Arlene Clemesha - As Relações Entre o Irão e o Ocidente

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As Relações Entre o Irão e o Ocidente

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  • As Relaes entre o Ir e o Ocidente

    Sob o Vu Mistificador da Doutrina do Choque de Civilizaes

    Arlene Elizabeth Clemesha1

    No atual contexto ideolgico mundial - onde no mais a Guerra Fria, mas a Guerra ao

    Terror e a doutrina do Choque de Civilizaes, que vm justificar as sucessivas

    investidas norte-americanas pela hegemonia mundial - o Ir surge cada vez mais como

    smbolo da negao de tudo que o Ocidente supostamente representa: democracia,

    direitos humanos e liberdades individuais, alm de outros valores autoproclamados.

    Para Samuel Huntington - pai da doutrina do Choque de Civilizaes -, a velha poltica,

    que se dava ao redor do conflito entre grupos ideolgicos como o primeiro, o

    segundo e o terceiro mundos, deu lugar a conflitos mundiais entre blocos culturais

    antagnicos (1993). As grandes divises da humanidade, diria Huntington, e as

    principais fontes de conflito, seriam agora culturais. Segundo a viso de Huntington,

    que por sua vez se apoia nos escritos de Bernard Lewis (1990), o Isl seria uma

    civilizao homognea e monoltica, definida por seu antiocidentalismo, dio

    irracional e inextirpvel ao ocidente.

    Para tomar um exemplo, a relao entre o Estado de Israel e o Ir passa a ser vista no

    por sua real natureza de disputa pelo poder militar no Oriente Mdio, mas como o

    embate entre a nica democracia da regio e uma teocracia antiliberal, fantica e

    ameaadora. Com a vantagem de que, colocado nesses termos, o alinhamento dos

    1 Arlene E. Clemesha, PhD, Professora de Histria rabe (DLO-FFLCH/USP) e Diretora do Centro de

    Estudos rabes da USP. Autora dos livros Marxismo e Judasmo (Boitempo/Xam), Palestina 48-08 (Teer, em idioma farsi), entre outros livros e artigos relacionados ao tema, e tradutora de Edward Said. representante da sociedade civil brasileira em reunies da ONU pela defesa dos direitos do povo palestino. Publicado na revista Mouro, no 4, So Paulo, dezembro 2010. www.mouro.com.br

  • Estados ocidentais a Israel no mais uma questo de escolha ou interesse poltico

    genuno (Parsi, 2006).

    O prprio programa nuclear iraniano, originado no final da dcada de 1950, s passou

    a ser combatido pelos Estados Unidos aps a substituio do governo colaboracionista

    do Shah Mohammed Reza Pahlavi, pelo regime politicamente opositor do Aiatollah

    Khomeini, em 1979. Antes disso, o Ir comprava combustvel nuclear dos Estados

    Unidos, erguera seu primeiro Centro de Pesquisas Nucleares de Teer (em 1967) com

    apoio norte-americano, e planejara a construo de at 20 usinas nucleares por

    orientao de uma pesquisa de 1974 do Stanford Institute que indicava que o pas

    necessitaria produzir 20.000 megawatts de energia atmica at o ano 1994. O Ir foi

    tambm um dos primeiros signatrios do Tratado de No Proliferao (TNP) em 1968,

    aderindo em 1974 ao Safeguard Agreement da Agncia Internacional de Energia

    Atmica (AIEA). Ou seja, com a perspectiva de grandes lucros oriundos da venda de

    combustvel nuclear para a operao dos reatores iranianos, os Estados Unidos

    defendiam e impulsionavam seu programa nuclear.

    A partir de 1979, os Estados Unidos comearam a pressionar no sentido contrrio.

    Suspenderam o apoio, barraram a cooperao iraniana com empresas francesas e

    alems, e impediram o estabelecimento de acordos de cooperao nuclear com pases

    como a China, frica do Sul e Argentina, alegando que o programa nuclear iraniano

    tinha finalidade blica.

    No entanto, os inspetores da AIEA, que monitoram intensamente toda atividade

    nuclear iraniana desde 2002, no encontraram at a presente data evidncia da

    capacidade iminente de produo de armas nucleares no Ir. Em 2003, para tentar

    reverter o crescimento de um consenso mundial contrrio ao programa de

    enriquecimento de urnio no Ir, o governo desse pas empreendeu um dilogo com a

    Frana, Alemanha e Gr-Bretanha, para construir confiana baseada na transparncia

    e no acesso s plantas nucleares. Ao mesmo tempo, assinou e implementou o

    Protocolo Adicional ao TNP, e abriu as portas a uma das inspees mais rigorosas e

    completas na histria da AIEA. Finalmente, com base no modelo fornecido pelos

    Publicado na revista Mouro, no 4, So Paulo, dezembro 2010. www.mouro.com.br

  • especialistas da AIEA, o Ir props converter as facilidades nucleares em complexos

    regionais ou multinacionais, o que fornece o maior grau de transparncia na medida

    em que permite s partes envolvidas participar da propriedade e operao dessas

    plantas (Zarif, 2007: 86).

    Desde pelo menos 2002, os Estados Unidos pressionavam a AIEA a encaminhar ao

    Conselho de Segurana (CS/ONU) um pedido de sanses contra o Ir devido a seu

    programa nuclear. Mas o apoio da Rssia e China ainda tinha que ser construdo. Em

    outubro de 2005, uma votao dividida na AIEA (rgo acostumado a operar por

    consenso), com 22 a favor, 1 contra e 12 abstenes, concluiu que o Ir no respeitava

    o TNP mas ainda se mostrava receoso da crescente presso europeia e norte-

    americana sobre o pas. No entanto, antes mesmo de serem aprovadas as sanses, o

    simples envolvimento do Conselho de Segurana j tinha o efeito de transportar a

    questo para o nvel da confrontao.

    Finalmente, em julho de 2006 o CS/ONU aprovou a resoluo 1696, declarando sua

    falta de confiana na capacidade da AIEA de garantir o carter pacfico do programa

    nuclear iraniano, exigindo o fim imediato do enriquecimento de urnio, e

    estabelecendo, pela primeira vez, a aplicao de sanses econmicas e diplomticas

    ao Ir. Em 2010, como se no bastasse o Conselho de Segurana da ONU ter aprovado

    uma nova rodada de sanses contra o Ir, a Unio Europeia imps em seguida,

    segundo fontes da BBC, as mais duras sanses jamais adotadas pela UE contra

    qualquer pas, enquanto lideranas polticas norte-americanas debatiam se deviam ou

    no apoiar oficialmente um ataque israelense quele pas.2

    Segundo o ex-embaixador do Ir na ONU, Mohammad Javad Zarif, o imenso volume de

    atividade diplomtica norte-americana direcionada a amedrontar e alinhar os pases

    em uma coalizo anti-iraniana tornou-se a pedra central de uma estratgia para

    2 Entre 2005 e 2006, enquanto os relatrios do National Intelligence Estimate ou aqueles da

    IAEA concluam que o Ir no possua tecnologia para produzir armas nucleares antes de 2015,

    o Chief of Staff do exrcito israelense, Dan Halutz, declarava que o Ir atingir o ponto do

    no-retorno e poder produzir armas nucleares em trs meses (Apud ZARIF, 2007).

    Publicado na revista Mouro, no 4, So Paulo, dezembro 2010. www.mouro.com.br

  • resgatar as polticas fracassadas dos Estados Unidos na regio (2007). De acordo com

    artigo no Wall Steet Journal, o espectro da ameaa da ascenso do Ir tornou-se para

    os Estados Unidos uma espcie de cimento diplomtico... para remendar uma aliana

    destinada a consertar no apenas o Iraque, mas tambm o Lbano e o conflito

    palestino (Jaffe e King, 2007).

    O Ir possui uma demanda real de energia alternativa e no oriunda do petrleo ou do

    gs natural, no apenas porque estes so recursos esgotveis, mas para que o pas

    possa aumentar suas divisas da exportao desses recursos naturais. A produo de

    20.000 megawatts de energia nuclear at 2020, economizaria ao pas 190 milhes de

    barris de petrleo todo ano, ou quase 14 bilhes de dlares ao ano. significativo que

    os mesmos governos que hoje questionam o programa nuclear iraniano, apoiavam-no

    ativamente e competiam por suas aes h 40 anos, quando a populao iraniana e as

    demandas de energia eram muito inferiores ao que so hoje, e a produo e

    exportao de petrleo, muito maiores.

    Vale lembrar que o acordo nuclear Brasil-Turquia-Ir, firmado em maio de 2010, foi

    imediatamente desqualificado pelos Estados Unidos em nome da aprovao de mais

    uma rodada de sanses contra o Ir no Conselho de Segurana da ONU. As novas

    sanses foram aprovadas pelo CS/ONU em 9 de junho de 2010 (Res. UNSC/1929), mas

    o que passou a ocupar o maior espao da grande mdia foi o caso da sentena de

    morte por apedrejamento de Sakineh Mohammadi Ashtiani, iraniana de origem azeri,

    43 anos, julgada culpada em 2006 por traio e depois por participao na morte de

    seu marido.

    O acordo diplomtico brasileiro-turco-iraniano foi rapidamente esquecido pela mdia e

    as sanses tampouco so debatidas. Tornaram-se problema exclusivo do povo

    iraniano, obrigado a lidar com o recrudescimento do seu castigo coletivo. Mas o caso

    de Sakineh Ashtiani, cuja pena foi transformada em morte pela forca, continua

    ganhando as manchetes.

    O caso Sakineh e a doutrina do direito de intervir

    Publicado na revista Mouro, no 4, So Paulo, dezembro 2010. www.mouro.com.br

  • Por mais abominvel que seja a condenao de Sakineh, e por mais importante que

    seja tentar salvar sua vida, o que chama ateno que a mdia se mostre to indignada

    perante essa pena de morte, mas complacente e at mesmo indiferente diante das

    execues nos Estados Unidos, ou outras formas de graves violaes de direitos

    humanos em pases ocidentais ou aliados dos ocidentais.

    Aps a alterao da sentena de Sakineh, da morte por apedrejamento morte na

    forca, o ministro do Exterior da Gr-Bretanha, Alistair Burt, disse que qualquer ao

    para executar Ashtiani seria "totalmente inaceitvel", enquanto a ministra das

    Relaes Exteriores da Unio Europeia, Catherine Ashton, segundo sua porta-voz,

    exige que o Ir suspenda a execuo e altere a sentena" (BBC Brasil, 02/11/2010).

    Pouco antes, o editorial da Folha de So Paulo de 22 de julho, Dilogo de Surdos,

    afirmava que as tentativas at ento frustradas de convencer o Ir a revogar a pena de

    morte por apedrejamento de Sakineh Ashtiani seriam emblemticas das diferenas

    entre o Ocidente e o mundo islmico. No havia, segundo esse veculo de

    comunicao, bases para o dilogo. O caso Sakineh viria comprovar, para todos os

    efeitos, a diviso do mundo entre Ocidente e Oriente, em linhas demarcadas, fixas

    e intransponveis. O Ocidente, supostamente defensor dos direitos humanos,

    possuiria valores mais avanados que o Isl. Por mais que o editorial tenha ao mesmo

    tempo criticado Samuel Huntington, reproduziu a mesma ideia central desse autor ao

    descrever Isl e Ocidente como duas entidades fixas e monolticas, cujas linhas

    imaginrias de diviso seriam tambm aquelas de conflito. A viso de mundo

    orientalista expressa por esse editorial no se distingue do orientalismo reciclado pela

    teoria do Choque de Civilizaes.

    Em artigo recente na Carta Maior, Francisco Teixeira tece uma srie de crticas

    pertinentes ao governo iraniano, faz referncia importante luta interna iraniana por

    direitos humanos, mas parece valer-se do mesmo paradigma do choque de

    civilizaes quando, entre outras coisas, afirma que a questo das liberdades civis e

    do reconhecimento dos direitos humanos no Ir (e por extenso em todos os pases

    muulmanos) impe um debate bastante duro e srio sobre o convvio entre as

    Publicado na revista Mouro, no 4, So Paulo, dezembro 2010. www.mouro.com.br

  • civilizaes no mundo moderno (2010). O autor elabora retoricamente um problema

    de direitos humanos comum a todos os pases islmicos, supostamente pertencentes a

    um mesmo bloco civilizacional retratado como atrasado e problemtico por suas

    caractersticas intrnsecas. No entanto, como diria Edward Said, h um mundo de

    diferenas entre o Isl no Egito e o Isl na Indonsia (2001). Sendo que, em matria de

    defesa dos direitos humanos o Ocidente no prima pela coerncia. Como anunciou

    Humberto Eco, o mundo protesta contra pena de morte no Ir mas no se ope

    injeo letal nos EUA (2010). Alm de Guantanamo e Abu Ghraib, lembremos os

    ilegais assassinatos dirigidos e os mais de 7.000 prisioneiros polticos mantidos pelo

    Estado de Israel, muitos dos quais na categoria de presos administrativos, sem

    acusao formal ou processo na justia. Os demais aliados norte-americanos da regio,

    como Egito, Arbia Saudita e Jordnia tambm possuem vastos repertrios de abusos

    de direitos humanos, sem por isso tornarem-se alvo da crtica mundial.

    Outro indcio de que o objetivo antes isolar o Ir, do que apoiar os setores do pas

    que lutam por mudanas, que a ateno dada ao abuso de direitos humanos no Ir

    no costuma vir acompanhada de informao sobre a resistncia interna, ou o debate

    interno, existente no pas em torno do problema. Como lembra a advogada e ativista

    de direitos humanos Mehrangiz Kar, que durante 22 anos advogou no Ir, h um

    movimento de protesto no Ir que luta para acabar com essas prticas. Dele

    participam inclusive alguns clrigos, que infelizmente, por no estarem vinculados ao

    governo, no tm nenhuma autoridade. Eles pregam uma reforma no nosso sistema

    legal sem que isso signifique insultar o Isl (Rossetti, 2010).

    Segundo Shirin Ebadi, advogada iraniana e premio Nobel da Paz, o apedrejamento tem

    sido criticado, h muito tempo, por uma srie de juristas islmicos, notadamente

    Aiatollah Yousef Saanei. Acreditam que tais punies eram correntes na pennsula

    rabe no perodo de advento do Isl, ou seja, no sculo VII, mas observam que o

    Coro no faz nenhuma meno ao apedrejamento, defendendo assim que o Estado

    passe a adotar penas mais leves e adaptadas aos dias de hoje, como multas ou a

    priso (Ebadi, 2010).

    Publicado na revista Mouro, no 4, So Paulo, dezembro 2010. www.mouro.com.br

  • Lembremos ainda que a pena por apedrejamento chegou a ser completamente

    suspensa durante o governo do Presidente Khatemi (1997-2005), mesmo sendo ele

    Hojjat al-Islam, e filho de Aiatollah (Cf. Abrahamian, 2008: 187).

    Para alm da falta de divulgao e conhecimento da luta pelos direitos humanos e

    reformas polticas dentro do Ir, o fato que a retrica de guerra dos Estados Unidos e

    da Europa, bem como as sanses aprovadas pelo CS/ONU, atrapalham o avano de

    todo movimento interno de contestao ao regime, notadamente a luta por direitos

    humanos.

    Ao no se dar voz aos que lutam por mudanas no Ir, transmite-se a concepo

    segundo a qual a soluo passaria por algum tipo de interveno, presso ou castigo

    da comunidade internacional. Por trs disso est a noo enraizada (por sculos de

    colonialismo e o discurso etnocntrico que sempre o acompanhou) de que os iranianos

    precisam do Ocidente para avanar, para seu bem e proteo contra suas prprias

    crueldades. Nesse contexto, a propaganda gerada em torno ao caso Sakineh ganha

    uma importncia estratgica mundial, ajudando a criar uma opinio pblica que

    poder ver com olhos favorveis um ataque ao Ir e, eventualmente, uma interveno

    para a mudana de regime.

    Como explica a antroploga Lila Abu-Lughod, aqueles que pesquisam o governo

    britnico no sul da sia ao longo dos sculos XIX e XX, podem notar a ampla utilizao

    da questo da mulher nas prticas colonialistas, como forma de justificar a

    colonizao. Percebe-se, ao mesmo tempo, que a ideia de salvar outras mulheres

    refora o sentimento de superioridade dos interventores ocidentais, uma forma de

    arrogncia que deve ser questionada. Para as feministas afegs, por exemplo, a

    emancipao da mulher deveria ocorrer dentro do marco do islamismo e no atravs

    do combate ao Isl. Elas tendem, inclusive, a olhar para o Ir como modelo de pas

    islmico onde as mulheres esto alcanando notvel progresso, com uma ampla

    alfabetizao, diminuio da taxa de natalidade, presena das mulheres nos postos de

    trabalho e no governo, bem como nos campos de cultura e arte como a escrita e a

    realizao de filmes. Ao mesmo tempo, a permanncia de injustias contra a mulher

    Publicado na revista Mouro, no 4, So Paulo, dezembro 2010. www.mouro.com.br

  • objeto de anlise e crtica das mulheres desses pases, que esto longe de ver, seja a

    interveno externa, seja a laicizao, como soluo para a condio da mulher nos

    diferentes pases islmicos. Para Abu-Lughod, um primeiro passo na direo necessria

    seria romper com a linguagem das diferentes culturas, seja para compreender ou

    para elimin-las. Trabalho missionrio e feminismo colonial pertencem ao passado,

    diz a autora (2002: 783-970).

    O tratamento conferido pela imprensa e pelas lideranas polticas norte-americanas e

    europeias, ao caso Sakineh, tem sido no apenas parcial, mas expresso de uma

    concepo de mundo etnocntrica, que possui, deve-se notar, uma longa tradio na

    utilizao da questo da mulher para justificar a interveno, ocupao, e dominao

    externas. Sendo que, no devemos menosprezar a importncia que os Estados Unidos

    atribuem criao de um consenso anti-iraniano. Aps a ocupao do Iraque,

    efetuada sem o aval da ONU, a um enorme custo poltico-ideolgico e militar, os

    Estados Unidos dificilmente podero sustentar um novo ataque unilateral. Por isso,

    inclusive, tanta irritao da Secretria de Estado Clinton com o acordo Brasil-Turquia-

    Ir. Apesar do acordo basicamente repetir os termos oferecidos ao Ir pela AIEA em

    outubro de 2009, ele indicava - pelo fato de ter sido firmado com a Turquia e o Brasil,

    no momento em os Estados Unidos preparavam novas sanses no CS-ONU -, mais uma

    vez, que no se havia chegado a um consenso pelo total isolamento daquele pas. A

    prpria ideia de que era possvel chegar a um acordo com o Ir constitua uma ameaa

    poltica isolacionista norte-americana.

    A exaltao da crena na existncia de diferenas culturais e civilizacionais

    insuperveis vem acompanhada da defesa do chamado direito ingerncia externa,

    doutrina poltica que elabora a ideia segundo a qual as potncias industriais dos

    Estados Unidos e da Europa no s tm o direito como o dever moral e poltico de

    intervir em pases ou regies onde supostos valores universais, como a democracia e

    os direitos humanos, so desrespeitados.

    Ou seja, transformam-se valores como direitos humanos e democracia, alm de

    ecologia e livre mercado, em valores universais e recorre-se a eles para criar um

    Publicado na revista Mouro, no 4, So Paulo, dezembro 2010. www.mouro.com.br

  • consenso e justificar algo que no to fcil de ser aceito, que a ingerncia externa

    ou, fundamentalmente, o reconhecimento de que os Estados estrangeiros podem

    violar a soberania nacional de outros pases. Em 1999, o ento secretrio-geral da

    ONU, Kofi Anan defendeu, diretamente, a limitao da soberania em favor dos direitos

    humanos. Sendo que foi justamente a Guerra do Golfo que abriu caminho

    consolidao do droit dingrence humanitaire (Bandeira, 2007: 15 e 18).

    Lamentavelmente, ignora-se que os efeitos mais provveis de um ataque externo

    seriam arruinar a luta iraniana por democracia e direitos humanos, encorajando a

    populao, todo o espectro poltico includo, a alinhar-se ao governo na defesa da

    nao. Os defensores da guerra, que afirmam que ela criaria revolta interna e

    encorajaria a populao a lutar contra o regime, claramente ignoram a histria, a

    realidade atual, e o nacionalismo iranianos. Ainda no que diz respeito aos efeitos de

    um ataque, vale lembrar que iniciar uma guerra a melhor maneira at hoje

    conhecida e comprovada de se criar as condies para o desrespeito aos direitos

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