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UMA ANÁLISE POSSÍVEL PARA O JOGO TEATRAL NO LIVRO DO DIRETOR* Alessandra Ancona de Faria** Universidade Paulista - UNIP [email protected] RESUMO: O presente artigo pretende discutir o papel ocupado pelo sistema de jogos teatrais proposto por Viola Spolin, analisando de maneira detalhada o livro O Jogo Teatral no livro do diretor 1 , com a intenção de observar como esta publicação pode contribuir para o professor que trabalha com grupos de alunos da escola formal. Em estudo que investigou a utilização deste livro de Spolin com um grupo de adolescentes de uma escola pública da cidade de São Paulo, foi possível discutir as opções apresentadas para a utilização do jogo teatral dentro do ambiente escolar, tendo em vista o processo de montagem de uma peça que se utilizou dos jogos em toda a sua estrutura. PALAVRAS-CHAVE: Educação – Jogo teatral – Teatro – Pedagogia do teatro. ABSTRACT: This article intends to discuss the role occupied by the theater games system proposed by Viola Spolin, analyzing in detail the book Theater Games for Rehearsal: A Director's Handbook, with the intention to observe how this publication can contribute to the teacher who works with groups of formal school pupils. In a study that investigated the use of this book of Spolin with a group of teenagers in a public school in the city of São Paulo, it was possible to discuss the options presented to theater game utilization within the school environment, in view of the mounting process of a scene that used the games in all structure. KEYWORDS: Education – Theatre game – Theatre – Pedagogy of the theatre O presente artigo pretende discutir o papel ocupado pelo sistema de jogos teatrais proposto por Viola Spolin, analisando de maneira detalhada o livro O Jogo Teatral no livro do diretor 2 , com a intenção de observar como esta publicação pode contribuir para o professor que trabalha com grupos de alunos da escola formal. * Este texto se baseia em minha pesquisa de mestrado, disponível em FARIA, Alessandra Ancona de. Contar Histórias com o jogo teatral. 2002. Dissertação. (Mestrado em Teatro Educação) – Escola de Comunicação e Artes. Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2002. ** Doutora em Educação pela PUC-SP, professora da Universidade Paulista. 1 SPOLIN, Viola. O jogo teatral no livro do diretor. São Paulo: Perspectiva, 1999. 2 Ibid.

Aritgo Sobre Jogo Teatral No Livro Do Diretor

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JOGOS TEATRAIS

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  • UMA ANLISE POSSVEL PARA O JOGO TEATRAL NO LIVRO DO DIRETOR*

    Alessandra Ancona de Faria** Universidade Paulista - UNIP

    [email protected]

    RESUMO: O presente artigo pretende discutir o papel ocupado pelo sistema de jogos teatrais proposto por Viola Spolin, analisando de maneira detalhada o livro O Jogo Teatral no livro do diretor1, com a inteno de observar como esta publicao pode contribuir para o professor que trabalha com grupos de alunos da escola formal. Em estudo que investigou a utilizao deste livro de Spolin com um grupo de adolescentes de uma escola pblica da cidade de So Paulo, foi possvel discutir as opes apresentadas para a utilizao do jogo teatral dentro do ambiente escolar, tendo em vista o processo de montagem de uma pea que se utilizou dos jogos em toda a sua estrutura.

    PALAVRAS-CHAVE: Educao Jogo teatral Teatro Pedagogia do teatro.

    ABSTRACT: This article intends to discuss the role occupied by the theater games system proposed by Viola Spolin, analyzing in detail the book Theater Games for Rehearsal: A Director's Handbook, with the intention to observe how this publication can contribute to the teacher who works with groups of formal school pupils. In a study that investigated the use of this book of Spolin with a group of teenagers in a public school in the city of So Paulo, it was possible to discuss the options presented to theater game utilization within the school environment, in view of the mounting process of a scene that used the games in all structure.

    KEYWORDS: Education Theatre game Theatre Pedagogy of the theatre

    O presente artigo pretende discutir o papel ocupado pelo sistema de jogos teatrais proposto por Viola Spolin, analisando de maneira detalhada o livro O Jogo Teatral no livro do diretor2, com a inteno de observar como esta publicao pode contribuir para o professor que trabalha com grupos de alunos da escola formal.

    * Este texto se baseia em minha pesquisa de mestrado, disponvel em FARIA, Alessandra Ancona de. Contar Histrias com o jogo teatral. 2002. Dissertao. (Mestrado em Teatro Educao) Escola de Comunicao e Artes. Universidade de So Paulo USP, So Paulo, 2002.

    ** Doutora em Educao pela PUC-SP, professora da Universidade Paulista. 1 SPOLIN, Viola. O jogo teatral no livro do diretor. So Paulo: Perspectiva, 1999.

    2 Ibid.

  • Fnix Revista de Histria e Estudos Culturais Janeiro/ Fevereiro/ Maro / Abril de 2010 Vol. 7 Ano VII n 1

    ISSN: 1807-6971 Disponvel em: www.revistafenix.pro.br

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    Viola Spolin inicia suas publicaes sobre o trabalho teatral com Improvisao para o teatro3 que, assim como toda sua proposta de jogos teatrais, est baseado na prtica, no fazer teatral e no aprendizado que se pode obter com esta vivncia.

    Dividido em quatro sesses, O Jogo Teatral no livro do diretor4 apresenta uma enorme variedade de jogos teatrais, alm de fundamentar sua proposta e apontar especificidades do trabalho com crianas. Expe os princpios bsicos do sistema de jogos teatrais, propondo atravs dos jogos uma forma pela qual podemos ensinar teatro.

    A publicao de Improvisao para o Teatro5 , no Brasil, possibilitou a divulgao deste sistema, assim como uma ampla discusso sobre o ensino de teatro. Spolin apresenta um sistema de jogos teatrais no qual, por meio de jogos de regras que do uma estrutura para a improvisao, o ator/jogador passa a ser o sujeito de sua educao. A apropriao deste sistema pode ser evidenciada na prtica de diversos pesquisadores que descrevem a riqueza que esta proposta apresentou para o ensino de teatro.

    A publicao de O Jogo teatral no livro do diretor6 possibilitou uma abertura para a discusso da utilizao do sistema de jogos teatrais para ensaios.

    Ao pensarmos na enorme defasagem de formao dos professores quanto possibilidade de trabalhar a linguagem teatral dentro das escolas, fundamental a existncia de bibliografias que possam suprir esta lacuna. Evidentemente, a consulta ou estudo terico de uma proposta de ensino de teatro no suprir as dificuldades apresentadas, j que para um bom entendimento do jogo, necessrio jogar. Entretanto, dadas as circunstncias de boa parte das escolas e de seus professores, nem sempre ser possvel participar de um curso que d continuidade formao dos professores. Neste caso, muito importante contar com um texto que apresente de forma clara suas propostas.7

    3 SPOLIN, Viola. Improvisao para o teatro. So Paulo: Perspectiva, 1987.

    4 Id. O jogo teatral no livro do diretor. So Paulo: Perspectiva, 1999.

    5 SPOLIN, 1987, op. cit.

    6 SPOLIN, 1999, op.cit.

    7 Ressalto a importncia de que o professor tenha contato no apenas com os livros que orientam a

    prtica do jogo teatral, mas tambm que fundamentem sua proposio. Para tal, alm dos demais livros de Spolin, podem ser consultados outros autores que trabalham na rea.

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    O livro de Spolin apresenta uma seqncia de passos a serem tomados no decorrer do processo de montagem de uma pea teatral, estabelecendo possibilidades de jogos teatrais para cada um dos momentos de uma montagem, dividindo este processo em etapas com determinadas caractersticas e dificuldades que podero ser trabalhadas com o uso de jogos teatrais.

    Em cada jogo temos, alm da descrio do mesmo, o objetivo, o foco, as instrues a serem dadas, a avaliao e as notas.

    A descrio diz ao diretor como organizar o jogo, onde posicionar os jogadores, quando comear a fornecer instrues tcnicas, quando deter o jogo etc.8 Esta forma de apresentar os jogos d ao leitor um bom entendimento de como o mesmo poder ser apresentado e conduzido pelo coordenador9.

    O objetivo define o principal resultado que um diretor espera obter de cada jogo. Ser com a consulta dos objetivos dos jogos que os diretores podero resolver problemas especficos que possam surgir.

    O foco entendido como a direo que a ateno do ator/jogador deve tomar. O foco garante o envolvimento de todos os participantes em cada momento durante o processo do jogo. A existncia de um foco com o qual os jogadores e o coordenador trabalharo no decorrer do jogo, cria para os participantes um ponto de vista e uma objetivao do que devem fazer em cena. Este direcionamento que o foco estabelece d a liberdade de criao necessria ao jogador, j que ele voltar sua ateno para um aspecto previamente definido.

    A objetivao do problema a ser solucionado, atravs do foco, abre um espao de relao com o outro que possibilita a quebra de respostas estereotipadas, de comportamentos na relao de grupo baseados no costume, na conveno estabelecida pelo prprio grupo; j que o jogo apresenta desafios nos quais o jogador necessita estabelecer contato com o ambiente para que encontre as diferentes formas de solucion-lo.

    8 Todos os trechos citados sem a referncia no rodap foram retirados de SPOLIN, Viola. O jogo

    teatral no livro do diretor. So Paulo: Perspectiva, 1999. 9 O papel do diretor e do coordenador dos jogos assumido pela mesma pessoa, j que a proposta de

    Spolin de que o processo de ensaios seja realizado com a utilizao dos jogos.

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    O foco aponta para o jogador qual aspecto ele ter de estar atento, priorizando o problema estabelecido pelo coordenador na proposio do jogo. Esse direcionamento possibilita a improvisao, sem que o jogador perca seu referencial no processo.

    As instrues so as informaes que sero dadas pelo diretor aos atores/jogadores enquanto o jogo est sendo jogado. o elo entre diretor/instrutor e os atores/jogadores.

    A avaliao consiste em questes seja para os atores/jogadores seja para os observadores. A avaliao revela o que foi percebido, aprendido e/ou realizado no curso do jogo.10 A avaliao feita por todos os participantes, porm, com a orientao do coordenador.

    Ao avaliar o jogo realizado necessrio que o coordenador tenha muita clareza dos objetivos. A avaliao deve ser entendida como um momento de questionamento sobre o jogo que foi realizado, observando-se se o grupo manteve o foco presente.

    As notas, presentes na apresentao de cada jogo proposto por Spolin, so observaes que levam a uma melhor compreenso, apontando quais dificuldades podem surgir no jogo e como resolve-las, que oportunidades devem ser procuradas, que outros jogos se relacionam a este etc.

    Embora exista uma breve definio de cada um destes itens na apresentao inicial da estrutura do jogo, alguns sero retomados no primeiro captulo de O jogo teatral no livro do diretor11, quando a autora expe vrios conceitos que norteiam o trabalho.12

    A apresentao visual do jogo presente no livro possibilita que cada um dos itens mencionados seja imediatamente identificado, agilizando a utilizao dos mesmos.

    Na apresentao do livro, feita por Koudela, o sistema de jogos teatrais foi contextualizado no espao educacional.

    No contexto da educao, vrios autores contriburam para uma fundamentao terica do mtodo de Jogos Teatrais e demonstraram a importncia de sua aplicao com crianas e adolescentes. Significativa neste debate a importncia atribuda ao teatro no processo educacional, como um meio para a educao esttica. Os Jogos Teatrais so muitas vezes relacionados com uma forma de

    10 SPOLIN, Viola. O jogo teatral no livro do diretor. So Paulo: Perspectiva, 1999.

    11 Ibid.

    12 Uma definio mais detalhada de conceitos tambm pode ser encontrada em SPOLIN, Viola.

    Improvisao para o teatro. So Paulo: Perspectiva, 1987.

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    aprendizagem cognitiva, afetiva e psicomotora embasada no modelo piagetiano para o desenvolvimento intelectual.13

    Spolin apresenta tambm as regras como um processo de interao do grupo que, atravs do envolvimento estabelecido, ir possibilitar a liberdade pessoal para os jogadores, expondo a viso do teatro como realidade cnica apresentado no sistema de jogos teatrais.

    O livro est organizado em sete captulos, sendo que do segundo ao sexto captulos a autora apresenta os diferentes momentos para a montagem de uma pea de teatro, tendo como base os jogos teatrais. Sigo nesta anlise a ordem proposta por Spolin, pois entendi que a melhor maneira de observar a pertinncia deste livro como um material enriquecedor para a prtica pedaggica do professor de teatro, seria mantendo a proposio apresentada pela autora.

    O livro ser analisado, estabelecendo um paralelo com as situaes vivenciadas por um grupo de teatro, denominado P Sujo, em experimento proposto por mim como parte de minha pesquisa de mestrado.14

    PREPARAO

    No primeiro captulo intitulado Preparao, Viola Spolin apresenta diversos aspectos do fazer teatral e do sistema de jogos teatrais, definindo papis e funes dentro do processo de montagem. Os conceitos so apresentados sob forma de tpicos. O primeiro conceito explorado ser o de presena.

    Atuar requer presena. Aqui e agora. Jogar produz esse estado. Da mesma forma que os esportistas esto presentes no jogo, assim tambm devem estar todos os membros do teatro no momento de atuar. [...] A presena chega atravs do intuitivo. No podemos aproximar a intuio at que estejamos livres de opinies, atitudes, preconceitos e julgamentos. O prprio ato de procurar o momento, de estar aberto aos parceiros de jogo, produz uma fora de vida, um fluxo, uma regenerao para todos os participantes.15

    A presena fundamental atuao e poder ser atingida atravs do jogo, desde que o jogador consiga distanciar-se da expectativa mental sobre o que est

    13 SPOLIN, Viola. O jogo teatral no livro do diretor. So Paulo: Perspectiva, 1999, p. 12.

    14 FARIA, Alessandra Ancona de. Contar Histrias com o jogo teatral. 2002. Dissertao. (Mestrado

    em Teatro Educao) Escola de Comunicao e Artes. Universidade de So Paulo USP, So Paulo, 2002.

    15 SPOLIN, Viola. O jogo teatral no livro do diretor. So Paulo: Perspectiva, 1999, p. 17.

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    fazendo e se coloque no jogo. Ela indica que este caminho ser alcanado atravs do fsico, possibilitando que o jogador se coloque no momento presente, deixando de estar na memria. Estar no presente o que possibilitar o acontecimento do novo, do inesperado.

    Os jogadores que se perdem no personagem, nas emoes e nas atitudes e ficam preocupados com como estou me saindo? esto confinados em suas prprias cabeas: fragmentados, isolados, solitrios e perdidos. Eles vivem na memria (no no presente).16

    O diretor algum que participa do grupo, que dever ter a sensibilidade para compreender as necessidades apresentadas por ele e propor a partir da. Existe uma postura clara de parceria, seja do diretor para com os atores, seja dos atores para com a platia, o que se dar atravs do reconhecimento do compartilhar, outro conceito presente no decorrer do trabalho. O uso de terminologias que exploram o conceito de compartilhar ao invs de terminologias convencionais de palco, evidencia esta postura de parceria.

    Ao pensarmos no papel do professor de teatro dentro da perspectiva proposta por Spolin para o diretor, observamos a necessidade de que o mesmo se coloque dentro desta possibilidade de relao e percepo do grupo com o qual trabalha. Esta possibilidade se abrir desde que o professor se predisponha para tanto e crie condies para isso. Se no quisermos estabelecer uma relao autoritria para com o trabalho, ser necessrio que o professor busque formas de manter esta qualidade de observador e propositor, em uma relao de dilogo com o grupo.

    Koudela esclarece o papel do coordenador na relao com os participantes: tarefa do coordenador desvendar crises e desmascarar solues esquemticas, costumeiras, convencionais. A confiana que os participantes depositam no coordenador advm da sua capacidade de decifrar aquilo que no soluo, contribuindo com perguntas, dvidas, multiplicidade de pontos de vista, comparaes, lembranas, experincias17.

    Quanto aos objetivos do diretor, Spolin aborda a importncia de que este tenha familiaridade com os jogos que ir propor para que a pea emerja do prprio jogo.

    16 SPOLIN, Viola. O jogo teatral no livro do diretor. So Paulo: Perspectiva, 1999, p. 18.

    17 KOUDELA, Ingrid Dormien. Texto e Jogo: uma didtica brechtiana. So Paulo: Perspectiva, 1996, p.

    115.

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    Enfoca tambm a necessidade do diretor no utilizar o trabalho como um espao de realizao de sonhos pessoais.

    Entendo ser esta uma das principais dificuldades encontradas pelos professores ao trabalhar uma montagem. A situao escolar mantm uma hierarquia que prope o professor como detentor do saber e pessoa que far as escolhas pelo grupo de alunos com o qual trabalha. Esta caracterstica dificulta muito a alterao do professor desta posio de planejador, para a de organizador do trabalho coletivo. A dificuldade que os alunos encontram para entrar no jogo, permitindo-se estar no tempo presente, na relao com o outro, entendo que ainda maior para o professor que define um objetivo para o trabalho e, junto com ele, uma imagem do que ser a pea quando montada. Depois desta imagem estabelecida, difcil que o professor se desprenda dela.

    Para a escolha do elenco a autora levanta aspectos a serem observados, ressaltando a importncia de que os atores selecionados sejam pessoas com condies para realizar o trabalho dentro do tempo previsto. Ela aponta a utilizao da improvisao associada ao teste como uma forma de trabalho bem sucedido. Nas diferentes maneiras que o diretor poder optar, ele dever sempre ocultar as prprias ansiedades e evitar caracterizaes muito detalhadas que levem imitao das mesmas.

    Uma das qualidades exigidas do diretor, neste momento, o insight para que ele possa perceber as caractersticas indefinveis, porm sensveis.

    Na maior parte das escolas, o grupo de alunos com o qual o professor ir trabalhar j est previamente definido, no ocorrendo nenhuma escolha de elenco. Entretanto, a seleo apontada por Spolin, atravs dos jogos teatrais uma maneira interessante para as situaes nas quais o professor far algum tipo de escolha. Tambm podemos entender estas proposies como uma forma do professor fazer uma avaliao prvia do grupo para uma melhor estruturao de seu curso, j tendo em conta as caractersticas dos integrantes.

    Spolin apresenta a importncia do diretor ser algum que d energia para o grupo, inspirando-os para atuar, atravs do foco e das instrues. Prope a no realizao de ensaios quando o diretor est sem energia, cansado ou entediado, substituindo a atividade por um jogo tradicional ou por uma leitura de mesa encaminhada pelo assistente.

    Dentro da situao escolar curricular, quase nunca o professor ter um assistente a quem solicite o acompanhamento dos trabalhos em momentos de cansao.

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    Entretanto, embora a situao seja bastante diferenciada das caractersticas sugeridas, importantssimo que o professor d ouvidos a esta recomendao e no trabalhe de forma a ser um desestmulo ao processo e ao grupo. As solues possveis no sero as mesmas apontadas por Spolin, porm se mantm o fundamento, adequando-se nossa realidade profissional.

    Quanto escolha da pea, so apontados alguns aspectos ao definir qual pea ser montada, tais como: para quem se dirige, se um texto adequado ao grupo que ir trabalhar, se ser possvel mont-la, se um texto que ir possibilitar uma experincia criativa, etc. No feita nenhuma meno a textos que no sejam teatrais.

    O diretor deve deixar que o tema aparea, evitando que a ansiedade em encontr-lo faa que um tema qualquer se imponha ao trabalho, fechando caminhos possveis. O tema o fio que costura e tece cada pulsao da pea ou da cena. Ele se entrelaa e se mostra no mais simples gesto do ator e nos ltimos detalhes do figurino.18

    As tcnicas teatrais so propostas aqui dentro da perspectiva da necessidade, isto , ao identificar quais as necessidades do ator, se buscar uma tcnica que v de encontro s mesmas, deixando claro para o ator as muitas maneiras possveis de fazer e dizer algo.

    O diretor ajuda os atores a encontrar e manter o foco, o qual coloca o jogo em movimento, e todos se tornam parceiros de jogo na medida em que prestam ateno aos mesmos problemas a partir de diferentes pontos de vista. Dessa forma, atravs do foco entre todos, dignidade e privacidade so mantidas e a parceria verdadeira pode surgir. Confie no foco! Deixe-o trabalhar para voc.19

    A definio de foco est apresentada no livro, de acordo com sua funo no jogo teatral, deixando clara a importncia do mesmo para que os jogadores possam encontrar a espontaneidade e a cumplicidade com os demais. A espontaneidade desejada e temida pelos atores, j que provoca desequilbrio, pois estaro entrando em contato com formas desconhecidas de agir.

    A possibilidade de nos aproximarmos da espontaneidade se dar desde que sejam criadas condies para que os jogadores tenham tranqilidade suficiente para o

    18 SPOLIN, Viola. O jogo teatral no livro do diretor. So Paulo: Perspectiva, 1999, p. 29.

    19 Ibid., p. 22.

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    questionamento de suas estruturas definidas de ao. A clareza de proposio que o foco traz, possibilita um equilbrio para o jogador que est se lanando neste universo novo.

    importantssimo que a avaliao do trabalho se distancie da perspectiva de aprovao/desaprovao, o que ser conquistado quando avaliamos o que foi feito, se o foco foi mantido e o problema solucionado. Esta maneira de avaliar far com que o diretor assuma a posio de guia do grupo.

    A instruo busca orientar o jogador, mantendo o contato entre jogadores e diretor, sendo um gerador do processo de jogos teatrais.

    A instruo deve ser livre do tom autoritrio. Ela no diretiva. uma instigao, provocao, estmulo atravs dos quais o instrutor-diretor catalisa a energia do jogo. Para dar instrues, utilize um comando simples e direto: Compartilhe o quadro de cena! Veja os botes da camisa de Joo! Compartilhe a sua voz com a platia! Contato! Veja com seus ps! No conte uma histria! Ajude o seu parceiro que no est jogando!20

    Nas instrues para atuar a autora define Deixa de Texto e Deixa de Ao, mostrando a possibilidade de que ambas estejam colocadas no texto que o ator receber, porm sem indicaes por parte do diretor sobre a forma como o ator dever agir antes do segundo perodo de ensaio, quando j ter explorado diversas solues para as cenas.

    No primeiro captulo a autora trabalhou com os Eixos de Aprendizagem do sistema de jogos teatrais, definindo o foco, a instruo e a avaliao quanto ao papel que ocupam no apenas no jogo teatral, mas tambm no processo de montagem de uma pea de teatro. As regras esto presentes na apresentao dos jogos.

    Em todos os conceitos so apresentadas maneiras como o diretor dever agir para o encaminhamento do trabalho, que postura adotar na relao com o grupo e nas escolhas necessrias para o encaminhamento dos ensaios.

    Nos captulos seguintes ser proposta a diviso dos ensaios em trs perodos. sugerido que se considere o tempo do relgio e da energia para a organizao dos ensaios, tentando manter todos os atores ocupados todo o tempo e uma atmosfera relaxada.

    20 SPOLIN, Viola. O jogo teatral no livro do diretor. So Paulo: Perspectiva, 1999, p. 25.

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    OFICINAS

    No segundo captulo, intitulado Oficinas, so propostos jogos para acontecerem no decorrer dos ensaios, antes e durante, conforme as necessidades que o grupo apresente. Os jogos iro trabalhar com o conceito de olhar. A idia de olhar, aqui colocada, inclui uma postura do ator/jogador de entrar em relao com os demais jogadores. Neste sentido o olhar significa realmente ver o que olhamos, entrar em contato com o que olhamos.

    Partindo da idia do olhar como uma forma de estabelecer contato, entendi este momento definido por Spolin como Oficinas como o perodo no qual o grupo de alunos estabelecer um relacionamento suficiente para se reconhecer como tal, alm de conhecer diversos conceitos apresentados nos jogos.

    No decorrer dos encontros realizados com o grupo de alunos, pudemos explorar atravs dos jogos a necessidade dos jogadores entrarem em contato com os seus parceiros para que o jogo acontecesse. No nosso quarto encontro pedi que os alunos escrevessem algumas palavras-sntese referentes ao encontro anterior. Um dos participantes escolheu a palavra solido, o que gerou um questionamento por parte dos demais integrantes.

    Na explicao sobre a escolha, o aluno disse que em alguns momentos ele ficava viajando, pensando em coisas s dele e dessa forma se sentia sozinho. Este posicionamento possibilitou a discusso do grupo de que o trabalho teatral um trabalho de relao, que enquanto jogamos, estamos atentos aos parceiros, estamos juntos.

    O PRIMEIRO PERODO DE ENSAIO

    No terceiro captulo, intitulado O Primeiro Perodo de Ensaio so apresentadas vrias maneiras pelas quais o diretor poder iniciar o trabalho de ensaios e a aproximao com o texto.

    A primeira questo levantada a importncia em se acreditar no elenco com o qual se trabalhar. No decorrer de todo o captulo so apresentados jogos que buscam a relao do grupo, seja entre os participantes, seja com a platia ou com o texto. Alm dos jogos para ensaio, os aquecimentos so apontados como um importante momento

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    para que o grupo elimine diferenas e trabalhe conjuntamente, possibilitando que cada integrante faa parte do todo.

    O primeiro perodo de ensaio o momento no qual o grupo entrar em contato com o texto. Para este contato inicial, Spolin prope diversos jogos que possibilitam uma relao com o texto que seja de ruptura na forma tradicional de leitura. Os jogos possibilitaro variedade na fala e, com isso, uma amplitude de significados atribudos ao texto.

    No trabalho realizado com o grupo P Sujo, depois desse primeiro perodo de explorao do texto no qual trabalhamos a apropriao da narrativa, explorando diferentes leituras possveis para a mesma, exploramos o Onde, o Quem e o O Que, retomando jogos que j haviam sido feitos no perodo entendido como Oficinas.

    Neste momento, aps a explorao da estrutura do jogo relacionada ao texto, pude notar que o domnio da narrativa j era bem grande, sendo possvel desmembr-la e escolher o ponto de vista a ser enfocado. No depoimento da Mariana 21 pode-se observar a relao estabelecida entre a idia de personagem e a explorao dos mesmos atravs dos jogos: Bom, nessa aula descobri que se mudarmos alguma coisa em ns, a voz, o jeito de andar, qualquer coisa que no seja caracterstica nossa estaremos colocando vida no personagem, deixando-o mais completo como tem que ser.

    A compreenso dos conceitos da estrutura dos jogos se evidencia nas respostas dadas pelo Daniel pergunta O que onde, quem e o que no jogo teatral? Nos jogos teatrais o onde o lugar tanto fora como dentro do ambiente em que estamos, o quem somos ns representando algo que seria o que.

    Trabalhamos alguns jogos sugeridos por Spolin para o momento de Afinaes, pois me pareceu necessria a antecipao destes para o momento definido por primeiro perodo de ensaio. O jogo Sombra22 deixou evidente que a diferena corporal entre os jogadores no um impedimento para que a sombra ocorra, sendo fundamental que os dois estejam com o foco presente, mostrou a possibilidade da semelhana mesmo quando a aparncia fsica to diferente.

    A percepo da possibilidade de semelhanas entre os jogadores, mesmo quando o fsico de cada um to diferente, vem de encontro a viso de que o

    21 Mariana foi uma das participantes do grupo P Sujo, assim como Daniel, citado a seguir.

    22 Neste jogo o grupo dividido em dois times, um dever fazer sombra ao outro.

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    personagem no precisa ser realizado pelo ator que mais se assemelhe a ele em suas caractersticas fsicas, conforme esclarece Pupo:

    Essa flexibilidade na relao entre o nmero de jogadores e o nmero de personagens constitui uma riqueza fundamental no processo de desenvolvimento da capacidade de jogo. Aquela viso tradicional de um tipo de teatro, segundo a qual cada papel deve ser preenchido por um ator cujas caractersticas fsicas de preferncia correspondam o mais possvel s do personagem, assim profundamente questionada. Ela passa a ser considerada como apenas uma entre as mltiplas possibilidades de representao.23

    Na retomada dos jogos ficou muito clara a importncia dada instruo e avaliao dentro de todo o processo. O grupo comentou o quanto eu orientava o desenvolvimento dos jogos na apresentao da proposta e atravs dos comentrios feitos no seu decorrer. A avaliao no foi vista como um julgamento do trabalho que tivesse parmetros de certo e errado, mas sim como uma forma de refletirmos sobre o ocorrido e sobre a manuteno do foco. Esclarecemos o conceito de foco atravs da retomada da maneira como os jogos foram apresentados e das orientaes no decorrer dos mesmos.

    Para a construo do cenrio da montagem feita pelo grupo, sugeri a utilizao de cubos associada a um objeto que simbolizasse o espao da cena e essa sugesto foi imediatamente aceita pelo grupo. A minha impresso de que esta sugesto veio de encontro s expectativas que o grupo tinha. Acredito que o repertrio esttico dos alunos muito pequeno, fazendo com que eles no descubram possibilidades que possam traduzir as suas idias.

    Essa situao me faz pensar que o professor quem traz elementos e seleciona

    que concepo esttica o trabalho ter. As relaes do que trabalhamos com o cotidiano do aluno so permanentemente exploradas pelo grupo de alunos, assim como as solues de cena, porm no momento da traduo destas solues para o cenrio, figurino, sonoplastia e iluminao do espetculo se faz necessria a interveno do professor.

    Embora Spolin entenda o primeiro perodo de ensaio como o momento que vai desde o contato inicial com o texto, at a definio de todas as cenas, com as marcaes pertinentes, entendi que ao chegarmos definio do texto dramatrgico, aps a

    23 PUPO, Maria Lcia de Souza Barros. Palavras em Jogo: Textos literrios e teatro educao. Tese.

    (Livre docncia) Escola de Comunicao e Artes (ECA), Universidade de So Paulo (USP), So Paulo, 1997, p. 94.

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    explorao dos jogos associados cena, entravamos no momento definido como o segundo perodo de ensaio. A explorao das cenas atravs dos jogos vai de encontro proposio de Spolin quando ela diz que o diretor dever estar atento para que as propostas e as marcaes de cena no sejam amarras impostas aos atores.

    SEGUNDO PERODO DE ENSAIO

    Em O Segundo Perodo de Ensaio, quarto captulo do livro, entraremos no perodo de escavao da montagem. Spolin entende que, quando chegamos a este ponto, a pea estar toda marcada, os atores j sabero suas falas e os papis estaro claros.

    No experimento realizado com o grupo P Sujo aps a leitura da adaptao proposta por mim para o grupo, definimos quais jogadores/atores fariam quais personagens. Esta escolha foi feita levando-se em conta a experimentao do texto atravs dos jogos. No desenrolar do trabalho cada aluno se identificou mais com um dos personagens e escolheu o que mais tinha vontade de fazer.

    Apesar desta experimentao ter possibilitado diversas solues para os personagens, ainda tivemos uma escolha consideravelmente pautada em aspectos fsicos, especificamente para os personagens do rei e da princesa. A referncia da princesa como algum frgil e delicada e do rei como gordo e bonacho se fez presente no momento da escolha, assim como durante todo o processo de experimentao dos jogos.

    Mesmo no existindo de minha parte nenhum posicionamento que levasse a uma escolha pautada neste referencial, todos os alunos escolheram para fazer a princesa, a aluna que mais se aproximava com este perfil fsico; e para o rei, o aluno que tinha

    esse tipo, logo ao entrar em contato com a histria, declarou que gostaria de fazer este personagem.

    Os trabalhos propostos para o segundo perodo de ensaio tiveram o objetivo de trabalhar cada uma das cenas, de tal forma que todas elas tivessem seu comeo e fim definidos e que cada uma contribusse para a construo da pea.

    Spolin considera que os textos trabalhados so, de maneira geral, peas de teatro que tenham uma estrutura dramtica tradicional. Em diferentes momentos do livro observamos que o enfoque dado ao texto tem em conta que os textos trabalhados

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    sero peas teatrais, no considerando a possibilidade de serem outras as formas literrias (tampouco excluindo). No trabalha tambm com a possibilidade de um texto que seja construdo pelos participantes do processo no decorrer dos ensaios. No existe nada que impea tal opo, porm parte do pressuposto de que o texto a ser ensaiado uma pea de teatro, previamente escolhida pelo diretor.

    Na minha experincia como professora observo que nem sempre desta forma que a escolha feita. Muitas vezes so trabalhados textos escolhidos coletivamente, sendo que algumas das vezes esta escolha se deve a interesses da escola como um todo, seja por um tema em pauta ou por algum projeto no qual o grupo est inserido.

    Defrontamo-nos tambm com outro aspecto, que o nmero de participantes, de maneira geral muito superior ao nmero de personagens das peas, o que nos obriga a fazer adaptaes do original para que todos os alunos possam atuar.

    O contato com o texto dramtico formalizado, embora tenha sido precedido de diversos momentos de jogos e de um domnio j significativo da histria, ainda foi um elemento muito limitador e intimidador. No primeiro contado do grupo com o texto, tendo as cenas escritas, ficou evidente o quanto a definio das falas pode ser um fator que imobiliza os jogadores para a manuteno do jogo nas cenas.

    Entretanto, aps a reflexo individual para a definio de quais jogos poderiam ser utilizados em quais cenas, o texto deixou de ser um limitador e o jogo se fez presente novamente.

    Este momento evidenciou o quanto o jogo estava incorporado ao processo de trabalho e perspectiva da montagem. Parecia claro para o grupo que as cenas fossem construdas a partir dos jogos e no com uma definio prvia de minha parte, como diretora, para as aes que deveriam ser realizadas.

    No captulo O segundo perodo de ensaio, Spolin tambm ressalta a importncia de serem feitos ensaios corridos. Nos ensaio corridos realizados com o grupo P Sujo pudemos passar toda a pea e verificar como estava a seqncia e a relao entre as cenas. Embora no tenha sido possvel nos determos em cada cena, pudemos observar a relao entre todas e tambm a maneira como o espao foi ocupado, definindo uma unidade para toda a pea. Foi a primeira vez que tambm trabalhamos sem os textos. Os alunos falavam o que j tinham memorizado e quando a cena emperrava, algum de fora dizia a fala para que ela pudesse continuar.

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    Dentro do possvel, todos os elementos que compunham a apresentao foram incorporados ao processo de montagem, no sendo, apenas quando os recursos nos impediram.

    Neste captulo a autora retoma a idia de que o diretor e os atores caminham conjuntamente, no estando em disputa. Esta construo conjunta do trabalho fortemente possibilitada pelo jogo. Gama discute esta forma de relao em sua pesquisa sobre o ensino de teatro:

    Atravs dos jogos teatrais, cada grupo incentivado a construir o seu processo, encontrar as suas sadas e solues. Desta forma, o ensino de teatro desvincula-se da reproduo de tcnicas, que muitas vezes so descobertas de outros, de um sistema de direo autoritria que no contempla o processo de criao do grupo.24

    tambm neste captulo que Spolin ressalta a importncia de ocorrerem vrias apresentaes, o que se diferencia do processo vivido pela maioria das escolas. Muitas vezes as apresentaes so programadas para ocorrerem apenas uma vez, entretanto acredito que esta caracterstica se deve crena de que a apresentao no faz parte do processo de trabalho. Ao entendermos que boa parte da construo do trabalho se dar com a presena da platia, poderemos organizar o calendrio escolar de tal forma que possibilite mais do que um momento para a apresentao.

    AFINAES

    No quinto captulo, Afinaes, so propostos jogos que possam solucionar os problemas que surgiram no decorrer dos ensaios. A autora apresenta alguns aspectos da montagem que podero ser trabalhados atravs dos jogos sugeridos.

    A memorizao um problema permanente. Fica clara a necessidade de que as falas sejam memorizadas pelo processo de jogo e no no trabalho individual do ator, descontextualizado das cenas e das relaes estabelecidas com os demais jogadores.

    O contato outro aspecto fundamental para o trabalho. Embora este conceito j tenha sido apresentado anteriormente, assim como jogos para o seu desenvolvimento,

    24 GAMA, Joaquim C. M. Produto Teatral: A Velha-nova Histria Experimento com alunos do

    ensino mdio. 2000. Dissertao (Mestrado em Artes) Escola de Comunicao e Artes (ECA),Universidade de So Paulo (USP), So Paulo, 2000, p. 41.

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    aqui retomado, com novas propostas de jogos e com o entendimento do papel da platia como parte integrante da relao.

    Neste momento do trabalho, a existncia da platia (no apenas a formada pelo prprio grupo, mas a que existir com a apresentao) se faz muito mais evidente. Dessa forma, o contato ocorre no apenas entre os atores/jogadores, mas tambm com a platia.

    O silncio tambm enfocado como parte do trabalho, como um espao dentro do qual os movimentos acontecem e que deve ser percebido pelo ator para que se aproprie dele.

    Talvez a principal dificuldade do grupo tenha sido em deixar o silncio como parte das cenas, principalmente quando o silncio se devia a momentos de tristeza dos personagens. Fisicalizar algumas das emoes era especialmente difcil e a tristeza foi uma delas. Foi pela realizao de jogos que trabalhavam diretamente estas emoes que conseguimos nos aproximar delas.

    O TERCEIRO PERODO DE ENSAIO

    No sexto captulo, O Terceiro Perodo de Ensaio, quando ser dado o polimento para a pea. Deve-se tomar cuidado para que o trabalho no crie bolor, no seja tomado por desnimo e repetio desvitalizada. So apontados aspectos aos quais o diretor dever estar atento para que isto no ocorra.

    Apesar do meu cuidado em propor jogos que tentassem evitar a mecanizao das cenas, ela ocorreu em diversos momentos e foi a manuteno dos jogos que pode romper esta postura de domnio prvio e ruptura de relao, de presena.

    Spolin aponta aqui a necessidade de que o diretor no demonstre para o grupo os seus medos com relao apresentao e que adeqe suas expectativas s do grupo com o qual est trabalhando.

    Considero este aspecto muito importante, como a perspectiva que o professor dever ter quando se dispuser a montar uma pea de teatro com grupos de alunos. O professor dever trabalhar a prpria expectativa, tendo claro que no tem pela frente um grupo de profissionais e, portanto, no poder exigir do grupo uma atuao a esse nvel. Cada faixa etria com a qual estiver trabalhando tem suas especificidades e possibilidades, e o professor s poder ficar satisfeito com o trabalho realizado quando levar em conta estas caractersticas.

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    Alm de lidar com as prprias ansiedades e expectativas, o professor tambm ter que lidar com as do grupo de alunos, que j tero padres de atuao e que, para obter a satisfao com a pea apresentada, devero questionar estes padres, podendo escolher e valorizar a forma teatral resultante do processo de trabalho do grupo.

    Nesse captulo tambm so propostas maneiras pelas quais o diretor dever trabalhar com os elementos de figurino e maquiagem, fazendo com que ambos sejam incorporados ao processo, no deixando que sejam incorporados somente no momento da apresentao.

    Quando, na situao escolar, so o professor e o grupo de alunos que assumem a responsabilidade de trabalhar todos os aspectos tcnicos da montagem, por falta de uma equipe de apoio, observamos caractersticas muito diferentes na montagem de uma pea. Surgiro impedimentos para a continuidade dos ensaios, que tero que ser interrompidos e cancelados para que o grupo realize as atividades necessrias para confeco de cenrio, figurino, sonoplastia, iluminao e maquiagem. Porm, embora exista o risco de se perder a fluncia que os ensaios possibilitam, se contarmos com o envolvimento do grupo para a realizao deste trabalho, ele estar incorporado montagem.

    Spolin entende que, no momento da apresentao, o grupo deve estar independente do diretor, sabendo se organizar sem que o mesmo fique nos bastidores. Os ensaios corridos so sugeridos como forma de cortar o cordo umbilical e promover a autonomia do grupo.

    JOGOS PARA CONTINUAO DOS ENSAIOS

    No ltimo captulo, Jogos para Continuao dos Ensaios, so apontados diversos jogos para serem realizados no decorrer dos ensaios, ressaltando-se a importncia de que em todos os ensaios algum jogo teatral ocorra.

    O personagem aqui explorado por meio de muitos jogos, desde que se tenha clara a maturidade do ator para os mesmos. A construo do personagem dever ocorrer atravs do jogo, nas relaes estabelecidas entre os atores para que no se torne uma construo mental.

    Retoma-se a importncia do jogo tradicional com os quais o diretor poder contar nos momentos que se faa necessrio. So apresentados diversos jogos que

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    trabalham os aspectos apontados, como podemos observar na lista dos jogos de cada um dos captulos.

    Teremos ainda no livro um glossrio e frases para instruo, no qual so elencados trinta grupos de frases que podem ser utilizadas em grande parte dos jogos com uma explicao sobre a sua funo.

    Na proposta de Viola Spolin, observamos um formato de manual no qual o diretor teatral poder se basear para a utilizao dos jogos teatrais na montagem de um espetculo. Ao organizar o livro com uma diviso de passos que o diretor dever tomar para chegar montagem de uma pea de teatro, a autora exemplifica uma forma pela qual o diretor poder se apropriar dos jogos j propostos anteriormente em Improvisao para o Teatro 25.

    As escolhas feitas por Spolin, dentro do livro, definem sua viso sobre o que deve e o que no deve ser valorizado pelo diretor teatral e quais posturas ele dever tomar na montagem de uma pea.

    Sendo um livro destinado ao diretor teatral, levantamos um dos aspectos que a autora prope, que de uma relao no autoritria para com o grupo que dirige. Esta questo se faz presente em toda a construo do trabalho proposto no sistema de jogos teatrais. Na proposio dos jogos temos uma estrutura definida pelas regras que faz com que no exista um juiz dos mesmos. Todo o grupo de jogadores tem condies de acompanhar a adequao de cada integrante do jogo, j que as regras so de domnio comum.

    A avaliao, pautada no foco, tambm demonstra esta mesma postura no autoritria por parte do diretor, j que estar baseada na observao do que ocorreu no jogo, se o foco foi mantido e as regras respeitadas, no ficando como referncia o bom ou o mau desempenho.

    Spolin em Improvisao para o Teatro26 apresenta conceitos e jogos que podem ser utilizados em uma montagem, porm, o livro ora analisado tem a qualidade de orientar o diretor na seleo dos jogos e na postura a ser tomada no processo de montagem.

    25 SPOLIN, Viola. Improvisao para o teatro. So Paulo: Perspectiva, 1987.

    26 Ibid.

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    um livro que possibilita o estabelecimento de relaes entre os jogos e os vrios momentos de uma montagem, clarificando os passos deste caminho e abrindo possibilidades de resgate de outros jogos propostos nos demais livros da autora.