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ARTIGO ORIGINAL Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 30(1):e2020305, 2021 1 Estrutura e processo de trabalho para implantação da teleconsulta médica no Sistema Único de Saúde do Brasil, um estudo transversal com dados de 2017-2018 * doi: 10.1590/S1679-49742021000100015 Structure and work process for implementing medical teleconsultation in the Brazilian National Health System, a cross-sectional study using 2017-2018 data Estructura y proceso de trabajo para implantar la teleconsulta médica en el Sistema de Salud Único en Brasil, un estudio transversal con datos de 2017-2018 Soraia de Camargo Catapan 1 orcid.org/0000-0001-6223-1697 Maria Cristina Antunes Willemann 1 orcid.org/0000-0002-0888-3421 Maria Cristina Marino Calvo 1 orcid.org/0000-0001-8661-7228 1 Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Saúde Pública, Florianópolis, SC, Brasil Resumo Objetivo: Comparar estrutura e processo de trabalho na Atenção Básica para implantação da teleconsulta médica em municípios de diferentes regiões e portes populacionais (mil habitantes: <25; 25-100; >100). Métodos: Estudo transversal, com análise descritiva e bivariada, sobre dados de 2017-2018, para avaliar disponibilidade de computador com internet, câmera, microfone e caixa de som, e processo de trabalho das equipes (utilizar Telessaúde, central de regulação e fluxo de comunicação). Resultados: Analisadas 30.346 UBS e 38.865 equipes, a presença de equipamentos para teleconsulta entre UBS variou de 1,2% em municípios grandes do Norte a 26,7% em municípios pequenos do Sul. O processo de trabalho variou de 10,7% em municípios pequenos do Norte a 39,5% em municípios grandes do Sul. Comparados ao Sul, municípios médios do Norte (OR=0,14 – IC 95% 0,11;0,17) e do Nordeste (OR=0,21 – IC 95% 0,18;0,25) tiveram menores chances de dispor dos equipamentos necessários. Conclusão: Significativas desigualdades regionais recomendam investimentos em Saúde Digital. Palavras-chave: Telemedicina; Consulta Remota; Tecnologia da Informação; Formulação de Políticas; Estudos Transversais. *Artigo derivado de tese de doutorado intitulada ‘Teleconsulta Médica para Atenção Especializada no Sistema Único de Saúde: Possibilidades e Limitações’, a ser defendida por Soraia de Camargo Catapan, sob orientação da professora Maria Cristina Marino Calvo, junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Catarina. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, fundação vinculada ao Ministério da Educação (Capes/ME): Processo nº 001/2017. Endereço para correspondência: Soraia de Camargo Catapan Campus Reitor João David Ferreira Lima, Rua Delfino Conti, s/n, Bloco H, Trindade, Florianópolis, SC, Brasil. CEP: 88040-900 E-mail: [email protected]

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Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 30(1):e2020305, 2021 1

Estrutura e processo de trabalho para implantação da teleconsulta médica no Sistema Único de Saúde do Brasil, um estudo transversal com dados de 2017-2018*

doi: 10.1590/S1679-49742021000100015

Structure and work process for implementing medical teleconsultation in the Brazilian National Health System, a cross-sectional study using 2017-2018 data

Estructura y proceso de trabajo para implantar la teleconsulta médica en el Sistema de Salud Único en Brasil, un estudio transversal con datos de 2017-2018

Soraia de Camargo Catapan1 – orcid.org/0000-0001-6223-1697Maria Cristina Antunes Willemann1 – orcid.org/0000-0002-0888-3421Maria Cristina Marino Calvo1 – orcid.org/0000-0001-8661-7228

1Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Saúde Pública, Florianópolis, SC, Brasil

ResumoObjetivo: Comparar estrutura e processo de trabalho na Atenção Básica para implantação da teleconsulta médica em

municípios de diferentes regiões e portes populacionais (mil habitantes: <25; 25-100; >100). Métodos: Estudo transversal, com análise descritiva e bivariada, sobre dados de 2017-2018, para avaliar disponibilidade de computador com internet, câmera, microfone e caixa de som, e processo de trabalho das equipes (utilizar Telessaúde, central de regulação e fluxo de comunicação). Resultados: Analisadas 30.346 UBS e 38.865 equipes, a presença de equipamentos para teleconsulta entre UBS variou de 1,2% em municípios grandes do Norte a 26,7% em municípios pequenos do Sul. O processo de trabalho variou de 10,7% em municípios pequenos do Norte a 39,5% em municípios grandes do Sul. Comparados ao Sul, municípios médios do Norte (OR=0,14 – IC

95% 0,11;0,17) e do Nordeste (OR=0,21 – IC

95% 0,18;0,25) tiveram menores chances de dispor dos

equipamentos necessários. Conclusão: Significativas desigualdades regionais recomendam investimentos em Saúde Digital.Palavras-chave: Telemedicina; Consulta Remota; Tecnologia da Informação; Formulação de Políticas; Estudos Transversais.

*Artigo derivado de tese de doutorado intitulada ‘Teleconsulta Médica para Atenção Especializada no Sistema Único de Saúde: Possibilidades e Limitações’, a ser defendida por Soraia de Camargo Catapan, sob orientação da professora Maria Cristina Marino Calvo, junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Catarina. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, fundação vinculada ao Ministério da Educação (Capes/ME): Processo nº 001/2017.

Endereço para correspondência: Soraia de Camargo Catapan – Campus Reitor João David Ferreira Lima, Rua Delfino Conti, s/n, Bloco H, Trindade, Florianópolis, SC, Brasil. CEP: 88040-900E-mail: [email protected]

Implantação da teleconsulta médica no SUS

2 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 30(1):e2020305, 2021

Introdução

Em diversos países, formas alternativas à con-sulta médica presencial já são utilizadas, apesar de suas limitações, da necessidade de investigar situa-ções e contextos em que a teleconsulta é segura e eficaz, e dos desafios políticos e coorporativos para sua implementação.1 A teleconsulta médica por ví-deo pode apresentar resultados equivalentes aos da consulta presencial, no cuidado de pessoas com diabetes mellitus, asma, doença renal, doença obs-trutiva pulmonar, saúde mental e dor crônica,2 entre outros benefícios.1

os profissionais das unidades básicas de saúde (UBS) brasileiras realizassem consultas virtuais, visando di-minuir a propagação do SARS-CoV-2.6

Outra possibilidade de teleconsulta, além da pres-tação de serviços de Atenção Básica, basear-se-ia na utilização da própria estrutura, abrangência e cober-tura das UBS,7 dada a irregularidade na distribuição de médicos especialistas.8 Trata-se de um modelo de teleconsulta especializada em que o paciente vai à UBS para interagir, por chamada de vídeo – em ambiente seguro e com apoio de um profissional de saúde de ní-vel técnico –, com um médico especialista localizado em espaço geográfico distante, porém com acesso aos registros de saúde do paciente.

Esse modelo assegura o contato com o médico por agendamento prévio, dentro da disponibilidade de horário desse profissional. Ademais, a presença de um profissional de nível técnico no momento da consul-ta pode servir de ajuda a um eventual exame físico, na ausência de equipamentos digitais, e diminuir a barreira da primeira consulta virtual com um médico desconhecido. Estudos já relacionaram efeitos benéfi-cos da teleconsulta quando o médico é conhecido do paciente.2 Nesse sentido, ter um profissional de saúde fisicamente presente garante (i) a identificação do paciente, na ausência de registros digitais unificados, (ii) o auxílio no uso e conectividade de dispositivos eletrônicos, além de favorecer (iii) o entendimento do contexto de vida e melhorar (iv) a comunicação – para maior confiança do paciente e melhores decisões do especialista.9

As necessidades de cuidado e acesso aos serviços são profundamente influenciadas por determinantes sociais10 e, para propor alternativas à consulta presen-cial, devem-se considerar diversos cenários de acesso à internet e equipamentos tecnológicos, diferentes níveis de literacia digital, problemas financeiros e condições de moradia do paciente. A teleconsulta pode não ser adequada para todos os pacientes ou situações, como, por exemplo, quando representa um obstáculo ao acesso dos mais vulneráveis ou daqueles com dificul-dades de utilização da tecnologia.1 Assim, o modelo de teleconsulta especializada depende dos recursos dis-poníveis nas UBS e da integração entre as equipes de Atenção Básica e Atenção Especializada.

Para que se possam indicar pontos prioritários de investimento na implantação da teleconsulta médica em larga escala no sistema público de saúde brasileiro,

No Brasil, as primeiras restrições ao tratamento médico sem exame físico do paciente foram impostas em 1965.3 No final de 2018, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma resolução pela qual regulamentou o atendimento médico a distância, detalhando premissas, recomendações operacionais e condições para sua realização. Sua publicação gerou polêmica e subsequente revogação, sujeita a ajustes.4 Em março de 2020, o Ministério da Saúde, em caráter excepcional e temporário, regulamentou as ações de telemedicina para a interação a distância, durante a pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2),5 cuja infecção provoca a síndrome respiratória aguda grave (COVID-19). A teleconsulta tem sido a forma adotada, em vários países, para prestar atendimento médico sem risco de propagação da doença.

Em maio de 2020, o Ministério da Saúde do Brasil propôs uma estratégia de teleconsulta médica na Atenção Primária à Saúde (APS), permitindo que

As necessidades de cuidado e acesso aos serviços são profundamente influenciadas por determinantes sociais e, para propor alternativas à consulta presencial, devem-se considerar diversos cenários de acesso à internet e equipamentos tecnológicos, diferentes níveis de literacia digital, problemas financeiros e condições de moradia do paciente.

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 30(1):e2020305, 2021 3 3

Soraia de Camargo Catapan e colaboradoras

é necessário ter em conta as possíveis particularidades regionais e as diferentes escalas populacionais dos mu-nicípios. Uma tipologia das UBS realizada considerou as tecnologias de informação e comunicação utilizan-do dados do 1º ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ--AB),11 com restrita capacidade de análise estrutural, visto que esse ciclo do programa contava apenas com dados referentes à presença de computador com acesso a internet. A inclusão de novos dados no 3º ciclo do PMAQ-AB, o desenvolvimento mundial da teleconsulta médica1 e os avanços observados na regulamentação das ações de telemedicina no Brasil, impulsionada pela pandemia do SARS-CoV-2, apontam para a necessidade de atualização da realidade presente.

Este estudo teve como objetivo comparar condições de estrutura e processo de trabalho na Atenção Básica, em municípios de diferentes regiões e portes popula-cionais, para a implantação da teleconsulta médica.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal da estrutura das UBS e do processo de trabalho das equipes de saúde brasileiras, de acordo com a região do país e o porte populacional do município onde se encontram, visan-do a implantação da teleconsulta médica.

O PMAQ-AB, fonte dos dados, é a principal estratégia de avaliação da Atenção Básica no Brasil, induzindo a ampliação do acesso e a melhoria da qualidade desse nível de atenção à saúde mediante repasse financeiro por desempenho. Os pesquisadores do PMAQ-AB visi-tam todas as UBS e equipes de Atenção Básica do país que aderiram ao programa, para verificar a presença de características apontadas como qualificadoras da Atenção Básica.12 Entre as equipes atuantes no SUS em janeiro de 2018, 70% formalizaram sua adesão ao 3º ciclo do PMAQ-AB e por ele foram avaliadas.13

Para fins do presente estudo, foi considerada ‘es-trutura desejável’ para implantação da teleconsulta aquela composta pelos equipamentos necessários à realização de uma chamada de vídeo on-line;14 e como ‘estrutura mínima’, foi desconsiderada a necessidade de equipamentos periféricos, porque, embora neces-sários à realização de uma chamada de vídeo, são de baixo custo, adquiríveis com facilidade.

Para a análise do processo de trabalho dessas uni-dades, foi estabelecido que, para realizar a teleconsulta

médica especializada, deve haver integração entre a Atenção Básica e a Atenção Especializada, de acordo com três requisitos mínimos: (i) a utilização da plata-forma do Programa Nacional de Telessaúde (iniciativa de tele-educação e teleassistência voltada à Estraté-gia Saúde da Família [ESF]), dada a importância de transmitir e armazenar dados privados em plataforma segura, presumindo-se dessa forma a familiaridade da equipe com o uso da tecnologia para mediar processos clínicos; (ii) a existência de uma central de regulação de consulta especializada, para encaminhamento dos usuários aos demais pontos de atenção; e (iii) um flu-xo de comunicação institucionalizado entre a equipe da Atenção Básica e a Atenção Especializada, para ga-rantir a integração entre os níveis de atenção.

A seguir, são detalhadas as variáveis analisadas.

a) Variáveis para uma estrutura mínima para im-plantação da teleconsulta médica:- presença de pelo menos um computador com acesso a internet (sim; não);- presença de internet suficiente (contínua; irre-gular; não funciona).

b) Variáveis acrescentadas em uma estrutura desejá-vel para implantação da teleconsulta médica:- presença de pelo menos uma câmera web em condições de uso (sim; não);- presença de pelo menos uma caixa de som em condições de uso (sim; não);- presença de pelo menos um microfone em condições de uso (sim; não).

c) Variáveis para o processo de trabalho para implan-tação da teleconsulta médica especializada:- utilização do Telessaúde pelas equipes (sim; não);- existência de uma central de regulação dispo-nível para o encaminhamento dos usuários aos demais pontos de atenção (sim; não);- tipos de centrais para marcação disponíveis (consulta especializada; exames; leitos; nenhu-ma);- presença de fluxo de comunicação institucio-nalizado entre a equipe da Atenção Básica e a Atenção Especializada (sim; não).

Os dados utilizados provêm da avaliação externa do 3° Ciclo do PMAQ-AB, realizado entre 2017 e 2018.15 O perfil estrutural das UBS foi descrito a partir do Módulo I do PMAQ-AB, cujo objetivo foi avaliar as

Implantação da teleconsulta médica no SUS

4 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 30(1):e2020305, 2021

condições de infraestrutura, materiais, insumos e me-dicamentos disponíveis nas unidades de saúde. O perfil do processo de trabalho, por sua vez, foi descrito a par-tir do Módulo II, cujo objetivo foi avaliar o processo de trabalho das equipes e a organização do serviço e do cuidado aos usuários.12

As análises foram apresentadas por regiões do país e por municípios segundo seu porte populacional, ou seja: (i) municípios de pequeno porte, com menos de 25 mil habitantes; (ii) municípios de médio porte, com 25 a 100 mil habitantes; e (iii) municípios de grande porte, com mais de 100 mil habitantes. Para identi-ficar as chances de a estrutura mínima e o processo de trabalho mínimo estarem presentes em determina-da região, em municípios de portes semelhantes, foi calculada (i) a razão de chances (OR, sigla em inglês para odds ratio) de forma bivariada, comparando-se, individualmente, cada uma das regiões com a região Sul, dado esta ter apresentado os melhores resultados, tanto de estrutura quanto de processo de trabalho, e (ii) o intervalo de confiança de 95% (IC

95%) para cada

OR. O pacote estatístico Stata® (versão 14.3) foi utili-zado para realização das análises.

O projeto do PMAQ-AB foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas da Faculdade de Medicina da Univer-sidade Federal de Pelotas (CEP/FAMED/UFPel): Parecer nº 2.453.320, emitido em 27 de dezembro de 2017.

Resultados

Foram incluídos os dados das 30.346 UBS que ade-riram ao 3º Ciclo do PMAQ-AB e de 38.865 equipes de Atenção Básica espalhadas pelo território nacional.

Os municípios de grande porte da região Norte tive-ram menor proporção de UBS com estrutura desejável para a implantação da teleconsulta médica (1,2%); a maior proporção de USB com essa estrutura iden-tificada observou-se em municípios de pequeno porte da região Sul (26,7%). No conjunto, os municípios de pequeno porte apresentaram maior percentual de adequação à estrutura desejável em todo o Brasil (pe-queno porte, 10,7%; médio porte, 8,3%; grande porte, 7,2%) e, regionalmente, no Norte, Centro-Oeste, Sudes-te e Sul. A exceção coube ao Nordeste, como se pode observar na Tabela 1:

a) Norte – pequeno porte, 3,7%; médio porte, 2,0%; grande porte, 1,2%;

b) Centro-Oeste – pequeno porte, 16,4%; médio porte, 11,4%; grande porte, 6,9%;

c) Sudeste – pequeno porte, 9,4%; médio porte, 6,4%; grande porte, 8,3%;

d) Sul – pequeno porte, 26,7%; médio porte, 20,4%; grande porte, 13,1%;

e) Nordeste – diferentemente do espectro propor-cional das demais regiões, nesta apresentaram percentual de adequação a estrutura desejável 5,8% dos municípios de pequeno porte, 7,1% dos de médio porte (estes, com maior percentual) e 4,4% dos de grande porte.

Independentemente do porte populacional, a região Sul concentrou o maior número de unidades com es-trutura desejável, enquanto a região Norte apresentou o menor número dessas unidades.

A região Sul teve maior número de UBS dotadas de computador com acesso à internet suficiente e contínuo, estrutura considerada mínima para a te-leconsulta, variando de 887 UBS em municípios de médio porte (78,2%) a 1.587 UBS em municípios de pequeno porte (81,6%). A região Norte teve o menor número de unidades com estrutura mínima, variando de 288 UBS em municípios de médio porte (33,2%) a 336 UBS em municípios de grande porte (45,3%). O equipamento periférico menos encontrado nas unida-des de saúde foi o microfone, ausente em 1.316 UBS (67,6%) em municípios de pequeno porte da região Sul e em 809 UBS (93,3%) em municípios de médio porte da região Norte.

Em quatro regiões, as UBS de municípios de pequeno porte apresentaram maiores percentuais de estrutura mínima, cabendo a exceção ao Norte (Tabela 1):

a) Nordeste – pequeno porte, 48,6%; médio porte, 43,3%; grande porte, 48,0%;

b) Centro-Oeste – pequeno porte, 73,9%; médio porte, 63,8%; grande porte, 52,3%;

c) Sudeste – pequeno porte, 76,3%; médio porte, 66,3%; grande porte, 65,4%;

d) Sul – pequeno porte, 81,3%; médio porte, 78,2%; grande porte, 78,4%;

e) No Norte, apresentaram maiores percentuais de estrutura mínima para implantação da telecon-sulta 45,3% das UBS dos municípios de grande porte, seguidas de 42,3% das UBS dos municípios de pequeno porte e 33,2% das UBS dos municípios de médio porte.

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 30(1):e2020305, 2021 5 5

Soraia de Camargo Catapan e colaboradoras

Tabela 1 – Número e percentual de unidades básicas de saúde com estrutura desejável e mínima para implantação da teleconsulta médica, segundo região do país e porte populacional do município, Brasil, 2017-2018

Regi

ão Porte populacional

Computador com acesso à

interneta

Internet contínua Câmerab Caixa de somb Microfoneb

UBSc com estrutura desejável

UBSc com estrutura mínima

n % n % n % n % n % n % n %

Nort

e

Grande (n=741) 479 64,6 337 45,5 114 15,4 195 26,3 51 6,9 9 1,2 336 45,3

Médio (n=867) 397 45,8 295 34,0 82 9,5 166 19,1 58 6,7 17 2,0 288 33,2

Pequeno (n=776) 435 56,1 334 43 143 18,4 263 33,9 77 9,9 29 3,7 328 42,3

Nord

este

Grande (n=2.244) 1.275 56,8 1.113 49,6 404 18,0 577 25,7 211 9,4 99 4,4 1.076 48,0

Médio (n=4.786) 2.285 47,7 2.238 46,8 1.030 21,5 1.706 35,6 652 13,6 339 7,1 2.072 43,3

Pequeno (n=5.566) 3.006 54,0 2.938 52,8 1.274 22,9 2.039 36,6 737 13,2 323 5,8 2.707 48,6

Cent

ro-O

este

Grande (n=568) 410 72,2 297 52,3 80 14,1 175 30,8 62 10,9 39 6,9 297 52,3

Médio (n=625) 527 84,3 402 64,3 174 27,8 345 55,2 107 17,1 71 11,4 399 63,8

Pequeno (n=1.037) 938 90,5 772 74,4 342 33,0 682 65,8 244 23,5 170 16,4 766 73,9

Sude

ste

Grande (n=3.267) 2.493 76,3 2.164 66,2 716 21,9 1.288 39,4 495 15,2 272 8,3 2.135 65,4

Médio (n=2.433) 1.932 79,4 1.621 66,6 448 18,4 998 41,0 249 10,2 155 6,4 1.612 66,3

Pequeno (n=3.095) 2.614 84,5 2.380 76,9 775 25,0 1.791 57,9 448 14,5 290 9,4 2.360 76,3

Sul

Grande (n=1.261) 1.162 92,1 989 78,4 425 33,7 669 53,1 243 19,3 165 13,1 988 78,4

Médio (n=1.134) 1.040 91,7 887 78,2 466 41,1 776 68,4 305 26,9 231 20,4 887 78,2

Pequeno (n=1.946) 1.782 91,6 1.587 81,6 958 49,2 1.527 78,5 630 32,4 519 26,7 1.582 81,3

Bras

il

Grande (n=8.081) 5.819 72,0 4.900 60,6 1.739 21,5 2.904 35,9 1.062 13,1 584 7,2 4.832 59,8

Médio (n=9.845) 6.181 62,8 5.443 55,3 2.200 22,3 3.991 40,5 1.371 13,9 813 8,3 5.258 53,4

Pequeno (n=12.420) 8.775 70,7 8.011 64,5 3.492 28,1 6.302 50,7 2.136 17,2 1.331 10,7 7.743 62,3

Notas: a) Possui pelo menos um; b) Possui pelo menos um em condições de uso; c) UBS: unidade básica de saúde.

Implantação da teleconsulta médica no SUS

6 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 30(1):e2020305, 2021

Entre 18,9% das equipes da Atenção Básica em mu-nicípios de pequeno porte e 27,5% dessas equipes em municípios de grande porte de todo Brasil, apresenta-ram processo de trabalho mínimo para a implantação da teleconsulta especializada, variando regionalmen-te: de 10,7% nos municípios de pequeno porte da região Norte a 39,5% nos municípios de grande porte da região Sul (Tabela 2). Os municípios de pequeno porte de todas as regiões, à exceção do Centro-Oeste, apresentaram os menores percentuais de equipes com processo de trabalho mínimo:

a) Norte – pequeno porte, 10,7%; médio porte, 13,5%; grande porte, 12,9%;

b) Nordeste – pequeno porte, 19,7%; médio porte, 28,3%; grande porte, 22,1%;

c) Sudeste – pequeno porte, 18,1%; médio porte, 23,6%; grande porte, 30,6%;

d) Sul – pequeno porte, 22,2%; médio porte, 34,9%; grande porte, 39,5%;

e) Centro-Oeste – 17,5% das equipes em municípios de pequeno porte, frente a 27,5% das equipes dos municípios de médio porte e 16,6% das equipes dos municípios de grande porte – estes últimos, com os menores percentuais de equipes que apresentaram processo de trabalho mínimo para implantação da teleconsulta na região.

Em todo o Brasil, 56,5% das equipes em municípios de pequeno porte, 53,8% das equipes em municípios de médio porte e 48,1% das equipes em municípios de grande porte utilizavam o Telessaúde. Na região Sul, 70,9% das equipes dos municípios de grande porte, e na região Norte, 27,3% das equipes de municípios de grande porte utilizavam-se desse serviço. Nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o uso do Telessaúde foi maior nas equipes dos municípios médios e pequenos, conforme apresenta a Tabela 2.

Para o conjunto do país, de 86,2% das equipes de saúde em municípios de pequeno porte a 94,1% dessas equipes em municípios de médio porte contavam com uma central de regulação de consulta especializada para o encaminhamento de usuários aos demais pon-tos de atenção. Entre regiões, essa proporção variou de 78,5%, em municípios de pequeno porte da região Norte, a 95,4% em municípios de médio porte da re-gião Sul (Tabela 2).

No Brasil, de 31,9% das equipes de Atenção Bási-ca em municípios de pequeno porte a 45,1% dessas equipes em municípios de grande porte tinham um

fluxo de comunicação institucionalizado com a Aten-ção Especializada, sendo que as regiões Sudeste e Sul apresentaram maiores percentuais nos três portes po-pulacionais. Os municípios de pequeno porte tiveram os menores percentuais de equipes com esse fluxo de comunicação institucionalizado, independentemente da região (Tabela 2).

Os municípios de grande porte das regiões Nor-te (OR=0,23 – IC

95% 0,19;0,28), Nordeste (OR=0,25

– IC95%

0,22;0,30) e Centro-Oeste (OR=0,30 – IC95%

0,24;0,37) apresentaram menores chances de contar com a estrutura mínima necessária à implantação da teleconsulta, comparados com os municípios da região Sul, conforme se pode observar na Tabela 3. A região Sudeste (grande porte [OR=0,52 – IC

95% 0,44;0,61];

médio porte [OR=0,55 – IC95%

0,46;0,64]; pequeno porte [OR=0,74 – IC

95% 0,64;0,85]) também apresen-

tou menores chances de ter essa estrutura mínima necessária, comparada à região Sul, embora suas chances fossem superiores às das demais regiões, nos três portes populacionais.

Os municípios da região Norte apresentaram me-nores chances de estarem adequados, no que concerne ao ‘processo de trabalho’ de acordo com os critérios adotados nesse estudo, para implantação da telecon-sulta especializada, em todos os portes populacionais (grande porte [OR=0,23 – IC

95% 0,19;0,27]; médio

porte [OR=0,29 – IC95%

0,24;0,36]; pequeno porte [OR=0,42 – IC

95% 0,33;0,53]), com diferença estatís-

tica observada.

Discussão

A maioria das UBS não apresentou estrutura míni-ma para a teleconsulta, com desigualdades regionais e de porte populacional evidentes: menores percentuais para todos os portes populacionais nas regiões Norte e Nordeste; e maiores percentuais nos municípios de pequeno porte de todas as regiões, à exceção da região Norte. Aproximadamente um quarto das equipes apre-sentou processo de trabalho mínimo para implantação da teleconsulta. Os menores percentuais para essa variável foram apresentados pelos municípios de pe-queno porte de quatro regiões, cabendo a exceção ao Centro-Oeste. Os municípios de pequeno porte de todas as regiões apresentaram maiores chances de terem processo de trabalho mínimo. O Norte e o Nordeste foram as duas regiões cujos municípios, independente-mente do porte populacional, apresentaram menores

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 30(1):e2020305, 2021 7 7

Soraia de Camargo Catapan e colaboradoras

Tabela 2 – Número e percentual de equipes de Atenção Básica com processo de trabalho mínimo para implantação da teleconsulta médica, segundo região do país e porte populacional do município, Brasil, 2017-2018

Regi

ão

Porte populacionalUtiliza o Telessaúde Central de regulação de

consulta especializada

Fluxo de comunicação institucionalizado

(da Atenção Básica à Especializada)

Equipes com processo de trabalho mínimo

n % n % n % n %

Nort

e

Grande (n=1.141) 312 27,3 1.024 89,7 362 31,7 147 12,9

Médio (n=1.094) 445 40,7 977 89,3 318 29,1 148 13,5

Pequeno (n=964) 411 42,6 757 78,5 221 22,9 103 10,7

Nord

este Grande (n=3.629) 1.555 42,8 3.055 84,2 1.298 35,8 801 22,1

Médio (n=5.075) 2.847 56,1 4.765 93,9 2.222 43,8 1.437 28,3

Pequeno (n=5.785) 3.092 53,4 4.941 85,4 2.003 34,6 1.139 19,7

Cent

ro-

Oest

e

Grande (n=920) 358 38,9 865 94,0 295 32,1 153 16,6

Médio (n=672) 422 62,8 585 87,1 258 38,4 186 27,7

Pequeno (n=1.077) 660 61,3 867 80,5 289 26,8 188 17,5

Sude

ste Grande (n=6.761) 3.277 48,5 6.116 90,5 3.592 53,1 2.072 30,6

Médio (n=2.738) 1.232 45,0 2.578 94,2 1.234 45,1 645 23,6

Pequeno (n=3.355) 2.002 59,7 2.940 87,6 1.051 31,3 607 18,1

Sul

Grande (n=2.130) 1.510 70,9 1.970 92,5 1.024 48,1 842 39,5

Médio (n=1.294) 855 66,1 1.235 95,4 601 46,4 452 34,9

Pequeno (n=2.230) 1.412 63,3 2.060 92,4 715 32,1 494 22,2

Bras

il

Grande (n=14.581) 7.012 48,1 13.030 89,4 6.571 45,1 4.015 27,5

Médio (n=10.873) 5.849 53,8 10.229 94,1 4.678 43,0 2.895 26,6

Pequeno (n=13.411) 7.577 56,5 11.565 86,2 4.279 31,9 2.531 18,9

chances de contar com uma estrutura mínima para a teleconsulta médica.

Os dados utilizados nessa análise são dinâmicos. A permanência de equipamentos apropriados nas unidades e o funcionamento da internet de manei-ra contínua podem ter variado desde o período de coleta dos dados. Sabe-se que a disponibilidade de computadores nas UBS variou de 88%, em 2017, para 90% em 2018, e a proporção de UBS com acesso à internet cresceu 7 pontos percentuais, no mesmo pe-ríodo,16 indicando que as alterações de estrutura não foram expressivas.

O crescimento no acesso à internet pode estar as-sociado aos incentivos estruturais do governo federal, principalmente em determinadas regiões e estabeleci-mentos públicos de saúde mais carentes de tecnologias, a exemplo do Programa Nacional de Banda Larga (Decreto nº 7.175, de 12 de maio de 2010), da Estraté-gia de Informatização da Atenção Básica (Portaria do

Ministério da Saúde GM/MS nº 1.412, de 10 de julho de 2013) e do Programa de Informatização das Unidades Básicas de Saúde (Portaria GM/MS nº 2.920, de 31 de outubro de 2017). Entretanto, persistem as desigual-dades regionais e a falta de uma política de Estado para a Saúde Digital. Programas desse tipo costumam ter seu caminho de evolução interrompido pelas mu-danças de governo e redefinição de políticas, gerando fragmentação, redução de investimentos e/ou in-terrupção nos serviços ofertados. Em 2018, somente 13% dos gestores dos estabelecimentos públicos de saúde concordaram que os recursos financeiros eram suficientes para as necessidades de investimento em tecnologia da informação.16

Cenário semelhante de desigualdade entre as regiões brasileiras já foi documentado em outros trabalhos que avaliaram as diferenças regionais em saúde.17,18 As desigualdades no acesso às tecnologias de informação e comunicação no Brasil são significativas:

Implantação da teleconsulta médica no SUS

8 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 30(1):e2020305, 2021

Tabela 3 – Razão de chances e respectivo intervalo de confiança para existência de estrutura mínima e processo de trabalho mínimo para implantação da teleconsulta médica especializada nas regiões do país, segundo porte populacional do município, Brasil, 2017-2018

Porte populacional RegiãoEstrutura mínima

p-valorcProcesso de trabalho mínimo

p-valorc

ORa IC95%b ORa IC95%

b

Grande

Norte 0,23 0,19;0,28 <0,001 0,23 0,19;0,27 <0,001

Nordeste 0,25 0,22;0,30 <0,001 0,43 0,38;0,49 <0,001

Centro-Oeste 0,30 0,24;0,37 <0,001 0,30 0,25;0,37 <0,001

Sudeste 0,52 0,44;0,61 <0,001 0,68 0,61;0,75 <0,001

Sul 1,00 – 1,00 –

Médio

Norte 0,14 0,11;0,17 <0,001 0,29 0,24;0,36 <0,001

Nordeste 0,21 0,18;0,25 <0,001 0,74 0,65;0,84 <0,001

Centro-Oeste 0,49 0,40;0,61 <0,001 0,71 0,58;0,87 0,001

Sudeste 0,55 0,46;0,64 <0,001 0,57 0,50;0,66 <0,001

Sul 1,00 – 1,00 –

Pequeno

Norte 0,17 0,14;0,20 <0,001 0,42 0,33;0,53 <0,001

Nordeste 0,22 0,19;0,25 <0,001 0,86 0,76;0,97 <0,001

Centro-Oeste 0,65 0,54;0,78 <0,001 0,74 0,62;0,89 0,004

Sudeste 0,74 0,64;0,85 <0,001 0,78 0,68;0,89 0,001

Sul 1,00 – 1,00 –

Notas: a) OR: razão de chances (OR, sigla em inglês para odds ratio); b) IC95%: intervalo de confiança de 95%; c) Teste do qui-quadrado de Pearson.

no final de 2018, a região Norte possuía apenas 3,7% do total nacional de acesso a banda larga fixa.19 Resol-ver essa questão ultrapassa os limites da Saúde, requer investimentos e ações conjuntas de múltiplos setores, públicos e privados.

Os municípios de pequeno porte apresentaram es-trutura e processo de trabalho melhores. Desde 2006, quando a gestão plena do sistema local de saúde fi-cou a cargo dos municípios, é possível observar como diferenças na qualidade da gestão proporcionam diferentes estruturas. Pode-se dizer que municípios pequenos apresentam algumas facilidades em relação aos maiores: são menos heterogêneos e têm menos serviços a gerenciar, possibilitando dedicar-se mais à Atenção Básica.20

Nesta análise, os municípios de pequeno e mé-dio porte das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste declararam maiores percentuais de utilização do Te-lessaúde, o que indica a possibilidade de implantação de teleconsultas em locais com menor número de profissionais especialistas, superando a barreira da distribuição geográfica desigual de médicos no Brasil.8

A necessidade de continuidade de investimentos em telessaúde, recurso utilizado por aproximadamente metade das equipes de saúde brasileiras, é evidente para manutenção e ampliação de sua carteira de ser-viços, incluindo a teleconsulta médica, não prevista inicialmente, dadas as restrições normativas. A po-pulação já utiliza diversos serviços de telemedicina e telessaúde, oferecidos pelos núcleos regionais, em am-biente seguro, sendo necessários tão somente ajustes a essas plataformas para a realização da teleconsulta. Em 2018, 36% das UBS utilizaram teleconsultoria, e 27%, serviços de telediagnóstico.16

Para a implantação de teleconsulta, a adapta-ção de plataforma existente e familiar, como é o caso do portal do Telessaúde, pode contribuir para a diminuição de algumas limitações, já descritas na litera-tura, como dificuldade de utilização, preocupação com segurança dos dados, mudanças estruturais, dificul-dades para estabelecer novas rotinas e resistência dos profissionais de saúde e pacientes.1 Além dis-so, a integração da teleconsulta médica a um conjunto de serviços já existentes pode fortalecer as evidências favoráveis ao autocuidado supervisionado

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 30(1):e2020305, 2021 9 9

Soraia de Camargo Catapan e colaboradoras

para doentes crônicos,2 em concordância com os mo-delos expostos neste estudo.

A presença de uma central de regulação em grande parte dos municípios brasileiros, variável entre 78,5% nos municípios de pequeno porte da região Norte a 95,4% nos municípios de médio porte da região Sul, pode facilitar o direcionamento dos pacientes para a consulta presencial ou para a teleconsulta, de acordo com protocolos preestabelecidos, todavia inexisten-tes no Brasil. Em algumas regiões da Austrália, por exemplo, para as especialidades nas quais a telecon-sulta está disponível, sua escolha fica a critério do paciente, mas conta co,m avaliação da equipe de saúde quanto à capacidade e literacia digital, qualidade da conexão de internet e funcionalidades do dispositivo utilizado pelo paciente.21

No desenvolvimento desses protocolos de telecon-sulta, deve constar a documentação da escolha por essa modalidade de atendimento, em consonância com a Lei Geral de Proteção de Dados, que dispõe sobre o manejo de dados pessoais, inclusive em meios digitais, e está prevista para entrar em vigor em maio de 2021.22 A necessidade de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelo paciente para a realização da teleconsulta médica foi expressa na resolução re-vogada do CFM nº 2.227, de 13 de dezembro de 2018,4 embora não tenha sido citada na nova portaria do Mi-nistério da Saúde.5

Discussões e ajustes sobre o tema estão por vir e será necessário adequar-se às diferentes realidades. Nesse sentido, uma proposta única de teleconsulta, tanto para a Atenção Básica quanto para a Atenção Especiali-zada, extensiva a todo o território nacional, tende a ser excludente, uma vez que favorecerá municípios com maior estrutura tecnológica – os de pequeno porte e da região Sul –, acirrando as desigualdades regionais.

O próximo passo seria a incorporação da telecon-sulta aos modelos de atenção, permitindo rearranjos e melhorias significativas no cuidado e acesso à saúde e, consequentemente, nos resultados clínicos. O re-conhecido Modelo de Atenção às Condições Crônicas (CCM, sigla em inglês para Chronic Care Model),23 em uma versão atualizada,24 incluiu elementos da saúde digital para melhora de resultados clínicos, frisando a importância da comunicação efetiva utilizando recur-sos tecnológicos, educação digital para o autocuidado e comunidades virtuais de apoio ao paciente.24

Em um cenário ideal, a implementação da tele-consulta no Brasil deveria passar por uma transição

lenta e gradativa, com a incorporação dessa nova forma de prover cuidado em caráter aditivo ou par-cialmente substitutivo, não apenas alternativo.1 Assim, permaneceria o potencial de fortalecimento das redes de atenção, mantendo a Atenção Primária em Saúde como coordenadora do cuidado e responsável pela saúde em seu território, de forma a não fragilizar a atenção integral ao paciente e os princípios básicos de um modelo de cuidado já estabelecido.

No cenário atual da pandemia do SARS-CoV-2, em alguns países, a exemplo da Itália, a falta de integra-ção da telemedicina aos serviços de saúde limitou sua capacidade de contribuição na luta contra a COVID-19, com consequências imensuráveis.25 As experiências de teleconsulta durante a pandemia no Brasil, tanto para casos suspeitos dessa doença como para acom-panhamento de pacientes crônicos, demonstram as possibilidades desse modelo, embora não avaliadas até o momento desta publicação.

Este estudo aponta que, de modo geral, a estrutura desejável, composta por todos os equipamentos e cone-xão necessários à realização de uma teleconsulta, seja ela para Atenção Básica, seja para a Especializada, foi baixíssima nas unidades de saúde de todos os municí-pios e portes populacionais pesquisados. Notoriamente, deve-se priorizar investimento nas regiões Norte e Nor-deste, assim como nos municípios de médio e grande porte das demais regiões onde se mostram condições estruturais insuficientes para a implantação da tele-consulta médica. Municípios de pequeno porte devem dedicar-se à organização dos processos de trabalho. Além da necessidade de investimentos na pesquisa e desenvolvimento da teleconsulta médica, na avaliação da pertinência e dos desafios para sua implementação em larga escala, considerando-se as particularidades regionais, resta o aprimoramento e encaminhamento de sua regulamentação, para sua incorporação aos modelos de cuidado.

Contribuição das autoras

Catapan SC e Calvo MCM conceberam o estudo, in-terpretaram os dados e realizaram a revisão crítica do manuscrito. Willemann MCA e Catapan SC adquiriram e analisaram os dados. Todas as autoras colaboraram na elaboração de versões preliminares do manuscrito, aprovaram sua versão final e são responsáveis por sua exatidão e integridade.

Implantação da teleconsulta médica no SUS

10 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 30(1):e2020305, 2021

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Implantação da teleconsulta médica no SUS

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Recebido em 24/05/2020Aprovado em 09/10/2020

Abstract

Objective: To compare the structure and the work process in Primary Care for implementing medical teleconsultation in municipalities in different regions and with different population sizes (<25,000; 25,000-100,000; >100,000 inhabitants). Methods: Cross-sectional study, with descriptive and bivariate analysis, using data from 2017-2018 to assess the availability of computers with internet access, webcam, microphone, speaker, as well as to assess the work processes (use of Telehealth, service supply and demand control center, and communication flow). Results: 30,346 primary health centers and 38,865 teams were evaluated. Presence of teleconsultation equipment in the health centers ranged from 1.2% in large northern municipalities to 26.7% in small southern municipalities. Established work process ranged from 10.7% in small northern municipalities to 39.5% in large southern municipalities. Compared to the South, medium-sized municipalities in the North (OR=0.14 – 95%CI 0.11;0.17) and Northeast (OR=0.21 – 95%CI 0.18;0.25) regions were less likely to have the necessary equipment. Conclusion: Significant regional inequalities call for investments in Digital Health.

Keywords: Telemedicine; Remote Consultation; Information Technology; Policy Making; Cross-Sectional Studies.

Resumen

Objetivo: Comparar estructura y proceso de trabajo en atención primaria para implementar la teleconsulta médica en municipios de diferentes regiones y tamaños (mil habitantes: <25; 25-100; >100). Métodos: Estudio transversal, con análisis descriptivo y bivariado, datos de 2017-2018 para evaluar la disponibilidad de computadora con internet, cámara, micrófono, altavoz y proceso de trabajo (uso de Telesalud, centro de regulación central y flujo de comunicación). Resultados: Se analizaron 30.346 unidades y 38.865 grupos. La presencia de equipos de teleconsulta osciló entre 1,2% en los grandes municipios del Norte y 26,7% en pequeños municipios del Sur. El proceso de trabajo osciló entre 10,7% en pequeños municipios del Norte y 39,5% en grandes municipios del Sur. En comparación con el Sur, municipios medianos del Norte (OR=0,14 – IC

95% 0,11;0,17) y Nordeste (OR=0,21 – IC

95%

0,18;0,25) tenían menos probabilidades de contar con los equipos necesarios. Conclusión: Existe la necesidad de inversiones en Salud Digital, con desigualdades regionales relevantes.

Palabras clave: Telemedicina; Consulta Remota; Tecnología de la Información; formulación de Políticas; Estudios Transversales.

Editor associado: Bruno Pereira Nunes – orcid.org/0000-0002-4496-4122