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1 Conceitos Fundamentais em Fisiologia do Exercício * Claudio Gil Soares de Araújo Clínica de Medicina do Exercício – CLINIMEX (www.clinimex.com.br) O corpo humano apresenta-se em estado de repouso (sono ou vigília) ou de exercício. Na grande maior parte do tempo, a intensidade do exercício é muito baixa ou pouco diferente do repouso, embora eventualmente ela possa atingir níveis bastante elevados. Em qualquer destas situações, existem mecanismos fisiológicos que atuam no sentido de minimizar as alterações do meio interno, preservando a homeostasia. Estes mecanismos funcionam primariamente na forma de arcos reflexos constituídos de receptores, vias aferentes, centros integradores, vias eferentes e efetores. Infelizmente, o conhecimento fisiológico ainda está bastante incompleto, de modo que muitas das etapas destes mecanismos ainda não se encontram completamente caracterizadas. De qualquer forma, o conhecimento vigente já permite estabelecer algumas bases importantes para o melhor aproveitamento do exercício físico como instrumento de saúde. Para este melhor uso, faz-se necessária a apresentação e caracterização de alguns termos e conceitos. Os efeitos fisiológicos do exercício físico podem ser classificados em agudos imediatos, agudos tardios e crônicos. Os efeitos agudos, também denominados respostas, são aqueles que acontecem em associação direta com a sessão de exercício. Eles podem ser subdivididos em imediatos ou tardios. Os efeitos agudos imediatos são aqueles que ocorrem nos períodos pré- imediato, per e pós-imediato do exercício físico e podem ser exemplificados pelos aumentos de freqüência cardíaca, ventilação e sudorese normalmente associados ao esforço. Por outro lado, os efeitos agudos tardios são aqueles observados ao longo das primeiras 24 horas que se seguem a uma sessão de exercício e podem ser identificados na discreta redução dos níveis tensionais (especialmente nos hipertensos) e no aumento do número de receptores de insulina nas membranas das células musculares. Por último, os efeitos crônicos, também denominados adaptações, são aqueles que resultam da exposição freqüente e regular à sessões de exercício, representando os aspectos morfo-funcionais que diferenciam um indivíduo fisicamente treinado de um outro sedentário. Alguns dos exemplos mais típicos dos efeitos crônicos do exercício físico são a hipertrofia muscular e o aumento do consumo máximo de oxigênio. O exercício físico pode se apresentar de diferentes formas, cada uma delas acarretando diferentes efeitos agudos ou crônicos, de modo que parece oportuno sistematizar alguma forma de classificação, conform e é colocado no quadro a seguir:

Artigo Conceitos Fundamentais Em Fisio Do Exercicio

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  • 1Conceitos Fundamentais em Fisiologia do Exerccio*

    Claudio Gil Soares de ArajoClnica de Medicina do Exerccio CLINIMEX (www.clinimex.com.br)

    O corpo humano apresenta-se em estado de repouso (sono ou viglia) ou de exerccio.Na grande maior parte do tempo, a intensidade do exerccio muito baixa ou pouco diferente dorepouso, embora eventualmente ela possa atingir nveis bastante elevados. Em qualquer destassituaes, existem mecanismos fisiolgicos que atuam no sentido de minimiza r as alte raes do m eiointerno, preservando a homeostasia. Estes mecanismos funcionam primariamente na forma de arcosreflexos constitudos de receptores, vias aferentes, centros integradores, vias eferentes e efetores.Infelizmente, o conhecimento fisiolgico ainda est bastante incompleto, de modo que muitas dasetapas destes mecanismos ainda no se encontram completamente caracterizadas. De qualquerforma, o conhecimento vigente j permite estabelecer algumas bases importantes para o melhoraproveitamento do exerccio fsico como instrumento de sade. Para este melhor uso, faz-senecessria a apresentao e caracterizao de alguns termos e conceitos.

    Os efeitos fisiolgicos do exerccio fsico podem ser classificados em agudos imediatos,agudos tardios e crnicos. Os efeitos agudos, tambm denominados respostas, so aqueles queacontecem em associao direta com a sesso de exerccio. Eles podem ser subdivididos emimediatos ou tardios. Os efeitos agudos imediatos so aqueles que ocorrem nos perodos pr-imediato, per e ps-imediato do exerccio fsico e podem ser exem plificados pelos aumentos defreqncia cardaca, ventilao e sudorese normalmente associados ao esforo. Por outro lado, osefeitos agudos tardios so aqueles observados ao longo das primeiras 24 horas que se seguem auma sesso de exerccio e podem ser identificados na discreta reduo dos nveis te nsiona is(especialmen te nos hipertensos) e no aumento do nmero de receptores de insulina nas membranasdas clulas musculares. Por ltimo, os efeitos crnicos, tambm denominados adaptaes, soaqueles que resultam d a exposio freq ente e regular ses ses de exercc io, representando osaspectos morfo-funcionais que diferenciam um indivduo fisicamente treinado de um outro sedentrio.Alguns dos exemplos mais tpicos dos efe itos crnicos do exe rccio fs ico so a hipertrofia m uscular eo aumento do consumo mximo de oxignio.

    O exerccio fsico pode se apresentar de diferentes formas, cada uma delas acarretandodiferentes efeitos agudos ou crnicos, de modo que parece oportuno sistematizar alguma forma declassificao, conform e colocado no qu adro a seguir:

  • 2Classificaes do Exerccio Fsico------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Denominao Caracterstica------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Pela via metablica predominante:Anaerbico altico Grande intensidade e curtssima duraoAnaerbico ltico Grande intensidade e curta duraoAerbico Baixa ou mdia intensidade e longa durao

    Pelo ritmo:Fixo ou constan te Sem alternncia de ritmo ao longo do tempoVarive l ou interm itente Com alternncia de ritmo ao longo do tempo

    Pela intensidade relativa*:Baixa ou leve Repouso at 30% do VO2 mximo (Borg 6)

    Pela mecnica muscular:Esttico No ocorre movimento e o trabalho mecnico zeroDinmico H movimento e trabalho mecnico positivo ou negativo

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    * para exerccios com implementos ou pesos uti lizando grupamento s musc ulares localizados, aintensidade relativa pode ser expressa em funo da carga mxima possve l em um a repetio (1RM). Por exemplo, intensidade leve - at 30% de 1 RM, intensidade mdia - entre 30 e 60 a 70% de1 RM. Outra alternativa interess ante para estimar a intensidade relativa empregar as escalaspsicofisiolgicas de Borg. Para efeito da classificao acima, considerou-se a verso da escala quevaria entre 0 e 10

    ** na imp ossibili dade da determinao do limiar anaerbico, arbitra-se como entre 60 e 70% do VO2mximo.

    Deve-se entender que os itens de classificaono so ab solutos, isto , mu ito difc ilrealizar no dia-a-dia, um exercc io estritamenteesttico ou dinmico, ou ainda, puramenteanaerbico ou aerbico. Na prtica, todaatividade fsica ou exerccio tem componentesde todos os itens variando apenas naproporo relativa de cada um deles. Sendoassim, quando se define com o exerc cioaerbico uma caminhada de 40 minutos,subentende-se que as curtas fases de ajustefisiolgico na transio repouso-exerccio queforam feitas parcialmente s custas daproduo anaerbica de ATP, representammuito pouco no processo fisiolgico global epodem ser desconsideradas. Do ponto de vistaterico, melhor seria definir este mesmoexercc io como predominantemente aerbico

    contudo, na prtica cotidiana, maisapropriado denom in-lo simplesmente deexercc io aerbico. Eventualmente, pode aindaser desejvel, reconhecer qual dos processosanaerbicos de ressntese de ATP estoenvolvidos - anaer bico al tico ou ltico -, jque os efeitos f isiolgicos so bas tantedistintos nos dois casos. Parece portantofundamental, para a orientao da atividadefsica do cardiopata crnico, envolvido ou noem um programa de exerccio supervisionado,a precisa caracterizao do seu tipo deexerccio.

    Uma mane ira prtica e bastantefidedigna de identificar a participao de cadauma das vias metablicas de ressntese deATP em um dado exerccio responderconjuntame nte a um leque de perguntas:

  • 31) qual foi a massa muscular relativa envolvidano exerccio?2) qual foi a durao do exerccio? 3) qual foi a intensidade relativa do exerccio? 4) qual foi o ritmo do exerccio - fixo ouvarivel? 5) esta mesma intensidade poderia sermantida pelo dobro do tempo?6) esta mesma intensidade poderia serrepetida com um pequeno intervalo de repousotal como um a dois minutos?

    Exerccios envolvendo grandes massasmusculares - andar, co rrer, pedalar ou nadar -tendem a demandar uma participaorelativamente maior da via aerbica, enquan toesforos com segmentos corporais localizados- realizar f lexo -extenso do cotovelosegurando um peso ou livro - tendem a termaior participao das vias anaerbicas.

    Se a durao do exerccio excede doisou trs m inutos a partic ipao aerbica certamente predominante, enquanto se ela de at dez segundos, oco rre predomn io da viaanaerbica altica. Esforos intensos comdurao entre 20 e 90 segundos (eespecialmen te ao redor dos 40 segundos) soaqueles que taxam de maneira mais intensa avia anaerbica ltica, aca rretando im portantedeseq uilbrio cido-bsico e grande sensaode esgotamento fsico. Eles s o raramentefeitos de forma espontnea pelo homemcomum, sendo mais frequentemente vistos emeventos desportivos de natao (provas de 50e 100 metros) e a tletismo (provas de 2 00, 400e 800 metros ).

    A intensidade relativa idealmenteexpressa em te rmos percen tua is daintensidade mxima suportada ou do consumomximo de oxignio. Infelizmente, existe umaprtica corriqueira de serem usados adjetivosat certo ponto dbios para expressar aintensidade do exerccio, como por exemplo,baixa ou leve, moderada e alta ou pesada,sem que as correspondentes percentagens domximo tenham sido claramente definidas. Emu m a tentat iva de s is temat izar esta sexpresses para o presente documen to,

    proposto que: intensidade baixa corresponda aesforos de at 30% do consumo mximo deoxignio, intensidade moderada seja mconsiderados os exerccios cuja demandasitua-se entre 30% do consumo mximo deoxignio e o nvel correspondente ao limiaranaerbico e que intensidade alta sejam osexerccios cuja demanda exceda o limiaranaerbico. Desta forma, nos exercciosprolongados, somente aqueles classificadoscomo de alta in tensidade teriam participaoanaerbica significativa.

    Exerccios de ritmo f ixo - por exemplo,caminhada em velocidade constante por 10minutos - acarretam uma modificao dosnveis fisiolg icos de repous o com vistas aobteno de novos nveis de funcionamento.Uma vez alcanados estes nveis eles tendema se mante r constante ou p raticamenteconstantes (steady-state). J os esforos deritmo varivel - por exemplo, jogo de tnis -,so acom panhados po r grande s variaes nasnecessidades de ressntese de ATP ec o n s e q u e n t e m e n t e , p o r m o d if ica e speridicas das variveis fisiolgicas. Estasatividades englobam pra ticamente todos osdesportos com bola e com raquete e tendem autilizar primariamente as vias anaerbicaaltica e aerbica, sem a partic ipaosignificativa da via anaerbica ltica.

    Uma maneira simples e vlida deidentificar se h uma participao anaerbicaimportante question ar sobre a possibilidadede manter aquela dada intensidade pe lo dobrodo perodo de tempo. Por exemplo, umpaciente, que cam inha regularmente d entro doseu programa de preveno secundria decoronariopatia, pode lhe informar que ele noteria maiores dificuldades de manter o seuritmo habitual de caminhada por uma hora, aoinvs dos 30 minutos que ele faz diariamente.Por outro lado, ele n o ser ia capaz de subirquatro lances de escada no mesmo ritmo emque ele ascende dois. Na primeira situaoteramos um claro exemplo de atividade fsicaprimariamente aerbica, enquanto no segundocaso, fica patente a partic ipao anaer bica.Esta estratgia simples muito til, por

  • 4exemplo, para obter informaes maisquant itativas na anamnese sobre a natureza envel de intensidade relativa da atividadedesportiva do paciente. Um paciente que lheinforme que no conseguiria jogar dois sets nomesmo ritmo com que ele joga o primeiro se t,ou que no consegue manter a mesmavelocidade em sua bicicleta na ida e na voltade um tra jeto urba no, sinaliza objetivamenteque a sua atividade poss ui um com ponenteanaerbico significativo.

    A sexta e ultima pergunta refere-se aoexerccio de ritmo varivel e de altaintensidade, portanto p redominantementeanaerbico altico com uma participaoauxiliar e varivel do metabolismo aerbico.Sries de exerccios com grupamentosmusculares localizad os - por exem plo,exerccios abdominais ou de suspenso nabarra - tendem a produzir perda de qualidadena execuo e fadiga se real izadosininterruptamente por mais do que cinco a dezsegundos. Podem contudo, serem reiniciadosna mesma velocidade, com qualidade deexecuo adequada e com relativa facilidade,

    se proporcionado um perodo de um a doisminutos de repouso, tempo suf iciente pararegenerar os estoques intracelulares de ATP efosfocreatina.

    O outro nvel de classificaoimportante para um exerccio fsico se refere asua natureza mecnica. Em um lab oratrioexperimental de biofsica, possvel classificaras contraes de uma fibra muscular isoladaem isomtricas ou isotnicas, contudo, aoconsiderar o gesto hum ano, provavelmen temais apropriado classif icar os exerccios comoestticos ou dinmicos. Isto ainda maisimportante quando consideramos que osefeitos fisiolg icos de stas f ormas de exerccioso bastante diferentes. A 26a. Conferncia deBethesda realizada em 1994, c onjuntamentepelos Colgios A merican os de Ca rdiologia ede Medicina Desportiva, classif icou osdesportos pelos seus componentes estticos edinmicos, variando apenas a participaorelativa destes c omponentes em baixa, m diaou alta. Alguns exemplos de desportos soilustrados n o quadro a seguir:

    Exemplos de desportos classificados pela participa o relativa dos componentes de naturezamecnica------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    DinmicoBaixo Mdio Alto

    --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    EstticoBaixo Golfe Tnis Futebol

    Mdio Arco e flecha Esgrima Natao

    Alto Halterofil ismo Luta Remo----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    No contexto da reabilitao c ardaca,alguns outros termos fisiolgicos demandamdefinies mais pre cisas, especialm ente, a

    partir do uso crescente do teste de esforocardiopulmonar (medida direta de gasesexpirados durante a ergometria) em nosso

  • 5meio . Pre tende- s e a s s im fac i l i tar apadron izao d e pr o ce d im entos e acomunicao entre os profissionais da rea.

    Consumo de oxignio - representa aquantidade de oxignio consumida ao nvelalveolar pelo indivduo, sendo norm almenteexpressa em termos absolutos - l/min - ourelativos ao peso corpo ral - mL/kg.min -.

    Consumo mxim o de oxignio ou potnc iaaerbica mxima - representa o maior valor deoxignio consumido ao nve l alveolar peloindivduo, em um dado minuto, durante umteste ergomtrico de natureza progressiva emxima. mais frequentemente expresso emtermos relativos - mL/kg.min -. Deve-se tercuidado de obs ervar e reportar o intervaloefetivo de amos tragem para a d efinio destavarivel, especialmente nos equipamentos queoferecem valores a cada ciclo respiratrio.Sugere-se que quando o intervalo deamostragem for inferior a um m inuto, seja feitauma observao no relatrio final do exame,mencionando que esta varivel foi extrapoladaa partir da medida feita, por exemplo, nosltimos vinte segundos de teste, para o valordo consumo de oxignio em um m inuto e s eriamelhor denominada de pico de consumo deoxignio.

    MET - a sigla inglesa para equivalentemetablico. Uma unidade representa o gastoenergtico na cond io de repouso (sentado)em funo do peso corporal e corresponde aaproximadamente 3,5 mL/kg.min. Pode serutilizada para expressar a potncia aerbicamxima, onde, por exemplo, 35 mL/kg.min

    corresponderiam a 10 METs. Este modo deexpressar a capa cidade funcional pode serinapropriado para indivduos portadores deobesidade, nos quais o gasto energtico derepouso bastante inferior a 3,5 m L/kg.m in, jque o tecido adiposo possui baixa atividademeta blica e cons equen teme nte baix oconsumo de oxignio.

    Limiar anaerbico - representa o percentual doconsumo mximo de oxignio (intensidaderelativa) acima do qual a produo metablicade lactato excede a sua remoo e/ouutilizao, acarretando acmulo desdem e t a b l i t o . P o d e s e r d i a g n o s t i c a dodiretamente atravs de dosagens seriadas efrequentes de lact icidem ia duran te o exe rccioou, indiretamente, atravs da anlise dascurvas das variveis respiratrias - ventilaopulmonar e equivalentes ventilatrios deoxignio (VE/VO2) e de gs carbnico(VE/VCO2) - durante o teste.

    Zona-alvo de treinamento - representa osimites super ior e infe rior da f requn ciacardaca que caracterizam a dose maisapropriada de exerc cio (intensidade relativado exerccio), maximizando os benefcios eminimizando os riscos e efeitos indesejveis. idealmente obtida a partir da fre qunc iacardaca mxim a efetivamente obtida n o testede esforo, ou ainda melhor, atravs do limiaranaerb ico o b t i d o a t r a vs do tes tecard iopu lmonar de exerccio, tambmconhecido co mo ergoes pirometria.