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401
R E S U M O Apresentamosoresultadodeumtrabalhoefectuadoemlaboratório,tendoporbaseum
conjuntodeartefactoslíticosrecolhidonaprospecçãodesenvolvidanosterraçosfluviaisda
margemsuldorioZambeze,noanode1955,ouseja,durantea6.ªeúltimacampanhada
MissãoAntropológicadeMoçambique(MAM),daantigaJuntadeInvestigaçõesdoUltramar
(JIU),peloProf.Santos Júnior.Esteselementosmateriaisencontram-sehojenoacervodo
Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT), para onde foram transferidos pela
autora, de acordo com aquele professor, para poderem ser analisados. A área em estudo
correspondeaumtipodeestaçõesdenominadasde“arlivre”,localizadasnazonadoPanhame
(queétambémonomedeumafluentedamargemsuldoZambeze)naprovínciadeTete,a
saber: Samuane, Inhacaíua, Mater de Chevula I, Inhacurungo, Nhamezinga, Chinduta e
RamaldeCarinde.Osresultadosobtidosassinalamosaspectosdaevoluçãotecnológicado
géneroHomo aolongodoPlistocéniconaquelaregião, cujaestratégiadetalheterásidoapre-
endidapelassucessivasgerações:proporcionando-lhesasobrevivênciaeodesenvolvimento
deumequipamentoquepermitiuexplorardeummodocontinuadoosrecursosdoecossis-
temanocontinenteafricano;alémdedeixarmaisalgumaspistasparaoestudodacultura
materialdaIdadedaPedranoterritóriodeMoçambique.
A B S T R A C T Wepresenttheresultoftheresearchundertakeninthelaboratoryonasetof
stoneartefactscollectedintheriverterracesonthesouthernbankoftheZambeziRiver,in
1955,duringthe“6.ªCampanhadaMissãoAntropológicadeMoçambique”(MAM)(the6th
and lastcampaignof theMozambiqueAnthropologicalMission)of the former“Juntade
InvestigaçõesdoUltramar”(JIU)(OverseasResearchInstitute)byProf.SantosJúniorandare
held today in the “Instituto de Investigação Científica Tropical” (IICT). The studied area
Artefactos líticos das “estações” dos terraços fluviais da margem sul do rio Zambeze – província de Tete, Moçambique: uma primeira abordagem
MARIAdACONCEIçãOROdRIgUES*
REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 1. 2007, p. 401-482
Maria da Conceição Rodrigues Artefactos líticos das “estações” dos terraços fluviais da margem sul do rio Zambeze – província de Tete, Moçambique: uma primeira abordagem
REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 1. 2007, p. 401-482402
yieldedasetofwhatcanbedefinedas“open-air”archaeologicalsites,locatedinthePanhame
area(alsothenameofatributaryoftheZambeziRiver),ProvinceofTete,namely:Samuane,
Inhacaíua,MaterdeChevulaI,Inhacurungo,Nhamezinga,ChindutaandRamaldeCarinde.
TheresultsdocumentthetechnologicalevolutionofthegenreHomothroughthePleistocene
inthatregion,whoseflakingstrategywouldhavebeenapprehendedbysuccessivegenera-
tionsenablingthemtosurviveanddevelopasetoftoolstoexplorecontinuouslytheavaila-
bleresourcesintheAfricancontinent;besidesleavingsomecluestothestudyoftheStone
Age’smaterialcultureinMozambique.
1. Introdução
Propomo-noscomonossoestudocontribuirparaoconhecimentoevalorizaçãodeaspectosdo longopassadodoHomemnoterritóriodeMoçambique, tendocomobaseumconjuntodeartefactoslíticosprovenientesdeseteestações,asaber:Samuane,Inhacaíua,MaterdeChevulaI,Inhacurungo, Nhamezinga, Chinduta e Ramal de Carinde, localizadas, em 1955, nos terraçosfluviaisdamargemsuldorioZambeze,duranteasextaeúltimacampanhadaMissãoAntropoló-gicadeMoçambique(MAM),peloProf.SantosJúnior.
AinformaçãodisponívelsobreaIdadedaPedranoterritóriodeMoçambiqueéactualmentevastaemtermosderegistosefoisendodesenvolvidaaolongodoséculoXX.Olimiardasactivida-des de investigação no campo da Antropologia e Arqueologia teve lugar após a análise críticaquantoaoatrasodaexpansãodo“cientismo”(MendesCorrêa,1936inPré-História de Moçambique—Um plano de Estudos)noespaçoqueemÁfricavinhasendomantidosobaautoridadedoEstadoPortuguês,provavelmentepordificuldadesvárias,nomeadamenteasfinanceiras,parafomentaresseinteressepelopassadodoHomemafricano.
Apósalgumasrecolhasocasionais(Rodrigues,1992p.13-14),foicomostrabalhosdesenvol-vidosnochamadoPeríodoColonial,maisprecisamentenoâmbitodaMissãoAntropológicadeMoçambiqueiniciadaem1936,dirigidaporSantosJúnior,quenasceuapráticadeumtrabalhocontinuadodeinvestigação,aqueficouadever-sealocalizaçãodediversasestaçõesarqueológicas,comrecolhademateriaisemáreasatéaídesconhecidas,nomeadamentenapartemoçambicanadabaciadoZambeze,equevieramdepoisaseralvodecontinuidadedosestudos.
Numaperspectivadeanálisedepovoamento,eutilizandocomoelementodecomparaçãoosartefactos líticos provenientes de horizontes crono-culturais aceites e consagrados nos estudosarqueológicos, muito embora sem a realização de novos trabalhos de campo, vamos utilizar aterminologiaeametodologiaquemelhorseadeqúeaoestudodoselementosmateriaisrecolhidosnas“estações”referenciadas.
Procurou-seefectuaraclassificaçãotipológicadoconjuntodeartefactoslíticosquechega-ramaténós,osquaiscorrespondemaperíodosemqueavidasebaseavainicialmenteemactivida-despredadorasenacolecta.Paraasuacaracterização,iremosaprofundarotrabalhoaoníveldosartefactos dominantes, como sejam os “choppers”, “chopping tools” (segundo a terminologiacorrenteanglo-saxónicaparaaÁfricasubsaariana),emqueosraspadoressãonumerososeapre-sentamigualmentediferentesmorfologias,e,também,procurarparalelosparaasindústriasempresença.
Osdadosqueanossaanálisepermiteobterconstamdosquadrosdescritivos,bemcomodosgráficosquantitativosequalitativos,apartirdosquais,esegundoanossaperspectiva,umabasededadosfoiconstruídaparaposteriordesenvolvimentodosestudos.
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Maria da Conceição Rodrigues
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2. Ambiente geográfico
2.1. Localização
Oquadronatural,relativamenteaestaregião,encontra-sehojecompletamentealterado,porsesituarnumaoutrarealidade,istoé,dentrodaáreaderegolfodabarragemdeCahoraBassa(Fig.1).
Fig. 1 LocalizaçãodasestaçõeslíticasdosterraçosfluviaisdamargemsuldorioZambeze.
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Ossítiosemestudo localizadosnamargemsuldoZambeze, encontravam-sedistribuídosdesdeosterraçosdorioInhacurungo(margemOeste)(talcomofoireferidoporSantosJúnior),ouNhangurungo(segundoacartadaJIU),aosdoPanhame,doZambezeejuntoaoRamalparaoCarinde(paraEste),naprovínciadeTete.Nãosetornapossíveldeterminarascoordenadasexactasdecadaestação,masasualocalizaçãoaproximadafoiavaliada:localizam-senafolha2dacartadeMoçambiquenaescalade1:250000(Fig.1’).
ÉdereferirquenomapadodistritodoZumbode1890,coordenadopelodr.ManuelLacerdaepelogovernadordaqueledistrito,oTenenteLuísInácio,orioacimareferidosurgegrafadocomadesignaçãodeInhacurungo,aqualdeverácorresponderaonomelocalmenteatribuído(Fig.2).
Fig. 2 PormenordomapadodistritodoZumbode1890,ondesurgereferidoorioInhacurungo(segundoManuelLacerdaeLuísInácio).
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2.2. Caracterização da área
Todasas“estações”seintegramnabaciadorioZambeze,ecorrespondemaumtipodenomi-nadade“arlivre”1.EstãosituadasnoterritóriodeMoçambique,maisprecisamentenasuazonamaisamontanterelativamenteàcostadoÍndico,erevelaramapresençahumananaquelaregiãodaÁfricaOrientalAustral.
Essapresençaevidenciou-sepelosdiferentestiposdeartefactos líticostalhadosencontradosjuntodegrandeconcentraçãodeseixos,queresultaramdadeposiçãomaisoumenosescalonada,queseforamacumulandoemterraçosdeformaçãoantigaexistentesaolongodassuasmargens(Fig.3).
Esteconjuntodeartefactos líticosserá talvezdosmaisantigosrecolhidosrelativamenteàpresençahumananaquelaáreadovaledoZambezeenoâmbitodaMAM.
2.3. Enquadramento geológico
Ocontextogeo-arqueológicoemqueosartefactoslíticosseincluíamédepósitosdeorigemfluvialconstituídosporníveisdeareiaeirregularesextensõesdecascalheirasdegrandes,médiasepequenasdimensões.
Emtermosgeológicos,ossedimentosdoQuaternárioocupamimportantesáreasnocursoinferiordorioZambezeeosseixosdosocoPré-Câmbricoprovenientesdeáreasfluviaisforam-sedepositandonosterraços.Osterraçossãonarealidadedepósitoscoerentes/incoerentes,dispostosdeumedooutroladodoleitodosprincipaisrioseadiferentescotasemrelaçãoaoleitodeestia-gem,sendodesalientarosexistentesaolongodoZambeze,ondeatingiramumacotamáximade100m.EstadesignaçãoresultadadivisãodoQuaternárioemunidadeslitoestratigráficas,sendoos“terraços“umadessasunidades(Afonso,1976,p.119).
Fig. 3 AspectodascascalheirasdosterraçosderiosdamargemsuldoZambezeemqueseidentificamalgunsdosartefactosrecolhidos—abengalatem82cm(fotodeSantosJúnior,1955).
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OsterraçossãodatadosdoPlistocénicoInferioreMédio(Afonsoetal.,1998,p.80),oqueconstituialgumalimitaçãoàclassificaçãodoselementosmateriaisarqueológicosexumados,inde-pendentementedesepoderestabelecerumacorrelaçãocomtaisformações.Osriosacimareferi-doscortamasformaçõespré-câmbricasedoKarroo,constituídasporrochassiliciosas(Afonsoetal.,1998,p.16),dasquaishojedistinguimosalargapresençadequartzitosequartzos,porseremasdemaisdifícilalteração.
3. Descrição e análise do trabalho de campo
Oconjuntodeartefactoslíticosquenospropusemosestudarresultoudaprospecçãoarqueoló-gicadesenvolvida,dadaapresençadegrandeconcentraçãodesteselementosmateriaisreferenciadosnosterraçosdasmargensdorioPanhameedoZambeze,noiníciodascampanhasdaMAM,maisprecisamentenosanosde1936e1937.EstedadolevouSantosJúnioravoltaràquelaregiãonodecor-rerda6.ªeúltimacampanhadaMissão,noanode1955.Apartida(nessadata)foiefectuadadaChicôaedecorreunadirecçãoOeste,ouseja,nadorioPanhamecomoobjectivodeefectuarumarecolhadeartefactosdaIdadedaPedra,naquelaáreadovaledoZambeze.
Ostrabalhosdeprospecçãodecorreramnasmargensdaquelesrios(Fig.1’),easrecolhasdosartefactoslíticosforamefectuadasnosterraçosfluviais,constituindoestesumtestemunhoinilu-dível da sua antiguidade; tendo-se conservado talvez alguns deles em pontos que não ficariammuitodistantesdolocalondeteriamsidoabandonadosoutalhados.
Podemosdistinguiralgumainformaçãorelativamenteàdistribuiçãoespacialdosartefactosdentrodealgumasdas“estações”,massemgrandesignificado;apenasseatenderamàsvariaçõessentidasnoregistodeumamaiordimensãodealgunschoppers,oquepodereflectirapenasoresultadodaremobilizaçãooudarecolha.
Oslugaresdeacampamento/ocupaçãodogénero Homonaquelaárea, ocorriammuitoprova-velmentepertodaágua,emsítiosemquesepodiadispordeabundantequantidadedeseixosrola-dos,matéria-primanecessáriaparaaproduçãodosutensíliosquegarantiamasuasobrevivência,sem deixar de atender às circunstâncias impostas pelas estações do ano. As orlas próximo daszonasdesavanadecapim,ondehaviapasto,seriamigualmentelocaisescolhidos,porqueatraíama concentração de animais, nomeadamente os gregários (Clarke, 1973, p. 98; Phillipson, 1977,p.27,1994,p.78).
OsdadosfornecidospelaCarta da Pré-Históriade Moçambique(SantosJúnior,1950;Rodrigues,2000,p.275) assinalamqueasestaçõesdaESAconhecidasnoterritóriodeMoçambiqueestãolocalizadasnazona interior,principalmentenaprovínciadeTete,muitoemboraseencontremtambémnasprovínciasdegazaeMaputo.Verifica-seaindaqueestas“estações”selocalizamprefe-rencialmentenosterraçosfluviais,encontrando-seosartefactoslíticosnoslocaisparaondeforamarrastados,queéumadasrazõespelaqualsómuitoraramenteosartefactoslíticosdestetipode“estações”sepodemencontrar,emtermosarqueológicos,em“contextodedeposiçãoprimária”.Têmdeconsiderar-seainda,osfactorespós-deposicionais.
4. Os sítios, distribuição espacial e coordenadas
Noquerespeitaàlocalizaçãodasestações,ascoordenadassãosempreaproximadase,passa-dosquesãotantosanosfaceaosdadosobtidos,cumprereferir:
OsterraçossãodatadosdoPlistocénicoInferioreMédio(Afonsoetal.,1998,p.80),oqueconstituialgumalimitaçãoàclassificaçãodoselementosmateriaisarqueológicosexumados,inde-pendentementedesepoderestabelecerumacorrelaçãocomtaisformações.Osriosacimareferi-doscortamasformaçõespré-câmbricasedoKarroo,constituídasporrochassiliciosas(Afonsoetal.,1998,p.16),dasquaishojedistinguimosalargapresençadequartzitosequartzos,porseremasdemaisdifícilalteração.
3. Descrição e análise do trabalho de campo
Oconjuntodeartefactoslíticosquenospropusemosestudarresultoudaprospecçãoarqueoló-gicadesenvolvida,dadaapresençadegrandeconcentraçãodesteselementosmateriaisreferenciadosnosterraçosdasmargensdorioPanhameedoZambeze,noiníciodascampanhasdaMAM,maisprecisamentenosanosde1936e1937.EstedadolevouSantosJúnioravoltaràquelaregiãonodecor-rerda6.ªeúltimacampanhadaMissão,noanode1955.Apartida(nessadata)foiefectuadadaChicôaedecorreunadirecçãoOeste,ouseja,nadorioPanhamecomoobjectivodeefectuarumarecolhadeartefactosdaIdadedaPedra,naquelaáreadovaledoZambeze.
Ostrabalhosdeprospecçãodecorreramnasmargensdaquelesrios(Fig.1’),easrecolhasdosartefactoslíticosforamefectuadasnosterraçosfluviais,constituindoestesumtestemunhoinilu-dível da sua antiguidade; tendo-se conservado talvez alguns deles em pontos que não ficariammuitodistantesdolocalondeteriamsidoabandonadosoutalhados.
Podemosdistinguiralgumainformaçãorelativamenteàdistribuiçãoespacialdosartefactosdentrodealgumasdas“estações”,massemgrandesignificado;apenasseatenderamàsvariaçõessentidasnoregistodeumamaiordimensãodealgunschoppers,oquepodereflectirapenasoresultadodaremobilizaçãooudarecolha.
Oslugaresdeacampamento/ocupaçãodogénero Homonaquelaárea, ocorriammuitoprova-velmentepertodaágua,emsítiosemquesepodiadispordeabundantequantidadedeseixosrola-dos,matéria-primanecessáriaparaaproduçãodosutensíliosquegarantiamasuasobrevivência,sem deixar de atender às circunstâncias impostas pelas estações do ano. As orlas próximo daszonasdesavanadecapim,ondehaviapasto,seriamigualmentelocaisescolhidos,porqueatraíama concentração de animais, nomeadamente os gregários (Clarke, 1973, p. 98; Phillipson, 1977,p.27,1994,p.78).
OsdadosfornecidospelaCarta da Pré-Históriade Moçambique(SantosJúnior,1950;Rodrigues,2000,p.275) assinalamqueasestaçõesdaESAconhecidasnoterritóriodeMoçambiqueestãolocalizadasnazona interior,principalmentenaprovínciadeTete,muitoemboraseencontremtambémnasprovínciasdegazaeMaputo.Verifica-seaindaqueestas“estações”selocalizamprefe-rencialmentenosterraçosfluviais,encontrando-seosartefactoslíticosnoslocaisparaondeforamarrastados,queéumadasrazõespelaqualsómuitoraramenteosartefactoslíticosdestetipode“estações”sepodemencontrar,emtermosarqueológicos,em“contextodedeposiçãoprimária”.Têmdeconsiderar-seainda,osfactorespós-deposicionais.
4. Os sítios, distribuição espacial e coordenadas
Noquerespeitaàlocalizaçãodasestações,ascoordenadassãosempreaproximadase,passa-dosquesãotantosanosfaceaosdadosobtidos,cumprereferir:
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“O trabalho de campo teve início no dia 4 de Setembro de 1955, tendo-se estabelecidopreviamente o acampamento no sítio de Cachenge2 próximo da foz do rio Panhame, na suamargemEste,maisprecisamentejuntodaconfluênciacomoZambezeenasuamargemSul”(Fig.1’).
Asestaçõesreferenciadasapartirdodia4sãoasseguintes:
· 1.ªestação—Samuane3—nomequecorrespondeaodeumapequenapovoaçãoqueficavaemfrentedaestação.Localização:ficavaàdistânciade1600mdeCachenge,nadirecçãoSul(oqualseráopontodereferênciaparaadistribuiçãoespacialdasestaçõesassinaladas),eauns100m(àesquerda)daestradaqueianadirecçãoOeste(Fig.1’).AprospecçãofoisendoefectuadanosterraçosdorioPanhame,quesealongavamporcercade200m,paralelamenteaoleitodorio.Tipologiadaestação:Terraçobaixoconstituídoporumaextensacascalheiradeseixosrolados,misturadoscomareãogrosso,queseestendiaaolongodorioeondeemergiampequenos“cabe-ços”recobertospormontículosdeseixoscomalturasde2a4m,oqueatestaaacçãofluvial,ouseja,o“turbilhonar”,eumalargurademaisde100m.Aspeçaslíticasforamrecolhidasnumaáreadaordemdostrêsmetrosdediâmetro,noprimeiromontículoapartirdaestrada,sendoarecolhatotalefectuadanestaestaçãodosterraçosderioPanhamede328peçaslíticas.Totaldepeçaslíticasexistentes:304.
Coordenadas:30º39’46’’LongitudeEste—15º38’49’’LatitudeSul(Fig.1’).
· 2.ªestação—Inhacaíua(designaçãolocal).Localização:ficavaa2100mdosítiodeCachenge,ouseja,500madianteda1.ªEstação,nolocalemqueaestradafaziaumaligeirasubida,elocalizava-setambémnosterraçosdorioPanhame.Tipologiadaestação:Terraçosmédios,formadosigualmenteporumazonadecascalheiracomelevaçõesou“cabeços”,de8a10mdealtura.NãosetornoupossívelavaliaraquedistânciaficariaaestradadoriodoPanhame,porquenaquelaalturadoanoorioseapresentavaseco,mastudoapontaparaqueseriadecercade6m;naestradaafloravaogrésdoKarroocomveios ferruginosos.A recolhaqueproporcionouestaestaçãofoiconsideradaexcelenteecomoresultadoobteve-seumtotalde312peças.Totaldepeçaslíticasexistentes:186.
Coordenadas:30º39’54’’LongitudeEste—15º39’10’’LatitudeSul(Fig.1’).
· 3.ªestação—MaterdeChevulaI—designaçãoquecorrespondeaonomedoFumo(chefedealdeia)queoutroratinhaasuapovoaçãonasproximidadesdolugareondeviveumuitosanos(dadosobtidosnatradiçãooral).Localização:apósatravessarorioPanhameeacercade4kmdeCachenge,noladoesquerdodaestrada(nadirecçãoOeste),provavelmentenosterraços do rio Zambeze, e a meio caminho entre os terraços do Panhame e do Inhacu-rungo.Tipologiadaestação:terraçosbaixos,ondeseregistouapresençademontículosouajuntamentosdeseixoscomcercade2mdealturaeomesmotipodeareãogrossojárefe-renciadoemSamuane.Apresençadamoscatsé-tsé(Glossina palpalis)fazia-sesentirnestelocal,oquelevouaumarecolhademateriallíticomaisreduzida.Totaldepeçaslíticasexis-tentes:33.
Coordenadas:30º38’22’’LongitudeEste—15º38’25’’LatitudeSul(Fig.1’).
· 4.ªestação—Inhacurungo—designaçãoquecorrespondeaonomedorioafluentedamargemdireitadoZambezeemcujosterraçosarecolhafoiefectuada(Fig.2).Localização:ficavaacerca de 100 m depois de passar o rio Inhacurungo/Nhangurungo, nos terraços da sua
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margemesquerda,eauns600mdaestaçãoanterior.Estende-seaolongode200mdaestradaedeambososladosdoleitodesterio.Tipologiadaestação:émuitoextensa,sendoconside-radaamaiorestaçãolocalizada,esituava-senoladoesquerdodaestrada(nadirecçãoOeste),ocupandoquantoàlarguramaisde200mparacadaladodoleitodorio.Apresentavaumenormeterraçode5a6mdealtura,dependorsuave,noqualseevidenciavamaindapeque-nosmontículosde seixosnopontomaisalto.Foramestesos sítiosondeseconcentrouaprospecçãoeazonaqueficavamaispróximadamargemdoriofoiconsideradacomozonaB,porqueosartefactosaíencontradoseramdemaioresdimensões.Nestaáreafazia-sesentirtambémapresençadamoscatsé-tsé.Totaldepeçaslíticasexistentes:182.
Coordenadas:30º37’57’’LongitudeEste—15º38’2’’LatitudeSul(Fig.1’).
· 5.ªestação– Nhamezinga—localizadanodia6deSetembro,depoisdeaequipatervoltadoaosítiodeCachengeepartidonamanhãdessediaemdirecçãoàChicôa,ousejaparaEste.Localização:ficavaa1300mdosítiodeCachengeeapósumaplanuraqueseespraiava,sobreoladodireitodaestrada,nosentidoEste;acercade40mdaestradacomeçavaumaencostasuave.Nãosabemoso sítio,masvamos, combasenacartografiae seguindoo traçadodaestrada,efectuaroseuregisto,faceaospercursosexistentesàdataparaoretornoàChicôa.Tipologia da estação: a geografia assinala uma encosta nas proximidades da margem doZambeze, na qual se registou a presença de cascalho grosso e um fundo constituído porKarroo,estratogeológicodominantenaquelaárea,evidenciando-seapresençadeumsignifi-cativonúcleodemateriallítico.Olugarfoiconsideradoumaáreautilizadaporpovoscaça-dores-recolectores, sendo recolhido um representativo conjunto de peças líticas. Total depeçaslíticasexistentes:101.
Coordenadas:30º41’10’’LongitudeEste—15º37’56’’LatitudeSul(Fig.1’).
· 6.ªestação—Chinduta— localizada tambémnodia6deSetembro.Localização: ficavaa1900mdeCachengeea600mdeNhamezinga,emlocalnãoidentificadonacartadeMoçam-bique. Tipologia da estação: a geografia do local mostrava que a estrada, depois de umapequenalomba,seapresentavaladeadaporcascalheiradeseixosroladoseumacuidadapros-pecçãofoidesenvolvidanaquelaáreadoterraçomédio,eoresultadofoiumasignificativarecolhadepeçaslíticas.Totaldepeçaslíticasexistentes:32.
Coordenadas:30º41’27’’LongitudeEste—15º38’2’’LatitudeSul(Fig.1’).
· 7.ªestação—RamaldeCarinde—foiaúltimareferenciadanofinaldamanhãdodia6deSetembro.Localização: foi localizadadepoisdepassarorioMussenguézi,amaisde16km,precisamenteacercadedoisquilómetrosdoramaldaestradaquesegueparaoCarinde.Tipo-logiadaestação:ageografianaquelaáreaapresentavaondulaçõessuavesàdireitaeàesquerdadaestradaecobertadeMessanha,emflorestaabertaeesparsa.Oterrenoeraformadoporareãogrosso,angulosoecompacto,ondeemergiamclareirascomamontoadosdepequenosseixosroladosdequartzitoeoutrotipodepedrasdeaspectoferruginoso.Foinestetipodepedrado“tipobasáltico”quealgunsdosartefactosforamtalhados,tendoaprospecçãoearecolhasidocondicionadaspelotempodisponível:onúmerodepeçasrecolhidofoide35.Totaldepeçaslíticasexistentes:35.
Coordenadas:31º20’39’’LongitudeEste—15º42’5’’LatitudeSul(Fig.1’).
Maria da Conceição Rodrigues Artefactos líticos das “estações” dos terraços fluviais da margem sul do rio Zambeze – província de Tete, Moçambique: uma primeira abordagem
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5. Registos da Idade da Pedra na África Oriental Austral. Testemunhos
Apresençadegrandesáreascomseixosémuitoelevadanasmargensdosgrandes riosnaÁfrica Oriental Austral, daí eles terem sido largamente utilizados como matéria-prima, consti-tuindoosartefactosobtidosapartirdeseixostalhadosedesignadospor“indústriasdosseixos”ostipos dominantes em inúmeras estações dos primórdios da Idade da Pedra — Stone Age —, talcomoseverificanosterraçosdabaciadorioZambezenoterritóriodeMoçambique.
Nãoépoisdesurpreenderqueosmaisantigossítiosdeocupaçãohumanasejamencontradosaolongodoscursosdeágua,porqueosacampamentosbaseerampreferencialmentejuntoaosgran-desrioseseusafluentes,dadaaquantidadedematéria-primadisponível.Afloresta/savanaserialocaldepassagemecompoucapermanência,razãoparaserconsideradaemgeraldespovoada,aocontrá-riodoqueveioaacontecermaistardedevidoaocrescimentodemográfico,situaçãoempartefacili-tadapelodesenvolvimentotecnológicoeoemergirdenovosvaloressocioculturais.
AsactuaiszonasdevegetaçãonãocorrespondemnecessariamenteaoqueseriamnosiníciosdaIdadedaPedranaÁfrica,ondemuitassituaçõessãotestemunhosdecondiçõesmaishúmidasduranteoPlistocénicoeiníciosdoHolocénico(Nyamwru,2001,p.34).
Ofogofoioutroelementoutilizadopeloshominídeos:osseustestemunhosremontamaoqueseconsideraosfinaisdaESA,oquepermiteestimarqueasuautilizaçãotenhacomeçadocomoobjectivodeseprotegerem,masterátambémcomeçadoaalterarapaisagem.
OestudodeperíodosmuitoantigosnaÁfricaAustraléparticularmentedifícil,sobretudoquandonãosedispõedecontextoestratigráfico(comoéacasodas“estações”emestudo),masaarqueologiaprocuradaralgumasrespostaseestabelecereventualmentepontosdereferência.
OgéneroHomoteveasuaorigememÁfricaesãoprincipalmenteosartefactos(depedras)poreletalhadosquelheassinalamaexistência,revelamasuaevoluçãoecapacidadetecnológica.
OsartefactoslíticosmaisantigosrecolhidosemÁfricaterãocercade2,63±0,05milhõesdeanos(pelopotássio/argon)ede2,58±0,23milhõesdeanos(pelozircon)(Roche,1980,p.28-33)ou2,6milhõesdeanosparaClark(1982,p.513)eFletcher(2003,p.18);sãoconstituídosporseixostalhados,choppersechoppingtools(comquatrooucincolevantamentos);lascasetambémnúcleosvolumososforamlocalizadosnovaledeOlduvai(Leakey,1951),norioPeninj(Tanzânia)enamargemorientaldoLagoTurkana(Quénia,porçãomeridionaldoValedoRifte),porLeakey(1971);novaledoOmoeemAfar(nocoraçãodaEtiópia),osmateriaissãoconstituídosporlascassimplesechoppers,cujamatéria-primaéformadaprincipalmentepornódulosdequartzo(Chavaillon,1970).
deacordocomoestadoactualdoconhecimentorelativamenteàIdadedaPedranaÁfricasubsaariana, o primeiro Período ou Early Stone Age está dividido em duas grandes fases e foienquadradonacronologiadosciclosdoQuaternário;razãoquetornoupossívelreportarasnossasreferênciasaquadroscrono-estratigráficosnoquerespeitaàgeologia.
Aprimeirafase,ouOlduvaiense,terádecorridohácercade1800000anos,duranteoPlisto-cénicoInferior4(Clark,1982,p.516;Phillipson,1994,p.23).OsartefactosconsideradostalhadosprovêmdeumaindústriaqueveioaserdesignadaporOlduvaiense,faceàdesignaçãocriadaporWayland(1936)paraestetipodeindústria,esugeridaaLouisLeakeyparadesignaraindústriaevoluídadagargantadeOlduvai,muitoemboratenhasurgidoposteriormenteoutraproposta—Pré-Acheulense5(Balout,1982,p.446).
OsdadosdisponíveisrelativamenteaodesenvolvimentotecnológiconosprimórdiosdaIdadedaPedra(ouOlduvaiense)manifestam-senaÁfricaOrientalAustralcomautilizaçãodeseixosounódulos,paraobtençãodelascasatravésdotalhedirecto,demodoaproduziremdiferentestiposderaspadores,mascombaixoníveltécnico.
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Os núcleos resultantes foram certamente utilizados como utensílio, dada a facilidade deobtençãodegumescortantes.
ÉprovávelqueosprimórdiosdalinguagemtenhamsurgidoemgruposdeHomo habilis,sendoaquelarudimentarnaarticulaçãoelimitadanaexpressão,talcomoosartefactosqueiaprodu-zindocomoassinalaJordan(2001,p.26).
Asegundafase,consideradaamaislongadaHistória,quantoaodesenvolvimentodahuma-nidade,foidesignadaporAcheulenseeindicaaexpansãodoshominídeos,estandooHomo ergas-ter/erectus6 associadoaoiníciodaindústriaAcheulense.Asinovaçõessãoumasequênciadeopera-çõesnaprocuradegume,criandoutensíliosdetalheuni-ebifacial,indústriaqueapareceupelaprimeiraveznoregistoarqueológicohácercade1500000anos(Phillipson,1994,p.34;Jordan,2001,p.28).
Oresultadonasuaetapainicialserãoaslascas,comoconsequênciaapósoprimeirogestoquefoiumgolpeauns90º,eaquelassãoartefactoscortantes,alémdepassaremadispordeumgumecortantenaarestadoseixo.Nestasequênciadeoperaçõesdedesbaste,oresultadomostraapartirdoseixodetalhebifacialumanovaprocuracomnovosdesbastesnatentativadeobterumgumemaiseficiente, conduzindo aos utensílios designados por bifaces parciais, por ainda apresentarem umtalãoreservado,masotalheapresentajáoqueseconsideraalgumníveldopontodevistatécnico.
Osartefactostalhadossão,dopontodevistatipológico,consideradossimples,masoferecemumagrandediversidademorfológicaerepresentamhabilidademanualecapacidadedeaprendiza-gemdogéneroHomo,bemcomoalibertaçãodoseucomportamentobiológico/instintoeapassa-gemparaumcomportamentosocialquelheasseguravaasobrevivênciaeasubsistênciaemgrupo.Olongocaminhoapartirdaescolhadoblocoouseixoreflecteumapreocupaçãocomplexaepodeexplicararelaçãodoserhumanocomanaturezapelaviatecno-económica.Osresultadossãoclas-sificadosnacategoriadeutensíliosdeforça/energia,talhadosparamanterasobrevivênciahumana,com objectivos de matar e/ou esquartejar animais, cortar e aparar madeira para preparação dearmadilhas,ecertamenteparafacilitararecolhaderaízesetubérculos,bemcomodefrutosevege-tais.
AolongodoPlistocénico,evidencia-seoaparecimentodeutensíliosobtidosapartirdelascas,taiscomoraspadores,furadores,eaindaodesenvolvimentotecnológicodegrandeimportânciaqueseconsideraquetenhasurgidodentrodatradiçãodoAcheulenseequesedesignoupormétodoLevallois.Estenovométodotecnológicoenvolveaproduçãodelascas,cujaformaeradeterminadapelapreparaçãodonúcleoinicial.
Nestafase,ogéneroHomo primitivo teriacomeçadoasersubstituídonaúltimapartedoPlis-tocénicopeloHomo sapiens.
Os artefactos líticos do Acheulense podem ser encontrados na maior partedo continenteafricano,masnãoforamregistadosnasregiõesdaflorestadensadaÁfricaOesteedabaciadoCongo(Phillipson,1994,p.36),oquereflecteumadescontinuidadenasuadistribuiçãoquandoestaexpansãotecnológicatevelugar.
ArespectivadataçãoemrelaçãoàEuropaeaoMédioOrientemostraqueasuamanufacturaécercade1000000deanosmaisantiga,significandoqueoComplexo Tecnológico do Acheulenseafri-canofoimaislongo.
Aresponsabilidadedoarqueólogoéadeprocuraridentificaraaptidãoparaoaprovisiona-mento da matéria-prima que, no caso do Acheulense, é local. Nota-se a evolução presentes nométododedebitagemeasmudançasdacapacidadedeaprendizagemsãoperceptíveisnodesenvol-vimentodastécnicasdetalhedasindústriaslíticas.Outensíliopodeaindaseranalisadocomoobjectivodedeterminarcritériosdehominização—oquelevanta inúmerosproblemas,porque
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praticamenteomateriallítico,porseromaisresistente,foisóoquerestou,dadoquetudoomaisque o género Homo foi capaz de produzir desapareceu na voragem dos tempos. Assim surge apergunta:outensíliolíticoéumprodutooufactordehominizaçãoepoderáservistoaindacomoumaexpressãodecriatividade?
Compreende-seque,apóstransporo“limiartécnico”(talcomoseverificounosnossosdiascomaelectrónica),ocaminhodo“progresso”levouanovasestratégiasdetalhedosutensílios,ouseja,opercursoparaodesenvolvimentodascapacidadestecnológicasdogéneroHomoficouaberto;importaagoraaoarqueólogodispordeesquemasquepermitamanalisarosremotostraços/vestí-giosdaindústriahumana.Ahominizaçãoévistacomoaespecializaçãoeoutensíliocomoaexpres-sãomaterialdacerebralização.
Outensílio lítico (sendooque se conservou)pode ser consideradocomoumprodutodopensamentoedacapacidadetécnicadoartesão,cujacondutadeviaterfacilitadooaparecimentodalinguagemedealgumaorganizaçãosocialqueteriapossibilitadoasuasobrevivência.
6. Trabalho de gabinete
6.1. Ordenação do espólio
6.1.1. Metodologia
Paraaordenaçãodomateriallíticodestacolecçãoimportou,emprimeirolugar,nãootipodeutensílio,masoconjuntodosartefactoseolocaldeproveniência,quetudoapontanãoserlocaldehabitat,masoresultadodedeposição,podendosertambémsítiosdeutilizaçãotemporáriaoupontualaolongodostempos;teve-seemcontaadeposiçãoouabandonodosartefactosnosterra-çoseomeioemgeral.
Aterminologiaadoptadanonossotrabalhoestádeacordocomoscritériosquevêmorien-tandoostrabalhosnoâmbitodaÁfricaAustral,equefoiaprovadaemreuniõescientíficas,faceao interesse que o longo passado da Idade da Pedra (Stone Age) mereceu, e se convencionoudividiremtrêsperíodos:Early(ESA),Middle(MSA)eLaterStoneAge(LSA)(inActes du VIIIe Congrès Panafricain de Préhistoire et des Études du Quaternaire.Nairobi,1977),bemcomoanomen-claturainglesa.
Os artefactos líticos em estudo são, portanto, testemunhos encontrados em “contexto dedeposiçãosecundária”,e,nasuaquasetotalidade,emconexãocomosterraçosquaternários,defi-nidos por formações do Karroo, onde corre o rio Zambeze e os afluentes da margem sul, comexcepçãodaestaçãodenominadaRamaldeCarinde,quenãopareceestarlocalizadaemterraçofluvial,edocumentamalentamasprogressivaproduçãoecapacidadedeaprendizagemtecnoló-gicadesenvolvidapelogéneroHomo aolongodaESA.
Ametodologiaseguidaparaaaferiçãodosaspectostecnológicosdeacordocomaspropostasdediversosinvestigadorescentra-seefundamenta-senaevoluçãotecnológicaqueosutensíliosnosoferecem.Umesquemaevolutivo temvindoa seradaptadoparavalidarodesenvolvimentodoestudodoperíodoinicialdaIdadedaPedradesdeoPré-Acheulense,combasenostrabalhosiniciaisdosLeakey(1959),noquerespeitaàinterpretaçãoestratigráficae,emparticular,aoconsiderarqueosprimeirosseixos lascadoscorresponderamàprimeiraetapanaevoluçãodaespéciehumana,dadoqueachavedosucessoterásidoainvençãodaferramentadepedra,comoassinalaLeroi--gourhan(1965,1993,p.93).
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Ocolectardepeçaslíticasexumadasàsuperfícieeemtãograndeextensãofoitambémumdadoaterematenção,porpodertrazerumavisãoalgolimitadaoudistorcidadaactividadeecapa-cidadedemovimentaçãodascomunidadesdecaçadoresdaIdadedaPedra,comoprodutoneces-sárioparasatisfazerassuasnecessidadesimediatas.
Aslimitaçõespodem,contudo,emnossoentender,seremparteminimizadas,dadoparecerqueaquelaáreanãoterásofridograndesalterações,muitoemboraosriossedesenvolvessemalte-randoosseuscaudaiseosartefactostenhamsidomudadoseincorporadosnosdepósitosfluviais.Procurámos,porém,obterdadosacercadasequênciadoesquemaoperatórionaproduçãodeuten-síliosnaáreaesobreosquaisanossaatençãoincidiu,nomeadamentequantoaoseusignificadonoprocessodedesenvolvimentotecnológicoe,paralelamente,odestaquedacolecçãorecolhida,demodoaviabilizarumaintegraçãodaquelaregiãodovaledoZambezenocontextocrono-cultu-raldaIdadedaPedranaÁfricaOrientalAustral.
Podereferir-sequeestamosperanteumaindústrialíticaconstituídapornumerososartefac-tosdelargoespectromorfológico,decertahomogeneidade,mas,quantoàtecnologia,regista-seum baixo índice de facetagem e, portanto, consideramo-la comparativamente integrada nocontextoinicialdoAcheulense.
Pareceteralgumaimportânciaarqueo-históricaoordenardosartefactoslíticosproduzidospelogéneroHomonestafasedaIdadedaPedraou,melhor,tudooquerestoudoqueeleproduziu,comoprodutodasuaactividadeerealizaçãotecnológica,naquelaáreadovaledoZambeze
Assim,osartefactoslíticosfornecidospelasdiferentesunidadesderecolhaforamavaliadosquantoàsestratégiasdetalheutilizadasnatransformaçãodosuporte,desdeométododedebita-gem,tipodepercutor(durooubrando)eaoretoque,oquepermiteclassificá-los,atendendoaqueaolongodoAcheulensesemostrampoucasmudanças,jáquecontinuouaseratradiçãodomi-nantedurante1300000anos(Phillipson,1994,p.36).
Verifica-senessaestratégiaqueumasequênciadegestos(batimentosdeumseixocontraooutro)terásidoopontodepartidaparaobterumaarestacortante.Estaactividadefoidesenvol-vidaporetapas,cujaevoluçãoterásidomuitolenta(tempohojedifícildecontabilizar)e,nocasodaIdadedaPedranaÁfricaAustral,maisdifícilaindaquandoseprocuraassinalaradistinçãoentretécnicadetalheeocomeçodoretoque.
Apartirdaestratégiadetalhedoartefacto,procurou-seindividualizarasentidadesqueapre-sentamatributosmorfológicosevidentes.Nadesignaçãoparacaracterizarasdiferentescategoriastipológicasdaspeçaslíticasemestudo,pretendeu-se,acimadetudo,queelafosserigorosaeclara,demodoanãodarazoaconfusão,porquederivadasuacaracterizaçãomorfológicaeprovávelfuncio-nalidadeoudasuaassociaçãoaumametodologiadetalheespecífico,comoéométodoLevallois.
Emtermosgerais,osartefactoslíticosmostramumaprogressivaestratégiatecnológicanaproduçãodeutensílioseregista-seumalargapresençadotalheunifacial—processoquecorpori-zavaumaadaptaçãoeficazàprópriamorfologiados“seixos”localmenteexplorados—e,aomesmotempo,algumauniformizaçãocrescentenoprodutofinal.
6.1.2. Material lítico. Inventário, desenho tipológico e representação
OsartefactosrecolhidosnaintervençãoarqueológicanovaledoZambezesãonototal873.Combasenoscritériosatrásreferidos,procedeu-seàsuaordenaçãoporcategorias,oquepermitiuasuaorganizaçãoporgrupos,atendendoàtotalidadedoselementosmateriaislíticosepor“esta-ção”quereferenciámosnosgráficos1a7(Fig.4).
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Paraarepresentaçãodosartefactoslíticosemestudoeordenados(comoreferidonoponto3),teve-seematençãoasuacorrectaorientação,talcomofoipreconizadapordiferentesinvestigadores(Bordes,1968;Biberson,1966;Tixieretal.,1980).
Fig. 4 gráficospercentuais1a7.
1.Samuane 2.Inhacurungo
3.Inhacaíua 4.Nhamezinga
5.MaterdeChevulaI 6.Chinduta
7.RamaldeCarinde
Gráficos dos artefactos líticos recolhidos por estação
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Realizámosapenasodesenhotipológicoeemverdadeiragrandezadosutensíliosincluídosnacategoriadebifaceparcial:peçan.º22daestaçãodeInhacurungo;peçan.º20deNhamezinga;peçan.º44deSamuane;peçan.º29deInhacaíua;epeçan.º8deChinduta(Figs.5a9),tendo-seoptadoporfotografarumaselecçãodosartefactosmaissignificativosdentrodecadaunidadederecolha,atendendoàsrespectivascategoriasmorfológicas,tipometriaetipodematéria-prima.
Na representação fotográfica dos artefactos seleccionados foram respeitadas as diferentescategoriasmorfológicaseasrespectivasunidadesderecolha,estabasefoidepoispornósdigitali-zadautilizandooprogramaAdobePhotoshop;decadaartefactofoiregistadaasuamaiordimen-sãonoquerespeitaaocomprimento, larguraeespessura,sempreemmilímetros.Onúmeroderepresentaçõesdeartefactosreferenciados,epor“estação”,éoseguinte:Samuane(Figs.1a30);Inhacaíua(Figs.1a20);MaterdeChevulaI(Figs.1a8);Inhacurungo(Figs.1a21);Nhamezinga(Figs.1a17);Chinduta(Figs.1a7);RamaldeCarinde(Figs.1a12).
Figs. 5 e 6 desenhotipológicodosproto-bifacesdasestaçõesdeInhacurungoeNhamezinga.
INHACURUNgO-peçanº22
0 3cm
0 3cm
NHAMEZINgA-peçanº20
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Figs. 7, 8 e 9desenhotipológicodosbifacesparciaisdasestaçõesdeSamuane,InhacaíuaeChinduta.
SAMUANE-peçanº44
0 3cm
INHACAÍUA-peçanº29
0 3cm
CHINdUTA-peçanº8
0 3cm
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Artefactos líticos recolhidos nos terraços da margem direita do rio Zambeze – Tete
Samuane
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Samuane
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Samuane
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Samuane
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Samuane
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Samuane
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Maria da Conceição Rodrigues
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Samuane
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Inhacaíua
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Inhacaíua
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Inhacaíua
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Inhacaíua
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Inhacaíua
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Inhacaíua
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Mater de Chevula I
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Mater de Chevula I
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Inhacurungo
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Inhacurungo
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Inhacurungo
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Maria da Conceição Rodrigues
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Inhacurungo
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Nhamezinga
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Nhamezinga
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Nhamezinga
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Nhamezinga
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Chinduta
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Chinduta
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Ramal de Carinde
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Ramal de Carinde
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Asdiferentesrepresentaçõesdestesartefactoslíticospermitirãoemqualquerdoscasosasuainter-pretação,epossibilitarãoumacomparaçãomaisprecisa,alémdecompletaremalinguagemdescritiva.
7. Análise e caracterização dos artefactos líticos
TerminologiaParaacaracterizaçãodosartefactoslíticos,atendeu-seprimeiroàterminologiaculturalquevem
sendopropostaporváriosinvestigadores.Napesquisadesenvolvida,surgecomoprimeiratentativadeclassificaçãodeseixostalhadosrelativamenteàÁfricaafeitaem1952,porVanRietLowe,paraaindús-triadesignadaporPebble Culture,hojeconsideradaPré-Acheulense.FoiporémcomP.Biberson(aoestu-darasindústriasdoPaleolíticoInferiordeMarrocosAtlântico)queanoçãodefracturasimples,detalhe“unidireccional”,“bidireccional”e“multidireccional“,foiintroduzidaeapresentadanasFiches Typologiques Africaines (1966).EstaclassificaçãoaproveitoutambémdostrabalhosdesistematizaçãoelaboradosparaoselementosmateriaisdeReggan(Saaraargelino)porRamendo(1963).
Umaoutraterminologiatipológicafoientretantocriada,bemcomonovasclassificaçõesedesigna-çõesparaotipodetalheinicialmentedesignadoportalheuni-,bi-emultidireccional(terminologiaquefoitambémabandonada),passandoausar-seaexpressãotalheunifacialebifacialparaosseixostalha-dos.EstadesignaçãomereceutambémacríticadeBordesepassouautilizar-seaexpressão“chopper”e“chopping tool”, segundo a terminologia inglesa, entretanto adoptada para a África subsaariana.Aescritafrancesacontinuouaexistir,eporissotambémseemprega“galettaillé”paraseixotalhado.
Napropostadeclassificaçãotipológicadosseixostalhadosqueoslugaresemestudoforne-ceram,ter-se-áemlinhadecontanãosóasfichastipológicasorganizadasporBiberson(1966),nasquaisoschopper,eoschopping-toolssãoordenadosporséries(I,IIeII)enumeradosdeacordocomotipodetalhe(uni-,bifacial,multidireccionaloupoliédrico),comoasadaptaçõesentretantorealizadaseapresentadasporCamps(1981,p.55-58).
Assim,deacordocomoTableau des typesreproduzido(Camps,1981,p.55)(Fig.10)efaceaoschoppersechoppingtoolsempresença,queforamtalhadoseutilizados,épossívelenquadrá-loscomparativamente com o proposto nas Fiches Typologiques por Biberson (1966), atendendo aonúmerodelevantamentos,respectivaordenaçãoetiposconsiderados.
Oobjectivodaescolhadestaterminologiaparaacaracterizaçãodosseixostalhadoséodepermi-tirumaclassificaçãomaissistemáticaparaaplicarnestetipodeartefactos,presenteemnúmerosigni-ficativonoconjuntodas“estações”dovaledoZambeze,masmodificadaemfunçãodascaracterísticasregionais,casosejustifiquenoenquadramentodosartefactosemestudo.Nocasodosnúcleos,adap-tar-se-ãoaspropostasdeSantonja(1984-1985,p.21-30)paraestacategoriadeartefactos.
7.1. Estudo dos artefactos
Paraaconstruçãodoestudodosartefactoslíticosreferentesàsdiversasunidadesderecolha,deu-seimportânciaàestratégiadetalhe,àsuatipometria,aotipodematéria-primaesuporte,comoobjectivodeavaliaraestratégiadacadeiaoperativanestaindústria,condiçãoimprescindívelentreoutrosaspectos,dadonãoexistirumabaseestratigráfica,alémdearecolhasersemprecondicionadaeselectiva.
Estes atributos relacionam-se com os recursos locais e estratégias de selecção da matéria--primaparaaproduçãodosartefactoseaformacomoseriaobtida,nãosendooseuaprovisiona-mentonecessário,dadaaquantidadedematéria-primadisponível.
Artefactos líticos das “estações” dos terraços fluviais da margem sul do rio Zambeze – província de Tete, Moçambique: uma primeira abordagem
Maria da Conceição Rodrigues
REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 1. 2007, p. 401-482 445
Aanálisedeindústriaslíticasésemprecomplexa,dadaasuagrandediversidade,nomeada-mente quanto aos aspectos de alteração da matéria-prima decorridas durante a deposição noestratogeológico,independentementedasuamorfologia.
Oestadofísicodosartefactoslíticosnocritériodedescriçãoserátambémconsiderado,nome-adamenteocausadopelaacçãodovento,ouporapresentarreflexosdareutilizaçãodapeçaemmomentos distintos. Este conjunto de atributos ajuda a avaliar a afinidade dos materiais e auniformizaroscritériosdeanálise.
Fig. 10Modelosdetiposdeseixostalhados(segundoCamps,1985).
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Osmétodosdeclassificaçãooudeestudoserãoofuncionaleotecnológico.Ofuncionalseráevidenciadonaexplicitaçãoeotécnico-morfológicopossibilitaráacaracterizaçãodosartefactoslíticos.
Osdadosqueanossaanálisepermitiuobterdeacordocomosaspectostecnológicospossi-bilitaramaorganizaçãodosartefactosemgrupos,eregistandoarespectivacontagemporunida-desderecolha,tendoomateriallíticosidoordenadonoQuadroI(Fig.11),determinando,destemodo,orespectivopesopercentualporcategoriasnatotalidadedosartefactosrecolhidos.
Odiferentepesopercentualverificadonasdiversascategoriasmorfológicaspoderáserexpli-cadopelascondicionantesdarecolha.
Quadro I. Inventário dos artefactos líticos recolhidos na margem direita do rio Zambeze - ordenados por Estações
O r d E n Aç ãO M O r f OT é c n I c A
M AT E r I A l l í T I c O - P r O s P E c ç ã O / r E c O l h A d E s u P E r f í c I E
Samuane Inhacaíua Mater de Chevula I Inhacurungo Nhamezinga Chinduta Ramal de CarindeToTal
1.ª estação 2.ª estação 3.ª estação 4.ª estação 5.ª estação 6.ª estação 7.ª estação
Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
d E b I TA g E M
lasca de descorticagem 3 1.61 4 12.12 1 2.86 8 0.92
lasca simples 22 7.24 11 5.91 2 1.01 5 4.95 1 3.13 0.00 41 4.70
lasca retocada 6 1.97 13 6.99 16 8.79 1 0.99 6 17.14 42 4.81
lasca tipo gomo de laranja 4 1.32 4 0.46
lasca de flanco de núcleo 1 2.86 1 0.11
u T E n s í l I O s s O b r E l A s c A
Raspador simples 17 5.59 4 2.15 17 9.34 3 2.97 2 5.71 43 4.93
Raspador sobre lasca levallois 1 0.33 1 0.11
Raspador sobre lasca em forma de gomo de laranja 8 2.63 2 1.08 10 1.15
Raspador duplo / biconvexo 1 0.33 1 2.86 2 0.23
Raspador convexo 1 0.33 1 0.11
Raspador circular 2 0.66 3 1.61 1 3.03 6 0.69
Raspador concâvo 2 0.66 1 0.54 3 0.34
Raspador lateral 1 0.54 2 5.71 3 0.34
Raspador de gume rectilíneo 1 0.54 1 0.11
Raspador com denticulado 1 0.33 1 0.11
Furador 1 0.99 1 0.11
lasca retocada mais furador 1 0.54 1 0.11
lasca levallois retocada mais furador 1 0.33 1 0.11
Denticulado 1 3.03 1 0.11
Entalhe 2 1.98 1 2.86 3 0.34
Entalhe e furador 1 0.99 1 0.11
Peça de gume transversal 3 1.61 3 0.34
u T E n s í l I O s s O b r E s E I x O
Chopper 95 31.25 49 26.34 19 57.58 72 39.56 36 35.64 10 31.25 6 17.14 287 32.88
Chopping tool 44 14.47 48 25.81 4 12.12 22 12.09 22 21.78 4 12.50 2 5.71 146 16.72
Chopper poliédrico 3 0.99 1 0.55 1 3.13 5 0.57
Chopper nucleiforme 9 2.96 4 2.20 13 1.49
Chopper com retoque vertical 1 0.55 1 0.11
Chopper circular 2 1.01 2 0.23
Chopper com retoque secundário 2 1.01 2 0.23
lasca "limace" (Bordes) 3 0.99 1 0.99 4 0.46
Proto-pico 4 1.32 1 0.55 2 1.98 7 0.80
Proto-biface 1 0.55 1 0.99 2 0.23
Biface 1 0.33 1 0.54 1 3.13 3 0.34
Raspador transversal sobre seixo 2 0.66 3 1.61 2 1.01 1 0.99 1 3.13 9 1.03
Núcleo reutilizado como raspador 1 0.54 1 0.11
Peças bifaciais 2 0.66 2 1.08 4 0.46
Percutor 1 0.33 3 1.65 4 0.46
Peso de rede 1 0.33 2 6.25 3 0.34
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Matéria-prima
Aavaliaçãodamatéria-primaescolhidacomosuporte,faceaosrecursosnaturaisdisponíveis,revela que as indústrias líticas fornecidas por estas “estações”, do ponto de vista petrográfico,registamapresençadediversostiposderochasresultantesdeaprovisionamentolocalouregional.Amaisabundanteéoquartzito,quecorrespondea90%,seguindo-seousodoquartzo(8%),ambaspresentesemartefactoscomváriasdimensõesemorfologias,comoresultadodatransformaçãodosuporteinicial—seixosrolados.Opredomíniodoquartzitoresultadofactodeserarochamaisfácildeobternasmargensdaquelesrios.
A natureza petrográfica é, contudo, mais diversificada nos restantes 2%; registando-se apresençaderochasjaspóides,quepodemserbandadas;rochastiposílex;gramófiro;rochasgrani-tóidesebasálticas.Consideramosqueestadiversidadeseráo resultadodosefeitosdosagentesnaturais,comoomeiofluvial,dadoseremprovenientesdeumcontextoperturbado.
Todososartefactosforamobjectodeanálise,oaspectodasuperfíciefoireferenciado(aobservaçãofoiefectuadamacroscopicamenteeàlupa),dadoquealgumaspeçasapresentamumapátinaeólicaouatéumaduplapátina,comoresultadodaacçãodosventos,nomeadamentenosprovenientesdaestaçãodeSamuane—peçasn.os50e51(Fig.22)edeRamaldeCarinde—peçasn.os4e16(Figs.3e10).
Oseuestadofísicopoderáestarrelacionadocomfenómenospós-deposicionaisoudedesloca-çãodosmateriais.Outraspeças,comoalgunsnúcleos,mostramqueforamreutilizadasparafabricodeutensílios,comonocasodapeçan.º33(Fig.15)deInhacaíua,ouparaaobtençãodelascasemtemposdiferentes,apresentandoumlascadomaisfrescoeporessemotivodiferentepátina,comoasrecolhidasnaestaçãodeInhacaíua—peçan.º42(Fig.19)edeInhacurungo—peçan.º37(Fig.21).
n ú c l E O s
Núcleo simples 55 18.09 16 8.60 2 6.06 21 11.54 12 11.88 10 31.25 8 22.86 124 14.20
Núcleo prismático 1 3.13 1 0.11
Núcleo de preparação para a extracção de lascas 1 0.55 1 0.11
Núcleo discóide 3 0.99 3 1.61 1 3.03 2 1.01 8 7.92 1 2.86 18 2.06
Núcleo tipo discóide sobre calote de seixo 1 2.86 1 0.11
Micronúcleo discóide 2 0.66 2 0.23
Núcleo levallois discóide 1 0.55 1 0.11
Núcleo com aplicação do método levallois 2 1.01 1 0.53 3 0.34
Núcleo Proto-levallois 1 0.33 1 0.11
Núcleo globuloso 2 0.66 1 3.03 3 0.34
Micronúcleo globuloso 3 0.99 3 0.34
Núcleo circular de retoque abrupto 1 0.99 1 0.11
Micronúcleo 2 1.01 2 0.23
Núcleo reutilizado 1 0.33 1 0.54 2 1.01 4 0.46
Núcleo exausto 1 0.33 1 0.99 1 2.86 3 0.34
Núcleo informe sobre bloco 2 0.66 2 1.08 4 0.46
Frag. de núcleo 7 3.76 2 1.01 9 1.03
Diversos 3 0.99 10 5.38 3 1.65 2 1.98 1 3.13 2 5.71 21 2.41
T O TA l 304 100 186 100 33 100 182 100 101 100 32 100 35 100 873 100
N.º – número de peças | % – sobre o total dos artefactos contabilizados
Fig. 11PesopercentualdosartefactoslíticosrecolhidosnasestaçõesdosterraçosdamargemdireitadorioZambeze–Tete.
O r d E n Aç ãO M O r f OT é c n I c A
M AT E r I A l l í T I c O - P r O s P E c ç ã O / r E c O l h A d E s u P E r f í c I E
Samuane Inhacaíua Mater de Chevula I Inhacurungo Nhamezinga Chinduta Ramal de CarindeToTal
1.ª estação 2.ª estação 3.ª estação 4.ª estação 5.ª estação 6.ª estação 7.ª estação
Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
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7.2. Análise morfotécnica
Naindústriaemanálisedopontodevistatecnológicoedeacordocomostiposestabelecidosparaseorganizaresteconjuntomacrolítico,compostoessencialmenteporseixostalhados,toma-ram-seporbasecertascaracterísticasresultantesdométododedebitagemedastécnicasdetalhe,permitindoenquadrá-losdopontodevistacronológicoeemtermosevolucionistas.
Procurouadaptar-seaestacolecçãoaclassificaçãotipológicaestabelecidaporoutrosinvestigado-rescomoBordes(1968,1988),Biberson(1966),Clark(1967,1969e1982),Tixier(1980)eRoche(1980).
Paraacaracterizaçãomorfológicadecadaartefacto,contouoresultadodaanálisedaforma,disposiçãodoslevantamentoseprincipalmentenoquetocaàsuainclinação,localizaçãoedimensãodoretoque,dapresençaouausênciadecórtex,alémdotipomatéria-primaescolhida.Quantoàtipo-metria,osartefactosapresentamdesdegrandesamédiasepequenasdimensões.Verifica-seapresençadediferentestiposdegumespreparadosparacortar,aparar,raspare furar,etc.,osquais levamaconsiderarqueoutrostiposdemateriaisdeveriamterexistidoparaapoiarestasfinalidades.
Oresultadodestaanáliseteveaindaematençãoascaracterísticasdenaturezapetrográfica,amassainicial,osatributosaníveltipométricoeasdiversascategoriasdatotalidadedosartefactosconsideradoseporestaçõesquerepresentámosnoQuadroII(Fig.12).
Quadro II. caracterização dos artefactos líticos representativos do conjunto de Estações da margem direita do rio Zambeze
lOcAlIZAçãOdAs EsTAçõEs
C a r a C t e r i z a ç ã o t é C n i C a - M at e r i a l l í t i C o - Pa n h a M e
cArAcTErísTIcAs gErAIs dIMEnsõEs PEçAsTIPOs dE uTEnsílIOs
Natureza petrográfica Massa inicialComp. largura Espessura
n.ºC l E
DEBITagEM
Inhacaíua Quartzito seixo +84
10766 75
29 39
1 2
lascas de descorticagemMater de Chevula I
Quartzito rosado Quartzito negro
79 86
64 70
37 32
1 2
Ramal de Carinde Quartzito 81 70 26 1
SamuaneQuartzito bandado Quartzito rosado Quartzito com biotite
57 49 80
40 62 76
14 20 22
1 2 3
lascas simples
InhacaíuaQuartzito bandado Quartzito
61 66
69 55
29 26
3 4
InhacurungoQuartzito Quartzo leitoso
61 83
63 44
21 18
1 2
NhamezingaQuartzo Quartzito
84 101
60 65
26 22
1 2
Chinduta Quartzito 67 48 24 1
SamuaneQuartzito micáceo Quartzito (grão fino) Quartzito bandado
67 86 98
62 57 76
27 28 36
4 5 6
lascas retocadas
InhacaíuaQuartzito bandado Quartzo
52 72
49 73
19 25
5 6
InhacurungoQuartzito Quartzo Quartzito bandado
44 86 95
43 61 76
17 20 31
3 4 5
Nhamezinga Quartzito (cinza) 103 81 28 3
Ramal de CarindeRocha jaspóide com orifícios de alteração de inclusões que foram removidas Quartzito
69
74
50
61
23
22
2
3
Samuane Quartzito 73 72 81
55 53 67
27 22 35
7 8 9
lascas tipo "gomo de laranja"
Ramal de Carinde Rocha tipo sílex, bandada 94 68 21 4 lascas de flanco de núcleo
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uTENSílIoS SoBRE laSCa
Samuane
Quartzito rosado Quartzito Quartzo Rocha jaspóide
4560 84 31
5650 6739
22 2118 13
10 11 1213
Raspador simples
InhacaíuaQuartzito Quartzo Quartzito
6985
112
7061 92
18 2344
7 8 9
InhacurungoQuartzo leitoso Quartzo Quartzito
65 57 86
39 69 71
17 22 30
6 7 8
NhamezingaQuartzito zonado Quartzo Quartzito
57 84 73
60 71 90
22 21 25
4 5 6
Ramal de CarindeQuartzito Quartzo
52 52
49 37
17 20
5 6
Inhacurungo Quartzo leitoso 91 61 30 9 utensílio unifacial ou raspador
Inhacaíua Quartzito negro 82 64 34 10 Raspador lateral
Samuane Quartzito 48 47 17 14 Raspador sobre lasca levallois
SamuaneQuartzito (grão fino) Quartzito Quartzito
54 78 87
29 53 68
16 22 44
15 16 17 Raspador sobre lasca em forma de “gomo de laranja”
InhacaíuaQuartzito (grão fino) Quartzito
6274
4746
1920
1112
Samuane Quartzito rosado 97 72 24 18Raspador duplo ou biconvexo (Bordes)
Ramal de Carinde Quartzito 68 48 13 7
Samuane Quartzito (cinza) 62 59 19 19 Raspador convexo
SamuaneQuartzito (cinza) Quartzito
60 62
56 61
23 23
20 21
Raspador circularInhacaíua
Quartzito rosado Quartzito c/ laivos rosados Quartzo
47 61 60
57 61 68
14 22 17
13 14 15
Mater de Chevula I Quartzito (grão fino) 72 31 32 3
SamuaneQuartzito Rocha jaspóide bandada (negro e ocre)
72 36
58 26
18 9
22 23
Raspador côncavo
Inhacaíua Quartzito 71 53 25 16 Raspador côncavo de retoque abrupto
Inhacaíua Quartzo 69 37 19 17 Raspador de gume rectilíneo
Samuane Rocha siliciosa bandada 42 36 15 24 Raspador com denticulado
Nhamezinga Quartzo 77 62 31 7 Furador
Inhacaíua Quartzito fino 68 66 26 18 lasca retocada mais furador
Samuane Quartzito 55 60 21 25 lasca levallois retocada mais furador
Mater de Chevula I Quartzito 82 73 27 4 Denticulado
NhamezingaQuartzo Quartzito zonado
42 44
40 33
13 12
8 9 Entalhe
Ramal de Carinde gramófiro (grão grosseiro) 64 58 29 8
Nhamezinga Quartzito 57 60 18 10 Entalhe e furador
Inhacaíua Quartzito54 62 80
39 42 62
17 26 30
19 20 21
Peça de gume transversal
lOcAlIZAçãOdAs EsTAçõEs
C a r a C t e r i z a ç ã o t é C n i C a - M at e r i a l l í t i C o - Pa n h a M e
cArAcTErísTIcAs gErAIs dIMEnsõEs PEçAsTIPOs dE uTEnsílIOs
Natureza Petrográfica Massa inicialComp. largura Espessura
n.ºC l E
Maria da Conceição Rodrigues Artefactos líticos das “estações” dos terraços fluviais da margem sul do rio Zambeze – província de Tete, Moçambique: uma primeira abordagem
REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 1. 2007, p. 401-482450
uTENSílIoS SoBRE SEIxo
Samuane Quartzito
58 73 87
106
71 73 61
101
26 39 11 61
26 27 29 28
Chopper
InhacaíuaQuartzito Quartzito negro Quartzito rosado
62 68 85
74 92
104
40 38 44
22 23 24
Mater de Chevula IQuartzo Quartzito Quartzito
66 110 112
66 69 86
38 32 51
5 6 7
Inhacurungo Quartzito 93 98 45 10
Nhamezinga Quartzito 53 77
113
50 79 99
28 46 50
11 12 13
ChindutaQuartzito rosado Quartzito (cinza) Quartzito
68 80
105
80 80 95
37 48 68
2 3 4
Ramal de CarindeQuartzito Quartzito Quartzo hialino
61 73 74
77 71 96
35 40 48
9 10 11
Samuane
Quartzito levemente micáceo Quartzito c/ feldspato Quartzito Quartzito
6367 99
102
5777 81 96
2747 53 56
3031 32 33
Chopping tool
Inhacaíua
Quartzito (rosado) Quartzito (grão fino) Quartzito Quartzito
54 73
107 113
65 62 96 98
32 36 57 46
25 26 27 28
Mater de Chevula IQuartzo Quartzito (grão fino)
76 104
99 74
51 39
8 9
InhacurungoQuartzo Quartzito (negro)
72 115
82 102
40 44
11 12
NhamezingaQuartzito com orifícios Quartzo Quartzito (negro)
65 78
108
63 82 97
35 56 55
14 15 16
ChindutaQuartzito Quartzito bandado
65 94
75 80
25 52
5 6
Ramal de CarindeRocha granitóide de grão fino (cor escura) Rocha granitóide de grão fino (cor clara)
71 75
72 69
36 30
12 13
Samuane Quartzito 69 75 76
75 86 88
40 40 46
34 35 36 Chopper poliédrico (Biberson)
Inhacurungo Quartzito (cinza) 79 85 39 13
Chinduta Quartzito (negro) 72 89 56 7 *
Inhacurungo Quartzo 88 98 53 14 Chopper com retoque vertical
InhacurungoQuartzito (rosado) Quartzito (cinza claro)
87 74
74 61
31 38
15 16
Chopper circular
Inhacurungo Quartzito (negro)77 74
60 80
35 33
17 18
Chopper com retoque secundário
Samuane Quartzito70 73 75
59 60 68
26 31 25
37 38 39 Chopper nucleiforme
InhacurungoQuartzito (negro) Quartzito
129 118
110 125
69 55
19 20
SamuaneQuartzito (negro) Quartzito (rosado)
78 84
32 26
27 27
40 41 lascas “limace” (Bordes)
Nhamezinga Quartzito 88 45 34 17
Samuane Quartzito99 97
76 88
38 48
42 43
Proto-picoInhacurungo Quartzito (negro) 103 78 40 21
NhamezingaQuartzito (rosado) Quartzito
75 90
64 67
57 53
18 19
lOcAlIZAçãOdAs EsTAçõEs
C a r a C t e r i z a ç ã o t é C n i C a - M at e r i a l l í t i C o - Pa n h a M e
cArAcTErísTIcAs gErAIs dIMEnsõEs PEçAsTIPOs dE uTEnsílIOs
Natureza Petrográfica Massa inicialComp. largura Espessura
n.ºC l E
Artefactos líticos das “estações” dos terraços fluviais da margem sul do rio Zambeze – província de Tete, Moçambique: uma primeira abordagem
Maria da Conceição Rodrigues
REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 1. 2007, p. 401-482 451
uTENSílIoS SoBRE SEIxo
Inhacurungo Quartzito 111 102 62 22
Proto-bifaceNhamezinga Quartzito 108 64 39 20
Samuane Quartzito (grão fino) 78 70 44 44
BifaceInhacaíua Quartzito com pontos negros 120 93 58 29
Chinduta Quartzito (grão fino) 91 77 51 8
Samuane Quartzito 88
11261 75
36 42
45 46
Raspador transversal sobre seixoInhacaíua
Quartzo Quartzito Quartzito
47 88
106
68 64 77
29 42 44
30 * 31 32
InhacurungoQuartzito Quartzito (rosado)
95 113
69 80
49 46
23 24
Nhamezinga Quartzito 102 75 56 21
Chinduta Quartzito (cinza) 95 56 50 9
Inhacaíua Quartzito 93 83 51 33 Núcleo reutilizado como raspador
SamuaneQuartzito Quartzito
66 86
33 43
17 27
47 48
Peças bifaciaisInhacaíua
Quartzito Quartzito (rosado)
72 81
75 68
36 35
34 35
Samuane Quartzito 73 69 36 67 *
PercutorInhacurungo
Quartzito Quartzito Quartzito
81 53 55
67 77 69
34 29 34
25* 26* 27*
Samuane Quartzito 76 52 24 68 *Peso de rede
ChindutaQuartzo Quartzito
82 94
46 76
28 39
10 11
NÚClEoS
Samuane
Quartzito com orifício (alteração de inclusões que foram removidas) Rocha silíciosa do tipo jaspóide bandadaQuartzito (rosado) Quartzito com orifícios causados por alterações meteóricas de minerais
68
81 89
112
43
57 86
108
25
25 47 51
49
50 51 52
Núcleos simples
InhacaíuaQuartzo leitoso Quartzito Quartzo bandado
74 98 93
76 70 82
41 34 50
36 37 38
Mater de Chevula IQuartzito Quartzito (rosado)
85 111
66 89
30 35
10 11
InhacurungoQuartzito (rosado) Quartzito
65 133
80 90
33 71
28 29
NhamezingaQuartzito Quartzito
66 107
53 95
27 56
22 23
Chinduta Quartzito (grão fino) 70 69 38 12
Ramal de CarindeQuartzo leitoso Rocha basáltica
seixo anguloso
65 86
43 39
38 35
14 15
Chinduta Quartzito 115 88 89 13 Núcleo prismático
Inhacurungo Quartzito 103 104 59 30 Núcleo de preparação para a extracção de lascas
SamuaneQuartzito Quartzito bandado
50 70
41 63
22 31
53 54
Núcleo discóide
InhacaíuaQuartzito (rosado) Quartzito (negro) Quartzito (cinza)
63 60 62
56 61 52
34 25 32
39 40 41
Mater de Chevula I Quartzito (rosado) 76 70 36 12
InhacurungoQuartzito (negro) Quartzito
54 57
55 59
17 32
31 32
NhamezingaQuartzito (negro) Quartzo Quartzito
63 88 80
52 78 80
19 33 42
24 25 26
Ramal de Carinde Rocha tipo sílex 75 65 32 16
Ramal de Carinde Rocha granitóide de grão fino 72 72 51 17 Núcleo tipo discóide sobre calote de seixo
SamuaneQuartzo hialino Quartzito (negro)
31 40
30 38
12 15
55 56
Micronúcleo discóide
Inhacurungo Quartzito (negro) 91 94 37 33 Núcleo levallois discóide
InhacurungoQuartzito bandado Quartzito
62 102
52 71
26 43
34 * 35 Núcleo com aplicação do método levallois
Nhamezinga Quartzito 69 61 25 27
Samuane Quartzito 109 63 29 57 Núcleo proto-levallois
SamuaneQuartzito (negro) Quartzito
75 100
55 89
57 71
58 59 Núcleo globuloso
Mater de Chevula I Quartzito 83 65 50 13
lOcAlIZAçãOdAs EsTAçõEs
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NÚClEoS
SamuaneRocha silíciosa bandada Rocha silíciosa tipo jaspe bandada Quartzito (rosado)
42 47 49
37 35 42
33 38 31
60 61 62
Micronúcleo globuloso
Nhamezinga Quartzo 84 95 54 28 Núcleo circular de retoque abrupto
InhacurungoQuartzo Rocha basáltica
pequeno seixo calote de seixo
38 32
38 46
20 36
38 39
Micronúcleo
Samuane Quartzito (negro) 55 47 35 63
Núcleo reutilizadoInhacaíua Quartzito 123 58 40 42
InhacurungoQuartzito (negro) Quartzito
57 85
53 58
30 59
36 37
Samuane Quartzito 49 36 20 66
Núcleo exaustoNhamezinga Quartzito 65 45 23 29
Ramal de Carinde Quartzito 46 40 19 18
SamuaneQuartzito (grosseiro) Quartzito(grosseiro)
nódulo91
10760 60
46 40
64 65
Núcleo informeInhacaíua
Quartzito com pontos negros e fundo rosado
nódulo95
10271 76
43 47
43 * 44 *
+ – Salvo indicação em contrário, sempre que foi possível determinar a massa inicial esta apresenta-se sob a forma de seixo.
C – comprimento máximo; l – largura máxima ; E – espessura máxima; Medidas em mm | – c/ desenho tipológico | * – sem imagem
Comoreferimos,nãoexisteumabaseestratigráficanestasestações,portantoprocurou-seatender aos critérios morfológicos, para enquadrar a sua caracterização, além da sua normalevolução.Odiferentepesopercentualverificadonosdiversosconjuntosporcategoriasmorfoló-gicasevidenciadasnoQuadroI(Fig.11),poderáseremparteexplicadopelo“método”utilizadonarecolhadecampo,muitoemboraosartefactos,noseuconjunto,possamapresentarumacertapadronização, mas não será prudente considerá-los integrados numa indústria lítica só, nomesmosentidoquetemsidousadoparaosperíodosmaisrecentes.Oscritériospodemseraindaconsideradoshierarquizados,porquehouvecertamenteescolhaquantoaotipodematéria-primaedimensõesdoseixopelosartesãos,oqueterátambémcontribuídoparaamorfologiafinaldoartefacto.
Nadistribuiçãoglobaldestasindústriaspelostiposestabelecidosparaesteconjuntodeesta-ções, destaca-se essencialmente o peso do grupo dos choppers, que corresponde a 456 peças(52,23%),eodosraspadoresa71(8,13%),emrelaçãoàspeçasinventariadas.
O desenvolvimento do método de debitagem está presente na significativa presença denúcleos,171(19,67%),queassinalamastécnicasdemanufacturaeoníveltecnológicoalcançado.Otalhepodeser,dentrodopossível,avaliadonasuarepresentaçãoporestações(ponto6.1.2)faceàvariedadedeartefactosproduzidos,dadoparecerterexistidotambémumacertapadronizaçãonaescolhadamassainicial,quandoosseusutilizadorespassaramaseleccionarseixosdetamanhomédio.Atravésdoestudo,individualizaram-seascategoriasmorfológicasporconjuntosdearte-factos,queforamordenadosnográficoquantitativoglobal—gráfico8(Fig.13),permitindoorde-narequantificarsegundoosrespectivosatributosetiposdesuporte—utensíliossobrelascas—gráfico8a)(Fig.13’)esobreseixo—gráfico8b)(Fig.13’’).
O resultado obtido a partir dos dados quantitativos possibilitou apresentar um gráficopercentualdecorrelaçãoglobaldosutensílios—gráfico9(Fig.14),queéaindacomplementadopelosgráficosparciaisporcategoriastipológicas—utensíliossobrelasca—gráfico9a)(Fig.14’)esobreseixo—gráfico9b)(Fig.14’’),oquepermitecompararestacolecçãodeartefactos.
Fig. 12distribuição,caracterização,matéria-primaedimensõesdosartefactoslíticosrecolhidosnasestaçõesdamargemdireitadoZambeze–Tete.
lOcAlIZAçãOdAs EsTAçõEs
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Fig
. 13
grá
fico
8.
Grá
fico
qu
anti
tati
vo d
os a
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acto
s lí
tico
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açõe
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o Z
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Tet
e
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Umarápidaleituradográficopercentual(Fig.14)porcategoriasdeartefactoslevaaconcluir,porexemplo,queaestaçãodeChindutanãoforneceunenhumutensíliosobrelascaequeadeSamuanedominaemtodasascategorias, seguindo-seasde Inhacurungoe Inhacaíua;oquesejustificaporseremasestaçõescommaiornúmerodepeças(QuadroI—Fig.11).
Aanálisedetalhadadosgráficosforneceumafontedecomparaçãoporcategoriatipológicae,nessedomínio,osvalorespercentuaisde100%emalgunsnãodemonstramumpredomíniodesseutensílionasestaçõescorrespondentes,masapenasesóqueonúmerodepeçasémuitobaixo.
Fig. 13’gráfico8a.
Fig. 13’’gráfico8b.
Gráfico quantitativo por categoria de artefacto – Utensílios sobre lasca
Gráfico quantitativo por categoria de artefacto – Utensílios sobre seixo
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Aconjugaçãodosdadosreferenciadosnosgráficos8a)eb)comosdosgráficos9a)eb)permitevalidarosresultadosobtidosenãoserinduzidoemteseserradas.
Conscientedequeasdesignaçõesmorfo-tipológicassãoparciaisquantoàclassificação,houvealgumashesitaçõesnaanáliseparaidentificaçãodosutensílios,masoresultadopareceuomaiscorrectofaceàquantidadedepeçasanalisadaseao interessequearegiãopodeoferecerparaoestudodaIdadedaPedranaÁfricaCentro-OrientalAustral,edoterritóriodeMoçambiqueemparticular.
Fig. 14gráfico9.
Fig. 14’gráfico9a.
Gráfico de correlação por categorias tipológicas dos artefactos líticos de estações de terraços da margem direita do Zambeze – Tete
Gráfico percentual por categoria de artefacto – Utensílios sobre lasca
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Naelaboraçãodaexplicitaçãodescritivadosartefactosquesesegue,procurou-se,apardoscritérioshabituais,darvisibilidadeedeixarperceberquaisosatributosecaracterísticastécnico--morfológicasqueaspeçasdestasestaçõesevidenciamapartirdadebitagemnatransformaçãodossuportes,quesãopassosnecessáriosparaobterumprodutoutilitárioesimples,quefoidepoisobjectoderetoquesmaisoumenossequenciais,equepassamosainterpretar.
7.3. Estudo tecnológico
7.3.1. Debitagem
Noestudodosartefactoslíticos,contabilizaram-se96lascasquerepresentam11%,eresulta-ram,nasuagrandemaioria,daacçãodeseccionar“deumsógolpe”osflancosdeseixosdediferen-tesdimensões.
Consideram-secomolascasaspeçasresultantesdafractura,ouseja,dodestacarpormeiodetalhedirectoeperpendicularaslascasdeumseixooublocodeumarochadura,emconsequênciadasuapercussãointencionalresultantedeumaadequadaoperaçãodetalhe(adaptadodeLeroi--gourhan,1988,p.327),aqualtransformaaindaoseixooriginalemnúcleo.Umalascaémorfolo-gicamenteconstituídaporduasfacesopostas,sendoasuperioraqueapresentaumrevestimentocortical,provenientedoseixooriginal(matéria-prima)eafaceinferiorcorrespondeàresultantedoestalamento,possuindoounãoumconedepercussãomaisoumenospronunciado.
Osatributostecnológicosobservadosnaslascas,talcomoadisposiçãodoslevantamentoseotalãocorticalnaslascasdeprimeirageração,dadoquepoucasserãodesegundageração,pode
Fig. 14’’gráfico9b.
Gráfico percentual por categoria de artefacto – Utensílios sobre seixo
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contribuirparacompreenderoprocessodetalheeoseuenquadramentonacadeiaoperatóriaqueiremoscaracterizar.
No plano morfológico, parece ocorrer uma certa diversidade entre as lascas, o mesmo seconfirmando quanto à sua tipometria. Regista-se uma grande percentagem de valores médios,sendoemnúmeroreduzidoaslascasdemaiordimensão,comoodocumentaoQuadroII(Fig.12).Verifica-se,ainda,asuapresençaemtodasasestações.
Nacaracterizaçãomorfológicadaslascas,atendeu-seaodesenvolvimentodotalheapartirdapresençaouausênciadecórtex,dadoqueestetipodeartefactostemsignificativarepresentativi-dade,alémdepermitirassinalarapresençadelascasespessasdeprimeirageração.
Naorganizaçãodoquadrodescritivo,tivemosematençãooscritériosanteriormentereferen-ciados,quepassamosainterpretar:
Lascas · Lascas de descorticagem–Foramidentificadas8peças(0,92%),assimdesignadasporapresenta-
remumafacecorticalesemretoque,sendoapenasvisívelolascadoqueresultoudoseudesta-quedosuporte(oseixo):peçasn.os1e2(Fig.1)daestaçãodeInhacaíuaepeçasn.os1e2(Fig.1)daestaçãodeMaterdeChevulaI.
· Lascas simples–Foramconsideradas41peças(4,70%),quepoucosretoquesevidenciame,quandoexistentes,nãosedistingueemrelaçãoàdirecçãonenhumapreferência:peçan.º3(Fig.1)daestaçãodeSamuane;peçasn.os3e4(Fig.2)deInhacaíuaepeçan.º1(Fig.1)deChinduta.
· Lascas retocadas – Consideraram-se 42 peças (4,81%), que mostram um retoque abrupto ousemi-abrupto,quantoàinclinação,demorfologiairregularevariávelemdimensão,masdemodoapermitircriarumgumenazonaopostaàáreacorticalenamesmaface.Afaltadetalãodeixaentreveraausênciadepreparaçãodosplanosdepercussãonotalhedaslascas:peçan.º6(Fig.2)daestaçãoSamuane;peçasn.os4e5(Fig.2)deInhacurungoepeçan.º3(Fig.2)deNhamezinga.
· Lascas em forma de “gomo de laranja”–Identificaram-se4peças(0,46%).Alinhalimitedogumepodeapresentarformasconvexasecomretoquesdemodoacriarumtipomorfológicoespecí-fico,comoéocasodaslascas“emformadegomodelaranja”deacordocomaclassificaçãodeBiberson,1966(tipoII.16:FTAn.º58),emqueumapartecorticalsemantém,contribuindodestemodoparaasuacaracterização.Estetipodelascasmostraumavariantetécnicaemorfo-lógicadotalhedosuporte:peçasn.os7a9(Fig.3)fornecidaspelaestaçãodeSamuane.
· Lasca de flanco de núcleo–Temosapenasumapeça(0,11%),queseapresentatodaeolizada,facessemvestígiosdecórtexecomtalão.Faceàsuamorfologia,podedocumentarumafaseevolu-ídadoAcheulense:peçan.º4(Fig.3),provenientedaestaçãodeRamaldeCarinde.
Quantoàmatéria-prima,as lascas sãopredominantementedequartzito,muitoemboraoquartzoestejarepresentado,assimcomoasrochasjaspóideedotiposílex,masemnúmeromuitoreduzido(QuadroII—Fig.12).Amaiorpartedaslascasapresentaumpredomíniodezonascorti-cais;obolbodepercussãoencontra-seausenteeotalãotambémnãoseregista,muitoemborahajaalgumassemvestígiosdecórtexecomoquesepodeconsiderarumtalão:comoéocasodalascadeflancodenúcleo(acimacaracterizada).
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7.3.2. Núcleos
Comonúcleoentende-seaunidadedematéria-primalíticaexploradapelo“Homem”compretensãodeextrairdelefragmentos,quepodemserounãoaproveitados,masqueconservaasarestasreferentesàextracçãointencionaldeprodutos(Santonja,1984-1985,p.17-20).
Outrosinvestigadores,comoTixier(1980:93),consideramnúcleoqualquerblocodematé-ria-prima do qual se extraíram lascas, lâminas ou lamelas, com objectivo de serem utilizadas etransformadas.ParaLeroi-gourhan(1966,p.247),todaamassadematériatalhadaadquireumcarácterdenúcleo.PodeaindaexistirnoAcheulenseumacertadificuldadeemestabelecerumaseparaçãoentredeterminadosnúcleoseutensílios.
Osnúcleostêmumapresençadegrandesignificado;são171peças(19,59%),estãoreferencia-dasemtodasasestações,apresentandodiferentesmorfologiasecategoriasanível tipométrico,comodocumentaoQuadroII(Fig.12).
Quantoaocomprimentoelargura,osnúcleossituam-senascategorias:5(muitogrande)—commedidasentreos120e140mmdecomprimento;4(grande)—commedidasentreos100e120mm;3(médio)—commedidasentreos70eos90mm;2(pequeno)—commedidasentreos50eos70mm;1(muitopequeno)—commedidasentreos30eos50mm.
Relativamenteaopeso,verifica-sequeestevaidesdepeçascom1240gàsde180gfornecidaspela estação de Chinduta, até ao chamado micro-núcleo com apenas 30 g (devido à reduzidadimensãodosseixos)daestaçãodeInhacurungo.Outrosnúcleostêmumvalorresidualeapresen-tamoresultadodeumaexploraçãointensiva,eoutrosaindaforamreutilizadoscomoutensílios,ouemtemposdiferentesparanovasextracçõesdelascas,situaçãoquesereflectenapátinaqueapresentam.
Aclassificaçãodosnúcleosfoiefectuadadeacordocomosistemaqueprivilegiaoordena-mento e posicionamento dos levantamentos extraídos, em detrimento da morfologia final daspeças, atendendo sempre que possível, do ponto de vista técnico e teórico da classificação porgrupos proposta por M. Santonja (1984-1985), que procurámos adaptar com o objectivo de oscompararmoscomindústriasafins.
Quantoaosnúcleosemestudo,verifica-segrandedificuldadeemestabelecerlimitesparaasuacaracterização,demodoapoderdescriminarosatributosnumconjuntotãoamplo,afimdeobterumresultadoquecorrespondaàscaracterísticasobservadasaoníveldaslascasbrutas,resul-tantesdoseccionamentodeseixosedosutensílios.OmétodoLevalloisnãoeradesconhecido,masasuautilizaçãopodeconsiderar-semarginal,oucondicionadapelotipoderecolha.
· Núcleo simples – Com extracção unifacial foram consideradas 123 peças (14,20%), apresen-tandolevantamentoemzonarestritacomo:peçasn.os28e29(Fig.15),quemostramumplano de percussão de talhe abrupto, são provenientes da estação de Inhacurungo; peçan.º52(Fig.22)deSamuane,mostraextracçõessucessivasporretoquessemi-abruptosepeçan.º11(Fig.6)deMaterdeChevulaIqueapresentalevantamentosalternadosindependentes,detalheoblíquoedirecçãocentrípeta.Amatéria-primaescolhidafoioquartzito.
Aspeçasn.os14e15(Fig.9),daestaçãodeRamaldeCarinde,sãonúcleossempreparaçãocomextracçõesdetalheabruptonaprimeira(umseixoanguloso),quepareceocorrerapartirdeumaarestanavertical;napeçan.º15,otalheédesordenadoesemi-abrupto;sendo,quantoao reverso, em todas, cortical. A matéria-prima é, na primeira peça, rocha basáltica e, nasegunda,quartzo.Estesnúcleos,devidoaobaixonúmerodelevantamentosesemprepara-ção,foramintegradosdoGrupo I(Santonja,1984-1985,p.21).
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Maria da Conceição Rodrigues
REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 1. 2007, p. 401-482 459
Nestacategoria,aestratégiaexploratóriabifacialestárepresentada,desdeoslevantamentossimples,ouseja,sempreparaçãodorespectivoplanodepercussão;detalheoblíquoquemostrasucessivasextracçõesnomesmoplano,como:peçan.º22(Fig.13)nalinhadobordo,ecomgrandeáreacorticalnoreverso,comonapeçan.º23(Fig.13),ambasdaestaçãodeNhamezinga;atéaoregistodousodeumpercutorbrando,comooreflecteapeçan.º50(Fig.22)deSamuane,quetambémapresentaasuperfícieeolizada.Amatéria-primautilizadaemNhamezingafoioquart-zito,eemSamuaneaescolhidafoiumarochasiliciosadetipojaspóide.
Assinala-seaindaaprevalênciadeestratégiasdetalhebifacialdesordenadosemdirecçãopreferencialcomplanosearestasquereflectemapreparaçãoparaextracçãodelascasnafacesuperior, comooquesedesignoupor núcleo de preparação para extracção de lascas:peçan.º30(Fig.16)deInhacurungo.Apeçan.º10(Fig.6)deMaterdeChevulaIapresentalevantamentosdetalhecomdirecçãooblíquaesemi-abrupta,desordenados,sendooreversopredominante-mentecortical.Amatéria-primautilizadafoioquartzito.EstetipodenúcleoscomextracçõessucessivaspraticamentenomesmoplanopodeserincluídonoGrupo II(Santonja,1984-1985,p.21).
· Núcleo prismático–Foiincluídoumexemplar(0,11%),queapresentaextracçõescomestratégiadetalhemultifacetadocomplanosdepercussãoearestasresultantesdelevantamentosdelascaslaminares.Assinalam-seaindanaestratégiaoslevantamentosdetalhecomdirecçãooblíquaesemi-abrupta,eumpredomíniodaáreacortical:peçan.º13(Fig.9)deChinduta.Amatéria-primautilizadafoioquartzito.Estenúcleo,devidoaobaixonúmerodelevanta-mentos,foiintegradonogrupoI(Santonja,1984-1985,p.21).
Núcleo discóideSãopeçascom levantamentosoblíquose semi-abruptosdefinidospor talhecomdirecção
centrípeta que lhe determina a configuração periférica, estando este tipo presente em todas asestaçõesàexcepçãodeChinduta.
· Núcleo discóide–Foramreferenciadas18peças(2,06%),queapresentamextracçõesbifaciaiseumpredomíniodelevantamentosquealternamcomzonacortical,ereflectemnotalheousodopercutormisto,ouseja,duroebrando,dequedestacamos:peçasn.os39a41(Fig.19)deInhacaíua;peçan.º12(Fig.7)deMaterdeChevulaI;peçasn.os31e32(Fig.17)daestaçãodeInhacurungo;peçan.os24a26(Fig.14)deNhamezingaepeçan.º16(Fig.10)daestaçãodeRamaldeCarinde.Apeçan.º54(Fig.23)daestaçãodeSamuaneéaqueapresentaumtalhemaisgrosseiro.
No que respeita à matéria-prima, regista-se o predomínio do quartzito, com excepção: dapeçan.º26deNhamezinga,queédequartzoedan.º16deRamaldeCarinde,queéumarocha do tipo sílex. Quanto ao tipo de talhe, podem enquadrar-se noGrupo VI (Santonja,1984-1985,p.24).
· Núcleo tipo discóide sobre calote de seixo–Foiincluídoumexemplar(0,11%).Trata-sedeumapeçaparticularmentecaracterística,sempreparaçãonoreverso,mascomdimensõesdeterminadasporlevantamentosoblíquosesemi-abruptoscomarestasbemdefinidasnumadasfaces,eoreversocortical:peçan.º17(Fig.17)daestaçãodeRamaldeCarinde,sendoamatéria-primauma rocha granitóide. Este tipo de talhepode enquadrar-se noGrupo IV (Santonja, 1984--1985,p.23).
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· Micronúcleo discóide–Referenciaram-seduaspeças(0,23%),queapresentamextracçõesbifa-ciaisdefinidasporlevantamentosoblíquos,queocorrememdoisplanosdasuperfícietalhada,e lhes determina a configuração periférica; havendo zonas corticais: peças n.os 55 e 56(Fig.24)daestaçãodeSamuane.Amatéria-primadaprimeirapeçaéquartzitoedaoutraoquartzo. Quanto ao tipo de talhe apresentado, pode enquadrar-se no Grupo VI (Santonja,1984-1985,p.24).
Núcleo LevalloisVamosincluirnestacategoriaosexemplaresdetalhebifacialecomaplicaçãotecnológicado
métodoLevallois,oquecorrespondeanúcleoscomplanosdepercussãomaisoumenosprepa-rado,cujoresultadodotalhepermiteconsiderar:NúcleoLevalloisdiscóide;Núcleoproto-Levallois;NúcleocomaplicaçãodométodoLevallois.
· Núcleo Levallois discóide–Foiconsideradoumexemplar(0,11%)degrandesdimensões;éumapeçacomtalhebifacialelevantamentosdedirecçãocentrípetaquedefinemaconfiguraçãoperiféricaemvoltadobordodoartefacto:peçan.º33(Fig.18)daestaçãodeInhacurungo.Amatéria-primaescolhidafoioquartzito.EstetipodenúcleomostraumtalhequesepodeincluirnoGrupo IX(Santonja,1984-1985,p.30).
· Núcleo proto-Levallois–Umexemplar(0,11%),quemostraumtalhebifacial,dadoterretoquesnoreverso;afacesuperiorédefinidaporextracçõessucessivascomdirecçãocentrípetaemvoltadobordo:peçan.º57(Fig.25)daestaçãodeSamuane;sendoamatéria-primaescolhidaoquartzito.
· Núcleo com aplicação do método Levallois–Referenciaram-setrêspeças(0,34%),queapresentamum talhe bifacial com extracções de direcção centrípeta e sucessiva, que se desenvolvemparcialmenteemvoltadobordodefinindo-o,restandoumazonacortical:peçan.º35(Fig.19)daestaçãodeInhacurungoepeçan.º27(Fig.15)daestaçãodeNhamezinga.Amatéria-primaescolhidafoioquartzito.Estesexemplarespodemincluir-sedeacordocomotipodetalhe,talcomoapeçan.º57deSamuanenoGrupo VIII(Santonja,1984-1985,p.26).
· Núcleo globuloso–Foramconsideradas3peças(0,34%),queapresentamumtalheunioubifa-cial, com extracções dispersas de número variável não hierarquizadas. Nesta categoria,incluiu-seapeçan.º58(Fig.26),quemostraumtalheunifacialcomextracçõesporretoqueabrupto,queocorremparcialmentenafacesuperior,sendoarestantepartecórtex,eapeçan.º59(Fig.26)detalhebifacialcomlevantamentosdedirecçãocentrípetairregular,alter-nandocomzonascorticais;sendoambasprovenientesdaestaçãodeSamuane.
Apeçan.º13(Fig.8),daestaçãodeMaterdeChevulaI,apresentatalhebifacial,comlevanta-mentossemi-abruptoseoblíquosdedirecçãocentrípeta,alémdezonascorticaisemambasasfaces.Amatéria-primaescolhidafoioquartzito.Estesexemplarespodem,quantoaotipodetalhe,incluir-senoGrupo VII(Santonja,1984-1985,p.26).
· Micronúcleo globuloso–Foramidentificadas3peças(0,34%),queapresentamtalhebifacial,defi-nido por levantamentos sucessivos de direcção centrípeta irregular, alternando com zonascorticais,eoprovávelusodeumpercutorbrando:peçan.º61(Fig.27),daestaçãodeSamuane.Amatéria-primaescolhidafoioquartzito.
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Nestacategoria,incluiu-setambémapeçan.º62(Fig.27),cujamatéria-primaéumarochajaspóide,eapeçan.º60(Fig.27),emqueamatéria-primaéumarochasiliciosa,sendoambasprovenientes da estação de Samuane. Estes exemplares podem, quanto ao tipo de talhe,incluir-senogrupoVII(Santonja,1984-1985,p.26).
· Núcleo circular de retoque abrupto–Umexemplar(0,11%),queapresentaumtalheunifacialdedirecçãocentrípeta,comextracçõesporretoque(abrupto)sucessivoquedefinelateralmenteapeça,sendoapartesuperioreoreversocortical:peçan.º28(Fig.16)daestaçãodeNhame-zinga. A matéria-prima escolhida é o quartzo. Esta peça poderá ser incluída no Grupo VII(Santonja,1984-1985,p.26).
· Micronúcleo – Consideraram-se 2 exemplares (0,23%), atendendo às dimensões dos seixossuporte.Apeçan.º38(Fig.20)éumpequenoseixodecategoria1(muitopequeno)detalhebifacial,comextracçõesporretoqueoblíquoeumaáreacorticalnoreverso.Amatéria-primautilizadaéoquartzo.
Apeçan.º39(Fig.20)seráumnúcleosobrecalotedeseixo(reutilizado),quemostracicatri-zes de talhe de lamelas, obtidas por pressão directa e utilizando um punção preparado.Amatéria-primaescolhidaéumarochabasáltica.
São ambas peças provenientes da estação de Inhacurungo. Quanto ao tipo de talhe, aprimeirapeçapoderáser incluídano Grupo II ea segundanoGrupo III (Santonja,1984--1985,p.21).
As tipologias propostas (Santonja, 1984-1985) tiveram de ser adaptadas à realidade das
peçasemanálise;quantoàsrestantesestratégiasexploratórias,apresentam-seconfinadasamaisalgunsnúcleoscomoosreutilizados,informeseexaustos,alémdosfragmentosdenúcleo,cujacaracterização se considera indeterminada e incluídos no Grupo XI (Santonja, 1984-1985,p.30).
Acomposiçãoorganizadaporgrupostécnicosemqualquersériedenúcleos,sejaosdeformassimples(grupoI,IIeIII),oudeformasmaiscomplexas(grupoIV,V,VI,VIIeVIII),paraefeitoscomparativos, permite ordenar um conjunto estruturado e estabelecer uma relação de ordemformalentreosdiversosgruposdistinguidos.
7.4. Estudo tipológico
UtensíliosNaclassificaçãodestasindústriaslíticas,dopontodevistatipológico,edeacordocomos
tipos estabelecidos para os utensílios deste conjunto de estações e organizados no Quadro III(Fig.15),ressaltaemprimeirolugarasuadiversidade,mesmoatendendoaoseuelevadonúmero.destaca-seessencialmenteopesodogrupodosutensíliossobreseixo,emqueoschopperscorres-pondema79,30%,comparativamentecomodossobrelasca,emqueosraspadoresrepresentam13,33%,nototaldosutensílioscontabilizados.Emcontrastecomestegrupodeutensíliosdomi-nante,osrestantessobrelascarepresentam1,89%,eossobreseixo6,45%,evidenciandoporconse-guinteumpesomuitomenoredistribuindo-seporutensíliosdiversos.
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7.4.1. Utensílios sobre lasca
Os utensílios sobre lasca são essencialmente elaborados sobre lascas de primeira geração(resultantesdofraccionardoseixo/núcleo),osquais,comoprodutoderetoqueportalhedirecto,podemmanterumaface(asuperior)commaioroumenorpredomíniodecórtex,sendoestacate-goria de utensílios constituída maioritariamente por raspadores, havendo também furadores,entalheseumdenticulado,osquaiscorrespondema82peças(14,22%).
Emtermostipológicos,aprincipalcaracterísticadestesutensíliosresidenasuarelativadiver-sidade,umavezqueserepartemporváriascategoriasreferenciadasnoQuadroIII(Fig.15).
Quadro III. utensílios líticos das estações dos terraços da margem direita do rio Zambeze
Raspador 17 8,54 4 3,33 17 13,28 3 4,29 2 14,29 43 7,48
Raspador sobre lasca levallois 1 0,50 1 0,17
Raspador sobre lasca em forma de gomo de laranja 8 4,02 2 1,67 10 1,74
Raspador duplo/biconvexo 1 0,50 1 7,14 2 0,35
Raspador convexo 1 0,50 1 0,17
Raspador circular 2 1,01 3 2,50 1 4,00 6 1,04
Raspador côncavo 2 1,01 1 0,83 3 0,52
Raspador lateral 1 0,83 2 14,29 3 0,52
Raspador de gume rectilíneo 1 0,83 1 0,17
Raspador com denticulado 1 0,50 1 0,17
Furador 1 1,43 1 0,17
lasca retocada mais furador 1 0,83 1 0,17
lasca levallois retocada mais furador 1 0,50 1 0,17
Denticulado 1 4,00 1 0,17
Entalhe 2 2,86 1 7,14 3 0,52
Entalhe e furador 1 1,43 1 0,17
Peça de gume transversal 3 2,50 3 0,52
u T E n s í l I O s s O b r E s E I x O
Chopper 95 47,74 49 40,83 19 76,00 72 56,25 36 51,43 10 52,63 6 42,86 287 49,91
Chopping tool 44 22,11 48 40,00 4 16,00 22 17,19 22 31,43 4 21,05 2 14,29 146 25,39
Chopper poliédrico 3 1,51 1 0,78 1 5,26 5 0,87
Chopper nucleiforme 9 4,52 4 3,13 13 2,26
Chopper com retoque vertical 1 0,78 1 0,17
Chopper circular 2 1,56 2 0,35
Chopper com retoque secundário 2 1,56 2 0,35
lascas "limace" (Bordes) 3 1,51 1 1,43 4 0,70
Proto-pico 4 2,01 1 0,78 2 2,86 7 1,22
Proto-biface 1 0,78 1 1,43 2 0,35
Biface 1 0,50 1 0,83 1 5,26 3 0,52
Raspador transversal sobre seixo 2 1,01 3 2,50 2 1,56 1 1,43 1 5,26 9 1,57
Núcleo reutilizado como raspador 1 0,83 1 0,17
Peças bifaciais 2 1,01 2 1,67 4 0,70
Percurtor 1 0,50 3 2,34 4 0,70
Peso de rede 1 0,50 2 10,53 3 0,52
TOTAl 199 100 120 100 25 100 128 100 70 100 19 100 14 100 575 100
cO n TAg E M T I P O ló g I c A
M AT E r I A l l í T I c O - P r O s P E c ç ã O / r E c O l h A d E s u P E r f í c I E
Samuane Inhacaíua Mater de Chevula I Inhacurungo Nhamezinga Chinduta Ramal de CarindeToTal
1.ª estação 2.ª estação 3.ª estação 4.ª estação 5.ª estação 6.ª estação 7.ª estação
Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
u T E n s í l I O s s O b r E l A s c A
N.º – número de peças | % – sobre o total dos artefactos contabilizados
Fig. 15OrdenaçãoepesopercentualdosutensílioslíticosdasestaçõesdosterraçosdamargemdireitadorioZambeze–Tete.
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Na caracterização tecno-morfológica, procurou atender-se ao maior ou menor desenvolvi-mentodotipodetalheapartirdapresençaouausênciadecortexnumadasfaces,àlocalizaçãoedisposiçãodoslevantamentos;oquemuitocontribuiuparacompreenderoprocessodetalhee,assim, definir o seu enquadramento na cadeia operatória que definiu os utensílios líticos quepassamosacaracterizar:
RaspadoresNeste tipo morfológico foram identificadas 71 peças (12,33%), documentando diferentes
tiposmorfológicos.Paraasuamanufactura,dopontodevistatecnológico,ter-se-iamutilizadolascas,principalmentedeprimeirageração,quedepoiseramretocadas,mostrandoquantoàtecno-logiaretoquesabruptosousemi-abruptosmaisoumenosirregularesecomdimensõescurtasoulongas,criandoraspadorescomdiferentesmorfologias.Emrelaçãoàdirecçãodepercussãonãoseevidencianenhumapreferência:algunsapresentamcurtosretoquesetambémaausênciadelinhadegumebemdefinidaouapenasumalinhasinuosa.
· Raspador simples–Foramconsideradas43peças(7,48%),oqueconferegranderepresentati-vidadeaestacategoria.Sãoutensíliosdetalhebifacial,sendoumadasfacesquaseplana,ea outra parcialmente cortical, sendo de um modo geral utensílios espessos. Uma claraevolução do procedimento tecnológico para obtenção de um gume está presente, o querepresentaumaespecializaçãodatécnicadetalheepermitedeterminardiferentescatego-riasderaspadores,tornando-osnosmaissignificativosutensíliosdaindústriadoComplexo Tecnológico do Acheulense.Foramseleccionadas:peçasn.os10a12(Fig.4)daestaçãodeSamu-ane;peçasn.os8e9(Fig.4)deInhacaíuaepeçasn.os5e6(Fig.3)deNhamezinga.
Nestacategoriaháadestacarapeçan.º13(Fig.A),recolhidanaestaçãodeSamuane,pelassuas reduzidas dimensões, talhe com punção preparado, além de apresentar a superfíciecompletamenteeolizada.Amatéria-primaénestapeçaumarochajaspóide;nasoutrasesta-çõesverifica-sequeaspeçasn.os12,8e5sãodequartzo,sendoaspeçasn.os10,9e6dequar-tzito,deacordocomaordenaçãodasestaçõesacimareferidas.
· Raspador com retoque lateral–Identificou-seumapeça(0,17%),quemostraretoquesdesenvolvi-dosnumdosladosdobordodapeça,ecomoresultado:umgumesubvertical—peçan.º10(Fig.5)daestaçãodeInhacaíua.Amatéria-primaéoquartzito.
· Raspador sobre lasca Levallois–Incluiu-seumapeça(0,17%),quemostraumaproveitamentototal(ouquase)dogumedeumalascaobtidapelométodoLevallois,ouseja,dentrodeumafasedaevoluçãotecnológicadoAcheulense;alémdedemonstraracapacidadedeaprendiza-gem,ouumanovatradiçãocultural:peçan.º14(Fig.5)daestaçãodeSamuane.Amatéria--primautilizadafoioquartzito.
Oaproveitamentodalascasuporteeafuncionalidadedestetipodeutensíliosmostramuma
indústriacomumatecnologiaconsideradado“modo3”,segundoClark(1969,p.29-31;Phillip-son,1994,p.65).
· Raspadores sobre lasca em forma de “gomo de laranja”–Identificaram-se10peças(1,74%),queconstituemumtipoespecificoderaspadores,everifica-sequeforamobtidossobreumdetermi-nadotipode lascas (atráscaracterizadas),as“emformadegomode laranja”.Sãoutensílios
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quasesemretoquesedediferentesdimensões,apresentandoumazonacorticalcaracterística,alémderepresentaremumavariantetécnicaemorfológicadosuporte,oumaisprecisamentedaimplantaçãodobordotalhado:peçasn.os15a17(Fig.6)daestaçãodeSamuaneepeçasn.os11e12(Fig.6)deInhacaíua.Amatéria-primautilizadafoioquartzito.
· Raspador duplo ou biconvexo–Identificaram-seduaspeças(0,35%),queseinseremnosutensí-lioscomretoquesnãoordenados,masdistribuídosemvoltadobordodalasca,preenchendo--onumaamplitudedecercade180ºnapeçan.º18(Fig.7)daestaçãodeSamuane,ounosdoisladosdobordo,comonapeçan.º7(Fig.5)deRamaldeCarinde.Amatéria-primautili-zadafoioquartzito.
· Raspador convexo–Identificou-seumapeça(0,17%),queseinserenosutensílioscomretoquesnãoordenados,masdistribuídosemvoltademetadedobordodalasca,preenchendo-o:peçan.º19(Fig.8)daestaçãodeSamuane.Amatéria-primaescolhidafoioquartzito.
· Raspador circular–Foramidentificadas6peças (1,04%).Este tipoespecíficomostraqueosretoquesforamdistribuídosquaseportodoolimiteexteriordobordo:peçan.º20(Fig.9)daestaçãodeSamuaneenaspeçasn.os13a15(Fig.7)deInhacaíua.Nocasodapeçan.º21(Fig.9)deSamuaneenapeçan.º3(Fig.2)deMaterdeChevulaI,verifica-sequeazonacomretoquealternacomazonacortical(quenãofoiobjectoderetoque).Quantoàmatéria-prima,apenasapeçan.º14édequartzo,asrestantessãodequartzito.
· Raspador côncavo–Identificaram-seduaspeças(0,35%).Umatemcomosuporteumalascadedimensõesmédias,cujaconfiguraçãofoiobtidaporlevantamentosdedirecçãocentrípeta,eretocadanaextremidadedistaldefinindoumgumecôncavo:peçan.º22(Fig.10),fornecidapelaestaçãodeSamuane.Amatéria-primautilizadafoioquartzito.Aoutraéumpequenoartefacto de talhe bifacial, com retoques curtos e de inclinação semi-abrupta: peça n.º 23(Fig.B)daestaçãodeSamuane.Estapeçadistancia-sedosraspadoresantescaracterizados,devidoàmorfologiaeaotipodematéria-primaemquefoitalhada(rochajaspóide),alémapresentarumapatinaeólica.
· Raspador côncavo com retoque abrupto–Foiconsideradaumapeça(0,17%),queapresentaumtipoespecíficoderetoqueabrupto,alémdotalhedefiniraindaumaarestacôncavanaextre-midadedistal:peçan.º16(Fig.8)daestaçãodeInhacaíua.Amatéria-primaescolhidafoioquartzito.
· Raspador de retoque rectilíneo–Incluiu-seumapeça(0,17%),quemostraumgumedefinidoporretoques desordenados, disposto em linha de acordo com a morfologia da lasca: peçan.º17(Fig.9)daestaçãodeInhacaíua.Regista-seumbomaproveitamentodoquartzocomomatéria-prima.
· Raspador com denticulado–Identificou-seumapeça(0,17%),quemostraumtalhebifacialcomretoquescontínuosdeinclinaçãoabruptaedecurtadimensãoquesedesenvolvemprincipal-mentedeumdosladosdoutensílio,definindoasuamorfologia:peçan.º24(Fig.C)daesta-çãodeSamuane.Amatéria-primaéumarochasiliciosabandadaeapresentaumasuperfíciecompátinaeólica.
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NestacategoriadeutensíliosmerecemdestaqueoRaspador simples (peçan.º13),oRaspador côncavo(peçan.º23)eoRaspador com denticulado(peçan.º24)(Fig.A—B—C);sãopeçasdetalhebifacial,semvestígiosdecortexerecolhidasnaestaçãodeSamuane.Foramincluídosnestafasedadescrição,porumaquestãodemetodologia,mantendoassimaordenaçãoporcategoriadaarte-facto,muitoembora,devidoàssuasdimensões,característicastecno-morfológicasetipodematé-ria-primaemqueforamtalhados(rochajaspóide),nãopareçamserincluídosnoAcheulense.Apre-sentamumapátinaeólica,oqueosfazdistanciaraindamaisdosoutrosraspadores.
FuradorNestacategoriadeutensíliosforamconsiderados3exemplares(0,52%);têmcomosuporte
diferentestiposdelascas,queforamestrategicamenteexploradas.
· Furador simples–Foiincluídaumapeça(0,11%)cujosuporteéumaespessalascadeprimeirageraçãoretocadanaextremidadedistalequeapresentaumasilhuetaafilada,definidapordoislevantamentosoblíquosebilaterais,criandoumaduplacadeiaoperatóriaparapossibi-litaraconfiguraçãodaparteútildapeça.Emtermosmorfológicos,oresultadoobtidonaextremidadedistal,éumtipodeatributodeterminadopeloretoquedazonaapontada:peçan.º7(Fig.4)daestaçãodeNhamezinga.Amatéria-primaescolhidafoioquartzo.
· Lasca retocada mais furador e Lasca Levallois mais furador – Incluíram-se duas peças (0,35%),porqueestetipodeutensíliosassinalaapresençadelascascomumaestratégiadetalhe,bemdiferenciada,quemostraoaproveitamentoadequadodamorfologiadosuporteedaprópriamatéria-prima,situaçãoquesetornamaisevidentenalascaobtidapelométodoLevallois:peçan.º18(Fig.10)daestaçãodeInhacaíuaenapeçan.º25(Fig.11)deSamuane.Amatéria--primautilizadafoioquartzito.
Esteconjuntodeutensíliosrepresentaumasignificativaalteraçãodosvaloresreferentesaograu
depreparaçãoparaodesenvolvimentonotalhenasduasfaces.Otipoderetoque,quesepodeconsi-derarevolucionado,temaindagrandesignificado,porquedocumentaavançotecnológiconaprocuradenovostiposdeutensílios,apósodestacardalasca;alémdereflectirnovaspreocupações,comosejaaprovávelconfecçãodeindumentárias—trabalhoqueseriafacilitadopelousodofurador.
· Denticulado–Identificou-seumapeça(0,17%),quefoiobtidaapartirdeumalascadeprimeirageraçãoe,porisso,apresentaumafaceinteiramentecorticalcujobordofoialvoderetoquessemi-abruptosecentrípetosquantoàdirecção,demodoadefinirumgumelocalizadonaextremidadedistale lateralda lasca:peçan.º4 (Fig.3)daestaçãodeMaterdeChevula I.Amatéria-primautilizadafoioquartzito.
· Entalhe–Identificaram-se3peças(0,52%).Emborareduzida,apresençadestetipodeutensí-lioé,contudo,expressiva,dadootipodetalhe.Sãoutensíliosresultantesderetoquesbifa-ciais desenvolvidos sobre lasca, ou seja, uma sucessão de retoques curtos que, em relaçãoàinclinação,podemserconsideradossemi-abruptos,comlocalizaçãodistalemesial,sendoadirecçãodepercussãosempreferênciaouirregular.
Osutensílioscomretoquemesialestãoreferenciados:peçasn.os8e9(Fig.5)provenientesdaesta-çãodeNhamezinga.Amatéria-primautilizadafoioquartzoleitosoeoquatzito,respectivamente.
Maria da Conceição Rodrigues Artefactos líticos das “estações” dos terraços fluviais da margem sul do rio Zambeze – província de Tete, Moçambique: uma primeira abordagem
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Outensíliocomretoquedistalseráoresultadodolevantamentoporpressãocominclinaçãoabruptaebemmarcada,queseevidencianapeçan.º8(Fig.6)daestaçãodeRamaldeCarinde.Amatéria-primaescolhidafoiumarochadotipogramófiro,oquemostraousodetrêsvariedadesdematéria-prima.
· Entalhe e furador–Foiincluídaumapeça(0,17%)queapresentaumasériedepequenosretoquesbemdirigidosparaseobterumapeçaquereflectejáalgumaespecializaçãotecnológica;eviden-ciaumténuebolbodepercussãonafaceposterioremantémumazonacorticalnafacesuperiorno lado oposto à área afilada, que é definida por dois levantamentos oblíquos e bilaterais,criandoduascadeiasoperatóriasparaaconfiguraçãodapeça.Emtermosmorfológicos,oresul-tadoobtidonazonamesialéumatributodeterminadopeloretoquedazonaapontada:peçan.º10(Fig.6)daestaçãodeNhamezinga.Amatéria-primaescolhidaéoquartzito.
· Peças de gume transversal–Foramreferenciadas3peças(0,52%);sãolascasdetalhecaracterís-tico,ouseja,detalhebifacial,eapresentamnafacesuperiorretoquesabruptoesemi-abrupto,definindoumgume,sendooreversopredominantementecortical:peçasn.os19a21(Fig.11)daestaçãodeInhacaíua.Amatéria-primaescolhidafoioquartzito.
7.4.2. Utensílios sobre seixo
dispomos de utensílios com talhe uni- ou bifacial que, do ponto de vista morfológico,formamumgumeouumapontadistal.Sãotiposdeartefactosparaosquaissedefiniramdiferen-tescategoriasequesesubdividememfunçãododomíniotécnicodotalhe,podendoapresentardiferentesdirecçõesnaprocuradeplanosdeequilíbrio.Otalhe(uni-oubifacial)reflecteaestraté-giadeexploraçãonumaounasduasfacesdasváriasgeraçõesde levantamentoseosutensíliosobtidoscorrespondemaarquétiposdeseixostalhadosdoComplexo Tecnológico do Acheulense.
Regista-se a presença de 5 tipos: chopper, chopping tool, poliedros, proto-pico, raspadortransversalsobreseixo(ouchopper-raspador).
daclassificaçãotipológicadestesutensíliosressaltaasuadiversidade,podendoestesapresen-taralgumasimetria,bemcomoumcertoarcaísmoaníveltecnológico,sebemquenoplanomorfo-lógicosenotealgumaevoluçãointencionalcomoobjectivodeobtergumeseformasequilibradas,trabalhoqueteriasidodificultadopelafracaqualidadedoretoqueoupelasuaausência,emalgunsdeles. A escolha do suporte reflecte preocupação quanto às dimensões e morfologia do seixo, demodoapermitirumamaiorfacilidadenotalhe,nautilizaçãoeaténotransporte.Importaassinalarquecadatipodeutensíliomostraumtalhecaracterístico,masteráoseunúmeroelugardefinido.
Podemosdistinguir,quantoaodomíniotécniconadirecçãodotalhe,doistipos:ounifacialeobifacial(comojáreferido),sendoporsuavezquatrooscritériosdedeterminação/escolhaparaacaracterizaçãodotalhedosseixos:1—talhesobreumafaceousobreasduasfaces;2—localiza-çãodotalhe;3—extensãodotalhe;4—formadogumeobtido.
Atipologiadescritivaconsideraexistiremtrêsordensdetalhe:seixodetalheunifacial,seixodetalhebifacial,seixodetalhemultidireccional.
Adisposiçãodasextracçõesédeterminadaemfunçãodoeixomaiordesimetriadoseixo,tendo-sedadoimportânciaàinclinaçãodoslevantamentosqueédeterminadapelotipodeexplo-ração:aplanadaaté30º;oblíquaousemi-abruptanovalorde60ºeabruptadaordemdos90º.Ousodopercutorduroéverificávelnaelaboraçãodestesartefactos.
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ChopperChopperéumseixotalhadonumasóface,podendoessetalheserdistaloulateral,lidoem
funçãodaposiçãodogumequesurgenapartesuperiordoseixo,ouserparaleloaoeixoverticaldapeça,portantonasuapartelateral,comoresultadodalocalizaçãodotalhe,respectivamente.Nesta categoria foram contabilizadas 287 peças que representam (49,91%) — Quadro III(Fig.15).
Agrandequantidadedestetipodeutensílios,presenteemtodasasestações,revela,quantoàmorfologia,diferentestipos,havendoaindaaconsiderarafrequênciaeaposiçãodoslevantamen-tosefectuados,que,nosdetalheunifacial,setornaporvezesdifícildeinterpretar,oquelevouaincluirnoutracategoriadeartefactoaquelesquesuscitavamdúvidas faceàausênciadealgunsatributosequedesignámosporchoppernucleiforme.
Otalhedosuporte(seixo)podetersidoefectuadodeumaformalinearordenadaoudesorde-nada numa das faces do seixo e mantendo grande parte da volumetria original do suporte. Naanálisedasformas,adaptámosaclassificaçãotipológicapropostadeCampsemTableau des types de galets taillés (TST)(1981,p.55)eacriadaporBiberson(1966)inFiches Typologiques Africaines(FTA),tendoemconta:aescolha/dimensãodosuporte,oresultadodotalheeamatéria-prima.
Oquepermiteconsiderar:choppercomgumedistalemângulo,chopperdegumesub-recti-líneo,chopperdegumefacetado,echoppertruncado.
· Chopper de talhe não ordenado de gume em ponta (ângulo)–Estetipodegumeéformadoporlevan-tamentosdivergentessobreomesmoplano:peçan.º13(Fig.7)deNhamezingaeapeçan.º7(Fig.4)deMaterdeChevulaI.Estesutensíliospodemquantoàmorfologiaenquadrar-senotipodeseixo 1.2 bisda(TST)deCamps(1981,p.55)enaSérie Ida(FTA)—I. 6deBiberson(1966).Amatéria-primautilizadafoioquartzito.
· Chopper de talhe não ordenado e gume sub-rectilíneo–Estetipodegumeédefinidoporumasériedelevantamentossucessivos:peçan.º26(Fig.12)daestaçãodeSamuane;peçan.º12(Fig.7)deNhamezinga;peçan.º2(Fig.2)deChinduta;peçan.º10(Fig.7)deRamaldeCarinde.Podemenquadrar-se,quantoàmorfologiaapresentadanotipodeseixo 1.2da(TST)deCamps(1981,p.55)enaSérie Ida(FTA)—I. 5deBiberson(1966).Amatéria-primautilizadafoioquartzito.
· Chopper de talhe não ordenado e gume facetado–Estetipoapresentaumgumecomváriasarestas,queseevidencianapeçan.º22(Fig.12)daestaçãodeInhacaíuaenaspeçasn.os5-6(Fig.4)deMaterdeChevulaI.Estesutensíliospodemenquadrar-sequantoàmorfologia,notipodeseixo 1.3da(TST)deCamps(1981,p.55)enaSérie I da(FTA)— I. 5deBiberson(1966).Noque respeita à matéria-prima, há um predomínio do quartzito; apenas a peçan.º6foitalhadaemseixodequartzo.
· Chopper de talhe não ordenado e gume indefinido ou truncado–Estaindefiniçãoquantoaogumepoderesultardofactodoseixotersidosimplesmentetruncado,razãoporquenãosepodeconsiderarhaverumgumeindefinido,alémdeoutroscritériosdeordemtécnica,comosejamasdimensõeseotalheserapenasafloradonoplanodefracturadoseixo,comonapeçan.º29(Fig.13)daestaçãodeSamuane.Nocasodosseixostruncados,verifica-seumtalheabruptocomoresultadode,pelomenos,duassériesdelevantamentossucessivos:peçan.º23(Fig.12)daestaçãoInhacaíua.Nosartefactosemqueotalheseapresentapoucoacentuado,temospor
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vezesextremidadeemângulocomo:peçan.º28(Fig.12)daestaçãodeSamuaneenapeçan.º24(Fig.12)deInhacaíua.Napeçan.º11(Fig.7)deRamaldeCarinde,otalheéirregulareaextremidadeapresenta-searredondada.
Estesutensíliospodemenquadrar-se,quantoàmorfologia,notipodeseixo 1.3da(TST)deCamps(1981)enaSérie Ida(FTA)—I. 5deBiberson(1966).Amatéria-primautilizadanapeçan.º24éoquartzoenasrestantes,oquartzito.
Chopping toolAcadeiaoperatóriaindividualiza-sepelofactodoprocessodeconfiguraçãodoutensílioestar
condicionadopeladimensãoeformadosuporte,bemcomopelasequênciadotalhe.
· Chopping tool–Foramreferenciadasnestacategoria146peças,querepresentam25,39%.Estetipo de utensílio mostra um seixo talhado nas duas faces, além de apresentar diferentesmorfologiasetipometrias.
Otalhepodetersidoefectuadodeumaformalinear,ordenadooudesordenado,nasduasfacesdoseixonaprocuradadefiniçãodogumeevamosadoptarparaasuacaracterizaçãoaclassificaçãotipológicapropostaporCamps(1981,p.55)emTableau des Types de galets taillés(TST)eacriadaporBiberson(1966) inFiches TypologiquesAfricaines (FTA)paraseixoscomtalhebifacial,talcomoofizemosparaosdetalheunifacial.
Oschoppingtoolscomgumerepresentamuminíciodeespecialização.Asuaclassificaçãodevevariaremfunçãodaposiçãodogume,quereflecteoresultadodavariaçãodosângulosentreasfacescomvaloresdos40ºaos100ºnovalormáximoedos65ºa80ºnovalormédio.Assim,teremos:Choppingtoolcomgumedistalduplo(oupontaemângulo),Choppingtoolcomgumedistalrecto,Choppingtoolcomgumerectodistalelateral,Choppingtooldegumefacetado(duasvariantes—AeB),Choppingtooldegumecompercursocircular,Choppingtooldegumedistalirregular.
· Chopping tool com talhe não ordenado de gume distal duplo –Este tipoapresentaaextremidadedistal definindo um ângulo, ou formando gume, por levantamentos divergentes sobre osdoisplanos,eobtidospor levantamentosalternadoscomo:peçasn.os30e33 (Fig.14)daestaçãodeSamuaneepeçasn.os14e16(Fig.8)deNhamezinga.
Estesutensíliospodem-seenquadrar-se,quantoàmorfologia,notipodeseixo 2.3 bisda(TST)deCamps(1981,p.55)enaSérie IIda(FTA)—II. 9deBiberson(1966).Amatéria-primaesco-lhidafoioquartzito.
· Chopping tool com talhe não ordenado e gume distal recto–Utensíliocujogumefoidefinidoporumasériedelevantamentossucessivos:peçasn.os26e27(Fig.13)deInhacaíuaepeçan.º13(Fig.8)deRamaldeCarinde.Estesutensíliospodemenquadrar-se,quantoàmorfologia,notipodeseixo 2.3da(TST)deCamps(1981,p.55)enaSérie IIda(FTA)—II. 4deBiberson(1966).
Amatéria-primadapeçan.º13foiobtidaapartirdeumarochadotipogranitóide(seixo),easrestantespeçassãodequartzito.
· Chopping tool com talhe não ordenado e gume recto duplo–nestetipodeutensílioogumeédefi-nidoporumasériedelevantamentossucessivosemdiferentesdirecções,ecomoresultado,umgumedistaleoutrolateral,mascontínuo:peçan.º33(Fig.14)daestaçãodeSamuanee
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peçan.º12(Fig.6)deInhacurungo.Quantoàmorfologia,estesutensíliospodemenqua-drar-senaSérie IIda(FTA)—II. 6deBiberson(1966).Amatéria-primaescolhidafoioquart-zito.
· Chopping tool com talhe bidireccional e gume facetado (A)–Nestetipodeartefacto,ogumedefi-nido foi obtido por levantamentos distais alternados e ordenados como: peça n.º 28(Fig.13)daestaçãodeInhacaíuaepeçan.º15(Fig.8)deNhamezinga.Estesutensíliospodem,quantoàmorfologia,enquadrar-senotipodeseixo 2.6da(TST)deCamps(1981,p.55)enaSérie IIda(FTA)—II.10 deBiberson(1966).Amatéria-primautilizadafoioquartzito.
· Chopper Poliédrico/chopping tool com talhe multidirecional e gume facetado (B) – Registaram-se 5peças (0,87%);éumutensílioquemostraoutracategoriatécnicadetalhebifacial,porser,quantoàdirecção,multidireccional.Estetipodeartefactoresultadodesbaste/talheparcial-mentegeometrizantedepartedoseixo,queotransformanumaespéciedeseixofacetadonapartesuperior(distal),combasereservada(cortical),sendoosartefactosdestetipomorfoló-gicoconsideradososmaiscomuns.
Como utensílio pode representar o início de uma especialização, com um gume bem acen-tuado,oquelevaaconsiderarteremsidopeçasmuitoutilizadas,comosepodeverificarpelodesgastedogumenogrupodosexemplaresrecolhidos:peçasn.os34a36(Fig.15)daestaçãodeSamuane;peçan.º13(Fig.7)deInhacurungoepeçan.º7(Fig.4)daestaçãodeChinduta.
A designação de Chopper Poliédrico foi atribuída por Biberson (1966), que definiu diversostiposmorfológicos,sendooTipo III. 1—Poliedro parcial,oudebasecortical,aqueleondeseenquadramosexemplaresqueestasestaçõesforneceram:assim,podemquantoàmorfologiaserincluídosnotipodeseixo 3.3da(TST)deCamps(1981,p.55).Relativamenteàmatéria--prima,sãotodosdequartzito.
· Chopper com retoque vertical/chopping tool de talhe não ordenado e gume distal irregular–Foiconsi-derada uma peça (0,17%), que apresenta um gume distal resultante de retoques verticais/abruptosdefinidosporumasériedelevantamentos,quesedesenvolveemtodaalarguranaextremidadedistaldoseixo.O levantamentoanívelbasalapenas sepoderáaceitarmuitoparcialmente, caso seja destinado a obter um pequeno gume (levantamento por retoqueabruptoquepodetersidoocasional),maspermiteconsiderarumavariantedegumeduplo:peçan.º14(Fig.8)deInhacurungo.Amatéria-primautilizadafoioquartzo.
· Chopper circular/chopping tool de talhe não ordenado e gume com percurso circular – Este tipo deutensílio incluiuduaspeças(0,35%),emqueogumefoidefinidoporretoquesabruptosedesenvolvidosemvoltadasilhuetadobordodoseixopré-talhado,comlevantamentosoblí-quos:peçasn.os15e16(Fig.9)deInhacurungo.Estesutensíliospodem,quantoàmorfolo-gia,serincluídosnotipodeseixo 2.7da(TST)deCamps(1981,p.55)enaSérie IIda(FTA)—II.14deBiberson(1966).Amatéria-primaescolhidafoioquartzito.
· Chopper com retoque secundário–Foramconsideradasduaspeças(0,35%):sãoutensíliosqueapresentamtalhedesordenadoetraçosdelevantamentosemfaseposterioraotalheinicial.Nocasodaspeçasn.os17e18 (Fig.10)deInhacurungo,oslevantamentosporretoquedetalhecomdirecçãooblíquadistribuem-seemtodaavoltadogumenafaceposterior,oquelevaaconsiderarqueestesartefactosforamreutilizadosemtemposdiferentes,numaprová-
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veltentativadeobtençãodeumnovoutensílio,comotudopareceindicarfaceàsdiferentespatinas.Amatéria-primautilizadafoioquartzito.
· Chopper nucleiforme–Nestacategoriaincluíram-se13peças(2,26%),dadootipodetalhequeapresentam,ousejasempreocupaçãodedefiniçãodaforma,ouporqueogumenãoseafiguraútil, seja pela ocorrência de uma grande área cortical, ou pelo talhe não parecer feito emfunçãodadefiniçãodalinhadegume:peçasn.os37a39(Fig.16)daestaçãodeSamuaneeaspeças n.os 19 e 20 (Fig. 11) de Inhacurungo. Poderiam ser também considerados núcleos.Asuaafinidademorfológicacomogrupodoschopperslevou-nos,porém,aintegrá-losnesteconjunto.Amatéria-primautilizadafoioquartzito.
Lasca “limace”Outensíliodesignadopor“limace”,segundoatipologiadeBordes(1966)eHeinzelin(1962,
p.32),éumapeçatípicadoAcheulense Antigo e Médio.Édefinidoporlascasalongadas,eapresentacórtexnafaceposteriorenaanterior,mostrandonobordoretoquesplano-convexos.Éaindaintei-ramentetalhado,determinandoumaligeirapontaquepodesermaisoumenosarredondadanasextremidades.
· Lasca tipo “limace”–Identificaram-se4peças(0,70%),quetêmtalheunifacial,sendooreversocortical.Emtermostipológicos,aspeçasn.os40e41(Fig.17)daestaçãodeSamuaneeapeçan.º17(Fig.9)deNhamezingapodemserincluídasnestacategoriadeartefacto.Amatéria--primautilizadafoioquartzito.
Proto-picoÉumchopperde talhebifacialdegumeemponta, formandoângulo.diferentes tiposde
gume podem ser identificados: uns são espessos/maciços ou com secção losângica, podendotambémserconsideradosumaespéciedepico.
• Proto-pico–Foramreferenciados7artefactos(1,22%),cujotipodegumedefineumângulo,atendendoàsuamorfologiaeaotipoordenadodetalhe,paraadefiniçãodaextremidadedistal.Nocasodapeçan.º21(Fig.12)deInhacurungo,aextremidadedistalformaumbicoemângulorectoenapeçan.º18(Fig.10)deNhamezingaotalheapresenta-sealgodesorde-nadoeoânguloémaisarredondado,masintegra-setambémnestacategoriadeartefactos.
Incluímostambémosutensílioscomumtipodegumeespessodesecçãolosângicacomo:aspeças n.os 42 e 43 (Fig. 18) da estação de Samuane e a peça n.º 19 (Fig. 10) de Nhamezinga.Amatéria-primautilizadafoioquartzito.
Este tipo de artefacto representa provavelmente uma evolução na procura de um gume eaproxima-se,quantoaotipodetalhedosproto-biface(segundoadefiniçãodeM.Leakey,1971,paraoquedesignoudebifacegrosseiro),masnãopodemosincluí-losnaclassificaçãodastabelasmorfo-técnicasdeseixostalhadosdisponíveis,tendoematençãoagestãodasuperfíciedeexplora-çãodosseixos.
Bifaces (parciais)Outensílioconsideradobifaceparcialé,nestacolecção,oresultadodotalhedirectonasduas
facesdeumseixo,cujautilizaçãopoderáserdifícildeavaliar.
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Oprocessodeproduçãoparaaprocuradaconfiguraçãodeutensíliosdetalhebifacialpareceassentarprimeironadefiniçãodotalhevolumétrico,apartirdoseudesenvolvimentosequencialnasduasfaces,visandooestabelecimentodeplanosdeequilíbriobifacialelateralparaaobtençãodeumaextremidadedistalarredondada,oubiseladaeumgume.Quantoaoresultadoverifica-sequesóumapartedecadafacefoitalhada,istoé,emmenosde50%,eabasecontinuoucortical,daíosutensíliosseremdesignadosporproto-bifaces.
Naestratégiadetalhe,estesutensíliospodemassinalarumaevoluçãoparaaproduçãodobiface,diferenciadaemfunçãodasdistintassequênciasoperatóriasqueseevidenciam,revelandoque,paraessaconfiguração,oslevantamentossãodefinidospelaintercepçãoderetoquesdedirec-çãooblíquapoucoordenadaeosdeincidênciamaisaplanada,paraumamelhordefiniçãodeumbordoe,obtençãodegumecortante,masmantendo-seabaseespessaecortical.
A espessa base cortical presente neste conjunto de peças é vista como factor de preensão(Balout,1967,p.727).
Noquetocaàrelaçãoutensílio—matéria-prima—técnicasdetalhe,pareceterexistidojáalguma ideiaquantoàmorfologiadoutensílioquesepretendiaobter, semquese registeumadistinçãoevidenteentreasduasfacesdosbifaces,paraalémdasuaconfiguração.Estaéresultantedoslevantamentosepodeevidenciarumasilhuetaafilada,comaextremidadearredondada,atri-butoresultantederetoquesporpercussãodirecta.
Os bifaces destas estações são de “tipo arcaico”, dado apresentarem talhe não ordenado,precáriadefiniçãodegume,comarestassinuosasebasereservada(cortical),nãoseenquadrando,por isso, nas tabelas tipológicas definidas para este tipo de utensílio do Acheulense clássico epropostasporBalout(1967).
Osutensíliosassimobtidosenquadram-senotipotradicionaldebifacesparciaisdoAcheu-lense.Paramelhorcaracterizaçãodesteconjuntodeutensílios,efectuámososeurespectivodese-nhotipológico(Figs.5a9).
· Proto-biface– Incluíram-seduaspeças (0,35%),assimdesignadasporapresentaremmaisde50%dezonacorticalnumadasfaces.Onúmerodelevantamentosemcadafaceémuitoredu-zido,masestetipodeutensíliotêmgrandesignificadotécnico-morfológico(comojárefe-rido): peça n.º 22 (Fig. 13) da estação de Inhacurungo e peça n.º 20 (Fig. 11) de Nhame-zinga.
· Biface parcial–Consideraram-se3peças(0,52%),queforamrecolhidasemdiferentesestaçõesepodemdocumentarquantoàsuamorfologiadiferentesmomentosadentrodoAcheulense:peçan.º44(Fig.19)daestaçãodeSamuane;peçan.º29(Fig.14)deInhacaíua,queapresentaumtalhemaisgrosseirodoqueodapeçan.º8(Fig.5)daestaçãodeChinduta.Esteúltimopoderáserconsideradooutensíliomaisevoluído,porqueatécnicadetalheapresentafacetasdefinidasnoslevantamentosporpercussãonasduasfaces(Fig.9).
Amorfologiadaextremidadedistaldestaspeçasfoibemreferenciadanodesenhotipológico,oqualmostraprincipalmenteumapontaarredondada(quenocasodaspeçasn.os44e29seapresentafragmentada—Figs.7e8).Sãoincluídasnacategoriadebifaceparcial,porquenemotalhepreenchealinhadobordo,nemseregistaapresençaderetoquessecundários.
No caso dos proto-bifaces, a extremidade distal apresenta-se arredondada na peça n.º 22(Fig.5)daestaçãodeInhacurungoebiseladanapeçan.º20(Fig.6)daestaçãodeNhamezinga.Têmnasuatotalidadeabasereservada.Amatéria-primaseleccionadaparaarealizaçãodestesutensíliosfoioquartzito.
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Noseuconjunto,estesutensíliossãoderivadosdeseixostalhadosdotipo 2.3 bissegundooTableau des types de galets tailléspropostaporChamps(1981,p.55).
Quantoàtipologia,podeesteconjuntodeutensíliosenquadrar-senotipoDiversos 4deacordocomoTableau des types de Bifaces—biface parcial 4.2propostaporCamps(1981,p.63,66),assimcomonotipo IIIcorrespondenteapeçasdebasereservadaearredondada,segundooTableau des types de BifacepropostoporTixier(1960,p.121).
· Peças bifaciais–Foramconsideradas4peças (0,70%),queapresentamdiferentemorfologia.Sãoutensíliosdetalhebifacialebasereservada,comumpredomíniodecórtexnoreverso.Na face anterior os levantamentos são de talhe desordenado e inclinação oblíqua, o quepermitedefinirumgumesinuoso,queémaisextensonaspeçasn.os47e48(Fig.21)daesta-çãodeSamuane.Estessãoartefactospoucoespessos,aocontráriodaspeçasn.os34e35(Fig.17) de Inhacaíua, que apresentam um gume mais reduzido e uma espessa base cortical.Quantoàmatéria-prima,sãotodosdequartzito.
Raspador transversal sobre seixoEstacategoriadeutensíliotalhadadirectamentesobreseixotemsignificativapresençanesta
colecção.
• Raspador transversal sobre seixo–Foramconsideradas9peças(1,57%),porapresentaremumtipodetalheunifacial,seguidoderetoquededirecçãocentrípetaedesenvolvidodobordoparaocentro,demodoadefinirumgumelongitudinalquepreenche integralmenteumapartedoseixo,restandoaoutrapartecortical;alémdeseverificarumcertoarrendamentodasarestasdobordoougume(comoconsequênciadopassardostempos):peçasn.os45e46(Fig.20)daestaçãodeSamuane;peçasn.os31e32(Fig.15)deInhacaíuaepeçasn.os23e24(Fig.14)deInhacurungo.Quantoàmatéria-primaseleccionadatemosoquartzito.
· Núcleo reutilizado como raspador–Incluiu-seumapeça(0,17%).Estetipodeutensílioresultoudoreaproveitamentodeumnúcleo,faceaotipoderetoquequeapresentanaextremidadedistalepermitiuacriaçãodeumgume:peçan.º33(Fig.16)daestaçãodeInhacaíua.Amaté-ria-primautilizadafoioquartzito.
PercutorEsteutensílioédefinidocomoum“martelonatural”empedrasobreseixo,oublocoentre
outrasmatérias-primas,utilizadoparapercutiroutalharpedradura(Tixier,1963,p.45).Outradefiniçãoassinalaqueopercutoréumutensíliolíticoondepredominamasmarcasdeusoresul-tantesdaacçãodepercutiroumartelar,sejaumapeçaousuperfície,numactodetalharinstru-mentos(gomes,2001,p.44).
Na caracterização técnica, a localização das marcas de percussão mostra a relação entre amorfologiaeoresultadodautilizaçãodapeça.Asalteraçõesverificadasnaáreafuncionalparecemserdecorrentesdouso.
• Percutor–Foramconsideradas4peças(0,70%),quesãoseixoscomatributosqueseencaixamquantoaoníveltipométriconacategoria 2(médio)(QuadroII—Fig.12),eenquadram-senogrupo dos percutores ligeiros por não ultrapassarem o peso de 300 g. Apresentam fortesvestígios de utilização resultantes de percussão polar e lateral: peça n.º 66 da estação de
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Samuane e peças n.os 25 e 27 da estação de Inhacurungo, cujo peso vai dos 250 a 160 g.Amatéria-primaescolhidafoioquartzito.
Peso de redeNacategoriadepesoderedeincluíram-seaspeçasquemostramlevantamentosdetalheoblí-
quo,ouabruptodecadaladodoseixo,obtidosporpercussãodirecta,criandolateralmenteumazonadeestrangulamentoouoriginandoduastruncaturasopostasquesepodemconsiderarsimétricas.
• Pesos de rede–Foramconsiderados3exemplares(0,52%),bemcaracterizadosdopontodevistatipológicoepodemserumamanufacturadeumaoutrafasedaIdadedaPedra,quenãosepoderáatribuirapenasaoAcheulense,masédifícildedeterminar,dadoserapescaumaacti-vidadedaspopulaçõesribeirinhas.
Apeçan.º68daestaçãodeSamuanemostraumtalheabruptodecadaladodoseixocriandoduastruncaturasnazonamesial;apeçan.º11(Fig.7)daestaçãodeChindutaapresentadoislevantamentos de talhe oblíquo de direcção centrípeta desenvolvido de cada lado na facesuperiordoseixo,definindoumcertoestrangulamentosimétricodosdoislados,nazonadopontodechoque.Quantoàmatéria-primautilizadanestesutensíliosfoioquartzito.
Apeçan.º10(Fig.7)daestaçãodeChindutamostralevantamentosdetalhesemi-abrupto,ouumazonade fractura intencionalnazonamesialdoseixo,porqueapresentadiferentepatina.Istodeixasuporpodertersidotalhadaapenasnumdosladosdoseixoedenooutro,terhavidoaproveitamentodeumaconcavidadenatural.Estãopresentesvestígiosdeutiliza-ção.Amatéria-primaescolhidafoiumseixodequartzo.
8. Problemática dos artefactos líticos das “estações” dos terraços fluviais da margem sul do Zambeze
8.1 Perspectiva arqueológica
Acolecçãodeartefactoslíticosemestudoérepresentativa,apesardenãoserpossíveldetermi-narosefeitospós-deposição,nemefectuaradataçãodosdepósitosfluviais,masverifica-seaexistên-ciadediferentestipologiasealgumasdiferenciaçõesaníveldoestadofísicoedotipodamatéria-primautilizadaparaasuamanufactura.Osartefactosconstituemumaamostravariadaquevêmdeum“depósitogeológico”noqualaáguaouosprocessosdedeposiçãointerferiramnasuapresença,ouseja,nadistribuiçãoespacialemtermosdetipometriaematéria-prima,nodesgasteepátinadasprópriaspeças,alémdeestaremassociadasaumarecolhadesuperfície,queésempreselectiva.
dopontodevistatecnológico,umaaparentepadronizaçãopodeserinterpretadanotalhedestaindústrialítica,eapartirdoqualprocuramosestabelecerasbasesparaoseuestudotipoló-gico. As categorias classificativas resultantes do aproveitamento da morfologia original dosuporte e obtidas, certamente, por talhe aleatório documentam aspectos do desenvolvimentotecnológicoedocomportamentohumanoqueseterãoreflectido,provavelmente,noscamposconceptual,linguístico,socialeorganizacionalquetiveramlugaraolongodoperíododesignadoporAcheulense.
AocaracterizarosartefactoslíticosconsideradosdoAcheulenseapartirdasuatecno-morfologia,atendeu-seadiversositensparaindividualizarosqueapresentamatributosevidenciadosatravésdeesquemasoperatóriosedasequênciadotalhequeestacolecçãopodeoferecere,verifica-sequeos
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diferentestiposmorfológicosdechoppersão,quantoaosdiversostiposdegumeedimensõesfinais,oreflexododesenvolvimentotecnológicodométododedebitagemouoperadoatravésdotalhe.
Talocorretambémnaspeçasincluídasnacategoriadebiface,queapresentamumestadodeconfiguraçãonecessárianaprocuradeatingirumadadamorfologia,e,comela,umaextremidadeafiadarestringidaàáreadoextremomaisestreitodoqueamaioriadaperiferiadoartefacto;suge-rindoousodeumpercutorduro(pedra)paradestacaraslascasecriarumgumeútilàsnecessida-desdosseusfabricantes-utilizadores;oquepodelevaraconsiderarserumaevoluçãodirectanocontextodoAcheulense.
Oconjuntodeutensíliosdesignadospor“bifacesparciais”seráumaamostradessaevoluçãode grande alcance e consequente importância, que a análise do esquema operatório em que sealicerçouasuamanufacturapermitiuevidenciar.Mereceramparticularatenção,porseconsidera-rem o testemunho de uma demorada conquista de carácter tecno-morfológico que augura noiníciodoAcheulenseumaestratégiacomplexa,quevaidesdeaescolhadamassainicial(níveltipo-métricodoseixo),àsuatransformaçãoeabandonoapósautilização.
OsutensíliosconsideradosdoAcheulensecorrespondem,segundoaclassificaçãotecnológicapropostaporClark(1969,p.29-31),aumaindústriadetecnologiado“modo2”,aqualécaracte-rizadapelotalheuni-ebifacial(Phillipson,1994,p.37),emboraapresençadebifacesnestasesta-çõessejalimitada.Verifica-se,contudo,queaprocuradeordenaçãodasextracçõeslevouàdefini-ção por talhe das duas faces justapostas, bem como a uma nova morfologia, pese embora osconstrangimentosqueaestratégiaimplicava,maspermitiuaidentificaçãodepercursosnacadeiaoperatóriadeconfiguraçãodaspeçascomtalhebifacial.
Aobservaçãotecno-morfológicadosbifacesparciaisemestudopermiteverificarqueascarac-terísticasdetalhenosentidoclássiconãoteriamsidoatingidas,masestacategoriadeutensíliosfornecidosporcincodasestaçõespoderáserummarcodaetapadodesenvolvimentotecnológicodahumanidadenoAcheulenseAntigo.
Podemosquestionaravalidadedestacategoriadeartefacto,dopontodevistanumérico,paraefeitos de comparação relativamente ao Acheulense Antigo naquela área do vale do Zambeze(Panhame),masdesconhece-sesehouvealgumarecolhanaquelamesmaáreaantesoudepoisde1955.Estaquestãolevanta-seaindaporqueosbifaceseospercutoressãovistoscomoexemploscaracterísticosdaindústriado Acheulense,masnãoterãosidoosúnicos,talcomoreferePhillipson(1994,p.36).
No que respeita aos particularismos tecnológicos, estes artefactos podem eventualmenteassinalarodesenvolvimentoespecíficonoâmbitodasestratégiasdetalhe,estarrelacionadoscomtradiçõesculturais,comespecializaçãofuncional,ouasduasemsimultâneo,seatendermosaoreferidoporPellegrin(1993,p.302-317).
Apresençadeumreduzidonúmerodelascas,comparativamentecomodosnúcleos,poderáestar relacionadacomo fenómenopós-deposicionaldedeslocaçãodosmateriais,alémdadife-rente altimetria dos terraços, havendo ainda a considerar que os seixos, como matéria-prima,podemtambémtercondicionadoosistemadeproduçãodosartefactoslíticos.
Arelaçãolasca-núcleofaz,decertomodo,realçaroquepareceserafaltadeuniformidadedacolecção,muitoemborasaibamosqueteráhavidoumimportantedesenvolvimentonocomporta-mentohumanoenaadaptaçãoavariadascondiçõesambientaisequenovosmétodostecnológicosforamsendoadoptados.Essarealidadeestápresentenesteconjuntoeascondicionantespodemsertão-somenteconsequênciadoresultadodocarácterselectivodarecolha.
Nosnúcleosevidencia-searelaçãoentreaclassificaçãoeadimensãodosuporte,alémdograudeexaustão,sendopredominantementeutilizadoscomosuporteseixosrolados,muitoembora
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existatambémonódulo.Verifica-seserdifícilavaliarseaescolhadosuporteédevidaàopçãosobreoprocessodedebitagemouapenasfeitadeacordocomadisponibilidadedamatéria-prima.Parecehaverumarelaçãoentreosuporteeamorfologia,masasuaclassificaçãotecnológicaresultadaordenaçãoeposicionamentodoslevantamentosextraídos.
Quantoàsváriascategoriasdeutensílios,salienta-searepresentativapresençaderaspadores,nosquaisseincluemossobrelascaeossobreseixo,alémdeapresentaremvariadastipometrias.Osprimeirosmerecemdestaqueporqueindicamumaprocura/necessidadedestetipodeutensílioetêmcomosuportelascasdeprimeirageração,quepelassuascaracterísticasmorfológicasassina-lamnoseuconjuntoaspectosdeumacadeiaoperatória identificativadoAcheulense.deacordocomoAtlas of African Prehistory(Clark,1967,obraúnicanoseugénero),osraspadoresapresentamumagrandedistribuição,masapesardonúmerodeestaçõesconhecidas,aqueletipodeutensíliosnãopôde,talcomonesteconjunto,serdatadocomprecisão.
dosoutrosutensíliossobrelascasalienta-seabaixaexpressividadedosdenticuladoseenta-lhes,bemcomoareduzidapresençadefuradores,sebemqueestetipodepeçasejasignificativodopontodevistatecnológico,dadohaverumcomplexoaproveitamentodosuporte(lasca)parasechegaraoprodutofinal,oquerevelasóporsioutraspreocupaçõestecnológicase,certamente,decaráctersocial,paraalémdocarácterutilitário.
Aliás,emtodaacolecçãodosartefactoslíticosparecehaverindíciosdecadeiasoperatóriassimplesnadebitagem,ouseja,natransformaçãodossuportes,paraseobterumprodutofinal.Estamosperanteumatecnologiaquefoievoluindo,masquenãosepodeconsiderarcomoumaindústriaúnicaaolongodoAcheulense,muitoemborapossadaralgumaideiadeestabilidade.
Oestudopermitiuaindarevelarqueaproduçãodopontodevistatecnológicoeaescolhadamatéria-primafacilitaramacriaçãodeartefactosenquadradosnasdiferentescategoriasmorfoló-gicas,alémdeumaaparentepadronizaçãodotipodeutensílios,quantoàdimensãonaselecçãodamatéria-prima(oseixo).UmquadroevolutivopodetambémserconsideradodevidoàaplicaçãodométodoLevallois,queéumtipodeestratégiadetalhequevisaareduçãodotamanhoepesodosartefactos,sendoconsideradaumaindústriacomumatecnologiaquecorrespondeao“modo3”segundoClark(1969,p.29-31)ePhillipson(1994,p.60).
Consideram-sesignificativososatributosfornecidosquantoavaloresquantitativosequali-tativospresentesnestasindústriasereferenciadosnosgráficos8(Fig.13)e9(Fig.14).Nãoforamefectuados quadros descritores de correlação entre a classificação dos diferentes artefactos e oestadofísicoouotipodesuporte,porqueelessãopraticamenteidênticosnoseuaspectoexteriornas sete estações e têm como suporte o seixo, sendo a matéria-prima dominante o quartzito,emboraoquartzotenhaalgumarepresentatividade.
Ospressupostosclassificativosidentificadosevidenciamumamorfologiaquesepodeconsi-derardecertomodopadronizadanestasindústrias.
OsachadosdoAcheulensereferenciadosporoutrosautoressão,talcomonestacolecção,quasesempre achados de superfície, levando a que a classificação se fundamente na evolução tecno-morfológicadosutensílios,nomeadamentedosbifaces,notipodepercutorutilizadoenapresençadométodoLevallois.
Osdadosobtidosmostramasestratégiasde talheporpartedogéneroHomo ao longodaIdadedaPedranaquelaáreadovaledoZambeze.Importa,portanto,nãoignorarqueosmateriaisarqueológicosseencontravamnumaáreaquesepodeconsiderardelimitada,masnãoédestacáveltopograficamentedaszonasdosterraçosdamargemsuldoZambeze,comoéadoPanhame,oquedeixapressentirapossibilidadedealgunsdelesnãoseencontraremmuitodistantesdolocalondepoderiamtersidoabandonados.Apresençadepeçaseolizadasoucomduplapátinapodeassinalar
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aausênciadecoberturavegetalouqueolocaltenhasidosazonalmenteocupadoporcomunidadesdepovoscaçadores-recolectoresdurantediferentesperíodosdetempo.
8.2 Produtos (da estratégia) de talhe
Nestacolecçãoverifica-sequeosartefactoscomumregistodemaiorpresençaeatributostipométricos(comprimento,largura,espessuraepeso)sãooschoppers,quesupostamenteteriamcomeçadoasersubstituídospelosseixosdemenoresdimensõesaquandodaselecção/escolhadamatéria-primae,portanto,detalhe,tambémmaisfacilitado,sendonecessárioapenasalgunsreto-quesparaseobterumgume,situaçãosugeridaporoutrosinvestigadores,comoSutton,ClarkePhillipson.
Astécnicasdemanufacturaindicamoníveltecnológicoalcançado,paraoqualparecetersidofundamentalaobtençãoderochasdeboaclivagem,comoéocasodoquartzitoedoquartzo.
O resultado da análise do método de talhe no longo período do Acheulense Antigo mostraclaramenteousodopercutorduro,quesefazsentirlargamenteeseevidencianométododedebi-tagem,bemcomonoretoquedosartefactosdoconjuntoemestudo,sendooslevantamentosfeitosporpercussãodirecta,cujaextracçãovisoumodificaramorfologiadosuporteoriginalnaprocuradeumgume,oqueestádeacordocomosparâmetrosdafaseinicialdoComplexo Tecnológico do Acheulense.
Aslascasmostramserumprodutodirectodotalhe(seixooubloco);sendoafacesuperiorcorticaleainferiorcorrespondenteàfacedafractura.
A classificação morfológica das lascas, de acordo com a estratégia de desenvolvimento dotalheapartirdamaioroumenorpresençadecórtex,demonstraqueaslascasdeprimeirageraçãosãoasquemarcampresençaeassuasdimensõesvãodesdeasde5cm(emnúmeromuitoredu-zido)àsde11a12cm,oquemostratambémaausênciadepreparaçãodosplanosdepercussão.
Em termos qualitativos, as lascas de primeira geração e de maior dimensão, usadas comosuporte no processo de configuração de alguns utensílios mais significativos desta indústria,provêmporsuavezdadebitagemdenúcleosnãorepresentadosnestacolecção.Aslascasdedescor-ticagemmostramumaestratégiasimpleseapresentamumafacecortical,oqueassinalaumafaseinicialdetalhedoseixonoprocessodedebitagem,comausênciadetalãopreparado.
Aanáliseglobaldossuportesutilizadosparaaproduçãodeutensíliosetestemunhadosnosnúcleosmostraaocorrênciadesituaçõesrelativasàsdiversasestratégiasoperatóriasconsideradas,comosejaacentrípeta,oueventualexploraçãocondicionadadamatéria-primaatéaosnúcleosexaustos.Tendoematençãooníveltipométrico,verifica-sequesepretendiamprodutosdedebita-gem relativamente padronizados e, por vezes, de reduzida dimensão e procurou-se ainda tirarpartidoda facilidadedeclivagemdoquartzitoedoquartzoparaaobtençãodegumesna faseinicialdacadeiaoperatóriaqueseidentificou.
Nosnúcleos,aclassificaçãoteveporbaseotalhedosuporteeograudeexaustãooureutili-zaçãodealgunsdeles.
Ograudeexaustãoverificadoemalgunsnúcleosmostraqueestesforamintensamenteexplo-rados,comonapeçan.º29(Fig.17)daestaçãodeNhamezinga,enapeçan.º18(Fig.12)deRamaldeCarinde;aocontráriodeoutrosquemostramapenasafaseinicialdotalhe:peçan.os19e20(Fig.11),ouaindaasuareutilização,comonapeçan.º37(Fig.21),sendoosúltimostodosprove-nientesdaestaçãodeInhacurungo.
Acolecçãorevela,emtermosmorfológicos,umagrandediversidadedenúcleos.
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Nofabricodeutensíliossobrelasca,asdeprimeirageraçãopredominam(sãoespessaseumadasfacescortical),masproporcionaramotalhederaspadores,furadores,entalhesedenticulados.
Nacategoriaderaspadores,registou-seapresençadeduascategoriasdistintas:osquetêmcomosuportelascasdeprimeirageraçãoeosresultantesdelascaspreparadasedocumentadasportrêsutensíliosdereduzidasdimensões.Estesforamobtidosapartirdelascasretocadas,quereflec-temoresultadodautilizaçãodeumpercutorbrandoedeumpunçãoquepoderáserdemadeirarijaouosso:peçasn.os13,23e24(Fig.A-B-C),provenientesdaestaçãodeSamuane.
devidoàsuamorfologiaereduzidasdimensões,tipodematéria-primaepátinaeólica,estesuten-síliosenquadram-senumaoutrafasedaIdade da Pedraeasuapresençapoderesultardadeposiçãonosdepósitosfluviais,daíestarememconjuntocomartefactosdoComplexo Tecnológico do Acheulense.
dopontodevistatecnológico,atécnicadetalhedirecto,lascandodirectamenteoseixocomutilizaçãodepercutorduro,comlevantamentosfeitosporpercussãodirectaesemretoquessecun-dários,evidencia-senoconjuntodebifacesparciais,constituídopordoisproto-bifacesetrêsbifa-cesintegradosnacategoriade“bifacearcaico”.Assimclassificadosporapresentaremumtalhenãoordenado,umreduzidonúmerodefacetas,cercade12,ebordossinuososcomausênciadereto-quessecundários,masquealteraramparcialmenteaconfiguraçãodosuporte.
Oíndicedesinuosidadeémuitoelevado,oquenãofavoreceaprecisãotecnológica.Assilhue-tasapresentam-seassimétricasealgodesequilibradas,mostrandoserumconjuntopoucoevolu-ído, independentemente da dimensão do suporte e da matéria-prima escolhida. A extremidadedistalregistaumamorfologiadotipoarredondado.
Salienta-seaimportânciaqueadvémdapresençadestetipodeutensílios,quesepodeconsi-derarumaconfecçãotecnologicamenteevolucionada,ouseja,mostramumatentativadeevoluçãodopontodevistamorfológico,comacriaçãodeumavolumetriabaseadanaintersecçãodeduasfacesconvexasjustapostas,portantomenosespessas,eaprocuradeumgumelateraldemaioroumenorextensão,eaomesmotempodeterminaramorfologiadaextremidadedistal.
Nocasodosbifaces(parciais),otalhedapeçan.º8(Fig.9)deChindutamostraumreduzidonúmerode facetas,mascomalgumasequência, aocontráriodosoutrosdois,ouseja, aspeçasn.º44(Fig.7)deSamuane,en.º29(Fig.8)deInhacaíua,emquesetornaimpossíveladetermina-çãodequalquersequêncianotalhe.
Apresençadométodoespecíficodesignadoproto-LevalloiseLevalloisnestacolecçãoreflecteumdesenvolvimentotecnológicodosprodutoresdoAcheulense,esurgiudentrodaquelecomplexotecnológico,oqueimplicaapré-determinaçãodotalhedonúcleoparaaproduçãodelascascomformapré-determinada,utilizadasdepoisnapreparaçãodeutensílioscomoraspadorefurador.
EstafasepoderácorresponderàépocaemqueosanimaisdegrandeporteeramcaçadosnassavanasafricanaseosartesãosdasindústriasdoAcheulensetinhamjásidocapazesdeexperimentarváriostiposdeartefactos,sendoumbomtestemunhodaforçadatradiçãoculturalqueterásidomantidadurantecercadeummilhãodeanos.ImportaaindareferirqueteriamsidoosprodutoresdestaindústriaosprimeirosresponsáveispeloestabelecimentodohomemparaalémdasavanaaEste(Phillipson,1994,p.36).
8.3 Enquadramento crono-cultural
Oconjuntode“estações”aquiemestudonãosurgiuporacaso,poisestaáreajáhaviasidoreferenciada aquando da localização das de Chitavi e Nhancuaze (durante a 2.ª Campanha daMAM,emOutubrode1937)namargemSuldoZambeze(SantosJúnior,1940,p.21-26).
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Nessadata,recolheu-seumelevadonúmerodepeçasdetalhegrosseiro,consideradasdotipobifaceamigdalóide,chopperelascasretocadas,sendoamatéria-primautilizadaoquartzito.
A“estação”deNhancuazeteráfornecidopeçasanálogasàsdasestaçõesdoPanhame(agoraestudadas),tendocomosuporteseixosqueforamobjectodetalheuni-ebifacial,sendoamatéria--primautilizadatambémoquartzito.Lamentamosquenãotenhamchegadoaténósaspeçasdestaestação;apenasdispomosdasimagens(SantosJúnior,1940,p.24-25).
Verifica-seassim,queaocupaçãodovaledoZambezerelativamenteàsmargensderiostribu-tários,comoéoPanhameeoInhacurungo,estarátambémassociadaàpresençadegrandequan-tidadedematéria-primadisponível,oquemuitoteráfacilitadoaproduçãodeartefactoslíticos,podendooslocaisindicarumaescolhaconscientedaestratégiaeconómicaadoptadapelogéneroHomoaolongodoPlistocéniconessaregião.
Osartefactoslíticos,analisadoseinterpretadosnoâmbitodasestratégiasdetalheedepercus-sãoaplicadasnaobtençãodepeçastalhadasapartirdeseixosrolados,principalmentedequartzitoequartzo,documentam,quantoàsuavariabilidadeedistribuiçãoespacial,umavisãododesenvol-vimentoocorridofundamentalmenteaolongodoComplexo Tecnológico do Acheulense.
dopontodevistacrono-cultural,sãocompatíveiscomaamplitudedasualongaduraçãoetambémcomaprópriaáreageográfica,ovaledoZambeze.
Asuapresençasugereumtipodeocupaçãoquesepodeconsiderarsazonal,comcirculaçãodecomunidadesdepovoscaçadoresnoseuambientepreferido,comoeraaproximidadedoscursosdeágua(Clark,1982,p.518-519;Phillipson,1994,p.39).Esteperíodoterásidotambémopalcode grande distribuição geográfica dos produtores de artefactos líticos, o que poderá indicar oaumentodapopulaçãohumana(Phillipson,1994,p.34),jáqueosvalesdosmaioresriosafricanossãoparticularmentericosemvestígiosdoAcheulense.
Naimpossibilidadedeobterqualquerdataçãoparaosmateriaisdestasestações,recorreu-seàmorfologiaeaosaspectostécnicosparaseobservaroníveldeaproveitamentodamatéria-primae, assim, inferir a cronologia relativa dos artefactos líticos recolhidos, permitindo estabelecer aantiguidade das indústrias identificadas, mas com evidentes evoluções, com base em critériossimilares.
Ainovaçãotecnológicadestaperíodofoiotalhebifacial,sendoobifaceconsideradoouten-sílio“distintivo”daindústrialíticadoAcheulenseeomaisconhecido(cujautilidadeterásidomuitodiversificada),alémdeteratingidoao longodoPlistocénicoumelevadonível técnico,aliadoaumagrandediversidademorfológica.
Oresultadomostrapeças,cujotalheerainicialmenteobtidocomumpercutorduro(comoéocasodosbifacesparciaisemestudo),queteriampassadonasfasesseguintesasertalhadoscomousodepercutorbrando,eumpunçãodeossooumadeira,oquepermiteanalisá-loscomoobjec-tivodedeterminarcritériosdehominização.
OAcheulense,comonoçãodetempooucronologia,éumadasrealidadesfundamentaisdaArqueologiaafricanae,comoconceitoarqueológico,talvezdosmaisimportanteseabrangentes,porquesereflecteemtrêscontinentes,sendoocontinenteafricano,nasuaparteoriental,odemaiorantiguidadeelongevidade,verdadeiraprimeiramarcadadiásporahumana.
Oqueatrásreferimoslevaaquealgunsautoresdesignemaenormedistribuiçãotemporaleespacialdo Acheulensepor“fasedaculturadobiface”,dadoesta indústria ter-seestendidopelaEuropaepelaÁsia.
Aúltimafase,designadaporAcheulense Recente na África Oriental,poderá,comotudoaponta,tersobrevividoatécercade200000a100000anosa.C.namaiorpartedasáreas(Phillipson,1994,p.34).Estacronologiadeve,contudo,serconsideradacomalgumasreticências,pornãoparecer
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existirnenhummétododedataçãosuficientementeprecisoparamediradiferençadeidadesentreasváriasindústriasdoComplexo Tecnológico do Acheulense.
Quanto à terminologia para a avaliação cronológica aceite, e de acordo com o sistema dereferências adoptado para a divisão da Idade da Pedra na África subsaariana, julgamos que osconjuntoslíticosemapreçodevemserincluídosnasuagrandemaiorianachamada2.ªfasedaEarlyStoneAge,devidoàcircunstânciadeemtodasasestaçõessurgiremartefactostipicamenteAcheulenses (os chamados “large long tools”, de que são exemplo os bifaces e os raspadores),devendoassimos seixos talhados,que tambémocorrememgrandequantidade, serassociáveiscronológicaeculturalmenteàqueletecno-complexo.
ApresençadométodoLevalloisé,nestaperspectiva,tambémummarcadorcronológicodegrandesignificadotecnológico,porquealémdeassinalarumprocessodedesenvolvimento,possi-bilita a obtenção de lascas com forma pré-determinada, o que envolve a preparação do núcleoinicial.Atravésdestaestratégiadetalhe,lascasmaispadronizadaspodiamserproduzidaseutiliza-das sem ser necessário retocá-las. Os utensílios sobre lasca Levallois, como raspadores e lascasretocadascomfurador,documentadosnoconjuntodestasestações, sãocaracterísticosdeumafasemaisavançadadoAcheulense.
Algunsutensíliospodemseraindaincluídosnafaseconsideradaevoluída,jácomapresençadoHomo sapiens,dadaatecnologiautilizadaeotipodematéria-primaescolhida,comoseráocasodospequenosraspadores(peçasn.os13,23e24daestaçãodeSamuane),quepodemtercoexistidocomasantigastradiçõesdevidoàamplaextensãogeográficaemqueasuapresençasefazsentiraolongodovaledoZambezenaprovínciadeTete,comodocumentaonúmerodeestaçõesreferencia-daspelaMAM;oupodeserqueasualocalizaçãosejaapenasoresultadodaremobilizaçãoaolongodascorrentesfluviaiseemtempoposterior.
9. Considerandos finais
Verifica-sequeosartefactoslíticosprovenientesdestas“estações”damargemSuldoZambezedocumentamoperíodoemqueavidasebaseavaemactividadespredadorasenacolecta,podemtertidousosbastantediferentesdosqueosnomessugerem,masasexperiênciasefectuadaspordiversosinvestigadoresmostramasuaeficiênciae,destemodo,elespodemserconsideradosteste-munhosdascondiçõeseconómicasdascomunidadesdessaépoca.
Poroutrolado,acaçaexigiaumaorganizaçãoecomunicaçãoeficienteentreosmembrosdogrupo,oqueteráconduzido,comopassardostempos,aodesenvolvimentodosprimórdiosdalinguagem,quemuitoteriacontribuídoparaaumentaracomunicação efacilitado asuacapaci-dadedesobrevivência.Considera-sequeforamossucessoresdoHomo habilisquedesenvolveramatradição Acheulense emÁfrica.destemodo, importouassinalarqueobifacedo tipoparcial eochopper(seixostalhados)coexistiramcomoutensílioseoHomo ergaster e o Homo erectuspoderiamteracampadoaolongodovaledoZambeze.
Nestecontexto,aproblemáticadasindústriaslíticasdestaáreaéumdadoateremconta,nomeadamentequantoàsuaaparenteuniformização,levandoaconsiderarqueduranteolongoperíododoAcheulenseseregistouumimportantedesenvolvimentonocomportamentohumano,tantonocampoconceptual,comonosocial,organizacional,tecnológicoecertamentetambémnolinguístico.Umquadroevolutivopodetambémserconsideradodopontodevistatecnológico,devidoàaplicaçãodométodoLevalloisquevisapossibilitarareduçãotipométricadosartefactoslíticoselogoproporcionarummaiorraiodeacçãonassuascaçadas.
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OAcheulense,porém,nãodeveservistocomoumaentidade,exceptuandoemtermosdeseme-lhanças tecnológicas. Sendo por isso prematuro assumir que tenha havido afinidades entre osartesãosquantoaosdetalhesdassuascondiçõesdevida.
Temos consciência das limitações surgidas para a análise destes artefactos líticos, mas osdadosobtidosassinalamaspectosdaevoluçãotecnológicadogéneroHomo, dasuacapacidade,imaginação e engenho, cuja estratégia terá proporcionado às sucessivas gerações o desenvolvi-mentodeumequipamentocomgrandevariedadedeutensíliosquelhesfacultou,nãosóasobre-vivência,comoodesenvolvimentosocioculturalquepermitiu explorardeummodocontinuadoosrecursosdoecossistemadocontinenteafricanoemqueviviam;eaindaporqueumdosobjecti-vosdonossotrabalhoédeixaralgumaspistasnoâmbitodoestudodaIdadedaPedranestaáreadovaledoZambeze,emMoçambique.
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* InvestigadoradoInstitutodeInvestigaçãoCientíficaTropical(IICT)Lisboa
1 Considera-sequeamaiorparte,senãoaquasetotalidade,dasrecolhastenhasidoefectuadaàsuperfíciedosterraços.Porém,arelaçãodosartefactoslíticoscomosditosterraçospareceinquestionável,peloqueseadmitequetambémpossamterocorridoin situemdiferentesníveis.
2 OpontoescolhidoficavajuntoàcasadoSenhorA.AlmeidaMelo(comerciantelocaleantigochefedeposto).
3 OmateriallíticodaestaçãodeSamuanefoiparcialmenteestudadoporCarlosErvedosa(1968),utilizandoapenasparaasuaconcretizaçãooestadofísicodaspeças,eamorfologiacomocritérioparaasuacaracterização.
4 PlistocénicoéumasubdivisãodoQuaternário.TermocriadoporLyellem1839equecorrespondeaomomentodasgrandesglaciaçõesquaternárias.
5 OtermoPré-AcheulensefoipropostoporBaloutporacharinadequadootermoPebbleCulture(quehaviasidotambém
propostoporJ.Waylandem1934)equeveioaseraceitepelosafricanistasnoIXCongressoUISPP-Niceem1976,quefoiumareuniãocientíficaconsagradaàsvelhasindústrias.
MasfoinoVIIIe Congrès Panafricain de Préhistoire et des Études du Quaternaire, Nairobi, 1977,queasindústriasOlduvaienseeAcheulenseadquiriramsentidoculturalecronológico.
6 Adesignaçãoergaster foidescritapelaprimeiravezporgroveseMazakem1975efoiatribuídaaoespécimecatalogadoporKNM–ER992(groveseMazakem1975inCasopis pro Mineralogii a Geologii,20,p.225-247).OHomo ergaster éconsiderado pelamaiorpartedosautorescomoaformamaisprimitivaetipicamenteafricanadograndegrupotaxonómicoerectus.Outrosinvestigadorespreferemreservaradefiniçãoerectusparaaespécieasiática,devendonestecasoaclassificaçãoergasterserconsideradacomosubstitutivadaquelanocontinenteafricano,eaté(oqueémuitomaisdiscutível)nocontinenteeuropeu.
Artefactos líticos das “estações” dos terraços fluviais da margem sul do rio Zambeze – província de Tete, Moçambique: uma primeira abordagem
Maria da Conceição Rodrigues
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