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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM LINGUÍSTICA AS QUESTÕES SOCIOLINGUÍSTICAS EM ATIVIDADES DE LIVROS DIDÁTICOS ARLETE MASCARENHAS DOS SANTOS Orientador: Prof. Dr. Manoel Francisco Guaranha Dissertação apresentada ao Mestrado em Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguistica. SÃO PAULO 2014

Arlete Mascarenhas dos Santos-FINALIZADA DOC-03-12 … · universidade cruzeiro do sul programa de pÓs-graduaÇÃo as questÕes sociolinguÍsticas em atividades de livros didÁticos

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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM LINGUÍSTICA

AS QUESTÕES SOCIOLINGUÍSTICAS EM ATIVIDADES DE

LIVROS DIDÁTICOS

ARLETE MASCARENHAS DOS SANTOS

Orientador: Prof. Dr. Manoel Francisco Guaranha

Dissertação apresentada ao Mestrado em Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguistica.

SÃO PAULO

2014

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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

S233q

Santos, Arlete Mascarenhas dos. As questões sociolinguísticas em atividades de livros didáticos /

Arlete Mascarenhas dos Santos. -- São Paulo; SP: [s.n], 2014. 148 p. : il. ; 30 cm. Orientador: Manoel Francisco Guaranha. Dissertação (mestrado) - Programa de Pós-Graduação em

Linguística, Universidade Cruzeiro do Sul. 1. Sociolinguística 2. Variação linguística 3. Livro didático –

Ensino fundamental 4. Parâmetros curriculares – Língua portuguesa. I. Guaranha, Manoel Francisco. II. Universidade Cruzeiro do Sul. Programa de Pós-Graduação em Linguística. III. Título.

CDU: 81’27(043.3)

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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

AS QUESTÕES SOCIOLINGUÍSTICAS EM ATIVIDADES DE

LIVROS DIDÁTICOS

Arlete Mascarenhas dos Santos

Dissertação de mestrado defendida e aprovada

pela Banca Examinadora em 31/10/2014.

BANCA EXAMINADORA:

Prof. Dr. Manoel Francisco Guaranha

Universidade Cruzeiro do Sul

Presidente

Profa. Dra. Ana Lúcia Tinoco Cabral

Universidade Cruzeiro do Sul

Profa. Dra. Nílvia Terezinha da Silva Pantaleoni

Escola Superior de Engenharia e Gestão

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Dedico este trabalho a todos os envolvidos com as palavras.

"As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor.

Aprendemos palavras para melhorar os olhos.”

“Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem... O ato de ver não é coisa natural.

Precisa ser aprendido!"

Rubem Alves

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"Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música não começaria com partituras, notas e pautas.

Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe contaria sobre os instrumentos que fazem a música.

Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas.

Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes."

Rubem Alves

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AGRADECIMENTOS

A Deus por sua sensível presença em todos os momentos de minha vida.

A meu filho, Gabriel, e a meu marido Rogério pelo incentivo, carinho e paciência.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Manoel Francisco Guaranha, pela competência do seu trabalho, pelo rigor acadêmico, por ter conduzido meus passos, desde nosso primeiro contato, pelo estímulo, pela confiança, disposição, paciência e sábias orientações. Pela simplicidade como pessoa e como professor. Pelo privilégio de ser sua orientanda.

À Prof.ª Dr.ª Nílvia Pantaleoni e Prof.ª Dr.ª Ana Lúcia Tinoco pela atenta leitura e pelas valiosas contribuições no exame de qualificação, que muito contribuíram para o resultado final deste trabalho.

Aos colegas e professores do Programa de Mestrado em Linguística, pelo apoio, incentivo e conhecimentos compartilhados.

À Secretaria Estadual de Educação do Governo do Estado de São Paulo pela bolsa concedida, que possibilitou a realização deste trabalho.

Ao Professor Me. Roberto da Diretoria de Ensino de Suzano pelo profissionalismo, carinho e prontidão que sempre reservou aos professores bolsistas.

Aos amigos e colegas da Diretoria de Ensino de Suzano pelo convívio e relação humana que me motivaram a realizar minhas atividades, em especial a Marcinha, que concedeu o material didático para a pesquisa.

A minha família pelo incentivo e cooperação, especialmente minha irmã, Angely, por se dedicar plenamente a nossa mãe Maria, a coluna forte que me sustenta nas horas mais difíceis com suas orações e sua fé inabalável.

In memoriam de meu pai Eduardo Serra Mascarenhas, que, mesmo ausente, sempre está presente na minha vida.

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SANTOS, Arlete Mascarenhas dos. As questões sociolinguísticas em atividades de livros didáticos. 2014. 148 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)- Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2014.

RESUMO

A presente dissertação situa-se na área de concentração “Teorias e Práticas

discursivas: leitura e escrita” e está vinculada à linha de pesquisa “Texto, discurso e

ensino: processos de leitura e de produção do texto escrito e falado” do Programa

de Mestrado em Linguística da Universidade Cruzeiro do Sul e tem como objetivo

geral verificar se o material didático de língua portuguesa das séries finais do ensino

fundamental promove para o aluno o reconhecimento da diversidade linguística

como riqueza cultural ao lado de outras diversidades culturais e se está voltado a

fomentar nele, ainda, o reconhecimento de que a norma culta da língua deve ser

assimilada e utilizada em situações de comunicação formais como instrumento de

desenvolvimento da cidadania. Justificamos a escolha do tema com base nos

estudos da Sociolinguística e nas recomendações propostas pelos Parâmetros

Curriculares Nacionais de língua portuguesa. Para tanto, apresentamos o

levantamento e análise de três coleções de livros didáticos de língua portuguesa de

diferentes editoras que abordam as questões variacionistas, conteúdo da

Sociolinguística que constitui ferramenta essencial para a diminuição do preconceito

em relação à diferentes formas de uso da língua. O embasamento teórico para a

compreensão, verificação e análise do material didático está fundamentado na

Sociolinguística variacionista de Labov (1972); em estudos realizados recentemente

por Bortoni Ricardo (2004), Tarallo (2007), Mussalim e Bentes (2004), Soares

(2005), Ilari e Basso (2009), Mollica (2013), Marcuschi (2010), Travaglia (2009); nos

estudos de Linguística Textual de Koch (2012); e nos PCN (1998). As análises

indicam que, embora as propostas para o estudo da variação linguística contidas

nos livros didáticos deem conta do reconhecimento da variabilidade da língua com

qualidade, nem todas as coleções escolhidas como corpus apresentam atividades

reflexivas que exploram ao máximo os conteúdos apresentados.

Palavras-chave: Sociolinguística, Variação linguística, Livro didático, PCN, Norma

padrão, Ensino.

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SANTOS, Arlete Mascarenhas dos. The sociolinguistic issues in textbooks activities. 2014. 148 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)-Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2014.

ABSTRACT

This thesis belongs to the "Theories and discursive practices: reading and writing

“field, being linked to the "Text, speech and learning: reading processes and

production of written text and spoken" research line from the Masters Program in

Applied Linguistics from the Universidade Cruzeiro do Sul. Its main objective is to

check whether the Portuguese didactic material of the last grades of elementary

school promotes, among students, the recognition of linguistic diversity and cultural

richness along with other cultural diversities as well as whether it fosters the

recognition of the cultural norms of the language, which must be assimilated and

used in situations of formal communication as a tool to develop citizenship. The

choice of the theme is based on Sociolinguistics studies as well as suggestions

proposed by the National Curriculum Parameters for the Portuguese language. In

order to carry out such study, we conducted a survey by analyzing three Portuguese

language textbook collections from different publishers that deal with variationist

issues; a Sociolinguistics content that is an essential tool to reduce prejudice against

different ways of language usage. The theoretical support to understand, check and

analyze the teaching material is based upon the Variationist Sociolinguistics (Labov,

1972) as well as studies developed by Bortoni Ricardo (2004), Tarallo (2007),

Mussalim and Bentes (2004), Smith (2005), Ilari and Basso (2009), Mollica (2013),

Marcuschi (2010) and Travaglia (2009). The research is also supported by studies on

Text Linguistics (Koch, 2012) and on the PCN (1998 – National Curriculum

Parameter). The analysis indicates that although the proposals for the study of

linguistic variation presented in textbooks shows – in a certain extent - the language

variability, many textbooks do not present activities that enable students to reflect

upon the discussed topics.

Keywords: Sociolinguistics, Language variation, Textbook, PCN, Standard policy,

Teaching.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 9

CAPÍTULO I OS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS, OS PARÂMETROS

CURRICULARES NACIONAIS E OS LIVROS DIDÁTICOS. ....................................... 14

1.1 A perspectiva sociolinguística e a língua ..................................................... 14

1.2 Preconceito linguístico .................................................................................. 16

1.3 Livro didático, PCN e ensino ......................................................................... 18

CAPÍTULO II LINGUAGEM, VARIAÇÃO E CONTEXTO. ............................................ 25

2.1 A linguagem e o sistema estruturado e sistemático ................................... 25

2.2 Os diferentes modos de variação linguística ............................................... 29

2.3 Os fenômenos específicos da variação: os metaplasmos ......................... 40

CAPÍTULO III A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM LIVROS DIDÁTICOS ....................... 43

3.1 Coleção “Português Linguagens” ................................................................ 48

3.1.1 A abordagem dos tipos de variação e o uso dos metaplasmos nos

textos ............................................................................................................... 48

3.2 Coleção “Língua Portuguesa” ....................................................................... 66

3.2.1 A abordagem dos tipos de variação e o uso dos metaplasmos nos

textos ............................................................................................................... 67

3.3 Coleção “Português: leitura, produção, gramática” ................................... 76

3.3.1 A abordagem dos tipos de variação e o uso dos metaplasmos nos

textos ............................................................................................................... 77

3.4 Considerações em torno das análises ......................................................... 84

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 92

ANEXOS ....................................................................................................................... 94

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INTRODUÇÃO

As dificuldades de aprendizagem da língua são relevantes para a atividade

docente. Este trabalho tem importância na medida em que há de se pensar nas

contribuições da Sociolinguística, sobretudo por meio dos estudos desenvolvidos a

partir das últimas pesquisas do Português Brasileiro, para o desenvolvimento de

métodos didáticos que amenizem esse problema. Esta percepção justifica a

análise de materiais de ensino e da proposta educacional à luz dos conceitos da

Sociolinguística e das contribuições da linguística textual.

Este estudo parte do pressuposto de que por meio do entendimento das

variedades linguísticas o aluno possa ser colocado diante de situações que se

aproximam da realidade vivida por ele para levá-lo a alcançar os diferentes objetivos

propostos no processo de ensino da língua que podem ser sintetizados no

desenvolvimento de habilidades que possibilitem aos educandos desempenhar bem

as variadas situações de comunicação que a sociedade apresenta, principalmente

em situações em que se exija a prática da norma culta da língua.

Este trabalho foi construído a partir de leituras de obras que desenvolvem

estudos sociolinguísticos de Labov (1972), Bortoni Ricardo (2004), Tarallo (2007),

Mussalim e Bentes (2004), Ilari (2009), Mollica (2013), Soares (2005), Marcuschi

(2010), e Travaglia (2009); que desenvolvem estudos de Linguística textual de Koch

(2012); nos PCN (1998); e por meio de análises das atividades que abordam

questões sociolinguísticas de três coleções de livros didáticos voltadas para o

Ensino Fundamental (séries finais) e publicadas por diferentes editoras.

Consideraremos, ainda, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua

Portuguesa como base para analisar as atividades, já que este documento oficial

concebe o ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa como práticas

pedagógicas resultantes da articulação de três variáveis: o aluno, os conhecimentos

com os quais se opera nas práticas de linguagem e a mediação do professor.

O primeiro elemento dessa tríade (o aluno) é o sujeito da ação de aprender,

aquele que age com e sobre o objeto de conhecimento. O segundo elemento (o

objeto de conhecimento) são os conhecimentos discursivo-textuais e linguísticos

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implicados nas práticas sociais de linguagem. O terceiro elemento da tríade é a

prática educacional do professor e da escola que organiza a mediação entre sujeito

e objeto do conhecimento (BRASIL, 1998, p. 22).

O objetivo geral deste trabalho consiste em verificar se o material didático de

língua portuguesa das séries finais do ensino fundamental promove o

reconhecimento da diversidade linguística como uma riqueza da nossa cultura, da

nossa sociedade, ao lado de outras diversidades culturais. Os objetivos específicos,

por sua vez, são os seguintes:

• Detectar se a abordagem dos fenômenos linguísticos dos textos

apresentados está condizente com os pressupostos teóricos da Sociolinguística;

• Examinar se as atividades presentes nos livros didáticos apresentam

aos alunos formas para adequarem a língua às diferentes situações de

comunicação;

• Verificar se o conjunto das atividades contribui para disseminar o

respeito linguístico.

Neste sentido, o que se pretende é verificar se o material didático, com suas

atividades e propostas baseadas nos conceitos da Sociolinguística, proporciona ao

aluno consciência de reconhecer que é possuidor de capacidades de expressão, de

comunicação, ou seja, possui habilidades para utilizar uma língua funcional,

instrumento eficaz de interação social e de autoconhecimento, em outras palavras,

promover a autoestima linguística dos alunos, conscientizando-os de que eles

sabem português e que a escola vai ajudá-los a desenvolverem ainda mais esse

saber, agora voltado a situações formais de comunicação, habilidade que irá inseri-

los na sociedade como cidadãos.

Outro aspecto relacionado aos objetivos é analisar se a proposta do material

didático leva o aluno a tomar consciência da escala de valores que existe na

sociedade com relação aos usos da língua, que considera algumas variedades

linguísticas mais adequadas do que outras, alguns sotaques melhores ou piores, ou

confere mais prestígio ao registro escrito do que à oralidade.

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Sendo assim, é relevante observar se as atividades do livro didático

conscientizam o educando de que a língua é usada como elemento de promoção

social e também como elemento de repressão e discriminação a ponto de se poder

comparar o preconceito linguístico com as outras formas de preconceito que vigoram

na sociedade. Nesse sentido, é necessário que as atividades contribuam para

desconstruir esse preconceito linguístico com argumentos bem fundados e alertem

alunos a respeito das suas próprias práticas de discriminação por meio da

linguagem.

Longe de supervalorizar práticas que fogem ao uso da norma culta da língua,

ou de considerar adequada apenas a variedade culta, temos de refletir que é missão

da escola priorizar esta sem ignorar aquela. Sabemos que os alunos já dominam as

variedades não cultas e devem, de forma reflexiva e interativa, ampliar o repertório

comunicativo, tendo à disposição um número maior de opções, agora relativas à

variedade padrão, que poderão atender às necessidades de interação em ambientes

formais e ampliarão o acesso deles a outras manifestações culturais, notadamente à

cultura letrada.

As orientações expressas nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua

Portuguesa contribuirão para a verificação da coerência dos textos apresentados em

relação às atividades propostas pelos livros didáticos e vão ao encontro de nossa

proposta. Uma característica a ser observada é a (in)adequação da terminologia,

levando em conta os parâmetros conceituais da Sociolinguística, os quais criticam o

uso de expressões como “erro”, “correto” etc., que por si só denotam depreciação,

preconceito.

O problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença. Para isso, e também para poder ensinar Língua Portuguesa, a escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma “certa” de falar – a que se parece com a escrita – e o de que a escrita é o espelho da fala – e, sendo assim, seria preciso “consertar” a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. Essas duas crenças produziram uma prática de mutilação cultural que, além de desvalorizar a forma de falar do aluno, tratando sua comunidade como se fosse formada por incapazes, denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos, por mais prestígio que um deles tenha em um dado momento histórico. (PCN, 1998, p.26)

Outras recomendações fundamentais que também convergem com nossa

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proposta podem ser verificadas na Declaração Universal dos Direitos

Linguísticos firmada em Barcelona, em 1996, e referendada pela UNESCO, que

mantém um grupo de linguistas liderado pelo Professor Francisco Gomes de Matos,

cultivando a Linguística da Paz. Com intuito de garantir ensino de qualidade a todos,

o documento determina, no artigo 12º, inciso II que:

Todos têm direito a serem poliglotas e saberem e usarem a língua mais apropriada ao seu desenvolvimento pessoal ou à sua mobilidade social, sem prejuízo das garantias previstas nesta Declaração para o uso público da língua própria do território (UNESCO, 1996, p.7).

Neste sentido, é tarefa dos elaboradores dos livros didáticos, ferramentas

essenciais aos educadores, atentar que a função da escola é, em todo e qualquer

campo de conhecimento, levar a pessoa a conhecer e dominar coisas que ela não

sabe e, no caso específico da língua, conhecer e dominar, antes de mais nada, a

leitura e a escrita por meio de textos de diferentes gêneros (notícias, relato de

experiência, crônicas, letras de músicas, anúncios publicitários, artigos de opinião,

entre outros), em diferentes situações de comunicação e em diferentes suportes.

Para dar conta dos objetivos, este trabalho está dividido em três capítulos,

além desta introdução e das considerações finais. No primeiro capítulo, “Os estudos

sociolinguísticos, os parâmetros curriculares nacionais e os livros didáticos”,

observamos que, com o passar dos anos, foi possível verificar que a língua é um

processo social e que para entendê-la melhor será necessário estudá-la em um

contexto que englobe linguagem e sociedade, ideia que está na base da

Sociolinguística. Além disso, observa-se que as interferências exercidas pelos livros

didáticos, no ensino de língua materna, são incontestáveis. As maneiras como os

livros didáticos propõem o trabalho com as questões da Sociolinguística revelam que

há diferentes compreensões sobre o assunto. Em consonância com as orientações

dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, os estudos da

relação entre norma, variação e gramática denominam-se “reflexão sobre a língua”,

em contraposição à normatização da língua. É sob esta perspectiva que são

planejados e escritos os livros didáticos e é sob ela que serão feitas as análises das

amostras desse tipo de material que compõem o corpus desta pesquisa.

Inserido nessa proposta, o capítulo II, “Linguagem, Variação e Contexto”,

deixa claro que no campo da Sociolinguística todas as línguas estão em processo

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constante de variação, uma vez que a sociedade não vive estagnada, e que ela se

modifica constantemente em cada época, lugar ou grupo, de acordo com fatores

extralinguísticos como classe social, idade, sexo e contexto social, transformando a

história e a geografia linguística a todo o momento, permitindo que os estudiosos da

língua possam compreender que sociedade e língua caminham lado a lado. Sendo

assim, é pressuposto que a língua se transforma com o tempo e apresenta

fenômenos da variação que devem ser consideradas nas situações de ensino e

aprendizagem. Esses fenômenos são de naturezas diacrônica, diatópica, diastrática,

diamésica e diafásica. Elas constroem as variedades linguísticas que são

denominadas como dialeto, socioleto, cronoleto e idioleto; e apresentam os níveis

da variação fonético-fonológico, lexical, morfológico, sintático, semântico e

estilístico-pragmático. Todos os fenômenos da variação estão relacionadas, ainda

aos fatores extralinguísticos relacionados à idade, ao sexo, ao grau de

escolaridade, ao nível socioeconômico, à profissão, entre outros fatores. Além de

fornecer as categorias para análise das atividades, este capítulo pretende

apresentar a complexidade que envolve o estudo da língua e que transcende,

portanto, qualquer atividade mecânica que considera apenas aspectos taxonômicos

ou conjunto de regras que organizam a expressão verbal.

O capítulo III, “A variação linguística em livros didáticos”, registra o resultado

da análise das atividades dos livros didáticos que são baseadas em premissas

sociolinguísticas e é construído dentro do quadro teórico apresentado nos capítulos I

e II. Essa análise irá permitir avaliar a pertinência dessas atividades e o grau de

conscientização ou a contribuição delas para o desenvolvimento de habilidades

linguísticas por parte dos educandos, bem como a percepção de que a língua deve

ser um instrumento de interação e de desenvolvimento humano, sem que seja

usada, contudo, como instrumento de obtenção e manutenção do poder, mas como

uma ferramenta de crescimento pessoal e desenvolvimento social.

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CAPÍTULO I - OS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS, OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS E OS LIVROS DIDÁTICOS.

Este capítulo tem como objetivo articular as contribuições dos estudos

sociolinguísticos às práticas de ensino e aprendizagem da língua às propostas dos

Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa e aos propósitos dos livros

didáticos. Para tanto, discorremos sobre as concepções de língua feita por Mussalim

e Bentes (2001), apresentaremos as questões que produzem o fenômeno

denominado preconceito linguístico, faremos considerações sobre as

especificidades dos livros didáticos em função das propostas dos Parâmetros

Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa e dos conceitos de norma culta,

variedade padrão e vernáculo.

1.1 A perspectiva sociolinguística e a língua

A proposta de análises das questões sociolinguísticas em atividades de livros

didáticos deve contribuir para se perceber que o trabalho com a língua, quando

realizado nesta perspectiva, é um bom ponto de partida para respeitar as práticas

linguísticas como práticas sociais em que estão sempre envolvidos seres humanos

com problemas de toda ordem, seres que têm crenças, sentimentos, vontades,

desejos, interesses e ideias que devem ser respeitadas.

A partir da consideração feita por Mussalim e Bentes (2001, p. 24), de que “a

tradição de relacionar linguagem e sociedade, ou mais precisamente, língua, cultura

e sociedade, está inscrita na reflexão de vários autores do século XX”, conforme os

autores da bibliografia deste trabalho, cabe ressaltar que não é possível desvincular

língua e sociedade, pois ainda segundo as mesmas autoras, é por meio da

linguagem que todos os indivíduos se relacionam social e culturalmente, construindo

uma relação de cumplicidade entre eles.

O que se propõe é que, diante da formação histórica da sociedade brasileira,

marcada por violência e autoritarismo, desconstruam-se mitos poderosos como o do

monolinguismo, de que o brasileiro não sabe português, que português é muito

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difícil, que as pessoas sem instrução falam tudo errado ou que é preciso saber

gramática para falar e escrever bem.

Efetivamente, o multilinguismo, variação e mudança constituem temas de

investigação da área de interesse da Sociolinguística. O Brasil está na pequena lista

dos oito países que abrigam em seu território metade das línguas faladas no mundo,

somos plurilíngues, pois além do português, há em nosso território cerca de 180

línguas indígenas, de comunidades étnico-culturalmente diferenciadas, afora as

populações bilíngues que dominam igualmente o português e línguas do grupo

românico, anglo-germânico e eslavo-oriental, como em comunidades multilingues

português/italiano, português/espanhol, português/alemão, português/japonês.

Das quase 210 línguas que coexistem com o português brasileiro, as cerca de

180 línguas indígenas constituem um décimo do total de línguas que se falava no

nosso território no início da colonização, hoje usadas por mais ou menos 300 mil

descendentes dos primeiros habitantes da terra. Nesta perspectiva, será significativo

que os livros didáticos mencionem a pluralidade de línguas que existiram e que

ainda existem no Brasil.

Além disso, o brasileiro sabe português. O que acontece é que nosso

português é diferente do português falado em Portugal. Quando dizemos que no

Brasil fala-se português, usamos esse nome simplesmente por comodidade e por

uma razão histórica, justamente pela razão de termos sido uma colônia de Portugal.

Do ponto de vista linguístico, porém, a língua falada no Brasil já tem uma gramática,

isto é, tem regras de funcionamento que cada vez mais se diferenciam da gramática

da língua falada em Portugal. Por isso, os linguistas preferem usar o termo

português brasileiro, por ser mais preciso marcar essa diferença, embora ainda não

se possa falar de uma língua brasileira.

Nessa perspectiva, todo falante de uma língua sabe essa língua. Saber uma

língua, na concepção científica da linguística moderna, significa conhecer

intuitivamente e empregar com facilidade e naturalidade as regras básicas de

funcionamento dela.

Ao assumir, de fato e de direito, o princípio da heterogeneidade inerente à

linguagem, a Linguística moderna, especialmente a Sociolinguística, eliminou

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preconceitos ao afirmar que todas as línguas e variedades dela são igualmente

complexas e eficientes para o exercício de todas as funções a que se destinam e

que nenhuma língua ou variedade dialetal impõe limitações cognitivas na percepção

e na produção de enunciados.

1.2 Preconceito linguístico

O preconceito contra a fala de determinadas classes sociais ou contra a fala

característica de certas regiões é um verdadeiro desacato aos direitos humanos.

Verifica-se na história das línguas que as formas inicialmente desprestigiadas,

condenadas, passam a ser valorizadas quando as camadas dominantes da

população passaram a se utilizar delas.

O primeiro aspecto, e talvez o mais importante, é que algumas formas de

expressão podem estigmatizar socialmente seus falantes, enquanto outras podem

valorizá-los socialmente.

A natureza discriminatória que a linguagem pode assumir, em função da

variação linguística e dos mecanismos de estigmatização, leva-nos, professores e

pesquisadores, a refletir sobre a questão que mais nos afeta: em que grau o

processo de ensino da língua materna contribui para o agravamento ou para simples

manutenção das situações de exclusão a que está sujeita a população socialmente

marginalizada?

Certamente, são numerosos os aspectos a serem considerados para

responder a essa questão. Nenhum, porém, é ainda hoje mais relevante que o da

relação de conflito que se estabelece entre a cultura imposta como referencial

exclusivo e as experiências vivenciadas, especialmente pelo jovem provindo de

camadas marginalizadas. Enfocando essa relação de um ângulo estritamente

linguístico, delineia-se o conflito no âmbito da polarização entre a língua de fato

ensinada na escola, como referencial exclusivo, que podemos denominar variedade

padrão, e o dialeto social que o aprendiz domina de acordo com sua origem

sociocultural.

Percebe-se que toda língua apresenta variedades mais prestigiadas do que

outras. Os estudos sociolinguísticos oferecem valiosa contribuição no sentido de

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apontar os preconceitos linguísticos e relativizar a noção de erro ao buscar

descrever o padrão real que a escola, por exemplo, procura desqualificar e banir

como expressão linguística natural e legítima. Por causa dos preconceitos que

vigoram em nossa sociedade, algumas variedades linguísticas sofrem mais

discriminação que as outras: as rurais frente às urbanas, as nordestinas frente às

não nordestinas (quando o falante vive fora do Nordeste), as das classes sociais

privilegiadas frente às das classes desfavorecidas e assim por diante.

Os sociolinguistas têm-se voltado para a análise dessas relações, e o preconceito linguístico tem sido um ponto muito debatido na área, pois ainda predominam as práticas pedagógicas assentadas em diretrizes maniqueístas do tipo certo/errado, tomando-se como referência o padrão culto. (MOLLICA, 2013, p. 13)

Segundo William Labov, os estudos empíricos proporcionaram o

conhecimento e a sistematização de usos, contribuindo com propostas de ensino

que visem ao desenvolvimento da competência linguística do aluno na medida em

que os papéis e as redes sociais também são ampliados. As propostas de ensino

são baseadas na correlação entre língua e sociedade, na análise linguística de

regras variáveis condicionadas por fatores linguísticos e extralinguísticos e na

minimização de preconceitos vigentes na sociedade.

Mussalim e Bentes (2004) acrescentam que linguagem e sociedade estão

ligadas entre si de modo inquestionável. Mais do que isso, afirmam que essa relação

é a base da constituição dos seres humanos organizados em sociedade e

detentores de um sistema de comunicação oral, ou seja, de uma língua que muitas

vezes é estigmatizada, tornando os falantes alvo de preconceito.

Normalmente, as críticas direcionadas aos falantes que fazem uso dessas

variedades consideradas estigmatizadas partem de pessoas que não possuem

conhecimento específico acerca da linguagem, são críticas feitas sem analisar

fatores internos e externos da fala que podem ter influenciado o processo de

interação social, gerando o que se denomina preconceito linguístico.

A sociedade reage de maneira particularmente consensual quando se trata de

questões linguísticas: ficando unanimamente chocada diante da palavra inadequada,

da concordância verbal não realizada, do estilo próprio a situação de fala. Mussalim

e Bentes (2004) completam que a intolerância linguística é um dos comportamentos

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sociais mais facilmente observáveis, seja na mídia, nas relações sociais cotidianas,

nos espaços institucionais entre outros.

Assim como não existem Línguas “inferiores”, não existem variedades

linguísticas “inferiores”. Como vimos, as línguas não são homogêneas e a variação

observável em todas elas é produto da sua história e do seu presente, por isso os

fenômenos da variação devem ser considerados quando se trata de empreender

uma reflexão sobre a língua mais do que uma atividade mecânica de fixação de

normas do idioma estabelecidas pela variedade padrão ou pela norma culta.

1.3 Livro didático, PCN e ensino

Percebe-se que os livros didáticos mais vendidos no Brasil são escritos e

produzidos, em sua grande maioria, na região Sudeste (mais especificamente no

estado de São Paulo) e, em menor medida, na região Sul (mais especificamente no

Paraná), sempre por autores vinculados à cultura das grandes cidades. É o que

podemos concluir com o texto “O livro didático no sistema de ensino público do

Brasil” de Guiomar Namo de Mello.

Com isso, pela própria origem social desses autores, as variedades

linguísticas mais representadas nessas obras são as urbanas dessas regiões. Será

necessário um olhar atento ao que se chama, nos livros didáticos em análise, de

variação linguística. Importante observar se o tratamento dado à variação linguística

limita-se às variedades rurais e/ou regionais.

Contrariando a Linguística em seus princípios, a pedagogia do ensino da

língua, em grande parte dos casos, elege o correto e o incorreto, sua dicotomia

predileta para discriminar e, ao mesmo tempo, selecionar. Sem nenhum respaldo

nos fatos linguísticos, mas baseada solidamente em motivações sociais, encobre a

tradição cultural das camadas populares, justamente naquilo que lhes é peculiar,

que é sua própria variedade de linguagem.

O sentimento de aversão que a pedagogia da língua, muitas vezes, cria é de

tal modo que os danos podem ser irreversíveis. O sintoma mais evidente é o horror

que as crianças sentem diante da página em branco, quando são convidadas a se

expressar utilizando a norma culta da língua, seguido da inevitável pergunta

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“quantas linhas [devo escrever], professor?”. Assim, ao impor um modelo de

linguagem, sem nenhum direito à apelação, com exclusividade e em substituição à

variedade que o aluno já domina, como se simplesmente nada dominasse, a escola

parece simplesmente ignorar a variação linguística.

De acordo com Camacho (2013), para ocultar e dissimular seu próprio modo

de existência, a instituição escolar, muitas vezes, desenvolve princípios como o da

privação cultural e o da deficiência verbal, deslocando a causa de si própria para o

aluno. Em termos linguísticos, essa instituição acredita na estratégia erradicacionista

do ensino compensatório, que procura liquidar as formas da variedade não-padrão,

suprindo a lacuna com outras alternativas, próprias da norma culta. O problema é

que essa estratégia provoca conflitos entre diferentes sistemas de valores e estes,

por sua vez, desencadeiam obstáculos sérios à aquisição da variedade padrão.

A emergência de conflitos entre sistemas diversos de valores dá vazão ao

surgimento de questões ideológicas. De acordo com Labov (2008), a variedade

linguística que empregam os membros de uma comunidade é fator de identificação

social. Se é estigmatizada pela escola, em contraponto à variedade padrão,

instaura-se um conflito entre os valores simbólicos, que a instituição pretende

inculcar, e os que o aluno tem para compartilhar com os demais membros de sua

própria comunidade e que o identificam com seus pares. Uma consequência drástica

desse conflito pode ser a rejeição da variedade padrão, em termos de ensino de

língua e de outros valores da classe dominante. Na prática, tudo redunda em evasão

e repetência escolar.

A solução desse conflito parece muito evidente. É acreditar no modelo da

diferença e adotar outra estratégia para o ensino da língua materna. Afinal de

contas, o ensino da variedade padrão não necessita ser substitutivo, e por isso, não

implica a erradicação do dialeto marginalizado. As formas alternativas podem

conviver harmoniosamente na sala de aula. Cabe ao professor o bom senso de

discriminá-las adequadamente, fornecendo ao aluno as chaves para perceber as

diferenças de valor social entre elas e, depois, saber tirar vantagem dessa

habilidade, selecionando a mais adequada conforme as exigências das

circunstâncias da comunicação.

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De fato, a variedade padrão ou a norma culta de língua deve ser privilegiada

na escola em detrimento de outras variedades que os alunos já dominam, mas a

forma de abordagem, tanto da padrão quanto de outras variedades deve ser feita de

tal modo que os alunos percebam que há mais relações de intersecção, de

continuidade entre elas do que de divergência e de oposição. Além disso, os desvios

em relação à norma culta devem ser vistos naquilo que têm de expressivos e não de

marginais, já que a noção de marginalidade não é absoluta, mas está ligada à

posição do sujeito que analisa o fenômeno e se coloca, ou não, como centro.

Se a padronização linguística é uma imposição institucional em sociedades

estratificadas, o sistema escolar tem um papel político e relevante a desempenhar

para a promoção das camadas marginalizadas, que é o de propiciar-lhes acesso a

todos os bens simbólicos, dentre eles a variedade padrão. É essa ação

transformadora que cabe à escola assumir com urgência para exercer, de fato e de

direito, seu papel de instituição de vanguarda.

Mesmo os livros didáticos que conseguem tratar da variação linguística de

maneira relativamente satisfatória, acabam deixando de lado as variedades urbanas.

Por causa do prestígio socialmente conferido à fala dos cidadãos urbanos mais

letrados, fica a ilusão de que eles se comportam linguisticamente de acordo com as

prescrições da gramática normativa. Isso se revela na confusão terminológica entre

“norma culta” e “norma padrão”, tomadas como sinônimos quando, de fato, não são

se consideradas numa perspectiva científica rigorosa.

Apesar de não haver uma norma dentro da Sociolinguística, Lucchesi propõe

três conceitos de norma. A Norma padrão reuniria as formas contidas e prescritas

pelas gramáticas normativas; a Norma culta conteria as formas efetivamente

depreendidas da fala dos segmentos plenamente escolarizados, ou seja, dos

falantes com curso superior completo; e a Norma vernácula, os padrões linguísticos

das classes mais baixas, não escolarizadas, que se oporiam de forma nítida aos

padrões das classes média e alta, escolarizadas. Castilho (2002) apresenta como

(norma prescritiva) a norma-padrão, (norma objetiva) a norma culta e (norma

subjetiva) o vernáculo.

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O termo “variedade” na sociolinguística implica no uso concreto efetivo por

parte de falantes reais. Para admitir-se a existência de uma língua, dialeto ou

variedade é preciso admitir a existência de falantes reais e concretos, tal fato não

acontece com a “norma-padrão”, que não é língua materna, mas sim uma

representação de língua. O que ocorre é a existência de um padrão-língua, não de

uma língua padrão.

Muito frequente, nos livros didáticos, o tratamento da variação limita-se a

comparar sotaque e léxico do português brasileiro e do português europeu, sem se

aprofundar nas questões mais importantes para o ensino no Brasil e transformando

a variação linguística, ainda que involuntariamente, numa lista de coisas engraçadas

e curiosas.

O fundamento da Sociolinguística é que toda e qualquer variedade linguística

seja funcional, que ofereça todos os recursos necessários para que seus falantes

interajam socialmente, que seja um meio eficiente de manutenção da coesão social

da comunidade em que é empregada. Por isso, abordamos as questões

sociolinguísticas para falar de uma questão que desde 1998 está presente em uma

coleção de documentos intitulados Parâmetros Curriculares Nacionais.

A questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o registro às diferentes situações comunicativas. É saber coordenar satisfatoriamente o que falar e como fazê-lo, considerando a quem e por que se diz determinada coisa. É saber, portanto, quais variedades e registros da língua oral são pertinentes em função da intenção comunicativa, do contexto e dos interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é de correção da forma, mas de sua adequação às circunstâncias de uso, ou seja, de utilização eficaz da linguagem: falar bem é falar adequadamente, é produzir o efeito pretendido. (BRASIL, 1998, p. 26)

O ato de compreender o que nos dizem não se resume, nem de longe, ao uso

correto e eficiente da língua. Para Perini (2000), para que haja comunicação, é

preciso que os interlocutores tenham em comum muito mais do que o conhecimento

da mesma língua: é necessário que compartilhem grandes fatias do conhecimento

do mundo em geral.

A partir de estudos como estes, a Secretaria de Educação Fundamental

organizou, em 1998, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa

(anos finais do ensino fundamental), estabelecendo como objeto de

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ensino/aprendizagem “o conhecimento linguístico e discursivo com o qual o sujeito

opera ao participar das práticas sociais mediadas pela linguagem” (BRASIL, 1998, p.

22).

O documento oficial orienta que sejam criadas situações enunciativas de

outras esferas sociais/culturais dentro do espaço escolar, caracterizando-o como um

espaço de interação social; além de trazer o texto como a unidade básica de ensino:

“A aprendizagem de procedimentos eficazes tanto de fala como de escuta, em

contextos mais formais, dificilmente ocorrerá se a escola não tomar para si a tarefa

de promovê-la” (BRASIL, 1998, p. 26).

É a partir dessas concepções que devem ser planejados e escritos os livros

didáticos e com esse espírito é que devem ser trazidas as variedades linguísticas às

situações de aprendizagem. Sentindo que a variedade que pratica é legítima e que

há outras mais prestigiadas socialmente que se inter-relacionam com ela, o

educando poderá compreender, de forma mais interativa, e praticar, de modo mais

reflexivo, as múltiplas formas de usar a língua adequando-a de modo consciente às

diferentes situações de comunicação do dia a dia. Com isso, ele não se sentirá

desprestigiado ou marginalizado, mas poderá usar a língua como instrumento para

estabelecer a ponte entre os diferentes universos culturais e se transformar em um

indivíduo consciente, competente e criativo.

De acordo com Mussalim e Bentes (2004), impor com exclusividade a

variedade padrão, misturar uma pitada de intolerância para com variedade que as

crianças dominam são os ingredientes de uma receita infalível para fomentar a

rejeição à língua e desenvolver um processo de insegurança linguística. Para as

crianças socioeconomicamente favorecidas, o mal é certamente menor, embora

esteja presente também. Como, desde a primeira infância, acham-se mais

familiarizadas com a variedade padrão, o modelo escolar é uma extensão do

processo de socialização iniciado pelos pais.

Desse modo, parece impor-se uma correlação: quanto maior a familiaridade

cultural que o alunado mantém com a modalidade veiculada pelo ensino, tanto maior

a probabilidade de êxito ao longo do processo escolar. Nesse aspecto, as camadas

marginalizadas nadam contra a maré. A modalidade de cultura que a escola

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desenvolve afina-se mais com a das classes dominantes. O problema é maior

quando tal modalidade se impõe no ensino como referencial exclusivo a que outros

modos de existência cultural acabam por submeter-se.

O papel que a norma desempenha nesse jogo é óbvio: o valor simbólico das

variedades linguísticas disponíveis está em função da distância que as separa da

variedade padrão que a escola impõe. A instituição não reconhece a legitimidade da

variação linguística, muito pelo contrário, acaba por submetê-la ao critério de

correção, o que passa é um conjunto de expressões vinculado ao registro formal da

modalidade escrita.

Percebe-se, de modo muito evidente, a existência de variedades de prestígio

e de variedade não prestigiadas nas sociedades em geral. A sociedade oferece um

caso particular de variedade prestigiada: a variedade padrão, que é a variedade

linguística socialmente mais valorizada, de reconhecido prestígio dentro de uma

comunidade, cujo uso é, normalmente, requerido em situações de interação

determinadas, definidas pela comunidade como próprias, em função da formalidade

da situação, do assunto tratado, da relação entre os interlocutores, entre outros

aspectos.

Mostrar que ocorre variação em todas as camadas sociais ajuda a gerar a

consciência de que a língua é essencialmente heterogênea, variável e mutante, e

que não existe nenhum grupo social que fale mais “certo” ou mais “errado” do que

outro e que, principalmente, a gramática normativa não encerra a verdade eterna,

última e absoluta sobre a língua, esta tem sido a contribuição dos estudos

sociolinguísticos.

Apropriar-se dos resultados desses estudos e inseri-los em atividades nos

livros didáticos é um desafio constante lançado àqueles que têm a função de

desenvolver essa ferramenta fundamental para o processo de ensino e

aprendizagem da língua. Grosso modo, é isso que os Parâmetros Curriculares

Nacionais de Língua Portuguesa propõem e é isso que os objetivos dos livros

analisados neste trabalho professam. Nossa missão é analisar como buscam atingir

esses objetivos e até que ponto, de fato, conseguem fazê-lo.

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Para dar conta desse propósito, é necessário o estabelecimento de categorias

específicas que deem conta de delimitar os conceitos de linguagem, variação e que

sejam especificados os diversos níveis variacionais, bem como os fatores

extralinguísticos que ajudam na composição deles. É disso que trataremos no

próximo capítulo.

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CAPÍTULO II - LINGUAGEM, VARIAÇÃO E CONTEXTO.

2.1 A linguagem e o sistema estruturado e sistemático

Como o conceito de variação é categoria fundamental para a análise do

corpus de nossa pesquisa, este capítulo delimita os conceitos fundamentais para o

tipo de abordagem a que as atividades dos livros didáticos selecionados serão

submetidas.

É oportuno lembrar a variação como conjunto das diferenças de realização

linguística (falada ou escrita) pelos falantes de uma mesma língua, decorrentes do

fato de o sistema linguístico não ser unitário, pois comporta diversos eixos de

diferenciação: estilístico, regional, sociocultural, ocupacional e etário. Ocorre em

todos os níveis do sistema linguístico: fonético, fonológico, morfológico, sintático e

lexical.

Além disso, que a variedade é cada uma das modalidades em que uma língua

se diversifica, em virtude das possibilidades de variação dos elementos do seu

sistema (vocabulário, pronúncia, sintaxe) ligadas a fatores sociais e/ou culturais (

escolaridade, profissão, sexo, idade etc) e geográficos que são variedades sociais

e/ou culturais. Ressaltando que, são variedades geográficas: o português do Brasil,

o português de Portugal, falares regionais carioca, nordestino etc.

Para completar, dois conceitos que se relacionam entre si são fundamentais

nos estudos sociolinguísticos: variante e variável. Tarallo explica que variantes

linguísticas são diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo

contexto, e com o mesmo valor de verdade. A um conjunto de variantes dá-se o

nome de “variável linguística”. (2007, p. 8).

Quando submetida à diversidade de formas para expressar o mesmo

conteúdo, a linguagem, sendo um sistema estruturado e sistemático, sujeito a

princípios explicitáveis de organização, nem sempre se comporta de modo previsível

ou se constrói segundo as regras.

De acordo com Mussalim e Bentes (2004), os linguistas estudaram português

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brasileiro por vários anos até que perceberam que ele variava em determinados

grupos e comunidades e que, de acordo com o estado da língua, essa variação

poderia ter interferência na escrita e no significado, isto é, os linguistas chegaram ao

consenso de que não havia apenas uma língua na nação brasileira, pois havia

fenômenos da variação ou ramificações. Neste contexto de variedade notava-se, por

outro lado, que essas diferenciações tendem a não serem aceitas na sociedade,

principalmente aquelas que fugiam dos padrões gramaticais instituídos pela

variedade padrão.

Diante desse fenômeno, a abordagem sociolinguística apresentou-se como

uma proposta que procura explicar a variação como resultado da necessidade que

as pessoas têm de se comunicar e das estratégias que elas desenvolvem para isso

que, muitas vezes, fogem da variedade padrão, o que revela que há uma relação

direta entre língua e sociedade e que a língua é um organismo vivo que se adapta

às diferentes situações de comunicação por meio da propriedade variacionista que

possui. Evidencia-se, então, por que a teoria da linguagem não deve ignorar a

variação e é de se estranhar que a tenha ignorado durante anos esse fenômeno.

Considerando a Sociolinguística como a ciência que estuda a língua da

perspectiva de sua estreita ligação com a sociedade em que se origina, enquanto

fenômeno decorrente da interação social, criando-se e transformando-se em função

do contexto sócio-histórico, o processo de ensino e aprendizagem da língua, sem

dúvida alguma, não deve ser separado das funções sócio-interacionais desse

instrumento de comunicação.

A partir do conceito de variação linguística de Labov (2008), que se

fundamenta na correlação entre os aspectos linguísticos e os sociais, e no

reconhecimento do fenômeno da heterogeneidade, inerente ao sistema linguístico,

não há como estudar a língua sem estudar, ao mesmo tempo, a sociedade em que

esta é falada.

De acordo com Mollica (2013), a Sociolinguística considera em especial como

objeto de estudo exatamente a variação, entendendo-a como um princípio geral e

universal, passível de ser descrita e analisada cientificamente. Ela parte do

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pressuposto de que as alternâncias de uso são influenciadas por fatores estruturais

e sociais.

A sociolinguística é uma das subáreas da Linguística e estuda a língua em uso no seio das comunidades de fala, voltando a atenção para um tipo de investigação que correlaciona aspectos linguísticos e sociais. Esta ciência se faz presente num espaço interdisciplinar, na fronteira entre língua e sociedade, focalizando precipuamente os empregos linguísticos concretos, em especial os de caráter heterogêneo. (MOLLICA, 2013, p. 9)

É curioso saber que, desenvolvida em grande parte por William Labov, a

Sociolinguística permitiu o estudo científico de fatos linguísticos excluídos até então

do campo dos estudos da linguagem, devido a sua diversidade e consequente

dificuldade de apreensão. Por meio de pesquisas de campo, a Sociolinguística,

inspirada no método sociológico, registra, descreve e analisa sistematicamente

diferentes falares, elegendo, assim, a variedade linguística como seu objeto de

estudo.

A variação existente hoje no português do Brasil, que nos permite reconhecer uma pluralidade de falares, é fruto da dinâmica populacional e da natureza do contato dos diversos grupos étnicos e sociais, nos diferentes períodos da nossa história. (CALLOU, 2013, p. 17)

Assim sendo, não serão primeiramente as regras da língua nem a morfologia

os aspectos merecedores de nossa atenção, mas os usos da língua, já que isso

determina a variação linguística.

Entende-se por variação linguística as diferentes execuções de uma língua, em que se observam diferenças maiores ou menores na fonética, no léxico e na gramática. A variação linguística abre caminho ao estudo articulado das línguas naturais. (CASTILHO, 2012, p. 695)

Antes dos estudos sociolinguísticos, o ensino de língua restringia-se, em

grande parte, ao estudo das estruturas linguísticas com ênfase na variedade padrão.

Neste sentido, o estudo restringia-se às frases extraídas de textos escritos.

Atualmente, para os estudiosos preocupados com uma visão menos restrita da

linguagem verbal, entre eles Marcuschi (2010), as línguas fundam-se em usos e não

o contrário. Essa percepção ressalta a flexibilidade e a multiplicidade do código

linguístico como instrumento de comunicação:

Como se vê, a existência de diferenças de uso numa mesma língua é um fato incontestável e não uma anomalia, restrita à língua portuguesa. Anomalia seria não haver diversidade, uma vez que uma língua se define como língua na medida em que seus usuários se comunicam por meio dela para conviverem socialmente, e os contatos sociais são, por sua vez, de

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natureza plural. A variação das línguas resulta, principalmente, da flexibilidade inerente ao próprio código linguístico e da multiplicidade de usuário que dele se servem. (CALLOU, 2013, p. 20)

Desse modo, podemos dizer que o objeto da Sociolinguística é o estudo da

língua falada, observada, descrita e analisada em seu contexto social, isto é, em

situações reais de uso. Seu ponto de partida é a comunidade linguística, um

conjunto de pessoas que interagem verbalmente e que compartilham um conjunto

de normas com respeito aos usos linguísticos.

Em seu livro Padrões Sociolinguísticos (2008), Labov também se utiliza dos

resultados do célebre trabalho sobre a comunidade da ilha de Martha’s Vineyard, no

litoral de Massachusetts, em que sublinha o papel decisivo dos fatores sociais na

explicação da variação linguística, isto é, da diversidade linguística observada.

Nesse texto, o autor relaciona fatores como idade, sexo, ocupação, origem étnica e

atitude ao comportamento linguístico. Labov finaliza sua pesquisa sobre

estratificação social do inglês em Nova Iorque, em que fixa um modelo de descrição

e interpretação do fenômeno linguístico no contexto social de comunidades urbanas,

que ficou conhecido como Sociolinguística Variacionista ou Teoria da Variação e que

teve grande impacto na Linguística contemporânea.

Dessa forma, uma comunidade de fala caracteriza-se não pelo fato de se

constituir por pessoas que falam do mesmo modo, mas por indivíduos que se

relacionam por meio de redes comunicativas diversas e que orientam seu

comportamento verbal por um mesmo conjunto de regras.

Efetivamente, ao estudar qualquer comunidade linguística, a constatação

mais imediata é a existência de diversidade ou de variação. Toda comunidade

caracteriza-se pelo emprego de diferentes modos de falar, aos quais a

Sociolinguística reserva o nome de variedades linguísticas. Muitos linguistas

empregam o termo dialeto para designar o que a Sociolinguística prefere chamar de

variedade, porque “dialeto” é um termo usado há muitos séculos, desde a Grécia

antiga, para designar o modo característico de uso da língua num determinado lugar,

região, província etc.

O estudo dos dialetos fez surgir, no século XIX, uma disciplina chamada

Dialetologia, considerada a precursora da Sociolinguística moderna. A diferença

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entre as duas disciplinas é que a Dialetologia se interessava, sobretudo, em

descrever os falares rurais, isolados, considerados na época como mais “puros” e

“autênticos”, não influenciados pelas modas e corrupções da vida urbana moderna e

a Sociolinguística passou a se interessar também pelos modos de falar das

aglomerações urbanas, socialmente complexas, do mundo contemporâneo.

Enquanto socioleto designa a variedade linguística própria de um grupo de

falantes que compartilham as mesmas características socioculturais (classe

socioeconômica, nível cultural, profissão etc.), idioleto designa o modo de falar

característico de um indivíduo, suas preferências vocabulares, seu modo próprio de

pronunciar as palavras, de construir sentenças etc. Já no caso da variedade própria

de determinada faixa etária de uma geração de falantes, denomina-se cronoleto.

Sendo assim, qualquer língua falada por qualquer comunidade exibe sempre

a variação. Pode-se afirmar mesmo que nenhuma língua apresenta-se como

entidade homogênea. Isso significa dizer que qualquer língua é representada por um

conjunto de variedades. O que chamamos de “língua portuguesa” engloba os

diferentes modos de fala empregados pelo conjunto de seus falantes do Brasil, em

Portugal, em Angola, Moçambique e demais países que o utilizam.

Dado que língua e variação são inseparáveis, a Sociolinguística encara a

diversidade linguística não como um problema, mas como uma qualidade

constitutiva do fenômeno linguístico. Nesse sentido, qualquer tentativa de buscar

apreender apenas o invariável, no que se refere à “língua e fala”, significa uma

redução da compreensão do fenômeno linguístico.

2.2 Os diferentes modos de variação linguística

A explicação da mudança linguística envolve três problemas distintos: a

origem, a propagação e a regularidade da variação linguística. O modelo que subjaz

a essa tripartição requer como ponto de partida a variação em uma ou mais palavras

na fala de um ou mais indivíduos. Esses fenômenos da variação podem ser

induzidos pelos processos de assimilação ou dissimilação, por analogia,

empréstimo, fusão, contaminação, variação aleatória ou quaisquer outros processos

em que o sistema linguístico interaja com as características fisiológicas ou

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psicológicas do indivíduo.

De acordo com Labov (2008), a maioria desses fenômenos ocorre apenas

uma vez e se extinguem tão rapidamente quanto surgem. No entanto, algumas são

recorrentes e, numa segunda etapa, podem ser imitadas mais ou menos

extensamente e podem se difundir a ponto de formas novas entrarem em contraste

com as formas mais antigas num amplo espectro de usos. Por fim, numa etapa

posterior, uma ou outra das duas formas geralmente triunfa e a regularidade é

alcançada.

Desta forma, o estudo de Labov sustenta que não se pode entender o

desenvolvimento de uma mudança linguística sem levar em conta a vida social da

comunidade em que ela ocorre ou, dizendo de outro modo, as pressões sociais

estão operando continuamente sobre a língua, não de algum ponto remoto no

passado, mas como uma força social imanente agindo no presente vivo.

Mussalim e Bentes (2001) compreendem que a variação é um fenômeno

utilizado na diferenciação da língua e que a variedade linguística é o resultado da

variação. Ilari e Basso (2006) partem do princípio de que a variação linguística é um

fenômeno normal que, por manifestar-se de várias formas, leva os estudiosos a

falarem em tipos de variação: diacrônica, diatópica, diastrática, diamésica e

diafásica, conforme mostra o organograma a seguir:

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Figura 1: Esquema dos tipos de variação linguística Fonte: Ilari e Basso 2011, p.152 (adaptado).

As mudanças diacrônicas podem ocorrer na pronúncia, na flexão e na

derivação, nos padrões de estruturação da frase, ao nível dos significados e também

pela introdução de novas palavras (neologismos e estrangeirismos).

Todas as línguas estão sujeitas à variação diacrônica, aquela que se dá ao

longo do tempo e que é percebida comparando-se gerações entre diferentes etapas

da história da língua. A variação diacrônica é, às vezes, percebida comparando

gerações. Por exemplo, todos nós conhecemos gírias que, embora compreensíveis,

soam “antigas”, e também é comum o caso de gírias compreensíveis somente aos

mais velhos ou aos mais novos.

Um caso muito particular de variação diacrônica é a gramaticalização, isto é,

o processo pelo qual uma palavra de sentido pleno assume funções gramaticais: um

exemplo clássico de gramaticalização em português é a formação do pronome você.

Essa palavra remonta a Vossa Mercê, via vosmecê, que era uma expressão de

tratamento para Vossa Majestade ou Vossa Excelência na origem e hoje é um

pronome pessoal.

VARIAÇÃO

DIACRÔNICA

(história/tempo)

NÍVEIS DA LÍNGUA

FONÉTICO/FONO-LÓGICO

(pronúncias)

LEXICAL(várias palavras

mesmo significado)

SEMÂNTICO(significado

depende lugar)

SINTÁTICO(organizados

diferente)Paráfrase

ESTILÍSTICO-PRAGMÁTICO

Situações diferentes de

interação

MORFOLÓGICO(sufixo diferente,

mesma ideia) pegajoso/guento

DIATÓPICA

(lugares)

DIAMÉSICA

(fala/escrita)

DIAFÁSICA

(estilo/monitora-mento)

DIASTRÁTICA

(classes sociais)

ESCOLARIDADE

PROFISSÃO

IDADE

NÍVEL SOCIOECONÔMICO

ETC.

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A variação geográfica ou diatópica está relacionada às diferenças linguísticas

distribuídas nos espaços físicos observáveis entre falantes de origens geográficas

distintas.

[Por] variação diatópica (do grego dia = através de; topos = lugar) entendem-se as diferenças que uma mesma língua apresenta na dimensão do espaço, quando é fala em diferentes regiões de um mesmo país ou diferentes países. (ILARI; BASSO, 2011, p. 157)

Quando se fala em geografia no campo dos estudos linguísticos, é

praticamente impossível não citar o regionalismo. De acordo com Mussalim e Bentes

(2008), por volta do século XIX, os estudos das variações linguísticas de natureza

geográfica firmaram-se. Isso contribuiu para o conhecimento de mecanismos que

favoreceram a compreensão das alterações ocorridas no funcionamento da língua

brasileira.

A perspectiva geográfica é horizontal, ou seja, implica o estudo dos falares de

comunidades linguísticas distintas em espaços diferentes, mas em um mesmo

tempo histórico. Os dialetos ou falares dessas comunidades produzem os

regionalismos. Os estudos de caráter geográfico distinguem uma linguagem urbana

– cada vez mais próxima da linguagem comum – de uma linguagem rural, mais

conservadora, isolada, em gradual extinção devido, em grande parte, ao avanço dos

meios de comunicação, que privilegiam a fala urbana.

Quando se refere aos fenômenos da variação entre urbano e rural, a primeira

coisa que vem à mente no senso comum é que a pessoa que vive nas cidades fala

certo e as que moram na zona rural falam errado. A visão variacionista, neste

contexto, considera, porém, que os falantes se expressam de modo a transmitir suas

mensagens de maneira adequada ao seu interlocutor. Nesse caso, se a expressão

for confrontada com a variedade padrão da língua, o desvio não constitui erro, mas

revela diferentes concepções da língua.

À variação linguística relacionada ao contexto chamamos de variação

diafásica conhecida também como variação estilística ou de registro. Nesse sentido,

os falantes diversificam sua fala, isto é, usam estilos ou registro distintos em função

das circunstâncias em que ocorrem suas interações verbais. O uso diferenciado que

cada indivíduo faz da língua está de acordo com o grau de monitoramento que ele

confere ao seu comportamento verbal.

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Cabe lembrar que variamos o nosso modo de falar, individualmente, de

maneira mais ou menos consciente, conforme a situação de interação em que nos

encontramos. O monitoramento da fala, o nosso ponto de partida, quando se trata

de exibir respeito e consideração pelos outros, faz parte do aprendizado das normas

sociais que prevalecem em cada cultura, normas que são apreendidas por

observação e imitação, mas também ensinadas explicitamente às crianças pelos

pais e professores.

Segundo Camacho (2013), os falantes adequam suas formas de expressão

às finalidades específicas de seu ato enunciativo, sendo que tal adequação decorre

de uma seleção dentre o conjunto de formas que constitui o saber linguístico

individual, de um modo mais ou menos consciente. A seleção de formas envolve,

naturalmente, um grau maior ou menor de reflexão por parte do falante: o uso do

estilo formal, em relação ao informal, requer uma atuação mais consciente.

Nesta perspectiva estilística, a Sociolinguística estuda o uso que um mesmo

falante faz da sua língua. Considera que o falante realiza suas escolhas influenciado

pela época em que vive, pelo ambiente, pelo tema, por seu estado emocional e pelo

grau de intimidade entre interlocutores. Tais fatores determinam a escolha do

registro (ou nível de fala) a ser utilizado pelo falante quanto ao grau de formalismo

(uso mais ou menos formal da língua); ao modo (língua falada ou escrita); e à

sintonia (maior ou menor grau de tecnicidade, cortesia ou respeito à norma, tendo-se

em vista o perfil do interlocutor).

É fato que o indivíduo deve falar conforme o contexto em que está inserido,

posto que a língua é o meio de integração social e é por meio dessa interação que

há um desenvolvimento humano, social e cultural. Percebendo a língua como meio

de interação, pode se notar que a mudança na língua se torna algo natural, pois ela

se adequa à necessidade de comunicação do usuário, constituindo desta maneira

um instrumento de trocas culturais e de informações. A capacidade de apropriar-se

dos fenômenos da variação pode revelar as habilidades linguísticas de indivíduos

que não tiveram acesso à norma culta e, por outro lado, a incapacidade de aceitá-las

pode revelar inabilidades daqueles que só conhecem a norma culta e insistem em

aplicá-la indistintamente a qualquer situação de comunicação como forma de

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mostrar erudição, o que pode não ser eficiente, já que não será compreendido por

um interlocutor se este não dominar a variedade padrão.

Assim é que observamos estilos distintos quando um falante conversa com

um amigo ou com vizinhos recém-conhecidos, ou com um médico, durante uma

consulta, bem como ao escrever um bilhete a um colega de faculdade, uma carta à

seção de leitores de um jornal ou ao elaborar um relatório dirigido a um superior no

trabalho.

A variação social ou diastrática, “etimologicamente: o tipo de variação que se

encontra quando se comparam diferentes estratos de uma população” (ILARI;

BASSO, 2011, p.175), por sua vez, relaciona-se um conjunto de fatores que têm a

ver com a identidade dos falantes e também com a organização sociocultural da

comunidade de fala. São variedades linguísticas que ocorrem entre diferentes

camadas sociais que se valem de gírias e jargões para identificar e caracterizar os

grupos constituídos.

A perspectiva social é vertical, ou seja, implica o estudo dos falares de

diferentes grupos dentro de uma mesma comunidade. Os falantes são agrupados

principalmente por nível socioeconômico, escolaridade, idade, sexo, profissão,

situação ou contexto social. Desta perspectiva, observa-se e analisa-se a distinção

entre uma variedade social/culta (considerando a norma padrão) – que é presa à

gramática normativa, é a língua ensinada nas escolas que está em estreita conexão

com o uso literário do idioma e com situações de fala mais formais – e uma

variedade social/popular (considerada subpadrão) – mais ligado à linguagem oral do

povo e às situações menos formais de comunicação.

Temos, ainda, a variação diamésica “etimologicamente: variação associada

ao uso de diferentes meios ou veículos” (ILARI; BASSO, 2011, p.180) que se verifica

na comparação entre a língua falada e a língua escrita. Notamos que tanto na

oralidade quanto na escrita, a língua obedece a determinados níveis no processo

comunicativo.

Nesta perspectiva, as línguas fundam-se em usos e não o contrário. Desta

maneira, os usos que fazemos da língua são merecedores de nossa atenção e não

as regras da língua e morfologia, pois o que determina a variação linguística em

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todas as suas manifestações são os usos e não o inverso. Segundo Marcuschi

(2010, p. 09), “Falar ou escrever bem não é ser capaz de adequar-se às regras da

língua, mas é usar adequadamente a língua para produzir um efeito de sentido

pretendido numa dada situação”.

De acordo com Marcuschi (2010), o peso excessivo dado ao léxico também

se verifica no caso dos autores de livros didáticos que identificam nele uma das

diferenças básicas entre oralidade e escrita. No entanto, o que se predomina é a

posição de que se pode conceber oralidade e letramento 1 como atividades

interativas e complementares no contexto das práticas sociais e culturais.

Na verdade, trata-se de não se fazer distinção entre fala e escrita, mas sim

uma observação de variedades linguísticas distintas e que todas as variedades

submetem-se a algum tipo de norma.

Como a sociedade supervaloriza a escrita, esta tornou-se um bem social

indispensável, símbolo de educação, desenvolvimento e poder, alcançando um valor

superior à oralidade e servindo, muitas vezes, como forma de discriminação. Desse

modo, a fala é considerada como prática em que se ocorrem o erro e caos.

Marcuschi (2010) sugere que essa perspectiva seja rejeitada e pondera que a fala é

adquirida naturalmente em contextos informais, no dia a dia, enquanto a escrita é

adquirida formalmente, por meio da escola, e, talvez esse seja, unicamente, o

caráter gerador de seu prestígio, não fato de ela ser melhor do que a fala.

Cabe lembrar que, de acordo com Koch (2012), como é a interação (imediata)

o que importa, ocorrem pressões de ordem pragmática que se sobrepõem, muitas

vezes, às exigências da sintaxe. São elas que, em muitos casos, obrigam o locutor a

sacrificar a sintaxe em prol das necessidades da interação, fato que se traduz pela

presença, no texto falado, não só de começos, truncamentos, correções, hesitações,

mas também de inserções, repetições e paráfrases, que têm, frequentemente,

funções cognitivo-interacionais de grande relevância.

1 Processo de aprendizagem social e histórica da leitura e da escrita em contextos informais e para usos utilitários. (MARCUSCHI, 2010).

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Marcuschi (2010) afirma que muito mais do que apenas uma distinção entre

fala e escrita, diferenciar oralidade e letramento é entender que, na verdade, são

práticas sociais muito distintas, cada uma com suas possibilidades, necessidades e

funcionalidades.

Mollica (2013), completa que o ato comunicativo se divide em duas grandes

modalidades: a fala e a escrita. Para uma análise criteriosa dos efeitos ou das

correlações estabelecidas entre variação, continuidade e mudança linguística, de um

lado, e a variável escolaridade, de outro, faz-se mister estabelecer algumas

distinções no interior de categorias presentes na dinâmica social em que interage a

escola.

A fala é uma das principais fontes de pesquisa dos estudiosos da língua, pois

esta é a fonte de interação entre os seres humanos, os quais a utilizam com

determinadas regras pré-estabelecidas por uma sociedade. Nesse raciocínio a

Sociolinguística ocupou-se dos estudos da variação, voltadas para observação dos

falares em diferentes meios sociais, levando em consideração que para cada pessoa

a fala é concebida de uma maneira.

A ciência linguística vem dedicando, entre nós, especial atenção ao estudo da

fala, como atestam os volumes já publicados pelo grupo de Projeto da Gramática do

Português Falado no Brasil, coordenado pelo prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho, e

os trabalhos de Estudos da Norma Urbana Culta do Brasil, especialmente do grupo

de São Paulo, coordenado por Dino Preti.

Dessa forma, temos três motivações bastante fortes para o trabalho com a

oralidade no espaço escolar: primeiro por ser esse o mecanismo linguístico de que o

aluno dispõe; segundo por fomentar a possibilidade de um trabalho com variação de

forma produtiva e experiencial; e terceiro por tratar-se de um ponto de partida para a

ampliação dos conhecimentos das possibilidades da língua, inclusive em sua

modalidade escrita. Observar-se que, trabalhar com o oral pressupõe, sobretudo, um

trabalho por meio dos gêneros textuais:

Ensinar língua oral deve significar para a escola possibilitar acesso a usos da linguagem mais formalizados e convencionais, que exijam controle mais consciente e voluntário da enunciação, tendo em vista a importância que o domínio da palavra pública tem no exercício da cidadania. Ensinar língua oral não significa trabalhar a capacidade de falar em geral. Significa

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desenvolver o domínio dos gêneros que apóiam a aprendizagem escolar de Língua Portuguesa e de outras áreas (exposição, relatório de experiência, entrevista, debate etc.) e, também, os gêneros da vida pública no sentido mais amplo do termo (debate, teatro, palestra, entrevista etc.). (BRASIL, 1998, p. 67-68)

Tarallo (2007) acrescenta as maneiras diferentes de falar, em suma, a língua

falada é o vernáculo: a enunciação e expressão de fatos, proposições, ideias sem a

preocupação de como enunciá-los. É a língua que usamos em nossos lares ao

interagir com os demais membros de nossas famílias. É a língua usada nos

botequins, clubes, parques, rodas de amigos etc.

Marcuschi (2010) apresenta a tendência sociointeracionista, afirmando que,

dentro dessa perspectiva, a língua é fenômeno interativo e dinâmico e por isso

acaba livre dos preconceitos e ideologias provenientes das outras tendências que de

maneira equivocada supervaloriza a escrita.

O gráfico a seguir, apresentado por Marcuschi (2010, p. 41), aponta uma série

de gêneros textuais que poderiam ser enquadrados em um continuum que levasse

em conta não somente a forma de produção – escrita ou falada –, mas, também, os

graus de formalismo em relação às situações de interação e aos domínios

discursivos específicos:

Gráfico 1. Representação do contínuo dos gêneros textuais na fala e na

escrita.

Fonte: Marcuschi, 2010, p. 41.

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A partir do trabalho com textos orais, e partindo da concepção de continuum

entre oralidade e escrita, como apontado no gráfico 1, podemos chegar a um

produtivo ensino dessa última modalidade por meio da compreensão dos

mecanismos que permitem a construção de gêneros orais.

Tanto a fala como a escrita apresentam um continuum de variações, ou seja,

a fala varia e a escrita varia. Então, a comparação com o continuum de gêneros

textuais, além de demonstrar as diferenças entre fala e escrita, demonstra que a

língua pressupõe a contextualização como necessária para produção e recepção,

que se traduz em funcionamento pleno. Observamos que os gêneros escritos mais

monitorados são precisamente o “último” das regras normativas.

Assim, como bem mostra Guimarães (2012), a obediência a certas normas

gramaticais interfere de maneira decisiva para a comunicação, para a compreensão

da mensagem e que a função da sintaxe no processo da textualização é facilmente

destacada quando tratamos da noção de coesão, uma vez que da estruturação

adequada do texto decorrem os sentidos nele materializados. Afinal, considerar um

texto coerente ou incoerente, com sentido ou sem sentido, deve ser considerado a

situação de interlocução em que ele acontece. Desta maneira, todo o texto tem de

ser pensado em função de seu contexto.

A coerência depende em muito de fatores pragmáticos, já que a compreensão

do texto depende de fatores como: contexto de situação, intenção comunicativa,

características e crenças etc. (KOCH, 1999, p. 74). O processo de compreensão

obedece a regras de interpretação pragmáticas uma vez que leva em conta a

interação, as crenças, desejos, quereres, preferências, normas e valores dos

interlocutores.

De acordo com Marcuschi (2005, p. 24) um estudo de práticas orais “não se

trata de ensinar a falar. Trata-se de identificar a imensa riqueza e variedade de usos

da língua”. Como segunda justificativa para o trabalho com a oralidade, Castilho

(2006, p. 21) compreende que:

[...] os recortes linguísticos recolhidos devem ilustrar as variedades sócio-culturais da Língua Portuguesa, sem discriminações contra a fala vernácula do aluno, isto é, de sua fala familiar. [...] Com o tempo o aluno entenderá que para cada situação se requer uma variedade linguística, e será assim iniciado no padrão culto, caso já não o tenha trazido de casa.

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Vê-se, portanto, uma preocupação em apresentar o estudo da oralidade

relacionado aos estudos variacionistas, principalmente observando as

especificidades das modalidades em que a língua se apresenta.

Uma última justificativa para o trabalho com a oralidade vai ao encontro das

predisposições encontradas nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua

Portuguesa. Se o papel da escola é partir do domínio do aluno e fornecer-lhe

instrumento para ampliar seu conhecimento dos usos da língua, principalmente

escritos (PCN, 1998, p. 18), a partir do trabalho com textos orais, e partindo da

concepção de continuum entre oralidade e escrita, como apontado anteriormente,

podemos chegar a um produtivo ensino dessa última modalidade por meio da

compreensão dos mecanismos que permitem a construção de gêneros orais.

Fávero, Andrade e Aquino (2009, p. 10) atestam que “a fala influencia

sobremaneira a escrita nos primeiros anos escolares”. Além disso, Castilho (2006,

p. 23) propõe um estudo que parta das apreciações sobre a conversação – primeira

instância comunicativa –, observando, posteriormente, a estrutura do texto falado,

para, por fim, chegar à gramática da sentença, num percurso que vá do mais

concreto para o mais abstrato.

Estas considerações revelam a complexidade dos fenômenos da variação em

seus diferentes aspectos e, ao mesmo tempo, sugerem como são vastas as

possibilidades de abordagem dos aspectos sociolinguísticos nas atividades dos

livros didáticos voltadas a utilizá-los como ferramentas para o ensino da língua. Por

meio do uso de textos que apresentam esses fenômenos da variação, o professor

pode, ao destacar seus diferentes tipos, mostrar a dimensão que a comunicação

verbal assume como ferramenta que conecta a pessoa ao seu tempo (diacronia), ao

seu espaço (diatopia), ao seu papel no ato de comunicação e no contexto social

(diafasia, diastratia), à modalidade em que se expressa (diamesia). A discussão

dessas variáveis posiciona a variedade padrão ou norma culta, aquela que deve ser

ensinada na escola, em um terreno específico ao lado das formas linguísticas

praticadas pelo aluno e, em contraste com elas, é possível que o educando possa

compreender e interagir com as regras e não apenas aceitá-las ou buscar aplicá-las

de modo mecânico.

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2.3 Os fenômenos específicos da variação: os metaplasmos

A diversidade linguística de qualquer idioma percebe-se, entre outros fatores,

por meio de aspectos fonológico, lexical, semântico, morfológico, estilístico

pragmático e sintático.

A língua constitui-se, basicamente, de palavras e qualquer variação está

diretamente ligada ao modo como são empregadas essas palavras, por isso as

atividades que envolvam questões sociolinguísticas em livros didáticos devem,

necessariamente, contemplar as alterações fonéticas que ocorrem em grande parte

das palavras ao longo da evolução da língua e que estão ligados à supressão,

adição ou transposição de sons que interferem, consequentemente, no sentido ou

nos efeitos de sentido que se constroem nos textos.

Sendo assim, é relevante nos dedicarmos à especificação desse fenômeno

para que possamos utilizar os conceitos registrados nesta seção como instrumento

de análise das atividades pedagógicas do nosso corpus.

“Os ‘metaplasmos’ são modificações fonéticas que as palavras sofrem na sua

evolução” (COUTINHO, 2011, p. 142). Cada geração altera inconscientemente,

segundo as suas tendências, as palavras da língua, alterações essas que se tornam

perfeitamente sensíveis só depois de decorrido muito tempo. As modificações

podem ser de quatro espécies. “Verificamos que elas podem ser motivadas pela

troca, pelo acréscimo, pela supressão de fonema e, ainda, pela transposição de

fonema ou de acento tônico”. (COUTINHO, 2011, p. 143).

Dividem–se em metaplasmos por permuta, metaplasmos por aumento,

metaplasmos por subtração e metaplasmos por transposição. Os metaplasmos por

permuta são os que consistem na substituição ou troca de um fonema por outro. Os

metaplasmos por aumento são os que adicionam fonema à palavra. Por subtração

são os que tiram ou diminuem fonema à palavra. E por transposição são os que

consistem no deslocamento de fonema ou de acento tônico da palavra.

Destacaremos os metaplasmos que são frequentemente usados em textos

que privilegiam a cultura do falar rural ou os que encontramos mais facilmente nas

falas dos brasileiros. Os metaplasmos devem ser tratados como teoria para explicar

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as modificações mais recentes que se manifestam na língua e que são consideradas

simplesmente como erros ou desvios da norma padrão.

Transpondo essa explicação para a forma esquemática, obtém-se:

Figura 2: Esquema dos tipos de metaplasmos Fonte: Coutinho, 2011 (adaptado).

Metaplasmos por transformação – Vocalização: transformação em uma vogal

– Ex.: paia em vez de palha. Consonantização: transformação em uma consoante –

Ex.: Iesus em vez de Jesus. Nasalização: passagem de um fonema oral a nasal –

Ex.: indiota em vez de idiota. Desnasalização: passagem de um fonema nasal a oral

– Ex.: falano em vez de falando. Ditongação: passagem de uma vogal a um ditongo

– Ex.: nóis em vez de nós. Monotongação: passagem de um ditongo a uma vogal –

Ex.: falô em vez de falou. Assimilação: transformação de um fonema em outro igual

ou semelhante a um que lhe é contíguo dentro da mesma palavra. Ex.: passanu >

passando.

Rotacismo – transformação do fonema /l/ em /r/ – Ex.: praca em vez de

placa. Lambdacismo: transformação do fonema /r/ em /l/ – Ex.: cabelelero em vez de

METAPLASMOS

alterações

TRANSFORMAÇÃO

fonemas

VOCALIZAÇÃO

em vogal

CONSONANTIZAÇÃO

em consoante

NASALIZAÇÃO

oral a nasal

DESNASALIZAÇÃO

nasal a oral

DITONGAÇÃO

vogal a ditongo

MONOTONGAÇÃO

ditongo a vogal

ROTACISMO

/l/ em /r/

LAMBDACISMO

/r/ em / l/

DEGENERAÇÃO

/b/ em /v/

AUMENTO

fonemas

PRÓTESE

no início palavra

EPÊNTESE

interior da palavra

PARAGOGE

final da palavra

SUBTRAÇÃO

fonemas

AFÉRESE

no início da palavra

SÍNCOPE

no interior da palavra

APÓCOPE

final da palavra

TRANSPOSIÇÃO

fonemas

METÁTESE

interno à silaba

HIPÉRTESE

para outra sílaba

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cabeleireiro. Degeneração: transformação do fonema /b/ em fonema /v/ – Ex.:

bassoura em vez de vassoura.

Metaplasmos por aumento – Prótese: acréscimo de fonema no início da

palavra – Ex.: alembrá em vez de lembrar. Epêntese: acréscimo de fonema no

interior da palavra – Ex.: adevogado em vez de advogado. Paragoge: acréscimo de

fonema no final da palavra – Ex.: antes em vez de ante.

Metaplasmos por subtração (supressão) – Aférese: supressão de fonema

no início da palavra – Ex.: magina em vez de imagina. Síncope: supressão de

fonema no meio da palavra – Ex.: xicra em vez de xícara. Apócope: supressão de

fonema no fim da palavra – Ex.: - falá em vez de falar.

Metaplasmos por transposição – Metátese: deslocamento interno à sílaba –

Ex.: perparar em vez de preparar. Hipértese: transposição de um fonema de uma

sílaba para outra em um vocábulo – Ex.: cardeneta em vez de caderneta.

Postuladas essas características mais gerais, cremos ter esclarecido que

todos esses fenômenos, tanto os variacionistas quanto a questão dos metaplasmos,

que são fenômenos específicos a serem considerados para a análise dos tipos de

variação, devem ser de amplo conhecimento do professor que irá utilizar os livros

didáticos.

Embora esses fenômenos não devam ser tratados exaustivamente nos livros

didáticos, os professores que os dominam têm mais condições de propor atividades

complementares aos alunos ou de explorar melhor os textos apresentados no

material didático. Desta maneira, as análises das atividades não serão específicas

do ponto de vista do metaplasmos, mas vão verificar se as coleções analisadas

apresentam características que evidenciam seu uso.

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CAPÍTULO III - A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM LIVROS DIDÁTICOS

Neste capítulo, apresentaremos de forma mais detalhada o corpus utilizado

para a pesquisa, bem como analisaremos as unidades sob a perspectiva do tema da

variação linguística, para compreender de que forma três coleções de livros podem

funcionar como um parâmetro da situação geral do trabalho com a variação

linguística no ensino da língua portuguesa, dando enfoque à diversidade linguística

como fenômeno cultural.

Por meio da descrição e da análise dos metaplasmos, podemos entender

uma variedade que não deixa dúvida da concepção equivocada de que a língua é

homogênea. Nessa perspectiva, as observações sobre os metaplasmos nas

atividades analisadas são apresentadas para reflexão do professor de língua

portuguesa, a fim de que este possa compreender melhor que a linguagem é uma

forma de comunicação própria de determinado grupo, influenciada pelo contexto

sociocultural.

Também neste capítulo discutiremos o que se espera de um livro didático, de

acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa: que

trabalhe adequadamente a oralidade; que considere as variedades e registros da

língua oral pertinentes em função da intenção comunicativa, do contexto e dos

interlocutores a quem o texto se dirige; que propague o respeito aos diferentes

modos de falar e o entendimento que todas as variedades linguísticas são legítimas

e próprias da história e da cultura humana.

A perspectiva variacionista compreende que a linguagem oral é dominada

pelo aluno de forma satisfatória em relação ao convívio social ao qual pertence, e

funciona como o mecanismo básico de interação entre aluno e professor. Compete à

escola e, consequentemente, ao livro didático, utilizar esse conhecimento prévio

para discutir conteúdos da língua escrita e ampliar o uso da língua oral para

situações internas e externas ao espaço escolar.

No entanto, é importante destacar a funcionalidade desse livro didático no

espaço escolar, que não deve ser o principal e único recurso de ensino-

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aprendizagem: o livro didático deve ser encarado como um colaborador no processo

interativo de aprendizagem.

O corpus desta pesquisa é composto de exercícios extraídos de três coleções

de livros didáticos de Língua Portuguesa de diferentes editoras das séries finais do

Ensino Fundamental a serem analisados e deu-se pelos seguintes critérios:

1- São os livros mais usados pelas escolas estaduais do Estado de São Paulo

do município de Suzano;

2- Apresentam nas unidades o tratamento da variação linguística por meio de

gêneros direcionados ao público jovem;

3- Realizam uma abordagem sociolinguística proposta pelos Parâmetros

Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1998).

As atividades da primeira coleção foram selecionadas do livro didático do

Ensino Fundamental Português e Linguagem, da Editora Atual, de William Roberto

Cereja e Thereza Cochar Magalhães, constam na Unidade I do Capítulo 2 da Seção

4- “A Língua em Foco”, páginas 41 a 53. As atividades sobre o tema “Variação

linguística” constam apenas no livro destinado ao 6º ano.

Essa coleção é composta por quatro livros e cada livro é composto por 4

unidades e cada unidade contém 3 capítulos, cada capítulo está organizado em

cinco seções: 1 – “Estudo do Texto”; 2 – “Produção de Texto”; 3 – “Para Escrever

com Adequação/Coerência/Coesão/Expressividade”; 4 – “A Língua em Foco”;

5- “De olho na Escrita”. Está totalmente atualizada de acordo com a nova

ortografia e na sua 6ª edição. A coleção é composta pelos anos finais do Ensino

Fundamental (6º ao 9º anos).

As atividades da segunda coleção pertencem ao Projeto Eco da Editora

Positivo. Essa coleção tem como título Língua Portuguesa e a autoria é de Cristina

Azeredo. As atividades analisadas pertencem à seção “A Linguagem do texto” (que

consta na Unidade I, Capítulo 2, páginas 38 a 51). As atividades sobre o tema

“Variação linguística” constam apenas no livro destinado ao 6º ano.

Esta coleção está totalmente atualizada, com a nova ortografia e a 1ª edição é

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de 2009, é composta por quatro livros das séries finais do Ensino Fundamental (6º

ao 9º anos). Cada livro é composto por 4 unidades e cada unidade contém 4

capítulos, denominados, respectivamente: “Linguagens e Códigos”; “Aprender o

mundo”; “A História pode ser diferente”; e “Escola: um lugar com muitas histórias”.

As atividades analisadas da terceira coleção são da Editora Moderna, de

2009, cujo título é Português: leitura, produção, gramática, de Leila Lauar

Sarmento, e constam nas “Seções extras” com o título de “Variações Linguísticas”. A

autora aborda a variação linguística em todos os anos do Ensino Fundamental. No

6º ano, as atividades sobre o tema estão presentes nas páginas 43 a 46 da Unidade

I, Capítulo 1. No 7º ano, nas páginas 47 a 49 da Unidade I, Capítulo 1; no 8º ano,

nas páginas 151 e 152 na Unidade II, Capítulo 2; e no 9º ano, nas páginas 65 a 68

da Unidade I, Capítulo 2.

Consideramos o manual do professor como um instrumento didático que,

além de fornecer as respostas ou sugestões de respostas aos exercícios do aluno,

fornece atualização e formação continuada do professor. Desta forma, segue o

quadro com as especificações dos autores do livro didático, bem como a orientação

do trabalho sobre variação em negrito (grifos nossos) presente no manual do

professor de cada coleção dos livros didáticos.

PORTUGUÊS LINGUAGENS LÍNGUA PORTUGUESA (PROJETO ECO)

PORTUGUÊS: LEITURA, PRODUÇÃO, GRAMÁTICA

William Roberto Cereja Professor graduado em Português e Linguística pela Universidade de São Paulo. Doutor em Linguística Aplicada e Análise do Discurso na PUC-SP. Professor da rede particular de ensino em São Paulo, capital. Thereza Cochar Magalhães Professora graduada em Português e Francês e licenciada pela FFCL de Araraquara, SP. Professora da rede pública de ensino

Cristina Soares de Lara Azeredo Formada em Letras – Português / Inglês pela Universidade Federal do Paraná. Pós-graduada em Metodologia do Ensino de 1º e 2º Graus pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Curitiba. É professora da rede pública e particular de ensino de Curitiba.

Leila Lauar Sarmento Licenciada e pós-graduada em Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Minas Gerais. Autora da coleção Oficina de redação (6º ao 9º ano e Ensino Médio) e de Gramática em textos (Ensino Médio).

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MANUAL DO PROFESSOR

“Incluir no curso de Português uma série de outras atividades que levam a aquisições de noções da maior importância, tais como enunciado, texto e discurso, intencionalidade discursiva, o papel da situação de produção na construção do sentido dos enunciados, preconceito linguístico, variedades linguísticas, a semântica, as variações de registro (graus de formalidade e pessoalidade), avaliação apreciativa, etc” (p. 6)

MANUAL DO PROFESSOR

“A questão da variação linguística também é um aspecto contemplado pela coleção, colocando-a como tópico de reflexão e explorando-a em algumas atividades de produção oral. Incorporar a discussão sobre os diferentes falares e também sobre as especificidades dos contextos de interação oral possibilitam desfazer a crença de que há uma língua da escola e uma língua da vida. Essa reflexão é fundamental para a prática pedagógica, principalmente porque permite trazer, de forma efetiva, para dentro da sala de aula, o saber que o aluno já possui sobre sua língua materna.” (p.16)

MANUAL DO PROFESSOR

“O trabalho específico com as variações diastráticas (“internetês”, sintaxe irregular) e diatópica (regionalismos) e também os diferentes níveis de registro (formal e informal). Tais conceitos são apresentados ao aluno em linguagem simples, sem excessivo rigor técnico – até porque o objetivo não é fazer dele um filólogo, e sim um usuário consciente e profícuo da língua materna.” (p. 17)

Quadro 1 – Informação e orientação ao professor Fonte: Livros didáticos (adaptado)

Os autores da coleção “Português Linguagens” baseiam-se em atividades que

buscam tratar o preconceito linguístico, variedades linguísticas, a semântica, as

variações de registro, como elementos “da maior importância”. As palavras em itálico

no texto, assinaladas pelos autores, evidenciam a atenção que o professor deverá

ter com palavras que têm maior importância, citando teorias que provavelmente já

conhece.

O manual tenta reproduzir a concepção de variação linguística destacada por

estudos linguísticos mais recentes e as atividades presentes nesta coleção foram

organizadas para um professor conhecedor do tema variação linguística,

provavelmente baseado na concepção de professor em que a pesquisa faz parte de

sua rotina e o livro didático deve ser considerado um suporte.

A autora do livro didático “Língua Portuguesa”, do Projeto Eco, propõe um

trabalho que aproveita o conhecimento prévio do aluno, e a variação diamésica é um

aspecto contemplado pela coleção, colocando-a como tópico de reflexão e

explorando-a em algumas atividades de produção oral.

A coleção “Português: leitura, produção, gramática” tem objetivo de aprimorar

as habilidades dos alunos e apela para o caráter prático. Desta maneira, propõe um

trabalho específico com as variações diastráticas (“internetês”, sintaxe irregular) e

diatópica (regionalismos) e também os diferentes níveis de registro (formal e

informal). No entanto, diferente do que aparece no manual do professor, nas

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atividades sobre variação linguística, a autora não trata da variação diastrática e

nem a diatópica. Aborda em todos os volumes da coleção a variação diafásica, os

diferentes níveis de registro (formal e informal).

Considerando o sumário de cada livro didático (quadro 2), podemos observar

os títulos que compõem a seção variação linguística de cada coleção. Os títulos das

atividades estão localizados na introdução, na seção correspondente à variação

linguística de cada coleção. As três coleções estão apresentadas, conforme quadro

a seguir:

PORTUGUÊS LINGUAGENS LÍNGUA PORTUGUESA

(PROJETO ECO) PORTUGUÊS: LEITURA,

PRODUÇÃO, GRAMÁTICA

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

6ºANO - p. 41 a 53 6ºANO - p. 38 a 51 6º, 7º, 8º, 9º ANOS

As variedades linguísticas Norma-padrão e variedades de prestígio Variação linguística e preconceito social Falar bem é falar adequadamente Tipos de variação linguística As variedades linguísticas na construção do texto Semântica e discurso

Para ler: Projeto Variação Linguística no Estado da Paraíba, Dermeval da Hora A língua viva/troca de ideias Para ler: Pitoco, de Abílio Victor Para ler: Os sotaques dos sinais, de Sueli Fernandes

6º ANO – p. 43 a 46 “Variações linguísticas” Linguagem formal e informal 7º ANO - p. 47 a 49 “Variações linguísticas” Gírias 8º ANO – p. 151 e 152 “Variações linguísticas” Neologismos 9º ANO – p. 65 a 68 “Variações linguísticas” Estrangeirismos

Quadro 2 – Sumário Variação Linguística Fonte: Livros didáticos (adaptado)

O nosso objetivo é verificar se o material didático reconhece a diversidade

linguística como fenômeno cultural e, ainda, reconhece que a norma culta da língua

deve ser utilizada em situações formais. Para tanto, seguiremos os títulos do

sumário apresentados no quadro 2.

Os títulos do sumário servirão como base de comparação das atividades

variacionistas das três coleções, a classificação dos diferentes tipos de variação e o

uso dos metaplasmos nos textos. Assim sendo, teremos uma seção para cada

coleção de livro didático, que segue da subseção a saber: “A abordagem dos tipos

de variação e o uso dos metaplasmos nos textos”.

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3.1 Coleção “Português Linguagens”

A primeira coleção, de acordo com o quadro 2, “Português Linguagens”

apresenta os títulos “As variedades linguísticas”, “Norma-padrão e variedades de

prestígio”, “Variação linguística e preconceito social”, “Falar bem é falar

adequadamente”, “Tipos de variação linguística”, “As variedades linguísticas na

construção do texto” e “Semântica e discurso”, conforme detalhado na sequência

das análises.

3.1.1 A abordagem dos tipos de variação e o uso dos metaplasmos nos textos

“As variedades linguísticas” - VARIAÇÃO DIATÓPICA

Figura 3. Tirinha apresentada na variação diatópica. Fonte: Cereja e Magalhães, 2010.

No início desta atividade, está explícito o reconhecimento da variação

linguística com o título “As variedades linguísticas”, abordado com ilustrações da

tirinha de Fernando Gonsales. O termo “dialeto” foi substituído, pelos autores do

livro didático, por variedade, na tentativa de evitar a definição clássica de dialeto

como variedade apenas regional, conforme a proposta da Sociolinguística; os

autores revelam-se conhecedores dos termos sociolinguísticos atuais.

O exercício apresenta termos proferidos pela maioria dos falantes não

escolarizados, conforme especificado na página 45 do livro didático em que o autor

conceitua escolaridade e classe social e especifica as palavras “bicicreta”, “cocrete”

e “cardeneta”. No entanto acreditamos que são palavras proferidas por falantes não

escolarizados e também pelos falantes rurais e até por pessoas que possuem um

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problema articulatório que deve ser tratado por fonoaudiólogo.

Por essas razões, com o gênero tirinha utilizando os metaplasmos na

atividade em questão, acreditamos que o professor, considerando o livro didático

como suporte, poderia desenvolver uma proposta atrelada à valorização da

identidade cultural do falante, pois se supõe que o professor tem conhecimento

linguístico para entendimento das ocorrências dos metaplasmos da língua,

facilitando a mediação. O modo de pronunciar certas palavras que difere da norma

padrão caracteriza-se, justamente, pelo uso de metaplasmos. Dois deles aparecem

no texto e parece que são casos especiais “estigmatizados” de metaplasmos, o

rotacismo (“bicicreta” e “argum”) que é uma ocorrência de troca de fonemas e a

hipértese, (“pobrema”, “cocrete” e “cardeneta”), que são ocorrências de transposição

fonética, como se observa no quadro 3.

Metaplasmos Definição Ocorrências na tirinha de Fernando Gonsales

HIPÉRTESE transposição de um fonema de uma sílaba para outra em um vocábulo

cocrete > croquete cardeneta > caderneta

ROTACISMO substituição do fonema /l/ por /r/ pobrema > problema bicicreta > bicicleta

Quadro 3 – Metaplasmos Fonte: Gramática Histórica, 2011 (adaptado)

Nas palavras “Cardeneta” e “Cocrete”, vemos que o fonema /r/ alterou sua

posição no interior da sílaba: “cardeneta” no lugar de caderneta e “cocrete” no lugar

de croquete. Essa regra, que é conhecida como hipértese, é muito comum também

nos falares rurais. Nervoso > nevroso; e bicarbonato > bicabornato. Quando ocorre a

transposição do fonema na mesma sílaba, denomina-se metátese, em que podemos

ouvir “partelera” para prateleira, “preguntar” para perguntar. Para entender tal fato,

cabe lembrar que, na evolução do português arcaico para o português moderno,

ocorreram muitos casos de transposição fonética, como por exemplo,

semper (latim) > sempre; desvariar (latim) > desvairar; depredar (latim) > depedrar.

Notamos que “bicicreta” é a variante da palavra bicicleta e o /l/ é realizado

como /r/. É a mesma regra fonológica que vimos em “argum” e “pobrema”. A

flutuação entre /l/ e /r/ pós-vocálico é própria das comunidades situadas no polo

rural, onde também podemos ouvir “galfo” para “garfo”, “calvão” para “carvão”. Isso

se explica porque esses dois fonemas são, do ponto de vista articulatório, muito

semelhantes, fato que também ocorre na realização do /r/ pelo /l/, fenômeno

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denominado lambdacismo como ocorre na fala do Cebolinha, personagem de

Maurício de Sousa, e que pode caracterizar um problema articulatório ou ainda um

indicador de variedades rurais e urbana.

Nas atividades referentes à tirinha de Fernando Gonsales, o item (a) da

primeira questão “Que palavras causam estranhamento à mulher?”, sob a

perspectiva de uma pedagogia culturalmente sensível aos saberes do aluno e diante

de uma regra não padrão, remete à identificação da diferença em relação à variante

padrão, importante porque para alguns alunos, principalmente aqueles que têm

antecedentes rurais ou são de classes sociais menos favorecidas, as regras do

português culto são desconhecidas e a escola deve ensiná-las.

A intervenção do professor pode se dar na conscientização da diferença entre

os diferentes falares que não é abordada no exercício. Esta conscientização é

importante devido ao respeito às características culturais das diversas regiões

existentes no nosso país. “O trato inadequado ou até desrespeitoso das diferenças

vai provocar insegurança e desinteresse do aluno.” (BORTONI-RICARDO, 2004, p.

42).

Conscientizar o aluno quanto às diferenças sociolinguísticas e fornecer a ele a

variedade adequada para que ele possa começar a monitorar seu próprio estilo é

tarefa do professor que é sensível aos antecedentes sociolinguísticos e culturais dos

alunos e empenha-se em duas tarefas: explicar o fenômeno que se apresenta em

variação na língua e demonstrar a situação adequada ao uso de cada uma das

variedades da regra.

Na tirinha vista em sua totalidade, a mulher estabelece um juízo de valor que

se baseia unicamente no senso comum para apontar a fala do papagaio como

errada e devolvê-lo à loja. Quando vai fazer isso, percebe que o papagaio imita o

antigo dono, que também apresenta em sua fala os metaplasmos.

O texto pode sugerir uma série de reflexões sobre as questões, a saber: a)

provavelmente a mulher, que conhece e pratica a norma culta, parece ser minoria e

assume, na tirinha, a posição de dona do papagaio e cliente da loja. Em certo

sentido, ela tem poder econômico para comprar o papagaio (sua casa tem quadros,

cortinas e objetos de decoração aos quais se acrescentaria o papagaio) e tem

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capacidade para identificar o que ela supõe que sejam “erros” na fala da ave.

Devolvê-lo à loja é uma forma de se livrar do incômodo de incluir em seu círculo de

convivência um ser que desconhece a norma culta da língua; b) percebemos que, na

tirinha, o dono da loja, que também detém certo poder, já que não é apresentado

como alguém miserável, foi quem ensinou o papagaio a falar e devem ser mostrados

que os metaplasmos da fala dele também coincidem com os do papagaio. Isto

enseja uma reflexão sobre algo que poderíamos chamar de difusão e propagação

das variedades.

Na questão cujo enunciado é: “Os modos de uso da língua frequentemente

geram preconceitos, isto é, podem levar as pessoas a ser julgadas positiva ou

negativamente. Considerando a situação em que o papagaio aprendeu a falar,

responda: Que outra razão pode ter levado a mulher a querer devolver o papagaio?”

(anexo A), o preconceito linguístico é abordado, e fica bastante clara a imagem

negativa que a mulher tem sobre as palavras ditas pelo papagaio, e que devolvendo

o papagaio, provavelmente quer evitar que pensem que em sua casa se fala como

a ave. Neste momento caberia alguma reflexão mais aprofundada, por parte do

professor, sobre a questão do preconceito linguístico.

Um modo interessante de romper com o círculo vicioso do preconceito

linguístico é reavaliar a noção de erro. Uma pessoa com poucos anos de

escolarização, pouco habituada à prática de leitura e da escrita, não falou “argum”

“pobrema” porque quis errar, mas porque quis acertar. Em relação à língua escrita,

seria proveitoso substituir a noção de erro pela tentativa de acerto. Afinal, a língua

escrita é uma tentativa de analisar a língua falada, e essa análise será feita, pelo

usuário da escrita no momento de grafar sua mensagem.

Na mesma página, os autores apresentam um tópico intitulado

“Conceituando”, no qual são citadas algumas definições que guiam o

posicionamento deles ao longo do livro. A primeira definição é a de variedades

linguísticas “são as variações que uma língua apresenta em razão das condições

sociais, culturais e regionais nas quais é utilizada” (CEREJA; MAGALHÃES, 2010).

Na página seguinte o tópico continua com textos informativos sobre “Norma padrão”

e “Variedades de prestígio” e também sobre variação linguística e preconceito social.

Os textos estão dispostos conforme a figura 4 apresentada a seguir:

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Figura 4. Texto de conceituação. Fonte: Cereja e Magalhães, 2010.

Dentro desse tópico, os autores fazem uma divisão em subtópicos para tratar

da variação linguística. O primeiro deles é “Norma padrão e variedades de prestígio”,

em que conceituam assim os termos: “Norma padrão: é uma referência, uma

espécie de modelo ou lei que normatiza o uso da língua, falada ou escrita”;

“Variedades urbanas de prestígio: também conhecidas como norma culta, são as

variedades empregadas pelos falantes urbanos, mais escolarizados e de renda mais

alta”. (CEREJA; MAGALHÃES, 2010, p. 42).

Podemos observar, conforme apresentado no anexo A, que nos tópicos

relacionados ao sumário: “Norma-padrão e variedades de prestígio” e “Variação

linguística e preconceito social” não há atividades sobre os assuntos tratados. Desta

forma, pode-se concluir que os autores deixam isso por conta do professor.

A seguir, o livro apresenta uma atividade baseada numa proposta que se faz

necessária para que a escola passe a compreender a linguagem como atividade de

interação na qual a forma e o sentido são resultados das circunstâncias da situação

de comunicação, e nesse sentido, se volte para uma escrita funcionalmente

diversificada, adequada e contextualizada, bem como proporcione uma leitura crítica

e interativa. Conforme podemos observa na figura 5, os autores utilizam-se da tira de

Adão Uturrusgarai para atingir este objetivo.

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Falar bem é falar adequadamente – VARIAÇÃO DIAFÁSICA

Figura 5. Atividades referentes à variação diafásica. Fonte: Cereja e Magalhães, 2010.

“Falar bem é falar adequadamente”, pode ser resumido na tirinha: “Falar uma

língua é parecido com vestir-se: assim como existe uma roupa adequada para cada

situação, existe também uma variedade linguística adequada para cada situação”.

As atividades seguem conforme a figura 6, disposta a seguir:

Figura 6. Atividades referente à variação diafásica Fonte: Cereja e Magalhães, 2010

É importante observar que as atividades estão relacionadas com a vestimenta

do garoto (Como Zezo está vestido no 1º quadrinho? Essa roupa é formal ou

informal?), desta maneira, a atuação do professor em questões como essas é

fundamental, pois supõe que seu conhecimento da língua seja superior ao dos

alunos, sendo um momento importante de troca de informações e de

aprofundamento de conteúdo. A proposta consiste em fazer o estudante

compreender a heterogeneidade da língua, ampliar a noção do que seja ela e de

como podemos usá-la para nos expressar em diversas situações de interação.

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Destacamos ainda que é função do educador fazer uso do livro didático como um

guia e um ponto de partida para reflexões ainda mais amplas.

Desta forma e, conforme o texto de suporte citado após as atividades

(CEREJA; MAGALHÃES, 2010, p. 44) identificado no anexo A, sugere-se situar

melhor o aluno quanto ao uso da língua, observando que em Português temos

vários níveis de linguagem, várias formas de dizer a mesma mensagem, uma vez

que não falamos sempre do mesmo jeito e que nesse contexto de usos da

linguagem formal e informal que o aluno aprende a norma padrão, adequando à

linguagem e compreendendo as noções de variedades linguísticas.

O texto usado como suporte para a atividade destaca ainda que, assim como

acontece com a vestimenta apresentada no quadrinho, acontece com a linguagem.

Na conversa com um colega ou com um amigo, a pessoa fala de um modo, usa uma

linguagem e quando o mesmo assunto for falado com uma autoridade, seu jeito de

comunicar é diferente.

É importante observar, a partir daí, que para nos comunicarmos melhor e

adequadamente, temos de levar em consideração alguns elementos que garantem a

eficiência de nossa mensagem e que a palavra só significa em sua relação com o

interlocutor, ou seja, em seu contexto comunicativo. Portanto, é nesse processo de

interação social que a palavra significa e que vamos adaptando-a, reformulando-a e

modificando-a conforme o contexto de uso.

A realidade é que somos constantemente observados e julgados pela maneira

como nos expressamos, pela linguagem escolhida, enfim, somos aquilo que

falamos, por isso a relevância de ampliarmos nossa competência comunicativa e de

saber adequar a linguagem a todas as situações de interação. Esta atividade “Falar

bem é falar adequadamente” pode ser considerada produtiva na medida em que

aponta a competência comunicativa como o centro do problema da variação

linguística.

Na seção a seguir: “Tipos de variação linguística” que se subdivide em

“diferenças de lugar ou região”; “escolaridade e classe social”; “diferenças

históricas”; “oralidade e escrita”; “formalidade e informalidade: graus de

monitoramento” e “gíria”, todos os textos exigem reflexão e discussão com a devida

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mediação do professor, porque os temas são apenas conceituados pelos autores

nas páginas 45, 46 e 47 (anexo A).

Essa introdução ao tema “tipos de variação linguística”, apesar de sucinta, é

bastante esclarecedora, pois é facilmente compreendida por aluno de 6º ano e

aborda os principais tipos de variação da língua quando cita as diferenças regionais,

históricas, de classe social e até oralidade e escrita. A partir da explanação, são

apresentados subtópicos que detalham mais o tema em questão.

Na variação diatópica, o autor conceitua os tipos de Variação linguística,

relatando diferenças de lugar ou região. A adequação ao gênero deve ser o foco: A

língua usada por Chico Bento e o outro garoto no quadrinho (CEREJA;

MAGALHÃES, 2010, p. 45) é diferente daquela utilizada por jornais, revistas e livros.

Apesar disso, é possível compreender o que eles dizem.

No quadrinho especificado a seguir, utilizado na conceituação dos autores

para especificar a variação regional, é possível compreender que os usos orais da

língua estão tão imbricados na vida cotidiana dos falantes que podem ser

explorados nas aulas de português.

Figura 7. Tirinha apresentada na variação diatópica. Fonte: Cereja e Magalhães, 2010.

Em “quiria”, observamos que a vogal /e/ foi realizada como /i/, não é um traço

privativo do falar rural, pelo contrário, em praticamente todas as manifestações orais

do português brasileiro, vemos que as vogais médias /e/ e /o/ são reduzidas para /i/

e /u/ em sílabas átonas.

Os traços supostamente característicos dessa fala são simplesmente

reproduções, em desacordo com a ortografia oficial de traços graduais presentes na

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atividade linguística de todo e qualquer falante de português brasileiro, urbano ou

rural: “quiria”, “sê”.

No caso do “sê” no lugar do ser, em todas as regiões do Brasil, o /r/

pós-vocálico, independentemente da forma como é pronunciado, tende a ser

suprimido, especialmente nos infinitivos verbais (corrê, almoça, sorri etc.). Quando

suprimimos a consoante, alongamos a vogal final e damos mais intensidade a ela. É

importante o professor observar que esta regra de supressão do /r/ nos infinitivos dá

origem a uma hipercorreção (hipótese malsucedida). O aluno, ao produzir uma forma

como “está”, da terceira pessoa do singular do indicativo presente, imagina que nela

também haveria um /r/ que foi igualmente suprimido, e acrescenta esse suposto /r/,

incorrendo numa hipercorreção.

Além dos infinitivos verbais, o /r/ pós-vocálico também tende a ser suprimido

nas formas do futuro do subjuntivo: se eu estivé, se ele quisé, se ela fizé; e nos

substantivos adjetivos: melhó, maió. Nos nomes monossilábicos o /r/ pós-vocálico

tende a preservar-se mais: mar, dor, par, cor etc.

Quanto ao rotacismo, observado na pronúncia da palavra “discurpa”,

verifica-se tendência de substituição do /l/ pelo /r/ com o uso das consoantes como

marca do falar rural. Quando falamos em rotacismo como mudança fonética,

falamos de mudanças que ocorreram na passagem do latim para o português. Ex.:

placere > prazer, blancu > branco. Estas mudanças justificam-se pela própria

evolução da língua.

Com a observação sobre variedade linguística na seção “Escolaridade e

classe social”, página 45 (anexo A), percebe-se que a variação de natureza social

costuma apresentar diferenças em termos fonológicos (bicicreta, crocrete,

cardeneta). Apesar de o texto mencionar apenas o baixo grau de escolaridade, ao

dizer que os mais escolarizados fazem uso da “norma culta” e os não privilegiados

falam somente a “língua popular”, os usos da língua não se relacionam

exclusivamente à divisão da sociedade em classes, havendo outros fatores, inclusive

fisiológicos, que atuam nesse processo.

Os professores acostumados a se guiarem unicamente pelo livro didático e

seguirem a ordem proposta pelo material e que não trazem atividades extras para a

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sala de aula talvez encontrem dificuldades ao lidar com as atividades de forma

produtiva. Quanto à variação diacrônica, o livro didático traz um pequeno texto,

conforme figura 8.

Figura 8. Texto sobre variação diacrônica. Fonte: Cereja e Magalhães, 2010.

O fragmento apresenta um trecho da cantiga de roda, em que aparecem duas

palavras que caíram em desuso: vintém e toleirona. Vintém é uma antiga moeda de

pouco valor, e toleirona é pessoa tola, bobalhona. A variação histórica ou mudança

linguística é apresentada de forma sucinta apenas com os versos de uma cantiga de

roda.

O texto traz, basicamente, duas expressões populares em desuso

atualmente, mas não traz atividades referentes ao tema para que os alunos

conversem com pessoas mais velhas e tragam expressões como as que aparecem

na cantiga de roda e também façam reflexões sobre as palavras que os jovens

usam. Um trabalho de pesquisa poderia gerar uma comparação interessante entre

palavras usadas no passado e em desuso nos dias de hoje e palavras em uso

atualmente.

Desse modo, o texto “Diferenças históricas”, proposto por Cereja e Magalhães

(2010) toca numa discussão inicial que deve ser ampliada com os conhecimentos do

professor ou com outros suportes pedagógicos.

Os autores citam e conceituam a variação diamésica com o texto “Oralidade e

escrita”, explicando a relação entre as duas modalidades e ressaltam “as repetições,

as quebras na sequência de ideias, problemas de concordância, e o uso de

expressão de apoio, como né, tá, entendeu?, humm”(CEREJA; MAGALHÃES, 2010,

p. 45) que fazem parte da oralidade. Esclarecem, ainda, que a língua escrita é mais

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monitorada e exatamente por conter um volume considerável de repetições, quebras

de sequência de ideias, problemas de concordância e o uso de expressão de apoio,

a língua falada foi considerada durante muito tempo como o lugar do “caos”.

Os autores não trazem atividade sobre oralidade e escrita e nesse primeiro

contato com o tema, nem esclarecem que a escrita não representa a fala, seja sob

que ângulo for que a observemos, “Justamente pelo fato de fala e escrita não se

recobrirem podemos relacioná-las, compará-las, mas não em termos de

superioridade ou inferioridade.” (MARCUSCHI, 2010, p. 46).

A partir do texto “Formalidade e informalidade: graus de monitoramento”,

também na página 46 do livro (anexo A), os autores retomam a variação diafásica e

complementam a explicação anterior sobre monitoramento da escrita com

comentários sobre esta variação. Esclarecem também a importância do

monitoramento do indivíduo em determinada situação, quando deve optar por adotar

uma linguagem formal ou informal. Podemos perceber que a linguagem presente no

e-mail apresentado como exemplo está repleta de marcas de oralidade, gírias,

recursos gráficos, enfim, indicadores do uso de uma linguagem informal. O emprego

de palavras como beleza, galera, pra, Cabeça, Lu e hein revela que há intimidade

entre os interlocutores, e, por isso, eles fazem uso de uma língua informal, como

podemos observar na figura 9 a seguir:

Figura 9. Linguagem informal em e-mail. Fonte: Cereja e Magalhães, 2010.

É importante ficar claro que nem todos os gêneros textuais de comunicação

da Internet são informais e aceitam essa linguagem cifrada. Atualmente, circulam na

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Internet desde documentos oficiais até e-mails pessoais com o maior grau de

intimidade, variando portanto, a linguagem em cada gênero. De acordo com o texto

(p. 46) apresentado, é nessas situações que monitoramos mais o que dizemos,

evitando gírias, expressões grosseiras e palavras ou expressões que demonstrem

intimidade com o interlocutor.

A linguagem utilizada no e-mail informal apresentado no exemplo sobre a

formalidade e informalidade da língua, das tendências naturais e suas

consequências no ensino da escrita nos remete a dois casos de assimilação.

Dizemos que há assimilação quando, numa sequência de sons homo-orgânicos ou

parecidos, um deles assimila o outro que desaparece. É o que acontece nas

sequências /nd/ e /mb/. A primeira /nd/ é formada por duas consoantes alveolares e

ocorre principalmente nos gerúndios: passando > passanu, conforme apresentado

no quadro 3.

Metaplasmos Definição Ocorrências no e-mail

SÍNCOPE queda de um fonema no meio do vocábulo

passanu > passando

Quadro 3 – Metaplasmos Fonte: Gramática Histórica, 2011 (adaptado).

Destacamos ainda, na página 42 (anexo A), que os autores conceituam “gíria”

com um pequeno texto e com uma pequena relação de gírias atuais e antigas,

considerando que as gírias estão de acordo com a faixa etária e trata-se, portanto,

da variação diacrônica. No entanto, o que é relevante assinalar em relação à gíria é

que ela pode ser analisada sob todos os aspectos da variação, pois muda conforme

a região do falante, conforme o contexto social, a idade e o sexo e, como

percebemos no texto proposto pelo livro didático, muda com o passar do tempo.

O objetivo dos autores, conforme a leitura do pequeno texto é mostrar que

falar de um modo ou de outro é coisa própria da língua, e que a gíria é uma forma de

comunicação usada por certos grupos sociais pertencentes a uma classe ou a uma

profissão em que se usa uma palavra não convencional para designar outras

palavras formais da língua.

É interessante também observar que a gíria é empregada por jovens e

adultos de diferentes classes sociais e cada grupo tem um objetivo quando faz uso

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dela. Uns têm intuito de fazer diferente, humor ou distinguir o grupo dos demais

criando uma linguagem própria (jargão).

Podemos observar no texto “Qual é a sua tribo?” (p. 47, anexo A) que a

linguagem revela mais do que pensamentos e sentimentos. Revela também quem

somos socialmente. Vale lembrar alguns aspectos sociais da linguagem: adequação,

integração e aceitação, necessidade de se rebelar, chamar a atenção, ser diferente,

ser igual, sentir-se na moda (ser aceito) etc

A letra da música “Saudosa Maloca”, do compositor Adoniran Barbosa, está

disposta conforme a figura 10 apresentada em seguida e também no anexo A. Ela

consta depois do texto “A gíria”, na página 48, mas não está no sumário, conforme

especificado no quadro 2 e não há comentário sobre a proposta do trabalho.

Para o entendimento do texto e das questões presentes logo após a letra da

música, é necessário conhecimento dos elementos sociolinguísticos presentes (uso

de determinadas expressões, léxico etc.), bagagem cultural, circunstâncias em que

Figura 10. Letra música “Saudosa Maloca”. Fonte: Cereja e Magalhães, 2010.

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foi produzido, pois trata-se de atividades de interpretação.

O autor da letra da música presente na figura 10 em sua produção evidencia

o conhecimento que possui sobre a identidade cultural de alguns tipos populares

que habitavam bairros italianos de São Paulo no século XX. Neste sentido, para

compreender o texto apresentado, é preciso saber muito mais que apenas a

nomenclatura gramatical, é preciso saber apanhar o núcleo central em torno do qual

o texto se desenvolve, em que consistem os recursos utilizados, saber estabelecer

relações de significado para detectar sentidos, quais as funções das palavras.

A letra de música “Saudosa maloca” aborda o estudo de variação associado à

cultura e retomando questões já apresentadas referentes aos metaplasmos.

Com a letra de música “Saudosa maloca”, utilizada pelos autores do livro

didático, apresentamos um exemplo de como pode ocorrer esta aproximação da

música e da sociolinguística com a escolha do léxico que privilegia determinados

traços na sua composição. Traço característico de um povo paulistano, neste caso,

de descendentes de italiano e outros migrantes, que compõem a linguagem da letra

da música composta por Adoniran Barbosa. Retomamos algumas das características

dessa modalidade que apresenta alterações nos fonemas que compõem os

vocábulos, como se verifica com o levantamento dos metaplasmos a seguir:

Metaplasmos Definição Ocorrências na letra de música

“Saudosa Maloca”

APÓCOPE queda de um fonema no fim da palavra

contá > contar / lugá > lugar / coberto > cobertor / nas grama > nas gramas /

esquecê > esquecer / dias feliz > dias felizes / derrubá > derrubar / nossas coisa > nossas coisas / preciá > apreciar / nós

sentia > nós sentíamos / gritá > gritar

ROTACISMO substituição do fonema /l/ por /r/ arto > alto

VOCALIZAÇÃO transformação de uma consoante em vogal

véia > velha / paia > palha

PRÓTESE acréscimo de um fonema no início do vocábulo

alembrá > lembrar / donde > de onde

DESNASALIZAÇÃO passagem de um fonema nasal a oral homi > homem / cas > com as MONOTONGAÇÃO simplificação de um ditongo em uma

vogal mandô

AFÉRESE supressão de uma forma no início do vocábulo

tá > está / preciá > apreciar

DITONGAÇÃO formação de um ditongo na palavra nóis > nós SÍNCOPE queda de um fonema no meio do

vocábulo pro > para o

HIPÉRTESE transposição de um fonema de uma sílaba para outra em um vocábulo

tauba > tábua

Quadro 4 – Metaplasmos. Fonte: Gramática Histórica, 2011 (adaptado)

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Na letra de música, “Saudosa Maloca”, podemos perceber um caso de

monotongação (semivogal) do ditongo /ou/ na palavra mandou > mandô. A perda da

semivogal nos ditongos resulta em um processo denominado monotongação. No

ditongo /ou/, a monotongação é um processo muito antigo na língua, desde a

evolução do latim para o português, como os exemplos: paucum > pouco > poco,

aurum > ouro > oro. Na transição do latim para o português, a vogal /a/ dessas

palavras transformou-se em /o/ por um processo de assimilação, isto é, por

influência do segmento seguinte /u/, e a passagem de /ou/ para /o/ produz a

monotongação.

É importante destacar que a monotongação, redução de ditongo para fonema

simples, é uma tendência comum na fala dos brasileiros, como, por exemplo, na

realização fonética de mandou > mandô.

Com o metaplasmo que leva o nome de desnasalização: homem > homi –

fonema /m/ tende a ser suprimido. Chamamos essa regra de desnasalização. Ela só

incide em sílabas finais átonas. Em sílabas tônicas não há desnasalização –

caminhão, armazém, estarão, reunião, irmã. A regra de desnasalização aplica-se

principalmente nos ditongos nasais átonos finais, como vimos em homem > “homi”.

Nas formas verbais de terceira pessoa do plural, a desnasalização resulta em formas

como (eles) fizeru, (eles) andaru etc.

Estamos dando tanta ênfase ao estudo das tendências evolutivas da própria

língua para criarmos com firmeza a convicção de que os chamados “erros” têm

explicação no próprio sistema e processo evolutivo da língua. Ex.: Com a razão – ca

razão – foi suprimida a vogal da primeira sílaba, fenômeno que recebe o nome de

síncope.

Em relação às pronúncias do /s/ pós-vocálico, é a tendência à sua supressão

(apócope), principalmente nos estilos não monitorados. Ao tratarmos desse assunto,

convém fazer a distinção entre o /s/ que é morfema de plural (isto é, é o elemento

que contém a marca de plural), como ocorre em “nossas coisas” e o /s/ que não é

morfema de plural, em que o /s/ é parte do morfema lexical, a qual não há supressão

do fonema /s/ final (lápis, pires, Paris, atrás etc.).

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Quando a forma do plural é apenas de um acréscimo de /s/ tendemos a não

empregá-la. Ao escrever sintagmas nominais plurais, tendemos a flexionar somente

o primeiro elemento, que pode ser “nossas coisa” (pronome possessivo); “nóis

sentia”, “nóis arranja” e “nóis pega” (pronome do caso reto); e “os homi” (um artigo).

Quanto mais diferente for a forma do plural de um nome ou pronome da sua forma

singular, mais tendemos a usar a marca de plural naquele nome ou pronome.

Em estilos não monitorados, tendemos a usar uma regra de concordância não

redundante, isto é, em vez de flexionarmos todos os elementos flexionáveis do

sintagma, flexionamos apenas os primeiros. Na música “Saudosa Maloca”, vimos os

seguintes sintagmas nominais flexionados de acordo com a regra de concondância

não redundante: “nossas coisa”, “nas grama”, “dias feliz”.

Revendo esses exemplos, podemos ficar com a impressão errônea de que a

regra de concordância nominal não redundante só ocorre no traço característico de

alguns falares, mas não é bem assim. Essa regra de concordância não redundante

ocorre ao longo de todo o contínuo, nos estilos não monitorados, chegando, às

vezes, até mesmo aos estilos monitorados.

Por estar tão generalizada na língua, é certo que nossos alunos vão

empregá-la em seus textos escritos que, por sua natureza, exigem a regra da

concordância redundante prevista na gramática normativa.

Quando lidamos com esse fenômeno, não podemos nos esquecer de que no

português brasileiro tendemos a flexionar o primeiro elemento do sintagma nominal

plural e a não marcar os demais. Esta é uma tendência que se explica porque

geralmente dispensamos elementos redundantes na comunicação e as diversas

marcas de plural no sintagma nominal são redundantes.

Em relação ao exercício 4, especificado na mesma sequência das atividades,

os autores solicitam que se passem alguns versos da canção para a norma padrão e

compare-os à canção original. Na atividade apresentada, os autores do livro didático

se manifestam: “Ela ainda continuaria tendo a mesma expressividade na

norma-padrão? Por quê?”. Desta maneira abrem a discussão para a questão

sociolinguística no texto, deixando implícito que quando se transforma um texto

como este para a norma padrão, descaracteriza todo o contexto e a intenção dos

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envolvidos na letra da música. Faz com que os alunos percebam que, ao passar

alguns versos da canção para a norma padrão, o texto deixará de ter as

propriedades distintivas de um grupo de imigrantes de um bairro paulistano.

É importante salientar que, se o professor tiver conhecimento dos

metaplasmos presentes nos textos, pode extrair elementos que possibilitem a

reflexão por parte dos alunos sobre como esses elementos que fazem parte da

variedade da língua produzem sentido no texto. Desta maneira, este estudo

é proposto para que seja perceptível a complexidade que envolve o tema e,

consequentemente, a utilidade dessa ferramenta teórica para a elaboração de outras

atividades que não apenas aquelas que o livro apresenta. É necessário trazer como

reflexão a importância do conhecimento e a constante atualização por parte do

docente sobre os estudos da Sociolinguística, uma vez que é imprescindível ter

essas noções nas aulas de língua portuguesa para o acompanhamento do processo

de ensino/aprendizagem dos alunos.

Na sequência, temos outro tema especificado no sumário do livro Português

Linguagens “As variedades linguísticas na construção do texto” em que se utiliza de

um conto publicado na revista Nova Escola em maio de 2001 e nesta seção,

chamada “Na construção do texto”, p. 50, o foco retorna às variedades linguísticas

(variação diatópica). O texto “Pechada”, de Luis Fernando Verissimo, trata de um

aluno novato na escola que, por ser gaúcho, recebe apelidos e sofre preconceito ao

falar palavras diferentes e desconhecidas pelos outros alunos e pela própria

professora.

O exercício 6 explora a questão do preconceito linguístico, bem como a

prática da oralidade: “Rodrigo acabou sofrendo preconceito por falar português de

modo diferente do falado pela maioria. Você já viveu ou presenciou uma situação

parecida com essa? Conte para os colegas como foi”. Os exercícios são de

interpretação e estimulam o aluno a enxergar a variação linguística e, ao mesmo

tempo, a refletir por que e como ela se manifesta, de que maneira podemos

identificá-la e entendê-la.

Na sequência, os autores retomam a questão da “gíria” no tópico “Semântica

e discurso” e na mesma atividade abrem discussão sobre a Língua Portuguesa

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falada em Portugal e no Brasil. Na atividade da página 53, por meio do Cartum de

Santiago, Cereja e Magalhães iniciam uma discussão sobre um conjunto de sinais

(palavras) de duas pessoas interagindo (Português de Portugal e Português do

Brasil). As diferenças linguísticas e culturais entre a língua portuguesa do Brasil e a

de Portugal são mencionadas e as atividades revelam o posicionamento dos autores

em relação à irmandade dos países que falam a “mesma” língua portuguesa.

Conforme apresentado na figura 11, as duas pessoas estão usando a língua

portuguesa para se comunicar, mas falam de formas diferentes porque são de

lugares diferentes e épocas diferentes.

Figura 11. Cartum apresentado para variação diacrônica. Fonte: Cereja e Magalhães, 2010.

Percebe-se que as diferenças entre o português brasileiro e o lusitano

extrapolam o campo lexical, semântico e fonológico, podendo ser observadas

distinções sintáticas, a ponto de dificultar ou até mesmo impossibilitar uma

comunicação com total compreensão. Entretanto, vimos o recurso léxico para tratar

das diferenças: no português de Portugal, as sílabas pretônicas são reduzidas.

Assim “prubl’mas > problemas”, ao reduzir as sílabas pretônicas, o falante tem mais

energia articulatória para chegar ao final da palavra.

No caso do Brasil, as sílabas pretônicas têm quase a mesma duração da

tônica. Resulta daí que há menos energia para a articulação dos finais das palavras.

No caso das proparoxítonas, especialmente, temos a tendência a reduzi-las, na fala

rápida, reduzindo assim o esforço articulatório: cosca em vez de cócegas. O

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professor pode aproveitar a atividade para esclarecer o motivo de o português

brasileiro favorecer as paroxítonas e desfavorecer as proparoxítonas.

No exercício 7, “as duas personagens do cartum são falantes da língua

portuguesa; contudo, há diferenças entre a linguagem de uma e a de outra, pois

falam de variedades linguísticas diferentes”. Para os autores, não se trata de duas

línguas distintas, mas sim de variedades linguísticas diferentes. Contudo, no

exercício 4, essa ideia parece ser posta em dúvida quando apresenta o seguinte

texto “Temos até a impressão de que falamos línguas diferentes”. (CEREJA;

MAGALHÃES, 2010, p. 52).

Esta “impressão” relatada pelos autores teria como principal utilidade

demonstrar a distância que separa as gramáticas das duas línguas para não

continuar a analisar o português brasileiro com base em regras que já deixaram de

vigorar na nossa língua. Sabemos que a língua portuguesa falada no Brasil

apresenta diferenças no vocabulário, na fonética e na sintaxe em relação à língua

falada em Portugal.

Destacamos os tipos de variação linguística e o uso dos metaplasmos desta

primeira coleção para verificar se as atividades do livro didático levam o aluno a

reconhecer que existem outras variedades além da variedade de prestígio que

ocorre de acordo com a região do falante, a faixa etária, o nível sociocultural, a

situação e a intenção do que produz a mensagem.

Assim, mesmo nas poucas atividades relacionadas aos gêneros orais e de

produção textual, o trabalho é produtivo e demonstra a preocupação da coleção em

relação aos estudos sociolinguísticos recentes. Um aprofundamento dessas

discussões poderia fundamentar-se na tentativa de tornar evidentes as marcas

específicas do texto oral e o modo como elas interferem na produção textual, já que

os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa propõem um

trabalho mais efetivo com a oralidade.

3.2 Coleção “Língua Portuguesa”

A segunda coleção “Língua Portuguesa” (AZEREDO, 2009) possui os

títulos “Para ler: Projeto Variação Linguística no Estado da Paraíba, Dermeval da

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Hora”, “Para ler: Pitoco, de Abílio Victor”, “Para ler: Os sotaques dos sinais, de Sueli

Fernandes”, conforme detalhado a seguir:

3.2.1 A abordagem dos tipos de variação e o uso dos metaplasmos nos textos

Projeto Variação Linguística no Estado da Paraíba, Demerval da Hora –

Transcrição de uma conversa entre dois interlocutores – VARIAÇÃO DIAMÉSICA

Figura 12. Texto entrevista – variação diamésica. Fonte: Azeredo, 2009.

Neste capítulo do livro Língua Portuguesa, da editora Positivo, 2009, há uma

atividade extraída do corpus do “Projeto de Variação Linguística no Estado da

Paraíba” (p. 38). Trata-se da transcrição de uma conversa entre dois interlocutores,

realizada como material de análise em um estudo sobre a língua portuguesa em

situações de oralidade.

Estas conversas acontecem geralmente em situações informais e, por isso, a

linguagem nelas empregada difere do registro formal e se caracteriza, entre outras

coisas, pelo uso da apócope, que caracteriza a formação do plural (“os copo”) ou

verbos no infinitivo (“pegá” por pegar) ou pela “ditongação” (“faiz” por faz – “avóis”

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por avós). No quadro 5, observa-se o levantamento das ocorrências apresentadas:

Quadro 5 – Metaplasmos. Fonte: Gramática Histórica, 2011 (adaptado).

Além dos metaplasmos, o “diálogo entre dois interlocutores apresenta

interrupções (risos) pela presença de palavras que tentam a atenção do locutário

(né, bem, sabe, só) e também de expressão como, “aí”, que retomam o que é falado

ou dão continuidade à fala. As atividades propostas pela autora representam um

desafio: elaborar uma hipótese sobre quem são os interlocutores; sobre a idade da

informante; que região é a da informante; e qual foi a reação inicial ao ler as

respostas das entrevistadas.

O interessante nesse estudo é a maneira como são apresentadas as

diferenças entre uma modalidade oral e uma modalidade escrita. Em momento

algum há juízo de valor, nenhuma modalidade é tratada como superior, melhor ou

mais formal. A autora é neutra e demonstra as características da fala, expondo as

possibilidades que cada uma oferece ao falante na sua produção.

As questões, além de incentivarem a busca por novas respostas e resultados,

estimulam a prática da oralidade e a interação entre alunos e professores e facilitam

o aprendizado, gerando um ambiente mais propício para a comunicação e para o

esclarecimento de dúvidas.

A sequência dos exercícios está numa proposta inovadora e reflexiva adotada

pela autora. É um livro que se caracteriza pela coerência entre teoria e prática e que

exige, sem dúvida, um empenho significativo do aluno. Isto porque os Parâmetros

Curriculares nacionais de Língua Portuguesa estabelece como objeto de

ensino/aprendizagem “o conhecimento linguístico e discursivo com o qual o sujeito

opera ao participar das práticas sociais mediadas pela linguagem” (BRASIL, 1998,

Metaplasmos Definição Ocorrências na “transcrição de uma entrevista”

APÓCOPE queda de um fonema no fim da palavra

os copo > os copos / pegá > pegar / outras infância > outras infâncias /

chei > cheio / apesa > apesar / passea > passear / viaja > viajar /

visita > visitar DITONGAÇÃO formação de um ditongo na palavra faiz > faz / avóis > avós

MONOTONGAÇÃO simplificação de um ditongo em uma vogal estô > estou

AFÉRESE queda de uma forma no início do vocábulo tô > estou

SÍNCOPE supressão de um fonema no meio do vocábulo mainha > mãezinha

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p.22).

De maneira geral, podemos categorizar as questões da unidade I, como

reflexivas, ou seja, elas estimulam a participação do aluno de forma que ele seja

capaz de refletir sobre o que está sendo perguntado ou solicitado, respondendo com

suas próprias palavras e de acordo com seu ponto de vista, sempre embasado no

que aprendeu em sala de aula. Nenhuma das atividades tem o objetivo de

descaracterizar frase do texto, pedindo para reescrever segundo a norma padrão.

A unidade do livro busca proporcionar ao aluno diferentes ângulos de ver e de

refletir sobre a língua no país em que vive, age e se relaciona dando-lhe

oportunidades de concordar, discordar e criticar o que percebe, construindo,

progressivamente, seu conhecimento linguístico.

O outro tópico apresentado pela autora do livro didático trata da variação

diafásica e tem como título “Usos da língua”, em que a autora mostra na atividade

que a escrita não reproduz, fielmente, a fala, pois o aluno trabalha com o objetivo de

fazer uma transcrição, observando a presença de repetições, palavras incompletas,

quebras na estrutura da frase, uso de gírias e regionalismo etc, ou seja, uma

representação gráfica convencional da língua falada que serve de instrumento (ou

tentativa) de padronização dessa língua.

O objetivo dessa atividade parece ser o de formalizar a linguagem informal,

ou seja, fazer com que o aluno, ao refletir sobre a linguagem oral, use expressões

mais comumentes utilizadas na modalidade escrita. Esta coleção trabalha, de forma

sistemática, os processos de oralização da escrita, dando um suporte teórico ao

aluno no que diz respeito à oralidade e escrita.

A atividade “Produção de texto escrito” aborda a questão da modalidade oral,

e da escrita (linguagem informal e formal). As atividades são precedidas do seguinte

enunciado:

Imagine que você foi convidado para participar do Projeto Variação Linguística no Estado da Paraíba, como colaborador. Para isso, precisará fazer a transcrição fonética da fala de estudantes de sua escola e, depois, reescrevê-la, considerando a modalidade escrita da língua em sua variedade formal, conforme as normas urbanas de prestígio. (AZEREDO, 2009, p. 42)

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As atividades propostas que envolvem responsabilidades são produtivas e

enriquecedoras, pois proporcionam um resultado que vão além do básico, que é a

reescrita de palavras e expressões de textos, à transposição da linguagem não

padrão para a padrão, o reconhecimento da linguagem utilizada e se ela está

adequada ao gênero.

Essa transcrição como forma de produção de texto escrito, participando de

um Projeto como colaborador, leva em conta as marcas conversacionais do gênero

e o aprofundamento da estrutura; entre tantas outras atividades que trabalham o

gênero oral de forma adequada, esta favorece o aluno ao conhecimento de uma

estrutura que utilizaria fora do ambiente escolar.

Essa atividade também propõe que o aluno formalize a linguagem informal,

ou seja, ao contar uma história, estimula que ele use expressões mais comuns na

modalidade escrita e evite recursos conversacionais próprios da fala. Esta proposta

pode ser vista também como um exercício de treinamento para situações formais de

oralidade, tais como entrevista de emprego, apresentação de trabalhos acadêmicos

etc.

Confirmamos a relevância desta atividade e apresentamos as etapas de

produção do texto escrito proposto por Fávero, Andrade e Aquino ( 2009, p. 90),

como sugestão pra orientação das atividades propostas pelo livro didático.

1ª operação: eliminação de marcas estritamente interacionais e inclusão da pontuação; 2ª operação: apagamento de repetições, redundâncias, autocorreções e introdução de substituições; 3ª operação: substituição do turno por parágrafos; 4ª operação: diferenciação no encadeamento sintático dos tópicos; 5ª operação: tratamento estilístico com seleção do léxico e da estrutura sintática, num percurso do menos para o mais formal.

Quadro 6. Operações de produção do texto escrito a partir do texto falado Fonte: FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2009, p. 90.

Fávero completa que, após estabelecer os tipos de operação efetuados pelos

informantes ao elaborarem o mesmo gênero de texto, nas modalidades falada e

escrita, afirma que as diferenças ou integrações entre as duas modalidades ocorrem

num continuum que vai do menos para o mais formal.

A atividade de retextualização envolvendo as entrevistas, por meio das quais

os alunos são levados a gravar, ouvir, transcrever e reescrever os textos produzidos

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oralmente, funcionam como ponto chave dessa apropriação da teoria de Marcuschi

(2010) por parte dos livros didáticos. No entanto, algumas coleções ainda têm

dificuldades nessa adequação, e isso é perceptível quando ou não fornecem um

suporte teórico para atividades desse tipo ou fazem-no de forma insuficiente. Neste

segundo caso, ao professor cabe a responsabilidade de aprofundar seus

conhecimentos sobre o assunto, já que o próprio material pedagógico não fornece

os subsídios básicos para o desenvolvimento das atividades.

Para abordar o tópico “A língua viva”, que trata a variação diatópica, a autora

usa o texto “Pitoco”, conforme apresentado na figura 13 a seguir:

Figura 13. Poema “Pitoco”. Fonte: Azeredo, 2009.

Verificamos que as questões do texto em estudo, referente ao poema

“Pitoco”, são interpretativas, a autora do livro didático propõe identificação do

assunto principal, o espaço em que a história está ambientada, o acontecimento

mais importante da narrativa, as referências que são feitas a respeito do cachorro, a

atitude do cachorro, a principal diversão da criança.

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As atividades na seção “A linguagem do texto”, ela afirma que o fator

determinante para escolha de uma variedade linguística é a situação real de

comunicação. Questiona então, quais são os prováveis interlocutores do poema e

espera como resposta que os alunos percebam que se trata de determinada região

do país que utilizam a variedade linguística usada no poema.

Na sequência das atividades (p.46), anexo B, seleciona um trecho do poema

e questiona “se o texto tivesse sido escrito conforme as normas urbanas de

prestígio, causaria no interlocutor, o mesmo impacto?”, espera então que o aluno

perceba que certamente não, pois a variedade linguística usada no poema está em

harmonia com o contexto da narrativa e com o interlocutor a que se destina.

Marcuschi (2010, p.16) expressa bem essa ideia ao afimar que “o que

determina a variação linguística em todas as suas manifestações são os usos que

fazemos da língua” . Devem existir, portanto, relações entre escrita e contexto, o que

ocasiona o surgimento dos gêneros textuais, diversas formas de comunicação,

terminologias e expressões típicas de cada ato comunicativo.

Para finalizar a sequência das atividades, Azeredo retrata que o poema

“Pitoco” é um registro escrito da variedade linguística falada em determinadas

regiões do país e que no decorrer dos versos, é possível observar algumas

características fonéticas desta variedade, como “sartando”, “dumingo”,

“divertimento”, “mêis”, “rezá”, “ficô”, entre muitos outros.

Então, ela solicita aos alunos exemplos de palavras em que é observada a

supressão (eliminação) de fonemas, em que ocorre o acréscimo de fonemas, ou

palavras em que possa ser observado um fonema no lugar de outro considerado

adequado pelas normas urbanas de prestígio. Solicita ainda que comentem o que

acontece nos verbos que foram empregados no gerúndio e também que observação

podem fazer com relação ao emprego da concordância com o plural nos versos do

poema.

Nessa atividade, em particular, é interessante ressaltar que há uma exposição

da existência dos metaplasmos e que direciona o aluno a refletir sobre os aspectos

fonológicos identificados no quadro a seguir:

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Metaplasmos Definição Ocorrências no poema “Pitoco”

APÓCOPE queda de um fonema no fim da palavra

natá > natal / pará > parar / os pelote > os pelotes /

capinzá > capinzal / bejá > beijar / entrá > entrar / mortá > mortal /

escapá > escapar / devagá > devagar / podê > poder / iguá > igual /

arraiá > arraial / as criançada > as criançadas / rezá > rezar /

caçá > caçar / podê > poder / cismá > cismar / virá > virar /

adivinhá > adivinhar

ROTACISMO substituição do fonema /l/ por /r/ sartano > saltando / sarto > salto /

sor > sol / sarvá > salvar / sartá > saltar

VOCALIZAÇÃO transformação de uma consoante em vogal gaio > galho

PRÓTESE acréscimo de um fonema no início do vocábulo zóio > olhos

DESNASALIZAÇÃO passagem de um fonema nasal a oral c’os > com os / virge > virgem /

c’o > com o

DITONGAÇÃO formação de um ditongo na palavra mêis > mês / ineis > Inês / veis > vez

MONOTONGAÇÃO simplificação de um ditongo em uma vogal

rôpa > roupa / concência > consciência / bejá > beijar / dorada > dourada /

ficô > ficou / repicô > repicou / pôco > pouco / ôtra > outra

AFÉRESE queda de um fonema no início do vocábulo tava > estava

SÍNCOPE queda de um fonema no meio do vocábulo

qu’eu > que eu / pr’a > para / sartano > saltando / rolano > rolando / dano > dando / fechano > fechando /

fugino > fugindo / mostrano > mostrando / fazeno > fazendo /

quano > quando

NASALIZAÇÃO passagem de um fonema oral a nasal Inté > até / qu’inté > que até

DESPALATIZAÇÃO transformação de um fonema palatal em um oral

lhe > le

EPÊNTESE inserção de um fonema no meio da palavra morde > mode

Quadro 7 – Metaplasmos. Fonte: Gramática Histórica, 2011 (adaptado).

Identificamos vários metaplasmos no poema “Pitoco”, entre eles a ditongação

que pode ser identificado em “mêis”, “ineis”, em que ao fonema /e/ se acrescenta a

semivogal /i/. Trata-se de uma mudança que também aconteceu em galego, francês

e na maioria das variedades do espanhol, também generalizada no português culto

brasileiro e que só não ocorre em algumas variedades do Sudeste-Sul. Nesse

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sentido, seria inadequado usar a grafia “mêis” para representar somente a “fala

popular”, porque a pronúncia ditongada também ocorre na fala dos “cultos”.

Ainda na poesia “Pitoco”, o autor utiliza-se do termo “pará” que constitui

apócope do fonema /r/ (o /r/ final cai). O apagamento do /r/ nos infinitivos caracteriza

também o vernáculo de todos os brasileiros, em que ocorre a simplificação das

conjugações verbais. Também podem ser consideradas apócopes as variantes “os

pelote”, “os amigo”, em que a marca do plural na primeira palavra permanece e

inexiste na segunda.

Isso ocorre devido à tendência da eliminação das marcas redundantes de

plural, já que a regra gramatical econômica e implícita do português não padrão

determina que é necessário marcar uma só palavra para indicar o plural. Essa

eliminação do plural redundante, marcado em geral só nos determinantes: “os

pelote”, “os amigo”, também ocorre nos estilos falados menos monitorados dos

falantes urbanos escolarizados, em situação distensa.

Foi possível encontrar também um fenômeno característico da variedade

rural, o rotacismo, ou seja, a troca do fonema /l/ pelo fonema /r/ – “sartano” no lugar

de saltando. O que acontece, de fato, é que as consoantes /l/ e /r/ são, do ponto de

vista articulatório, parentes muito próximos, o que faz com que elas substituam uma

a outra indiferentemente.

Com a evolução da língua portuguesa, muitas palavras em latim escritas com

/r/, geralmente em encontros consonantais, passaram a ser escritas com /l/, como na

palavra plagia, que em português virou praia, seguindo assim uma tendência natural

de evolução da língua.

Como constatamos, nas atividades, a presença das pronúncias “sartano”,

“sor”, “sarvá”, sabemos que as formas consideradas “certas” são aquelas que

apresentam um encontro consonantal com fonema /l/ e não com /r/. No entanto,

podemos perceber, nas palavras latinas, que o /l/ dos encontros consonantais foram

substituídos, em português, por um /r/. Ex.: blandu > brando, clavu > cravo, duplu >

dobro, flaccu > fraco (COUTINHO, 2011).

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Muitas palavras com /r/ que apresentam rotacismo, estão documentadas em

textos escritos no português medieval, indício de que, em algum momento da

história, elas gozaram de prestígio antes de serem substituídas. Podemos também

ver exemplos retirados do poema épico mais importante da língua portuguesa, “Os

Lusíadas” de Camões, publicado em 1572. “E não de agreste avena, ou frauta ruda”

(Canto I, verso 5); “Doenças, frechas, e trovões ardentes” (Canto X, verso 46); “Era

este Ingrês potente” (Canto VI,verso 47); “Nas ilhas de Maldiva nasce a pranta”

(Canto X, verso 136). Esses poucos versos de Camões nos mostram algumas

palavras escritas com o mesmo /r/ presente no falar rural ou de pessoas não

escolarizadas nos dias atuais.

Podemos concluir que existe desde sempre, na língua portuguesa, uma

tendência a transformar em /r/ os /l/ dos encontros consonantais. Curioso saber que

os sons representados pelos fonemas /l/ e /r/ são parecidos, isto é, são produzidos

pelo nosso aparelho fonador de modo semelhante em pontos próximos dentro da

boca, daí a facilidade de troca de um pelo outro. Existem, também, razões de ordem

fisiológica que não podem ser desconsideradas.

No texto “Pitoco”, temos também a variedade “rôpa” em vez de roupa. Esse

fenômeno da redução do ditongo “ou” em “o” ocorre tanto no português padrão

quanto no não padrão. Isso ocorre por ser a língua falada viva e estar sempre

mudando: o que em latim era o ditongo “au” em português se tornou “ou” e passou a

ser pronunciado apenas “o”. A perda da semivogal nos ditongos resulta em um

processo denominado monotongação. No ditongo /ou/, a monotongação é um

processo muito antigo na língua, desde a evolução do latim para o português

(BORTONI-RICARDO, 2004).

Em relação ao tópico “Para Ler” na página 47, e intitulada “Os sotaques dos

sinais (Libras – Língua Brasileira de Sinais) e variedades linguísticas”, a autora

apresenta textos e atividades exibidos com variedades da língua que apesar de não

serem mencionadas pelo estudo teórico realizado, estão de acordo com a proposta

de inclusão dos Parâmetros Curriculares Nacionais.

Na sequência, “Para ler” (p. 48), afirma-se que Libras (Língua Brasieira de

Sinais) apresenta variedades linguísticas e sugere a leitura do texto “Os sotaques

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dos sinais” para saber como isso acontece. O texto utiliza-se da expressão “palhaço”

(o sinal usado indicava uma bola no nariz, assim como usam os palhaços), utilizado

por uma garota de São Paulo, referindo-se a um rapaz de outra região, que não

entendeu a “gíria” que foi posteriormente explicada pelo contexto da palavra, por

meio de outros sinais. Podemos observar a partir daí que no universo dos deficientes

auditivos de regiões diferentes, há gírias, regionalismos e até o que podemos

chamar de sotaques.

Assim, o texto trabalha com explicação sobre a Língua Brasileira de Sinais e

as variedades linguísticas, e informa que a língua de sinais também registra os

idioletos, ou seja, as maneiras únicas no modo de falar ou sinalizar de um indivíduo.

Diferenças de idade, de escolaridade, maior ou menor contato com a comunidade

surda, tudo isso aumenta a diversidade de sinais.

A riqueza da Libras repousa, justamente, nesses elementos que

chamaríamos extralinguísticos nas línguas faladas, mas que constituem a estrutura

gramatical, semântica e discursiva da língua de sinais: movimentos de sobrancelhas,

jogo de olhares, menear de ombros e de cabeça, "balanço" ao sinalizar, leveza ou

ênfase no movimento, duração do olhar ou do movimento no ar, maior ou menor

amplitude do espaço de sinalização. Ou seja, um universo quase desconhecido para

aqueles que ainda não experimentaram constituir sentidos com palavras-imagens.

Para um olhar mais aprofundado, a autora dispõe de textos sobre Charles

Chaplin (biografia), cinema mudo e mímicos conhecidos. Com uma atividade de

Produção de texto do gênero “glossário”, ela encerra a seção sobre variação

linguística abordada no livro do sexto ano.

Este levantamento das atividades variacionistas e dos metaplasmos no livro

didático desta coleção é para verificar se o uso da língua se adequa aos

determinados tipos de situação e possibilita ao aluno empregar esses diferentes

usos ao contexto mais adequado para produzir o efeito de sentido pretendido.

3.3 Coleção “Português: leitura, produção, gramática”

A terceira coleção, de acordo com o quadro 1, “Português: Leitura,

Produção, Gramática” possui os títulos (6º ano) “Variações linguísticas” –

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Linguagem formal e informal – aplicação nos textos; (7º ano) “Variações linguísticas”

– Gírias - Variedades populares e variedade padrão; (8º ano) “Variações linguísticas”

– Neologismos; e (9º ano) “Variações linguísticas” – Estrangeirismos.

3.3.1 A abordagem dos tipos de variação e o uso dos metaplasmos nos textos

Linguagem formal e informal – 6º ano VARIAÇÃO DIAFÁSICA

Dentro do tópico “variação linguística”, as autoras incluem a linguagem formal

e informal, utilizando-se de dois textos, conforme podemos observar na figura 14,

para representação dos tipos de linguagens. Num primeiro momento, espera-se que

o aluno perceba os traços, as pistas para identificação do tipo de linguagem,

selecionando a variante linguística adequada a cada situação e perceba a

adequação do gênero textual à situação comunicativa.

Figura 14. Textos para comparação Fonte: Sarmento, 2009

Para entender textos como esse é fundamental compreender os componentes

dos gêneros, tanto na forma quanto no conteúdo. Nos textos apresentados pelo livro

didático e disposto acima, podemos perceber gêneros textuais parecidos, mas com

intenções diferentes: notícias sobre o mesmo fato. A intenção primeira é informar de

uma forma divertida e cômica e a segunda revelar os fatos, entendendo que o

gênero responde a condições específicas de uma esfera dada.

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A atividade 4 apresentada “Leia a fonte de cada notícia, isto é, as informações

sobre em que veículo, onde e quando ela foi publicada” explora bem esta condição,

em que os gêneros textuais são constituídos de um determinado modo, com uma

certa função, em dadas esferas, o que nos possibilita reconhecê-lo com

determinadas pistas linguísticas. Em seguida às atividades, ainda na seção sobre

linguagem formal e informal, a autora conceitua esta modalidade de variação.

Linguagem formal é a empregada em situações formais, com pessoas com quem temos intimidade; predomina na escrita. Linguagem informal é a usada quando existe proximidade entre os falantes; predomina na oralidade, mas também é usada em textos escritos mais leve. (SARMENTO, 2009).

Apresenta ainda um texto do gênero “notícia” retirado do jornal “O Estado de

S. Paulo” um trecho do diário apresentado no livro “Caderno de segredos de Lino de

Albergaria” e uma entrevista que o cantor Gabriel, o Pensador concedeu à revista

“Todateen” e solicita, nas atividades, a identificação dos tipos de linguagem

utilizados em cada gênero.

Essa coleção aborda a Variação linguística em todos os anos do ensino

fundamental e no livro do 7º ano o foco é a gíria.

Nas atividades a seguir, a autora utiliza-se do texto “Dongo”, conforme a

figura 15, um quadrinho em que são empregadas várias gírias para refletir sobre

esta modalidade de variação:

Figura 15. Quadrinho para atividade - variação diacrônica.

Fonte: Sarmento, 2009.

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A atividade trabalha as características da linguagem oral como a

informalidade, as gírias, as expressões populares e tem afinidade com as indicações

dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa com relação aos

diferentes usos da linguagem, dependendo de quem fala, com quem fala e do que

se fala.

Uma mesma pessoa ora utilize a gíria, ora um falar técnico (o “pedagogês”, o “economês”), ora uma linguagem mais popular e coloquial, ora um jeito mais formal de dizer, dependendo do lugar social que ocupa e do grupo no qual a interação verbal ocorrer [...] É interação verbal tanto a conversação quanto uma conferência ou uma produção escrita, pois todas são dirigidas a alguém, ainda que esse alguém seja virtual. (1997, p. 22).

Desta maneira, o aluno é levado a compreender diferentes usos que se pode

fazer da fala, dependendo da situação comunicativa. As atividades estão

relacionadas à interpretação e identificação das gírias “dançam”, “me amarrei”; a

expressão “chegar no pedaço”; e ao neologismo “dispensão” criada pelo

personagem.

Apresenta também um texto conceituando gírias como palavras e expressões

utilizadas na linguagem informal e exemplifica que se trata de palavras com o

sentido alterado (ex.: massa para designar “algo muito bom” ou mó, em vez de

“maior”). Ainda completa que, normalmente, as gírias nascem em determinados

grupos sociais, como adolescentes, surfistas, motoqueiros etc., e que algumas

duram pouco e são logo esquecidas, mas outras acabam se incorporando na

linguagem familiar de boa parte da população. Em seguida, por meio do texto “Tá

ligado?”, retoma atividades com as gírias com a proposta de atividade de pesquisa e

produção de texto.

Na seção sobre variação linguística do oitavo ano, a autora trata dos

Neologismos e conceitua “é a criação de uma nova palavra por qualquer um dos

mecanismos permitidos na língua. Também se chama de neologismo o emprego de

uma palavra já existente com sentido diferente do usual” (CEREJA; MAGALHÃES,

2010, p.151). Além disso, o livro didático apresenta o texto “Invendável e

imprestável” do professor Pasquale Cipro Neto, publicado na Folha de S. Paulo.

O exercício para estudar o tema aproveita o texto para fazer interpretação e

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constatar que, com o tempo, os neologismos são incorporados à língua. Embora

haja uma tentativa de inserir questões linguísticas nesse exercício, percebe-se que

não há um objetivo claro e tampouco uma atividade que estimule a reflexão do

estudante em relação à utilização da língua, apenas pede-se que se responda de

acordo com o texto e não fica claro o intuito do exercício, a contribuição para o

reconhecimento da variedade da língua portuguesa e nem em que sentido ele seria

útil para a ampliação da competência comunicativa.

Todos esses aspectos poderiam ser explorados numa atividade como essa,

desde que se especificasse o objetivo de propor diálogos com a utilização de

variantes diferentes e se contextualizasse o ambiente de interação. Nesse caso,

como foi uma proposta vaga e superficial, caberia ao professor criar métodos para

completar e ampliar a discussão sobre o tema.

O “Estrangeirismo” é tratado no 9º ano, a autora utiliza-se do texto publicado

no jornal Estado de Minas do autor Walter Sebastião, “Em defesa da língua” em

que há polêmica em torno do projeto de lei que propõe o combate aos

estrangeirismos no território nacional.

A autora do livro didático, aproveitando o texto que se refere ao projeto de lei

do deputado Aldo Rebelo, solicita aos alunos que pesquisem sobre os

estrangeirismos para verificar o que representam e por que eles são utilizados. A

intenção é chegar à resposta evidente de que se trata do empréstimo vocabular e

que, muitas vezes, não há palavras em português que expressem melhor o que quer

dizer ou por conferir maior prestígio social a quem os usa.

Na sequência das atividades, há duas questões: “se há uso excessivo de

estrangeirismos na língua portuguesa que justifique o projeto de lei” e “se a língua

portuguesa, símbolo nacional, é motivo de orgulho para nós brasileiros”. As

respostas são pessoais, mas de acordo com a sugestão proposta pela autora do

livro didático, espera-se que o aluno perceba que “Não há como controlar os

estrangeirismos ou outras modalidades de palavras no uso da língua que um

determinado povo faz, simplesmente porque a língua tem mecanismos próprios de

funcionamento, que sempre se modificam”. Não dá para engessá-la em leis,

proibições ou punições alheias a sua natureza. Na questão que segue sobre a

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importância da língua portuguesa, espera-se como resposta que “a língua é

elemento de identidade mais importante do que a bandeira nacional”.

Em outra questão, utiliza-se de outro texto que aborda o emprego de

estrangeirismos na língua portuguesa. “What língua is this?” O texto é muito

pertinente nos dias atuais. Muitas palavras estrangeiras saíram do mundo da

tecnologia e da informática. As atividades são de interpretação do texto e dão

margem à reflexão sobre aportuguesar ou não as palavras de origem estrangeiras.

Na sequência das atividades, o preconceito linguístico é abordado com o

texto de Marcos Bagno, com atividades de interpretação. Nas atividades fica

evidente o empréstimo como sinal de vitalidade da cultura da língua em contato com

outras culturas e outras línguas.

É importante ressaltar que do sexto ao nono ano, no título que abre cada

seção da variação linguística, detectamos uma inadequação terminológica: a autora

usa a expressão “variações linguísticas” para se referir às diferentes formas de usar

a língua, no entanto, as múltiplas maneiras de falar a língua são “variedades”, e não

“variações”.

Assim como fizemos na primeira e na segunda coleção de livros didáticos,

fizemos o levantamento dos tipos de variação linguística e identificação dos

metaplasmos nas atividades para verificar se apresenta texto que possibilita uma

discussão sobre variedades linguísticas e a reconhece como riqueza cultural ao lado

de outras diversidades culturais.

Apontaremos, a seguir, as três coleções analisadas de acordo com a

classificação da variação linguística da tabela 1 e como as atividades se

desenvolvem, começando pela análise das atividades que envolvem a variação

diatópica e, na sequência, a diafásica, a diamésica, a diacrônica e a diastrática.

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VARIAÇÃO PORTUGUÊS LINGUAGENS LÍNGUA PORTUGUESA (PROJETO ECO)

PORTUGUÊS: LEITURA, PRODUÇÃO, GRAMÁTICA

DIATÓPICA

As variedades linguísticas Tipos de variação linguística As variedades linguísticas na

construção do texto

A língua viva Para ler: Pitoco, de Abílio Victor / Para ler: Os sotaques dos sinais,

de Sueli Fernandes

Não aborda

DIAFÁSICA Falar bem é falar adequadamente

Para ler: Projeto Variação Linguística no Estado da

Paraíba, Dermeval da Hora – Usos da língua

“Variações linguísticas” Linguagem formal e informal / “Variações

linguísticas” neologismos/ “Variações linguísticas”

Estrangeirismos

DIAMÉSICA Não aborda Para ler: Projeto Variação

Linguística no Estado da Paraíba, Dermeval da Hora

Não aborda

DIACRÔNICA Semântica e discurso Não aborda “Variações linguísticas” Gírias

DIASTRÁTICA Variação linguística e preconceito

social / Norma padrão e variedades de prestígio

Não aborda Não aborda

TABELA 1: Variação nos livros didáticos de Português.

Com a tabela apresentada, constatamos que a variação diafásica foi

abordada em todas as coleções, convergindo com os Parâmetros Curriculares de

Língua Portuguesa, que considera as características e condições do contexto de

produção, ou seja, tem como objetivo levar os alunos a adequarem os recursos

expressivos, a variedade de língua e o estilo às diferentes situações comunicativas:

saber coordenar satisfatoriamente o que fala ou escreve e como fazê-lo; saber que

modo de expressão é pertinente em função de sua intenção comunicativa, conforme

o contexto e os interlocutores a quem o texto se dirige.

A importância da ênfase nos problemas relacionados à variação

diafásica deve ser ressaltado haja vista que essa variação diz respeito à relação

entre os falantes e o contexto da fala e não à ideia de uma língua única, em que

todos são obrigados a falar e escrever conforme a mesma cartilha.

Apresentamos também a tabela 2 que representa um estudo sobre os

metaplasmos nos textos apresentados na seção Variação Linguística nas três

coleções de livros didáticos, registrando as diferenças entre os falares do Brasil

entre contextos sociais e culturais diversificados, buscando superar visões

estigmatizadas em nossa sociedade com a presença de textos que possibilitem um

trabalho mais consistente com a pluralidade cultural.

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METAPLASMOS PORTUGUÊS LINGUAGENS LÍNGUA PORTUGUESA (PROJETO ECO)

PORTUGUÊS: LEITURA,

PRODUÇÃO, GRAMÁTICA

ROTACISMO substituição do

fonema /l/ por /r/

bicicreta > bicicleta / argum > algum / pobrema >

problema / discurpa > desculpa / arto > alto

sartano > saltando / sarto > salto / sor > sol / sarvá > salvar / sartá > saltar Não aborda

PRÓTESE acréscimo de um fonema

no início do vocábulo

alembrá > lembrar donde > de onde zóio > olhos Não aborda

APÓCOPE supressão de um

fonema no fim da palavra

sê > ser / conta > contar / derrubá > derrubar /

pega > pegar / preciá > apreciar / gritá > gritar /

lugá > lugar / coberto > cobertor / esquecê > esquecer

outras infância > outras infâncias chei > cheio / apesá > apesar /

pega > pegar, os copo > os copos / passea > passear / viaja > viajar /

visita > visitar / natá > natal / pará > parar / os pelote > os pelotes /

capinzá > capinzal / bejá > beijar / entrá > entrar / mortá > mortal /

escapá > escapar / devagá > devagar / podê > poder / iguá > igual /

arraiá > arraial / as criançada > as criançadas / rezá > rezar / caçá > caçar

/ podê > poder / cismá > cismar / virá > virar / adivinhá > adivinhar

Não aborda

AFÉRESE supressão de uma forma

no início do vocábulo

tô > estou / tá > está preciá > apreciar tava > estava Não aborda

SÍNCOPE supressão de um fonema

no meio do vocábulo

pro > para o / passanu > passando

qu’eu > que eu / pr’a > para a sartano > saltando / rolano > rolando/ dano > dando / fechano > fechando /

fugino > fugindo / mostrano > mostrando / fazeno >

fazendo / quano > quando

Não aborda

VOCALIZAÇÃO transformação de uma consoante em vogal

véia > velha / paia > palha gaio > galho Não aborda

MONOTONGAÇÃO simplificação de um ditongo

em uma vogal num > não

rôpa > roupa / concência > consciência / bejá > beijar / dorada > dourada /

ficô > ficou / repicô > repicou / pôco > pouco / ôtra > outra

Não aborda

DITONGAÇÃO formação de um ditongo

na palavra nóis > nós fais > faz / avóis > avós / mêis > mês /

ineis > Inês / veis > vez Não aborda

DESNASALIZAÇÃO passagem de um fonema

nasal a oral

homi > homem cas > com as

c’os > com os / virge > virgem / c’o > com o

Não aborda

NASALIZAÇÃO passagem de um fonema

oral a nasal inté > até Inté > até / qu’inté > que até Não aborda

DESPALATIZAÇÃO transformação de um

fonema palatal em um oral XXXXXX lhe > le Não aborda

EPÊNTESE a inserção de um fonema

no meio da palavra XXXXXX morde > mode Não aborda

Tabela 2: Metaplasmos de três coleções de livros didáticos de Português.

É possível que a coleção “Português: leitura, produção, gramática” não

abordou textos com o uso dos metaplasmos para não correr o risco de valorizar o

uso “popular” da língua falada, já que se trata de uma abordagem arriscada,

porque o livro didático é um modelo que as pessoas seguem e o resultado dessa

iniciativa poderia não ser o esperado. Reafirmamos aqui que o sucesso de seu uso

dependerá muito da sensibilidade de cada professor, pois a proposta sociolinguística

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é mostrar que a língua tem variedades, usos distintos. Isso não há como negar ao

aluno. E, quando o diferente é mostrado, abre a discussão necessária para o

aprendizado.

Neste sentido, é nosso propósito poder atender, ainda que discretamente, ao

interesse dos alunos que desejem encontrar respostas para algumas das suas

dúvidas sobre as alterações presentes na língua. Para isso, o professor deve

procurar o seu entendimento por meio da compreensão dos fenômenos da evolução

da língua.

A evolução que a língua sofreu e ainda sofre, desde o Latim até hoje, nos deu

a noção da importância desses fenômenos linguísticos. Podemos observar que essa

evolução faz parte de nosso vocabulário. Desta forma, acreditamos que a

abordagem desses fenômenos pelos livros didáticos, através de tiras de histórias em

quadrinhos, letras de músicas, poemas ou transcrição de conversas, torna mais fácil

a compreensão do aluno e a assimilação do estudo mais prazeroso.

Discutir a língua é também compreender os espaços sociais que cada um

ocupa, não para rotulações ou classificações hierárquicas, mas para perceber que o

homem com sua língua não está fora dos contextos sociais e nem dele pode ficar de

fora.

3.4 Considerações em torno das análises

Os exercícios da coleção “Português Linguagens” exigem pouca produção

textual por parte dos alunos, mas as abordagens são muito variadas, pois ele trata

dos tipos de variação linguística (diatópica, diafásica, diastrática e diacrônica).

Quanto à qualidade dos textos selecionados para a composição da obra,

verifica-se uma presença de textos significativos, de diferentes tipos e gêneros, que

favorecem a reflexão sobre os vários contextos de circulação da escrita (tirinha,

charges, cartum, cantigas, letras de música, contos, anedota e textos informativos

sobre sociolinguística). A obra preocupa-se também com ilustrações, tamanho dos

textos e disposição das atividades, mas não apresenta atividades sobre as

características e os usos que são feitos de textos orais em diferentes espaços

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sociais e também não aborda a importância dos gêneros para a realização da

modalidade oral e escrita.

Apesar de a obra adotar uma perspectiva dedutiva de ensino, buscando

transmitir conhecimentos (definições, explicações) que, posteriormente, serão

aplicados (ou repetidos) pelos alunos em atividades propostas, a presença de textos

que possibilitem um trabalho mais consistente sobre diferenças entre os falares do

Brasil e entre contextos sociais e culturais diversificados, é significativa. Fizemos o

levantamento dos metaplasmos justamente do gênero tirinha de Fernando Gonsales

e da letra de música “Saudosa Maloca” que podem ajudar a superar visões

estigmatizadas em nossa sociedade, com um trabalho de identificação da diferença

e de reflexão sobre a diferença.

Na coleção “Língua Portuguesa”, com a transcrição de uma entrevista e com

o poema “Pitoco” de autoria de Abílio Victor, também ocorre a utilização dos

metaplasmos da língua, possibilitando uma reflexão sobre (os diferentes falares, as

relações oralidade-escrita e a linguagem formal e informal). Merece destaque o

abrangente trabalho com a variação linguística diamésica, diatópica e diafásica.

O tratamento da variação linguística é coerente e evita posturas

preconceituosas em relação aos registros populares ou às falas em contextos

informais ou regionais, apesar de não tratar da variação diastrática e diacrônica.

As atividades da coleção não são exclusivamente baseadas nas rotinas da

prática escolar sedimentada, mas buscam contextualizar as atividades de ensino em

uma situação de uso específica, que prevê finalidades específicas, interlocutores

reais (com o projeto variação linguística do Estado da Paraíba), ainda que esses

estejam também dentro da esfera escolar. A autora consegue unir questões de

compreensão, por meio de atividades práticas, diferentemente dos outros livros

didáticos.

Quanto à qualidade dos textos selecionados para a composição da obra,

verifica-se uma presença de textos significativos que favorecem as relações entre a

fala e a escrita, e desafios diferenciados para o trabalho com a escrita, gêneros

(entrevista, quadrinhos, poema, biografia e textos informativos sobre a

sociolinguística). A obra preocupa-se também com ilustrações, tamanho dos textos e

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disposição das atividades.

A obra adota uma perspectiva que possibilita, nas atividades propostas, a

reflexão, para propiciar a construção de conhecimento, que, posteriormente, será

sistematizado. Propicia, portanto, atividades de análise e de comparação por

diferenças ou semelhanças de diversos objetos, para somente mais adiante concluir

sobre um funcionamento linguístico, uma regra ou um uso da linguagem.

Dessa forma, esta coleção diferenciou-se das demais quanto à significativa

atenção dada à reflexão sobre as características e os usos que são feitos de textos

orais produzidos em diferentes espaços sociais. Esta obra aposta no “aprender

fazendo”, caso em que se propõem atividades ou procedimentos, sem que esses

sejam precedidos por transmissão de conhecimento.

O diferencial da coleção “Português: leitura, produção, gramática” da

editora Moderna está no estudo da variação linguística (diafásica e diacrônica) em

todos os volumes da coleção (6º ao 9º ano). Em relação à variação, ela oferece ao

professor e ao aluno um tratamento equilibrado quanto aos tipos de variação

trabalhada e, adequadamente explorada, a obra tende a identificar a fala com

informalidade e escrita com formalidade, mas também não há atividades sobre as

características e os usos que são feitos de textos orais em diferentes espaços

sociais.

Quanto à qualidade dos textos selecionados para compor a obra, verifica-se

uma presença de textos significativos (gênero notícia em diferentes veículos de

comunicação) para evidenciar a linguagem formal e informal, gênero quadrinho,

texto informativo e notícias. A obra também se preocupa com ilustrações, tamanho

dos textos e disposição das atividades. Evidencia-se ainda, adequadamente, que a

língua apresenta variabilidade em todas as atividades propostas dos livros didáticos

apresentados.

A coleção “Português: Leitura, Produção, Gramática” não apresentou reflexão

sobre as características e os usos que são feitos de textos orais ou escritos com os

metaplasmos da língua. Talvez alguns argumentem que não vale a pena mostrar a

variação onde ocorrem os metaplasmos da língua como outra forma de se

comunicar, para não correr o risco do entendimento de que a escola estaria

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ensinando a forma não padrão. Tal observação é incoerente, pois sabemos que os

alunos têm intuição para perceber as diferenças, e escondê-las seria gerar na

educação o jogo da dissimulação.

A terminologia relacionada à variação linguística está adequada do ponto de

vista teórico na maioria das atividades dos livros didáticos analisados. Detectamos

apenas uma inadequação terminológica na coleção “Português: leitura, produção,

gramática” que usa a expressão “variações linguísticas” para se referir às diferentes

formas de usar a língua, no entanto, as múltiplas maneiras de falar a língua são

“variedades”, e não “variações”.

Encerrando esta análise sobre variação linguística nas atividades dos livros

didáticos, observamos duas constatações importantes. A primeira é que a variação

diacrônica, diatópica, diastrática, diamésica e diafásica convivem, elas não são

características que possam ser aplicadas em separado a alguns textos e não a

outros. A segunda é que qualquer produção verbal é simultaneamente marcada do

ponto de vista diacrônico, diatópico, diastrático, diamésico e diafásico.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o presente estudo, observamos que o ensino voltado para a transmissão

de conteúdo ao lado de julgamentos, classificando o que é certo ou errado no uso da

língua, vem desaparecendo dos livros didáticos, uma vez que seus objetivos têm

acompanhado ou tentado acompanhar as orientações dos Parâmetros Curriculares

Nacionais de Língua Portuguesa.

Notamos que, apesar da evolução dos livros didáticos, a visão crítica e a

postura dos educadores jamais serão dispensáveis, já que eles são os grandes

responsáveis pelo manuseio desses e de outros materiais fundamentais para a vida

dos educandos, que enxergam a escola como uma possibilidade de crescimento

pessoal e intelectual imprescindível para uma educação satisfatória e uma vida

digna.

Defendemos que os livros didáticos, por constituírem um material

frequentemente adotado pelos professores, devem incorporar as pesquisas atuais

acerca do contato com a variação linguística. Desta maneira, o educando tem

possibilidade de compreender a necessidade de aquisição da variedade padrão

mais formal, pois tem o contato com a variação linguística e a identificação de seus

diversos contextos e compreende que todas as variedades linguísticas são legítimas,

próprias da história e da cultura de um povo. Os resultados de nossa investigação

nos mostram que os autores dos livros didáticos tiveram uma preocupação em

contactar com a variação linguística e a identificação de seus diversos contextos foi

um bom ponto de partida.

Um equívoco que diz respeito à prática educacional é acreditar que, por ter

uma visão sociolinguística, não se deva mais ensinar nas escolas a variedade

padrão. De acordo com a Declaração de direitos linguísticos, tal variante segue

sendo a eleita como variedade de prestígio e não ensiná-la constitui um equívoco.

As três coleções de livros didáticos de Língua Portuguesa destacaram-se, em

diferentes aspectos. Cereja e Magalhães, por exemplo, fizeram um excelente

trabalho com textos de diferentes gêneros, abordando conteúdos escolhidos com

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critério, para tratar de assuntos importantes como a variação linguística. O livro

didático de Cristina Azeredo chama atenção por trabalhar a variação diamésica com

um projeto muito conhecido no estado da Paraíba. A obra da Leila Sarmento embora

não tenha explorado todos os campos da variação, trabalha a variação linguística

em todos os anos do ensino fundamental e proporciona que os alunos conheçam de

maneira aprofundada a variação diafásica e a diacrônica.

Ao ensinar a língua por meio de gêneros textuais, caberia, também, ensinar

os gêneros textuais de modalidade oral, retomando o problema apontado na

pesquisa de que apenas um livro didático aborda a variação diamésica com

atividades de interação oral como indicam os Parâmetros Curriculares Nacionais.

É importante ressaltar que a variação diafásica esteve presente nas três

coleções de livros didáticos, acreditamos que para não se criar problemas de

situacionalidade, afinal, a utilização da língua deve corresponder a uma expectativa

discursiva social. Um ponto importante neste tipo de abordagem é que o texto faz

sentido numa situação de interlocução e que nenhum texto tem sentido em si

mesmo, por si mesmo. Todo texto pode fazer sentido numa determinada situação,

para determinados interlocutores.

Em contato com a variação diafásica, o aluno tem de maneira clara que todo

falante nativo faz variação de estilo em sua fala, modificando-a de acordo com o

contexto em que está inserido, com seu interlocutor, objetivo, situação etc., e ao

optar por uma fala ou escrita formal, não pode ser diferente, é preciso que se tenha

clareza dos objetivos de uso, das situações, do interlocutor etc.

Apesar da Sociolinguística apresentar o estudo diacrônico essencial para o

aprofundamento do tema variação linguística, pois prova que as inúmeras formas de

manifestações linguísticas atuais, sejam elas orais ou escritas, formais ou informais,

monitoradas ou espontâneas, são o resultado do processo de evolução da língua, as

obras estudadas hesitaram em abordar a variação diacrônica. Talvez por não

acreditar que o contato do aluno com textos do português arcaico é a maneira mais

concreta de visualização da real mudança linguística, fenômeno incontestável,

porém incompreendido por pessoas que se recusam a aceitar a constante

mutabilidade das línguas.

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Como a variação diamésica foi tratada de maneira bastante irregular nas

coleções, pois apenas uma trabalha com atividades, não foi possível detectar uma

metodologia clara de abordagem desse objeto de ensino nas obras. O máximo que

se pode dizer é que apenas uma delas aposta na “vivência” da oralidade, isto é,

propõe atividades que visam ao uso da linguagem oral em sala de aula. A coleção

“Português Linguagens” apenas conceitua “Oralidade e escrita” e a “Português:

leitura, produção, gramática” não aborda o assunto.

De acordo com os Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa, com a

análise das atividades sociolinguísticas das três coleções de livros didáticos e o

estudo da sociolinguística variacionista, há de se pensar no estudo contemporâneo

da língua, diferente do ensino tradicional, e levar em consideração o conhecimento

prévio do aluno, os conhecimentos extralinguísticos como produtores de sentido e o

respeito às diferenças. Neste aspecto, considerando o livro didático como suporte,

os objetivos dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa podem

ser atingidos.

Importante ressaltar que nenhum livro didático se restringiu a tratar a variação

como sinônimo de variedades regionais, rurais ou de pessoas não escolarizadas,

uma vez que, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, é necessário

efetivamente trabalhar a variação linguística para compreender que determinadas

expressões podem ser apropriadas para certas circunstâncias, mas não para outras,

e que todas as variedades linguísticas são legítimas e próprias da história e da

cultura humana.

As análises do material de ensino comprovaram que o fenômeno da variação

linguística acontece no falar das diversas classes sociais, nos diversos níveis de

escolaridade, e que o processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa das

escolas brasileiras decorre do interesse de profissionais da área em oferecer uma

educação de qualidade, cujo foco é a capacitação de produção de textos escritos e

orais em diversas situações de comunicação, e o livro didático faz parte deste

processo como suporte pedagógico.

Nesse contexto, esse trabalho expôs, por meio da sociolinguística

variacionista, que a música e suas letras, os poemas e atividades com textos orais,

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dão suporte atraente e possibilita inúmeras leituras interpretativas mostrando

costumes, cultura, evolução da linguagem e contrastes sociais.

A música regional, a poesia e os aspectos da fala apresentada por duas

coleções de livros didáticos possibilitaram a realização de leituras e visualizações da

diversidade da língua portuguesa. Nesse sentido, o presente trabalho contribuiu para

possíveis adequações do uso da língua, por meio de um estudo, no qual se

identificou e se descreveu os metaplasmos como as ocorrências de variabilidade da

língua como uma forma para a interpretabilidade do texto, evidenciando a

importância e a necessidade de se compreender a variação linguística, com isso

preservar e difundir os valores culturais.

A partir daí, a Sociolinguística contribuiu para os fundamentos de leitura e

qualificação efetiva da língua, falada e escrita, sem desvalorização da linguagem,

justificando-se, uma vez que a linguagem constitui um dos mais poderosos

instrumentos de ação e transformação social.

Por fim, podemos constatar que, de modo geral, os autores dos livros

didáticos apresentados trouxeram a temática da variação linguística nos textos e

questões respeitando os diversos enfoques da Sociolinguística, possibilitando ao

aluno uma possível ampliação da capacidade de leitura e escrita, sem desrespeitar

outras formas de manifestações linguísticas.

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ANEXO A

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CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português linguagens, 6º ano. São Paulo: Atual, 2010.

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CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português linguagens, 6º ano. São Paulo: Atual, 2010.

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CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português linguagens, 6º ano. São Paulo: Atual, 2010.

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ANEXO B

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AZEREDO, Cristina Soares de Lara. Língua portuguesa, 6º ano. Curitiba: Positivo 2009

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ANEXO C

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SARMENTO, Leila Lauar. Português: leitura, produção, gramática. 6º ano. São Paulo: Moderna, 2009

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SARMENTO, Leila Lauar. Português: leitura, produção, gramática. 6º ano. São Paulo: Moderna, 2009

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SARMENTO, Leila Lauar. Português: leitura, produção, gramática. 6º ano. São Paulo: Moderna, 2009

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SARMENTO, Leila Lauar. Português: leitura, produção, gramática. 6º ano. São Paulo: Moderna, 2009

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SARMENTO, Leila Lauar. Português: leitura, produção, gramática. 7º ano. São Paulo: Moderna, 2009.

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SARMENTO, Leila Lauar. Português: leitura, produção, gramática. 7º ano. São Paulo: Moderna, 2009.

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SARMENTO, Leila Lauar. Português: leitura, produção, gramática. 7º ano. São Paulo: Moderna, 2009.

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SARMENTO, Leila Lauar. Português: leitura, produção, gramática. 8º ano. São Paulo: Moderna, 2009.

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SARMENTO, Leila Lauar. Português: leitura, produção, gramática. 8º ano. São Paulo: Moderna, 2009.

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SARMENTO, Leila Lauar. Português: leitura, produção, gramática. 9º ano. São Paulo: Moderna, 2009.

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SARMENTO, Leila Lauar. Português: leitura, produção, gramática. 9º ano. São Paulo: Moderna, 2009.

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SARMENTO, Leila Lauar. Português: leitura, produção, gramática. 9º ano. São Paulo: Moderna, 2009.

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SARMENTO, Leila Lauar. Português: leitura, produção, gramática. 9º ano. São Paulo: Moderna, 2009.

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CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português linguagens, MANUAL DO PROFESSOR. São Paulo: Atual, 2010.

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AZEREDO, Cristina Soares de Lara, Língua portuguesa. MANUAL DO PROFESSOR. Curitiba: Positivo 2009

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SARMENTO, Leila Lauar. Português: leitura, produção, gramática. MANUAL DO PROFESSOR. São Paulo: Moderna, 2009.

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CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português linguagens, 6º ano. São Paulo: Atual, 2010.

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AZEREDO, Cristina Soares de Lara, Língua portuguesa, 6º ano. Curitiba: Positivo 2009

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SARMENTO, Leila Lauar. Português: leitura, produção, gramática. 6º ano. São Paulo: Moderna, 2009.

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SARMENTO, Leila Lauar. Português: leitura, produção, gramática. 7º ano. São Paulo: Moderna, 2009.

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SARMENTO, Leila Lauar. Português: leitura, produção, gramática. 8º ano. São Paulo: Moderna, 2009.

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SARMENTO, Leila Lauar. Português: leitura, produção, gramática. 9º ano. São Paulo: Moderna, 2009.