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Larissa Loyola Pedroso | 2015 Arquitetura e Urbanismo em Favelas Transformando Histórias Favela do Bugre - São Vicente

Arquitetura e Urbanismo em Favelas Transformando Histórias: Favela do Bugre - São Vicente

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Trabalho Final de Graduação - Dez/2015 Universidade Presbiteriana Mackenzie Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

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Page 1: Arquitetura e Urbanismo em Favelas Transformando Histórias: Favela do Bugre - São Vicente

Larissa Loyola Pedroso | 2015

A r q u i t e t u r a e U r b a n i s m o e m F a v e l a s

Tr a n s f o r m a n d o H i s t ó r i a s

Favela do Bugre - São Vicente

Page 2: Arquitetura e Urbanismo em Favelas Transformando Histórias: Favela do Bugre - São Vicente

Universidade Presbiteriana MackenzieFaculdade de Arquitetura e Urbanismo

Trabalho Final de Graduação

Arquitetura e Urbanismo em Favelas

Transformando Histórias

Favela do Bugre - São Vicente

Larissa Loyola Pedroso

Professora Doutora Denise Antonucci

São Paulo, Novembro de 2015

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L i s t a d e F i g u r a sFigura 1: Lixão irregular lindeiro à Favela do Bugre, São Vicente - SP. Fonte: autoria própria.

Figura 2: Viela da Favela do Bugre, São Vicente - SP. Fonte: Acervo de Matheus Mainardi.

Figura 3: Barraco na Favela do Bugre, São Vicente - SP. Fonte: Acervo de Matheus Mainardi.

Figura 4: Parque Ariel Sharon - vista panorâmica. Fonte: <http://www.latzundpartner.de/en/projekte/postindustrielle-landschaften/hiriya-tel-aviv-il> Acesso em: 01 Set 2015.

Figura 5: Parque Ariel Sharon - lago artificial. Fonte: <http://www.latzundpartner.de/en/projekte/postindustrielle-landschaften/hiriya-tel-aviv-il> Acesso em: 01 Set 2015.

Figura 6: Parque Ariel Sharon - mirante. Fonte: <http://www.latzundpartner.de/en/projekte/postindustrielle-landschaften/hiriya-tel-aviv-il> Acesso em: 01 Set 2015.

Figura 7: Favela de Moravia. Fonte: < https://moraviavideolab.wordpress.com/moravia/> Acesso em: 15 Ago 2015.

Figura 8: Limites do Parque Ambiental de Moravia". Fonte: < http://rolformados.blogspot.com.br/2012/06/morabia.html> Acesso em: 15 Ago 2015.

Figura 9: Limites do Parque Ambiental de Moravia". Fonte: < https://www.medellin.gov.co/irj/portal/ciudadanos?NavigationTarget=navurl://3278d1d4c5f5d4fad8ca5abcfd1d3984> Acesso em: 15 Ago 2015.

Figura 10: CDCM: Centro Cultural Moravia. Fonte: <https://www.flickr.com/photos/picnoleptic/5857050763> Acesso em: 15 Ago 2015

Figura 11: vista panorâmica de Moravia e do Parque Ambiental. Fonte: < http://www.unescosost.org/en/2014/09/28/40-mil-personas-se-beneficiaran-con-invernadero-construido-en-moravia/> Acesso em: 15 Ago 2015.

Figura 12: Escadaria no Bairro de Alfama, Lisboa. Fonte: autoria própria.

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Figura 13: Ortofoto e planta digital. Fonte Conde & Magalhães, 2004, p. 85.

Figura 14: Urbanização Jd. São Francisco. Fonte: Prefeitura de São Paulo , 2012.

Figura 15: Abertura de viário, urbanização Jd. São Francisco. Fonte: Prefeitura de São Paulo , 2012, p. 86.

Figura 16: resultado, urbanização Jd. São Francisco. Fonte: Prefeitura de São Paulo , 2012, p. 86.

Figura 17: Localização e denominação das favelas de São Vicente. Fonte: Siqueira, 2007, p. 171.

Figura 18: Portal da Transparência, Convênios por órgão concedente. Fonte: <http://www.portaltransparencia.gov.br/convenios/ConveniosLista.asp?UF=sp&CodMunicipio=7121&CodOrgao=&TipoConsulta=0&Periodo=> Acesso em 08 Nov 2015.

Figura 19: vista do Bugre para favela do outro lado do Rio do Bugre, no município de Santos. Fonte: autoria própria.

Figura 20: Parque Ambiental Sambaiatuba. Fonte: < http://www.codesavi.com.br/proj_view.php?id=17> Acesso em 20 Out 2014.

Figura 21: Parque Ambiental Sambaiatuba. Fonte: < http://www.codesavi.com.br/proj_view.php?id=17> Acesso em 20 Out 2014.

Figura 22: Situação atual do Parque Ambiental Sambaiatuba, onde existe hoje um lixão irregular. Fonte: < http://www.institutoecofaxina.org.br/2014/09/ministerio-publico-cobra-retirada-de-lixo-do-parque-ambiental-sambaiatuba.html > Acesso em 20 Out 2014.

Figura 23: situação atual do Parque Ambiental Sambaiatuba. Fonte: autoria própria.

Figura 24: situação atual da Unidade de Transbordo. Fonte: autoria própria.

Figura 25: Prédios abandonados. Fonte: autoria própria.

Figura 26: Mapa de Gerenciamento Costeiro da Baixada Santista, Zoneamento Ecológico-Econômico. Fonte: Decreto nº 58.996/2013.

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Figura 27: Zoneamento terrestre. Fonte: (São Paulo [Estado]. Secretaria do Meio Ambiente, 2013, p. 50).

Figura 28: Lei Complementar 271/99 - Uso e Ocupação do Solo. Fonte: Prefeitura Municipal de São Vicente

Figura 29: Favela do Bugre: Situação Atual. Fonte: autoria própria.

Figura 30: Favela do Bugre: Diretrizes urbanísticas. Fonte: autoria própria.

Figura 31: Favela do Bugre: Propostas Urbanísticas. Fonte: autoria própria .

Figura 32: Axonométrica. Fonte: autoria própria.

Figura 33: Perspectiva: acesso da Favela do Bugre à Escola Técnica. Fonte: autoria própria.

Figura 34: Perspectiva: acesso da rua que liga a Av. Sambaiatuba à Escola Técnica. Fonte: autoria própria.

Figura 35: Perspectiva: passarela que liga a Escola Técnica à Favela do Bugre por elevador. Fonte: autoria própria.

Figura 36: Perspectiva: térreo livre. Fonte: autoria própria.

Figura 37: Fachada Noroeste. Fonte: autoria própria.

Figura fundo pg. 10: situação atual do Pq Ambiental Sambaiatuba. Fonte: autoria própria.

Figura fundo pg. 14: janela de um barraco na Favela do Bugre. Fonte: acervo de Matheus Mainardi.

Figura fundo pg. 27: urbanização Parque Boa Esperança. Fonte: Conde & Magalhães, 2004.

Figura fundo pg. 42: foto satélite Favela do Bugre. Fonte: Google Maps.

Figura fundo pg. 54: crianças e voluntária da ONG TETO brincandona Favela do Bugre.Fonte: acervo de Vinícius Kavashima.

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A g r a d e c i m e n t o sÀ professora Denise Antonucci, por todo apoio e ensinamento passados durante o ano de graduação, e a todos os professores que puderam me inspirar e instigar ao longo do curso de Arquitetura e Urbanismo.

À ONG TETO e seus voluntários, amigos de inúmeras visitas às favelas durante os trabalhos realizados na instituição, os quais abriram meus olhos para a triste realidade em que muitas pessoas vivem ainda hoje. Aos moradores que tive o privilégio de conhecer, pessoas batalhadoras e de imensa sabedoria. Em especial à Lola, que sempre nos recebeu como filhos em sua casa durante nossas visitas à Favela do Bugre.

Agradeço aos meus amigos de profissão, que estiveram presentes nos momentos mais críticos, e também nos mais edificantes.

Aos professores Clara Kraft e Satoshi Isono da University of East London, por terem despertado em mim um novo olhar para a arquitetura, mais investigativo e livre de paradigmas.

À minha família e em especial aos meus pais Silvia e Geraldo, por terem me dado o privilégio de estudar, sempre me apoiando nas minhas decisões, e me acolhendo nas incertezas. Em especial ao meu Pai e ao Flavio, que estiveram comigo na etapa final deste trabalho, e cuja ajuda foi fundamental. À minha amiga de infância “Pêra”, por todas as conversas, pela relação tão construtiva, por ter me ajudado a me tornar quem sou hoje.

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S u m á r i o

I N T R O D U Ç Ã O

1 F U N D A M E N T A Ç Ã O T E Ó R I C A1.1 O ESPAÇO GEOGRÁFICO E O CRESCIMENTO DAS CIDADES

1.2 CARACTERIZAÇÃO DAS FAVELAS: O QUE SÃO E COMO SURGIRAM

1.3 FAVELA x ATERRO: EXEMPLOS DE RECUPERAÇÃO AMBIENTAL E SOCIAL

1.3.1 Tel Aviv – Israel

1.3.2. Moravía, Medellin - Colômbia

2 P R O J E T O S R E F E R E N C I A I S2.1 PROGRAMA FAVELA BAIRRO – RJ

2.1.1 Financiamento

2.1.2 Espacialidades

2.1.3 Concurso

2.1.4 Metodologia

2.1.5 Desdobramentos pós Favela Bairro

2.2 JARDIM SÃO FRANCISCO – SP

2.2.1 Contexto Histórico

2.2.2 Políticas Habitacionais

2.2.3 Novas diretrizes

2.2.4 São Francisco Global

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3 F A V E L A D O B U G R E : C O N T E X T O3.1 BAIXADA SANTISTA: URBANIZAÇÃO E DÉFICIT HABITACIONAL

3.2 SÃO VICENTE: PROJETOS JÁ REALIZADOS

3.2.1 Políticas habitacionais

3.2.2 Balanço das intervenções

3.3 MEIO AMBIENTE: MANGUEZAL, RIO CASQUEIRO

3.4 LIXÃO E PARQUE AMBIENTAL: HISTÓRIA

3.5 UNIDADES HABITACIONAIS ABANDONADAS

3.6 ATUAÇÃO DE ONGS

4 F A V E L A D O B U G R E : P R O P O S I Ç Õ E S 4.1 JUSTIFICATIVA

4.2 URBANIZAÇÃO DA FAVELA DO BUGRE

4.3 OBJETO DE PROJETO: JUSTIFICATIVA

4.4 OBJETO DE PROJETO: EDIFÍCIO FINAL

C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S

B I B L I O G R A F I A

A N E X O - D E S E N H O S T É C N I C O S

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I n t r o d u ç ã o

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O presente estudo tem por objetivo analisar diferentes projetos de intervenção urbana em favelas e desenvolver estudo teórico e empírico para a criação de um projeto urbanístico e arquitetônico para a Favela do Bugre, no município de São Vicente, cidade do litoral paulista. Tal projeto deve visar à melhoria na qualidade de vida da população beneficiada, criando áreas de convívio social, melhorando o viário interno, e criando uma Escola Técnica, parte do projeto de requalificação da área onde hoje existe um lixão, que deve atender aos moradores da Favela do Bugre e de seus arredores.

A relevância desse estudo está na importância que vêm assumindo as discussões relacionadas às favelas e aos projetos de intervenção efetuados pelo Estado, que nas últimas décadas passou a encarar o fenômeno da favelização como questão de desenvolvimento urbano1.

É importante também destacar as condições socioeconômicas do município de São Vicente, primeiro povoamento após o descobrimento, cidade litorânea, com potencial turístico subaproveitado. São Vicente possui atualmente diversos problemas de infraestrutura e habitação.

O estudo conta com quatro capítulos, considerações finais e referências bibliográficas:

O Capítulo I faz a introdução do tema, descrevendo o que são as favelas e como surgiram no contexto do crescimento das cidades. Também trata da recuperação ambiental em aterros sanitários;

O capítulo II estuda projetos referenciais de intervenção em favelas, sendo eles o Programa Favela Bairro desenvolvido no Rio de Janeiro, e o São Francisco Global, em São Paulo;

O capítulo III introduz a Favela do Bugre, descrevendo toda a problemática decorrente do surgimento de uma favela junto a um lixão;

1 CORDEIRO, O. Políticas de intervenção em favelas e as transformações nos programas, procedimentos e práticas: A experiência de atuação do município de Embu. São Paulo: Universidade de São Paulo. 2009. p. 28.

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O capítulo IV, por fim, trata das propostas de intervenção urbanística, com a implantação de uma Escola Técnica e revitalização da área do lixão, transformando-o em parque ambiental.

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Figura 1 "Lixão irregular lindeiro à Favela do Bugre, São Vicente - SP"

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C a p í t u l o 1F u n d a m e n t a ç ã o Te ó r i c a

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1.1 O espaço geográfico e o crescimento das cidades

A cidade “(...) tem sido associada a diversos aspectos como: o progresso econômico e social; a promoção da alfabetização e educação; melhoria do estado geral de saúde, a possibilidade de maior acesso aos serviços sociais e equipamentos públicos, a participação na produção e usufruto da cultura, além da participação política e religiosa, entre outros” (Rubio, 2011, p. 9). A história, entretanto, nos mostra que ela também foi palco de desigualdades e condições de extrema pobreza e insalubridade, principalmente pós Revolução Industrial, quando seu intenso crescimento não pôde ser acompanhado de planejamento suficiente.

No Brasil, o processo de industrialização intensificou o crescimento das cidades a partir do século XIX, quando o debate acerca do caos instalado focava nas questões de higiene e controle habitacional, sem identificar que o problema estava na falta de preparo para tamanhas mudanças. Iniciaram-se, no século XX, obras modernizadoras para a reconstrução da cidade, com a expulsão da população de baixa renda para as periferias. Segundo Rubio, “as reformas que propunham adaptar as cidades coloniais às novas exigências da economia, da nova sociedade e de um novo modo de vida, mostraram-se duplamente segregacionistas: pois ao mesmo tempo em que embelezavam e modernizavam as cidades para receber as benesses do progresso, excluíam a população pobre que ali habitava, expulsando e alijando-a do processo de crescimento, empurrando e estimulando a ocupação das encostas dos morros e demais sítios impróprios”.

A atuação do Estado, principalmente durante o governo militar, focava em obras de intervenções na parte rica da cidade, visando a obter retorno financeiro. Eram ausentes políticas públicas voltadas ao problema do déficit habitacional; o transporte e saneamento eram deficientes para a população excluída.

Cresciam em número e tamanho as favelas nos grandes centros urbanos, as quais sofreram intervenções de diferentes políticas públicas ao longo das últimas décadas. Inicialmente

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ocorreu um extenso período de proibições e remoções, sob o argumento de que as favelas eram anti-higiênicas. Mais tarde, na década de 1980, surgiram políticas de urbanização que “(...) demonstram a viabilidade de outro tipo de intervenção, que reconhece o direito de moradia das famílias, com o necessário atendimento pelos serviços de infraestrutura e equipamentos públicos, condições adequadas de habitabilidade e segurança na posse.” (Cordeiro, 2009, p. 28)

1.2 Caracterização das favelas: o que são e como surgiram

Diante da incapacidade do poder público de prover acesso à moradia para todos os cidadãos, e de controlar o crescimento demográfico dentro dos grandes centros urbanos, surge a cidade informal, com seus assentamentos irregulares e precários, onde vive a parcela excluída da sociedade. Esta se vê pressionada pela especulação imobiliária e pelo fenômeno da gentrificação, obrigada a se instalar muitas vezes em áreas de risco ambiental, ameaçando o meio ambiente, a saúde e a integridade destas pessoas.

A habitação irregular pode manifestar-se de diversas formas, entre elas cortiços, loteamentos clandestinos e favelas. Estas últimas tiveram seu crescimento intensificado como consequência de alguns fatores, entre eles: políticas higienistas que demoliam cortiços nas áreas centrais, obrigando a população excluída a ocupar as periferias; crescimento intenso das cidades desacompanhado de planejamento suficiente, com diminuição da oferta de terras.

Mas afinal, o que são favelas? A etimologia da palavra “favela” difere do significado atribuído atualmente, mas explica o seu surgimento. Vem da planta favella, de nome científico , “(...) comum na região da aldeia de Canudos, de onde os soldados do exército brasileiro partiram ao final da batalha de mesmo nome, e foram instalar-se no Morro da Providência no Rio de Janeiro” (Rubio, 2011, p. 31) Segundo a autora, seu significado popularizou-se a partir de meados do século XX, “quando passa a se referir a um ‘habitat’

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pobre, de ocupação irregular e ilegal”.

Existem diferentes atribuições ao significado atual de Favela. Aqui exporemos os mais relevantes a este estudo:

● ONU: Segundo Un-Habitat, programa das Nações Unidas para os Assentamentos Precários, as favelas são “assentamentos que carecem de direitos de propriedade, e constituem aglomerações de moradias de uma qualidade abaixo da média. Sofrem carências de infraestrutura, serviços urbanos e equipamentos sociais e/ou estão situadas em áreas geologicamente inadequadas ou ambientalmente sensíveis”.

● Guimarães [1953, apud (Preteceille & Valladares, 2000)]

O autor enumera as condições que caracterizam as favelas:

“Proporções mínimas - agrupamentos prediais ou residenciais formados com número geralmente superior a cinquenta;

Tipo de habitação – predominância de casebres ou barracões de aspecto rústico, construídos principalmente com folhas de flandres, chapas zincadas ou materiais similares;

Condição jurídica da ocupação – construções sem licenciamento e sem fiscalização, em terrenos de terceiros ou de propriedade desconhecida;

Melhoramentos públicos – ausência, no todo ou em parte, de rede sanitária, luz, telefone e água encanada;

Urbanização – área não urbanizada, com falta de arruamento, numeração ou emplacamento”

Podemos afirmar resumidamente que favelas são áreas com moradias precárias, ocupadas de forma irregular, onde não existe propriedade ou acordo legal de uso da terra,

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em regiões carentes de infraestrutura.

Para o estudo em questão, é válido ressaltar que o surgimento das favelas ocasiona alterações físico-visuais na cidade formal, comprometendo fortemente as atividades relacionadas ao turismo quando essas apresentam tal potencial. É o caso do município de São Vicente, em que as favelas estão em “situação de penúria [...] incompatível com o turismo que, para se desenvolver plenamente, necessita de locais que tenham minimizadas as questões ligadas à violência e aos impactos ambientais, já que o turismo é motivado em grande parte pela necessidade humana de afastamento dos problemas cotidianos”. Siqueira (2007, p.12)

Figura 2 "Viela da Favela do Bugre, São Vicente - SP"

Figura 3 "barraco na Favela do Bugre, São Vicente - SP"

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1.3 Favela X Aterro: Exemplos de Recuperação Ambiental e Social

Por este estudo se tratar de intervenção em uma favela onde existe a problemática do lixo, abrangendo questões sociais e ambientais, faz-se necessário o estudo de projetos referenciais de tratamento e recuperação de áreas contaminadas. Serão aqui analisados dois casos, presentes em dois diferentes países e contextos.

1.3.1 Tel Aviv - Israel

Localizado em Tel Aviv, segunda maior cidade israelense, o maior aterro sanitário do país funcionava em uma área de 450 hectares, sua altura alcançando 60 metros. Suas atividades duraram de 1992 a 1999, até que se decidiu, com urgência, pela sua desativação. Em 2001, a “Dan Municipal Sanitation Association” começou o trabalho de retirada e tratamento do lixo, com a intenção de transformar a área em um grande parque ecológico.

Figura 4 "Parque Ariel Sharon - vista panorâmica"

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Criou-se em 2004 um concurso para escolher o melhor entre 14 projetos paisagísticos, tendo como vencedor o do Prof. Peter Latz. O projeto, denominado Parque Ariel Sharon, iniciou-se em 2007. Ele continha ciclovias, equipamentos para atividades esportivas, lagos e sistema de reaproveitamento de águas pluviais.

Também foi essencial para o sucesso desta transformação a criação de uma grande estação de reciclagem junto a uma unidade de transbordo do lixo. Já o biogás acumulado na montanha, antes um poluente tóxico altamente prejudicial à cidade, passou a ser transportado e utilizado como combustível em uma fábrica nas proximidades. Existem planos de melhoria do parque até 2020, com a construção de um anfiteatro, mirante e diversos observatórios.

Figura 5 "Parque Ariel Sharon - lago artificial"

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Figura 6 "Parque Ariel Sharon - mirante"

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1.3.2 Moravia, Medell in – Colômbia

Para compreendermos o contexto de recuperação social e ambiental do bairro de Moravia, parte erguida sobre montanha de lixo, é necessário estudar a história do seu surgimento. Até a década de 1950, a área onde atualmente se encontra o bairro era coberta por pastagens, quando então surgiram as primeiras construções que o fundaram. Os lotes eram posses de elites locais, que se viram ameaçadas com o deslocamento de pobres e marginais para a região, mudando-se então para a parte sul da cidade. Este movimento acentuou-se com a forte influência do narcotráfico na região de Moravia.

Com o crescimento da cidade para a porção Sul, a partir de meados da década de 1960, o lixo gerado por todos os bairros de Medellín passou a ser despejado em Moravia, inclusive de forma legal a partir de 1977, quando foi promulgado decreto que classificava o lugar como aterro municipal. Em 1984, o aterro foi desativado, e a grande montanha de lixo, localizada na área central da cidade, passou a ser vista como “montanha de ouro” por aqueles que chegavam em busca de oportunidades, ou fugiam da violência bipartidarista. Calcula-se que, em certo momento, havia cerca de 4.000 famílias morando sobre a montanha, sua grande maioria vivendo da reciclagem e da economia informal.

Em meados da década de 1980, Pablo Escobar Gaviria, narcotraficante conhecido como “Capo”, que chegou a tornar-se um dos homens mais ricos do mundo2, teve grande influência em Moravia, ao realizar melhoramentos no bairro e propor planos de moradia para as famílias em situações de maior risco. Houve, nos anos 80 e 90, diversos planos falhos para realocar as famílias que viviam sobre a montanha de lixo e sob constante perigo, principalmente devido a incêndios provocados pelos gases aprisionados na montanha. Somente em 2005 o Governo conseguiu iniciar um plano efetivo e realocou mais de 4.000 famílias. Restam aproximadamente 140 casas na montanha, habitadas por

2 Biografias y Vidas La enciclopedia biográfica en línea. Disponível em <www.biografiasyvidas.com/biografia/e/escobar_pablo.htm>. Acesso em: 02 Nov. 2015

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moradores que resistem à mudança para bairros afastados da região central.

Existe hoje na região um parque ambiental, fruto do projeto “Moravia Flores para a Vida”, realização conjunta da administração pública, de universidades, grupos de pesquisa e habitantes do bairro. Para conseguir a melhora ambiental, foram realizados sistemas de tratamento natural através da utilização de plantas que interceptam a água da chuva e aumentam a evapotranspiração. Também foram utilizados os sistemas de wetlands construídas3, biorremediação, fitorremediação4, entre outros.

Alguns moradores da região têm como forma de renda a jardinagem de plantas ornamentais, que, além de ajudarem a limpar a terra, também são vendidas para turistas que visitam o parque. Estima-se entre 15 e 20 anos o tempo necessário para completa descontaminação da terra.

3 “As wetlands, como o próprio nome diz, são áreas alagadas; na natureza correspondem aos pântanos, brejos e manguezais. As versões construídas imitam esse cenário para utilizar plantas aquáticas no tratamento de águas residuais. Através das raízes, esses vegetais extraem os nutrientes de que necessitam ao mesmo tempo em que filtram os agentes poluidores.” Disponível em <http://respostassustentaveis.com.br/tag/wetland/> Acesso em: 01 Nov 2015. No caso de Moravia, o sistema foi utilizado no tratamento do chorume.

4 Biorremediação consiste em processo que utiliza micro-organismos para reduzir o efeito da contaminação do solo. Fitorremediação, por sua vez, utiliza plantas que convertem poluentes presentes no solo. Disponível em < http://www.unescosost.org/pt/project/moravia-florece-para-la-vida//> Acesso em: 01 Nov 2015.

Figura 7 "Favela de Moravia"

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Figuras 8 e 9 "Limites do Parque Ambiental de Moravia"

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Figura 10 "CDCM: Centro Cultural Moravia"

Figura 11 "vista panorâmica de Moravia e do Parque Ambiental"

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C a p í t u l o 2P r o j e t o s R e f e r e n c i a i s

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2.1 Favela-Bairro

O Programa Favela-Bairro foi criado em 1993 na cidade do Rio de Janeiro pelo GEAP – Grupo Executivo de Assentamentos Precários5, como parte de uma nova política habitacional que incluía seis diferentes programas destinados à regularização fundiária, ocupação de vazios urbanos, reassentamento de moradores de áreas de risco, entre outros6. Esta nova política caminhava no sentido contrário às políticas anteriores, que focavam na remoção das favelas e em reassentamentos dos moradores em novos conjuntos habitacionais. Percebeu-se que essas políticas eram ineficazes e muito dispendiosas, tanto por atenderam a uma porcentagem muito baixa da população favelada, quanto por serem custosas em termos econômicos e sociais. Além de exigir a criação a partir do zero de infraestruturas urbanas em novas áreas, ainda rompiam as relações dos moradores com seu entorno.

Ao contrário, o novo programa possuía como principal objetivo integrar a favela à cidade formal, de maneira que não se percebesse ao certo os limites entre uma e outra, em uma relação de coexistência e respeito mútuo. Para isso, era necessário deslegitimar antigos mitos e preconceitos, como aqueles referentes à população favelada, vista como violenta e negligente, ou à suposta efemeridade da favela. Foi necessário evidenciar que ela não

5 O grupo era composto por titulares envolvidos com a questão da moradia, vindos de órgãos como Secretarias Municipais de Desenvolvimento Social, de Educação, de Fazenda, de Obras e Serviços Públicos, de Urbanismo e Meio Ambiente, IplanRio, Empresa de Urbanização – Rio-Urbe e Procuradoria Geral do Município.

6 Os seis diferentes programas eram: Favela Bairro; Morar Legal (“regularização urbanística, administrativa e fundiária dos parcelamentos irregulares”); Regularização Fundiária (“titulação de terras, (...) incorporação dos imóveis ao cadastro municipal”); Novas Alternativas (“ocupação de vazios urbanos e a recomposição do tecido da cidade, (...) recuperação de vilas e cortiços de bairros centrais”); Morar Sem Risco (“reassentar os moradores de áreas de risco (...) e eliminar o risco de desabamentos ou inundações em áreas habitadas”; Morar Carioca (“financiamento de imóveis em áreas de infraestrutura por meio de cartas de crédito, do estímulo à participação de pequenos e médios empresários na produção de moradias, do apoio à formação de cooperativas habitacionais e da requalificação das áreas comuns dos conjuntos habitacionais degradados”) (Conde & Magalhães, 2004, p. 52).

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é fenômeno provisório, que seus moradores não estão ali apenas por um período de tempo até conseguirem melhores condições para migrarem para a cidade formal; “(...) ao contrário, é relativamente corrente encontrarem-se várias gerações da mesma família no mesmo lugar”. (Conde & Magalhães, 2004, p. 58)

Também combatia a ideia de que a morfologia da favela, quase sempre irregular, resultava em uma área violenta e inóspita, utilizando como exemplo o Bairro de Alfama, em Lisboa: “O bairro português servia como inspiração, e ao mesmo tempo, mostrava ao leigo que não está na forma da favela a causa de seus problemas, mas na ausência do poder público, no abandono.” (Conde & Magalhães, 2004, p. 59). Não só se desmitificou sua forma, ou melhor, suas diferentes formas, como as defendeu e abraçou em cada uma de suas peculiaridades e multiplicidades.

Figura 12 "Escadaria no Bairro de Alfama, Lisboa"

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2.1.1 Financiamento

O programa, que durou de 1993 a 2000, atuou em mais de 150 comunidades, atendendo ao total de mais de 550 mil pessoas, o equivalente a mais da metade da população favelada do Rio de Janeiro. Para isso, contou com recursos de diversas fontes, como o tesouro municipal (nos três primeiros anos, 40% do valor total investido), financiamentos pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e pela Caixa Econômica Federal, e patrocínios vindos de ONGS e da União Europeia. O Programa Favela-Bairro repercutiu internacionalmente em renomadas instituições, como a alemã Bauhaus e a britânica Architectural Association, que trouxeram professores e estudantes para realizarem estudos teóricos e conceituais.

Houve contestações, desde o início, quanto ao valor total investido no programa7, pois focava apenas a cidade informal. O que muitos não enxergavam, porém, é o fato de que a cidade é uma só, e os problemas das duas partes, “formal e informal”, repercutem reciprocamente. A urbanização das favelas, ao criar infraestruturas urbanas, tal como saneamento, e ao retirar famílias de áreas de risco, induziu melhorias ambientais na cidade formal, diminuindo substancialmente problemas como enchentes, alagamentos e acidentes por desmoronamento de encostas.

Também valem ser ressaltados dois dados econômicos resultantes do programa: o valor dos imóveis na cidade formal fronteiriços com favelas beneficiadas pelo programa aumentou em 20% em comparação com aqueles fronteiriços com favelas não beneficiadas, isto é, o programa valorizou também a cidade formal; além disso, “estimava-se que a cada unidade monetária investida pelo poder público os moradores vinham a investir três unidades em suas habitações” (Conde & Magalhães, 2004, p. 83), o que, consequentemente, estimulava

7 “Cabe ressaltar que, antes da formulação da política habitacional e consequente criação da Secretaria Municipal de Habitação, a Prefeitura do Rio investia em moradia para a população carente uma média de R$8 milhões ao ano. (...) Depois, esse montante chegou a uma média anual de R$250 a R$300 milhões” (Conde & Magalhães, 2004, p. 83).

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a economia em toda a cidade.

2.1.2 Espacial idades

Para garantir que os projetos de intervenção respeitassem as pré-existências nas diferentes favelas, suas características espaciais foram estudadas e foi possível definir algumas constantes, tais como: prevalência de áreas privadas sobre as públicas; ambiguidade dos espaços públicos de circulação, lazer e convívio; dimensionamento inadequado do sistema viário, que consequentemente dificultava a implementação dos serviços públicos (por exemplo, a coleta de lixo); e precárias interligações com o tecido urbano (muitas vezes uma grande favela possuía um ou dois acessos).

Ao conseguir melhorar essas conexões com a cidade formal, por meio da multiplicação dos pontos de contato com os sistemas viários e com a instalação de equipamentos públicos que servissem tanto à favela quanto ao bairro, houve uma diluição entre suas fronteiras, o que ajudou a aumentar a autoestima dos moradores da favela.

2.1.3 Concurso

Em relação ao desenvolvimento dos projetos urbanísticos, optou-se por criar um concurso entre diversos escritórios de arquitetura e urbanismo, que deveriam propor soluções “capazes de produzir justiça social, legalidade, qualidade urbana e respeito ao meio ambiente” (Conde & Magalhães, 2004, p. 79). Este método foi criticado pelo Sindicato dos Arquitetos e por segmentos públicos, pois entendiam que o trabalho que deveria ser feito pelos órgãos públicos estava sendo terceirizado. Foi desta forma, entretanto, que se conseguiu movimentar ideias, propondo nova abordagem ao problema das favelas e da cidade como um todo.

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A escolha das primeiras comunidades a serem beneficiadas partiu de algumas diretrizes, entre elas o foco naquelas que garantiriam maior êxito, tanto para não desanimar os moradores, quanto para mostrar bons resultados às forças políticas favoráveis às remoções. Também se optou por escolher comunidades espalhadas pela cidade, para evitar rumores de que o programa beneficiava apenas certas regiões do Rio de Janeiro.

2.1.4 Metodologia

Para a implementação do programa, foram necessários levantamentos aerofotogramétricos das favelas (interessante ressaltar que na época não havia imagens satélites do Google disponíveis), e uma assídua relação entre agentes de intervenção (arquitetos, engenheiros, assistentes sociais etc.) e os moradores, os quais tiveram participação fundamental na elaboração dos planos diretores através de constantes reuniões na própria comunidade. Para garantir melhor diálogo e precisão projetual, os arquitetos trabalhavam diariamente em canteiros instalados in loco.

Após identificadas as principais necessidades e condicionantes, desenvolvia-se o Plano de Intervenção, que era distribuído à comunidade em folhetos explicativos, para, então, após feitas as contribuições dos moradores, iniciar-se a elaboração dos projetos.

Esta complexa etapa certamente encontrou inúmeras dificuldades, visto que era necessário compatibilizar projetos sanitários e viários com o existente na cidade formal. Além disso, não se conseguia avanço simultâneo entre todos os projetos, tais como de reassentamentos, sanitários, viários, dos prédios comunitários e das áreas de esporte e lazer.

Em relação à mão-de-obra, grande parte constituiu-se de moradores da própria comunidade, trazendo como consequência uma visível melhora econômica das famílias. Segundo o arquiteto Manuel Ribeiro, responsável pelo projeto da Favela Serrinha: “As melhoras se davam não apenas nas moradias, mas em seus equipamentos: um novo fogão, uma nova

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geladeira, e também no vestuário dos operários, a envergarem tênis novos, roupas mais bem apresentáveis, tudo que um emprego regular ia permitindo a cada novo pagamento” (Conde & Magalhães, 2004, p. 86).

Figura 13 Ortofoto e planta digital (Conde & Magalhães, 2004, p. 85)

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2.1.4 Desdobramentos pós Favela-Bairro

É sabido que muitas vezes, com a mudança na gestão política de uma cidade, estado ou país, programas são abandonados e interrompidos, não necessariamente por méritos de qualidade ou necessidade destes, mas por disputas político-partidárias.

Segundo Viviane Manzione Rubio, com a mudança na gestão da cidade do Rio de Janeiro, o Programa Favela-Bairro “não foi retomado e as favelas continuaram crescendo em número e em território” (Rubio, 2011, p. 110). Houve alguns projetos e obras parcialmente executados, porém com características muito distintas do Favela-Bairro; percebeu-se uma ênfase maior na atuação política em detrimento da atuação técnica.

A autora acredita que a disputa político-partidária talvez tenha contribuído para esta descaracterização do programa, e defende que “programas como o Favela-Bairro não podem ser entendidos como uma marca ou uma assinatura política e sim como parte de um processo contínuo para além das disputas político-partidárias” (Rubio, 2011, p. 112).

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2.2 Jardim São Francisco

O Jardim São Francisco é um bairro localizado na região de São Mateus, na zona leste de São Paulo, onde se reuniram ao longo dos anos diversas experiências habitacionais, que resultaram, entre outros fatores, em áreas desconexas sem infraestruturas adequadas, gerando áreas remanescentes consequentemente ocupadas irregularmente por assentamentos precários. Com o intuito de solucionar este déficit da área, a Secretaria Municipal de Habitação iniciou, em 2005, um plano que iria integrar e articular os espaços entre si e com a cidade. Este plano nos servirá como referência, pois demonstra que a importância da urbanização de favelas não está somente na criação de conjuntos habitacionais, mas principalmente na articulação entre esses espaços.

2.2.1 Contexto Histórico

Até a década de 1940, a Zona Leste de São Paulo era predominantemente rural, com a existência de fazendas originais da época do Brasil Imperial. Este quadro começou a mudar nos anos 1950, quando São Paulo vivia a 2ª Revolução Industrial. Áreas mais afastadas do centro começaram a ser urbanizadas, dando origem à Região Metropolitana de São Paulo. Por se tratar de região estratégica, que possibilitava o transporte de mercadorias das cidades do interior ao porto de Santos, glebas de fazendas da Zona Leste começaram a ser loteadas. No final dos anos 1960, parte do local, onde se encontra hoje o Jardim São Francisco, foi loteado sem qualquer infraestrutura, como asfaltamento, rede de água e esgoto, coleta de lixo, entre outros. Uma outra porção foi destinada à criação do Aterro Sanitário Sapopemba, que operou de 1979 a 1984, trazendo grandes danos ambientais a toda a região.

2.2.2 Polít icas Habitacionais

Na segunda metade do século XX, com a intensa urbanização e crescimento das cidades, o problema habitacional tornou-se um dos maiores desafios para o poder público. A população operária tinha como alternativas a autoconstrução em loteamentos periféricos,

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os cortiços e as favelas. Surgiram, principalmente na Zona Leste, movimentos populares pró-moradia, que contavam com o apoio de partidos da oposição, partidos clandestinos e pastorais da Igreja Católica.

Até o início da década de 1970, o poder público via as favelas como fenômeno temporário, elaborando inúmeros projetos de remoções. No fim desta mesma década, passou-se a entender as favelas como fenômeno urbano, integrantes da paisagem da cidade. Assim, políticas habitacionais de intervenção começam a ser elaboradas. O Jardim São Francisco foi palco de inúmeros programas de diferentes gestões municipais, resultando em “um bairro desarticulado, desprovido de conexões definidas com a vizinhança e sem centralidades que servissem como referência a seus moradores” (Prefeitura de São Paulo, 2012)

Dentre essas intervenções, podemos citar:

● Programa Promorar Rio Claro:

Em 1982 realocou famílias removidas de diversas favelas, algumas delas localizadas ao longo do córrego Aricanduva, onde foram realizadas obras de retificação. Foram construídos 1299 embriões de um cômodo e banheiro, que poderiam ser ampliados pelos moradores. O programa não contou, porém, com infraestrutura básica, como transporte, calçadas, escolas, policiamento, entre outros. Além disso, o fato de se localizar ao lado do aterro sanitário Sapopemba, ainda em funcionamento na época, gerou constantes manifestações dos moradores.

● Programa de Mutirão e Autogestão:

Realizado entre 1989 e 1992, é considerado um dos mais bem-sucedidos do período.

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Teve influência do Movimento de Habitação Sem Terra Leste I8, e pretendia executar a construção de 5 mil unidades habitacionais, divididas em sete setores. Deste total, apenas 1365 habitações foram realizadas.

A organização da construção era tripartite, contando com a gestão do poder público, de associações comunitárias constituídas pelos futuros moradores, e por entidades de assistência técnica.

No setor 8, onde foi realizado um concurso nacional que buscou “diversidade tipológica organizada em vilas”, o projeto vencedor teve como diretriz o resgate da “valorização de elementos marcantes construídos pelo povo. Tais elementos – a vila, a esquina, a praça – são aspectos inseparáveis e sedimentados na cultura brasileira (...) ao absorvê-los, a equipe buscou romper com formas espaciais impostas de cima para baixo (...)”. O projeto elaborou quatro tipologias diferentes, todas elas com possibilidade de expansão pelos próprios moradores. Ele foi importante por ter provado, segundo Nabil Bonduki, “que é incorreta a visão que associa o mutirão a processos atrasados e arcaicos de construção e a projetos tradicionais”.

Nos setores em que as construções não foram realizadas, houve autoconstrução feita pelas famílias, respeitando o parcelamento dos lotes, e ocupações em forma de assentamentos precários irregulares.

● Projeto Singapura

Iniciados em 1994, os projetos do PROVER – Programa de Verticalização de Favelas, popularmente conhecidos como Singapura, passaram a ser o principal programa

8 “O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra Leste 1 é um movimento criado em 1987 com o objetivo de garantir o direito à terra e moradia às famílias de baixa renda de parte da Zona Leste de São Paulo a partir das lutas intensas na década de 80 nessa região.” Disponível em <http://mstleste1.blogspot.com.br/> Acesso em: 19 Jun 2015.

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para a habitação de interesse social do município. Na teoria, seriam construídos edifícios habitacionais com obras de infraestrutura, saneamento básico e implantação de equipamentos urbanos. Na prática, entretanto, a licitação ocorreu apenas para a construção dos edifícios, resultando em uma intervenção desconexa, sem interligações, com repetição de solução arquitetônica.

● Programa Bairro Legal

Iniciado em 2004, realizou pesquisas e levantamentos a partir de reuniões “in loco” com a população, levantando suas reivindicações, necessidades e opiniões a partir do instrumento do “mapa falado”. Teve como resultado a elaboração do projeto básico para a licitação de obras.

2.2.3 Novas diretrizes

Iniciou-se em 2005 a elaboração do PMH (Plano Municipal de Habitação da Cidade de São Paulo), “com a implantação do sistema de informações habitacionais Habisp (www.habisp.inf.br) e do Sistema de Priorização de Intervenções, com o propósito de integrar ações internas da Sehab nos diferentes tipos de assentamentos precários (favelas, loteamentos irregulares, núcleos urbanizados, cortiços e conjuntos habitacionais irregulares) e definir critérios claros de priorização de intervenções.” (Prefeitura de São Paulo , 2012). O PMH articulou-se também com outros setores do poder público, como o Plano Municipal de Saneamento Ambiental Integrado. Adotaram-se as sub-bacias hidrográficas como unidades de planejamento, nas quais puderam ser definidos perímetros de ação integrada (PAI), totalizando 279 por toda a cidade. Um destes perímetros, denominado Aricanduva 1, abrangeu a região do Jardim São Francisco.

Com a reunião de dados sociais e econômicos para o Aricanduva 1, pôde-se obter

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informações específicas para o Jardim São Francisco, tais como: “Em 2004, 22,4% das pessoas acima de 15 anos eram analfabetas e não frequentavam a escola, e 72% da população total da área não havia completado o Ensino Fundamental”. (Prefeitura de São Paulo , 2012)

2.2.4 São Francisco Global

Com a expansão e desenvolvimento da cidade de São Paulo e dos pontos de conurbação, a região onde se localiza o Jardim São Francisco não pôde mais ser considerada periferia. Obras como a nova Avenida Jacu-Pêssego evidenciaram o aumento de investimentos na Zona Leste, de forma que o antigo projeto de 2004 passou a não fazer mais sentido, necessitando-se assim de uma nova proposta.

Nos primeiros meses de 2005, fez-se esforço para analisar as intervenções já realizadas na área, contando com as considerações da população residente na região. Foram realizadas reuniões que contaram com a presença da diretoria da Habi Leste e de lideranças das glebas; estas, por sua vez, possuíam opiniões discrepantes entre si, resultantes de uma história de sucessivas intervenções fragmentadas. Era necessário esforço para que prevalecesse uma visão global: “de cada núcleo para o bairro como um todo; do bairro para a Subprefeitura de São Mateus; de São Mateus para toda a região da Zona Leste; e por fim, da Zona Leste para sua importância na cidade de São Paulo” (Prefeitura de São Paulo , 2012).

Foi instaurado um plantão de atendimento permanente, que contava com um grupo multidisciplinar (psicólogos, assistentes sociais, engenheiros), para um atendimento mais fácil e direto com as famílias. Esta equipe conquistou a confiança da população e obteve conhecimento mais profundo sobre as particularidades de cada gleba. Com isso, a Sehab foi convidada a participar efetivamente de reuniões periódicas entre as lideranças, agilizando e impulsionando todo o trabalho de urbanização.

Com a conclusão da revisão das propostas de intervenção, iniciou-se o projeto urbano

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intitulado “São Francisco Global”. Ele tinha como principais objetivos a integração urbanística entre os núcleos e deles com a cidade, respeitando as preexistências do espaço, criando melhorias e adaptando o existente. Era necessário um bom planejamento das ações e dos recursos, com bons projetos arquitetônicos e urbanos, e participação ativa das famílias nas definições das ações.

Para facilitar o desenvolvimento das obras, o projeto foi dividido em etapas, beneficiando setores de acordo com os critérios de priorização estabelecidos anteriormente pela Habisp. A primeira delas ocorreu de 2008 a 2010, e constava de intervenções nos núcleos B, C, D, E e F, e da revitalização dos antigos conjuntos Singapura. Os traçados das vias de serviço, que já possuíam largura suficiente para a passagem de veículos, foram mantidos. Novas vias que interligassem os núcleos foram criadas, e os espaços remanescentes tornaram-se praças com playgrounds, mobiliário urbano e áreas de vegetação e arborização.

2.2.4.1 A questão do aterro sanitário

O Jardim São Francisco é o terceiro maior assentamento precário da cidade de São Paulo, e 20% de sua área localizam-se sobre o terreno do antigo aterro sanitário, desativado em 1984. Em colaboração com a SVMA (Secretaria do Verde e do Meio Ambiente) e com a Ecourbis (concessionária responsável pela gestão de resíduos), o plano urbanístico transformou o antigo aterro em parque ambiental. Foram efetivamente construídos apenas uma praça central, sede, quadras poliesportivas e orlas de caminhos9. Entretanto, o projeto conta também com área comercial, avenida com calçadas largas, e interliga, através de corredores de árvores, pequenas áreas verdes e a área livre sob o complexo viário Jacu-Pêssego. Pretende utilizar o sistema wetlands para descontaminação do solo, e aproveitar o gás emitido pelas atividades químicas do aterro como fonte de energia (Prefeitura de São Paulo , 2012)

9 Aterro Sapopemba. Disponível em <www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente/parques/regiao_leste/index.php?p=142855>. Acesso em: 08 Nov. 2015

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Figura 14 Urbanização Jd. São Francisco (Prefeitura de São Paulo , 2012)

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Figura 15 "Abertura de viário, urbanização Jd. São Francisco (Prefeitura de São Paulo , 2012, p. 86)"

Figura 16 "resultado, urbanização Jd. São Francisco (Prefeitura de São Paulo , 2012, p. 86)"

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C a p í t u l o 3Favela do Bugre: contexto

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3.1 Baixada Santista: urbanização e déficit habitacional

A RMBS – Região Metropolitana da Baixada Santista localiza-se na porção sul do litoral do Estado de São Paulo, onde se destaca a existência da “Mata Atlântica”, concentrada nas Restingas, Manguezais e no Parque Estadual da Serra do Mar. É composta pelas cidades de Bertioga, Santos, Guarujá, Cubatão, São Vicente, Praia Grande, Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe.

Com o processo de crescimento da RMBS, que remonta às primeiras décadas do século XX, com a valorização do porto de Santos em função da exportação de café, e, mais tarde, com o ideário desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, com a implantação do polo petroquímico e siderúrgico de Cubatão, iniciou-se a atividade turística na região. A população de classe média da capital e de cidades do interior passou a comprar imóveis no litoral, intensificando o processo de urbanização da RMBS, com a construção de casas e prédios de veraneio.

Em meio a este novo cenário, “cresceu a demanda por novas obras, acabando por atrair, assim como a construção civil de segundas-residências, maior quantidade de migrantes para a região” (Siqueira, 2007). A falta de políticas voltadas para a questão da habitação popular gerou um déficit habitacional altamente custoso ao meio ambiente. Surgiram habitações informais de forma desordenada em locais que deveriam ser preservados, criando situação de risco, tanto para a população, quanto para o meio ambiente.

Em São Vicente não foi diferente. Sua geografia peculiar - possui uma parte insular, a Ilha de São Vicente, separada do continente por inúmeros e extensos canais - criou uma área de difícil escoamento das águas continentais, conferindo à Ilha a dominância de manguezais. Este ecossistema foi intensamente ocupado pela população de baixa renda, como aconteceu no estudo em questão, a Favela do Bugre.

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3.2 São Vicente: projetos já realizados

A partir da tese de Maria Eliza Siqueira a respeito da urbanização da Favela Dique Sambaiatuba10, foi possível verificarmos as políticas urbanas em São Vicente ao longo das últimas décadas. Citaremos neste item alguns projetos de intervenção em favelas já realizados na cidade.

3.2.1 Polít icas habitacionais

As diretrizes da prefeitura estavam, inicialmente, voltadas a responder às exigências imobiliárias, como o processo de verticalização da orla praiana e restrições de uso em determinadas áreas mais valorizadas da cidade (por exemplo, a proibição de construções geminadas na orla marítima, centro e Ilha Porchat). “Verificamos (...) a intervenção do estado, no sentido de ‘expulsar’ para a periferia os habitantes de menor poder aquisitivo, através do domínio do poder público aliado aos empreendedores imobiliários, num processo comandado pelos mecanismos de mercado.” (Siqueira, 2007).

A partir de 1999, com a Lei nº 270 complementar ao Plano Diretor, delineava-se a intenção do poder público de enfrentar a questão da moradia popular, com a criação de instrumentos de política habitacional, visando a urbanizar e regularizar áreas ocupadas clandestinamente. Foram definidas Zonas de Habitação de Interesse Social - ZHIS11, e criadas diretrizes para colocar em prática seu funcionamento, como cadastramento da população a assentar, promoção de discussões com a comunidade sobre as intervenções,

10 “Turismo e Favelas – Necessidades e Possibilidades: o caso da Urbanização da Favela do Dique Sambaiatuba, em São Vicente (Baixada Santista – São Paulo)”. Tese apresentada ao programa de Pós-Graduação em Geografia Humana, do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Doutor em Geografia.

11 “São áreas ocupadas irregularmente com habitações de população de baixa renda, em condições precárias e/ou insalubres, ou que serão destinadas para assentamentos de novas habitações, também para pessoas de baixo poder aquisitivo, que devem ser objeto de legalização da ocupação do solo e regularização específica da urbanização existente, bem como para implantação prioritária de infraestrutura, equipamentos urbanos e comunitários, visando à melhoria das condições de vida” (Siqueira, 2007)

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e criação dos mecanismos legislativos para tornar possível a captação de recursos para o desenvolvimento das intervenções. Criaram-se parcerias com outras esferas do governo, as quais viriam a financiar obras de intervenção, como foi o caso do CDHU (Companhia do Desenvolvimento Urbano e Habitacional), e do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

3.2.2 Balanço das intervenções

Por não haver dados mais recentes sobre a conclusão dos projetos urbanísticos já realizados, iremos nos referenciar em informações que datam do final de 2004, quando a Prefeitura Municipal divulgou um balanço dessas intervenções. Segundo Siqueira:

“Durante os últimos 7 anos, foram atendidas 13.856 famílias em 32 projetos habitacionais. Parcerias entre Prefeitura, Governo Federal, Estadual e 7 cooperativas, proporcionaram investimentos da ordem de R$150 milhões, que beneficiaram 23% da população, 64 mil pessoas. Os dados levam ao número de 6.139 famílias atendidas diretamente com novas

Figura 17 "Localização e denominação das favelas de São Vicente. (Siqueira, 2007, p. 171)"

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moradias, 4.663 famílias que tiveram casas consolidadas com obras de infraestrutura urbana e 3.000 lotes urbanizados”.

Algumas das favelas beneficiadas com esses projetos foram Sá Catarina, Saquaré, México 70 (a maior favela da RMBS, com 30 mil habitantes), e Dique Sambaiatuba. Faziam parte das intervenções a implantação de infraestrutura básica, regularização fundiária, reassentamentos necessários em novos conjuntos habitacionais, entre outros.

A Favela do Bugre, segundo dados de 2010, fazia parte da quarta e última etapa da intervenção, quando seriam construídas 480 moradias, com verba provinda do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS). Claramente, durante inúmeras visitas feitas à favela entre 2013 e 2015, não foi constatada nenhuma intervenção realizada, muito menos a construção de moradias.

Ao realizar pesquisa no Portal da Transparência12, foi possível notar que o convênio com a Caixa Econômica Federal-FNHIS foi excluído em 2011. Fica nítido um verdadeiro abandono até os dias de hoje. A criação de um novo projeto urbanístico para a Favela do Bugre é fundamental.

12 “O Portal da Transparência do Governo Federal é uma iniciativa da Controladoria Geral da União (CGU), lançada em novembro de 2004, para assegurar a boa e correta aplicação dos recursos públicos. O objetivo é aumentar a transparência da gestão pública, permitindo que o cidadão acompanhe como o dinheiro público está sendo utilizado e ajude a fiscalizar.” Disponível em <http://www.portaltransparencia.gov.br/sobre/> Acesso em 08 Nov 2015.

Figura 18 "Portal da Transparência, Convênios por órgão concedente.

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3.3 Meio Ambiente: Manguezal, Rio Casqueiro

Parte da Favela do Bugre localiza-se em área de manguezal, que tem sido prejudicado tanto pela ocupação irregular das famílias, quanto pelas atividades da unidade de transbordo de lixo atualmente existente. Para compreender a importância deste ecossistema, sentimos a necessidade de fazer uma breve introdução acerca de suas características.

Segundo Yara Shaeffer-Novelli, Manguezal é uma zona definida como “ecossistema costeiro, de transição entre os ambientes terrestre e marinho, característico de regiões tropicais e subtropicais, sujeito ao regime das marés”. (Shaeffer-Novelli, 1995). Apesar de não apresentar uma grande variedade de espécies, destaca-se pela variedade de populações que nele vivem. Possui elevada produtividade biológica, sendo considerado como um berçário, ao passo que muitas espécies se deslocam para o manguezal para se reproduzir, ou para seu crescimento na fase jovem. Entre elas, podemos citar camarões, peixes e aves.

O Brasil possui a maior faixa de manguezal do mundo, que se estende desde o litoral do Amapá até Santa Catarina; estima-se, porém, que aproximadamente 25% de sua área tenham sido destruídos e que grande parte do restante esteja vulnerável ou ameaçado de extinção.13

Apesar de existir legislação que regulamenta a preservação dos manguezais, classificados como “Áreas de Preservação Permanente” – APP’s14, inúmeras práticas prejudiciais ao ecossistema ocorrem em sua extensão. São elas: atividades portuárias, pesca indevida, retirada do solo argiloso para produção cerâmica, assentamentos precários irregulares e

13 PNUD. “Brasil agora possui a maior faixa protegida de manguezais do mundo”. Disponível em <http://www.pnud.org.br/noticia.aspx?id=4002>. Acesso em: 09 Jun. 2015

14 “A área de preservação permanente, segundo a Lei Federal nº 12.651/12, é toda aquela constante em seus artigos 4º, 5º e 6º da referida lei, coberta ou não por vegetação geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.” Disponível em < http://licenciamento.cetesb.sp.gov.br/cetesb/app.asp>. Acesso em: 09 Jun. 2015

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construções relacionadas à especulação imobiliária. Ainda segundo Shaeffer-Novelli, o manguezal apresenta condições favoráveis às práticas da pesca e da cerâmica, ao passo que possui oferta abundante de água, muito importante para a indústria. Sua proximidade de portos também é favorável, o que diminui custos de transporte.

Em relação à ocupação dos manguezais de forma irregular na área de estudo, podemos citar Cintia Maria Afonso em seu estudo sobre padrões morfológicos de ocupação na Baixada Santista. Segundo a autora, podem ser identificados diferentes padrões em áreas de expansão urbana15, entre eles o de áreas não-loteadas, que “ocorrem sobre as terras inaproveitadas pela ocupação urbana formal. São áreas íngremes (...) ou áreas inundáveis como os manguezais, e constituem terras de domínio público invadidas pela população de baixo poder aquisitivo”. (Afonso, 2005). Pode-se dizer que este é o caso de parte da Favela do Bugre, que deve ser estudado atentamente, de forma a encontrar o equilíbrio entre a preservação do meio ambiente e as implicações das remoções de assentamentos.

15 A autora identifica três padrões distintos: “área de expansão urbana loteada; área de expansão urbana loteada sem ocupação ou com ocupação esparsa; área de expansão urbana não-loteada” (Afonso, 2005)

Figura 19 "vista do Bugre para favela do outro lado do Rio do Bugre, no município de Santos"

Figura 20 "Parque Ambiental Sambaiatuba"

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3.4 Lixão e Parque Ambiental: História

Um dos principais problemas encontrados na Favela do Bugre é o Lixão irregular situado em sua área perimetral, supostamente desativado em 2002. Seu surgimento data da década de 1970, quando recebia resíduos de diferentes fontes, e chegava a acumular até 17 metros de altura de lixo. Por localizar-se próximo à área de manguezal, contaminar os lençóis freáticos e causar fortes danos a este ecossistema, foi desativado em 2002, como resultado de esforços conjuntos entre a Prefeitura Municipal de São Vicente e a Codesavi16. Para tanto, foi criado o “Parque Ambiental Sambaiatuba”, em um projeto de recuperação da área do lixão, que contava com: espaços de lazer, jardins, horta comunitária, quadras esportivas, parquinho, Escola de Educação Ambiental, incubadora de projetos para antigos catadores, o projeto “Reflorestando o Mangue”, entre outros. Como alternativa para a questão do lixão, foi criada uma unidade de transbordo provisória, onde parte do lixo coletado na cidade ficaria ali disponível para reciclagem pelo período de 2 a 3 horas, para então ser carregado para o Aterro Sanitário Lara, na cidade de Mauá, SP.17

16 “A Companhia de Desenvolvimento de São Vicente - CODESAVI, instituída nos termos da Lei Municipal nº 1.726 de 06/06/1977, é uma Sociedade Anônima de capital fechado” e tem como uma de suas principais atividades o “Gerenciamento das atividades de coleta de resíduos de lixo urbano (domiciliar, seletivo e séptico)”.

17 CODESAVI. Parque Ambiental Sambaiatuba. Disponível em http://www.codesavi.com.br/proj_view.php?id=17 Acesso em 06 Nov. 2014

Figura 20 "Parque Ambiental Sambaiatuba" Figura 21 "Parque Ambiental Sambaiatuba"

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Esta solução funcionou por 10 anos, quando, em 2012, percebeu-se que o lixo começava a acumular, pois os caminhões entravam cheios e saíam vazios. Os moradores da região temeram o que veio a acontecer: a montanha de lixo voltou a existir, criando, uma vez mais, a situação degradante ambiental e socialmente. Após ser multada pela Cetesb, a Prefeitura alegou problemas com a empresa responsável pela coleta. Ainda em janeiro de 2015, a Cetesb interditou por alguns dias o funcionamento da unidade de transbordo, mas, em não sendo criada solução adequada, o problema persiste.

Figura 22 "Situação atual do Parque Ambiental Sambaiatuba, onde existe hoje um lixão irregular"

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Figura 23 "situação atual do Parque Ambiental Sambaiatuba"

Figura 24 "situação atual da Unidade de Transbordo"

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3.5 Unidades habitacionais abandonadas

Outra questão muito intrigante da região são os prédios abandonados em frente à Av. Sambaiatuba. Somam-se no total oito prédios de quatro andares, com doze apartamentos por andar, construídos pela Caixa Econômica Federal, com verba do Programa de Arrendamento Residencial (Par) do Ministério das Cidades. A obra custou R$22 milhões e foi interrompida em 2004, com as obras parcialmente concluídas, quando a construtora pediu falência18. Ocorreu em março de 2013 uma reintegração de posse19, quando mais de 100 pessoas que ocupavam os prédios foram retiradas e levadas temporariamente para o Ginásio de São Vicente.

18 PORTAL G1. Famílias invadem e ocupam prédios abandonados há oito anos no litoral. Disponível em http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2013/02/familias-invadem-e-ocupam-predios-abandonados-ha-oito-anos-no-litoral.html. Acesso em: 04 Nov. 2014

19 Globo TV. Famílias que estavam em prédios abandonados pela Caixa estão em ginásio de São Vicente. Disponível em <http://globotv.globo.com/tv-tribuna/jornal-tribuna-1a-edicao/v/familias-que-estavam-em-predios-abandonados-pela-caixa-estao-em-ginasio-de-sao-vicente/2459494/>. Acesso em: 04 Nov. 2014

Figura 25 "Prédios abandonados"

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3.6 Atuação de ONG’s

Houve, ao longo dos últimos anos, a atuação de diversas entidades na região do Dique Sambaiatuba. Foram desenvolvidos projetos com diferentes enfoques, quase sempre relacionados à recuperação do manguezal e à reciclagem, como educação sanitária e ambiental, e cursos de capacitação profissional, todos envolvendo moradores das favelas da região, alunos de escolas públicas do município e órgãos governamentais. Algumas dessas iniciativas estão inclusas no Programa de Urbanização da Favela do Dique Sambaiatuba, enquanto outras partem de organizações não-governamentais.

A ONG Camará “(...) é uma organização não governamental de São Vicente, que trabalha com jovens, visando à formação de multiplicadores e à participação ativa deles na sociedade” (Siqueira, 2007). O projeto Ecologicamará, desenvolvido entre 2002 e 2006, visou à conscientização ambiental de jovens da região. Conduziu a formulação de projeto paisagístico para os espaços livres no bairro por alunos de escolas públicas da região e moradores da comunidade, e também foi responsável pelo trabalho de conscientização ambiental em relação ao manguezal.

A ONG TETO, atuante entre os anos de 2012 e 2014, especificamente na Favela do Bugre, tem como foco “(...) os assentamentos precários mais excluídos, sendo seu principal motor a ação conjunta de seus moradores e jovens voluntários, os quais trabalham para gerar soluções concretas para uma problemática social que (julgam) prioritária: a pobreza.” (TETO BRASIL). A partir deste modelo de intervenção, construiu neste período o total de 33 moradias emergenciais no Bugre.

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C a p í t u l o 4Favela do Bugre: proposições

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4.1 Justif icativa

A escolha do território parte primeiramente de vivência pessoal durante trabalho desenvolvido na ONG TETO20. Pude conhecer, ao longo de inúmeras visitas à cidade de São Vicente, a Favela do Bugre e suas problemáticas, que envolvem as questões da moradia, extrema pobreza, tráfico de drogas e danos ambientais, visto que está localizada nas margens de um rio completamente poluído, e lindeira a uma unidade de transbordo, onde o presente trabalho pretende intervir, com a construção de Escola Técnica e criação de um parque ambiental.

Durante o trabalho voluntário, em que atuei no setor logístico (distribuição de painéis pré-fabricados de madeira para onde foram construídas as casas emergenciais), tive a oportunidade de elaborar um mapa da favela (através de dispositivo GPS, imagens de satélite e posterior utilização do AutoCad), e perceber, como estudante de arquitetura e urbanismo, as espacialidades, a prevalência de espaços privados (casas) sobre vias e a inexistência de espaços públicos. Senti necessária a intervenção urbanística na favela, com a criação de pequenos espaços de lazer, e o alargamento de vias, para possibilitar a instauração de serviços de infraestrutura, como rede de água, esgoto, luz, coleta de lixo etc.

Além do envolvimento pessoal, julgo ser de extrema importância a discussão acerca da falta de moradia e do surgimento e crescimento dos assentamentos precários, quando 6% da população brasileira, o que corresponde a 11 milhões de habitantes, vivem em favelas21.

20 O trabalho em questão foi o evento TDI-Trabalhos de Inverno, com duração de nove dias em que foram construídas 19 casas emergenciais de madeira.

21 Opera Mundi. “Mais de 820 milhões de pessoas moram em favelas no mundo”.

<http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/3319/mais+de+820+milhoes+de+pessoas+moram+em+favelas+no+mundo+.shtml> Acesso em: 05 Nov 2015

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Apesar de se tratar de um trabalho teórico de graduação, ele deve estar baseado em condições reais do terreno, que possibilitem a intervenção sugerida. Por este motivo, foi imprescindível analisar a legislação vigente.

A Favela do Bugre e a área do lixão estão definidas, conforme Lei Complementar nº 27022, como Área de Recuperação Ambiental – RA: “são áreas que apresentam os ecossistemas primitivos profundamente modificados pela supressão de componentes, descaracterização de substratos terrestres e marinhos, alteração da drenagem ou da hidrodinâmica e pela ocorrência de assentamentos em locais inadequados, necessitando de intervenções diferenciadas para sua regeneração parcial; são áreas contaminadas por resíduos tóxicos, degradadas por mineração e áreas de mangues alteradas por assentamentos urbanos, cujas condições de implantação das atividades e categorias de uso serão definidas após avaliação do estágio de recuperação de cada área, levando-se em consideração o grau de degradação e o uso pretendido”.

22 Disciplina o Uso e Ocupação do Solo do Município de São Vicente. Proc. n.º 44091/99

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Conforme mapa acima, é uma área classificada como Z5, a qual corresponde a:

Figura 26 "Mapa de Gerenciamento Costeiro da Baixada Santista, Zoneamento Ecológico-Econômico – Decreto nº 58.996/2013"

Figura 27 "Zoneamento terrestre (São Paulo [Estado]. Secretaria do Meio Ambiente, 2013, p. 50)"

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Por fim, quanto às restrições de uso e ocupação do solo, devemos analisar a tabela abaixo:

Fica claro que é uma área degradada, com a existência de assentamentos urbanos, porém sem restrição direta quanto aos tipos de atividades e categorias: os usos são definidos após avaliação do estágio de recuperação de cada área pela COPLADI – Comissão Técnica de Acompanhamento do Plano Diretor.

Cabe, então, com os devidos argumentos e justificativas, propor a intervenção na Favela do Bugre e a transformação da área do lixão em parque ambiental com a implantação de uma Escola Técnica.

Figura 28 "Prefeitura Municipal de São Vicente, Lei Complementar 271/99 - Uso e Ocupação do Solo"

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4.2 Urbanização da Favela do Bugre

Com base em análises de projetos urbanísticos já colocados em prática, como é o caso das intervenções do Programa Favela-Bairro, foi possível identificar alguns princípios norteadores, imprescindíveis na urbanização da Favela do Bugre:

• Estruturação do sistema viário: A existência de vielas sem saída e muito estreitas impossibilita a instalação e manutenção de infraestrutura básica;

• Necessidade de criação de áreas de convívio e lazer, como praças e playgrounds em pontos estratégicos da favela;

• Remoção de casas para permitir o alargamento das vias;

• Remoção de casas em áreas de risco, como é o caso das palafitas e das casas instaladas no manguezal, as quais conferem perigo aos moradores e ao meio ambiente;

• Criação de ciclovia lindeira ao rio, de forma a qualificar o espaço, apresentar alternativa de transporte e impedir expansão das casas em direção ao rio, fenômeno que ocorre hoje no local com o aterramento do mesmo;

• Desativação da unidade de transbordo e criação de um parque ambiental, com a implantação da Escola Técnica e de outros equipamentos urbanos, como creche, escola de ensino fundamental, unidade de pronto-socorro, entre outros;

• Possível realocação das famílias removidas em um dos prédios residenciais abandonados, localizados em frente à comunidade.

A partir destes princípios norteadores, foram criados os mapas a seguir, os quais identificam as potencialidades, deficiências e condicionantes, propondo diretrizes para a intervenção.

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Figura 29 "Mapa de elaboração própria"

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Figura 29 "Mapa de elaboração própria" Figura 30 "Mapa de elaboração própria"

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Figura 31 "Mapa de elaboração própria"

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4.3 Objeto de Projeto: justif icativa

Viviane Manzione Rubio, ao estabelecer os “princípios norteadores” no processo de urbanização de favelas, defende que “(...) o planejamento das ações e intervenções em assentamentos precários deve ter como objetivo dotar as favelas das estruturas e infraestruturas urbanas inexistentes e potenciais, dos equipamentos e espaços públicos que integram o cidadão ao local, (...) proporcionando a sustentabilidade física do conjunto edificado e social da população residente” (Rubio, 2011).

No caso da Favela do Bugre, localizada no bairro do Jóquei, na parte norte do município e a 3 quilômetros do centro, sentiu-se necessária a inserção de um equipamento de educação profissionalizante, o "BUGRETEC", o qual deve ser utilizado tanto pelos moradores da comunidade e do bairro, quanto pela população do município. Foi constatado um déficit neste tipo de equipamento na cidade de São Vicente, havendo apenas uma escola técnica, afastada do bairro do Jóquei e com limitado número de vagas.

Em relação ao tipo de educação profissional ofertada, podemos utilizar o definido a seguir, presente na pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em pareceria com o Senai, “As razões da Educação Profissional: Olhar da Demanda”:

“Curso de Qualificação Profissional: o curso de qualificação profissional (também chamado de curso de formação inicial e continuada ou curso livre ou básico) é qualquer curso de formação para o exercício de uma atividade profissional.

Os cursos de qualificação profissional podem ser ofertados em escola ou outro tipo de instituição (...), têm duração variável, conferem certificado de participação, podem ser oferecidos em todos os níveis de escolaridade e, dependendo do tipo, realizados sem exigência de escolarização. Propõem-se a qualificar o profissional para o trabalho, não tendo o objetivo de aumentar o seu nível de escolaridade.Figura 31 "Mapa de elaboração própria"

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São exemplos de cursos de qualificação profissional: informática; idioma; corte e costura; culinária; massagem terapêutica; secretariado; manicuro; pedicuro; cabeleireiro; garçom; cozinheiro; guia turístico; pedreiro; decoração de bolos; maquiagem; instrumentador cirúrgico; etc” (Neri, 2012, p. 11).

Como complemento à escola proposta, decidiu-se inserir no edifício uma área esportiva, com quadras poliesportivas e salas de educação física, onde podem ser ministradas aulas de dança, artes marciais etc. Acredita-se que desta forma é possível tornar o edifício mais acessível sob a ótica de seus usuários, inserindo assim a lógica da integração e socialização. A área esportiva pode atuar como um chamariz aos jovens das favelas da região, de certa forma vulneráveis às tentações de ascensão que a criminalidade e o tráfico de drogas oferecem. 23

Sobre os cursos profissionalizantes, foram definidos sete tipos: hotelaria, assistente administrativo, turismo, redes elétricas inteligentes, soldagem e serralheria industrial, climatização e refrigeração, e tecnologia da reciclagem, os quais teriam a duração de 3 a 4 meses. A escolha dos cursos está atrelada a diversos fatores, entre eles o clima litorâneo, o turismo presente na cidade praiana, a revitalização da área transformada em parque ambiental, entre outros.

23 Segundo o artigo “Rompendo com a criminalidade: saída de jovens do tráfico de drogas em favelas na cidade do Rio de Janeiro”, a perspectiva de ganhos econômicos e o desejo de bens e consumo estão entre os principais motivos de entrada de jovens no tráfico.

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O edifício final é composto por dois blocos conectados por passarelas. O primeiro possui a parte administrativa, biblioteca, algumas salas esportivas e oficinas e laboratórios dos sete cursos profissionalizantes. Já o segundo bloco é composto por duas quadras cobertas poliesportivas e um auditório.

O térreo livre é um convite à criatividade e inserção de atividades diversas. Possui uma grande área plana, mas também se dá em outros níveis, conectados por escadarias também passíveis de apropriação da população. Para garantir acessibilidade adequada, existe uma conexão em rampa entre o térreo e a parte mais alta, onde será implantado o parque, e uma conexão por bloco de escadas e elevador conectados a uma passarela, para o acesso entre o edifício e o nível mais alto da comunidade.

4.3 Objeto de Projeto: edif ício f inal

Figura 32 "Axonométrica"

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Figura 33 "Perspectiva: acesso da Favela do Bugre à Escola Técnica"

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Figura 34 "Perspectiva: acesso da rua que liga a Av. Sambaiatuba à Escola Técnica"

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Figura 35 "Perspectiva: passarela que liga a Escola Técnica à Favela do Bugre por elevador"

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Figura 36 "Perspectiva: térreo livre"

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Considerações f inais

A presente pesquisa buscou compreender o contexto do surgimento das favelas nas cidades e estudar sua existência sob a ótica do Estado, com a mudança nas políticas governamentais ao longo das décadas; analisou projetos referenciais de intervenção em favelas em grandes centros urbanos, como a cidade do Rio de Janeiro e a RMSP - Região Metropolitana de São Paulo, para então desenvolver um projeto urbanístico para o estudo de caso: a Favela do Bugre, no município de São Vicente.

Ela transita entre questões históricas, socioeconômicas, urbanas e ambientais, criando uma análise conjunta destes fatores, de forma a permitir a melhor compreensão do problema e uma possível proposição da solução. A proposta final, caracterizada pela urbanização da Favela do Bugre, implantação de Escola Técnica e revitalização na região do lixão, transformado em parque ambiental, se justifica pertinente por diversos fatores. Primeiramente, são comuns casos de assentamentos precários junto a aterros sanitários ou lixões, criando condições impraticáveis e extremamente prejudiciais para a civilidade, saúde, e autoestima da população. Referência de recuperação ambiental e social, o projeto “Moravia Flores para a vida” em Medellín – Colômbia evidencia a possibilidade de solução para este tipo de problema.

Além disso, a questão ambiental é crítica e se encontra em situação limítrofe. O lixão contamina a região dos manguezais, importante ecossistema da costa brasileira, e consequentemente o rio do Bugre, hoje completamente poluído. Necessário ressaltar também a contaminação consequente da atividade humana, com a falta saneamento adequado na Favela do Bugre.

Quanto à urbanização da favela, essa se torna necessária quando se acredita que a remoção não é viável, tanto por se tornar muito onerosa ao Estado, quanto por afastar a população de suas origens, cultura e fonte de renda. Por isso, a urbanização é pensada com a ampliação e melhoria do sistema viário, implantação de infraestrutura básica,

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criação de áreas de lazer, e remoção de moradias em áreas de risco, como é o caso das palafitas sobre o rio, e das casas em área de manguezal.

O equipamento instalado junto à Favela do Bugre, “Escola Técnica integrada ao esporte” onde hoje existe o lixão, é justificado por dois fatores: a baixa oferta de estudo profissionalizante na cidade, e a criação de oportunidades para a população da região, principalmente os jovens, vulneráveis a adentrar no mundo da criminalidade e do tráfico de drogas, este fortemente presente nas favelas.

Por fim, acredita-se ser necessário um olhar mais atento às favelas. Além de apresentarem condições impraticáveis ao ser humano e ao meio ambiente, devem crescer em número e tamanho com a incapacidade de planejamento suficiente do Estado. Segundo relatório das Nações Unidas, “O mundo terá 3 bilhões de pessoas vivendo em favelas em 2050 caso não haja ideias para enfrentar a rápida urbanização. Hoje, 1 bilhão de pessoas vivem em locais sem infraestrutura e serviços básicos como saneamento, energia elétrica e saúde.” 24

24 Dados provenientes do relatório “Pesquisa Mundial Econômica e Social 2013”. (ONU, 2013)

Figura 37 "Fachada noroeste"

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A n e x o : D e s e n h o s T é c n i c o sB U G R E T E C - E s c o l a T é c n i c a I n t e g r a d a a o E s p o r t e

IMPLANTAÇÃO COBERTURA

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IMPLANTAÇÃO TÉRREO

PLANTA 1 PAVIMENTO

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PLANTA 2 PAVIMENTO

PLANTA 3 PAVIMENTO

PLANTA 4 PAVIMENTO

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PLANTA 5 PAVIMENTO

AMPLIAÇÃO

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CORTE BB'

CORTE AA'

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ELEVAÇÃO 1

ELEVAÇÃO 3

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ELEVAÇÃO 4

ELEVAÇÃO 2

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