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1 4/1/2003 Duque de Palmela, 37 Foi morada de gente desconhecida e de ilustres cidadãos. Nos últimos trinta anos foi a casa do Expresso - que viu nascer - e, tal como o jornal se tornou uma referência para muitos portugueses, o edifício revelou-se um símbolo na capital. Com o privilégio de ter a marca do arquitecto Miguel Ventura Terra, o prédio guarda memórias centenárias, além de se enquadrar numa zona classificada. Em vésperas de partir para novas instalações, o Expresso recorda o seu percurso histórico, prestando-lhe as devidas homenagens. Texto de Fernanda Pedro ILUSTRAÇÃO DE JAIME FIGUEIREDO A História nasce dos factos e dos acontecimentos, mas também de pessoas e lugares. Quantas vezes, ao recordar o passado, as lembranças mais fortes são momentos vividos no espaço onde nascemos, crescemos, ou mesmo, trabalhámos. A memória conduz-nos aos lugares onde se passaram tantas coisas importantes da nossa vida e em quase todos eles, existe uma casa repleta de recordações. É por isso, que o semanário Expresso, que comemora este ano o 30º aniversário, tem também histórias para contar, algumas ligadas às pessoas que nele trabalham, mas não só. O seu edifício que marca uma presença imponente da Praça Marquês do Pombal para a Rua Anselmo Braamcamp, tem gravada nas paredes uma história bem mais antiga do que o próprio jornal. O prédio número 37 da Rua Duque de Palmela, que completou 100 anos de vida em 2002, viu nascer a República Portuguesa, a revolução de Abril e muitos outros acontecimentos que marcaram o país. Este ano vai assistir à partida daquele que durante 30 anos o elevou a um dos edifícios mais simbólicos de Lisboa, o jornal Expresso. Na despedida, ficam as memórias, as histórias de muitas pessoas que ali trabalharam e sentiram aquela casa como sua. Irão juntar-se às de muitos que por ali passaram e, naturalmente, vão contribuir para a história deste edifício centenário. Projectado por Miguel Ventura Terra, um dos arquitectos mais conceituados na época, o prédio da Duque de Palmela foi construído para habitação e inserido no Plano das Avenidas Novas. De arquitectura simples, Ventura Terra utilizou neste tipo de edifício os primórdios dos jogos de volumes e movimento da arquitectura moderna. A decoração, onde se destacam no exterior duas faixas horizontais de azulejos decorados com motivos florais, teve a influência da escola francesa Art Deco, que em Portugal ficou conhecida como Arte Nova. A 7 de Março de 1902, foi apresentado pela primeira vez na Câmara Municipal de Lisboa, no serviço de obras públicas, um projecto para a construção de um prédio no terreno de Emílio Legnori, situado na Rua Duque de Palmela, tornejando para a Rua Anselmo Braamcamp na freguesia Coração de Jesus. As obras de construção foram entregues a Augusto Carlos de Sousa.

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4/1/2003 Duque de Palmela, 37 Foi morada de gente desconhecida e de ilustres cidadãos. Nos últimos trinta anos foi a casa do Expresso - que viu nascer - e, tal como o jornal se tornou uma referência para muitos portugueses, o edifício revelou-se um símbolo na capital. Com o privilégio de ter a marca do arquitecto Miguel Ventura Terra, o prédio guarda memórias centenárias, além de se enquadrar numa zona classificada. Em vésperas de partir para novas instalações, o Expresso recorda o seu percurso histórico, prestando-lhe as devidas homenagens. Texto de Fernanda Pedro ILUSTRAÇÃO DE JAIME FIGUEIREDO A História nasce dos factos e dos acontecimentos, mas também de pessoas e lugares. Quantas vezes, ao recordar o passado, as lembranças mais fortes são momentos vividos no espaço onde nascemos, crescemos, ou mesmo, trabalhámos. A memória conduz-nos aos lugares onde se passaram tantas coisas importantes da nossa vida e em quase todos eles, existe uma casa repleta de recordações. É por isso, que o semanário Expresso, que comemora este ano o 30º aniversário, tem também histórias para contar, algumas ligadas às pessoas que nele trabalham, mas não só. O seu edifício que marca uma presença imponente da Praça Marquês do Pombal para a Rua Anselmo Braamcamp, tem gravada nas paredes uma história bem mais antiga do que o próprio jornal. O prédio número 37 da Rua Duque de Palmela, que completou 100 anos de vida em 2002, viu nascer a República Portuguesa, a revolução de Abril e muitos outros acontecimentos que marcaram o país. Este ano vai assistir à partida daquele que durante 30 anos o elevou a um dos edifícios mais simbólicos de Lisboa, o jornal Expresso. Na despedida, ficam as memórias, as histórias de muitas pessoas que ali trabalharam e sentiram aquela casa como sua. Irão juntar-se às de muitos que por ali passaram e, naturalmente, vão contribuir para a história deste edifício centenário. Projectado por Miguel Ventura Terra, um dos arquitectos mais conceituados na época, o prédio da Duque de Palmela foi construído para habitação e inserido no Plano das Avenidas Novas. De arquitectura simples, Ventura Terra utilizou neste tipo de edifício os primórdios dos jogos de volumes e movimento da arquitectura moderna. A decoração, onde se destacam no exterior duas faixas horizontais de azulejos decorados com motivos florais, teve a influência da escola francesa Art Deco, que em Portugal ficou conhecida como Arte Nova. A 7 de Março de 1902, foi apresentado pela primeira vez na Câmara Municipal de Lisboa, no serviço de obras públicas, um projecto para a construção de um prédio no terreno de Emílio Legnori, situado na Rua Duque de Palmela, tornejando para a Rua Anselmo Braamcamp na freguesia Coração de Jesus. As obras de construção foram entregues a Augusto Carlos de Sousa.

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Em 12 de Janeiro de 1918, já o prédio pertencia a Ana Val do Rio. A 16 de Fevereiro de 1928, Ana Val do Rio foi intimada a mandar reparar os estragos causados pelo último movimento revolucionário. «...intimado nos termos da Postura de 26-10-26, a mandar reparar os estragos causados pelo último movimento revolucionário o proprietário do prédio sito na Rua Duque de Palmela 35 e 37», assim descrevia o documento enviado pela Polícia Municipal de Lisboa. ILÍDIO TEIXEIRA Duas imagens: antes e depois dos trabalhos de limpeza (em baixo) e pintura da fachada, efectuados em 1997. A frontaria era inicialmente envidraçada, mas em 1946 e dado o seu estado degradado foi reconstruída em betão armado A 6 de Junho de 1931, vai o prédio novamente para obras e é pintado de cinzento. Em Novembro desse ano, Ana Val do Rio pede para abrir uma porta, a que será atribuído o número 35-A - e que passa a funcionar como loja, destinada a oficina de calçado (ainda hoje é um espaço comercial: a loja do Expresso). Em 1939, por morte de Ana Val do Rio, o seu filho Luís Quaresma Val do Rio torna-se o novo proprietário. Intimado a executar novas obras ao prédio, pela primeira vez é colocada a hipótese de se manter ou não a frontaria envidraçada presente na fachada. A supressão foi posta de lado porque as obras seriam demasiado dispendiosas. O referido envidraçado manteve-se, em todo o caso foram efectuadas reparações indispensáveis na estrutura, em virtude do estado de ruína a que chegara. Ainda nesse ano, o número 37 muda de proprietário e passa para Alberto Baptista, que logo após a aquisição do prédio escreve ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa, queixando-se dos custos que implicavam as obras de que o imóvel necessitava, alegando: «... as rendas são antiquíssimas e de reduzido valor, para habitações de dezoito amplíssimas divisões, todas elas habitadas por gente rica. (...) Não seria justo que, para beneficiar inquilinos ricos, satisfeitos com a sua habitação, fosse obrigado a fazer obras desnecessárias, gastando nelas dinheiro que não tenho, forçando-me a usar novamente o crédito, aumentando mais os encargos, já neste momento preocupantes, pelo seu montante». O seu pedido não foi aceite e as obras tiveram de ser realizadas. Em Abril de 1946, a frontaria envidraçada voltou a necessitar de obras por se encontrar em estado degradado, pretendendo-se a reconstrução em betão armado. Assim veio a acontecer, o que conferiu ao edifício o aspecto que hoje apresenta. Ainda nesse ano, a firma Auto-Sul elabora um projecto de obras para a loja do prédio. Ampliaram-na e deram à sua frente um aspecto mais próprio de um estabelecimento doutra natureza, um «stand» para automóveis. Entretanto, em Abril de 1954, o «stand» já tinha dado lugar a uma alfaiataria de nome Saraiva. Em 1956, a loja volta a mudar de ramo e passa a funcionar nesse local uma agência de viagens, a Lusamérica, Lda. Chegaram, por fim, os anos 60 e o prédio encontrava-se em mau estado de conservação. O proprietário, ainda Alberto Baptista, escreve ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa, em 26 de Abril de 1962, expondo o seguinte: «O referido prédio encontra-se já

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com três casas devolutas para efeitos de demolição; e estão em curso negociações com outros inquilinos para o fim em vista. Por isto, vem requerer a V.Exª se digne a conceder o adiamento das obras agora intimadas, por um ano, findo o qual, se o prédio não estiver demolido, se prontifica, desde já, a executá-las então.» Pormenores da fachada do edifício, nomeadamente do gradeamento das varandas e da faixa de azulejos de motivos florais Art Deco De facto, se, no princípio do século XX, a zona da Rotunda do Marquês de Pombal era caracterizada por prédios de rendimento para uma classe social mais abastada, a partir dos anos 60 a habitação foi dando lugar a escritórios. Tal como a maioria dos prédios de habitação que fazem parte da zona da Avenida da Liberdade e do Marquês de Pombal, também o futuro edifício do Expresso iria sobreviver devido à entrada em cena de grandes empresas que pretendiam centralizar os seus serviços. Assim, em 1962, já funcionava no rés-do-chão, um refeitório e cozinha do pessoal da Cidla (Combustíveis Industriais e Domésticos, S.A.R.L.) e, no dia 3 de Janeiro de 1963, o proprietário, arrenda o 3º andar ao Banco de Fomento Nacional., com uma renda mensal de 7500$00. A 16 de Abril de 1968, é oficializado o arrendamento para uma loja de antiguidades, a funcionar no número 3 da Rua Braamcamp, e que ainda hoje se encontra aberta ao público. Na loja da Rua Duque de Palmela continuava a agência de viagens. No dia 30 de Abril de 1974, já o 2º andar estava arrendado à Sojornal, Sociedade Jornalística e Editorial, SARL, com a redacção do semanário Expresso a trabalhar naquelas instalações, tendo pedido em Novembro autorização para afixar um reclame. Em 1982 adquiriram o prédio (por herança) José Joaquim Fajardo e Jaime Amílcar Fajardo e logo procederam a obras para executar alterações nas instalações da Transnáutica (Agência de Viagens e Turismo), situada no número 35 e no rés-do-chão do 37, com o objectivo de as remodelar para o sector terciário. Em Maio de 1983, a Sojornal executou obras de ampliação e em 1989 adquiriu o edifício na sua totalidade. FOTOGRAFIAS DE ANTÓNIO PEDRO FERREIRA Em 1990, a Sojornal apresenta um projecto à Câmara Municipal de Lisboa, para remodelação e ampliação de dois andares e uma mansarda. Mas o plano da Avenida da Liberdade foi revisto nesse ano, criando-se o PUALZE (Plano de Urbanização da Avenida da Liberdade e Zona Envolvente), o que permitiu classificar essa zona, com determinadas características históricas, tornando mais difícil a sua modificação. Apesar desse novo plano ter começado a funcionar nesse ano, só em Novembro de 1995 viu a versão final e, como nunca foi publicado em «Diário da República», não tem força de lei. Contudo, saiu a portaria nº 529/96, D.R. nº 228/96 I Série B, que fixa o perímetro da zona especial de protecção conjunta dos imóveis classificados da Avenida da Liberdade e área envolvente. Os tectos trabalhados são uma das características dos interiores

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Embora o PUALZE não tenha sido ainda oficializado, tanto a Câmara Municipal de Lisboa como o IPPAR o tinham em conta (e não só o Plano Director Municipal) na apreciação de processos de licenciamento. Face a isto, a direcção do Expresso teve de reformular o seu projecto com a Câmara e posteriormente consultar o IPPAR, culminando com a apresentação à autarquia, a 9 de Janeiro de 1996, do projecto de reestruturação e ampliação do edifício - que veio a ser aprovado a 5 de Setembro de 1996. Todavia, o projecto nunca passou do papel. Neste momento, todos os pisos, incluindo o vão do telhado, estão ocupados pelos serviços do jornal, com excepção das áreas ocupadas pelo comércio. Este percurso teve como consequência as necessárias adaptações, sempre com carácter de improviso, pois a mudança de função de um edifício provoca a falta de condições de ordem técnica e funcional. Relativamente ao elevador, convém mencionar que não existe nenhum documento que indique a data de instalação. Segundo a empresa que faz a manutenção, esta peça remonta aos anos 20 e será um dos mais antigos a funcionar em Lisboa. A empresa que o instalou, chamava-se Fortis e seria de origem inglesa. Segundo o IPPAR, o edifício não está classificado arquitectonicamente no seu conjunto, mas está integrado numa zona classificada, com elevada carga histórica, o que obrigará à preservação da sua fachada. A Rua Duque de Palmela está integrada na freguesia de Coração de Jesus e a Avenida da Liberdade e a Praça Marquês de Pombal são os eixos sobre os quais se articula esta freguesia. A toponímia identifica grandes personalidades do liberalismo constitucional. Contudo, registam-se referências a antigos sítios, tais como, Andaluz, Horta da Cera e Santa Marta, bem como à memória ruralista dos locais - as Travessas do Loureiro e das Parreiras. Nomes de antigos urbanizadores também são evocados, como é o caso do advogado capitalista Barata Salgueiro e as terras do conde Redondo. FOTOGRAFIAS DE ANTÓNIO PEDRO FERREIRA Fundada em 11 de Fevereiro de 1770, no então chamado Bairro Andaluz, a freguesia é actualmente uma das zonas de Lisboa em que o processo de terciarização mais rapidamente tem avançado, com edifícios de escritórios, bancos e hotéis a substituírem velhos edifícios carregados de história. Com cerca de 20.000 habitantes em 1950, esta freguesia tem hoje uma população residente inferior a 5000. Recuando um pouco mais no tempo, verifica-se que, ainda no século XII, no vale onde foi rasgada a Avenida, existia um curso de água, o rio de Valverde, que se encontrava por alturas do Rossio com o braço do Tejo que então penetrava a toda a largura pela Baixa. Toda a zona de Valverde ficou integrada nos arrabaldes da freguesia de Santa Justa, fundada logo a seguir à conquista de Lisboa de 1147. Os férteis campos de Valverde eram naturalmente aproveitados para hortas que abasteciam a cidade. Mais a norte ficava o Andaluz, onde as Inquirições de 1220 assinalam vinhas pertencentes a ordens religiosas.

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Samuel Levy na sala onde nasceu há 73 anos Um dos planos de reconstrução da cidade depois do terramoto de 1755, feito em 1756 por Carlos Mardel, projectava a abertura de ruas de traçado regular por entre as hortas (ditas da Cera) a poente da Rua Direita de Santa Marta e até à Estrada do Salitre. Não se concretizou esse projecto e as Hortas da Cera persistiriam até à a abertura da Avenida da Liberdade. Já em 1859, tinha surgido a proposta de abertura de um «boulevard» entre o Passeio Público e as portas da cidade, atravessando Vale de Pereiro em direcção à Estrada de circunvalação, em S. Sebastião da Pedreira. Só em 1879 foi possível o início das obras, por decisão de Rosa Araújo, o dinâmico pasteleiro que foi presidente da Câmara de Lisboa. FOTOGRAFIAS DE ANTÓNIO PEDRO FERREIRA Em 1880, as obras da Avenida da Liberdade acabavam com o Passeio Público e com as Hortas da Cera e, em 1886, atingiam a Rotunda. Neste ano inaugurou-se oficialmente a Avenida da Liberdade, com o desfile de casamento do príncipe Carlos com Dona Amélia. Em 1888 abre-se o concurso público para o Parque da Avenida (futuro Eduardo VII) e assiste-se ao início da iluminação eléctrica da cidade. No ano seguinte é inaugurada a primeira iluminação eléctrica pública com sistema central na Avenida da Liberdade. Foi também o início das novas urbanizações que começaram a nascer naquele local, e que vieram a designar-se de Avenidas Novas, vocacionadas para uma classe burguesa abastada. Não se sabe ao certo a data de instalação do elevador, mas deverá remontar aos anos 20 e é um dos mais antigos a funcionar em Lisboa. Na Rotunda e Avenida ocorreram os episódios mais significativos da Revolução Republicana de 1910 e, desde então, a história da Avenida confunde-se com a história da cidade. Por ali passaram cortejos cívicos, paradas militares, corsos carnavalescos, as marchas populares, jornadas de luta. O edifício número 37 da Rua Duque de Palmela assistiu de perto a todos estes acontecimentos e, resistindo ao tempo, com os seus 100 anos de vida, faz já parte da história da cidade de Lisboa. Mas a História é sobretudo dos Homens. O edifício número 37 da Rua Duque de Palmela encerra também as histórias de muitas pessoas que ali nasceram, cresceram ou trabalharam. Muitas famílias habitaram aquele espaço, gente comum, desconhecida da maioria das pessoas. No entanto, alguns se destacaram na sociedade portuguesa.

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O centenário da Índia em 1898. Gravura que retrata uma Feira Franca na Avenida da Liberdade. Em redor, só descampados Afonso Costa (1871-1937), um dos republicanos mais importantes da nossa história, viveu num apartamento deste prédio durante a sua estadia na capital. Natural de Seia, doutorou-se em Direito na Universidade de Coimbra e desde cedo abraçou a vida política. Ainda durante a Monarquia afirmou-se como uma das mais importantes figuras do Partido Republicano. Deputado pela oposição republicana em 1900, combateu a Ditadura de João Franco e as instituições monárquicas. Implantada a República, foi ministro da Justiça, publicando as leis sobre a Separação da Igreja e do Estado, Divórcio e Família. Em 1910, Afonso Costa é responsável pela publicação de uma lei de imprensa. Chefe do Governo e ministro das Finanças em 1913, conseguiu um equilíbrio no Orçamento para 1913-1914. Adversário de Pimenta de Castro, voltou ao poder nas funções de presidente do Conselho e ministro das Finanças em 1915. Promotor da participação de Portugal na Grande Guerra, foi destituído em Dezembro de 1917 pela Revolução de Sidónio Pais. Exilado em França, após a queda do sidonismo presidiu, em 1919, à delegação portuguesa à Conferência de Paz e depois à Sociedade das Nações. O edifício viu nascer o Expresso. Na foto, Francisco Pinto Balsemão durante uma das primeiras reuniões do jornal Samuel Levy, presidente da Comunidade Israelita de Lisboa até Outubro deste ano, nasceu no 3º andar esquerdo deste edifício em 1929. No final da II Guerra Mundial ainda se recorda da festa que os pais organizaram no apartamento e que juntou mais de 200 pessoas. Deixou a casa no ano em que se casou, em 1957. No número 37 da Rua Duque de Palmela são muitas as histórias que se confundem com os trajectos dos homens que por aqui passaram. O futuro far-se-á com outros nomes e outras histórias, certamente, mas os homens passam, as obras ficam. O que, neste caso, justifica uma expressão bem mais apropriada: «os homens passam, o edifício fica». 31 Miguel Ventura Terra nasceu em 1866 no lugar de Seixas, próximo de Viana do Castelo. Oriundo de uma família pobre, tal não impede que, aos 15 anos, inicie na Academia de Belas-Artes do Porto os estudos de Arquitectura, Escultura e Pintura. Em 1886, após quatro anos de estudo, ganha uma bolsa do Governo, para frequentar a École des Beaux-Arts, ficando entre os cinco primeiros dos candidatos ao concurso de admissão. Trabalha com Jules André e depois com Victor Laloux, arquitecto famoso, autor da Gare d'Orsay. O seu percurso académico foi brilhante, ganhando variadas menções e medalhas, sendo no final admitido a concurso para arquitecto de 1º classe, cujo diploma obtém em 1895. O ter ganho, ainda em Paris, o primeiro prémio do concurso internacional para adaptação do Palácio de São Bento, determina que volte definitivamente para Portugal e

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se fixe em Lisboa, com o fim de acompanhar a obra. O que faz até à sua morte, em 1919, com a idade de 53 anos. Ventura Terra, foi o arquitecto da Lisboa Republicana, responsável pela criação da nova imagem da cidade. No espaço disponível das Avenidas Novas e bairros circundantes, projectou muitos edifícios para habitação. Influenciado pela formação parisiense, conseguiu garantir uma notável clareza das plantas e a articulação do interior com o exterior, através de grandes janelas de iluminação que, simultaneamente, se constituem como animadores imagéticos da retórica disciplinada das fachadas. As suas casas apresentavam uma qualidade funcional, que as aproximava já dos objectivos que o betão do ciclo modernista iria viabilizar; mas o impacto representativo da fachada, o rosto do prédio sobre a rua, concentrou igualmente a sua atenção, através de recursos múltiplos, da distribuição assimétrica dos vãos ao ritmo das balaustradas e dos emolduramentos, ou à cor das gelosias e dos frisos de azulejo que, sistematicamente, empregou. Terra projectou, para além da Assembleia da República (1886), o Banco Totta & Açores na Rua do Ouro (1906), a primeira sinagoga moderna da cidade (1905), a Maternidade Alfredo da Costa (1907), o Liceu Camões (1907), o Liceu Pedro Nunes (1909), o Cinema Politeama (1912-13) e a Igreja de Santa Luzia em Viana do Castelo. Em 1903, projecta também a sua própria casa na Rua Alexandre Herculano, prédio de quatro andares que receberá o Prémio Valmor desse ano. Em 1906, é premiado de novo com a casa da Avenida da República, pertencente à viúva do Visconde de Valmor. Em 1911 obtém outro prémio, agora com a casa Tomás Quartim, nº 25 da Rua Alexandre Herculano.