

escrita SEL (sistema de escrita para línguas de sinais), utilizado para

transcrever os dados da pesquisa e utilizado para escrever a versão do

resumo em libras, que se encontra a seguir. No apêndice, encontra-se

também o resumo em libras com glosas do português.

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Sumário

CAPÍTULO 1: Introdução 1.1 Definição da temática ................................................................. 01 1.2 Sujeitos informantes e corpus ..................................................... 04 1.3 Transcrição dos dados ................................................................ 06 1.4 Organização da dissertação ........................................................ 11

CAPÍTULO 2: Panorama teórico-metodológico 2.1 Um caminho para investigação da língua brasileira de sinais como

língua natural ........................................................................... 13 2.2 O objeto de estudo frente aos pressupostos gerativistas básicos da

estrutura argumental ................................................................. 22 2.3 O objeto de estudo frente à teoria dos papéis temáticos .............. 28

CAPÍTULO 3: Estrutura argumental em libras

3.1 Breve descrição de alguns aspectos observados na libras ........... 35

3.2 A saturação de predicadores ..................................................... 47 CAPÍTULO 4: Aquisição da sentença em libras

4.1 A hipótese inatista de aquisição da linguagem ............................ 63

4.2 Os dados de aquisição ................................................................ 65

4.3 O Período Crítico ......................................................................... 72

Considerações finais ...................................................................... 75

Referências ..................................................................................... 77

Apêndice

Regras e caracteres do Sistema de Escrita SEL ................................ 81

Resumo em libras com glosas .......................................................... 89

 

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CAPÍTULO 1

Introdução

1.1 Definição da temática

Deparamo-nos, neste estudo, com dificuldades relativas ao fato de

as pesquisas sobre línguas de sinais (principalmente sobre a libras)

pertencerem a uma área pouco explorada e por isso encontramos um

terreno quase que completamente desconhecido, em termos da

estrutura da gramática dessas línguas. As línguas de sinais sempre

existiram como forma de os indivíduos surdos estabelecerem

comunicação. No entanto, os linguistas clássicos não fizeram referência

à modalidade de língua gestovisual, cabendo ao americano William

Stokoe (1960), que se propôs a tal tarefa, iniciar a investigação da

relação entre as características de línguas de sinais e os princípios das

línguas naturais com seus desdobramentos.

A presente análise parte de um corpus montado com base em três

perfis de informantes, selecionados com vistas à investigação do

processo de “aquisição tardia da linguagem”. Nesta perspectiva nos

pautamos no quadro teórico da Gramática Gerativa, tomando-o como

fundamento na descrição e explicação desse fenômeno linguístico.

Utilizamos o modelo de Princípios e Parâmetros, que explica não apenas

o que há de igual nas línguas humanas, mas também as diferenças

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sintáticas entre elas. Procuramos guiar esta investigação pautada nos

pressupostos do modelo gerativista (CHOMSKY, 1981, CHOMSKY e

LASNIK,1995), considerando seu desdobramento mais recente, o

Programa Minimalista (CHOMSKY, 1995), que assume a abordagem de

Princípios e Parâmetros, introduzindo a concepção do “princípio de

economia”, “simetria” e “não-redundância”. Assim compreendemos que

os postulados desta teoria nos possibilitam analisar qualquer língua

natural, mesmo aquelas com um modo de articulação tão diferenciado,

como é a libras – uma língua gestovisual.

A proposta deste trabalho é traçar um caminho em direção ao

estudo de estruturas frasais (ou sintagmáticas) em libras, com vistas à

análise do processo de aquisição da linguagem. Optamos por analisar

os dados procurando a relação binária entre “predicador” e

“argumento”, fazendo a partir daí uma análise da natureza desses

processos de predicação. Tivemos com isto a intenção de capturar

apenas o traço semântico na relação binária entre esses elementos,

considerando que predicador é o termo que atribui um papel temático

ao argumento. Assim, este trabalho procura partir de aspectos básicos

dentro do estudo das estruturas sintagmáticas, a fim de começar a

identificar as bases gramaticais da libras. Não avançamos em questões

de natureza funcional da estrutura frasal, nos limitamos a analisar

aspectos relativos à seleção semântica.

O presente estudo estrutura sua análise da frase em libras,

partindo do pressuposto de que esta é uma língua de dimensões

espaciais, apresentando a característica de tridimensionalidade desde a

constituição de sua unidade significativa menor, o sinal, estendendo

esta característica à frase e mesmo à sentença.

Como veremos detalhadamente mais adiante, para definição do

signo linguístico da libras (o sinal), assumimos a hipótese da unidade

MLMov de Lessa-de-Oliveira (2012). A autora identifica esta unidade

como o elemento de composição articulatória do sinal, que pode

corresponder a um item lexical ou a uma sentença inteira. Portanto

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utilizamos a definição de unidade MLMov da autora para segmentar os

enunciados e identificar os sinais nesta segmentação.

Quanto à identificação da natureza sintática dos sinais

encontrados nos dados, se um item lexical, frasal ou sentencial, isto

fica a cargo da análise das relações sintáticas observadas entre mais de

um sinal. Ressaltamos que o presente estudo detém suas análises ao

nível frasal, sintagmático, deixando de lado, no momento, o nível

sentencial.

Como recurso de representação da unidade MLMov, utilizamos o

sistema de escrita SEL, também desenvolvido por Lessa-de-Oliveira

(2012), que procura capturar através da referida unidade a articulação

do sinal nas três dimensões espaciais.

Assim, para a transcrição dos dados usamos a transcrição direta,

através da escrita SEL acima mencionada, a fim de obtermos dados o

mais próximo possível de sua articulação real, mantendo as

características peculiares à articulação tridimensional, em nível de

unidade lexical e em nível de estrutura frasal.

Além de uma análise da estrutura argumental, fazemos, neste

estudo, também uma breve descrição de alguns aspectos da natureza

morfossintática dos sinais em libras, tomando como base a unidade

MLMov.

Dessa forma, este estudo delimita seu objeto sob dois aspectos. O

primeiro é a “base argumental das frases em libras”. Partindo deste

primeiro aspecto, investigamos o segundo, “a aquisição tardia dessa

língua”. Caracterizamos como aquisição tardia um contexto de

aquisição de línguas de sinais muito recorrente com pessoas surdas.

Trata-se da aquisição da língua de sinais após os oito, dez anos de

idade aproximadamente, tendo como input geralmente a língua de

sinais de adultos ouvintes, que a adquiriram como segunda língua (L2),

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e a língua de sinais falada1por outros surdos em ambiente escolar.

Procuramos analisar os dados de aquisição tardia confrontando-os com

dados de aquisição natural na infância, para avaliar a hipótese do

período crítico, sua validade neste contexto de aquisição da linguagem.

1.2 Sujeitos informantes e corpus

Os informantes desta pesquisa foram escolhidos visando três

perfis diferentes: a) aquisição natural na infância (ANI); b) aquisição na

infância de família ouvinte (IFO); e c) aquisição tardia (AT). Coletamos

dados de um sujeito informante de cada um desses perfis. Acompanhei

o processo de aquisição da libras ao longo dos anos, no caso de dois

desses informantes, o de aquisição natural na infância e o de aquisição

tardia.

O informante de perfil AT teve o primeiro contato com a libras na

escola. Este contato ocorreu comigo, sua professora, e com outros

surdos de família ouvinte. Estes meninos faziam parte de um grupo de

estudantes surdos com o qual trabalhei desde os primeiros anos

escolares até o fim do ensino fundamental. Todos deste grupo de alunos

surdos iniciaram sua aquisição da libras com mais de 8 anos de idade.

Foram eles o motivo impulsionador da continuidade dos meus estudos

dentro da área de libras. Este contato ocorreu na Escola de Educação

Especial Lions Clube, localizada no Centro de Vitória da Conquista.

Apesar de chegarem à escola com mais de 8 anos de idade sem saber

libras, em pouco tempo já eram capazes de usar a libras para a

comunicação com os colegas do grupo e comigo.

                                                            1 Utilizamos aqui os termos “fala” e “falante” relativamente ao uso da libras, uma língua gestovisual, porque consideramos a concepção de “fala” de Chomsky, que não se difere da de Saussure no tocante à concepção de que a fala é a língua em uso. Assim podemos conceber que a fala pode ser articulada de forma acústica (oral) ou de forma gestual. Portanto, podemos nos referir também ao “falante” de línguas de sinais. Em oposição à modalidade falada da língua temos a modalidade escrita desta.

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Este informante AT,hoje com 17 anos,pertence a uma família de

classe média e veio de outro município para frequentar a escola de

surdos. Ele ficou surdo aos 5 meses de idade, ao contrair meningite. A

família, que teve resistência à libras, o colocou para fazer terapia a fim

de desenvolver a oralidade. Mas, com o passar do tempo, ele abandonou

as sessões com a fonoaudióloga, o que deixou a família preocupada.

Uma de suas tias, em visita à escola, demonstrou muita preocupação

quanto ao futuro do sobrinho, que se negava a aprender a língua oral.

Disse ela um dia: “Que profissão poderá ter meu sobrinho sem saber

falar português?” Um questionamento bastante pertinente diante do

novo, do diferente que era a libras naquele momento. Hoje ele é um

adolescente como outro qualquer, até faz parte de um grupo de teatro.

Encontrei aquela tia preocupada com seu futuro em uma apresentação

de teatro em que ele era um dos atores. Ela me abraçou fortemente com

os olhos cheios de lágrimas.

O informante ANI também foi meu aluno, chegando à escola Lions

Clube com 5 anos de idade. Quando chegou à escola ele já era uma

criança que usava sua língua materna, a libras, com fluência

satisfatória, sendo capaz de se comunicar como as crianças ouvintes se

comunicam em língua oral.

Quanto à informante de aquisição na infância de família ouvinte,

IFO, meu contato com essa criança foi apenas como pesquisadora. Essa

criança, hoje com 12 anos, começou a frequentar a escola aos 4 anos de

idade. Ela ficou surda em função de complicações no parto. Sua família

fez parte de um programa de estimulação precoce em um hospital, que

a orientou a procurar uma escola de surdos para a filha. Sua mãe

sempre demonstrou interesse em aprender libras junto com a filha, ela

participava da escola de pais.IFO usa a libras sem nenhuma

dificuldade, conversa com os amigos surdos de modo espontâneo e

sempre se comunica com falantes de libras com naturalidade.

O corpus desta pesquisa se constitui, assim, de amostras de fala

em libras destes informantes. Essas amostras foram coletadas em

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vídeos que registram a narrativa, pelos informantes, do conto de fadas

clássico “Cinderela”, aqui adaptado para “Cinderela Surda”. Os

informantes foram convidados a assistir a um vídeo com esta narrativa

adaptada. Depois todos narraram o mesmo conto, para termos um

parâmetro de análise mais delimitado. A escolha pelo “gênero conto de

fadas” deu-se em função de ser este um gênero textual rico em termos

de contexto situacional, o que nos daria um contexto rico para a coleta

dos dados.

1.3 Transcrição dos dados

Em pesquisas cujo objeto é uma língua de sinais, seja com

temática sociocultural ou de análise gramatical, tem sido empregada

comumente uma metodologia em que se utilizam glosas2 (somente as

glosas) na transcrição de dados de fala. Segundo McCleary e Viotti

(2007, p. 73) “os linguistas não têm acesso a corpora de textos escritos

das línguas sinalizadas por onde começar sua análise, e nem a uma

ferramenta básica por meio da qual construir um sistema de

transcrição.”

Na maioria das vezes, o pesquisador, que utiliza um sistema de

notação baseado em glosas, e nada mais, faz a transcrição a partir de

uma interpretação possível na língua que serve como glosa, o que

dificulta a continuidade da pesquisa por outro pesquisador. Informam

McCleary e Viotti (2007, p.74) que, nos textos pioneiros de Ferreira

Brito de 1984, “foi usado um sistema de notação por glosas (Ferreira

Brito 1995: 207-209), apesar de a autora ter também publicado (com

Remi Langevin) um detalhado sistema analítico de notação por traços

                                                            2 As glosas em transcrições de dados de pesquisa são comumente utilizadas para dar ao leitor acesso ao conteúdo semântico dos dados de uma língua desconhecida por este. Assim, os dados de línguas orais são normalmente transcrito, pelo método de transcrição ortográfica, utilizando-se o sistema de escrita da língua pesquisada, quando a língua possui um sistema, e pelo método de transcrição fonética, utilizando-se o alfabeto fonético internacional.

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(Ferreira Brito 1995: 211-242).” A transcrição por glosas passou a ser o

padrão a partir de então “com algumas variações, em dissertações e

teses sobre a gramática da LSB (Felipe 1988, 1998; Santos 2002: 277-

280; Chan-Vianna 2003: iv-v; Finau 2004: 227-228).” (MCCLEARY E

VIOTTI, 2007, p.74)

Apontamos como o maior problema deste tipo de transcrição o

fato de o pesquisador acabar por analisar “dados” que não refletem a

língua de sinais, mas as características gramaticais da língua utilizada

nas glosas, uma vez que a estrutura gramatical desses dados não pode

ser a da língua de sinais pesquisada. McCleary e Viotti (2007)

apresentam dois fortes inconvenientes para a transcrição por glosas de

dados de línguas de sinais.

Mesmo nos casos mais simples, quando é usada para representar sentenças eliciadas isoladamente, a transcrição por glosas traz dois inconvenientes que queríamos evitar na fase inicial de nossa descrição. Primeiro, achamos precipitado o uso de indicações com valor gramatical para marcações não-manuais, como de tópico, interrogação, ou negação. Tais rótulos pressupõem uma análise sintática/ semântica/ pragmática, e podem ocultar algumas diferenças sutis na produção das marcações não-manuais, que talvez sejam significativas. Outro inconveniente da transcrição por glosas que achamos que deveria ser evitado é a desvinculação do nome do sinal (sua glosa) da descrição de sua forma. Essa consideração não é levantada na literatura. O senso comum atrás da prática de se usar a glosa desvinculada de uma descrição é o de que "todo o mundo sabe" como determinado sinal é executado. No entanto, isso não é verdade. Vários fatores podem fazer com que os sinais sejam realizados de maneira diferente da forma mais conhecida, como, por exemplo, variação regional e micro-regional, ocorrência de processos fonológicos e sinonímia. Um problema relacionado a esse é a padronização do nome do sinal; muitas vezes, ao se atribuir nome ao sinal, a tendência é a de se traduzir o sinal com base no sentido dominante no contexto específico sendo transcrito, mesmo quando tal tradução não é o nome mais típico do sinal sendo executado.

McCleary e Viotti (2007, p.75-76)

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Como exemplo do problema que envolve esse tipo de transcrição

citamos a seguinte situação. As línguas orais geralmente estabelecem a

categoria gramatical dos itens lexicais por meio de morfologia

derivacional ou flexional. Tal morfologia ainda não foi observada nas

línguas de sinais. Assim, o sinal pode sertranscrito em glosa do

português como CRESCER, CRESCIDO ou CRESCIMENTO.3 A escolha

da categoria verbal, adjetival ou nominal no momento da transcrição

significa uma antecipação da análise dos dados para um momento em

que as ferramentas teóricas de análise ainda não estão sendo

consideradas. Isto implica, portanto, um enviesamento dos dados,

sobretudo, em pesquisas sobre estrutura gramatical.

Além do método de transcrição de dados por algum sistema de

glosas, utiliza-se em pesquisa sobre a libras, aqui no Brasil, o ELAN

como tentativa de padronizar as transcrições da Libras.

O ELAN (EUDICO – LinguisticAnnotator) é uma ferramenta de

notação que permite que se possa criar, editar, visualizar e procurar

anotações através de dados de vídeo e áudio. Esta ferramenta foi

desenvolvida no Instituto de Psicolinguística Max Planck em Nijmegen,

na Holanda, com oobjetivo de produzir uma base tecnológica para a

notação e a exploração de gravações multimídias. Conforme Quadros,

Pizzio e Rezende (2009), o ELAN foi projetado especificamente para a

análise de línguas, da língua de sinais e de gestos, mas pode ser usado

por todos que trabalham com corpora de mídias, isto é, com dados de

vídeo e/ou áudio, para finalidades de notação, de análise e de

documentação destes. McCleary e Viotti (2007, p.87) apontam o fato de

o ELAN apresentar a possibilidade de visualizar duas ou mais tomadas

de vídeo simultaneamente como vantagem para a transcrição das

línguas sinalizadas. Entretanto, apontam uma desvantagem relacionada

à natureza contínua da transcrição, que seria a impossibilidade de se

gravarem relatórios que preservem as pautas organizadas por unidades                                                             3 Discutiremos este exemplo mais detalhadamente abaixo.

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ideacionais, como em transcrições convencionais. De qualquer forma, o

ELAN também tem a desvantagem de afastar a transcrição do sinal da

sua forma articulada, além da desvantagem de implicardefinição prévia

de categorias e funções sintáticas, obscurecendo qualquer análise de

aspectos gramáticos a partir de dados sistematizados por esse tipo de

instrumento.4

Esse problema da transcrição de dados de línguas de sinais tem

sido considerado hoje em dia. A literatura internacional tem apontando

as limitações dos procedimentos de transcrições que vêm sendo

utilizados e confirma a necessidade de as línguas sinalizadas serem

estudadas por meio de corpora de língua produzida por sinalizadores

fluentes (LIDDELL, 2003). Com foco na documentação de línguas

sinalizadas e na construção de corpus para pesquisa dessas línguas,

McCleary e Viotti (2007, p.24) estão desenvolvendo um sistema de

transcrição de orientação eminentemente descritiva, conforme declaram

esses autores.

Buscando um método de transcrição que nos livrasse dos

problemas acima, nesta pesquisa optamos por um recurso metodológico

que nos possibilitasse analisar a estrutura da libras a partir da forma

como as amostras de fala foram articuladas. Para isso optamos por

utilizar a escrita direta, por meio de um sistema de escrita de línguas de

sinais, neste caso o sistema SEL. O SEL é um sistema de escrita para

línguas de sinais desenvolvido por Lessa-de-Oliveira, em projeto de

pesquisa, financiado pelo CNPq (Processo: 483450/2009-0) e pela

FAPESB (Termo de Outorga: PPP 0080/2010), realizado na

                                                            4 Além do ELAN, McCleary e Viotti (2007, p. 85) citam outras ferramentas para transcrição de vídeo: ANVIL (Annotationofvideoandlanguage data), desenvolvido por Michael Kipp, do DFKI (Centro Alemão para Pesquisas em Inteligência Artificial) para a anotação de comunicação não-verbal; CLAN (ComputerizedLanguageAnalysis), desenvolvido na Universidade Carnegie Mellon para analisar dados transcritos no formato CHILDES; SIGNSTREAM, Desenvolvido pelo American SignLanguageLinguisticResearch Project, da Universidade de Boston, especificamente para pesquisa com línguas sinalizadas; e TRANSANA, ferramenta para transcrição e análise qualitativa de dados em áudio e vídeo desenvolvida no Wisconsin Center for EducationResearch.

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10 

 

 

 

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, entre 2009 e 2012. Este

sistema se mostra bastante eficiente na grafia dos sinais porque

consegue representar com precisão a articulação tridimensional dos

sinais de forma linear. A autora cita três grandes vantagens desse

sistema: ele atende ao requisito da automatização do processamento,

tanto na leitura quanto na escrita; é econômico na ocupação de espaço

no papel; e é de fácil aquisição. Como desvantagem podemos dizer que,

pelo fato de esse sistema ser uma forma de escrita linear, este não

captura aspectos tridimensionais da sentença5 existentes na

modalidade falada da libras. Isto ocorre porque se trata de um sistema

desenvolvido como escrita para uso cotidiano e não como sistema para

transcrição de dados. Mas avaliamos que o fato de este sistema ser

muito preciso na representação da articulação do sinal deixa os dados

preservados em relação a muitos aspectos de suas

propriedadesgramaticais; e procuramos resolver a questão de não

marcação de aspectos sintáticos tridimensionais através de recursos

complementares como a descrição.

No caso específico da transcrição aqui feita, procuramos

representar não o sinal padrão6, mas a forma como este foi articulado

pelo informante. Assim, é possível que seja verificado em trabalhos

futuros, que também venham a utilizar o sistema SEL, os sinais aqui

apresentados escritos de maneira diferente.

                                                            5 Este sistema não captura aspectos tridimensionais apenas da sentença. Mas nenhum dos outros recursos de transcrição utilizados em pesquisas dessa natureza tem se mostrado capaz de representar este aspecto. Além disso, no caso da articulação do sinal, o sistema SEL consegue capturar com muita precisão os aspectos tridimensionais de sua articulação.

6 Falamos em sinal padrão considerando as formas já dicionarizadas. Entretanto, sabemos que a libras, considerada língua nacional, é uma língua de sinais constituída por uma grande variedade de dialetos.

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11 

 

 

 

1.4 Organização da dissertação

Este trabalho está organizado da seguinte forma. O capítulo I

destina-se a apresentar os componentes do trabalho de pesquisa, a

justificativa do tema, a montagem do corpus e o método de transcrição

dos dados; o capítulo II apresenta o panorama teórico baseado nos

pressupostos gerativistas assumidos por nós para analisar o sistema

linguístico que é objeto deste estudo – o sistema da libras; o capítulo III

apresenta uma breve descrição de alguns aspectos gramaticais da libras

e apresenta análises acerca da estrutura argumental de sintagmas

nessa língua, com base na saturação dos predicadores encontrados nos

dados da pesquisa. O capítulo IV apresenta análise dos dados frente à

hipótese inatista de aquisição, avaliando as condições dos inputs dos

três perfis de informantes estudados. E, nas considerações finais,

fazemos uma síntese das conclusões a que este estudo nos levou.

Page 31: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

12 

 

 

 

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13 

 

 

 

CAPÍTULO 2

Panorama teórico-metodológico

2.1Um caminho para investigação da língua brasileira de

sinais como língua natural

Desde que se iniciaram os estudos sobre línguas de sinais, os

pesquisadores partiram na defesa do status de língua natural para

essas línguas. Acreditamos que, para sustentar essa tese, devemos

buscar as propriedades das línguas naturais nas línguas de sinais. Se

assumimos a concepção gerativista, devemos buscar as propriedades de

línguas naturais identificadas por essa teoria. Pelo fato de o campo de

estudos sobre línguas de sinais de modo geral e da libras em particular

ainda não apresentar muitos trabalhos com amplas análises da

estrutura frasal, optamos por investigar um aspecto básico, essencial,

em nosso entender, às análises a respeito da estrutura gramatical de

qualquer língua. Assim, este estudo se propõe a investigar a estrutura

argumental dos sintagmas em libras, considerando que esta seja a

propriedade basilar na estrutura hierárquica da sentença, conforme a

perspectiva gerativista.

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14 

 

 

 

Para nortear essa investigação da estrutura argumental da libras,

precisamos antes investigar a estrutura do sinal, vejamos por quê.

Como já mencionamos, segundo Lessa-de-Oliveira (2012, p. 177), “na

modalidade falada, o sinal pode corresponder a um item lexical, mas

também pode corresponder a uma sentença inteira.” Vejamos um

exemplo de Veloso (2010) citado por Lessa-de-Oliveira (2012, p. 177):7

(1)

VEÍCULO (md)_ULTRAPASSAR VEÍCULO(me)

‘Um carro ultrapassou outro carro.’

Sobre este exemplo comenta Veloso (2010, p. 60) que:

A mão direita (md) realiza o movimento que constitui a raiz verbal do sinal ULTRAPASSAR, enquanto a configuração da mão e sua orientação representam o argumento externo CARRO. A mão esquerda (me) representa o argumento interno CARRO e seu posicionamento8 em relação ao argumento externo.

Explica Lessa-de-Oliveira (2012) que é possível observar

claramente nesse exemplo a ocorrência simultânea da raiz verbal e seus

argumentos, que se aglutinam num único sinal. Este tipo de estrutura é

favorecido, conforme esta autora, pelo contexto tridimensional de sua

realização. A possibilidade de representar essa sentença por um único

sinal em escrita SEL atesta o fato de que um único sinal pode

representar uma sentença inteira em libras.

Aprofundando a discussão, Lessa-de-Oliveira (2012) aponta o que

ela chama, com base em Felipe (2006), de processos miméticos como

aspecto responsável pelo fenômeno que acabamos de exemplificar, isto

é, a ocorrência de um “sinal sentencial”. Segundo Felipe (2006), a                                                             7 A transcrição em escrita SEL foi acrescentada por Lessa-de-Oliveira (2012). Esta transcrição deixa evidente os elementos da unidade MLMov que utilizamos como critério para identificação do sinal por sua composição articulatória. 8 Posicionamento na articulação do sinal.

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15 

 

 

 

libras, assim como outras línguas de sinais, podem introduzir a mímica

juntamente com a estrutura frasal, representando mimeticamente um

objeto, uma qualidade de um objeto, um estado, um processo ou uma

ação. Para esta autora (2006, p. 206), “o processo mimético transforma

a mímica em uma forma linguística que representa iconicamente o

referente a partir dos parâmetros de configuração sígnica e da sintaxe

da língua.” Esclarece Felipe (2006, p. 206) que “na verdade, não se faz a

mímica simplesmente, esta é incorporada pela língua e se estrutura a

partir dos parâmetros de cada língua de sinais, como as onomatopéias

nas línguas oral-auditivas”.

Observa Lessa-de-Oliveira (2012) que a presença desses

processos miméticos em libras é tão forte que se verifica alteração na

realização de alguns sinais em certos contextos, configurando um tipo

de variação ocasional. Vejamos um exemplo apresentado pela autora

(2012, p. 162): 9

_______--------------- ___ ------ _______ ------- (2) OVO(me md) DEPOIS(me md) OVO(me md) NASCEROVO(me md)

ABRIRTAMPA(me md) PINTO(md) PEQUENO(md) AMARELO(md).

‘Do ovo que, depois de um tempo, abriu-se, nasceu um pequeno

pinto amarelo. ’

Explica Lessa-de-Oliveira (2012) que, como o sinal OVO padrão

em libras representa a imagem de um ovo sendo quebrado ao meio,

deixando clara e gema cair,10 o informante surdo que realizou a

sentença acima, optou por “não quebrar o ovo” na realização deste

sinal, uma vez que ele contava a história de um pintinho que nasceria

                                                            9 Nessa notação, a palavra subscrita indica especificidades do sinal, como em NASCEROVO. 10 O sinal OVO padrão em libras é realizado com a junção das pontas dos dedos das mãos esquerda e direita configuradas em gancho, seguida de um movimento simultâneo em curva para baixo à esquerda pela mão esquerda e à direita pela mão direita.

Page 35: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

16 

 

 

 

deste ovo. Em lugar disso, este informante juntou ao sinal OVO,

realizado pela metade (apenas com a junção das duas mãos

configuradas em gancho (ver figura 1a), ao sinal TEMPO DECORRIDO,

alterando seu ponto de articulação do rosto para junto à mão de base

(ver figura 1b).11 Em seguida, este informante coloca novamente a mão

direita configurada em gancho, juntando as pontas dos dedos aos da

mão esquerda, que permaneceu imóvel todo o tempo (ver figura 1c).

[a] [b] [c]

Figura 1: Alteração ocasional do sinal OVO12

Além de observar esse fenômeno na realização de sinais, Lessa-

de-Oliveira (2012) observa ocorrência de alteração ocasional também na

estrutura de sentenças. Vejamos o seguinte exemplo apresentado pela

autora (2012, p. 161):

___________-----------------------------------------------________________ (3) LEBRE (me)_APROXIMAR_QUASE_ALCANÇAR TARTARUGA(md).

‘A lebre, que se aproximava da tartaruga, quase a alcançou.’

(4) TARTARUGA (md) VENCER (md).

‘A tartaruga venceu. ’

Segundo a autora, em (3) um único sinal aglutinou: os verbos

aproximar e alcançar; os argumentos externos e internos desses verbos,

                                                            11 O sinal TEMPO DECORRIDO padrão é realizado da seguinte forma: com a mão principal configurada em Zê faz-se um movimento circular em frente ao rosto. 12 Figura coletada em Lessa-de-Oliveira (2012, p. 163).

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17 

 

 

 

que são os mesmos, respectivamente a lebre e a tartaruga,

representados pelas mãos esquerda e direita; e também o adjunto

quase. Vejamos as figuras abaixo aprestadas pela autora:

[a] [b] [c] [d] [e]

Figura 2: Alteração ocasional de sentença (3)13

Conforme explicação da autora, o informante primeiro avança a

mão direita (figura 2a), depois ele aproxima a esquerda da direita

(figuras 2b, 2c e 2d), com as pontas dos dedos equiparando-se por um

instante (figura 2d) e, por fim, avança a mão direita pouco à frente da

outra (figura 2e), na hora em que a realização deste sinal se encerra. As

raízes verbais de aproximar e alcançarocorrem amalgamadas, como se

verifica nos movimentos congelados nas figuras 2b e 2c.14 O adjunto

quase é identificado pelo curto espaço de tempo em que os dedos

ficaram equiparados (figura 2d).

Esses fenômenos, que começam a ser tratados na literatura como

processos miméticos ou imagéticos, são muito comuns em línguas de

sinais. Assim, a investigação da estrutura argumental de uma língua de

sinais exige que consideremos a existência destes processos miméticos,

bem como o fato de o sinal representar não apenas uma palavra, mas

                                                            13 Figura coletada por Lessa-de-Oliveira (2012, p. 161) 14 Conforme o dicionário de Lira e Felipe (2001) o sinal APROXIMAR em libras ocorre da seguinte forma: com uma das mãos à frente configurada em dê, palma para frente, braço estendido, e a outra mão também configurada em dê, palma para frente, posicionada mais atrás, faz-se um movimento retilíneo para frente aproximando, sem equiparar, a mão principal da mão de base; e o sinal ALCANÇAR ocorre: com uma das mãos à frente configurada em dê, palma para frente, braço estendido, e a outra mão também configurada em dê, palma para frente, posicionada mais atrás, faz-se um semicírculo para frente e para baixo, equiparando as duas mãos. (descrição nossa, uma vez que o dicionário em libras sinalizado).

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18 

 

 

 

também sentenças inteiras. Considerando este aspecto, iniciaremos

nosso estudo da estrutura argumental da libras partindo da

investigação da estrutura interna do sinal.

Identifica-se em libras uma fonologia15 específica diferente da

fonologia das línguas orais. A fonologia básica das línguas de sinais foi

descrita primeiramente por Stokoe (1960). Este pesquisador,

procurando descrever a ASL (American SignLanguage), propôs um

esquema de análise linguística baseado em três elementos básicos, hoje

denominados parâmetros,16 que isolados não significam nada, mas em

conjunto com outros elementos formam o que é conhecido como “sinal”,

elemento de base, que corresponde ao signo linguístico na comunicação

em línguas de sinais.

Os parâmetros descritos por Stokoe (1960) foram configuração de

mão (CM), locação de mão (L) e movimento de mão (M0). A estes

parâmetros foram acrescentados posteriormente por Battison (1974,

1978) direção de mão (DA), expressão facial (EF), tratados também como

marcações não manuais (NM), e orientação de palma, que Barros (2007)

trata como um morfema importante para a morfologia da libras.17

Lessa-de-Oliveira (2012), concluindo que os seis segmentos,

acima mencionados, comumente referidos na literatura especializada,

não correspondem à totalidade dos traços articulatórios de línguas de

sinais, chega, a partir de suas análises, aos seguintes traços: três

planos de realização do movimento (denominados por ela de planos

frontal, transversal e sagital), três eixos de posição da mão

(denominados por ela de eixos superior, anterior e lateral) movimento de                                                             15Inicialmente Stokoe (1960) propôs os termos Quirema e Quirologia para o estudo das línguas de sinais tomando como base ASL. Os Quiremas seriam a unidades mínimas na composição do sinal (configuração de mão, Locação e movimento). Já o estudo do conjunto recebeu o nome Quirologia numa referência a conversa com as mãos. Entretanto, achou-se conveniente utilizar os mesmos termos empregados nos estudos de línguas orais, já que se tratava do mesmo módulo – fonema, fonologia. 16 O termo “parâmetro” neste caso nada tem a ver com o termo parâmetro empregado dentro dos estudos gerativista. 17 Não assumimos a análise, dessa autora, de que este parâmetro seja um morfema, pois não vemos evidência suficiente para essa análise.

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19 

 

 

 

dedos e pontos de toque. Lessa-de-Oliveira (2012) constrói sistema de

escrita SEL (Sistema de Escrita para Libras) tomando esses segmentos e

mais os seis acima referidos como traços articulatórios dos sinais.

O trabalho de Stokoe (1960) teve um valor significativo para o

momento, uma vez que suas pesquisas deram início ao campo

disciplinar das línguas de sinais. Com o andamento das pesquisas

outros aspectos foram acrescidos, como os mencionados acima. Dentre

esses avanços destacamos a análise de Lessa-de-Oliveira (2012), na

qual a pesquisadora chega ao que ela considera a unidade básica da

constituição articulatória dos sinais. Segundo esta autora, os

parâmetros são apenas traços que formam segmentos superiores de

três tipos distintos, os quais a autora denomina macrossegmentos. São

eles: Mão(M), Locação(L) eMovimento(Mov.)18, e cada um desses

macrossegmentos apresenta traços tridimensionais peculiares. Esses

macrossegmentos formam, conforme a autora, as unidades MLMov19, as

quais compõem os sinais. Ainda conforme a autora, a maioria dos

sinais são formados por uma única unidade MLMov, ocorrendo mais

raramente sinais formados por duas ou três dessas unidades. Vejamos

um exemplo da unidade MLMov representada pelo sistema SEL,

apresentado por Lessa-de-Oliveira (2012, p. 166):

(5) Mão(M) Locação(L)Movimento(Mov.)

VER20

                                                            18 Esses traços podem ser, em princípio, serem equiparados aos propostos por Stokoe (1960). Entretanto, na concepção são diferentes porque representam um feixe de traços.

19 Nesta pesquisa, usaremos a seguinte nomenclatura para referência aos morfemas da libras: (M) de Configuração de mão, (L) Locação ou Ponto de articulação e ( Mov) Movimento. 20 O sinal VER realiza-se com a mão configurada em vê, palma em posição anterior para baixo, fazendo-se um movimento retilíneo para frente a partir do olho.

Page 39: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

20 

 

 

 

Aqui temos a descrição de um sinal em que o

macrossegmentomão (M) é representado por dois caracteres, sendo o

primeiro o de configuração de mão em vê, seguido do caractere de eixo

anterior e palma para baixo; o (L) é representado pelo caractere olho; e o

macrossegmento movimento (Mov) é representado pelo último caractere

como movimento retilíneo para frente.21

Todos os sinais são possíveis de ser representados pela escrita

SEL. Assim, a utilização da escrita SEL na transcrição de dados facilita

a análise da estrutura desta língua, uma vez que resguarda os dados,

como já foi explicado, da interferência da estrutura de outra língua,

como ocorreria se a opção aqui fosse por fazer análise a partir de glosas

do português apenas.

Esse tipo de transcrição resguarda os dados, sobretudo em

relação aos seguintes aspectos. No trabalho de transcrição, nos

deparamos com a impossibilidade de definir a categoria gramatical do

sinal, em primeira mão, porque a libras vem mostrando ser uma língua

que não apresenta marcas morfológicas definidoras de morfemas

verbais, nominais, adjetivais etc. Por exemplo, diante de um sinal como

CRESC(ER) isolado, fica difícil saber se trata do verbo crescer; do nome

crescimento, ou do adjetivo crescido. Considerando o fato de que esse

sinal pode aparecer junto com processos miméticos, como o descrito

acima, ou junto com a mímica propriamente dita, que também é

recorrente em línguas de sinais, fica realmente complicado identificar a

categoria gramatical dos sinais em diversos contextos, uma vez que

ainda não descobrimos quais são os mecanismos gramaticais que

estabelecem essas categorias em línguas desse tipo.

Diante destas questões para proceder à análise proposta, o

caminho a seguir foi investigar a estrutura argumental a partir da

identificação da relação de predicação entre dois ou mais sinais. Para

isso, nos valemos do conceito de unidades MLMov para identificar as                                                             21 Mão dominante é aquela que realiza o movimento, podendo ser a direita ou esquerda.

Page 40: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

21 

 

 

 

execuções gestuais que podiam ser consideradas sinais, separando-as

dos processos miméticos (envolvendo aglutinação ou modificação

ocasional de sinais) ou da mímica propriamente dita.

Temos ainda outra questão relevante a considerar. De acordo com

Prado e Lessa-de-Oliveira (2012), certos elementos dêiticos próprios de

línguas de sinais, tratados pelas autoras como Localizadores (Locs.),

podem funcionar como argumentos de raízes lexicais em estruturas

sentenciais. Esses elementos dêiticos, que marcam referentes reais ou

imaginários no espaço físico da enunciação, podem ser articulados ou

não-articulados, conforme as autoras. Vejamos exemplos de Prado e

Lessa-de-Oliveira (2012 p. 49):

(6)

LOC.MULHER MULHER COZINHAR AMASSARMASSA COLOCARMIUDOS/CESTA

‘A mãe de Chapezinho Vermelho cozinhou, preparou pão e

arrumou na cesta, ’

(7) MUDAR CESTA(de lugar) COBRIRCESTA PEGARCESTA

‘mudou a cesta de lugar, cobriu e pegou a cesta.’

(8) DEPOIS Loc.CHAPEUZINHO ENTREGARCESTA

‘(...) depois entregou a cesta para Chapeuzinho Vermelho. ’

Comentam as autoras que, neste exemplo, os verbos MUDARCESTA

DE LUGAR,COBRIRCESTA ePEGARCESTA têm seus objetos identificados pelo

referente imaginário, fixados num ponto do espaço por Localizadores

não-articulados, ou seja, explicam as autoras que esses verbos são

realizados no ponto do espaço onde se construiu o referente imaginário

cesta.

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22 

 

 

 

Para autores como Liddell (2003), Moreira (2007), os verbos

indicadores, de línguas de sinais, têm a capacidade de realizar dêixis.

Bellugi e Klima (1982) chegam a identificar os pontos marcados no

espaço (os Localizadores) como a base da concordância verbal na língua

americana de sinais. Um exemplo desse tipo de verbo em libras é o

verbo entregar no exemplo acima. Explicam Prado e Lessa-de-Oliveira

(2012, p. 51) que, na realização do verbo ENTREGARCESTA, neste

exemplo, “é feito um sinal de apontação à direita, isto é, realiza-se o

Loc.CHAPEUZINHO antes do verbo e, em seguida, é realizado um movimento

do ponto onde está o Loc.CESTA ao ponto do Loc.CHAPEUZINHO, significando

que a cesta foi entregue a Chapeuzinho.” Assim, temos como tema o

constituinte cesta, e como alvo o constituinte Chapeuzinho.

Todos estes aspectos são considerados em nossas análises, a fim

de verificarmos diferentes possibilidades de constituição da estrutura

argumental na língua brasileira de sinais.

2.2 O objeto de estudo frente aos pressupostos gerativistas básicos da estrutura argumental

A sentença em qualquer língua é composta por constituintes que

se relacionam de modo hierárquico, partindo da composição de

constituintes menores para constituintes maiores, chegando ao

constituinte que é o axioma da sintaxe: a sentença (MIOTO, 2004, p.

46). A teoria gerativa faz uma discussão de como representar em

módulos um constituinte através da Teoria X-barra. Esta teoria pode

ser aplicada a todas as línguas naturais, para representar os

constituintes. Nesta perspectiva é comum recorrer à variável X que

assume seu valor dependendo da categoria do núcleo pertencente. Se

for um nome o valor de X será N; se for um verbo, será um V; se for

uma preposição será um P e assim segue. Este núcleo X (categoria

mínima) vai determinar as relações internas aos constituintes marcados

Page 42: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

23 

 

 

 

em dois níveis: o nível X’ (nível intermediário) e o nível XP (nível

sintagmático) (cf. MIOTO, 2004).

Nas projeções intermediárias, o núcleo pode estar relacionado

com os complementos (Compl.) e na projeção máxima pode estar

relacionado com um especificador (Spec.), conforme a representação

abaixo.

(9) XP

Spec X’

X compl

Qualquer falante natural de uma língua é capaz de produzir

sentenças gramaticais22, assim também é com os falantes da Libras,

assumindo que essa seja uma língua natural. Tendo esta natureza, as

sentenças produzidas por eles podem ser analisadas por instrumentos

teóricos linguísticos, fazendo-se o detalhamento dos seus constituintes

e identificando as relações gramaticais estabelecidas nos enunciados

produzidos por estes falantes.

Explica Raposo (1992) que os argumentos de um predicador

verbal é equivalente ao sujeito e aos complementos subcategorizados

pelo predicador. Ao estabelecer sentido, estabelecem-se tipos de

relações semânticas entre o predicador particular e seus argumentos;

essas relações semânticas são chamadas de papéis temáticos. Os

papéis temáticos são, portanto, funções semânticas associadas aos

argumentos de um predicador, segundo o sentido específico do

predicador.

                                                            22 Sentenças consideradas gramaticais são aquelas formadas pelo falante nativo de uma determinada língua baseadas na sua gramática internalizada, um conjunto de regras que rege a distribuição dos itens na sentença. Segundo Mioto (2004), o que permite a um falante decidir se uma sentença é gramatical é o conhecimento que ele tem da sua língua, através da competência linguística.

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24 

 

 

 

Como nosso foco de análise é a libras, é importante termos em

mente a ideia de que esta apresenta uma característica espacial, como

mencionado acima, em que os seus elementos frasais são realizados no

espaço físico e as suas relações sintáticas estabelecidas pela marcação

de pontos neste espaço: direção do corpo, do movimento inerente ao

sinal etc. Além disso, para investigar a estrutura sintagmática da libras,

precisamos estar atentos para o fato de que a categoria lexical do sinal

não está evidente. Vejamos alguns exemplos:

(10) a. Loc.AQUI TER COMIDA BOA

‘Aqui tem comida boa.’

b. HOMEMCRESCIDO PINTO COMER

‘(Para ficar) homem crescido o pinto come.’ (literalmente) ou

‘(Para ficar) adulto o pinto come.’

c. BEBÊ CRESCER JÁ

‘O bebê já cresceu.23

d. Loc.PINTOPINTO ANDAR BEM

‘Estepinto caminha bem.’

Como é possível observar, nesses exemplos, o sinal

apresenta esta mesma forma para o nome comida

                                                            23 O traço de “tempo pretérito” é capitado na interpretação deste exemplo pelo advérbio “já”.

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25 

 

 

 

(10a) e para o verbo comer (10b). O mesmo se observa com o sinal

, que apresenta, nesses exemplos, esta mesma forma para o

adjetivo crescido (10b) e para o verbo crescer (10c). Enquanto em (10a) o

sinal é o adjetivo bom, em (10d) este sinal é o advérbio bem,

mantendo esta mesma forma.

Certamente existe um sistema nessa língua que estabelece as

categorias lexicais, que as coloca em relação sintática através de um

sistema de marcação de caso, o qual torna os papéis temáticos visíveis e

a sentença perfeitamente compreensível, como ocorre com qualquer

língua natural. O que acontece é que ainda não deciframos esse

sistema, não sabemos a que tipologia de língua a libras pertence.

Assim, no trabalho de investigação dos aspectos gramaticais devemos

estar atentos para o fato de que a categoria lexical e demais aspectos

gramaticais não estão evidentes nos dados. A sentença (11) abaixo é um

exemplo de enunciado em libras em que observamos que os elementos

gramaticais não estão tão evidentes. As interpretações (11a) e (11b) são

equivalentes em termos de valor de verdade, mas não são equivalentes

em termos de estrutura gramatical.

(11) ANDARPINTOPINTO LEGAL BOM PINTO

(a) ‘O caminhar do pinto está legal, é um bom pinto.’

(b) ‘O pinto caminha bem, o pinto está bem.’

Como o sinal apresenta essa forma indistintamente para

diferentes categorias, não está evidente se neste exemplo estamos

diante de um nome ou de um verbo. Pelo mesmo motivo, a análise da

categoria sintática dos sinais (LEGAL/BOM) e

Page 45: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

26 

 

 

 

(BOM) neste exemplo como adjetivo ou advérbio não está clara,

sobretudo porque, em libras, construções como essas podem dispensar

a realização (explícita) de verbo de ligação.

Essas observações encaminham a nossa investigação a começar

pelas relações argumentais, que partem das propriedades dos itens

lexicais. De acordo com Chomsky e Lasnik (1995), o léxico é o

repositório de todas as propriedades dos itens lexicais. Com base nessa

perspectiva, a representação da forma fonológica de cada item, a

especificação de sua categoria sintática e suas características

semânticas são determinadas por essas propriedades. Dessa forma,

assume Chomsky e Lasnik (1995) que as propriedades de seleção

semântica e sintática dos itens lexicais especificam a “estrutura

argumental” de um núcleo, indicando quantos argumentos o núcleo

licencia e que funções semânticas cada um deles recebe.

Em Chomsky (1965), as condições de subcategorização e seleção

desempenhavam um papel central na construção da estrutura

argumental. Na Teoria de Princípios e Parâmetros, conforme Chomsky e

Lasnik (1995), concebe-se a subcategorização praticamente como uma

consequência quase completa de especificação de funções-ө. Assim,

para receber uma função-ө particular, os traços semânticos inerentes

de um argumento têm de ser compatíveis com essa função.

Essa análise traz reflexos para a questão da aquisição. Para

Pesetsky (1982), os primitivos da seleção-ө (os papéis temáticos), e não

os da seleção-c (as categorias sintáticas), podem ser usados pela

criança para construir uma análise preliminar, pré-linguística, a partir

de uma amostra de dados do input, no processo de aquisição de uma

língua. Nesta perspectiva, os efeitos da subcategorização são derivados

das propriedades semânticas.

Segundo Chomsky e Lasnik (1995) esta proposta de Pesetsky não

é conclusiva. Perguntam eles se, antes de a criança saber algo acerca da

sintaxe de sua língua, para além daquilo que traz a GU (Gramática

Universal), poderá ela determinar que porção da frase constitui “o

Page 46: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

27 

 

 

 

agente”? Além disso, a evidência à disposição da criança consiste

provavelmente em frases. Assim, as entradas lexicais contêm, na

opinião de Chomsky e Lasnik (1995), pelo menos alguma informação

sintática, para além das informações fonológica e semântica.

De acordo com a proposta gerativa, a língua-I consiste de um

léxico, mas também de um sistema computacional. O sistema

computacional se constitui em níveis de representação. No Programa

Minimalista (PM), permanecem apenas os níveis Forma Fonética (PF) e

Forma Lógica (LF), os quais se compõem como indicadores

sintagmáticos, por sua vez formados de elementos atômicos

primitivos24. Segundo Chomsky e Lasnik (1995, p. 75), cada elemento

primitivo é um complexo de traços, conforme se representa em (12) para

as categorias: verbo (V), nome (N), adjetivo (A), pre- e posposição (P).

Explicam os autores que o traço [+N] é o do substantivo tradicional e o

traço [+V], o do predicado.

(12) a. N = [+N, -V]

b. V = [-N, +V]

c. A = [+N, +V]

d. P = [-N, -V]

Considerando a inexistência de pistas morfológicas que possam

nos indicar a categoria dos itens lexicais da libras, optamos, neste

estudo, por identificar essas categorias por suas relações sintáticas

dentro das estrutura argumental. Fazemos uma análise, em primeira

instância, que se limita a marcar os níveis mínimo (X0), intermediário

(X’) e máximo (XP) da estrutura sintagmática, considerando os núcleos

lexicais apenas, uma vez que o nosso foco central é a estrutura

argumental.

                                                            24 Segundo Chomsky e Lasnik (1995), são primitivos porque são não decomponíveis, embora sejam constituídos de traços.

Page 47: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

28 

 

 

 

Queremos com essa análise nos limitar, como já dissemos, aos

traços formais de argumento e predicador, procurando capturar com

isso, sobretudo, as propriedades de predicador (como atribuidor de

papéis temáticos) e de argumento (como constituinte ligado a um

referente no mundo extralinguístico), presentes nos sinais considerados

como itens lexicais.

2.3 O objeto de estudo frente a uma teoria dos papéis temáticos

A teoria dos papéis temáticos é amplamente aceita entre os

linguistas, podendo ser compreendida como uma forma de analisar a

estrutura argumental de núcleos predicadores, como os verbos, sob o

aspecto de funções semânticas associadas a argumentos, “que lhe

completam o sentido, convertendo o predicador numa expressão

semanticamente completa (ou saturada, para empregar um termo

proposto pelo lógico alemão Gottlieb Frege)” (RAPOSO, 1992, p. 275).

Sabemos que, em princípio, todas as categorias lexicais (Nome

(N), verbo (V), Preposição (P), Adjetivo (A) e Advérbio (Adv)) pressupõem a

capacidade de selecionar argumentos, mas os verbos e os adjetivos

seriam os predicadores por excelência, como afirma Raposo (1992).

Quanto à condição de argumento, “para que uma categoria possa

estabelecer uma relação semântica com um predicador (...), é necessário

que tenha um potencial de referência, isto é, que possa servir para

designar entidades (...) ou situações (...) do universo discursivo”

(RAPOSO, 1992, p. 279).

Dentro dos pressupostos gerativistas, predicadores e argumentos

se organizam como estrutura hierárquica em que dois ou mais

elementos se agrupam para formar um constituinte de nível hierárquico

superior que os inclui. Assim ocorre sucessivamente, formando

Page 48: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

29 

 

 

 

sintagmas. Dessa forma, vemos que a valência semântica está na base

da estrutura das sentenças de línguas naturais.

Conforme nos informa Raposo (1992), na gramática gerativa há

dois trabalhos centrais sobre funções semânticas e o papel que

desempenham na análise sintática, o de Fillmore (1968) e o de

Jackendoff (1972). Este último autor propõe um esquema conceptual

abstrato com um número finito de funções-ө (funções temáticas), cuja

função principal é a de tema (ou paciente)25 atribuída ao DP que

representa o argumento que sofre o movimento ou troca (argumentos de

verbos de movimento), localização (argumentos de verbos de localização)

e mudança de estado ou mudança exterior (argumentos de verbos

incoativos e causativos, respectivamente). Jackendoff (1972) propõe

ainda as funções temáticas de locativo, para verbos que designam

localização; fonte e alvo, atribuídas pelos verbos de movimento aos

pontos de partida e chegada do movimento; e agente, desempenhada

por um DP com traços de animacidade e intencionalidade, cuja vontade

é responsável pela ação verbal.

Raposo (1992) desenvolve seu trabalho com base nessas funções-

ө e em outras adaptadas de Fillmore (1968) que são: experienciador, que

seriaa entidade afetada psicologicamente ou fonte de um processo ou

estado psicológico; causa,relacionada à força ou objeto inanimados

envolvidos como causa no processo verbal; instrumento, correspondente

ao objeto auxiliar com que um agente pratica a ação designada pelo

verbo; e Dativo, atribuída à entidade afetada (não psicologicamente),

que se subdivide em Benefactivoou Malefactivo.

Em Chomsky (1986), as noções de argumentos interno e externo

se relacionam diretamente com o predicador. Os adjuntos são

compreendidos em termos de inclusão de constituintes. Em outras

palavras, enquanto um argumento é um constituinte incluído na                                                             25 Segundo Van Valin Jr. (2001) há uma diferença entre os papéis tema e paciente. Paciente ocorre tipicamente com verbos como: kill, smash, break, crush, washedestroy (matar, esmagar, quebrar, esmagar, lavar e destruir); e tema com verbos como:put, place, give, send e buy (colocar,efetuar, dar, enviar ecomprar).

Page 49: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

30 

 

 

 

projeção máxima do núcleo com o qual este se relaciona, um adjunto é

um constituinte que está apenas contido na projeção máxima de um

núcleo. No âmbito da estruturação sintática, é necessário informações

acerca dos predicadores, qual o número de argumentos exigidos para se

tornarem saturados. Para a gramática gerativa estas informações estão

no léxico, ao qual o falante tem acesso ao adquirir uma língua.26

É preciso deixar claro, entretanto, que relações gramaticais são

independentes de relações semânticas, conforme explica Van Valin Jr,

(2001). É o que ocorre, por exemplo, entre as estruturas de voz. Esse

autor mostra através de exemplos do Malagasy, língua falada em

Madagascar, que o sujeito e o objeto direto da voz ativa podem

apresentar as relações semânticas de agente e paciente,

respectivamente(exemplo (13a) abaixo); entretanto, na voz passiva,

temos um sujeito com papel semântico de paciente (exemplo (13b)).

Explica o autor que o verbo sasan ‘lavar’ em Malagasy (de ordem básica

VOS) pode ter um terceiro argumento, nysavony‘o sabão’. Esse

constituinte não teria a função de sujeito, de objeto direto nem de

objeto indireto em (14a), e seria marcado com a preposição amin‘com’.

Seu papel semântico é de instrumento. Em uma estrutura de voz

distinta da ativa e da passiva, isto é, na voz circunstancial, este

constituinte assume a função de sujeito (exemplo 14b).

(13) a.Nanasany lamba nyvehivavy.

washedtheclothesthewoman

‘The woman washed the clothes.’

                                                            26Há quem questione essa identificação de argumentos como complementos, opondo-se argumentos a adjuntos. Para Cançado (2009) argumento pode ser definido como uma noção semântica, que envolve a atribuição de papéis temáticos, e os complementos e os adjuntos, como noções sintáticas, que envolvem a posição estrutural e a atribuição de casos. Conforme a autora, além de os argumentos estabelecerem uma relação semântico-lexical e serem associados à posição de sujeito e complemento, também podem assumir a posição de adjunto. Assim, a autora propõe que os argumentos não se limitam às posições de sujeito e de complemento, pois complemento e adjunto seriam relações que se estabelecem na sintaxe, obedecendo a posições e a funções estabelecidas pela estruturação sintática de uma determinada língua.

Page 50: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

31 

 

 

 

b. Nosasan-nyvehivavynylamba.

was.washed-the woman the clothes

‘The clothes were washed by the woman.’

(14) a. Manasanylamba Amin-nysavonynyvehivavy.

washes the clothes whith the soap the woman

‘ The woman washes the clothes with the soap.’

b. Anasan-nyvehivavynylambanysavony.

be.washed.with-the woman the clothes the soap

‘The soap is washed the clothes with by the woman.’ (literal)

or ‘ The soap is used by the woman to wash the clothes.’

(VAN VALIN Jr., 2001, p. 22-23)27

Outro aspecto citado por Van Valin Jr. (2001) pelo qual

constatamos independência entre relações semânticas e gramaticais é o

caso. Em línguas como o português, o papel de agente ocorre com caso

nominativo, em constituinte que exerce a função de sujeito, em

exemplos como (15). 

(15) O pai corta madeira.

Conforme Van Valin Jr. (2001), no exemplo apresentado em (16)

abaixo, o sujeito do verbo cul‘cortar’ em Avar (língua falada no

Caucasus na Rússia) apresenta caso ergativo. Informa o autor também

que todos os verbos de percepção e cognição em Avar têm seus

argumentos de percepção e cognição no caso locativo (exemplo (16b)) e

                                                            27 (13a) ‘A mulherlavoua roupa.’ (13b) ‘As roupas foram lavadaspela mulher.’ (14a) ‘A mulher lava as roupas com o sabão.’ (14b) 'O sabãoé usadopela mulherpara lavara roupa.’

Page 51: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

32 

 

 

 

todos os verbos dessa língua que têm o significado geral de “gostar” ou

“querer” etc. têm o sujeito no caso dativo (exemplo (16c)).28

(16) a.Inssu-ccacul-ø qot-ula.

Fatther-ERG Wood-ABS chop-PRE 

‘The father chops Wood.’

b. Inssu-da limer-ø wix-ana

father-LOC child-ABS see-PAST

‘The father saw the child.’

c.Inssu-jelimer-ø bok’-ula

father-DAT child-ABS Love-PRES

‘The father loves the child.’

(VAN VALIN Jr., 2001, p. 26)

Segundo Van Valin Jr. (2001) a expressão de argumentos

experienciadores por caso dativo não pode ser considerada uma

propriedade de línguas ‘exóticas’. Esta propriedade ocorre também em

línguas indo-europeias como o Espanhol, o Alemão e o Croata. Vejamos

exemplos citados pelo autor.29

 

(17) a. Te gusta-ø lamúsic-amodern-a?

2sgDAT like-3sgPRES the.Fsg music-Fsg modern-Fsg                                                             28 (16a) ‘O pai corta madeira.’ (16b) ‘Opai viua criança.’ (16c) ‘O pai ama ofilho.’ 29 (17a) ‘Você gosta de música moderna?’ (17b) ‘Estamos interessados emteorias linguísticas.’ (18a) ‘Eu gosto da sugestão.’ ou ‘A sugestão é agradávelpara mim.’ (18a') 'Eu gosto dasugestão.’ (18b) ‘Eu estou com frio.’ ou ‘eu sinto frio.’ (19a)‘Sandra ama Zagreb’ (19b) ‘As mulherestêm vergonha.'

Page 52: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

33 

 

 

 

‘Do you like modern music?’

b. Nos interesa-nlasteorí-aslingüístic-as.

1plDAT interest-3plPRES the.Fpl theory-Fpllinguidtic-Fpl

‘We are interested in linguistic theories.’

(18) a. Der Vorschlaggefäll-t mir.

The.MsgNOMsuggestion please-3sgPRES 1sgDAT

‘I like the suggestion.’ or ‘The suggestion is pleasing to me.’

a'. Ich mag denVorschlag.

1sgNOM like.PRESthe.MsgACC suggestion

‘I like the suggestion.’

b. Mir istkalt.

1sgDAT be.3sgPRES cold

‘ I'm cold.’ or ‘I feel cold.’

(19) a.Sandr-i se sviđ-a Zagreb-ø.

Sandra-FsgDAT REFL please-3sg Zagreb-MsgNOM

‘Sandra likes Zagreb’

b.Žen-ama jeneugodn-o.

Woman-FplDAT be.3sg uncomfortable-Nsg

‘The women are embarrassed’

(VAN VALIN Jr., 2001, p. 26) 

 

Essa discussão nos mostra que as relações semânticas

estabelecidas pelos papéis temáticos que os predicadores atribuem aos

seus argumentos são expressas por diferentes sistemas, ocasionando

diferentes tipos de línguas. Assim, num estudo como este, que se

propõem a investigar uma língua de sinais tão pouco descrita,

Page 53: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

34 

 

 

 

precisamos considerar que os elementos que definem o sistema

gramatical dessa língua não estão evidentes, sendo precipitado a

analisarmos, de antemão, como analisamos outras línguas de tipologia

conhecida. Ainda é obscuro, nos estudos sobre línguas de sinais, o

funcionamento do sistema de casos, a existência ou não de morfologia

derivacional e flexional correlacionadas às categorias lexicais, entre

outros aspectos.

Assim, partimos aqui para um estudo a partir do ponto que nos

parece o começo, cuidando para ficar livres de análises presas às

estruturas gramaticais de tipos linguísticos conhecidos. Basicamente,

procuraremos identificar de que forma se dá a ligação entre

predicadores e argumentos em libras, a partir das relações semânticas

que se estabelecem entre esses elementos. Nesta análise, de natureza

preliminar, não buscamos levantar questões que dizem respeito à

seleção categorial, nos concentramos nas relações semânticas entre

predicador e argumento, procurando identificar como se dá a saturação

de predicadores nesse tipo de língua.  

Page 54: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

35 

 

 

 

Capítulo 3

Estrutura argumental em libras

3.1 Breve descrição de alguns aspectos observados

na libras

Conforme metodologia aqui assumida, nosso ponto de partida

para a descrição e análise dos elementos constitutivos da estrutura da

libras é a unidade MLMov, proposta por Lessa-de-Oliveira (2012).

Assim, procuramos, inicialmente, segmentar as unidades encontradas

em enunciados no corpus deste estudo, identificando-as por sua

constituição articulatória dentro do padrão MLMov. Depois procuramos

identificaro conteúdo semântico dessas unidades em contextos

específicos, para verificar qual o papel destas na composição dos itens

lexicais.

Como já dissemos, segundo Lessa-de-Oliveira (2012), a maioria

dos sinais são formados por uma única unidade MLMov, ocorrendo

mais raramente sinais formados por duas ou três dessas unidades.

Encontramos na librasdois tipos de sinais formados por uma unidade

MLMov. Comparemos o exemplo (1a) com os exemplos (1b) e (1c).

Page 55: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

36 

 

 

 

(1) a.

ESTUDAR

b.

QUATRO TIPOS

c.

QUATRO TIPOS DIFERENTES

No exemplo (1a) temos uma unidade MLMov que comporta uma

raiz semântica. Já nosexemplos (1b) e (1c)temos uma unidade MLMov

que comporta mais de uma raiz semântica. Parte do

macrossegmento“Mão”, a parte que corresponde à mão de base, realiza

o sinal correspondente ao algarismo quatro ( )30. O restante dos

elementos da unidade não representam nada isoladamente. Já com o

sinal em (1c) ocorre algo um pouco diferente,o sinal correspondente ao

algarismo quatro é realizado com a mão de base, enquanto a mão

principal realiza, conjuntamente e associado ao sinal QUATRO, a outra

parte deste sinal ( ) que isoladamente corresponde ao sinal

DIFERENTE. Associados esses dois sinais formam uma única unidade

MLMov de “duas mãos”, assim como é de “duas mãos” também o

exemplo (1a).

Quanto aos sinais constituídos por mais de uma unidade MLMov,

encontramos três tipos desses sinais.

(2) a.                                                             30 Escrito de forma invertida porque é realizado com a mão de base.

Page 56: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

37 

 

 

 

BOLO

b.

ONÇA

c.

ESCOLA

No sinal BOLO em (2a), encontramos três unidadesMLMov –

1ª. ; 2ª ; 3ª – que não significam nada

sozinhas. Já o sinal ONÇA, em (2b), se compõe de duas

unidadesMLMov – 1ª ; 2ª . A primeira

unidade deste sinal, isoladamente, corresponde ao sinal LEÃO (ou

FELINO) e a segunda unidade não corresponde a nenhum sinal,

isoladamente.Iconicamente, verificamos a caracterização de manchas

redondas no corpo na segunda unidade, que nos leva a ler o sinal ao

“pé da letra” como “felino com manchas redondas pelo corpo”. Quanto

ao exemplo em (2c), as duas unidades – 1ª ; 2ª –

que o compõem correspondem a outros sinais isoladamente. A primeira

é o sinal CASA e a segunda o sinal ESTUDO ou ESTUDAR.

É curioso verificar o peso semântico que tem a segunda unidade

do item ONÇA na composição do sinal, embora ela não seja um sinal

isoladamente. Um outro exemplo deste tipo é o sinal

(MÃE), formado por duas unidades: 1ª ; 2ª . A primeira

unidade isoladamente é o sinal MULHER. A segunda unidade

iconicamente passa a clara ideia de “bênção”, uma vez que reproduz a

imagem da mão sendo beijada tal qual fazem os católicos quando

Page 57: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

38 

 

 

 

pedem a bênção aos pais, representando MÃE, literalmente, como a

mulher que abençoa. O mesmo ocorre com o sinal pai ( ), que

pode ser interpretado literalmente como o homem que abençoa.

Entretanto, há outra forma articulada de maneira diferente (com as

mãos abrindo-se para baixo) que representa o sinal BÊNÇÃO ou

ABENÇOAR – .

O sinal ZEBRA ( ) não se enquadra, por nossa

análise, no tipo (2c), embora sua segunda unidade isoladamente se

articule como um sinal conhecido. As unidades MLMov deste sinal são:

1ª ; 2ª . A primeira unidade sozinha corresponde ao

sinal CAVALO e a segunda unidade é idêntica ao sinal PIJAMA. Embora

isso ocorra, classificamos este sinal como do tipo (2b) porque o

significado do sinal PIJAMA não participa da composição do sinal

ZEBRA, diferentemente do que ocorre com o sinal ESCOLA, em que a

composição casa+estudose dá pela composição dos significados de dois

sinais, literalmente, a casa de estudo.

Podemos dizer que sinais do tipo (2c) são um composto de duas

raízes, isto é, corresponde a um único item lexical. Isto se atesta pelos

exemplos em (3) abaixo, que mostramque não é possível mudar a ordem

das duas unidades do sinal (ESCOLA), (3a),e

não é possível intercalar esse sinal com um outro, (3b).

(3) a.

IR ESTUDAR CASA

‘≠ vou para a escola; = vou estudar em casa’

b.

Page 58: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

39 

 

 

 

CASA BOM ESTUDO

‘≠ escola boa; = casa bom para estudar’

Também os sinais do tipo (2a) e (2b) não permitem troca da ordem

de suas unidades (4a), (5a) e (5b) nem que se intercalem sinais entre

suas unidades (4b) e (5c).

(4) a. *

bênção MULHER

b. * MULHER BONITA bênção

(5) a. *

b. *

c. *

Diferentemente do que ocorre com compostos de duas unidades

MLMovsignificativas, como ESCOLA, as unidades

, interpretadas muitas vezes como o verbo

morar,podem mudar de ordem como em (6a) e (6b) sem alterar o

sentido. Isto indica que neste caso temos dois itens lexicais distintos.

(6) a.

AJUNTAR CASA DENTRO ‘Ajuntaram-se dentro de casa’ (literalmente) ou ‘Foram morar juntos’.

Page 59: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

40 

 

 

 

b. AJUNTAR DENTRO CASA ‘Ajuntaram-se dentro de casa’ (literalmente) ou ‘Foram morar juntos’.

Entretanto, observamos nos exemplos (7a) e (7b) a

agramaticalidade provocada pela inserção de um sinal entre os sinais

do constituinte (CASA) (DENTRO) ou

(DENTRO) (CASA).Além disso, um adjetivo pode

vir anteposto, mas não posposto a este constituinte (exemplos (7c) e (7d)

respectivamente).

(7) a. * AJUNTAR CASA BONITA DENTRO

b. * AJUNTAR DENTRO BONITACASA

c. AJUNTAR BONITA CASA DENTRO

d. * AJUNTAR CASA DENTRO BONITA

Pode ocorrer também um modificador do sinal em

forma de intensificador, isto é, este sinal ganha um movimento de

distanciamento entre as duas mãos, que significa grande. Esse tipo de

intensificador pode aparecer nas várias categorias em forma de

aceleração ou repetição do movimento, ou, pelo contrário, diminuição

da aceleração do movimento, como em MUITO LENTO.

Page 60: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

41 

 

 

 

(8) 31 AJUNTAR CASA-grande DENTRO ‘Ajuntaram-se dentro de grande casa’ (literalmente) ou ‘Foram morar juntos em uma grande casa’. Em (9a) e (9b), dado coletado em nosso corpus,ocorre verbo de

ligação, definindo o constituinte sujeito e o constituinte predicativo.

Nestes dois exemplos, observamos a possibilidade de mudança da

ordem entre os sinais do

constituinte (BEBÊ) (CINDERELA). Mas

também é possível a ocorrência de sentenças sem o verbo de ligação

como (9c). Esta sentença pode corresponder a (9b) ou a (9d). A distinção

entre essas estruturas carece de maior investigação. O mesmo ocorre

com o modificador antes de BEBÊ, como no exemplo (9e).

(9) a.

BEBÊ CINDERELA SER INOCENTE

‘O bebê Cinderela é inocente.’

b.

CINDERELABEBÊSER INOCENTE

‘Cinderela bebê é inocente.’

c.                                                             31 Pelas normas da escrita SEL a representação deste modificador é feita com o

diacrítico intensificador(||) , ficando com a grafia (casa grande).

Page 61: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

42 

 

 

 

CINDERELA BEBÊ INOCENTE

‘Cinderela bebê éinocente.’ ou

‘Cinderelaé bebê inocente.’

d.

CINDERELA SER BEBÊ INOCENTE

‘Cinderela é bebê inocente.’

e.

CINDERELA BONITO BEBÊ

‘Cinderela é um bonito bebê.’

‘Cinderela bonita é um bebê.’

Além de verbos de ligação encontramos em libras verbos

auxiliares em construções como o exemplo (9), coletado do corpus.

(10) IR HISTÓRIALoc.LIVRO NARRAR

‘Vou narrar uma história desse livro.’

Quanto à ordem encontramos exemplos, como (11) abaixo, em

que são gramaticais a ordem SV (11a) e VS (11b).

(11) a.

MÃE MORRER ‘A mãe morre.’

Page 62: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

43 

 

 

 

b. MORRER MÃE

‘A mãe morre.’

Já em exemplos como (12a), cujo verbo é transitivo com um objeto

que recebe o papel de paciente e outro de benefactivo, verificamos que a

sentença é gramatical com o objeto paciente anteposto ao verbo (12a) e

agramatical se este objeto for colocado após o verbo (12b) e (12c).

(12) a. FLOR ENVIAR VOCÊ ‘Enviei uma flor para você’

b.* ENVIAR FLOR VOCÊ ‘Enviei uma flor para você’

c.* ENVIAR VOCÊ FLOR ‘Enviei uma flor para você’

Considerando a dimensão espacial da sintaxe de línguas de

sinais, podemos levantar a hipótese de que isto tem a ver com a

necessidade de os referentes estarem presentes antes da execução de

verbos desse tipo.

Em exemplos como(13) também verificamos a necessidade da

presença do referente durante a execução do verbo.

Page 63: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

44 

 

 

 

(13) a.* BEBÊ CINDERELA BRUXA ADOTAR

‘A bruxa adotou o bebê Cinderela.’

b. BEBÊ CINDERELA BRUXALoc.BEBÊADOTAR ‘A bruxa adotou o bebê Cinderela.’

O exemplo em (13a), que apresenta a ordem OSV, representa uma

articulação linear dessa sentença, em que os sinais BEBÊ CINDERELA

se desfazem para dar lugar aos próximos sinais na sequência da

sentença. Articulada dessa maneira, esta sentença fica agramatical;

mas, se articulada de forma a deixar o sinal BEBÊ permanecer

(realizado com uma mão) enquanto os demais sinais são realizados,

havendo a retomada deste referente com a apontação para este por

meio do Loc.BEBÊ ( ), a sentença torna-se gramatical (13b). Existe a

possibilidade de a ordem em (13b) ser SOV com BEBÊ CINDERELA

como tópico.

Em exemplos como (14) verificamos gramaticalidade nas ordens SOV(13a) e SVO (14b), mas não na ordem OVS (14c).

(14) a. BRUXA BEBÊ CINDERELA ADOTAR

‘A bruxa adota o bebê Cinderela.’

b. BRUXA ADOTAR BEBÊ CINDERELA

‘A bruxa adota o bebê Cinderela.’

c.* BEBÊ CINDERELAADOTARBRUXA

Page 64: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

45 

 

 

 

‘A bruxa adota o bebê Cinderela.’

(Gramatical para o significado: ‘‘o bebê Cinderela adota a

bruxa.’)

A sintaxe espacial torna especialmente difícil o estabelecimento da

ordem em exemplos como (15) abaixo, em que encontramos o sujeito e

predicado da sentença realizados ao mesmo tempo. Neste exemplo,

retirado de nosso corpus, observamos que a mão esquerda, configurada

em dáblio e no eixo superior/palma para trás ( ), correspode ao

argumento externo (as três pessoas) do verbo “ir” representado pelo

movimento retilíneo da mão direita em direção à mão esquerda. O

argumento com papel alvo é um ponto à frente da mão de esquerda,

ponto para onde as pessoas irão.32

(15) a.| trajetória | |

                                                            32Alguns autores têm assumido uma hipótese segundo a qual a estrutura temática fonte-alvo estaria ligada à trajetória do movimento de certos sinais, denominando tal relação de ‘concordância’ e incluindo tal movimento numa suposta ‘morfologia de concordância’. Segundo Quadros e Quer (2010, p.34), “a realização morfológica da concordância é entendida como movimento entre dois pontos associados com argumentos de dois verbos.” Para Fischer (1973) apud Quadros e Quer (2010) a concordância morfológica é realizada pela trajetória do movimento e/ou orientação da palma e a concordância espacial é uma relação locativa com pontos no espaço. Explicam Quadros e Quer (2010, p. 35) que “estes pontos representam o ponto inicial e o ponto final de um movimento, eles são interpretados como argumentos locativos de verbos de movimento (FONTE-ALVO)”. Os autores apresentam como exemplo desse tipo o verbo ‘ir’ em libras. Já para Kegl (1985) e Meir (2002) apud Quadros e Quer (2010), a concordância fonte-alvo se dá tanto com verbos de concordância de pessoa como com verbos espaciais. Entretanto, no dado em (15) observamos que o verbo ‘ir’ (classificado como espacial conforme a classificação de Ficher (1973) e Padden (1990) apud Quadros e Quer (2010)) apresenta uma trajetória de movimento diferente dessa descrição. Neste exemplo, o ponto inicial da trajetória não é o argumento fonte e o ponto final não é exatamente o argumento alvo. Essa trajetória (realizada pela mão

direita - ) parte de um ponto espacial qualquer anterior à mão esquerda -

(argumento fonte), se movimenta ( ) na direção da mão esquerda como se a empurrasse, dando a entender que “as três pessoas foram para adiante”, para um ponto além deles (Loc.PARA-LÁ), isto é, o alvo é um ponto qualquer posterior ao argumento fonte, mas a trajetória do movimento não liga os pontos fonte e alvo.

Page 65: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

46 

 

 

 

===Ø

IR TRÊS-PESSOAS Loc.PARA LÁ

fonte alvo

‘Os três foram para lá’

Escrever esta sentença na ordem VS, como em (16a), ou na ordem

SV, como em (16b), é uma escolha aleatória uma vez que sujeito e

predicado são dispostos ao mesmo tempo no espaço físico na fala.

(16) a.

IR TRÊS-PESSOAS

b.

TRÊS-PESSOAS IR

‘Os três foram para lá’

Como última observação dessa brevíssima descrição verificamos

um aspecto relativo a um fenômeno que neste trabalho chamamos de

“autossaturação”, do qual trataremos mais detalhadamente na próxima

seção. É comum em libras a ocorrência de predicadores cujos

argumentos estão incluídos neles próprios. A esse respeito verificamos

que o sinalautossaturado , que significa empregado

doméstico, serviçodoméstico ou trabalhar em serviço doméstico, não

ocorre como argumento de trabalhar (exemplo 17). Maso sinal

autossaturado , que significa enviar carta, aceita outro

argumento diferente de carta, articulado como um sinal à parte, como

no exemplo (12a).

Page 66: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

47 

 

 

 

(17) * BRUXA MANDAR TRABALHAR

TRABALHARSERVIÇO DOMÉSTICO

‘ A bruxa manda fazer o serviço doméstico.’

3.2 A saturação de predicadores

Como já foi explanado, procuramos identificar, nos dados,um

núcleo predicador semântico pela relação temática estabelecida entre

este e seus argumentos,sempre lembrando que o sinal e por extensão a

frase,em libras, são estruturados no espaço tridimensional.Assim, como

ainda não foram verificadas marcas morfológicas nos sinaisque

caracterizem categorias gramaticais,nos referimos a elas, em primeira

instância, procurando identificá-las no contexto sintático.

Em outras palavras, a análise dos elementos linguísticos dos

dados da pesquisa em questão procede com base no mapeamento de

núcleos predicadores, que são os sinaiscarentes de saturação

semântica. Quanto aos argumentos, estes são todos os sinais capazes

de saturar os predicadores. Incluímos na estrutura argumental

argumentos circunstanciais previstos pela estrutura temática de um

predicador (cf. VAN VALIN Jr., 2001).

Nos dados analisados verificamos quatro possibilidades de

saturação de núcleos predicadores: saturação por sinais lexicais,

saturação por categorias vazias, saturação por localizadores (Locs.) e

autossaturação. Os três últimos tipos constituem-se a partir da

condição tridimensional da libras.

Page 67: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

48 

 

 

 

Ao analisar os dados dos três perfisde informantes, encontramos

os quatro tipos de possibilidades de saturaçãocitadas acima.

a) Saturação por sinais lexicais - Esta ocorre quando cada um

dos argumentos corresponde a um sinal com a composição

MLMov, isto é, um item formado por uma ou mais dessas

unidades.33

(18) VP

|

V’

NPV

MÃE MORRER

‘A mãe morre.’

(19) VP V’ NP

NP VNPAP

BRUX(A) ADOTARCINDERELA BEBÊ

‘A bruxa adota o bebê Cinderela’

                                                            33 A posição de núcleo e argumento na notação que fizemos é aleatória.

Page 68: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

49 

 

 

 

Nestas sentenças analisadas como de saturação por sinais lexicais

percebemos uma relação de predicador e argumento preenchida por

elementos MLMov. Assim, temos em (18) o sinal MÃE formado, como

vimos acima, por duas unidades MLMov que correspondem ao

sinalMULHERmais uma unidade que traz, de forma icônica, o conteúdo

semântico correspondente a benção, formando, portanto, um sinal

complexo. Este item é selecionado pelo sinal MORR(ER), que lhe atribui

o papel de tema. Embora tenhamos representado o sinal

(MORRER) como um núcleo V, as interpretações possíveis são: “a mãe

morre” ou “a mãe está morta”, pois não há neste sinal ( )nenhum

morfema que indique que a sua categoria seja verbal, adjetival ou

nominal, e nem sempre, em libras, verbos de ligação estão expressos em

sentenças de predicados nominais (como vimos na seção anterior), isto

é, em que ocorra um predicativo do sujeito. A interpretação como

sintagma nominal – a morte da mãe – é descartada pelo fato de este

sintagma não estar selecionado como argumento de outro predicador.

No exemplo (19), o sinal CINDERELA está individualizando o sinal

BEBÊ. O sintagma “bebê Cinderela” é selecionado pelo sinal ADOTAR,

recebendo deste o papel de tema. Já o sinal BRUXA é selecionado como

argumento externo de ADOTAR, recebendo o papel de agente deste

predicador. Poderíamos levantar a possibilidade do enunciado em

(19)corresponder ao DP“a adoção do bebê Cinderela pela bruxa”.

Entretanto, como este sintagma não está sendo selecionado como

argumento de outro predicador, descartamos esta possibilidade,

atribuindo ao sinal (ADOT(AR))a categoria de predicador verbal.

b) Saturação por Localizadores (Locs.) – Este tipo de saturação

ocorre quando o argumento se realiza como um ponto no

espaço físico que corresponde a um referente real ou

imaginário. Conforme Prado e Lessa-de-Oliveira (2012), os

Page 69: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

50 

 

 

 

Locs. podem ser articulados ou não articulados. Se

articulado, este se realiza por meio de um sinal de apontação;

se não articulado, este se realiza pela direção do olhar, giro de

corpo ou direção do movimento para o ponto Localizador. Os

Locs. nãoarticulados aparecem em nossa notação como Ø

(com a glosa Loc.), porque de fato não são realizados como

um sinal. Entretanto, não o consideramos como uma

categoria vazia da natureza das demais, porque elas são

realizadas da forma que citamos acima.34

(20) XP

X’

VP

V’

NP

|

N’

AuxNP VN NP

Ø

(IR) Loc.EUNARRARHISÓRIA Loc.LIVRO

                                                            34Pelo fato de os Locs. fazerem essa retomada de referentes já mencionados, alguns autores tratam esses elementos como dêiticos-anafóricos. Prado e Lessa-de-Oliveira (2012) defendem, entretanto, que o que estes elementos fazem é coesão textual através da dêixis. Segundo as autoras, os Locs. não se ligam a referentes no discurso, se ligam diretamente a referentes no espaço físico, por isso o processo, neste caso, compreende apenas a dêixis.

Page 70: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

51 

 

 

 

‘Vou contar uma história deste livro’35

Este tipo de predicação,saturação por Locs., é realizada de modo

que a direcionalidadeno espaço físico (efeito da tridimensionalidade e

do uso dos Localizadores) estabeleça a concatenação argumental. O

predicador admite uma característica espacial em que seus argumentos

são definidoscomo pontos no espaço físico indicados pela trajetória do

movimento do verbo, como ocorre no exemplo (20). Encontramos neste

exemplo os dois tipos de Locs., o articulado e o não articulado. O

articulado é o sinal , que foi selecionado pelo

predicador (HISTÓRIA), o qual, pelo contexto sintático, pode ser

analisado como um predicador nominal. Já o Loc.não articulado

(Loc.EU), este foi selecionado como argumento externo pelo predicador

(NARRAR), um predicador verbal pelo que o contexto indica até

mesmo pela marca de tempo futuro expressa pelo auxiliar (IR).

Este predicador atribui ao Loc.EU o papel de agente.

Este Loc.EU, que é uma categoria vazia por ser não realizado,

aparentemente se aproxima de um pro36do tipo dos sujeitos nulos de

línguas românicas. Segundo Prado e Lessa-de-Oliveira (2012), esta

                                                            35 A ordem que esta sentença apresenta nos dados é:

Ø

IR HISTÓRIA Loc.LIVRO NARRAR

‘Vou contar uma história deste livro.’

A ordem apresentada em (20) é agramatical, conforme teste realizado com os nossos informantes surdos. 36De acordo com Rizzi (1986), a categoria vazia pro é identificada através dos traços-φ presentes em [+AGR] ou no V. Chomsky e Lasnik (1995) apresentaram uma proposta estabelecendo traços para essas duas categorias: PRO [+pronome,+anáfora] e pro [+pronome, - anáfora]. Mediante a verificação de diferenças entre o comportamento de PRO e o das anáforas, considerou-se que PRO é não regido e seu conteúdo é recuperado através da Teoria do Controle, de acordo com a qual PRO é necessariamente controlado por um NP da oração principal; não sofrendo esse controlePRO recebe interpretação arbitrária.

Page 71: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

52 

 

 

 

categoria vazia corresponde, na verdade, a um Loc.de primeira

pessoaporque o próprio corpo do enunciador, e também o do

enunciatário, são tomados como um dos pontos de marcação no espaço

da enunciação em libras.O sinal (narrar, avisar, informar,

dizer),neste exemplo, é do tipo “verbo direcional”, apontado na literatura

como um verbo que fazseu movimento partindo do referente sujeito e

chegandoao referente objeto. Se o referente sujeito é o enunciador, a

categoria vazia na posição de sujeito é identificada como “eu”, se é a

pessoa com quem se fala será “você” e, se é uma terceira pessoa (real ou

Loc.)37, o referente do sujeito é “ele”. Diferentemente do que ocorre com

línguas orais, a identificação do sujeito não decorre de um paradigma

que apresenta uma marca para cada pessoa. O que identifica a pessoa

do sujeito e o objeto são os Locs. de onde o movimento parte echega.38

A presença de uma marca para identificar sujeito e objeto (dedo

polegar apontado para o sujeito e dedo mínimo para o objeto) é

característica específica desse sinal (NARR(AR)). Os outros

sinais com a característica da direcionalidade não apresentam essa

marca, como AGRADECER no exemplo abaixo.

(21) VP                                                             37 As pessoas e objetos reais são referidas na libras por sinais de apontação. Se essas pessoas e objetos ou lugares não estão presentes no espaço físico da enunciação eles são representados por locs.

38 Alguns autores têm tratado essa característica de movimento direcional de alguns sinais como sistema de concordância em línguas de sinais. Segundo Quadros e Karnopp (2004), verbos com concordância são verbos que flexionam em pessoa, número e aspecto, mas não incorporam afixos locativos. Exemplos dessa categoria são DAR, ENVIAR, RESPONDER, PERGUNTAR, DIZER, PROVOCAR, que são subdivididos em concordância pura e reversa (backwards). Os verbos com concordância apresentam a direcionalidade e a orientação. A direcionalidade está associada às relações semânticas (source/goal). A orientação da mão voltada para o objeto da sentença está associada à sintaxe, marcando Caso. Não assumimos essa análise, porque não verificamos a existência, em libras, de um paradigma flexional que contenha os traços de pessoa número e aspecto de forma sistemática e produtiva.

Page 72: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

53 

 

 

 

V’

NP V NP

Ø

BRUXA AGRADECER Loc.MENSAGEIRO ‘A bruxa agradece ao mensageiro’

O predicador ‘agradecer’ é realizado também direcionalmente, ou

seja, a realização completa do sinal é feita em uma direção específica,

na direção de ‘quem recebe o agradecimento’, neste exemplo, a direção

de onde vinha o mensageiro. O Loc.MENSAGEIRO se realiza, neste

enunciado, pelo giro de corpo e direção do olhar.

No exemplo (22), temos um Loc. selecionado como argumento

externo de trabalhar, mas que é alvo do movimento direcional do verbo

MANDAR da matriz.

(22) VP

V’

XP

|

(...)

|

VP

V’ | NPV NP V

Ø

BRUXAMANDAR Loc.CINDERELA TRABALHARDOMÉSTICO ‘A bruxa manda Cinderela fazer o serviço doméstico’

Page 73: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

54 

 

 

 

Também sinais não direcionais podem ser saturados por Locs.

como DESPREZAR no exemplo abaixo, que seleciona como argumento

interno o LOC.CINDERELA, atribuindo-lhe o papel de tema, e como

argumento externo o Loc.EU/BRUXA39, atribuindo-lhe o papel de agente. O

Loc.EU/BRUXA é identificado como argumento externo pelo fato de a

narradora da história assumir a vozda personagem “bruxa” através de

um giro de corpo, realizando com isso uma narração em primeira

pessoa. E o argumento interno é identificado como o Loc.CINDERELA pela

direção do olhar.40

(23) VP

V’

NPVNP

Ø Ø

Loc.EU/BRUXA DESPREZARLoc.CINDERELA ‘A bruxa despreza Cinderela’

c) Saturação por categorias vazias–Neste tipo de saturação, o

argumento não é preenchido por nenhum sinal articulado,

nem se relaciona a algum ponto do espaço físico como os

Locs.

(24) VP

                                                            39 Este Loc. é identificado como EU/BRUXA porque se trata de uma narrativa cujo narrador é de primeira pessoa, isto é, as personagens assumem a voz do narrador. Algo freqüente nos dados. 40A direção do olhar não dá ao verbo a característica de verbo direcional. Esta característica é definida dentro da articulação do sinal, pelo movimento da mão. 

Page 74: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

55 

 

 

 

|

V’

SC

V NP NP

Ø

É Ø BRUXA

Esteexemplo apresenta a saturação por categoria vazia,bastante

frequente nos dados da pesquisa. Sabemos que o fenômeno das

categorias vazias é dos mais intrigantes e fascinantes dentro dos

estudos gerativistas. Conforme Chomsky (1981), este fenômeno reflete

presumivelmente recursos internos à mente, uma vez que as

propriedades dessas categorias dificilmente podem ser determinadas

indutivamente através de fenômenos visíveis observáveis. Assim,

mesmo apresentado peculiaridades em relação a essas categorias, a

presença delas em línguas de sinais certamente refletem uma

propriedade de línguas naturais.

Diferentemente do que ocorre com a saturação por Loc. não

articulado, a categoria vazia em (24) não é indicada pela direção do

verbo nem por recursos como “giro de corpo” ou “direção do olhar”.

Trata-se realmente de uma categoria vazia semelhante à que ocorre em

línguas românicas como sujeito nulo. Assim, acreditamos que essa

categoria possa ser tratada como um pro. Não aprofundaremos esta

questão aquiuma vez que nos limitamos às questões de predicação

neste trabalho.

Outro tipo de categoria vazia encontrada nos dados pode ser

considerado uma espécie de “nulo discursivamente identificado”. O

enunciado em (25), composto de três sinais, pode ter a

Page 75: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

56 

 

 

 

interpretaçãoabaixo, analisando-se o sinal como

verbo.

(25) VP

V’ V’ AdvP NP VNP NPAdv Ø Ø

ØAJUNTAR/COLOCAR Ø CASA DENTRO

‘Ajuntaram-se dentro de casa’

A interpretação deste sinal como categoria nominal (o

ajuntamento de todos dentro de casa) ou adjetival (todos juntos dentro

de casa)são descartadas porque este sintagma não foi selecionado como

argumento por outro predicadornem ocupa este a posição de adjunto.

Curiosamente, o informante acrescentou um movimento a mais

no sinal AJUNTAR, o movimento semicircular à direita, no plano frontal

( ).41Tal movimento representa uma saturação locativa

acrescentada ao verbo (ajuntou-se algo em algum lugar), fazendo-se

uma aglutinação entre os sinais AJUNTAR e COLOCAR. Assim, temos

um verbo que seleciona três argumentos. Dois desses argumentos, o

externo e o interno que recebe o papel de tema, não aparecem nem

articulados nem como Locs.

Raposo (1992), considerando o fenômeno dos “objetos nulos

discursivamente identificados” explica que, se não dermos o contexto                                                             41 O sinal ajuntar padrão é .

Page 76: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

57 

 

 

 

discursivo adequado, enunciados como “Encontrei ontem à noite.” ou

“Eu vi ontem na TV.” são agramaticais, porque lhes falta o argumento

interno direto obrigatoriamente selecionado pelos verbos dessas

sentenças. Para não ferir o “Princípio da Projeção” e o Critério-ө, Raposo

(1986) propõe uma estrutura em que um tópico discursivo atribui valor

semântico ao objeto.

(26) IP

TOP1IP

DP I’

eu

I VP

VP AdvP

V DP1 ontem à noite

encontrei t

Raposo (1986) apud Raposo (1992, p. 341)

Podemos considerar essa possibilidade para analisar o argumento

interno nulo do sinal AJUNTAR nesta sentença, isto é, o referente desta

categoria vazia se constitui na relação com um tópico discursivo,

pragmaticamente identificado, podendo essa categoria ser projetada e ө-

marcada. Assim, a categoria vazia que é argumento interno do sinal

AJUNTAR recebe o papel temático de tema, pois, tendo um

referente,ainda que nulo, tem suporte para receber um papel temático.

O sinal AJUNTAR atribui ainda o papel delocativo ao constituinte CASA

DENTRO, que é o seu segundo argumento interno.

Page 77: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

58 

 

 

 

Até aqui conseguimos levantar possibilidades de análises que

identificam nas categorias vazias da libras propriedades de categorias

vazias de línguas orais. Mas tal conformidade não abrange todos os

casos de categorias vazias encontrados nos dados. É o caso da outra

categoria vazia (sem Loc.) do exemplo (24), que é o argumento externo

do sinal AJUNTAR. Embora ocupe a posição de sujeito desta sentença,

este constituinte não corresponde exatamente ao que é analisado como

sujeito nulo de línguas românicas, uma vez que não há em libras uma

morfologia verbal flexional que identifique a pessoa. Assim como o

objeto tema, o sujeito de AJUNTAR em (25) é referenciado

pragmaticamente. Dessa forma, podemos pensar na possibilidade de

um tópico discursivo atribuir valor semântico também para a categoria

vazia na posição de sujeito, em frases como (25).

Verificamos esse tipo de categoria vazia também em sujeitos de

verbos inacusativos, como CRESCER, e em estruturas de predicativo

adjetival, como ALTO, em (27) abaixo.

(27) VP VP | V’SC

AdvPV NPNP AP

ØØ

DEPOIS CRESCER ØØ ALTO ‘Depois Cinderela cresceu e ficou alta’

Na própria sentença não há argumento visível do predicador

“crescer”, no entanto podemos deduzir que quem sofre o processo de

crescer é a Cinderela Surda. Como a libras tem características

tridimensionais, ou seja, o fato de se tratar de uma articulação e

percepção não lineares, ou parcialmente não lineares, encontramos

Page 78: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

59 

 

 

 

categorias vazias que parecem distintas das categorias de línguas orais,

como as apresentadas em (27).É como se os referentes postos em cena

continuassem presentes para os demais enunciados num contexto

tridimensional.

d) Autossaturação – Este tipo de saturação compreende a

aglutinação de predicador e argumento interno ou externoem

um único sinal, articulado como unidade MLMov.

(28) VP V’

NP VNP Ø Ø

Loc.arbitrárioENVIARMENSAGEMLoc.BRUXA

‘Enviaram uma mensagem à bruxa’

(29) VP

Page 79: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

60 

 

 

 

V’ XP | (...) | VP V’ | NP V NP V

Ø

BRUXA OUVIRØ BATERÀPORTA

‘A bruxa ouve baterem à porta’

Nos exemplos (28) e (29) encontramos autossaturação de

argumento interno nos sinais ENVIARMENSAGEM e BATERÀPORTA. Em

ambos os casos o papel temático envolvido na autossaturação é o de

tema. Este tipo de sentença autossaturadaé um tipo de estruturação

presente na libras, em que um predicador específico exige um

argumento específico, ou seja, o sinal só ocorre com

sentido de ‘bater à porta’. ‘Bater’ no sentido de ‘surrar’ ou no sentido de

‘esbarrar’ ou ‘colidir’ etc. ocorre como outros sinais, com articulação

completamente diferente. O predicador “bater” exige dois argumentos

para ter seu sentido semântico saturado. Apenas o argumento externo é

saturado por outro sinal, que pode ser nulo, como noexemplo (29).

Já no outro exemplo, temos:o Loc. no ponto inicial do movimento

como argumento externo, com papel de agente; os macrossegmentosmão

– (configuração mão espalmada no eixo anterior/palma para

cima) e (configuração uene no eixo anterior/palma para baixo)–

comoargumento interno com papel de tema; e o movimento em direção a

um Loc. como outro argumento interno, com papel de alvo. A

Page 80: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

61 

 

 

 

autossaturação ocorre, portanto, com o argumento tema, que significa

‘carta’. Vimos na seção anterior que este sinal pode ter como argumento

interno também um argumento lexical articulado desde que esteja

anteposto, diferentemente do que ocorre com o sinal BATER À PORTA

ou FAZER SERVIÇO DOMÉSTICO.

Também encontramos em libras autossaturação de argumento

externo, como na frase em (30), que é um único sinal ( ). O

sinal caminhar comumente apresenta o que se costuma chamar de

classificador, em que a configuração de mão indica se se trata de um

caminharde pessoas ou animais e qual o tipo de animal. No caso

específico da frase em (30), o macrossegmento mão ( ) indica a

presença do referente “pessoas” amalgamado com o quantificador “três”.

Este é o argumento externo do verbo CAMINHAR, realizado como o

movimento da mão ( ).

(30) VP V’ |

QP/NP V

-- TRÊS-PESSOAS-CAMINHAR

‘Três pessoas caminham. ’

Page 81: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

62 

 

 

 

Page 82: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

63 

 

 

 

Capítulo 4

Aquisição da frase em libras

4.1 A hipótese inatista de aquisição da linguagem

A hipótese inatista é uma das mais fortes hipóteses a respeito do

processo de aquisição da linguagem. Embora a essência desta ideia em

si não seja nova, pois o inatismo encontra precursores em Descartes e

em Platão, Chomsky pode ser considerado o pai desta hipótese, uma vez

que foi ele quem a instrumentalizou, definindo a faculdade da

linguagem como um módulo especializado da mente humana

constituído por um conjunto finito de Princípios e Parâmetros.

A faculdade da linguagem possui o estado inicial (42), geneticamente determinado; no decorrer normal do desenvolvimento, passa através de uma série de estados na primeira infância, alcançando um estado firme (43) relativamente estável que sofre poucas alterações posteriores, com exceção do léxico. Numa primeira aproximação razoável, o estado inicial parece ser uniforme para espécie. Adaptando termos tradicionais a um uso especial, chamamos à teoria

                                                            42 No original “ initial state” 43 No original “ steaddy state”

Page 83: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

64 

 

 

 

do estado inicial a Gramática Universal (GU). (CHOMSKY E LASNIK, 1995, 52).

Deste modo, como afirmam Chomsky e Lasnik (1995), o ser

humano nasce com a faculdade da linguagem, no estado inicial comum

a toda a espécie humana. Podemos acrescentar que se incluem aí

também os indivíduos surdos. Sendo possuidor desta faculdade, o

indivíduo marcará os princípios e os parâmetros da língua que está

adquirindo.

Conforme a análise gerativista, a aquisição da linguagem se dá

por meio de um processo seletivo de marcação paramétrica positiva ou

negativa a partir de um input, e não de instrução. Assim, o dispositivo

linguístico, que já nasce com o ser humano, possibilita as marcações de

um número finito de parâmetros. De acordo com esse modelo, a

aquisição de língua materna (L1) ou segunda língua (L2) consiste em

fixar as formas lexicais da língua e atribuir ao parâmetro o valor

admitido por essa língua, identificando se este é positivo ou negativo,

pois a marcação paramétrica admite estas duas possibilidades.

Uma destas questões vem colaborar com a ideia do ‘estimulo

pobre ou problema de Platão’. Este problema pode resumir-se em uma

questão: “Como pode uma criança aprender tanto mesmo tendo acesso

apenas a fragmentos de uma língua?” (cf. CHOMSKY, 1986). Uma

resposta plausível para esta questão circunscreve-se ao fato de o ser

humano nascer com a capacidade para desenvolver a linguagem mesmo

em um ambiente de “pobreza de estimulo”.

Este argumento põe em questão a origem do conhecimento

linguístico, pois tudo que o falante sabe sobre a língua que utiliza não

teria como ter sido ensinado a ele, em uma fase tão precoce da vida. A

resposta de Chomsky (1987, p. 15) para esta questão é "There are no

rulesatall, hence no necessitytolearnrules" - Não existe regra, daí não existe a

necessidade de aprendê-las.

Page 84: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

65 

 

 

 

O fenômeno da “pobreza de estímulo” é algo muito fácil de ser

observado, quando consideramos a complexidade do sistema de

qualquer das línguas naturais.

(...) as crianças adquirem uma língua quando ainda são muito novinhas, numa fase em que elas mal conseguem amarrar os sapatos ou desenhar em círculos. Ou seja, o processo de aquisição de linguagem, além de ser universal, é também rápido, uma vez que, por volta dos 4 anos de idade, quase toda a complexidade de uma língua é aprendida. (GROLLA. 2009, p. 03).

4.2 Os dados de aquisição

A hipótese inatista de aquisição da linguagem se coloca de forma

interessante neste estudo quando consideramos um aspecto bastante

peculiar ao grupo de informantes aqui estudados. Os inputs recebidos

por esses três informantes são de naturezas diferentes. O sujeito

informante ANI teve como input a fala de seus pais surdos, falantes

nativos da libras. Já os informantes AT (aquisição tardia) e IFO

(aquisição na infância de família ouvinte) tiveram como input ouvintes,

falantes de libras como segunda língua (L2), além de seus colegas

surdos. A nossa pergunta neste caso é: a diferença na qualidade dos

inputs recebidos pelos informantes pesquisados interferiu na libras

adquirida?

Procuraremos responder a esta questão comparando dados dos

três informantes, de perfis diferentes, de duas maneiras:

quantitativamente, confrontando a frequência dos quatro tipos de

saturação que encontramos nos dados, mencionados no capítulo

anterior; e qualitativamente, procurando verificar a presença de

estruturas mais comuns em línguas orais.

Page 85: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

66 

 

 

 

Do ponto de vista quantitativo os dados apresentam o que mostra

o gráfico a seguir:44

Neste gráfico observamos que, embora haja uma diferença nos

percentuais de frequência de cada tipo de saturação entre os três perfis

de informantes, a curva de frequência é basicamente a mesma para dois

dos perfis – ANI e AT. Lembremos que esses sujeitos informantes

tiveram seus processos de aquisição seguindo por caminhos bastante

diferentes: o informante ANI, de família surda, teve como input a libras

como L1 de seus familiares, a que ele tinha acesso o tempo todo em

casa; o informante AT, de família ouvinte, teve como input a libras como

L2 da professora juntamente com a libras dos outros colegas surdos

maiores e da mesma idade. Considerando ainda o fato de que este input

era externo à sua casa e ele só teve acesso à libras a partir dos 8 anos

de idade.

                                                            44 Planilha do gráfico

Saturação por Locs.

Saturação por categorias vazias

Saturação por sinais lexicais Autossaturação

AT 13% 46% 33,8% 6,5% IFO 41,9% 3,5% 43% 11,5% ANI 10,6% 51,5% 34,8% 3%

Page 86: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

67 

 

 

 

O gráfico mostra que, para estes dois informantes os tipos de

sentenças com autossaturação e saturação por locs.têm a menor

ocorrência respectivamente. Já a saturação porsinal lexical aparece

como segundo mais frequente para esses dois informantes. E o tipo

saturação por categoria vazia é que aparece como o tipo mais frequente

para esses informantes. Esse dado quantitativo indica que o acesso a

inputs de naturezas diferentes não implicou diferença na aquisição da

libras com relação ao aspecto saturação de predicadores. Vale ressaltar

que estes informantes estão numa mesma faixa etária, têm entre 17 e

18 anos de idade.

Quanto ao grupo IFO, o gráfico mostra semelhança aos outros

dois sujeitos informantes em relação à saturação por sinais lexicais e em

relação à autossaturação, com índices um pouco mais altos. Mas

mostra diferenças de IFO frente aos outros dois informantes em relação

à saturação por Locs. e por categorias vazias. Atribuímos essa diferença

ao fator idade. IFO se diferencia dos outros dois informantes em relação

à idade, IFO está na faixa dos 12 anos de idade. Talvez por uma questão

de um estilo mais infantil IFO optou por uma narrativa

predominantemente em primeira pessoa, usando o próprio corpo para a

“incorporação” das personagens, o que analisamos, com base em Prado

e Lessa-de-Oliveira (2012), como Loc. não realizado. Diferentemente, os

demais informantes optaram por narrar em terceira pessoa, no caso do

informante ANI a narrativa foi predominantemente em terceira pessoa e

com Loc. realizado.

Esses dados quantitativos respondem à pergunta acima

negativamente, ou seja, não encontramos diferenças entre as libras

faladas por esses três perfis de surdos que possam ser relacionadas à

natureza diferenciada de seus inputs de aquisição da libras. Estes

dados corroboram o que teoria gerativa apresenta como “Problema de

Platão” ou “pobreza de estimulo”.

Page 87: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

68 

 

 

 

A "pobreza do estímulo", um dos mais importantes argumentos em prol do inatismo, vincula-se à metáfora do problema de Platão, ao qual, segundo o linguista, filiam-se as questões centrais relativas à linguagem. O problema de Platão coloca-se da seguinte maneira: como é que o ser humano pode saber tanto diante de evidências tão passageiras, enganosas e fragmentárias? (SCARPA, 2001).

De fato percebemos isto, os surdos que adquiriram tardiamente a

libras, em ambiente externo ao lar, foram submetidos a um input

fragmentado, com “sotaque”; no entanto, a libras do informante de AT

pesquisado apresentou, com relação ao aspecto saturação de

predicadores, a mesma característica da libras falada pelo informante

de ANI, que teve o contato com um input no seio de uma família surda

(pai e mãe surdos). Tal resultado corrobora fortemente a hipótese

inatista porque se trata da aquisição de uma L1.45 Ou seja, mesmo em

condições adversas (em relação ao tipo do input e em relação ao fato de

se ter uma aquisição após os 8 anos de idade), esses surdos se

tornaram falantes nativos da libras.

Uma das hipóteses inatistas para a aquisição de segunda língua é

a de “acesso indireto à GU”, isto é, os parâmetros da L1 servem de base

para a L2. Assumindo esta hipótese para aquisição de L2, podemos

considerar que, embora sejam línguas diferentes em termos de

articulação (a L1 oroauditiva e a L2 gestovisual), marcas de língua oral

podem ter aparecido na libras L2 que serviu de input para os

informantes AT e IFO, juntamente a libras dos colegas surdos. Assim,

passaremos agora a analisar os dados, qualitativamente, buscando

estruturas semelhantes às estruturas do português.

                                                            45 Estamos cientes das indagações em torno da natureza da forma de comunicação utilizada pelos surdos de famílias ouvintes, que não falam libras. Questiona-se se os familiares ouvintes e seus parentes surdos não desenvolvem algum dialeto doméstico ou pidgin antes de a criança ter acesso a uma língua de sinal. Não conhecemos nenhum estudo sério a este respeito. Apesar desta questão, estamos considerando que a libras é a L1 dos informantes aqui investigados com bases nas informações passadas por seus pais e pelos próprios surdos, que relatam que não se comunicavam com seus familiares e nem com ninguém, antes de aprenderem libras.

Page 88: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

69 

 

 

 

Existe na área de línguas de sinais certo preconceito em relação a

estruturas semelhantes, em determinados aspectos, às de línguas orais.

No Brasil, costuma-se rotular essas estruturas de “português

sinalizado”, embora não se tenha uma análise de bases científicas sobre

esta questão. Como as amostras aqui analisadas foram coletadas de

forma não controlada experimentalmente e de falantes surdos que têm

a libras como sua L1, acreditamos serem as sentenças encontradas em

seus dados portadoras de aspectos do funcionamento natural da libras.

Estudá-los, sem tabus, é importante para a compreensão do

funcionamento da língua, pois o papel do linguista é analisar o dado

linguístico sem a pretensão de normatização ou de enquadrá-lo neste

ou naquele “modelo” de língua.

A seguir apresentaremos alguns exemplos, encontrados nos

dados, de aspectos correspondentes ao que se encontra em línguas

orais, mas que são considerados, por alguns, estruturas que não devem

ser realizadas em uma libras “pura”. Entretanto, sabemos que a libras,

como outras línguas de sinais, vem apresentando uma variedade de

tipos de estruturas na sua realização, como este trabalho procurou

mostrar no que diz respeito à saturação de predicadores. Como citados

anteriormente, é possível encontrar no material analisado, frases:

lineares, saturadas por itens lexicais, frases com uso de localizadores,

saturadas por locs., frases saturadas por categorias vazias, e frases

autossaturadas. Além disso, não podemos deixar de considerar também

o fato de a libras ser uma língua que apresenta um grande número de

dialetos.

Nas frases saturadas por Locs., por categorias vazias e

autossaturadas encontramos características bastante peculiares às

línguas de sinais ligadas ao aspecto da tridimensionalidade de sua

articulação espacial. Mas, além destes tipos de formação de

constituintes, encontramos nos dados ocorrências de verbos de ligação

(SER) e (ANDAR), tanto em dados do informante de AT, que teve acesso

a um input de L2, como em dados de informante de ANI, cujo input foi a

Page 89: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

70 

 

 

 

libras de seus pais surdos. Logo, concluímos que estas estruturas

funcionam na libras, não são “português sinalizado” como se costuma

dizer.

a) Informante de AT (aquisição tardia):

(1) CINDERELASURDA É BEBÊ INOCENTE

‘A cinderela surda é um bebê inocente’

b) Informante de ANI (aquisição natural na infância):

(2) Loc.ISTO É O QUE

‘Isto aqui é o que?

(3) Ø

EXIBIRFOTO É BRUXA

‘Exibirei fotografias. É a bruxa.’

c) Informante de IFO (aquisição na infância, de família ouvinte):

(4) Loc.CINDERELA

CINDERELAAND(AR) ANGUSTIAD(A)

Page 90: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

71 

 

 

 

‘Cinderela anda angustiada.”

Outro aspecto correspondente ao que comumente se encontra em

línguas orais encontrado em nossos dados, que gostaríamos de chamar

a atenção, foi uma ocorrência de verbo auxiliar (IR) coletada nos dados

do informante ANI.

(5) (IR) HISTÓRIA Loc.LIVRO NARR(AR)

‘Vou narrar uma história desse livro.’

Tanto a ocorrência de verbos de ligação, ou copulativos, como de

verbos auxiliares evidenciam a atuação de categorias funcionais na

estrutura da libras. Assim, a identificação desses elementos em dados

de falantes surdos (de família ouvinte e de família surda,

indistintamente), que têm essa língua como primeira língua, é evidência

de estruturação linguística natural, pois as línguas naturais se

compõem de categorias lexicais e funcionais, conforme a teoria gerativa.

Enfim, como foi possível verificar, a partir da análise dos dados da

nossa pesquisa, percebemos características variadas na estrutura

sintática da libras, apresentando frases com características peculiares a

uma articulação tridimensional na sua realização, como a ocorrência

da saturação por Locs. eautossaturação. Mas, por outro lado,

verificamos também ocorrências de frases sequenciais, lineares

(saturadas por itens lexicais). Assim, é arriscado caracterizar a língua

em uma direção, desprezando as ocorrências consideradas “não

integrantes” da libras, apenas pelo fato de se aproximarem de

estruturas de línguas orais. Este não é o papel do linguista, ao

contrário, é nossa função em nossas pesquisas descrever o que os

dados mostram. E, conforme os dados aqui estudados, não se observou

Page 91: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

72 

 

 

 

diferença quantitativa nem qualitativa entre a libras de surdos de

família ouvinte e a libras de surdos de família surda.

4.3 O Período Crítico

Partindo do pressuposto de que a aquisição da linguagem parte

de uma faculdade inata, ela teria um período crítico para a marcação

paramétrica, conforme o que é proposto dentro da hipótese inatista de

aquisição da linguagem. Entendendo período crítico como o período em

que a aquisição da linguagem acontece de modo favorável, indo do

nascimento até os 6 anos, esta hipótese considera que após este período

a aquisição da linguagem seria comprometida, principalmente se se

trata da L1.

Entretanto, quanto à delimitação da idade, não há consenso entre

os pesquisadores. O que se sabe é que na primeira infância os

processos de aquisição da linguagem são mais favoráveis como afirma

na citação a seguir.

Em suma, a aquisição de uma linguagem normal é certa para crianças até 6 anos, fica comprometido a partir dessa idade até pouco depois da puberdade, e é rara depois disso. Alterações maturativas do cérebro, tais como declínio da atividade metabólica e do número de neurônios durante o início da vida escolar, e a estagnação no nível mais baixo do número de sinapses e da atividade metabólica por volta da puberdade são causas plausíveis. Sabemos que os circuitos de aprendizagem da linguagem do cérebro são mais plásticos na infância. (...) (PINKER, 2002. p.374)

Lennenberg (1976) apud Quadros (2008) também compreende

que a aquisição de uma primeira língua é mais fácil da infância a

puberdade.

Page 92: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

73 

 

 

 

Admitir a existência do período crítico ou período sensível à aquisição da linguagem é compreender que o processo de aquisição tem um período da vida em que acontece de modo consistente, o acesso a GU é total. Esse período é chamado de crítico porque seria aquele mais sensível à aquisição da linguagem. O cérebro humano inicialmente tem representação bilateral das funções da linguagem e, mediante o processo de aquisição, na puberdade apenas um hemisfério se torna mais dominante em relação a elas, completando o período de aquisição. Caso a criança não adquira a linguagem nesse período, seu desenvolvimento linguístico será prejudicado. (LENNENBERG (1976) apud QUADROS, 2008. p. 78).

O processo de aquisição da linguagem fora do período crítico é

considerado aquisição tardia. Considera-se que, para chegar a este fato,

a criança passou por algo que causou a falta de input durante o período

sensível, uma vez que a linguagem é inata, mas precisa do input capaz

de oportunizar marcação paramétrica.

Como exemplos de aquisição tardia, a literatura sobre o tema

refere-se a casos de crianças que viveram algum tipo de isolamento

social em que não houve a marcação paramétrica para uma língua

especifica.

Entretanto, os dados da presente pesquisa mostraram-se

discordantes com a hipótese do período crítico ou com parte dela, pois

os nossos informantes que tiveram contato com a língua a partir dos 8

anos de idade apresentam uma língua com as mesmas características

gramaticais, dentro do que foi focalizado neste estudo, quando

comparados a um informante que teve um contato com a língua de

sinais no seio de uma família surda, sendo falante de libras desde a

primeira infância. Esses dados nos levam a algumas hipóteses: (i) o

período crítico pode se estender até o início da adolescência; (ii) o input

familiar mesmo com gestos caseiros funcionou como input para a língua

de sinais; (iii) não existe período crítico para aquisição da linguagem.

Destas hipóteses a mais plausível perante os dados da nossa

pesquisa é a (i), pois os nossos informantes chegaram á escola por volta

de 8 a 10 anos de idade e, mesmo recebendo um input não muito

Page 93: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

74 

 

 

 

homogêneo (isto é, um input de usuário de libras como L2 e também a

libras de outros surdos), não se verificou diferença entre a libras do

informante de AT e a libras do informante de ANI. Quanto à hipótese (ii)

a refutamos considerando que esta hipótese contradiz os pressupostos

inatistas no que diz respeito à natureza do input necessário ao processo

de aquisição. Se ninguém na família do informante de AT era falante de

libras, conforme as informações obtidas na época em que este

informante chegou à escola, ele não pode ter encontrado gatilhos para

realizar a marcação dos parâmetros da libras na ausência desta língua.

E refutamos a hipótese (iii) porque não temos contra-evidências que

possam contestar o que outras pesquisas afirmam a este respeito.

Page 94: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

75 

 

 

 

Considerações finais

O presente estudo representa apenas os primeiros passos de uma

investigação que é uma verdadeira “mata virgem”, ou quase virgem, a

ser desbravada. A libras, assim como as outras línguas de sinais

mundo afora, é ainda desconhecida em termos de sua estrutura

tipológica e gramatical, e em termos de aspectos de sua aquisição, que

se configura muitas vezes em um contexto pouco comum à aquisição de

uma língua natural, que é a aquisição tardia da L1.

Nessa abertura de trilhas de uma mata fechada, a utilização da

escrita SEL na transcrição dos dados foi de fundamental importância à

análise destes, pois este sistema nos possibilitou visualizar a

articulação dos sinais, podendo identificar tipos de saturação de

predicadores bastante imbricados com a natureza articulatória da

libras, como é o caso da saturação por Locs. e da autossaturação.

Também foi de fundamental importância neste estudo o conceito de

unidade MLMov, de Lessa-de-Oliveira (2012), na definição da estrutura

dos sinais. Tal conceito nos possibilitou identificar os sinais isolados e

os sinais amalgamados, como os autossaturados, na análise da

estrutura argumental e na observação dos tipos de predicação.

Acreditamos que a observação da existência de quatro tipos de

saturação de predicadores em libras, esses dois tipos mencionados

acima e mais a saturação por sinal lexical e a saturação por categoria

vazia, é uma descoberta que pode contribuir interessantemente com os

Page 95: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

76 

 

 

 

estudos de línguas de sinais, embora seja uma informação ainda muito

inicial sobre a estrutura gramatical de sentenças nessa língua.

Os resultados da análise desses quatro tipos de predicação

encontrados neste estudo orientaram a nossa análise sobre a questão

da aquisição, que se deu através da comparação dos resultados sobre

as ocorrências desses quatro tipos de predicação entre os três perfis de

sujeitos informantes pesquisados.

O que os dados demonstraram foi que os três grupos apresentam

uma libras com as mesmas características. A diferença de input não é

percebida nos dados. O informante de aquisição tardia (AT) e o de

aquisição na infância de família ouvinte (IFO), que tiveram como input a

libras como L2 conjuntamente com a libras dos colegas surdos, não

apresentaram diferença em relação ao informante de aquisição natural

na infância (ANI), que teve como input a libras como L1. Acreditamos

que este seja um resultado valioso tanto para os estudos de aquisição

da linguagem quanto para os estudos de línguas de sinais. Para os

primeiros porque reforça a hipótese inatista, tratando de um contexto

de aquisição bastante peculiar; e para os últimos porque lança luz à

questão da qualidade da libras falada por surdos que a adquiriram após

os 8 anos de idade, fora de casa, tendo em seu input a presença

também da libras como L2 falada por ouvintes.

Por fim, podemos dizer que a hipótese do período crítico

circunscrito aos 6 anos de idade não se confirma, uma vez que parte

dos nossos informantes tiveram acesso a um input da libras somente a

partir dos 8 anos de idade e isto não foi uma barreira para sua a

aquisição da libras como L1.

 

Page 96: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

77 

 

 

 

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Page 100: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

81 

 

 

 

Apêndice

Regras e caracteres do Sistema de Escrita SEL

A escrita SEL é caracterizada como um sistema de natureza trácica, porque é um sistema não-logográfico cujos caracteres (e diacríticos) representam os traços fonológicos distintivos participantes da articulação do sinal. Por essa característica este sistema se assemelha (não é idêntico) aos sistemas alfabéticos de escrita.

Descrição do sistema

Os caracteres (letras) deste sistema se subdividem em três

macrossegmentos de acordo com as especificidades articulatórias dos sinais. São eles: Mão(M), Locação(L) eMovimento(Mov).

Mão(M) Locação(L)Movimento(Mov)

VER

1. O MACROSSEGMENTO MÃO

O macrossegmento MÃO se forma por três elementos: configuração de mão, eixo e orientação da palma.

1.1 Configuração de mão - A configuração da mão corresponde ao

desenho que a mão apresenta e é representada na escrita SEL pelo formato do caractere. O sistema SEL apresenta um inventário de 52 tipos de configurações nas formas minúscula e maiúscula, ambas nas versões mecânica e manuscrita, conforme figura abaixo.

Page 101: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

82 

 

 

 

Page 102: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

83 

 

 

 

1.2 Eixos e orientação de palmas - Os eixos correspondem à posição da mão no início da realização do sinal – se com os dedos voltados para cima, para frente ou para a lateral.

Eixo Superior Eixo Lateral Eixo Anterior

No sistema SEL, marcamos o eixo e a orientação da palma (que são quatro possibilidades para cada eixo) com um caractere colocado logo em seguida ao caractere de configuração de mão (Ver figura abaixo). As configurações de mão se apresentam em leitura espelhada e a mão esquerda fica invertida em relação à direita, que é considerada a mão principal na escrita, para destros e canhotos.

Eixo Superior: para frente para trás para dentro para fora

Eixo Anterior:

para cima para baixo para dentro para fora

Eixo Lateral:

para cima para baixo para trás para frente

O eixo ainda pode aparecer invertido, sendo marcado por um

diacrítico colocado acima do caractere de marcação do eixo, como mostrado abaixo.

Page 103: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

84 

 

 

 

Eixo Superior

Eixo Superior Invertido 2. O MACROSSEGMENTO LOCAÇÃO

O macrossegmento LOCAÇÃO representa um ponto do corpo envolvido na articulação do sinal. O sistema SEL o representa com 27 caracteres, na forma minúscula, nas versões mecânica e manuscrita.

Cabeça rosto olho Sobran-

celha barriga testa cabelo Braço

inteiro cotovelo

boca buço dente nariz orelha língua virilha pulso Antebraço

bochecha queixo pescoço nuca tórax ombro costas perna braço

3. O MACROSSEGMENTO MOVIMENTO

O macrossegmento MOVIMENTO se divide em dois tipos: de mão e de dedo. 3.1 Movimento de mão - O movimento de mão se compõe com três elementos: tipo, orientação e plano. Na escrita SEL, plano e orientação são marcados por um traço (diacrítico) acrescido ao de tipo de movimento, formando 172 caracteres.46 

 

                                                            46 Sinuoso e Ziguezague não apresentam as orientações para frente e para trás no plano sagital.

Page 104: AQUISIÇÃO DA ESTRUTURA FRASAL NA LÍNGUA BRASILEIRA

85 

 

 

 

Transcrição Sagital Frontal

P/ Frent

e

P/ Frente

P/ Trás

P/ Trás

P/ Frent

e

P/ Frente

P/ Trás

P/ Trás

P/ Cim

a

P/ Baixo

P/ Direit

a

P/ Esq.

semicircular

curvo

angular

angular

duplo

sinuoso

ziguezague

diagonal

retilíneo

 

retilíneo

breve

retilín

eo brevíssimo

retilíneo vai e volta

Curvo para frente

circular

Formas manuscritas (básicas): Movimentos que não precisam de planos: Batida Giro de Pulso Tremura Inversão de Palma

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3.2 Movimento de dedo - O movimento de dedo é representado no sistema SEL por caracteres que correspondem a cada um dos cinco dedos da mão, os quais podem aparecer isolados ou combinados, a depender de quais dedos estão envolvidos no movimento.

Juntando dedos isolados e formas combinadas temos 19 caracteres de dedos.

Polegar Indicador Médio Anular Mínimo

Duque Terno Quadra Quina

Laço Laçada Rabicho Agulha Cacho

LaçoMédio Rabicho Médio Agulha Média

Mínimo Ausente Indicador Ausente

Sobre os caracteres de dedos recaem diacríticos que indicam o

tipo de movimento realizado pelos dedos. (Exemplos: , , , , , , etc.)São 11 os diacríticos de movimento de dedos.

Abrir 

gradativamente Abrir  Abrir e 

fechar Abrir duas vezes 

Fechar duas vezes 

Ziguezague

     Fechar 

gradativamente Fechar  Esfregar Movimentotesoura  Dobrar dedo

      4. DEMAIS DIACRÍTICOS

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O sistema SEL ainda apresenta diacríticos colocados abaixo dos

caracteres de eixo, para marcar os pontos em que a mão é tocada, e diacríticos colocados acima dos caracteres de configuração de mão (apenas da mão principal), para marcar a expressão facial necessária à composição de alguns sinais.

Pontos de toque:

PAPEL

PERGUNTAR

ENTENDER

Expressões faciais:

MAGRO

ZANGADO

ALEGRE

São 11 os diacríticos para marcação de pontos de toque. Esses

diacríticos também podem aparecer sob os caracteres de dedos e de partes do corpo.

Palma da mão 

Dorso da mão  Pontas dos dedos 

Lado do dedo polegar 

Lado do dedo 

mínimo 

Entre os dedos 

     Em volta dos dedos 

Parte inferior da mão (pulso) 

À esquerda (de partes do corpo) 

À direita (de partes do corpo) 

Parte superior (em partes do corpo e da mão)

      E são 20 os diacríticos de expressões faciais.

Alegre/ feliz  Triste/ 

desanimado Com medo / horrorizado/ assustado 

Surpreso/ boquiaberta 

Enojado/ insatisfeito/ com desprezo 

     Irônico  Zangado  Azedo  Olhos fechados  Abrindo olhos 

     Bochechas infladas 

Uma bochecha inflada 

Bochechas comprimidas 

Dentadas  Mexendo lábios 

     Soprando  Sugando  Ziguezague de 

queixo Negação 

 Palavras 

interrogativas 

     

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5. A PONTUAÇÃO

Quanto aos sinais de pontuação, a escrita SEL utiliza pontuação semelhante à do espanhol, com os sinais de interrogação e exclamação ocorrendo também no início da sentença, mas invertidos. A única coisa que se altera é o ponto final que é um pequeno xis (x). Há ainda uma marca de intensificação adverbial representada por duas barras verticais (||) colocadas logo após o item lexical.

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Resumo em libras com glosas

Observação: As glosas aqui procuram se aproximar o mais possível do

sentido em português.

RESUMO

Dissertação esta objetiva pesquisar

Libras aquisição surdo (Loc.) o qual

Adquire libras três diferentes tiposprocessos  

1) libras aquisição natural infância

(Sigla - ANI) libras familiar L1 (Loc.) input

2) libras aquisição infância

família ouvinte L2 (sigla – IFO) (Loc.) input

3) libras aquisição tardia (sigla - AT)

idade oito depois. Base teórica estudo

este é Gramática Gerativa hipótese

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língua aquisição é inatismo.

Pesquisa esta analisa sinal

assume hipótese unidade MLMov autora

Lessa-de-Oliveira (2012). Transcrição dados

usa escrita SEL autora também

Lessa-de-Oliveira (2012). Usar metodologia

escrita SEL importante porque transcrição dados

original igual ocorreu. Pesquisa esta

encontra características libras sintagmas

várias encontra palavra saturada sentido

quatro diferentes tipos 1) palavra saturada item lexical 2)palavra

Saturada argumento vazio 3) palavra saturada

argumento Loc. 4) palavra autosaturada

Resutado pesquisa esta mostra

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Gramática libras tem quatro tipos palavra

saturada sentido. Libras surdo sigla-ANI

Surdo sigla- IFO surdo sigla-AT têm palavra saturação

Semântica igual Resultadotambém mostra

Libras L2 pode base input

Libras aquisição L1. Resultado(Loc.)

Reforça hipótese inatista (Problema

Platão) ele mostra input fraco

pode base aquisição. Mas

confirma não período crítico antes

idade seis

Palavrasimportantes(chave) Aquisição da linguagem Escrita SEL

Libras Gramática Gerativa