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401 R E S U M O Apresentamos o resultado de um trabalho efectuado em laboratório, tendo por base um conjunto de artefactos líticos recolhido na prospecção desenvolvida nos terraços fluviais da margem sul do rio Zambeze, no ano de 1955, ou seja, durante a 6.ª e última campanha da Missão Antropológica de Moçambique (MAM), da antiga Junta de Investigações do Ultramar (JIU), pelo Prof. Santos Júnior. Estes elementos materiais encontram-se hoje no acervo do Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT), para onde foram transferidos pela autora, de acordo com aquele professor, para poderem ser analisados. A área em estudo corresponde a um tipo de estações denominadas de “ar livre”, localizadas na zona do Panhame (que é também o nome de um afluente da margem sul do Zambeze) na província de Tete, a saber: Samuane, Inhacaíua, Mater de Chevula I, Inhacurungo, Nhamezinga, Chinduta e Ramal de Carinde. Os resultados obtidos assinalam os aspectos da evolução tecnológica do género Homo ao longo do Plistocénico naquela região, cuja estratégia de talhe terá sido apre- endida pelas sucessivas gerações: proporcionando-lhes a sobrevivência e o desenvolvimento de um equipamento que permitiu explorar de um modo continuado os recursos do ecossis- tema no continente africano; além de deixar mais algumas pistas para o estudo da cultura material da Idade da Pedra no território de Moçambique. A B S T R A C T We present the result of the research undertaken in the laboratory on a set of stone artefacts collected in the river terraces on the southern bank of the Zambezi River, in 1955, during the “6.ª Campanha da Missão Antropológica de Moçambique” (MAM) (the 6th and last campaign of the Mozambique Anthropological Mission) of the former “Junta de Investigações do Ultramar” (JIU) (Overseas Research Institute) by Prof. Santos Júnior and are held today in the “Instituto de Investigação Científica Tropical” (IICT). The studied area Artefactos líticos das “estações” dos terraços fluviais da margem sul do rio Zambeze – província de Tete, Moçambique: uma primeira abordagem MARIA DA CONCEIÇÃO RODRIGUES * REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 1. 2007, p. 401-482

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R E S U M O Apresentamosoresultadodeumtrabalhoefectuadoemlaboratório,tendoporbaseum

conjuntodeartefactoslíticosrecolhidonaprospecçãodesenvolvidanosterraçosfluviaisda

margemsuldorioZambeze,noanode1955,ouseja,durantea6.ªeúltimacampanhada

MissãoAntropológicadeMoçambique(MAM),daantigaJuntadeInvestigaçõesdoUltramar

(JIU),peloProf.Santos Júnior.Esteselementosmateriaisencontram-sehojenoacervodo

Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT), para onde foram transferidos pela

autora, de acordo com aquele professor, para poderem ser analisados. A área em estudo

correspondeaumtipodeestaçõesdenominadasde“arlivre”,localizadasnazonadoPanhame

(queétambémonomedeumafluentedamargemsuldoZambeze)naprovínciadeTete,a

saber: Samuane, Inhacaíua, Mater de Chevula I, Inhacurungo, Nhamezinga, Chinduta e

RamaldeCarinde.Osresultadosobtidosassinalamosaspectosdaevoluçãotecnológicado

géneroHomo aolongodoPlistocéniconaquelaregião, cujaestratégiadetalheterásidoapre-

endidapelassucessivasgerações:proporcionando-lhesasobrevivênciaeodesenvolvimento

deumequipamentoquepermitiuexplorardeummodocontinuadoosrecursosdoecossis-

temanocontinenteafricano;alémdedeixarmaisalgumaspistasparaoestudodacultura

materialdaIdadedaPedranoterritóriodeMoçambique.

A B S T R A C T Wepresenttheresultoftheresearchundertakeninthelaboratoryonasetof

stoneartefactscollectedintheriverterracesonthesouthernbankoftheZambeziRiver,in

1955,duringthe“6.ªCampanhadaMissãoAntropológicadeMoçambique”(MAM)(the6th

and lastcampaignof theMozambiqueAnthropologicalMission)of the former“Juntade

InvestigaçõesdoUltramar”(JIU)(OverseasResearchInstitute)byProf.SantosJúniorandare

held today in the “Instituto de Investigação Científica Tropical” (IICT). The studied area

Artefactos líticos das “estações” dos terraços fluviais da margem sul do rio Zambeze – província de Tete, Moçambique: uma primeira abordagem

MARIAdACONCEIçãOROdRIgUES*

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 1. 2007, p. 401-482

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yieldedasetofwhatcanbedefinedas“open-air”archaeologicalsites,locatedinthePanhame

area(alsothenameofatributaryoftheZambeziRiver),ProvinceofTete,namely:Samuane,

Inhacaíua,MaterdeChevulaI,Inhacurungo,Nhamezinga,ChindutaandRamaldeCarinde.

TheresultsdocumentthetechnologicalevolutionofthegenreHomothroughthePleistocene

inthatregion,whoseflakingstrategywouldhavebeenapprehendedbysuccessivegenera-

tionsenablingthemtosurviveanddevelopasetoftoolstoexplorecontinuouslytheavaila-

bleresourcesintheAfricancontinent;besidesleavingsomecluestothestudyoftheStone

Age’smaterialcultureinMozambique.

1. Introdução

Propomo-noscomonossoestudocontribuirparaoconhecimentoevalorizaçãodeaspectosdo longopassadodoHomemnoterritóriodeMoçambique, tendocomobaseumconjuntodeartefactoslíticosprovenientesdeseteestações,asaber:Samuane,Inhacaíua,MaterdeChevulaI,Inhacurungo, Nhamezinga, Chinduta e Ramal de Carinde, localizadas, em 1955, nos terraçosfluviaisdamargemsuldorioZambeze,duranteasextaeúltimacampanhadaMissãoAntropoló-gicadeMoçambique(MAM),peloProf.SantosJúnior.

AinformaçãodisponívelsobreaIdadedaPedranoterritóriodeMoçambiqueéactualmentevastaemtermosderegistosefoisendodesenvolvidaaolongodoséculoXX.Olimiardasactivida-des de investigação no campo da Antropologia e Arqueologia teve lugar após a análise críticaquantoaoatrasodaexpansãodo“cientismo”(MendesCorrêa,1936inPré-História de Moçambique—Um plano de Estudos)noespaçoqueemÁfricavinhasendomantidosobaautoridadedoEstadoPortuguês,provavelmentepordificuldadesvárias,nomeadamenteasfinanceiras,parafomentaresseinteressepelopassadodoHomemafricano.

Apósalgumasrecolhasocasionais(Rodrigues,1992p.13-14),foicomostrabalhosdesenvol-vidosnochamadoPeríodoColonial,maisprecisamentenoâmbitodaMissãoAntropológicadeMoçambiqueiniciadaem1936,dirigidaporSantosJúnior,quenasceuapráticadeumtrabalhocontinuadodeinvestigação,aqueficouadever-sealocalizaçãodediversasestaçõesarqueológicas,comrecolhademateriaisemáreasatéaídesconhecidas,nomeadamentenapartemoçambicanadabaciadoZambeze,equevieramdepoisaseralvodecontinuidadedosestudos.

Numaperspectivadeanálisedepovoamento,eutilizandocomoelementodecomparaçãoosartefactos líticos provenientes de horizontes crono-culturais aceites e consagrados nos estudosarqueológicos, muito embora sem a realização de novos trabalhos de campo, vamos utilizar aterminologiaeametodologiaquemelhorseadeqúeaoestudodoselementosmateriaisrecolhidosnas“estações”referenciadas.

Procurou-seefectuaraclassificaçãotipológicadoconjuntodeartefactoslíticosquechega-ramaténós,osquaiscorrespondemaperíodosemqueavidasebaseavainicialmenteemactivida-despredadorasenacolecta.Paraasuacaracterização,iremosaprofundarotrabalhoaoníveldosartefactos dominantes, como sejam os “choppers”, “chopping tools” (segundo a terminologiacorrenteanglo-saxónicaparaaÁfricasubsaariana),emqueosraspadoressãonumerososeapre-sentamigualmentediferentesmorfologias,e,também,procurarparalelosparaasindústriasempresença.

Osdadosqueanossaanálisepermiteobterconstamdosquadrosdescritivos,bemcomodosgráficosquantitativosequalitativos,apartirdosquais,esegundoanossaperspectiva,umabasededadosfoiconstruídaparaposteriordesenvolvimentodosestudos.

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2. Ambiente geográfico

2.1. Localização

Oquadronatural,relativamenteaestaregião,encontra-sehojecompletamentealterado,porsesituarnumaoutrarealidade,istoé,dentrodaáreaderegolfodabarragemdeCahoraBassa(Fig.1).

Fig. 1 LocalizaçãodasestaçõeslíticasdosterraçosfluviaisdamargemsuldorioZambeze.

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Ossítiosemestudo localizadosnamargemsuldoZambeze, encontravam-sedistribuídosdesdeosterraçosdorioInhacurungo(margemOeste)(talcomofoireferidoporSantosJúnior),ouNhangurungo(segundoacartadaJIU),aosdoPanhame,doZambezeejuntoaoRamalparaoCarinde(paraEste),naprovínciadeTete.Nãosetornapossíveldeterminarascoordenadasexactasdecadaestação,masasualocalizaçãoaproximadafoiavaliada:localizam-senafolha2dacartadeMoçambiquenaescalade1:250000(Fig.1’).

ÉdereferirquenomapadodistritodoZumbode1890,coordenadopelodr.ManuelLacerdaepelogovernadordaqueledistrito,oTenenteLuísInácio,orioacimareferidosurgegrafadocomadesignaçãodeInhacurungo,aqualdeverácorresponderaonomelocalmenteatribuído(Fig.2).

Fig. 2 PormenordomapadodistritodoZumbode1890,ondesurgereferidoorioInhacurungo(segundoManuelLacerdaeLuísInácio).

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2.2. Caracterização da área

Todasas“estações”seintegramnabaciadorioZambeze,ecorrespondemaumtipodenomi-nadade“arlivre”1.EstãosituadasnoterritóriodeMoçambique,maisprecisamentenasuazonamaisamontanterelativamenteàcostadoÍndico,erevelaramapresençahumananaquelaregiãodaÁfricaOrientalAustral.

Essapresençaevidenciou-sepelosdiferentestiposdeartefactos líticostalhadosencontradosjuntodegrandeconcentraçãodeseixos,queresultaramdadeposiçãomaisoumenosescalonada,queseforamacumulandoemterraçosdeformaçãoantigaexistentesaolongodassuasmargens(Fig.3).

Esteconjuntodeartefactos líticosserá talvezdosmaisantigosrecolhidosrelativamenteàpresençahumananaquelaáreadovaledoZambezeenoâmbitodaMAM.

2.3. Enquadramento geológico

Ocontextogeo-arqueológicoemqueosartefactoslíticosseincluíamédepósitosdeorigemfluvialconstituídosporníveisdeareiaeirregularesextensõesdecascalheirasdegrandes,médiasepequenasdimensões.

Emtermosgeológicos,ossedimentosdoQuaternárioocupamimportantesáreasnocursoinferiordorioZambezeeosseixosdosocoPré-Câmbricoprovenientesdeáreasfluviaisforam-sedepositandonosterraços.Osterraçossãonarealidadedepósitoscoerentes/incoerentes,dispostosdeumedooutroladodoleitodosprincipaisrioseadiferentescotasemrelaçãoaoleitodeestia-gem,sendodesalientarosexistentesaolongodoZambeze,ondeatingiramumacotamáximade100m.EstadesignaçãoresultadadivisãodoQuaternárioemunidadeslitoestratigráficas,sendoos“terraços“umadessasunidades(Afonso,1976,p.119).

Fig. 3 AspectodascascalheirasdosterraçosderiosdamargemsuldoZambezeemqueseidentificamalgunsdosartefactosrecolhidos—abengalatem82cm(fotodeSantosJúnior,1955).

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OsterraçossãodatadosdoPlistocénicoInferioreMédio(Afonsoetal.,1998,p.80),oqueconstituialgumalimitaçãoàclassificaçãodoselementosmateriaisarqueológicosexumados,inde-pendentementedesepoderestabelecerumacorrelaçãocomtaisformações.Osriosacimareferi-doscortamasformaçõespré-câmbricasedoKarroo,constituídasporrochassiliciosas(Afonsoetal.,1998,p.16),dasquaishojedistinguimosalargapresençadequartzitosequartzos,porseremasdemaisdifícilalteração.

3. Descrição e análise do trabalho de campo

Oconjuntodeartefactoslíticosquenospropusemosestudarresultoudaprospecçãoarqueoló-gicadesenvolvida,dadaapresençadegrandeconcentraçãodesteselementosmateriaisreferenciadosnosterraçosdasmargensdorioPanhameedoZambeze,noiníciodascampanhasdaMAM,maisprecisamentenosanosde1936e1937.EstedadolevouSantosJúnioravoltaràquelaregiãonodecor-rerda6.ªeúltimacampanhadaMissão,noanode1955.Apartida(nessadata)foiefectuadadaChicôaedecorreunadirecçãoOeste,ouseja,nadorioPanhamecomoobjectivodeefectuarumarecolhadeartefactosdaIdadedaPedra,naquelaáreadovaledoZambeze.

Ostrabalhosdeprospecçãodecorreramnasmargensdaquelesrios(Fig.1’),easrecolhasdosartefactoslíticosforamefectuadasnosterraçosfluviais,constituindoestesumtestemunhoinilu-dível da sua antiguidade; tendo-se conservado talvez alguns deles em pontos que não ficariammuitodistantesdolocalondeteriamsidoabandonadosoutalhados.

Podemosdistinguiralgumainformaçãorelativamenteàdistribuiçãoespacialdosartefactosdentrodealgumasdas“estações”,massemgrandesignificado;apenasseatenderamàsvariaçõessentidasnoregistodeumamaiordimensãodealgunschoppers,oquepodereflectirapenasoresultadodaremobilizaçãooudarecolha.

Oslugaresdeacampamento/ocupaçãodogénero Homonaquelaárea, ocorriammuitoprova-velmentepertodaágua,emsítiosemquesepodiadispordeabundantequantidadedeseixosrola-dos,matéria-primanecessáriaparaaproduçãodosutensíliosquegarantiamasuasobrevivência,sem deixar de atender às circunstâncias impostas pelas estações do ano. As orlas próximo daszonasdesavanadecapim,ondehaviapasto,seriamigualmentelocaisescolhidos,porqueatraíama concentração de animais, nomeadamente os gregários (Clarke, 1973, p. 98; Phillipson, 1977,p.27,1994,p.78).

OsdadosfornecidospelaCarta da Pré-Históriade Moçambique(SantosJúnior,1950;Rodrigues,2000,p.275) assinalamqueasestaçõesdaESAconhecidasnoterritóriodeMoçambiqueestãolocalizadasnazona interior,principalmentenaprovínciadeTete,muitoemboraseencontremtambémnasprovínciasdegazaeMaputo.Verifica-seaindaqueestas“estações”selocalizamprefe-rencialmentenosterraçosfluviais,encontrando-seosartefactoslíticosnoslocaisparaondeforamarrastados,queéumadasrazõespelaqualsómuitoraramenteosartefactoslíticosdestetipode“estações”sepodemencontrar,emtermosarqueológicos,em“contextodedeposiçãoprimária”.Têmdeconsiderar-seainda,osfactorespós-deposicionais.

4. Os sítios, distribuição espacial e coordenadas

Noquerespeitaàlocalizaçãodasestações,ascoordenadassãosempreaproximadase,passa-dosquesãotantosanosfaceaosdadosobtidos,cumprereferir:

OsterraçossãodatadosdoPlistocénicoInferioreMédio(Afonsoetal.,1998,p.80),oqueconstituialgumalimitaçãoàclassificaçãodoselementosmateriaisarqueológicosexumados,inde-pendentementedesepoderestabelecerumacorrelaçãocomtaisformações.Osriosacimareferi-doscortamasformaçõespré-câmbricasedoKarroo,constituídasporrochassiliciosas(Afonsoetal.,1998,p.16),dasquaishojedistinguimosalargapresençadequartzitosequartzos,porseremasdemaisdifícilalteração.

3. Descrição e análise do trabalho de campo

Oconjuntodeartefactoslíticosquenospropusemosestudarresultoudaprospecçãoarqueoló-gicadesenvolvida,dadaapresençadegrandeconcentraçãodesteselementosmateriaisreferenciadosnosterraçosdasmargensdorioPanhameedoZambeze,noiníciodascampanhasdaMAM,maisprecisamentenosanosde1936e1937.EstedadolevouSantosJúnioravoltaràquelaregiãonodecor-rerda6.ªeúltimacampanhadaMissão,noanode1955.Apartida(nessadata)foiefectuadadaChicôaedecorreunadirecçãoOeste,ouseja,nadorioPanhamecomoobjectivodeefectuarumarecolhadeartefactosdaIdadedaPedra,naquelaáreadovaledoZambeze.

Ostrabalhosdeprospecçãodecorreramnasmargensdaquelesrios(Fig.1’),easrecolhasdosartefactoslíticosforamefectuadasnosterraçosfluviais,constituindoestesumtestemunhoinilu-dível da sua antiguidade; tendo-se conservado talvez alguns deles em pontos que não ficariammuitodistantesdolocalondeteriamsidoabandonadosoutalhados.

Podemosdistinguiralgumainformaçãorelativamenteàdistribuiçãoespacialdosartefactosdentrodealgumasdas“estações”,massemgrandesignificado;apenasseatenderamàsvariaçõessentidasnoregistodeumamaiordimensãodealgunschoppers,oquepodereflectirapenasoresultadodaremobilizaçãooudarecolha.

Oslugaresdeacampamento/ocupaçãodogénero Homonaquelaárea, ocorriammuitoprova-velmentepertodaágua,emsítiosemquesepodiadispordeabundantequantidadedeseixosrola-dos,matéria-primanecessáriaparaaproduçãodosutensíliosquegarantiamasuasobrevivência,sem deixar de atender às circunstâncias impostas pelas estações do ano. As orlas próximo daszonasdesavanadecapim,ondehaviapasto,seriamigualmentelocaisescolhidos,porqueatraíama concentração de animais, nomeadamente os gregários (Clarke, 1973, p. 98; Phillipson, 1977,p.27,1994,p.78).

OsdadosfornecidospelaCarta da Pré-Históriade Moçambique(SantosJúnior,1950;Rodrigues,2000,p.275) assinalamqueasestaçõesdaESAconhecidasnoterritóriodeMoçambiqueestãolocalizadasnazona interior,principalmentenaprovínciadeTete,muitoemboraseencontremtambémnasprovínciasdegazaeMaputo.Verifica-seaindaqueestas“estações”selocalizamprefe-rencialmentenosterraçosfluviais,encontrando-seosartefactoslíticosnoslocaisparaondeforamarrastados,queéumadasrazõespelaqualsómuitoraramenteosartefactoslíticosdestetipode“estações”sepodemencontrar,emtermosarqueológicos,em“contextodedeposiçãoprimária”.Têmdeconsiderar-seainda,osfactorespós-deposicionais.

4. Os sítios, distribuição espacial e coordenadas

Noquerespeitaàlocalizaçãodasestações,ascoordenadassãosempreaproximadase,passa-dosquesãotantosanosfaceaosdadosobtidos,cumprereferir:

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“O trabalho de campo teve início no dia 4 de Setembro de 1955, tendo-se estabelecidopreviamente o acampamento no sítio de Cachenge2 próximo da foz do rio Panhame, na suamargemEste,maisprecisamentejuntodaconfluênciacomoZambezeenasuamargemSul”(Fig.1’).

Asestaçõesreferenciadasapartirdodia4sãoasseguintes:

· 1.ªestação—Samuane3—nomequecorrespondeaodeumapequenapovoaçãoqueficavaemfrentedaestação.Localização:ficavaàdistânciade1600mdeCachenge,nadirecçãoSul(oqualseráopontodereferênciaparaadistribuiçãoespacialdasestaçõesassinaladas),eauns100m(àesquerda)daestradaqueianadirecçãoOeste(Fig.1’).AprospecçãofoisendoefectuadanosterraçosdorioPanhame,quesealongavamporcercade200m,paralelamenteaoleitodorio.Tipologiadaestação:Terraçobaixoconstituídoporumaextensacascalheiradeseixosrolados,misturadoscomareãogrosso,queseestendiaaolongodorioeondeemergiampequenos“cabe-ços”recobertospormontículosdeseixoscomalturasde2a4m,oqueatestaaacçãofluvial,ouseja,o“turbilhonar”,eumalargurademaisde100m.Aspeçaslíticasforamrecolhidasnumaáreadaordemdostrêsmetrosdediâmetro,noprimeiromontículoapartirdaestrada,sendoarecolhatotalefectuadanestaestaçãodosterraçosderioPanhamede328peçaslíticas.Totaldepeçaslíticasexistentes:304.

Coordenadas:30º39’46’’LongitudeEste—15º38’49’’LatitudeSul(Fig.1’).

· 2.ªestação—Inhacaíua(designaçãolocal).Localização:ficavaa2100mdosítiodeCachenge,ouseja,500madianteda1.ªEstação,nolocalemqueaestradafaziaumaligeirasubida,elocalizava-setambémnosterraçosdorioPanhame.Tipologiadaestação:Terraçosmédios,formadosigualmenteporumazonadecascalheiracomelevaçõesou“cabeços”,de8a10mdealtura.NãosetornoupossívelavaliaraquedistânciaficariaaestradadoriodoPanhame,porquenaquelaalturadoanoorioseapresentavaseco,mastudoapontaparaqueseriadecercade6m;naestradaafloravaogrésdoKarroocomveios ferruginosos.A recolhaqueproporcionouestaestaçãofoiconsideradaexcelenteecomoresultadoobteve-seumtotalde312peças.Totaldepeçaslíticasexistentes:186.

Coordenadas:30º39’54’’LongitudeEste—15º39’10’’LatitudeSul(Fig.1’).

· 3.ªestação—MaterdeChevulaI—designaçãoquecorrespondeaonomedoFumo(chefedealdeia)queoutroratinhaasuapovoaçãonasproximidadesdolugareondeviveumuitosanos(dadosobtidosnatradiçãooral).Localização:apósatravessarorioPanhameeacercade4kmdeCachenge,noladoesquerdodaestrada(nadirecçãoOeste),provavelmentenosterraços do rio Zambeze, e a meio caminho entre os terraços do Panhame e do Inhacu-rungo.Tipologiadaestação:terraçosbaixos,ondeseregistouapresençademontículosouajuntamentosdeseixoscomcercade2mdealturaeomesmotipodeareãogrossojárefe-renciadoemSamuane.Apresençadamoscatsé-tsé(Glossina palpalis)fazia-sesentirnestelocal,oquelevouaumarecolhademateriallíticomaisreduzida.Totaldepeçaslíticasexis-tentes:33.

Coordenadas:30º38’22’’LongitudeEste—15º38’25’’LatitudeSul(Fig.1’).

· 4.ªestação—Inhacurungo—designaçãoquecorrespondeaonomedorioafluentedamargemdireitadoZambezeemcujosterraçosarecolhafoiefectuada(Fig.2).Localização:ficavaacerca de 100 m depois de passar o rio Inhacurungo/Nhangurungo, nos terraços da sua

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margemesquerda,eauns600mdaestaçãoanterior.Estende-seaolongode200mdaestradaedeambososladosdoleitodesterio.Tipologiadaestação:émuitoextensa,sendoconside-radaamaiorestaçãolocalizada,esituava-senoladoesquerdodaestrada(nadirecçãoOeste),ocupandoquantoàlarguramaisde200mparacadaladodoleitodorio.Apresentavaumenormeterraçode5a6mdealtura,dependorsuave,noqualseevidenciavamaindapeque-nosmontículosde seixosnopontomaisalto.Foramestesos sítiosondeseconcentrouaprospecçãoeazonaqueficavamaispróximadamargemdoriofoiconsideradacomozonaB,porqueosartefactosaíencontradoseramdemaioresdimensões.Nestaáreafazia-sesentirtambémapresençadamoscatsé-tsé.Totaldepeçaslíticasexistentes:182.

Coordenadas:30º37’57’’LongitudeEste—15º38’2’’LatitudeSul(Fig.1’).

· 5.ªestação– Nhamezinga—localizadanodia6deSetembro,depoisdeaequipatervoltadoaosítiodeCachengeepartidonamanhãdessediaemdirecçãoàChicôa,ousejaparaEste.Localização:ficavaa1300mdosítiodeCachengeeapósumaplanuraqueseespraiava,sobreoladodireitodaestrada,nosentidoEste;acercade40mdaestradacomeçavaumaencostasuave.Nãosabemoso sítio,masvamos, combasenacartografiae seguindoo traçadodaestrada,efectuaroseuregisto,faceaospercursosexistentesàdataparaoretornoàChicôa.Tipologia da estação: a geografia assinala uma encosta nas proximidades da margem doZambeze, na qual se registou a presença de cascalho grosso e um fundo constituído porKarroo,estratogeológicodominantenaquelaárea,evidenciando-seapresençadeumsignifi-cativonúcleodemateriallítico.Olugarfoiconsideradoumaáreautilizadaporpovoscaça-dores-recolectores, sendo recolhido um representativo conjunto de peças líticas. Total depeçaslíticasexistentes:101.

Coordenadas:30º41’10’’LongitudeEste—15º37’56’’LatitudeSul(Fig.1’).

· 6.ªestação—Chinduta— localizada tambémnodia6deSetembro.Localização: ficavaa1900mdeCachengeea600mdeNhamezinga,emlocalnãoidentificadonacartadeMoçam-bique. Tipologia da estação: a geografia do local mostrava que a estrada, depois de umapequenalomba,seapresentavaladeadaporcascalheiradeseixosroladoseumacuidadapros-pecçãofoidesenvolvidanaquelaáreadoterraçomédio,eoresultadofoiumasignificativarecolhadepeçaslíticas.Totaldepeçaslíticasexistentes:32.

Coordenadas:30º41’27’’LongitudeEste—15º38’2’’LatitudeSul(Fig.1’).

· 7.ªestação—RamaldeCarinde—foiaúltimareferenciadanofinaldamanhãdodia6deSetembro.Localização: foi localizadadepoisdepassarorioMussenguézi,amaisde16km,precisamenteacercadedoisquilómetrosdoramaldaestradaquesegueparaoCarinde.Tipo-logiadaestação:ageografianaquelaáreaapresentavaondulaçõessuavesàdireitaeàesquerdadaestradaecobertadeMessanha,emflorestaabertaeesparsa.Oterrenoeraformadoporareãogrosso,angulosoecompacto,ondeemergiamclareirascomamontoadosdepequenosseixosroladosdequartzitoeoutrotipodepedrasdeaspectoferruginoso.Foinestetipodepedrado“tipobasáltico”quealgunsdosartefactosforamtalhados,tendoaprospecçãoearecolhasidocondicionadaspelotempodisponível:onúmerodepeçasrecolhidofoide35.Totaldepeçaslíticasexistentes:35.

Coordenadas:31º20’39’’LongitudeEste—15º42’5’’LatitudeSul(Fig.1’).

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5. Registos da Idade da Pedra na África Oriental Austral. Testemunhos

Apresençadegrandesáreascomseixosémuitoelevadanasmargensdosgrandes riosnaÁfrica Oriental Austral, daí eles terem sido largamente utilizados como matéria-prima, consti-tuindoosartefactosobtidosapartirdeseixostalhadosedesignadospor“indústriasdosseixos”ostipos dominantes em inúmeras estações dos primórdios da Idade da Pedra — Stone Age —, talcomoseverificanosterraçosdabaciadorioZambezenoterritóriodeMoçambique.

Nãoépoisdesurpreenderqueosmaisantigossítiosdeocupaçãohumanasejamencontradosaolongodoscursosdeágua,porqueosacampamentosbaseerampreferencialmentejuntoaosgran-desrioseseusafluentes,dadaaquantidadedematéria-primadisponível.Afloresta/savanaserialocaldepassagemecompoucapermanência,razãoparaserconsideradaemgeraldespovoada,aocontrá-riodoqueveioaacontecermaistardedevidoaocrescimentodemográfico,situaçãoempartefacili-tadapelodesenvolvimentotecnológicoeoemergirdenovosvaloressocioculturais.

AsactuaiszonasdevegetaçãonãocorrespondemnecessariamenteaoqueseriamnosiníciosdaIdadedaPedranaÁfrica,ondemuitassituaçõessãotestemunhosdecondiçõesmaishúmidasduranteoPlistocénicoeiníciosdoHolocénico(Nyamwru,2001,p.34).

Ofogofoioutroelementoutilizadopeloshominídeos:osseustestemunhosremontamaoqueseconsideraosfinaisdaESA,oquepermiteestimarqueasuautilizaçãotenhacomeçadocomoobjectivodeseprotegerem,masterátambémcomeçadoaalterarapaisagem.

OestudodeperíodosmuitoantigosnaÁfricaAustraléparticularmentedifícil,sobretudoquandonãosedispõedecontextoestratigráfico(comoéacasodas“estações”emestudo),masaarqueologiaprocuradaralgumasrespostaseestabelecereventualmentepontosdereferência.

OgéneroHomoteveasuaorigememÁfricaesãoprincipalmenteosartefactos(depedras)poreletalhadosquelheassinalamaexistência,revelamasuaevoluçãoecapacidadetecnológica.

OsartefactoslíticosmaisantigosrecolhidosemÁfricaterãocercade2,63±0,05milhõesdeanos(pelopotássio/argon)ede2,58±0,23milhõesdeanos(pelozircon)(Roche,1980,p.28-33)ou2,6milhõesdeanosparaClark(1982,p.513)eFletcher(2003,p.18);sãoconstituídosporseixostalhados,choppersechoppingtools(comquatrooucincolevantamentos);lascasetambémnúcleosvolumososforamlocalizadosnovaledeOlduvai(Leakey,1951),norioPeninj(Tanzânia)enamargemorientaldoLagoTurkana(Quénia,porçãomeridionaldoValedoRifte),porLeakey(1971);novaledoOmoeemAfar(nocoraçãodaEtiópia),osmateriaissãoconstituídosporlascassimplesechoppers,cujamatéria-primaéformadaprincipalmentepornódulosdequartzo(Chavaillon,1970).

deacordocomoestadoactualdoconhecimentorelativamenteàIdadedaPedranaÁfricasubsaariana, o primeiro Período ou Early Stone Age está dividido em duas grandes fases e foienquadradonacronologiadosciclosdoQuaternário;razãoquetornoupossívelreportarasnossasreferênciasaquadroscrono-estratigráficosnoquerespeitaàgeologia.

Aprimeirafase,ouOlduvaiense,terádecorridohácercade1800000anos,duranteoPlisto-cénicoInferior4(Clark,1982,p.516;Phillipson,1994,p.23).OsartefactosconsideradostalhadosprovêmdeumaindústriaqueveioaserdesignadaporOlduvaiense,faceàdesignaçãocriadaporWayland(1936)paraestetipodeindústria,esugeridaaLouisLeakeyparadesignaraindústriaevoluídadagargantadeOlduvai,muitoemboratenhasurgidoposteriormenteoutraproposta—Pré-Acheulense5(Balout,1982,p.446).

OsdadosdisponíveisrelativamenteaodesenvolvimentotecnológiconosprimórdiosdaIdadedaPedra(ouOlduvaiense)manifestam-senaÁfricaOrientalAustralcomautilizaçãodeseixosounódulos,paraobtençãodelascasatravésdotalhedirecto,demodoaproduziremdiferentestiposderaspadores,mascombaixoníveltécnico.

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Os núcleos resultantes foram certamente utilizados como utensílio, dada a facilidade deobtençãodegumescortantes.

ÉprovávelqueosprimórdiosdalinguagemtenhamsurgidoemgruposdeHomo habilis,sendoaquelarudimentarnaarticulaçãoelimitadanaexpressão,talcomoosartefactosqueiaprodu-zindocomoassinalaJordan(2001,p.26).

Asegundafase,consideradaamaislongadaHistória,quantoaodesenvolvimentodahuma-nidade,foidesignadaporAcheulenseeindicaaexpansãodoshominídeos,estandooHomo ergas-ter/erectus6 associadoaoiníciodaindústriaAcheulense.Asinovaçõessãoumasequênciadeopera-çõesnaprocuradegume,criandoutensíliosdetalheuni-ebifacial,indústriaqueapareceupelaprimeiraveznoregistoarqueológicohácercade1500000anos(Phillipson,1994,p.34;Jordan,2001,p.28).

Oresultadonasuaetapainicialserãoaslascas,comoconsequênciaapósoprimeirogestoquefoiumgolpeauns90º,eaquelassãoartefactoscortantes,alémdepassaremadispordeumgumecortantenaarestadoseixo.Nestasequênciadeoperaçõesdedesbaste,oresultadomostraapartirdoseixodetalhebifacialumanovaprocuracomnovosdesbastesnatentativadeobterumgumemaiseficiente, conduzindo aos utensílios designados por bifaces parciais, por ainda apresentarem umtalãoreservado,masotalheapresentajáoqueseconsideraalgumníveldopontodevistatécnico.

Osartefactostalhadossão,dopontodevistatipológico,consideradossimples,masoferecemumagrandediversidademorfológicaerepresentamhabilidademanualecapacidadedeaprendiza-gemdogéneroHomo,bemcomoalibertaçãodoseucomportamentobiológico/instintoeapassa-gemparaumcomportamentosocialquelheasseguravaasobrevivênciaeasubsistênciaemgrupo.Olongocaminhoapartirdaescolhadoblocoouseixoreflecteumapreocupaçãocomplexaepodeexplicararelaçãodoserhumanocomanaturezapelaviatecno-económica.Osresultadossãoclas-sificadosnacategoriadeutensíliosdeforça/energia,talhadosparamanterasobrevivênciahumana,com objectivos de matar e/ou esquartejar animais, cortar e aparar madeira para preparação dearmadilhas,ecertamenteparafacilitararecolhaderaízesetubérculos,bemcomodefrutosevege-tais.

AolongodoPlistocénico,evidencia-seoaparecimentodeutensíliosobtidosapartirdelascas,taiscomoraspadores,furadores,eaindaodesenvolvimentotecnológicodegrandeimportânciaqueseconsideraquetenhasurgidodentrodatradiçãodoAcheulenseequesedesignoupormétodoLevallois.Estenovométodotecnológicoenvolveaproduçãodelascas,cujaformaeradeterminadapelapreparaçãodonúcleoinicial.

Nestafase,ogéneroHomo primitivo teriacomeçadoasersubstituídonaúltimapartedoPlis-tocénicopeloHomo sapiens.

Os artefactos líticos do Acheulense podem ser encontrados na maior partedo continenteafricano,masnãoforamregistadosnasregiõesdaflorestadensadaÁfricaOesteedabaciadoCongo(Phillipson,1994,p.36),oquereflecteumadescontinuidadenasuadistribuiçãoquandoestaexpansãotecnológicatevelugar.

ArespectivadataçãoemrelaçãoàEuropaeaoMédioOrientemostraqueasuamanufacturaécercade1000000deanosmaisantiga,significandoqueoComplexo Tecnológico do Acheulenseafri-canofoimaislongo.

Aresponsabilidadedoarqueólogoéadeprocuraridentificaraaptidãoparaoaprovisiona-mento da matéria-prima que, no caso do Acheulense, é local. Nota-se a evolução presentes nométododedebitagemeasmudançasdacapacidadedeaprendizagemsãoperceptíveisnodesenvol-vimentodastécnicasdetalhedasindústriaslíticas.Outensíliopodeaindaseranalisadocomoobjectivodedeterminarcritériosdehominização—oquelevanta inúmerosproblemas,porque

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praticamenteomateriallítico,porseromaisresistente,foisóoquerestou,dadoquetudoomaisque o género Homo foi capaz de produzir desapareceu na voragem dos tempos. Assim surge apergunta:outensíliolíticoéumprodutooufactordehominizaçãoepoderáservistoaindacomoumaexpressãodecriatividade?

Compreende-seque,apóstransporo“limiartécnico”(talcomoseverificounosnossosdiascomaelectrónica),ocaminhodo“progresso”levouanovasestratégiasdetalhedosutensílios,ouseja,opercursoparaodesenvolvimentodascapacidadestecnológicasdogéneroHomoficouaberto;importaagoraaoarqueólogodispordeesquemasquepermitamanalisarosremotostraços/vestí-giosdaindústriahumana.Ahominizaçãoévistacomoaespecializaçãoeoutensíliocomoaexpres-sãomaterialdacerebralização.

Outensílio lítico (sendooque se conservou)pode ser consideradocomoumprodutodopensamentoedacapacidadetécnicadoartesão,cujacondutadeviaterfacilitadooaparecimentodalinguagemedealgumaorganizaçãosocialqueteriapossibilitadoasuasobrevivência.

6. Trabalho de gabinete

6.1. Ordenação do espólio

6.1.1. Metodologia

Paraaordenaçãodomateriallíticodestacolecçãoimportou,emprimeirolugar,nãootipodeutensílio,masoconjuntodosartefactoseolocaldeproveniência,quetudoapontanãoserlocaldehabitat,masoresultadodedeposição,podendosertambémsítiosdeutilizaçãotemporáriaoupontualaolongodostempos;teve-seemcontaadeposiçãoouabandonodosartefactosnosterra-çoseomeioemgeral.

Aterminologiaadoptadanonossotrabalhoestádeacordocomoscritériosquevêmorien-tandoostrabalhosnoâmbitodaÁfricaAustral,equefoiaprovadaemreuniõescientíficas,faceao interesse que o longo passado da Idade da Pedra (Stone Age) mereceu, e se convencionoudividiremtrêsperíodos:Early(ESA),Middle(MSA)eLaterStoneAge(LSA)(inActes du VIIIe Congrès Panafricain de Préhistoire et des Études du Quaternaire.Nairobi,1977),bemcomoanomen-claturainglesa.

Os artefactos líticos em estudo são, portanto, testemunhos encontrados em “contexto dedeposiçãosecundária”,e,nasuaquasetotalidade,emconexãocomosterraçosquaternários,defi-nidos por formações do Karroo, onde corre o rio Zambeze e os afluentes da margem sul, comexcepçãodaestaçãodenominadaRamaldeCarinde,quenãopareceestarlocalizadaemterraçofluvial,edocumentamalentamasprogressivaproduçãoecapacidadedeaprendizagemtecnoló-gicadesenvolvidapelogéneroHomo aolongodaESA.

Ametodologiaseguidaparaaaferiçãodosaspectostecnológicosdeacordocomaspropostasdediversosinvestigadorescentra-seefundamenta-senaevoluçãotecnológicaqueosutensíliosnosoferecem.Umesquemaevolutivo temvindoa seradaptadoparavalidarodesenvolvimentodoestudodoperíodoinicialdaIdadedaPedradesdeoPré-Acheulense,combasenostrabalhosiniciaisdosLeakey(1959),noquerespeitaàinterpretaçãoestratigráficae,emparticular,aoconsiderarqueosprimeirosseixos lascadoscorresponderamàprimeiraetapanaevoluçãodaespéciehumana,dadoqueachavedosucessoterásidoainvençãodaferramentadepedra,comoassinalaLeroi--gourhan(1965,1993,p.93).

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Ocolectardepeçaslíticasexumadasàsuperfícieeemtãograndeextensãofoitambémumdadoaterematenção,porpodertrazerumavisãoalgolimitadaoudistorcidadaactividadeecapa-cidadedemovimentaçãodascomunidadesdecaçadoresdaIdadedaPedra,comoprodutoneces-sárioparasatisfazerassuasnecessidadesimediatas.

Aslimitaçõespodem,contudo,emnossoentender,seremparteminimizadas,dadoparecerqueaquelaáreanãoterásofridograndesalterações,muitoemboraosriossedesenvolvessemalte-randoosseuscaudaiseosartefactostenhamsidomudadoseincorporadosnosdepósitosfluviais.Procurámos,porém,obterdadosacercadasequênciadoesquemaoperatórionaproduçãodeuten-síliosnaáreaesobreosquaisanossaatençãoincidiu,nomeadamentequantoaoseusignificadonoprocessodedesenvolvimentotecnológicoe,paralelamente,odestaquedacolecçãorecolhida,demodoaviabilizarumaintegraçãodaquelaregiãodovaledoZambezenocontextocrono-cultu-raldaIdadedaPedranaÁfricaOrientalAustral.

Podereferir-sequeestamosperanteumaindústrialíticaconstituídapornumerososartefac-tosdelargoespectromorfológico,decertahomogeneidade,mas,quantoàtecnologia,regista-seum baixo índice de facetagem e, portanto, consideramo-la comparativamente integrada nocontextoinicialdoAcheulense.

Pareceteralgumaimportânciaarqueo-históricaoordenardosartefactoslíticosproduzidospelogéneroHomonestafasedaIdadedaPedraou,melhor,tudooquerestoudoqueeleproduziu,comoprodutodasuaactividadeerealizaçãotecnológica,naquelaáreadovaledoZambeze

Assim,osartefactoslíticosfornecidospelasdiferentesunidadesderecolhaforamavaliadosquantoàsestratégiasdetalheutilizadasnatransformaçãodosuporte,desdeométododedebita-gem,tipodepercutor(durooubrando)eaoretoque,oquepermiteclassificá-los,atendendoaqueaolongodoAcheulensesemostrampoucasmudanças,jáquecontinuouaseratradiçãodomi-nantedurante1300000anos(Phillipson,1994,p.36).

Verifica-senessaestratégiaqueumasequênciadegestos(batimentosdeumseixocontraooutro)terásidoopontodepartidaparaobterumaarestacortante.Estaactividadefoidesenvol-vidaporetapas,cujaevoluçãoterásidomuitolenta(tempohojedifícildecontabilizar)e,nocasodaIdadedaPedranaÁfricaAustral,maisdifícilaindaquandoseprocuraassinalaradistinçãoentretécnicadetalheeocomeçodoretoque.

Apartirdaestratégiadetalhedoartefacto,procurou-seindividualizarasentidadesqueapre-sentamatributosmorfológicosevidentes.Nadesignaçãoparacaracterizarasdiferentescategoriastipológicasdaspeçaslíticasemestudo,pretendeu-se,acimadetudo,queelafosserigorosaeclara,demodoanãodarazoaconfusão,porquederivadasuacaracterizaçãomorfológicaeprovávelfuncio-nalidadeoudasuaassociaçãoaumametodologiadetalheespecífico,comoéométodoLevallois.

Emtermosgerais,osartefactoslíticosmostramumaprogressivaestratégiatecnológicanaproduçãodeutensílioseregista-seumalargapresençadotalheunifacial—processoquecorpori-zavaumaadaptaçãoeficazàprópriamorfologiados“seixos”localmenteexplorados—e,aomesmotempo,algumauniformizaçãocrescentenoprodutofinal.

6.1.2. Material lítico. Inventário, desenho tipológico e representação

OsartefactosrecolhidosnaintervençãoarqueológicanovaledoZambezesãonototal873.Combasenoscritériosatrásreferidos,procedeu-seàsuaordenaçãoporcategorias,oquepermitiuasuaorganizaçãoporgrupos,atendendoàtotalidadedoselementosmateriaislíticosepor“esta-ção”quereferenciámosnosgráficos1a7(Fig.4).

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Paraarepresentaçãodosartefactoslíticosemestudoeordenados(comoreferidonoponto3),teve-seematençãoasuacorrectaorientação,talcomofoipreconizadapordiferentesinvestigadores(Bordes,1968;Biberson,1966;Tixieretal.,1980).

Fig. 4 gráficospercentuais1a7.

1.Samuane 2.Inhacurungo

3.Inhacaíua 4.Nhamezinga

5.MaterdeChevulaI 6.Chinduta

7.RamaldeCarinde

Gráficos dos artefactos líticos recolhidos por estação

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Realizámosapenasodesenhotipológicoeemverdadeiragrandezadosutensíliosincluídosnacategoriadebifaceparcial:peçan.º22daestaçãodeInhacurungo;peçan.º20deNhamezinga;peçan.º44deSamuane;peçan.º29deInhacaíua;epeçan.º8deChinduta(Figs.5a9),tendo-seoptadoporfotografarumaselecçãodosartefactosmaissignificativosdentrodecadaunidadederecolha,atendendoàsrespectivascategoriasmorfológicas,tipometriaetipodematéria-prima.

Na representação fotográfica dos artefactos seleccionados foram respeitadas as diferentescategoriasmorfológicaseasrespectivasunidadesderecolha,estabasefoidepoispornósdigitali-zadautilizandooprogramaAdobePhotoshop;decadaartefactofoiregistadaasuamaiordimen-sãonoquerespeitaaocomprimento, larguraeespessura,sempreemmilímetros.Onúmeroderepresentaçõesdeartefactosreferenciados,epor“estação”,éoseguinte:Samuane(Figs.1a30);Inhacaíua(Figs.1a20);MaterdeChevulaI(Figs.1a8);Inhacurungo(Figs.1a21);Nhamezinga(Figs.1a17);Chinduta(Figs.1a7);RamaldeCarinde(Figs.1a12).

Figs. 5 e 6 desenhotipológicodosproto-bifacesdasestaçõesdeInhacurungoeNhamezinga.

INHACURUNgO-peçanº22

0 3cm

0 3cm

NHAMEZINgA-peçanº20

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Figs. 7, 8 e 9desenhotipológicodosbifacesparciaisdasestaçõesdeSamuane,InhacaíuaeChinduta.

SAMUANE-peçanº44

0 3cm

INHACAÍUA-peçanº29

0 3cm

CHINdUTA-peçanº8

0 3cm

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Artefactos líticos recolhidos nos terraços da margem direita do rio Zambeze – Tete

Samuane

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Samuane

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Samuane

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Samuane

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Inhacaíua

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Inhacaíua

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Mater de Chevula I

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Mater de Chevula I

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Inhacurungo

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Inhacurungo

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Inhacurungo

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Inhacurungo

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Nhamezinga

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Nhamezinga

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Nhamezinga

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Chinduta

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Maria da Conceição Rodrigues

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Chinduta

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Ramal de Carinde

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Ramal de Carinde

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Asdiferentesrepresentaçõesdestesartefactoslíticospermitirãoemqualquerdoscasosasuainter-pretação,epossibilitarãoumacomparaçãomaisprecisa,alémdecompletaremalinguagemdescritiva.

7. Análise e caracterização dos artefactos líticos

TerminologiaParaacaracterizaçãodosartefactoslíticos,atendeu-seprimeiroàterminologiaculturalquevem

sendopropostaporváriosinvestigadores.Napesquisadesenvolvida,surgecomoprimeiratentativadeclassificaçãodeseixostalhadosrelativamenteàÁfricaafeitaem1952,porVanRietLowe,paraaindús-triadesignadaporPebble Culture,hojeconsideradaPré-Acheulense.FoiporémcomP.Biberson(aoestu-darasindústriasdoPaleolíticoInferiordeMarrocosAtlântico)queanoçãodefracturasimples,detalhe“unidireccional”,“bidireccional”e“multidireccional“,foiintroduzidaeapresentadanasFiches Typologiques Africaines (1966).EstaclassificaçãoaproveitoutambémdostrabalhosdesistematizaçãoelaboradosparaoselementosmateriaisdeReggan(Saaraargelino)porRamendo(1963).

Umaoutraterminologiatipológicafoientretantocriada,bemcomonovasclassificaçõesedesigna-çõesparaotipodetalheinicialmentedesignadoportalheuni-,bi-emultidireccional(terminologiaquefoitambémabandonada),passandoausar-seaexpressãotalheunifacialebifacialparaosseixostalha-dos.EstadesignaçãomereceutambémacríticadeBordesepassouautilizar-seaexpressão“chopper”e“chopping tool”, segundo a terminologia inglesa, entretanto adoptada para a África subsaariana.Aescritafrancesacontinuouaexistir,eporissotambémseemprega“galettaillé”paraseixotalhado.

Napropostadeclassificaçãotipológicadosseixostalhadosqueoslugaresemestudoforne-ceram,ter-se-áemlinhadecontanãosóasfichastipológicasorganizadasporBiberson(1966),nasquaisoschopper,eoschopping-toolssãoordenadosporséries(I,IIeII)enumeradosdeacordocomotipodetalhe(uni-,bifacial,multidireccionaloupoliédrico),comoasadaptaçõesentretantorealizadaseapresentadasporCamps(1981,p.55-58).

Assim,deacordocomoTableau des typesreproduzido(Camps,1981,p.55)(Fig.10)efaceaoschoppersechoppingtoolsempresença,queforamtalhadoseutilizados,épossívelenquadrá-loscomparativamente com o proposto nas Fiches Typologiques por Biberson (1966), atendendo aonúmerodelevantamentos,respectivaordenaçãoetiposconsiderados.

Oobjectivodaescolhadestaterminologiaparaacaracterizaçãodosseixostalhadoséodepermi-tirumaclassificaçãomaissistemáticaparaaplicarnestetipodeartefactos,presenteemnúmerosigni-ficativonoconjuntodas“estações”dovaledoZambeze,masmodificadaemfunçãodascaracterísticasregionais,casosejustifiquenoenquadramentodosartefactosemestudo.Nocasodosnúcleos,adap-tar-se-ãoaspropostasdeSantonja(1984-1985,p.21-30)paraestacategoriadeartefactos.

7.1. Estudo dos artefactos

Paraaconstruçãodoestudodosartefactoslíticosreferentesàsdiversasunidadesderecolha,deu-seimportânciaàestratégiadetalhe,àsuatipometria,aotipodematéria-primaesuporte,comoobjectivodeavaliaraestratégiadacadeiaoperativanestaindústria,condiçãoimprescindívelentreoutrosaspectos,dadonãoexistirumabaseestratigráfica,alémdearecolhasersemprecondicionadaeselectiva.

Estes atributos relacionam-se com os recursos locais e estratégias de selecção da matéria--primaparaaproduçãodosartefactoseaformacomoseriaobtida,nãosendooseuaprovisiona-mentonecessário,dadaaquantidadedematéria-primadisponível.

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Aanálisedeindústriaslíticasésemprecomplexa,dadaasuagrandediversidade,nomeada-mente quanto aos aspectos de alteração da matéria-prima decorridas durante a deposição noestratogeológico,independentementedasuamorfologia.

Oestadofísicodosartefactoslíticosnocritériodedescriçãoserátambémconsiderado,nome-adamenteocausadopelaacçãodovento,ouporapresentarreflexosdareutilizaçãodapeçaemmomentos distintos. Este conjunto de atributos ajuda a avaliar a afinidade dos materiais e auniformizaroscritériosdeanálise.

Fig. 10Modelosdetiposdeseixostalhados(segundoCamps,1985).

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Osmétodosdeclassificaçãooudeestudoserãoofuncionaleotecnológico.Ofuncionalseráevidenciadonaexplicitaçãoeotécnico-morfológicopossibilitaráacaracterizaçãodosartefactoslíticos.

Osdadosqueanossaanálisepermitiuobterdeacordocomosaspectostecnológicospossi-bilitaramaorganizaçãodosartefactosemgrupos,eregistandoarespectivacontagemporunida-desderecolha,tendoomateriallíticosidoordenadonoQuadroI(Fig.11),determinando,destemodo,orespectivopesopercentualporcategoriasnatotalidadedosartefactosrecolhidos.

Odiferentepesopercentualverificadonasdiversascategoriasmorfológicaspoderáserexpli-cadopelascondicionantesdarecolha.

Quadro I. Inventário dos artefactos líticos recolhidos na margem direita do rio Zambeze - ordenados por Estações

O r d E n Aç ãO M O r f OT é c n I c A

M AT E r I A l l í T I c O - P r O s P E c ç ã O / r E c O l h A d E s u P E r f í c I E

Samuane Inhacaíua Mater de Chevula I Inhacurungo Nhamezinga Chinduta Ramal de CarindeToTal

1.ª estação 2.ª estação 3.ª estação 4.ª estação 5.ª estação 6.ª estação 7.ª estação

Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

d E b I TA g E M

lasca de descorticagem 3 1.61 4 12.12 1 2.86 8 0.92

lasca simples 22 7.24 11 5.91 2 1.01 5 4.95 1 3.13 0.00 41 4.70

lasca retocada 6 1.97 13 6.99 16 8.79 1 0.99 6 17.14 42 4.81

lasca tipo gomo de laranja 4 1.32 4 0.46

lasca de flanco de núcleo 1 2.86 1 0.11

u T E n s í l I O s s O b r E l A s c A

Raspador simples 17 5.59 4 2.15 17 9.34 3 2.97 2 5.71 43 4.93

Raspador sobre lasca levallois 1 0.33 1 0.11

Raspador sobre lasca em forma de gomo de laranja 8 2.63 2 1.08 10 1.15

Raspador duplo / biconvexo 1 0.33 1 2.86 2 0.23

Raspador convexo 1 0.33 1 0.11

Raspador circular 2 0.66 3 1.61 1 3.03 6 0.69

Raspador concâvo 2 0.66 1 0.54 3 0.34

Raspador lateral 1 0.54 2 5.71 3 0.34

Raspador de gume rectilíneo 1 0.54 1 0.11

Raspador com denticulado 1 0.33 1 0.11

Furador 1 0.99 1 0.11

lasca retocada mais furador 1 0.54 1 0.11

lasca levallois retocada mais furador 1 0.33 1 0.11

Denticulado 1 3.03 1 0.11

Entalhe 2 1.98 1 2.86 3 0.34

Entalhe e furador 1 0.99 1 0.11

Peça de gume transversal 3 1.61 3 0.34

u T E n s í l I O s s O b r E s E I x O

Chopper 95 31.25 49 26.34 19 57.58 72 39.56 36 35.64 10 31.25 6 17.14 287 32.88

Chopping tool 44 14.47 48 25.81 4 12.12 22 12.09 22 21.78 4 12.50 2 5.71 146 16.72

Chopper poliédrico 3 0.99 1 0.55 1 3.13 5 0.57

Chopper nucleiforme 9 2.96 4 2.20 13 1.49

Chopper com retoque vertical 1 0.55 1 0.11

Chopper circular 2 1.01 2 0.23

Chopper com retoque secundário 2 1.01 2 0.23

lasca "limace" (Bordes) 3 0.99 1 0.99 4 0.46

Proto-pico 4 1.32 1 0.55 2 1.98 7 0.80

Proto-biface 1 0.55 1 0.99 2 0.23

Biface 1 0.33 1 0.54 1 3.13 3 0.34

Raspador transversal sobre seixo 2 0.66 3 1.61 2 1.01 1 0.99 1 3.13 9 1.03

Núcleo reutilizado como raspador 1 0.54 1 0.11

Peças bifaciais 2 0.66 2 1.08 4 0.46

Percutor 1 0.33 3 1.65 4 0.46

Peso de rede 1 0.33 2 6.25 3 0.34

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Matéria-prima

Aavaliaçãodamatéria-primaescolhidacomosuporte,faceaosrecursosnaturaisdisponíveis,revela que as indústrias líticas fornecidas por estas “estações”, do ponto de vista petrográfico,registamapresençadediversostiposderochasresultantesdeaprovisionamentolocalouregional.Amaisabundanteéoquartzito,quecorrespondea90%,seguindo-seousodoquartzo(8%),ambaspresentesemartefactoscomváriasdimensõesemorfologias,comoresultadodatransformaçãodosuporteinicial—seixosrolados.Opredomíniodoquartzitoresultadofactodeserarochamaisfácildeobternasmargensdaquelesrios.

A natureza petrográfica é, contudo, mais diversificada nos restantes 2%; registando-se apresençaderochasjaspóides,quepodemserbandadas;rochastiposílex;gramófiro;rochasgrani-tóidesebasálticas.Consideramosqueestadiversidadeseráo resultadodosefeitosdosagentesnaturais,comoomeiofluvial,dadoseremprovenientesdeumcontextoperturbado.

Todososartefactosforamobjectodeanálise,oaspectodasuperfíciefoireferenciado(aobservaçãofoiefectuadamacroscopicamenteeàlupa),dadoquealgumaspeçasapresentamumapátinaeólicaouatéumaduplapátina,comoresultadodaacçãodosventos,nomeadamentenosprovenientesdaestaçãodeSamuane—peçasn.os50e51(Fig.22)edeRamaldeCarinde—peçasn.os4e16(Figs.3e10).

Oseuestadofísicopoderáestarrelacionadocomfenómenospós-deposicionaisoudedesloca-çãodosmateriais.Outraspeças,comoalgunsnúcleos,mostramqueforamreutilizadasparafabricodeutensílios,comonocasodapeçan.º33(Fig.15)deInhacaíua,ouparaaobtençãodelascasemtemposdiferentes,apresentandoumlascadomaisfrescoeporessemotivodiferentepátina,comoasrecolhidasnaestaçãodeInhacaíua—peçan.º42(Fig.19)edeInhacurungo—peçan.º37(Fig.21).

n ú c l E O s

Núcleo simples 55 18.09 16 8.60 2 6.06 21 11.54 12 11.88 10 31.25 8 22.86 124 14.20

Núcleo prismático 1 3.13 1 0.11

Núcleo de preparação para a extracção de lascas 1 0.55 1 0.11

Núcleo discóide 3 0.99 3 1.61 1 3.03 2 1.01 8 7.92 1 2.86 18 2.06

Núcleo tipo discóide sobre calote de seixo 1 2.86 1 0.11

Micronúcleo discóide 2 0.66 2 0.23

Núcleo levallois discóide 1 0.55 1 0.11

Núcleo com aplicação do método levallois 2 1.01 1 0.53 3 0.34

Núcleo Proto-levallois 1 0.33 1 0.11

Núcleo globuloso 2 0.66 1 3.03 3 0.34

Micronúcleo globuloso 3 0.99 3 0.34

Núcleo circular de retoque abrupto 1 0.99 1 0.11

Micronúcleo 2 1.01 2 0.23

Núcleo reutilizado 1 0.33 1 0.54 2 1.01 4 0.46

Núcleo exausto 1 0.33 1 0.99 1 2.86 3 0.34

Núcleo informe sobre bloco 2 0.66 2 1.08 4 0.46

Frag. de núcleo 7 3.76 2 1.01 9 1.03

Diversos 3 0.99 10 5.38 3 1.65 2 1.98 1 3.13 2 5.71 21 2.41

T O TA l 304 100 186 100 33 100 182 100 101 100 32 100 35 100 873 100

N.º – número de peças | % – sobre o total dos artefactos contabilizados

Fig. 11PesopercentualdosartefactoslíticosrecolhidosnasestaçõesdosterraçosdamargemdireitadorioZambeze–Tete.

O r d E n Aç ãO M O r f OT é c n I c A

M AT E r I A l l í T I c O - P r O s P E c ç ã O / r E c O l h A d E s u P E r f í c I E

Samuane Inhacaíua Mater de Chevula I Inhacurungo Nhamezinga Chinduta Ramal de CarindeToTal

1.ª estação 2.ª estação 3.ª estação 4.ª estação 5.ª estação 6.ª estação 7.ª estação

Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

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7.2. Análise morfotécnica

Naindústriaemanálisedopontodevistatecnológicoedeacordocomostiposestabelecidosparaseorganizaresteconjuntomacrolítico,compostoessencialmenteporseixostalhados,toma-ram-seporbasecertascaracterísticasresultantesdométododedebitagemedastécnicasdetalhe,permitindoenquadrá-losdopontodevistacronológicoeemtermosevolucionistas.

Procurouadaptar-seaestacolecçãoaclassificaçãotipológicaestabelecidaporoutrosinvestigado-rescomoBordes(1968,1988),Biberson(1966),Clark(1967,1969e1982),Tixier(1980)eRoche(1980).

Paraacaracterizaçãomorfológicadecadaartefacto,contouoresultadodaanálisedaforma,disposiçãodoslevantamentoseprincipalmentenoquetocaàsuainclinação,localizaçãoedimensãodoretoque,dapresençaouausênciadecórtex,alémdotipomatéria-primaescolhida.Quantoàtipo-metria,osartefactosapresentamdesdegrandesamédiasepequenasdimensões.Verifica-seapresençadediferentestiposdegumespreparadosparacortar,aparar,raspare furar,etc.,osquais levamaconsiderarqueoutrostiposdemateriaisdeveriamterexistidoparaapoiarestasfinalidades.

Oresultadodestaanáliseteveaindaematençãoascaracterísticasdenaturezapetrográfica,amassainicial,osatributosaníveltipométricoeasdiversascategoriasdatotalidadedosartefactosconsideradoseporestaçõesquerepresentámosnoQuadroII(Fig.12).

Quadro II. caracterização dos artefactos líticos representativos do conjunto de Estações da margem direita do rio Zambeze

lOcAlIZAçãOdAs EsTAçõEs

C a r a C t e r i z a ç ã o t é C n i C a - M at e r i a l l í t i C o - Pa n h a M e

cArAcTErísTIcAs gErAIs dIMEnsõEs PEçAsTIPOs dE uTEnsílIOs

Natureza petrográfica Massa inicialComp. largura Espessura

n.ºC l E

DEBITagEM

Inhacaíua Quartzito seixo +84

10766 75

29 39

1 2

lascas de descorticagemMater de Chevula I

Quartzito rosado Quartzito negro

79 86

64 70

37 32

1 2

Ramal de Carinde Quartzito 81 70 26 1

SamuaneQuartzito bandado Quartzito rosado Quartzito com biotite

57 49 80

40 62 76

14 20 22

1 2 3

lascas simples

InhacaíuaQuartzito bandado Quartzito

61 66

69 55

29 26

3 4

InhacurungoQuartzito Quartzo leitoso

61 83

63 44

21 18

1 2

NhamezingaQuartzo Quartzito

84 101

60 65

26 22

1 2

Chinduta Quartzito 67 48 24 1

SamuaneQuartzito micáceo Quartzito (grão fino) Quartzito bandado

67 86 98

62 57 76

27 28 36

4 5 6

lascas retocadas

InhacaíuaQuartzito bandado Quartzo

52 72

49 73

19 25

5 6

InhacurungoQuartzito Quartzo Quartzito bandado

44 86 95

43 61 76

17 20 31

3 4 5

Nhamezinga Quartzito (cinza) 103 81 28 3

Ramal de CarindeRocha jaspóide com orifícios de alteração de inclusões que foram removidas Quartzito

69

74

50

61

23

22

2

3

Samuane Quartzito 73 72 81

55 53 67

27 22 35

7 8 9

lascas tipo "gomo de laranja"

Ramal de Carinde Rocha tipo sílex, bandada 94 68 21 4 lascas de flanco de núcleo

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Artefactos líticos das “estações” dos terraços fluviais da margem sul do rio Zambeze – província de Tete, Moçambique: uma primeira abordagem

Maria da Conceição Rodrigues

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 1. 2007, p. 401-482 449

uTENSílIoS SoBRE laSCa

Samuane

Quartzito rosado Quartzito Quartzo Rocha jaspóide

4560 84 31

5650 6739

22 2118 13

10 11 1213

Raspador simples

InhacaíuaQuartzito Quartzo Quartzito

6985

112

7061 92

18 2344

7 8 9

InhacurungoQuartzo leitoso Quartzo Quartzito

65 57 86

39 69 71

17 22 30

6 7 8

NhamezingaQuartzito zonado Quartzo Quartzito

57 84 73

60 71 90

22 21 25

4 5 6

Ramal de CarindeQuartzito Quartzo

52 52

49 37

17 20

5 6

Inhacurungo Quartzo leitoso 91 61 30 9 utensílio unifacial ou raspador

Inhacaíua Quartzito negro 82 64 34 10 Raspador lateral

Samuane Quartzito 48 47 17 14 Raspador sobre lasca levallois

SamuaneQuartzito (grão fino) Quartzito Quartzito

54 78 87

29 53 68

16 22 44

15 16 17 Raspador sobre lasca em forma de “gomo de laranja”

InhacaíuaQuartzito (grão fino) Quartzito

6274

4746

1920

1112

Samuane Quartzito rosado 97 72 24 18Raspador duplo ou biconvexo (Bordes)

Ramal de Carinde Quartzito 68 48 13 7

Samuane Quartzito (cinza) 62 59 19 19 Raspador convexo

SamuaneQuartzito (cinza) Quartzito

60 62

56 61

23 23

20 21

Raspador circularInhacaíua

Quartzito rosado Quartzito c/ laivos rosados Quartzo

47 61 60

57 61 68

14 22 17

13 14 15

Mater de Chevula I Quartzito (grão fino) 72 31 32 3

SamuaneQuartzito Rocha jaspóide bandada (negro e ocre)

72 36

58 26

18 9

22 23

Raspador côncavo

Inhacaíua Quartzito 71 53 25 16 Raspador côncavo de retoque abrupto

Inhacaíua Quartzo 69 37 19 17 Raspador de gume rectilíneo

Samuane Rocha siliciosa bandada 42 36 15 24 Raspador com denticulado

Nhamezinga Quartzo 77 62 31 7 Furador

Inhacaíua Quartzito fino 68 66 26 18 lasca retocada mais furador

Samuane Quartzito 55 60 21 25 lasca levallois retocada mais furador

Mater de Chevula I Quartzito 82 73 27 4 Denticulado

NhamezingaQuartzo Quartzito zonado

42 44

40 33

13 12

8 9 Entalhe

Ramal de Carinde gramófiro (grão grosseiro) 64 58 29 8

Nhamezinga Quartzito 57 60 18 10 Entalhe e furador

Inhacaíua Quartzito54 62 80

39 42 62

17 26 30

19 20 21

Peça de gume transversal

lOcAlIZAçãOdAs EsTAçõEs

C a r a C t e r i z a ç ã o t é C n i C a - M at e r i a l l í t i C o - Pa n h a M e

cArAcTErísTIcAs gErAIs dIMEnsõEs PEçAsTIPOs dE uTEnsílIOs

Natureza Petrográfica Massa inicialComp. largura Espessura

n.ºC l E

Page 50: Artefactos líticos das “estações” dos terraços fluviais da ... · carta de Moçambique e localização das estações ... Fig. 3 Aspecto das cascalheiras dos terraços de

Maria da Conceição Rodrigues Artefactos líticos das “estações” dos terraços fluviais da margem sul do rio Zambeze – província de Tete, Moçambique: uma primeira abordagem

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 1. 2007, p. 401-482450

uTENSílIoS SoBRE SEIxo

Samuane Quartzito

58 73 87

106

71 73 61

101

26 39 11 61

26 27 29 28

Chopper

InhacaíuaQuartzito Quartzito negro Quartzito rosado

62 68 85

74 92

104

40 38 44

22 23 24

Mater de Chevula IQuartzo Quartzito Quartzito

66 110 112

66 69 86

38 32 51

5 6 7

Inhacurungo Quartzito 93 98 45 10

Nhamezinga Quartzito 53 77

113

50 79 99

28 46 50

11 12 13

ChindutaQuartzito rosado Quartzito (cinza) Quartzito

68 80

105

80 80 95

37 48 68

2 3 4

Ramal de CarindeQuartzito Quartzito Quartzo hialino

61 73 74

77 71 96

35 40 48

9 10 11

Samuane

Quartzito levemente micáceo Quartzito c/ feldspato Quartzito Quartzito

6367 99

102

5777 81 96

2747 53 56

3031 32 33

Chopping tool

Inhacaíua

Quartzito (rosado) Quartzito (grão fino) Quartzito Quartzito

54 73

107 113

65 62 96 98

32 36 57 46

25 26 27 28

Mater de Chevula IQuartzo Quartzito (grão fino)

76 104

99 74

51 39

8 9

InhacurungoQuartzo Quartzito (negro)

72 115

82 102

40 44

11 12

NhamezingaQuartzito com orifícios Quartzo Quartzito (negro)

65 78

108

63 82 97

35 56 55

14 15 16

ChindutaQuartzito Quartzito bandado

65 94

75 80

25 52

5 6

Ramal de CarindeRocha granitóide de grão fino (cor escura) Rocha granitóide de grão fino (cor clara)

71 75

72 69

36 30

12 13

Samuane Quartzito 69 75 76

75 86 88

40 40 46

34 35 36 Chopper poliédrico (Biberson)

Inhacurungo Quartzito (cinza) 79 85 39 13

Chinduta Quartzito (negro) 72 89 56 7 *

Inhacurungo Quartzo 88 98 53 14 Chopper com retoque vertical

InhacurungoQuartzito (rosado) Quartzito (cinza claro)

87 74

74 61

31 38

15 16

Chopper circular

Inhacurungo Quartzito (negro)77 74

60 80

35 33

17 18

Chopper com retoque secundário

Samuane Quartzito70 73 75

59 60 68

26 31 25

37 38 39 Chopper nucleiforme

InhacurungoQuartzito (negro) Quartzito

129 118

110 125

69 55

19 20

SamuaneQuartzito (negro) Quartzito (rosado)

78 84

32 26

27 27

40 41 lascas “limace” (Bordes)

Nhamezinga Quartzito 88 45 34 17

Samuane Quartzito99 97

76 88

38 48

42 43

Proto-picoInhacurungo Quartzito (negro) 103 78 40 21

NhamezingaQuartzito (rosado) Quartzito

75 90

64 67

57 53

18 19

lOcAlIZAçãOdAs EsTAçõEs

C a r a C t e r i z a ç ã o t é C n i C a - M at e r i a l l í t i C o - Pa n h a M e

cArAcTErísTIcAs gErAIs dIMEnsõEs PEçAsTIPOs dE uTEnsílIOs

Natureza Petrográfica Massa inicialComp. largura Espessura

n.ºC l E

Page 51: Artefactos líticos das “estações” dos terraços fluviais da ... · carta de Moçambique e localização das estações ... Fig. 3 Aspecto das cascalheiras dos terraços de

Artefactos líticos das “estações” dos terraços fluviais da margem sul do rio Zambeze – província de Tete, Moçambique: uma primeira abordagem

Maria da Conceição Rodrigues

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uTENSílIoS SoBRE SEIxo

Inhacurungo Quartzito 111 102 62 22

Proto-bifaceNhamezinga Quartzito 108 64 39 20

Samuane Quartzito (grão fino) 78 70 44 44

BifaceInhacaíua Quartzito com pontos negros 120 93 58 29

Chinduta Quartzito (grão fino) 91 77 51 8

Samuane Quartzito 88

11261 75

36 42

45 46

Raspador transversal sobre seixoInhacaíua

Quartzo Quartzito Quartzito

47 88

106

68 64 77

29 42 44

30 * 31 32

InhacurungoQuartzito Quartzito (rosado)

95 113

69 80

49 46

23 24

Nhamezinga Quartzito 102 75 56 21

Chinduta Quartzito (cinza) 95 56 50 9

Inhacaíua Quartzito 93 83 51 33 Núcleo reutilizado como raspador

SamuaneQuartzito Quartzito

66 86

33 43

17 27

47 48

Peças bifaciaisInhacaíua

Quartzito Quartzito (rosado)

72 81

75 68

36 35

34 35

Samuane Quartzito 73 69 36 67 *

PercutorInhacurungo

Quartzito Quartzito Quartzito

81 53 55

67 77 69

34 29 34

25* 26* 27*

Samuane Quartzito 76 52 24 68 *Peso de rede

ChindutaQuartzo Quartzito

82 94

46 76

28 39

10 11

NÚClEoS

Samuane

Quartzito com orifício (alteração de inclusões que foram removidas) Rocha silíciosa do tipo jaspóide bandadaQuartzito (rosado) Quartzito com orifícios causados por alterações meteóricas de minerais

68

81 89

112

43

57 86

108

25

25 47 51

49

50 51 52

Núcleos simples

InhacaíuaQuartzo leitoso Quartzito Quartzo bandado

74 98 93

76 70 82

41 34 50

36 37 38

Mater de Chevula IQuartzito Quartzito (rosado)

85 111

66 89

30 35

10 11

InhacurungoQuartzito (rosado) Quartzito

65 133

80 90

33 71

28 29

NhamezingaQuartzito Quartzito

66 107

53 95

27 56

22 23

Chinduta Quartzito (grão fino) 70 69 38 12

Ramal de CarindeQuartzo leitoso Rocha basáltica

seixo anguloso

65 86

43 39

38 35

14 15

Chinduta Quartzito 115 88 89 13 Núcleo prismático

Inhacurungo Quartzito 103 104 59 30 Núcleo de preparação para a extracção de lascas

SamuaneQuartzito Quartzito bandado

50 70

41 63

22 31

53 54

Núcleo discóide

InhacaíuaQuartzito (rosado) Quartzito (negro) Quartzito (cinza)

63 60 62

56 61 52

34 25 32

39 40 41

Mater de Chevula I Quartzito (rosado) 76 70 36 12

InhacurungoQuartzito (negro) Quartzito

54 57

55 59

17 32

31 32

NhamezingaQuartzito (negro) Quartzo Quartzito

63 88 80

52 78 80

19 33 42

24 25 26

Ramal de Carinde Rocha tipo sílex 75 65 32 16

Ramal de Carinde Rocha granitóide de grão fino 72 72 51 17 Núcleo tipo discóide sobre calote de seixo

SamuaneQuartzo hialino Quartzito (negro)

31 40

30 38

12 15

55 56

Micronúcleo discóide

Inhacurungo Quartzito (negro) 91 94 37 33 Núcleo levallois discóide

InhacurungoQuartzito bandado Quartzito

62 102

52 71

26 43

34 * 35 Núcleo com aplicação do método levallois

Nhamezinga Quartzito 69 61 25 27

Samuane Quartzito 109 63 29 57 Núcleo proto-levallois

SamuaneQuartzito (negro) Quartzito

75 100

55 89

57 71

58 59 Núcleo globuloso

Mater de Chevula I Quartzito 83 65 50 13

lOcAlIZAçãOdAs EsTAçõEs

C a r a C t e r i z a ç ã o t é C n i C a - M at e r i a l l í t i C o - Pa n h a M e

cArAcTErísTIcAs gErAIs dIMEnsõEs PEçAsTIPOs dE uTEnsílIOs

Natureza Petrográfica Massa inicialComp. largura Espessura

n.ºC l E

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NÚClEoS

SamuaneRocha silíciosa bandada Rocha silíciosa tipo jaspe bandada Quartzito (rosado)

42 47 49

37 35 42

33 38 31

60 61 62

Micronúcleo globuloso

Nhamezinga Quartzo 84 95 54 28 Núcleo circular de retoque abrupto

InhacurungoQuartzo Rocha basáltica

pequeno seixo calote de seixo

38 32

38 46

20 36

38 39

Micronúcleo

Samuane Quartzito (negro) 55 47 35 63

Núcleo reutilizadoInhacaíua Quartzito 123 58 40 42

InhacurungoQuartzito (negro) Quartzito

57 85

53 58

30 59

36 37

Samuane Quartzito 49 36 20 66

Núcleo exaustoNhamezinga Quartzito 65 45 23 29

Ramal de Carinde Quartzito 46 40 19 18

SamuaneQuartzito (grosseiro) Quartzito(grosseiro)

nódulo91

10760 60

46 40

64 65

Núcleo informeInhacaíua

Quartzito com pontos negros e fundo rosado

nódulo95

10271 76

43 47

43 * 44 *

+ – Salvo indicação em contrário, sempre que foi possível determinar a massa inicial esta apresenta-se sob a forma de seixo.

C – comprimento máximo; l – largura máxima ; E – espessura máxima; Medidas em mm | – c/ desenho tipológico | * – sem imagem

Comoreferimos,nãoexisteumabaseestratigráficanestasestações,portantoprocurou-seatender aos critérios morfológicos, para enquadrar a sua caracterização, além da sua normalevolução.Odiferentepesopercentualverificadonosdiversosconjuntosporcategoriasmorfoló-gicasevidenciadasnoQuadroI(Fig.11),poderáseremparteexplicadopelo“método”utilizadonarecolhadecampo,muitoemboraosartefactos,noseuconjunto,possamapresentarumacertapadronização, mas não será prudente considerá-los integrados numa indústria lítica só, nomesmosentidoquetemsidousadoparaosperíodosmaisrecentes.Oscritériospodemseraindaconsideradoshierarquizados,porquehouvecertamenteescolhaquantoaotipodematéria-primaedimensõesdoseixopelosartesãos,oqueterátambémcontribuídoparaamorfologiafinaldoartefacto.

Nadistribuiçãoglobaldestasindústriaspelostiposestabelecidosparaesteconjuntodeesta-ções, destaca-se essencialmente o peso do grupo dos choppers, que corresponde a 456 peças(52,23%),eodosraspadoresa71(8,13%),emrelaçãoàspeçasinventariadas.

O desenvolvimento do método de debitagem está presente na significativa presença denúcleos,171(19,67%),queassinalamastécnicasdemanufacturaeoníveltecnológicoalcançado.Otalhepodeser,dentrodopossível,avaliadonasuarepresentaçãoporestações(ponto6.1.2)faceàvariedadedeartefactosproduzidos,dadoparecerterexistidotambémumacertapadronizaçãonaescolhadamassainicial,quandoosseusutilizadorespassaramaseleccionarseixosdetamanhomédio.Atravésdoestudo,individualizaram-seascategoriasmorfológicasporconjuntosdearte-factos,queforamordenadosnográficoquantitativoglobal—gráfico8(Fig.13),permitindoorde-narequantificarsegundoosrespectivosatributosetiposdesuporte—utensíliossobrelascas—gráfico8a)(Fig.13’)esobreseixo—gráfico8b)(Fig.13’’).

O resultado obtido a partir dos dados quantitativos possibilitou apresentar um gráficopercentualdecorrelaçãoglobaldosutensílios—gráfico9(Fig.14),queéaindacomplementadopelosgráficosparciaisporcategoriastipológicas—utensíliossobrelasca—gráfico9a)(Fig.14’)esobreseixo—gráfico9b)(Fig.14’’),oquepermitecompararestacolecçãodeartefactos.

Fig. 12distribuição,caracterização,matéria-primaedimensõesdosartefactoslíticosrecolhidosnasestaçõesdamargemdireitadoZambeze–Tete.

lOcAlIZAçãOdAs EsTAçõEs

C a r a C t e r i z a ç ã o t é C n i C a - M at e r i a l l í t i C o - Pa n h a M e

cArAcTErísTIcAs gErAIs dIMEnsõEs PEçAsTIPOs dE uTEnsílIOs

Natureza Petrográfica Massa inicialComp. largura Espessura

n.ºC l E

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Artefactos líticos das “estações” dos terraços fluviais da margem sul do rio Zambeze – província de Tete, Moçambique: uma primeira abordagem

Maria da Conceição Rodrigues

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 1. 2007, p. 401-482 453

Fig

. 13

grá

fico

8.

Grá

fico

qu

anti

tati

vo d

os a

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acto

s lí

tico

s de

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açõe

s do

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Tet

e

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Maria da Conceição Rodrigues Artefactos líticos das “estações” dos terraços fluviais da margem sul do rio Zambeze – província de Tete, Moçambique: uma primeira abordagem

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 1. 2007, p. 401-482454

Umarápidaleituradográficopercentual(Fig.14)porcategoriasdeartefactoslevaaconcluir,porexemplo,queaestaçãodeChindutanãoforneceunenhumutensíliosobrelascaequeadeSamuanedominaemtodasascategorias, seguindo-seasde Inhacurungoe Inhacaíua;oquesejustificaporseremasestaçõescommaiornúmerodepeças(QuadroI—Fig.11).

Aanálisedetalhadadosgráficosforneceumafontedecomparaçãoporcategoriatipológicae,nessedomínio,osvalorespercentuaisde100%emalgunsnãodemonstramumpredomíniodesseutensílionasestaçõescorrespondentes,masapenasesóqueonúmerodepeçasémuitobaixo.

Fig. 13’gráfico8a.

Fig. 13’’gráfico8b.

Gráfico quantitativo por categoria de artefacto – Utensílios sobre lasca

Gráfico quantitativo por categoria de artefacto – Utensílios sobre seixo

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Artefactos líticos das “estações” dos terraços fluviais da margem sul do rio Zambeze – província de Tete, Moçambique: uma primeira abordagem

Maria da Conceição Rodrigues

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Aconjugaçãodosdadosreferenciadosnosgráficos8a)eb)comosdosgráficos9a)eb)permitevalidarosresultadosobtidosenãoserinduzidoemteseserradas.

Conscientedequeasdesignaçõesmorfo-tipológicassãoparciaisquantoàclassificação,houvealgumashesitaçõesnaanáliseparaidentificaçãodosutensílios,masoresultadopareceuomaiscorrectofaceàquantidadedepeçasanalisadaseao interessequearegiãopodeoferecerparaoestudodaIdadedaPedranaÁfricaCentro-OrientalAustral,edoterritóriodeMoçambiqueemparticular.

Fig. 14gráfico9.

Fig. 14’gráfico9a.

Gráfico de correlação por categorias tipológicas dos artefactos líticos de estações de terraços da margem direita do Zambeze – Tete

Gráfico percentual por categoria de artefacto – Utensílios sobre lasca

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Naelaboraçãodaexplicitaçãodescritivadosartefactosquesesegue,procurou-se,apardoscritérioshabituais,darvisibilidadeedeixarperceberquaisosatributosecaracterísticastécnico--morfológicasqueaspeçasdestasestaçõesevidenciamapartirdadebitagemnatransformaçãodossuportes,quesãopassosnecessáriosparaobterumprodutoutilitárioesimples,quefoidepoisobjectoderetoquesmaisoumenossequenciais,equepassamosainterpretar.

7.3. Estudo tecnológico

7.3.1. Debitagem

Noestudodosartefactoslíticos,contabilizaram-se96lascasquerepresentam11%,eresulta-ram,nasuagrandemaioria,daacçãodeseccionar“deumsógolpe”osflancosdeseixosdediferen-tesdimensões.

Consideram-secomolascasaspeçasresultantesdafractura,ouseja,dodestacarpormeiodetalhedirectoeperpendicularaslascasdeumseixooublocodeumarochadura,emconsequênciadasuapercussãointencionalresultantedeumaadequadaoperaçãodetalhe(adaptadodeLeroi--gourhan,1988,p.327),aqualtransformaaindaoseixooriginalemnúcleo.Umalascaémorfolo-gicamenteconstituídaporduasfacesopostas,sendoasuperioraqueapresentaumrevestimentocortical,provenientedoseixooriginal(matéria-prima)eafaceinferiorcorrespondeàresultantedoestalamento,possuindoounãoumconedepercussãomaisoumenospronunciado.

Osatributostecnológicosobservadosnaslascas,talcomoadisposiçãodoslevantamentoseotalãocorticalnaslascasdeprimeirageração,dadoquepoucasserãodesegundageração,pode

Fig. 14’’gráfico9b.

Gráfico percentual por categoria de artefacto – Utensílios sobre seixo

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contribuirparacompreenderoprocessodetalheeoseuenquadramentonacadeiaoperatóriaqueiremoscaracterizar.

No plano morfológico, parece ocorrer uma certa diversidade entre as lascas, o mesmo seconfirmando quanto à sua tipometria. Regista-se uma grande percentagem de valores médios,sendoemnúmeroreduzidoaslascasdemaiordimensão,comoodocumentaoQuadroII(Fig.12).Verifica-se,ainda,asuapresençaemtodasasestações.

Nacaracterizaçãomorfológicadaslascas,atendeu-seaodesenvolvimentodotalheapartirdapresençaouausênciadecórtex,dadoqueestetipodeartefactostemsignificativarepresentativi-dade,alémdepermitirassinalarapresençadelascasespessasdeprimeirageração.

Naorganizaçãodoquadrodescritivo,tivemosematençãooscritériosanteriormentereferen-ciados,quepassamosainterpretar:

Lascas · Lascas de descorticagem–Foramidentificadas8peças(0,92%),assimdesignadasporapresenta-

remumafacecorticalesemretoque,sendoapenasvisívelolascadoqueresultoudoseudesta-quedosuporte(oseixo):peçasn.os1e2(Fig.1)daestaçãodeInhacaíuaepeçasn.os1e2(Fig.1)daestaçãodeMaterdeChevulaI.

· Lascas simples–Foramconsideradas41peças(4,70%),quepoucosretoquesevidenciame,quandoexistentes,nãosedistingueemrelaçãoàdirecçãonenhumapreferência:peçan.º3(Fig.1)daestaçãodeSamuane;peçasn.os3e4(Fig.2)deInhacaíuaepeçan.º1(Fig.1)deChinduta.

· Lascas retocadas – Consideraram-se 42 peças (4,81%), que mostram um retoque abrupto ousemi-abrupto,quantoàinclinação,demorfologiairregularevariávelemdimensão,masdemodoapermitircriarumgumenazonaopostaàáreacorticalenamesmaface.Afaltadetalãodeixaentreveraausênciadepreparaçãodosplanosdepercussãonotalhedaslascas:peçan.º6(Fig.2)daestaçãoSamuane;peçasn.os4e5(Fig.2)deInhacurungoepeçan.º3(Fig.2)deNhamezinga.

· Lascas em forma de “gomo de laranja”–Identificaram-se4peças(0,46%).Alinhalimitedogumepodeapresentarformasconvexasecomretoquesdemodoacriarumtipomorfológicoespecí-fico,comoéocasodaslascas“emformadegomodelaranja”deacordocomaclassificaçãodeBiberson,1966(tipoII.16:FTAn.º58),emqueumapartecorticalsemantém,contribuindodestemodoparaasuacaracterização.Estetipodelascasmostraumavariantetécnicaemorfo-lógicadotalhedosuporte:peçasn.os7a9(Fig.3)fornecidaspelaestaçãodeSamuane.

· Lasca de flanco de núcleo–Temosapenasumapeça(0,11%),queseapresentatodaeolizada,facessemvestígiosdecórtexecomtalão.Faceàsuamorfologia,podedocumentarumafaseevolu-ídadoAcheulense:peçan.º4(Fig.3),provenientedaestaçãodeRamaldeCarinde.

Quantoàmatéria-prima,as lascas sãopredominantementedequartzito,muitoemboraoquartzoestejarepresentado,assimcomoasrochasjaspóideedotiposílex,masemnúmeromuitoreduzido(QuadroII—Fig.12).Amaiorpartedaslascasapresentaumpredomíniodezonascorti-cais;obolbodepercussãoencontra-seausenteeotalãotambémnãoseregista,muitoemborahajaalgumassemvestígiosdecórtexecomoquesepodeconsiderarumtalão:comoéocasodalascadeflancodenúcleo(acimacaracterizada).

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7.3.2. Núcleos

Comonúcleoentende-seaunidadedematéria-primalíticaexploradapelo“Homem”compretensãodeextrairdelefragmentos,quepodemserounãoaproveitados,masqueconservaasarestasreferentesàextracçãointencionaldeprodutos(Santonja,1984-1985,p.17-20).

Outrosinvestigadores,comoTixier(1980:93),consideramnúcleoqualquerblocodematé-ria-prima do qual se extraíram lascas, lâminas ou lamelas, com objectivo de serem utilizadas etransformadas.ParaLeroi-gourhan(1966,p.247),todaamassadematériatalhadaadquireumcarácterdenúcleo.PodeaindaexistirnoAcheulenseumacertadificuldadeemestabelecerumaseparaçãoentredeterminadosnúcleoseutensílios.

Osnúcleostêmumapresençadegrandesignificado;são171peças(19,59%),estãoreferencia-dasemtodasasestações,apresentandodiferentesmorfologiasecategoriasanível tipométrico,comodocumentaoQuadroII(Fig.12).

Quantoaocomprimentoelargura,osnúcleossituam-senascategorias:5(muitogrande)—commedidasentreos120e140mmdecomprimento;4(grande)—commedidasentreos100e120mm;3(médio)—commedidasentreos70eos90mm;2(pequeno)—commedidasentreos50eos70mm;1(muitopequeno)—commedidasentreos30eos50mm.

Relativamenteaopeso,verifica-sequeestevaidesdepeçascom1240gàsde180gfornecidaspela estação de Chinduta, até ao chamado micro-núcleo com apenas 30 g (devido à reduzidadimensãodosseixos)daestaçãodeInhacurungo.Outrosnúcleostêmumvalorresidualeapresen-tamoresultadodeumaexploraçãointensiva,eoutrosaindaforamreutilizadoscomoutensílios,ouemtemposdiferentesparanovasextracçõesdelascas,situaçãoquesereflectenapátinaqueapresentam.

Aclassificaçãodosnúcleosfoiefectuadadeacordocomosistemaqueprivilegiaoordena-mento e posicionamento dos levantamentos extraídos, em detrimento da morfologia final daspeças, atendendo sempre que possível, do ponto de vista técnico e teórico da classificação porgrupos proposta por M. Santonja (1984-1985), que procurámos adaptar com o objectivo de oscompararmoscomindústriasafins.

Quantoaosnúcleosemestudo,verifica-segrandedificuldadeemestabelecerlimitesparaasuacaracterização,demodoapoderdescriminarosatributosnumconjuntotãoamplo,afimdeobterumresultadoquecorrespondaàscaracterísticasobservadasaoníveldaslascasbrutas,resul-tantesdoseccionamentodeseixosedosutensílios.OmétodoLevalloisnãoeradesconhecido,masasuautilizaçãopodeconsiderar-semarginal,oucondicionadapelotipoderecolha.

· Núcleo simples – Com extracção unifacial foram consideradas 123 peças (14,20%), apresen-tandolevantamentoemzonarestritacomo:peçasn.os28e29(Fig.15),quemostramumplano de percussão de talhe abrupto, são provenientes da estação de Inhacurungo; peçan.º52(Fig.22)deSamuane,mostraextracçõessucessivasporretoquessemi-abruptosepeçan.º11(Fig.6)deMaterdeChevulaIqueapresentalevantamentosalternadosindependentes,detalheoblíquoedirecçãocentrípeta.Amatéria-primaescolhidafoioquartzito.

Aspeçasn.os14e15(Fig.9),daestaçãodeRamaldeCarinde,sãonúcleossempreparaçãocomextracçõesdetalheabruptonaprimeira(umseixoanguloso),quepareceocorrerapartirdeumaarestanavertical;napeçan.º15,otalheédesordenadoesemi-abrupto;sendo,quantoao reverso, em todas, cortical. A matéria-prima é, na primeira peça, rocha basáltica e, nasegunda,quartzo.Estesnúcleos,devidoaobaixonúmerodelevantamentosesemprepara-ção,foramintegradosdoGrupo I(Santonja,1984-1985,p.21).

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Nestacategoria,aestratégiaexploratóriabifacialestárepresentada,desdeoslevantamentossimples,ouseja,sempreparaçãodorespectivoplanodepercussão;detalheoblíquoquemostrasucessivasextracçõesnomesmoplano,como:peçan.º22(Fig.13)nalinhadobordo,ecomgrandeáreacorticalnoreverso,comonapeçan.º23(Fig.13),ambasdaestaçãodeNhamezinga;atéaoregistodousodeumpercutorbrando,comooreflecteapeçan.º50(Fig.22)deSamuane,quetambémapresentaasuperfícieeolizada.Amatéria-primautilizadaemNhamezingafoioquart-zito,eemSamuaneaescolhidafoiumarochasiliciosadetipojaspóide.

Assinala-seaindaaprevalênciadeestratégiasdetalhebifacialdesordenadosemdirecçãopreferencialcomplanosearestasquereflectemapreparaçãoparaextracçãodelascasnafacesuperior, comooquesedesignoupor núcleo de preparação para extracção de lascas:peçan.º30(Fig.16)deInhacurungo.Apeçan.º10(Fig.6)deMaterdeChevulaIapresentalevantamentosdetalhecomdirecçãooblíquaesemi-abrupta,desordenados,sendooreversopredominante-mentecortical.Amatéria-primautilizadafoioquartzito.EstetipodenúcleoscomextracçõessucessivaspraticamentenomesmoplanopodeserincluídonoGrupo II(Santonja,1984-1985,p.21).

· Núcleo prismático–Foiincluídoumexemplar(0,11%),queapresentaextracçõescomestratégiadetalhemultifacetadocomplanosdepercussãoearestasresultantesdelevantamentosdelascaslaminares.Assinalam-seaindanaestratégiaoslevantamentosdetalhecomdirecçãooblíquaesemi-abrupta,eumpredomíniodaáreacortical:peçan.º13(Fig.9)deChinduta.Amatéria-primautilizadafoioquartzito.Estenúcleo,devidoaobaixonúmerodelevanta-mentos,foiintegradonogrupoI(Santonja,1984-1985,p.21).

Núcleo discóideSãopeçascom levantamentosoblíquose semi-abruptosdefinidospor talhecomdirecção

centrípeta que lhe determina a configuração periférica, estando este tipo presente em todas asestaçõesàexcepçãodeChinduta.

· Núcleo discóide–Foramreferenciadas18peças(2,06%),queapresentamextracçõesbifaciaiseumpredomíniodelevantamentosquealternamcomzonacortical,ereflectemnotalheousodopercutormisto,ouseja,duroebrando,dequedestacamos:peçasn.os39a41(Fig.19)deInhacaíua;peçan.º12(Fig.7)deMaterdeChevulaI;peçasn.os31e32(Fig.17)daestaçãodeInhacurungo;peçan.os24a26(Fig.14)deNhamezingaepeçan.º16(Fig.10)daestaçãodeRamaldeCarinde.Apeçan.º54(Fig.23)daestaçãodeSamuaneéaqueapresentaumtalhemaisgrosseiro.

No que respeita à matéria-prima, regista-se o predomínio do quartzito, com excepção: dapeçan.º26deNhamezinga,queédequartzoedan.º16deRamaldeCarinde,queéumarocha do tipo sílex. Quanto ao tipo de talhe, podem enquadrar-se noGrupo VI (Santonja,1984-1985,p.24).

· Núcleo tipo discóide sobre calote de seixo–Foiincluídoumexemplar(0,11%).Trata-sedeumapeçaparticularmentecaracterística,sempreparaçãonoreverso,mascomdimensõesdeterminadasporlevantamentosoblíquosesemi-abruptoscomarestasbemdefinidasnumadasfaces,eoreversocortical:peçan.º17(Fig.17)daestaçãodeRamaldeCarinde,sendoamatéria-primauma rocha granitóide. Este tipo de talhepode enquadrar-se noGrupo IV (Santonja, 1984--1985,p.23).

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· Micronúcleo discóide–Referenciaram-seduaspeças(0,23%),queapresentamextracçõesbifa-ciaisdefinidasporlevantamentosoblíquos,queocorrememdoisplanosdasuperfícietalhada,e lhes determina a configuração periférica; havendo zonas corticais: peças n.os 55 e 56(Fig.24)daestaçãodeSamuane.Amatéria-primadaprimeirapeçaéquartzitoedaoutraoquartzo. Quanto ao tipo de talhe apresentado, pode enquadrar-se no Grupo VI (Santonja,1984-1985,p.24).

Núcleo LevalloisVamosincluirnestacategoriaosexemplaresdetalhebifacialecomaplicaçãotecnológicado

métodoLevallois,oquecorrespondeanúcleoscomplanosdepercussãomaisoumenosprepa-rado,cujoresultadodotalhepermiteconsiderar:NúcleoLevalloisdiscóide;Núcleoproto-Levallois;NúcleocomaplicaçãodométodoLevallois.

· Núcleo Levallois discóide–Foiconsideradoumexemplar(0,11%)degrandesdimensões;éumapeçacomtalhebifacialelevantamentosdedirecçãocentrípetaquedefinemaconfiguraçãoperiféricaemvoltadobordodoartefacto:peçan.º33(Fig.18)daestaçãodeInhacurungo.Amatéria-primaescolhidafoioquartzito.EstetipodenúcleomostraumtalhequesepodeincluirnoGrupo IX(Santonja,1984-1985,p.30).

· Núcleo proto-Levallois–Umexemplar(0,11%),quemostraumtalhebifacial,dadoterretoquesnoreverso;afacesuperiorédefinidaporextracçõessucessivascomdirecçãocentrípetaemvoltadobordo:peçan.º57(Fig.25)daestaçãodeSamuane;sendoamatéria-primaescolhidaoquartzito.

· Núcleo com aplicação do método Levallois–Referenciaram-setrêspeças(0,34%),queapresentamum talhe bifacial com extracções de direcção centrípeta e sucessiva, que se desenvolvemparcialmenteemvoltadobordodefinindo-o,restandoumazonacortical:peçan.º35(Fig.19)daestaçãodeInhacurungoepeçan.º27(Fig.15)daestaçãodeNhamezinga.Amatéria-primaescolhidafoioquartzito.Estesexemplarespodemincluir-sedeacordocomotipodetalhe,talcomoapeçan.º57deSamuanenoGrupo VIII(Santonja,1984-1985,p.26).

· Núcleo globuloso–Foramconsideradas3peças(0,34%),queapresentamumtalheunioubifa-cial, com extracções dispersas de número variável não hierarquizadas. Nesta categoria,incluiu-seapeçan.º58(Fig.26),quemostraumtalheunifacialcomextracçõesporretoqueabrupto,queocorremparcialmentenafacesuperior,sendoarestantepartecórtex,eapeçan.º59(Fig.26)detalhebifacialcomlevantamentosdedirecçãocentrípetairregular,alter-nandocomzonascorticais;sendoambasprovenientesdaestaçãodeSamuane.

Apeçan.º13(Fig.8),daestaçãodeMaterdeChevulaI,apresentatalhebifacial,comlevanta-mentossemi-abruptoseoblíquosdedirecçãocentrípeta,alémdezonascorticaisemambasasfaces.Amatéria-primaescolhidafoioquartzito.Estesexemplarespodem,quantoaotipodetalhe,incluir-senoGrupo VII(Santonja,1984-1985,p.26).

· Micronúcleo globuloso–Foramidentificadas3peças(0,34%),queapresentamtalhebifacial,defi-nido por levantamentos sucessivos de direcção centrípeta irregular, alternando com zonascorticais,eoprovávelusodeumpercutorbrando:peçan.º61(Fig.27),daestaçãodeSamuane.Amatéria-primaescolhidafoioquartzito.

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Nestacategoria,incluiu-setambémapeçan.º62(Fig.27),cujamatéria-primaéumarochajaspóide,eapeçan.º60(Fig.27),emqueamatéria-primaéumarochasiliciosa,sendoambasprovenientes da estação de Samuane. Estes exemplares podem, quanto ao tipo de talhe,incluir-senogrupoVII(Santonja,1984-1985,p.26).

· Núcleo circular de retoque abrupto–Umexemplar(0,11%),queapresentaumtalheunifacialdedirecçãocentrípeta,comextracçõesporretoque(abrupto)sucessivoquedefinelateralmenteapeça,sendoapartesuperioreoreversocortical:peçan.º28(Fig.16)daestaçãodeNhame-zinga. A matéria-prima escolhida é o quartzo. Esta peça poderá ser incluída no Grupo VII(Santonja,1984-1985,p.26).

· Micronúcleo – Consideraram-se 2 exemplares (0,23%), atendendo às dimensões dos seixossuporte.Apeçan.º38(Fig.20)éumpequenoseixodecategoria1(muitopequeno)detalhebifacial,comextracçõesporretoqueoblíquoeumaáreacorticalnoreverso.Amatéria-primautilizadaéoquartzo.

Apeçan.º39(Fig.20)seráumnúcleosobrecalotedeseixo(reutilizado),quemostracicatri-zes de talhe de lamelas, obtidas por pressão directa e utilizando um punção preparado.Amatéria-primaescolhidaéumarochabasáltica.

São ambas peças provenientes da estação de Inhacurungo. Quanto ao tipo de talhe, aprimeirapeçapoderáser incluídano Grupo II ea segundanoGrupo III (Santonja,1984--1985,p.21).

As tipologias propostas (Santonja, 1984-1985) tiveram de ser adaptadas à realidade das

peçasemanálise;quantoàsrestantesestratégiasexploratórias,apresentam-seconfinadasamaisalgunsnúcleoscomoosreutilizados,informeseexaustos,alémdosfragmentosdenúcleo,cujacaracterização se considera indeterminada e incluídos no Grupo XI (Santonja, 1984-1985,p.30).

Acomposiçãoorganizadaporgrupostécnicosemqualquersériedenúcleos,sejaosdeformassimples(grupoI,IIeIII),oudeformasmaiscomplexas(grupoIV,V,VI,VIIeVIII),paraefeitoscomparativos, permite ordenar um conjunto estruturado e estabelecer uma relação de ordemformalentreosdiversosgruposdistinguidos.

7.4. Estudo tipológico

UtensíliosNaclassificaçãodestasindústriaslíticas,dopontodevistatipológico,edeacordocomos

tipos estabelecidos para os utensílios deste conjunto de estações e organizados no Quadro III(Fig.15),ressaltaemprimeirolugarasuadiversidade,mesmoatendendoaoseuelevadonúmero.destaca-seessencialmenteopesodogrupodosutensíliossobreseixo,emqueoschopperscorres-pondema79,30%,comparativamentecomodossobrelasca,emqueosraspadoresrepresentam13,33%,nototaldosutensílioscontabilizados.Emcontrastecomestegrupodeutensíliosdomi-nante,osrestantessobrelascarepresentam1,89%,eossobreseixo6,45%,evidenciandoporconse-guinteumpesomuitomenoredistribuindo-seporutensíliosdiversos.

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7.4.1. Utensílios sobre lasca

Os utensílios sobre lasca são essencialmente elaborados sobre lascas de primeira geração(resultantesdofraccionardoseixo/núcleo),osquais,comoprodutoderetoqueportalhedirecto,podemmanterumaface(asuperior)commaioroumenorpredomíniodecórtex,sendoestacate-goria de utensílios constituída maioritariamente por raspadores, havendo também furadores,entalheseumdenticulado,osquaiscorrespondema82peças(14,22%).

Emtermostipológicos,aprincipalcaracterísticadestesutensíliosresidenasuarelativadiver-sidade,umavezqueserepartemporváriascategoriasreferenciadasnoQuadroIII(Fig.15).

Quadro III. utensílios líticos das estações dos terraços da margem direita do rio Zambeze

Raspador 17 8,54 4 3,33 17 13,28 3 4,29 2 14,29 43 7,48

Raspador sobre lasca levallois 1 0,50 1 0,17

Raspador sobre lasca em forma de gomo de laranja 8 4,02 2 1,67 10 1,74

Raspador duplo/biconvexo 1 0,50 1 7,14 2 0,35

Raspador convexo 1 0,50 1 0,17

Raspador circular 2 1,01 3 2,50 1 4,00 6 1,04

Raspador côncavo 2 1,01 1 0,83 3 0,52

Raspador lateral 1 0,83 2 14,29 3 0,52

Raspador de gume rectilíneo 1 0,83 1 0,17

Raspador com denticulado 1 0,50 1 0,17

Furador 1 1,43 1 0,17

lasca retocada mais furador 1 0,83 1 0,17

lasca levallois retocada mais furador 1 0,50 1 0,17

Denticulado 1 4,00 1 0,17

Entalhe 2 2,86 1 7,14 3 0,52

Entalhe e furador 1 1,43 1 0,17

Peça de gume transversal 3 2,50 3 0,52

u T E n s í l I O s s O b r E s E I x O

Chopper 95 47,74 49 40,83 19 76,00 72 56,25 36 51,43 10 52,63 6 42,86 287 49,91

Chopping tool 44 22,11 48 40,00 4 16,00 22 17,19 22 31,43 4 21,05 2 14,29 146 25,39

Chopper poliédrico 3 1,51 1 0,78 1 5,26 5 0,87

Chopper nucleiforme 9 4,52 4 3,13 13 2,26

Chopper com retoque vertical 1 0,78 1 0,17

Chopper circular 2 1,56 2 0,35

Chopper com retoque secundário 2 1,56 2 0,35

lascas "limace" (Bordes) 3 1,51 1 1,43 4 0,70

Proto-pico 4 2,01 1 0,78 2 2,86 7 1,22

Proto-biface 1 0,78 1 1,43 2 0,35

Biface 1 0,50 1 0,83 1 5,26 3 0,52

Raspador transversal sobre seixo 2 1,01 3 2,50 2 1,56 1 1,43 1 5,26 9 1,57

Núcleo reutilizado como raspador 1 0,83 1 0,17

Peças bifaciais 2 1,01 2 1,67 4 0,70

Percurtor 1 0,50 3 2,34 4 0,70

Peso de rede 1 0,50 2 10,53 3 0,52

TOTAl 199 100 120 100 25 100 128 100 70 100 19 100 14 100 575 100

cO n TAg E M T I P O ló g I c A

M AT E r I A l l í T I c O - P r O s P E c ç ã O / r E c O l h A d E s u P E r f í c I E

Samuane Inhacaíua Mater de Chevula I Inhacurungo Nhamezinga Chinduta Ramal de CarindeToTal

1.ª estação 2.ª estação 3.ª estação 4.ª estação 5.ª estação 6.ª estação 7.ª estação

Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

u T E n s í l I O s s O b r E l A s c A

N.º – número de peças | % – sobre o total dos artefactos contabilizados

Fig. 15OrdenaçãoepesopercentualdosutensílioslíticosdasestaçõesdosterraçosdamargemdireitadorioZambeze–Tete.

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Na caracterização tecno-morfológica, procurou atender-se ao maior ou menor desenvolvi-mentodotipodetalheapartirdapresençaouausênciadecortexnumadasfaces,àlocalizaçãoedisposiçãodoslevantamentos;oquemuitocontribuiuparacompreenderoprocessodetalhee,assim, definir o seu enquadramento na cadeia operatória que definiu os utensílios líticos quepassamosacaracterizar:

RaspadoresNeste tipo morfológico foram identificadas 71 peças (12,33%), documentando diferentes

tiposmorfológicos.Paraasuamanufactura,dopontodevistatecnológico,ter-se-iamutilizadolascas,principalmentedeprimeirageração,quedepoiseramretocadas,mostrandoquantoàtecno-logiaretoquesabruptosousemi-abruptosmaisoumenosirregularesecomdimensõescurtasoulongas,criandoraspadorescomdiferentesmorfologias.Emrelaçãoàdirecçãodepercussãonãoseevidencianenhumapreferência:algunsapresentamcurtosretoquesetambémaausênciadelinhadegumebemdefinidaouapenasumalinhasinuosa.

· Raspador simples–Foramconsideradas43peças(7,48%),oqueconferegranderepresentati-vidadeaestacategoria.Sãoutensíliosdetalhebifacial,sendoumadasfacesquaseplana,ea outra parcialmente cortical, sendo de um modo geral utensílios espessos. Uma claraevolução do procedimento tecnológico para obtenção de um gume está presente, o querepresentaumaespecializaçãodatécnicadetalheepermitedeterminardiferentescatego-riasderaspadores,tornando-osnosmaissignificativosutensíliosdaindústriadoComplexo Tecnológico do Acheulense.Foramseleccionadas:peçasn.os10a12(Fig.4)daestaçãodeSamu-ane;peçasn.os8e9(Fig.4)deInhacaíuaepeçasn.os5e6(Fig.3)deNhamezinga.

Nestacategoriaháadestacarapeçan.º13(Fig.A),recolhidanaestaçãodeSamuane,pelassuas reduzidas dimensões, talhe com punção preparado, além de apresentar a superfíciecompletamenteeolizada.Amatéria-primaénestapeçaumarochajaspóide;nasoutrasesta-çõesverifica-sequeaspeçasn.os12,8e5sãodequartzo,sendoaspeçasn.os10,9e6dequar-tzito,deacordocomaordenaçãodasestaçõesacimareferidas.

· Raspador com retoque lateral–Identificou-seumapeça(0,17%),quemostraretoquesdesenvolvi-dosnumdosladosdobordodapeça,ecomoresultado:umgumesubvertical—peçan.º10(Fig.5)daestaçãodeInhacaíua.Amatéria-primaéoquartzito.

· Raspador sobre lasca Levallois–Incluiu-seumapeça(0,17%),quemostraumaproveitamentototal(ouquase)dogumedeumalascaobtidapelométodoLevallois,ouseja,dentrodeumafasedaevoluçãotecnológicadoAcheulense;alémdedemonstraracapacidadedeaprendiza-gem,ouumanovatradiçãocultural:peçan.º14(Fig.5)daestaçãodeSamuane.Amatéria--primautilizadafoioquartzito.

Oaproveitamentodalascasuporteeafuncionalidadedestetipodeutensíliosmostramuma

indústriacomumatecnologiaconsideradado“modo3”,segundoClark(1969,p.29-31;Phillip-son,1994,p.65).

· Raspadores sobre lasca em forma de “gomo de laranja”–Identificaram-se10peças(1,74%),queconstituemumtipoespecificoderaspadores,everifica-sequeforamobtidossobreumdetermi-nadotipode lascas (atráscaracterizadas),as“emformadegomode laranja”.Sãoutensílios

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quasesemretoquesedediferentesdimensões,apresentandoumazonacorticalcaracterística,alémderepresentaremumavariantetécnicaemorfológicadosuporte,oumaisprecisamentedaimplantaçãodobordotalhado:peçasn.os15a17(Fig.6)daestaçãodeSamuaneepeçasn.os11e12(Fig.6)deInhacaíua.Amatéria-primautilizadafoioquartzito.

· Raspador duplo ou biconvexo–Identificaram-seduaspeças(0,35%),queseinseremnosutensí-lioscomretoquesnãoordenados,masdistribuídosemvoltadobordodalasca,preenchendo--onumaamplitudedecercade180ºnapeçan.º18(Fig.7)daestaçãodeSamuane,ounosdoisladosdobordo,comonapeçan.º7(Fig.5)deRamaldeCarinde.Amatéria-primautili-zadafoioquartzito.

· Raspador convexo–Identificou-seumapeça(0,17%),queseinserenosutensílioscomretoquesnãoordenados,masdistribuídosemvoltademetadedobordodalasca,preenchendo-o:peçan.º19(Fig.8)daestaçãodeSamuane.Amatéria-primaescolhidafoioquartzito.

· Raspador circular–Foramidentificadas6peças (1,04%).Este tipoespecíficomostraqueosretoquesforamdistribuídosquaseportodoolimiteexteriordobordo:peçan.º20(Fig.9)daestaçãodeSamuaneenaspeçasn.os13a15(Fig.7)deInhacaíua.Nocasodapeçan.º21(Fig.9)deSamuaneenapeçan.º3(Fig.2)deMaterdeChevulaI,verifica-sequeazonacomretoquealternacomazonacortical(quenãofoiobjectoderetoque).Quantoàmatéria-prima,apenasapeçan.º14édequartzo,asrestantessãodequartzito.

· Raspador côncavo–Identificaram-seduaspeças(0,35%).Umatemcomosuporteumalascadedimensõesmédias,cujaconfiguraçãofoiobtidaporlevantamentosdedirecçãocentrípeta,eretocadanaextremidadedistaldefinindoumgumecôncavo:peçan.º22(Fig.10),fornecidapelaestaçãodeSamuane.Amatéria-primautilizadafoioquartzito.Aoutraéumpequenoartefacto de talhe bifacial, com retoques curtos e de inclinação semi-abrupta: peça n.º 23(Fig.B)daestaçãodeSamuane.Estapeçadistancia-sedosraspadoresantescaracterizados,devidoàmorfologiaeaotipodematéria-primaemquefoitalhada(rochajaspóide),alémapresentarumapatinaeólica.

· Raspador côncavo com retoque abrupto–Foiconsideradaumapeça(0,17%),queapresentaumtipoespecíficoderetoqueabrupto,alémdotalhedefiniraindaumaarestacôncavanaextre-midadedistal:peçan.º16(Fig.8)daestaçãodeInhacaíua.Amatéria-primaescolhidafoioquartzito.

· Raspador de retoque rectilíneo–Incluiu-seumapeça(0,17%),quemostraumgumedefinidoporretoques desordenados, disposto em linha de acordo com a morfologia da lasca: peçan.º17(Fig.9)daestaçãodeInhacaíua.Regista-seumbomaproveitamentodoquartzocomomatéria-prima.

· Raspador com denticulado–Identificou-seumapeça(0,17%),quemostraumtalhebifacialcomretoquescontínuosdeinclinaçãoabruptaedecurtadimensãoquesedesenvolvemprincipal-mentedeumdosladosdoutensílio,definindoasuamorfologia:peçan.º24(Fig.C)daesta-çãodeSamuane.Amatéria-primaéumarochasiliciosabandadaeapresentaumasuperfíciecompátinaeólica.

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NestacategoriadeutensíliosmerecemdestaqueoRaspador simples (peçan.º13),oRaspador côncavo(peçan.º23)eoRaspador com denticulado(peçan.º24)(Fig.A—B—C);sãopeçasdetalhebifacial,semvestígiosdecortexerecolhidasnaestaçãodeSamuane.Foramincluídosnestafasedadescrição,porumaquestãodemetodologia,mantendoassimaordenaçãoporcategoriadaarte-facto,muitoembora,devidoàssuasdimensões,característicastecno-morfológicasetipodematé-ria-primaemqueforamtalhados(rochajaspóide),nãopareçamserincluídosnoAcheulense.Apre-sentamumapátinaeólica,oqueosfazdistanciaraindamaisdosoutrosraspadores.

FuradorNestacategoriadeutensíliosforamconsiderados3exemplares(0,52%);têmcomosuporte

diferentestiposdelascas,queforamestrategicamenteexploradas.

· Furador simples–Foiincluídaumapeça(0,11%)cujosuporteéumaespessalascadeprimeirageraçãoretocadanaextremidadedistalequeapresentaumasilhuetaafilada,definidapordoislevantamentosoblíquosebilaterais,criandoumaduplacadeiaoperatóriaparapossibi-litaraconfiguraçãodaparteútildapeça.Emtermosmorfológicos,oresultadoobtidonaextremidadedistal,éumtipodeatributodeterminadopeloretoquedazonaapontada:peçan.º7(Fig.4)daestaçãodeNhamezinga.Amatéria-primaescolhidafoioquartzo.

· Lasca retocada mais furador e Lasca Levallois mais furador – Incluíram-se duas peças (0,35%),porqueestetipodeutensíliosassinalaapresençadelascascomumaestratégiadetalhe,bemdiferenciada,quemostraoaproveitamentoadequadodamorfologiadosuporteedaprópriamatéria-prima,situaçãoquesetornamaisevidentenalascaobtidapelométodoLevallois:peçan.º18(Fig.10)daestaçãodeInhacaíuaenapeçan.º25(Fig.11)deSamuane.Amatéria--primautilizadafoioquartzito.

Esteconjuntodeutensíliosrepresentaumasignificativaalteraçãodosvaloresreferentesaograu

depreparaçãoparaodesenvolvimentonotalhenasduasfaces.Otipoderetoque,quesepodeconsi-derarevolucionado,temaindagrandesignificado,porquedocumentaavançotecnológiconaprocuradenovostiposdeutensílios,apósodestacardalasca;alémdereflectirnovaspreocupações,comosejaaprovávelconfecçãodeindumentárias—trabalhoqueseriafacilitadopelousodofurador.

· Denticulado–Identificou-seumapeça(0,17%),quefoiobtidaapartirdeumalascadeprimeirageraçãoe,porisso,apresentaumafaceinteiramentecorticalcujobordofoialvoderetoquessemi-abruptosecentrípetosquantoàdirecção,demodoadefinirumgumelocalizadonaextremidadedistale lateralda lasca:peçan.º4 (Fig.3)daestaçãodeMaterdeChevula I.Amatéria-primautilizadafoioquartzito.

· Entalhe–Identificaram-se3peças(0,52%).Emborareduzida,apresençadestetipodeutensí-lioé,contudo,expressiva,dadootipodetalhe.Sãoutensíliosresultantesderetoquesbifa-ciais desenvolvidos sobre lasca, ou seja, uma sucessão de retoques curtos que, em relaçãoàinclinação,podemserconsideradossemi-abruptos,comlocalizaçãodistalemesial,sendoadirecçãodepercussãosempreferênciaouirregular.

Osutensílioscomretoquemesialestãoreferenciados:peçasn.os8e9(Fig.5)provenientesdaesta-çãodeNhamezinga.Amatéria-primautilizadafoioquartzoleitosoeoquatzito,respectivamente.

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Outensíliocomretoquedistalseráoresultadodolevantamentoporpressãocominclinaçãoabruptaebemmarcada,queseevidencianapeçan.º8(Fig.6)daestaçãodeRamaldeCarinde.Amatéria-primaescolhidafoiumarochadotipogramófiro,oquemostraousodetrêsvariedadesdematéria-prima.

· Entalhe e furador–Foiincluídaumapeça(0,17%)queapresentaumasériedepequenosretoquesbemdirigidosparaseobterumapeçaquereflectejáalgumaespecializaçãotecnológica;eviden-ciaumténuebolbodepercussãonafaceposterioremantémumazonacorticalnafacesuperiorno lado oposto à área afilada, que é definida por dois levantamentos oblíquos e bilaterais,criandoduascadeiasoperatóriasparaaconfiguraçãodapeça.Emtermosmorfológicos,oresul-tadoobtidonazonamesialéumatributodeterminadopeloretoquedazonaapontada:peçan.º10(Fig.6)daestaçãodeNhamezinga.Amatéria-primaescolhidaéoquartzito.

· Peças de gume transversal–Foramreferenciadas3peças(0,52%);sãolascasdetalhecaracterís-tico,ouseja,detalhebifacial,eapresentamnafacesuperiorretoquesabruptoesemi-abrupto,definindoumgume,sendooreversopredominantementecortical:peçasn.os19a21(Fig.11)daestaçãodeInhacaíua.Amatéria-primaescolhidafoioquartzito.

7.4.2. Utensílios sobre seixo

dispomos de utensílios com talhe uni- ou bifacial que, do ponto de vista morfológico,formamumgumeouumapontadistal.Sãotiposdeartefactosparaosquaissedefiniramdiferen-tescategoriasequesesubdividememfunçãododomíniotécnicodotalhe,podendoapresentardiferentesdirecçõesnaprocuradeplanosdeequilíbrio.Otalhe(uni-oubifacial)reflecteaestraté-giadeexploraçãonumaounasduasfacesdasváriasgeraçõesde levantamentoseosutensíliosobtidoscorrespondemaarquétiposdeseixostalhadosdoComplexo Tecnológico do Acheulense.

Regista-se a presença de 5 tipos: chopper, chopping tool, poliedros, proto-pico, raspadortransversalsobreseixo(ouchopper-raspador).

daclassificaçãotipológicadestesutensíliosressaltaasuadiversidade,podendoestesapresen-taralgumasimetria,bemcomoumcertoarcaísmoaníveltecnológico,sebemquenoplanomorfo-lógicosenotealgumaevoluçãointencionalcomoobjectivodeobtergumeseformasequilibradas,trabalhoqueteriasidodificultadopelafracaqualidadedoretoqueoupelasuaausência,emalgunsdeles. A escolha do suporte reflecte preocupação quanto às dimensões e morfologia do seixo, demodoapermitirumamaiorfacilidadenotalhe,nautilizaçãoeaténotransporte.Importaassinalarquecadatipodeutensíliomostraumtalhecaracterístico,masteráoseunúmeroelugardefinido.

Podemosdistinguir,quantoaodomíniotécniconadirecçãodotalhe,doistipos:ounifacialeobifacial(comojáreferido),sendoporsuavezquatrooscritériosdedeterminação/escolhaparaacaracterizaçãodotalhedosseixos:1—talhesobreumafaceousobreasduasfaces;2—localiza-çãodotalhe;3—extensãodotalhe;4—formadogumeobtido.

Atipologiadescritivaconsideraexistiremtrêsordensdetalhe:seixodetalheunifacial,seixodetalhebifacial,seixodetalhemultidireccional.

Adisposiçãodasextracçõesédeterminadaemfunçãodoeixomaiordesimetriadoseixo,tendo-sedadoimportânciaàinclinaçãodoslevantamentosqueédeterminadapelotipodeexplo-ração:aplanadaaté30º;oblíquaousemi-abruptanovalorde60ºeabruptadaordemdos90º.Ousodopercutorduroéverificávelnaelaboraçãodestesartefactos.

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ChopperChopperéumseixotalhadonumasóface,podendoessetalheserdistaloulateral,lidoem

funçãodaposiçãodogumequesurgenapartesuperiordoseixo,ouserparaleloaoeixoverticaldapeça,portantonasuapartelateral,comoresultadodalocalizaçãodotalhe,respectivamente.Nesta categoria foram contabilizadas 287 peças que representam (49,91%) — Quadro III(Fig.15).

Agrandequantidadedestetipodeutensílios,presenteemtodasasestações,revela,quantoàmorfologia,diferentestipos,havendoaindaaconsiderarafrequênciaeaposiçãodoslevantamen-tosefectuados,que,nosdetalheunifacial,setornaporvezesdifícildeinterpretar,oquelevouaincluirnoutracategoriadeartefactoaquelesquesuscitavamdúvidas faceàausênciadealgunsatributosequedesignámosporchoppernucleiforme.

Otalhedosuporte(seixo)podetersidoefectuadodeumaformalinearordenadaoudesorde-nada numa das faces do seixo e mantendo grande parte da volumetria original do suporte. Naanálisedasformas,adaptámosaclassificaçãotipológicapropostadeCampsemTableau des types de galets taillés (TST)(1981,p.55)eacriadaporBiberson(1966)inFiches Typologiques Africaines(FTA),tendoemconta:aescolha/dimensãodosuporte,oresultadodotalheeamatéria-prima.

Oquepermiteconsiderar:choppercomgumedistalemângulo,chopperdegumesub-recti-líneo,chopperdegumefacetado,echoppertruncado.

· Chopper de talhe não ordenado de gume em ponta (ângulo)–Estetipodegumeéformadoporlevan-tamentosdivergentessobreomesmoplano:peçan.º13(Fig.7)deNhamezingaeapeçan.º7(Fig.4)deMaterdeChevulaI.Estesutensíliospodemquantoàmorfologiaenquadrar-senotipodeseixo 1.2 bisda(TST)deCamps(1981,p.55)enaSérie Ida(FTA)—I. 6deBiberson(1966).Amatéria-primautilizadafoioquartzito.

· Chopper de talhe não ordenado e gume sub-rectilíneo–Estetipodegumeédefinidoporumasériedelevantamentossucessivos:peçan.º26(Fig.12)daestaçãodeSamuane;peçan.º12(Fig.7)deNhamezinga;peçan.º2(Fig.2)deChinduta;peçan.º10(Fig.7)deRamaldeCarinde.Podemenquadrar-se,quantoàmorfologiaapresentadanotipodeseixo 1.2da(TST)deCamps(1981,p.55)enaSérie Ida(FTA)—I. 5deBiberson(1966).Amatéria-primautilizadafoioquartzito.

· Chopper de talhe não ordenado e gume facetado–Estetipoapresentaumgumecomváriasarestas,queseevidencianapeçan.º22(Fig.12)daestaçãodeInhacaíuaenaspeçasn.os5-6(Fig.4)deMaterdeChevulaI.Estesutensíliospodemenquadrar-sequantoàmorfologia,notipodeseixo 1.3da(TST)deCamps(1981,p.55)enaSérie I da(FTA)— I. 5deBiberson(1966).Noque respeita à matéria-prima, há um predomínio do quartzito; apenas a peçan.º6foitalhadaemseixodequartzo.

· Chopper de talhe não ordenado e gume indefinido ou truncado–Estaindefiniçãoquantoaogumepoderesultardofactodoseixotersidosimplesmentetruncado,razãoporquenãosepodeconsiderarhaverumgumeindefinido,alémdeoutroscritériosdeordemtécnica,comosejamasdimensõeseotalheserapenasafloradonoplanodefracturadoseixo,comonapeçan.º29(Fig.13)daestaçãodeSamuane.Nocasodosseixostruncados,verifica-seumtalheabruptocomoresultadode,pelomenos,duassériesdelevantamentossucessivos:peçan.º23(Fig.12)daestaçãoInhacaíua.Nosartefactosemqueotalheseapresentapoucoacentuado,temospor

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vezesextremidadeemângulocomo:peçan.º28(Fig.12)daestaçãodeSamuaneenapeçan.º24(Fig.12)deInhacaíua.Napeçan.º11(Fig.7)deRamaldeCarinde,otalheéirregulareaextremidadeapresenta-searredondada.

Estesutensíliospodemenquadrar-se,quantoàmorfologia,notipodeseixo 1.3da(TST)deCamps(1981)enaSérie Ida(FTA)—I. 5deBiberson(1966).Amatéria-primautilizadanapeçan.º24éoquartzoenasrestantes,oquartzito.

Chopping toolAcadeiaoperatóriaindividualiza-sepelofactodoprocessodeconfiguraçãodoutensílioestar

condicionadopeladimensãoeformadosuporte,bemcomopelasequênciadotalhe.

· Chopping tool–Foramreferenciadasnestacategoria146peças,querepresentam25,39%.Estetipo de utensílio mostra um seixo talhado nas duas faces, além de apresentar diferentesmorfologiasetipometrias.

Otalhepodetersidoefectuadodeumaformalinear,ordenadooudesordenado,nasduasfacesdoseixonaprocuradadefiniçãodogumeevamosadoptarparaasuacaracterizaçãoaclassificaçãotipológicapropostaporCamps(1981,p.55)emTableau des Types de galets taillés(TST)eacriadaporBiberson(1966) inFiches TypologiquesAfricaines (FTA)paraseixoscomtalhebifacial,talcomoofizemosparaosdetalheunifacial.

Oschoppingtoolscomgumerepresentamuminíciodeespecialização.Asuaclassificaçãodevevariaremfunçãodaposiçãodogume,quereflecteoresultadodavariaçãodosângulosentreasfacescomvaloresdos40ºaos100ºnovalormáximoedos65ºa80ºnovalormédio.Assim,teremos:Choppingtoolcomgumedistalduplo(oupontaemângulo),Choppingtoolcomgumedistalrecto,Choppingtoolcomgumerectodistalelateral,Choppingtooldegumefacetado(duasvariantes—AeB),Choppingtooldegumecompercursocircular,Choppingtooldegumedistalirregular.

· Chopping tool com talhe não ordenado de gume distal duplo –Este tipoapresentaaextremidadedistal definindo um ângulo, ou formando gume, por levantamentos divergentes sobre osdoisplanos,eobtidospor levantamentosalternadoscomo:peçasn.os30e33 (Fig.14)daestaçãodeSamuaneepeçasn.os14e16(Fig.8)deNhamezinga.

Estesutensíliospodem-seenquadrar-se,quantoàmorfologia,notipodeseixo 2.3 bisda(TST)deCamps(1981,p.55)enaSérie IIda(FTA)—II. 9deBiberson(1966).Amatéria-primaesco-lhidafoioquartzito.

· Chopping tool com talhe não ordenado e gume distal recto–Utensíliocujogumefoidefinidoporumasériedelevantamentossucessivos:peçasn.os26e27(Fig.13)deInhacaíuaepeçan.º13(Fig.8)deRamaldeCarinde.Estesutensíliospodemenquadrar-se,quantoàmorfologia,notipodeseixo 2.3da(TST)deCamps(1981,p.55)enaSérie IIda(FTA)—II. 4deBiberson(1966).

Amatéria-primadapeçan.º13foiobtidaapartirdeumarochadotipogranitóide(seixo),easrestantespeçassãodequartzito.

· Chopping tool com talhe não ordenado e gume recto duplo–nestetipodeutensílioogumeédefi-nidoporumasériedelevantamentossucessivosemdiferentesdirecções,ecomoresultado,umgumedistaleoutrolateral,mascontínuo:peçan.º33(Fig.14)daestaçãodeSamuanee

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peçan.º12(Fig.6)deInhacurungo.Quantoàmorfologia,estesutensíliospodemenqua-drar-senaSérie IIda(FTA)—II. 6deBiberson(1966).Amatéria-primaescolhidafoioquart-zito.

· Chopping tool com talhe bidireccional e gume facetado (A)–Nestetipodeartefacto,ogumedefi-nido foi obtido por levantamentos distais alternados e ordenados como: peça n.º 28(Fig.13)daestaçãodeInhacaíuaepeçan.º15(Fig.8)deNhamezinga.Estesutensíliospodem,quantoàmorfologia,enquadrar-senotipodeseixo 2.6da(TST)deCamps(1981,p.55)enaSérie IIda(FTA)—II.10 deBiberson(1966).Amatéria-primautilizadafoioquartzito.

· Chopper Poliédrico/chopping tool com talhe multidirecional e gume facetado (B) – Registaram-se 5peças (0,87%);éumutensílioquemostraoutracategoriatécnicadetalhebifacial,porser,quantoàdirecção,multidireccional.Estetipodeartefactoresultadodesbaste/talheparcial-mentegeometrizantedepartedoseixo,queotransformanumaespéciedeseixofacetadonapartesuperior(distal),combasereservada(cortical),sendoosartefactosdestetipomorfoló-gicoconsideradososmaiscomuns.

Como utensílio pode representar o início de uma especialização, com um gume bem acen-tuado,oquelevaaconsiderarteremsidopeçasmuitoutilizadas,comosepodeverificarpelodesgastedogumenogrupodosexemplaresrecolhidos:peçasn.os34a36(Fig.15)daestaçãodeSamuane;peçan.º13(Fig.7)deInhacurungoepeçan.º7(Fig.4)daestaçãodeChinduta.

A designação de Chopper Poliédrico foi atribuída por Biberson (1966), que definiu diversostiposmorfológicos,sendooTipo III. 1—Poliedro parcial,oudebasecortical,aqueleondeseenquadramosexemplaresqueestasestaçõesforneceram:assim,podemquantoàmorfologiaserincluídosnotipodeseixo 3.3da(TST)deCamps(1981,p.55).Relativamenteàmatéria--prima,sãotodosdequartzito.

· Chopper com retoque vertical/chopping tool de talhe não ordenado e gume distal irregular–Foiconsi-derada uma peça (0,17%), que apresenta um gume distal resultante de retoques verticais/abruptosdefinidosporumasériedelevantamentos,quesedesenvolveemtodaalarguranaextremidadedistaldoseixo.O levantamentoanívelbasalapenas sepoderáaceitarmuitoparcialmente, caso seja destinado a obter um pequeno gume (levantamento por retoqueabruptoquepodetersidoocasional),maspermiteconsiderarumavariantedegumeduplo:peçan.º14(Fig.8)deInhacurungo.Amatéria-primautilizadafoioquartzo.

· Chopper circular/chopping tool de talhe não ordenado e gume com percurso circular – Este tipo deutensílio incluiuduaspeças(0,35%),emqueogumefoidefinidoporretoquesabruptosedesenvolvidosemvoltadasilhuetadobordodoseixopré-talhado,comlevantamentosoblí-quos:peçasn.os15e16(Fig.9)deInhacurungo.Estesutensíliospodem,quantoàmorfolo-gia,serincluídosnotipodeseixo 2.7da(TST)deCamps(1981,p.55)enaSérie IIda(FTA)—II.14deBiberson(1966).Amatéria-primaescolhidafoioquartzito.

· Chopper com retoque secundário–Foramconsideradasduaspeças(0,35%):sãoutensíliosqueapresentamtalhedesordenadoetraçosdelevantamentosemfaseposterioraotalheinicial.Nocasodaspeçasn.os17e18 (Fig.10)deInhacurungo,oslevantamentosporretoquedetalhecomdirecçãooblíquadistribuem-seemtodaavoltadogumenafaceposterior,oquelevaaconsiderarqueestesartefactosforamreutilizadosemtemposdiferentes,numaprová-

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veltentativadeobtençãodeumnovoutensílio,comotudopareceindicarfaceàsdiferentespatinas.Amatéria-primautilizadafoioquartzito.

· Chopper nucleiforme–Nestacategoriaincluíram-se13peças(2,26%),dadootipodetalhequeapresentam,ousejasempreocupaçãodedefiniçãodaforma,ouporqueogumenãoseafiguraútil, seja pela ocorrência de uma grande área cortical, ou pelo talhe não parecer feito emfunçãodadefiniçãodalinhadegume:peçasn.os37a39(Fig.16)daestaçãodeSamuaneeaspeças n.os 19 e 20 (Fig. 11) de Inhacurungo. Poderiam ser também considerados núcleos.Asuaafinidademorfológicacomogrupodoschopperslevou-nos,porém,aintegrá-losnesteconjunto.Amatéria-primautilizadafoioquartzito.

Lasca “limace”Outensíliodesignadopor“limace”,segundoatipologiadeBordes(1966)eHeinzelin(1962,

p.32),éumapeçatípicadoAcheulense Antigo e Médio.Édefinidoporlascasalongadas,eapresentacórtexnafaceposteriorenaanterior,mostrandonobordoretoquesplano-convexos.Éaindaintei-ramentetalhado,determinandoumaligeirapontaquepodesermaisoumenosarredondadanasextremidades.

· Lasca tipo “limace”–Identificaram-se4peças(0,70%),quetêmtalheunifacial,sendooreversocortical.Emtermostipológicos,aspeçasn.os40e41(Fig.17)daestaçãodeSamuaneeapeçan.º17(Fig.9)deNhamezingapodemserincluídasnestacategoriadeartefacto.Amatéria--primautilizadafoioquartzito.

Proto-picoÉumchopperde talhebifacialdegumeemponta, formandoângulo.diferentes tiposde

gume podem ser identificados: uns são espessos/maciços ou com secção losângica, podendotambémserconsideradosumaespéciedepico.

• Proto-pico–Foramreferenciados7artefactos(1,22%),cujotipodegumedefineumângulo,atendendoàsuamorfologiaeaotipoordenadodetalhe,paraadefiniçãodaextremidadedistal.Nocasodapeçan.º21(Fig.12)deInhacurungo,aextremidadedistalformaumbicoemângulorectoenapeçan.º18(Fig.10)deNhamezingaotalheapresenta-sealgodesorde-nadoeoânguloémaisarredondado,masintegra-setambémnestacategoriadeartefactos.

Incluímostambémosutensílioscomumtipodegumeespessodesecçãolosângicacomo:aspeças n.os 42 e 43 (Fig. 18) da estação de Samuane e a peça n.º 19 (Fig. 10) de Nhamezinga.Amatéria-primautilizadafoioquartzito.

Este tipo de artefacto representa provavelmente uma evolução na procura de um gume eaproxima-se,quantoaotipodetalhedosproto-biface(segundoadefiniçãodeM.Leakey,1971,paraoquedesignoudebifacegrosseiro),masnãopodemosincluí-losnaclassificaçãodastabelasmorfo-técnicasdeseixostalhadosdisponíveis,tendoematençãoagestãodasuperfíciedeexplora-çãodosseixos.

Bifaces (parciais)Outensílioconsideradobifaceparcialé,nestacolecção,oresultadodotalhedirectonasduas

facesdeumseixo,cujautilizaçãopoderáserdifícildeavaliar.

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Oprocessodeproduçãoparaaprocuradaconfiguraçãodeutensíliosdetalhebifacialpareceassentarprimeironadefiniçãodotalhevolumétrico,apartirdoseudesenvolvimentosequencialnasduasfaces,visandooestabelecimentodeplanosdeequilíbriobifacialelateralparaaobtençãodeumaextremidadedistalarredondada,oubiseladaeumgume.Quantoaoresultadoverifica-sequesóumapartedecadafacefoitalhada,istoé,emmenosde50%,eabasecontinuoucortical,daíosutensíliosseremdesignadosporproto-bifaces.

Naestratégiadetalhe,estesutensíliospodemassinalarumaevoluçãoparaaproduçãodobiface,diferenciadaemfunçãodasdistintassequênciasoperatóriasqueseevidenciam,revelandoque,paraessaconfiguração,oslevantamentossãodefinidospelaintercepçãoderetoquesdedirec-çãooblíquapoucoordenadaeosdeincidênciamaisaplanada,paraumamelhordefiniçãodeumbordoe,obtençãodegumecortante,masmantendo-seabaseespessaecortical.

A espessa base cortical presente neste conjunto de peças é vista como factor de preensão(Balout,1967,p.727).

Noquetocaàrelaçãoutensílio—matéria-prima—técnicasdetalhe,pareceterexistidojáalguma ideiaquantoàmorfologiadoutensílioquesepretendiaobter, semquese registeumadistinçãoevidenteentreasduasfacesdosbifaces,paraalémdasuaconfiguração.Estaéresultantedoslevantamentosepodeevidenciarumasilhuetaafilada,comaextremidadearredondada,atri-butoresultantederetoquesporpercussãodirecta.

Os bifaces destas estações são de “tipo arcaico”, dado apresentarem talhe não ordenado,precáriadefiniçãodegume,comarestassinuosasebasereservada(cortical),nãoseenquadrando,por isso, nas tabelas tipológicas definidas para este tipo de utensílio do Acheulense clássico epropostasporBalout(1967).

Osutensíliosassimobtidosenquadram-senotipotradicionaldebifacesparciaisdoAcheu-lense.Paramelhorcaracterizaçãodesteconjuntodeutensílios,efectuámososeurespectivodese-nhotipológico(Figs.5a9).

· Proto-biface– Incluíram-seduaspeças (0,35%),assimdesignadasporapresentaremmaisde50%dezonacorticalnumadasfaces.Onúmerodelevantamentosemcadafaceémuitoredu-zido,masestetipodeutensíliotêmgrandesignificadotécnico-morfológico(comojárefe-rido): peça n.º 22 (Fig. 13) da estação de Inhacurungo e peça n.º 20 (Fig. 11) de Nhame-zinga.

· Biface parcial–Consideraram-se3peças(0,52%),queforamrecolhidasemdiferentesestaçõesepodemdocumentarquantoàsuamorfologiadiferentesmomentosadentrodoAcheulense:peçan.º44(Fig.19)daestaçãodeSamuane;peçan.º29(Fig.14)deInhacaíua,queapresentaumtalhemaisgrosseirodoqueodapeçan.º8(Fig.5)daestaçãodeChinduta.Esteúltimopoderáserconsideradooutensíliomaisevoluído,porqueatécnicadetalheapresentafacetasdefinidasnoslevantamentosporpercussãonasduasfaces(Fig.9).

Amorfologiadaextremidadedistaldestaspeçasfoibemreferenciadanodesenhotipológico,oqualmostraprincipalmenteumapontaarredondada(quenocasodaspeçasn.os44e29seapresentafragmentada—Figs.7e8).Sãoincluídasnacategoriadebifaceparcial,porquenemotalhepreenchealinhadobordo,nemseregistaapresençaderetoquessecundários.

No caso dos proto-bifaces, a extremidade distal apresenta-se arredondada na peça n.º 22(Fig.5)daestaçãodeInhacurungoebiseladanapeçan.º20(Fig.6)daestaçãodeNhamezinga.Têmnasuatotalidadeabasereservada.Amatéria-primaseleccionadaparaarealizaçãodestesutensíliosfoioquartzito.

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Noseuconjunto,estesutensíliossãoderivadosdeseixostalhadosdotipo 2.3 bissegundooTableau des types de galets tailléspropostaporChamps(1981,p.55).

Quantoàtipologia,podeesteconjuntodeutensíliosenquadrar-senotipoDiversos 4deacordocomoTableau des types de Bifaces—biface parcial 4.2propostaporCamps(1981,p.63,66),assimcomonotipo IIIcorrespondenteapeçasdebasereservadaearredondada,segundooTableau des types de BifacepropostoporTixier(1960,p.121).

· Peças bifaciais–Foramconsideradas4peças (0,70%),queapresentamdiferentemorfologia.Sãoutensíliosdetalhebifacialebasereservada,comumpredomíniodecórtexnoreverso.Na face anterior os levantamentos são de talhe desordenado e inclinação oblíqua, o quepermitedefinirumgumesinuoso,queémaisextensonaspeçasn.os47e48(Fig.21)daesta-çãodeSamuane.Estessãoartefactospoucoespessos,aocontráriodaspeçasn.os34e35(Fig.17) de Inhacaíua, que apresentam um gume mais reduzido e uma espessa base cortical.Quantoàmatéria-prima,sãotodosdequartzito.

Raspador transversal sobre seixoEstacategoriadeutensíliotalhadadirectamentesobreseixotemsignificativapresençanesta

colecção.

• Raspador transversal sobre seixo–Foramconsideradas9peças(1,57%),porapresentaremumtipodetalheunifacial,seguidoderetoquededirecçãocentrípetaedesenvolvidodobordoparaocentro,demodoadefinirumgumelongitudinalquepreenche integralmenteumapartedoseixo,restandoaoutrapartecortical;alémdeseverificarumcertoarrendamentodasarestasdobordoougume(comoconsequênciadopassardostempos):peçasn.os45e46(Fig.20)daestaçãodeSamuane;peçasn.os31e32(Fig.15)deInhacaíuaepeçasn.os23e24(Fig.14)deInhacurungo.Quantoàmatéria-primaseleccionadatemosoquartzito.

· Núcleo reutilizado como raspador–Incluiu-seumapeça(0,17%).Estetipodeutensílioresultoudoreaproveitamentodeumnúcleo,faceaotipoderetoquequeapresentanaextremidadedistalepermitiuacriaçãodeumgume:peçan.º33(Fig.16)daestaçãodeInhacaíua.Amaté-ria-primautilizadafoioquartzito.

PercutorEsteutensílioédefinidocomoum“martelonatural”empedrasobreseixo,oublocoentre

outrasmatérias-primas,utilizadoparapercutiroutalharpedradura(Tixier,1963,p.45).Outradefiniçãoassinalaqueopercutoréumutensíliolíticoondepredominamasmarcasdeusoresul-tantesdaacçãodepercutiroumartelar,sejaumapeçaousuperfície,numactodetalharinstru-mentos(gomes,2001,p.44).

Na caracterização técnica, a localização das marcas de percussão mostra a relação entre amorfologiaeoresultadodautilizaçãodapeça.Asalteraçõesverificadasnaáreafuncionalparecemserdecorrentesdouso.

• Percutor–Foramconsideradas4peças(0,70%),quesãoseixoscomatributosqueseencaixamquantoaoníveltipométriconacategoria 2(médio)(QuadroII—Fig.12),eenquadram-senogrupo dos percutores ligeiros por não ultrapassarem o peso de 300 g. Apresentam fortesvestígios de utilização resultantes de percussão polar e lateral: peça n.º 66 da estação de

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Samuane e peças n.os 25 e 27 da estação de Inhacurungo, cujo peso vai dos 250 a 160 g.Amatéria-primaescolhidafoioquartzito.

Peso de redeNacategoriadepesoderedeincluíram-seaspeçasquemostramlevantamentosdetalheoblí-

quo,ouabruptodecadaladodoseixo,obtidosporpercussãodirecta,criandolateralmenteumazonadeestrangulamentoouoriginandoduastruncaturasopostasquesepodemconsiderarsimétricas.

• Pesos de rede–Foramconsiderados3exemplares(0,52%),bemcaracterizadosdopontodevistatipológicoepodemserumamanufacturadeumaoutrafasedaIdadedaPedra,quenãosepoderáatribuirapenasaoAcheulense,masédifícildedeterminar,dadoserapescaumaacti-vidadedaspopulaçõesribeirinhas.

Apeçan.º68daestaçãodeSamuanemostraumtalheabruptodecadaladodoseixocriandoduastruncaturasnazonamesial;apeçan.º11(Fig.7)daestaçãodeChindutaapresentadoislevantamentos de talhe oblíquo de direcção centrípeta desenvolvido de cada lado na facesuperiordoseixo,definindoumcertoestrangulamentosimétricodosdoislados,nazonadopontodechoque.Quantoàmatéria-primautilizadanestesutensíliosfoioquartzito.

Apeçan.º10(Fig.7)daestaçãodeChindutamostralevantamentosdetalhesemi-abrupto,ouumazonade fractura intencionalnazonamesialdoseixo,porqueapresentadiferentepatina.Istodeixasuporpodertersidotalhadaapenasnumdosladosdoseixoedenooutro,terhavidoaproveitamentodeumaconcavidadenatural.Estãopresentesvestígiosdeutiliza-ção.Amatéria-primaescolhidafoiumseixodequartzo.

8. Problemática dos artefactos líticos das “estações” dos terraços fluviais da margem sul do Zambeze

8.1 Perspectiva arqueológica

Acolecçãodeartefactoslíticosemestudoérepresentativa,apesardenãoserpossíveldetermi-narosefeitospós-deposição,nemefectuaradataçãodosdepósitosfluviais,masverifica-seaexistên-ciadediferentestipologiasealgumasdiferenciaçõesaníveldoestadofísicoedotipodamatéria-primautilizadaparaasuamanufactura.Osartefactosconstituemumaamostravariadaquevêmdeum“depósitogeológico”noqualaáguaouosprocessosdedeposiçãointerferiramnasuapresença,ouseja,nadistribuiçãoespacialemtermosdetipometriaematéria-prima,nodesgasteepátinadasprópriaspeças,alémdeestaremassociadasaumarecolhadesuperfície,queésempreselectiva.

dopontodevistatecnológico,umaaparentepadronizaçãopodeserinterpretadanotalhedestaindústrialítica,eapartirdoqualprocuramosestabelecerasbasesparaoseuestudotipoló-gico. As categorias classificativas resultantes do aproveitamento da morfologia original dosuporte e obtidas, certamente, por talhe aleatório documentam aspectos do desenvolvimentotecnológicoedocomportamentohumanoqueseterãoreflectido,provavelmente,noscamposconceptual,linguístico,socialeorganizacionalquetiveramlugaraolongodoperíododesignadoporAcheulense.

AocaracterizarosartefactoslíticosconsideradosdoAcheulenseapartirdasuatecno-morfologia,atendeu-seadiversositensparaindividualizarosqueapresentamatributosevidenciadosatravésdeesquemasoperatóriosedasequênciadotalhequeestacolecçãopodeoferecere,verifica-sequeos

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diferentestiposmorfológicosdechoppersão,quantoaosdiversostiposdegumeedimensõesfinais,oreflexododesenvolvimentotecnológicodométododedebitagemouoperadoatravésdotalhe.

Talocorretambémnaspeçasincluídasnacategoriadebiface,queapresentamumestadodeconfiguraçãonecessárianaprocuradeatingirumadadamorfologia,e,comela,umaextremidadeafiadarestringidaàáreadoextremomaisestreitodoqueamaioriadaperiferiadoartefacto;suge-rindoousodeumpercutorduro(pedra)paradestacaraslascasecriarumgumeútilàsnecessida-desdosseusfabricantes-utilizadores;oquepodelevaraconsiderarserumaevoluçãodirectanocontextodoAcheulense.

Oconjuntodeutensíliosdesignadospor“bifacesparciais”seráumaamostradessaevoluçãode grande alcance e consequente importância, que a análise do esquema operatório em que sealicerçouasuamanufacturapermitiuevidenciar.Mereceramparticularatenção,porseconsidera-rem o testemunho de uma demorada conquista de carácter tecno-morfológico que augura noiníciodoAcheulenseumaestratégiacomplexa,quevaidesdeaescolhadamassainicial(níveltipo-métricodoseixo),àsuatransformaçãoeabandonoapósautilização.

OsutensíliosconsideradosdoAcheulensecorrespondem,segundoaclassificaçãotecnológicapropostaporClark(1969,p.29-31),aumaindústriadetecnologiado“modo2”,aqualécaracte-rizadapelotalheuni-ebifacial(Phillipson,1994,p.37),emboraapresençadebifacesnestasesta-çõessejalimitada.Verifica-se,contudo,queaprocuradeordenaçãodasextracçõeslevouàdefini-ção por talhe das duas faces justapostas, bem como a uma nova morfologia, pese embora osconstrangimentosqueaestratégiaimplicava,maspermitiuaidentificaçãodepercursosnacadeiaoperatóriadeconfiguraçãodaspeçascomtalhebifacial.

Aobservaçãotecno-morfológicadosbifacesparciaisemestudopermiteverificarqueascarac-terísticasdetalhenosentidoclássiconãoteriamsidoatingidas,masestacategoriadeutensíliosfornecidosporcincodasestaçõespoderáserummarcodaetapadodesenvolvimentotecnológicodahumanidadenoAcheulenseAntigo.

Podemosquestionaravalidadedestacategoriadeartefacto,dopontodevistanumérico,paraefeitos de comparação relativamente ao Acheulense Antigo naquela área do vale do Zambeze(Panhame),masdesconhece-sesehouvealgumarecolhanaquelamesmaáreaantesoudepoisde1955.Estaquestãolevanta-seaindaporqueosbifaceseospercutoressãovistoscomoexemploscaracterísticosdaindústriado Acheulense,masnãoterãosidoosúnicos,talcomoreferePhillipson(1994,p.36).

No que respeita aos particularismos tecnológicos, estes artefactos podem eventualmenteassinalarodesenvolvimentoespecíficonoâmbitodasestratégiasdetalhe,estarrelacionadoscomtradiçõesculturais,comespecializaçãofuncional,ouasduasemsimultâneo,seatendermosaoreferidoporPellegrin(1993,p.302-317).

Apresençadeumreduzidonúmerodelascas,comparativamentecomodosnúcleos,poderáestar relacionadacomo fenómenopós-deposicionaldedeslocaçãodosmateriais,alémdadife-rente altimetria dos terraços, havendo ainda a considerar que os seixos, como matéria-prima,podemtambémtercondicionadoosistemadeproduçãodosartefactoslíticos.

Arelaçãolasca-núcleofaz,decertomodo,realçaroquepareceserafaltadeuniformidadedacolecção,muitoemborasaibamosqueteráhavidoumimportantedesenvolvimentonocomporta-mentohumanoenaadaptaçãoavariadascondiçõesambientaisequenovosmétodostecnológicosforamsendoadoptados.Essarealidadeestápresentenesteconjuntoeascondicionantespodemsertão-somenteconsequênciadoresultadodocarácterselectivodarecolha.

Nosnúcleosevidencia-searelaçãoentreaclassificaçãoeadimensãodosuporte,alémdograudeexaustão,sendopredominantementeutilizadoscomosuporteseixosrolados,muitoembora

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existatambémonódulo.Verifica-seserdifícilavaliarseaescolhadosuporteédevidaàopçãosobreoprocessodedebitagemouapenasfeitadeacordocomadisponibilidadedamatéria-prima.Parecehaverumarelaçãoentreosuporteeamorfologia,masasuaclassificaçãotecnológicaresultadaordenaçãoeposicionamentodoslevantamentosextraídos.

Quantoàsváriascategoriasdeutensílios,salienta-searepresentativapresençaderaspadores,nosquaisseincluemossobrelascaeossobreseixo,alémdeapresentaremvariadastipometrias.Osprimeirosmerecemdestaqueporqueindicamumaprocura/necessidadedestetipodeutensílioetêmcomosuportelascasdeprimeirageração,quepelassuascaracterísticasmorfológicasassina-lamnoseuconjuntoaspectosdeumacadeiaoperatória identificativadoAcheulense.deacordocomoAtlas of African Prehistory(Clark,1967,obraúnicanoseugénero),osraspadoresapresentamumagrandedistribuição,masapesardonúmerodeestaçõesconhecidas,aqueletipodeutensíliosnãopôde,talcomonesteconjunto,serdatadocomprecisão.

dosoutrosutensíliossobrelascasalienta-seabaixaexpressividadedosdenticuladoseenta-lhes,bemcomoareduzidapresençadefuradores,sebemqueestetipodepeçasejasignificativodopontodevistatecnológico,dadohaverumcomplexoaproveitamentodosuporte(lasca)parasechegaraoprodutofinal,oquerevelasóporsioutraspreocupaçõestecnológicase,certamente,decaráctersocial,paraalémdocarácterutilitário.

Aliás,emtodaacolecçãodosartefactoslíticosparecehaverindíciosdecadeiasoperatóriassimplesnadebitagem,ouseja,natransformaçãodossuportes,paraseobterumprodutofinal.Estamosperanteumatecnologiaquefoievoluindo,masquenãosepodeconsiderarcomoumaindústriaúnicaaolongodoAcheulense,muitoemborapossadaralgumaideiadeestabilidade.

Oestudopermitiuaindarevelarqueaproduçãodopontodevistatecnológicoeaescolhadamatéria-primafacilitaramacriaçãodeartefactosenquadradosnasdiferentescategoriasmorfoló-gicas,alémdeumaaparentepadronizaçãodotipodeutensílios,quantoàdimensãonaselecçãodamatéria-prima(oseixo).UmquadroevolutivopodetambémserconsideradodevidoàaplicaçãodométodoLevallois,queéumtipodeestratégiadetalhequevisaareduçãodotamanhoepesodosartefactos,sendoconsideradaumaindústriacomumatecnologiaquecorrespondeao“modo3”segundoClark(1969,p.29-31)ePhillipson(1994,p.60).

Consideram-sesignificativososatributosfornecidosquantoavaloresquantitativosequali-tativospresentesnestasindústriasereferenciadosnosgráficos8(Fig.13)e9(Fig.14).Nãoforamefectuados quadros descritores de correlação entre a classificação dos diferentes artefactos e oestadofísicoouotipodesuporte,porqueelessãopraticamenteidênticosnoseuaspectoexteriornas sete estações e têm como suporte o seixo, sendo a matéria-prima dominante o quartzito,emboraoquartzotenhaalgumarepresentatividade.

Ospressupostosclassificativosidentificadosevidenciamumamorfologiaquesepodeconsi-derardecertomodopadronizadanestasindústrias.

OsachadosdoAcheulensereferenciadosporoutrosautoressão,talcomonestacolecção,quasesempre achados de superfície, levando a que a classificação se fundamente na evolução tecno-morfológicadosutensílios,nomeadamentedosbifaces,notipodepercutorutilizadoenapresençadométodoLevallois.

Osdadosobtidosmostramasestratégiasde talheporpartedogéneroHomo ao longodaIdadedaPedranaquelaáreadovaledoZambeze.Importa,portanto,nãoignorarqueosmateriaisarqueológicosseencontravamnumaáreaquesepodeconsiderardelimitada,masnãoédestacáveltopograficamentedaszonasdosterraçosdamargemsuldoZambeze,comoéadoPanhame,oquedeixapressentirapossibilidadedealgunsdelesnãoseencontraremmuitodistantesdolocalondepoderiamtersidoabandonados.Apresençadepeçaseolizadasoucomduplapátinapodeassinalar

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aausênciadecoberturavegetalouqueolocaltenhasidosazonalmenteocupadoporcomunidadesdepovoscaçadores-recolectoresdurantediferentesperíodosdetempo.

8.2 Produtos (da estratégia) de talhe

Nestacolecçãoverifica-sequeosartefactoscomumregistodemaiorpresençaeatributostipométricos(comprimento,largura,espessuraepeso)sãooschoppers,quesupostamenteteriamcomeçadoasersubstituídospelosseixosdemenoresdimensõesaquandodaselecção/escolhadamatéria-primae,portanto,detalhe,tambémmaisfacilitado,sendonecessárioapenasalgunsreto-quesparaseobterumgume,situaçãosugeridaporoutrosinvestigadores,comoSutton,ClarkePhillipson.

Astécnicasdemanufacturaindicamoníveltecnológicoalcançado,paraoqualparecetersidofundamentalaobtençãoderochasdeboaclivagem,comoéocasodoquartzitoedoquartzo.

O resultado da análise do método de talhe no longo período do Acheulense Antigo mostraclaramenteousodopercutorduro,quesefazsentirlargamenteeseevidencianométododedebi-tagem,bemcomonoretoquedosartefactosdoconjuntoemestudo,sendooslevantamentosfeitosporpercussãodirecta,cujaextracçãovisoumodificaramorfologiadosuporteoriginalnaprocuradeumgume,oqueestádeacordocomosparâmetrosdafaseinicialdoComplexo Tecnológico do Acheulense.

Aslascasmostramserumprodutodirectodotalhe(seixooubloco);sendoafacesuperiorcorticaleainferiorcorrespondenteàfacedafractura.

A classificação morfológica das lascas, de acordo com a estratégia de desenvolvimento dotalheapartirdamaioroumenorpresençadecórtex,demonstraqueaslascasdeprimeirageraçãosãoasquemarcampresençaeassuasdimensõesvãodesdeasde5cm(emnúmeromuitoredu-zido)àsde11a12cm,oquemostratambémaausênciadepreparaçãodosplanosdepercussão.

Em termos qualitativos, as lascas de primeira geração e de maior dimensão, usadas comosuporte no processo de configuração de alguns utensílios mais significativos desta indústria,provêmporsuavezdadebitagemdenúcleosnãorepresentadosnestacolecção.Aslascasdedescor-ticagemmostramumaestratégiasimpleseapresentamumafacecortical,oqueassinalaumafaseinicialdetalhedoseixonoprocessodedebitagem,comausênciadetalãopreparado.

Aanáliseglobaldossuportesutilizadosparaaproduçãodeutensíliosetestemunhadosnosnúcleosmostraaocorrênciadesituaçõesrelativasàsdiversasestratégiasoperatóriasconsideradas,comosejaacentrípeta,oueventualexploraçãocondicionadadamatéria-primaatéaosnúcleosexaustos.Tendoematençãooníveltipométrico,verifica-sequesepretendiamprodutosdedebita-gem relativamente padronizados e, por vezes, de reduzida dimensão e procurou-se ainda tirarpartidoda facilidadedeclivagemdoquartzitoedoquartzoparaaobtençãodegumesna faseinicialdacadeiaoperatóriaqueseidentificou.

Nosnúcleos,aclassificaçãoteveporbaseotalhedosuporteeograudeexaustãooureutili-zaçãodealgunsdeles.

Ograudeexaustãoverificadoemalgunsnúcleosmostraqueestesforamintensamenteexplo-rados,comonapeçan.º29(Fig.17)daestaçãodeNhamezinga,enapeçan.º18(Fig.12)deRamaldeCarinde;aocontráriodeoutrosquemostramapenasafaseinicialdotalhe:peçan.os19e20(Fig.11),ouaindaasuareutilização,comonapeçan.º37(Fig.21),sendoosúltimostodosprove-nientesdaestaçãodeInhacurungo.

Acolecçãorevela,emtermosmorfológicos,umagrandediversidadedenúcleos.

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Nofabricodeutensíliossobrelasca,asdeprimeirageraçãopredominam(sãoespessaseumadasfacescortical),masproporcionaramotalhederaspadores,furadores,entalhesedenticulados.

Nacategoriaderaspadores,registou-seapresençadeduascategoriasdistintas:osquetêmcomosuportelascasdeprimeirageraçãoeosresultantesdelascaspreparadasedocumentadasportrêsutensíliosdereduzidasdimensões.Estesforamobtidosapartirdelascasretocadas,quereflec-temoresultadodautilizaçãodeumpercutorbrandoedeumpunçãoquepoderáserdemadeirarijaouosso:peçasn.os13,23e24(Fig.A-B-C),provenientesdaestaçãodeSamuane.

devidoàsuamorfologiaereduzidasdimensões,tipodematéria-primaepátinaeólica,estesuten-síliosenquadram-senumaoutrafasedaIdade da Pedraeasuapresençapoderesultardadeposiçãonosdepósitosfluviais,daíestarememconjuntocomartefactosdoComplexo Tecnológico do Acheulense.

dopontodevistatecnológico,atécnicadetalhedirecto,lascandodirectamenteoseixocomutilizaçãodepercutorduro,comlevantamentosfeitosporpercussãodirectaesemretoquessecun-dários,evidencia-senoconjuntodebifacesparciais,constituídopordoisproto-bifacesetrêsbifa-cesintegradosnacategoriade“bifacearcaico”.Assimclassificadosporapresentaremumtalhenãoordenado,umreduzidonúmerodefacetas,cercade12,ebordossinuososcomausênciadereto-quessecundários,masquealteraramparcialmenteaconfiguraçãodosuporte.

Oíndicedesinuosidadeémuitoelevado,oquenãofavoreceaprecisãotecnológica.Assilhue-tasapresentam-seassimétricasealgodesequilibradas,mostrandoserumconjuntopoucoevolu-ído, independentemente da dimensão do suporte e da matéria-prima escolhida. A extremidadedistalregistaumamorfologiadotipoarredondado.

Salienta-seaimportânciaqueadvémdapresençadestetipodeutensílios,quesepodeconsi-derarumaconfecçãotecnologicamenteevolucionada,ouseja,mostramumatentativadeevoluçãodopontodevistamorfológico,comacriaçãodeumavolumetriabaseadanaintersecçãodeduasfacesconvexasjustapostas,portantomenosespessas,eaprocuradeumgumelateraldemaioroumenorextensão,eaomesmotempodeterminaramorfologiadaextremidadedistal.

Nocasodosbifaces(parciais),otalhedapeçan.º8(Fig.9)deChindutamostraumreduzidonúmerode facetas,mascomalgumasequência, aocontráriodosoutrosdois,ouseja, aspeçasn.º44(Fig.7)deSamuane,en.º29(Fig.8)deInhacaíua,emquesetornaimpossíveladetermina-çãodequalquersequêncianotalhe.

Apresençadométodoespecíficodesignadoproto-LevalloiseLevalloisnestacolecçãoreflecteumdesenvolvimentotecnológicodosprodutoresdoAcheulense,esurgiudentrodaquelecomplexotecnológico,oqueimplicaapré-determinaçãodotalhedonúcleoparaaproduçãodelascascomformapré-determinada,utilizadasdepoisnapreparaçãodeutensílioscomoraspadorefurador.

EstafasepoderácorresponderàépocaemqueosanimaisdegrandeporteeramcaçadosnassavanasafricanaseosartesãosdasindústriasdoAcheulensetinhamjásidocapazesdeexperimentarváriostiposdeartefactos,sendoumbomtestemunhodaforçadatradiçãoculturalqueterásidomantidadurantecercadeummilhãodeanos.ImportaaindareferirqueteriamsidoosprodutoresdestaindústriaosprimeirosresponsáveispeloestabelecimentodohomemparaalémdasavanaaEste(Phillipson,1994,p.36).

8.3 Enquadramento crono-cultural

Oconjuntode“estações”aquiemestudonãosurgiuporacaso,poisestaáreajáhaviasidoreferenciada aquando da localização das de Chitavi e Nhancuaze (durante a 2.ª Campanha daMAM,emOutubrode1937)namargemSuldoZambeze(SantosJúnior,1940,p.21-26).

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Nessadata,recolheu-seumelevadonúmerodepeçasdetalhegrosseiro,consideradasdotipobifaceamigdalóide,chopperelascasretocadas,sendoamatéria-primautilizadaoquartzito.

A“estação”deNhancuazeteráfornecidopeçasanálogasàsdasestaçõesdoPanhame(agoraestudadas),tendocomosuporteseixosqueforamobjectodetalheuni-ebifacial,sendoamatéria--primautilizadatambémoquartzito.Lamentamosquenãotenhamchegadoaténósaspeçasdestaestação;apenasdispomosdasimagens(SantosJúnior,1940,p.24-25).

Verifica-seassim,queaocupaçãodovaledoZambezerelativamenteàsmargensderiostribu-tários,comoéoPanhameeoInhacurungo,estarátambémassociadaàpresençadegrandequan-tidadedematéria-primadisponível,oquemuitoteráfacilitadoaproduçãodeartefactoslíticos,podendooslocaisindicarumaescolhaconscientedaestratégiaeconómicaadoptadapelogéneroHomoaolongodoPlistocéniconessaregião.

Osartefactoslíticos,analisadoseinterpretadosnoâmbitodasestratégiasdetalheedepercus-sãoaplicadasnaobtençãodepeçastalhadasapartirdeseixosrolados,principalmentedequartzitoequartzo,documentam,quantoàsuavariabilidadeedistribuiçãoespacial,umavisãododesenvol-vimentoocorridofundamentalmenteaolongodoComplexo Tecnológico do Acheulense.

dopontodevistacrono-cultural,sãocompatíveiscomaamplitudedasualongaduraçãoetambémcomaprópriaáreageográfica,ovaledoZambeze.

Asuapresençasugereumtipodeocupaçãoquesepodeconsiderarsazonal,comcirculaçãodecomunidadesdepovoscaçadoresnoseuambientepreferido,comoeraaproximidadedoscursosdeágua(Clark,1982,p.518-519;Phillipson,1994,p.39).Esteperíodoterásidotambémopalcode grande distribuição geográfica dos produtores de artefactos líticos, o que poderá indicar oaumentodapopulaçãohumana(Phillipson,1994,p.34),jáqueosvalesdosmaioresriosafricanossãoparticularmentericosemvestígiosdoAcheulense.

Naimpossibilidadedeobterqualquerdataçãoparaosmateriaisdestasestações,recorreu-seàmorfologiaeaosaspectostécnicosparaseobservaroníveldeaproveitamentodamatéria-primae, assim, inferir a cronologia relativa dos artefactos líticos recolhidos, permitindo estabelecer aantiguidade das indústrias identificadas, mas com evidentes evoluções, com base em critériossimilares.

Ainovaçãotecnológicadestaperíodofoiotalhebifacial,sendoobifaceconsideradoouten-sílio“distintivo”daindústrialíticadoAcheulenseeomaisconhecido(cujautilidadeterásidomuitodiversificada),alémdeteratingidoao longodoPlistocénicoumelevadonível técnico,aliadoaumagrandediversidademorfológica.

Oresultadomostrapeças,cujotalheerainicialmenteobtidocomumpercutorduro(comoéocasodosbifacesparciaisemestudo),queteriampassadonasfasesseguintesasertalhadoscomousodepercutorbrando,eumpunçãodeossooumadeira,oquepermiteanalisá-loscomoobjec-tivodedeterminarcritériosdehominização.

OAcheulense,comonoçãodetempooucronologia,éumadasrealidadesfundamentaisdaArqueologiaafricanae,comoconceitoarqueológico,talvezdosmaisimportanteseabrangentes,porquesereflecteemtrêscontinentes,sendoocontinenteafricano,nasuaparteoriental,odemaiorantiguidadeelongevidade,verdadeiraprimeiramarcadadiásporahumana.

Oqueatrásreferimoslevaaquealgunsautoresdesignemaenormedistribuiçãotemporaleespacialdo Acheulensepor“fasedaculturadobiface”,dadoesta indústria ter-seestendidopelaEuropaepelaÁsia.

Aúltimafase,designadaporAcheulense Recente na África Oriental,poderá,comotudoaponta,tersobrevividoatécercade200000a100000anosa.C.namaiorpartedasáreas(Phillipson,1994,p.34).Estacronologiadeve,contudo,serconsideradacomalgumasreticências,pornãoparecer

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existirnenhummétododedataçãosuficientementeprecisoparamediradiferençadeidadesentreasváriasindústriasdoComplexo Tecnológico do Acheulense.

Quanto à terminologia para a avaliação cronológica aceite, e de acordo com o sistema dereferências adoptado para a divisão da Idade da Pedra na África subsaariana, julgamos que osconjuntoslíticosemapreçodevemserincluídosnasuagrandemaiorianachamada2.ªfasedaEarlyStoneAge,devidoàcircunstânciadeemtodasasestaçõessurgiremartefactostipicamenteAcheulenses (os chamados “large long tools”, de que são exemplo os bifaces e os raspadores),devendoassimos seixos talhados,que tambémocorrememgrandequantidade, serassociáveiscronológicaeculturalmenteàqueletecno-complexo.

ApresençadométodoLevalloisé,nestaperspectiva,tambémummarcadorcronológicodegrandesignificadotecnológico,porquealémdeassinalarumprocessodedesenvolvimento,possi-bilita a obtenção de lascas com forma pré-determinada, o que envolve a preparação do núcleoinicial.Atravésdestaestratégiadetalhe,lascasmaispadronizadaspodiamserproduzidaseutiliza-das sem ser necessário retocá-las. Os utensílios sobre lasca Levallois, como raspadores e lascasretocadascomfurador,documentadosnoconjuntodestasestações, sãocaracterísticosdeumafasemaisavançadadoAcheulense.

Algunsutensíliospodemseraindaincluídosnafaseconsideradaevoluída,jácomapresençadoHomo sapiens,dadaatecnologiautilizadaeotipodematéria-primaescolhida,comoseráocasodospequenosraspadores(peçasn.os13,23e24daestaçãodeSamuane),quepodemtercoexistidocomasantigastradiçõesdevidoàamplaextensãogeográficaemqueasuapresençasefazsentiraolongodovaledoZambezenaprovínciadeTete,comodocumentaonúmerodeestaçõesreferencia-daspelaMAM;oupodeserqueasualocalizaçãosejaapenasoresultadodaremobilizaçãoaolongodascorrentesfluviaiseemtempoposterior.

9. Considerandos finais

Verifica-sequeosartefactoslíticosprovenientesdestas“estações”damargemSuldoZambezedocumentamoperíodoemqueavidasebaseavaemactividadespredadorasenacolecta,podemtertidousosbastantediferentesdosqueosnomessugerem,masasexperiênciasefectuadaspordiversosinvestigadoresmostramasuaeficiênciae,destemodo,elespodemserconsideradosteste-munhosdascondiçõeseconómicasdascomunidadesdessaépoca.

Poroutrolado,acaçaexigiaumaorganizaçãoecomunicaçãoeficienteentreosmembrosdogrupo,oqueteráconduzido,comopassardostempos,aodesenvolvimentodosprimórdiosdalinguagem,quemuitoteriacontribuídoparaaumentaracomunicação efacilitado asuacapaci-dadedesobrevivência.Considera-sequeforamossucessoresdoHomo habilisquedesenvolveramatradição Acheulense emÁfrica.destemodo, importouassinalarqueobifacedo tipoparcial eochopper(seixostalhados)coexistiramcomoutensílioseoHomo ergaster e o Homo erectuspoderiamteracampadoaolongodovaledoZambeze.

Nestecontexto,aproblemáticadasindústriaslíticasdestaáreaéumdadoateremconta,nomeadamentequantoàsuaaparenteuniformização,levandoaconsiderarqueduranteolongoperíododoAcheulenseseregistouumimportantedesenvolvimentonocomportamentohumano,tantonocampoconceptual,comonosocial,organizacional,tecnológicoecertamentetambémnolinguístico.Umquadroevolutivopodetambémserconsideradodopontodevistatecnológico,devidoàaplicaçãodométodoLevalloisquevisapossibilitarareduçãotipométricadosartefactoslíticoselogoproporcionarummaiorraiodeacçãonassuascaçadas.

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OAcheulense,porém,nãodeveservistocomoumaentidade,exceptuandoemtermosdeseme-lhanças tecnológicas. Sendo por isso prematuro assumir que tenha havido afinidades entre osartesãosquantoaosdetalhesdassuascondiçõesdevida.

Temos consciência das limitações surgidas para a análise destes artefactos líticos, mas osdadosobtidosassinalamaspectosdaevoluçãotecnológicadogéneroHomo, dasuacapacidade,imaginação e engenho, cuja estratégia terá proporcionado às sucessivas gerações o desenvolvi-mentodeumequipamentocomgrandevariedadedeutensíliosquelhesfacultou,nãosóasobre-vivência,comoodesenvolvimentosocioculturalquepermitiu explorardeummodocontinuadoosrecursosdoecossistemadocontinenteafricanoemqueviviam;eaindaporqueumdosobjecti-vosdonossotrabalhoédeixaralgumaspistasnoâmbitodoestudodaIdadedaPedranestaáreadovaledoZambeze,emMoçambique.

NOTAS

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1 Considera-sequeamaiorparte,senãoaquasetotalidade,dasrecolhastenhasidoefectuadaàsuperfíciedosterraços.Porém,arelaçãodosartefactoslíticoscomosditosterraçospareceinquestionável,peloqueseadmitequetambémpossamterocorridoin situemdiferentesníveis.

2 OpontoescolhidoficavajuntoàcasadoSenhorA.AlmeidaMelo(comerciantelocaleantigochefedeposto).

3 OmateriallíticodaestaçãodeSamuanefoiparcialmenteestudadoporCarlosErvedosa(1968),utilizandoapenasparaasuaconcretizaçãooestadofísicodaspeças,eamorfologiacomocritérioparaasuacaracterização.

4 PlistocénicoéumasubdivisãodoQuaternário.TermocriadoporLyellem1839equecorrespondeaomomentodasgrandesglaciaçõesquaternárias.

5 OtermoPré-AcheulensefoipropostoporBaloutporacharinadequadootermoPebbleCulture(quehaviasidotambém

propostoporJ.Waylandem1934)equeveioaseraceitepelosafricanistasnoIXCongressoUISPP-Niceem1976,quefoiumareuniãocientíficaconsagradaàsvelhasindústrias.

MasfoinoVIIIe Congrès Panafricain de Préhistoire et des Études du Quaternaire, Nairobi, 1977,queasindústriasOlduvaienseeAcheulenseadquiriramsentidoculturalecronológico.

6 Adesignaçãoergaster foidescritapelaprimeiravezporgroveseMazakem1975efoiatribuídaaoespécimecatalogadoporKNM–ER992(groveseMazakem1975inCasopis pro Mineralogii a Geologii,20,p.225-247).OHomo ergaster éconsiderado pelamaiorpartedosautorescomoaformamaisprimitivaetipicamenteafricanadograndegrupotaxonómicoerectus.Outrosinvestigadorespreferemreservaradefiniçãoerectusparaaespécieasiática,devendonestecasoaclassificaçãoergasterserconsideradacomosubstitutivadaquelanocontinenteafricano,eaté(oqueémuitomaisdiscutível)nocontinenteeuropeu.

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