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EM ANÁLISE Tema de Capa Na situação específica de paredes antigas espessas, para além destes tipos de utilizações podem ainda considerar-se aplicações de arga- massas ou caldas na consolidação de núcleos interiores das paredes. A função principal das argamassas, particularmente ao nível da reabili- tação e da conservação do edificado, é garantir a protecção das alvenarias nas quais são aplicadas, nem que para isso tenham de funcionar como elementos sacrificiais. No entanto, e sem que essa função de protecção seja colocada em causa, pretende-se ainda que as argamassas tenham a maior durabilidade possível. É na procura da optimização entre todas as características necessárias para o cumprimento destes factores que reside a maior dificuldade na escolha de uma argamassa. Ao nível da reabilitação, a escolha da argamassa de substituição a apli- fluência do tipo de suporte nas ca- racterísticas das argamassas regista- -se fundamentalmente ao nível da microestrutura resultante. A porosi- dade do suporte e a maior ou menor sucção que este efectua sobre a arga- massa fresca vai condicionar bas- tante a porosidade final da arga- massa ao nível da sua compaci- dade, da dimensão dos seus poros e da forma como se interligam. E estes parâmetros são condicionantes para as características da argamassa. A porosidade da argamassa e inter- conectividade entre os seus poros estão directamente ligadas a fenó- menos de capilaridade que vão ocorrer na argamassa (principal- mente por acessibilidade da água da chuva). Por outro lado, a maior ou menor compacidade da argamassa vai condicionar a sua permeabilida- de ao vapor de água. Este factor é extremamente importante, estando directamente relacionado com a ca- pacidade da argamassa permitir a secagem e evaporação da água que penetra por acção directa da chuva, por ascensão capilar nas paredes ou por simples dissipação do vapor de água criado no interior dos espaços. A compacidade da argamassa está ainda directamente relacionada com as suas resistências mecânicas, par- ticularmente importantes no caso de aplicações no assentamento de alve- narias ou onde seja necessária resis- tência mecânica à acção de sais so- lúveis. car numa alvenaria tem de estar in- timamente relacionada com as ca- racterísticas desse suporte, por sua vez condicionadas pelo tipo e esta- do em que se encontra. A argamas- sa deverá apresentar permeabilida- de ao vapor de água semelhante à do substrato onde é aplicada, para não alterar os caminhos de percola- ção do vapor de água nem propiciar condensações internas da humidade resultante; não deverá registar re- sistências mecânicas superiores às do suporte, de forma a não conduzir ao desenvolvimento de tensões que se transmitam à alvenaria e sejam superiores à capacidade resistente desta; deve apresentar deformabili- dade semelhante à da parede onde é aplicada. Mas as características do suporte onde a argamassa fresca é aplicada também vão influenciar as da pró- pria argamassa depois de seca. A in- Argamassas para a reabilitação Funções, constituintes e características Utilização esquemática de argamassas de substituição em revestimentos (interiores ou exteriores), no refechamento de juntas e na consolidação de núcleos interiores Pedra & Cal n.º 35 Julho . Agosto . Setembro 2007 4 As argamassas constituem um elemento fundamental das construções. Podem referir-se as suas utilizações no assentamento de alvenarias, no tratamento das respectivas juntas (caso fiquem à vista) e em sistemas de rebocos. EM AN`LISE P FARIA V3.QXD 04-11-2007 23:32 Page 1

Argamassas para a reabilitação Funções, constituintes e ... 01.pdf · tam de quantidades e condições de cura particulares. ... opostos, as argamassas de cimento e as argamassas

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EM ANÁLISETema de Capa

Na situação específica de paredesantigas espessas, para além destestipos de utilizações podem aindaconsiderar-se aplicações de arga-massas ou caldas na consolidaçãode núcleos interiores das paredes. A função principal das argamassas,particularmente ao nível da reabili-tação e da conservação do edificado,é garantir a protecção das alvenariasnas quais são aplicadas, nem quepara isso tenham de funcionar comoelementos sacrificiais. No entanto, esem que essa função de protecçãoseja colocada em causa, pretende-seainda que as argamassas tenham amaior durabilidade possível. É na procura da optimização entretodas as características necessáriaspara o cumprimento destes factoresque reside a maior dificuldade naescolha de uma argamassa.Ao nível da reabilitação, a escolhada argamassa de substituição a apli-

fluência do tipo de suporte nas ca-racterísticas das argamassas regista--se fundamentalmente ao nível damicroestrutura resultante. A porosi-dade do suporte e a maior ou menorsucção que este efectua sobre a arga-massa fresca vai condicionar bas-tante a porosidade final da arga-massa � ao nível da sua compaci-dade, da dimensão dos seus poros eda forma como se interligam. E estesparâmetros são condicionantes paraas características da argamassa. A porosidade da argamassa e inter-conectividade entre os seus porosestão directamente ligadas a fenó-menos de capilaridade que vãoocorrer na argamassa (principal-mente por acessibilidade da água dachuva). Por outro lado, a maior oumenor compacidade da argamassavai condicionar a sua permeabilida-de ao vapor de água. Este factor éextremamente importante, estandodirectamente relacionado com a ca-pacidade da argamassa permitir asecagem e evaporação da água quepenetra por acção directa da chuva,por ascensão capilar nas paredes oupor simples dissipação do vapor deágua criado no interior dos espaços.A compacidade da argamassa estáainda directamente relacionada comas suas resistências mecânicas, par-ticularmente importantes no caso deaplicações no assentamento de alve-narias ou onde seja necessária resis-tência mecânica à acção de sais so-lúveis.

car numa alvenaria tem de estar in-timamente relacionada com as ca-racterísticas desse suporte, por suavez condicionadas pelo tipo e esta-do em que se encontra. A argamas-sa deverá apresentar permeabilida-de ao vapor de água semelhante àdo substrato onde é aplicada, paranão alterar os caminhos de percola-ção do vapor de água nem propiciarcondensações internas da humidaderesultante; não deverá registar re-sistências mecânicas superiores àsdo suporte, de forma a não conduzirao desenvolvimento de tensões quese transmitam à alvenaria e sejamsuperiores à capacidade resistentedesta; deve apresentar deformabili-dade semelhante à da parede onde éaplicada. Mas as características do suporteonde a argamassa fresca é aplicadatambém vão influenciar as da pró-pria argamassa depois de seca. A in-

Argamassas para a reabilitação

Funções, constituintese características

Utilização esquemática de argamassas de substituição em revestimentos (interiores ou exteriores), norefechamento de juntas e na consolidação de núcleos interiores

Pedra & Cal n.º 35 Julho . Agosto . Setembro 20074

As argamassas constituem um elemento fundamental das construções. Podem referir-se as suas

utilizações no assentamento de alvenarias, no tratamento das respectivas juntas (caso fiquem à

vista) e em sistemas de rebocos.

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As condições e as metodologias se-gundo as quais decorrem a aplica-ção e a cura das argamassas vãotambém ser condicionantes para assuas características finais. Algumasargamassas, devido ao tipo de li-gantes que as constituem, necessi-tam de quantidades e condições decura particulares.Argamassas com base em liganteshidráulicos necessitam de umaquantidade de água de amassaduraque garanta a hidratação dos consti-tuintes do ligante; no caso de arga-massas com base em cal aérea (de-vido à elevada superfície específicado ligante conferir às argamassascaracterísticas particularmente boasao nível da trabalhabilidade e aofacto do endurecimento do hidróxi-do de cálcio ocorrer por carbonata-ção), a quantidade de água de amas-sadura e a consistência da argamas-sa fresca terá de ser muito inferior �única forma de lhe assegurar boascaracterísticas.No que respeita às condições de cu-ra, de um modo geral deverá garan-tir-se que a aplicação se faz emcondições atmosféricas moderadas(sem ocorrência de situações extre-mas � muito calor, muito frio e mui-to vento). Em determinadas situa-ções deve recorrer-se à aplicação deprotecções, como sejam o caso desombreamentos. Enquanto nas ar-gamassas com base em ligantes hi-dráulicos a permanência da água énecessária para o desenvolvimentodos compostos hidratados, nas ar-gamassas com base em ligante aéreoé também necessária alguma humi-dade para uma mais rápida acessi-bilidade do dióxido de carbono aolongo da espessura da argamassa eum mais rápido endurecimento. Nocaso de argamassas com base em calaérea e pozolanas, como a reacçãopozolânica � entre o hidróxido decálcio da cal aérea e a sílica e alumi-na amorfas da pozolana, para de-senvolvimento de silicatos e alumi-natos de cálcio hidratados � é umareacção lenta, é também fundamen-tal que a cura se desenvolva em con-

dições de permanência de algumahumidade.Na situação particular de sistemasde reboco com argamassas com baseem cal aérea � e para além da neces-sidade da argamassa fresca ser rea-lizada com pouca quantidade deágua de amassadura e aplicada ener-gicamente contra o suporte para seobterem boas aderência e compaci-dade �, é ainda fundamental que serealize um novo reaperto de cadacamada de argamassa quando ocor-re parte significativa da respectivaretracção de secagem inicial. Essereaperto, realizado sobre a argamas-sa ainda fresca mas já com algumashoras de aplicação, vai melhorar acompacidade da argamassa, que en-tretanto perdeu água por sucção do

suporte e por evaporação, e colma-tar a fendilhação por retracção en-tretanto ocorrida.Do ponto de vista dos seus compo-nentes, as argamassas são basica-mente constituídas por um ou maisligantes, areia e água. As argamas-sas pré-doseadas podem ainda con-ter outros constituintes, nomeada-mente adjuvantes. Estes, devido àreduzida percentagem em que sãoincorporados e à necessidade deconstância e de reprodutibilidade deamassaduras, não são fáceis de uti-lizar correctamente em argamassasrealizadas em obra. As argamassaspodem ainda conter outros agrega-dos ou cargas, como seja o caso depós de pedra ou de resíduos de ma-terial cerâmico, ou ainda adições,

Degradação completa do sistema de revestimento exterior, expondo o suporte

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Amostras de pozolanas e ligantes - à esquerda,material de barro vermelho e em baixo, caulino,sujeitos a tratamentos (térmicos e granulométri-cos); em cima, cal aérea hidratada e à direita,cimento

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como sejam o caso das pozolanas.Estas podem ser naturais ou artifici-ais. As naturais são lavas vulcânicasmeteorizadas, sujeitas a tratamentopara redução de granulometria; asartificiais são basicamente materiaiscom alto teor em sílica e/ou alumi-na, que são sujeitos a tratamentostérmicos de forma a estes constitu-intes estarem presentes na formaamorfa (não cristalizada) e por isso,pozolanicamente reactivos. Comopozolanas artificiais podem contar--se algumas argilas, de que o cauli-no (transformado em metacaulinopor tratamento térmico) é o casomais eficiente, e alguns subprodu-tos artificiais (casos das cinzas vo-lantes obtidas pelos despoeiradoresdas centrais termoeléctricas a car-vão mineral, das cinzas de casca dearroz, da sílica de fumo, do barrovermelho). O metacaulino é a pozo-lana talvez mais utilizada na exe-cução de argamassas, enquanto ou-tros casos estão ainda em estudos deviabilidade de utilização, uma vezque vários factores intervêm no tra-tamento com vista à optimização dapozolana artificial propriamente di-ta e da melhor proporção no traçoda argamassa. No entanto, este tipode argamassa tem vindo a ser utiliza-

as características mais eficientes cor-respondentes a cada um dos ligan-tes mas infelizmente obtêm-se tam-bém as suas piores características.As argamassas de cal hidráulica sãooutra possibilidade mas embora onosso país seja um dos poucos ondeexiste produção de cal hidráulicanatural, a sua utilização não temsido muito aproveitada nas últimasdécadas. Na procura de argamassas que se-jam compatíveis com paredes anti-gas mas que simultaneamente pos-sam ter características mais eficien-tes do que estas relativamente a al-guns pontos de vista, têm-se vindo aestudar e desenvolver, a nível na-cional e internacional, argamassasde cal aérea com pozolanas. Como onosso país não possui em territóriocontinental pozolanas naturais, edevido a questões muito actuaisassociadas à sustentabilidade daconstrução e à reciclagem de materi-ais, uma via tem sido o desenvolvi-mento de componentes pozolânicosa partir de subprodutos industriaiscomo referido antes. Este tipo de ar-gamassas pode apresentar resistên-cias mecânicas superiores às das ar-gamassas só de cal aérea mas nãosuperiores às dos suportes de apli-cação, boa permeabilidade ao vaporde água, boa deformabilidade e nãose regista libertação de sais solúveismuito nocivos (condições que garan-tem a necessária protecção das pare-des), apresentando ainda comporta-mento aceitável face à resistência à

do pelo menos desde o período ro-mano e vários exemplos consegui-ram chegar em bom estado aos nos-sos dias.As argamassas são geralmente desig-nadas pelo nome do seu ligante. Emtermos das características típicas dasargamassas em função do respectivoligante apresentam-se, em extremosopostos, as argamassas de cimento eas argamassas de cal aérea. As primeiras registam altas resistên-cias mecânicas e ganho de presanum período curto mas o perigo dodesenvolvimento de tensões exces-sivas face ao suporte e reduzidadeformabilidade. Possuem aindabaixa permeabilidade ao vapor deágua, dificultando a evaporação daágua do interior da construção e li-bertam sais solúveis que podem mi-grar e introduzirem-se nos suportes,potenciando ou ampliando proble-mas devido à acção destrutiva des-ses sais. Quando aplicadas em alve-narias sujeitas ao ataque por sulfa-tos, os aluminatos e silicatos hidra-tados produzidos a partir do cimen-to podem transformar-se em com-postos do tipo dos sulfoaluminatosou sulfossilicatos hidratados, quesão muito destrutivos e podem con-duzir à rotura ou perda de coesãodas argamassas. No extremo oposto, as argamassasde cal aérea possuem elevada per-meabilidade ao vapor de água egrande deformabilidade, que lhesconfere alguma facilidade em acom-panhar, sem fendilhar, os movimen-tos do suporte. No entanto, necessi-tam do contacto com o dióxido decarbono da atmosfera para endure-cerem � por carbonatação � e ambi-entes não saturados em humidade,o que lhes limita alguns tipos de uti-lização, como sejam aplicações emprofundidade. Demoram tambémalgum tempo a adquirir as suas ca-racterísticas mecânicas, o que porvezes as torna pouco compatíveiscom o decurso de obras de reabili-tação actuais. Com as argamassas bastardas de ci-mento e cal aérea procura-se obter

Degradação associada a problemas de ascençãocapilar e aplicação de argamassa de substituiçãodemasiado impermeável ao vapor de água emrevestimento interior

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acção de sais solúveis do tipo dos clore-tos e dos sulfatos (condições que propici-am melhorias ao nível da durabilidadedas próprias argamassas).Para além do ligante, a areia utilizadatambém condiciona as característicasdas argamassas. Relativamente à gra-nulometria da areia, esta deve ser poucomonogranular (apresentando uma cur-va granulométrica aberta) e verifica-seque as características associadas à mi-croestrutura da argamassa dependemdo tipo de ligante (aéreo ou hidráulico).De um modo geral, o traço volumétricoligante: agregado deve ser função do vo-lume de vazios desse agregado.Em argamassas de obra normalmenteutilizam-se areias de rio e areias de are-eiro, geralmente da região. A introdu-ção de areia amarela em vez de areia sóde rio não deve exceder 50 por cento dovolume total de agregado, essencialmen-te devido a questões associadas a fenó-menos de retracção e de redução da per-meabilidade ao vapor de água. Comefeito, a areia de areeiro, correntementeconhecida por areia amarela, contémmais finos (argilas) que a areia de rio,naturalmente lavada e geralmente maisrolada. São essencialmente essas argilasque condicionam a alteração de determi-nadas características nas argamassas. Autilização parcial de areia de areeiro pa-rece ser benéfica em termos de reduçãoda quantidade de água de amassaduranecessária para a obtenção de argamas-sas trabalháveis, aumento da sua compa-cidade, incremento das resistências me-cânicas e redução da absorção capilar.

PAULINA FARIA,Eng.ª Civil, Doutorada em Reabilitação doPatrimónio Edificado, Docente na Faculdade de Ciências eTecnologias, Universidade Nova de Lisboa

Tema de Capa

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASHenriques, F.; Faria Rodrigues, P. � Argamassas desubstituição na conservação do património. InConstrução Magazine, 16, Abril 2006, p. 38-45.Faria Rodrigues, Paulina - Argamassas de cal aéreae componentes pozolânicos. In Construção, 2004,Porto, FEUP, Dez. 2004, p. 779-784.Faria, P.; Henriques, F.; Rato, V. - Argamassas cor-rentes: influência do tipo de ligante e do agregado.In 2.º Congresso Nacional de Argamassas de Constru-ção. Lisboa, APFAC, Nov. 2007 (submetido).

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