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| ARKEOS 41 |

O CASTELO VELHO DO CARATÃO E A PROTO‑HISTÓRIA DE MAÇÃO

Sete décadas de investigação e socialização do conhecimento. Homenagem a João Calado Rodrigues.

Editores: Davide Delfino, Luiz Oosterbeek, Sara Garcês

FICHA TÉCNICA

ARKEOS | perspectivas em diálogo, nº 41Propriedade: ITM ­ Instituto Terra e MemóriaDireção: Luiz OosterbeekEditores deste volume: Davide Delfino, Luiz Oosterbeek, Sara Garcês © 2017, ITM e autoresComposição: ITM & Sara GarcêsFotorreprodução, fotomontagem, impressão e acabamento: FIG – Industrias Graficas SA

CONSELHO DE LEITORES (referees)Abdulaye Camara (Senegal) | Carlo Peretto (Italy) | Fábio Vergara Cerqueira (Brazil) | Luís Raposo (Portugal) | Marcel Otte (Belgium) | Maria de Jesus Sanches (Portugal) | Maurizio Quagliuolo (Italy) | Nuno Bicho (Portugal) | Pablo Arias (Spain) | Susana Oliveira Jorge (Portugal) | Vítor Oliveira Jorge (Portugal)

TIRAGEM: 500 exemplares | Deposito legal: 108 463 / 97 ISSN: 0873­593X | ISBN: 978­989­99131­5­8 Mação, 2017

ARKEOS é uma série monográfica, com edição de pelo menos um volume por ano, editada pelo Centro Europeu de Investigação da Pré­História do Alto Ribatejo, que visa a divulgação de trabalhos de investigação em curso ou finalizados, em Pré­História, Arqueologia e Gestão do Património. A recepção de originais é feita até 31 de Maio ou 30 de Novembro de cada ano, devendo os textos ser enviados em suporte digital, incluindo título, resumo e palavras­chave no idioma do texto do artigo, em inglês e em português. Os trabalhos deverão estar integrados na temática do volume em preparação e serão submetidos ao conselho de leitores. A aprovação ou rejeição de contribuições será comunicada no prazo de 90 dias. O presente volume é editado em versão impressa e em formato digital, de acesso livre. Os capítulos expressam exclusivamente as opiniões dos seus autores.

Solicitamos permuta | On prie l’échange | Exchange wanted | Tauschverkehr erwunscht | Sollicitiamo scambio |

CONTACTARITM, Instituto Terra e Memória,Lg. dos Combatentes, 6120­750, Mação, [email protected]

MAÇÃO, 2017

| ARKEOS 41 |

| Editores: Davide Delfino | Luiz Oosterbeek | Sara Garcês |

Volume editado com a colaboração de:

Mação | 2017

O CASTELO VELHO DO CARATÃO E A PROTO‑HISTÓRIA DE MAÇÃO

Sete décadas de investigação e socialização do conhecimento. Homenagem a João Calado Rodrigues.

Este volume é publicado com o apoio do projeto MTAS: Tarefas em movimento através das formas: a dispersão agro­pastoril para e a partir do Alto Ribatejo ­ PTDC/EPH­ARQ/4356/2014 e do Projecto Estratégico do Centro de Geociências da Universidade de Coimbra (uI&D

73­FCT) ­ UID/Multi/00073/2013.

AutoresAlonso Rodríguez DíazGrupo de Estudios Prehistóricos Tajo­Guadiana, Área de Prehistoria. Universidad de Extremadura.

António Manuel Martins da [email protected]

Cátia Mendes Associação de Estudos do Alto Tejo; Investigador do Projeto Mesopotamos (Povoamento do 5º ao 1º milénio a.C. entre o Tejo e o Zêzere na atual Beira Baixa).

Davide Delfino Grupo “Quaternário e Pré­História” de Centro de Geociências (uID73 F.C.T.); Instituto Terra e Memória; Museu Ibérico de Arte e Arqueologia de Abrantes [email protected]

David Manuel Duque EspinoGrupo de Estudios Prehistóricos Tajo­Guadiana, Área de Prehistoria. Universidad de Extremadura.

Francisco HenriquesAssociação de Estudos do Alto Tejo; Investigador do Projeto Mesopotamos (Povoamento do 5º ao 1º milénio a.C. entre o Tejo e o Zêzere na atual Beira Baixa)[email protected]

Ignacio Pavón SoldevilaGrupo de Estudios Prehistóricos Tajo­Guadiana, Área de Prehistoria. Universidad de Extremadura

João Carlos CaninasAssociação de Estudos do Alto Tejo; Investigador do Projeto Mesopotamos (Povoamento do 5º ao 1º milénio a.C. entre o Tejo e o Zêzere na atual Beira Baixa)[email protected]

João Luis CardosoUniversidade Aberta. Centro de Estudos Arqueológicos do Concelho de Oeiras (Câmara Municipal de Oeiras). Academia Portuguesa da História.

Luiz Oosterbeek Grupo “Quaternário e Pré­História” de Centro de Geociências (uID73 F.C.T.) Instituto Politécnico de Tomar; Instituto Terra e Memória, Portugal [email protected]

Maria Amélia Horta PereiraAntiga diretora do Museu "Dr. João Calado Rodrigues" de Mação.

Paulo FélixAssociação de Estudos do Alto Tejo; Investigador do Projeto Mesopotamos (Povoamento do 5º ao 1º milénio a.C. entre o Tejo e o Zêzere na atual Beira Baixa).

Pedro Cura Grupo “Quaternário e Pré­História” de Centro de Geociências (uID73 F.C.T.); Instituto Terra e Memória; Museu de Arte Pré­Histórica e do Sagrado no Vale do Tejo, Mação [email protected]

Sara Cura Grupo “Quaternário e Pré­História” de Centro de Geociências (uID73 F.C.T.); Instituto Terra e Memória; Museu de Arte Pré­Histórica e do Sagrado no Vale do Tejo, Mação [email protected]

ÍNDICE

Migalhas de história de Mação, gentes, lugares e património.

António Manuel Martins da Silva

As investigações sobre a Pré e a Proto­História no concelho de Mação na

década de 1940: o contributo de João Calado Rodrigues.

João Luis Cardoso

Museu de Mação: 70 anos de um programa social de investigação

arqueológica e humanidades.

Sara Cura e Luiz Oosterbeek

O povoado da Idade do Bronze do Castelo Velho do Caratão (Mação).

Maria Amélia Horta Pereira

O sítio amuralhado de altura do Castelo Velho da Zimbreira (Envendos­

Mação). Cinco anos de investigação num lugar estratégico.

Davide Delfino e Pedro Cura

O recinto muralhado de Chão de Galego (Montes da Senhora, Proença­a­

Nova): contextualização e problemática.

Paulo Félix, João Carlos Caninas, Francisco Henriques, Cátia Mendes

La cuenca extremeña del Tajo en la Edad del Bronce: una periferia atlántico­

mediterránea.

Ignacio Pavón Soldevilla, David Manuel Duque Espino, Alonso Rodríguez

Díaz

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31

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65

77

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Nota de aberturaLUIZ OOSTERBEEKDAVIDE DELFINOSARA GARCÊS

O progresso do conhecimento é, antes de mais nada, um exercício de dedicação total à interrogação, à dúvida, e à vontade de a superar por pequenos passos, de forma perseverante, metódica e colaborativa. É o reconhecimento de que o Dr. João Calado Rodrigues possuía estas características, mais do que a efeméride da importante descoberta do povoado do Caratão, que motivou a realização do colóquio que deu origem ao presente volume. Uma descoberta que, em todo o caso, se inscreve num longo ciclo de atenção crescente, na região de Mação, à importância do conhecimento racional e da socialização do conhecimento, com remotas origens no Padre António Pereira de Figueiredo (e a tradução da Bíblia), passando por nomes como o etnólogo Francisco Serrano ou o cientista e fundador da revista Brotéria, o Padre Joaquim da Silva Tavares. O colóquio foi coorganizado pela Câmara Municipal de Mação, através do seu Museu de Arte Pré­Histórica, pelo Instituto Terra e Memória, pelo Instituto Politécnico de Tomar e pela Academia Portuguesa da História. Por isso o volume abre com uma revisão global deste percurso, por António Manuel Silva; um percurso intelectual, mas socialmente empenhado também, de diversas personalidades que foram construindo o saber sobre Mação. A figura de João Calado Rodrigues e a sua ampla contribuição para o conhecimento do passado na região, é evocada de forma detalhada por João Luís Cardoso. Por seu lado, Sara Cura e Luiz Oosterbeek sugerem uma continuidade renovada na relação entre pesquisa e socialização do conhecimento, de que o Museu de Mação, pensado originalmente por João Calado Rodrigues e concretizado por Maria Amélia Horta Pereira Bubner, é o esteio nuclear. A importância específica e as pesquisas desenvolvidas no Castelo Velho do Caratão são objeto de um artigo de Maria Amélia Horta Pereira Bubner, homenageada pelo Instituto Terra e Memória por ocasião do colóquio e, no mesmo ano, eleita sócia correspondente da Academia Portuguesa da História. Esta introdução às problemáticas da proto­história na região é complementada pelos artigos sobre recentes investigações no Castelo Velho da Zimbreira, por Davide Delfino e Pedro Cura, no recinto muralhado de Chão de Galego, por Paulo Félix, João Caninas, Francisco Henriques e Cátia Mendes. Um texto final, de Ignácio Pavón, David Manuel Duque Espino e Alonso Rodríguez Díaz oferece uma contextualização global para a bacia do tejo na região da Extremadura espanhola.

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Migalhas da história de Mação, gentes, lugares e património

ANTÓNIO MANUEL MARTINS DA SILVA

1. Introdução Pedaços de história de Mação é o que se apresenta nesta comunicação. “Migalhas” como lhe chamava Jacques Le Goff considerando que, se o objectivo do historiador é explicar toda a história, tudo o que é humano, tal só se tornará possível se, conscientes das nossas limitações, o formos tentando aos bocados, às “migalhas”. “Migalhas” de um todo histórico que alguém, um dia, poderá vir a relacionar numa síntese significativa e coerente. “Migalhas” de um todo que deve considerar múltiplas dinâmicas entendidas holística e interdisciplinarmente, incluindo o ambiente geográfico e natural e a capacidade humana de agir, criar e transformar. “Migalhas” de um todo composto por pessoas que, elas próprias, pela sua acção e pela sua vida, são história e por pessoas que, pelo seu estudo e investigação, construíram narrativas sobre Mação. Lembro, no primeiro caso, o cientista Joaquim da Silva Tavares, o Dr. Joaquim Martins Manso, o P.e António Pereira de Figueiredo, D. Caetano Pires Pereira, Bispo de Pequim e Nanquim, José Xavier Mouzinho da Silveira, avô do reformador Mouzinho da Silveira, o Tenente Coronel Francisco Pedro Curado, a Família Mirrado, Antero Gonçalves, a Família Tavares e tantos outros… Recordo entre aqueles que estudaram e investigaram a História do Concelho: António de Oliveira Matos, Maria Amélia Horta Pereira, aqui presente e a quem dirijo uma saudação especial e declaro o meu reconhecimento pelo muito que aprendi na sua obra, Henrique da Silva Louro, Calado Rodrigues, Fernando Ribeiro Martins, um jovem professor da Universidade Nova de Lisboa, que apresentou as sua dissertação de mestrado sobre duas aldeias da freguesia de Cardigos e publicou a sua tese de Doutoramento que se transformou numa obra de referência sobre a nossa região. Muitos mais deveriam ser aqui chamados, especialmente os mais recentes. Não o permitem os 20 minutos desta comunicação. Mas não estão esquecidos! “Migalhas” de um todo composto também pelo resultado da acção humana sobre o território numa acção dinâmica e dialéctica sobre o ambiente e a terra. “Migalhas” de património construído, de património artístico, de património

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etnográfico e imaterial, de património natural e de património escrito e bibliográfico que, apesar de não ser especialmente opulento, é suficientemente valioso para ser estudado e resgatado do nevoeiro em que se encontra envolto. A Câmara Municipal de Mação, o Museu e o Instituto Terra e Memória têm desenvolvido um trabalho meritório. Mas muito mais há a fazer. Aqui estamos nós para fazermos a nossa parte!

2. Fizeram História... Entre os que fizeram história, com a sua própria vida e obra, por razões de tempo, chamo apenas meia dúzia à nossa presença dando especial atenção a SILVA TAVARES por assinalarmos em 2016 os 150 anos do seu nascimento na freguesia de Cardigos. São estes por me parecerem estar imerecidamente esquecidos.

2.1. Joaquim da Silva Tavares Joaquim da Silva Tavares faz parte de uma plêiade de ilustres personalidades, naturais do que hoje se convencionou chamar Pinhal Interior Sul, que se destacaram nas suas actividades atingindo níveis superiores de competência e reconhecimento. Cardigos ergueu­lhe um busto na década de setenta do século XX (em 21 de Maio de 1978, por iniciativa do reverendo Padre Alberto, do Casalinho) e a sua aldeia natal baptizou uma rua com o seu nome, mas poucos cardiguenses sabem quem foi. Veio ao mundo nos Casais de S. Bento, onde uma lápide, numa casa em ruínas, atesta o local do seu nascimento. (Inscrição na lápide: “Casa onde nasceu a 17 de Agosto de 1866 o ver. Dr. Joaquim da Silva Tavares S. J., religioso exemplar e sábio eminente, falecido em Paris em 2 de Setembro de 1931. Fundou a revista «Brotéria» e foi membro efectivo da Academia de Ciências de Lisboa e de numerosas corporações científicas nacionais e estrangeiras”.) Mesmo na sua terra de origem, as memórias diluíram­se no tempo. Os mais antigos lembram­se, vagamente, do “Padre Bernardo”. Dizem que ouviram dizer que era o “segundo homem mais sábio do mundo no tempo dele” e que teve de fugir de Portugal por causa da política. Os mais novos não fazem ideia de quem foi. Joaquim da Silva Tavares (Fig. 1) nasceu no Monte do Meio (Casais de S. Bento) a 17 de Agosto de 1866. Assinala­se em 2016 o 150º aniversário e não é por acaso que dedico 70% desta comunicação ao meu ilustre conterrâneo. Seus pais eram pequenos agricultores pobres. Era filho de Joaquim Tavares e de Maria Joaquina, natural do Vergão Fundeiro, que tinha enviuvado e casara novamente. Feita a instrução primária, em 1880 entra para o colégio do Barro, em Torres Vedras. Em Novembro desse ano, pediu para ser admitido na Companhia de Jesus. Foi para Setúbal onde estudou Humanidades e Filosofia (1882­1885). Ainda estudante, depois de ter estudado Filosofia, e antes da Teologia, ensinou Latim e Português no Colégio de Campolide. Todavia, cedo descobriu que a sua vocação não eram as letras e no ano seguinte regeu as cadeiras de química, física e história natural. Dois anos depois, foi para S. Fiel ensinar as mesmas disciplinas durante mais quatro anos, dois dos quais em acumulação com Latim e outros dois com grego. Depois destes seis anos no ensino, viajou para Espanha, França (1894­1898) e Bélgica onde estudou Teologia no famoso Instituto de Enghien. Para se treinar na língua alemã, foi

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estudar para Viena, Áustria (1898­1900). Regressado a Portugal, volta a Setúbal, ao Colégio de S. Francisco, onde durante um ano volta a ensinar química, física e história Natural. Em 1900 estabelece­se definitivamente em S. Fiel e lá ensina aquelas disciplinas durante sete anos. Neste Colégio foi director do Herbário e do Museu de História Natural. Em 1908 foi nomeado Reitor. É nesta época que ajuda a fundar a revista Brotéria, de que adiante se fala. Diz­nos Serafim Leite (1931) que Silva Tavares alcançou a maior classificação conferível aos que fazem os estudos completos na Companhia de Jesus. Rara foi igualmente a rapidez com que lhe foram atribuídas as ordens sagradas, no final do 3.º ano de Teologia, quando estava em Espanha: a 18 de Junho de 1897, o subdiaconado; a 19, o diaconado e a 20, o presbiterado.

FIG.1. Joaquim Tavares da Silva

Depois da implantação da República (Outubro de 1910), e por causa das perseguições aos jesuítas, foge para Salamanca. De Salamanca vai para Cádis, onde apanha um barco (Nov. 1910) para a Argentina. Só parou no Brasil que percorre quase por completo, fixando residência na Baía. Voltou para a Europa em 1914, ficando a residir na Galiza. Aproveitou a sua estadia forçada no continente americano para viajar e enriquecer os seus conhecimentos de naturalista com novas espécies de cecídias da Argentina e do Brasil. Em 1928 fixou­se em Lisboa mas viajou logo de seguida para França. Faleceu em Paris, em 2 de Setembro de 1931. Tinha problemas de tensão arterial e deslocara­se às termas de Royat para fazer uma cura. Entretanto surgiram outras complicações derivadas de uma infecção generalizada (erisipela) e acabou por falecer. Está sepultado no cemitério de Vaugirard, em Paris.Actualidade da vida e da obra: Poderemos hoje perguntar: afinal estamos a aqui a falar de uma personalidade que faleceu em 1931 e desde então o mundo deu muitas voltas. Qual a actualidade da vida e da obra de Silva Tavares?

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Muitos cardiguenses interrogam­se: “­ O homem até tem cá uma estátua, mas que fez ele por Cardigos?” Desconhecem que ele foi um bairrista. Em primeiro lugar, a ele se deve a restauração do Pelourinho que ainda hoje se encontra na Praça. O símbolo da autoridade e da justiça municipais havia sido destruído durante as lutas liberais do século XIX e os seus restos, nomeadamente o fuste/coluna, incorporados nas paredes do cemitério e a servir de padieira/umbreira do portão. Foi Silva Tavares que teve a iniciativa de o recolocar em lugar de onde nunca deveria ter saído. Por outro lado, preocupava­se, sempre que lhe era possível, em divulgar junto dos seus conterrâneos os seus vastos conhecimentos de forma a torná­los úteis nas actividades do dia­a­dia. Tal foi o caso das Conferências que, em 1926, organizou na antiga capela da Misericórdia, onde, como referia o Diário de Lisboa, explicou em linguagem simples a teoria das sementeiras, e existência de insectos benéficos… Foi ainda Silva Tavares que inspirou a criação do brasão de armas de Cardigos, aprovado pela Secção de Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses em 1928. A dar fé no Padre Louro, Silva Tavares andava também a trabalhar na publicação de um estudo sobre Cardigos quando a morte o surpreendeu (Louro, 1939). Hoje, ser bairrista é afirmar a diferença num mundo cada vez mais uniforme, normalizado e globalizado. É afirmar uma identidade cada vez mais indispensável à nossa sobrevivência como cidadãos e como comunidade local. É dizermos que somos diferentes dos outros e que gostamos de o ser. Silva Tavares estava consciente da importância de ser bairrista. A actualidade do seu pensamento está também bem patente nas suas preocupações pedagógicas e na sua insistência na necessidade de se educar o povo. Preocupações que se mantêm hoje nos discursos oficiais (ainda não passaram muitos anos sobre o alargamento da escolaridade obrigatória para os 12 anos). Recordo que a sua actividade pedagógica foi sempre mais prática que teórica, mas não podemos esquecer o seu estudo e reflexão “O Analfabetismo em Portugal” (1918). Aí, analisa o fenómeno do analfabetismo com base em dados estatísticos, comparando a situação portuguesa com o que se passava no Brasil e nos outros países da Europa.

FIG.2. Busto de Joaquim Silva Tavares.

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Com alguma tristeza se envergonhava do atraso português e era com alguma inveja que escrevia “na Dinamarca, Suécia, Noruega, Inglaterra, Suíça e grande parte da Alemanha todo o povo sabe ler e escrever”. Referia as vantagens do investimento na educação e na instrução para o progresso dos países e enumerava as causas de tão elevado número de analfabetos. Entre elas, destacava o facto do Estado republicano ter dificultado a actividade da iniciativa privada na educação e no ensino. Defendia também que o ensino básico deveria ser entregue à administração local e não estar centralizado no Ministério da Educação. Também não lhe era estranha a preocupação com a formação e valorização social dos professores que ele entendia deverem ter uma formação mais vasta e profunda e uma maior dedicação à investigação. Uma das medidas que propunha para ultrapassar as dificuldades era a instituição de um regime de liberdade em que “os pais pudessem escolher à sua vontade as escolas para a educação dos seus filhos.” Preocupações tremendamente actuais, sem dúvida. Ainda no domínio da educação, o seu pensamento mostra­se actual ao defender a existência de rigor na avaliação dos alunos e professores, defendendo a existência de exames como um bom instrumento de avaliação pois considera­o a “melhor prova do aproveitamento do aluno” e mesmo que as crianças fossem mal preparadas – e aqui entrava a avaliação dos professores – o facto de se prepararem para exame já contribuía para criar hábitos de trabalho, treino do esforço para vencer as dificuldades e hábito de se apresentar em público, “coisas de grande importância para o futuro da criança”, adiantava. Distinguia educação, de instrução. Para ele “a instrução cultiva a memória e a inteligência; a educação, que dela não se pode separar, dirige a vontade do homem, apresentando­lhe a norma e os motivos da moralidade, o seu fim último.” Para ele, a instrução e a educação, assim irmanadas, suavizam os costumes do povo e civilizam­no, ao mesmo passo que concorrem extraordinariamente para o progresso material da sociedade.” E alerta para a urgência de uma educação para os valores e para a cidadania – tão falada actualmente – quando refere: “ uma criança … a quem só falam nos direitos do homem, calando­lhe os deveres, ou declarando­lhe estes sem base onde assentem, sem que deles se compenetre a inteligência, e sem que a vontade e o carácter se formem, ao tocar os 14 ou 15 anos, sente o despertar das paixões e deixa­se arrastar na corrente que não é impedida por óbice algum. A moral que lhe ensinaram carece de qualquer ideia de sanção, e por esta causa esse pequeno criminoso sente­se livre para viver desenfreadamente, segundo a moral que for mais conforme com os seus secretos instintos …”. Assim, “nunca se deveria separar a instrução da educação, devendo a cultura da inteligência acompanhar sempre a cultura da vontade”. Por esta forma, garantia Silva Tavares, “a instrução, quando completa, ilustra a inteligência, dirige a vontade e forma o coração e o carácter”. E continua, “ de pouco montaria para a sociedade possuir inteligências cultivadas, se faltasse a moralidade, pois a instrução daria ao criminoso meios que sem ela não conheceria.” Para ele, no fundo, “educar era formar o coração e o carácter, mostrar ao aluno a existência do dever, o fundamento e a sanção deste, e bem assim a existência do livre arbítrio, fonte da nossa responsabilidade.” Que educação é esta se não aquela pela qual ainda hoje se trabalha?!

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Silva Tavares, contudo, foi, essencialmente, um homem de acção. O seu magistério como professor foi sempre orientado para a investigação. As suas aulas eram acima de tudo práticas e transformou o Colégio de S. Fiel (Castelo Branco, Serra da Gardunha) numa das poucas escolas secundárias, a par do Colégio de Campolide, onde também estivara a dar aulas, produtora de investigação. Chegou a ser Reitor daquele estabelecimento a partir de 1908. Sobre o Colégio de S. Fiel e a sua orientação pedagógica, Egas Moniz, antigo aluno e Prémio Nobel de Medicina, refere: “No colégio, ao lado da exagerada vida religiosa que nos levava tempo e roubava actividade, havia uma boa educação humanista e científica que, só por estar sujeita a programas liceais, alguns deles pouco recomendável, não era mais perfeita. Devo a essa orientação muito do meu aproveitamento na carreira universitária. A disciplina mental a que obrigavam os alunos, em ciências exactas e afins, era bem orientada. Aos exercícios físicos já dava o Colégio a sua atenção nesses tempos”. Dizem outros contemporâneos que era “excelente professor, talvez um pouco solene, mas de incontestável saber e autoridade" (Leite, 1931). Outra faceta da sua vida e da sua obra foi a preocupação constante em harmonizar a investigação científica com os dogmas da fé. Velha questão, hoje novamente debatida quando se comemoram 200 anos de Darwin e se voltam a confrontar as teses criacionistas com as evolucionistas. Esta sua preocupação vital – a da investigação e da fé – está bem expressa na fundação da revista Brotéria que em breve se abordará. Joaquim da Silva Tavares manifestou desde muito novo uma acentuada vocação científica, embora só pelos 30 anos de idade se tenha dedicado com mais intensidade aos estudos entomológicos. Diz Serafim Leite (Brotéria,1931) que “com tanta felicidade os iniciou, que dirigiu desde 1900 em toda a Península Ibérica os estudos de cecidologia”. A verdade é que esta ciência praticamente não existia na Península Ibérica e, nos anos 30, Portugal era um dos pólos mais importantes a nível mundial, sendo Tavares reputado cientista consultado a nível internacional, por cientistas de todo o mundo (a última consulta foi­lhe feita da Rússia para classificação de plantas e animais). Segundo palavras do próprio P. Tavares, o termo cecídea significa o resultado da reacção de uma planta contra a invasão de um parasita com a finalidade de o afastar. O exemplo popular de uma cecídia é o bugalho. Para haver uma cecídea é necessário que um parasita ataque uma planta e a formação de novos tecidos com que a mesma planta se defende e conserva mesmo depois de afastado o parasita. Tão extensa é a sua obra científica que só aqui vou reportar umas linhas gerais. Em 1917, a Brotéria publicou o índice sistemático dos 15 primeiros volumes. O nome que mais aparece é o de Silva Tavares, por vezes também o de Dionel, pseudónimo com o qual também assinava alguns artigos. Só na série Vulgarização, há 91 artigos de sua autoria, referentes a diversas matérias. Alguns dos seus estudos mereceram ser publicados em separatas e são autênticos livros. É o caso da monografia científica, Fruteiras do Brasil, subsidiada pelo Governo brasileiro, descrição de 44 árvores fruteiras, acompanhadas de 110 fotografias, quase todas do autor (ele era um excelente fotógrafo e ilustrava as suas publicações com belas fotografias). Daria muitos volumes a publicação sistemática da sua obra de vulgarização científica e vê­la­íamos repartida por diversos ramos dos conhecimentos humanos, como agricultura, animais úteis e nocivos, arboricultura,

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bacteriologia, comércio e indústria, etnografia, física, fisiologia, geografia, história das ciências, higiene, medicina, patologia vegetal, química, técnica microscópica (…). Muitos dos seus estudos revestem um carácter utilitário e de interesse prático como estes: Os nossos conhecimentos actuaes sobre os mosquitos e doenças por elles transmitidas (1906), A formação e pesca de pérolas (1907), Os nossos conhecimentos actuaes sobre sparthenogenes das abelhas (1907), A fixação do azoto atmospherico pelas leguminosas (1908), A photographia a cores (1908), Leite condensado e leite secco ( 1912), A importância financeira do café no Estado de S. Paulo (1913), O commercio do cacau particularmente no Estado da Bahia (1913), Os maiores inimigos dos brazileiros. Mosquitos e formigas (1913), A exportação de frutos portugueses (1915), A exportação de peixe português (1915), Utilidade dos insectos entomóphagos na Agricultura (1916), Conservação da fruta (1916), A secagem das maçãs (1916), A secagem dos frutos brasileiros (1916), A secagem das uvas (1916), As pulgas e a peste (1916), A doença das batatas (1917), A cortiça portuguesa (1917), A conservação das cerejas (1917), A seccagem das ameixas (1917) e tantos outros. Todavia, o que lhe deu mais renome foram os seus estudos de cecidologia. Na série Zoológica, a Brotéria publicou 62 dos seus estudos nesta área. Ficou de tal modo ligado a esta ciência que o seu nome ficou associado a duas cecídias Tavaresia e Tavaresiella, para além de aparecer também ligado 68 suddenominações Tav. (Tavares). O seu valor como cientista foi largamente reconhecido, nacional e internacionalmente. Após publicar o seu primeiro trabalho, Zoocecídias Portuguesas, 1902, entrou quase de imediato para Academia de Ciências de Lisboa. Esteve na fundação da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais, e também da Sociedad Ibérica de Ciências Naturales. Presidiu à Sociedad Entomológica de España (1921) e foi membro de várias academias científicas no mundo inteiro: Museu Nacional do Rio de Janeiro, Pontificia Accademia delle Cienze Nuovi Lincei de Roma, Academia de Ciência y Artes de Barcelona, Societé Entomologique de France, Societé Lynéene de Lyon, Sociedad Española de História Naturale, Associação Portuguesa para o Progresso das ciências, Associación Española para el Progresso das Ciências, Sociedad Entomológica de España. O seu imenso trabalho científico está publicado, quase na totalidade, na revista Brotéria, do qual foi inspirador e um dos fundadores em 1902. Era, no início, uma revista de carácter exclusivamente científico, de pendor pedagógico e enquadrava­se num projecto mais alargado de resposta da Igreja Católica, com empenho especial dos jesuítas, à necessidade de recuperar o protagonismo perdido no fomento da ciência e da cultura, domínios então liderados pelos sectores laicos e anticlericais. Pretendia desmantelar as teses que apresentavam os jesuítas como obstáculos à ciência e ao progresso, tornando­se assim um veículo de divulgação e produção científica, com quadros preparados para o efeito. No fundo, a Brotéria pretendia ser um agente conciliador entre a ciência e a religião. À frente deste projecto, e seu mentor desde o início, esteve Silva Tavares durante 29 anos, até à sua morte em 1931. Não me refiro propositadamente à dimensão religiosa de Silva Tavares. A verdade é que não podemos esquecer que foi um sacerdote jesuíta. Porém, não vem, agora e aqui, ao caso. Mas recordo uma outra dimensão, esta muito actual. Silva Tavares nascido de famílias pobres e humildes e nunca esqueceu as

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dificuldades dos desprotegidos da sorte e da sociedade. Com frequência o vemos nos lugares onde vivia a visitar os doentes e os presos. Fazia disso um hábito. Era o que hoje poderemos chamar um homem de solidariedade. E como ela é necessária, hoje, face à crise que se instalou!Testemunhos: Quase todos os jornais portugueses da época, nos dias seguintes à sua morte, se referiram ao seu desaparecimento. Recordo aqui alguns: Novidades, A Voz, Diário de Notícias, O Século, Diário da Manhã, Comércio do Porto, Notícias de Viana, Diário do Minho, A Ordem, A Voz do Pastor, o 28 de Maio, Noticias da Covilhã, Renascença, A Nação Portuguesa… Testemunhos coevos apresentam­no como “ modesto e humilde”, “brilhante especialista”, “religioso exemplar” e “prudente e suave no trato”. Numa sessão da Academia de Ciências de Lisboa, a 15 de Outubro de 1931, o seu Presidente, Dr. Egas Moniz, Prémio Nobel de Medicina, antigo aluno de S. Fiel, referia­se assim ao nosso conterrâneo: “O Padre Silva Tavares era um naturalista distintíssimo cujo nome, como entomologista, era há muito conhecido e apreciado além­fronteiras. Dedicado ao estudo dos insectos, dava­se a repetidas excursões pelo campo, não evitando canseiras e incómodos para penetrar na sua vida íntima, conhecer as leis da sua reprodução, desvendar as metamorfoses sucessivas porque passam… Espírito observador por excelência, patenteava a cada passo uma bondade serena…”. Era um perfeccionista. Aconselhava toda a gente: “Se não se acostuma a fazer tudo o melhor que pode, não chega a nada” (Leite, 1931). O eminente sábio e professor de Botânica da U. de Estrasburgo, seu contemporâneo, Clodomir Houard comentava: “Tavares era um homem cultíssimo, de amplas ideias, duma amabilidade e bondade extremas e de uma modéstia e delicadeza sem iguais.” O jornal Diário de Lisboa, de 4 de Setembro de 1931, escrevia: “o P.e Tavares tinha estado, após uma longa ausência, em 1928, nos Casais de S. Bento e, para que a sua visita não fosse estéril, fez uma série de conferências para explicar, em linguagem simples, aos seus conterrâneos alguns segredos da natureza cujo conhecimento muito interessava à sua arte de cultivar a terra. Falou­lhes das estações, das chuvas, das sementeiras, dos peixes, das abelhas, dos insectos benéficos e maléficos, dos meteoros, etc. Ninguém podia ser escutado com mais atenção, refere o jornal. O P.e Joaquim da Silva Tavares regressou a Lisboa encantado com a recepção que os seus conterrâneos lhe dispensaram, aquando desta visita, e prometera voltar para rezar na campa de seus pais. O destino não deixou”. Silva Tavares, nascido na pequena e pobre aldeia de São Bento, estudou em Portugal, na Espanha, na França e na Áustria, falava e escrevia fluentemente português, francês, espanhol e alemão, (para além de grego e latim) fez investigação em Portugal, Espanha, Argentina e Brasil. Morreu em Paris. Foi, pode dizer­se, um cidadão do mundo e da Europa antes de existir Europa. A ele se poderá aplicar a frase de António Vieira: “para nascer, Portugal; para morrer, o Mundo.” Um Homem Global muito antes de se falar na globalização! Em boa hora a Câmara Municipal de Mação adquiriu recentemente as ruínas da casa onde Silva Tavares nasceu. Julgo haver a intenção de, oportunamente, avançar com a recuperação e desenvolvimento de um plano de actividades alusivas a Silva Tavares.

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2.2. Joaquim Martins Manso Nasceu na vila de Cardigos no dia 16 de Novembro de 1878. Oriundo de família modesta, ficou órfão ainda muito novo e sua mãe escolheu­o, como mais velho, para seguir a carreira eclesiástica. Entrou no seminário diocesano e foi ordenado padre. Com a implantação da República solicitou a redução ao estado laical e matriculou­se na Universidade de Coimbra, onde foi condiscípulo de Oliveira Salazar e onde concluiu o curso de Direito. Foi advogado, professor, governador civil de Vila Real em 1914 (num período muito conturbado em Trás­os­Montes devido a questões políticas), secretário de Bernardino Machado, ao tempo Ministro dos Negócios Estrangeiros, e escritor. Nesta qualidade deixou uma obra notável ainda que muito esquecida: “Alma Inquieta”, “O Efémero e o Eterno”, “O Fulgor das Cidades”, “O Livro das Moralidades”, “Fábulas”,“Pedras para a Construção do Mundo”, “Primavera de Lenda”, “Malícia Sem Maldade”, “Consciência nua e Abandonada”, “Cartas a João Venâncio”, “Os Amores de Pedro e Inês”, “Oração à Raça”, “Manuel” e muitos outros. Foi conferencista reconhecido e muito solicitado, membro da Academia das Ciências e da Sociedade de Geografia de Lisboa, mas foi como jornalista que mais se destacou. O primeiro grande jornal em que trabalhou, de 1914 a 1920, foi em “A Capital”. Em 1920 entra no jornal “A Pátria” como redactor principal.

FIG.3. Ruínas da casa onde nasceu Joaquim Silva Tavares.

A 7 de Abril de 1921 fundou o “Diário de Lisboa” (DL) que viria a ocupar um lugar de destaque no panorama da imprensa escrita portuguesa. Considerado um jornal para ser lido por uma elite democrática e republicana e discutido nas tertúlias do Ciado e do café Martinho, o DL nunca esqueceu a defesa das classes mais desfavorecidas e a promoção das populações rurais do interior do país (recordo que constitui uma boa fonte para o estudo da História de Cardigos pelas muitas locais que referem a freguesia natal do fundador).

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O DL era um vespertino destinado a ser lido ao final da tarde e à noite e foi o primeiro jornal português a adoptar a impressão a chumbo e o formato tablóide, mais manuseável e de mais fácil leitura. Influenciou dezenas de jornais da imprensa local e regional que lhe adoptaram o formato e o grafismo. Joaquim Manso esteve 35 anos à frente do DL. No primeiro número escrevia: “Não traz consigo o Diário de Lisboa outro programa senão este – erguer Portugal acima da misérias e fraquezas dos homens a fim de que seja para todos nós o maior facto do nosso esforço e do nosso espírito (…) O Diário Lisboa será um jornal moderado …”.cAmigo de longa data de Amadeu Gaudêncio, nazareno de cepa, Joaquim Manso apaixonou­se pela vila da Nazaré onde construiu uma casa de férias, hoje transformada em Casa Museu Etnográfico e Arqueológico. Faleceu em Lisboa a 10 de Setembro de 1956.

2.3. Antero Gonçalves Natural da Avessada, Envendos. Nasceu a 25 de Setembro de 1895. Aos 17 anos saiu da sua terra natal e desenvolveu relevante actividade comercial no antigo Congo Belga e na antiga colónia de Angola, especialmente na região do rio Zaire onde conseguiu prosperar financeiramente. Era frequentemente convidado a dar a sua opinião sobre assuntos de política económica ultramarina. Em 1968, criou a Fundação Antero Gonçalves que hoje desenvolve a sua acção social em duas instituições: desde 1988 o Lar dos Envendos e sete anos mais tarde, em Lisboa, o Lar Margarida Gonçalves. Como corolário de uma vida dedicada à intervenção social, foi agraciado em 1989, elo Estado português com a Comenda da Ordem de Benemerência. Em 1987, publicou o livro “O Eucalipto ou o Homem”, que integra uma série de artigos que foi escrevendo em jornais locais e nacionais sobre uma questão muito actual que é a monocultura do eucalipto. Escreve ele: “Fui pastor, cavador, emigrante, comerciante… e por mal dos meus pecados lavrador nas horas vagas! Como tinha manejado o cajado e a enxada, breve me apercebi que estava amolado. Sei o dinheiro que perdi a desbastar glóbulos, arrancar rostratos e a eliminar acácias que o vento disseminou pela herdade (…). Cometi muito erro de conta própria na minha vida, mas este dos eucaliptos e das acácias, de conta alheia, foi o mais caro de todos, pago de conta própria. Nos longos anos que labutei, pouco aprendi com o que fiz bem, mas aprendi muito com os erros que cometi e neste caso dos eucaliptos aprendi duas coisas: a plantar eucaliptos e a considerar que a planta como verdadeira praga que em má hora invadiu Portugal" (Gonçalves, 1987:53­54)". Quando arder o último pinheiro, for arrancado o último sobreiro, destruída a última oliveira, sacrificado o último pomar, poluídas as melhores e poucas terras aráveis onde cultivávamos o que comemos, quando os senhores da celulose tiverem plantado de eucaliptos o último hectare de terras que nos resta, eu ouso perguntar aos técnicos, aos cientistas do Ministério da Agricultura e a todos os homens capazes deste país que mexem na terra, se será possível viver ainda em Portugal" (Gonçalves, 1987:114).

2.4. D. Caetano Pires Pereita, Bispo de Pequim e Nanquim Nasceu na Ladeira, Envendos. A data certa do seu nascimento não é conhecida por terem desaparecido os registos da época, mas supostamente terá ocorrido entre 1767 e 1772. Faleceu a 2 de Novembro de 1838. Teria

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cerca de 70 anos. Entrou na Congregação de S. Vicente de Paulo (Lazaristas) e viajou até Goa onde aqueles religiosos possuíam um colégio. De Goa foi para Macau. Em Agosto de 1804 foi nomeado bispo de Nanquim, sendo responsável pela diocese até à sua morte embora através da nomeação de delegados. Governou ainda o bispado de Pequim, desde 1818, depois da morte do seu bispo titular. Ganhou tanto prestígio e consideração na corte do “Celeste Império”, que foi elevado à dignidade de mandarim e membro do Tribunal das Matemáticas, entidade encarregada de organizar o calendário chinês que regulava a vida da nação, a marcação das festas e dos actos oficiais mais importantes. Contudo, os imperadores chineses começaram a recear a influência europeia no oriente e começaram a manifestar animosidade relativamente a tudo o que era ocidental, nomeadamente os missionários católicos. Em 1820, foram expulsos todos os missionários, excepto três, entre eles D. Caetano. Mantendo­se com a acção muito condicionada no território chinês, mesmo assim conseguiu salvar os bens móveis das igrejas que administrava e enviá­los para Macau evitando que fossem queimados por mando imperial.

2.5. Francisco Pedro Curado, Tenente Coronel Nasceu na aldeia de Galega, Carvoeiro, no ano de 1873. Seguiu a carreira militar e destacou­se sempre em todas as acções militares em que participou. Na pacificação dos vátuas, na Coolela. Em Timor, em 1912, no controlo da revolta de D. Boaventura com a vitória em Riac (Manufai), onde com forças muito inferiores venceu cerca de 15.000 timorenses revoltados. Em 1915, serviu em Angola sob o comando de Pereira De Eça. Contudo, foi em Moçambique, no contexto da I.ª Guerra Mundial, que se destacou como herói militar, merecendo a admiração de portugueses e inimigos granjeando aí o cognome de "Condestável do Rovuma". Passou à reserva em 1929, como tenente­coronel. Faleceu a 24 de Maio de 1945 e a sua vida foi passada elogiosamente em revista pela imprensa da época. A sua espada conserva­se numa vitrina do Museu Militar e, junto a ela, uma placa informa: “Francisco Pedro Curado, Major de Infantaria por distinção em combate, Comendador da Torre e Espada, Medalha Militar de Ouro (Valor Militar, Bons Serviços e Comportamento Exemplar), Cruz de Guerra (2 de 1.ª Classe e 1.ª de 2.ª Classe), Comendador da Ordem do Império, Grande Oficial de Cristo e Comendador de Avis”.

2.6. Família Tavares Ramificada hoje por todo o Portugal e Brasil, especialmente na Beira Baixa, Alentejo, Ribatejo, Lisboa e Grande Lisboa, S. Paulo, Rio de Janeiro e Campinas, esta família TAVARES teve origem humilde e pobre a partir da freguesia de Cardigos. O patriarca, Francisco Pires Tavares, nasceu a 20 de Janeiro de 1818, nos Casais de S. Bento, Cardigos. Casou com Rita Lourenço, natural da Pracana da Ribeira, da mesma freguesia. Moravam na Amêndoa. Tiveram 16 filhos, dos quais sobreviveram apenas 8 que deram sequência ao que hoje é a importante família Tavares. Nascido numa época difícil, na sequência das invasões francesas e da pobreza da sua família, Francisco Tavares viu­se obrigado pelas circunstâncias a sair de casa, em São Bento, aos 7 anos para ganhar o pão de cada dia como pastor de um rebanho de cabras.

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Amêndoa foi o seu destino. A escola esteve sempre ausente da sua vida. Atento ao que se passava em seu redor, inteligente e decidido, cedo percebeu que o ofício de ferrador era bem remunerado. Ser ferrador passou a ser uma ambição e inscreveu­se como aprendiz de um mestre ferrador em Ferreira do Zêzere. Rapidamente passou a oficial e contra mestre­ferrador. Com vinte e poucos anos estabelece­se na Amêndoa com uma oficina de ferrador. Perspicaz, percebeu que a Amêndoa era local de passagem e um cruzamento de vias de comunicação muito antigas que ligavam desde há séculos algumas importantes localidades: Tomar­Castelo Branco; Coimbra­Abrantes, Alvega, Amieira, Constância em direcção ao Alentejo. Na Amêndoa não faltariam clientes, almocreves que transportavam as mercadorias em carroças ou no dorso dos animais. Estava certo. A oficina prosperou e ganhou fama de competência e bem servir. O dinheiro ganho ia sendo investido em propriedades rurais que ia rentabilizando e no alargamento das instalações. Quando os caminhos­de­ferro e as novas estadas de “macdam” alteraram os circuitos e a forma de transporte das mercadorias, os almocreves começaram a diminuir. Nesse momento Francisco compreendeu a mudança e virou­se mais para a agricultura e para a sua loja de comércio local. Comprava em Lisboa as mercadorias que não existiam na região (sola, cabedais, ferragens, especiarias, açúcar…) e vendia com bastante lucro. Abandonado o ofício de ferrador, pelas razões apontadas, começou a perceber que o comércio local nunca alcançaria a dimensão desejada porque a região era pobre. Abriu então outra área de actividade, outro ramo de negócio. Começou a negociar cortiça no Alto Alentejo (Gavião). Pagava uma renda anual aos proprietários de herdades e extraía a cortiça que vendia às fábricas. Devido à sua perspicácia de negociante, à subida de preço da cortiça, ao desenvolvimento dos transportes e ao aumento de exportação para toda a Europa foi o negócio da cortiça que mais promoveu o bem­estar da família TAVARES. Contudo, a agricultura atraia­o especialmente e se as terras da sua origem eram pouco férteis, então havia que adquiri­las e rentabilizá­las noutras regiões. Foi o que fez ao comprar extensos terrenos na freguesia da Ortiga. Estes terrenos foram muito valorizados com a linha férrea da Beira Baixa e rentabilizados com a cultura da oliveira e do milho que, na época, eram bastante rentáveis. Morreu a 24 de Março de 1898. Ainda hoje alguns destes negócios pertencem à família Tavares. Como à família TAVARES pertencem os Matta, dos Envendos; os Pires, da Amêndoa; os Tavares, de Cardigos e dos Vales; os Tavares Rodrigues, de Évora e tantos outros… Em 1986, os TAVARES fizeram o seu primeiro encontro e foi apresentado o livro: “Os Descendentes de Rita e Francisco Pires Tavares. 1818­1986”.

3. Estudaram História... Relativamente aos historiadores, aos estudiosos da História Local, não se apresentam notas biográficas. A vida deles é a sua obra. E a sua obra é o resultado dos seus trabalhos. Desta forma:

3.1. António de Oliveira Matos Natural da freguesia dos Envendos. Professor do Secundário e Historiador. Escreveu uma obra de referência para a História do Concelho de Mação: "Monografia do Concelho de Mação", Famalicão, 1947.

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3.2. Maria Amélia Horta Pereira Historiadora brilhante, colocou o seu trabalho e sabedoria ao serviço do concelho de Mação. A ela se deve, entre muitos outros trabalhos de investigação, a publicação de uma obra de referência para todos os que se interessam pelo conhecimento da história de Mação: "Monumentos Históricos do Concelho de Mação", Mação, 1970.

3.3. Henrique da Silva Louro Natural da aldeia de Pracana, freguesia de Cardigos. Padre diocesano dedicou muito do seu tempo à História da região de Évora, onde permaneceu muitos anos no seminário, e de Cardigos. Nasceu a 25 de Abril de 1909, foi ordenado sacerdote em 1932, paroquiou Mora e Vila Fernando, em 1957 passou a ser director espiritual do seminário Maior de Évora e visitador das igrejas e arquivos daquela diocese após 1961. Faleceu na década de 80 do século XX. Foi sócio correspondente da Associação dos Arqueólogos Portugueses e sócio efectivo do Instituto Português de Arqueologia, História e Etnografia. Escreveu a obra indispensável para o conhecimento da história de Cardigos: "Cardigos. Subsídios para a sua História", Maia, 1982, que vem completar a informação já dada à estampa na sua Monografia de Cardigos, Cucujães, 1939.

3.4. Fernando Ribeiro Martins É professor do Departamento de Geografia da Universidade Nova de Lisboa. Natural de Angola, veio, muito jovem, com os seus pais, para a sua terra de origem, Vales – Cardigos, em consequência da descolonização de Angola, em 1975. Licenciado em 1991, mestre em 1997 e doutor em 2003 tem leccionado diversas disciplinas no Departamento de Geografia e Planeamento Regional. É membro de diversas associações profissionais e científicas: Associação Portuguesa de Geógrafos, Sociedade de Geografia de Lisboa e Centro de Estudos de Geografia de Planeamento Regional (UNL), onde é investigador. Efectuou dois trabalhos de investigação pluridisciplinar sobre o concelho de Mação: "Evolução do uso do solo no concelho de Mação", 1997 e "Pinhal Interior Sul e o Regresso de Emigrantes" (1975­2001),FCG/FCT, 2011. O primeiro, não publicado, constitui a sua dissertação de mestrado e, na sua primeira parte, faz uma caracterização pluridisciplinar do concelho de Mação. O segundo constitui a sua tese de doutoramento e no dizer de Raquel Soeiro de Brito, professora catedrática jubilada, “… feita com muito rigor e empenho, é um estudo desenvolvido e detalhado de uma das áreas administrativas – Pinhal Interior Sul (PIS). É uma excelente monografia, no sentido nobre desta palavra, não se tendo o autor furtado a trabalhar quase nenhum tema necessário à sua compreensão. "(…) Trabalho caprichado, minucioso, amplamente documentado com largas dezenas de gráficos, mapas e fotografias, tudo realizado com muito rigor técnico e didáctico e… não menos amor ao ofício e à terra".

4. Património (Entendido como resultado da acção transformadora e interpretativa do Homem).

4.1. Património Construído: Jardim (concebido por Raul Lino), janela manuelina, igrejas e capelas, escolas e instrumental didáctico, grades e

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ferros de varandas, janelas e portões, portas e fechaduras, ruas, praças, travessas e becos, cataventos, brasões, alminhas e cruzeiros, fontes, pelourinhos, moinhos, azenhas e lagares, antigas instalações artesanais e fabris, estradas e pontes candeeiros de iluminação pública, bancos de praças e jardins, cemitérios (…).

4.2. Património artístico móvel: Escultura e pintura religiosas, escultura e pintura populares, mobiliário, tapetes, colchas, paramentos… Etnografia e Património Imaterial: Transportes (carros de bois e outros), cerâmica, alfaias agrícolas e outras, teares, trajo popular, música e instrumentos populares, jogos tradicionais (pião, berlinde, mocho…), lendas e tradições profanas e religiosas (encomendação das almas, janeiras e reis…), toponímia (…).

4.3. Património Natural: Fauna e flora, paisagens e miradouros; Forjas e ferreiros de Vales (Cardigos). A aldeia de Vales foi, até final da década de 60, um importante centro de produção de ferraduras, canelos e cravos. Chegaram a trabalhar mais de uma dúzia de forjas e os ferreiros dos Vales abasteciam os ferradores da região do Pinhal, o norte do Alentejo e a região de Castelo Branco. A maior parte do ferro era proveniente do abate de barcos em Lisboa (Alcântara) onde era cortado (desfiado) e vinha de comboio até Alferrarede. A partir daí vinha em carroças ou em camioneta, nos últimos anos. Quando os motores de rega começaram a substituir os antigos sistemas de irrigação como as noras, o ferro destas começou também a ser utilizado como matéria­prima para ferraduras e canelos. Margarida Carpinteiro, na sua obra “Um Navio na Gaveta”, com expressões e palavras típicas da região, aborda esta actividade muito marcante da aldeia de Vales.

Conclusão O que aqui vos servi um pouco à pressa foi um singelo menu de “MIGALHAS DE HISTÓRIA DE MAÇÃO”. Pedaços de uma síntese que, com paciência, todos temos o dever de ir juntando a caminho do banquete que constituirá um dia podermos escrever uma História do Concelho de Mação. Se é caminhando que se fazem os caminhos, então o melhor é ir andando…Referências bibliográficas

FIG.4. Moinho de água.

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FIG.5. Moinho de água.

FIG.6. Forja.

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FIG.7. Forja.

FIG.8. Forno a lenha.

FIG. 8. Junta de Bois do Sr. José Alvito.

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As investigações sobre a Pré e a Proto­História no concelho de Mação na década de 1940: o contributo de João Calado Rodrigues

JOÃO LUÍS CARDOSO

1. Introdução: Um testemunho pessoal Dois nomes são incontornáveis na Arqueologia do Concelho de Mação: a Dr.ª Maria Amélia Horta Pereira Bubner e o Dr. João Calado Rodrigues. Conheci Maria Amélia Horta Pereira Bubner, felizmente hoje aqui entre nós, em 1971, numa visita que fiz, acompanhado de meu Pai, à sua casa desta Vila de Mação, antecedendo a deslocação ao Museu Municipal, então instalado no piso térreo do edifício que ainda hoje ocupa, que acedeu a mostrar­mo numa tarde de Agosto abrasadora, cedendo à impertinência de um jovem de 14 anos já fascinado pela Arqueologia. E é imperativo não deixar por mais tempo de prestar homenagem à autora da notável obra “Monumentos históricos do concelho de Mação”, publicada em 1970, obra que, no essencial, resultou da sua tese de Licenciatura em História, apresentada à Faculdade de Letras de Lisboa. Trata­se de um contributo pioneiro, tanto a nível temático, como metodológico, na historiografia da Arqueologia portuguesa, ainda não devidamente valorizado, mas onde ficará para sempre como marco miliário nos trabalhos verdadeiramente inovadores e que de cuja publicação – não por acaso a Câmara Municipal de Mação, sob a presidência de António Paisana Joaquim – resultaram efectivas e duradouras mais valias. O Dr. João Calado Rodrigues (Fig. 1), nascido nas Galveias, Ponte de Sor em 1881 e licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, foi deputado pelo círculo de Tomar, e Secretário da Câmara dos Deputados, antes de ter sido eleito por esta câmara para o Conselho Superior da Administração Financeira do Estado. Fixando residência em Mação, aqui desenvolveu

Universidade Aberta. Centro de Estudos Arqueológicos do Concelho de Oeiras (Câmara Municipal de Oeiras). Academia Portuguesa da História.

Este contributo corresponde à conferência apresentada na Biblioteca Municipal de Mação, no dia 20 de Junho de 2016, no âmbito do Colóquio comemorativo da identificação do povoado do Castelo Velho do Caratão, organizado pelo Instituto Terra e Memória / Instituo Politécnico de Tomar, em colaboração com a Câmara Municipal de Mação.

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intensa actividade jornalística através de periódicos por si fundados e mantidos, como “Notícias de Mação”, “Liberdade”, “Terra Nostra”, “Terras do Tejo”, e “O concelho de Mação”, acumulando estas actividades de puro interesse intelectual, com o cargo de Conservador do Registo Civil e de Juiz municipal. Foi delegado da Junta Nacional da Educação nos concelhos de Mação e de Gavião, tendo sido, até ao seu falecimento, ocorrido em 1953, protagonista de notável acção em prol da preservação do património e da memória de Mação e regiões circunvizinhas. Os meus avós, que o conheceram, e que muitas vezes o receberam na sua casa de Belver, quando, vindo de Lisboa por comboio, ali pousava antes de prosseguir viagem até Mação, recordaram­me a sua personalidade simples, generosa e cativante, que por uma pedra para o seu Museu era capaz de desusada insistência, sempre coroada de sucesso, pois todos lhe queriam bem, reconhecendo que o seu interesse perseguia um objectivo bem mais alto que a simples e mesquinha satisfação de um prazer pessoal. Tive ainda a oportunidade de conhecer a Sr.ª D. Balbina, irmã do Dr. João Calado Rodrigues, e de manusear, maravilhado, na sua casa de Mação, machados de pedra polida, com etiquetas manuscritas, gastas pelo tempo, que aos meus olhos se afiguravam preciosidades de excepção. Foi, com efeito, mercê dos esforços de um homem só e desapoiado, mas movido por uma rara qualidade entre nós – a da perseverança – que, de um deserto quase absoluto no capítulo do registo arqueológico, Mação se tornou, em escassos anos da década de 1940, um dos concelhos onde o progresso no conhecimento das mais recuadas ocupações humanas do nosso território foi mais relevante, mercê da sua acção tão desinteressada como consequente. No dizer do Padre Eugénio Jalhay, “bastava a alabarda, com o objectos do Porto do Concelho, para dar celebridade ao futuro Museu de Mação”. Vejamos, pois, com mais detalhe, esses dois marcos da arqueologia concelhia e mesmo nacional.

FIG.1. João Calado Rodrigues (in GEPB).

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2. A alabarda do Casal da Barba Pouca, freguesia de Penhascoso Esta peça excepcional foi achada em Março de 1944 quando se procedia numa leira à sementeira do milho, a 15 cm de profundidade, tendo a mesma sido de imediato obtida por João Calado Rodrigues para o Museu Municipal. O seu estudo foi feito pelo Padre Eugénio Jalhay (Jalhay, 1947) (Fig. 2). A alabarda mede 23,2 cm de comprimento máximo o que faz dela o maior dos exemplares do território português, logo depois da alabarda da anta da Cabecinha, Figueira da Foz, com 32 cm de comprimento (Pereira, 1970, Quadro IV), inventariada por Jalhay conjuntamente com todas as restantes peças homólogas até então registadas no território português (Fig. 3), trabalho muito detalhado e completo, que bem evidencia a qualidade da investigação por si produzida. Com efeito, foram as características de rigor e de detalhe na análise, a par, evidentemente, do interesse temático e da importância arqueológica dos objectos estudados, que explicam a importância do Padre Eugénio Jalhay, um dos mais proeminentes arqueólogos da época, prematuramente falecido com 59 anos a 30 de Novembro de 1950, e que mantinha com João Calado Rodrigues excelentes relações de trabalho (Fig. 4).

FIG.2. Capa da separata dedicada ao achado da alabarda do Casal da Barba Pouca, local do achado e foto da alabarda.

3. O “esconderijo” de Porto do Concelho”, ou a entrada de Mação no mapa do Bronze Final peninsular Neste achado teve João Calado Rodrigues intervenção igualmente determinante. Foi a abertura de uma estrada municipal, entre as povoações de Pereiro e do Castelo, que proporcionou a recolha de conjunto notável de peças metálicas, numa das barreiras da estada, escondido debaixo de um penedo e a cerca de 450 m da ponte sobre a ribeira do Pereiro (Fig. 5). O Dr. João Calado Rodrigues, actuado rapidamente, conseguiu reunir a totalidade das 35 peças encontradas no dia 6 de Março de 1943, a que se juntaram mais

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quatro, recolhidas pelo próprio quatro dias depois, no mesmo local. Informada através de detalhado relatório por si enviado, a Junta Nacional da Educação nomeou o Padre Eugénio Jalhay para dar seguimento ao processo e, de nova inspecção do terreno, depois da sua chegada a Mação, a 8 de Julho de 1943, mais três peças se obtiveram. O conjunto é constituído por foices de talão, pontas de lança, machados de talão e uma argola; punhais e espadas, argolas, braceletes, um punção e vários objectos indeterminados (Fig. 6 ). Este conjunto, publicado em 1944 por Eugénio Jalhay (Jalhay, 1944) passava a constituir um dos mais importantes acervos do Bronze Final do território português, e mesmo peninsular, justificando as sucessivas referências bibliográficas que desde então e até à actualidade lhe têm sido feitas, tanto em Portugal como no estrangeiro. Em 1970, M. A. Horta Pereira procedeu à revisão deste conjunto, ilustrado por magníficos desenhos de Duarte de Almeida e identificou, ainda que com reservas, um objecto cónico antes dado como indeterminado, como algaraviz de um tubo de forja (Fig. 7), objecto de extrema raridade em contextos do Bronze Final. Mas ainda subsistem dúvidas acerca de alguns objectos deste depósito, como é o caso de uma folha fina com cerca de 80 mm de comprimento e munida de apêndices, que não se confundem com rebites, em curso de estudo por Raquel Vilaça e colaboradores ao qual Maria Amélia Horta Pereira atribuiu, com reservas, a função de punhal de serrilha (Pereira, 1970: 200) (Fig. 7 ). Este achado corresponde a preenchimento de lacuna nesta região, já que daIdade do Bronze, eram apenas conhecidos até então os anéis helicoidais de bronze, de Abrantes, os primeiros testemunhos desta época noticiados da

FIG.3. Distribuição das alabardas e punhais líticos no território português, seg. E. Jalhay (1947, Fig. 1).

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FIG.4. Eugénio Jalhay, à esquerda, de pé, com Afonso do Paço (segundo da primeira fila) em Vila Nova de S. Pedro, numa pausa das escavações do povoado calcolítico fortificado. Foto Museu Municipal da Azambuja.

região em causa, por J. Leite de Vasconcelos (Vasconcelos, 1915: 182). Eugénio Jalhay termina o seu artigo por cuidado estudo comparativo com depósitos análogos, destacando o depósito do Casal dos Fiéis de Deus (Bombarral) e, em Espanha, os da ria de Hío (Pontevedra) e o da impropriamente designada ria de Huelva. Fora da Península, menciona o célebre depósito sardo de Monte Sa Idda, não deixando de salientar, de forma pioneira, as analogias peninsulares observadas na maioria das peças que integram aquele conjunto.

FIG.5. Capa da separata dedicada ao achado do Porto do Concelho, e duas vistas do local do achado.

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A profundidade da análise do arqueólogo vai ao ponto de discutir diversas teorias explicativas para a deposição na terra deste tipo de peças, partindo das três hipóteses por si enunciadas de Hugo Obermaier, uma das quais estabelecia conotação com práticas rituais, em geral associadas a oferendas às divindades aquáticas, como sugerem muitas das condições dos achados do território português, inventariadas por Raquel Vilaça em 2006 (Vilaça, 2006) (Fig. 8). Contudo, neste caso não pode invocar tal justificação, pois o local do achado encontra­se afastado várias centenas de metros da linha de água mais próxima a ribeira do Pereiro. Tal facto, contudo, não invalida que se possa tratar de um depósito ritual, embora entremos no campo das conjecturas onde quase tudo é possível e quase nada é susceptível de ser cabalmente demonstrado.

FIG.6. Conjunto metálico do Porto do Concelho seg. R. Vilaça (Vilaça, 2006, Fig. 45).

FIG.7. Artefactos de bronze do depósito do Porto do Concelho: algaraviz de forja e lâmina com apêndices, de utilização indeterminada, seg. Pereira, 1970, Fig. 103 e 98, respectivamente.

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4. Depósitos metálicos do Bronze Final das regiões envolventes: Ervedal (Castelo Branco) e Coles de Samuel (Soure) Três anos volvidos sobre a publicação do depósito do Porto do Concelho, foi publicada por Joaquim Sellés Paes de Villas­Boas (Villas­Boas, 1947), uma curta notícia sobre o depósito de Ervedal, a cerca de 28 km de Castelo Branco e perto da estrada para o Fundão, que, no entanto, foi a única publicada até ao estudo de A. Coffyn, datado de 1976 (Coffyn, 1976). O conjunto guarda­se no Museu Francisco Tavares Proença Júnior daquela cidade e é mais numeroso que o do Porto do Concelho, embora tipologicamente menos diversificado, avultando machados bivalves de talão e uma argola, de talão planos, e fragmento diversos, entre os quais de punhais de tipo Porto de Mós (Fig. 9). Avulta a presença de lingotes de bronze em forma de calote de esfera, que bem evidencia a importância do comércio transregional desta liga metálica, sob esta forma ou já sob a forma de artefactos prontos a usar. Mas a presença de artefactos incompletos ou fora de uso, evoca a conotação a simples sucata metálica, sugerindo assim tratar­se, neste caso, que se incluiu entre muitos outros, de conjuntos destinados a refundição. Um dos raros depósitos em que quase todas as peças parecem estar em estado de uso aquando da sua ocultação é o de Coles de Samuel (Soure), do qual se conhece cuidada publicação de Maria Amélia Horta Pereira (Pereira, 1971). Contudo, tratando­se de conjunto de peças adquirido por Bairrão Oleiro a um antiquário de Montemor­o­Velho, nos inícios da década de 1960, não existe a certeza do local do achado nem, tão­pouco, de se tratar de conjunto completo, sendo possível que só as peças completas despertassem o interesse do comerciante, por serem as mais vendáveis. Seja como for, o conjunto é actualmente constituído por 4 machados de alvado e de duas argolas, um machado de talão univalve com falta do gume e de uma

FIG.8. Deposições de peças metálicas da Idade do Bronze aquáticas e de margem, seg. Vilaça, 2006, Fig. 24.

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argola, seis foices de talão do tipo Rocanes, seis braceletes, das quais duas decoradas e duas outras só parcialmente conservadas, a que acresce um escopro (Fig. 10). A autora notou que dois dos machados de alvado foram produzidos a partir do mesmo molde, o mesmo se verificando com a totalidade das seis foices de talão e com as duas braceletes decoradas, considerando que, neste caso, se justificaria a designação de “esconderijo de fundidor”, interpretado como local só conhecido do metalurgista, ou dos que lhe seriam próximos. Estas duas ocorrências são, por conseguinte, as que maior interesse comparativo possui com o depósito do Porto do Concelho, não só pela diversidade da sua composição – permitindo discussão quanto à finalidades específicas de cada um deles – mas também pela proximidade geográfica com aquele.

FIG.9. Depósito do Ervedal, Castelo Branco, seg. Villas­Bôas, 1947, Fig. 2.

FIG.10. Depósito de Coles de Samuel, Soure, seg. Pereira, 1971, Est. 1.

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5. O Castelo Velho do Caratão A par do depósito do Porto do Concelho, esta é, sem dúvida, a estação da Idade do Bronze mais importante cuja identificação se deveu a João Calado Rodrigues, afigurando­se despiciendos quaisquer desenvolvimentos sobre esta estação, visto a mesma ter sido já objecto de comunicação a esta reunião por parte de Maria Amélia Horta Pereira Bubner, que ali procedeu a escavações com seu marido, em 1983/1984. Não poderia, contudo, deixar de se sublinhar a importância arqueológica deste sítio, logo percebida aquando das primeiras investigações realizadas. Com efeito, a data da identificação do sítio é conhecida, 20 de Junho de 1946 (data que hoje se comemora), bem como os resultados das escavações realizadas por João Calado Rodrigues, com o acompanhamento a distância de Eugénio Jalhay, no decurso daquele ano. A transcrição parcial das missivas que lhe foram remetidas por João Calado Rodrigues, publicadas por Maria Amélia Horta Pereira em 1970 são significativas a tal respeito. Verifica­se que, além de corresponder a sítio com ocupação neocalcolítica – destacando­se a recolha de bela alabarda – o local, implantado em alto estratégico, que “domina toda a região até aos Bandos, para norte, e até ao Tejo para sul” (Pereira, 1970: 104) (Fig. 11) – forneceu ao seu primeiro explorador importantes vestígios da Idade do Bronze. Estes, só muito mais tarde foram publicados por Maria Amélia Horta Pereira, com destaque para diversos artefactos metálicos, a par de produções cerâmicas, entre as quais as do grupo designado por “ornatos brunidos”, típicas do Bronze Final (Fig. 12), cuja representação foi aumentada pelas recolhidas por Maria Amélia Horta Pereira Bubner e Thomas Bubner, nas escavações ali realizadas em 1983/1984 e que se não publicaram.

FIG.11. O Castelo Velho do Caratão, ao centro, constituindo elevação isolada na paisagem (foto gentilmente cedida por R. Vilaça).

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6. O castro de S. Miguel, Amêndoa O impacto que a publicação do depósito do Porto do Concelho teve, logo seguida da dedicada à alabarda do Casal da Barba Pouca, animou Eugénio Jalhay a prosseguir os seus trabalhos em Mação, ainda que estes tivessem sempre origem nas informações recebidas do Dr. João Calado Rodrigues, que, na sua postura generosa, sempre permaneceu na sombra, deixando ao seu amigo jesuíta, por inteiro, os méritos que a ambos pertenciam. É assim que, cinco anos volvidos sobre a publicação do depósito do Porto do Concelho, uma outra surge, dedicada ao castro de S. Miguel, próximo da povoação de Amêndoa (Jalhay, 1949).O local já se encontra mencionado nas Memorias Parochiaes de 1758, bem como, no século XX, pelo Padre Henrique da Silva Louro, na sua “Monografia de Cardigos”, de 1939, e por António de Oliveira Matos, na obra “Monografia do concelho de Mação”, de 1947. A importância, arreigada no imaginário popular, que lhe estava associada explica o interesse que João Calado Rodrigues lhe dispensou, incentivando Eugénio Jalhay para ali realizar escavações, as quais se vieram a verificar em Julho de 1945 e em Julho de 1946, antecedendo a sua classificação como Monumento Nacional. Assim se identificaram e registaram casas de pedra seca, de planta rectangular, e uma muralha a toda a volta do cabeço publicadas por Eugénio Jalhay em 1949 (Fig. 13 e 14). Trata­se, com efeito, de um exemplo interessante e raro das influências mesetenhas de raiz céltica que, no decurso da Idade do Ferro, atingiram a bordadura ocidental do maciço hespérico, como ilustram as evidentes semelhanças entre as produções cerâmicas então ali recolhidas com a dos castros daquela região. O sítio conheceu ocupações posteriores, como atesta uma placa de cobre dourado, atribuível ao século VI ou VII d.C., reproduzida por Eugénio Jalhay (Fig. 15), a qual foi recentemente oferecida ao Museu de Lisboa pelos seus detentores que, segundo informação recebida de responsável daquele Museu, desconheciam a respectiva proveniência. Esta foi

FIG.12. Produções cerâmicas de “ornatos brunidos” e associadas, do Castelo Velho do Caratão, seg. Pereira, 1970, Fig. 11.

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agora, por feliz coincidência, ocasionalmente identificada no decurso da preparação desta comunicação. Aqui fica a sugestão da sua obtenção para o acervo deste Museu, já que constitui, até agora, o único testemunho da presença de época visigótica no concelho de Mação.

FIG.13. Capa da separata e planta do castro de S. Miguel, Amêndoa, seg. Jalhay, 1949.

FIG.14. Visita de um grupo de personalidades ao castro de S. Miguel, Amêndoa no dia 19 de Maio de 1949. O Dr. João Calado Rodrigues é o terceiro, de pé, a contar da esquerda. Do lado direito, em úlrimo lugar, observa­se Afonso do Paço, e sentado, à sua frente, o Padre Eugénio Jalhay (seg. Pereira, 1970).

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7. Epílogo Procurou­se sublinhar, de forma muito resumida, a importância dos trabalhos arqueológicos desenvolvidos no concelho de Mação no decurso da década de 1940 interessando sítios e materiais pré e proto­históricos, a que intencionalmente este contributo se cingiu, tendo presente as comemorações dos 70 anos da identificação do Castelo Velho do Caratão.Tais iniciativas, promovidas por João Calado Rodrigues, a que generosamente associou Eugénio Jalhay, resultaram, a breve trecho, em importantes descobertas e explorações, que se prolongaram por épocas ulteriores. Assim, logo em 1951, Bairrão Oleiro – outro amigo de Calado Rodrigues e figura ímpar da Arqueologia portuguesa – elencou, na revista Zephyrvs, os trabalhos que no concelho de Mação se vinham efectuando desde a década anterior (Oleiro, 1951), sublinhando os relativos à época romana, consubstanciados por epígrafes, estudadas por Jalhay, cuja onomástica evocava as raízes célticas da população romanizada, a par de estações arqueológicas, com destaque para a de Vale do Junco, na Ortiga. Assim, sem meios logísticos ou financeiros, mas animado de uma determinação pragmática aliada a um carácter bondoso, mobilizador vontades, a acção metódica e persistente de João Calado Rodrigues, fez com que Mação emergisse de um total desconhecimento, para se afirmar como uma das regiões do país onde maior quantidade de informação arqueológica se obteve, em tão curto espaço de tempo. Merecem destaque, pela sua efectiva importância, algumas estações então dadas a conhecer, como o depósito do Porto do Concelho e o Castelo Velho do Caratão, cujos 70 anos da sua descoberta hoje se comemoram. Com o apoio de Eugénio Jalhay, por si generosamente acolhido nesta terra, permitindo­lhe publicar em nome próprio o resultado das suas indagações arqueológicas e, depois do falecimento deste, a partir de 1951, com o que lhe dispensou João Manuel Bairrão Oleiro, seu sucessor como Vogal da Junta Nacional da Educação, soube o Dr. João Calado Rodrigues,

FIG.15. Desenho da placa visigótica de cobre dourado do castro de S. Miguel, Amêndoa, seg. Jalhay, 1949, Fig. 6 e foto inédita da mesma, gentilmente comunicada pelo Dr. Fernando Peixoto Lopes (Museu de Lisboa).

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até ao seu passamento, em 1953, projectar o nome de Mação nos anais da Arqueologia portuguesa. Mais: foi um dos raros que, em Portugal conseguiu de forma consequente, com o manancial de materiais por si exclusivamente carreados, lançar as bases de um futuro Museu Municipal que teve na Dr.ª Maria Amélia Horta Pereira Bubner uma sua qualificada e competente continuadora. Assim, os 70 anos da identificação do Castelo Velho do Caratão, foram, sem dúvida, a melhor justificação que poderia ter sido encontrada para a realização desta reunião científica, pois só honrando o árduo esforço dos antecessores, se justifica a acção no tempo presente, conferindo­lhe sentido e dignidade.

Referências bibliográficasCoffyn, A. (1976) L´Âge du Bronze au Musée de F. Tavares Proença Júnior. Castelo Branco: Museu Francisco Tavares Proença Júnior.

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Volume 5, p. 433­434; volume 39, p. 186. Lisboa, Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia.

Jalhay, E. (1944) O “esconderijo” pré­histórico de Pôrto do Concelho (Mação, Beira Baixa). Brotéria. Lisboa. 38 (3), p. 263­277.

Jalhay, E. (1947) A alabarda de sílex do Casal da Barba Pouca (Mação) e a expansão das lanças e alabardas líticas em Portugal. Brotéria. Lisboa. 44 (1), p. 36­56.

Jalhay, E. (1949) O castro de S. Miguel (Beira Baixa). Revista de Guimarães. Guimarães. 59 (1/2), p. 137­148.

Oleiro, J. M. Bairrão (1951) Actividades arqueológicas no concelho de Mação (Beira Baixa. Portugal). Zephyrvs. Salamanca. 2 (Mayo­Agosto), p. 107­109.

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Pereira, M. A. Horta (1971) O esconderijo do Bronze Final de Coles de Samuel (Soure). Arqueologia e História. Lisboa. Série IX, 3, p. 165­181.

Vasconcelos, J. Leite de (1915) História do Museu Etnológico Português. Lisboa: Imprensa Nacional.

Vilaça, R. (2006) Depósitos de bronze do território português. Um debate em aberto. O Arqueólogo Português. Lisboa. Série IV, 24, p. 9­150.

Villas­Bôas, J. S. Paes de (1947) Nuevos elementos del Bronce Atlántico en Portugal. Crónica del II Congreso Arqueológico del Sudenste Espanhol (Albacete, 1946). Albacete: Imp. Provincial.

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RESUMO: Com a descoberta a 6 de Março de 1943 do conjunto de peças da Idade do Bronze conhecidas como o Tesouro do Porto do Concelho começa a história do Museu de Mação, que teria, em 1946, um segundo momento nuclear, no Castelo Velho do Caratão. O protagonista deste ciclo fundacional foi o Dr. João Calado Rodrigues que projectou o Museu de Mação e teve sempre a preocupação de dar a conhecer às gentes de Mação o seu Património. O Dr. João Calado Rodrigues não viu o seu sonho realizado, mas o seu legado foi retomado pela Drª Maria Amélia Horta Pereira, que viria a orientar a conceção e a inauguração do Museu Municipal. Pela sua mão segue­se a etapa de concretização do projeto museológico, sempre com a preocupação de ligação à comunidade e à investigação, por si coordenada, e durante a qual procede a novas intervenções arqueológicas que consolidam uma visão integrada do património cultural e natural do concelho (na antiga exposição). A terceira etapa, a partir de 2001, inscreve­se na mesma lógica de pesquisa e envolvimento social das anteriores, olhando agora para a dimensão internacional e incorporando componentes como a experimentação, o ensino superior e a internacionalização. Neste novo ciclo, foram assumidos três alicerces fundamentais: as coleções e sítios arqueológicos e históricos de Mação e da região; a relação com a comunidade de Mação; e a articulação estreita com o ensino superior e a dimensão internacional, privilegiando a relação com o Instituto Politécnico de Tomar.

PALAVRAS­CHAVE: Museologia, Arqueologia, Ciências Humanas, Comunidade, Educação.

SARA CURA1 LUIZ OOSTERBEEK2

1Museu de Arte Pré­Histórica, Centro de Geociências da U.C., Instituto Terra e Memória, [email protected] Politécnico de Tomar, Museu de Arte Pré­Histórica, Centro de Geociências da U.C., Instituto Terra e Memória, [email protected]

1. A raiz: um Museu para educar Com a descoberta a 6 de Março de 1943 do conjunto de peças da Idade do Bronze conhecidas como o Tesouro do Porto do Concelho começa a história do Museu de Mação, que teria, em 1946, um segundo momento nuclear, no Castelo Velho do Caratão (Pereira, 1973). O protagonista deste ciclo

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fundacional, o Dr. João Calado Rodrigues, não era apenas um apaixonado pela arqueologia, mas sempre teve, a par da compreensão da importância da arqueologia para o entendimento das ocupações humanas do passado, a preocupação de dar a conhecer às gentes de Mação o seu Património e um olhar integrador sobre a realidade que o circundava, da qual a arqueologia era parte constituinte. O seu projecto de Museu foi sonhado e desenvolvido com base em pesquisas que procuravam o rigor académico (patente na procura de apoios em personalidades como E. Jalhay), mas também numa visão de Museu de proximidade com a comunidade, dando­lhe a entender a diversidade e complexidade dos vestígios mais antigos. Essa preocupação, em João Calado Rodrigues, acompanha a sua faceta de jornalista (aquele que diariamente informa, traduzindo em termos simples a realidade muitas vezes complexa, sem anular essa complexidade) e está bem presente nos seus esquiços de museu (muito próximo das escolas de ensino primário, isto é, com clara vocação instrutiva). João Calado Rodrigues, um intelectual de muitas vocações, tinha na sua visão da arqueologia a noção compreensão da importância desta ciência para o entendimento das ocupações humanas do passado. Um entendimento que ansiava comunicar às gentes de Mação para que estas conhecessem o seu passado e o apropriassem e valorizassem. Essa preocupação pautou toda a sua actividade arqueológica em Mação. Dada a sua formação interdisciplinar, João Calado Rodrigues tinha um olhar integrador sobre a realidade que o circundava, da qual a arqueologia era parte constituinte. Num aprimorado rigor na base do seu projecto de Museu, sem nunca esquecer a comunidade enquanto alicerce do sentido da sua vocação arqueológica. Por outro lado, o seu projecto era de instrução cívica e ancorado no Estado, com uma inequívoca vocação Patrimonialista. Toda a sua actividade em Mação visava a criação de um espaço de integração sócio­cultural. Foi nesse sentido que reuniu a coleção e chegou a esboçar o Museu (Fig. 1 e 2). Embora mantivesse contactos com arqueólogos de renome nacional devido ao seu rigor de trabalho a sua visão era pouco acompanhada pelas elites da época que não partilhavam da mesma preocupação de retorno à comunidade dos resultados da investigação científica (Fig. 3).

FIG.1. Esboço do alçado do Museu, elaborado sob orientação de João calado Rodrigues (acervo do Museu de Mação).

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2. A concretização: Um Museu para pesquisar, preservar, educar O Dr. João Calado Rodrigues não viu o seu sonho realizado, mas o seu legado foi retomado pela Drª Maria Amélia Horta Pereira, que viria a orientar a conceção e a inauguração do Museu Municipal. Pela sua mão segue­se a etapa de concretização do projeto museológico, sempre com a preocupação de ligação à comunidade e à investigação, por si coordenada, e durante a qual procede a novas intervenções arqueológicas que consolidam uma visão

FIG.2. Esboço da planta do Museu, elaborado sob orientação de João calado Rodrigues (acervo do Museu de Mação).

FIG.3. Castelo Velho do Caratão, à direita o Dr. João Calado Rodrigues (Foto do acervo fotográfico do Museu de Mação).

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integrada do património cultural e natural do concelho (na antiga exposição) e o reconhecimento da importância arqueológica do território para a pesquisa (Pereira, 1973). A Drª Maria Amélia Horta Pereira teve sempre a preocupação de organização sistemática do conhecimento histórico­arqueológico, expressa na inventariação do acervo do Museu e na sua grande obra «Monumentos Históricos de Mação», de 1970. Na sua intensa actividade foram ampliados os trabalhos de arqueologia e os acervos etnográficos e artísticos sempre numa lógica de institucionalização da pesquisa. A sua preocupação foi a de criar um museu ancorado no rigor da Inventariação e Preservação e focado na Pesquisa e Educação. Daí o envolvimento, nos trabalhos arqueológicos que orientou, de jovens voluntários de Mação, sendo muitos os que ainda recordam com nostalgia a participação nessas escavações (Fig. 4). O seu projecto, concretizado na abertura do museu, teve assim uma forte vocação museológica e municipalista, antevendo o que viria ser uma das características da realidade da gestão patrimonial na atualidade. Para a Drª Maria Amélia Horta Pereira, dada a sua vocação académica, o museu era um espaço de formação, elevação e ilustração cultural, expresso nas inúmeras actividades que envolviam jovens voluntários de Mação, bem como nos eventos científicos que organizou em Mação. Já num tempo distinto daquele em que viveu o Dr. João Calado Rodrigues, a Drª Maria Amélia Horta Pereira articulou com sucesso a sua atuação, influenciando a visão coletiva da comunidade de Mação e dos seus eleitos, que muito apreço tinham pelo museu e suas actividades.

3. A extensão: um museu para um território global A terceira etapa, a partir de 2001, inscreve­se na mesma lógica de pesquisa e envolvimento social das anteriores, olhando agora para a dimensão internacional e incorporando componentes como a experimentação, o ensino superior e a internacionalização.

FIG.4. Castelo Velho do Caratão: à esquerda Drª Maria Amélia Horta Pereira acompanhada de voluntárias nos trabalhos de escavação (foto do acervo do Museu de Mação).

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Neste novo ciclo, foram assumidos três alicerces fundamentais: as coleções e sítios arqueológicos e históricos de Mação e da região; a relação com a comunidade de Mação; e a articulação estreita com o ensino superior e a dimensão internacional, privilegiando a relação com o Instituto Politécnico de Tomar (Oosterbeek et al., 2009, 2011). Este tripé permitiu, nos últimos anos: alargar as atividades do Museu e consolidá­lo como uma referência em termos nacionais e internacionais; atrair novos residentes para Mação (estudantes e pesquisadores) e alargar as equipas de trabalho; estruturar uma rede que envolve hoje equipas em quatro continentes e um Centro e Investigação avaliado como excelente pela Fundação para a Ciência e Tecnologia; promover dezenas de projetos de investigação, ensino e cultura (maioritariamente financiados pela União Europeia); estruturar, junto com a população, diversos projetos, com destaque para os Espaços de Memória em distintas freguesias; organizar uma das maiores bibliotecas especializadas em arqueologia em Portugal; afirmar Mação como centro de referência em arqueologia, património e gestão do território (Cura e Oosterbeek, 2016) (Fig. 5). O Museu de Mação cresceu regularmente em número de utilizadores, de menos de 200/ano (2000) para mais de 15.000 (2010), recuando depois para 12.000, e estabilizando nos 10.000 (recuos registados após a entrada em vigor das portagens na A23 e, depois, do agravamento da crise económica). Mesmo neste contexto, o Museu foi crescendo em actividades, e no ano lectivo corrente voltou a crescer em número de alunos de pós­graduação residentes. O impacto no sector de serviços não administrativos de Mação representava, em 2012, cerca de 30% do volume de negócios (estudo realizado por uma empresa). A equipa nuclear, interinstitucional, inclui num primeiro círculo as especialidades de arqueologia, antropologia, história, geologia, engenharia geográfica, biologia, paleontologia, filosofia, pedagogia, comunicação, direito, economia e gestão. São hoje especialmente relevantes as seguintes redes em que assumimos responsabilidades relevantes: gestão integrada do território (incluindo

FIG.5. Áreas de actuação do Museu e principais parceiros (Instituto Terra e Memória, Centro de Geociências da Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Politécnicos de Mação)

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parcerias fortes com o sector empresarial da mineração, o sector académico e profissional dos estudos ambientais e em especial o Ano Internacional do Entendimento Global), direito do património (com uma relevante colaboração com a Ordem dos Advogados do Brasil e com a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa), pré­história (coordenação das principais redes mundiais e representação directa junto do Conselho Internacional de Filosofia e Ciências Humanas, Unesco) e gestão do património cultural (única entidade não universitária em Portugal que é reconhecida para efeitos de formação em doutoramento pelas agências de acreditação de cursos superiores em Espanha, sendo igualmente a estrutura de referência de HERITY International em Portugal). São igualmente pontos fortes a capacidade de coordenação de projectos internacionais, estando o ITM, com a CMM e com o IPT, envolvido em projectos do programa Horizonte 2020, Erasmus+ e diversos outros, incluindo a preparação da Conferência Internacional das Ciências Humanas, que a Unesco promoverá em 2017, em Liège. O ITM esteve institucionalmente presente em duas das três principais iniciativas internacionais no domínio da sustentabilidade: a Rio+20 (em parceria com a Confederação Nacional da Indústria do Brasil) e a task­force do Ano Internacional do Entendimento Global. O ITM mantém, também, contactos informais com a plataforma científica mundial “Future Earth”. Especialmente importante é a relação com o Centro de Geociências da Universidade de Coimbra. Mação é a sede de um dos três grupos de pesquisa do Centro, e o ITM (com o IPT) colaborou de forma muito direta na reorganização estratégica do Centro, alinhada com a estratégia 2020: com um grupo especializado em energia fóssil, outro em geotecnologias e o terceiro em comportamento humano adaptativo, o Centro afirma­se internacionalmente como uma plataforma que estuda os recursos energéticos, a sua utilização transformadora e os processos culturais e sociais que regulam ambas no tempo. Ainda que a avaliação dos Centros esteja ainda em curso, a avaliação já realizada foi extremamente positiva, sendo a melhor de entre todos os centros de investigação neste domínio, em Portugal.

4. O Museu de Mação no quadro da cultura e do desenvolvimento da região A estratégia da região, alinhada com o País e a UE, orienta­se para um crescimento inteligente (baseado no conhecimento e inovação – e neste plano o Museu promove o primeiro e o ITM estrutura o segundo); sustentável no plano ambiental e económico (e nesse plano Mação tem problemas na gestão florestal e nas cadeias económicas de produção, mas tem projectos claros, da biomassa ás empresas de aldeia) e inclusivo (e nesse plano Mação é especialmente forte no plano social). A ação do Museu e do ITM orienta­se, pois, para a dimensão do crescimento inteligente, mas claramente envolvendo a globalidade da população (Fig. 6). O ciclo 2014­2020 é orientado pela Comissão Europeia em torno da prioridade do crescimento sustentável e nclusivo, baseado no conhecimento. Essa orientação coloca à CIMT, a Mação e ao ITM a responsabilidade de contribuir em especial para o capital humano no processo, capacitando recursos humanos e desenvolvendo investigação sobre o território. O ciclo 2014­2020 é orientado para 5 prioridades: emprego (que deve

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FIG.6. Fachada do Museu de Arte Pré­Histórica e do Sagrado do Vale do Tejo, Mação (foto do acervo do Museu).

incorporar de forma clara o mercado de trabalho internacional), investigação e inovação (que é o nosso foco mas deve ser reforçado), alterações climáticas e energia (tendo o Museu e o ITM importantes competências no plano da didáctica destas temáticas), educação (foco óbvio no plano das pós­graduações promovidas pelo IPT) e luta contra a pobreza (na qual Mação é referência). No plano regional do Centro, que também é relevante para Mação, a CCDR­C considera ainda como prioridades a coesão territorial (linhas de trabalho como a gestão integrada do território ou os geoparques intervêm aqui), a capacitação institucional e a rentabilização de infra­estruturas existentes (em que uma acção concertada que combine os saberes dos diferentes grupos do CGC pode ajudar a articular e valorizar a rede de infra­estruturas da região quer no plano da sua rentabilização quer no da capacitação institucional para a sua operação, na linha do “Future Science”. A estas prioridades somam­se 5 palavras­chave: crescimento, inovação, economia, clima, recursos (áreas onde mais uma vez temos competências mas de forma dispersa). E todas se cruzam em 3 eixos de actuação: inovação, educação ao longo da vida, digital, podendo a actuação do ITM ser forte no primeiro e relevante nos restantes. Dois objectivos nacionais 2020 são fundamentais apesar de dificilmente atingíveis na região (75% de emprego da população adulta até aos 65 anos, 3% do PIB para I&D) e Mação e a CIMT podem contribuir para os outros 3: eficiência energética, redução do abandono escolar, 40% dos jovens no ensino superior, redução da pobreza. O projecto do Museu e ITM, nos últimos 10 anos, multiplicou por cinco o investimento público municipal, potenciando um crescimento demográfico com aumento do capital humano. O que é único em Mação é a aliança entre pesquisa (ITM), socialização do conhecimento (Museu), formação (CEPMAC) e globalização (de novo o

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ITM, que acaba de se constituir juridicamente no Brasil). Essa dinâmica deve servir toda a CIMT. A colaboração nos projetos do MIAA (Abrantes) ou do CIAAR (V.N. Barquinha) são expressões desta realidade, e é desejável que estes municípios dêem um passo mais ambicioso no sentido da criação de um pólo cultural tagano, que articule património, artes e economia. O plano que agora se propõe atende a 5 dos 6 eixos da visão estratégica para o Médio Tejo: educação (potenciando a articulação entre o Agrupamento de Escolas e o IPT através do Centro de Estudos Superiores Politécnicos de Mação – CEPMA), regeneração urbana associada a animação cultural (incluindo o edifício que se propõe venha a ser o espaço principal de exposições), sustentabilidade articulada com o património (não apenas com o turismo mas criando valor através da agregação dos referentes patrimoniais a produtos de qualidade para a exportação), equipamentos de coesão (reforçando o impacto socioeconómico e a geração de emprego em torno do ITM e do Museu), requalificação do tecido empresarial (papel essencial do CEPMA). Por outro lado, não sendo promotor é beneficiário directo dos investimentos relacionados com o 6º eixo: a conectividade regional (fibra óptica, transportes). Ainda no mesmo sentido, este plano converge directamente com 4 dos 6 vectores da visão para o MT 2020: na valorização do potencial endógeno, na diferenciação, na internacionalização e na rentabilização dos investimentos já realizados. O ITM, mercê da sua ligação ao Conselho Internacional de Filosofia e Ciências Humanas e ao painel do Ano Internacional do Entendimento Global, é a única estrutura do Médio Tejo articulada com a plataforma Future Earth. O binómio Museu/ITM representa cerca de 1% do orçamento do município, mas na medida em que atrai cerca de mais do dobro de financiamentos em projectos de pesquisa e inovação, na verdade leva a que Mação contribua para a meta de 2,7% a 3% de investimento do PIB em I&D. Contribui também para o aumento do peso de formados no Ensino superior (cerca de 2,2% da população da vila de Mação tem mestrado ou doutoramento).Neste sentido, o binómio Museu/ITM contribui para a internacionalização (vd. Ano de Portugal no Brasil, em que o ITM coordenou o único projecto que envolvia a AIP em Portugal e a CNI no Brasil), promove formação avançada com forte colocação profissional especializada (96%) e promove o desenvolvimento territorial. Trata­se de uma plataforma resiliente: durante a crise, perdeu 10% de utilizadores por ano, mas cresceu em orçamento e actividades na ordem de 15% ao ano. A plataforma de conhecimento e desenvolvimento que se estrutura em Mação serve a região, nos eixos prioritários dos espaços turísticos (vd. o papel do Museu nos processos HERITY, património imaterial ou PACAD), espaços de conhecimento (afirmação de um modelo de relação entre conhecimento e território que se está a projectar também fora de Portugal com base em Mação, com a criação do ITM Brasil) e espaços empresariais (com a rede de empresas que actuam em parceria com o ITM, como a Benefits & Profits ou a ARGO). O binómio Museu/ITM contribui assim para superar algumas fraquezas da região: a heterogeneidade territorial, que com a rede do Museu e ITM se pode converter num ponto forte; a perda de população qualificada em espaço periurbano; a baixa integração da rede patrimonial (que

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o ITM tem recursos para apoiar com escala internacional). Ajuda a enfrentar a ameaça da perda de centralidade da região e da Europa do Sul, pela projecção estratégica de Mação como foco de reflexão internacional sobre o património e o território. Poderá, em associação com o CEPMA, promover cursos de potenciação da fileira florestal e da agro­indústria, com foco na indústria das madeiras e dos presuntos. O próximo ciclo será, também, mais influenciado pela iniciativa “Future Earth” (Nova plataforma global para a pesquisa em sustentabilidade lançada na Conferência Rio+20) e outras que lhe são correlatas. Embora os financiamentos nacionais tendam a diminuir, e seja escassa a reflexão estratégica nacional (para além da vertente financeira), a verdade é que esse “vazio” deixa lugar a uma maior intervenção da comunidade científica internacional. O ITM, que já está registado na FCT e no European Research Council, deve afirmar­se como estrutura regional mas deve acompanhar, e quando possível intervir, nesse processo. Nesse sentido, o ITM pode ser um braço, em Mação, de uma estratégia de internacionalização da região. A base em que se desenha este século XXI é tendencialmente uma “base zero”, orientada para um futuro de incerteza. Nesse sentido, é fundamental ter em conta as opções de contexto (da Comissão Europeia, de centros de reflexão e dos grandes blocos regionais), mas ao pensarmos em sustentabilidade do Centro é fundamental considerar as necessidades sociais de base territorial (sobre as quais necessariamente se irão resolver as incertezas e que são o foco da nossa especialidade). O ITM, além de parceiros em mais de 50 países, tem associados em Portugal, mas também em Espanha, no Brasil e na China, sendo por isso uma plataforma internacional da região. Em termos imediatos, Mação, o Museu e o ITM, serão condicionados pelo CRER e as suas opções, que se desenvolverão num quadro de crescente competitividade europeia: ou seja, não se devem limitar ao leque de recursos directamente geridos pelo País através do Estado (num contexto de recursos crescentemente limitados), apostando seriamente nos fundos abertos à livre concorrência (geridos pela comissão europeia ou por outras agências, públicas e privadas, nacionais e sobretudo internacionais). Os investigadores do ITM, com apoio do IPT, têm experiência nesse domínio, que deveremos tentar potenciar.

5. Perspetivas Mação pode contribuir de forma decisiva para a consolidação do Médio Tejo, não apenas por ir coordenar diversas plataformas internacionais até 2017 (o Ano Internacional do Entendimento Global, a colaboração com o Conselho Internacional de Filosofia e Ciências Humanas, diversos projectos de Gestão do território, Arqueologia e Património), mas por se poder afirmar como primeiro município Português reconhecido pela Rede UNESCO de Cidades da Aprendizagem (Fig.7). Tratar­se­á de: consolidar em Mação uma centralidade do Médio Tejo em termos de construção de relações entre a região e os países atlânticos com base no reconhecimento e valorização do património arqueológico e de uma nova dinâmica de gestão territorial; afirmar Mação como exemplo de um modelo alternativo de museologia e museografia, socialmente ancorada na perspectiva do crescimento económico

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com base no reforço do conhecimento crítico sobre o passado; combater o despovoamento e a desertificação aprofundando a globalização e formando lideranças a nível internacional; estruturar um pólo patrimonial em rede com a região, mas marcado por singularidades – arte rupestre, museu “diferente” com actividades experimentais, sítios visitáveis com experiência prática de arqueologia (Castelo Velho da Zimbreira, Castro de S. Miguel da Amêndoa, antas), quinta neolítica com produção agrícola de alto valor acrescentado; e consolidar a liderança em Portugal no âmbito da arqueologia pública virada para a criação de novas economias, no âmbito de projectos internacionais como o TimeMaps, o Gestart ou o Apheleia (www.apheleiaproject.org). No final de 2000, iniciou­se uma relação com o município de Mação, que decorreu de imediato da necessidade de articular esforços para preservar a arte rupestre que havia sido encontrada no rio Ocreza. Assumimos a coordenação do Museu em 2001, e a primeira decisão foi criar uma comissão internacional de acompanhamento, que ajudou a elaborar o programa estratégico, que definiu o programa expositivo e todos os passos seguintes, até à actualidade (o programa está agora a ser revisto). Em 2005, o museu, depois de uma profunda remodelação, reabriu com a sua actual exposição permanente, a que mais tarde se somaram outras exposições, um segundo edifício (a antiga escola primária) e um conjunto de itinerários turístico­

FIG.7. Certificado atribuído a Mação em 2016 pelo seu programa integrado de ensino e aprendizagem, no qual o Museu ocupa um lugar de particular responsabilidade, junto com o Agrupamento de Escolas Verde Horizonte, a Biblioteca Municipal, a Universidade Sénior e diversas outras entidades, em articulação com o Município de Mação.

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culturais. Também em 2005, o Museu, em parceria com o IPT, passou a sedear o Mestrado Erasmus Mundus em Quaternário (único Mestrado de Arqueologia na Europa que é apoiado por Bruxelas), sendo que em 2007 passou a acolher aulas de doutoramento da UTAD e em 2009 passou a acolher uma unidade de investigação da rede da FCT. Em 2014 Mação passou a acolher aulas de um segundo Mestrado Erasmus Mundus do IPT (MTA – Gestão de Paisagens Culturais) e de um Doutoramento espanhol em Património. A lógica do Museu/ITM sempre foi a de produzir conhecimento científico validado em termos internacionais, e integrar a população nesse processo. Dos 5000 utilizadores em 2005 o Museu passou para 15.000 em 2009 (um pouco menos em 2010, mas com recuperação desde Setembro), e com um impacto económico muito forte: o Museu representa cerca de 20% do consumo do sector comercial em Mação) (Fig. 8). Discordando de alguma opções de gestão do património que tendem, em Portugal a segregar a cultura da economia, o Museu e o IPT coordenaram entre 2008 e 2010 a plataforma “Porto Seguro”, com o Brasil, que criou uma rede institucionalizada de cooperação, que integra instituições como o IPHAN e a Universidade de São Paulo, mas que é assumidamente orientada para integrar as dimensões cultural e económica em torno do conhecimento. O programa museográfico digital PACAD, desenvolvido em parceria com a empresa Benefits & Profits, é hoje uma rede que se está a estruturar e que inaugura um novo conceito museológico ligado à intervenção social. O programa do Museu/ITM é, na sua essência, um programa que assume a população local como sua primeira prioridade, numa óptica que intervém na reorganização social (Cura e Oosterbeek, 2016). O papel do Museu é o de promover espaços de encontro, de reflexão, de construções de conhecimento e de novos conceitos, e de elaboração de juízos críticos. Por isso, quando se iniciou o processo de reorganização do Museu, em 2002, se começou por

FIG.8. Inauguração no Museu da exposição “Os Deuses Sem Nome”, sobre arte rupestre, em 2008 (foto do acervo do Museu de Mação).

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elaborar um extenso inquérito à população, que tocou cerca de 10% da população do concelho (mais de 30% da população adulta). Até esta data, foram directamente envolvidos 85% das pessoas da vila e 60% das pessoas do Concelho. As iniciativas do Museu são orientadas por critérios académicos, mas sempre em diálogo com a população, e no pressuposto de que o Museu deve servir o conjunto da população e não apenas os seus visitantes (Fig 9). A primeira linha da actividade do Museu é a investigação, sobre as suas colecções e sobre todo o território. Reflectindo sobre o âmbito territorial do Museu de Mação, entendemos que ele tem de estar articulado com o território da população de que emergem os seus utilizadores, e é nessa perspectiva que a acção do Museu se torna global. O Museu desenvolve, actualmente, projectos de intervenção no Médio Tejo em Portugal, e em diversos países da Europa do Sul, África, América do Sul e Ásia. Estas linhas de intervenção regional cruzam­se com as linhas temáticas de pesquisa. Todos estes projectos funcionam graças à concentração em torno de Mação de mais de uma centena de investigadores, mais de 25% dos quais beneficiários de diversas bolsas de investigação. Ao concretizar projectos aparentemente longe de Mação, o Museu reforça a realidade local, promovendo designadamente uma inserção de estudantes e professores provenientes de mais de duas dezenas de países, no espaço sociocultural de Mação; nesta medida, tem­se conseguido uma adesão crescente da população (naturalmente mais céptica num primeiro momento) à dinâmica que se vai criando (Fig. 10). Se a investigação é a primeira linha de acção, a Conservação e a Formação são, indissociavelmente, a segunda. A conservação decorre sobretudo da capacidade de estudo aprofundado, mas também da intervenção técnica, executada a nível d e primeiros socorros no Museu, mas com uma infraestrutura ampla no Instituto Politécnico de Tomar. No plano da

FIG.9. Inauguração da exposição Histórias e Memórias, realizada em conjunto com a Biblioteca Municipal no Agrupamento de Escolas Verde Horizonte, em 2012 (foto do acervo do Museu de Mação).

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formação, e para além da já mencionada formação a nível pós­graduado, o Museu acolhe programas intensivos de forte expressão académica internacional, e criou um serviço educativo directamente emergente dos projectos de investigação, que integra os utilizadores no Museu na lógica de investigação sobre tecnologias e comportamento humano (o Projecto Andakatu, que une Arqueologia, Ciências, Tecnologia e Artes) (Cura et al., 2008, Cura et al., 2011). A terceira linha de acção é a comunicação. O objectivo do Museu é o de construir conhecimento, não apenas no meio académico mas no quadro social global. Este desiderato implica a elaboração de planos de comunicação e didáctica, que incorporam os serviços educativos já mencionados, mas se prolongam na discussão dos critérios de legendagem das exposições, na elaboração dos diálogos que estruturam as visitas guiadas (mais de 90% do total de visitas) ou a relação com a comunicação social (que, através do gabinete de imprensa da autarquia, tem um papel crucial na afirmação do Museu com pólo de diálogo e inovação cultural e social). Se a diferenciação é prioritária no plano comunicacional, a integração é crucial na quarta linha de acção, que corresponde aos serviços que o Museu tenta prestar à comunidade, para além das dimensões do estudo, conservação e disseminação cultural. Neste plano o museu está ainda a dar os primeiros passos, tendo começado por adoptar um rigoroso plano de gestão interna por objectivos, que em 2010 se alargou ao plano da gestão público­privada de parte das suas acções (com a empresa Benefits & Profits), e que, com a criação do Instituto Terra e Memória (já com uma delegação no Brasil) ganha uma nova dimensão.Esta actuação em quatro grandes linhas foi, por sua vez, escrutinada de forma independente, no processo de avaliação e certificação HERITY (sistema adoptado pelo Comité de Património Mundial da Unesco) que teve lugar em

FIG.10. Fachada do Instituto Terra e Memória.

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2010 e foi renovado em 2013, somando­se a diversos prémios e distinções internacionais recebidas nos últimos anos (tendo em 2014 recebido a Menção Honrosa do Prémio Ibero­americano de Museus e Educação). Os instrumentos operacionais do Museu/ITM na sua relação com a sociedade são essencialmente cinco. Em primeiro lugar a exposição permanente e a biblioteca especializada (com 60.000 referências), que constituem os espaços de acolhimento privilegiado do Museu. A ligação física da Biblioteca com a sala de exposições sublinha a importância que o acervo bibliográfico tem no conhecimento e visa dessacralizar os dois espaços. A exposição digital (que trabalha os conceitos de espaço, tempo e causalidade através de imagens) e a exposição táctil (construída com os invisuais e trabalha os mesmos conceitos pelo tacto), complementam esta lógica. Na verdade, todo o percurso do museu foi construído como uma peça barroca, com variações infinitas sobre um tema central muito preciso (o clima, o comportamento humano e a paisagem rural) que é trabalhado com recurso aos vários sentidos e em torno das categorias de espaço, tempo e causalidade. O segundo instrumento são os roteiros arqueológicos, de que foram criados dois (o circuito Lithos, e o circuito Rupestre, este centrado no Parque Arqueológico do Ocreza, itinerário com 11 Km) e se prepara um terceiro (o itinerário urbano da Vila de Mação). O terceiro são os Espaços de Memória. Em diversas freguesias, incluindo a sede do Concelho, o Museu apoia a organização de espaços que reúnem elementos de cultura material locais, associados a memórias de vida de cidadãos que vivem nessas localidades. Este projecto já começou a ser implantado no Brasil. O quarto são as redes de intercâmbio, que trazem a Mação um elevando número de pessoas, e designadamente de residentes de fora do Concelho e do País. Essas redes propiciam um confronto cultural não isento de inquietações, mas que constituem uma outra vertente da construção de uma sociedade integrada na base do reconhecimento e promoção da diversidade. Finalmente, o quinto é a relação especial com o Brasil, alicerçada nos projectos que se vêm desenvolvendo, na afinidade linguística e, também, na convergência de preocupações académicas e de intervenção social que unem as equipas que, de um lado e do outro do Atlântico, procuram intervir nestas problemáticas. Estes cinco eixos de actividade articulam­se em torno de três eixos de desenvolvimento, que norteiam o plano de gestão do Museu: Território, Qualificação e Qualidade. Na vertente do Território, o Museu assume­se como um seu elemento nodal, a partir dos campos da Arqueologia, da Arte Rupestre, da Arquitectura, das Artes e dos saberes tradicionais, que se são os seus campos de intervenção social. Na vertente da Qualificação, o Museu assume­se como espaço de construção de conhecimento, que toma a Biblioteca e as exposições como instrumento, e que promove acções de debate e de formação. Na vertente da Qualidade, o Museu assume­se como espaço de exigência, exteriormente controlada.

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O povoado da Idade do Bronze do Castelo Velho do Caratão

RESUMO: o povoado do castelo Velho do Caratão representa um ponto de partida da investigação arqueológica no Concelho de Mação. Alvo de estudos desde da década de ’40 do séc. XX, foi escavado em duas campanhas (1983 e 1984) pela equipa do Museu Municipal “Dr. João Calado Rodrigues”. Se trata de um povoado de altura amuralhado ocupado na Idade do Bronze Final, mas com vestígios materiais que testemunham uma ocupação que recua ao Calcolítico.

PALAVRAS­CHAVE: Idade do Bronze Final; Povoado Amuralhado; Cerâmica; Metais.

MARIA AMÉLIA HORTA PEREIRA

1. O sítio e a sua colocação na paisagemEntre Bandos e RebandosE os dois Caratões ambose a Rua da Amieira, e o penedo do Aivado, há oiro arraiado, que chega ao ferro do arado(tradição popular da aldeia do Caratão)

Estes versos populares explicam de certo modo o povoamento antigo do cabeço quartzítico chamado hoje Castelo Velho do Caratão, situado a nordeste de Mação entre as Ribeiras do Aziral e do Caratão. É colocado numa posição estratégica sendo que desde este cabeço se pode ter uma amplia visão sobre as terras envolventes até vários quilómetros (Fig. 1). Geologicamente, desde da análise da Carta Geológica, na área que integra a Zona Centro­Ibérica do Maciço Hespérico caracterizada pela sua diversidade geológica, é possível colocar o arqueossítio em zona de Arenitos e Quartzitos imaturos com Xistos intercalados (Romão et al. 2000). Holograficamente se trata de um cabeço com vertentes bastante abruptas, especialmente dos lados das duas Ribeiras (Aziral e Caratão).

2. A investigação arqueológica Em 1946, só três anos depois a descoberta do esconderijo do Porto do Concelho (Jalhay 1944), o Dr. Calado Rodrigues identificou no cabeço do Castelo Velho, a menos de 2 km. desde da aldeia do Caratão, um provável

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povoado amuralhado proto­histórico e começou a executar algumas sondagens no terreno que permitiram recolher cerâmica com decorações brunidas e alguns bronzes (Horta Pereira, 1970). No curso das décadas sucessivas, sempre o Dr. Calado Rodrigues recuperou mais materiais, nomeadamente bronzes e os guardou na sua coleção que se tornaria anos depois o acervo do Museu Municipal Dr. Calado Rodrigues. Entre os metais recuperados se encontrava um de acordo com os paralelos, é datável a partir do séc. XVI a.C., mas infelizmente desapareceu. Se encontraram também uma adaga de cobre muito semelhante às de tipo argárico datável do Bronze Médio (sécs. XV­ XIII a.C.) e um machado plano, este datável entre o Bronze Pleno e Final (séc.s XIV­XII a.C.) (Fig. 2). Com as atividades do então recém­criado Museu Municipal Dr. Calado Rodrigues, em 1983 e 1984 iniciaram­se duas campanhas de escavação extensivas, abrindo um sector de 23 mt. x 15 mt. na encosta virada para norte (em direção da Ribeira do Aziral) interessando o mesmo ponto onde o dr. Calado Rodrigues escavou uma sondagem menor nas décadas anteriores. Se encontraram duas linhas de muralha de terraceamento, que corriam paralelas às linhas de cota e que se apoiavam nos esporões de quartzito. No espaço entre os dois muros se encontraram duas bases de cabana, com estrutura pétrea na base, e varais lareiras (Fig. 3). Durante as duas campanhas e escavação se recuperaram mais de 22.000 fragmentos de cerâmica, bem como vários bronzes, um cadinho de fundição e um fragmento de conta de âmbar.

3. Os Materiais e a caracterização do sítio Entre os fragmentos cerâmicos recuperados desde 1946 até a última campanha de escavação de 1984, se contam vários fragmentos de formas carenadas com ornados brunidos (Fig. 4). Geralmente um consistente número de fragmentos cerâmicos, embora representando a minoria do total dos fragmentos, revela excelente fatura, especialmente no tratamento das superfícies (ou brunido ou simplesmente brilhante). Os metais recuperados revelam a presença no povoado de várias categorias de objetos: armas, ferramentas, ornamentos pessoais, pingos de fundição e pequenos lingotes. Isso indica a presença de um metalurgista no povoado. Sendo que muitos dos bronzes encontrados são sucadas, e tendo em conta a proximidade com o esconderijo do Porto do Concelho (onde há também sucadas de objetos datáveis da Idade do Bronze Final), não é arriscado afirmar que no Castelo Velho do Caratão era ativo um atelier metalúrgico que aproveitava também de sucadas para as suas necessidades de matéria­prima. A presença de um fragmento de conta de âmbar é significativa, enquanto se trata de um material precioso e exótico, encontrando­se principalmente no mar Báltico: é provavelmente mais uma indicação, em conjunto com a cerâmica fina e a atividade metalúrgica, de que uma elite dominante era sedeada no Castelo Velho do Caratão.

Referências bibliográficas:Horta Pereira, M. A. (1970) Monumentos Históricos do Concelho de Mação, Mação: Câmara Municipal de Mação.

Jalhay, E. (1944) O esconderijo pré­histórico do Porto do Concelho (Mação, Beira Baixa), Brotéria, 38, pp. 263­277.

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Kristiansen, K.; Larsson, T. (2006) La emergencia de la Sociedad del Bronce. Viajes, trasmissiones y trsformaciones, Barcelona: Bellaterra.

Oliveira Jorge, S. (1996/1997) Diversidade Regional na Idade do Bronze da Península Ibérica. Visibilidade e opacidade do registro arqueológico, Portugalia, n.s., XVII/XVIII, pp. 77­96.

FIG. 1. Implantação das áreas das escavações de 1983 no cabeço do Castelo Velho do Caratão, com as vistas dos vales envolventes desde o cabeço.

FIG.2. Machado de provável tipo Bujões/Barcelos e adaga argárica encontrados pelo Dr. João Calado Rodrigues no Castelo Velho.

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FIG.3. Plano de escavação de 1984 com as estruturas encontradas (desenho Doutor Thomas Bubner).

FIG.4. Formas e ornados brunidos encontrados nas escavações de 1983­84 (desenho de Doutor Thomas Bubner).

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O sítio amuralhado de altura do Castelo Velho da Zimbreira (Envendos­Mação). Cinco anos de investigação num lugar estratégico.

RESUMO: O Castelo Velho da Zimbreira é um sítio amuralhado de altura implantado num cabeço, no topo da crista da quartzítica de Mação­Envendos­Amêndoa, no seu extremo mais oriental. Foi alvo de intervenções de emergência em 2004­2005 e 2008 e de campanhas de escavações entre 2011 e 2016. O sítio revelou ser, provavelmente, um pequeno recinto amuralhado, implantado com a intenção de criar um lugar de controlo sobre o território, e de abrigo para a povoação em caso de perigo. Não existindo vestígios de uma ocupação continuada como um verdadeiro povoado. Do ponto de vista cronológico, quer em termos relativos (material cerâmico), quer em termos absolutos (datação recolhida junto à fundação da linha de muralha mais externa), os dados apontam para uma ocupação que se desenvolveu durante a recta final do Bronze Final (sécs. VIII­VII a.C.). A coincidência entre a cronologia da muralha, e o tipo de sítio (controlo e defesa do território), parece revelar a necessidade, por parte da povoação local, de defender o território envolvente, rico em recursos, e durante um período em se assiste à chegada de vários materiais às zonas ribeirinhas do Médio Tejo português.

PALAVRAS­CHAVE: Idade do Bronze Final, estação amuralhada, defesa do território, Médio Tejo português;

DAVIDE DELFINO1

PEDRO CURA2

1Instituto Terra e Memória/Grupo Quaternário e Pré­História do Centro de Geociências da Universidade de Coimbra; Câmara Municipal de Abrantes/projeto Museu Ibérico de Arqueologia e Arte; União Internacional de Ciências Pré­Históricas e Proto­Históricas/Comissão Científica "Âges des Metaux en Europe").2Instituto Terra e Memória/Grupo Quaternário e Pré­História do Centro de Geociências da Universidade de Coimbra;

1. Enquadramento Geo­Olográfico e geológico Povoado da Zimbreira conhecido como “Castelo Velho da Zimbreira” está situado num esporão sobranceiro à confluência da ribeira da Zimbreira (onde se encontram as pinturas rupestres do Pego da Rainha) com o rio Ocreza, na proximidade da confluência da ribeira da Pracana com o rio Ocreza, (hoje

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coincidente com a albufeira da barragem da Pracana) e a cerca de 3,5 quilómetros a Norte da desembocadura do rio Ocreza no rio Tejo. O sito encontra­se implantado num cabeço, na extremidade de uma crista quartzítica, de onde é possível dominar uma paisagem de 360º, controlando visualmente os caminhos de cume da rota Bando dos Santos­Castelo Velho do Caratão­Castelo de Vale de Grou­Castelo Velho da Zimbreira­Serra do Carvoeiro, bem como os cursos do rio Ocreza e da Ribeira da Pracana. Localizado no topo de um cabeço, a 432 m de altitude, o sítio do Castelo Velho da Zimbreira tem as seguintes Coordenadas UTM: latitude N 39º 34’, longitude W (Greenwich) 7º 49’ 30” (Folha 323 C.M.P. 1:25.000 da Carta Militar). Em torno do povoado as altitudes médias não ultrapassam os 300 metros, e a Sul destaca­se o Tejo e a imensa planície alentejana. Do lado norte deste cabeço, onde está instalado o sítio, a crista quartzítica encontra­se fraturada por uma das falhas que ocorrem frequentemente ao longo desta formação. As encostas são bastante escarpadas, especialmente na vertente Este, sobranceira à Ribeira da Pracana. Só no lado Oeste a encosta é mais acessível, fazendo parte de uma cumeada na crista quartzítica. Hoje­em­dia, nesta área estão implantadas uma torre de vigia para os incêndios e uma turbina eólica. Geologicamente o sítio está implantado numa área do maciço Hercínico, correspondente a formações do quartzito Armoricano, compreendendo quartzitos, siltitos e conglomerados, do Ordovícico Inferior. Nas margens da Ribeira da Pracana, do rio Ocreza até ao Tejo, ocorrem metagrauvaques grosseiros, intercalados de filitos listrados e conglomerados (Câmbrico Médio). No interior das formações do quartzito Armoricano, destacam­se uma faixa de xistos e siltitos, estando representados quartzitos cinzentos com intercalações de xistos negros (Silúrico) (Romão & Esperancinha 2000; Gomes, 2013).

2. O sítio e os trabalhos de 2004­2005, 2008 e 2011­2016 Os vestígios visíveis hoje­em­dia contam com pelo menos duas linhas de muralhas em pedra seca, que cercam o cabeço onde se encontram a torre de vigia e a turbina eólica modernas. Ambas as muralhas foram cortadas pelo estradão de terra batita que dá acesso ao topo da elevação, sendo hoje perceptível só dois troços de muralha na vertente Norte /Oeste. A linha de muralha mais interna, que delimita uma área reduzida de cerca 0,32 hectares, é a que se encontra em pior estado de conservação, tendo­se verificado, que o troço ainda visível está num avançado estado de erosão. A linha externa, que é a mais extensa, com cerca de 120m de comprimento, e que abarca aproximadamente 0,51 hectares, é também a mais visível, embora se encontre, igualmente, numa fase bastante adiantada de destruição. No limite Este, ambas as muralhas se encontram apoiadas, a esporões de quartzito, que separam a área cercada de um declive extremamente acidentado. As duas linhas de muralha continuam a desenvolver­se ao longo de toda a vertente Norte/Oeste, para depois mudarem a sua orientação para Sul/Este. A partir deste ponto a muralha externa encontra­se destruída pelo estradão, enquanto que a muralha interna sofreu várias destruições devido a alguns trabalhos efetuados no topo do cabeço. De qualquer forma é possível perceber que as linhas de muralhas para Norte/Oeste e Sul e os esporões de quartzito para

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Este, circunscrevem uma área de povoamento de forma em “J” (Fig. 1a). A história das escavações inicia em 2004/2005 com uma prospeção e uma sondagem de acompanhamento à implantação da turbina eólica (Oosterbeek et al. 2005), durante os quais foram identificadas as duas linhas de muralhas já mencionadas por M. A. Horta Pereira (Horta Pereira 1970: 44, 46­50, 102­131). Posteriormente, em 2008, os trabalhos foram retomamos devido à implantação de uma central de telecomunicações, tendo sido efectuada uma escavação na zona afectada. Em 2011, voltaram­se a fazer trabalhos de escavação, desta vez focados em estudar a muralha externa e a área interna do povoado circunscrita por esta. Os trabalhos foram efetuados com uma cadência anual: ­ em 2011 ao abrigo do P.N.T.A. “RupTejo” (Delfino et al., 2013: 187­188), ­ entre 2012­2015 ao abrigo do P.N.T.A. “C.A.I.T.A.R.” ­ em 2016 ao abrigo do P.I.P.A. “Est.Ter.Tejo”. Nestas campanhas de escavação, foram perseguidos os seguintes objetivos: 1) perceber a natureza e a técnica de construção da muralha externa; 2) datar com mais precisão a ocupação do sítio; 3) perceber a dinâmica de ocupação do sítio.

3. O Contexto Arqueológico Durante as cinco campanhas de escavação (2011, 2012, 2013, 2015 e 2016) realizaram­se seis sondagens ao longo da muralha externa, designada como muralha 2, enquanto a muralha interna é a muralha 1. Partindo da extremidade Norte­Este, foram implantadas as áreas A­B e C­D onde se encontrava uma grande concentração de pedras derrubadas. As áreas A e C foram implantadas no limite interno da muralha, enquanto que a B e D foram implantadas no limite externo, a E no centro da linha da muralha e a F no limite Sul/Oeste (Fig. 1B). As áreas A e C foram implantadas no interior do recinto, sendo que o corte NO de ambas encosta ao limite interior da muralha. As áreas B e D foram montadas na parte externa da muralha, junto ao seu limite exterior, com o intuito de perceber o desenvolvimento do derrube. Em sítios amuralhados de altura a deposição dos materiais e sedimentos é travada pelas muralhas, acumulando­se junto aos limites desta e apresentando uma situação de estratigrafia invertida, seguindo os princípios de coluvião dos sedimentos em sítios de altura (Mannoni, 1971). Esta linha muralha (muralha 2) apresenta duas grandes concentrações de blocos nas suas extremidades, não sendo praticamente perceptível na sua parte central: foi com o objectivo de se verificar se se tratava de uma muralha continua que se abriu a área E: sensivelmente a meio da linha de muralha e na parte interna do recinto. A área F foi aberta na extremidade a Sudoeste, onde se encontrava uma cumulação de derrube idêntica à da extremidade Nordeste; neste ponto verificou­se a existência de uma concentração de blocos atípica na área interna à linha de muralha. Desta forma, resolveu­se, averiguar a natureza desta acumulação, podendo ser uma provável estrutura pétrea interna pertencente à área de ocupação.

3.1. A estratigrafia A metodologia de escavação adoptada foi a defendida por Barker Harris, isto é as Unidades Estratigráficas são removidas de acordo com a sua ordem natural de deposição. Para cada área adoptou­se uma série numérica diferente: 101­199 na área A, 301­399 na área C, 401­499 na área E e 601­699 na área

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F. Nas áreas B e D foi dada a mesma sequência (201­299) devido ao facto de estas se encontrarem a poucos metros de distância, facilitando assim o processo de unificação das UE’s.Estratigraficamente não se encontrou nenhuma camada em posição primária, ou paleosolo, sendo comum às áreas internas e à linha de muralha a sequência esta sequência estratigráfica:

UE 1 (respetivamente UE 101 na área A, UE 301 na área C, UE 401 na área E e UE 601 na área F): camada humoso­siltosa de cor castanha muito escura (código Munsell 7.5YR2.5/1), com potência variável nas diferentes áreas (área A até 5 cm., área C até 15 cm., Área E até 7 cm., área F até 10 cm.) e de consistência muito solta, com evidentes marcas de combustão devido aos incêndios recentes (2003 e 2005), com inclusões orgânicas (raízes, musgo) e algumas pedras de dimensão medio­ grande, derrubadas desde cotas maiores, encostadas à muralha 2. Do ponto de vista arqueológico esta Unidade é estéril, com exceção da área E onde foi recolhida cerâmica proto­histórica com um índice de rolamento e fartura bastante elevado. Relações estratigráficas: em todas as áreas cobre a UE 3 e a UE 2.

UE 2 (em todas as áreas nomeada UE 102): trata­se do desmoronamento superficial da muralha 2, constituída por blocos de pedra seca de média e grande dimensão, que atualmente, se encontram, em parte, deslocados do seu sítio original, devido ao desgaste e ao processo de erosão, formando mais uma acumulação de blocos e não uma verdadeira muralha. Está presente em todas as áreas. Relações estratigráficas: coberta por UE 1 nas áreas A, C, E e F; cobre na área D UE 7, UE 8 e UE 11, nas áreas A e E UE 5; depende de UE 4 na área A, C, E e F e de UE 3 na área A.UE 3 (respetivamente UE 103 na área A, UE 402 na área E e UE 603 na área F, está ausente na área C): camada siltosa­ arenosa de cor castanha clara (códice Munsell 7.5YR 4/3), com potência variável entre os 15 e os 25 cm, de consistência compacta variável, com presença de muitas raízes e pedras de pequenas dimensões (média cm. 7 x 4) na sua composição. Na base desta Unidade, foram identificados, em todas as áreas, fragmentos de cerâmica proto­histórica, na maioria dos casos de dimensões reduzidas e com um alto índice de rolamento e fratura. Só na área F se encontra quase toda coberta pela UE 1, cobre a UE 4 e o afloramento, na sua parte superior apoia­se na UE 2 (área A). É praticamente estéril, contendo poucos fragmentos de cerâmica na sua base. Relações estratigráficas: é coberta pela UE 1, cobre UE 4, apoia­se na UE 2.

UE 4 (respetivamente UE 104­ que inclui as UE’s 105 e 106­ na área A, UE 303 na área C, UE 404 na área E e 604 na área F): Camada composta maioritariamente por pedras de média dimensão (medidas médias cm. 19x20), de potência variável entre os 25 e os 30 cm. Sedimento com presença de material orgânico (raízes), cor castanha clara (código Munsell 7.5YR 4/3), com consistência ligeiramente arenosa, contendo nas áreas A, E e F numerosos fragmentos de paredes de cerâmica, com índice de rolamento e fratura variável, mas na maioria bastante elevado. No entanto, na área C os fragmentos de cerâmicas apresentavam maiores dimensões e um índice de fratura menos elevado. Relações estratigráficas: coberta por UE3, cobre UE5 nas áreas A e E e cobre o afloramento em todas áreas, se apoia a UE 11.

UE 5 (respetivamente UE 107 na área A e UE 403 na área E):

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Camada de cor preto, de consistência pulverulenta e composição limo­carbonosa. Aparece diretamente debaixo das pedras da muralha 2 (UE. 2) em ambas a áreas, avançando poucos centímetros até o interior da linha de muralha. Tem uma potência de acerca 20 cm., sendo irregular em alguns pontos. Revelou­se completamente estéril. É composta por um sedimento siltoso, e por carvões de tamanho médio. Relações estratigráficas: coberta por UE2 e por UE4 em ambas as áreas, cobre o afloramento em ambas as áreas.

UE 6 (UE 602 na área F): Camada composta por um derrube de blocos de dimensão médio/grande (medidas médias 30 cm.x40 cm.) que mergulham na UE 1. Relações estratigráficas: estão incluídos na UE 1, apoiam­se parcialmente na UE2.

UE 7 (UE 201 na área B e D): Camada composta por blocos de dimensão médio/grande, derrubados, estéril, com algum sedimento pertencente à UE1 entre as pedras. Relações estratigráficas: cobre UE 2 e UE 8.

UE 8 (UE 201a nas áreas B e D): camada composta por um sedimento humoso­arenoso, de cor castanho muito escuro (código Munsell 7.5YR2.5/1), com uma potência de 3 a 4 centímetros, consistência solta, com marcas de incêndio e várias inclusões de raízes. É estéril e apresenta diversas pedras de pequena dimensão dispersas pelo depósito. Relações estratigráficas: é coberta pela UE 7 nas áreas B e D, cobre UE 9 na área B e a UE 10 na área D.

UE 9 (UE 202 na área B): camada de cor castanha clara (código Munsell 7.5 YR7/8), com potência de 20­25 cm, de consistência meio compacta, contendo pedras pequenas (dimensões médias cm. 15x10) e algumas raízes. É estéril. Relações estratigráficas: é coberta pela UE 8, cobre o afloramento.

UE 10 (UE 203 na área D): camada composta por pedras de dimensão médio/grande (dimensões médias de 35x25 cm) não contendo nenhum sedimento entre as pedras. Relações estratigráficas: é coberta pela UE 8 e UE 7, cobre o afloramento.

UE 11 (UE 204 na área C e D): trata­se da muralha 2, na parte em que se apresenta melhor conservada, aparecendo, na área C, o seu limite interior, e na área D, o seu limite exterior. É composta por pedras de grandes dimensões (medidas médias 40x50 cm.). Relações estratigráficas: é coberta pela UE 2, e depende da UE 4.

3.2. Os materiais (Fig. 2)UE 1 Foram encontrados materiais nas áreas A, C e E, um total de

113 fragmentos cerâmicos, dos quais 10 são consideradas peças diagnóstico. O material apresenta um alto índice de rolamento e fratura e as dimensões médias dos fragmentos rondam os 4x5 cm. Entre os materiais, considerados diagnósticos, conta­se a presença de 2 fragmentos de carenas (1 arredondada e uma pontiaguda), um fragmento de parede com pega canelada, 4 fundos (um concavo e três planos), uma aplicação plástica em forma de mamilo e dois bordos extrovertidos.

UE 3 Foram encontrados materiais nas áreas A, E e F, um total de 530 fragmentos cerâmicos, dos quais 53 são considerados materiais diagnósticos. O material apresenta um alto índice de rolamento e de fratura,

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salvo raras exceções em que as fraturas estão menos arredondadas, as dimensões médias dos fragmentos rondam os 4,5 X 6 cm. Entre os materiais diagnósticos contam­se 17 bordos arredondados extrovertidos, 6 fundos planos, 5 carenas pontiagudas, 5 carenas arredondadas, 2 bordos pontiagudos, 3 taças fragmentadas com carena pontiaguda, 2 bordos com impressões digitais, 2 pegas furadas verticalmente sobre carena, 1 fundo côncavo, 1 pega furada verticalmente, 1 bordo decorado com incisões, 1 bordo com pega de lingueta, 1 fundo com pé, 1 fundo com parede baixa e bordo arredondado, 1 fragmento de colo de forma fechada, 1 fragmento de parede com decoração de estrela de seis pontas brunida e na parede interna uma impressão parcial de uma folha, 1 fragmento de parede com decoração brunida de rombos, 1 fragmento de fundo com decoração brunida de linhas paralelas, e 1 fragmento de parede com decoração de impressões digitais.

UE 4 Foram encontrados materiais nas áreas A, C, E e F, num total de 206 fragmentos cerâmicos, dos quais 20 são considerados materiais diagnóstico. O material apresenta um índice de arredondamento das fraturas bastante elevado, mas inferior ao do material das UE 1 e 3 e as dimensões médias dos fragmentos rondam os 4x5 cm. Entre os materiais diagnósticos conta­se com a presença de 10 fundos planos, 2 bojos com arranque de colo, 1

FIG.1. Plano geral do Castelo Velho da Zimbreira com a posição das áreas de escavação (esquerda), autoria Pedro Cura; fotografia aérea do cabeço com a indicação das duas linhas de muralha (direita), fonte GoogleHeart.

FIG.2. Material cerâmico encontrado: Área C, UE 4 (n.º 1) UE 3 (n.º 2, 3, 7); Área A, UE 3 (n.º 4, 6, 8, 10, 11, 12 e 13), UE 4 (n.º 5, 9), autor Davide Delfino.

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fragmento de malga carenada com dois mamilos, 1 pega de lingueta, 1 pega furada verticalmente, 1 fragmento de parede com orifício, 1 fragmento de carena pontiaguda, 1 elemento plástico em forma de mamilo grande, 1 fragmento de parede com impressões digitais e 1 fundo com pé. Entre os fragmentos de parede do material não diagnósticos contam­se 7 com tratamento brunido. Os fragmentos foram classificados, antes do enquadramento nas categorias morfológicas tradicionais, tendo em conta 2 critérios: a mistura de desengordurantes minerais visíveis à lupa (quartzo, feldspatos, rochas máficas, micas e chamotta) e as marcas tecnológicas (tratamento das superfícies, presença do chamado “coração preto” e espessura das paredes). Cruzando­se estes dados em “categorias ceramológicas” de acordo com o modelo tecno­tipológico de estudo da cerâmica (Delfino 2014: 23­28), de modo a não sobre valorizar o possível número de formas em função do número dos fragmentos. Assim foi possível encontrar elementos morfológico­decorativos para os quais se pode atribuir uma cronologia relativa:

­ formas genéricas mas típicas da Idade do Bronze nomeadamente a malga carenada com dois mamilos da UE 4 e as taças carenadas da UE 3; formas mais difusas, que se encontram entre Idade do Bronze Final e Primeira Idade do Ferro, como os bojos com arranque de colo que fazem entrever formas fechadas com colo alto da UE 3; elementos de formas que apontam mais para a Primeira Idade do Ferro, como os dois fundos com pé das UE 3 e UE 4.

­ decorações que apontam para a Idade do Bronze Final, como os ornados brunidos presentes em 2 fragmentos de parede da UE 3, entre as quais, uma muito atípica (a estrela de seis pontas) e num fragmento de fundo sempre da UE 3. Os seixos de quartzito que se encontraram na UE 3 (na área A) podem ser considerados não naturais neste afloramento, considerando a geologia do sítio, tendo sido levados para aqui por ação antrópica. Pensando no seu hipotético uso, por parte de quem ocupou este lugar na Proto­História, estes podem estar relacionados com diversos tipos de actividades, uma delas poderá ser para trabalhar lâminas metálicas de tamanho reduzido, sendo que o seixo encontrado inteiro apresenta as faces bastante planas.

3.3. As estruturas Na área imediatamente interna à muralha 2 não se encontraram estruturas habitacionais, lareiras ou paleosolos. O facto de apenas 35 dos 360m2 de área plana existente a montante da muralha, terem sido alvo de escavação, não significa que seja precipitada, da nossa parte, a afirmação de que não existem estruturas de habitação dentro da primeira linha de muralha. Na realidade, as 4 sondagens no interior da linha (A, C, E e F) foram implantadas ao longo de toda a muralha, cobrindo toda a sua extensão. Tendo­ se verificado, ao longo desta, os mesmos processos de deposição estratigráfica, sendo possível correlacionar as UE’s das diferentes sondagens. Neste momento a interpretação possível parece ser bastante clara: a linha de muralha delimitava uma área não habitacional, mas sim um caminho, que cortando o afloramento, corria paralelo à muralha 2. As únicas estruturas presentes nesta parte são, portanto, a muralha 2 e uma atalaia na sua

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extremidade Norte/Este. A muralha está implantada sobre um nivelamento do afloramento, construída em pedra seca, aproveita blocos de grandes dimensões. No centro da linha de muralha, a estrutura aparenta ter uma construção mais simples, apoiando­se, quando possível, a esporões da crista quartzítica, que viriam a servir de contrafortes naturais. A meio da estrutura, coincidindo com a sondagem E, a muralha parece ter sido muito menos alta e maciça, sendo, neste ponto, o afloramento mais elevado. Concluindo­se, desta forma, o aproveitamento deste para a construção da estrutura de defesa, não havendo necessidade de erguê­la a um ponto mais elevado. A atalaia da extremidade Norte/Este é constituída por blocos de dimensão médio­grande que preenchem a depressão que há entre os últimos metros da linha de muralha e os esporões sobranceiros à Ribeira da Pracana. Aqui a muralha e o seu desmoronamento são visivelmente maiores que nas outras partes. Estruturalmente parece que foi criada uma estrutura em degraus no lado exterior, possivelmente coberta com um talude, o que poderá ter tornado obliqua a superfície externa da muralha escondendo os degraus (Fig. 3). A estrutura em degraus poderia ter garantido uma maior estabilidade estrutural, enquanto o talude protegia com o seu peso e a sua superfície obliqua, o que tornava mais difícil o acesso a partir do exterior. A existência de uma atalaia ligada estruturalmente ao resto da muralha 2 é confirmada, pela presença na área C (coincidente com o interior da atalaia), de fragmentos cerâmicos maiores e com bordos de fartura menos arredondados relativamente, aos identificamos nas outras áreas. O que indica também a

FIG.3. Corte Norte/Sul da muralha 2 (UE 2) na área D (em cima), autor Pedro Cura, e fotografia da muralha 2.

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possível existência de uma atalaia é o facto estarmos perante uma arquitetura diferente e mais complexa, onde se vislumbra uma estrutura mais alta feita em degraus com um talude a cobri­la. É de salientar que as duas áreas onde aparecem os derrubes maiores, nas extremidades Norte/Este e Sul/Oeste, sofreram algumas alterações antrópicas, pelo menos, nos últimos cem anos. Nota­se por exemplo que no amontoado de pedras do derrube Sul/Oeste há duas grandes fossas circulares: estas foram identificadas como abrigos de pastores, sendo que a área era frequentada na cura do gado de acordo com os relatos de alguns habitantes da aldeia da Zimbreira.

4. Cronologia A cronologia de edificação da muralha 2 foi obtida tanto, através de meios relativos, como métodos absolutos. Os poucos fragmentos cerâmicos através dos quais é possível determinar uma datação relativa apontam em termos gerais para a Idade do Bronze (como carenas arredondadas e pontiagudas, ou grandes mamilos plásticos), sendo que alguns materiais indicam mais precisamente uma ocupação do Bronze Final, nomeadamente os ornados brunidos e as paredes brunidas, que se poderá ter estendido, até à Primeira Idade do Ferro com dois fundos com pé. Esta cronologia é relativa ao período de ocupação das áreas a montante da muralha, sendo que estas cerâmicas pertencem a depósitos que coluvionaram. Com os dados das datações por OSL (Optically Stimulated Luminescence), efetuadas nos solos dos depósito formados junto à muralha, e onde as cerâmicas foram encontradas, é possível estabelecer em termos gerais quando estes se formaram: as medidas calculadas com as amostras recolhidas no campo (Kinnaird & Delfino, 2014) indicam que a UE 3 se formou de modo bastante lento, coerente com um solo em formação permanente num período relativamente recente, enquanto a subjacente UE 4 parece ter sido formada de forma muito rápida e com intensidade de sinal mais semelhante a solos de períodos proto­históricos. A cronologia absoluta relativa à data post quem à edificação da muralha 2 é conhecida graças a datações por AMS de micro carvões que formam a UE 7, que se encontra debaixo das pedras da muralha e em cima do afloramento. Foi possível fazer, até 2016, duas medições, das quais resultaram as seguintes datações para a UE 7: Com base nestas datações e na dinâmica de formação da sequência arqueológica identificada nas Unidades Estratigráficas, é possível pensar em quatro fases de eventos para o Castelo Velho:

FASE I: uso agro­pastoril com fogo controlado na Idade do Bronze Final 1 (sécs. XIII­ IX a.C.)

FASE II: construção da muralha 2 e uso do cabeço como estação amuralhada com atalaias na fim do Bronze Final (sécs. VIII­ VII a.C.)

FASE III: abandono do sítio e coluvião dos solos contra a muralha 2 (Idade do Ferro)

FASE IV: uso moderno com alterações periódicas da muralha e o seu progressivo desmoronamento sobretudo das atalaias (séc. XX).

5. O sítio no território envolvente e na região (Fig.4) Para entender o que era o Castelo Velho da Zimbreira, é preciso olhar para o território envolvente e perceber o seu enquadramento na região, tanto em

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termos horográficos, como os vestígios de ocupação humana, sincrónicos com o Castelo Velho. Do ponto de vista da horografia, o Castelo Velho encontra­se a guarda da brecha do Pego da Rainha que permite a entrada no território circundado pela crista de quartzito Mação­Envendos­Amêndoa­Vila de Rei, rico em águas termais e subterrâneas e, ao longo da crista na sua vertente interna, de recursos mineiros (ouro e provavelmente cobre). A partir do Castelo Velho é possível dominar uma paisagem a 360º, controlando os principais eixos provavelmente usados durante a Pré e Proto­História: os caminhos de cume ao longo da crista quartzítica, e o rio Ocreza e a Ribeira da Pracana a partir dos quais, com pequenos barcos se podia descer até o Tejo (pelos menos até a construção da Barragem do Pracana, de acordo com as lembranças dos mais idosos). De um ponto de vista dos vestígios de ocupação humana na região, se pode observar que a crista Mação­Envendos­Amêndoa­Vila de Rei é interessada por, pelo menos, mais 4 sítios de altura amuralhados semelhantes ao Castelo Velho da Zimbreira: se trata do Castelo Velho do Caratão (Mação), do Castro do Santo (Carvoeiro), do Castelo de Amêndoa (Amêndoa) e do Cerro do Castelo (Vila de Rei). Entre estes sítios ainda são para investigar o Castelo do Santo e o Castelo de Amêndoa (este a não se confundir com o Castro de São Miguel de Amêndoa, datável á Alta Idade Média, mas é para se identificar com o morro rochoso dentro do povoado moderno de Amêndoa); mas o Castelo Velho do Caratão parece, em respeito aos outros, mais identificável com um povoado (tendo estruturas de cabanas e metalurgia). Outro pormenor, há visibilidade reciproca entre o Castelo de Amêndoa e o Castelo do Santo e entre o Castelo do Santo e o Castelo Velho da Zimbreira. Estes dados levam a pensar que o Castelo Velho da Zimbreira era mais uma estação amuralhada de altura que não um povoado ocupado estavelmente, com a função de vigiar o território, os seus acessos e os caminhos. Mas poderia ter também outra função, e para pensar nisto é preciso alargar a visão dos vestígios da Idade do Bronze Final até às áreas ribeirinhas do Tejo e até o Concelho de Abrantes. No morro do Castelo de Abrantes, onde é documentado um povoado amuralhado de altura da Idade do Bronze (Pleno e Final) (Delfino 2015a: 57­64) se encontraram durante as escavações de 2014 fragmentos de cerâmica de engobe vermelho, entre os quais uma asa bífida datável entre os sécs. VII e VI a.C. e fragmentos de cerâmica cinzenta orientalizante (Delfino 2015b: 138­39). A datação absoluta da construção da muralha do Castelo Velho da Zimbreira (finais do séc. VIII­ início do séc. VII a.C., tendo em conta a diferencia de acerca 100 anos na viragem do II para o I milénio a.C. entre dadas históricas e dadas radiométricas) e a datação relativa da cerâmica de engobe vermelho do Castelo de Abrantes (sécs. VII­ VI a.C.) poem uma interessante pergunta: porque no séc. VII a.C., em contextos ainda de Bronze Final, em Abrantes (área ribeirinha) chega a cerâmica fenícia e em Mação (área montanhosa) não há cerâmica fenícia, mas se adverte a necessidade de se defender criando estações amuralhadas como o Castelo Velho da Zimbreira? Será, nesta ótica, que o Castelo Velho da Zimbreira era um lugar fortificado onde a povoação se poderia refugiar periodicamente em caso de perigo? Neste caso, será a área entre a muralha 1 e a muralha 2 que, aparentemente não apresenta estruturas de habitação, um espaço onde a povoação do território envolvente se poderia refugiar, talvez com o gado, em caso de perigo?

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6. O futuro Em duas intervenções de emergência e quatro escavações programadas, foi possível investigar só uma parte da estação amuralhada do Castelo Velho da Zimbreira: para já é claro o contexto da área interna à muralha 2, enquanto que a área do extremo topo do morro, embora alvo de sondagens, não se revelou suficientemente bem conservada.

FIG.4. O Castelo Velho da Zimbreira no seu contexto geológico (em cima à direita, com a mancha preta correspondente á crista de quartzito Mação­Envendos­Amêndoa­Vila de Rei) e regional (esquerda). Os números no contexto geológicos correspondem aos outros sítios amuralhados da Idade do Bronze Final no Concelho de Mação (1= Castelo Velho da Zimbreira; 2= Castelo do Santo; 3= Castelo de Amêndoa; 4= Castelo Velho do Cartão). Os números no contexto regional correspondem às outras evidências antrópicas na Idade do Bronze Final no Médio Tejo Português, com os povoados de altura maiores com provável cronologia desde do Bronze Final I marcados com triângulos (4= Castelo Velho do Caratão; 5= Cerro do Castelo; 6= Castelo de Abrantes) e os recintos do Bronze Final II marcados com pontos (1= Castelo Velho da Zimbreira; 2= Castelo do Santo; 3= Castelo de Amêndoa).

Para os trabalhos futuros é necessário focar a atenção sobre os seguintes aspectos:

­Efetuar uma terceira datação AMS no sedimento da UE 5, de modo a ter uma datação o mais possível afinada da construção da muralha

­Acabar o estudo da extremidade Sul/Oeste da muralha 2, de modo a obter uma confirmação sobre a possível existência de uma segunda atalaia, e tentar compreender se esta apresenta uma arquitectura idêntica à da atalaia identificada na extremidade Norte/Este.

­Sondar a área interna à muralha1, que se encontra ainda por explorar. Estes objetivos serão trabalhados até 2019 no âmbito do Projeto de Investigação Plurianual de Arqueologia (P.I.P.A.) Es.Ter.Tejo, aprovado pela Direção Geral do Património Cultural em Julho de 2016.

7. Agradecimentos Em primeiro lugar, a Câmara Municipal de Mação para o apoio logístico e financeiro. Em segundo lugar aos alunos de Licenciatura, Mestrado e Doutoramento que participaram nas escavações: André Moura, Jefferson Neri, Izabela Bahia, Francesco Valletta, Geysa Santos, Laura Centi, Jedson Cerezer, Guillerme Vieira, Rafael Casagrande, Sofia Ferreira, Isabel Lavinha. Gilda Brasileiro, Hercules Correia da Costa, Jorge Cristovão, Tatiana Iria, Viviana Ortiz, Carol Sopas, Kaji Apolinaire, Guillerme Sírio, Lorena Gallo, Bruno Machado, Lassane Toubga, Jessika Thomas, Silvia Parodi, Giorgia Rizzo, Zoltan Megyesi, Martina Parise; os alunos da Escola de Verão de

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Arqueologia: Tales Brandão, Nina Schranz Alessadnro Poti, Daniele Sittoni, Andrés Alarcon e Matteo Cantisani; os colegas Fernando Coimbra, André Soares Ramos, Dragos Gheorghiu e Vera Moleiro.

Referências bibliográficasDelfino, D. (2014). L’ etá del Bronzo Media e Recente in Liguria (Italia nord­occidentale). Percorsi tecnologici e culturali, B.A.R. International Series 2692, Oxford: Archaeopress.

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Delfino, D. (2015b). Archaeology of contact between Mediterranean and Atlantic peoples in first half of I Millennium BC in Portugal: the role of portugueses Middle Tagus, Istros “in honorem professoris Valerii Sirbu”, XXI, Braila: Muzeul Brailei “Carol I”, pp. 107­152.

Delfino, D.; Oosterbeek, L.; Baptista, J.; Gomes, H.; Beltrame, M.; Cura, P. (2013). A Proto­História no Concelho de Mação: novas investigações, novas abordagens, novos dados, In: Cruz, A.; Graça, A.; Oosterbeek, L.; Rosina, P. (Eds.) Iº Congresso de Arqueologia do Alto Ribatejo. Tomar: C.E.I.P.H.A.R., Arkeos, 34, pp.181­194.

Horta Pereira, M.A. (1970). Monumentos Históricos do Concelho de Mação, Mação: Câmara Municipal de Mação.

Kinnaird, T.; Delfino, D. (2014). Field report: Characterising luminescence stratigraphies at Castelo Velho de Zimbreira and Castelo Abrantes, Portugal, Field report, University of Glasgow.

Mannoni, T. (1971) Sui metodi dello scavo archeologico nella Liguria montana, Quaderno Ligustico, 179, Genova: IISL, pp. 51­64.

Oosterbeek, L.; Cura, S.; Graça, A.; Cura, P.; Nobre, L.; Pais, S. (2005). Estudo de impacte ambiental do Gerador Eólico do Castelo Velho (Zimbreira, Mação), relatório sobre a avaliação do Descritor Património Arqueológico, Arquitectónico e Etnológico, Tomar: C.E.I.P.H.A.R.

Romão, M.; Esperancinha, A. (2000) Carta Geológica de Portugal (1/50.000), Instituto

Geógráfico de Portugal (Folha N.º 28­A­ Mação).

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O recinto muralhado de Chão de Galego (Montes da Senhora, Proença­a­Nova): contextualização e problemática.

PAULO FÉLIXJOÃO CARLOS CANINASFRANCISCO HENRIQUESCÁTIA MENDES

Membros da AEAT – Associação de Estudos do Alto Tejo e investigadores do Projeto Mesopotamos (Povoamento do 5º ao 1º milénio a.C. entre o Tejo e o Zêzere na atual Beira Baixa)

1. Introdução O recinto muralhado de Chão de Galego localiza­se junto do lugar de Chão de Galego, na freguesia de Montes da Senhora, concelho de Proença­a­Nova e distrito de Castelo Branco. Situa­se no setor mais elevado da Serra das Talhadas, uma das cristas formada por rochas da Formação do Quartzito Armoricano, por vezes associadas a xistos do Silúrico, que atravessam o centro de Portugal com diversas orientações. A crista emerge, com bastante imponência, por entre os terrenos metassedimentares do Neoproterozoico que

RESUMO: Uma das linhas de investigação que tem assumido um interesse cada vez maior por parte dos arqueólogos e pré­historiadores nos últimos anos é o da identificação, caracterização e interpretação dos recintos circunscritos, qualquer que seja a forma e estrutura do tipo de confinamento utilizado, com maior ou menor materialidade e visibilidade para nós, investigadores, ou para quem os viu e utilizou na época em que funcionavam. Apresentamos, neste trabalho, os primeiros resultados das escavações realizadas no recinto muralhado de Chão de Galego (Proença­a­Nova), enquadradas no âmbito do Projeto Mesopotamos e do Campo Arqueológico de Proença­a­Nova (CAPN). Este é um entre tantos outros sítios conhecidos no distrito de Castelo Branco com cronologias compreendidas entre o final da Idade do Bronze e os inícios da Romanização, mas, ao mesmo tempo, tão singular devido aos problemas de caracterização e interpretação que nos são colocados.

PALAVRAS­CHAVE: Recintos; Idade do Bronze; Idade do Ferro.

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constituem a esmagadora maioria do substrato geológico presente no município de Proença­a­Nova, bem como da chamada Superfície de Castelo Branco, grande unidade geomorfológica e tectónica que se desenvolve entre as falhas do Ponsul, a sul, e as falhas que condicionam o levantamento da Cordilheira Central, a norte e noroeste (Fig. 1 e 2). As rochas do complexo metassedimentar encaixante pertencem ao Supergrupo Dúrico­Beirão (Oliveira et al., 1992): esta grande unidade, antes referida como Complexo Xisto­Grauváquico, é de idade comprovadamente ante­ordovícica e é composta, genericamente, por depósitos sedimentares de fácies turbidítica, tanto distais como proximais, de composição de amplos leques submarinos, pontualmente sedimentos de bacias restritas de pouca profundidade em ambiente continental ou flúvio­marinho, acumulados numa ampla bacia marinha entre o Neoproterozoico e os inícios do Paleozoico, c.

FIG.1. Localização do recinto muralhado de Chão de Galego. As estruturas muralhadas estão identificadas com as notações “Mn” e “Ms”. Fontes: Mapa de la Península Ibérica e Islas Baleares (disponível em linha em http://tp.revistas.csic.es/public/journals/1/tp_mapa2010.jpg, consultado a 3 de novembro de 2016); extrato da Carta Militar de Portugal, escala 1:25000, fl. 290 – Sobreira Formosa (Proença­a­Nova).

FIG.2. Contexto geológico do recinto muralhado de Chão de Galego. Fonte: extrato da Carta Geológica de Portugal, escala 1:1000000, edição de 2010, com aposição dos contornos dos municípios que são objeto de investigação no âmbito do projeto MESOPOTAMOS.

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565 a 500 Ma, no final do ciclo orogénico cadomiano, associando­se, por isso, à abertura do oceano Rheic (Silva, 2005a; Ribeiro et al., 2007; Neto de Carvalho e Rodrigues, 2012). Em discordância angular sobre as formações metassedimentares, sobressai o sinclinal varisco de Vila Velha de Ródão (Metodiev et al., 2009), que que estende desde a zona da Catraia Cimeira (Proença­a­Nova), a norte, até à região de S. Simão (Nisa), a sul. É uma estrutura geológica e geomorfológica de primeira ordem que corresponde, em linguagem mais comum, à crista quartzítica que conforma a Serra das Talhadas ou S. Miguel. Trata­se de uma sucessão de unidades depositadas durante o Ordovícico e o Silúrico que se inicia com uma sequência quartzítica de mais ou menos 80 metros de espessura (a Formação do Quartzito Armoricano, do Ordovícico Inferior), sobreposta por cerca de 400 metros de pelitos, siltitos, meta­arcoses, meta­arenitos e quartzitos que vão, cronologicamente, até aos inícios do Silúrico Superior. O sinclinal apresenta­se bastante afetado pela tectónica, associada sobretudo aos movimentos variscos, visíveis nos cavalgamentos que limitam os bordos sudoeste e nordeste da unidade e na extensa fracturação transversal, com desligamentos que, mais tarde, serão capturados pela orogenia alpina. Os efeitos da última orogénese são bem visíveis no comando apresentado, da ordem dos 200­250 metros em praticamente toda a extensão do sinclinal, especialmente no seu flanco nordeste.

2. Caracterização e História da Investigação O recinto muralhado de Chão de Galego é conhecido localmente sob a designação de “Estrada” ou “Calçada dos Mouros”, associando­se a narrativas populares muito comuns em território nacional que atribuem estes sítios muralhados de altura de cronologia pré­romana invariavelmente a época islâmica. É este o topónimo que consta na base de dados de inventário do Património Arqueológico “Endovélico”, da responsabilidade da Direção Geral do Património Cultural, por força do registo efetuado em 2000 por João Carlos Caninas, aquando da realização dos trabalhos de caracterização da situação de referência do descritor Património do Estudo de Impacte Ambiental da Barragem de Rabacinas (Proença­a­Nova), que lhe é próxima. Foi­lhe atribuído o Código Nacional de Sítio n.º 15666. A referência à Estrada dos Mouros pode ser recuada até aos inícios da década de 1930 (Catharino, 1933: 223). Já na década de 1980, o anúncio da realização da Festa da Cereja na aldeia de Chão de Galego, em junho de 1984, rezava assim: “Visite­nos! Além de apreciar a boa Cereja da Região, conhecer a Buraca da Moura e a Estrada da Moura, descubra a Cidade Céltica e as Muralhas Envolventes. DIVIRTA­SE e aumenta a sua cultura Arqueológica com pontos de vista de grande interesse na Festa das Cerejas” (Henriques e Caninas, 1986; Henriques et al., 2016: 443). Nos finais do século passado, outros investigadores noticiam a presença de um “provável castro” na serra próxima a Montes da Senhora (Batata, Gaspar e Batista, 1999: 29; Silva, 2005b: 83, n.º 118) e o seu reconhecimento vem documentado num relatório não publicado da responsabilidade de membros da Associação de Estudos do Alto Tejo (Henriques, Caninas e Cardoso, 1999). Este “provável castro” foi

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inventariado no “Endovélico” com o CNS 26729, mas corresponde, sem qualquer dúvida, à ocorrência arqueológica de que nos ocupamos neste relatório. Após os grandes incêndios de 2003, que consumiram grande parte da crista quartzítica na área da aldeia de Chão de Galego, João Carlos Caninas, Francisco Henriques e outros elementos da Associação de Estudos do Alto Tejo fizeram uma prospeção mais intensiva e em melhores condições de visibilidade da zona de implantação do recinto, campanha que resultou na recolha de importante informação para a caracterização deste sítio localizado no ponto mais elevado da Serra das Talhadas. Foram, então, registadas duas linhas de amuralhamento com cerca de 400 metros de extensão cada que unem as duas cristas de quartzitos ordovícicos que formam os bordos nordeste e sudoeste do sinclinal, extremamente escarpados, desenvolvendo­se as estruturas entre as cotas de 520 e 590 metros. Foram também documentadas outras eventuais estruturas de origem antrópica a su­sudoeste da linha amuralhada meridional e recolheu­se um seixo de quartzito achatado com entalhes laterais, de tipologia que é geralmente interpretada como tendo função de pesos de rede ou de tear. O recinto de Chão de Galego pode ser definido como um espaço sensivelmente trapezoidal limitado pelas referidas linhas amuralhadas, registadas como “muralha norte” (Mn) e “muralha sul” (Ms). Os bordos ocidental e oriental do recinto são constituídos por “muralhas naturais”, embora em alguns troços do bordo oriental esse efeito não seja tão evidente por força de diferentes condições de exposição do substrato rochoso. No total, calculou­se um perímetro de cerca de 2000 metros para o recinto, que circunda uma área de pouco mais de 20 hectares. São estimativas realizadas sobre ortofotografia, sendo necessários trabalhos de campo específicos para calcular com maior precisão os valores apontados. As duas “muralhas” foram atravessadas por caminhos florestais que, especialmente no caso na estrutura setentrional, provocaram cortes que permitiram a leitura da composição estrutural em perfil parcial em dois pontos do seu desenvolvimento, um dos quais veio a ser intervencionado na campanha de 2015. A “muralha sul” sofreu a imposição direta de um caminho em praticamente toda a sua extensão, com exceção das suas extremidades. No topo da crista ocidental, sobre afloramentos, a su­sudoeste da “muralha sul”, detetaram­se dois locais com derrubes que poderiam corresponder a estruturas de vigilância ou com outro tipo de funcionalidade ainda por investigar. A “estrutura 1” (E1) é um derrube volumoso situado no intervalo entre dois afloramentos, onde, na parte superior do derrube, se observaram duas estruturas compostas por muros de pedra seca definindo uma esquina. A “estrutura 2” (E2) ocupa igualmente uma fenda entre dois afloramentos rochosos, no topo da mesma crista. Ali observou­se uma plataforma regularizada com pedra solta que comportava alinhamentos de pedra a fazer a contenção sobre a encosta leste. Estas eventuais estruturas ainda não puderam ser visitadas, devido à intensa cobertura vegetal que a zona apresenta. Nas proximidades, existe uma cavidade horizontal aberta no substrato quartzítico conhecida como Buraca da Moura (CNS 28164), igualmente associada a lendas relativas ao distante passado mourisco, que deverá tratar­se de galeria de antiga exploração de mineralizações de ferro (Henriques,

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Caninas e Cardoso, 1999; Henriques et al., 2011b: 14; Neto de Carvalho e Rodrigues, 2012: 191, 204­205), talvez não anterior a época romana. De referir, igualmente, a ocorrência de registos de arte rupestre na envolvente de Chão de Galego (Henriques et al., 2011b): o primeiro situa­se junto da Buraca da Moura, o segundo afastado cerca de 4500 metros para sul relativamente ao recinto muralhado, junto das Portas do Almourão, na margem direita do rio Ocreza. São loci de arte rupestre em abrigos naturais, na modalidade de pintura não figurativa a vermelho. Finalmente, Fernando Patrício Curado (2004: 83) situava nesta zona uma das hipóteses de localização da Torre de Dárdola, construção que assinalaria uma das extremas da propriedade dos Hospitalários em 1194.

3. Sumário dos trabalhos realizados em 2015 A intervenção arqueológica no recinto muralhado de Chão de Galego foi realizada no âmbito do desenvolvimento do projeto de investigação plurianual (PIPA) “Povoamento do 5º ao 1º milénio a.C. entre o Tejo e o Zêzere na atual Beira Baixa (MESOPOTAMOS)”, vigente para o período 2015­2019. Este projeto, que reúne distintas valências científicas, pretende caracterizar e estudar a evolução e os ritmos do povoamento da Pré­História Recente e da Proto­História num setor da região compreendida entre os rios Zêzere e Tejo que corresponde, grosso modo, à Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa (CIMBB), sem menosprezar a necessária transposição da informação histórica e arqueológica construída para as populações locais através de estratégias de comunicação de diversa índole. Uma das estratégias posta em funcionamento ainda antes da vigência do MESOPOTAMOS concretizou­se na implementação do Campo Arqueológico Internacional de Proença­a­Nova (CAPN), que enquadra logística e financeiramente a parte da investigação realizada no território municipal de Proença­a­Nova, mas que é, paralelamente, o veículo que permite a ligação entre a investigação aplicada e

FIG.3. Localização dos setores intervencionados na campanha de 2015 sobre ortofotografia. Fonte: Google Earth™, fotografia datada de 30 de maio de 2015.

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os diferentes públicos­alvo que dela têm que beneficiar. Como objetivos específicos assinalados para a campanha de 2015, apontámos a caracterização arqueográfica do recinto muralhado, tanto nos seus aspetos estruturais, como cronológico­culturais e o seu registo adequado através do levantamento topográfico das estruturas de fortificação identificadas, incluindo os derrubes designados E1 e E2 (Fig. 3). Pretendia­se, igualmente, prevenir eventuais efeitos negativos de ações que pudessem contribuir para danificar os vestígios patrimoniais em consequência da abertura de novos caminhos, abate do coberto vegetal, nova florestação, aumento da afluência humana ao miradouro do vértice “Galego” e integração do local em percursos pedestres controlados. Neste sentido, entende­se que a melhor forma de proteger ativamente um registo patrimonial é conhecê­lo e dá­lo a conhecer.

3.1. O Setor 1 O Setor 1 foi implantado sobre a “muralha norte”, numa zona aplanada, mas com ligeiro declive no sentido do espaço exterior do recinto, de forma a intersetar transversalmente o desenvolvimento da estrutura amuralhada. Os objetivos fundamentais da abertura deste corte consistiam na recolha de dados sobre as características estruturais essenciais da “muralha norte”, tais como a sua largura, altura, componentes, técnica de construção, materiais utilizados, etc., para além da recolha de informação que permitisse datar a época de construção e, por consequência, a cronologia de ocupação/funcionamento do recinto. Os dados de natureza cronológica poderiam assumir tanto a forma de artefactos datáveis através de métodos de cronologia comparada convencional, como de amostras suscetíveis de serem datadas mediante métodos físico­químicos. Foi escavado um corte com 6 por 2 metros (Fig. 4 e 5). Desde o início da desmontagem dos sedimentos nesta sondagem que se verificou uma grande diferença de concentração de clastos na sua metade sul, o que nos alertou para a possibilidade de nos encontrarmos já no espaço

FIG.4. Planta e perfis estratigráficos finais da campanha de 2015 no Setor 1.

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interno do recinto, o que parece ter­se confirmado com o decorrer da escavação. Sob pouco mais de uma dezena de centímetros de potência da UE 1001, no quadrado M15 e parte meridional de M16 apareceu um depósito com características distintas do anterior e da unidade registada na metade norte da sondagem. Esta última constituía uma unidade construída formada por clastos de quartzito de tamanho seixo e bloco, angulosos e subangulosos, que se apresentavam imbricados, com os de menor tamanho aparentemente confinados a espaços definidos pelos de maior calibre, por forma a dar coesão à estrutura. Esta unidade (UE 1002) corresponde ao núcleo pétreo da estrutura amuralhada. Na parte interna da sondagem, imediatamente por debaixo da UE 1001, surgiu um depósito castanho­amarelado com poucos clastos (UE 1003) e, debaixo deste, um outro depósito muito similar ao anterior, apenas com alteração cromática substancial, pois apresentava­se bastante mais escuro (UE 1004). Esta unidade foi parcialmente escavada até ao topo de um depósito

FIG.5. Vista de sul para norte da sondagem do Setor 1 no final da campanha de 2015. Fotografia: Paulo Félix.

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pétreo claramente estruturado, com características distintas das observada na UE 1002: era composto por um módulo de clastos de menor tamanho médio, muito imbricados, o que parecia sugerir poder tratar­se de um pavimento ou, eventualmente, base de pavimento de um circuito interno ou passadiço existente no espaço interno do recinto, logo atrás da estrutura amuralhada. Esta interpretação ficou dependente de posterior confirmação através da sua desmontagem, trabalho que não foi realizado em 2015. Finalmente, devemos fazer referência à total ausência de artefactos registados e recolhidos quer em escavação, quer em prospeção superficial. Esta ausência não se ficou a dever a uma menor atenção prestada aos sedimentos retirados da sondagem durante o processo de escavação, pois todos os baldes foram crivados sistematicamente em crivo de malha de três milímetros até cerca de metade da campanha, altura em que se adotou uma estratégia de crivação escalonada.

3.2. O Setor 2 O Setor 2 localizou­se na zona mais elevada do espaço do recinto, numa área com declive suave para ocidente, liberta de afloramentos em grande parte da superfície e próxima da quebra de pendente que configura o início da encosta oriental da serra (Fig. 6). As razões que presidiram à escolha desta localização prendiam­se fundamentalmente com a possibilidade da deteção de estruturas de habitação. Por razões de alocação de recursos, apenas foi escavada uma sondagem com cerca de 6 m2, não tendo sido documentada qualquer estrutura ou artefacto. A escavação atingiu a rocha do substrato a pouco mais de 0,40 metros de profundidade (Fig. 7). Esta base natural mostrava sinais de ter sido extensivamente alterada em tempos relativamente recuados (a avaliar pelo nível de sedimentação entretanto acumulado), talvez para extração de pedra (eventualmente utilizada na construção das estruturas

FIG.6. Vista da marcação da malha para a intervenção no Setor 2. Fotografia: Paulo Félix.

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amuralhadas) ou, hipótese que terá que ser investigada com mais profundidade, desmonte associado a atividade mineira ainda não identificada, mas possível face a indícios que apontam para a existência de mineralizações de ferro e/ou ouro nestas formações ordovícicas que pudessem ter suscitado o interesse de populações do passado.

3.3. O Setor 3 O Setor 3 corresponde ao corte exposto na “muralha norte” pela abertura de um caminho florestal (Fig. 8). Tratando­se de um perfil com alguma exposição horizontal (pouco mais de 12 metros) e vertical (cerca de dois metros de altura máxima), perspetivou­se a sua limpeza e regularização com dois objetivos principais em mente: a) contribuir para a caracterização da estrutura da “muralha”; b) criar um alvo suscetível de valorização patrimonial e turística, pois situa­se em pleno percurso pedestre da rota “Viagem pelos Ossos da Terra”. A intervenção foi realizada sobre uma malha montada no perfil exposto por forma a cobrir, em largura, o máximo possível da área afetada pela abertura do estradão. Tal como nos demais setores, a malha foi constituída por quadrados de 2 por 2 metros, subdivididos em quatro quadrados de um metro de lado cada, se bem que, neste caso, não se tivesse realizado uma desmontagem convencional, na horizontal. Restringiu­se a um processo de limpeza e regularização sem, contudo, se procurar tornar o perfil vertical devido à necessidade de preservar a sua estabilidade. Durante a efetivação deste processo, não foram documentados nem recolhidos materiais arqueológicos. Embora não se tenha procedido ao registo de unidades de estratificação de forma convencional, podemos, a partir das observações realizadas durante a intervenção e da leitura do perfil restituído, assinalar que este troço da “muralha norte” consiste num grande aterro em forma de terraço

FIG.7. Vista da sondagem do Setor 2 após finalização da sua escavação. Fotografia: Paulo Félix.

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com talude em rampa, utilizando­se na sua edificação blocos e calhaus de diversas formas, obtidos localmente, e misturados com terra. São visíveis dois níveis essencialmente terrosos que entremeiam horizontes pétreos, que deverão corresponder a depósitos intencionais e não a testemunho de momentos de abandono temporário da “muralha” ou a hiatos na sua construção (Fig. 9).

4. Contextualização e discussão preliminar Na campanha de escavações arqueológicas de 2015 do recinto muralhado de Chão de Galego foram realizadas intervenções em três setores, dois, muito próximos um do outro, incidindo sobre a linha da chamada “muralha norte” (Setores 1 e 3), o terceiro numa área livre de afloramentos, mais ou menos aplanada, junto da quebra de pendente do bordo oriental da serra, na sua zona mais elevada (Setor 2). Neste último foram tão somente documentadas prováveis evidências de trabalhos de desmonte do substrato geológico, incluindo rocha em afloramento, com dois intuitos possíveis, mas não mutuamente exclusivos: a) extração de pedra para a construção das estruturas

FIG.8. O corte do Setor 3 durante o processo de limpeza e regularização. Fotografia: Paulo Félix.

FIG.9. Restituição fotogramétrica do perfil do corte do Setor 3 a partir de modelo 3D realizado com fotografia digital multiangular sobreposta tratada informaticamente e apoio de pontos georreferenciados. Fotografia: Paulo Félix; restituição fotogramétrica: Hugo Pires; composição final: Paulo Félix.

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amuralhadas; b) extração de recursos mineralizados depositados em alguns dos níveis dos depósitos sedimentares metamorfizados do Ordovícico e/ou associados a fluidos quárcicos. Nas sondagens dos Setores 1 e 3 procedeu­se ao registo de características específicas do sistema de construção utilizado, em tudo compatível com o que conhecemos na elaboração de estruturas amuralhadas do final da Pré­História e Proto­História na região centro de Portugal (Batata, 2006; Félix, 2006; 2014; Delfino et al., 2014). Com os dados de que dispomos até ao momento, apontamos para uma estrutura em forma de aterro misto de clastos de quartzito e terra, em forma de terraço com talude em rampa, talvez rematado com pequeno muro pétreo não argamassado ou, eventualmente, paliçada de madeira. Somos da mesma opinião expressada por Davide Delfino (2016), com quem, aliás, temos vindo a discutir aspetos relativos ao sistema de povoamento proto­histórico no Médio e Alto Tejo, de que estas “muralhas” parecem ser aquilo que, na realidade, não são nem nunca foram, construções idealizadas para suster ataques diretos. Estes grandes aterros com talude em rampa de vários metros de desnível mimetizariam quase na perfeição grandes muralhas verticais quando vistas de longe, servindo, acima de tudo, como instrumentos de uma estratégia dissuasória, inibindo os potenciais atacantes da realização de ataques frontais potencialmente desastrosos. Neste contexto geográfico e para os inícios do primeiro milénio antes da nossa era, estaríamos ainda a alguns séculos de distância das primeiras investidas militares com milhares de soldados bem treinados, enquadrados nas campanhas de conquista das legiões da República Romana. Mesmo admitindo a participação de contingentes militares fenícios com guerreiros indígenas nas operações de violência organizada, estas ter­se­iam resumido a razias e escaramuças contra populações desprotegidas ou não abrigadas que se correlacionariam com partidas para a captura de escravos e que, por isso, envolveriam grupos de reduzida dimensão.No entanto, admitimos que são possíveis outras razões de ser e interpretações para explicar a edificação destas estruturas que não necessariamente as de cariz militar, mas associadas a funções mais simbólicas e político­ideológicas para a utilização destes recintos. Este tipo de funções poderia estar mais de acordo com um facto arqueográfico de enorme importância, já antes mencionado: a quase completa

FIG.10. Seixo rolado achatado com entalhes laterais recolhido junto da “muralha sul”, no cruzamento de caminhos, em 2003. Fotografia: João Carlos Caninas.

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ausência de artefactos no interior destes mais ou menos 20 hectares de área circunscrita pelo recinto. Com efeito, com exclusão do seixo de quartzito com entalhes laterais (“peso de rede”) representado na Fig. 10, recolhido junto da “muralha sul”, e de algumas dezenas de vasos cerâmicos de perfil troncocónico utilizados para a recolha de resina, não se registou qualquer outro artefacto. A ausência de materiais indicativos da realização de atividades do quotidiano doméstico, que são comuns nos loci ditos de “habitat”, pode sugerir, igualmente, que o recinto muralhado foi construído para servir de refúgio temporário para onde as populações das vizinhanças se dirigiam em momentos de maior instabilidade militar, não carregando consigo outros pertences que não fossem o seu gado. No entanto, nesta fase da investigação, podemos construir outras “histórias” para este troço da Serra das Talhadas, “histórias” que envolveriam diferentes momentos e propósitos de utilização deste espaço, talvez separando a construção e usufruto do recinto de eventuais atividades mineiras. Estas poderiam relacionar­se com a exploração de mineralizações metálicas, tal como já referimos anteriormente. A ocorrência de mineralizações de associações “AU­As (ouro­arsénio), Au­Sb (ouro­antimónio), W­Sn (volfrâmio­estanho) e Pb­Zn (chumbo­zinco) é comum nas formações de metassedimentos e metavulcanitos datados do Neoproterozoico ao Carbonífero Inferior na Zona Centro­Ibérica (Ribeiro e Pereira, 1982; Lourenço, 2002; Mateus e Noronha, 2010). As três primeiras associações relacionam­se estreitamente com as fases tardias da orogenia varisca e a concomitante instalação de batólitos de rochas granitoides e ascensão de fluidos magmáticos­hidrotermais pelas zonas de fratura e cisalhamento. A última é hoje comummente tida como correlativa da orogenia alpina, por vezes através da reativação de fraturas variscas. Para além das mineralizações de controlo estrutural, existem ainda mineralizações devidas a pré­concentrações nos níveis sedimentares paleozoicos que podem ter sido remobilizadas pela tectónica ou terem permanecido disponíveis em camadas posteriormente desmanteladas e restruturadas em depósitos sedimentares mais modernos, de idade cenozoica, e que deram origem, por exemplo, ao ouro aluvionar explorado nas conheiras de época romana (Batata, 2011; Henriques et al., 2011a). Neste setor da Serra das Talhadas, uma eventual exploração mineira ter­se­ia realizado nas modalidades de stockwerk e de desmonte de jazidas estratiformes (Domergue, 1990: 28­29), ambas modalidades compatíveis com a exploração a céu aberto. Não existem, de momento, vestígios de trincheiras, galerias ou poços, mas essa ausência pode ser motivada por um fenómeno de invisibilidade provocado pela cobertura vegetal e pela insuficiência de investigação dirigida especificamente a esse fim. Este será um dos objetivos fundamentais da continuação do estudo do espaço do recinto nos próximos anos. Falta­nos, por outro lado, documentação arqueográfica essencial para uma melhor compreensão deste sítio, fosse qual fosse a sua função ou funções ao longo da sua história de utilização: não há artefactos cerâmicos, pétreos ou metálicos, com exceção do já referido “peso de rede”. Não os há para documentar uma ocupação de tipo “habitat”, permanente, semipermanente ou ocasional, uma utilização como centro cerimonial ou similar, nem artefactos ou construções associáveis a um uso como coto mineiro a céu aberto. Os

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artefactos e construções deste tipo, tão comuns em explorações mineiras de época romana, como martelos, almofarizes, mós, utensílios metálicos e cerâmicas, estão totalmente ausentes até ao momento. Este facto poderá, pelo menos em teoria, levar­nos a descartar uma cronologia de época romana para este sítio. Talvez a única tentativa de exploração mineira realizada pelos romanos se tenha concretizado na abertura da galeria da Buraca da Moura, situada na base da crista de quartzitos situada a nor­noroeste da “muralha norte”. De momento, não nos resta muito mais do que perspetivar a continuação da investigação para se lograr uma compreensão mais adequada da história deste sítio arqueológico, que envolverá, inevitavelmente, a colaboração de outros especialistas. Já foi feita referência à necessidade de continuar a prospeção da área do recinto e das suas proximidades, sobretudo com o intuito de avaliar de forma mais detalhada o tipo e extensão dos trabalhos que se realizaram neste espaço ao longo da diacronia. Por outro lado, no plano estritamente arqueológico, será dada prioridade ao alargamento da intervenção da sondagem do Setor 1 por forma a cobrir a rampa exterior e a definir a natureza dos depósitos situados na parte interna do recinto, no confronto com a “muralha”.

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La cuenca extremeña del Tajo en la Edad del Bronce: una periferia atlántico­mediterránea

IGNÁCIO PAVÓN SOLDEVILLADAVID MANUEL DUQUE ESPINOALONSO RODRÍGUEZ DÍAZ

Grupo de Estudios Prehistóricos Tajo­Guadiana, Área de Prehistoria. Universidad de Extremadura.

1. Introducción El río Tajo es uno de los nexos más evidentes – en este caso hidrográfico – entre la región donde se ubica el Castelo Velho de Caratão, recordado en este volumen por el 70 aniversario de su descubrimiento, y el área geográfica sobre la que vamos a centrar nuestro estudio: las tierras de la provincia de Cáceres, en la Extremadura española. Como es bien conocido, se trata del curso fluvial más largo de la Península Ibérica (1.092 km); y su cuenca es la tercera de este escenario, tanto en superficie total (sumando los 25.666 km2

RESUMEN: El estudio de la Edad del Bronce en la región extremeña ha experimentado un significativo avance en las últimas dos décadas. Pese a todo, la cuenca media del Tajo adolece aún de un conocimiento limitado, en lo que se refiere a las etapas antiguas y plenas. Sin embargo, el final de la Edad del Bronce–tradicionalmente estudiado desde los depósitos de bronces, las estelas extremeñas (de guerreros o diademadas) y los oros (tesoros integrados principalmente en la “orfebrería tipo Sagrajas­Berzocana”) – ofrece un panorama algo mejor conocido, sobre todo a partir del análisis del poblamiento. Tras valorar los aspectos generales del mismo, nos centraremos brevemente en tres de los yacimientos que han sido, o están siendo, objeto de excavaciones por nuestro grupo de investigación: los hábitats del Risco (Sierra de Fuentes) y la Sierra del Aljibe (Aliseda), y el poblado minero del Cerro de San Cristóbal (Logrosán). La observación de todo ello induce a valorar el Tajo extremeño como una personalizada periferia atlántico­mediterránea.

PALABRAS CLAVE: Edad del Bronce, Tajo Medio, cultura material, poblamiento, economía.

Este trabajo se integra en el proyecto “Arqueología y recuperación de un paisaje minero: la explotación tartésica del estaño en San Cristóbal de Logrosán (Cáceres)” (HAR2014­52922­P) del Ministerio de Economía y Competitividad del Gobierno de España.

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que se extienden por Portugal a los 55.781 km2 españoles) como en aportaciones, después de las del Ebro y del Duero. Una cuenca jalonada, en lo que al territorio español se refiere, por el Sistema Central, el Sistema Ibérico y los Montes de Toledo; y, hemos de convenir, particularmente accesible desde el punto de vista topográfico en su tramo más occidental. Así, dicho sector de su cuenca, que constituye el reflejo morfológico actual de una antigua depresión terciaria, presenta cotas muy discretas, que disminuyen, ya en la provincia de Cáceres, desde su extremo noreste (300 m en Navalmoral de la Mata) hacia el borde occidental (en torno a 200 m snm en el sur de Coria) (http://www.chtajo.es/DemarcaTajo/MedioFisico/Paginas/ContextoGeol%C3%B3gico.aspx). Es esta porción, la denominada Cuenca Occidental del Tajo – referida como Tajo Medio, o Tajo Extremeño, en la bibliografía arqueológica–, la que centrará nuestra atención, precisamente por su facilidad de conexión con el sur y el oeste. Otros nexos entre ambas zonas –la del Tajo Extremeño y la del Tajo portugués, hermanados hoy como “Tajo Internacional”– son de naturaleza histórico­cultural, si bien han quedado matizados por una historia política que se ha encargado a menudo de levantar o reforzar fronteras nacionales poco proclives a su percepción y análisis. Alternativamente, la disolución de fronteras, que colateralmente ha impulsado el proyecto contemporáneo de construcción europea, ha favorecido el redescubrimiento de dichas similitudes, como ha acontecido en otros rincones de Europa, en particular en épocas remotas, como sucede con la Edad del Bronce. Durante esta etapa, sobre la que nos centraremos, algunos autores han querido ver una suerte de “primer mercado común europeo” (Demakopoulou et al., 1999). Siendo ello seguramente un exceso, nadie duda del escenario abierto, interconectado y confluyente en que se convirtió buena parte del continente a lo largo del II y los primeros siglos del I milenio a.C. Muestra de ello son los procesos que la arqueología ha venido recuperando y reconstruyendo tanto en el Tajo Medio o Extremeño (Almagro­Gorbea, 1977; Pavón, 1998a; Martín, 1999) como en el Médio Tejo portugués (Félix, 1999; Delfino et al., 2014), que comparten un común carácter periférico frente a otras zonas presuntamente más dinámicas, como el estuario del Tajo o el Suroeste peninsular. Dedicado gran parte de este volumen al segundo, trataremos aquí de definir los rasgos esenciales del Bronce en el Tajo Medio español.

2. La Edad del Bronce en el Tajo Medio: La secuencia cultural El conocimiento del Bronce extremeño ha experimentado un significativo avance en las últimas dos décadas. Pese a ello, la cuenca media del Tajo adolece aún de un vacío de conocimiento en lo que a las etapas antiguas y plenas, sobre todo, se refiere; o al menos un reconocimiento diferencial en términos geográficos y cronológicos. Afortunadamente, en los últimos años ha tenido lugar una serie de hallazgos que abren nuevas perspectivas y sugieren ciertas relaciones culturales con espacios aledaños que, si bien pendientes de precisarse, refrendan el carácter abierto ya subrayado en el epígrafe anterior. Así las cosas –y matizando lo expresado en trabajos previos– la secuencia que en la actualidad contemplamos en tierras cacereñas comprendería un Bronce Pleno o Medio asimilable al Horizonte Protocogotas

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meseteño; un Bronce Final I probablemente vinculable al Horizonte de Cogotas I; y un Bronce Final II­III más nítidamente “atlántico­mediterráneo”.

2.1. Los Horizonte Protocogotas y Cogotas I Hace años la documentación de cerámicas protocogoteñas (o tipo Cogeces) en campo de hoyos del Carrascalejo, cerca de Mérida, supuso una novedad en el Bronce extremeño (Enríquez e Drake, 2007), refrendada por algunos fragmentos similares recuperados en el cercano Cerro del Castillo de Alange (Pavón e Duque, 2014a, p. 47), en un contexto muy personalizado por materiales característicos del Bronce del Suroeste (Pavón e Duque, 2014b, p. 66). Hoy, la publicación de un buen número de yacimientos del Horizonte Protocogotas en el nordeste de Extremadura ha aportado argumentos en favor de la diversidad cultural de los momentos plenos del Bronce en el Guadiana y en el Tajo. En éste, los yacimientos dispersos por la comarca del Campo Arañuelo, reconocidos por evidencias superficiales a lo largo de los ejes del Tiétar y el propio Tajo, parecen primar las ubicaciones en tierras llanas de valle, con abundantes arcillas y arcosas miocénicas, aunque sin perder de vista ciertos resaltes graníticos dotados de fuentes (Fig. 1a). En función de lo rastreado en el entorno del pantano de Valdecañas, se trata de pequeños poblados de orientación agraria, consistentes en agregaciones de cabañas que responden al perfil de los campos de hoyos meseteños, aunque con extensiones mucho más modestas. Entre sus producciones cerámicas, destaca el repertorio de vasos decorados con motivos incisos e impresos. Dichos materiales, por paralelos tipológicos, sugieren una cronología temprana dentro de la cultura cogoteña, discurriendo a priori entre los momentos finales de los siglos XVII y XIV ANE, en sintonía con las fechas obtenidas para esas mismas cerámicas en El Carrascalejo y Alange (González, 2015, p. 134­141). La constatación, en cualquier caso, de cerámicas protocogoteñas más al sur y al oeste (en las comarcas de Mérida y Tierra de Barros) invita a pensar en una progresión a través de la cuenca del Tajo Medio más intensa de lo reconocido hasta ahora, posiblemente por la falta de investigaciones. Sea como fuere, también en el Tajo se han constatado elementos que invitan a plantear una proyección desde el suroeste, o el oeste al menos, de ciertas pautas culturales. Hace años ya intuimos esa posibilidad a partir de materiales cerámicos que podrían servir de inspiración a los del Bronce Final del Tajo (Pavón, 1998a, p. 134), pero más recientemente el hallazgo de algunas estelas parece incidir en esa posibilidad. Es el caso, sin ir más lejos, de las piezas aparecidas en Cañamero (con representación de una alabarda) y en el entorno de una necrópolis megalítica de Alconétar (con puñal, alabarda y posible cinturón, grabados sobre un bloque de pizarra al que el desbastado confirió apariencia antropomorfa) (Bueno et al., 2011; Cerrillo Cuenca, 2011, p. 147­148). Si bien valoradas por algunos especialistas como estelas noroccidentales, esos mismos investigadores han sopesado su relación con algunas armas de las panoplias alentejanas de la serie I (Bueno, Barroso e Balbín, 2011, p. 44­45), con la que coincidimos. De ser realmente así, estaríamos posiblemente ante los influjos más septentrionales del Bronce del Suroeste, en pleno valle del Tajo. El crisol cultural que entre el Bronce Pleno­Final empezamos a intuir en el Tajo Medio se enriquece durante el Bronce Final I/Bronce Tardío de la

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secuencia extremeña, con la maduración de la componente meseteña, ya fraguada como Cultura de Cogotas I (Barroso e González, 2007). Es esta época, muy posiblemente, la responsable de la introducción y progresiva generalización del auténtico bronce y de las piezas de tipología atlántica en la región (Gómez, Montero e Rovira, 1998, p. 108); superando un estadio en el cual sólo había excepcionalmente obras de bronce – como las conocidas hojas de Alange (Pavón, 1998a, p. 124,126 y 301) y Herdade do Belmeque (Schubart, 1975, p. 257­258, Tafel 59; Soares, 1994, p. 187), engalanadas con complementos de metales nobles– en un marco general de cobres arsenicales. Es, no obstante, éste de Cogotas I y las primeras evidencias atlánticas, un horizonte poco conocido y mal caracterizado en la región, toda vez que, aunque parecen convivir los hoyos del llano (El Pibor o Gualija, en el Campo Arañuelo) y los poblados en alto del Tajo (La Muralla de Alcántara, donde al parecer se han encontrado las cerámicas de boquique y excisas típicas de Cogotas I) –patrones documentados, de cualquier forma, morosamente– se adolece en ambos casos de datos procedentes de excavación (González, 2015, p. 141­143). Sólo el Cerro del Castillo de Alange, muy alejado del Tajo, en el centro­sur extremeño, aporta concreción tipológica, información estratigráfica y una datación de hacia el 3.080 ± 90 BP (Pavón, 1998b, p. 84; Pavón e Duque, 2014a, p. 45, fig. 2) (Fig. 1b).

2.2. El Bronce Final Aunque de una forma genérica se ha apuntado que la Edad del Bronce constituye en el occidente peninsular una suerte de espacio de confluencia entre los mundos atlántico y mediterráneo, en el Tajo Medio sólo cabe advertir dicho escenario especialmente a partir del Bronce Tardío; es decir, en un periodo aproximadamente extensible entre 1250­850 ANE en fechas calibradas, según la propuesta adoptada por Ruiz­Gálvez (2014). En la secuencia extremeña dicho marco coincide con el Bronce Final II­III (Pavón, 1998a, p. 237­241), caracterizado desde hace décadas por los depósitos o hallazgos aislados de bronces (Ruiz­Gálvez, 1984; Coffyn, 1985), los oros (Perea, 1991) y las conocidas estelas de guerreros (Celestino, 2001). La valoración de todos estos elementos ha contribuido a ponderar este espacio como una de las zonas plenamente integrantes del Bronce Atlántico (Ruiz­Gálvez, 1998); si bien el hecho diferencial que suponen las estelas – con elementos de raigambre mediterránea plasmados junto a otros plenamente locales o atlánticos, que convierten el suroeste interior en rompeolas de las discusiones en torno al problema de la “precolonización” (Celestino, Rafel e Armada, 2008) – también ha conllevado su consideración especial (“atlántico­mediterránea”, si hubiera que calificarla) en el mapa del atlantismo (Harrison, 2004, p. 10). El estudio del poblamiento, de los patrones de asentamiento y su relación con el medio, se ha incorporado algo después que dichos ítems a su valoración de cara a la definición histórica del Bronce Final II­III (Fig. 2), de modo que, a diferencia de lo que sucede en otras zonas, la ocupación del espacio adolece aún ciertas lagunas. Algunas –como las referentes al origen del poblamiento – ya se han insinuado aquí. Otras, alusivas sobre todo a la orientación paleoeconómica o la evolución cultural, se han tratado de paliar en los últimos años desde diversos proyectos investigadores. Como quiera

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que se trata de problemas comunes al Bronce Final que se vislumbra también al otro lado de la actual frontera, los abordaremos con una mayor dedicación en el siguiente epígrafe.

3. El Bronce Final II­III: Economía y Poblamiento Es un hecho constatado que el poblamiento del Bronce Final cacereño prima la ocupación de las zonas elevadas, definiendo un patrón crono­

FIG.1a y 1b. Poblamiento del Bronce Pleno en el Tajo Medio; B. Poblamiento del Bronce Final I en el Tajo Medio.

FIG.2. Poblamiento del Bronce Final II­III en el Tajo Medio.

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altitudinal muy marcado. De hecho, esa circunstancia llevó en su momento a diferenciar una “facies Tajo” en el contexto del tránsito del II al I milenio de la región extremeña (Pavón, 1995, p. 49­50; 1998a, p. 83­84 y 171­172). Pero justo es apuntar que dichos poblados en alto están realmente vigentes a lo largo del ciclo Bronce Final­Hierro I (lo cual no significa que todos experimenten en su extensión dicha secuencia), distanciándose claramente, en términos crono­culturales y paisajísticos, de los denominados “castros de ribero”, inmediatos al Tajo o sus afluentes e inaugurados en el Hierro II y más propiamente prerromanos (lusitanos/vetones). Para concretar los diferentes elementos arqueológicos, económicos y paisajísticos que concurren en dicha facies nos centraremos en esta ocasión en dos de las zonas en que más intensamente hemos venido trabajando: la penillanura del Salor y Las Villuercas.

3.1. La penillanura del Salor La del Salor constituye una de las sub­cuencas fluviales del Tajo cuya Protohistoria resulta mejor rastreada, al menos en su mitad oriental. Enclaves como los de Santo Domingo, El Risco, Montánchez o la Sierra del Aljibe, entre otros, son frecuentemente citados en la bibliografía especializada (Pavón, 1998a; Martín, 1999; Pavón, Rodríguez e Duque, 2015), a los que cabe unir depósitos como el del Cabezo de Araya (Almagro Basch, 1961). Una cuenca que discurre aproximadamente entre la cabecera del río, en Montánchez, y la confluencia en él de la rivera de Araya, al oeste. Al norte queda pespunteada por el Cabezo de Araya, la Sierra de Santo Domingo y la Sierra de la Mosca (con altitudes máximas, respectivamente, de 521, 515 y 664 m snm); en tanto al sur la Sierra de San Pedro la separa, y une a través de sus afamados puertos, de/con la Cuenca del Guadiana, con la referencia topográfica de la Sierra del Aljibe de Aliseda (604 m snm), justo junto a los pasos naturales de los Terreros y el Puertollano, como hito más interesante. Aunque en la contemporaneidad ha sido objeto de explotación agraria intensiva en algunos de sus tramos, y ocasionalmente parajes con manantiales pudieron llegar a favorecer cierta agricultura, históricamente los pastos, montes y recursos minero­metalúrgicos han sostenido un poblamiento en general muy poco denso. Tales debieron ser, probablemente, los factores aglutinantes del poblamiento en el Bronce Final, potenciados puntualmente por factores como el dominio visual o la posición estratégica en relación a las rutas naturales, como se aprecia tanto en El Risco (Sierra de Fuentes) como El Aljibe (Aliseda), dos de los poblados donde se han realizado excavaciones. El poblado del Risco, excavado en 1991­1993, se ubica la Sierra de la Mosca, por encima de los 625 m de altitud, y se extiende a lo largo de unas 3,5 ha. Su perímetro queda definido por la dispersión superficial del material arqueológico, la propia orografía y ciertos tramos en que evidencia discontinuamente murallas dispuestas a seco entre los afloramientos rocosos. No es probable, no obstante, que dicha extensión estuviera totalmente poblada, concentrándose las viviendas en una serie de plataformas que mejor se acondicionan para ello. Tras una ocupación campaniforme (Risco I), de principio a fin de la secuencia, que en este caso sí coincide con el mencionado “ciclo Bronce Final­Hierro I” –a través de los horizontes del Bronce Final­Orientalizante (Risco II), Orientalizane Pleno­Reciente (Risco IIIA) y

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Postorientalizante (Risco IIIB), entre aproximadamente el 800 y el 400 a.C. en fechas no calibradas–, las soluciones habitacionales documentadas son los suelos de ocupación o fondos de cabaña. Dichas cabañas de planta oval, definidas por series de lastras de piedra hincadas y pellas de barro que denotan superestructuras vegetales, oscilan entre los 7 y los 2 m de longitud, y comparten rasgos comunes con las estudiadas en los momentos finales de la Edad del Bronce tanto en el mundo atlántico portugués como en el meseteño o tartésico (Enríquez, Rodríguez e Pavón, 2001; Pavón, Rodríguez e Duque, 2015, p. 184­187). En cuanto a la cultura material, destacamos la información aportada por la cerámica y los elementos metálicos, sobre los que volveremos enseguida, una vez presentado el poblado de la Sierra del Aljibe de Aliseda. Las cotas más altas de la Sierra del Aljibe acogen al poblado que, desde nuestras primeras visitas y sondeos, venimos relacionando directamente con el tesoro de Aliseda (Rodríguez, Enríquez y Pavón, 1995; Rodríguez y Pavón, 1999). Un poblado cuyo territorio hemos conocido con mayor detalle en los últimos años, a partir de la prospección intensiva de su entorno y la excavación del paraje en el que se encontró en 1920 ese célebre conjunto de joyas orientalizantes envueltas en una laberíntica historia (Rodríguez, Ortiz, Pavón y Duque, 2014; Rodríguez, Pavón y Duque, 2015). Como dijimos, este poblado se ubica en un lugar geoestratégico de la Sierra de San Pedro y, en cierto modo, su extensión (estimada en 8,5 ha) es reflejo de su destacable magnitud en el marco general de superficies sólo discretas de los demás poblados de la “facies Tajo”. Sin amurallamiento conocido hasta el momento, el hábitat se distribuyó principalmente en la ladera norte, ocupando una serie de espacios aterrazados discernibles hoy por taludes. Estimado el espacio realmente habitable en poco más de 5 ha, y aplicándole el mismo factor empleado en el mundo tartésico (Torres, 2002, p. 269 y 275­277), permitiría contemplar una población de 500­1000 habitantes. Aunque sólo conocemos los detalles estratigráficos de la ocupación por sendos cortes abiertos en 1995, éstos permiten apuntar un desarrollo proto­urbanístico algo más avanzado, dotado de estructuras angulares, al menos en sus fases centrales y finales. De nuevo ésta se atiene al “ciclo Bronce Final­Hierro I”, concretándose en otros tantos horizontes del Bronce Final­tránsito al Orientalizante (Aliseda I), Orientalizante Pleno­Reciente (Aliseda II) y Postorientalizante (Aliseda III) (Fig. 3) (Rodríguez e Pavón, 1999). La cultura material del Bronce Final en El Risco y Aliseda es en gran parte coincidente y define bien los rasgos de la documentada en este sector del Tajo. Los muestreos exhumados en ambos denotan la presencia de producciones a mano cuidadas (entre el 22 y el 10%, respectivamente), entre las que sobresalen diversas variantes de cuencos carenados de perfil atlántico o meridional, sólo excepcionalmente decorados, ya con motivos bruñidos al exterior (lo que los acerca a las costumbres más típicas del ámbito hoy portugués), ya al interior (en consonancia con lo que predomina en el ámbito tartésico); pero proporcionalmente destacan las semicuidadas (entre el 22 y el 35%, respectivamente) y, sobre todo, las toscas (en ambos sitios en torno al 56­55%), vinculadas al almacenaje y a las tareas domésticas, con perfiles de urnas, ollas, etc., y con tratamientos diferenciales y escobillados habituales en el contexto regional (Rodríguez e Pavón, 1999, p. 116­118; Enríquez, Rodríguez e Pavón, 2001, figs. 18­19; Pavón, Rodríguez e Duque, 2015, p.

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184­185). Como ya se ha indicado, la orientalización que ambos enclaves experimentan en el Hierro I se vislumbra en la introducción del torno, si bien con una presencia discreta que cuestiona el calado de la aculturación. Es muy probable que ésta fuera tardía, matizada y selectiva, afectando en particular –como en ocasiones se ha argumentado– a las élites locales, como el propio tesoro de Aliseda sugiere. El conocimiento de las producciones metálicas del Bronce Final en la zona sigue siendo deudor del estudio realizado en su día por S. Rovira y colaboradores sobre los materiales, presuntamente procedentes del Risco, de la “colección Gil Montes”. Próximos tipológicamente a los del horizonte Baioes­Vénat­Ría de Huelva, los objetos estudiados en la zona acreditan el predominio de los bronces binarios (cobre­estaño) sobre los ternarios (cobre­estaño­plomo), con un 12,1% de media de estaño en las aleaciones. Digna de mencionarse es la presencia de cinco fragmentos de lingotes plano­convexos en la colección, y la recuperación durante la excavación del Risco de un molde, que denotan tanto el tráfico de materias primas (en concreto con una procedencia del cobre más variada que en fases anteriores) como la presencia de talleres metalúrgicos en los puntos de destino de las redes de distribución del metal (Gómez, Montero e Rovira, 1998, p. 104­108). En este marco, hemos venido defendiendo la explotación del estaño de la Alta Extremadura y su integración en las redes atlántico­mediterráneas, a partir de la distribución espacial de los poblados y su relación con la casiterita (Pavón, 1998a, p. 60­61). Si bien en el entorno del Salor las prospecciones no siempre han producido los resultados deseados, por efecto de las intensa minería contemporánea (Rodríguez et al., 2013, p. 105­108), en otros rincones de la geografía extremeña la explotación protohistórica de la casiterita está comenzando a constarse de forma inequívoca; tal es el caso del stock de Logrosán, en el sur de Las Villuercas, epicentro del proyecto investigador que ahora desarrollamos y que en un futuro inmediato contribuirá a enriquecer las perspectivas en torno al estaño y al Tajo, de tanto interés en nuestros días (Senna­Martínez, 2013).

3.2. El entorno de Las Villuercas De la comarca inmediata a Logrosán, divisoria de aguas entre el Tajo y el Guadiana (en el entorno de Las Villuercas), proceden algunos de los hallazgos más señeros del Bronce Final extremeño, como la estela de guerrero de Solana de Cabañas (Roso de Luna, 1898) o el tesoro de Berzocana (Callejo e Blanco, 1960; Rodríguez, Duque y Pavón, e.p.). Una representatividad similar, en el plano concreto de la minería protohistórica, aspira a tener el poblado del Cerro de San Cristóbal (684 m snm), estudiado discontinuamente desde finales de los años setenta y objeto de prospecciones y excavaciones hasta el momento presente (Sos, 1977; Merideth, 1998a y 1998b; Rodríguez et al., 2001 y 2013). San Cristóbal responde al perfil de un poblado minero dispuesto sobre un stock plutónico de poco más de 2 km2 emergido al sur de la comarca de Las Villuercas. Sin descartar un aprovechamiento basado en el lavado de arenas, se ha puesto a la luz un asentamiento particularmente vinculado a la extracción filoniana de la casiterita alojada en el cuarzo encajante que surca, principalmente en sentido NE­SO, el sustrato granítico. La extensión de la explotación antigua puede estimarse en unas 7,5 ha y se

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sitúa al occidente del cerro, donde, ya en 1998 y particularmente en la campaña de 2016, se han exhumado labores muy simples, consistentes en la explotación mediante rafas de los filones. Se han documentado también varias cabañas de lastras hincadas y planta oval, similares a las del Risco, con longitudes que van de los 4,80 a los 6,80 m., en alguna ocasión incluso sellando rafas explotadas con anterioridad. La cultura material cerámica y los bronces encontrados –grosso modo similares a los de El Risco II y Aliseda I, aunque con matices, como sugiere la presencia de algunas cerámicas con incrustaciones metálicas o con decoración bruñida interior– permiten situar la ocupación, en base a criterios tipológicos, entre los siglos IX­VII a.C. en cronologías convencionales. Mención especial merece el conjunto de datos que ha permitido esbozar la cadena operativa minero­metalúrgica de la casiterita en Logrosán y las posibles huellas en el paisaje de la erosión del medio vegetal (Rodríguez et al., 2013, p. 99). Particularmente, dicha cadena operativa se iniciaría con la apertura de trincheras o “rafas” superficiales, siguiendo los mencionados filones, con martillos­mazas de piedra para extraer el mineral en bruto. Continuaría, en pasos sucesivos, con la trituración del cuarzo con machacadores de piedra a fin de extraer la casiterita, como sugieren los detritos documentados al

FIG.3. Cerámicas del ciclo Bronce Final­Hierro I en la Sierra del Aljibe (Aliseda).

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interior de una de las cabañas, y su molturación con la ayuda de molinos barquiformes. Los residuos de tales actividades se emplearían para rellenar y amortizar las “rafas” ya agotadas. Posteriormente, tras un eventual afinado, la casiterita finamente molida se añadiría directamente al cobre en pequeños crisoles de barro. El paso siguiente, y final, de esta cadena, admite tanto la elaboración de piezas en moldes de piedra, constatados arqueológicamente en San Cristóbal, como la salida del mineral, preferentemente hacia el Guadiana (vía río Ruecas); pero también hacia el Tajo, gracias a pasos naturales como el que supone, por ejemplo, el valle del río Berzocana (Rodríguez et al., 2013, p. 102­105) (Fig. 4). En buena parte de estas hipótesis se pretende profundizar desde la puesta en marcha del proyecto investigador “Arqueología y recuperación de un paisaje minero: la explotación tartésica del estaño en San Cristóbal de Logrosán (Cáceres)”, aprobado por el MINECO y en desarrollo –como ya dijimos– en el momento presente. Un proyecto cuyos objetivos generales son: por una parte, intensificar el conocimiento de la explotación extractiva de la casiterita desarrollada en este yacimiento a lo largo del Bronce Final­Orientalizante y su contextualización histórica en el marco de la redes atlántico­mediterráneas; y, por otra, potenciar el significado y valor patrimonial de este enclave en el Geoparque “Villuercas­Ibores­Jara”. Para su consecución, se ha programado la realización de diferentes actividades incardinadas a su vez en tres ejes fundamentales. Así, para definir mejor la arqueominería y metalurgia de Logrosán, como Eje A, contemplamos la detección y estudio de nuevas evidencias arqueomineras (mediante una metodología específica de excavación geo­minera y el estudio arqueométrico de las mismas); la realización de una excavación arqueológica orientada a caracterizar más afinadamente los espacios de hábitat y trabajo; el estudio paleoeconómico y de sus huellas en el entorno ambiental a partir de la información bioarqueológica; y, finalmente, la integración territorial de la experiencia logrosana, mediante una prospección arqueológica selectiva del ya mencionado eje del río Ruecas (Logrosán­Medellín) y del entorno occidental de Las Villuercas (valle del río Berzocana). La recuperación e interpretación de la documentación generada en los trabajos arqueológicos dirigidos por C. Merideth (2000­2002) y su estudio integral configuran el Eje B de nuestro proyecto. Finalmente, dentro del Eje C, que pretende la difusión científica y socio­patrimonial en el marco del Geoparque “Villuercas­Ibores­Jara” y el proyecto “Minas de Logrosán”, daremos a conocer los resultados obtenidos en los planos científico y divulgativo. Todo ello se resume en la pretensión de incorporar al “geositio” de San Cristóbal las evidencias de la presencia humana desde el Bronce Final, como factor esencial en su concepción y percepción como un paisaje minero de incuestionable valor histórico y patrimonial.

4. Valoración Final El breve recorrido realizado a través del Bronce en el Tajo Medio nos sitúa ante una etapa conocida sólo parcial y diferencialmente. De hecho, sus fases iniciales y plenas apenas dejan vislumbrar la ocupación de ciertas áreas, como la del Campo Arañuelo, y su integración preferente en patrones socio­económicos afines a los de los campos de hoyos meseteños, del círculo cultural Protocogotas. Su probable maduración a lo largo de la fase de

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Cogotas I (Bronce Final I/Bronce Tardío de la secuencia extremeña) no deja de ser una propuesta pendiente de un contraste arqueológico más contundente, inabordable hoy por la escasez de casos de estudio.Por el contrario, sólo los momentos del Bronce Final, y en una fase avanzada (Bronce Final II­III de la secuencia extremeña), ofrecen muestras de una ocupación general del espacio, si bien primando la disposición sobre puntos elevados con amplio dominio visual en los que no se desarrolla un urbanismo complejo. Como sucede en el vecino ámbito del Médio Tejo portugués, la explotación de los recursos minero­metalúrgicos de la zona (allí el oro, según se plantea; aquí particularmente el estaño, aunque probablemente no sólo) constituye el mejor argumento económico para la integración en las redes atlántico­mediterráneas, si bien desde una posición periférica y políticamente descentralizada. Fruto de ello, la evolución de las sociedades locales –que en modo alguno rebasan el nivel de la jefatura o la estructuración heterárquica del poder (Rodríguez, 2009 p. 189­190 y fig 50; Pavón, Rodríguez e Duque, 2015, p. 221) – lo será hacia una orientalización difusa y acaso sólo perceptible en las élites, que harán acopio de materiales de origen foráneo (como algunos elementos de los representados en las estelas, la pátera de Berzocana o piezas del tesoro de Aliseda, por ejemplo, a lo largo del “ciclo Bronce Final­Hierro I”) para refrendar su preeminencia social en el tránsito a una economía incipientemente comercial.

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FIG.4. A. Restos minero­metalúrgicos del Corte 1 de San Cristóbal de Logrosán (Cáceres); B. Cadena operativa de la casiterita en San Cristóbal (Logrosán, Cáceres).

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